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Nada além de um cavalheiro

Resgatada da Ruína — Livro 8

Elisa Braden
SINOPSE

Uma solteirona traça um plano (com um punhado de


chantagem)
A Senhorita Augusta Widmore não tem tempo para
decoro. Ela deve forçar a sua irmã irresponsável a subir ao
altar com toda pressa ou assisti-la enfrentar as
consequências escandalosas. Mas com o canalha resistindo
ao seu dever, precisa de um impulso. E apenas um homem
pode fornecer isso.
Um gigante retém todas as cartas (ou assim ele acha)
Sebastian Reaver não tem tempo para mulheres
presunçosas. Ele tem um clube para administrar. Então,
quando uma perfeita moléstia invade o seu escritório,
exigindo uma fortuna em promissórias e se recusa a partir
até as entregue, sabe exatamente o que a fará correr de volta
a Hampshire: o preço exato que uma solteirona do interior
nunca concordaria em pagar.

Inicia-se uma ardente batalha (com os dois lados


jogando para valer)
Normalmente, Augusta nunca concordaria em se tornar
a amante do proprietário de um notório clube. Seja um rufião
de classe baixa, o homem mais rico de Londres, o gigante
mais intrigante e mal humorado que ela já encontrara ou
todos três juntos. Atender o seu blefe aumentaria as apostas
(e o calor), mas recuar significará a ruína de Augusta. Agora,
Sebastian quer sua rendição total e, para isso, tem alguns
truques na manga: beijos que roubam até a alma, honras
inesperadas e persuasão eletrizante para a mulher que ele
nem viu chegar.
DEDICATÓRIA

Para mamãe. Porque ‘hoje não’ nunca quis dizer para sempre.
Você me deu espaço para sonhar. Agora olhe onde estou.
*~*~*
CAPÍTULO 1

“Se necessitar falar como um coletor de dejetos, pelo menos


escolha um único padrão vulgar e não vários. Sua combinação
específica de estivador de Londres e camponês de Cumberland
podem ser compreensíveis aos rufiões de baixa classe, mas
provoca os nervos daqueles de nascimento superior.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta, explicando os méritos de uma dicção
apropriada.

26 de outubro de 1819.
Londres

— Ficar ‘cum’ isso? ‘Cum’ tudo? — O garoto de rosto


magro, escurecido pela sujeira falhou em esconder seu
ceticismo. Ele bufou e ajustou seu gorro. O gorro era, no
mínimo, mais sujo do que o menino. — O ‘prisunto’ ali. — Ele
apontou um polegar sujo por cima do ombro para o sujeito,
excepcionalmente grande e vigilante, parado diante de uma
porta do outro lado da rua estreita. — ‘Vai’smagar’ minha
cabeça ‘entrus dedus’. Pior. Me ‘sodomizá’. — O garoto cuspiu
nos paralelepípedos. — ‘Pur’ isso posso ficar ‘cum’ tudo? ‘Aye’.
‘Si’ sua intenção é vender minha bunda, Lady, ‘pos’ser
istranho’, mas num sô….
Embora ela compreendesse aproximadamente metade do
que o menino falava, Augusta Widmore o parou com um som
de desaprovação.
— Os termos de nosso arranjo não mudam desde que
conversamos sobre ele. Você pode ficar com a moeda que lhe
dei e pode ficar com o que quer... obtenha do Sr. Duff. — Ela
se endireitou e olhou desafiadoramente para o pequeno sujo.
— Desde que seja tão rápido e habilidoso quanto diz ser.
Olhos cínicos e brilhantes se estreitaram.
— Ninguém é ‘mió’.
Ela se viu traduzindo a segunda palavra — melhor —
pelo contexto da conversa, pois sua fala era rápida e vulgar, o
sotaque era uma série de grunhidos tolhidos e vogais
enroladas. Uma linguagem diferente, na realidade. Ninguém
falava assim em Hampshire. Ninguém de sua convivência,
pelo menos.
Como estava demorando a voltar! Uma quinzena em
Londres era mais do que suficiente para enviá-la correndo de
volta para sua pequena cabana com castanheiros
murmurantes e cheiro de cera de abelha.
Ela ergueu o queixo.
— Uma afirmação ousada. Parece que você tem algo a
provar.
Ele fungou e olhou por cima do ombro.
— ‘Si mim pegá’, quero o dobro.
— Não.
— ‘M’tadi’ agora, ‘m’tadi adepois’. Dobro, como disse.
— E eu disse não. Você fez uma promessa. Espero que a
honre, como honrarei a minha.
Ele fungou rudemente.
— Há algo em sua garganta?
O menino murmurou e se mexeu, lançando olhares
duvidosos na direção do Sr. Duff. Com um pescoço que
mostrava não ter um tamanho adequado ao tamanho de sua
cabeça, o guarda das portas dos fundos do clube de jogos era
uma visão intimidante. Augusta entendia a hesitação do
garoto. Se o Sr. Duff o pegasse, seu destino seria, com
certeza, terrível.
Ela deu um passo atrás da roda da carroça onde
estavam escondidos, tomando cuidado para puxar suas saias
da pilha de coisas fedidas antes de se aproximar do menino.
— Ele é grande, sim.
Outra fungada.
— ‘Aye’, lady. ‘El’é’.
— O tamanho dele o tornará lento.
O menino engoliu em seco e fez um aceno brusco.
— Garanta que ele lhe veja. Certifique-se que ele lhe siga.
Um suspiro profundo estremeceu um peito muito magro.
Ela cerrou os dentes e sufocou a consciência. Isso tinha
que ser feito.
— E garoto…
— ‘Aye’?
— Previna-se para que ele não o pegue.
O garoto puxou o gorro sobre sua cabeça com mais força,
levantou suas calças ásperas e sujas e limpou seu nariz com
o pulso sujo.
— ‘Aye’. — A sílaba única se dispersou no ar.
Ela quase o impediu. Quase estendeu a mão e segurou o
braço ossudo, mas ele já se movera, cruzando a rua de
paralelepípedos sob as sombras dos tijolos vermelhos e vigas
de madeira escuras.
Augusta se castigava pelo momento de fraqueza.
Simpatia por batedores de carteira? Ela não podia se dar ao
luxo para tais tolices sem sentido.
Observando o menino se lançar entre a carroça de
entrega que partia e uma pilha de barris de vinhos, rodeou a
traseira da carroça, lutando para conseguir respirar sem
engasgar.
Bom céu. Mesmo nas partes mais limpas e ricas da
cidade, a sujeira era impressionante. Mais uma vez pensou
em sua cabana em Hampshire. O jardim cercado onde
cultivava hortelã e alecrim. A pequena sala com uma lareira
limpa. A estante com o que restara dos livros de seu pai.
Ela beijaria cada milímetro da madeira encerada quando
voltasse. Mas agora permaneceria em Londres e faria o que
tinha que ser feito. Pelo bem de Phoebe.
Tudo era pelo bem de Phoebe. Sempre fora.
Enquanto o Sr. Duff gritava uma ordem a um dos
criados do clube de jogos e a carroça sumia de vista no beco
que ia à St. James, a movimentada viela começou a ficar
calma. Esse era o padrão que ela notara nas últimas
semanas. A esta hora da manhã, poucos clientes iam e
vinham e o Sr. Duff frequentemente ficava sozinho na
entrada.
Este momento significava a sua melhor chance.
Uma sombra saltou entre dois barris e agachou-se entre
os degraus de madeiras que levavam à porta.
O garoto era bom. Pequeno e rápido. Ele completaria a
tarefa sem ser pego, Augusta afirmava a si mesma. E se não o
fizesse, se o Sr. Duff tentasse machucá-lo….
Seus olhos recaíram em direção a uma longa barra de
ferro que servia de alavanca da carroça.
Bem, não podia permitir que ele fosse machucado. Rezou
para que o menino fosse tão habilidoso quanto dizia ser.
—Ei! O que diabos? Venha aqui, seu ladrãozinho!
O garoto fez um mergulho gigante, atacou, pulou para o
lado e passou pelo estábulo. O Sr. Duff se arrastou atrás dele
com seus passos pesados e uma série de insultos sobre as
origens de nascimento do garoto. Quando passaram pela
posição de Augusta e seguiram para o beco, os passos longos
do Sr. Duff diminuíam a distância entre eles. Viraram a
esquina e desapareceram.
Ela prestou atenção, esforçando-se para ouvir algo além
de sua respiração rápida e dos batimentos acelerados de seu
coração. Sem gritos do menino. Sem sons de pancadas.
Lançou uma olhada para os degraus de madeira e para a
porta desprotegida.
Agora, Augusta. Agora.
Cruzou apressada a rua sem tentar se esconder. A
velocidade era mais importante. Ela tinha que conseguir
entrar antes do retorno do Sr. Duff.
Subiu os degraus, quase tropeçando em suas próprias
anáguas. Segurando a maçaneta, a girou e se jogou para
dentro. Recostou-se na porta. Piscou. Respirou fundo.
Examinou o entorno, ou tentou, pelo menos. Estava escuro.
Estava em um longo corredor, assim pensou, mas não havia
luz.
Endireitando-se, ela ouviu. À distância, ela escutou
criados conversando. Risadas masculinas. Um insulto
feminino. Passos.
Sentiu o cheiro… de algo delicioso. Cebolas e carne
assada. Pão de levedo. Algum tipo de molho de vinho.
Seu estômago roncou. Não fazia uma refeição decente há
semanas.
Á medida que os olhos se acostumavam à escuridão,
avistou uma abertura no corredor. Se as informações
estiverem corretas, preciso localizar as escadas de serviço e
subir três pisos. Soou um clique. Um homem blasfemou. Ela
correu e se lançou cegamente na abertura.
E deteve-se.
Uma criada descia as escadas, as saias cinza flutuavam,
os passos eram rápidos e alegres. Os braços da moça
carregavam uma alta pilha de tecidos, por isso prestava
atenção em seus pés.
Rapidamente Augusta achatou-se contra a parede,
esperando que as sombras a escondesse.
A criada se aproximava. Ela falava entre os dentes.
Contando.
— Setenta e nove. Oitenta. — Parou ao chegar ao último
degrau. Seus pés se embaralharam. Depois a contagem
continuou. — Oitenta e um.
A meros centímetros de distância ela estacou novamente.
Suas saias sussurravam contra as de Augusta. Trocou a
carga de panos cuja altura ultrapassa a sua touca e
sussurrou:
— Ou são oitenta e dois? — Fez um ruído de escárnio. —
Quem se importará? É apenas uma aposta com a Grande
Annie, sua boba. Agora, se fosse com o Sr. Reaver... — A
garota deu de ombros, a pilha se inclinava de um lado para o
outro. Aparentemente o Sr. Reaver era muito mais exigente
que a Grande Annie.
Augusta podia acreditar nisso. Descobrira muita coisa a
respeito do proprietário do Reaver nos últimos dez dias. E
nada do que constatou era um bom prenúncio para sua atual
tarefa.
A reputação o fazia soar como um deus obscuro. Hades,
talvez, o guardião do submundo. Poucos o viam. Ninguém era
recebido, a menos, que ele solicitasse a visita e, quando a
requisitava, os motivos normalmente eram... desagradáveis.
O proprietário do mais exclusivo clube de jogos de toda a
Londres não se tornara um dos homens mais ricos de toda a
Inglaterra por ser caridoso. Não mesmo. Sebastian Reaver, ex-
pugilista, dono de taverna e rufião, sempre cobrava as suas
dívidas. De uma forma ou de outra.
A maioria falava nele em um tom proibitivo. Sua equipe.
Os membros do clube. Os homens que entregavam carvão e
os que acendiam as lamparinas na tranquila praça do clube
na St. James. Todos falavam do Sr. Reaver como se fosse o
diabo em pessoa.
O motivo pelo qual, apesar de seu coração acelerado ao
esperar a pequena criada com uma grande pilha de tecidos
passar, Augusta temia que suas descobertas fossem inferiores
ao que tinha que encarar.
Um passo de cada vez, Augusta. Um passo de cada vez.
A criada retomou a contagem.
— Oitenta e cinco. Oitenta e sete. Oitenta e nove.
Ela virou a esquina.
Augusta soltou o ar, sua cabeça girava. Com o objetivo
renovado, ela subiu as estreitas escadas de madeira, parando
no patamar para escutar vozes. Novamente, tudo estava
quieto. Apressando-se agora, ela corria um lance seguido do
outro, segurando as suas saias em uma altura mais alta do
que o apropriado. Finalmente ela chegou ao piso onde lhe
garantiram se encontrar o escritório particular do Sr. Reaver.
Ela abriu a porta que levava a um silencioso corredor de
painéis brancos. Encolhendo-se quando as tábuas rangeram
sob os seus pés, ela olhou para ambos os lados. Vazio. O
alívio escorreu quente dentro dela. Ela apressou-se pelo
corredor, procurando freneticamente pela porta escondida.
Ela deveria estar em uma reentrância, logo após o sétimo
candelabro. A maioria dos visitantes deste andar, sua fonte
alegara, pensava que era a entrada para um armário ou um
espaço igualmente inócuo. Ele não usara a palavra ‘inócuo’,
obviamente. Muito parecido com o ladrão de carteiras que ela
contratara para distrair o Sr. Duff, sua fonte mal falava uma
palavra adequada em inglês, pesando as moedas em sua
palma da mão enquanto murmurava sobre “fedelha idiota que
precisa de um homem para levá-la para dentro.”
Augusta considerava-se diferente. Ela não precisava de
um homem. Não para si mesma, de qualquer forma.
Passando pelo quinto candelabro, ela parou.
Passos. Uma refinada voz masculina com uma dicção
admirável. Só podia ser o Sr. Shaw, o mordomo do clube.
Oh, querido Deus. Ela girou no lugar, procurando
freneticamente pela reentrância e encontrou apenas painéis
brancos e portas esporádicas. À frente, dividindo o corredor
em duas seções, havia uma abertura onde deveria ter uma
porta. Correu em sua direção, esperando que a saliência a
escondesse bem. Porém, justo antes de alcançá-la, a longa
parede de painéis, projetada para parecer reta até que alguém
parasse naquele ponto exato, deu acesso à reentrância.
Dentro dele havia uma porta de madeira escura.
À medida que a voz do Sr. Shaw ficava mais alta e os
passos pesados mais próximos, ela fechou os olhos
brevemente. Fez uma oração rápida. E abriu a porta.
A antecâmara era menor do que imaginou. Silenciosa e
clara, continha apenas uma pequena mesa com formato de L
e um conjunto de poltronas bem grandes. Ao longo de uma
das paredes, do chão ao teto, uma série de gavetas de
madeira com etiquetas numeradas e, acima, prateleiras de
livros de registros. Todos os livros de registros possuíam o
mesmo tamanho, as lombadas eram etiquetas com um código
de números e traços. Sobre a mesa, duas lâmpadas, ambas
acesas. Na parede mais distante via-se outra porta.
Era isso. A razão para vir a Londres, gastar as moedas
com batedores de carteiras e subornar criados, arriscar a
reputação e sua segurança.
Porque ela precisava.
Porque Phoebe sofreria se ela não fizesse.
Ela arrumou seu cabelo com a mão enluvada. Ajustou as
dobras de sua peliça de lã marrom. Respirou fundo para
reunir coragem.
Abriu a porta do covil do diabo. Um passo adentro sem
nem mesmo pedir licença.
A sala não era o que esperava. Nem ele.
— Preciso de um novo pote de tinta, homem. — Trovejou
o gigante de cabelo preto usando óculos com aros. Ele estava
sentado atrás de uma mesa de carvalho tão plana, massiva e
organizada quanto a sala em si. Ele não levantou os olhos do
registro, em vez disso, lançou um olhar de desagrado à ponta
da caneta. — Acabei com um esta manhã.
A voz do homem era tão profunda que vibrou pelas
tábuas do piso e subiu por seus ossos. Ela não era capaz de
identificar seu sotaque. Era similar ao do batedor de
carteiras, porém muito mais compreensível com ‘Os’
redondos, ‘As’ planos e um pouco de pronúncia áspera. Norte,
talvez da fronteira com a Escócia? Pelo menos, ela conseguia
entendê-lo. Isso tornaria a conversa mais fácil.
De onde estava podia notar a brancura de sua camisa, o
cinza de seu colete, o preto de suas sobrancelhas. Ela era
capaz de medir a largura de seus ombros e os músculos dos
braços enquanto escrevia. Os pulsos eram grossos e sólidos.
As mãos pareciam maiores que a cabeça dela.
Ela se perguntou se seria desonroso desmaiar.
Bom Deus. O homem era duas vezes maior que um
homem de tamanho normal. Ele era ainda maior que o Sr.
Duff e, muito, muito mais musculoso. Os antebraços,
salpicados generosamente com pelos do mesmo tom preto de
seus cabelos cortados rentes à sua cabeça, avolumavam-se,
flexionavam e ondulavam de uma maneira fascinante.
Ele não podia ser real. Gigantes eram um mito.
— Frelling, fale ou saia. Nós já conversamos sobre isso.
O Sr. Frelling era o secretário do Sr. Reaver.
Normalmente o homem estaria acomodado na antecâmara,
mas Augusta descobrira a predileção de Frelling em levar a
sua nova esposa ao Gunter’s tea Shop nas manhãs de terça.
Evidentemente, isso era novidade para o Sr. Reaver.
Pigarreou delicadamente.
A caneta não parou. Ele a enfiou no tinteiro quase vazio.
Engolindo com dificuldade, forçou-se a se afastar da
porta e entrar na sala. Aproximar-se dele.
— Sr. Reaver, há um assunto que devemos discutir.
Ele continuou escrevendo.
— É muito urgente.
A caneta parou. Dedos grossos, longos e com unhas
curtas a colocaram no suporte com um clique resoluto.
Depois, removeu os seus óculos de aros prateados de cima de
seu nariz e os apoiou sobre a mesa de carvalho. Ele se
endireitou na cadeira e flexionou sua mão direita como se
doesse. Finalmente a olhou.
Ela perdeu o ar. Seus olhos eram como ônix.
— A menos que esteja aqui para entregar tinta, não
temos nada a discutir. O que quer que seja.
Ela se aproximou com mais três passos.
— Meu nome é...
— Eu sei quem é.
— Srta. Augusta Widmore. Um dos membros de seu
clube é um cavalheiro com quem estou relacionada. Lorde
Glassington. Ele... deve uma soma substancial.
Sua fisionomia era estranhamente bruta. Sobrancelhas
pesadas. Olhos pretos ferozes, frios e profundos. Um nariz
beligerante com uma curva na ponte que parecia uma estrada
cortada em duas. Seu queixo era largo e quadrado, os ossos
de suas bochechas eram afiados e imperdoáveis. Uma sombra
escurecia a metade de baixo de seu rosto onde a barba
ameaçava crescer. Ele parecia cruel com aquele cabelo
cortado tão curto. Imaginou que ele pareceria igualmente
cruel com a barba. E com as pessoas, por falar nisso.
— Você pode sair por si mesma. Ou, posso jogá-la pela
porta. A escolha é sua.
Ela engoliu em seco. Lambeu os lábios. Deu outro passo.
— Lamentavelmente eu devo persuadi-lo por sua honra,
sir.
A maioria dos homens teriam se levantado. Mesmo os
mais humildes sabiam que era obrigatório se levantar diante
da presença de uma dama.
Ela pigarreou.
— Com o máximo respeito, eu peço que renuncie às
promissórias de Lorde Glassington.
— Não.
— Eu ainda não expliquei as minhas razões. Permita-me
que...
— Com grande respeito, Srta. Augusta Widmore, suas
razões significam para mim menos do que os depósitos na
privada esta manhã.
Sua mente titubeou quando ela compreendeu.
— Agora. Saia do meu escritório.
— Sr. Reaver, sei que meu pedido é incomum...
— Você é a quarta nesta semana. E é apenas terça-feira.
A quarta? Droga. Era pior do que imaginara. Muito pior
do que esperava.
— No entanto, eu lhe imploro. Se apenas me ouvisse.
— Como se esquivou de Shaw? Ele nunca a deixaria
entrar, muito menos lhe mostraria o meu escritório.
Ele apertou os lábios. Como responder?
— O Sr. Shaw me impediria de entrar. Ele não sabe da
minha presença.
A expressão dele — tão intimidadora e fria quanto a sua
reputação — escureceu.
— Então foi Duff.
— Não. — Ela respondeu, amaldiçoando o tremor em sua
voz. — Eu encontrei o caminho sozinha. Você não deve punir
os seus empregados. Eles não têm culpa.
Ele grunhiu divertindo-se.
— Se você está aqui, então eles falharam em suas
tarefas. — Olhos de ônix enervantes a avaliaram, parando
quase imperceptivelmente em seus quadris e ombros.
Embora, talvez a última pausa fora um pouco mais abaixo
dos ombros. Aconteceu muito rápido para ela ter certeza. — E
você inegavelmente está aqui.
Ela engoliu em seco. Seus olhos caíram sobre as mãos
dele, casualmente entrelaçadas sobre a mesa. Dedos grossos
e grandes manchados de tinta. Era difícil imaginar um
homem fisicamente tão poderoso e impiedosamente potente
quanto este, sentado o dia inteiro atrás da mesa, reclamando
de tinteiros vazios.
— Estou aqui porque é o único que pode me ajudar. —
Ela levantou os olhos para encontrá-lo franzindo a testa. — A
dívida de Lorde Glassington é escandalosamente grande,
assim é compreensível que hesite em deixá-la de lado. Mas ele
estava completamente bêbado quando...
— Se eu perdoasse todas as dívidas contraídas por todos
os bêbados, seria tanto pobre quando um maldito imbecil.
— Ele tem obrigações familiares, sir. Responsabilidades.
— Todos têm. Nunca param quando o jogo vira.
— O seu discernimento era aterrorizante, mas...
Olhos negros se estreitaram sobre ele.
— Este tipo é quem para você, Srta. Augusta Widmore?
Não é seu irmão, pois ele não os tem. Algum outro tipo de
relacionamento?
— Como estamos familiarizados é de pouca importância.
O Sr. Reaver espalmou as mãos sobre a mesa. Levantou-
se. Endireitou-se em todo seu tamanho.
Deus santo e todos os seus anjos! Não é um mito.
Gigantes são muito, muito reais.
Ele rodeou a mesa e se aproximou. Ela desejou com cada
fibra de seu trêmulo ser não ter entrado tão profundamente
dentro daquela sala. Na verdade, ela estava começando a se
arrepender de cada escolha que fizera e que a levara até
aquele momento: mimar Phoebe, acreditar em Glassington,
sair de Hampshire. Especialmente a última.
Augusta dificilmente seria considerada uma mulher
pequena — muitos centímetros acima da média feminina, na
verdade. Mas ele se elevava uns trinta centímetros a mais que
ela. Talvez mais. Isso seria suficiente para explicar a sua
cabeça girando e a súbita necessidade de ar. Ele também era
largo o bastante para bloquear toda a luz da janela do
escritório, transformando as suas feições ásperas em uma
sombra gigante.
Ele a esquadrinhou. Podia imaginar o que viu. As
características simples, porém dignas, dos Widmores. Cabelos
ruivos escuros presos sob a cabeça para domar as mechas.
Bonnet1 de palha sem adornos. Peliça de lã que esteve na
moda há cinco anos, quando o costurou, mas que agora era
velha e sem graça. Mãos enluvadas apoiadas com firmeza na
cintura.
Apesar da intensidade do olhar, não se iludia achando
que a achava agradável. Passara vinte e oito anos sem um
homem sequer falar sobre seus atrativos. Após tanto tempo,
ela concluiu que era óbvio.
Não. O Sr. Reaver não a encarava do alto de sua colossal
altura por estar fascinado por sua beleza. Era um teste. Sua
exploração silenciosa era para intimidar, fazê-la encolher e
recuar.
Bem, talvez não fosse bonita. E talvez sua vida tranquila
em Hampshire fosse um treinamento inadequado para este
tipo de confronto. Mas o Sr. Reaver tinha um ou duas coisas
a descobrir sobre Augusta Widmore se pensava que um pouco
de tamanho e intimidação a dissuadiriam de sua tarefa.
Ela ergueu uma sobrancelha.
— Sabe, encarar é rude.
Mais uma vez ele franziu a testa. Um daqueles dedos
grossos e manchados de tinta acariciou a sua lapela. O gesto
a assustou. Parecia um grande urso brincando com a comida.
— Parece que você arrumou alguém apropriado, não?
Recém-nomeado conde. Ele prometeu casamento?
Ela recuou dois passos antes de parar. A tensão tomou
conta de seus músculos de suas pernas, barriga e pescoço.
Ele estava muito perto da verdade.
— Deve ter ficado muito desapontada quando ele perdeu
tudo, exceto o título, em apenas quinze dias.
“Desapontada” nem começava a descrever a sua reação.
Glassington destruíra não apenas sua própria fortuna como
tudo o que ela trabalhara para construir desde os dezessete
anos. Ele enviou a uma vida de desgraça e pobreza uma
mulher que confiou a ele o seu coração e seu corpo.
Tudo por duas semanas de folia e bebedeira.
Ela ergueu seu queixo e segurou o olhar.
— Não é por Lorde Glassington que peço. Outros serão
prejudicados quando cobrar as dívidas dele. Inocentes que
não fizeram nada mais do que...
— Confiar no maldito nobre errado. Aye. Um problema
comum, esse. — Sua cabeça inclinou-se sutilmente. — Não é
problema meu, entretanto.
Ela piscou e estremeceu em alarme enquanto ele
diminuía os poucos passos que os separavam e inclinou-se
até que o peito quase tocasse o nariz dela. Atrás, o leve ruído
de uma porta soou. Uma rajada de ar mexeu suas saias.
Oh! Ele estava abrindo a porta. Graças a Deus. Por um
momento, ela pensou que ele pretendia... mas, não. O Sr.
Reaver podia ser um rufião mal nascido, mas não era
conhecido por importunar mulheres. Na verdade, em meio a
todos relatórios e rumores que ela reuniu, pouco foi falado
sobre os seus hábitos em relação à companhia feminina. Ele
era solteiro, isso era tudo o que as suas fontes sabiam.
— Hora de ir, Srta. Widmore.
Ele cheirava melhor do que podia supor. Muito melhor,
na verdade. Como o estimulante ar de outono: limpo e
dourado com apenas uma pitada de lã e fumaça de madeira
queimada.
Uma pata gigantesca envolveu seu braço. Antes que
pudesse dizer uma palavra, a girou e a empurrou pela porta.
Embora indolor, sua saída foi rápida e fluída. Não havia como
resistir.
Ela perdeu o fôlego em algum lugar na antecâmara,
porém, conseguiu repreendê-lo ao alcançarem o corredor.
— Sr. Reaver! Isso é muito inadequado. — Ela esticou o
pescoço para ver além da aba do bonnet, foi capaz de
vislumbrar uma mandíbula flexionada. — Solte-me
imediatamente, sir.
Ele não a soltou. Nem mesmo diminuiu os passos, o que
era uma caminhada para ele, era uma corrida para ela.
— Não tem consciência? Nem honra?
Enfim ele parou. Virou-se para encará-la.
Sem ar, ela o observou abaixar-se. Ele estava...
curvando-se para ela? Que estranho.
Seus ombros roçaram sua barriga. Um momento depois
o mundo virou. Ela gritou quando uma faixa de músculos
quentes envolveu suas coxas. Chiou quando uma mão
gigantesca segurou suas nádegas com firmeza. Então o
mundo começou a subir e descer.
Não. Ela estava subindo e descendo. Ele descia as
escadas, carregando-a sobre os ombros como um saco de
farinha. Nem ao menos teve a cortesia de respirar com
dificuldade, comportando-se exatamente como se carregar
mulheres estranhas pelas escadas da frente de seu clube
fosse uma rotina entediante.
— Sr... . ooph! Sr. Reaver. Insisto eu me ponha no chão
... ugh... Imediatamente!
Então, repentinamente, ele fez isso.
A cabeça dela mergulhou. As mãos agarraram-se aos
ombros largos. As mãos dele se demoraram em sua cintura.
— Ora, ora. A qualidade da ralé parece estar melhorando
por aqui. — A voz era refinada e animada. Sr. Shaw.
O Sr. Reaver deu um passo para trás, deixando-a
desequilibrada e desorientada. Ele fulminou o mordomo que
aparecera ao lado deles. Então, sem falar nada, subiu as
escadas e desapareceu: um gigante sombrio e intimidador
voltava ao seu covil.
Ela piscou. Olhou para o Sr. Shaw que estava parado,
sorrindo, seus dentes brancos contrastavam sua pele negra.
Sobre um dos ombros do homem, ela avistou uma estátua de
uma mulher segurando algum tipo de receptáculo. Talvez
uma cornucópia derramando moedas de ouro.
— Srta. Widmore. — O Sr. Shaw a censurou e
gentilmente a pegou pelo cotovelo, levando-a até a porta. —
Eu a alertei. Ele não gosta de visitantes.
Uma brisa fria e úmida entrou ao abrir a porta. Por fora,
ela era vermelha.
— Sr. Shaw.
Ele parou enquanto pressionava além do limiar.
— Sim?
Ela se virou para encará-lo.
— Este é um assunto de muita urgência.
— Tive esta impressão.
— Eu não desistirei até que o Sr. Reaver me ouça. Não
posso desistir.
O sorriso do Sr. Shaw se suavizou. Os olhos de âmbar
ficaram pensativos.
— Um conselho, seu puder ser tão ousado.
— Sim?
— Desista.
— Eu...
— Apelar para a misericórdia de Reaver é... — Ele deu
uma risadinha. — Como esperar que moedas de ouro caíssem
da cesta de uma deusa na rede de alguém. Desista agora,
Srta. Widmore. Salve-se desta frustração imensurável.
— Mas...
Sua única resposta foi fechar a porta.
Ela se confortou por ele não a ter batido. Não, o Sr. Shaw
— ao contrário de seu empregador — era educado e paciente.
Distraída, passou a mão sobre sua barriga. Ele não a
machucara, mas ainda podia sentir a solidez de seu ombro. A
força do braço. O calor de sua mão em suas nádegas.
Como ele gostaria de poder seguir o conselho do Sr.
Shaw. Mas nem ele e nem o Sr. Reaver entendiam a natureza
terrível de suas circunstâncias ou a persistência de seu
caráter.
Ela encarou a porta vermelha. Puxou as luvas com um
pouco de força. E endireitou sua perfeita postura Widmore.
Eles não a entendiam agora. Mas a entenderiam. Muito
em breve, a entenderiam.
CAPÍTULO 2

“Para uma dama corajosa, um desafio é meramente um


chamado às armas. Considere-se avisado”.

A Marquesa Viúva de Wallingham para Elijah Kilbrenner em


uma carta, respondendo ao cavalheiro sobre a rejeição de um
conselho.

— Você deve admitir que ela teve mais sucesso que a


maioria.
Sebastian Reaver ignorou seu melhor amigo e parceiro de
negócios, optando por quebrar o selo de outra carta que não
desejava ler.
Adam Shaw se encostou na beira da mesa de Reaver e
cruzou os braços.
— Não sugiro que concordemos com o pedido dela, veja
bem. Mas é engenhosa. Suspeito que tem monitorado a nossa
agenda e hábitos por pelos menos duas semanas. Duff diz que
um garoto o roubou minutos antes de ela aparecer em seu
escritório. Não ortodoxo, mas eficaz.
Reaver olhou para Shaw sobre o topo de seus óculos de
leitura. Shaw lhe lançou um sorriso.
— Sim, sim. As exigências são absurdas, concordo.
Ainda assim, admiro a determinação dela. Talvez devesse
conceder-lhe uma reunião.
— Não.
— Pode ser divertido. Poderia usar um pouco disso.
Reaver bufou irritado e jogou a carta da bandeja de
madeira à sua direita.
— O que quer dizer?
Shaw deu de ombros.
— Só que você ficou entediado e infeliz. Sua pequena
aventura na primavera passada provou ser uma excelente
distração, mas agora acabou.
Sua “pequena aventura” envolvera uma investigação
sobre mortes por envenenamento de, pelo menos, quatro
lordes saudáveis. Na época, ele ficou furioso, pois, entre as
vítimas, estava um dos poucos aristocratas de quem ele
gostava. Então, insistiu em ajudar Henry Thorpe, o Conde de
Dunston, a prender o vilão, a quem Dusnton perseguia por
mais de uma década. Eles foram bem sucedidos, porém,
apenas depois do vilão ter conseguido envenenar Shaw e
chegar perto de matar a esposa de Dunston.
— Um sujeito chato? — Reaver sacudiu a cabeça. —
Deveria ser grato por isso. Outra aventura como a última e
você pode não sobreviver.
Shaw bateu no peito.
— Robusto e saudável, homem. Você, por outro lado, fica
mais austero a cada dia. Já considerou em ter uma amante?
Presumindo que possa encontrar uma mulher com problema
de visão. — Ele inclinou a cabeça. — Ou de constituição
vigorosa.
— Você não tem uma planilha de riscos para analisar?
— Tudo o que estou dizendo é que floresce com desafios.
Você passou os últimos catorze anos construindo isso. —
Shaw gesticulou em direção às estantes do outro lado da
janela. Reaver presumiu que ele queria dizer o clube no geral.
Era verdade que aquele era o único foco de Reaver. O
clube era a sua esposa, sua amante, seu filho. Cada
pensamento e ação, cada momento do dia fora dedicado a
torná-lo o que ele era hoje: a mais elegante casa de jogos em
Londres. Também era verdade que, ultimamente, Reaver
estava... inquieto.
Shaw se afastou da mesa.
— O clube é o maior sucesso possível. É hora de
procurar por uma nova montanha para escalar.
— Eu tenho a expansão para...
— Frelling pode administrar o projeto enquanto dorme.
— Shaw lançou um olhar de desgosto sobre o livro e pilha de
papéis arrumados em sua mesa. — E as horas acordadas, ele
poderia gastar nisto aqui.
— Não se ele preferir tomar chá com a sua nova esposa
do que cuidar do trabalho. Quando isso começou, hein?
Shaw ergueu uma sobrancelha e deu de ombros.
— Ele pediu. Eu permiti. O fato de que falhou ao
perceber a ausência dele é, evidente, problema seu.
— Meu único problema é com funcionários que não
podem impedir que solteironas de línguas afiadas se infiltrem
em meu escritório.
— Aquela solteirona de língua afiada é a coisa mais
interessante que aconteceu a você em meses.
Reaver jogou os óculos sobre o livro aberto e se afastou
da mesa. Andando até a janela, apoiou a mão sobre ela e
olhou para a pequena praça cercada por casas de tijolos. Ao
seu lado, um relógio marcava a passagem do tempo. Abaixo,
os mesmos velhos rostos que iam e vinham, a maioria saindo
com mais conhaque e menos contidos do que quando
chegaram.
— Pense um pouco sobre isso. Arrume uma amante.
Deus, até mesmo uma esposa se preferir algo um pouco mais
permanente. Frelling recomendaria o último. Assim como a
sua prima.
— Droga, maldito inferno. — Reaver murmurou. — Uma
esposa? No momento tenho mulheres o suficiente me
enterrando na lama, obrigado.
— Lady Wallingham não é uma dama. Ela é uma força
da natureza. Um tornado.
Verdade. A idosa fora nomeada a representante de sua
avó americana ali na Inglaterra. Ela lhe escrevia todas as
semanas nos últimos dez anos: uma cruzada para
transformá-lo “em alguém aceitável”. As recomendações
variavam desde contratar um novo alfaiate a compra de uma
propriedade rural para ter, discretamente, aulas com um
tutor especializado em “dicção apropriada”. Sua natureza
autoritária e intrometida fazia os nervos vibrarem. Cada
palavra era como uma mordida em uma barra de ferro.
Soou uma batida. Frelling colocou a cabeça pela porta.
— Uma visita para você.
Reaver olhou com raiva.
— Não há nenhum compromisso marcado para esta
manhã.
Frelling ajustou os óculos, dando de ombros e sorrindo.
— Ela insiste.
Ela? Uma onda explodiu em sua barriga, subindo para o
peito, não desejado e mal recebido. Muito parecido com
excitação. Por um momento, a imagem dela como parecera
dois dias atrás: pele corada por ter sido carregada pelas
escadas, bonnet de palha perfeitamente reto com a fita
marrom cuidadosamente amarrada embaixo do queixo. As
mãos de ambos demoraram sobre o outro por cerca de um
segundo a mais do que o necessário. Quase um abraço.
Maldito inferno. Um abraço? Talvez Shaw tivesse razão
sobre arrumar uma amante. Passaram-se seis meses desde a
última. Muito tempo, obviamente.
— Diga a ela para ir embora. E a escolte até lá fora.
Frelling ignorou sua ordem. Em vez disso, o homem se
virou para falar com alguém atrás dele. Então a porta se
abriu.
Não era a mulher que ele imaginara.
— Tolinho. — Disse a mulher mais requintada que ele
conhecera, passando por seu fascinado secretário e invadindo
o seu escritório em uma nuvem de musselina branca e veludo
índigo. Sobre os seus cabelos pretos havia um bonnet azul-
escuro com pequenas penas brancas. Ela piscou os cílios
grossos sobre os hipnotizantes olhos azuis.
—Trouxe presentes. Como prometido.
Ela inicialmente deslizou até a sua mesa, depositando
nela um pacote plano e quadrado, enrolado em uma folha de
papel, depois segurou a mão dele entre em um pequeno e
delicado aperto.
— Venha. — Ela balançou a mão dele. — Abaixe-se.
Novamente, maldito inferno. Esta era a última coisa que
ele precisava. Ele curvou-se, abaixando a sua bochecha,
assim ela o alcançaria. Ela depositou um beijo sobre o seu
queixo e lhe deu um sorriso brilhante.
— Pronto. É esplêndido vê-lo, Elijah.
Ele suspirou, endireitando-se.
— Reaver, Lady Tannenbrook. Sebastian Reaver.
— E eu já lhe disse para me chamar de Viola.
— Muito familiar.
— Nós somos primos. Bem, você e James são primos, de
qualquer modo. Eu tenho certeza de que ele não se importará.
— Eu vi o jeito que ele olha para você. Prefiro manter
meu sangue no lugar a que pertence. Falando nisso, onde
está o seu marido?
Viola deu uma piscada de olho maliciosa, uma pequena
cicatriz perto do olho atraiu sua atenção. Apenas enfatizava a
sua perfeição.
— Ele e o Sr. Duff discutem sobre o método correto de
arrumar uma chaminé. Eu o espero em breve.
Novamente, Reaver se viu suspirando. Ele olhou para
Shaw que acenou e saiu para buscar o homem.
James Kilbrenner, o Conde de Tannenbrook, tendia a
ficar irracional quando sua esposa passava um tempo sozinha
com outro homem. Melhor manter a duração curta.
Tannenbrook não possuía a suavidade típica de um nobre.
Ele era um marmorista escocês antes de, inesperadamente,
herdar o título inglês de um parente distante aos dezesseis
anos.
Não, Tannenbrook estava longe de ser suave. Ele passou
anos restaurando a propriedade de Shankwood, a vila
adjacente e tudo o que cercava as suas terras a uma sólida
produtividade, fazendo boa parte do trabalho com as suas
próprias mãos. Preocupado com o que poderia acontecer com
a propriedade e com as pessoas que dependiam dela se não
pudesse ter um herdeiro, ele rastreara o último homem
remanescente da linhagem Kilbrenner — Reaver, como
acontecera.
Reaver tinha pouca vontade de reclamar o seu nome
verdadeiro e, menos ainda, ser o pressuposto herdeiro do
homem. Mas, então, a pequena e requintada esposa de James
Kilbrenner decidira que a felicidade do marido dependia da
aceitação por parte de Reaver de seu “dever familiar” e Reaver
não conhecera uma semana de paz desde então.
— Oh, pare de franzir o cenho, Elijah. Eu não vim aqui
para atormentá-lo. — Ela soltou suas mãos e se virou,
flutuando em direção à mesa. Quando se voltou novamente,
ela segurava uma folha de papel junto ao peito. — Eu vim
resolver o seu problema.
— Por que todos assumem que tenho um problema?
— Eu fiz uma lista!
— Se eu tenho um problema, minha dama, é de pessoas
me aconselhando sobre problemas que eu não tenho.
Ignorando seu resmungo, ela sacudiu a folha aberta,
pigarreou e começou a ler.
— Lista de Lady Tannenbrook de possíveis noivas para o
Sr. Elijah Kilbrenner. Adorará isso. Poupei-lhe incontáveis
horas de conversas horríveis sobre cores favoritas e questões
tolas sobre porque nomeou o seu cavalo de Coronel Smoots.
Ele franziu a testa. Por que alguém se importaria em
como ele chamava o seu cavalo?
Ele levantou a mão.
— Confie em mim. — Então ela ergueu um dedo. —
Possível Noiva número um: Srta. Lydia Chipperfield. Oh, eu
gosto desta, Elijah. Vinte anos. O pai é um advogado que
resolveu um pequeno problema para o príncipe Regente e foi
agraciado com um título de cavaleiro. Sir, Emmett
Chipperfield é o nome dele. Cavalheiro encantador. A mãe é
maçante como água estagnada na lagoa, mas não se
preocupe. Lydia pode ter a beleza da mãe, mas herdou a
inteligência do pai. Uma candidata excelente, se assim puder
dizer.
Ele passou a mão na cabeça. Que coisa idiota ele ter
tosado a si mesmo como uma ovelha na primavera. Ele esteve
inquieto durante os meses finais do verão londrino. Quente e
sentido como se a pele estivesse muito tensa. Novamente ele
considerou se Shaw poderia estar certo. Uma amante. Sim,
talvez...
— Possível noiva número dois: Lady Maria Fitch. Esta
pode estar um pouco fora de alcance, mas seja paciente
comigo. Acredito que poderia resultar em uma combinação
espetacular. — Viola mordeu o lábio em forma de pétala. —
Ou um erro espetacular. Ou um ou outro. Não importa. Nós
determinaremos quando a conhecer. Ela é a segunda filha de
um conde irlandês. Dezenove. Um pouco jovem, admito.
E vinte não era? Seus dedos apertaram os ossos acima
do nariz.
— Lady Tannenbrook.
— Possível noiva número três...
— Não estou procurando uma esposa.
— Hmmph. Meu James disse o mesmo. E, no entanto,
aqui estou.
— Agora, se tiver uma lista de possíveis amantes,
aceitarei com prazer. — Ele falou para ser rude. Forçá-la a
parar. Ou partir. Ele deveria saber mais.
Ela fungou.
— Besteira. Para seus filhos serem legítimos, você deve
se casar.
— Também não busco filhos.
— Bem, deveria.
Sua resposta foi um grunhido.
— James dormirá melhor sabendo que Shankwood está
segura. Ele respeita você, Elijah. Não se importa que herde
seu título, mas prefere que esteja mais... estabelecido.
— Ele preferiria que eu me mudasse para Derbyshire
com uma esposa e cinco filhos.
—Naturalmente. Eu sou menos exigente, entretanto. Não
vejo motivos para não continuar a viver em Londres e gerar,
deixe-me ver, três filhos.
Ele suspirou. Esfregou com força a testa.
— Lady Tannenbrook?
— Sim?
— Não quero ser indelicado.
— É claro que não. Você sempre foi educado, Elijah.
— Você deu à luz a uma filha há alguns meses.
Ela sorriu. Iluminou-se como uma lanterna em uma
noite sem lua.
— Elizabeth. Sim. Uma pequena linda e maravilhosa.
Deve ir vê-la logo.
Ele ignorou o convite, como frequentemente fazia.
— Em um ano ou dois, você deve lhe dar um irmão. Dê a
Tannenbrook o verdadeiro herdeiro. Pode ser você com três ou
cinco filhos.
O brilho em seus olhos diminuiu de alegria a melancolia.
Amassou a lista entre as mãos. Ela sussurrou:
— Improvável. Mas rezo para que esteja certo.
O vinco em sua testa se aprofundou. Ela era alegre, linda
e uma dor irritante em seu traseiro. Mas então, a sua tristeza
o fez querer bater em algo. Ele gostava de Viola. Contra o seu
melhor julgamento e todas as regras para manter sua própria
sanidade, ele gostava dela. E ele não gostava de vê-la triste.
A porta se abriu com um estrondo.
— Bom Deus, moça. Eu dei as costas você sumiu. Nunca
mais faça isso novamente. Maldito inferno, eu quase tirei a
cabeça de Shaw de cima dos ombros antes que ele me
dissesse onde estava.
Se Reaver não soubesse que James Kilbrenner era seu
primo, ele teria adivinhado pela semelhança. Poucos homens
o alcançavam em altura. Tannenbrook era um desses, embora
fosse meio centímetro mais baixo que Reaver. E, embora seu
primo fosse loiro, muitos dos outros traços eram parecidos.
Exceto o nariz. O nariz de Reaver era um bico quebrado duas
vezes enquanto o de Tannenbrook era bruto como o resto de
seu rosto. O homem parecia um marmorista escocês.
Viola se virou e foi, quase dançando, até o marido. Como
fizera antes, ao mencionar a filha, a pequena beleza brilhou
com afeto.
— Perdoe-me, meu amor. Estava impaciente.
Tannenbrook a puxou para ele. A disparidade entre os
tamanhos era uma comédia. A mão cobriu toda a extensão
das costas dela enquanto seu bonnet nem lhe alcançava o
queixo. Mas Reaver reconhecia que o amor entre eles era tão
óbvio que deixava pouco para se notar.
— Você deu a ele? — Tannenbrook perguntou.
— Estava prestes a fazer isso.
Reaver franziu a testa.
— Fique com a sua lista, Lady Tannenbrook. Eu não
preciso dela.
Tannenbrook levantou o rosto e lhe olhou com um vinco
igual na testa. Era uma sensação estranha, como se estivesse
se vendo no espelho.
— Lista? — Ele inclinou a cabeça em direção a sua
mulher. — Que lista?
Ela sacudiu a mão delicada, colocou o papel nas costas e
se afastou da mesa.
— Oh, não é nada, de verdade. Apenas um guia para
auxiliar Elijah com o seu pequeno problema.
Reaver coçou a cabeça.
— Pela última vez, eu não tenho um problema.
Ela colocou a lista na mesa e recolheu o pacote que
apoiara ali mais cedo, presenteando-o com um sorriso. Estava
envolto em um papel marrom e barbante.
— O que é isto?
— Abra a veja, tolinho.
Ele cortou o barbante com uma mordida e desembrulhou
o papel. Dentro havia uma pintura. Verde, cinza e ouro,
emoldurada por uma madeira escura. Uma vila de pedra
entre colinas gramadas e molhadas pela chuva.
— Minha amiga, Lady Atherbourne, pintou isso. Vê? —
Ela apontou para uma torre e uma série de chaminés acima
de massivas estruturas de pedra. — A igreja. E Shankwood.
Retratos são a especialidade dela, mas acho que se saiu bem
neste. Você deveria pendurar aqui, no seu escritório. — Ela
gesticulou para as paredes vazias e franziu seu minúsculo
nariz. — Acho que esta sala poderia ganhar um pouco de...
refinamento.
Reaver lançou o olhar a Tannenbrook. O homem deu de
ombros. Estava começando a desprezar este gesto.
— Shankwood poderá ser sua um dia, Reaver. —
Tannenbrook falou, movendo-se para o lado de Viola. —
Deveria ao menos saber como ela é.
Ele quis discutir. Ele quis devolver a pintura às mãos de
Viola e informa-lhes que nunca seria um maldito aristocrata,
não importa quanto eles pressionassem ou insistissem, não
importa quantas vezes eles visitassem seu clube, o convidasse
para jantar ou o chamasse por um nome que ele deixou nas
cinzas há vinte anos.
Sebastian Reaver se fizera por conta própria. Tudo o que
ganhara foi com suor, sangue, músculo e planejamento.
Ninguém poderia lhe dizer quem ele era. Centímetro por
centímetro, ele descobrira isso sobre si mesmo.
Ele já tentara explicar isso a Tannenbrook. O homem
meramente grunhiu e lhe contou sobre o dia em que um
“maldito advogado inglês” chegara à cabana de sua mãe ao
norte da fronteira escocesa. Como ele resistira em aceitar as
responsabilidades que surgiram ao redor de seu pescoço
como jugo em um boi. Como ele logo percebeu que suas
negativas eram insensíveis e custariam muito àqueles que
dependiam dele.
Reaver também tentou persuadir Viola. De qualquer
forma, foi menos receptiva e alegremente, assegurou-lhe que
seria um lorde esplêndido: “olhe como administra bem o
Reaver’s!”
Eles não desistiram desde que chegaram em Londres no
começo do mês. Ele presumia que a campanha deles em
transformá-lo em um herdeiro aceitável continuaria até ceder
e concordasse em visitar Shankwood.
Não estava preparado para fazer isto. Mas, no interesse
de recuperar a posse de seu escritório, aceitou a pintura,
inclinando a cabeça para Viola.
— Agradecido, Lady Tannenbrook.
Ela sorriu.
Tannenbrook bateu em seu ombro com carinho.
Após outros quinze minutos ouvindo o primo descrever a
recente colheita da propriedade, enfim, o casal partiu. Viola
acenou e, em seu caminho a porta, piscou e murmurou:
— A lista! Dê uma olhada nela, Elijah!
Suspirou e jogou a pintura em cima da lista amassada
antes de se afundar em sua cadeira.
Deus, ele precisava de novos empregados. Um segurança
que não perseguisse ladrões e abandonasse o posto. Um
secretário que negasse a entrada em seu escritório a parentes
não convidados.
Seu escritório. Aquele era o seu domínio afinal, maldição.
E ultimamente, estava repleto de intrusos.
Ele visualizou a carta que chegara naquela manhã. Até
mesmo a Marquesa Viúva de Wallingham o perturbava,
embora por correio. Ele colocou a lista de Viola e a pintura em
cima do selo quebrado, tirando-os de sua frente. Então
sentou-se e esfregou os olhos.
Talvez ele devesse passar o resto do dia trabalhando na
renovação da casa vizinha. Ele e Shaw haviam comprado a
propriedade adjacente com a intenção de expandir o clube.
Sempre que se cansava da contabilidade e de responder
cartas queixosas de lordes empobrecidos, encontrava consolo
em levantar-se, destruir e trabalhar usando a força física.
Se no fim, o propósito de separar mais aristocratas de
suas fortunas parecesse menos satisfatório do que ele
gostaria, pelo menos, o trabalho servia para acalmar sua
inquietação.
Aye. Trabalho físico não era um desafio, mas clareava a
sua mente. Decisão tomada, ele começou a arrumar a mesa.
No instante em que terminou de ordenar as pilhas e afastar a
sua cadeira para se levantar, a porta de seu escritório se
abriu gradualmente. Uma touca branca espiou pela abertura.
Um braço de manga preta estendeu-se para dentro,
acompanhado de uma mão enluvada. Foram seguidos por um
peito amplo e quadris delgados, todos envoltos em lã lisa e
escura e um avental branco e limpo.
Ela estava vestida como uma criada.
Mechas onduladas de cabelo avermelhado apontavam
para fora da borda enrolada da touca. Pele clara e perfeita em
um meio tom mais cremoso do que o branco de seu avental.
Inexplicavelmente o seu corpo se contraiu até que ele
conseguiu apenas agarrar-se aos braços da cadeira.
Ela retornara. Vestida como uma criada.
Maldito inferno sangrento.
CAPÍTULO 3

“Um acordo propriamente negociado envolve dar e receber: dou


conselhos sábios e você toma as ações apropriadas. Então.
Este entendimento servirá muito bem às nossas necessidades,
não concorda?”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta definindo as tarefas referentes ao instrutor e o
instruído.

Encontrar o traje de uma criada fora mais uma questão


de sorte do que de inteligência. A casa onde Augusta e Phoebe
conseguiram quartos recebia muitos residentes não
convencionais, incluindo uma mulher que chamava a si
mesma Delilah Honeybrook. Como Augusta descobrira no dia
da lavanderia, a Srta. Honeybrook possuía uma variedade
peculiar de trajes: um vestido de camareira, um hábito de
freira fora de moda e um vestido que ela apelidara de
“conjunto de solteirona”. O último era perturbadoramente
parecido com alguns dos vestidos de Augusta.
Entretanto o traje de empregada era precisamente o que
precisava. Felizmente, a Srta. Honeybrook tinha a mesma
altura de Augusta. Infelizmente, os seios da mulher eram bem
menores, o que tornou a viagem até o Reaver’s Clube
desconfortável.
À medida que entrava no escritório do Sr. Reaver pela
segunda vez, tentou suspirar aliviada. O maldito corpete não
permitiria uma respiração profunda.
— Srta. Widmore. — Uma voz sombria soou do outro
lado da sala. — Outras pessoas pensariam que sete notas
sem respostas, três recusas de Shaw e uma viagem
involuntária à porta da frente seria resposta suficiente às
suas solicitações.
Seu coração fraquejou e se apertou. Oh, Deus, ele é
grande, ele parecia dizer. Talvez o corpete fosse o culpado.
Estava terrivelmente apertado.
Ela apertou as luvas com mais força e entrou na sala.
— Se deseja que eu parta, Sr. Reaver, então apenas me
escute. Esta é a rota mais rápida para a minha partida,
garanto-lhe.
— Duvido.
— Bem, talvez chegar a um entendimento seja mais o
que eu...
— Você quer que eu perdoe as dívidas de Glassington.
Isso não acontecerá.
Ela ergueu uma sobrancelha.
— O contrário. Eu não busco o perdão. Entende?
Precisamente por isso que precisa me ouvir.
Ele apoiou os cotovelos nos braços da cadeira e juntando
as pontas dos dedos, reclinando-se em uma pose sardônica.
— Continue.
Pigarreando, ela deu um passo em direção à mesa,
parando a pouca distância da beira.
— Lorde Glassington assumiu certos... compromissos.
Ele não pode, ou devo dizer, não manterá esses compromissos
se se não tiver os meios de fazê-lo.
— Um aristocrata que prefere manter sua riqueza do que
a sua palavra? Devo alertar o The Times?
— Este não é assunto para piadas, Sr. Reaver. Vidas
inocentes serão devastadas caso Lorde Glassington não
cumpra com os seus acordos anteriores.
— Que são?
Ela parou. Esta sempre foi a parte mais problemática da
conversa a ser abordada. Quanto ela deveria contar a um
rufião nascido na classe baixa, conhecido por negociar
segredos? Ela começou moderadamente.
— Ele concordou com um noivado. Após o desvio
desagradável em seu clube, ele retirou a oferta de casamento.
A luz que se infiltrava pela janela iluminou os olhos dele.
— Deixe-me adivinhar. Ele chorou por perder sua
fortuna. Considerou que ele não podia, em sã consciência
casar-se com você e lhe enterrar em tal dívida.
Por um momento, considerou corrigir suas suposições.
Mas Sebastian Reaver era muito inteligente. Se ela o
corrigisse, ele adivinharia toda a verdade, precisamente o que
ela desejava evitar.
— Ele fez promessas. — Ela falou levantando seu queixo.
— O que eu peço é que me ajude a garantir que ele as
mantenha.
Aquela mandíbula se flexionou.
— Como?
— Dê-me as promissórias de dívidas dele.
Uma risada curta e retumbante soou.
— Você é corajosa, Srta. Widmore. Eu tenho que lhe dar
crédito por isso.
—Não permanentemente, é claro. Eu devolverei uma vez
que ele cumpra com as suas obrigações. Tem a minha
palavra.
— Humm. Sua palavra, não? Isso e um ou dois xelins
pagarão por uma entrada em Bedlam. — Ele apoiou nos
braços da cadeira, erguendo-se em todo o seu tamanho. —
Precisamente onde eu pertenceria se concordasse com este
disparate.
Ele andou em sua direção. Antecipando as intenções,
contornou e foi para o outro lado da mesa, colocando a
maciça placa de carvalho entre eles.
— Você não perderia nada com esta barganha. — Ela
alegou.
— Não, não ganho nada, a não ser uma maldita dor de
cabeça.
— Bem, o que você quer em troca? Talvez eu possa...
Ele contornou a mesa.
Ela o imitou, passo por passo.
— As negociações acabaram. — Ele retumbou. — Ouvi o
seu pedido. Minha resposta é não. Agora, mais uma vez, Srta.
Augusta Widmore, é hora de partir. Este é um clube para
cavalheiros. — Seus olhos caíram rapidamente sobre o
corpete dela, franzindo o cenho vagamente intrigado. — E
você, dificilmente, é um.
Seus movimentos eram suaves e mais rápidos do que se
podia supor. Ela o observou com cautela, consternada em
como ele era tão ágil para seu tamanho.
— Eu devo dizer o mesmo de você, Sr. Reaver.
Uma fração de segundo antes que ele a pegasse, ela fez
um giro, deixando suas mãos gigantes agarrando o ar.
— Fique parada, mulher. Por Deus, você é irritante.
— Mesmo me jogando para fora desta vez, eu retornarei.
E de novo e de novo. Você nunca se livrará de mim.
Ele inclinou-se sobre a mesa, as mãos espalmadas sobre
a superfície arrumada, os ombros diminuíram um pouco.
— Os magistrados terão algo a dizer sobre isso. Invasão é
crime.
— Envolver a lei apenas lhe daria outra dor de cabeça. É
mais simples chegarmos a um acordo. — Ela foi para trás,
medindo o comprimento dos braços dele e a distância entre
eles. Suas costas roçaram a parede. — Deve existir algo que
queira. Eu poderia fazer algum trabalho, talvez. Tornei-me
bastante hábil em obter informações. Essa é uma de suas
mercadorias mais lucrativas, se não estiver enganada.
Ele balançou a cabeça, os dedos flexionando na madeira.
— Por que não atormenta Glassington com as suas
incessantes invasões? Ele será seu marido. Deve ser ele a
sofrer.
Ela piscou e depois estremeceu.
— Você é um homem rude.
— Se lhe incomodo, então parta.
—Sem as promissórias, minhas tentativas de persuadir
Lorde Glassington perderão o peso. Estou aqui porque é o que
me restou. — Ela levantou o queixo. — Faça um pedido, Sr.
Reaver. Se estiver em meu poder realizá-lo, eu o farei. Confio
que manterá a sua palavra e me entregará as promissórias
em troca.
Olhos pretos se estreitaram. Ele se endireitou. Cruzou os
braços e lhe deu um longo e avaliador olhar, desde a touca
até as botas de cano baixo enlameadas. Sua fisionomia ficou
pensativa. Calculista.
— Muito bem, então.
Seu coração disparou. Ela piscou. Ele estava cedendo.
Céus, finalmente — finalmente — teria uma chance para
consertar essa situação miserável.
— Aqui estão os meus termos: eu lhe concederei o uso
temporário das promissórias para amarrar o nobre pelas
pernas.
Ela engoliu em seco, mal ousando ter esperança.
— Em troca, você será minha amante.
O ar a abandonou. A luz brilhante diminuiu, afogou-se.
Um sorriso perverso curvou um canto da boca dele.
— Você entregará a sua parte da barganha primeiro, é
lógico. — Os olhos dele caíram sobre seu corpete e depois
voltou para golpeá-la. — Seis semanas devem bastar.
Os pensamentos subiram, giraram e deslizaram como
rodas de carruagem na lama de outubro. Inicialmente ela
imaginou ter lhe ouvido errado, uma ideia rapidamente
descartada. Não. Ela lhe pedira para fazer sua exigência e,
diabólico como era, fez um pedido ultrajante, provavelmente
tentando chocar sua sensibilidade. Não verdade, fora bem-
sucedido.
Em seguida, procurou alternativas. Infelizmente tinha
muito pouco a oferecer ao homem. Essa sempre foi a grande
falha de seu plano. Suas habilidades eram limitadas, seus
recursos eram inexistentes. Sua linhagem era antiga e
distinta, mas era inútil para alguém como o Sr. Reaver. E
duvidava enormemente que se oferecer para consertar as
camisas ou escrever as suas correspondências pudesse
induzi-lo a esquecer sua proposta escandalosa. Resumindo,
esperava contar com a simpatia dele por sua situação.
Claramente ele não tinha nenhuma.
Finalmente, contemplou a barganha o que ele oferecia,
realmente a considerou. Obviamente ele presumia que ela
recusaria, provavelmente esperando jogá-la para fora de seu
escritório e nunca mais voltar. Afinal, se ela fosse se casar
com Glassington, tornar-se a amante de Sebastian Reaver
negaria o seu propósito. Qualquer lorde na posição de
Glassington recusaria uma mulher manchada,
independentemente de sua influência, pois tudo o que restava
era sua honra de cavalheiro. Mas, como ela não se casaria
com Glassington, a suposição do Sr. Reaver era errada. E
essa era a sua vantagem.
Na verdade, ela estava tão profundamente relegada a
uma prateleira que poderia muito bem estar coberta de mofo.
Quem se importaria se ela mantivesse uma breve e discreta
aventura, mesmo se fosse com o notório proprietário de um
clube de jogos? Uma vez que Phoebe estivesse seguramente
casada com Glassington, os casos de Augusta perderiam a
importância. Ela poderia voltar a Hampshire, apreciar as
visitas de sua irmã de tempos em tempos e atirar aquelas
semanas em Londres para um canto obscuro e nebuloso de
sua memória.
Quanto mais ela pensava sobre isso, melhor o acordo
parecia.
Ela examinou o Sr. Reaver com mais atenção. Desta vez,
ela não permitiu que sua altura quase impossível a distraísse.
Ombros? Largos. Cintura? Estreita. Mãos? Enormes. Assim
como seus braços e coxas. Na realidade, cada centímetro dele
era volumoso e duramente musculosos, do pescoço aos
tornozelos. O poder do homem era visceral.
Ela engoliu em seco e prendeu a respiração enquanto se
esforçava a encontrar os avaliadores ônix. Apertando os lábios
enquanto uma onda de calor envolvia sua coluna, ela deu um
puxão nas luvas e endireitou a postura.
— Temos um acordo então. — Ela ficou feliz por sua voz
ter se mantido firme, pois por dentro, nada estava.
Várias batidas de seu coração passaram enquanto o
sorriso dele desaparecia e seu olhar se esfriou. Evidentemente
ele ficou descontente por ela ter reconhecido a sua jogada.
Sebastian Reaver descontente era uma visão
intimidadora.
Ela lutou para respirar fundo. Seu corpete não permitiu.
Teria que ser superficial.
— Eu serei sua amante. — Ela continuou, recusando-se
a se encolher diante da força daquele olhar intimidador. —
Após seis semanas, entregar-me-á as promissórias de Lorde
Glassington. — Ela deu a volta em sua mesa, veio em frente e
lhe estendeu a mão. — Obrigada por sua oferta, Sr. Reaver.
Aceito os seus termos.

*~*~*

Reaver olhou para baixo, para a pequena e enluvada mão


e depois para os olhos acinzentados da Srta. Augusta
Widmore.
Ela concordara. Com a mais insultante exigência que
conseguiu inventar. Maldito inferno sangrento. A moça não
tinha senso de preservação? Ela era idiota? Louca?
— É comum apertar as mãos quando um acordo é
selado.
Não. Nem idiota e nem louca. A inteligência naqueles
olhos não era enganosa. Ela podia parecer um pouco
desfocada estando tão próxima, mas até ele podia perceber
isso. Ela esperava que ele voltasse atrás. Talvez até contasse
com isso.
Aye. Era isso. Ele meramente precisava pressioná-la um
pouco mais forte.
— Não é assim que selo algo com uma amante. — Ele
manteve sua voz baixa e sugestiva, mas suspeitou que não o
fez bem, a reação dela foi um sorriso empertigado.
— Não sou sua amante até que finalizemos o nosso
acordo. Humm. Bastante paradoxo, concordo. Vamos apertar
as mãos, assim não continuaremos nos atrapalhando com
estas contradições.
Ela pensava ser esperta, não é? Bobagem. Esta pequena
solteirona sem graça do interior, que provavelmente
confundiu os avanços de um Glassington bêbado com uma
proposta de casamento, não era páreo para ele. A enviaria
correndo para Hampshire com as bochechas queimando e um
lenço agarrado ao peito.
O pensamento levou seus olhos até lá, onde estava
estranhamente murcha. Diferente da vez anterior.
— Presume que sejam meus termos finais. — Disse,
aproximando-se e abaixando a cabeça. — Não são.
Ela recolheu a mão antes que roçasse a barriga dele,
cruzando-as perto da cintura.
— Oh? Deveria pensar que ‘amante’ cobre uma boa parte
do território.
— Minhas necessidades são bem... específicas.
— Ah, entendo. Deseja acrescentar detalhes a nosso
acordo.
— Aye. Detalhes.
— Tais como?
Aquilo não estava saindo como previra. Ela parecia estar
se divertindo mais do que ficando apreensiva.
— Seus vestidos, para começar.
— Meus vestidos.
— Eles são feios. Sem graça.
Avaliando o avental branco amarrado sobre o vestido de
cintura alta, alisou as dobras da saia.
— Bem, este não é meu, Sr. Reaver. Caso não tenha
percebido. É um traje de criada. Peguei emprestado com uma
conhecida.
Ele franziu a testa e olhou para o colo dela novamente.
— Não lhe serve bem.
Ela suspirou.
— Sim, eu sei. Terrivelmente apertado. Mal se pode
respirar. Mas facilitou a minha entrada em seu
estabelecimento. Por isso, sou grata.
Infelizmente, ele não ouviu nada além do “terrivelmente
apertado”. Ele estava imaginando aqueles seios fartos
pressionados e apertados. Como seriam ao serem libertados.
— Quanto aos meus outros vestidos, admito que são
sérios. Nunca fui amante antes. Se quiser providenciar novas
vestimentas para eu vestir, não farei objeção.
Ele ficou carrancudo.
— Pois deveria.
— Por quê?
Deliberadamente, traçou o decote alto de seu vestido.
— Serão bem mais baixos.
A respiração acelerou e a pele da garganta dela arrepiou-
se.
Finalmente ela se ofendia adequadamente. Talvez ele
devesse beijá-la e acabar com este negócio exasperante. Seus
olhos caíram sobre os lábios dela. Não eram muito cheios,
mas ainda sim carnudos. O formato do queixo, suave e
estreito, os deixava mais proeminentes.
— As roupas serão por sua conta, Sr. Reaver. Se deseja
que elas sejam mais... reveladoras, é sua prerrogativa.
Provavelmente, apenas as usarei na função de sua amante. —
Ela piscou lentamente e torceu aqueles lábios carnudos. —
Como pode notar, fantasias não me assustam.
O que a assustaria? Esta era a questão. Ele franziu o
cenho para a mulher que, aparentemente, possuía poucos
escrúpulos sobre se vender a um estranho. Havia algo errado.
Após a segunda visita frustrada ao Reaver’s, Shaw
encomendara uma investigação do histórico dela. Parte dos
negócios do Reaver’s envolvia coletar informações por meio de
uma vasta rede de fontes, dentro e fora de Londres, assim a
tarefa fora bem simples.
Ela era uma mulher solteira de vinte e oito anos de uma
calma vila em Hampshire. O seu pai fora um barão, mas após
sua morte, o título passara para o tio dela. Ela viveu com o tio
até mais ou menos quatro anos atrás, quando comprou um
chalé para ela e sua irmã mais nova, Phoebe Widmore.
Nenhum daqueles fatos sugeria uma mulher de moral flexível.
Pelo contrário. De acordo com Drayton, um agente de
Bow Street que ele enviara à vila dela para fazer perguntas, a
maioria dos vizinhos a descrevia como agradável, mas muito
orgulhosa. “Soberba”, dissera Drayton, imitando o sotaque
dos moradores. Ele bufou, balançou a cabeça e completou:
“maneira educada de dizer que ela se acha muito melhor que
nós, plebeus.”
Reaver tinha certeza de que ela recusaria a sua proposta
grosseira. Permitir que ele a levasse para a cama? Qualquer
mulher que valorizasse sua reputação, sua virtude, teria
cuspido fogo e explodido seu clube diante de tal sugestão. É
claro, qualquer mulher que valorizasse sua reputação, não
teria invadido repetidas vezes um clube exclusivo para
cavalheiros.
Ainda assim, seu consentimento contrariava a sua
natureza.
Ou ela esperava que ele desistisse ou seu intuito de
casar-se com Glassington era uma mentira. O último era
possível, ele supôs. Mas por que ela estaria tão desesperada
para conseguir as promissórias de Glassington? Vingança?
Glassington a machucara?
O pensamento fez seu intestino se retorcer. Homens que
atacavam mulheres e crianças mereciam uma morte longa e
lenta.
Ele examinou o rosto dela: nariz fino, boca carnuda,
olhos cinza e sobrancelhas castanhas. Era mais alta que a
média, mas seus ossos eram suaves. A pele era pálida, assim
como os lábios. Mas os olhos estavam longe de intimidados
ou feridos. O oposto, eles brilhavam com uma inteligência
irônica. A inclinação de sua cabeça e coluna reta não
indicavam ser uma vítima. Elas falavam de orgulho.
Dignidade. Desafio.
— Se planeja voltar atrás, Sr. Reaver, esteja avisado:
considerarei tal ação como quebra de promessa similar à de
Lorde Glassington. E você tem visto o quão longe eu posso ir
ao lembrá-lo de suas obrigações. — Olhos cinza fulminantes e
lábios carnudos contraídos. — Nós temos um acordo, sir. Se
quebrá-lo, ficarei na entrada do seu clube todos os dias.
Informarei a cada homem que entrar que o proprietário do
Reaver’s não tem decência para manter sua palavra. Quantos
deles, supõe, que honrarão suas dívidas?
Então era assim. A única forma de se livrar dela era
aumentando as apostas.
— Onde está vivendo?
Ela abriu a boca para responder.
— Esqueça. Você se mudará para ficar comigo.
Os olhos dela brilharam.
— Eu...
— Ser minha amante significa estar disponível. Todo
tempo.
— To-Todo o tempo?
— Aye.
Uma mão enluvada espalmou-se sobre o ventre dela. Ela
inspecionou seu escritório.
— Você mora... aqui?
Ele se perguntou o que lhe daria maior vantagem: a
verdade ou a mentira. Por um lado, ele reconhecia que a
maioria das mulheres empalideceria diante da ideia de morar
em um clube de cavalheiros. Por outro lado, ela não tivera
vergonha nenhuma de entrar no Reaver em inúmeras
ocasiões.
Duvidava que ela já não se sentisse em casa no clube.
Não, a verdade era melhor. A audácia de sugerir que ela
se mudasse para a casa particular de um homem a quem mal
conhecia, onde aquele homem a teria inteiramente para si,
era boa demais para ser descartada.
Bloqueando um sorriso, respondeu:
— Durmo aqui de vez em quando. Mas, não. Tenho uma
residência separada. Você viverá lá. Comigo.
Por algum tempo, ele a observou. Os olhos cinza
exploraram seu rosto e ombros. As mãos enluvadas se
abriram e se fecharam sobra a cintura. Os lábios carnudos
foram apertados. Finalmente ela soltou o ar.
— Muito bem.
Ele piscou.
— Perdão?
— Compreendo que é comum manter uma residência
separada para uma amante. Muitos cavalheiros o fazem. Mas
como o nosso acordo tem pouca duração, eu concordo que
assim é mais conveniente.
Maldito inferno. Ele estava errado. Ela era louca.
Completa e cegamente louca.
Ela agia como se tivesse sugerido tomar cerveja em vez
de vinho no jantar. Seu nariz elegante, queixo delicado e
sobrancelhas castanhas eram harmônicas. Total e
loucamente harmônicas.
— Hoje à noite. — Ele falou procurando um ponto de
quebra. — Eu a quero lá esta noite.
— Suponho que não deveria...
— Isto não é negociável. Ou cumpre ou nosso acordo
será anulado.
— ... ser tão oneroso. Devo voltar para meu atual
alojamento para recolher meus poucos itens, é claro. — Ela
olhou para a janela. — Parece haver tempo suficiente até que
escureça. Devemos considerar nosso acordo selado, então?
CAPÍTULO 4

“Um compromisso com a linhagem, embora onerosa, deve ser


cumprida. A tolerância pela imbecilidade de um sobrinho ou o
incentivo aos latentes instintos procriativos de um filho, por
exemplo, formaram a argamassa de nossa civilização. Vá à
luta, caro companheiro. E faça o que deve ser feito”.

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta explicando a onerosa natureza do cumprimento
dos deveres familiares.

Augusta deslizou a sua mão enluvada naquela grande


mão que lhe era oferecida. Então, ansiando por respirar
livremente, ela desceu da carruagem alugada e acenou
agradecidamente à sua escolta de pescoço largo.
— Aprecio a sua ajuda, Sr. Duff, mas é desnecessária. —
Ela olhou de relance para a residência surrada com tijolos
sujos de fuligem e porta com pintura descascada. — Chegar
aqui é algo cotidiano.
O homem com tamanho fora do comum apenas lançou
um olhar vazio e declarou:
— Reaver diz que devo ajudá-la aqui e depois ajudá-la na
casa dele.
Ela suspiraria, mas seu corpete tornava difícil o ato de
expressar sua irritação.
— Parece que nós dois devemos seguir as instruções do
Sr. Reaver. Ele especificou se deve me acompanhar lá dentro?
— Nah.
— Excelente. Então espere aqui, se quiser. Retornarei
logo. — Ela se virou e parou ao ver uma sombra furtiva à
espreita onde o beco parecia uma boca grande e escura.
Engolindo em seco, puxou as luxas e endireitou a postura. —
Pensando bem, Sr. Duff, posso precisar de sua ajuda.
— Hã?
— Já que está sendo tão bondoso em me acompanhar,
talvez possa descer meu baú pelas escadas.
Enquanto o Sr. Duff se virava e conversava com o
condutor do veículo, ameaçando-lhe remover os braços se ele
se fosse enquanto estavam lá dentro, ela correu até a entrada
no beco.
— Já lhe disse, garoto. — Ela sussurrou, fingindo
inclinar-se contra os tijolos enquanto examinava suas botas.
— Não tenho mais tarefas para você.
— ‘Aquel’ali’ é ele? — O garoto chiou.
— Aquele é o Sr. Duff sim. Você não deveria estar aqui.
— Pegou ‘ocê’, Srta. Widmore? — A voz do menino ficou
sombria. Ela mal podia ver sua fisionomia nas sombras
lançadas pelos prédios. — Posso ‘judar’. Corre pra dentro.
Levo ele numa busca inútil, como ‘d’última’ vez.
Seu coração se condoeu. O garoto a assombrava nos
últimos dias, escondendo-se no beco, pulando nas costas dos
veículos que alugava, seguindo-a até o mercado. Ela o pagara
muito bem para distrair o Sr. Duff, claro, e presumia que seu
desespero o levou a buscar trabalho adicional com ela, mas
restava pouco de suas poucas economias. E a ninharia seria
necessária para prover Phoebe enquanto Augusta ficava com
o Sr. Reaver.
Na casa dele.
À sua disposição.
Por seis semanas.
Céus, ela realmente concordara com uma barganha tão
ultrajante? Uma vez que ela concordara em se mudar para a
residência dele, ela meio que esperava que ele gritasse e
jogasse as promissórias em suas mãos, apenas para se livrar
dela. Em vez disso, sua fisionomia endurecera como rocha.
Ele rosnara e dissera: “Aye, Srta. Widmore. Faça do seu
modo.” — Então chamou o Sr. Duff para acompanhá-la até
sua casa e recolher os seus pertences.
Sentiu um espasmo em seu estômago. Provavelmente era
fome, mas admitia alguma ansiedade. Tornar-se uma amante
não era um passo pequeno. E ela estava mergulhando nisso
como um cavalo em um barranco escuro.
Ela lançou uma olhada por cima do ombro. O Sr. Duff
gesticulava estranhamente com seu braço pendido de um
cotovelo estendido. Parecia que ele ilustrava o que o condutor
experimentaria se seus braços fossem quebrados.
— Garoto. — Ela sussurrou. — Não deve deixar que o Sr.
Duff o veja. Esconda-se até que tenhamos ido, entende? Eu
deixarei uma moeda com a minha irmã. Deve retirar mais
tarde.
O garoto estremeceu e balançou a cabeça. Ela quis
perguntar para onde o casaco dele se fora.
— Esconder? Num ‘se’le’ machuca ‘ocê’.
Ela franziu o cenho e segurou o braço dele com gentileza.
Os dedos dela o envolveram.
— Você deve. Ele não me machucará. Ele está aqui por
minha segurança. Mas ele pode lhe machucar se o
reconhecer. — Com firmeza ela o levou para dentro das
sombras.
— ‘Pur que’le tá ‘qui’?
Ela o soltou, alisou sua manga e olhou por cima do
ombro.
— Tenho um acordo com o patrão dele. — Ela
murmurou. — O Sr. Duff não é uma ameaça para mim, juro.
O garoto grunhiu.
— ‘I’ o Reaver?
Ela escolheu não responder.
— Como disse, procure a Srta. Phoebe depois da minha
partida. — Ela começou a ir em direção à porta e então parou
depois de dois passos — E, garoto?
— Aye.
— Compre um casaco para você.
Minutos depois, enquanto conduzia o Sr. Duff pela
escada apodrecida e que rangia, preocupava-se que o garoto a
ignorasse. Ele era teimoso.
Reprimiu a inquietação e continuou a subir as escadas,
falando por cima do ombro.
— Cuidado com o buraco, Sr. Duff. E com o rato. A Srta.
Renley deveria ter se livrado dele, mas... bem, talvez ela esteja
ocupada em esvaziar os baldes. São inúmeras as goteiras no
telhado.
— Há quanto tempo está aqui?
— Três semanas, mais ou menos. Por quê?
— Quanto paga?
— Cinco xelins por semana.
Primeiro, bufou. Depois, grunhiu. Enfim, um resmungo.
— Não vale. Cinco xelins. Não pagaria nem cinco
centavos por este lugar.
Ela não tinha tempo e nem paciência para explicar sua
escolha de acomodações. Na verdade, fora o melhor que
conseguiu fazer em pouco tempo e com orçamento escasso.
Eles logo chegaram à porta de seu dormitório, ela girou a
maçaneta, levando o Sr. Duff para dentro.
— Bons céus, Augusta, pensei que nunca mais... oh! —
Phoebe estacou no meio do caminho, seus olhos azuis
brilhando arregalados. Recentemente, a irmã mais nova de
Augusta desenvolvera o hábito de caminhar de um lado para
o outro na frente da pequena lareira do quarto. Ela alegava
que isso ajudava a aliviar o seu estômago inquieto. Seu
desconforto deve estar particularmente pior esta manhã, pois
sua pele cor de marfim estava esverdeada.
— Srta. Phoebe Widmore, este é o Sr. Duff. Sr. Duff,
minha irmã, a Srta. Phoebe Widmore.
Aparecendo atrás dela, o Sr. Duff grunhiu novamente.
— Por que está se repetindo? Ela tem dificuldade de
ouvir? — Ele assentiu sua massiva cabeça na direção de
Phoebe e tirou o chapéu. — Senhorita. — Falou em voz baixa.
Phoebe franziu o cenho. Piscou. Ela tinha a mesma
expressão de criança quando Augusta lhe explicara que elas
deveriam esvaziar seus próprios penicos: perplexidade e
aversão.
— Quem é este, Augusta? O que está acontecendo?
Augusta se movimento da porta em direção ao quarto.
— Sr. Duff, se puder esperar bondosamente aqui
enquanto empacoto alguns itens, ficarei muito agradecida. —
Gesticulando para Phoebe a seguir, ela esperou apenas
alguns momentos dentro do quarto antes que sua irmã,
magra e pálida, passasse por ela. Augusta fechou a porta
gentilmente e foi ao seu baú, que estava cuidadosamente
arrumado em um canto.
— Augusta! — Phoebe falou entre os dentes. — Explique-
se, por favor. Pensei que havia ido ao Mercado Leadenhall
comprar carne para a refeição. Você demorou mais do que eu
esperava, apenas para chegar acompanhada de — ela
gesticulou amplamente em direção a porta do quarto — com
um homem enorme!
Vasculhando entre as suas posses, Augusta localizou
sua pequena bolsa e tirou de dentro dois xelins. Recordou-se
dos braços finos e ossudos do garoto e dobrou a quantia
antes de amarrar as cordas da bolsa em sua cintura.
— Aqui. — Ela deu as moedas para Phoebe, que
balançou a cabeça. — Pegue-as. — Augusta ordenou. — Elas
são para o menino. Ele virá quando eu me for.
— Conte-me o que está acontecendo. Por que está
usando um avental?
As mãos de Augusta caíram ao seu lado, segurando as
moedas com força.
Phoebe mudara. Augusta demorou para perceber isso,
pois as circunstâncias eram terríveis e agir — não contemplar
— a consumira ultimamente. Mas as diferenças eram
notáveis. Phoebe estava mais magra, até mesmo mais
delicada do que antes. Braços magros que frequentemente a
abraçava. Sua pele branca parecia neve, os olhos azuis
estavam maiores e eram marcados por sombras em meia-lua.
Seu estômago provavelmente era o culpado. E a preocupação,
Augusta supôs. A preocupação aumentara como um demônio
como dentes e chifres nos últimos dois meses.
Suas mudanças físicas não eram as únicas diferenças,
entretanto. Phoebe raramente exigia respostas — raramente
exigia qualquer coisa, na realidade. Ela sempre fora o tipo de
garota que deixava a vida levá-la onde deveria. Era doce.
Submissa. Uma linda flor esperando que o sol, o orvalho e as
abelhas a visitasse.
Ela aceitava os vestidos que Augusta providenciava, ia às
festas que Augusta sugeria, tocada as músicas que Augusta
indicava no pianoforte velho e gasto delas. E, enquanto
Phoebe compartilhava os mesmos cabelos ruivos escuros, ela
nunca demonstrou nenhum indício do temperamento de
Augusta.
Hoje era a exceção.
Augusta se aproximou e, delicadamente, abriu os dedos
frios de Phoebe que estavam agarrados a musselina rosa
sobre seu ventre. As moedas tilintaram em sua palma.
— Dê estas ao menino. — Augusta tirou a bolsa de sua
cintura e pôs em cima das moedas. — Fique com o resto.
Olhos azuis viajaram, brilhando com mau humor.
— O que está fazendo?
Levantando o queixo, Augusta respondeu:
— O que eu sempre fiz, Phoebe. O que quer que seja
necessário.
O peito de Phoebe arfava enquanto encarava a bolsa de
lã marrom.
— Está me deixando aqui. Fez alguma coisa... — Engoliu
em seco e cobriu a boca. — Vai fazer algo com o Sr. Reaver?
— Vou morar com ele...
— Não.
— ... por seis semanas. Depois disso, ele permitirá o uso
das...
— Não! — Uma lágrima grossa escorria pelas sombras
em forma de meia-lua.
—... promissórias de Lorde Glassington. — Augusta
segurou os ombros de Phoebe. Eles pareciam frágeis e
pequenos, como uma criança. — É a única maneira. Escute-
me.
— Não escutarei. Já ouvi o bastante. Chega, Augusta!
Não permitirei que pague tal preço por meus erros.
— Não permitirei que você pague o preço mais alto. Serão
seis semanas da minha vida. Se não conseguir persuadir
Glassington a manter as promessas que lhe fez, seu castigo
será eterno. E seu filho nascerá bastardo. É isso o que
qualquer para ele? Viver como um bastardo em vez de um
herdeiro de um conde?
Ela balançou a cabeça, os lábios tremiam, os ombros
caídos.
— Certo. Agora, então. — Augusta tentou alcançar as
amarras do avental em suas costas. — Não precisa se
preocupar. O Sr. Reaver pode ser um gigante, mas não é um
monstro. Suspeito que ele esteja tentando me fazer desistir.
— Ao exigir que vá morar com ele?
— Humm. Tenho impressão que acha a minha
persistência um tanto irritante.
— Não é o único. — Phoebe murmurou, esquecendo-se
que a audição de Augusta era perfeita.
Depositando o avental dobrado na cama, Augusta tirou a
touca e virou as costas para a irmã.
— Ajude-me, por favor. Mal posso respirar neste vestido.
Phoebe obedeceu, soltando os ganchos na parte de trás
do corpete.
— Bons céus. Como você conseguiu prendê-los?
— A Srta. Honeybrook me ajudou. Aliás, você deve
manter distância dela. Aquelas fantasias... bem, suspeito que
a Srta. Honeybrook não esteja precisamente nos palcos do
Teatro Royal.
— Você não ficou afastada.
— A minha associação era necessária. A sua, não.
— Eu gosto dela.
— Não seja teimosa. — Augusta chiou. — Não estarei
aqui para tomar conta de você. Deve se proteger sozinha.
Um suspiro e um puxão no tecido.
— Quanto mais é possível que eu seja arruinada, pelo
amor de Deus?
O gancho final cedeu. Augusta soltou um suspiro
profundo de alívio. Seus seios doíam por ter sido achatados,
mas por Deus, ela conseguira. Ela apertara a mão de Reaver.
E em apenas seis semanas, Glassington manteria sua
promessa e se casaria com Phoebe.
O tempo estava apertado. Por esta época, sua irmã já
mostraria a gravidez, mas não importava. Glassington não
poderia protestar, desde que fora ele quem plantara a
semente.
Talvez ela convencesse o Sr. Reaver a acompanhá-la
quando fosse confrontar o canalha. Ela sorriu ao imaginar a
cena. O Sr. Reaver magistralmente intimidador.
— Por que está rindo? Augusta, honestamente. Isto é
loucura. Vamos voltar a Hampshire. Eu me casarei com o Sr.
Snellgrove. Ele flertou comigo do lado de fora da igreja, dois
dias antes de virmos a Londres.
— Não seja ridícula. Lewis Snellgrove é o quarto filho de
um fazendeiro.
— Ele sempre foi bondoso comigo.
— Ele é tão pobre quanto um rato de igreja e parece
muito com uma vaca.
— Mas se casaria comigo sem me questionar.
Augusta fungou e recolheu um vestido do baú, jogando o
traje de lã preta de criada ao lado do avental.
— Lorde Glassington fez uma promessa e ele a cumprirá.
É isso.
Assim como ela cumpria as suas promessas. Era o que o
pai dela teria querido. Era o melhor para Phoebe e para a
criança.
Além do mais, Augusta já se acertara com o Sr. Reaver.
Não tinha intenção de recuar daquele diabo de olhos pretos.
Um arrepio curioso percorreu a sua coluna ao recordar a
dureza de sua mandíbula, a extensão das mãos, o brilho de
ônix de seus olhos. Engolindo em seco, ela afastou a imagem.
— Venha, Phee. Ajude-me a me vestir. Lá pelo Natal, isso
tudo parecerá nada além de um momento difícil, seguido de
uma vida inteira de conforto.
A única resposta de sua irmã foi um suspiro.
Vinte minutos depois, vestida em cambraia xadrez verde
e branca, sua peliça marrom por cima e um bonnet de palha,
Augusta levou o Sr. Duff para fora das suas terríveis
acomodações. A chuva havia recomeçado, carregada e cinza.
Disfarçadamente ela olhou para cima e para baixo da rua,
tomando cuidado para que o Sr. Duff não notasse.
Carroças e lixo. Um par de bêbados saindo de uma casa
pública. Um gato selvagem disparando em direção a um beco.
Ela respirou profundamente, aliviada. O garoto seguira a sua
orientação.
Além disso, a carruagem permanecera no lugar. As
ameaças do Sr. Duff alcançaram o seu objetivo. Enquanto o
grandalhão carregava o seu baú, ela entrou na carruagem.
Onde uma forma pequena e escura se amontoava no
piso.
Seus olhos se arregalaram, seu coração apertou.
Engasgou.
Um gorro imundo se inclinou até que a parte mais visível
dele fosse o branco dos olhos.
Ela estreitou os olhos. Quis gritar com ele. Agarrar o
braço dele e tirá-lo de dentro da carruagem. Mas ela não
podia. O maldito garoto seria rapidamente pego pelo Sr. Duff.
Mesmo que pudesse evitar que ele fosse espancado,
provavelmente seria levado à polícia. Quem sabia o tipo de
punição que cairia sobre ele.
Em vez disso, ela sentou-se calmamente, fechando a
porta com um estalo.
— Você perdeu as suas moedas, garoto. — Ela falou
entre os dentes. — Lembro-me claramente de ter dito para se
esconder.
A carruagem balançou quando o Sr. Duff subiu e sentou-
se ao lado do cocheiro.
Olhos arregalados piscaram.
— Eu fiz. Ele ‘num mi’ viu, viu? Está ‘voltanu pru’
Reaver’s?
— Não.
O menino ficou em silêncio. O som dele arranhando
alguma coceira em local desconhecido era o único barulho
quando começaram a se afastar da hospedaria.
— Pra onde, então?
— Não é da sua conta. Quando pararmos, deve esperar
até que eu distraía o Sr. Duff, então poderá sair ou ficar até
que o cocheiro siga até o próximo local.
— ‘S’eu’ saio, ‘descubru’ onde ‘estô’.
Ela apertou a boca. Phoebe nunca fora desobediente
assim, nunca a fez cerrar os dentes.
— Meu destino é a residência privada do Sr. Reaver em
Marylebone.
Ele assobiou baixo.
— Nunca pensei ‘qui ocê’ era desse tipo, Srta. Widmore.
Ela sentiu o calor pinicar suas bochechas antes de falar:
— Que tipo?
— Tipo criada. Claramente, gosta ‘di cosas’ limpas, mas
pensei em ‘ocê com’ uma dama. — Outra rodada de coceira.
— Poderia ‘mim’ colocar lá dentro, num acha? Tenho mãos
rápidas para lareiras e chaminés.
— Garoto...
— Eles me chamam de Ash. Por ser bom.
Ela soltou o ar frustrada.
— Garoto, não posso...
— ‘Podi mim’ chamar de Ash, se quiser. Como nós ‘vamu
trabaiar’ na mesma casa, é o certo.
— Não posso conseguir uma posição para você na casa
do Sr. Reaver. Ficarei lá apenas seis semanas. Agora, faça o
que eu disse e...
— Seis semanas! É bastante. ‘Depuis qui terminá’,
Reaver implorará pra ‘qui’ fique.
Sentido a natureza infrutífera de seus argumentos, ela
cerrou os dentes, fechou os lábios e apertou os dedos sobre o
colo.
Reaver não teria interesse nem em contratar e nem em
manter o menino. Na realidade, previa que ele faria de tudo
em seu poder para se livrar dela antes que as seis semanas
acabassem.
Bem, eles analisariam aquilo, não?
— Lady? — O menino sussurrou, ainda se coçando. —
Acha que o Reaver faz ‘cum qui us’ servos usem uniformes?
Ela fechou os olhos aterrorizada e perguntou:
— Por quê?
— ‘Achu qui’ tenho pulgas.
CAPÍTULO 5

“Aceitavelmente, um cavalheiro pertence a um clube, Sr.


Kilbrenner. Se acontece o contrário, ele não é um cavalheiro
afinal.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta explicando conceitos pouco compreensíveis em
termos que, até mesmo um rufião, entenderia.

Não era o que imaginara, não parecia absolutamente


com um clube de cavalheiros. Phoebe Widmore franziu o
cenho para o prédio de tijolo de quatro andares em uma
pequena praça na St. James. Possuía uma porta vermelha e
grandes janelas simétricas.
Ela teria imaginado um casal de idosos morando ali. Ou
uma viúva com inúmeros pugs e uma propensão à longas
histórias. Ela não teria adivinhado que aquele — aquele — era
o infame Reaver’s.
Atrás dela, o veículo partia. Não havia escolha. Não podia
permitir que Augusta se sacrificasse com aquele... homem.
Sebastian Reaver. Por suas fontes sabia que ele era um
rufião, por mais rico e poderoso que fosse. Claro, a única
fonte que ouvira fora Augusta, mas mesmo assim.
Endireitando a postura no padrão Widmore, Phoebe
engoliu a onda de náusea e subiu os poucos degraus até a
porta. Ela bateu duas vezes.
Alguém batia à porta de um clube de cavalheiros? Ela
nunca perguntou.
A porta vermelha se abriu. No interior escuro ela viu
apenas a cravat2 e o colete. Então, dentes. Aqueles também
eram brancos.
— Posso ajudá-la, Senhorita?
Oh, bons céus. A voz dele era... deliciosa. Como
chocolate, escuro, intenso e pecaminosamente quente. Por
outro lado, seu sotaque era nítido e adequado. Perfeitamente
inglês. Perfeitamente refinado.
— Bem, parece que se perdeu. Qual é o endereço que
procura? Talvez possa ajudá-la.
Sim, como chocolate. Se ela pudesse se dar ao luxo, ela
beberia uma xícara todas as manhãs. Ultimamente tudo a
deixava enjoada. Mas não isso.
A porta se abriu mais e ele andou até a luz.
Ela arregalou os olhos. Ele era da cor do chocolate
também. Bem, talvez chá ou canela. Negro e intenso. Mais
bonito do que qualquer homem que já vira, com nariz
elegante e cabelo preto. E os olhos. Bons céus! Com cílios
grossos e brilhantes, os olhos eram como bronze ou âmbar.
Uma única sobrancelha preta se ergueu.
— Senhorita?
— Eu... Este é o Reaver’s?
Um sorriso sutil curvou os lábios dele, atraindo a sua
atenção.
— De fato é. — Ele olhou para o céu além do chapéu
dela. — Nós não permitimos que damas entrem. — Aqueles
olhos avaliavam seu rosto e depois varreram toda a extensão
de seu vestido de passeio. Estava sujo de lama na bainha. —
No entanto, está chovendo, talvez possa arrumar-lhe um
veículo.
Piscando para afastar sua peculiar fascinação por
aqueles lábios esculpidos e adoráveis, ela se endireitou e se
aproximou.
— Estou aqui para falar com o Sr. Reaver. É um assunto
de máxima urgência.
Houve uma longa pausa.
— Humm. Seu nome por acaso seria Srta. Widmore,
seria?
Ela franziu o cenho.
— Sim.
— Assim imaginei. — Ele suspirou e inclinou sua cabeça.
— O Sr. Reaver não está disponível.
— Oh, mas eu devo falar com ele, Sr. ... ?
— Shaw.
— Eu devo vê-lo, Sr. Shaw.
— Lamentavelmente, devo recusar o seu pedido.
— Você não pode.
— Sim e já recusei.
— Ele fez... — Ela olhou ao redor para garantir que
estavam sozinhos. — Uma proposta a minha irmã de uma
maneira pouco cavalheiresca. Não permitirei isso.
— Sua irmã. A Srta. Augusta Widmore.
— Sim.
— A mesma Augusta Widmore que entrou neste elegante
estabelecimento nesta mesma manhã vestida de criada.
Ela apertou os lábios ao vislumbrar o humor perverso
naqueles olhos âmbar.
— Ela é uma boa mulher, Sr. Shaw. Uma solteirona de
Hampshire! Seus objetivos eram simplesmente...
— Conseguir as promissórias de Lorde Glassington. Sim.
Eu sei.
Ela pôs as mãos nos quadris.
— E você sabe que o Sr. Reaver exigiu que ele morasse
com ele? Nesta casa?
Finalmente a surpresa iluminara a bela fisionomia do Sr.
Shaw. Ele piscou. Franziu o cenho. Bateu na beira da porta
com um dedo enluvado.
— Isto é... Muito improvável. Você entendeu errado a
situação.
Sem paciência, ela avançou, passando por ele.
— Entendi errado que o brutal Sr. Duff recolheu os
pertences de minha irmã? Eu acho que não.
— Duff visitou a sua residência?
Uma estátua de uma mulher estava a poucos metros de
distância. Ela estava vestida como os gregos e segurava uma
cesta em forma de cones cheia de moedas. Phoebe piscou.
Todo o espaço era um estudo a ostentação: paredes ornadas
com seda, espelhos dourados, madeiras brilhantes.
— Ele acompanhou a minha irmã para ajudá-la a
transportar o baú até a casa do Sr. Reaver. Eu devo... — Por
dentro a sua garganta se fechou de um modo familiar. Oh,
Deus.
Ela levou a mão para seu ventre. Oh, não.
O cheiro de carne assada com vinho a assaltou em uma
névoa de enjoo. Seu estômago se revirou. Algo subiu em sua
garganta. Ela sentiu o Sr. Shaw ao seu lado, o ouviu
murmurar alguma coisa sobre sua palidez. Freneticamente
ela cobriu a boca e procurou no vestíbulo por algum tipo de
receptáculo. Um vaso ou uma urna serviriam.
— Bom Deus. Não. Srta. Widmore, espere...
Ela não conseguia esperar. Estava vindo.
Repentinamente e com grande força. Ela cambaleou para
frente. Agarrou-se a algo frio em forma de mulher. Um
momento depois, ela preencheu a cornucópia da mulher com
algo menos agradável do que ouro.
A próxima coisa que percebeu foi ser envolvida por calor,
força e por um aroma árido e limpo.
— Descanse agora. — Aquela voz pecadora suavizou-se.
— Eu cuidarei de você. Não posso deixar que a irmã da nova
amante de Reaver pereça no meu turno, poderia?

*~*~*

Ele mentiu para ela. Augusta não sabia o porquê pensou


que ele estava acima de uma trapaça deliberada, mas se
enganara.
— Esta não é a sua casa. — Ela falou com firmeza,
avaliando a vasta e vazia sala de estar. — Quando a
comprou? Esta manhã? Nós temos um acordo, Sr. Reaver.
— Do que está falando, mulher? — Seu resmungo soou
profundo e baixo ao seu lado.
Ela girou no lugar.
— Está vazia. Totalmente vazia.
Com uma expressão feroz e um profundo vinco na testa
ele respondeu:
— Está vendo a escada e a sala de estar. Dificilmente
pode considerar isso como ‘totalmente vazia’.
— Se uma sala de estar está vazia, a casa está vazia. O
que leva a perguntar se esta é, de verdade, a casa de alguém.
Ele grunhiu.
— Você é insensata. Não tive tempo de comprar uma
carroça cheia de malditos móveis. Tenho um clube para
administrar.
— Há quanto tempo possui este lugar?
Ele não respondeu. Em vez disso, aqueles olhos de ônix a
fuzilaram com uma irritação feroz.
Ela apertou as mãos com força e passou por ele em
direção à janela — uma das quatro da assombrosa e bela
sala.
— Isso não funcionará. Nem ao menos tem uma
governanta adequada, muito menos um mordomo. Uma
criada para uma casa deste tamanho? Absurdo.
— Não me recordo de ter pedido a sua opinião.
— Oh, não precisa pedir. É meu presente para você.
A casa da cidade era enorme, ocupava um quarteirão
inteiro da Canvendish Square. Assim como o suposto
proprietário, era simples e proeminente no exterior. Tijolos
vermelhos. Robustos tijolos brancos nas esquinas da casa.
Sete longas janelas, posicionadas simetricamente, ao longo
dos quatro andares e, acima de tudo, um quinto nível com
sete águas-furtadas.
Não, o exterior era muito parecido com as outras casas
que ela vira na elegante Mayfair e Marylebone. Mas o
interior... ah, o interior era adorável. Adorável, enorme e
vazio.
— Começarei a entrevistar criados amanhã. Tem um
cozinheiro?
— Não preciso de um. Faço minhas refeições no clube. —
Ele estava bem mais perto do que esperava. Muito perto, para
dizer a verdade. Podia sentir o aroma da lã de seu casaco.
Um pequeno arrepio correu por sua pele. Ignorando a
sensação estranha, continuou bruscamente.
— Bem, eu não posso fazer o mesmo.
— Enviarei o Francês aqui para cozinhar para você, se
não for muito exigente.
Ainda mais perto agora. Ela engoliu em seco, sentindo o
calor dele ao longo de suas costas. Uma mão gigante se
apoiou na janela logo acima de sua cabeça.
— Não será necessário. — Ela falou, sua voz um pouco
mais ofegante do que antes. — Posso contratar um cozinheiro.
— Humph. Um cozinheiro. Uma governanta. O que mais?
Um valete para barbear o meu bigode?
Ela elevou o olhar. Examinou sua mandíbula quadrada e
poderosa. Deslizou o olhar pelas proeminentes maçãs do rosto
até os cílios escuros e sobrancelhas arqueadas. Sentiu outra
vibração estranha na parte mais baixa de seu ventre.
Reluzentes olhos de ônix encontraram os dela. Ela voltou
sua atenção para a pequena grade de ferro verde do lado de
fora da janela.
— Parece que está fazendo isso bem sozinho. — Ela
murmurou.
Ela sentiu seus olhos queimando suas bochechas. A
garganta. Peito. Ele possivelmente não a contemplava...
Certamente ele não pretendia...
Não. Sebastian Reaver podia se dar ao luxo de manter as
mais belas mulheres do submundo como amantes: atrizes,
cantoras de óperas e cortesãs. A última mulher que ele
desejaria na cama era uma solteirona de cabelos ruivos cujas
únicas artimanhas femininas eram as habilidades
administrativas e excelente postura. O motivo pelo qual
deveria se lembrar do real propósito de sua proposta
ultrajante: forçá-la a voltar atrás em seu pedido pelas
promissórias de Glassington e deixá-lo em paz.
Esse era o único motivo para ele realmente estar ali tão
perto. A única razão pela qual ele não tirara os olhos de seu
corpete.
Seja sensata, Augusta. — Ela se condenou. — E pare de
se arrepiar, pelo amor de Deus.
— Trocou de vestido. — Ele reverberou, baixa e
ressonantemente.
O seu coração chutou os ossos.
— O outro estava muito apertado.
— Aye. Estava.
— Mal podia respirar.
— Humm. Está respirando agora?
— Eu mesma fiz este vestido. Ele me serve perfeitamente.
— Deus, sim. Serve.
Atrás deles ecoou o som de botas.
— Tudo terminado, Sr. Reaver. O baú da Srta. Widmore
está no quarto ao lado do seu. Deverei retornar ao clube?
— Aye, Duff. Pode ir agora. — Sua voz saiu meio latida e
meio rosnada.
Ela aproveitou-se da intrusão e deslizou por baixo do
braço dele. Com a saída do Sr. Duff, ela cruzou a sala, indo
ao lado oposto e fingiu que seu coração não estava tentado
atirar-se pela barreira que era o seu peito. Casualmente, ela
se abaixou para examinar a lareira de mármore branca.
Ela pensou que o Sr. Reaver gemeu, mas logo descartou
a ideia. Talvez o som tenha sido de seu estômago. Ela estava
faminta.
— Todas as suas chaminés estão em condições tão
horríveis?
— Não há nada de errado com as minhas chaminés.
Ela se endireitou, virou-se e ergueu uma sobrancelha em
sua direção.
— Oh, sou obrigada a discordar.
Ele trincou a mandíbula ao mesmo tempo que cruzou os
massivos braços sobre o massivo peito.
— Eu fui limpador por vários anos, Srta. Widmore. Acho
que sei a diferença.
— Você... Você foi...
— Aye.
Ela franziu o cenho.
— Quando?
— Isso importa?
— Gostaria de saber.
— Quando eu tinha nove, dez anos. Pequeno para a
minha idade. — Seus lábios duros se retorceram. — As coisas
mudaram um pouquinho ultimamente.
— Sim, certamente mudaram. — Nada nele era pequeno
agora. Seus dedos. Suas mãos. Seus ombros. Grande.
Grande. Grande.
— Estas lareiras não são muito usadas. — Ele
prosseguiu, lentamente caminhando até ela. — Não realizei
muitos bailes aqui, vê?
Ignorando seu tom zombador, ela mergulhou na abertura
que ele lhe dera.
— Ah, sim, mas o desuso é exatamente o seu problema,
Sr. Reaver.
— Não tenho um problema.
Ela se abaixou, fingindo ouvir pela larga abertura da
lareira, antes de estalar a língua em discordância.
— Talvez os seus ouvidos estejam menos apurados do
que na sua juventude. Compreensível. A idade cobra o seu
preço.
— O que quer dizer?
— Minha audição, por outro lado, é excelente. O motivo
pelo qual posso ouvir o bater de asas dentro de sua chaminé.
— Asas?
— Deveras. Pássaros, provavelmente. Ou morcegos. Se
tivesse uma equipe apropriada, isso não seria um problema.
Ele esfregou a ponte de seu nariz entre seu polegar e
indicador.
— Pela última maldita vez, não há nenhum maldito
problema.
Ela fungou.
— A vulgaridade é desnecessária.
— Acenda o fogo. Isso afastará qualquer animal
fantasma que conjurou com sua excelente audição.
— Não! — Ela parou para limpar a garganta. —
Simplesmente contratarei alguém para cuidar do assunto.
Não pense mais nisso.
— Com quais fundos?
— Os seus, é claro. Essa é sua casa, afinal. As chaminés
são suas.
Ele grunhiu e balançou a cabeça.
— Naturalmente eu presumo que sejam suas. Você
nunca me especificou há quanto tempo...
— Três anos. — Ele respondeu com um rosnado
ressentido.
— Três... — Ela piscou três vezes. — E permanece vazia?
— Que estranho. Ele possuía uma casa há três anos —
presumidamente dormia ali ocasionalmente — e nunca
pensou em comprar um único sofá ou mesmo uma mesa para
escrever? Sim, era muito estranho. E um bocado triste.
— Não está vazia.
Ela olhou ao redor da sala grande e vazia.
Ele respirou entre os dentes e andou em sua direção,
pegando-a pelo cotovelo e marchando com ela em direção às
portas que o Sr. Duff deixara entreabertas.
Esforçando-se para acompanhar suas longas passadas,
ela espetou.
— Sr. Reaver, devo insistir que pare de me carregar como
uma valise relutante.
— Valises não são relutantes. — Ele se defendeu
enquanto navegavam pelo corredor em direção à escada. —
Elas vão aonde são levadas e não ficam malditamente
reclamando a cada momento de sua jornada.
— Precisamente. Eu não sou uma valise, além do mais...
Oh! — Na base das escadas, ele a fez girar e colocou as suas
mãos grandes e quentes em sua cintura. Ela sentiu algumas
cócegas em suas costelas, o que explicava porque sua barriga
parecia derretida e sua coluna tremia como um pianoforte
diante do toque dele.
Ela estava de costas para ele, indo em direção às
escadas, assim não podia julgar sua intenção. Mas um
momento depois, estava sendo empurrada — não, carregada
— pelos degraus com um claro grau de urgência.
O que aconteceria quando eles chegassem ao topo? Não
queria saber. Falando francamente, ela era a amante dele. E
ainda falando francamente, amantes permitiam certas
liberdades em troca do patrocínio de um homem. E falando
ainda mais francamente, Augusta estava quase totalmente
certa de que cometera um erro terrível ao acreditar que
poderia ter alguma vantagem no acordo deles. Quase
totalmente.
Chegaram ao topo. Ele retirou as mãos da cintura dela,
porém uma delas ficou apoiada na metade mais baixa de sua
coluna.
— Sr. Reaver. — Ela começou, olhando de soslaio para
sua mandíbula forte.
— Posso andar sozinha, asseguro-lhe.
Ele não respondeu. A mão pressionou e ele voltou a
estabelecer o mesmo ritmo urgente de antes, impulsionando-a
ao longo do corredor que dava para a frente da casa, depois
guiando-a através de uma porta.
Com painéis brancos e longos, o quarto estava frio, mas
não vazio. Na realidade, no meio da parede mais longa, em
frente a uma pequena e adorável lareira, havia uma elegante
cama de mogno com postes estriados e uma colcha de veludo
dourada. Perto das janelas gêmeas, uma pequena mesa
redonda e duas cadeiras.
— É... é um dormitório. — Ela falou, sentido a garganta
se fechar e seu ventre se agitar.
— Aye. — Ele falou ao lado dela, lentamente recolhendo
sua mão.
Por algum motivo, ela se sentiu como se o chão tivesse
cedido.
— É seu. — Ele falou, caminhando até a mesa com
cadeiras, acenando com um braço longo para o estofado e
para a madeira. — Não está vazio, está?
Ela arqueou as sobrancelhas. Arregalou os olhos. Seu
coração estremeceu aliviado. Pelo menos, presumiu que fosse
alívio.
— Não. — Ela concordou. — Este quarto não está vazio.
— Certo. — Ele gesticulou em direção à cama. — Aquilo
ali é uma cama, percebe?
— Bem, sim.
Ele apontou para a outra porta.
— Do outro lado daquela está o seu baú. Poderá
encontrar uma penteadeira também.
Ela olhou para a porta com painel branco e assentiu.
— Deve ser muito... confortável.
— Vá lá, então.
— Ir?
— Cruze a porta. — Ele veio em sua direção, carrancudo.
— Ou devo carregá-la como uma maldita valise?
Ela endireitou a postura.
— Não será necessário. — Ao entrar na sala de vestir, ela
viu que era precisamente como ele descreveu: seu baú e uma
penteadeira.
Ele passou por ela até outra porta e a abriu totalmente.
Curiosa, ela o seguiu e descobriu que a sala seguinte era
a sua sala de se vestir. Nela havia um guarda-roupa enorme e
sem portas com um conjunto mais organizado de camisas,
calças, calças mais justas, calções, casacos e coletes que ela
já vira. Algumas peças estavam penduradas em ganchos.
Outras estavam dobradas e arrumadas sobre prateleiras de
carvalho. Todas estavam classificadas, arrumadas em linhas
e agrupados por cores. Uma igualmente grande cômoda
ocupava a outra parede. No centro da sala havia um lavatório
simples que, aparentemente, fora feito especialmente para um
homem da altura de Reaver.
— Minha sala de vestir. — Falou desnecessariamente. —
Também não está vazia.
Céus, ele realmente lhe teria uma dor de dente por causa
de suas observações sobre a falha dele em mobiliar
apropriadamente a sua casa.
Ele abriu outra porta. Do outro lado, tudo que ela pôde
ver foi a cama.
Uma maciça, pesada e gigantesca cama.
— Venha, Srta. Widmore.
— Oh, posso ver daqui mesmo. Não precisa que eu... oh!
Com apenas dois passos, ele voltou e agarrou o seu
cotovelo. Então ela foi levada novamente, em um ritmo mais
rápido do que o seu natural, através da porta e em direção à
cama gigante. A cama dele.
Ela engoliu em seco quando ele parou e soltou seu braço.
— Uma mesa. Uma cadeira. Uma cama. Não está vazio,
Srta. Widmore.
Não, não estava. Estava ocupado com uma cama grande
o bastante para dormir cinco pessoas normais com espaço de
sobra.
Engolindo em seco novamente, levou as mãos à cintura e
se aproximou, tocando os postes de mogno quadrados. O
desenho era simples, até mesmo rústico, mas sólido como a
Terra. Ela gostou disso.
— Como pode notar, estava errada sobre a minha casa.
Ela moveu os lábios em um sorriso secreto.
— Então, se entendi corretamente, tem dois dormitórios
mobiliados, um dos quais é o seu.
Houve uma longa pausa.
— Aye.
— E quantos dormitórios tem aqui? No total, quero dizer.
Outra pausa.
— Sete.
— Humm. Dois de sete. — Ela bateu com o dedo
enluvado no poste antes de se virar para encará-lo. — Bem,
concedo que sua casa não é totalmente vazia, Sr. Reaver, mas
certamente podemos dizer que é quase vazia.
A expressão dele era simultaneamente carregada e
perplexa, como se não decidisse se a atirava pela janela ou
vociferava sua raiva silenciosa. Não falou nada. Os olhos
fuzilaram e queimaram sua boca e no colo. Novamente. Boca
e colo. Inclinou a cabeça em um ângulo sutil que ela estava
começando a reconhecer como algo unicamente dele.
— E-Eu procurarei mobílias apropriadas após contratar
criados. — Sua voz tremeu de maneira estranha, mas ele
pareceu não notar.
Duas vezes mais, os olhos dele refizeram aquela rota
torturante entre sua boca e seu colo.
— Vamos precisar de um bom número. Mover móveis
requer... — Ela engoliu em seco ao pousar os olhos sobre os
seus punhos cerrados — Mãos fortes.
Finalmente, seus olhos se encontraram. Lá, na
escuridão, ela viu algo que a assustou. Algo como sua própria
necessidade.
Depois, ele interrompeu o contato. Deu meia-volta.
Afastou-se.
— Faça como quiser. — Ele ladrou enquanto
escancarava a porta de sua sala de vestir. — Estarei no clube.
CAPÍTULO 6

“Embora aprecie tanto a brevidade quanto a franqueza em sua


resposta, sua formulação deve ser revisada para leitura: ‘Por
favor, pare, pelo amor de Deus, sua senhoria’. — Quando se
dirigir a uma dama, é aconselhável ser devidamente cortês com
ela”.

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em um adendo a uma carta anterior sobre comportamento
cavalheiresco.

O sangue de Reaver não esfriou até entregar as rédeas do


Coronel Smoots ao cavalariço que saía correndo do estábulo
do clube.
Por Deus, a mulher o irritava como uma lima na
madeira.
Sua casa não era vazia. Ele deixara algumas salas sem
mobílias porque estava ocupado. Ele tinha contas a pagar.
Tinha lordes desesperados para serem intimidados até
pagarem o que deviam. Tinha uma expansão para
administrar. Um clube para dirigir.
Subindo os degraus da entrada dos fundos em longas
passadas, arreganhou a porta, ignorando o cumprimento de
Duff.
Ela ficara parada em sua sala de estar, parecendo que a
neve não se derretia em sua pele enquanto julgava suas
deficiências. Calmamente lhe informara como planejava
gastar o dinheiro dele. E tudo enquanto o provocava com seus
sorrisos afetados, ar presunçoso e vestido bem ajustado.
Ele seguia agora pelos corredores escuro da escada de
serviço e subiu as escadas de três em três degraus. Uma
criada chiou quando ele passou apressado. Não se importou
em se desculpar.
Augusta Widmore era malditamente enlouquecedora.
Assumir o comando de sua casa. Comportando-se como não
esperasse realmente ser sua amante.
Realmente consentindo que ele a beijasse.
Ele passou as mãos pelos cabelos curtos enquanto
atravessava o corredor até seu escritório.
Deus, ele quis beijá-la?
Sua mente se rebelou contra o pensamento, porém o
corpo emitiu uma confirmação veemente, ficando tenso e
duro.
Aye, ele quis beijá-la. Mas não só isso. Ele quis tomá-la.
De novo e de novo. E não de uma maneira gentil e cuidadosa
como ele sempre era com as mulheres. Não, ela fez seu desejo
emergir violentamente. Provocou seus piores instintos:
agarrar as coxas com força, tirar as saias e devorar aqueles
lábios carnudos até que os únicos sons que emergissem
fossem pedidos de ‘mais’.
— Sr. Reaver! Não esperava o seu retorno até amanhã de
manhã.
— Mudanças de planos. — Ele continuou até a câmara
da porta de seu escritório.
— Ah, sim. Falou com o Sr. Shaw...
A batida de uma porta interrompeu a fala de seu
secretário. Ele tirou o sobretudo e o jogou sobre uma cadeira
de madeira. A coisa maldita o coçava.
Inferno maldito, não era o casaco. Ela o fizera se coçar. O
fez esquentar, inchar e queimar.
E não poderia tê-la.
Ela era sua amante, mesmo que ele não pudesse beijar a
sua boca presunçosa ou tocar suas coxas suaves ou sugar
aqueles suntuosos seios fartos. Porque, fazendo isso, viraria a
coisa que ele mais desprezava: um homem que ataca os
fracos e desesperados.
Ele se dirigiu até a janela e olhou a chuva tamborilando
nos paralelepípedos. Escutou o tique-taque do relógio na
prateleira ao lado dele até seu coração desacelerar.
A proposta deveria a ter afastado. Teria sido assim com
qualquer outra mulher. Mas não com a Srta. Widmore. Tudo
o que ele exigia, ela aceitava com uma fungada e uma
resposta aparentemente racional. Ele suspeitava que ela
reconheceu sua intenção de afastá-la, certamente a razão
para ela não ter recusado. Ou enrubescido. Ou fugido como
uma manada de cavalos de tração estivesse atrás dele.
Em vez disso, ela ficara em pé em sua sala de estar,
cabelos ruivos brilhando como vinho na luz, mãos enluvadas
empertigadamente cruzadas e anunciando que pretendia
contratar uma equipe de criados em seu nome.
Talvez alguém devesse informá-la que amantes não se
encarregavam de emitir decretos ou entrevistar criados. Nem
eram inspetoras de chaminés.
Ele balançou a cabeça, quase rindo alto diante da
lembrança.
Bom Deus. A mulher era uma lunática.
O que em nada explicava seu desejo por ela.
Trabalhar, era do que ele precisava. Aye. Martelar e
carregar coisas era o que afastaria aquela tensão. Ele
trabalharia e suaria até nem sequer se lembrar do nome dela.
Ou da visão dela se abaixando e o presenteando com seu
deleitável traseiro. Ou aqueles seios tão redondos e...
Não! Ele acabaria com este sentimentalismo. Ele
trabalharia. Na expansão. Agora.
Decidido, virou-se para pegar o seu sobretudo. Neste
instante, a porta se abriu e Shaw entrou, seus cabelos negros
espetados.
— Reaver. — Ele disse, entrando na sala com uma
urgência incomum. — Graças a Deus.
— Primeira vez que alguém conecta o meu nome ao dele.
Shaw dispensou a brincadeira com um aceno.
— Quando ia me contar que tomou Augusta Widmore
como amante?
— Eu não o fiz. — Ele disse. — Não na realidade.
— A irmã dela alega o contrário.
Reaver franziu o cenho.
— Irmã? Ela esteve aqui?
— Maldito inferno, homem! Quando eu disse que deveria
arrumar uma amante, presumi que você teria mais juízo do
que fazer esta proposta para a filha solteirona de um barão.
Sua carranca aumentou até ficar furiosa.
— Estava removendo um incômodo. Meu objetivo era
fazê-la gritar.
— A irmã dela afirma que você levou a Srta. Widmore
para a sua casa. Isso é o que pretende dizer com remover o
‘incômodo’? — A ferocidade em sua voz e o ultraje queimando
em seus olhos surpreenderam Reaver.
Shaw frequentemente dizia que já vira de tudo. Pouco
disso vivia em seus pesadelos. Muito ele esquecera. Ele
deixou a Índia aos quinze anos, um órfão meio-inglês sem
posses, sem dinheiro, apenas uma inteligência afiada e
determinação em chegar à terra natal de seu pai e encontrar a
fortuna de sua mãe. O homem que já vira de tudo não
explodia facilmente, nem mesmo quando foi espancado por
um pedaço de imundície que Reaver depois o surrou até virar
uma massa. Ou quando foi envenenado até quase a morte por
um inimigo cruel e esquivo.
Não mesmo. Provocar Adam Shaw além do ponto de
fervura era quase impossível.
Normalmente.
Reaver suspirou.
— Eu quis dizer que queria deixá-la enojada para rejeitar
a minha proposta e nunca mais voltar. Ela está tão
malditamente preocupada com isso. Focada em conseguir as
promissórias de Glassington e estava cega para todo o resto.
Até mesmo a sua própria segurança.
— Você a abrigou em sua casa, Reaver. — As palavras
deslizaram como uma faca.
— Aye. — Reaver rosnou uma resposta. — Agora ela
pretende gastar o meu dinheiro para mobiliar a minha casa.
Shaw piscou e sacudiu a cabeça.
— E ela está contratando uma equipe de criados.
Governanta. Mordomo. Lacaios. Um maldito exército
completo.
— Mas que diabos é isso?
Reaver correu a mão sobre seu cabelo muito curto e
exalou frustrado.
— Não há escolha. Eu devo levá-la para comprar
vestidos.
O rosto de Shaw se contraiu, estreitou os olhos como se
não pudesse enxergar Reaver muito bem. O que era um
absurdo. Shaw possuía uma ótima visão e estava apenas
poucos centímetros de distância.
O outro homem abriu a boca uma vez. Fechou-a. Depois
falou:
— Se esta é sua tentativa de fazer piada, devo dizer-lhe,
que é horrível. Tem que praticar mais o seu humor, talvez
descubra um grande sucesso ao usá-lo.
— Gostaria de estar fazendo piadas. — Em segundos
calculou o total dos custos com vestidos, mobílias e criados.
— Livrar-me dela será malditamente caro.
Shaw ficou em silêncio enquanto Reaver passou por ele e
gritou pela porta aberta.
— Frelling! Marque um horário com a Sra. Bowman, a
costureira na Bond. Por duas horas depois que sua loja
estiver fechada. Sem interrupções. — Ele fechou a porta,
apenas para abri-la novamente um momento depois. —
Melhor três horas.
Frelling assentiu e ajustou seus óculos calmamente.
— Três horas com a Sra. Bowman. Para quando prefere?
Reaver franziu o cenho. A Srta. Widmore estaria ocupada
entrevistando os criados, escolhendo os móveis e arrumando
o que fosse entregue pelos próximos dias.
— Uma semana. — Ele respondeu. — Não mais que
quinze dias.
— Considere feito.
Reaver se aproximou da porta procurando por seu
sobretudo. Ah, sim. Ele o deixara na cadeira.
— O que. Precisamente. Está fazendo?
— Vestindo seu casaco, — Reaver olhou para Shaw.
— Indo à casa vizinha.
— Há melhores formas de usar o seu tempo do que
transportar tijolos. — Shaw espetou. — Agora, pelo amor de
Deus, responda a minha pergunta. O que está fazendo com a
Srta. Widmore?
— Livrando-me dela.
— Está fora de si.
— Ela é como um espinho em uma bola de lã. Você não
se livra disso sem alguma persuasão.
Aproximando-se, Shaw o encarou e cruzou os braços.
— Persuasão.
— Aye.
— Humm. E diz que se livrar dela será caro. Os móveis.
Os vestidos. Os criados. Sem mencionar todo o tempo que ela
passará em sua casa. Pelo menos uma semana ou duas, se
não estiver enganado.
Reaver assentiu questionando-se sobre o tom afiado e o
olhar avaliador de Shaw. Então, percebeu um sorriso sutil
puxar os lábios do outro homem.
— Qual é a diversão?
— Oh, nada significante. Prossiga, Reaver. Certifique-se
de manter os registros de suas despesas.
— Sempre faço.
— Sim, é claro. — Shaw lhe deu um último sorriso antes
de caminhar bruscamente até a porta. — Aliás, pode querer
acrescentar uma pequena quantia para a irmã da Srta.
Widmore. Eu a tenho instalada em um quarto do terceiro
andar. Ela morará aqui até que ambas Srtas. Widmore
retornem a Hampshire.
— Aqui? Maldito inferno, Shaw.
Shaw se virou no limiar da porta. Quando falou, sua voz
era dura. Fria.
— Ela chegou esta tarde, branca como um pano. Exigiu
vê-lo para dizer-lhe que não permitiria que arruinasse a irmã.
Depois ela vomitou sobre a Fortuna. Ela está doente, Reaver.
Fraca e inocente, carregando menos que quatro libras em sua
retícula. Duff me contou onde elas estão. Um casebre em
Cheapside.
Reaver deslizou a mão sobre a cabeça e murmurou uma
imprecação.
— Phoebe Widmore ficará aqui. — Shaw o informou
rispidamente. — Onde pode ser alimentada propriamente e
cuidada.
— Chamou o Dr. Young?
— Ele deve chegar dentro de uma hora.
Suspirando, assentiu.
— Muito bem. Apenas vamos manter isso em silêncio,
sim? Uma garota pode ser arruinada por entrar em um lugar
como esse, quanto mais morar aqui.
O olhar incrédulo de Shaw o acusava de hipocrisia.
— Maldição, homem. Augusta Widmore não é a minha
amante. Ela só acha que é. Para todos os efeitos, ela trabalha
para mim. Isso é tudo.
A descrença continuou.
— Trabalha para você em qual função?
— O que quer que as solteironas comuns fazem para
viver.
— Então ela é a sua governanta.
— Você está brincando, não é?
— Acompanhante?
Contemplando a descrição, Reaver pensou que estava
perto o bastante.
— Aye. Acompanhante.
— Solteironas são acompanhantes de outras mulheres,
Reaver. São mulheres mais velhas.
Ele cerrou os dentes.
— Governanta, então.
— Ela não vai contratar uma governanta? Alguém pode
ter duas governantas?
Ao atravessar a porta, empurrou o seu irritante amigo
para o lado.
— Deus, homem. Vá embora.
— Agora, dois secretários... isso é mais provável.
Frelling ergueu o rosto de sua mesa e franziu o cenho.
— Está contratando outro secretário, Sr. Reaver?
Reaver escolheu não responder. Em vez disso, ele deixou
o seu parceiro e o secretário com suas malditas risadas. Eles
não sabiam o quão determinada Augusta Widmore poderia
ser. Não entendiam que ele deveria afastá-la. Deveria revoltar
as sensibilidades dela, fazendo-a corar aquelas bochechas
pálidas.
E para fazer isso, deveria tê-la por perto. Aye. Muito
perto na verdade.
Enquanto pegava as escadas dos fundos em direção ao
pátio, notou que Duff o olhava estranhamente.
— O que foi, Duff?
O homenzarrão ajustou seu chapéu e fundou.
— Nada não, sir. Apenas nunca vi você sorrir assim
antes.
— Assim como?
Duff deu de ombros.
— Como se planejasse roubar um lote de tortas de
pêssego da cozinha e mantê-las todas para si mesmo.
Reaver descartou a ideia e seguiu em direção à porta do
prédio adjacente.
Duff era um tolo. Tortas de pêssego? Se, pelo menos, a
sua tentação fosse resistível?

*~*~*

Adam Shaw ainda estava admirado com o


comportamento de Reaver ao bater à porta da suíte de Phoebe
Widmore um pouco mais tarde. Seu amigo obviamente sofria
de desejo não correspondido, provavelmente ao emprego
pouco frequente de amantes. Adam repetidamente o
aconselhou a remediar a situação, mas claro, Reaver podia
ser intratável. Ultimamente, sua inquietação crescera tanto
quanto o próprio homem. Talvez isso o estivesse
enlouquecendo. Bastante provável.
Qualquer tolo, a esta altura, já teria percebido que a
forma mais fácil de se livrar de Augusta Widmore era lhe
entregando o uso das promissórias. Reaver não era tolo, que o
levava a outra conclusão: ele gostava de competir com a
mulher. Além disso, havia apenas um motivo para um homem
deliberadamente manter a batalha em chamas, e não para
enviá-la correndo de volta a Hampshire.
— Meu pai chegará em breve, Sr. Shaw. — Disse Mary
Frelling atrás dele. Receio que ele esteja dando uma cochilada
após o almoço. — Ela riu carinhosamente. — A idade, já sabe.
Adam lhe acenou por cima do ombro. Ele percebeu que
seu marido, Frelling, sorriu para ela como um bobo. O
homem se encantou no momento em que ela sujou a manga
dele com seu sorvete de chocolate debaixo de uma ácer na
Berkeley Square. A Gunter’s virou seu lugar favorito desde
então.
Ele a considerava uma mulher de aparência agradável:
arrumada, um pouco gordinha com sardas espalhadas em
seu nariz. Gostava do humor dela e do encanto sensível. Mas
enredar-se nas saias de uma mulher naquele grau?
Incompreensível.
Batendo novamente, desta vez com mais força, Adam
esperou que a Srta. Widmore abrisse a porta. E esperou. E
esperou.
Seu estômago se apertou. E se ela estivesse
inconsciente? E se precisasse de ajuda?
Sem pensar duas vezes, ele girou a maçaneta e entrou,
ignorando que a Sra. Frelling ofegava.
A sala estava vazia. O fogo crepitava na lareira e uma
bandeja de chá estava posicionada na mesa com tampo de
mármore. A Srta. Widmore entretanto, estava fora de vista.
— Humm. Sr. Shaw, talvez devesse ser eu a...
Novamente Adam ignorou a esposa de Frelling, cobrindo
a distância da sala em poucos passos e indo em direção ao
quarto.
Um gemido veio detrás do biombo do outro lado da cama.
Ele correu em direção ao som.
— Oh, escute-me. De verdade, Sr. Shaw. — A Sra.
Frelling protestou. — Devo insistir que me permita...
— Srta. Widmore? — Ele chamou, circundando o
biombo.
Ela estava sobre o penico, a testa descansando sobre o
braço, metade de seus cabelos, uma mistura de vinho e
conhaque, caindo aleatoriamente dos grampos soltos. Em
uma mecha, dois grampos ainda estavam presos no
comprimento, tendo falhando em sua tarefa.
Ele ajoelhou-se ao seu lado, gentilmente afastando uma
mecha sedosa da bochecha. A cor dela estava entre a do papel
e da couve.
— Oh, Deus. — Ela ofegou. — Sr. Shaw? Por favor... deve
sair... — Seu braço direito agarrou-se a sua barriga. — Estou
prestes a...
Pelos próximos dois minutos, ela arquejou duramente,
seus ossos frágeis tremeram até que ele pensou que ela
quebraria. Acariciou suas costas, sentindo a delicada
ondulação de suas costelas e coluna através da musselina
rosa e fina.
Atrás dele veio um silvo de indignação.
— Sr. Shaw, isto é muito impróprio...
— Sra. Frelling, poderia ter a bondade de buscar um
xale? — Ele não se importou com seu tom grosseiro. Usou a
sua força para aparar Phoebe Widmore em seus terríveis
espasmos. — Chá e pão também.
Quando a tempestade começou a se acalmar, ele
gentilmente juntou os cabelos meios soltos em sua mão,
depois começou a tirar os grampos restantes das mechas
desgrenhadas. Logo foi capaz de trançar a massa fria e
sedosa.
Ele tinha feito isso por sua mãe inúmeras vezes. Já no
final, ela tinha uma pele mais cinza do que verde ou branca,
como se a vida já tivesse partido e deixado cinzas frias no
lugar.
Piscando, ele forçou para que as lembranças voltassem à
caixa delas. Enviaria a caixa de volta pelo mar até a Índia,
lugar onde pertencia.
Phoebe Widmore não era a sua mãe. Era uma garota que
estava terrivelmente doente, ofegante e fraca. Ela precisava de
sua ajuda.
Ele continuava esfregando as suas costas.
— Você é... Você é bom nisso. — Murmurou. — Mas não
deveria estar aqui. É inadequado.
— Sou um mero criado, Srta. Widmore. Mais como um
mordomo ou um lacaio. Não preste atenção em mim.
Seus ombros estremeceram novamente, desta vez com
uma risada seca e enferrujada.
— Criado. Provavelmente não.
— Humm. O que a faz pensar assim?
— Apenas acho.
Ela estava começando a relaxar. Isso era bom, mas ele
não desejava que adormecesse debruçada sobre o penico.
— Venha. — Passando o braço frouxo ao redor do
pescoço dele que, gentilmente, a reposicionou, assim ele pôde
erguê-la em seus braços. Ela fez alguns ruídos de protesto,
mas não lutou.
Estava exausta. Pálida, apenas ossos e olhos afundados.
Carregou-a até a cama, perguntando-se o que a irmã dela
estava pensando ao deixá-la naquela casa miserável, sozinha
e doente.
Por que as promissórias de Glassington eram mais
importantes para Augusta Widmore do que o bem-estar de
sua irmã?
Ao deitá-la sobre os cobertores, olhos azuis alcançaram
os seus. Eles estavam sublinhados por círculos escuros e
estavam, a cada segundo, cada vez mais fechados.
— Sr. Shaw? — Ela sussurrou, agarrando a mão dele na
sua mão suave e gelada.
Ele a olhou, perguntando-se como a pele dela pareceria
perto da dele se ele removesse as luvas.
— Obrigada por cuidar de mim, mas realmente devo ver
o Sr. Reaver.
— Ele não está aqui.
— Augusta, então. Quero falar com a minha irmã.
Ele vasculhou o quarto em busca de um cobertor
sobressalente, achando um aos pés da cama.
Cuidadosamente, ele a cobriu.
— Por favor, Sr. Shaw.
— Enviarei uma mensagem à sua irmã. Imagino que ela
desejará falar com você, principalmente quando descobrir que
ficará aqui.
— Aqui? Não seja tolo.
Ele bufou.
— Bem, admito que não tem encantos femininos, mas
está acima daquele casebre cheio de ratos...
— Não posso ficar aqui, Sr. Shaw. É um clube
masculino. Posso ser de Hampshire, mas até mesmo eu sei
que uma dama jovem não deve se hospedar no inferno dos
jogos.
— O Reaver’s dificilmente é o inferno. E ninguém saberá.
— Ele ouviu o barulho da bandeja de chá indicando que a
Sra. Frelling voltara. — Agora, não se preocupe sobre isso. O
pai da Sra. Frelling é médico. Ele chegará a qualquer
momento.
Seus olhos azuis brilharam. A garota magra apoiou-se
nos cotovelos.
— Médico?
— Dr. Young. Ele tem idade avançada, mas o velho ainda
entende muito sobre medicina. Posso comprovar isso. Ele
salvou a minha vida no último verão.
A Sra. Frelling parou ao lado da cama da Srta. Widmore.
— Meu pai é um bom homem, Srta. Widmore. Acho que
gostará dele.
A garota balançou a cabeça lentamente, seus olhos
arregalaram alarmados e... imploradores.
— Não. Médico, não.
Adam franziu o cenho.
— Você está bastante doente. Um médico é precisamente
o que precisa.
Ela sacudiu a cabeça com mais vigor.
— Absolutamente não. Eu me recuso a vê-lo. — Os olhos
dela viraram para a esposa de Frelling. — Sinto muito. Não
quis insultar.
A Sra. Frelling ficou quieta e pensativa. Adam frustrado.
— Srta. Widmore, com a devida cortesia, apenas uma
pessoa tola recusaria os serviços de um médico competente
após passar a maior parte da tarde abraçada ao penico.
Um pequeno e delicado queixo se ergueu. Olhos azuis se
estreitaram e faiscaram.
— Então me chame de tola se quiser, Sr. Shaw. Porque
mantenho a minha resposta.
— Sua resposta é um disparate. — Ele espetou.
A Sra. Frelling pigarreou.
— Sr. Shaw, poderia fazer companhia ao Sr. Frelling na
sala de estar enquanto a Srta. Widmore e eu temos uma
conversa?
Ele franziu o cenho para ambas as mulheres,
perguntando-se o que diabos estava acontecendo.
A Sra. Frelling enrugou o nariz sardento e lhe indicou a
porta.
Cansado de duelar com fêmeas intratáveis, soltou um
silvo e saiu do quarto. Frelling estava sentado no pequeno
sofá, examinando seu relógio. Olhou para cima quando Adam
caminhou até a lareira e cruzou os braços.
— Problemas?
— Ela se recusa a ver um médico.
— Muito estranho. Pelo que me soou, ela precisa de um.
— Exatamente o que lhe disse. Garota confusa.
Por um tempo, ambos ficaram calados. Então Frelling
falou:
— Talvez seja uma queixa feminina.
— Talvez. Mesmo assim, ela não pode mais continuar
assim. — Adam se lembrou que sentiu a coluna e costelas
dela. — Não permitirei.
Frelling murmurou sua concordância e ajustou os
óculos.
Em pouco tempo sua esposa saiu do quarto.
— A Srta. Widmore concordou em ver meu pai.
— Finalmente. — Adam falou ironicamente. — A
sanidade prevaleceu.
A Srta. Frelling o fulminou com um olhar estranho.
— Ela estava preocupada com a questão da
confidencialidade. Assegurei-lhe que papai preza pela
discrição e compartilhará suas descobertas apenas com
aqueles que ela desejar que sejam informados.
Uma batida soou. Frelling se moveu para atendê-la.
Adam se aproximou da Sra. Frelling e abaixou a cabeça.
— Inaceitável. Não poderei ajudá-la se não souber do que
se trata.
Ela deu uma palmada em seu cotovelo.
— Pode estar acostumado a dirigir todos e tudo aqui no
Reaver’s, Sr. Shaw. Mas prevejo que descobrirá que uma
jovem dama é um assunto totalmente diferente.
Ele poderia ter ficado ofendido, exceto que o tom dela era
espirituoso e gentil. Obviamente pensava que exagerava. Mas
não era assim. Phoebe Widmore precisava de ajuda. Da ajuda
dele. E seria amaldiçoado se permitisse que o desejo inútil
dela por privacidade o impedisse de agir.
— Adam. É bom vê-lo tão bem. — Curvado e enrugado, o
Dr. Everett Young se aproximou dele com um sorriso e uma
mão paralisada e esticada.
Adam a apertou e deu ao médico de cabelos grisalhos um
sorriso largo.
— Bom vê-lo acordado, velho. A Sra. Frelling me contou
que você estava dando uns cochilos.
Rindo, o Dr. Young respondeu:
— Um passatempo restaurador. Muito melhor que
críquete. — Ele se virou para sua filha. — Minha paciente?
Ela assentiu e lhe acompanhou até o quarto enquanto
ele murmurava:
— Espero que me arrume chá, minha querida.
Uma hora depois, Frelling retornou ao seu escritório e
Adam estava contemplando a ideia de uma invasão digna dos
normandos. De verdade, quanto tempo levava para examinar
uma mulher? Ele podia ter feito isso em dez minutos. Talvez
doze. Obviamente, dependia da mulher. E quanto tempo ela
preferia que ele demorasse.
Com Phoebe Widmore, suspeitava que nem mesmo uma
hora seria suficiente.
Ele piscou. Que diabos? Ela era uma garota pobre e
extremamente doente. Reconhecia que seus olhos eram da cor
da flor de pervinca e seus cabelos, uma mistura de porto e
conhaque. Era bonita do mesmo modo que muitas mulheres
inglesas, formosa e de características suaves. Ou, ela seria, se
não fosse tão magra.
O ponto era que, embora pudesse ser uma jovem
atraente, não cabia a ele olhá-la com tais pensamentos
luxuriosos. Era um homem civilizado e não uma besta.
A porta do quarto abriu-se. O Dr. Young emergiu dela ao
lado da Sra. Frelling, que franzia a testa enquanto virava
alguns papéis.
— Biscoitos de gengibre e... — Ela estreitou os olhos. —
O que é este desenho de um dedo esquerdo do coelho?
— Chá de folha de framboesa. Acrescente um pouco de
menta, também. — O Dr. Young notou Adam e se aproximou.
— Tranquilize-se, querido moço. A Srta. Widmore se
recuperará com o tempo. Mais duas ou três semanas, acho.
Adam encarou o homem idoso, perguntando-se para
onde o juízo dele se fora. — Duas ou três semanas? Ela está
definhando!
O Dr. Young assentiu.
— Certifique-se que ela coma regularmente, em
intervalos de algumas horas. Apenas aquelas comidas que ela
tolerar. Ela mencionou chocolate. É um bom começo. Talvez
um caldo. Sem cebolas. Oh, e dormir. — Ele lhe sorriu. — Ela
também precisará fazer uma sesta.
— O que há de errado com ela? Diga-me.
O Dr. Young tocou o ombro de Adam.
— Sabia que seu clube serve o melhor chá de Londres. É
um prazer visitá-lo. — Ele passou por ele em direção à porta e
a abriu, aceitando o casaco e o chapéu das mãos do Sr.
Frelling. — Um prazer vê-lo também, Adam. Provavelmente
me convidará novamente em breve.
Puxando a aba do chapéu, saiu deixando Adam parado
na sala da Srta. Widmore, perguntando-se como fora
manipulado por uma garota franzina e um velho entrevado.
— Descobrirei a verdade. Sra. Frelling. — Falou em voz
baixa.
Ela ergueu as sobrancelhas e dobrou os papéis
cuidadosamente.
— Talvez, Sr. Shaw. Mas não hoje, hein?
CAPÍTULO 7

“Treinar criados adequadamente é uma tarefa desagradável,


repleta de perigos. Assim como educar crianças. Ou homens
intratáveis de estatura incomum”.

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta explorando os desafios de uma equipe de
criados.

Anne era uma criada de serviços gerais e uma mulher


muito grande. O pequeno e magro Ash não tivera chance.
— Deixe-me, disse! Ouch! É meu braço ‘que’stá’
torcendo, sua grande vaca!
Os salpicos foram seguidos por um baque e um barulho
de baldes de metal.
— Fique quieto, seu rato, ou agarrarei mais do que seus
braços.
Augusta sorriu enquanto bebia seu chá na mesa da
cozinha. Atrás da tela que ela colocara por causa da duvidosa
modéstia de Ash, mais salpicos eram precedidos de ofegos e
injurias.
— Argh! Tem sabão nos meus ‘oios’! Queima. ‘Vu ficá’
cego!
— Não usei sabão ainda. — Resmungou Anne. — Agora
pare de se debater antes que eu pegue a minha colher.
— ‘Entum’ pode ‘infiar’ nos meus ‘oios’?
Um bufo.
— Não, rato. Assim eu posso bater no seu traseiro.
Sente-se quieto.
Anne era bem mais paciente do que Augusta fora. Ela
olhou para as suas próprias saias, ainda úmidas de suas
tentativas de domar o teatro do menino. Ela quis rir, mas não
queria encorajá-lo.
Ele precisava de um banho mais do que qualquer outra
criança que ela já vira. Quem poderia imaginar que tipo de
inseto o incomodava? Pulgas, certamente. Sua resistência
irracional começara quando ela removera seu gorro. Mas ela
duvidava que o Sr. Reaver mantivesse Ash empregado em sua
casa se o garoto estivesse imundo e infestado.
Ela esperava ter, pelo menos, dez criados contratados
quando o Sr. Reaver voltasse, embora ela não tivesse a menor
noção de quando seria isso. Ele passara a noite anterior no
clube. Sabia porque ela passara a noite anterior acordada em
sua cama surpreendentemente macia. Ouvindo. Imaginando.
Recordando. Por volta das três, finalmente dormira.
Tomando outro gole de chá, ela alisou uma mecha do
cabelo e suspirou. Ser amante dele era uma ocupação mais
inquietante do que ela imaginara.
Um grito alto de Anne ecoou pela cozinha. Então um
barulho de tecido rasgando. Em seguida, um menino rosa,
quase pelado e gotejando surgiu detrás da tela e desapareceu
na copa.
Anne emergiu, ensopada e segurando uma camisa
rasgada e suja em suas mãos. Em suas amplas feições havia
uma expressão de fúria.
— Oh, calma, Anne. Ele é apenas um menino...
— Não estou zangada com ele, Srta. Widmore. — A voz
da criada era trêmula, assim como suas mãos. — Deve olhar
as costas dele.
Um terror gelado afligiu seu estômago. Ela abaixou a sua
xícara e se levantou.
— O que é?
Anne tirou a sua touca pingando e a atirou sobre a
mesa. Embaixo, seu cabelo era cor de amêndoas. — Deve ver
por si mesma.
Augusta imediatamente se dirigiu a copa, pretendendo
fazer exatamente isso. Não o viu imediatamente. Então ouviu
um pequeno suspiro dentro de um barril.
— Ash. — Ela falou, forçando sua voz para sair firme. —
Venha aqui agora. Não tenho tempo para bobagem.
— Não quero. — O barril disse.
— E eu não quero pedir ao Sr. Duff que carregue este
barril na próxima carroça que vai ao mercado. Mas irei.
— Você é uma mulher muito dura, Srta. Widmore.
— Sou o que devo ser para fazer o que devo fazer.
O barril fungou.
— Ela rasgou minha camisa.
— Sim, bem. Se não tivesse se debatido como um gato
feroz, sua camisa estaria intacta, não estaria?
O silêncio caiu.
— Venha agora, Ash. Deixe das suas. Tenho muitas
tarefas a realizar.
Uma cabeça marrom e ensebada lentamente surgiu
acima da borda do barril. Então um par de olhos escuros com
cílios em grandes quantidades. Nariz pequeno. Queixo
quadrado.
Bons céus, o garoto era bonito sem toda aquela sujeira.
— Venha logo. — Disse secamente. — Já teve a sua
diversão.
Em seu peito magro ainda tinha manchas de sujeira. Ele
saiu do barril, saindo e ficando em pé, branco, trêmulo e
terrivelmente magro. Estava em suas roupas de baixo, uma
desgraça de tecido e linha.
— Muito bem. Agora, volte para o banho, por favor. Um
pouco de sabão fará bem a você.
— Mas...
Ela ergueu uma mão.
— Nem outra palavra, menino. — Sua mão moveu-se
apontando à cozinha. — Vá.
Para sua surpresa, ele obedeceu, seus ombros
encurvados enquanto passava por ela, em direção à porta da
cozinha.
Ela se virou para ver as costas dele.
E teve que cobrir a boca para evitar o grito. Ou o choro.
Ou o vômito.
A carne estava marcada por cicatrizes e manchas negras,
vermelhas e um doentio amarelo com hematomas velhos e
novos. Uma marca em particular atraiu seu olhar.
Tinha o formato de uma bota.
Ash desapareceu na cozinha. Ela ouviu Anne murmurar
algo com ele. O som de água escorrendo.
Ela fechou os olhos e mordeu o punho. Bom Deus, ainda
conseguia ver aquilo. As costelas protuberantes em sua pele.
Ele era um menino pequeno, faminto e agredido.
Agredido viciosa e repetidamente.
Um soluço se avolumou em seu peito. Ela o engoliu.
Respirou fundo até que ele voltasse ao lugar.
A última coisa que ele precisava era pena.
Ou a explosão de fúria derretida em seu ventre,
escaldando tudo como se fosse fogo.
Não, o garoto que tinha sofrido tal tratamento precisava
se sentir seguro. Precisava que ela fosse a Augusta em quem
confiava. Felizmente, ela tinha adquirido muita prática ao
lidar com Phoebe.
Abriu os olhos e abaixou a mão. Imaginou-se usando
uma cota de malha e uma armadura. Visualizou uma espada
em seu quadril e um elmo impenetrável sob sua cabeça.
Pronto. Agora estava melhor.
Á distância, ouviu Ash reclamar sobre o sabão, em
seguida a resposta de Anne que se ele se incomodasse em
banhar-se mais de uma vez por ano, a lavagem não seria uma
tarefa tão árdua.
Ele precisaria de uma camisa, Augusta pensou. Calções
também. Mas por enquanto, ela arrumaria uma camisa para
ele vestir quando estivesse limpo.
Não havia outros meninos na casa, claro, e nem ela e
nem Anne possuíam qualquer coisa que servisse para ele
vestir. Apenas outro homem morava ali. O Sr. Reaver podia
ser um gigante, mas uma de suas camisas deveria ser
suficiente até que ela enviasse Anne para que comprasse
trajes de tamanho mais adequado ao de Ash.
Decisão tomada, ela caminhou pela cozinha, parando
brevemente para vestir suas luvas. Em sua mente elas eram
manoplas.
Ficou feliz ao ouvir o zumbido agradável de Anne e o
silêncio de Ash. Feliz por não ter que olhar para suas costas
novamente tão cedo.
Minutos depois, ela procurava em uma pilha arrumada
de camisas na sala de vestir do Sr. Reaver. Elas eram todas
do mesmo tamanho, elegantemente costuradas e volumosas.
Ela sacudiu uma e a pôs em frente ao seu próprio corpo antes
de se virar para olhar no espelho.
— Oh, céus. — Exalou. Nela, a bainha chegava um
pouco abaixo dos joelhos. O pescoço ficaria aberto e exporia
seus seios.
Uma imagem dela usando a camisa e nada mais cruzou
sua mente. Por um momento, imaginou como ele a veria em
tal estado, como aqueles olhos de ônix poderiam chamuscar e
queimar antes que ele...
— Não há necessidade de furtar as minhas camisas,
Srta. Widmore. Pretendo levá-la à costureira em breve.
Ele estava parado na porta de seu quarto, um ombro
substancial apoiado no batente, braços cruzados, a ponta de
uma das botas casualmente parada ao lado da outra. Ele
parecia como se estivesse ali há horas. Observando-a.
Ela engoliu em seco e se concentrou em dobrar a camisa.
A agitação em seu ventre e as sensações ao longo da coluna
eram simplesmente surpresa. Isso era tudo.
— Não estava lhe roubando, Sr. Reaver. Estava pegando
emprestado. Há uma vasta diferença.
— Vasta. Como as promissórias de Glassington, não?
Enfrentando o seu olhar duro e preto, ela ergueu o
queixo.
— Certamente.
— Para que a quer?
Ela pigarreou.
— Algo para vestir depois do banho. — Não era uma
mentira... totalmente.
Por um longo tempo, o Sr. Reaver ficou em silêncio. Os
olhos queimavam e caíram sobre seu colo do jeito que ela
imaginou. E ela nem ao menos estava vestindo a coisa. Não,
ela a segurava contra o peito como um escudo.
— Sempre usando luvas, Srta. Widmore. — Sua voz saiu
esfumaçada. — Nunca as vi sem elas. Faz um homem
imaginar o motivo.
Ela reergueu o queixo.
— Prefiro assim.
Um sorriso cínico curvou sua boca enquanto seus olhos
retornavam aos dela.
— Uma dama tem mãos suaves, não? Não há ‘trabaio pra
‘stragar’ sua pele nobre.
Ele deliberadamente engrossara seu sotaque, ocultando
o H e achatando certas vogais até que sua fala parecesse com
a de Ash.
Ela podia ter lhe explicado quão errôneas as suas
conclusões estavam, mas por qual motivo? O desdém dele por
todas as coisas — e pessoas — aristocráticas era óbvio. Além
do mais, no momento, ela tinha coisas mais importantes para
resolver, isto é, entregar a camisa dele para Ash enquanto
evitava que isso fosse descoberto pelo dono. Então, ela
poderia começar a entrevistar os criados. Ash não poderia se
esconder em uma casa com dois criados. O garoto não devia
ser notado pelo Sr. Reaver, pelo menos por enquanto.
— Pense o que quiser, Sr. Reaver.
— Farei isso. — Ele grunhiu.
— Tenho certeza disso.
— Você é bastante irritante.
— Bem, se minha presença o incomoda, talvez deva sair.
— Esta é minha sala de vestir. — Ele se afastou do
batente da porta e veio até ela, um gigante grande de olhos
negros vestindo um casaco azul e sem cravat. — E esta é
minha camisa.
Ficando sem fôlego, ela colocou a camisa dobrada nas
suas costas e recuou um passo.
— Devolverei sem estragos, asseguro-lhe.
— Não é o estrago que me perturba.
Ele contornou o lavatório, sombrio, imponente e
cheirando a chuva.
A porta da sala de vestir dela tocou suas costas. Ela
sentia a maçanete.
— O quê, então? Talvez eu possa deixá-lo tranquilo.
Ele diminuiu o espaço entre eles, ficando a apenas
centímetros de distância. Agora, o sentia como uma
tempestade elétrica, o homem maciço exalando poder e calor.
Ele apoiou a mão acima de sua cabeça. Seu fôlego
acariciava sua bochecha.
— Vindo de você, Srta. Augusta Widmore, nada me
tranquiliza.
Aquela proximidade, o estrondo de sua voz roçando a
sua pele. Ela encontrou os olhos dele e mergulhou
profundamente, pescada e presa nas profundezas. As trevas
deveriam ser frias, ela pensou. Mas não eram. Eram quentes,
como cavernas cheias de vapor da Terra.
— Gostaria de lhe ver usando a minha camisa.
Ela ficou agradecida pela porta atrás dela, pois se não
fosse ela, certamente teria dificuldades de se manter em pé.
— Ela ficaria folgada. — Sussurrou. — Ficaria...
indecente.
— Aye. Indecente.
A cabeça dela girou com uma sensação estranha. Parecia
que ia cair.
— S-Sr. Reaver.
Um dedo grosso acariciou sua bochecha.
— Gosto disso.
— O quê?
— Sua cor. Como rosa florescendo.
— É por causa de suas... provocações.
A boca dele estava mais próxima? Ela pensou que sim.
— Acho que gosta das minhas provocações, Srta.
Widmore.
Ele não estava errado. Tudo dentro dela zumbia como
uma corda arrancada.
— Talvez eu goste. — Ela confessou.
Sua mandíbula se flexionou como pedra. O nariz inflou,
ele pairou sobre ela. Abaixando a cabeça ao lado da dela.
Respirando contra a pele de seu pescoço.
Fechou os olhos e sentiu o calor dele. A dureza do peito a
mitigando. Achatando-a e a excitando, firme e doce.
Lã, chuva e masculinidade. Calor, músculos e peso. Isso
era impressionante. Mas não o suficiente.
Lábios quentes deslizaram por sua pele. Um queixo
áspero a acariciou. O contraste a fez desejar mais. Mais
suave. Mais áspero. Mais dele.
A leve batida na porta os deixou imóveis. Ela não
desejava abrir os olhos. Desejava saber o que viria a seguir.
Ele beijaria seus lábios? Ele a seguraria pela cintura? Ele
ergueria suas saias?
— Psiu. Srta. Widmore? — O alto sussurro de Anne
atravessou o painel de madeira. — Parece que o Sr. Reaver
voltou. Melhor apressar-se. O rato fugiu novamente. Só Deus
sabe onde está.
Droga. Milhares de maldições sobre Anne ou qualquer
pessoa fazendo com que o homem ao redor dela
interrompesse o que fazia.
Apesar de seu desejo ardente, ele se afastou, deixando-a
fria e fraca. Quando abriu novamente os olhos, ele virava-se
em direção a porta de seu dormitório, movendo-se
rigidamente e passando uma mão sobre sua cabeça.
Ela estava com problemas para respirar.
Outra batida.
— Srta. Widmore?
— Sim, Anne. — Ela conseguiu falar. — Descerei em
breve. Obrigada.
Agora, ele estava parado com uma mão apoiada no
lavatório, como se precisasse se equilibrar.
— Devo ir. — Falou. — Devo preparar-me para as
entrevistas de hoje.
— Não. — Sua voz era profunda, mais áspera que o
normal.
Ela inalou com dificuldade. Ele pretendia continuar o
que começara? O calor aumentou e queimou em expectativa.
— Frelling chegará em uma hora. Ele fará as
contratações.
Ela se retesou. Ficou gelada. Perdeu o fôlego.
— Concordamos que eu...
— Não houve acordo. — Ele rosnou. — Como sempre,
simplesmente declarou que faria. Frelling ajuda a contratar os
criados do clube. Ele terá isso pronto até amanhã.
Ela apertou a camisa do Sr. Reaver às suas costas. Ash
precisava da camisa, mas, ainda mais desesperadamente, ele
precisava da posição que ela lhe daria. Ela não faria isso por
ele a menos que tivesse o controle sobre a criadagem da casa
vazia do Sr. Reaver.
— Como viverei aqui por seis semanas, Sr. Reaver, receio
que devo insistir...
Ele virou seus olhos pretos e brilhantes sobre ela.
— Eu disse que não.
Erguendo o queixo, ela lhe informou:
— Controlei uma casa grande antes, sabia? Talvez tenha
sido há alguns anos...
— Onze.
Ela piscou. Como ele sabia? Ele fizera perguntas sobre
ela? Oh, bons céus. O que mais ele descobriu?
— Não tenho dúvidas que poderia fazer isso, Srta.
Widmore. Você é a mulher mais controladora que conheço.
Mas suspeito que mal passa o dia com sua irmã. Ela está no
clube e está doente.
— Por que, em nome de Deus, ela está no clube? — Se
tom era afiado, mas Augusta não se importava.
Ele olhou para ela.
— Ela não aprova o nosso acordo. Chegou à porta da
frente, exigindo falar comigo. Quando Shaw percebeu que ela
estava doente, a instalou em uma suíte privada e chamou um
médico...
— Um médico? — Em sua mente, ela gritou. Felizmente,
emergiu mais como um sussurro horrorizado.
— Aye. O sogro de Frelling, Dr. Young. Ele a examinou
ontem à tarde...
Ela grunhiu e cobriu o rosto com a mão livre.
— Que diabos? — O Sr. Reaver ladrou. — Não se importa
que sua irmã esteja morando naquele monte de lixo que
chamam de casa?
Abaixando a mão, ela soltou um riso histérico. Mesmo
para seus ouvidos, soou amargo.
— Importar-me, Sr. Reaver? Estou sacrificando tudo
para a segurança e bem-estar dela. Tornar-me sua amante é a
última atitude.
Seu olhar voltou a se tornar calculador. Calculador e
consciente.
— Gostaria de vê-la. — Disse, ignorando a agitação em
seu ventre.
Ele assentiu.
— A levarei.
— Desnecessário.
— Perfeitamente necessário, Srta. Widmore. — Seu tom
impedia qualquer reclamação.
Mesmo assim, não foi capaz de resistir.
— Posso pegar um coche.
Ele se afastou do lavatório, caminhando em sua direção.
Novamente.
— Irá comigo, assim será. Não a terei entrando
furtivamente em meu clube, causando todo tipo de incômodo.
— Se considera a intrusão uma dama dentro de seu
glorioso santuário masculino tal incômodo, o que o possuiu
para convidar a minha irmã a ficar lá?
— Não fiz. Foi Shaw.
Ela ergueu as sobrancelhas.
— O Sr. Shaw a convidou?
— Mais para insistir.
— Humm. Bem, o Sr. Shaw é um verdadeiro cavalheiro.
Não viraria as costas para uma dama em dificuldades, muito
menos a levaria até a porta da frente...
— Dez minutos, Srta. Widmore. Então partiremos. Se
não gosta de ser carregada como uma valise, sugiro que esteja
no vestíbulo a tempo.
Deus, por que ele dissera algo assim? Em voz baixa,
reverberante e imponente. Ele a fazia querer desafiá-lo apenas
para ver o que ele faria.
Mas isso não seria inteligente. Ela deveria deixar de
satisfazer estes desejos voláteis e focar nas coisas que
realmente importavam. Phoebe. E, se pudesse ajudar, Ash.
Ela sentiu a maçaneta às suas costas, a girou e entrou
em sua sala.
— Estarei lá. — Ela disse ainda segurando a camisa dele.
Como sempre, o seu olhar, longe de causar medo, fez
suas entranhas suavizarem e tremerem.
— O encontrarei lá.
CAPÍTULO 8

“Não posso recomendar uma viagem no inverno. Ou no outono.


Ou na chuva. Agora que penso sobre isso, não recomendo
viajar afinal.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para Elijah Kilbrenner em


uma carta explicando os motivos pelos quais apenas aqueles
que gostam de imprudência e desconforto seguem para as
terríveis estradas da Inglaterra em condições adversas.

Reaver inclinou-se para frente com seus cotovelos sobre


seus joelhos e amaldiçoando o inventor das carruagens
fechadas. Automaticamente, o olhar dele encontrou os seios
da Srta. Widmore. Tornou-se um regalo para ele, uma visão
que lhe trazia conforto mesmo quando seu pescoço doía por
tentar caber em um espaço tão pequeno.
Aquele pensamento o levou a contemplar sobre ajustes
em outros locais apertados.
Ela estava sentada em frente a ele, aconchegada do lado
da janela para deixá-lo com mais espaço. Os olhos estavam
grudados na rua que passava. Suas mãos enluvadas estavam
cruzadas em seu colo. Sua peliça marrom era velha, mas
limpa.
Deus, como a queria. O desejo aumentava momento a
momento. Inextinguível. Incontrolável.
Mais cedo, em sua sala de vestir, estivera perto o
bastante para absorver o cheiro dela. Nunca experimentara
nada tão bom. Não era perfume. Nem flores ou tempero
enjoativo. Ela cheirava como vento na água. Como pele e
sabão. Sabão barato e perfumado. Sabão de limpeza. Com
uma pitada de limão.
Ele desejava devorá-la.
— Espero que tenha agido com discrição, Sr. Reaver.
Não tanto quanto deveria. Muito mais do que desejava.
— Minha irmã é uma jovem dama virtuosa. A sua
reputação deve ser protegida. — Olhos cinza se viraram na
direção dele. — Você entende, não?
— Shaw instruiu os criados a manter a presença dela em
segredo.
— E eles farão isso?
— Eles farão o que lhes foi dito ou sofrerão as
consequências.
Ela engoliu em seco e assentiu, seu olhar caiu
brevemente sobre a mandíbula dele antes de voltar a
contemplar a janela.
O olhar dele voltou ao colo dela. Mamilos duros
pressionavam as bordas de seu corset, sua chemise e lã. Eles
queriam a sua atenção.
Por Deus, eles teriam isso.
— Não pode estar confortável. — Ela murmurou.
Não. Não, ele não estava. Doía, latejava e malditamente
ansiava por saboreá-la.
— Deveria comprar uma carruagem modificada com um
teto mais alto. Ninguém deveria viajar sem espaço suficiente
para a cabeça.
— Sua preocupação aquece o meu coração, Srta.
Widmore.
Novamente, ela desviou o olhar. Olhou para as pernas
estendidas e para a postura encurvada. Fungou.
— Apenas aponto isso porque parece determinado a viver
sem confortos. Uma casa vazia. Uma carruagem que não lhe
serve. Até mesmo seu escritório é, na melhor das hipóteses,
prático.
— Eu gosto de meu escritório.
— Não duvido.
— O que quer dizer com isso?
Olhos cinza avaliaram toda sua extensão.
— Apenas que aparentemente favorece a utilidade.
— A utilidade é o que importa.
Uma sobrancelha castanho avermelhada se ergueu.
— O conforto também importa, Sr. Reaver. Conforto e
prazer. Você pode se dar ao luxo de possuir os dois,
funcionalidade e conforto, sabia?
Ele engoliu uma resposta. O que uma solteirona nascida
na alta sociedade sabia sobre isso? Ela podia não apreciar a
riqueza que seu pai fornecera, mas herdou uma pequena
soma para os dotes dela e de sua irmã. Também possuía um
pequeno e sólido chalé e vivia com os rendimentos de
investimentos que seu tio a ajuda a estabelecer. Ele duvidava
que ela se preocupasse muito com os fundos, além das
despesas ocasionais, salvo gastos inesperados.
Uma viagem a Londres para perseguir um possível
marido, por exemplo.
Ele franziu o cenho. Maldito Glassington. Um conde
inútil e irresponsável que poderia adquirir acesso aos divinos
seios, lábios carnudos de Augusta Widmore com um nome e
um título.
— Deus, não precisa atirar-me adagas. — Ela disse
erguendo o queixo. — Minha sugestão para aumentar a altura
de sua carruagem é uma ideia prática.
— Uma carruagem mais alta estaria mais apta a tombar.
Ela estalou a língua.
— Então abaixe o piso. Você precisa de uma porta mais
alta de qualquer maneira.
— Você não sabe nada sobre as minhas necessidades.
— Por que está sendo tão irracional...
— Porque, como normalmente, você enxerga tudo como
uma oportunidade para atormentar um homem com suas
opiniões não solicitadas.
Uma pequena ruga se formou entre as sobrancelhas
dela. A cabeça recuou até a nuca bater no encosto da parede
traseira da carruagem.
— Muito bem, Sr. Reaver. Se acha as minhas opiniões
tão odiosas, as manterei para mim mesma.
Com isso, ela se afastou dele. Virou seu rosto de volta
para a rua. Apertou os lábios e endireitou a postura.
Ele queria uivar. Ele queria beijá-la. Reivindicá-la. Bem
ali, em sua carruagem muito pequena.
Ele queria implorar por perdão por ter rosnado como um
cachorro faminto.
Em vez disso, ele ficou em silêncio e se forçou a parar de
imaginá-la com Glassington.
Ao chegarem ao beco atrás do clube, estava pronto para
bater em alguém. Preferencialmente em um certo jovem conde
que lhe devia milhares de libras.
Sair da carruagem, como sempre, exigiu algumas
manobras, mas ele conseguiu. Uma vez do lado de fora,
estendeu a mão para ajudar a Srta. Widmore.
Ela o ignorou, usando o batente da porta como apoio
para descer até os paralelepípedos.
Maldição. Ele a magoara. Ela nem mesmo ergueu a aba
do bonnet para olhar para ele.
— Shaw me disse que sua irmã está se sentindo melhor
hoje. — Ele tentou selar a paz, indicando-lhe a porta dos
fundos.
Sua única resposta foi um aceno antes de começar a
andar até a entrada.
— Bom dia, Sr. Duff. — Ela cumprimentou a sua
sentinela alegremente. — O dia parece ter tido misericórdia de
você.
O homem grande riu.
— Aye, de fato, Srta. Widmore. Um pouco de garoa por
um tempo, mas melhorou desde então.
Ela sorriu. Duff sorriu de volta.
— Abra a maldita porta, Duff.
As sobrancelhas bagunçadas do homem arquearam de
maneira assustada.
— Aye, Sr. Reaver.
Ela precedeu Reaver no interior escuro, suas costas
rígidas.
— Não havia necessidade de tanta grosseria.
Ele rosnou. Ela estava certa, é óbvio. E agora estava com
mais raiva dela por isso.
Ela navegou pelo corredor escuro até as escadas de
serviço como se ela tivesse um mapa e uma tocha. Imaginava
que ela conhecia muito bem o caminho agora, tendo invadido
o seu clube duas vezes.
— Terceiro andar. — Ela instruiu.
Novamente, ela mal assentiu, segurando um punhado de
sua saia e subindo o primeiro lance de escadas em passos
rápidos.
Ele a seguiu de perto, saboreando cada pequeno aroma
de seu perfume, cada balanço lascivo de seus quadris.
— O Dr. Young recomendou muito descanso e refeições
frequentes. — Ele disse, esperando que a raiva dela
diminuísse com um pouco de conversa tranquilizadora. —
Shaw acredita que a sua irmã deva ficar aqui pelo seu tempo
restante em Londres. Temos um excelente cozinheiro.
Francês. Pode fazer qualquer coisa que ela quiser.
Aparentemente, ele era incompetente tanto em
tranquilizar quanto em conversar, pois, desta vez, ela nem
mesmo acenou.
Ao chegarem ao terceiro andar, ele se abaixou sob uma
viga e segurou o cotovelo dela.
Ela parou e puxou o braço para se soltar.
Mantendo seu aperto gentil e ao mesmo tempo firme,
falou:
— Irei à frente. — Murmurou. — Você não deve ser vista
vagando por aqui.
Na luz baixa, ele não pôde ver a expressão dela, mas
quando falou, ele se sentiu coberto de gelo.
— Sem dúvidas, Sr. Reaver. Vá à frente.
Ele afastou a mão lentamente. Relutantemente. Em
seguida, passou por ela, lutando contra a vontade de
pressioná-la contra a parede e enterrar seu nariz no pescoço
dela mais uma vez.
Dado o estado de espírito dela, tal ação provavelmente
resultaria em um dano em suas partes mais vulneráveis.
Seus olhos. Seu nariz. Talvez até mesmo em seu...
Aye, pensou. Provavelmente era uma má ideia.
Em vez disso, seguiu em frente, examinando o corredor
em busca de criados e convidados. No final do corredor bem
iluminado, um par de cavalheiros ria e deram os braços,
bêbados, antes de virar em direção à escada principal. Um
lacaio se moveu rapidamente para substituir duas velas que
queimavam baixas.
Atrás dele, a impaciência de Augusta Widmore
pressionava como ferro quente os seus ombros. Ou talvez
fosse a sua irritação.
Quando o corredor se esvaziou, ele sinalizou para ela vir
e a levou até a porta de Phoebe Widmore. Acima de sua
cabeça, ele alcançou a maçaneta, mas ela já abrira a coisa.
Lá dentro, sua irmã estava sentada perto do fogo, lendo.
A versão mais jovem, mais pálida, mais magra e mais bonita
de Augusta se levantou e largou o livro.
— Augusta. — A moça chorou, seu lábio inferior
tremendo enquanto corria para os braços abertos de sua
irmã.
— Acalme-se, Phee. — Ela a abraçou com força antes de
se afastar e acariciar os cabelos de Phoebe e depois segurar
seu rosto com as mãos enluvadas. — Você tem um pouco
mais de cor. Como está se sentido?
— Melhor. O Dr. Young e a Sra. Frelling têm sido muito
bondosos. Eu bebi três xícaras de chocolate esta manhã. — A
garota riu e fungou.
— E o Sr. Shaw?
As bochechas de Phoebe ficaram rosadas.
— Ele gosta de fazer as coisas do jeito dele. Proibiu-me
de sair sem o seu conhecimento.
Augusta assentiu e apertou o ombro de sua irmã.
— Uma ação sensata. Não queremos que a sua presença
aqui seja descoberta. Ele tem sido bondoso?
— Suponho que sim. — Um vinco enrugou a testa dela.
— Ele insiste que eu durma quatro vezes ao dia e coma seis.
Eu lhe disse que ninguém dorme tanto e que seis refeições
são demais até mesmo para o Sr. Duff.
— Humm. O Sr. Shaw é um cavalheiro. Tenho certeza
que apenas deseja garantir a sua boa saúde. — Ela acariciou
o rosto de Phoebe novamente. — Você deve cuidar melhor de
si mesma, Phee. Nunca deveria ter vindo aqui sozinha. Eu lhe
disse que encontraria acomodações melhores assim que
estivesse estabelecida.
— Não pude esperar. — Phoebe segurou as mãos de
Augusta. — Por favor, diga que desistiu se se tornar a amante
daquele homem.
Reaver pigarreou.
Augusta estremeceu.
— Um pouco de privacidade seria apreciada, Sr. Reaver.
— Não. — Phoebe disse, afastando-se de sua irmã e se
aproximando dele em frente a porta. — Eu quero falar com
você. — Olhos azuis brilhavam de indignação. — Como ousa,
sir. Como ousa propor a minha irmã algo tão escandaloso...
— Phoebe.
—... como acordo. Ela não é a amante de ninguém.
Qualquer homem com bom senso saberia à primeira vista que
ela é uma dama com valor fora do comum. Ela deveria ser
tratada com a devida cortesia por ser uma mulher...
— Phoebe, isto não está ajudando.
—... virtuosa e esplendia. Eu repito, como ousa!
Estranhamente, seu discurso inflamado gerou uma
sensação escorregadia e doentia embaixo de sua pele. Parecia
como vergonha.
— Phee! Por favor. Meu acordo com o Sr. Reaver é
mútuo. Ele não me forçou a entrar em nada...
Phoebe deu meia volta com as mãos nos quadris.
— Você estava desesperada. Ele se aproveitou. Isso é
desprezível, mesmo para um rufião de classe baixa.
A vergonha escorregou profundamente e congelou. Ele
sentiu cada músculo amortecer.
— Ele não está fazendo nada que eu não quisesse. —
Augusta disse calmamente. — Você realmente acredita que
permitiria que um homem me manipulasse de tal maneira?
Phoebe respirou profundamente e cruzou os braços ao
redor de sua cintura.
— Você será arruinada, Augusta.
As palavras foram sussurradas, mas atingiram Reaver
como um golpe no intestino.
Ela seria. Apesar de suas precauções, Augusta Widmore
seria arruinada. Para sempre. Ela era uma solteirona, sim, e
um incômodo tentador, irritante, deleitável e desafiante. Mas,
se seu papel como amante fosse real ou um ardil, ela nunca
mais seria considerada uma esposa aceitável para um
cavalheiro.
Exceto talvez, para Glassington. Ele devia se casar com
ela, nem se fosse apenas para acabar com as promissórias.
Abruptamente, o que era frio ficou quente. A escuridão
subiu alto e queimou seu estômago. Sua garganta. Quando
sua voz emergiu, foi gutural e musical.
— A decisão foi dela. Ela escolheu ser minha. — Ele
olhou para Augusta que estava carrancuda. — Recolha-se em
si mesma se quiser. Volte para Hampshire. Mas saiba de uma
coisa. Se fizer isso, será sem as promissórias. Temos um
acordo. Eu o mantenho.
Antes que as forças bizarras e furiosas dentro dele
ganhassem mais força e saíssem do controle, ele abriu a
porta.
— Enviarei uma criada para você, Srta. Widmore. Meia
hora. — Ele ladrou enquanto caminhava para o corredor. —
Não saia deste quarto sem ela.

*~*~*

Augusta estremeceu quando a porta se fechou. Então


suspirou.
— Ele é um rufião. — Phoebe falou. — Oh, Augusta, tem
certeza...
— Sim. — Respondeu. — Tenho.
Sebastian Reaver pode ser um rufião. Ele pode ser rude,
mal-humorado e totalmente espartano, mas nunca a
machucaria. Sabia disso tão certo quanto sabia diferenciar a
sua mão esquerda da direita. O homem fizera grande esforço
para não a machucar, mesmo quando ela o enlouquecera,
invadiu seu clube, importunou e o convenceu a fazer uma
barganha com ela.
A barganha que ele oferecera, de fato, tinha intenção de
afastá-la e amedrontá-la para preservar sua própria
reputação. Ela apostava o seu amado chalé nisso.
O Sr. Reaver tinha honra. Talvez fosse um tipo diferente
da de seu pai, mas não era menos real.
— Agora. — Augusta continuou, lançando à sua irmã um
olhar preocupado. — Vamos discutir o seu comportamento
imprudente por um momento.
— Devemos?
— Você está atualmente morando em um clube de jogos,
Phee.
— Bem, sim, O Sr. Shaw insistiu.
— E permitiu que um médico a examinasse.
Phoebe mordeu o lábio e assentiu.
— Ele me prometeu não contar a ninguém. O Dr. Young
é um cavalheiro.
Percebendo que as mãos de Phoebe estavam
protetivamente sobre sua barriga, Augusta suavizou e sorriu.
— Quando ele disse que o bebê virá?
— Sete meses, se tudo correr bem.
Augusta engoliu em seco e assentiu.
— Devemos ter um grande cuidado agora. Você
compreende, não? Se alguém descobrir que está grávida antes
de se casar com Lorde Glassington, não haverá meios para
reparar o dano.
— Eu sei.
— Não conte a ninguém mais. Principalmente ao Sr.
Shaw.
Repentinamente a expressão de Phoebe se fechou. Seu
olhar caiu sobre suas mãos.
— Por que principalmente ele?
— Ele provavelmente informará o Sr. Reaver e ninguém
tem como saber como o homem reagirá.
Phoebe apertou os lábios.
— Nos jogar fora, provavelmente. Ou exigir mais
concessões de você. — Ela focou no rosto de Augusta. — Até
mesmo casamento.
— Não seja tola.
— Não é tão exagerado. O nome Widmore...
— Não significa nada para um homem como ele. Além do
mais, um compromisso permanente não cabe em seus
propósitos.
— Qual precisamente é o propósito dele?
Augusta suspirou.
— Eu o coloquei em um desafio que ele não deseja
perder.
Phoebe abriu a boca, incerta se devia fazer outra
pergunta, mas Augusta simplesmente ergueu uma mão.
— Deixe o Sr. Reaver comigo, deve focar em recuperar
sua força. Viver aqui deve facilitar isso.
Ela assentiu e sorriu.
— Muito. Sem crianças chorando no corredor. Sem ratos
correndo ou goteiras em vasilhas.
Rindo diante das lembranças. Augusta sacudiu a cabeça.
— Aquele lugar era horrível, não? Os gritos da Sra.
Brown. O gosto da Sra. Renley por gin. As visitas frequentes
da Srta. Honeybrook.
— Oh, eu gostava da Srta. Honeybrook.
Augusta alisou um cacho ao longo do rosto de Phoebe.
— Estando aqui, onde ficará em segurança, minha mente
fica mais tranquila. Agora posso me concentrar no Sr. Reaver.
Olhos azuis se arregalaram.
— O que pretende fazer?
Levantando o queixo, ela fungou.
— Pretendo fazer com que ele cumpra a sua promessa.
Quer ele goste, ou não.
Precisamente meia hora depois, a criada bateu à porta.
Augusta ficou surpresa em perceber que era a mesma garota
que ela encontrara nas escadas de serviço na sua primeira
incursão ao Reaver’s.
A garota sorriu calorosamente.
— Srta. Widmore? Sou Edith. O Sr. Reaver me enviou
para mostrar o caminho do escritório dele.
Augusta assentiu, deu um último abraço em Phoebe e a
recordou sussurrando:
— Se precisar de alguma coisa, envie uma nota ao
endereço que lhe dei. Virei imediatamente.
Phoebe fungou e a apertou com mais força antes de se
despedir.
Enquanto Augusta seguia Edith pelo corredor, a criada
provou ser bastante comunicativa.
— Então, você está trabalhando para o Sr. Reaver agora,
ouvi dizer.
Augusta piscou. Uma maneira estranha de expressar o
acordo entre eles, pensou.
— Pode-se dizer que sim. Você gosta de trabalhar aqui no
clube?
— Adoro. O trabalho é duro, mas o pagamento é
generoso. O Sr. Shaw e o Sr. Reaver não toleram olhares de
luxúria dos homens em nossa direção. Ao primeiro sinal de
tais coisas, eles jogam os seguranças em seus... bem, em
suas orelhas. — Edith riu. — Grande Annie diz que é ainda
melhor trabalhar na casa do Sr. Reaver. O dobro da soma e
mal encontra um banco para se tirar o pó. Você gostará de lá,
eu acho.
Ah, então Anne era conhecida como Grande Annie, pelo
menos por Edith. A criada mais velha era, de fato, bastante
grande. Perguntava-se se Anne conseguira forçar o pequeno
Ash dentro da camisa do Sr. Reaver após a partida de
Augusta. O garoto era incorrigível. Reprimiu um sorriso.
Pigarreando, continuou a conversa enquanto elas
chegavam às escadas de serviço e ao segundo andar.
— Anne também trabalha aqui?
— Na primavera, principalmente, quando a temporada
começa. É quando o clube fica mais movimentado. Temos
uma aposta, ela e eu. Ela diz que anda mais que eu em um
dia, levando em conta que a casa do Sr. Reaver é maior. Acho
que as escadas contam mais, já que eu as subo bastante.
Augusta achou as maneiras casuais de Edith em relação
a ela incomuns. O que o Sr. Reaver dissera sobre a função de
Augusta? Ele pode não ter especificado que ela seria a sua
amante ou o comportamento da garota seria um pouco
diferente. Menos próximo e, provavelmente, menos amigável.
Frequentemente os criados exibiam maior preocupação
com as conveniências do que seus empregadores.
— Aqui estamos, Srta. Widmore. — Edith falou
alegremente, liderando o caminho até a antecâmara do
escritório do Sr. Reaver. — Pode querer bater antes de entrar.
— Ela riu e balançou os ombros, fingindo um
estremecimento. — Este é um erro que se comete apenas uma
vez. Boa sorte!
Augusta a agradeceu e seguiu o conselho.
— Entre. — A voz retumbante soou como um urso dentro
de uma caverna.
Ela respirou profundamente antes de entrar.
Ele estava parado atrás da mesa, de costas para ela,
folheando um livro de contas. Recordou-se da ocasião anterior
que ela entrara em seu escritório. Parecia igual, paredes
verdes, prateleiras de carvalho flanqueando a única janela,
um conjunto de gavetas ao lado da maciça mesa de carvalho
e... não muito mais. Um par de cadeiras de madeira. Uma
lamparina ou duas. Tudo era deliberadamente sem adornos,
sem cortinas, pinturas ou até mesmo um tapete no chão de
tábuas.
Seus olhos pousaram na prateleira à direita da janela. A
única exceção se destacava como um rubi em uma duna
árida era um relógio ormolu, cheio de tramas e dourado. Ela
se perguntava desde a primeira visita porque ele mantinha a
coisa cheia de babados.
— Sente-se. — Falou sem se virar. — Demorarei um
instante.
Ela permaneceu em pé, examinando seus ombros. As
coxas. Cabelos. Ele os mantinha cortado bem curtos. Preferia
vê-los com um comprimento apropriado, imaginando se seria
grosso e liso. Como seria uma mecha caindo sobre a testa.
Como ela a afastaria gentilmente antes que seus lábios se
encontrassem...
Bons céus. Talvez ela devesse voltar a pensar no relógio.
— Ainda chateada comigo?
Seus olhos voltaram a ele. Os ônix iluminados atrás dos
óculos prateados.
— Chateada? — Ela perguntou, um pouco sem fôlego.
Ele franziu o cenho, suas feições ferozmente masculinas
ganhavam um contraste maior com os aros empoleirados
sobre seu nariz longo e acentuado.
— Pelo que disse. Mais cedo.
— Poderia ser mais específico? Diz tantas coisas rudes.
Fechando o livro de contas, abriu uma gaveta e o
empurrou lá dentro. Tirou os óculos e os jogou sobre a mesa.
— Você queria comprar móveis.
Por seu tom, não foi capaz de identificar se sua
afirmação era uma observação ou uma acusação. Então, ela
optou por um neutro ‘humm’.
— Eu a pegarei.
Ela piscou. Olhou para a porta fechada atrás dela.
Depois para a mesa. Em seguida para ele.
— Pegar-me?
— Aye, para comprar móveis. Nós diremos que você é a
minha conselheira.
— Conselheira.
— Aye. Sobre assuntos de decoração e estas coisas.
— Decoração.
— Pare de repetir tudo o que digo.
— Bem, comece a fazer sentido e talvez não seja
necessário.
Ele levou uma mão para o topo de sua cabeça.
— Maldito inferno sangrento. Você é irritante.
— E você é uma besta grosseira. De alguma forma,
controlo meu desejo de insultá-lo repetidamente a cada
conversa. Que contraste fascinante.
Exalando em frustração, ele contornou a mesa,
diminuindo a distância entre eles em alguns passos.
— Há um homem que faz móveis. Ele tem um armazém.
A acompanharei até lá hoje.
— Este homem lhe deve dinheiro?
— Que diferença isto faz?
— Hummph. Tomarei isso como um sim.
Sua carranca ficou mais obscura.
— Irritante e puritana. Você é muito encantadora. Deve
deslumbrar todos os homens de Hampshire.
A ferroada de seu comentário a atingiu dura e
profundamente, mas ela tomou cuidado para não demonstrar.
— Ficaria surpreso. — Ela mentiu tranquilamente. —
Eu, por outro lado, não acho nada surpreendente em você.
— Então é assim?
À medida que ele se aproximava, ela ergueu o queixo.
— Certamente. Você mantém as promissórias destes
homens como troféus. Isso lhe dá poder sobre eles e gosta
disso. Assim como fez comigo.
— Acha que sabe tudo sobre mim, não é? Acha que sou
previsível?
Sentiu um puxão embaixo do queixo.
— O q-que está fazendo?
— Removendo o seu bonnet.
Ela deu um tapa em sua mão, mas ele puxou o bonnet
para longe e o manteve no alto, deixando-a batendo no ar.
— Devolva-me!
Ele o atirou para o outro lado da sala. O bonnet caiu no
centro da mesa.
— Vá e pegue.
Que inferno era isso? Ele se endireitou em toda altura,
colocando-se entre ela e o seu chapéu roubado como um
jogador de críquete.
— Você é louco.
— Aye. Mas não previsível, hein?
— Louco não é melhor, seu gigante idiota!
Olhos negros brilharam com... excitação?
— Solte os cabelos.
— Não. — Ela passou uma mão acima da orelha,
amarrando o que podia.
— Desejo vê-lo.
— Com grande respeito, Sr. Reaver, seus desejos
significam para mim menos do que depositou no penico esta
manhã.
Ele inclinou a cabeça e sua boca se curvou em um
perverso meio sorriso.
— Um bom desvio, Srta. Widmore. Venha. Você é minha
amante. Amantes fazem estes tipos de coisas para agradar
seus patronos.
Bolinhas de formigamento subiram por sua pele como se
ela tivesse se banhado em champanhe. Trincando os dentes
para reter a sensação, esforçou-se para ignorar o inexplicável
domínio que ele mantinha sobre seus sentidos.
— Neste instante, agradá-lo é o oposto do meu objetivo.
Além disso, nós dois sabemos que não sou realmente a sua
amante.
Ônix brilhantes a fulminara.
— Como sabe disso?
Ela rolou os olhos.
— Honestamente. Você passou a última noite aqui.
Contou à sua equipe que sou sua empregada, não sua
amante. E, enquanto tem a irritante tendência de me carregar
como seu fosse uma valise, você nem me beijou. E prevejo que
nunca o fará, pois você não me quer para este propósito. Está
apenas tentando me forçar a recuar ao fazer essas exigências
infames. Bem, não recuarei. Eu terei as promissórias de Lorde
Glassington.
Sua mandíbula endureceu e tremeu.
— Assim você pode carregá-lo até o altar.
— Meus objetivos não tem importância para você. Agora,
afaste-se, por favor. Gostaria de recuperar o meu chapéu.
— Venha e o pegue. — Ele murmurou baixinho.
Ela estreitou os olhos sobre ele. Sem avisar, ela fingiu ir
para a esquerda e se jogou para direita. Talvez devesse ter
feito o contrário, pois em um piscar de olhos, um braço de aço
a agarrou pela cintura, apertando-a com firmeza contra ele.
Ela se contorceu contra os músculos desconhecidos,
pressionando o peito dele com suas mãos, os quadris roçando
e arqueando contras suas coxas.
Uma mão imensa e quente segurou sua nuca, puxando
sua cabeça para trás, assim ela não podia evitar o olhar dele.
A visão a atingiu forte e baixo.
Os olhos de ônix se derreteram. Um músculo,
impossivelmente longo e grosso, endurecera como pedra
contra o seu ventre.
Oh, céus! Ele a desejava?
Quando a boca dele mergulhou na dela, ela soube. Por
mais absurdo que parecesse, ele a desejava. E nada poderia
tê-la surpreendido mais.
CAPÍTULO 9

“Uma dama julga o valor de um homem tanto por sua


aparência quanto por seu comportamento. Os sinais de um
caráter cavalheiresco devem ser sutis, mas eles formarão a
base de sua boa opinião. Recomendo empregar o seguinte: um
temperamento comedido. Um excelente alfaiate. E uma cravat,
Sr. Kilbrenner. Uma cravat não iria mal.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta abordando estratégias para aumentar o
fascínio de um cavalheiro.

Segundos depois que os seus lábios tocaram os dela, ele


descobriu duas coisas: ela nunca fora beijada e ele nunca
teria o suficiente dela.
A primeira percepção veio quando uma boca grande e
tentadora que pensava que sabia tudo deslizou contra a dele
em uma busca desajeitada e uma inexperiência ansiosa. Ela
gemeu e apertou seu casaco, empurrou os lábios deles contra
os dentes e basicamente tinha mais entusiasmo do que
encanto.
A segunda percepção ocorreu quando um beijo, cuja
intenção era estritamente provar um ponto — não importa
que seu pênis tenha ficado duro o suficiente para quebrar
mármore — fez sua cabeça girar como uma garrafa de seu
melhor conhaque.
Apesar de sua reação amadora.
Apesar de suas dúvidas sobre comprometer a reputação
de uma solteirona.
Apesar da tolice em ceder à sua luxúria.
Ele queria reivindicá-la. Dura e profundamente. Para
sempre.
Em vez disso, prosseguiu com a sua boca doce, carnuda
e virginal. Segurando com firmeza a sua nuca, acariciou o
queixo dela com o polegar e a puxou com mais força contra
seus quadris.
— Abra-se para mim. — Ele grunhiu.
— Por quê? — Ela ofegou.
— Apenas faça.
E ela fez.
Ele mergulhou fundo com sua língua, ignorando o chiado
de surpresa. Ah, Deus. Ela era intoxicante, sua língua macia
e lisa tremulando experimentalmente e depois acariciando a
dele. Ela contorceu os quadris e depois o agarrou. Circulou
seu pescoço. Elevou seu corpo. Ela apertou e esfregou seus
exuberantes seios contra ele tão desesperadamente que ele
conseguiu sentir seus mamilos como pequenos diamantes,
mesmo através de camadas de roupa.
Com a cabeça flutuando e o peito arfando, a ergueu e
virou-se, apoiando as costas dela contra a parede ao lado da
porta. Suas mãos, livres agora para explorar, agarraram os
quadris e coxas. Experimentou e deslizou. Abriu-a. Puxou-a
para mais perto.
Ele pressionou o seu pênis contra ela, enviando ondas de
prazer que irradiavam de sua coluna para cada músculo.
Calor. Muito calor e beleza. Ele ardia em um fogo
implacável que o afogava. A devorava ao mesmo tempo que
ela o devorava. Seu pênis estabeleceu um ritmo, precisando
de alguma coisa como a sensação de empurrar dentro dela.
Ela deveria ser apertada.
Ele gemeu em sua boca, pulsando sua língua para
dentro e para fora. Dentro e fora.
Deus, ela lutaria para levá-lo para dentro. Sabia disso.
Sentia isso. Sentia em suas mãos inquietas e quadris ávidos.
Ela não só aceitaria seu pênis, como o reivindicaria.
Ele nunca experimentara nada como aquilo. O fogo
estava aumentando. Acumulando-se entre eles. Queimando
onde quer que tocasse.
As saias lutavam contra ele. Ele as levantou.
A engatou e a arrastou para baixo, provocando um
gemido. Os dedos dela cravaram-se em seu couro cabeludo,
depois roçaram seu queixo e agarrou-se ao pescoço e ombros.
Seus quadris trabalhavam duro, esfregando-se contra o
núcleo dela, onde o seu doce calor ardia mais alto. Ele queria
experimentá-la. Queria consumi-la.
Ele moveu sua boca ao pescoço dela, beijando, sugando,
alimentando-se de seu aroma. Pele, água e excitação.
Ela respondia da mesma maneira, depositando beijos
frenéticos em suas bochechas, têmporas e onde quer que
alcançasse. Gemendo na mais doce voz, rouca por seu desejo,
ela ofegava em busca de ar, os quadris agora entrando no
ritmo e se movendo no tempo.
Como uma dança em uma cadência sempre crescente.
— Oh. Oh, céus. S-Sr. Reaver.
— Maldito inferno, mulher. — Ele rosnou. — Dispense o
senhor.
— Sebastian. Temo que... Oh, céus. Por favoor.
Ele quis dizer que ela o chamasse de Reaver. Mas gostou
do som de Sebastian nos lábios dela. Ele gostou da última
palavra ainda mais. Por favoooooor. Longa e baixa enquanto
ela usava o seu pênis para seu prazer.
O prazer dela. O ápice dela. Estava vindo. Ela estava
chegando lá.
Ele nunca desejou nada com tanta ferocidade.
— Humm. Sebastian. Céus!
Aye. O nome dele. Ele amava isso. Amava o seu cheiro,
quente e intenso. Amava a pele sedosa contra a sua língua.
Amava as coxas o apertando forte. E seu doce centro
umedecendo-o através das calças.
Seu coração batia como um maldito tambor, ele
impulsionou mais alto até que o corpo dela estremeceu em
seus braços sinalizando seu auge.
Ele podia senti-la. Bom Deus, ele sentia os pequenos
impulsos trêmulos contra ele, mesmo através das calças. Ele
se afastou para assistir.
E ele ficou atônito com a beleza dela. A cabeça jogada
para trás, olhos fechados, bochechas enrubescidas como um
pêssego, estremecendo, ofegando e agarrando-se aos seus
ombros. O tempo todo exibindo um sorriso glorioso. Uma
única lágrima caiu sobre a bochecha, brilhando com a luz da
janela.
Como esta mulher ficara tanto tempo sem um homem
reivindicá-la para si?
Ele absorveu cada detalhe. Lábios carnudos e sensuais.
A suave inclinação de sua mandíbula. A coluna longa e
branca de seu pescoço.
Lentamente ele tirou os grampos de seu cabelo.
Observou as ondas de vinho e madeira, fogo e nascer do sol
caindo sobre seus ombros. Ele levou uma mecha ao nariz e
respirou profundamente. Sentiu como se estivesse caindo na
escuridão apenas com a sua pele, aroma e sorriso para
orientá-lo.
Olhos cinzas se abriram, pestanejando preguiçosamente.
— Sebastian. — Ela sussurrou, mantendo-o cativo.
A mão enluvada acariciou a bochecha dele.
Ele secou a trilha cintilante abaixo dos olhos dela.
Ele desejou ser capaz de dizer algo. Mas não existiam
palavras.
Beijá-la novamente era a sua única resposta. Então ele o
fez. Abaixou gentilmente as pernas dela ao chão, depois
passou as mãos pelos cabelos e atraiu a boca dela para a dele
mais uma vez.
Desta vez, seus lábios foram flexíveis e receptivos. Ela
assumiu a liderança. Suspirou docemente e mordiscou
ternamente. Ele não queria deixá-la ir.
Mas ele tinha. Se ele demorasse mais, a tomaria. Seu
corpo já exigia isso com força retumbante.
Ele apoiou a sua testa na dela e respirou o ar que ela
exalava.
— Você pode me chamar de Augusta, se... se preferir. —
Sua voz saiu tão suave e tentadora que ele mal a reconhecia.
— Augusta. — Ele pronunciou, saboreando a palavra. —
Gosto de seu cabelo. — Ele esfregou uma mecha sedosa no
seu queixo.
— Oh! — Ela tocou a cabeça. — Meus grampos.
Ele a soltou e recuou lentamente, determinado a não
tomar mais liberdades. Pela fisionomia dela — bochechas
coradas, cabelos soltos, lábios inchados, olhos brilhantes —
as liberdades que ele tomara já eram suficientemente
chocantes.
— Eu a deixarei aqui para... — Ele parou. Encarou. Bom
Deus, ela era linda. Mesmo naquela peliça marrom gasta. Sua
pele pálida brilhava. Seus cabelos castanhos avermelhados
caíam em caracóis. Uma mecha acariciava seu seio.
Ele passou uma mão sobre seu rosto. Ele precisava sair.
A vontade de atirá-la sobre a mesa e torná-la sua amante de
verdade estava rapidamente superando sua fortaleza moral.
— Certo. — Ele deu meia volta e se encaminhou até a
mesa. Uma vez lá, ele retirou pequenas peças de metal do
bolso de seu colete e os alinhou na superfície de carvalho. —
Seus grampos. — Pigarreou. — Quinze minutos. Então iremos
ao armazém.
Enquanto passava por ela e abria a porta, notou a
perplexidade dela. Ele se amaldiçoou internamente. Ele
deveria explicar, mas não era capaz de ficar mais tempo.
Mesmo se pudesse, o que ele diria? Eu a beijei porque
me chateou como nenhuma outra mulher. Agora, devo sair ou
tomá-la completamente, pois sou cada pedaço da besta que
me acusou ser.
Aye, isso satisfaria a empertigada Augusta Widmore. Ser
deflorada por uma besta sobre sua mesa de carvalho. Em seu
clube de jogo, não menos.
Ao lado de seu escritório estava o quarto onde
frequentemente dormia. Enquanto se lavava e se trocava, sua
mente se agitou sobre o dilema de Augusta.
Ela nunca fora beijada. Não por Glassington. Nem pelos
outros cavalheiros de Hampshire. Apenas por ele.
O que tornava a fixação dela sobre Glassington ainda
mais um mistério. Por que um jovem conde prometera se
casar com uma solteirona do interior que ele nunca beijara?
Augusta era uma mulher extraordinária, Reaver reconhecia.
Inteligente, determinada e surpreendentemente sensual. Mas
a maioria dos homens falhou em apreciar aquelas qualidades.
A maioria dos homens, com certeza, falhara, visto ser
solteira.
Reaver olhou para baixo, para sua violenta ereção.
Deveria parar de pensar nela, pelo menos por sua própria
decência. Porém não conseguia.
Horas antes, sua intenção tinha sido se livrar dela. Não.
Aquilo era mentira. Ele desejava vencer a batalha entre eles.
E talvez saborear as reações dela enquanto levava as
sensibilidades dela a um ponto de ruptura.
Mas agora...
Aye, agora tentava imaginar deixá-la ir.
Para Glassington.
Aquele que a faria sua condessa, tiraria sua virgindade e
plantaria um filho em seu ventre.
Ele captou um vislumbre de seu reflexo no espelho.
Maldito inferno sangrento. Ele parecia um assassino.
Sacudindo a cabeça, virou as costas e passou a camisa limpa
pela sua cabeça.
Ela não pertencia àquele lorde inútil. Então, o que a
impeliu a persegui-lo, arriscando-se a ficar arruinada ao
entrar furtivamente no clube, travando uma batalha de
vontades que rivalizava com Waterloo?
A resposta veio imediatamente: Phoebe.
A irmã dela estava doente. Severamente de acordo com
Shaw. Se Augusta pudesse providenciar cuidados médicos
por um longo prazo e um lar permanente para Phoebe, ela
não conseguiria casar a moça, pois que homem iria querer
uma esposa doente? Em vez disso, sendo a criatura
inteligente que era, procuraria um marido para si mesma,
preferencialmente um com recursos.
Era a única resposta que cabia em todos pedaços da
história que ele possuía. O problema era que ele tinha poucos
pedaços. Precisaria entender a conexão dela com Glassington.
As partes desconhecidas o corroíam como um cão mordia
uma bota.
Rapidamente ele terminou de se vestir, tentando prender
a odiada cravat e colocando um casaco verde. Então desceu
ao primeiro andar para encontrar Shaw.
— Reaver. — Seu mordomo exclamou por trás de uma
mesa muito cara enquanto Reaver entrava em seu escritório.
— Exatamente o homem que estava esperando para...
— Preciso que envie uma mensagem a Drayton.
Um vinco na testa foi a única resposta de Shaw. Ele
abaixou a sua caneta tinteiro, recostou na cadeira e cruzou os
braços.
— Envie-o para Hampshire. Preciso que ele descubra as
conexões de Augusta Widmore com Glassington. Tudo. Quero
cada maldito detalhe.
Shaw lhe deu um sorriso peculiar e logo abaixou o olhar
para a sua mesa.
— Por que não pedir a Frelling?
— Ele está ocupado.
— Com?
— Entrevistando criados.
— Para?
— A minha residência.
— Ah.
— O que quer dizer?
Uma sobrancelha preta se ergueu.
— Oh, nada. Então, deseja que envie Drayton para
Hampshire.
— Foi o que eu disse.
Shaw inclinou a cabeça.
— E você está usando uma cravat.
— Aye, e o que tem isso?
— Um pouco incomum, é tudo. Indo a algum lugar
interessante?
Franzindo a testa, Reaver sentiu o pescoço começar a
coçar.
— Cobrar uma dívida. — Antes que Shaw pudesse fazer
a próxima pergunta óbvia, Reaver adiantou-se. — De Thomas
Beauchamp.
— O marceneiro. Estive no armazém dele.
Impressionante.
Reaver grunhiu.
— Apenas envie a mensagem a Drayton. Preciso das
respostas dentro de uma semana.
— Considere feito. A Srta. Widmore fez uma visita
agradável à sua irmã?
— Provavelmente.
— Você não sabe?
— A mais jovem não aprova o nosso acordo. Ela me
atacou no momento em que entrei, então saí.
— Humm. — Uma mistura estranha de afeição e diversão
tomou as feições de Shaw. — Ela é muito perspicaz, a Srta.
Phoebe.
Reaver puxou a cravat, passando um dedo entre o tecido
e o pescoço.
— Ficarei fora o resto do dia.
O sorriso de Shaw se alargou.
— A noite também?
— Maldito inferno, homem. Se quiser dizer que estou
dançando conforme a música da Srta. Widmore, pare com as
perguntas tolas e acabe com isso!
Shaw não se incomodou em discutir. Não precisava. Sua
resposta veio em forma de gargalhada, fazendo Reaver sair do
escritório de seu parceiro zangado pela zombaria.
CAPÍTULO 10

“Razão número sete: uma dama possui um instinto para criar


ambientes agradáveis que oferecem conforto e praticidade a
um cavalheiro. Um homem possui o instinto para apreciar o
ambiente sem ter o conhecimento de sua origem”.

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta, enumerando os benefícios de possuir uma
esposa.

Levou longos minutos até uma Augusta, trêmula e sem


fôlego, conseguir se afastar da parede. Suas pernas tinham a
consistência de um manjar branco, os lábios estavam
inchados e formigando.
Mas nenhuma esquisitice era comparável ao caos em sua
cabeça.
Ela nunca conhecera tal prazer. Nunca suspeitou que
era possível querer um homem até nada além do que desejá-
lo dentro dela.
Se era isso o que Phoebe sentia por Lorde Glassington,
não era de admirar que ela perdera o juízo junto com sua
inocência.
Finalmente Augusta reuniu seus sentidos e cruzou a sala
até a mesa. Ela olhou para a pequena pilha alinhada de
grampos ao lado de seu chapéu. Ele o mantivera em seu
bolso.
Lentamente, um sorriso puxou seus lábios.
Ele não os tinha jogado sem cuidado ao chão. Ele os
recolhera um por um e os guardou em seu bolso enquanto lhe
dava prazer com os lábios e sua... bem, sua masculinidade
ela supunha, afinal jurava que tal tamanho era impossível.
Fechando os olhos, recordou as emoções. A sensação
dele pressionado contra ela, a lâmina ardente de sua boca, a
fornalha negra que eram seus olhos. Ela cobriu as bochechas
com as mãos, vacilando com o calor residual.
Mais uma vez se forçou a se recompor e focou sobre algo
além de músculos duros, braços fortes e mãos gentis.
Sacudiu a cabeça. Respirou profundamente e começou a
prender o cabelo em um coque, prendendo-os enquanto os
enrolava. Quando vestiu a touca sentia-se no comando de si
mesma.
Foi quando a curiosidade surgiu e tomou conta. Ela
olhou para a porta. Certamente haviam passado apenas dez
minutos desde que ele saíra, o que deixava cinco para
descobrir mais sobre o homem cujo cada olhar fixo a fazia se
esquecer de si mesma, esquecer-se de tudo, menos dele, para
falar a verdade.
Lentamente, ela deixou as pontas dos dedos derraparem
pela superfície escura da mesa de carvalho. Dentro de uma
bandeja de madeira que ocupava um canto, uma pequena
pintura estava em cima de uma pilha de papéis.
Ela a pegou e virou. Que adorável, ela pensou sorrindo
novamente. Uma pequena vila pintada em cinza e verde. No
canto, estava assinado com um simples e floreado A. Ela se
perguntou se isso era, talvez, uma tentativa de algum
membro do clube de acertar uma dívida. Examinando as
paredes do escritório de Sebastian, ela pensou que ficaria
muito bem. Talvez sugerisse que ele a pendurasse ali.
Deixando a pintura de lado, ela hesitou apenas um breve
momento antes de examinar a correspondência. Sua testa
vincou em confusão quando ela viu uma nota peculiar
intitulada Lista de Possíveis noivas de Lady Tannenbrook
para o Sr. Elijah Kilbrenner. A letra feminina e curvada
definitivamente pertencia a uma mulher. Supôs que era
alguma irmã ou amiga ajudando a compor tal lista, mas por
que Sebastian Reaver a teria? Ela não reconheceu nenhum
nome, mas então, não tivera uma temporada em Londres...
bem, nunca. E, pelo bem de Phoebe, ela prestou mais atenção
nos cavalheiros elegíveis do que nas damas nos últimos anos.
Dando de ombros, ela deixou a lista de lado e pegou a
próxima carta. Também estava endereçada ao Sr. Elijah
Kilbrenner. Esta não era de Lady Tannenbrook, mas de Lady
Wallingham. Mesmo Augusta sabia quem era a Marquesa
Viúva de Wallingham. Poderosa de um jeito que parecia
misteriosa para uma solteirona de Hampshire, Lady
Wallingham era amplamente reconhecida como uma das
mulheres mais influentes da Inglaterra. “Formidável” era uma
das palavras mais usadas para descrevê-la. E “dragão”, claro,
embora a última raramente fosse usada na presença da
dama.
Augusta avaliou a carta, rindo e ofegado em turnos. A
mulher instruía o Sr. Kilbrenner na arte da conduta
cavalheiresca. Sugeria medidas como: ‘entrar para um clube
respeitável em vez daquele inferno no qual ele
indecorosamente se contentava’ e contratar ‘um tutor para
redirecionar seus infelizes lapsos de dicção. A letra ‘d’ no
gerúndio não é opcional, Sr. Kilbrenner. Já passou da hora de
aprender a pronunciar civilizadamente e parar de imitar um
idiota de Cumberland.’
Na hora em que Sebastian retornou, ela já havia lido
mais duas cartas e ficado cada vez mais intrigada pelo
misterioso Sr. Kilbrenner. Duas damas de alto nível possuíam
um intenso interesse em assuntos diversos, desde onde as
botas dele eram feitas, quem convidar para um jantar até
qual debutante seria uma ‘excelente esposa’ para ele. Tal
cavalheiro deve ser bastante incomum para ganhar tais
advertências.
E ainda assim, nenhum homem reivindicava a atenção
de Augusta como Sebastian Reaver. Enquanto ele atravessava
a porta do escritório, alto e dominante, usando um casaco
verde-escuro e — de todas as coisas — uma cravat, ela sorriu
apesar de sua feição carrancuda.
— Sebastian. — Ela suspirou como uma perfeita boba.
Ele inflou as narinas e seus olhos dispararam entre seus
lábios e seu colo. Passos longos foram interrompidos antes de
serem retomados.
— Hora de irmos. — Ele ladrou. — A hora está passando.
Desejará ver os produtos do Sr. Beauchamp enquanto há luz
suficiente.
Ela engoliu em seco, seu sorriso desvaneceu. Por que ela
esperou que as maneiras dele mudassem? Só porque ele a
beijara? Sim, apaixonadamente. Prazerosamente, com
certeza. Mas para ele, deve ter sido mais uma manobra para
ganhar a batalha, pois não deu nenhuma indicação de ter
sido afetado tão profundamente quanto ela fora.
Ela simplesmente teria que afastar a dor dura e amarga
de decepção e prosseguir como se nada tivesse ocorrido.
Ficando mole todas as vezes que ele se aproximasse dela?
Fraca, ridícula e distraída de seu propósito, ela se recriminou.
Mentalmente, ela dobrou a sua armadura imaginária,
sobrepondo a cota de malha e chapas de aço.
Puxando as luvas com mais força por suas mãos, ela
assentiu e permitiu que ele lhe escoltasse pelo corredor, pelas
escadas de serviços e para fora da porta dos fundos, onde a
carruagem esperava. Fizeram todo o caminho sem se falarem,
embora ela pudesse sentir os olhos dele sobre ela de vez em
quando.
Ela cumprimentou o Sr. Duff quando saíram e ele tentou
ajudá-la a subir na carruagem. Mas Sebastian interveio,
empurrando o grande sentinela de lado e segurando sua
cintura por trás.
— Oh! — Ela ofegou quando ele a ergueu. — S-Sr.
Reaver, realmente. Uma mão firme é inteiramente suficiente...
Ele subiu atrás dela, seus braços circulando sua cintura,
então ele virou e a depositou no assentou ao seu lado.
— Sebastian. — Ele corrigiu, baixo e curto, antes de
bater no teto e se inclinar para a frente para apoiar os
cotovelos sobre os joelhos.
Ela se aproximou da janela para lhe dar espaço.
— Se preferir, pode me levar para sua casa.
— Por que eu faria isso?
Ela fungou.
— Presumo, dado seu comportamento grosseiro, que se
cansou da minha companhia.
— Presumiu errado.
— É assim?
— Aye.
—Humm.
— O que isso quer dizer?
— Quer dizer, Sr. Reaver, que não tolerarei tal
tratamento.
— Olhe para mim.
Por um longo momento, ela recusou, levando seus olhos
para as lojas da Pall Mall.
— Augusta.
Ouvir seu nome em sua voz baixa e grave foi quase sua
ruína. Ela apertou os olhos e depois se virou e olhou para ele.
Ônix brilhantes estavam incrivelmente próximos.
— Eu sou do tipo grosseiro.
Com o coração chutando, ela respondeu:
— Isso é um pedido de desculpa?
— Não me desculparei por beijá-la. Não me arrependo
disso.
— Não é desse comportamento que me refiro.
— Bom. — A voz dele saiu baixa, seus olhos aqueceram.
— Um pedido de desculpas lhe agradaria?
Ela engoliu em seco e lutou para respirar. A armadura
não era uma barreira para Sebastian Reaver quando ele lhe
olhava daquela forma.
— Então, peço-lhe perdão por ser rude.
— E grosseiro.
Ele sorriu lentamente.
— Por isso também.
O olhar dela recaiu sobre as mãos dele, cruzadas entre
os joelhos. Elas tinham dedos longos e poderosos. Apesar de
sua fala rude, nunca a machucara. Nem um único momento.
— Muito bem. — Ela disse suavemente. — Você está
perdoado, Sr. Reaver.
— Sebastian.
Ela inclinou a cabeça e lhe deu um pequeno e torto
sorriso.
— Sebastian.
Pela próxima meia-hora, enquanto viajavam para o leste
ao longo da Strand, passando pela Charing Cross e entrando
na Fleet Street, Sebastian lhe perguntou sobre sua vida em
Hampshire. Ela descreveu seu pequeno chalé, os castanheiros
farfalhando na primavera, o jardim perfumado com tomilho,
as adoráveis prateleiras de madeira preenchidas com os livros
do pai.
Ela sorriu ao recordar a primeira noite de Phoebe lá.
— Corujas. — Ela riu. — Phee tem medo de corujas,
pobrezinha. Para ser justa, elas estavam aninhadas ao longo
da janela. Eram aterrorizantemente barulhentas. Certamente,
expliquei a Lenda dos Cavalheiros Noturnos, o que a acalmou
consideravelmente.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Cavalheiros Noturnos?
— Sim. Desde os dias que gigantes e dragões vagavam
pela Terra, corujas serviam como sentinelas. Elas são
responsáveis por supervisionar as jovens moças do reino,
sempre vigilantes contra aqueles que buscavam raptar as
jovens. Então, se alguém escutar o chamado de uma coruja,
pode-se ter certeza que está tudo bem. Nunca ouviu a
história?
— Receio que não.
— Bem. — Ela fungou. —Talvez seja porque eu a
inventei.
Ele riu, profunda, intensa e estridentemente.
— Quantos anos ela tinha?
— Treze.
— Você então tinha vinte e um.
O porquê do conhecimento dele sobre sua vida ainda a
surpreendia, não sabia dizer. O homem era reconhecido por
colher e vender informações, a maioria bem mais valiosa do
que as idades dela e de sua irmã.
Seus olhos a fulminaram.
— Por quanto tempo você encenou Os Guardiões
Noturnos, Augusta Widmore?
O sorriso dela esvaneceu. Ela afastou os olhos para a
janela.
— Oh, estamos perto da casa da Sra. Renley. Fica do
outro lado da St. Paul, sabia. É muito longe?
Ele demorou para responder.
— Não muito agora.
Ela assentiu. Momentos depois eles pararam em frente a
uma extensão de tijolos e janelas de raios enormes. Acima da
porta havia uma grande placa onde lia-se: “Beauchamp &
Sons.” Lá dentro, ela ficou impressionada pela elegância do
espaço. Era enorme, pelo menos uns 70 metros de extensão e
uns nove de altura, divididos em salas por colunas e móveis
inteligentemente posicionados. A excitação aumentou ao
pensar que rapidamente ela preencheria as salas da casa de
Sebastian. Ele teria um lar apropriado. Um santuário.
Alguém poderia apresentar muitas críticas sobre
Sebastian Reaver. Ele era um homem rude, como ele dizia.
Era franco, áspero, teimoso e mal humorado. Mas também
era bom e honrado, do jeito dele. Além do mais, ele construíra
algo grandioso do nada com cada grama de força de vontade,
inteligência, ambição e determinação que tinha, uma
quantidade suficiente para preencher centenas de armazéns
como o do Sr. Beauchamp.
Olhou para cima, ele estava parado ao seu lado, as
pontas dos dedos tocando levemente as suas costas. Um
homem com aquelas qualidades admiráveis merecia paz e
conforto após tantos anos de esforço. Antes de voltar a
Hampshire, pretendia garantir que ele tivesse isso. Salas
vazias simplesmente não existiriam.
— Beauchamp. — Ele cumprimentou um homem baixo e
elegante com mechas de cachos castanhos. — Chegou a hora
de acertar as suas dívidas.
O sorriso de boas-vindas do homem desvaneceu e sua
mão esticada recuou e caiu.
— S-Sr. Reaver. Eu... Isto é, eu...
— Fui informado que devo mobiliar a minha casa.
— In-Informado?
— Por minha conselheira. — Ele apontou para Augusta.
— A Srta. Widmore. Ela lhe dirá quais peças deve levar. Faça
uma lista. Compararemos as somas no final.
Os olhos do homem arregalaram e seus cachos
balançaram de maneira cômica enquanto ele se apressava em
concordar.
— Obviamente, Sr. Reaver. Qualquer coisa que quiser.
— Srta. Widmore. — Sebastian o corrigiu. — O que ela
quiser.
— Sim, sim. Bem-vinda, Srta. Widmore. — Ele acenou
para um jovem segurando um lápis e um caderno e depois
sinalizou para um maravilhoso conjunto de divãs e mesas
douradas. — Venha por aqui.
Pelas próximas horas, Augusta selecionou peças para
arrumar cada sala da casa. Começou com a sala de jantar,
escolhendo uma mesa de jantar mogno dourado com vinte
cadeiras com encosto em forma de escudo combinando. Em
seguida, passou à sala de estar, escolhendo uma elegante
escrivaninha de nogueira, oito cadeiras azuis de faixas largas,
dois sofás de damasco dourado, três divãs e uma infinidade
de mesas de jacarandá. Então chegou aos quartos, para cada
um escolheu uma cor e então a sala de desjejum, a de
descanso e o salão.
Ela resistiu a uma requintada chaise longue curva de
jacarandá e seda azul céu que ficaria encantadora aos pés de
sua cama. Do mesmo modo, resistiu a uma cômoda longa de
mogno com espelho de moldura dourada que ficaria perfeita
em sua sala de vestir, embora a última a fascinasse com sua
beleza.
Em vez disso, a cada passo, ela considera as
necessidades de Sebastian. Sim, as pernas retas da mesa são
muito melhores. Não, ele não acha as formas egípcias
extravagantes, ele as acha bobas. Acho que as flores não são
apropriadas. Vamos considerar listras. Grandes, Sr.
Beauchamp. A cadeira deve ser grande.
E, a cada passo, ela sentia o olhar de Sebastian sobre
ela. Ele ficava por perto, sempre no perímetro, ocasionalmente
murmurando e assentindo ao assistente do Sr. Beauchamp
enquanto o jovem fazia a lista.
Durante uma dessas conversas, ela puxou o Sr.
Beauchamp de lado.
— Tenho duas salas adicionais para mobiliar, mas
gostaria que fossem uma surpresa ao Sr. Reaver. Elas
exigirão, talvez, duas ou três peças que deverão ser feitas com
as minhas especificações, junto com alguns itens que
podemos selecionar aqui.
Os olhos do Sr. Beauchamp se iluminaram e ele pegou o
seu próprio caderno e caneta de seu bolso.
— Oh, diga. Esplêndido, Srta. Widmore. Esplêndido, de
fato. Nós temos duzentos aprendizes e muito, muitos artesões
aqui na Beauchamp & Sons. Podemos fazer o que o seu
coração desejar.
— Excelente. Vamos começar com a peça mais
importante: uma escrivaninha. Uma extremamente grande.
Freneticamente ele tomou notas, produzindo esboços e
dimensões baseadas nas descrições dela. Ao terminarem seu
pedido, a luz que atravessava as janelas havia diminuído e
escurecido. Sebastian resolveu o seu problema com o Sr.
Beauchamp e a acompanhou ao lado de fora, onde o vento
começara a uivar. Novamente, ele facilmente a colocou para
dentro da carruagem e subiu atrás dela.
Desta vez, ela ficou grata pela assistência dele,
certamente não porque ela apreciara sentir as mãos dele
segurando a sua cintura. Não, não. Era apenas que seus pés
e a lombar doíam por ficar muito tempo em pé e estava tonta
e cansada.
Ela olhou para onde ele estava sentado, seus cotovelos
sobre os joelhos.
— O Sr. Beauchamp pareceu descontente antes de
sairmos.
— Aye. Ele tentou aumentar a conta em dez por cento.
— Bem, é um pedido bastante grande e ele terá muito
trabalho para entregar em tempo hábil.
A resposta dele foi um grunhido. Como sempre, ela não
podia decidir se significava que ele concordava ou era má
digestão.
— Considerou a família dele? — Ela perguntou. — Seus
filhos...
— Ele não tem filhos.
— Oh, mas seu negócio é nomeado...
— Aye. Uma tentativa de imitar os concorrentes e sugerir
longevidade.
Ela franziu o cenho.
— Mas, isso é uma mentira.
— Uma mentira que funciona.
— Isso é tudo o que importa? Certamente uma pessoa se
esforçaria para ser honesto em suas negociações.
— Depende. A honestidade tem um custo. A maioria dos
homens vale-se da utilidade. Mesmo aqueles que se
consideravam cavalheiros.
Ela considerou o ponto dele, considerou a sua posição e
a de Phoebe. Recordando as mentiras que ela foi obrigada a
contar recentemente. Comparando aquelas pequenas
infrações ao comportamento desonroso e as promessas
quebradas de Lorde Glassington. Sim, honestidade era um
padrão louvável, mas, como ela descobrira nos últimos meses,
a vida raramente era simples.
— Talvez esteja certo. — Ela olhou para a janela,
notando que as lamparinas a gás ao longo da Pall Mall já
estavam acesas. — Bons céus, quanto tempo estivemos no
armazém do Sr. Beauchamp?
— Seis horas.
— Oh, céus. — Ela deu uma risadinha e relaxou no
assento. — Não é à toa que estou faminta.
Ele franziu a testa, as sombras na carruagem
desenhavam vincos fundos ao logo de seu cenho.
— Nós pararemos no clube primeiro. Jantaremos. Então,
casa.
— Casa?
— Minha casa.
O que foi aquela pontada estranha que atingiu o seu
coração no momento em que ele falou a palavra ‘casa’? Como
se fosse a casa deles. Dele e dela.
— Por que você não disse que estava com fome? — Ele
exigiu saber. — Nós poderíamos voltar amanhã.
Ela piscou, assustada com o tom duro dele.
— Eu tinha uma tarefa para terminar.
— Aye. Mas não precisava terminar em um dia, mulher.
Inferno sangrento. Você nunca faz nada pela metade?
— Fazer as coisas pela metade não leva para nenhum
lugar. Meu objetivo é alcançar meu destino, não andar
desamparada fingindo que chegarei um dia.
Ele inclinou a cabeça em direção a ela. No escuro, os
ônix brilhavam como fogo.
—Qual é o valor de seu destino, Augusta Widmore?
A pergunta estranha veio em voz baixa que fez seus
ossos tremerem. Ela sabia o que ele perguntava, mas ela não
podia responder com a verdade sem revelar demais. Não vale
nada, pensou. Tudo. Porque, ao menos que eu o alcance, a
vida da minha irmã será um lodo de arrependimento e
vergonha. Poderia suportar qualquer coisa, menos isso.
Não, ela não podia lhe dizer a verdade. Então, ela lhe deu
outra resposta. Honesta, mas bem distante da que ele queria.
— No momento, Sebastian Reaver, chegar ao nosso
destino me fará ganhar uma boa refeição. Daria qualquer
coisa para comer alguma coisa além de pão e chá frio.
— Qualquer coisa, hein? — Ele se aproximou ainda mais
até que ela pôde sentir o calor e o cheiro de lã e homem. —
Cuidado com o que promete. Um cavalheiro hesitaria em tirar
vantagem. Mas, não sou um cavalheiro, e você sabe muito
bem disso.
CAPÍTULO 11

“Sobre cortejar, algumas estratégias são universais. Presentes.


Lisonjas. Uma boa cabeça com cabelos. Outros se
aperfeiçoarão no objeto de sua afeição, necessitando ter
conversas gentis para descobrir as preferências dela. No seu
caso, Sr. Kilbrenner, eu enfatizaria oconversas".

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta para aconselhá-lo sobre o cortejo.

— Eu quero mantê-la.
As sobrancelhas de Shaw arquearam diante da
declaração de Reaver.
— Como sua amante?
— Não.
Abandonando o seu posto na janela, Shaw caminhou em
direção a mesa de Reaver e sentou-se na beira, examinando
preguiçosamente a pintura que Lady Tannenbrook dera a ele.
— Como sua esposa, então. Tem certeza disso?
— Se pudesse ter tido o casamento realizado esta
manhã, eu teria casado.
— Humm. O que ela diz a respeito?
Reaver exalou frustrado.
— Não perguntei ainda. Ela está focada no maldito
Glassington. Além do título, não posso imaginar o motivo. O
homem é um idiota imprudente.
— Sim, recordo. Companheiro animado. Um tipo de
encanto fanfarrão. Bêbado como um imperador depois da
segunda dose de conhaque. — Shaw franziu o cenho. —
Nunca vi um homem sofrer perdas acentuadas tão
rapidamente. Inesquecível.
Apertando e depois soltando os braços da cadeira, Reaver
se esforçou para permanecer calmo.
— Quebrarei cada osso daquele corpo sodomita antes de
permitir que ele a toque.
Os olhos de Shaw enrugaram de uma maneira irritante.
— Bem, você é naturalmente talentoso a esse respeito. E
faz muito tempo desde que eu o vi fazer um homem gritar por
sua mão. Um maldito entretenimento.
Reaver grunhiu uma concordância. Aye, ele já foi um
pugilista. E Shaw corria as apostas, exibindo um sorriso e
fingindo uma natureza servil para convidar apostas mais
altas. Naqueles dias, eles eram dois estivadores de bolsos
vazios e ambição voraz. Buscavam algo melhor do que
carregar engradados e cordas, fazendo o que quer que fosse
preciso para ganhar terreno, desde quebrar mandíbulas de
outros homens a jogar dados nos inferninhos e tavernas. As
vitórias frequentes trouxeram acusações de fraudes, mas o
sucesso deles vinha mais do cálculo do que de fraudes.
Os dois tinham boas cabeças para números. Foi como
eles ganharam o suficiente para comprar a primeira taverna.
Foi como eles construíram o Reaver’s. Foi como Reaver
aprendera que o motivo de uma mulher como Augusta
Widmore perseguir um janota como Glassington podia ser
apenas desespero. Mas desespero a respeito do que,
precisamente? Ele precisava de respostas.
Shaw cruzou os braços.
— Um soco seria divertido. No entanto, se seu objetivo é
seduzir a Srta. Widmore em casamento, deve usar as suas
mãos em empreendimentos mais produtivos.
— Tais como?
Shaw riu.
— Se devo explicar, talvez a situação esteja mais
deteriorada do que imaginei.
—Bastardo.
—Humm. Não, apenas um mestiço.
Reaver o encarou.
— Não gosto desse termo. Agora, diga-me o que devo
fazer.
Shaw ergueu uma sobrancelha.
— Para cortejar a Srta. Widmore? Maldito inferno,
Reaver, como eu devo saber?
— As mulheres parecem gostar de você.
— Mulheres preferem os descomplicados. O homem a
quem isto está atado é algo sem importância.
— Ela não. Ela é... diferente.
— Então por que ela está atrás de Glassington, se não for
pelo título? É apenas outro tipo de descomplicação, para dizer
a verdade.
— Não sei. — Reaver falou, suas entranhas se revirando.
— Drayton está correndo atrás da conexão entre eles, mas
está atrasado. — Reaver olhou pela janela, onde uma chuva
batia no vidro. — Tempestades, provavelmente.
— Elas não vão parar. — Concordou Shaw antes de se
levantar e arrumar as lapelas de seu casaco. — Devo retornar
ao piso. Quando eu saí, o Sr. Barnabus Malby estava
declarando sua admiração pelo broche que Lady Brannigan
usava no corpete ontem à noite. Lorde Branningan não estava
muito contente. Minha intuição me diz que Malby estaria
deitado na mesa do perigo em um quarto de hora. Devo
chamar Duff. Malby é bastante... corpulento.
Reaver assentiu e o dispensou.
Na porta, Shaw se virou com um olhar pensativo.
— Talvez ela seja mesmo diferente como diz e não o tipo
que se encanta por bolsos cheios. Mas isso não quer dizer que
seja errado mostrar-lhe as vantagens de ser a Sra. Sebastian
Reaver.
— Ela é uma mulher respeitável, Shaw. Não posso fazer
estas coisas até que estejamos casados. É uma maldita
loucura.
Rindo, Shaw respondeu:
— Não estas coisas, homem. Leve-a aos lugares que ela
gostaria de ir. Compre coisas que ela deseja ter. Mime-a um
pouco. Virar a cabeça de uma solteirona do interior deve ser
fácil para um homem com seus meios.
— Você estava certo. — Reaver rosnou.
— Estava? Sobre o quê?
— Seus conselhos sobre seduzir mulheres são inúteis.
Pedirei a Frelling.
Mais uma vez ele riu enquanto fechava a porta.
O conselho de Frelling, quando aconteceu, foi igualmente
inútil. Seu secretário piscou como uma coruja atrás da
mesma em resposta à pergunta direta de Reaver minutos
atrás.
— Cortejar uma dama, Sr. Reaver? Receio não entender.
É um novo esquema para o clube?
— Você é casado, não é? — Reaver perguntou.
— Sim. — A palavra saiu cautelosa. — A Sra. Frelling e
eu celebramos um ano de casamento em janeiro.
— Como a convenceu a casar-se com você?
Frelling apertou os óculos e pigarreou.
— Bem. É uma história um pouco longa.
— Encurte-a.
— Gunter’s.
— Gunter’s?
— A loja de chá na Berkeley Square. É mais conhecida
por seus sorvetes, ouso dizer. A Sra. Frelling ama a variedade
dos de chocolate.
— Está chovendo torrencialmente, Frelling. Quando os
ventos sopram, o que acontece a cada segundo, o atinge de
um jeito que terá inveja das pedras da costa escocesa.
— Bem... Sim.
— Sua recomendação provavelmente terminará em uma
queixa pulmonar em vez de uma cerimônia de casamento.
— Meus encontros com a Sra. Frelling ocorreram no
verão do ano passado. Sorvetes são realmente bons no calor.
— Então por que o Gunter’s?
Frelling deu de ombros.
— Eu disse que era uma longa história. Eles servem chá
também. Não tão bons quanto os do clube, mas...
Reaver suspirou e esfregou a testa, levantando a outra
mão em um pedido de silêncio.
— Esqueça a pergunta. Estarei no prédio vizinho fazendo
algo útil. Você poderia considerar isso, Frelling. Ser útil.
Com um sorriso plácido, Frelling assentiu.
— Utilidade é, de fato, uma meta louvável, Sr. Reaver.
Murmurando entre os dentes, Reaver seguiu seu
caminho até o Número Cinco, o prédio que eles adquiriram na
primavera anterior para a expansão dos negócios.
Ao entrar pela porta dos fundos, o som de martelos e
risadas masculinas o atingiram.
Ele olhou ao redor do piso térreo onde eles haviam
removido muitas das paredes para criar salas amplas e uma
passagem de serviço para o Número Seis, a atual localização
do clube.
A construção nua com tijolos à vista ao lado de uma
chaminé revelava uma parede podre e deteriorada causada
por um vazamento do telhado. Ele inalou o cheiro de
argamassa, gesso, madeira e suor, antecipando a satisfação
de um trabalho real e honesto. Então, ele tirou o casaco,
dobrou as mangas de sua camisa e começou a encher uma
carrinho com tijolos.
Quando trabalhava nas docas, passava o tempo
planejando, movia uma caixa, calculava custos de locações.
Amarrava cordas, calculava margens de lucros. Carregava um
navio planejando ter uma equipe eficiente.
Seu corpo se movimentava, mas sua mente era mais
rápida. Ansiava pela hora, após o trabalho físico, que tivesse
fundos suficientes para viver onde lhe agradasse e ter que
responder apenas a si mesmo. Agora, ele pensava naqueles
sonhos na doca um milhão de vezes e, de alguma forma, eles
eram satisfatórios.
Porém, com todo conhecimento sobre probabilidades,
não previra essa inquietação. Isso o comia como um inseto
enterrado, coçando debaixo de sua pele.
Shaw sabia, mas ele não entendia, não de verdade. O
trabalho de Shaw como mordomo exigia constante movimento
e reação imediata. Ele não tinha tempo para se preocupar
com a quietude com apenas o tique-taque de um relógio
ormolu quebrando o silêncio. Sempre muito o que fazer.
Não para Reaver. Até Augusta Widmore invadir seu
escritório com seu sorriso empertigado e suas exigências
absurdas, Reaver não sabia o que fazer com ele mesmo. Ele
trabalhava na expansão e o trabalho físico o ajudava, mas
aquele inseto que cavava mais profundamente até o
pensamento enlouquecê-lo.
Agora, ela estava em todos seus pensamentos, um
assunto bem mais cativante do que as fantasias de riqueza de
um pugilista de vinte anos de idade ou esquemas de negócios
de um proprietário de taverna de vinte e cinco anos. Aye. Ao
agarrar os tijolos, dois em cada mão e empilhá-los no alto,
viu-se sorrindo. Por Deus, aquela mulher era extraordinária.
Fazer as coisas pela metade não leva para nenhum lugar, ela
dissera. Outras pessoas fazendo essa afirmação soaria
arrogante. No caso dela, era simplesmente um fato.
Ele a observara com Beauchamp, notou sua maneira
firme e decidida. Ela selecionou cadeiras, sofás, mesas, mesas
de escritório como se tivesse tirando itens do sótão, sem
hesitação, sem perder tempo.
Acima de tudo, Augusta Widmore assumiu o comando.
Não esperou ser instruída. Ela não se incomodou em
amenizar ou ser cautelosa. Era sincera, mas exigia padrões
altos de si mesma e dos outros.
Antes de Augusta, se alguém lhe perguntasse se tal tipo
de mulher o atrairia, ele teria atirado o tolo para fora de seu
escritório. Há muito tempo ele presumira que se um dia se
casasse, sua esposa seria do tipo calmo. Dócil e fácil de lidar.
Augusta era tudo, menos fácil. Era um problema. Desde seus
espetaculares cabelos ruivos até a bainha marrom desfiada.
Ele a desejava tanto que doía desde seus joelhos até seus
dentes.
A razão pela qual ele estava atualmente carregando uma
carga de tijolos para o lado oposto do piso térreo, onde dois
pedreiros lhe aceram seus agradecimentos e continuaram a
reconstruir a lareira da cozinha. Ele não precisava mais de
trabalho físico para conter sua inquietação, mas isso ajudava
quando seu desejo por ela se tornou insuportável.
— Sua argamassa está muito dura. — Veio uma voz,
profunda e familiar, detrás dele enquanto ele começava a
carregar outra carga. — Precisa ser mais úmida.
Reaver olhou por cima do ombro e ergueu uma
sobrancelha.
— Tannenbrook. Pensei que trabalhava mais com pedras
do que com tijolo.
Seu primo estava parado com uma mão no quadril,
olhando para a chaminé e deslizando o polegar sobre uma
junção desalinhada.
— Ter conhecimento em uma área não faz de você um
ignorante em outras.
Grunhindo sua concordância, Reaver voltou a empilhar
tijolos.
— O que o traz aqui?
— Viola pretende oferecer um jantar. Ela gostaria de sua
presença.
Reaver suspirou e parou. Esfregou a testa com as costas
de seus pulsos e depois se virou para encarar Tannenbrook.
— Por quê?
— Ela gosta de você. Um pouco misterioso, isso. Nossa
semelhança provavelmente é a culpada. — A maioria das
vezes, Tannenbrook falava como um típico nobre inglês. Mas
às vezes, quando alguma emoção o tomava, uma sugestão de
escocês escapava. Isso acontecia muito quando Viola entrava
na conversa. Naquele momento, a afeição aumentava seu
sotaque.
O que fez Reaver pensar se Tannenbrook não seria o
conselheiro ideal. Shaw e Frelling foram inúteis, mas James
Kilbrenner conquistara a beldade da década, e, como ele
fizera a observação, ele se parecia com Reaver, o que queria
dizer que não confiara na aparência para conquistá-la. Viola
poderia ter tido o marido que quisesse, príncipe, duque,
bonito, rico, mas ela escolheu Tannenbrook. Além do título, o
homem era um marmoreio escocês de tamanho intimidador e
feições feias. Dificilmente um prêmio a se obter. Não, ele era
um escocês sortudo ou possuía um segredo que não
compartilhara ainda, um que Reaver pretendia descobrir.
— Esqueça a argamassa, homem. Preciso de um
conselho.
Franzindo a testa, Tannenbrook cruzou os braços.
— Sobre?
— Persuasão.
— Se pretende mudar a ideia de Viola, devo alertá-lo...
— Não Lady Tannenbrook. Preciso... — Reaver soltou o
ar e passou a mão pela cabeça. — Há uma mulher que eu
devo... cortejar.
Olhos verdes enrugaram. Um sorriso curvou um lado da
boca de seu primo.
— Uma mulher. Inferno, Reaver, por que não disse isso?
— Uma risada profunda e um tapa dolorido em seu ombro fez
Reaver se perguntar se não cometera um erro.
— Esta conversa fica entre nós, entendeu? — Reaver o
fulminou em alerta. — Sem levar histórias a sua esposa. A
próxima coisa que terei, será ela com uma lista de instruções
para a noite de núpcias.
Outra risada profunda.
— Aye. Ela faria isso. Muito bem, o que quer saber?
— Como eu convenço uma dama a se casar comigo?
— Antes, deve me contar quem ela é.
Reaver franziu o cenho.
— Uma solteirona. De Hampshire.
— Mais, Reaver. O que o fez contemplar o casamento?
Avaliando o seu primo de cima a baixo, Reaver decidiu
ser franco. Tannenbrook fora um tipo rude, uma vez.
— Eu a desejo até não ser capaz de não pensar em nada
mais.
Tannenbrook bufou.
— Isso é tudo?
— Isso é malditamente demais.
— Não é o bastante para uma vida inteira. Nem o
suficiente para ser pai dos filhos dela.
Reaver soltou o ar e colocou as mãos nos quadris.
— Ela me enlouquece. Nunca conheci uma mulher mais
determinada. Ou uma com tanta coragem. Tola, mas
terrivelmente corajosa. Eu não a vejo se casando com outro,
Tannenbrook. Eu o quebrarei em cem pedaços antes...
— Ah. — Seu primo disse em um tom irritado. — Outro
homem. Quem é?
— Um maldito nobre.
— Disse que ela é uma solteirona?
— Aye.
Tannenbrook apoiou uma mão na parede de tijolo.
— Então, deve descobrir o que ela quer. Se ela deseja se
casar com outro homem...
— Mil pedaços.
— ... então não é ao casamento que ela resiste. Se o
título importa, deve dizer-lhe que é meu herdeiro.
— Possível herdeiro. No momento em que for pai de um
menino, essa besteira acaba.
Tannenbrook lhe lançou um olhar estranho, depois se
afastou da parede. Ele pegou uma pilha de tijolos e começou,
silenciosamente, a carregar o carrinho.
Reaver se juntou a ele.
— Como você conseguiu persuadir Lady Tannenbrook a
casar-se com você?
O primo sorriu.
— Eu não fiz. Ela me persuadiu. Bastante para dizer a
verdade.
Imaginar a jovial e bela Viola perseguindo o grande e
taciturno James Kilbrenner o fez rir. Tannenbrook
prosseguiu.
— Eu precisei cortejá-la um pouco depois do casamento.
Segui o conselho de um amigo a princípio, a cobri de elogios e
coisas assim. Se fosse melhor com palavras, deveria ter
funcionado melhor. Mas tudo o que fiz foi isso. — Ele ergueu
sua mão. — Então eu lhe dei um presente. — O sorriso dele
foi lento e cheio de segredos. — Ela gostou muito.
— Por que foi necessário cortejar a sua esposa depois do
casamento? — Reaver franziu o cenho. — Ela já era sua.
Seu primo riu de novo, sacudindo a cabeça.
— Você e eu somos muito parecidos, Reaver. Não
consegue adivinhar?
Reaver grunhiu e empilhou outro par de tijolos.
— Eu alertei Augusta que sou um homem rude.
— Esse é o nome dela? Augusta?
— Aye. — Murmurou. — Augusta Widmore. — Apenas
falar o nome dela fazia seu coração forte, completo e pesado.
Com um aceno, Tannenbrook retomou o carregamento.
— Um alerta não é o bastante. Deve ser melhor, tratá-la
melhor do que faria com qualquer outra pessoa. Em retorno,
se ela for uma mulher de valor, ela o amará mais do que
qualquer outro.
Ele pensou nas vezes em que falou com aspereza e como
uma ruga de dor surgiu ao redor dos olhos dela.
— E se eu machuquei os sentimentos dela? Ela é uma
mulher forte, mas eu posso ser... desagradável.
Tannenbrook parou, limpou as mãos esfregando uma na
outra e bateu no ombro de Reaver.
— Implore pelo perdão dela. Não espere. Não hesite. Um
pedido de desculpa é um feitiço mágico, homem. Use-o com
rapidez e frequência, para as mulheres, tais medidas nunca
perdem o encanto.

*~*~*

Adam bateu à porta de Phoebe Widmore minutos antes


de sua visita das três horas. Ele também a visitava às dez, ao
meio-dia e retornaria mais uma vez às seis. Quatro visitas por
dia pareciam sensato. Ele devia monitorar suas refeições e
garantir que ela dormisse propriamente.
— Sim, Sr. Shaw, pode entrar. — Ela falou do interior.
Ele abriu a porta e rapidamente a fechou atrás de si.
— O que diabos está vestindo? — Ele alfinetou.
Apertando a fita rosa em seu poke bonnet, ela piscou
para ele do sofá em frente à lareira.
— Bem, não sei como chamam isso na Índia, mas aqui,
chamamos de vestido. — Ela olhou zombeteira ao corpete de
lã castanha. — Um vestido de passeio, para ser precisa. —
Então, ela se abaixou e pegou um par de botas de canos
curtos.
— Você deveria estar dormindo. — Ele disse
severamente. — As recomendações do Dr. Young têm
funcionado maravilhosamente, mas...
— Você acha? — Olhos de pervinca brilharam para ele
enquanto um meio sorriso curvava seus lindos lábios.
— Obviamente. — Ele fungou e se endireitou, suas mãos
cruzadas atrás de suas costas. — Os círculos escuros debaixo
de seus olhos se foram. Há cor em suas bochechas, um
brilho, prevejo. A sua figura é... — Ele engoliu em seco
enquanto examinava o gracioso inchaço de seu colo. — Muito
provável.
Ela se levantou e começou a vestir um par de luvas.
— Então, chegou a hora de eu tomar um pouco de ar,
não acha?
— O quê? Não. Eu não acho. Você deve ficar aqui. Deitar.
Dormir.
Olhando para trás, para o sofá, ela girou como um filhote
atrás de seu rabo depois parou e ergueu um dedo quando viu
seu retículo em uma mesa lateral. Amarrou as cordas no
pulso.
— Não seja tolo. Até mesmo um cão de caça tem o direito
a uma caminhada de vez em quando.
Ele franziu o cenho.
— Um cão de caça defeca nos tapetes. Acho difícil achar
semelhanças.
Ela riu. Ela estava sempre fazendo isso, sua voz leve e
alegre, os olhos suaves e brilhantes. Às vezes ele se esforçava
para pegar isso desde o início. Era como assistir o nascer do
sol, inicialmente lento, depois espetacular.
Outras vezes, como agora, ele se divertia com ela sem
esforço, mesmo quando ele estava extremamente sério. Na
noite passada, ele a recriminou por não conseguir terminar a
sopa. Ela rolara os olhos e disse que se ele gostava tanto, que
terminasse.
— Para mim. — Ela falou com suas bochechas perfeitas.
—Apenas chocolate serve. — Então tomou um gole de sua
xícara e sorriu para ele. Em outra mulher, ele teria chamado
de flerte. Ele quis sacudi-la e exigir uma explicação para sua
atitude casual em relação a sua doença. Ele sentia a mesma
coisa agora.
— Posso não ter sujado os seus tapetes, Sr. Shaw, mas a
sua estátua deve estar precisando de uma limpeza completa.
— A Fortuna já viu coisas piores.
— Venha. — Ela falou, entrelaçando o braço entre o dele
e virando os dois em direção à porta. — Devemos ir juntos.
Deve existir um parque ou...
Ele a puxou ao parar.
— Está chovendo lá fora. — Ele espetou. — O vento é
capaz de levá-la embora.
Seu sorriso apagou-se. Ela o soltou, olhou para seus pés,
depois levantou o rosto e encontrou seus olhos com uma
resolução alarmante.
— Eu irei. Acompanhe-me se quiser. Ou não. Mas eu
irei. Não posso passar outra tarde nesta sala.
— Muito bem. — Ele disse. — Se você pretende ser tão
teimosa, pelo menos, permita que chame Edith e Duff para
acompanhá-la.
— Gostaria que me escoltasse.
— Não pode ser, Srta. Phoebe.
— E por que não? Você provou ser a companhia mais
agradável, quando não está se comportando como uma
enfermeira sem senso de humor. Eu especialmente aprecio
sua tutela em jogos de azar. E suas histórias sobre o Capitão
Tully e sua tripulação doente.
A tensão em seu estômago diminuiu ao recordar as horas
deles juntos nas últimas semanas. Quando Phoebe começou a
se recuperar, ela ficou inquieta. Inicialmente ele lhe
emprestara livros de sua coleção particular, mas ela não ficou
tão encantada com a história da construção civil inglesa
quanto ele. Logo depois, ela implorou para que ele lhe
ensinasse a jogar como os cavalheiros do Reaver’s. Ele se
recusara, claro. Então ela sorriu e o convenceu. Concordou
em lhe ensinar o vinte e um. Ela olhava para as cartas com
um pequeno vinco entre as sobrancelhas ao mesmo tempo
que mordiscava os lábios e lentamente aprendia o truque. Na
noite seguinte, ela implorou para aprender outro jogo. Ele a
ensinou o faro3. Na noite seguinte, ele trouxe dados e
demonstrou porque um jogo poderia se chamar de azar e
porque a deusa Fortuna ficava parada na entrada do Reaver’s.
Durante todo tempo ela ria e batia almas em deleite
enquanto o dado caía e as cartas eram viradas.
E ele ansiava por mais. Mais risos. Mais do brilho dela.
Então ele lhe contara histórias de seus dias na
Companhia das Índias Orientais. Como uma tripulação
inteira ficou doente, deixando apenas ele e o Capitão Tully
para manejar velas, jogar cordas um para o outro sobre as
costas dos pobres coitados alinhados na amurada.
Obviamente ele lhe contara apenas a versão divertida e
agradável da história, sua intenção era fazê-la rir, não fazê-la
vomitar.
Agora, mergulhado nos olhos azuis, suaves e brilhantes,
a sensação voltou. Ouvir seu riso. Fazê-la sorrir. Agradá-la.
— Não pode ser eu. — Ele repetiu.
— Besteira. — Ela disse, se aproximando um pouco. —
Venha comigo, Sr. Shaw. Certamente um pouco de ar o
refrescará também.
Uma adorável inocente de Hampshire não deveria
descobrir a realidade de seu mundo. Ele desejava não ser
necessário. No entanto, como já percebera incontáveis vezes
através de inúmeras experiências, era melhor ver as rochas
afiadas antes de encalhar em uma.
— Não posso acompanhá-la. — Falou. Ela abriu a boca
para protestar, mas ele a segurou pelos ombros e nivelou o
olhar com o dela. — Se nos virem juntos, não aceitarão bem.
Ela franziu o cenho como quando ficou intrigada com a
estratégia do vinte e um.
— Nós levaremos uma acompanhante, então. Talvez
Edith pudesse...
— Sou indiano, Srta. Phoebe
— Você também é inglês.
— Eu não aparento ser, embora tenha sido criado como
um perfeito inglês.
O vinco se aprofundou, sua boca se apertou.
— E você é o homem mais bonito que eu já vi. Se os
outros não conseguirem nos ver juntos, eles que desviem o
olhar. Eles são cegos, de qualquer forma.
Um calor o preencheu, incomum e de triar o fôlego. Ela
era uma garota corajosa, mas ele suspeitava que muita dessa
coragem devia-se à ingenuidade. Ela simplesmente não tinha
ideia de como o mundo podia ser cruel.
Ele puxou as mãos e tirou uma das luvas. Em seguida,
ele pegou o pulso dela e removeu uma de suas luvas. Então
ele segurou sua mão nua na dele indicando que ela olhasse.
— Você vê? — Falou, apreciando bastante a suavidade de
sua palma suave. — Esta é a razão.
Os dedos dela entrelaçaram-se aos dele, formando uma
trama escura e clara.
— Isto é adorável. — Ela sussurrou.
Deus, ela era inocente. E uma tentação linda e corada.
Ele puxou sua mão, vestiu a luva e devolveu a dela.
— Eu a acompanharei. — Disse, sua voz um pouco mais
rouca do que deveria ser. — Com a condição de irmos em
uma carruagem.
— Oh, mas...
— Esta é minha condição. Não quero que alcance a sua
morte. Nem arriscarei sua reputação depois de tanto esforço
para protegê-la.
A contragosto, ela concordou, e meia hora depois eles
atravessavam a Piccadilly, balançando cada vez que rajadas
fortes atingiam a carruagem. Edith sentou-se ao lado de
Phoebe, tensa e observadora enquanto a chuva batia a janela.
Phoebe, ao contrário, tinha os olhos arregalados e sorria,
parecia se deleitar com as inúmeras lojas, desde livrarias às
mercearias.
— Sr. Shaw. — Murmurou entre as rajadas de ventos. —
Gostaria de caminhar.
— Eu desejo permanecer seco. — Ele respondeu. — Você
concordou com a carruagem, se me recordo.
Embora não discutisse, sua boca ficou amotinada —
uma expressão cada vez mais familiar. Suas mãos também
estavam apertando as bordas do cobertor que ele também
insistira em levar.
Outra rajada de chuva atingiu a janela de seu lado,
atraindo sua atenção para o grupo de cavalos que lutavam
com a carga pesada ao lado deles. Os cavalos recuavam e
giravam a carroça em círculo. A perturbação causou estragos
e a carruagem deles diminuiu a velocidade até parar.
Distraído pelo cenário do lado de fora só sentiu a
explosão de ar gelado momentos antes de ouvir Edith ofegar.
— Sr. Shaw! Ela... Ela está...
— Maldição. — Ele gritou, saltando pela porta aberta da
carruagem e perseguindo a fugitiva Phoebe Widmore pela
chuva gelada. Ele a alcançou a três metros de distância, seu
traseiro atrevido balançando de um lado para o outro. Céus.
Ele pensou, abaixando o chapéu e levantando a gola de seu
sobretudo. Ele a considerava submissa. Dócil.
Pura besteira. Ela era uma moça espevitada.
Ele caminhou até alcançá-la, avaliando a rua
movimentada em busca de eventuais problemas. Felizmente,
a maioria dos londrinos eram sãos o bastante para não sair
em tais condições e os que saíram estavam muito ocupados
em ficarem secos para notar uma rosa inglesa e seu
acompanhante indiano.
— O que inferno está fazendo? — Ele falou entre os
dentes quando chegou ao lado dela.
Ela não respondeu.
— Phoebe, estou lhe avisando. Eu a pegarei em meus
braços e a carregarei de volta à carruagem.
— Não, não irá. Caminhará ao me lado. — Ela passou o
braço pelo dele e começaram a caminhar no meio da chuva e
ventos horríveis que caiam o dia inteiro. — Pois se fizer o
contrário, atrairá muita atenção.
Ela estava certa, é claro, o que suavizou um pouco a sua
raiva.
— Moça teimosa. — Ele murmurou, encolhendo-se
quando uma rajada de chuva bateu em seu rosto.
Não demorou muito e eles chegaram ao Green Park e ele
suspirou aliviado. Vira um ou dois idiotas enfrentando as
condições por uma chance de apreciar os encantos duvidosos
do parque. Nesta época do ano, poucas árvores estavam nuas,
o céu escuro como ferro e relva estava tão encharcada quanto
uma toalha usada. Ele olhou para a lama.
— Estas são as minhas melhores botas, droga.
A aba do bonnet dela se aproximou dele.
— Elas ficarão limpas. — Gotas voaram quando ela
ergueu o queixo. — Assim como você. Assim como eu.
— Pelo amor de Deus, Phoebe, vamos retornar...
— Estava sufocada. — Ela falou suavemente, os olhos
cor de pervinca calmos e desafiadores. — Precisava respirar.
— Ela o soltou para girar, ficando de costas para ele.
Aprumou os ombros. Uma mão envolveu o quadril. A outra
caiu sobre seu ventre.
Um vento particularmente forte jogou as saias dela para
o lado, agarrando-se a uma perna e formando um balão na
outra. Ela não se mexeu. De vez em quando, seus ombros
estreitos tremiam ao suspirar.
Ele não tinha ideia do que fazer.
— Adam. — Ela falou, sua voz quase carregada pelo
vento e pela chuva. — Já se sentiu alguma vez... preso em
uma armadilha?
Ele não sabia como responder. Primeiro, ela usou seu
nome de batismo. Uma mulher não deveria fazer isso a menos
que desejasse dar a homem algumas ideias. Segundo, ela lhe
fez uma pergunta cuja reposta era mais do que um simples
sim ou não.
Adam Shaw já vira tudo. Todas coisas más e infernais.
Todas as coisas maravilhosas e boas. Já viu um homem ser
açoitado até a morte por derrubar sua cerveja. Vira sua mão
ficar fria e sem vida em meio ao calor vívido e denso que ela
desprezara. Ele vira o sol nascer nas águas infinitas e se pôr
no céu infinito. Ele vira Phoebe Widmore rir.
— Sim. — Respondeu, aproximando-se, girando seu
corpo para protegê-la do pior. — Eu já. O truque é não deixar
a armadilha lhe prender totalmente.
— Como se escapa?
Ele deu de ombros.
— Às vezes não escapa. Outras vezes vivo com isso.
Depois planeja.
Ela virou os olhos em sua direção. Eles estavam úmidos.
— E outras vezes você se encurrala tanto que não há
nada mais a planejar.
— Phoebe... — Franzindo a testa, ele se aproximou mais
um pouco, observando seus ombros frágeis começarem a
tremer. — Por que este desespero? — Murmurou.
Ela fungou, sorriu fracamente e balançou a cabeça.
— Talvez seja o tempo.
Como se estivesse esperando ser anunciado, o tempo
golpeou as costas dele, exigindo que envolvesse seus braços
ao redor dela, a segurando mais perto e apertado. O bonnet
dela arranhava seu queixo e sua forma quente e elegante se
acomodou contra ele como se ela tivesse sido criada para este
exato propósito.
— Devemos voltar. — Murmurou, acariciando as costas
dela e tentando ignorar a forma como ela agarrava a sua
lapela. — Não devemos dar aos criados motivos para
especulações.
Outra fungada.
— Especulações?
— Ora, vamos. Provavelmente conhece o hábito deles de
fazer apostas absurdas. Não ficaria surpreso se encontrasse
Duff recolhendo um xelim ou dois se não voltarmos antes do
anoitecer.
Ela deu uma risadinha.
— Deveríamos...
— Não. Isso geraria uma nova onda de apostas. E
provavelmente um escândalo.
Suspirando, ela se afastou e começou a andar em
direção à Piccadilly, deixando o vento frio e o espaço vazio
onde estivera. Enquanto ele andava ao seu lado, foi atingindo
por uma sensação familiar. Um arrepio cobriu sua pele. Uma
onda de calor rastejou por baixo dela. Ainda mais fundo, era
como o solo, plano, sólido, enraizado e correto.
Ele sentira aquilo apenas uma vez antes: o dia em que
conheceu Reaver.
Naquele dia, como agora, seu coração acelerou, suas
mãos e braços formigaram. Ele avaliou Phoebe. Seu pequeno
nariz vermelho. Seus lábios suaves. Sua pele pálida como
leite. Fios de cabelos soltos, grudados em sua bochecha e
queixo por causa da umidade. Ela não se incomodou em
afastá-los. Em vez disso, ela caminhava pela grama
enlameada em direção à rua movimentada com o olhar
distante e despreocupado.
— Qualquer dia desses. — Ele falou em voz baixa. —
Quando o tempo melhorar, poderemos cavalgar no parque. O
clube tem uma ou duas ótimas montarias no estábulo.
Ela olhou em sua direção, seu sorriso era estranhamente
triste.
— Talvez.
A falta de confiança dela o perturbou. Ele podia apenas
imaginar que ela tivera tempo para perceber as implicações de
ser vista ao lado dele. Flexionando sua mandíbula, ele engoliu
a velha amargura e ofereceu:
— Se preferir, posso vestir um uniforme.
Ela parou.
— Desculpe-me?
Tendo a ultrapassado por vários passos, ele virou. Os
mesmos olhos azuis anteriormente embotados pelo desespero
agora estavam inflamados com indignação.
— Por que deveria usar um uniforme? — Ela espetou. —
Você não é um criado.
— Seria mais fácil para você se eu fosse.
Ela pisou fundo em sua direção, pequena, as mãos
enluvadas fechadas em punhos.
— Escute-me, Adam Shaw. Você não é meu lacaio, nem
meu enfermeiro, nem meu mordomo. Você é meu amigo.
Inferno, ela o acertou diretamente no coração. E a
maldita coisa doeu e esmagou. Ele inclinou a cabeça. Tirou as
mechas molhadas de sua bochecha. Engoliu em seco contra
sua garganta que se fechava.
— Como seu amigo, desejo protegê-la.
— Eu não preciso de proteção.
Seu sorriso era agridoce em seu rosto.
— Uma afirmação que só prova que você precisa.
Ela soltou uma respiração exasperada.
— O preconceito dos outros é culpa deles, não minha.
— Minha mãe dizia o mesmo. Ela era uma mulher forte.
— Recordando a inclinação determinada de seu queixo, a
forma desafiante que levantava a sobrancelha sempre que
alguém lançava olhares desagradáveis, ele sorriu. — Nunca
cedeu um milímetro. Era inflexivelmente inglesa em todos os
aspectos, mesmo assim, rejeitava com a mesma veemência
que a origem de alguém é mais importante que o caráter.
A expressão de Phoebe suavizou.
— Ela parece sensata. Como ela foi viver na Índia?
— Contar-lhe-ei a história se continuar a andar. Está
muito frio aqui fora e seu almoço a espera.
Ela estalou a língua, mas seguiu em frente novamente.
Ele se posicionou ao lado dela e continuou sua história.
— Minha mãe viajou à Índia para casar-se com o seu
primeiro marido, um funcionário da Companhia das Índias
Orientais. Quando ele morreu, ela moveu céus e terras para
retornar — ele lançou um olhar irônico ao céu — para a sua
amada ilha encharcada pela chuva.
— O que aconteceu? Por que ela ficou?
— Mover céus e terras leva tempo. Naquele ano ela
conheceu o meu pai.
A boca dela se curvou intuitivamente, como se os
motivos de sua mãe fossem óbvios.
— Ele parecia com você, aposto.
— Assim ela disse. Não me recordo bem dele. Ele morreu
quando eu ainda era um menino.
— Mas ela ficou.
Ele assentiu, apertando as mãos atrás das costas e
olhando brevemente para suas botas.
— Por minha causa, a princípio. Os homens da
Companhia às vezes tomavam bibis...
— Bibis?
— Consortes ou esposas indianas. Os filhos dessas
uniões eram aceitos de forma melhor na Índia do que aqui.
Meu pai era resultado de tal união, e minha mãe acreditou
que eu poderia arrumar com mais facilidade um lugar por
mim mesmo lá. O que aconteceu foi que o oposto se tornou
verdadeiro. — A vida deles tinha sido um inferno, completada
com o calor assassino e a pobreza desesperadora. Não, a Índia
não fora boa com ele. Havia matado a sua mãe e, por isso, ele
tinha pouco afeto por sua terra natal.
Ela se aproximou, tirando outra mancha de cabelo de
seus lábios.
— Então você veio a Inglaterra.
— Humm. Após a morte dela. Logo após a minha
chegada, conheci Reaver.
Seus lábios fizeram um bico de desaprovação.
— Ele não é o vilão que julga, Phoebe. — Ele advertiu. —
Sua irmã está segura, garanto-lhe. Mais segura do que com
alguém da classe de Glassington, isto é mais do que certo.
Ela estremeceu. Imobilizada. Afastou-se como se ele a
tivesse golpeado.
O que diabo ele dissera?
Movendo-se rápido ao chegarem à Piccadilly, ela
marchou por várias lojas, encolhendo-se a cada rajada de
chuva e o ignorando completamente. Ele não a culpava, é
claro, apesar de uma ponta de decepção. Ser vista em sua
companhia não era vantagem para ela.
Repentinamente, uma dúzia de metros depois, ela parou
como um pássaro colidindo em uma janela. Seus olhos
arregalaram, fixadas em uma área em frente a Fortnun e
Mason.
Ele franziu a testa, limpando a aba de seu chapéu
ensopado para poder ver o que a assustara tanto. Avaliando
as post-chaises4 e as carruagens que passavam ali,
examinando vários pedestres ao longo da Piccadilly, ele
exigiu:
— O que foi? Alguém nos viu juntos e...
— Nada. Não é nada.
Ele girou para olhá-la nos olhos, mas ela já estava
andando, branca como giz. Novamente, ele seguiu seu olhar,
determinado a identificar o tolo que lhe ofendera. Á frente,
havia apenas três grupos e um homem solitário passando
pelas janelas das mercearias. O homem era idoso, caminhava
com uma bengala. Um grupo era formado por um par de
criados bem vestidos, outro por uma mulher de meia-idade
acompanhada por um lacaio. Mas o terceiro, parado olhando
através da janela de uma loja, era formado por um casal, um
homem em um sobretudo finamente elaborado e uma mulher
com um regalo5 enorme. O homem segurava um guarda-
chuva sobre a cabeça da mulher. Eles eram seguidos a uma
distância discreta por uma trêmula dama de companhia.
Apertando os olhos através da chuva, ele tentou enxergar
as feições do homem, mas o casal se virara em direção à
porta. Enquanto Adam acompanhava Phoebe, notara que o
conjunto de ombros do homem, sua altura e sua forma não
eram estranhas, mas ele não podia identificá-lo.
Então, o vento pegou o guarda-chuva do homem. Ele
virou-se para recolhê-lo, rindo enquanto tentava fechá-lo.
Adam piscou. Olhou para Phoebe cujos braços estavam
cruzados sobre o ventre como se estivesse com frio ou doente.
Por sobre a aba de seu bonnet, tudo o que ele podia ver
era seus lábios. Eles estavam sem cor.
— Você estava certo, Sr. Shaw. — Ela disse, sua voz
fraca e sufocada. — Não deveríamos ter saído hoje. Não sei o
que estava pensando.
Ele quis questioná-la, mas eles já estavam chegando à
carruagem e o lacaio, Edward, abriu a porta. Edward e o
cocheiro pareciam estoicos e miseráveis. Então, em vez de
exigir respostas, Adam ajudou Phoebe a entrar na carruagem
e subiu atrás dela, ignorando o longo suspiro de sofrimento
de Edith.
Ele pegou o coberto de colo que Phoebe abandonara e
jogou sobre ela. Ela não respondeu, apenas sentou-se imóvel
e encarando a janela enquanto a carruagem seguia em frente.
Terei tempo suficiente depois, ele disse a si mesmo.
Depois, quando ela estivesse quente e bem alimentada, ele
descobriria porque Phoebe Widmore parecera ter encarado a
morte quando pousou os olhos sobre o Conde de Glassington.
CAPÍTULO 12

“Uma dama sinaliza seu interesse de múltiplas maneiras. Há


muito tempo sou a favor da aproximação direta. No tempo
necessário para que um homem decifre a linguagem secreta de
lenços, leques, cílios esvoaçantes e sorrisos discretos, uma
mulher inteligente poderia ser casar com ele três vezes.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta explicando as sutilezas de cortejar.

Sete dias depois de beijar Sebastian, Augusta ainda não


tivera uma noite apropriada de sono. Como poderia, quando
cada vez que fechava os olhos sentia as mãos dele sobre ela, a
boca sobre a dela, o corpo dele lhe dando prazer?
Não que ele estivesse presente, é claro. Ele não a tocava
há uma semana. Era uma tensão tanto lamentável quanto
agradável.
Mesmo agora, enquanto observava cinco lacaios fortes e
três entregadores do Sr. Beauchamp carregarem a mesa de
jantar pelo corredor da entrada, ela fervia pela antecipação.
Como ansiava por vê-lo novamente. Apesar da repentina
série de condições cavalheirescas por parte dele. E sua longa
ausência. E de seus cuidados ardentes.
Ele continuava a dormir no clube, para sua total
consternação. Ela não havia sido convincente o bastante
sobre sua vontade em ser beijada?
Ela mordeu o lábio e marcou uma escrivaninha de
mogno como entregue.
— Subindo às escadas, primeiro piso. — Ela direcionou o
lacaio distraidamente. -— Primeiro conjunto de portas. Parede
oeste da sala de estar.
Talvez Sebastian precisasse de encorajamento. Nada nele
sugeria falta de inteligência ou capacidade. Não, na verdade,
ele era certamente muito capaz. Surpreendentemente.
Ela inalou profundamente e exalou lentamente.
O problema claramente não estava relacionado às...
capacidades dele. Mesmo assim, evitava a sua companhia por
razões que não sabia responder. Deveria ser mais ousada,
decidiu. Sim. Se assegurasse a ele que suas atenções nada
cavalheirescas eram aceitáveis para ela. Então ele poderia
superar quaisquer dúvidas que o impedisse de agir.
Agir era necessário. E desejado. E estava bem atrasada.
— Ouso dizer, ele é astuto, não é?
Augusta piscou para Anne, que a ajudava a direcionar os
entregadores. A criada fora elevada a governanta e agora era
conhecida como Sra. Higgins, embora continuasse solteira, e
Edith ainda se referia a ela como ‘Grande Annie’.
Vendo a confusão de Augusta, Anne esclareceu.
— Nosso pequeno rato. Ele passou a manhã
convencendo John a lhe mostrar a ‘forma certa’ de limpar
uma baia de cavalos. — Ela acenou em direção a um jovem
robusto fazendo uma trilha de lama pela casa enquanto
segurava a ponta de um sofá. — Na hora que John terminou
sua lição, a tarefa estava feita. Agora, o rato está em algum
lugar escondido.
John era um dos doze novos lacaios. O Sr. Frelling
contratara quarenta empregados, incluindo um mordomo,
lacaios, criadas, um chefe de estábulo, um cocheiro, valetes e
um talentoso e surpreendentemente simpático cozinheiro
francês. Ao ver a lista cuidadosamente feita pelo secretário
com os nomes dos empregados e seus salários, Augusta
acrescentara clandestinamente mais um: um garoto chamado
Ash com dois xelins por semana. Ela não sabia o sobrenome
do menino e nem ele, assim ela lhe dera o sobrenome da
criada de sua mãe.
— Ash Warrick. — O garoto murmurara, batendo os seus
absurdamente longos cílios até parecer quase femininos. Ele
levantou e recolocou seu gorro e cuspiu no chão do estábulo.
— Soa um ‘poco’ estranho, você me diz. ‘Com’um’ daqueles
insultos chiques.
— É um nome muito antigo e distinto e você o usará sem
reclamar. — Ela respondeu.
— Humph. Prefiro ser Ash Diver. Ou Ash Black. Ou...
.ooooh, este é o melhor? Ash Cole.
— Você não pode ser conhecido como Ash Cole6.
Ele franziu a testa.
— Por que não?
Se ela lhe explicasse, ele gargalharia e insistiria em usar
o apelido. Em vez disso ela afirmara com firmeza.
— A tinta está seca. É seu nome agora.
Ele resmungou um pouco mais, mas quando ele o
apresentara ao mordomo, o Sr. Teedle, ele não fez nenhum
escândalo. Ainda assim, Ash era esperto, como Anne
corretamente observara. Ele tendia a usar todos os meios,
honestos ou não, para abrir seu caminho, assim Augusta
permanecia atenta. Ninguém nunca saberia quando ele
poderia mudar de nome, escapar de suas tarefas ou
desaparecer metade do dia.
Agora, Augusta suspirou e olhou para uma alegre Anne.
— Falarei com Ash . Não podemos perdê-lo todo tempo.
— Ele se esconde porque tem medo. — A voz de Anne era
solene, estreitara os olhos com raiva.
Augusta assentiu. Ela sentia a mesma fúria. Apesar dos
seus esforços para descobrir a identidade do homem que
batera nele, Ash mantinha o nome em segredo. Então ele
erguia seu pequeno queixo e jurava que iria embora se o
homem o encontrasse.
— Num ‘dexarê ’le chegá perto d’ôce,’ Srta. Widmore.
Prometo.
Ela quase trincara os dentes tentando segurar as
lágrimas. Ash precisava que ela fosse forte, e assim ela seria.
Ela o abraçou, disfarçando-o como uma inspeção de seus
cabelos e roupas. Ele tolerava suas atenções, protestando
apenas uma vez quando ela o apertara com força.
Pigarreando, Augusta sufocou o sentimento e levou seus
olhos para a lista de entregas. Uma delas era uma mesa
grande, do tamanho de Sebastian. Ela franziu o cenho,
recordando uma pergunta que ela queria fazer a Anne.
— Sra. Higgins, alguns dias atrás, eu me aventurei no
sótão e encontrei uma variedade peculiar de caixas.
Repentinamente Anne pareceu fascinada pelo calcário
sob seus pés. Ela pressionou os lábios antes de responder.
— Sim?
— Elas estavam perfeitamente empilhadas ao longo da
parede leste. Então, ontem, descobri que elas foram
preenchidas com pedras extraordinariamente pesadas. E
mesmo assim, todas elas haviam sido removidas pelo sótão
até a parede oeste.
— Aconteceu isso?
— De fato, não posso evitar e me perguntar se não é
algum esquema estranho de treinamento de lacaios.
— Não poderia dizer.
Augusta estreitou os olhos sobre a governante evasiva.
— Eu precisarei do sótão para armazenar alguns itens.
Qual precisamente é o propósito dessas grandes caixas de
pedra?
Anne não respondeu.
— Sra. Higgins?
Suspirando, a mulher olhou ao redor do corredor de
entrada, esperando que um par de lacaios passassem
carregando um aparador de nogueira, depois se virou, assim
seu corpo volumoso bloqueou a luz e o som da porta da
frente.
— É uma prática do Sr. Reaver. — Disse em voz baixa. —
Ele as transfere de um lado para o outro no sótão. Eu o
escuto tarde da noite, depois que já estou na cama. Meu
quarto fica um andar abaixo, ao longo da parede leste.
— Por que ele faria tal coisa?
Anne deu de ombros.
— Dizem que ele trabalhou nas docas quando era jovem.
Talvez ele goste de recordar-se quão longe chegou. Ou talvez o
ajude a dormir. Ele é um homem vigoroso.
Sim, Augusta conhecia muito bem o vigor de Sebastian.
Engoliu em seco e assentiu, deixando as perguntas para
outra hora. Um par de entregadores entrou, inclinando uma
graciosa chaise longe para que ela pudesse atravessar a
porta.
Ela olhou para a lista, franzindo o cenho.
— Perdão, cavalheiros, mas receio que há um erro. O Sr.
Reaver não pediu esta peça.
Um terceiro entregador entrou com um caderno, tirando
uma caneta detrás da orelha.
— Aye, senhorita. Ele pediu. Está escrito exatamente
aqui.
Ela foi para o lado do homem e olhou. Realmente, a
chaise longue de jacarandá com estofamento de veludo azul
estava listada entre o aparador de nogueira e... um grande
espelho dourado.
Piscando, ela agarrou a ponta do caderno do homem,
trazendo-o para mais perto. Dois outros itens, uma
escrivaninha e uma cômoda, estavam listados também. Seus
dedos enluvados foram aos lábios.
Sebastian comprara aqueles itens. Para ela.
Ele deve tê-los adicionados em seu pedido enquanto
negociava com o Sr. Beauchamp.
À distância, ouviu Anne dizer aos homens para levaram a
chaise longue para seu quarto. Augusta teria feito isso, mas
seu coração estava em sua garganta, impedindo-a de respirar
e falar e transformando seu interior tão suave quanto um
mingau.
Homem tolo. Sem dúvida ele a viu cobiçar os itens e
desejado agradá-la. Embaixo de seus dedos, seus lábios
sorriram impotentes.
Ela queria vê-lo. Agradecê-lo. Perguntar-lhe sobre as
caixas e lhe explicar o quanto apreciava seus beijos.
— Anne. — Ela murmurou distraidamente. — Devo
visitar o clube. Poderia...?
— Claro. — A governanta aceitou a lista de Augusta com
um sorriso compreensivo. — Talvez o Sr. Reaver venha jantar
em casa. Não seria adorável?
Augusta assentiu, curiosamente sem fôlego e ouvindo
apenas pela metade.
Uma hora depois, cumprimentava um alegre Duff e
passava pela porta traseira do Reaver’s. Edith estava
descendo a escada de serviços indo em direção à cozinha. Ao
passar, a criada acenou e a chamou.
— Bom dia, Srta. Widmore. Como a Grande Annie está
em seu novo posto? Colocando tudo de cabeça para baixo?
Augusta riu.
— Ela me pediu para lhe dizer que está vencendo a
aposta por uma milha.
Edith bufou e seguiu para a cozinha, atirando sua
resposta por cima do ombro.
— Uma milha. Esta é a altura dela. E pode dizer isso a
ela.
Mais rápido do que era estritamente apropriado, ou
sensato, Augusta subiu as escadas até o escritório de
Sebastian. O Sr. Frelling levantou o rosto da mesa quando ela
fechou a porta e se encostou nela.
— Srta. Widmore!
— Sr. Frelling. — Ela disse recuperando o fôlego. — Um
lacaio cujo nome é Tim ou Tom me viu no corredor. Temo que
ele tenha sofrido algum susto, já que ele me tomou como uma
aparição fantasmagórica.
Por trás dos óculos, os olhos de Frelling se iluminaram
de humor.
— Um bocado supersticioso, esse aí. O cozinheiro lhe
presenteou com histórias sobre uma mulher desesperada e
sem um tostão que encontrou a morte enquanto cavalgava
para um encontro ilícito com um ladrão de estrada. Ele está
convencido que ela assombra os corredores do Reaver’s. Eu já
expliquei que o conto era apenas uma tentativa de ganhar
uma aposta de um dos crupiê, mas.... — Ele deu de ombros.
— Por que ele me tomaria como um fantasma e não
simplesmente como uma criada?
O sorriso do Sr. Frelling se esvaiu quando seu olhar
recaiu sobre a peliça marrom de Augusta. Ele pigarreou,
ajustou os óculos e se ocupou em arrumar papéis.
— Presumo que esteja aqui para ver o Sr. Reaver. Sinto,
mas ele não está em seu escritório. É bem-vinda a esperar,
mas não tenho certeza de quando ele retornará.
O desapontamento a envolveu como um cobertor frio e
úmido.
— Oh. — Foi a sua brilhante resposta.
— Entretanto eu sei que a Srta. Phoebe ficaria muito feliz
com uma visita da irmã. A Sra. Frelling estava dizendo isso
apenas há uma hora.
Ela se endireitou, puxando suas luvas.
— Esplêndido. A verei imediatamente. Obrigada, Sr.
Frelling.
Phoebe não ficou apenas feliz. Ficou agitada. Ela
guinchou quando viu Augusta na porta. Depois explodiu em
lágrimas. Depois puxou Augusta em um abraço apertado e
soluçou.
— Graças aos céus você veio.
A porta fechou atrás dela e ela manobrou as duas para
dentro da sala de estar. Alarmada e incomodada pelo calor
torturante, Augusta segurou os ombros de sua irmã e exigiu:
— Quem a machucou? Eu cortarei partes vitais do patife,
começando por suas protuberâncias.
Phoebe balançou a cabeça e apoiou a cabeça nos ombros
de Augusta.
— Bem, talvez eu peça ao Sr. Reaver para cortar. —
Augusta esclareceu. — Ele é absurdamente forte. E
intimidador. Mas dirigirei o processo, Phee, juro.
— N-Não remova as protuberâncias de ninguém. — Veio
uma resposta molhada. — Estou bem.
Augusta se afastou.
— Você está chorando rios.
Os ombros de Phoebe agora sacudiram com uma
gargalhada. Ela se afastou e secou as bochechas com os
dedos.
— Eu senti a sua falta, isso é tudo.
— Besteira. Vamos beber chá e poderá me explicar o que
a transformou nesta bacia derramando água.
Cílios úmidos pestanejaram e caíram. Phoebe se afastou,
caminhando até o sofá.
— Phee?
— Eu o vi, Augusta. — Ela disse sem se virar. — O
Glassington.
O estômago de Augusta deu um nó.
— Onde?
— Na Piccadilly. Do lado de fora de uma mercearia. Ele
estava... com uma mulher.
Aproximando-se, Augusta segurou o cotovelo da irmã,
forçando os olhos vermelhos de Phoebe encontrassem o dela.
— Quem?
— Eu não sei. Ele parecia feliz.
— É claro que ele está feliz. — Augusta espetou. — Ele é
um cachorro se divertindo enquanto abandona suas tarefas
mais essenciais.
— Acredito que ele possa... estar tentando se casar com
outra.
Augusta não suportou o tom apático da voz de Phoebe,
os olhos sem esperanças.
— Ele não está casado ainda. — Ela cerrou os dentes. —
E não se casará com ninguém, exceto com você. Eu disse
isso, não disse?
Phoebe mordeu o lábio e abaixou o rosto.
— Então?
Phoebe assentiu, mas continuou mordiscando os lábios.
— Fique forte. Ao contrário do Lorde Glassington,
mantenho as minhas promessas. Nós faremos isso acontecer,
Phoebe. Eu já a enganei alguma vez?
Sua irmã fungou e deu um meio sorriso.
— Apenas sobre as corujas.
— Você dormiu profundamente. Não me recordo de ter
sido raptada aquela noite. Certamente as corujas fizeram bem
o trabalho delas.
Pela próxima hora, eles conversaram sobre coisas
agradáveis, o luxo do bom chá, a aposta boba entre Anne e
Edith, a atenção dispensada pelo Sr. Shaw. O último tópico
deixou Phoebe com as bochechas coradas, mas Augusta não
soube dizer se era pelo calor do fogo ou por algo mais secreto.
Ela escolheu explorar o assunto outro dia.
Ela se conteve por tempo bastante. Chegou a hora de se
encontrar com Sebastian.
Fazendo o caminho de volta ao escritório dele, descobriu
pelo Sr. Frelling que ele passava boa parte de seu tempo na
casa vizinha, no Número Cinco. Em seguida ela questionou o
Sr. Duff sobre a melhor maneira de entrar na dita casa e o
grande sentinela concordou em lhe acompanhar, mostrando-
lhe além das pilhas de detritos e tábuas de madeira com uma
alegre galanteria.
— Obrigada, Sr. Duff. — Ela inalou momentos antes de
entrar no espaço largo e aberto. — Encontrarei o caminho a
partir daqui.
— Tem certeza...
— Você foi muito bondoso.
Ela caminhou em direção ao maior homem que ela já
vira, tão alto e largo que uma pessoa tinha que piscar para ter
certeza que ele era real. Os braços dele se avolumaram e se
esticaram quando ele ergueu uma pilha de madeira apoiando-
a sobre seu ombro. Seu cabelo preto e curto estava salpicado
de poeira e sua camisa branca de linho estava úmida pelo
suor.
Ele fez o coração dela escorregar até os pés.
Aproximando-se, ela o observou equilibrar as longas
tábuas com flexibilidade e economia de movimentos. Dado o
peso da pilha que ele segurava, sua firmeza era
impressionante. Agora estava se virando. E ela estava mais
próxima do que percebera.
E a pilha de tábuas estava se movendo. Em direção à
sua cabeça.
Ela gritou e se abaixou; seu grito trêmulo ecoando
através do espaço cavernoso. A madeira não acertou a sua
cabeça, mas seu bonnet foi atingindo na lateral e agora estava
posicionado em um ângulo desajeitado, a fita embaixo de seu
queixo apertava a sua garganta.
— Maldição, inferno sangrento! — A voz retumbante soou
como um rosnado. — Eu quase arranquei a sua cabeça fora,
mulher maluca! — Um baque agudo e em cascata indicou que
ele soltara as madeiras.
Ela se endireitou, soltando a fita ao redor do pescoço.
Mãos gigantes agarraram seus ombros e depois ambos os
lados de seu rosto. Ela piscou diante dos olhos pretos
brilhando furiosos.
— O que diabos está fazendo aqui — Os polegares dele
acariciaram suas bochechas. Seus dedos removeram seu
bonnet e explorou seu couro cabeludo.
O contraste entre a raiva diabólica em seus olhos e a
gentileza de seu toque era vertiginoso.
— E-Eu vim encontrá-lo. — Sua respiração estava
agitada. — Obviamente. O que mais seria? S-Sebastian. Estou
bem.
— Você não está bem, maldição!
— Você me surpreendeu, é só isso. As tábuas apenas
atingiram o topo do meu bonnet...
Suas mãos alcançaram a sua nunca e levaram o rosto
dela para perto do dele.
— Sempre indo a lugares que não deveria. Tenho um
pensamento sobre...
Ela não pensou. A boca dele estava ali. A dela estava ali.
Juntar os lábios deles seria... certo. Então ela o beijou.
Apoiou as mãos sobre o peito dele. Sentiu as batidas rápidas
e pulsantes de seu coração. Sentiu a mão dele cair para sua
cintura e a puxar para mais perto.
Ele grunhiu, o som a martelou.
Ela sorriu e o beijou mais.
— Maldição, mulher. — Ofegou a segurando com força.
— No que está pensando?
— Que eu gostaria de agradecê-lo.
— Pelo quê? Por quase matá-la?
Ela fungou.
— Eu cheguei um pouco perto demais.
— Aye. Um pouco.
— Minha reação foi oportuna e sensata. Nenhum dano
causado. — Ela olhou para seu bonnet, caído sobre o chão de
madeira áspera. — Bem, meu chapéu foi danificado. Mas
pode ser reparado.
— Deus todo poderoso. — Ele a soltou, se afastou uns
dez passos, levou uma mão ao quadril e outra correu cabelo
todo da cabeça.
O cabelo dele estava mais longo, ela notou. Escuro e
grosso. Em um mês mais ou menos, precisaria de um corte.
Ele voltou rapidamente e a segurou.
— Nunca mais se coloque em perigo. Está me escutando,
Augusta? — Ele abaixou a cabeça, aproximando-se da dela,
assim ela sentiu o seu fôlego em sua bochecha.
— Humm. Sim. Bem, eu aprecio ter a minha cabeça no
lugar certo, então tentarei ficar longe de objetos flutuantes no
futuro.
— Não é bom o bastante.
— É o melhor que posso fazer.
Os ônix iluminaram-se. Uma mandíbula poderosa se
flexionou.
Novamente, ela pôs a mão sobre o peito dele.
— Vim lhe agradecer, Sebastian.
Seu olhar furioso não diminuiu, mas sua voz se acalmou.
— Pelo quê?
— Minha chaise longue.
— Xezzz o quê?
Ela reprimiu o sorriso.
— A cadeira alongada com costas inclinadas e sem
braços. Azul. Você a acrescentou ao seu pedido com o Sr.
Beauchamp.
— Oh. Aquela. — Ele trocou de pés e corou ao redor das
maçãs do rosto.
— A escrivaninha e a cômoda também. Oh, e o espelho.
O espelho é simplesmente esplêndido. Obrigada.
Ele levou a sua mão grande para trás do pescoço. Ele a
olhou, sua cor avermelhada aumentando.
— Você negligenciou a mobília de seu quarto. Já havia
gastado uma fortuna. Achei que poderia gastar um pouco
mais.
— Meu agradecimento não é pelo que gastou, — Ela
disse. — é por ter notado quais peças eu admirei e me fazer
uma agradável surpresa.
As narinas dele inflaram.
— Estou ficando um bocado preocupado em lhe dar
surpresas agradáveis, Augusta Widmore.
Oh, céus. Agora eram as bochechas dela que
esquentavam.
Atrás dele, dois trabalhadores desceram a escada
exposta ao longo da parede mais distante. Esforçando-se para
manter a compostura, ela se abaixou para pegar seu bonnet
amassado, mas Sebastian chegou primeiro. Restaurando o
topo para um formato apropriado com alguns movimentos
ágeis usando seus longos dedos, ele colocou o chapéu em sua
cabeça e amarrou a fita embaixo de seu pescoço.
— Não deveria estar aqui. — A voz dele podia ser dura,
mas a ponta de seus dedos tocava a sua pele com uma
sedução formigante. — Agora, consiga uma carruagem e vá
para casa.
— Por que não vem comigo?
— Eu tenho trabalho a fazer.
Ela olhou a pilha de tábuas que ele deixara cair ao acaso
e depois avaliou o espaço esquelético aberto, com estruturas
expostas e pilhas de tijolos, madeiras e outros materiais.
Eram empilhadas ao estilo Sebastian: arrumadas,
categorizadas e perfeitamente posicionadas, prontas para
serem usadas do modo mais eficiente possível.
Então ela notou os trabalhadores murmurando entre si,
lançando olhares curiosos para ela enquanto eles seguiam em
direção à lareira da cozinha, que estava sendo reconstruída.
— O Sr. Frelling é talentoso em contratar criados. — Ela
observou. — Ele poderia ajudá-lo a encontrar trabalhadores
mais competentes, assim a sua assistência nestas tarefas não
seria necessária.
— Todos são competentes. Eu mesmo os contratei.
Ela ergueu uma sobrancelha em uma surpresa fingida.
— Oh. Que intrigante. Alguns se perguntariam por que
necessitaria carregar madeira e tijolo, quando há
trabalhadores capazes de fazer o trabalho.
Por um longo momento, ele a encarou.
— Eu não preciso. Eu gosto. Pare com suas perguntas
irritantes, mulher.
— O que gosta sobre isto?
— Por Deus, você é inconveniente.
— Conte-me.
Ele soltou um suspiro alto.
— Isso me ajuda a acalmar a mente.
— O esforço físico ou o ato de organizar que faz isso?
Seus olhos assumiram um brilho meditativo, como se
tivesse sido surpreendido.
— Os dois.
Aquilo explicava as caixas. Sebastian tinha excesso de
energia e necessidade por ordem que ela já reconhecera. Ela
mesma tinha um pouco dos dois. Embora que para ela, o
trabalho físico não fora precisamente opcional. Pelo menos,
desde a morte de seu pai.
— Bem, eu gosto de assisti-lo trabalhar. — Ela
confessou. — É bastante... talentoso.
Um grunhido serviu de resposta.
— Irá jantar em casa?
Os olhos dele caíram sobre sua boca. Depois sobre o seu
colo. Depois voltaram para seus olhos.
— Aye.
Em algum lugar de seu abdômen, o calor aumentou,
apertando e formigando por onde passava. Lentamente, ela
sorriu antes de dar meia volta e ir em direção à entrada dos
fundos. Ao chegar à porta, olhou por cima dos ombros.
Ele estava contemplando o seu traseiro.
O sorriso dela ficou maior.
—O verei lá, Sr. Reaver. — Ela falou.
— Aye. — Ele murmurou. — Fará mesmo.
CAPÍTULO 13

“Ao conversar com uma dama, fique atento a não cair em


longos e meditativos silêncios. Uma jovem tende a elaborar
fantasias que você está compondo soneto em sua honra,
quando na verdade, está contemplando quanto tempo deve
esperar para levá-la para a cama (muito provavelmente) ou
quanto tempo esperar para tomar o segundo Porto (menos
provável). É melhor evitar esses erros.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta cheia de precauções para um cavalheiro em
busca de uma esposa.

Ele conseguira um jantar. Um longo e torturante jantar


com Augusta Widmore. Ele não voltara a sua casa desde
então.
Obviamente o lugar não parecia mais sua casa. Havia
tapetes nos pisos, cortinas nas janelas e cadeiras, mesas e
sofás para todos os lugares para onde se virava. Tudo isso era
bastante agradável, ele supôs. Ele apreciou que a maioria das
peças eram retas e resistentes, robusta o suficiente para
suportá-lo sem quebrar. Estava sentado confortavelmente à
mesa de jantar, na grande e estofada cadeira.
Até que ela entrou. Então ele ficou profundamente
desconfortável. Duro e pronto em segundos. Ela usava um
vestido verde claro listrado. Ele fora lavado inúmeras vezes.
Era desenhado para se usar com um fichu. Ela não estava
usando um fichu.
E ele mal foi capaz de falar, quanto mais comer.
Agora, dias depois, estava igualmente desconfortável e
não era porque sua cabeça estava torta no teto da carruagem.
Era porque Augusta estava sentada em frente a ele, usando
sua peliça marrom e velha e uma fisionomia empertigada e
franzida. Para todos efeitos, ela seria a última mulher a
torturar um homem com luxúria.
Mas ela fazia isso. Deus, como ela fazia. Ele sonhava
remover o vestido. Ou não. Talvez erguer as saias e tomá-la
sobre a sua mesa, contra a parede ou naqueles sofás
robustos. Várias vezes. Depois, ele poderia ir devagar. Deixá-
la nua. Explorar aqueles suntuosos...
— Passaram-se três dias desde que nos falamos. — Ela
falou com firmeza. — Você não consegue formar uma palavra
em uma conversa?
Não. Ele não podia.
Nada funcionava. Nem o trabalho físico. Nem treinar com
Duff, que há dois dias não parava de reclamar sobre suas
costelas. Nem mesmo as medidas as quais recorria quando
era um jovem tarado.
A tensão de Reaver batia alto dentro dele, sua pele
vibrava como um tambor.
— A Sra. Bowman estava muito feliz quando veio tirar as
minhas medidas a semana passada. — Augusta falou,
evidentemente decidindo levar a conversa sozinha. — Fiquei
surpresa ao descobrir que ela é de Roma, embora tenha
passado boa parte de sua juventude na Toscana. Florença
para ser precisa. Desde que li um dos livros do meu pai sobre
a região, eu desejei conhecê-la. Pinturas e estátuas notáveis.
Arquitetura. Nós conversamos longamente sobre estas
maravilhas. Você sabia que a cidade tem uma rica história
sobre confecção de tecidos? Lã e seda, principalmente. Li
sobre os empréstimos de dinheiro, mas nada sobre a
fabricação têxtil.
Ele não fazia ideia do que ela estava falando. Observava
seus lábios — aqueles lábios carnudos e sensuais — e se
perguntava se iria sobreviver pelas próximas horas sem beijá-
los.
— Sebastian.
Aye. Ele gostava da forma como ela falava seu nome.
— Sr. Reaver?
— O quê?
— Não tem nada a falar? — Olhos cinzas o fuzilaram com
irritação.
Ele cerrou a mandíbula e forçou a olhar para qualquer
outro lugar. Olhar para o lado de fora pela janela serviria.
— Chegamos. — Ele disse.
O suspiro dela foi alto e expressivo.
Ao entrarem na loja toda azul, ele notou a rigidez da
postura dela. Augusta aparentemente relaxou quando a
costureira de cabelos escuros com um sotaque impetuoso e
gestos largos a cumprimentou e a dirigiu a uma área pequena
e com cortina. Reaver ia segui-las, porém a Sra. Bowman
ergueu um imperioso dedo.
— Não, não, não, Sr. Reaver. Espere aqui.
Ele olhou zangado.
— Retornaremos e você poderá ver os vestidos, um por
um. Mary lhe servirá chá. Mary!
Uma assistente ansiosa se apressou.
— Sirva chá ao Sr. Reaver.
— Não quero chá.
A Sra. Bowman agitou os dedos para a assistente que
saiu pelo arco cortinado. Mais uma vez ela ergueu aquele
dedo imperioso a Sebastian, apontando em direção ao sofá há
alguns passos.
— Espere. — Ela ordenou.
Augusta, por outro lado, lançou um sorriso malicioso por
cima do ombro enquanto a costureira a empurrava pela
cortina.
Mulheres irracionais. Ele sentou na beira de um delicado
sofá de seda, cruzou os braços e tentou não imaginar Augusta
sendo despida peça por peça. A assistente lhe entregou o chá,
o qual não bebeu. Ela então lhe ofereceu biscoitos, os quais
não comeu.
Ele deslizou uma mão pelo rosto, perguntando-se
novamente qual a melhor maneira de persuadir Augusta a se
tornar a sua esposa antes que a loucura se instalasse. Ele
consultou Frelling uma segunda vez, esperando que o homem
provasse ser um conselheiro mais competente sobre cortejar
do que ele fora inicialmente.
— Talvez um passeio, Sr. Reaver. — Seu secretário
sugeriu.
— Para onde?
— Ela morou em Hampshire a vida inteira. Mostre a ela o
que Londres tem a oferecer. Mesmo no inverno, está repleto
com entretenimentos maravilhosos.
—Tais como?
— Leve-a a uma peça. Julgo que Edmundo Jean é
excelente. Ou talvez uma visita ao British Museum para ver
os mármores. Ou um passeio de carruagem até a Berkely
Square. O chá da Gunter’s é bastante decente.
— Chá.
— Algumas pessoas adoram chá. Não você, é claro, mas
a Srta. Widmore parece gostar.
— Humph.
— O ponto é moldar os seus entretenimentos às
preferências dela. A Sra. Frelling aconselha a melhorar um
pouco seus conhecimentos. — Quando ele pareceu perplexo,
Frelling esclareceu. — Descobrir do que ela gosta. Então,
poderá demonstrar quão bem a escuta ao lhe oferecer...
— Maldição do inferno, Frelling. Não tenho tempo para
tudo isso.
— A urgência é compreensível, sir. Todos nós temos
similares...
— Não assim.
— Considerou simplesmente... pedir a ela? Para casar-se
com você, quero dizer.
Ali foi quando Reaver desistiu totalmente de Frelling. O
homem era um excelente secretário. Mas em conselhos sobre
como cortejar era terrivelmente ruim.
O acordo de Reaver com Augusta expirava em três
semanas. Ele não tinha tempo para longos passeios e
conversas sobre a sobremesa favorita dela. Ele precisava de
um maldito atalho. Drayton ainda não respondera com
notícias sobre a conexão dela com Glassington e, até ele
descobrir porque ela pretendia chantagear o verme inútil para
casar-se, ele suspeita que nenhuma estratégia funcionaria,
nem as curtas nem as longas.
Suspirando ele descansou as costas no sofá. Ao ouvir um
rangido que serviu de aviso, ele retomou sua posição anterior.
Deus, como ele odiava esperar. Ao longo dos anos, ele se
tornou bom nisso. Mas isso não o fez detestar menos.
— Obrigada por sua paciência, Sr. Reaver. — Disse a
Sra. Bowman enquanto ela afastava a cortina para revelar
uma Augusta vestida de seda. — O que acha?
Ele não era capaz de pensar. Ela estava linda. Vestida de
seda prata com algum tipo de objeto cintilante na
sobreposição da saia, ela brilhava. Simplesmente brilhava.
Seus olhos estavam profundamente iluminados. Sua pele
parecia resplandecente. Seus seios mais redondos. Suas
mãos... enluvadas.
A Sra. Bowman continuou.
— O vestido é feito de seda prateada. Seis dobras
definem o corpete e a pequena manga bufante. Também tem
lantejoulas costuradas na saia exterior de gaze de seda pura.
O bordado branco feito em pontos minúsculos adiciona ao...
— Remova as luvas. — Ele disse, sua voz baixa.
Augusta levantou uma sobrancelha castanho
avermelhada.
— Não irei. Estas são francesas. Além do mais, as luvas
são parte do conjunto.
Ele teria insistido no pedido, mas ela deu meia volta e
voltou a área de vestir.
Durante as duas horas seguintes, Reaver suportou
tentação após tentação. Os vestidos de baile e os de noite
pareciam ter sido desenhados para torturar um homem
obcecado pelos seios dela, em outras palavras, ele. Até mesmo
o vestido verde de passeio, a peliça azul e o vestido de dia
dourado eram estranhamente atraentes. Cada vestido lhe caía
adoravelmente, acentuando a extensão de seus braços e a
beleza de seus ombros. Todas as cores — nenhum deles era
marrom, notou — iluminava suas feições. A curva de seus
lábios. O rico vermelho dos cabelos. O suave cinza dos olhos.
Deus, ele a queria.
Exatamente agora.
E queria descobrir porque ela sempre usava luvas,
mesmo com o mais simples vestido matutino de mangas
longas. A costureira pareceu desconfiada. Reaver notou que
as luvas que ela usava eram as dela, a de couro fino e
manchado nas pontas dos dedos.
— Este é especial, Sr. Reaver. — A Sra. Bowman falou
por trás da cortina azul. — Deixei o mais requintado para o
final, sim? — Ela afastou a cortina. Revelando uma visão.
Era Augusta, com seus cabelos castanho avermelhados
gentilmente enrolado e soltos, vestida em seda com o tom
exato de framboesas maduras. A saia e o corpete brilhavam
na luz acinzentada. Mas lantejoulas, ele supôs. Mas tudo o
que ele conseguia divisar era o rosto dela, sua forma, cabelo,
olhos, seus... tudo. A tonalidade radiante era tão inesperada
em contraste com a sua pele pálida que era como ver o céu ir
do azul para o vermelho em um piscar de olhos.
Deslumbrante. Ela estava deslumbrante.
— Ah, percebo que aprova, Sr. Reaver. Tenho um pouco
mais desta seda, se quiser...
— Deixe-nos. — Ele ordenou, assistindo os olhos de
Augusta brilharem e inflamarem, os lábios se abrirem.
— Há a questão das contas...
— Envie ao clube. Deixe-nos.
A costureira saiu sem falar mais nada, levando consigo a
sua assistente.
— Sebastian. — Augusta sussurrou no meio do silêncio
que se seguiu, seu colo subindo e descendo em um ritmo
acelerado.
Ele se levantou, ignorando o ruído do sofá.
— Remova as suas luvas, Augusta.
Elas eram de seda branca, esticadas até acima do
cotovelo.
Ela ergueu o queixo em um ângulo orgulhoso.
— Nós já discutimos isso.
— Você recusou.
— Recusei.
— Por quê?
— Não lhe diz respeito.
Agora, ele teria que saber o motivo. Sua curiosidade
queimava mais quente do que Hades.
— Desejo ver as suas mãos.
Ela fungou.
— Não seja tolo. São simplesmente mãos.
— Então me mostre.
Os olhos cinzas faiscaram mal humorados.
— Uma barganha desigual, ouso dizer. Você deseja que
eu remova minhas luvas. O que você pretende remover, Sr.
Reaver?
Oh, ela fizera aquilo. Como o oportunista que ele era,
diminuiu a distância entre eles e se preparou para a matança:
— Qualquer coisa que quiser, Srta. Widmore. Diga o seu
preço.

*~*~*

Droga. Ela deveria ter recusado e exigido que a deixasse


quieta para vestir o seu vestido velho e sua peliça desgastada.
Em vez disso, após horas sentindo ele queimá-la viva com seu
olhar escuro, após dias sentindo falta de sua voz retumbante
e mãos enormes. Ela permitiu que o seu mau temperamento
superasse o bom senso.
Ela não queria que ele visse as suas mãos, droga. Mas
ela queria vê-lo. Tanto que arriscaria o seu orgulho.
Sem fôlego e acalorada, examinou o homem desde os
cabelos pretos às botas. Ela estava sobre um pequeno
estrado, fazendo com que a diferença entre as alturas fosse
menos exagerada e lhe desse uma visão melhor. Ele usava
uma cravat. Um colete de seda marrom. Um fraque de lã em
um azul profundo. Ultimamente ele estava se vestindo com
mais elegância, como se decidisse que tendo sua casa
mobiliada, deveria se vestir de acordo.
Seu olhar recaiu sobre as suas calças justas. Ela
imaginou que poderia pedir para que ele as removesse.
Provavelmente ele recusaria uma proposta tão absurda e
abandonaria a exigência idiota de ver as suas mãos.
Apertando os lábios, engoliu em seco ao estudar as sombras
dos músculos de suas coxas.
Provavelmente era melhor manter sua metade de baixo
fora da discussão. Por enquanto.
Não, se ela fosse honesta, a parte que mais ansiava ver
era a metade de cima. Os ombros. O peito. A barriga. Os
braços. Tudo descoberto para ela.
— Sua camisa. — Ela murmurou, incapaz de tirar os
olhos dos ombros dele.
— Minha camisa? — O tom dele era tanto zombador
quanto surpreso.
— Ã-hã. É isso o que quero. Sua camisa.
— Gosta delas, não? Pelo menos desta vez está pedindo
em vez de pegar.
Agora que sugerira isso, o desejo de vê-lo sem a camisa
havia se expandido além de todas as proporções. Tentou
imaginar como ele parecia. Musculoso e impossivelmente
grande. Ela vira representações de estátuas que se
aproximavam.
— Muito bem. — Ele falou. — Suas luvas por minha
camisa.
Não, nem mesmo as estátuas eram sólidas o bastante.
Vitais o bastante. Grandes o bastante.
— Irei primeiro, hã? — Ele desamarrou a cravat com
movimentos impacientes, atirando-a no sofá. — A coisa
maldita estava me estrangulando de qualquer forma.
Seus olhos ficaram presos em suas mãos, fascinada por
cada movimento. Desatenta, ela perguntou:
— Então por que usa uma?
Ele respondeu com um grunhido.
Em seguida se foi o casaco. Então o colete, desabotoado
com a mesma habilidade que mostrava quando ela
interrompeu o trabalho dele no Número Cinco. Finalmente,
ele estava apenas com a camisa de linho branca.
Ele a segurou pela bainha. Tirou por cima da cabeça.
E seus joelhos quase dobraram. Oh, céus. Não era como
as estátuas. Nem como imaginou. Nem mesmo perto.
Grandes placas de músculo dilatavam-se e ondulavam
do pescoço à cintura. Os ombros, que seriam largos apenas
em virtude dos ossos maciços, eram certamente duplamente
duros, redondos...
— Augusta.
... elevações de músculos que se dilatavam novamente ao
longo dos bíceps...
— É a sua vez.
... e antebraços. Ela já tinha visto os antebraços dele, é
claro. Generosamente salpicados com pelos pretos.
Ondulando com força todas as vezes que ele flexionava as
mãos. O peito era igual. Cabelos pretos. Poder visível e
chocante. Ela queria tocá-lo. Tanto que as pontas de seus
dedos formigavam.
— Pelo amor de Deus, mulher. Pretende manter a sua
palavra?
Seu olhar voou para o rosto dele. As maçãs do rosto
estavam um pouco coradas, mas os olhos eram como vidro
derretido.
— Minha... ?
— As luvas. Sua parte na barganha.
Seu estômago afundou-se. Ela olhou para suas mãos, o
calor recuando por causa do medo. Por anos, ela lutou para
esconder o que elas revelavam. O quanto de desespero tivera
em sua vida. O quão fundo permitira que o legado dos
Widmore caísse. Seu pai teria chorado ao ver no que ela se
reduzira, embora esperasse que ele entenderia. Ela tivera
poucas escolhas. Para proteger Phoebe, ela fizera muitas
coisas que nenhuma dama com um grama de orgulho teria
feito.
Incluindo invadir um clube de cavalheiros e fazer
acordos indecorosos com o proprietário.
Ela ergueu os olhos mais uma vez, explorando o rosto
dele. A lâmina acentuada e restaurada de seu nariz. Os olhos
ônix e a mandíbula quadrada e sombreada. Um vinco
profundo entre as sobrancelhas pretas sinalizava sua
irritação.
Ela fora mais do que afortunada por encontrar Sebastian
Reaver sentado atrás daquela mesa de carvalho do que
qualquer outro homem, Lorde Glassington, por exemplo. O
tipo de honra de Sebastian não era agraciado com um título
ou um nome. Era inato. Depois melhorado.
Para ela, fora um milagre.
Engolindo em seco, ela assentiu.
— Muito bem. — Um sussurrou foi tudo o que ela
conseguiu fazer passar por sua garganta apertada.
Lentamente, ela soltou os dedos do couro gasto.
Desabotoou o pulso. E deslizou as luvas para fora.
Por um longo momento, ninguém falou. Ela sabia a
aparência de suas mãos, é claro. Vermelhas. Ásperas.
Calosas. Algumas de suas unhas estavam rachadas e
quebradas, embora tenham crescido desde que chegara a
Londres.
— Augusta.
Com uma sacudida de cabeça, ela se esforçou a
encontrar os olhos dele, erguendo o queixo e endireitando a
postura.
— Você pediu para vê-las. Agora as viu.
Ela não conseguiu ler sua expressão. Os ônix haviam
endurecido até parecerem gelados.
Ele deu um passo em direção ao estrado, inclinando
subitamente a cabeça.
— Nossa barganha era pelas luvas. Pretende negar?
— Eu as removi.
— Eu as quero.
O peito dela se apertou por todo caminho até a garganta.
Seu lábio inferior começou a tremer, mas ela o firmou.
— Eu quero a sua camisa.
Ele acenou em direção ao sofá.
— Está ali. Pegue-a.
— Não seja tolo. O que vestirá por baixo de suas outras
roupas? Quão absurdo será sair com o peito nu, mas com
uma cravat, um colete e...
— Dê-me as luvas, Augusta.
Sua respiração parou e ela estremeceu. Cerrou os
dentes. Imaginou sua armadura: camadas de cotas de malha
e chapa de aço. Não estava funcionando. Tudo o que ela
conseguia ver eram os olhos dele, pretos e profundos.
Endurecidos e resolutos.
Apesar do medo paralisante em seu interior, sabia que
devia fazer o que ele exigia. Ela prometera. Talvez ela tivesse
feito coisas que as damas não fazem. Mas ela nunca
envergonhou o nome Widmore ao quebrar a sua palavra. Era
um pequeno fio para ancorar seu orgulho. Era tudo o que ela
tinha.
Ela lhe estendeu as luvas.
Ele as pegou e capturou seu pulso em um movimento
rápido. Levando-a à penteadeira onde uma lamparina
queimava, ele acariciou seu braço nu de cima a baixo,
gentilmente virando sua mão. Seu polegar testou os calos.
Afagou os nós ásperos. Acariciou a pele que parecia que
nunca ia suavizar.
— O que tem feito a si mesma, amor?
Ela não aguentou. Sua testa caiu contra seus bíceps
duros e musculosos. Ela sufocou um soluço antes que ele
emergisse. Fechou os olhos bem apertados.
Ele a puxou totalmente contra ele. A envolveu com força
em uma fornalha de calor e músculo duros. Sussurrou contra
seu cabelo.
— Conte-me.
Ela conseguiu conter as lágrimas, mas uma pequena
gota escapou.
— Não quero.
— Aye. — Sua voz retumbante, profunda e calma vibrou
através de seu peito até a sua bochecha. Mãos grandes
acariciaram sua nuca e costas. — Faça assim mesmo.
— Eu lavo roupas.
— Lavadeira? Você herdou do seu pai. Não é o bastante?
— Não. Nós temos... Nós somos... pobres.
Ele esperou.
Ela escutava o coração dele bater ritmicamente através
dos músculos e ossos. A batida alta lentamente sincronizou
com a dela. Acalmando. Amparando-a.
— Quando o meu pai morreu, ele havia reservado dotes
para a minha irmã e para mim. Mas meu tio herdou o resto. A
casa. As terras. O título. Ele é... indigno.
Braços fortes apertaram e se flexionaram.
— Indigno de que forma?
Como explicar sem causar pena? Ela vivenciara aquilo e,
até mesmo para ela, a história era patética. Mas ele não a
soltou, não afrouxaria seu aperto e lentamente, o calor dele a
aqueceu e sua paciência lhe deu espaço para recordar, ela lhe
diria a verdade e esperava que ele entendesse. Ele era, afinal
de contas, um homem extraordinário.
— Minha mãe morreu no ano que Phoebe fez três. Febre.
Ela era forte. Capaz. Nunca pensei que ela iria. Mas ela se foi.
Phoebe... Precisava de mim. E papai estava... A tristeza dele
era tudo o que ele podia administrar.
— Então você assumiu o comando. — Ele falou como se
não houvesse outra conclusão.
Ela assentiu contra ele, suas mãos deslizando para
descansar sobre os quadris.
— Fui obrigada. Não havia mais ninguém. Eu
administrei a casa. Confortei Phoebe. Nossa governanta era
inútil. Eu a demiti.
— Você tinha onze anos.
— Um fato que nunca esquecerei. Phoebe chorava o
tempo todo e eu a deixei sozinha com a mulher. Ela falou
rudemente comigo e ignorou minhas ordens. A demiti sem
referências.
— Hummph. Não esperava nada menos.
— De qualquer jeito, a tristeza de papai diminuiu com o
tempo. Ele viu que eu tinha feito um bom trabalho
administrando as coisas, assim me encorajou a continuar
com a casa. Mas ele assumiu suas tarefas comuns: negociar,
recolher impostos e coisas assim. Eu apreciava aquelas
tarefas, mas falando a verdade, fiquei aliviada. Era difícil para
uma garota de treze anos ser levada a sério nos assuntos da
propriedade.
Ele grunhiu. Os braços dele a apertaram novamente,
suas mãos acariciaram sua nuca e coluna. A envolvendo.
Protegendo.
Os braços dela envolveram suas costelas, as mãos
deslizaram até parar ao lado de uma fivela na parte de trás do
cós da calça dele. Por vontade própria, seu polegar acariciou a
pele acima da lã.
— Quando ele adoeceu. — Ela continuou em um
sussurro. — Eu estava com tanto medo, Sebastian. Tanto
medo. Mas eu não permiti que Phoebe percebesse.
Ela sentiu os lábios dele em seus cabelos. Seu queixo
apoiando no topo de sua cabeça.
— Antes de morrer, ele separou fundos para nós. Dotes,
ele disse. Ele desejava que encontrássemos bons maridos.
Phoebe, especialmente. — Ela sorriu recordando a conversa.
— Ele disse: “Espero que você seja Duquesa ou primeira
Ministra dentro de um ano ou dois, Gus.” — Ela riu. — Gus.
Era assim que Phoebe me chamava quando era muito
pequena, antes de dominar as sílabas múltiplas. Papai
gostava de me chamar assim também, ele... — Ela engoliu em
seco diante da súbita onda de dor. — De qualquer forma, ele
não estava tão preocupado comigo como estava por ela. Eu
tinha dezessete anos e administrava uma casa há seis anos.
Phoebe tinha nove e prestes a ser uma órfã.
— Você era uma órfã também.
— Eu era. Mas não tive tempo de lidar com tais coisas.
Meu tio tomou posse da propriedade imediatamente. Ele era
nosso guardião, pelos menos até que nos casássemos ou
alcançássemos a maioridade e, embora ele não pudesse tocar
em nossos dotes, ele criou dificuldades para nós. Nossa casa
tornou-se dele. Nós vivíamos ali por sua autorização.
Confiávamos nele para nosso sustento. Para casar-se antes
que tivéssemos idade, precisaríamos do seu consentimento.
— Ele é indigno, disse. Explique.
Suas mãos apertaram o cós dele, os nós de seus dedos se
enterraram nos músculos duros.
— A esposa dele, Georgiana, virou Lady Widmore,
obviamente. Para ela, nós éramos um fardo. Uma recordação
de que o título tinha pertencido primeiro a nossa mãe.
Aparentemente, elas não se davam bem, pois eu nunca a
tinha visto antes que ela veio morar em Binchley Manor. O
ressentimento dela ficou claro desde o começo. Assim como a
amargura.
— O que ela fazia?
— No começo? Poucas coisas, na realidade. Ela nos
mudou de quarto para um único perto dos dormitórios de
criados. Ela insistia para que esvaziássemos nossos próprios
penicos, transportássemos nossas próprias águas e
acendêssemos as nossas lareiras. — Augusta sorriu. — Nossa
governanta, a Sra. Gandy, recusou-se a permitir.
Secretamente enviava duas criadas. — Seu sorriso apagou. —
Quando Georgiana descobriu, ela demitiu a Sra. Gandy. Uma
mulher tão bondosa ser tratada daquela maneira tão
escandalosa. — Augusta suspirou. — Eu escrevi uma carta de
referência. Ela obteve uma posição com os Winchester em
poucos dias. Nós ainda nos correspondemos de tempo em
tempos.
— O que o seu tio tinha a dizer sobre tudo isso?
Augusta inalou profundamente o aroma da pele de
Sebastian: sabão, ar e homem. O cabelo em seu peito fazia
cócegas em sua bochecha. Ela se perguntou se ele sentia frio,
ela poderia soltá-lo para que pudesse se vestir. Suas mãos se
recusaram. Sua bochecha garantia que ele tinha calor
suficiente para os dois.
— Sir Phillip disse que se eu não cuidasse das minhas
acomodações em Binchley, poderia partir. É claro, ele sabia
muito bem que eu não tinha aonde ir. Sem fundos próprios.
Nenhuma maneira para ganhar a vida, exceto como
governanta, o que exigiria que deixasse Phoebe para trás.
Outros tipos de empregos para uma garota de dezessete anos
eram... menos palatáveis.
Sebastian enrijeceu contra ela, seu peito e braços se
flexionaram.
— Ele sabia e mesmo assim não fez nada.
— Sim. Em questão de caráter, meu tio e meu pai eram
muito diferentes. Acredito, no fim, papai esperava que ele
pudesse nos mostrar alguma cortesia. Mas Sir Phillip
procurava agradar apenas Georgiana e ela gostava do nosso
desconforto.
Ele resmungou. Bem, talvez fosse mais do que um
resmungo.
Ela suspirou, desconcertantemente calma devido ao
contato com a pele dele. Geralmente, recordar do tempo
depois a morte de seu pai a levava a encontrar uma distração:
polir as escadas, cuidar do jardim, costurar um vestido para
Phoebe. Mas a solidez dele era igual à do carvalho: grossa e
profundamente enraizada. Isso a envolveu. Enfraqueceu
quaisquer memórias venenosas que tinha.
— Com o tempo, nos deixar desconfortáveis não a
satisfazia mais. — Augusta sussurrou. — As crueldades
dela... pioraram. Eu rapidamente aprendi a esconder a dor,
pois isso parecia supri-la com um estranho fogo. — Ela
fechou os olhos, agarrando com mais força. — Phoebe era
muito jovem. Ela se escondia. Implorava. O que apenas fez
Georgiana... Não sei como descrever aquilo. Alegre, suponho.
Triunfante.
— Deus todo poderoso, amor.
— Eu sabia que deveria proteger Phoebe. Afastá-la de
Georgiana. Eu não podia simplesmente me casar e deixá-la
ali.
— Quanto tempo? Quanto tempo isso durou?
— Três anos e cinco meses. No começo eu esperei que
Georgiana se cansasse dos seus jogos e nos mandasse para
casa. Ela não fez. Ela apreciava aquilo e procurou manter
Phoebe lá.
— Você esperou até que tivesse vinte e um anos.
Ela assentiu.
— Sir Phillip não tinha mais o controle sobre o meu dote.
Eu tinha. Eu poderia partir e ele não poderia me obrigar a
voltar. Mas ele ainda permanecia como guardião de Phoebe.
Então eu fiz um acordo.
O peito dele subiu e caiu com um suspiro.
— Você deu a ele o dote de Phoebe.
— Sim. Em troca de Phoebe. Eu fiquei com a melhor
parte do acordo, posso garantir.
— E o seu dote? — Ele não esperou por sua resposta. —
Ah, seu chalé, ãh?
— Eu quis ser dona dele. Não queria que nenhum
homem tivesse domínio sobre nós novamente. Nem mesmo
um senhorio.
— Mas seus fundos acabaram.
— No fim, sim. Nós tínhamos uma pequena quantia dos
meus investimentos, mas tive que usar isso exclusivamente
para reabastecer o dote de Phoebe.
— Então, você começou a lavar roupa.
— Sim. E costurar. E também virei tutora de um menino
e uma menina de tempos em tempos.
— E é por isso que suas mãos...
— Semelhante ao trabalho de uma criada de copa. Não
são mãos de uma dama, isso com certeza.
— Augusta.
— Humm?
— Eu enviei um homem para Upton Downs.
— Minha vila? Por quê?
— Uma mulher estranha estava determinada a invadir o
meu clube, seria tolo não descobrir mais sobre ela, não
concorda?
— Imagino que sim.
— Agora, explique-me porque nenhum dos seus vizinhos
mencionou que você é lavadeira.
— Eles não sabem.
— Como é isso?
— Eu ensino uma lavadeira a ler. Em troca, ela serve
como intermediária, entregando as roupas e recolhendo os
fundos. Ela também me auxilia de vez em quando. Estive
doente por vários dias uma vez. Ela foi muito prestativa. O
nome dela é Ann, como a sua governanta, mas sem o E. Ann
Bishop.
— Maldição. Maldito inferno, Augusta.
— Não há necessidade de vulgaridade.
— Cabe malditamente bem. Você não deveria lavar
roupa.
— Uma dama não faz trabalho físico. Eu sei. — A
vergonha disso reduziu sua voz a um fio.
Ela o sentiu beijar o topo de sua cabeça, depois deslizou
lentamente seus braços que estavam ao redor dela. Ela se
agarrou, incapaz de soltá-lo. Mas ele segurou os seus braços e
a afastou.
Ter o contato negado com a sua pele a deixou em uma
fria desolação, como ser jogada da lareira para a nevasca. O
contraste era profundamente desagradável. Desorientada.
Ele pegou as suas mãos nas suas, acariciando-as como
fizera antes.
— Deus, mulher. Eu nunca conheci ninguém como você.
Ela engoliu em seco, os olhos fixos nas mãos deles. A
dele, escura e maciça. A dela, vermelha e pequena.
— Poderia dizer o mesmo, Sr. Reaver.
Puxando-a para mais perto da penteadeira, ele a
posicionou à sua frente.
— Vire-se e olhe. Veja o quanto é extraordinária.
Ela olhou. E viu uma mulher usando um vestido de um
rosa escuro e brilhante. A cor deveria chocar-se contra a cor
de seus cabelos. Não aconteceu. Ele brilhava à luz da
lamparina. Sua mão alisou as flores da saia. Seda bordada.
Ela nunca possuiu nada tão elegante, mesmo quando o seu
pai era vivo.
— Você vê isso — Ele perguntou com a voz rouca.
Os olhos dela se levantaram para encontrar os dele no
espelho. Ali, naquela escuridão, a intensidade quase a fez
dobrar os joelhos.
— Sebastian.
— Você é a coisa mais bonita que eu já vi. Entende? Nem
uma dama poderia competir com você. Por Deus, você vale
mil vezes mais do que elas Gus. Mil vezes mais.
Ela desejou beijá-lo. Abraçá-lo. Senti-lo contra ela.
— Eu quero tocá-lo. — Ela falou.
Suas narinas inflaram quando ele respirou
profundamente.
— Então toque.
Lenta e gentilmente, ela colocou as mãos no peito dele.
Músculos duros, pele macia e pelos lisos e macios. Ela
pressionou os dedos. Experimentou. Acariciou com suas
palmas. Afagou.
Mamilos duros e planos a fascinaram. A respiração
entrecortada a excitou. Os batimentos cardíacos a
convidavam.
Ela envolveu os braços ao redor da cintura dele e
encontrou o seu caminho de casa.
Ele segurou a cabeça dela contra ele.
— Nunca se envergonhe de suas mãos, amor. Elas são
fortes. Capazes. Como as da sua mãe, hein?
As lágrimas surgiram, não para serem paradas. Elas se
derramaram e molharam as bochechas dela e o peito dele.
— Estas mãos confortaram sua irmã. A protegeram.
Construíram uma vida a partir do nada, além do trabalho e
de uma maldita força de vontade. Mãos como as suas são
mais agradáveis para um homem como eu.
— Elas não são mãos de uma dama.
— Nesse caso, eu não quero uma dama.
Gerações do orgulho Widmore viviam em seu sangue e
ossos. E ela falhara em sustentá-los, por mais que tentasse
disfarçar a verdade dos vizinhos curiosos. Nunca antes a
opinião de um homem significou mais para ela do que a
vergonha de sua pobreza. Mas a dele importava.
Sebastian Reaver não era um cavalheiro. Ele não se
importava com a posição de alguém e nem que uma família
nobre tenha caído em ruína. Ele não tinha um nome para
herdar, nenhum legado para manter. Era um plebeu. Um
comerciante. De fato, se ela se casasse, não poderia ter um
marido melhor do que ele.
O pensamento a atingiu como um raio, atravessando seu
estômago, brilhante e quente.
Marido.
Sebastian.
Sim. Oh, sim.
Céus. Tudo dentro dela se contraiu em tornos das
palavras. Marido. Sebastian. Tão brilhante e... certo.
— Augusta. Eu deveria... levá-la para casa.
Ela balançou a cabeça. Beijou seu peito loucamente,
repetidas vezes. O pelo dele coçava seu nariz. O cheiro e o
calor a fazia querer mais.
— Ah, Deus. Amor, deve parar.
— Por quê?
Um braço forte ancorou nas suas costas e forçou seus
quadris e ventre a encostarem nos dele.
— Sente isso?
O coração dela chutou e bateu mais forte. Bons céus.
— Oh.
— Aye.
— Talvez pudéssemos...
— Não.
Com relutância, ela retirou os braços e os deslizou entre
ele e a penteadeira.
— Muito bem. — Ela suspirou, os dedos trilhando o
rígido abdômen enquanto se afastava.
A resposta dele foi grunhir e apertar uma mão na mesa
da penteadeira como se precisasse tomar ar.
Ela fungou e foi até o sofá, usando a cravat dele para
esfregar em seu rosto. Pelo menos, ela fingia fazer isso. Na
realidade, ela aspirava o cheiro dele. Como uma pateta...
apaixonada. Sua boca ficou seca. Seu coração pulou, parou e
depois voltou ao compasso.
Amor. Sebastian. Marido. Sim. Céus, sim.
Ela precisava pensar. Contemplar como ela faria para ele
entrar neste tipo de acordo. Certamente tinha um jeito. Mais
beijos, talvez.
Mais tarde, ela decidiu. Haviam muitos pensamentos
fervilhando e girando. Por enquanto, precisava de uma
distração. Ela pegou as peças de roupa dele, colocando-as
ordenadamente sobre o braço e as oferecendo ao gigante
carrancudo que ela... amava. Sim. O amor era exatamente
isso. Talvez adorado. Desejado, com certeza.
Ele puxou a camisa sem dizer uma palavra.
— Leve-me para casa então. — Ela disse tentando
parecer indiferente.
A próxima foi sua cravat, amarrada sem cuidado. Ela
estendeu a mão para ajudá-lo, mas ele a afastou e pegou o
colete.
— Prometa-me que encomendará uma carruagem mais
alta, Sebastian. Aquela que possui não é confortável para
você.
Quando ele vestiu o seu fraque, puxando-o para colocar
no lugar por seus ombros maciços, ele lhe lançou um olhar
quente.
— Não estou confortável desde o dia em que a conheci,
Augusta Widmore. Uma irritação certa, isso é o que é.
Desta vez, quando ele falou aquilo, ela não se ofendeu.
Ela corou. E sorriu, lentamente e sem fôlego. Então começou
a formular um plano.
Um plano para reivindicar Sebastian Reaver para si e lhe
dar uma vida muito confortável, de fato.
CAPÍTULO 14

“Como não obtive as respostas das minhas quatro últimas


cartas, presumo que necessite de uma intervenção maior do
que as correspondências permitem. Devo acompanhar Lorde e
Lady Rutherford a Londres, embora me doa só de pensar.
Espero que a viagem tediosa e inconveniente seja compensada
por presentes de iguais proporções. As entregas podem ser
feitas na causa da Park Lane.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta informando ao referido cavalheiro de sua
iminente (e generosa) visita.

Parada no meio do novo escritório de Sebastian, Augusta


deslizou os dedos pela vasta extensão de carvalho e sorriu.
Ele amaria. Polida, opulenta e robusta, a mesa estava
ancorada no centro da sala. Embaixo dela, um tapete azul
ciano aquecendo o piso de madeira e copiando as cortinas da
janela. Atrás dela, uma cadeira de carvalho esculpida,
acolchoada e de encosto alto com rodízios que deslizavam
facilmente até mesmo sob o peso de um gigante.
Ela imaginou Sebastian lá, seus óculos redondos
engraçados sobre o nariz, a caneta arranhando as contas. Ela
lhe traria café e discutiria os planos de expansão do Número
Cinco. Então, ela zombaria dele, o beijaria e deslizaria sobre
ele...
Ela suspirou cobrindo as bochechas.
Ele amaria aquela sala. Ela se asseguraria disso.
Como assegurar que ele lhe amasse, por outro lado,
permanecia um mistério. Ela ruminou o assunto por dois dias
e, além de uma declaração contundente ou uma chantagem
direta, um plano ainda não havia se materializado.
Seduzir um homem estava além de seus talentos. Era
terrível no flerte, era muito mais apta a assustar o potencial
marido do que atrai-lo em suas redes. Não Sebastian, é claro.
Ele era muito autoritário para ser intimidado por sua força de
vontade. Essa era uma das razões para amá-lo. Havia muitos
outros.
Sua ternura. Sua solidez. O abrigo quente de seus braços
e a voz estrondosa. A forma como ele a chamava de ‘irritante’
quando queria dizer algo totalmente diferente.
Tantos motivos e apenas uma conclusão: ela deveria
convencê-lo a se casar com ela. Mas como? O homem passava
todo o tempo trabalhando na expansão. Atendendo aos
desejos deles, ela ficara afastada. Isso lhe dera a chance de
colocar o escritório e a biblioteca em ordem, mas, apesar de
tudo, ela sentia saudade dele.
Uma batida baixa soou na porta do escritório.
— Srta. Widmore? — Anne perguntou. — Outra entrega
chegou. Esta veio da Sra. Bowman.
Augusta sorriu e desamassou sua saia xadrez desbotada.
Este deveria ser o último dia que ela usaria o velho vestido.
Ele lhe serviu bem, mas deveria ter sido rasgado e virado
trapos há muito tempo.
Ela seguiu Anne até o vestíbulo enquanto os lacaios
recebiam caixas e caixas dos entregadores e Teedle, o
mordomo de olhos gentis e cabelos brancos, organizava o lote.
— Você deve depositá-las na minha sala de vestir.
Obrigada, Teedle. — Ela orientou, encantada com a enorme
quantidade de caixas. Não recordava de tantos vestidos e
luvas.
Mas, então, ela estivera distraída. Sebastian a observara
como um grande urso faminto observando um coelho
gorducho e suculento. Quando ela lembrava dos olhos, queria
derreter. Simplesmente derreter por causa dele.
Os entregadores da Bowman partiram, mas outra
carruagem lotada de móveis chegou do Sr. Beauchamp.
Enquanto ela direcionava o lugar de duas largas poltronas e
várias mesas para a biblioteca, riscou vários itens de sua
lista. A satisfação a preencheu. Uma entrega de livros da
Lackington, Allen and Company e de uma variedade de vasos
da loja Wedgwood and Byerley’s eram os itens que faltavam.
Ela apoiou a lista sobre a mesa da entrada e começou a
ir em direção às escadas. Exatamente neste ponto, soou outra
batida. Sabendo que provavelmente era outra entrega e que
Teedle estava ocupado, ela escolheu atendê-la.
Mas quando abriu a porta, não encontrou entregadores
da Wedgwood and Byerley. Ela encontrou o mais estranho trio
que já vira.
Na frente uma mulher pequena de cabelos escuros
usando um bonnet azul-escuro com pequenas penas brancas.
A não ser por uma pequena cicatriz perto do canto de um
olho — metade do par de um impossível e adorável azul índigo
— sua pele era tão cremosa e lisa quando a mais fina
cerâmica. Augusta piscou várias vezes para ter certeza de que
ela era real. A mulher sorriu largamente e sua beleza só
aumentava. Brilhava como a luz das estrelas. Ela era quase
como a criatura mais resplandecente que se podia imaginar.
Atrás dela, um degrau abaixo e ainda assim mais alto,
estava um homem. Augusta vira tal altura e largura apenas
uma vez: Sebastian Reaver. De fato, este homem, com sua
mandíbula dura e quadrada, sobrancelhas baixas e um
permanente vinco entre as sobrancelhas se assemelhava a
Sebastian de um grau impressionante. Exceto pela coloração,
cabelos loiros escuros e olhos verdes em vez de pretos, este
homem e Sebastian poderiam ser irmãos.
Por último uma mulher de cabelos brancos perto dos
setenta anos. Ela tinha constituição pequena, um nariz
triangular e uma expressão autoritária. Usava um bonnet
roxo de veludo com uma longa pluma de pavão balançando
levemente na brisa.
— Para uma criada, querida, você é terrivelmente rude.
— A idosa fungou e olhou para o vestido de Augusta,
erguendo uma sobrancelha branca aos seus acompanhantes.
— Talvez seja muda. Enquanto uma criada muda pode provar
ser um alívio em relação a conversa incessante, nenhum
criado deveria ignorar a cortesia básica. — A mulher
repreendeu e endereçou-se a Augusta em uma voz de
trombeta. — Convide-nos a entrar, garota. Sou muito velha
para ser abraçada pelos ventos de novembro. Ou ao encanto
de criadas ineptas.
Augusta pigarreou e olhando para a idosa e para o
cavalheiro, sentindo outra onda de familiaridade. Finalmente
ela se virou para a requintada criatura de bonnet azul-escuro.
Ela parecia amigável.
— Peço-lhe perdão, mas se estão aqui para ver o Sr.
Reaver, receio que ele não esteja em casa.
— Oh, nós sabemos. — A jovem lhe garantiu. — Nós
estamos aqui para ver a Srta. Widmore.
O coração de Augusta palpitou e afundou. A ela? Por que
eles desejariam vê-la?
— Eu... Eu não tenho certeza...
— Bons céus, menina! — A idosa espetou. — Meus ossos
estão tão gelados quanto os casamentos de Prinny. Mostre-
nos uma sala com uma lareira grande e um bule maior ainda
de chá. Depois informe a Srta. Widmore que ela tem visitas.
— A pluma balançou enquanto sinalizava seus
acompanhantes. — Lorde Tannenbrook, Lady Tannenbrook e
Lady Wallingham. — Ela fulminou Augusta com seus olhos
verdes. — Não deveria ter que instruir os criados de outro
homem em suas tarefas. Os do meu filho já são mais do que
suficientes.
Embora Augusta tenha sentido o sangue drenar-se de
sua pele, uma vida inteira de treinamento e uma vida inteira
da dignidade dos Widmores a mantinham em boa posição.
— Desculpe minha grosseria, Lady Wallingham. Lorde
Tannenbrook. Lady Tannenbrook. Entrem. Os levarei à sala
de estar imediatamente.
— E traga a Srta. Widmore. — A idosa resmungou. — Já
está na hora de conhecer essa alpinista social que acha que...
— Basta, Lady Wallingham. — A profunda voz de Lorde
Tannenbrook assustou Augusta até o fundo de seu ser.
Recorde-se de nosso acordo.
Sua voz. Era a voz de Sebastian. Ou tão parecida quanto
poderia ser...
Não. Não podia ser. Tannenbrook era um lorde. E
Sebastian era um comerciante.
Talvez Sebastian fosse ilegítimo. Sim, pensou aliviada.
Deveria ser. Era a única explicação. Meio-irmão de
Tannenbrook ou algo assim. Aquela seria a explicação para a
semelhança entre eles. Ela sentiu um nó de pânico diminuir.
Ninguém relutaria se um bastardo tivesse uma solteirona em
desgraça como esposa.
Entretanto, alguma coisa fez cócegas no fundo de sua
mente. Ela franziu o cenho, perguntando-se o que era. O
título deles. Tannenbrook. Wallingham.
Lady Tannenbrook pigarreou delicadamente.
— Fui dada a entender que a Srta. Widmore estava... na
residência.
Augusta estacou. Ela estava vivendo na casa de
Sebastian sem o benefício de um casamento ou uma
acompanhante. Até agora, sua reputação estivera protegida
por sua obscuridade e pelo fato de Londres estar esvaziada de
aristocratas nesta época do ano. Acrescentava a isso que
Sebastian ordenara a sua equipe, tanto do clube, quanto da
casa, para manter discrição ou o risco de demissão imediata.
Oh, Deus. Augusta se descuidara. Tornara-se
complacente. Os três aristocratas esperavam
impacientemente que lhes fosse mostrada a sala de estar,
assim poderiam conversar com a Srta. Widmore, que estava
‘na residência’, obviamente possuindo informações e interesse
o bastante para fazer uma visita.
Eles não tinham, entretanto, suspeitado que ela era a
Srta. Widmore. Pensavam que ela era uma criada. Talvez se
ela continuasse fingindo e dissesse que a Srta. Widmore tinha
acabado de sair quando eles...
— Ah! Srta. Widmore. Aí está. — Disse Anne enquanto
descia as escadas. — Teedle está se perguntando se prefere
que as caixas da Sra. Bowman sejam desempacotadas pelas
criadas ou se prefere revisá-las em sua sala de vestir antes.
O peso da vergonha, fria e sufocadora, atingiu Augusta
até ela se perguntar se deveria enraizar-se naquele ponto
perto da escada como erva daninha sobre uma rocha. Seus
olhos se fecharam.
— Você? — Veio a doce voz de Lady Tannenbrook. —
Você é a Srta. Widmore? Oh, por que não nos disse?
— Hummph. Por que será? — Uma vez de trompete
respondeu, seguido de uma fungada. — Sra. Bowman. Uma
escolha bastante cara. Os seus talentos devem ser lendários,
minha querida.
Então veio uma voz retumbante, baixa, calma e
ameaçadora.
— Mais uma vez. Apenas faça isso de novo, Dragão, e eu
a levarei de volta para Northumberland pessoalmente.
— Não seja estúpido, menino. Homens mais poderosos
do que você têm tentado me intimidar e descobriram suas
tolices muito tarde.
— Aye. Poderosos. Mas nenhum com a minha
experiência em quebrar dragões de pedra até virarem pó. —
Ele respondeu. — Agora, mantenha sua língua civilizada ou
nós partiremos. Entendeu?
Enquanto eles discutiam, a cabeça de Augusta dava
voltas. Como salvar o orgulho de alguém de ser
completamente destruído? Resposta: não tinha como. A
pessoa ataria as feridas da melhor forma possível, depois
vestiria a sua armadura e faria o que deveria ser feito.
Ela abriu os olhos. Apertou as luvas com força. E olhou o
trio que possuía títulos.
— Desculpem-me pela omissão. Sim, sou a Srta. Augusta
Widmore. — Ela gesticulou em direção às escadas, onde Anne
congelara no meio do caminho. — A sala de estar é por aqui,
Sra. Higgins, se fizer a bondade de nos levar chá, seria
adorável.
Quinze minutos depois, Augusta se viu sentada ao lado
de Lady Tannenbrook, que parecia estranhamente feliz por
estar em sua presença, o que confundia muito Augusta.
— Hampshire! Oh, ouvi que é um lugar esplêndido.
Sereno e com boa temperatura. Você possui um chalé lá?
Augusta bebeu seu chá, olhando o infame dragão por
cima da borda.
— De fato, eu tenho.
— Widmore. — A idosa interrompeu. — Um nome muito
antigo. Uma linhagem muito distinta.
Augusta inclinou a cabeça. Olhos verdes afiados se
estreitaram.
— Você é filha de Sir Edmundo, vejo. A moça mais velha.
Seu coração agitou-se ao ouvir o nome dele, sabendo
quanta vergonha ela trouxera sobre ele. Calmamente, ela
colocou a xícara da Wedgwood no pires.
— Você conheceu meu pai?
— Uma vez. Um bom homem. Melhor que a maioria.
Augusta engoliu em seco.
— Sim.
— De melhor categoria que o seu tio, querida moça.
Erguendo seu queixo, Augusta ergueu a sua imperiosa
sobrancelha.
— Sim. Ele era.
Aqueles olhos assumiram um brilho pensativo.
— O que você acha que ele pensaria do Sr. Reaver?
Tudo dentro dela se apertou. Comprimiu a necessidade
de revidar.
— Eu não posso imaginar.
— Não? Eu posso. Suspeito que seu pai não teria
permitido que você se aproximasse alguns quilômetros do
dono de um inferno de jogos, um bruto grosseiro que lida com
um negócio que envolve sangue nos punhos. Mas então,
suspeito que você não estaria aqui se seu pai estivesse vivo.
Por três segundos ela conseguiu segurar sua raiva. Sua
vergonha era apenas dela e ela engoliria aquilo. Mas ela não
permitiria que Sebastian fosse insultado.
— Está correta, minha dama. — Ela espetou. — Meu pai
não teria aprovado o Sr. Reaver, nem aprovaria as minhas
circunstâncias atuais. Mas, como vê, ele não está aqui. O
título pertence ao meu tio, que, como você descreveu muito
bem, vamos dizer, falta certos fundamentos de virtude. — Ela
inclinou-se para frente para colocar o seu chá sobre a mesa.
— Quanto ao caráter do Sr. Reaver, está errada.
— Errada? — Seu tom sugeria que Augusta a acusara de
ser um sapo. — Uma acusação inédita. Diga-me, minha
querida. Isso deve ser divertido.
— Sebastian Reaver é o melhor homem que já conheci.
Apesar de sua origem humilde, ser comerciante e, sim, ser
um pouco grosseiro.
— Evidentemente, você o conhece bastante.
— Não existe homem melhor. Se você o conhecesse
afinal, concordaria. Talvez esteja muito acostumada a fracotes
que se curvam, sorriem afetados e espartilham seus
estômagos gordos até menearem como gansos pomposos.
— Oh, céus. — Lady Tannenbrook falou entre os dentes.
Augusta não lhe deu atenção. Ela estava fervendo e
endireitou a cabeça. Como aquele dragão de alta classe e
imperioso ousava vir a casa de Sebastian para insultá-lo?
— Talvez aprecie a bajulação e as calças justas
acolchoadas. — Prosseguiu. — Quanto a mim, minha querida
senhora, ficarei com o meu gigante grosseiro. E suspeito, um
dia, quando todos elegantes cavalheiros se revelarem pelas
criaturas flácidas, inúteis e vãs que são terá inveja de não ter
feito o mesmo.
— Oh, Srta. Widmore. — Lady Tannenbrook suspirou,
dando uma pequena fungada. — Acho que vou adorá-la.
Augusta tinha problemas em entender a jovem condessa.
Era excêntrica? Parecia sã, a não ser pelo sorriso radiante e
da declaração afetuosa após a desfeita de Augusta. Com todo
direito, a pequena beleza deveria estar ofegando de choque e
repulsa.
Na verdade, Augusta notou enquanto olhava para os
outros dois que nenhum deles parecia chocado ou com
repulsa. Lorde Tannenbrook parecia sorrir satisfeito.
— Excelente chá, minha querida. — A idosa falou
satisfeita. — Eu descobri que um bom chá requer uma mão
firme. Do contrário, alguém poderia achar muito flácido para
seu paladar. Não concorda?
Horas depois, Augusta ainda não entendia o
comportamento deles. Lady Tannenbrook lhe abraçou três
vezes antes de partir. Lorde Tannenbrook garantiu-lhe que
seu Sebastian era ‘tudo o que descreveu, Srta. Widmore’ e
depois sugeriu ‘encoraje-o a visitar Derbyshire. Acho que
ambos acharão agradável.’
Augusta piscou e franziu o cenho, mas não tinha tempo
para decifrar sua estranha mensagem antes que Lady
Wallingham. declarasse:
— Se estiver na cidade durante a temporada, querida
moça, deverá ir a um de meus almoços. — Ela bateu no
ombro de Augusta e lhe lançou um olhar de alegria
antecipada. — Lady Colchester poderá precisar de um médico
depois. — A mulher riu e partiu.
Toda visita foi desconcertante. Primeiro, ela ainda não
sabia como Sebastian era conectado com Lorde Tannenbrook.
Ela tinha suas suspeitas, claro, mas o trio não se incomodou
em oferecer detalhes e ela estava muito agitada para
pressionar por elas.
Após a explosão de Augusta e a estranha reação deles a
isso, a conversa voltou-se a discussão sobre Shankwood —
evidentemente, a sede de Tannenbrook — e as divertidas
histórias de Lady Tannenbrook sobre um par de idosas
conhecidas como irmãs Starling. Lady Wallingham dominara
o restante da hora com descrições sobre seu novo neto, que
eles chamavam de Bain, mas cujo nome verdadeiro era
Charles Rupert Elliott Bainbridge III, juntamente com o título
de cortesia de Lorde Steadwick. Oh, e a criança era
surpreendentemente esperta, já que escolhera um nome para
chamar a avó: Bam. Foi sua primeira palavra, naturalmente.
Eles eram bem próximos.
Augusta tivera debates genuínos consigo sobre se saía da
sala e deixava o trio titulado com o chá e a insanidade
causando mais danos a sua já arruinada reputação. No fim, o
treinamento de sua mão vencera.
Mas agora, enquanto estava sentada na nova cadeira do
escritório de Sebastian e deslizava a mão sobre o carvalho da
mesa, o silêncio caiu sobre ela. Apoiou a testa sobre os braços
cruzados e suspirou. Duas verdades se repetiam em sua
mente.
Ela amava Sebastian.
E quaisquer esperanças que tinha de honrar o nome de
seu pai se fora.
Suas preocupações sobre ser descoberta como a
lavadeira da vila era risíveis agora. Estava arruinada.
Verdadeira e inexoravelmente.
Ela venderia seu chalé. Não poderia voltar a Upton
Downs e encarar seus vizinhos zombando da arrogante
Augusta Widmore, que virara amante de um londrino. Uma
mulher caída.
O problema era, ela não caíra. Riu, o som triste ecoou no
círculo de seus braços e madeira. Sebastian era muito
honrado para deflorá-la, ou, pelo menos, ela imaginava. Ele
evitava a sua companhia e, presumia, a tentação.
O que trazia de volta à sua primeira verdade. Ela virou a
cabeça e apoiou a bochecha sobre a mão. O amava. Queria
ser sua esposa. O nome Widmore importaria para ele, sólido
como era? Não. Não para um homem que desdenhava de
títulos e privilégios herdados.
Ironicamente passara anos perseguindo um título, para
Phoebe. Ela planejara tudo, desde os vestidos de sua irmã, as
lições de pianoforte até a lista de festas que elas poderiam
frequentar, tudo com um único propósito. Quando
Glassington se aproximou, Augusta se alegrou. Finalmente o
futuro de Phoebe estava garantido.
Ela fora uma tola. Uma maldita tola.
Seu foco por semanas havia sido reparar o engano de
Phoebe. E agora, deveria reparar o próprio erro, pois ela
danificara o nome Widmore e deixou as coisas com
Glassington ainda mais difíceis.
Novamente ela pensou em Sebastian.
Se Augusta se casasse com ele, não precisaria mais ser
uma Widmore. Em vez disso, seria a Sra. Reaver.
Ela sorriu. Sra. Reaver. Casada com um rufião de baixa
classe cujo toque a fazia arrepiar-se e suspirar. Cujos olhares
a fazia queimar.
Sim, seu orgulho a levar a uma poderosa surra hoje. Mas
a resposta para sua grande questão permanecia a mesa: como
reivindicar Sebastian Reaver.
Agora, se apenas ela pudesse persuadi-lo a reivindicá-la
como sua também.

*~*~*

Reaver chegou tarde à sua casa, exausto por trabalhar


na expansão. Precisava de um banho. Barbear-se. Trocar de
roupas.
Ainda assim, uma tensão sutil pulsava sob sua pele,
tudo por causa de uma mulher. Ele queria vê-la novamente.
Planejara um passeio para o dia seguinte. Ele estava
inclinado a seguir o conselho de Frelling, ninguém poderia
dizer que funcionaria, mas ele tinha que tentar.
Ele tinha que persuadi-la a ser dele.
Enquanto entregava o seu chapéu ao mordomo e
solicitava um banho e uma bandeja de comida para a Grande
Annie — que agora deveria ser chamada de Sra. Higgins — ele
reviu seus planos. Ele incorporara pedaços dos vários
conselhos que recebera.
Primeiro, ele a levaria para uma cavalgada no Hyde Park
pela manhã, então se dirigiriam ao Gunter’s, onde tomariam
chá. Em seguida, a levaria ao museu para ver os mármores.
Finalmente, após voltar para casa, a deixaria trocar de roupa
e usar um daqueles vestidos que o fazia perder o raciocínio e
a levaria a uma peça.
Ao entrar no seu quarto, suspirou e alongou suas costas,
sentindo a dor de um longo dia. Ele tirou seu casaco,
jogando-o na cama. Seguiu-se seu colete e a cravat. Enquanto
a pilha crescia, ele sorria, recordando a reação de Augusta
quando ele aceitara seus termos de redenção.
Os olhos dela ficara escuros e suaves, os lábios
separados, bochechas coradas. Fora uma visão e ele fora
espontaneamente cativado.
Então, ela lhe mostrara as mãos. Vermelhas e secas.
Calosas e ásperas ao longo das palmas e pontas dos dedos.
Deus, ele quis apertar a garganta de alguém. Do tio dela. Da
cadela da esposa. Mas tudo o que pôde fazer foi abraçar
Augusta, ou Gus, como o pai a chamava. Gostara do nome.
Sólido. Forte. Ele também gostava do nome dela completo,
longo e exuberante, sugerindo o calor abafado do final de
verão.
Augusta era tudo isso e mais. Ele não conseguia mais
esperar. Amanhã, ele a cortejaria. Na próxima noite ele a
retiraria dos domínios de Glassington. Após ouvir como lutara
para criar e proteger a irmã, testemunhar a vergonha ao
confessar que lavava roupas, de todas as coisas, ele
suspeitava que o título do homem era, de fato, o preço que ela
buscava. Apenas o orgulho a levara àquele fim. Augusta tinha
orgulho em abundância.
Carregou sua pilha de roupa até a sala de vestir,
pretendendo barbear-se ante de tomar banho. Então ele ouviu
a voz de Augusta através da porta adjacente. Ela ria. Disse
alguma coisa severa.
Ele franziu a testa. Voltou a vestir sua camisa.
Aproximou-se da porta.
Agora a voz dela era suave e com afeição.
Maldito inferno sangrento!
Quem estava no quarto de Augusta? Não podia ser
Glassington. Poderia? A propriedade do homem era em
Surrey, muito longe de Londres. Levava algumas horas de
cavalgada. Menos para um homem determinado e lascivo.
Ele bateu à porta, sacudindo a madeira até as
dobradiças.
— Augusta!
Ela gritou.
— Sebastian? — Um longo silêncio. — O-O que está
fazendo em casa?
Sussurros. Farfalhar. Trocando o peso dos pés.
— Pensei que fosse ficar no clube. — Mais farfalhar. —
Você perdeu o jantar.
Mais sussurros.
Era isso. Ele não pensou. Ele girou a maçaneta e invadiu
o quarto.
Ela estava ao pé da cama em um robe branco.
E seu cabelo estava... solto. Tão malditamente bonito,
como vinho, seda e fogo combinados.
— Sebastian! Deveria ter esperado um convite. — Suas
bochechas estavam coradas, suas mãos descobertas
apertadas segurando um xale sobre o colo. E seus olhos
estavam frenéticos.
— Onde ele está? — Ele rosnou, seguindo em frente,
procurando primeiro em sua sala de vestir-se, depois no
dormitório. — Diga-me Augusta.
— Eu não sei o que quer dizer. Não há ninguém aqui,
exceto eu, é claro. Talvez esteja ouvindo os pássaros da
chaminé. Alguns podem ter ficado, apesar dos nossos
melhores esforços.
Ele foi até a cama. Ela parou em frente a ele, queixo
erguido. Ele segurou sua cintura, levantou-a e a pôs de lado,
ignorando seu grito. Agachando-se, examinou o espaço
embaixo da cama. Nada além de sombras e pó.
Novamente de pé, ele rondou de canto a canto até que
algo lhe atraiu a atenção: a longa cadeira aos pés da cama.
Aquela enrolada no fim. A que ele comprara para ela porque
ela a amara e deixara para trás. Ali, de veludo azul, havia um
travesseiro amassado e um lençol de lã descartado.
Havia apenas uma razão para aquilo, uma vez que ela
tinha uma cama perfeitamente confortável para deitar-se.
Alguém mais dormia ali.
Maldito inferno sangrento. Ele fora um tolo? Passara
suas noites no clube para se proteger da luxúria,
pressionando-se demais. Ela esteve escondendo Glassington
em seu quarto? Pelo canto dos olhos percebeu uma ondulação
atrás das cortinas.
Ele caminhou até ali, a fúria vermelha inundando as
suas veias. Mãos pequenas e calosas agarraram seu braço. Os
pés dela deslizaram quando ele não parou. Ela pulou à sua
frente, as mãos apertando seu peito enquanto ela se movia
para trás.
— Sebastian. — Ofegou. — Seja racional, agora.
Novamente, ele a levantou e a pôs de lado. Então,
afastou as cortinas.
E franziu a resta. Olhou para baixo. Muito mais para
baixo do que ele esperou.
Um grunhido infantil soou momentos antes de um
menino frágil de olhos escuros golpear seu tornozelo, chutar
suas botas e começar a esmurrar seu quadril.
— Maldito inferno, Gus. Por que está escondendo um
garoto feroz em seu quarto?
Os golpes não eram nada, já que ele era nada além de
pele, osso e lutas. Mas quando ele afundou seus pequenos
dentes ferozes nas coxas de Reaver, não teve escolha. Ele
agarrou os braços frágeis e o ergueu, suportando chute após
chute antes de sacudir o briguento como um filhote selvagem
e sentá-lo firmemente na cadeira.
— Fique. — Ele ordenou, usando o seu tamanho e sua
voz para assegurar obediência.
Augusta moveu-se entre eles, uma mão na cabeça do
menino e outra no peito de Reaver.
— Ele não me machucará. — Ela disse.
Reaver franziu a testa.
— Não pensei que faria. O garoto é tão grande quanto
um...
— Estou falando com Ash.
Ele olhou para o menino que lhe atirava lanças com os
olhos de cílios grossos.
— Ash. Este é o seu nome, menino?
— ‘Pr’ocê’, meu nome é morte, Reaver. Se machucar a
Srta. Widmore, ‘arrancu seus oios, nun duvide’.
As sobrancelhas de Reaver subiram junto com a estima
pelo garoto. Feroz e fiel. Assim como ele.
— Quem é ele, Gus?
Ela suspirou.
— Um batedor de carteiras. Eu o contratei para distrair o
Sr. Duff. Não deve se zangar com ele, Sebastian. Eu o trouxe
aqui.
Não estava zangado. Longe disso. Estava exaltado. Se
tivesse encontrado Glassington no quarto em vez dele,
Augusta nunca mais o perdoaria por espalhar o sangue do
homem.
— Por que aqui? — Ele perguntou.
A mão dela caiu, mas seu olhar continuou fixo no dele.
— Ash, gostaria de uma xícara de chá. Desça e peça à
Sra. Higgins. Uma xícara. Você deve trazê-la.
— Num saio até...
— Vá. — Falou com firmeza, acariciando o cabelo do
garoto. — Ou insistirei que se banhe diariamente e não mais
semanalmente.
O garoto fumegou por um instante, lançando adagas ao
olhar para Reaver.
— Aye. Eu buscarei o seu chá. — Ele pulou da cadeira e
disparou para a porta, ombros para trás, braços esticados ao
lado do corpo. Antes de sair, virou-se e apontou na direção de
Reaver. — É bom a Srta. Widmore ‘tá rindo quando voltá’,
Reaver. Rápido ‘cum’a lâmina’, eu sou. — Seus olhos foram
para a virilha de Reaver. — Alcance fácil, isso.
— Oh, céus. Ash! Vá.
Ele foi batendo a porta para enfatizar.
Reaver riu.
— Onde diabos o encontrou?
Ela suspirou.
— Cheapside. Perto do nosso alojamento. Eu o peguei
levando a bolsa da Sra. Renley.
— Então, você o trouxe aqui.
—Para trabalhar. Ele é um garoto bom, Sebastian.
Simplesmente precisa de um emprego legítimo.
— Aqui.
Os olhos brilharam mostrando seu temperamento.
— Sim. Aqui. O que mais poderia fazer? Não poderia
deixá-lo para ser... — Ela engoliu o restante.
O que o fez ficar curioso.
— Para ser o quê?
— Golpeado.
— Maldito inferno.
Ela flexionou seu delicado queixo.
— Sim, bem. É por isso que não deve mandá-lo embora.
Ele passou a mão pelo cabelo.
— Não tenho tal intenção. — Franzindo a testa, ele
recordou o seu comportamento estranho ao ver sua casa pela
primeira vez. — Você orquestrou tudo pelo garoto, não foi?
Sua objeção pela casa vazia. Sua insistência em contratar
uma equipe completa. Sua afirmação ridícula sobre pássaros
em minhas chaminés.
Ela piscou e ergueu uma sobrancelha.
— Não seja tolo. Sempre foi sobre você. Um homem
precisa de uma casa própria mobiliada adequadamente. —
Ela fungou. — Talvez minhas observações sobre os pássaros
tenham sido um exagero frívolo e, sim, foram para garantir
que o menino encontrasse um lugar aqui.
Ele bufou.
— Frívolo. Nunca houve nenhum maldito pássaro.
— Quis lhe dar algo por todos os problemas que lhe
causei. Um lugar confortável. Um santuário. Quando eu for
embora, quero que sinta que a sua vida melhorou por ter me
ajudado.
Seus ossos apertaram seu coração. Ele não sabia o que
dizer. Acreditava nela, claro. Era inteiramente da natureza de
Augusta procurar balancear as coisas. Mas o matava ouvi-la
dizer ‘quando eu for embora’. Ela não poderia ir. Ele não a
assistiria partir.
Particularmente para casar-se com Glassington. Ou
qualquer outro homem.
Ela levou as mãos aos quadris.
— Eu não mereço sua rabugice, Sebastian Reaver. Se eu
não tivesse invadido o seu escritório, você estaria entediado e
sem sentido de vida. Admita.
Ele se aproximou.
— Oh, eu admito.
— Sim, bem. É a verdade.
— Aye.
— E... E sua casa ficou muito mais confortável do que
era antes.
— Menos vazia, hein? Você fez um ótimo trabalho,
Augusta Widmore. — Ele brincou com as mechas caídas
sobre os ombros, gentilmente enrolando-as entre seus dedos.
Os olhos dela se suavizaram e escureceram, a garganta
ondulou ao engolir um nó.
—Obrigada.
O beijo aconteceu tão rápido que ele não tinha certeza
sobre quem se moveu antes. Um momento suas bocas
estavam separadas. No seguinte, estavam fundidas.
Envolvidas com uma fome desesperada. A língua dele testava
a dela. Os braços a puxaram contra ele. As mãos apertaram
um seio com mamilos duros, sua palma movimentando-se até
ela gemer.
Então, ele sentiu o desejo dela. Pequenas mãos
alcançaram e puxaram seus cabelos. Uma longa coxa se
levantou ao longo da dele. Lábios suaves devoravam os dele.
Ela tocou seu queixo. Ele levou os lábios à garganta dela. Os
dedos seguraram os mamilos através do tecido suave e fino
como papel.
Ele apertou. Ela lamuriou. Ofegou. Forçou-se contra a
coxa dele.
Maldito inferno, ele se aliviaria apenas com o som.
O barulho de uma xícara ecoou no corredor. Em seguida
um som alto e um assobio que enfatizava os passos.
— ‘Siôr, este chá tá mi queimano.’ — O menino
exclamou. Alguns segundos passaram antes da maçaneta
girar e a porta abrir.
Naquele momento, Reaver soltou Augusta, tocou seu
rosto e acariciou seus lábios inchados com o polegar antes de
rumar a sua sala de vestir. Atrás ele, ouviu Ash colocar a
xícara na mesa com um ruído estridente.
— Ash. — Augusta falou, sua voz sem fôlego. — Por
acaso você viu... ?
— Num vi nada.
O garoto garantiu e pareceu satisfazê-la. Até ele elaborar
melhor.
— ‘Ocê continuar beijano Reaver assim, num intanto,
mió fazê ele casá cum ôce, isso é tudo qui falu’.
Reaver riu enquanto fechava a porta adjacente.
Aye. Estava começando a gostar do garoto cada vez mais.
CAPÍTULO 15

“Ao cortejar, o apetite deve ser mensurado e contido para não


parecer um glutão. Coincidentemente, tal restrição
frequentemente serve para estimular os apetites de um homem
para o matrimônio.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta contendo observações sobre os benefícios da
moderação.

A incursão de Phoebe à cozinha do Monsieur Leclerc à


meia-noite foi descoberta assim que ela enfiava um pão de
manteiga com mel e pimenta na boca. Ela fechou os olhos de
satisfação enquanto a combinação de doce e ardido explodia
seu paladar.
— Diabos, Phoebe.
Os olhos dela se abriram. A luz da lamparina piscou e
balançou.
— O que está comendo?
Ela se esforçou para mastigar o pedaço grande que
mordera e o engolir respondendo a Adam com um sorriso
tímido.
— Um pão?
Ele avançou e colocou a lamparina na mesa. Gentilmente
ele esticou a mão e limpou uma gota de mel de seu queixo.
Então, ele fez uma coisa estranha: lambeu o mel de seu dedo.
A visão inundou seu corpo de calor. Um calor não
autorizado, indesejado e altamente inoportuno.
— Humm. Mel e... Pimenta?
Ela engoliu.
— Gosto da sobreposição.
Ele olhou ao redor da sala escura.
— E está é a sua quarta xícara de chocolate.
— Também gosto de chocolate.
Ele suspirou. Riu. Lançou-lhe um olhar inebriante
através daqueles olhos dourados.
— Sim, você gosta.
— O Dr. Young insiste que eu devo satisfazer todos os
meus desejos.
— Ele insiste, de verdade?
Adam se aproximara? Ela achava que sim. Podia sentir
seu cheiro árido, uma cominação de goma e mais alguma
coisa. Seco e limpo, talvez limão. Seu nariz estava
particularmente sensível ultimamente. Alguns aromas faziam
seu estômago se revirar. Outros lhe davam água na boca.
Certamente, apenas ver Adam Shaw fazia sua boca se
encher d’água. Ela o desejava mais do que mel, pimenta e
manteiga. Mais do que chocolate quente e fumegante. Mais do
que qualquer coisa.
E ela nunca poderia tê-lo. Porque deveria se casar com
Glassington, que tinha que ser chantageado para aceitá-la
como esposa. A tristeza a matava.
Ela desviou do olhar sedutor e dourado de Adam e
começou a arrumar a bagunça.
— O que o traz a cozinha a essa hora? — Ela perguntou
simplesmente para dizer algo.
— Informação de ingredientes roubados. Monsieur
Leclerc me pediu para cuidar do assunto.
— Roubados?
— Quantidade de mel faltando. Pão. Pimenta. — Ela o
sentiu se aproximar de suas costas. Apoiar as mãos na mesa
ao seu lado, envolvendo-a em gome e limão. Ou talvez sálvia.
— Principalmente chocolate.
Seu fôlego atingiu sua bochecha. Ela fechou os olhos,
desejando afundar-se em seus braços.
— Gosto muito dessas coisas.
— Humm. — O ar acariciou sua orelha. — Já considerou
pedir um pote antes que a equipe vá dormir?
— Um pote inteiro? Isso seria desperdício.
— Não quero vê-la andando pelo clube à noite, Phoebe.
Nem todos os homens são cavalheiros.
Ela umedeceu os lábios.
— Fui cuidadosa.
— Não foi cuidadosa o bastante. Eu a vi no corredor do
segundo andar.
— Apenas porque estava espreitando.
Os lábios dele acariciaram sua orelha, atingindo-a com
sua respiração quente e úmida.
— Sim. Não consigo me conter.
Ela sentia o mesmo. Tudo isso era errado.
E ao mesmo tempo certo.
— Phoebe. — Ele sussurrou, suas mãos movendo-se
para sua cintura.
Era demais. Muita tentação e tortura, estar com ele
assim. Ela se afastou. Deu a volta na mesa e respirou até
ficar mais rápido suportar.
Depois de um longo silêncio, ele falou, sua voz gelada.
— Diga-me, se eu fosse Lorde Glassington e pusesse as
minhas mãos em você, teria se afastado?
Seus olhos voaram para ele, a sala estava distorcida por
causa da luz do fogo que piscava e desaparecia. Ela apoiou
uma mão na mesa e a outra sobre seu ventre. Ela se
perguntava se estava prestes a vomitar. A bile subia.
— O-O que Glassington tem a ver com tudo isso? — Sua
voz um fio desgastado.
— Diga-me você. Tudo o que sei é que vê-lo com outra
mulher a deixou da mesma cor que está agora. Mais branca
que leite.
Ela não era capaz de responder. Em vez disso, ela
apertou as dobras de sua roupa sobre seu ventre.
— Por que isso, Phoebe? O que ele é para você?
Por dentro, algo a devorava. Corroendo a última parte da
moça que sempre fora. Boa. Obediente. Generosa.
O tipo de moça que se enganou com a frivolidade de
Glassington, com suas declarações charmosas e ferventes de
votos solenes. Uma moça que queria agradar a única pessoa
que a amava sem duvidar, sem compromissos. A pessoa que
sacrificou tudo para que Phoebe pudesse encontrar facilidade
e conforto: Augusta.
Phoebe se enganara por um tempo, claro. Ficara
lisonjeada pelas atenções de Glassington, como qualquer
outra jovem mulher ficaria, encantada pelo nome, pelo título e
pela beleza. Mas a verdade é que nunca o quis. Não de
verdade. E certamente nunca o amara. Amor era o que
Augusta fizera: deixar que a tempestade a despedaçasse para
que Phoebe pudesse estar segura. Para que Phoebe pudesse
estar quente. Para que Phoebe pudesse se casar e encontrar a
felicidade, ter filhos e viver uma vida tranquila.
Amar alguém significava ficar em pé na chuva ferroante e
no vento forte, sabendo o quanto aquilo doía e ficar de
qualquer jeito. Porque alguém precisava mais de um abrigo.
Não, ela nunca sentira aquilo por Glassington. Ela o
deixara tocá-la. Beijá-la. Permitira que ele entrasse dentro
dela, mesmo que doesse. Ainda assim ela não o queria afinal.
Ela fizera aquilo porque ele lhe prometera casamento e aquilo
era o que Augusta sonhara para ela.
Ela nunca o amou.
Mas ela amava seu filho.
E, enquanto estava parada na cozinha do Monsieur
Leclerc encarando o homem que cuidava dela, preocupava-se
com ela, a protegia e que criara um abrigo para ela no meio
de uma tempestade terrível. Ela amava Adam também. Seu
lindo companheiro indiano, como ele se autodenominava. O
amava. Mas não poderia ficar com ele.
— Lorde Glassington não significa nada para mim. —
Disse agora, grata por estar apoiada na mesa. — Mas ele é
importante para Augusta.
Um sorriso cínico curvou os lábios de Adam.
— Ele é um homem importante. Um homem com título.
— Título. — Ela sussurrou. — Sim.
Seu olhar recaiu onde as mãos dele estavam apoiadas na
mesa, tão escuras quanto a madeira. Os cantos da boca dele
recuaram. Apertaram-se.
— Poderia cuidar de você, sabe.
Tanta coisa naquelas poucas palavras. Tudo. Uma vida
juntos, com todas as dificuldades e beleza sem fim. Bebês de
pele escura, travessos olhos dourados e rodadas de vinte e
um tarde da noite. Ela conseguia enxergar a vida deles.
E isso a partia pela metade, uma parte via seus próprios
sonhos, a outra, os de Augusta. Para seu filho.
Ela não conseguia responder. Por favor, Deus. Pensou.
Não sou capaz de responder. Porque ela sabia qual resposta
seria e ela não suportaria dizer.
— Diga alguma coisa.
Ela não conseguiria. Não conseguiria. Não podia.
Mas deveria. Ele merecia algo melhor do que o silêncio.
— Você já tem cuidado de mim com muita generosidade,
Sr. Shaw. Sou completamente grata.
Quando o homem orgulhoso diante dela congelou, seu
coração se partiu e sangrou até gemer de angustia. Implorar
seu perdão.
Em vez disso, ela se forçou a observar o homem a quem
amava sorrir, um sorriso amargo e pequeno e fazer uma
reverência curta e zombeteira.
— Um prazer servi-la, senhorita.
Por um longo tempo depois da partida dele, ela não
conseguiu se mover. Então começou a tremer. E escorregar.
Até sentar-se na pedra, encolhida e soluçando, perguntando-
se se restaria algo dela depois que a tempestade a derrubara e
a deixara em pedaços.

*~*~*

— Aí está você, Sr. Reaver. — Rude Markham colocou


duas canecas na mesa, uma à frente de Reaver e uma à frente
de Augusta. A cerveja derramou pela borda. — Ah, não se
preocupe, senhorita. Aqui. Deixe-me cuidar disso para você.
— Ele retirou um pano da cintura de seu avental e esfregou
ao redor da base da caneca. — Vê? Bonita como deve ser.
Eles estavam sentados na taverna do homem grande e
careca, a Black Bull, bebendo cerveja porque malditamente
nada naquela manhã saíra como planejado. Reaver encarou o
homem conhecido como Rude Mayhem — nome real, Rudolph
Markham — e sinalizou seu desejo de privacidade com um
brusco aceno em direção ao bar.
Rude piscou e sorriu. Depois gargalhou.
— Deveria tê-lo visto naqueles dias, senhorita. Punhos
como bate-estacas com pedras amarradas neles. Como
quebrar o crânio de um homem com um...
— A srta. Widmore não tem interesse nas histórias sobre
os meus dias de lutador, Rude.
As sobrancelhas de Augusta arquearam.
— Oh, mas eu tenho. Por favor, prossiga, Sr. Markham.
Ou deveria chamá-lo de Sr. Mayhem? — Ela descansou o
queixo sobre as costas de sua mão e lhe deu uma piscada
demorada. Ou a mulher estava bêbada em sua primeira
caneca ou estava flertando com um dos homens mais feios de
Londres. Ele esperava, pelos céus, que fosse a primeira opção.
Rude puxou uma cadeira ao lado dela e sentou-se.
Reaver cruzou os braços e olhou duro, esperando penetrar
naquela cabeça densa e careca. Por Deus, o homem sempre
fora obtuso. Resistente, mas obtuso.
— Ele quebrou o meu nariz uma vez. Ou foram duas?
Hein, Reaver? Talvez tenham sido três vezes. Não importa. Caí
não mais do que dois minutos, penso. Você acha que pelo seu
tamanho ele seja lento. Nah, não Reaver. Rápido como um
furão, esse aí. Dissimulado também. Faz você pensar que vai
para um lado e então se afasta para o outro. — Rude tentou
demonstrar, seus punhos gigantes e redondos batendo antes
de acenar com desdém e rir, sacudindo sua barriga. — Nunca
vi ninguém lutar como Reaver. Pensava como um demônio,
eh? Demônio esperto. Agora, eu, por outro lado, não era
esperto. Eu era grande. — Outra risada sacudindo a barriga
antes de bater em sua própria orelha em forma de couve-flor.
— Poderia levar uma cacetada de direita. Mas gastei meus
golpes naqueles lutadores ferozes, não foi assim, Reaver?
— Aye. Poderia levar uma surra, Rude.
O homem suspirou, parecendo um pouco melancólico.
Então deu de ombros, sorriu, levantou-se e empurrou a
cadeira e voltou para a mesa adjacente.
— Aqueles dias acabaram. Sou um proprietário agora.
Falando nisso, é melhor eu verificar o velho Jones ali. — Ele
apontou para um homem encurvado discutindo política com
uma cadeira. — Às vezes a cadeira vence a discussão. — Ele
sussurrou, estalando a língua com pena. — Uma visão triste,
de verdade.
Enquanto Rude bancava o intermediário, Reaver deu um
gole em sua cerveja. Foi quando notou Augusta, queixo
apoiado na mão, encarando-o com uma expressão estranha.
Ele franziu a testa.
— O quê?
Ela sorriu.
— Você foi um lutador.
— Aye.
— Eu sabia disso, suponho, em teoria. Eu também sabia
que foi um proprietário de taverna. Em teoria. — Ela olhou ao
redor do Black Bull, inexplicavelmente fascinada. — Por
quanto tempo possuiu esse lugar?
— Quatro anos. — Ele ergueu sua caneca. — A cerveja
era melhor então.
Ela segurou a sua própria caneca com as duas mãos e
bebeu, rápido demais.
— Calma, amor. — Ele murmurou, pressionando um
dedo na borda.
Um queixo orgulhoso elevou-se.
— Acho que a cerveja é muito boa.
— Aye. É porque nunca tomou uma boa cerveja. Esta,
está azeda na entrada e tem um residual amargo. Não é a pior
que já tomei, mas também não é a melhor.
— É forte.
— Humm.
— Eu gosto forte.
Está última parte foi um ronronado. Agora, os olhos dela
avaliavam suas mãos e braços. Preguiçosamente vagando por
seus ombros. Parando sobre sua boca.
— Está flertando, Srta. Widmore?
Uma piscava lenta. Uma erguida de uma sobrancelha
castanho avermelhada. Um sorriso afetado.
— Talvez.
Bom Deus. Ele presumia que seu passeio
cuidadosamente planejado era uma pilha fumegante de
destroços após o começo infeliz que tiveram. Entretanto
poderia sair melhor do que imaginara.
O dia começou com um café da manhã, onde ele
informou a Augusta que eles iam cavalgar no Hyde Park.
Ela franziu o cenho, mordiscou sua torrada com
marmelada e engoliu.
— Devemos?
Levou um momento para ele responder.
— Você não quer ir?
— Na verdade, não sou muito de cavalgar. Não monto
um cavalo há anos. Fui jogada de quatro... Não. — Ele
levantou os olhos para o teto, seus lábios se movendo como se
contasse passos de dança. — Sete vezes. Eu sempre fui muito
impaciente e não sou bem-vista pelas montarias.
— Nós iremos.
— Não tenho o hábito de montar.
Ele soltou um suspiro de frustração enquanto ela dava
outra mordida em sua torrada.
— Muito bem. Nós pegaremos a carruagem.
— Para o parque?
— Para a Berkeley Square. Gunter’s. Eles têm chá.
Ela olhou de soslaio para o bule de chá na mesa.
— Maldito inferno, Gus.
— Bem, apenas não vejo motivo para percorremos todo o
caminho até a Berkeley Square...
— Você é uma irritação frustrante.
— ... quando temos um adorável chá aqui. Além do mais,
você não gosta de chá. Se teremos o trabalho de nos
dirigirmos a algum lugar em sua carruagem inadequada, pelo
menos deveríamos ter coisas que deseja.
Ela estava apenas lhe oferecendo o que ele desejava, mas
ele não poderia dizer isso. O dia era para cortejar. Cortejar
requeria paciência.
— Tais como? — Ele resmungou.
— Bem, o que prefere beber?
— Cerveja.
Os olhos dela brilharam sobre a borda de sua xícara de
chá. Ela se iluminara com um enorme sorriso.
— Cerveja. — Ela falou entre os dentes, como se o que
ele dissera fosse algo brilhante. — Que perfeito. Leve-me a
uma casa pública. Oh! Melhor ainda. Leve-me aonde você
começou a sua vida de proprietário. À sua taverna.
Ele recusara o pedido dez vezes. Na décima primeira, ela
acariciara sua mão e dissera:
— Isso me agradaria tanto, Sebastian.
Agora, ali estavam sentados, na Black Bull, na segunda
rodada de canecas. E Augusta Widmore estava flertando. Ou,
talvez não.
Os olhos dela estavam fechados. Adormecera.
Maldito inferno sangrento.
Ele jogou algumas moedas na mesa e a segurou em seus
braços, tomando cuidado com seu vestido, para preservar a
sua modéstia. Os braços dela envolveram seu pescoço e a
cabeça caiu sobre seu ombro, entortando seu novo bonnet
verde. Ela suspirou e se aconchegou.
Deus, a sensação era boa.
Ele a carregou para fora até a carruagem, coordenando
para que apenas as suas costelas fossem esmagadas pela
abertura da porta.
— Bastian. — Ela sussurrou. Olhos cinzas pestanejaram
e abriram-se quando ele a deitou no assento.
Ele tentou recuar para tentar entrar na carruagem de
maneira apropriada, mas ela agarrou seu pescoço.
Então ela o beijou. Diretamente na boca.
Deselegantemente, mas com propósito.
— Gus. — Ele murmurou. — Deve permitir que eu saia,
agora.
— Não.
— Minha metade de baixo gostaria de entrar também.
Ela gemeu e o agarrou com mais força.
— Oh, isso soa divino, Bastian. Vamos deixar isso para
depois.
Ele grunhiu, perguntando-se se blasfemar com
frequência rendia a um homem tal tormento divino. Se ela
não estivesse meio bêbada, possivelmente já teria as saias
dela erguidas naquele exato momento.
Mas ela estava. Então, ele gentilmente se desembraçou
de seus braços, saiu pela porta da carruagem, então voltou a
entrar da maneira usual.
Uma hora depois, após outra xícara de chá em casa, a
cabeça dela já estava mais clara e insistiu em continuar com
o dia de passeios juntos.
— Obviamente tem planos. — Ela abaixou a xícara sobre
o pires, não demonstrando nenhum sinal de dor de cabeça ou
cansaço de sua entrega à bebida. — Qual era o próximo lugar
da lista?
Ele estreitou o olhar sobre ela. Aparentava estar bem o
bastante, sua pele um pouco corada, mas ainda assim...
bonita. A cada dia ela parecia mais bonita para ele. Seu
vestido verde era suave e lhe servia perfeitamente bem. Os
olhos verdes brilhavam animados enquanto compartilhavam o
chá.
— O British Museum. — Ele respondeu. — Ver os
mármores de Elgin.
— Você já os viu?
— Não.
Ela se iluminou ainda mais.
— Esplêndido. Nós exploraremos juntos.
Explorar, eles exploraram. Ao entrar na sala silenciosa
de paredes verdes onde as estátuas estavam à mostra, Reaver
sentiu seu estômago se apertar em um nó. Augusta ofegou,
seus olhos ficaram arregalados de espanto.
Aye. Elas eram incríveis — incrivelmente nuas. Inferno
maldito, as estátuas gigantescas cavalgavam, reclinavam-se,
lutavam. E todas elas nuas. Algumas faltavam cabeças,
braços ou pernas. Mas as partes masculinas eram óbvias o
bastante, se alguém pudessem chamá-las assim.
Proporcionais é que não eram.
Augusta vagava de estátua em estátua. Uma, a cabeça de
um cavalo, não lhe despertou o mínimo interesse. Nãaaao.
Augusta desejava examinar os nus masculinos em detalhes
exatos, perto o suficiente para pôr as mãos neles.
Após excruciantes quinze minutos, ele não tinha mais
estômago.
— Nós estamos saindo. — Ele resmungou.
— Oh, mas acabamos de chegar.
—Agora.
Ela olhou para ele, seus olhos se demoraram um
momento nas partes delicadas de um homem sem cabeça.
— Você não gosta delas?
— Elas estão peladas.
— Bem, sim.
— É hora de irmos.
— Eu não o teria considerado um puritano, Sr. Reaver.
Ele se aproximou perto do ouvido dela,
confidencialmente, aspirando o aroma dele até seus pulmões.
Ultimamente era mais doce, com um toque de lavanda.
— Se você for olhar para um homem nu, amor, prefiro
que seja eu.
Ela corou. Piscou. Falou o nome dele entre os dentes —
‘Bastian’ — tão lindamente que ele quis beijá-la. Bem ali na
frente dos mármores proporcionalmente pequenos...
— Bem, então. — Ela falou, pigarreando delicadamente.
— Qual o nosso próximo destino?
Para isso, ele teve que pensar rápido. Ele não tinha o
‘próximo’ em sua lista, exceto a peça, que era mais tarde, à
noite. Mas ele tinha que exterminar a visão daqueles
mármores pequeno, assim ele devia pensar em algo.
Ele se recordou que ela mencionou Roma e Florença,
alguma coisa sobre visitá-las algum dia. Ela tinha gostado
dos itens de arte italiana. Então, ele lembrou do barão que
perdera uma fortuna no Reaver’s no verão passado enquanto
esperava a chegada das pinturas vindas de Roma e Paris.
— Portman Square. — Reaver respondeu, esperando que
o homem ainda estivesse na cidade.
Como descobriram pouco tempo depois, o barão magro e
bem-vestido estava em casa, embora tenha empalecido
consideravelmente quando viu Reaver à sua porta.
— S-Sr. Reaver! O Sr. Shaw me indicou que eu tinha
outro mês...
— Pode considerar sua dívida abatida em quarenta por
cento se permitir que minha acompanhante veja a sua
coleção.
— Quarenta... isto é... sim! Quero dizer, sim, é claro!
Bem-vindos! — O barão e o seu mordomo mostraram a casa
por dentro, ela era inexpressiva por fora, mas positivamente
opulenta no interior.
Então o homem mostrou-lhes a biblioteca, ondes os
trabalhos de Caravaggio e Rembrandt quase respiravam nas
paredes. Mesmo Reaver os achou atraentes e ele nunca fora
dos que gostam de pinturas. Enquanto exploravam a galeria
que se estendia por toda a largura da casa, Augusta devorou
cada uma com seus olhos.
Reaver fazia o mesmo com ela. Ela estava inebriada como
uma criança, seu deleite a fez bater leves palmas de excitação
várias vezes.
— Oh, Bastian. — Ela falou. Pausando diante de um
quadro particularmente requintado de uma jovem. — Como
ele deve ter a amado.
Ele se aproximou, estreitando os olhos. Esqueceu os
seus óculos.
— Como sabe?
Com um dedo enluvado, ela traçou a bochecha da
mulher.
— Aqui. Vê? Você apenas ver a sombra por onde as
lágrimas caíram. E aqui. — Ela alisou o corpete da mulher. —
O detalhe de seu... bem. Vamos dizer que reflete um estudo
dedicado por parte do pintor.
Atrás deles, o barão pigarreou.
— Sr. Reaver? Tenho uma proposta que talvez agrade a
você e à sua acompanhante.
Reaver virou-se franzindo a testa e viu o homem
segurando uma pintura pequena e oval.
— O que é isso?
— Este trabalho é do mesmo artista que pintou o retrato
que vocês estavam admirando. Posso oferecê-lo se achar que
vale mais, digamos, dez por cento.
Ele estava prestes a recusar quando Augusta se
adiantou, pegando a pintura em suas mãos e acariciando a
moldura amavelmente.
— É esplêndida, meu lorde.
— É fruta. — Reaver respondeu.
— Peras. E uma maçã. Natureza morta. Que adorável.
Enquanto eles voltavam para casa na carruagem,
Augusta não conseguia tirar os olhos da pintura de fruta,
acariciando a moldura repetidas vezes. Ele franziu o cenho,
recordando o alto custo: cinquenta por cento de uma fortuna
ainda era uma maldita fortuna. Mas no fim, talvez não tenha
sido um acordo ruim. Ela parecia bastante feliz.
Seus planos novamente se deterioraram após chegarem
em casa. Augusta subira as escadas para se trocar e colocar
um vestido de noite. Ele lhe explicara que eles iam ao teatro.
Então, após vestir a cravat e um casaco preto, ele puxou as
entradas de dentro do pequeno envelope de papel no qual
foram entregues.
— Sete de Dezembro? — Falou em voz alta, como se os
pequenos cartões pudessem falar e informá-los que ele
comprara as entradas para a maldita noite errada. —
Maldições dos infernos.
Ele jogou os inúteis pedaços em sua escrivaninha
enquanto saía de seu quarto e descia as escadas para
encontrar a Grande Annie.
— Sra. Higgins!
Ela colocou a cabeça para fora de uma sala.
— Sim, Sr. Reaver.
— Traga-me o The Times.
Ela desapareceu por vários segundos antes de emergir
com o jornal em mãos.
Ele colocou seus óculos e vasculhou as páginas em
busca de um anúncio. Ele sabia que havia visto mais cedo
naquela manhã, antes de Augusta calmamente recusar
cavalgar e então, tranquilamente mudara seus planos para o
chá.
Ali! Ali estava. O Haymarket Theatre Royal. Uma ópera
italiana. Olhou para o relógio. Começaria em menos de uma
hora. Era o dia certo, por Deus.
— Sra. Higgins, diga a Srta. Widmore que devemos partir
em meia hora.
— Ahn... Meia hora, sir? Ela acabou de sair do banho.
Ah, Deus, Por que a sua governanta colocara aquela
imagem em sua mente? O dia inteiro já fora um teste infernal
para sua paciência e força de vontade.
Ela levou pouco menos de uma hora. Quando apareceu,
estava... De tirar o fôlego. Usando o vestido prateado com as
pequenas e brilhantes coisas na saia. Lantejoulas, se
lembrou. E os seios estavam tão redondos e cremosos sobre o
decote.
Ele franziu o cenho.
— Você deveria levar um xale. Ou a peliça.
— Não posso usar uma peliça com este vestido, tolinho.
A Sra. Higgins lhe entregou uma capa de pele.
— Melhor. — Ele resmungou.
Chegaram ao teatro vinte minutos após a cena de
abertura. Ele recorreu a outra dívida para conseguir um
camarote para a noite. Mas quando Augusta sentou-se ao seu
lado e inclinou-se para frente para ver os cantores berrando
palavras estrangeiras no palco abaixo, percebeu que faria
tudo de novo. Todos os dias se pudesse. Ele a levaria a
qualquer lugar, dar-lhe-ia tudo, só para vê-la feliz.
— Oh, Bastian. — Ela falou apertando os pequenos
binóculos da ópera que ele comprara. — Já viu algo tão
esplêndida?
Ele deslizou o olhar sobre sua pele suave e branca e
sobre os cabelos castanho avermelhados. Deixou-os percorrer
as curvas dos seios, as lantejoulas da saia e seus lábios
abertos. Então, falou a verdade em um sussurro.
— Não, amor. Nada na Terra pode ser comparado.
CAPÍTULO 16

“Outra pessoa teria se adiantando a pedir instruções a Sir.


Barnabus Malby sobre como cortejar, em vez de dar tanta
atenção a um marmoreio ou a um secretário. Quando toma
conselhos de pessoas inexperientes, meu querido menino, deve
esperar por resultados indesejáveis”.

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta de advertência por ter ido procurar orientação
em outro lugar quando tinha uma fonte vastamente superior
às mãos.

Se ontem fora perfeitamente alegre, hoje estava


destinado a ser o oposto. Augusta olhou para a cama, onde
seu vestido rosa de baile estava, perguntando-se como se
livrar do que provavelmente seria uma noite de miséria.
Ela suspirou recordando os passeios do dia anterior.
Sebastian a surpreendera várias vezes, começando com sua
presença no desjejum. Ele estava tão bonito em seu casaco
cinza escuro e cravat branca que ela ficara sem fala por
longos minutos. Então, em sua voz retumbante, sugerira
cavalgar até o parque. De todos os passeios que ele poderia
propor, estaria na centésima posição de uma lista de cento e
duas atividades aprovadas por Augusta. Ela odiava cavalgar,
possivelmente porque ela nunca fora boa nisso.
Então ele sugeriu um passeio até o Gunter’s, o que
pareceu muito estranho para ela, possivelmente seu
secretário lhe aconselhara sobre o itinerário. Augusta achou
que nenhuma das duas primeiras propostas de Sebastian era
particularmente adequada a ela.
Mas então... Oh, sim. Ele mencionara cerveja. Ela se
recordou que ele fora dono de uma taverna antes de possuir o
clube. E o seu dia perfeito começara.
Fora glorioso. Primeiro, ver outro negócio iniciado por
Sebastian a emocionou. Ele era um homem de extraordinária
vontade, determinação e inteligência e tanto o Black Bull
como o Reaver’s provavam isso. Então, quando o Sr.
Markham descrevera o sucesso de Sebastian como pugilista,
seu coração se derretera ainda mais. Ele a acusara uma vez
de não fazer nada pela metade. Naquilo, eles eram bem
parecidos.
Tudo o que fazia, ele fazia com toda a sua capacidade.
Ele não era fanfarrão, nem um pavão convencido que ficava
alardeando sua riqueza e façanhas. Ele era um homem
grosseiro. Ele ela o queria para si.
Enquanto o dia perfeito deles ia acabando, ele fisgava
cada vez mais fundo até ela querer lhe implorar que se
casasse com ela. Sua voz retumbante e rouca lhe dizendo que
a única forma nua que ele queria que ela visse fosse a dele. A
intensidade calculada enquanto a observava enquanto eles
apreciavam as requintadas obras de antigos mestres. O nó
grande de seu dedo secando uma lágrima de sua bochecha no
final de Don Giovanni. O peso do braço forte ao redor de seus
ombros enquanto ela dormia na volta para casa.
Cada elemento fora perfeito. Mágico. Ela flutuou alto e
voou mais alto ainda.
Hoje, fora forçada a volta à Terra.
Suspirou, abraçando-se antes de entrar em sua sala de
vestir e sentar-se na penteadeira. Sua pele estava pálida. Ela
começou a recolher os cabelos, amarrando tantas mechas
rebeldes pudesse.
Eles discutiram. Terrivelmente. As lembranças estavam
assentadas como pedras frias em seu ventre, afiadas e
doloridas.
Sebastian chegara em casa do clube por volta das três, a
fisionomia sombria e centrada.
— Iremos a um jantar esta noite. — Ele lhe informou. —
Use o vestido rosa.
Uma inquietação trilhou a sua coluna.
— Jantar? Onde? Com quem?
— Conhecidos. Lorde e Lady Tannenbrook.
Ela recusou.
Ele franziu a testa aproximando-se com sua postura
imponente.
— Eu aceitei o convite de Lady Tannenbrook. Ela estará
esperando...
— Não posso ir.
— Por quê?
— Eles sabem sobre mim, Sebastian. Eles vieram aqui,
anteontem, junto com Lady Wallingham. Não conheço a
natureza da relação de vocês, mas eu receio...
Ele soltou uma blasfêmia, andando de um lado para o
outro, olhos queimando.
— O que eles disseram?
— Que vieram aqui para me ver. Lady Wallingham foi
bastante grosseira a princípio embora tenha melhorado
depois.
Ele parecia furioso, soltando bufos de frustração antes
de correr uma mão entre os cabelos.
— Não há como evitar isso, Augusta. Temos que ir. É
importante.
— Não vejo porquê. Eles já me conheceram. Parecem
saber bastante coisa sobre a minha família e as
circunstâncias...
— Inferno maldito.
—... e acredito que o meu comportamento tenha os
persuadido ainda mais da minha vergonha.
— Você não fez nada vergonhoso. — Ele rosnou, seu
humor mais sombrio a cada momento. — Vista-se para o
jantar, Gus. Tudo ficará bem, verá.
— Não quero ir. — Ela disse com firmeza, o pavor
agarrando-se pesadamente em seus membros.
Ele se aproximou.
— Quer as promissórias de Glassington?
A ameaça a deixou doente. Ele não usara tal coerção
desde que eles haviam se beijado. Ela tinha confiado tão
profundamente nele que até mesmo contemplou revelar a
verdade sobre Glassington e Phoebe, perguntando-se se ele
ainda acreditava que ela perseguia o conde para si mesma.
Desejou compartilhar seu fardo com um homem cujos ombros
largos poderiam ajudá-la a carregar o peso. Assumira que os
sentimentos de Sebastian por ela haviam crescido assim como
os dela por ele, mas talvez estivesse errada. Talvez tenha se
feito de boba, criando histórias fantasiosas sobre a honra de
um homem grosseiro.
— Sabe que eu quero. — Sussurrou.
Sua resposta aparentemente não o agradou. Bem pelo
contrário os músculos de sua mandíbula flexionaram suas
narinas inflaram.
— Então vá e se vista. Partiremos às cinco.
Assim, concordara com uma noite de humilhação
porque, como sempre, era o que deveria fazer. E agora,
enquanto vestia o corset, meias, anáguas, vestido, luvas e
brilhantes pentes prateados, ela tentava imaginar cada peça
como uma armadura, fechando os olhos bem apertados e
visualizando. Cota de malha. Placa de aço. Manoplas.
Capacete. Ela repetiu o processo até que suas feriadas
estivessem bem enterradas e seu rosto estivesse tranquilo.
Esta noite era por Phoebe e pelo filho dela. O que quer
que tenha acontecido entre Augusta e Sebastian, uma coisa
não mudara: precisava ter poder sobre Glassington. E, como
Sebastian apontara, apenas ele podia oferecer isso.
Desceu as escadas até onde ele esperava, vestido
puramente preto e branco e com uma fisionomia tão sombria
quanto seus olhos. Seu coração palpitava como se quisesse
voar, mas ela o sufocou. Não deveria ter deixado a coisa
tomar controle novamente. A queda repentina quebrava com
muita facilidade.
Dentro da carruagem, ela apertou o casaco ao redor dos
ombros e olhos pela janela para as ondulantes nuvens.
Parecia que a pausa das tempestades acabara. Um ruído alto
e lento ecoou à distância. Uma gota escorreu pela janela.
— Gus.
— Augusta, por favor. — Ela o corrigiu com calma. —
Apenas o meu pai me chamava Gus. E ele morreu.
Ele ficou em silêncio pelo resto da viagem.
Ao chegarem, Lady Tannenbrook os cumprimentou com
um sorriso cintilante.
— Srta. Widmore! Prazer em vê-la novamente. Seu
vestido é maravilhoso. A cor! Nunca vi nada assim. A Sra.
Bowman é mágica, não é? — A pequena beleza passou o
braço pelo de Augusta, levando-a a uma sala de estar de
painéis brancos e drapeados dourados. — Venha, Elijah. —
Ela falou por cima dos ombros.
Augusta franziu o cenho, perguntando-se com quem a
mulher falava, já que não vira um homem parado perto da
porta. Logo, entretanto, a atenção de Augusta recaiu sobre os
outros convidados espalhados pela sala. A maioria estava
sentado nos sofás de veludo dourado ou em pé perto da
lareira em grupos de três ou quatro. Alguns ela reconheceu,
Lorde Tannenbrook, óbvio. Ele se aproximara para
cumprimentar Sebastian, o olhar caloroso e aprovador. Lady
Wallingham estava sentada em uma poltrona diante do fogo
com seu monóculo em constante uso e um bonnet
confeccionada de veludo violeta e plumas lilases.
Outros, ela não conhecia. Três jovens tinham
aproximadamente a idade de Phoebe, cada uma com beleza
própria. Um homem de cabelos castanhos, olhos azuis e um
sorriso irônico. Uma mulher de sardas e cabelos ruivos —
claramente a esposa dele, pois ele não parava de tocá-la —
era mais alta que qualquer outra mulher que Augusta já vira.
Enquanto gesticulava, o pulso da mulher quase atingiu o
nariz do marido. Antes que acontecesse, entretanto, ele
calmamente pegara a mão dela nas suas, deu um pequeno
beijo no pulso e lhe lançou um olhar ardente. Ela ficou rosa e
parou de falar no meio da palavra, os olhos fixos nele.
Bons céus, Augusta quase enrubesceu ao os observar
juntos.
— A apresentarei a todos, Srta. Widmore. — Lady
Tannenbrook lhe assegurou. — Temos apenas mais um
convidado para chegar. Espero ele em breve.
Atrás dela, ouvia Lorde Tannenbrook e Sebastian
conversando com suas vozes retumbantes. Novamente ela se
perguntou sobre a conexão deles.
Bondosamente, Lady Tannenbrook começou as
apresentações. O homem de cabelos castanhos e a mulher de
sardas eram o Marquês e a Marquesa de Rutherford. Lady
Rutherford piscou ao ouvir nome de Augusta.
— Widmore. Como em Sir. Edmundo Widmore?
Augusta sorriu.
— Certamente. Ele era o meu pai.
— E um amigo querido do meu tio, Sr. Frederick
Farrington. Titio sempre falou muito bem dele.
Ela assentiu.
— Obrigada, minha senhora.
— Você é de Hampshire, sim?
— Sim.
— Ela tem um chalé lá, Charlotte. — Lady Tannenbrook
falou. — Não é adorável? Quando morava em Cheshire,
sonhava ter um chalé só meu. Perto de um pequeno lago.
Cercado por pinheiros. Oh! E jacintos.
O sorriso de Lady Rutherford foi irônico e afetuoso.
— Viola, tem agora uma vila inteira cheia de chalés.
Olhos extraordinariamente azuis se arregalaram.
— Sim, mas não são meus. Pertencem aos aldeões.
Lorde Rutherford sorriu com aqueles lábios sensuais.
— Apostaria que Tannenbrook construiria o seu próprio
castelo e cavaria seu próprio lago se mencionasse isso.
Lady Tannenbrook sorriu com os olhos brilhando
intensamente.
— Com suas próprias mãos. Como amo aquele homem.
Há anos desde que Augusta testemunhara tal adoração
nua entre maridos e esposas, particularmente entre os
nobres, de fato, desde a morte de sua mãe. Ela começara a
suspeitar que seus pais compartilhavam um vínculo único no
mundo e que as normas de casamentos eram cada vez mais
sem amor.
Estes dois casais provavam que ela estava errada. Além
disso, ela esperava que eles a evitassem. Ela tinha, afinal de
contas, chegado como uma mulher solteira com um homem
solteiro e sem acompanhante. Lady Tannenbrook sabia muito
bem que ela estava morando com Sebastian. Ambos casais
deveriam ficar escandalizados com todo aquele caso.
Mas não estavam. Eles eram amigáveis. Bondosos.
Augusta não entendia nem um pouco.
Em seguida, ela e Lady Tannenbrook moveram-se para
cumprimentar Lady Wallingham, que lhe deu um aceno
superior e comentou:
— Extraordinária escolha de vestido, minha querida. Não
se deseja perder em uma multidão, não é?
Por último, Augusta foi apresentada ao trio de jovens
mulheres. E no momento que seus nomes foram falados, um
sino de reconhecimento soou alto em sua cabeça, mal
ouvindo outra palavra.
Srta. Lydia Chipperfield.
Lady Maria Fitch.
Srta. Cecilia Eversley.
Cada uma delas estava na Lista de Lady Tannenbrook de
possíveis noivas para...
Elijah Kilbrenner.
Elijah.
Kilbrenner.
Augusta lentamente se virou, Sebastian estava parado
perto das portas da sala de estar, falando com Lorde
Tannenbrook. Eles pareciam irmãos.
Mais precisamente, Sebastian parecia como um
Kilbrenner.
E Lady Tannenbrook mencionara Elijah quando
entraram.
Oh, Deus.
— Lady Tannenbrook? — Augusta murmurou enquanto
o trio de possíveis noivas vagavam em direção ao pianoforte.
— Quem é Elijah Kilbrenner?
A bela mulher piscou, seus cílios grossos e escuros
tremulando, seus lábios em formato de pétalas de flor
formaram um ‘O’ de surpresa.
— Receio não entender. Elijah está ali, falando com o
meu marido.
Augusta engoliu em seco a súbita náusea enquanto seus
olhos o alcançaram. Ele a encarou, sem piscar, como se a
observasse cada um de seus movimentos com grande
vigilância.
— Não, eu quero dizer... — Ela estava congelando. —
Quem ele é para o seu marido?
— Oh! Ele é o primo de segundo... Não, terceiro... Não,
não, segundo grau de James. Ou é terceiro? Oh, isso importa:
Tenho certeza de que Lady Wallingham poderia lhe dizer, ela
conhece bastante coisa sobre estes tipos de distinções. O
ponto é que Elijah é o possível herdeiro de James, embora ele
resista a isso poderosamente. Os avôs deles eram irmãos,
percebe? O avô de Elijah mudou-se com a família para as
colônias americanas há muitos anos. Com a guerra, os pais
de Elijah ficaram desapontados com a causa da
independência e voltaram à Inglaterra. Então Elijah nasceu,
em algum lugar de Cumberland, acredito. Ele é bastante
relutante em discutir esse assunto. — Lady Tannenbrook
suspirou. — Os pais e a irmã dele morreram em um incêndio.
Coisa horrorosa. Elijah sobreviveu, claro, mas... Bem as
circunstâncias de sua juventude são angustiantes, como pode
imaginar.
Possível herdeiro. Sebastian Reaver era Elijah
Kilbrenner, o possível herdeiro de um aristocrata. Um
condado, não menos.
Longe de ser um rufião nascido nas classes baixas, ou
um bastardo, ele um dia herdaria um título. Bons céus, o
sangue dele era mais nobre que o dela.
Ele nunca poderia se casar com ela, uma solteirona
desonrada de Hampshire. Ela piscou quando a luz da sala
pareceu diminuir. Ele deveria se casar com uma dama de
qualidade, uma mulher de valor para ser uma condessa.
A Srta. Lydia Chipperfield.
Ou Lady Maria Fitch.
Ou a Srta. Cecilia Eversley.
— Srta. Widmore?
No que estivera pensando? Apaixonara-se por ele. Dera-
lhe seu coração. Teria dado seu corpo se ele não tivesse a
impedido em várias vezes.
— Srta. Widmore, está bem? Ficou terrivelmente pálida.
Talvez devêssemos servir o jantar, estava esperando até que
nosso último convidado chegasse, mas não desejo que
ninguém desmaie... Oh! Ele chegou.
As luzes se acenderam de repente. Dolorosamente. Ela
inclinou a cabeça ao ver quem pairava à porta, cabelos
escuros despreocupadamente bagunçados e cravat
perfeitamente arrumada.
— Venha, deixe-me apresentá-la. Confesso que nossa
proximidade é tênue. Elijah pediu que eu o convidasse. Ele
parece ser bastante agradável, afinal.
— Nós já nos conhecemos. — Ela respondeu, a
suavidade de sua voz desmentindo sua raiva crescente.
— Oh? Como conhece Lorde Glassington?
Augusta cerrou o queixo e olhou para as calças brancas
e botas brilhantes do verme inútil, sua bengala boba e pulsos
finos.
— De Hampshire. Nós somos velhos conhecidos, ele e eu.
— Sua voz era sedosa, sua fúria crescia até estar repleta de
um calor amargo.
Aquilo ocupou tudo que ficara vazio e frio.
Pelo menos havia algo.
Quando ele a viu e ficou branco e doentio, ela apreciou
quase no mesmo grau de satisfação. Mas não era suficiente.
Nem perto.
Seus olhos foram até Sebastian e percebeu que ele a
analisava. Olhos ônix queimavam e calculavam. A fez se
perguntar o que ele pretendia.
O que era isso? Esse momento de ardor e humilhação?
Ele queria jogar tudo em sua cara de uma vez?
As damas que ele deveria se casar.
O homem que ela devia estar perseguindo.
A verdade sobre como eram pequenas as chances de
felicidade lado a lado.
Céus, ela fora estúpida. Tão frustrantemente cega.
Lady Tannenbrook pigarreou.
— Oh. Acho que deveríamos simplesmente ir jantar,
então. Acho que deveríamos. A noite pode apenas melhorar
com uma boa refeição e um pouco de vinho, hã?
O jantar se desenrolou tão estranhamente quanto
conjecturou. Estava sentada entre Lady Wallingham e Lorde
Rutherford. A Marquesa Viúva de Wallingham emitia
pronunciamentos altos sobre a superioridade da lã britânica
em relação à francesa. O marquês de olhos azuis turquesa fez
observações irônicas sobre a dama citada que tentou roubar o
cozinheiro francês do Duque de Blackmore. Depois ele deu
um gole lento e descontraído — estava evitando o vinho — e
lançou à sua esposa um olhar ardente por cima da borda da
taça. As bochechas da dama sardenta ficaram tão vermelhas
quando a geleia da torta de morango servida.
Pela maior parte do tempo, Augusta ignorou as
brincadeiras. Em vez disso, comeu o que conseguia suportar
em seu estômago pesado e agitado. E planejou.
Sebastian podia ter a pretensão de humilhá-la, porém ele
lhe tinha oferecido uma oportunidade propícia. Ela estava ali
com o credor de Glassington, um fato que Glassington não
deve ter ignorado. Além de possuir as promissórias, não
haveria melhor ameaça implícita. Entretanto, para tornar o
trato mais explícito, deveria falar com o desgraçado de pulso
fraco. Exigiria um bocado de manobra, pensou enquanto
bebia seu vinho e analisava. Deveria pegá-lo sozinho. Após o
jantar, obviamente. Talvez no corredor. Ou quando ele se
preparasse para ir embora.
Sim. Falaria com Glassington, deixaria claro as suas
intenções de fazê-lo cumprir sua promessa. Até mesmo
embelezaria sua influência sobre Sebastian, sugerindo que o
homem estava apaixonado por ela. Ela engasgou diante da
ideia e depositou a sua taça de vinho na mesa com um
estalido que fez Lorde Rutherford erguer uma sobrancelha.
— O vinho não pode ser tão insultante, pode, Srta.
Widmore?
— Insultos, assim como a beleza, estão sujeitos à
percepção, meu lorde. Alguns podem escolher ser insultados.
Outros, escolherão desviar-se. — Augusta sorriu, lentamente
movendo os olhos de Glassington para Sebastian, que a
encarava com uma força predatória. — Se alguém se desvia
com suficiente força e cuidado, o remetente dos insultos
sofrerá as feridas dez vezes mais.
— Gosto bastante de você, Srta. Widmore. Recorda-me a
alguém.
— E a quem seria?
— A mim.
Ela riu, apreciando a inteligência irônica e a
imperturbável calma dele. Entretanto, não tirou os olhos de
Sebastian.
— Tomarei como um elogio.
— Bem, certamente não é um insulto. Não sou tão tolo
para testar sua afirmação. Ou, melhor dizendo, os punhos de
Reaver.
Desta vez, o comentário a fez desviar o olhar. Colidiu
com os olhos daquele homem incomum.
— Qual a relação dos punhos dele com...
— Vamos lá. Você é uma mulher inteligente. Deve ser,
pois se assemelha a mim. Não, uma mulher brilhante como
você deve provavelmente saber quando um homem está
obcecado por ela.
Ela engoliu em seco. Engasgou. Soou fraca.
— Obcecado. Não seja tolo. — Voltou a olhar para
Sebastian. Ele não afastara os olhos dela. Não apenas
durante todo o jantar. Antes disso, para falar a verdade.
— Interprete como quiser. Minha esposa muito
provavelmente ofereceria um conselho agora. Alguma coisa
adorável e direta como “se ele conhece o seu valor, provará a
si mesmo ao tentar ser merecedor”, ou algo mais inteligente.
Mas eu sou homem e, assim, menos inclinado a
profundidades nestes assuntos.
— Então, qual seria o seu conselho?
Ele terminou o chá e esfregou seus lábios sensuais com o
guardanapo. Ela notou que ele tinha cicatrizes na palma da
mão, embora a cicatriz parecesse mais uma marca, espiral e
floral.
— Você tem o peixe fisgado, Srta. Widmore.
Completamente. Se quiser conquistá-lo, não terá muito
esforço. Um simples sim seria suficiente, apostaria.
— V-Você não o conhece. Ele não está...
— Acontece que eu o conheço muito bem. Fomos amigos
um dia.
— Um dia. O que causou a ruptura da amizade?
Seu olhar recaiu sobre os dedos que brincavam com a
delicada porcelana.
— Eu estava agindo como um idiota. Ele teve a audácia
de me pontuar isso. Apenas mais tarde eu percebi o que ele
me deu. — Os olhos do homem encontraram sua esposa. O
sorriso dele se apagou, o olhar aumentou a intensidade até
Augusta quis se remexer no assento. — Por isso eu tenho
uma dívida com ele. — Piscou, a intensidade se dissipou,
encoberta por um sorriso encantador e indiferente.
Após o jantar, todos voltaram à sala de estar. A Srta.
Chipperfield tocou o pianoforte. Lady Maria cantou. Ambas
eram adoráveis — damas adoráveis, talentosas e apropriadas.
E Augusta imaginou pelo menos cinco formas em que elas,
junto com a Srta. Eversley, não estariam disponíveis ao
casamento. A favorita fantasia dela na qual todas as três
caiam em um tanque gigante de tinta. Verde. Ou roxa.
Provavelmente nenhum homem iria querer uma noiva
roxa.
Glassington estava amuado em um canto da sala entre a
lareira e as janelas. Ele conversou com a mãe de Lady Maria e
lançou a Augusta ocasionais olhares nervosos. Assim que a
Srta. Eversley tomou o lugar da Srta. Chipperfield no
pianoforte, Augusta viu Glassington caminhar até Lorde
Tannenbrook, que assentiu e lhe estendeu a mão. Ao seu
lado, Lady Tannenbrook murmurou o que parecia ser algum
tipo de gentileza que uma anfitriã dizia a um convidado de
saída.
Esta era a chance de Augusta. Ela ficou próxima à porta
da sala de estar desde que a Srta. Chipperfield começara a
tocar. Agora, escorregou pelo corredor, seguindo em direção a
seção escura logo antes de virar as escadas.
Ele gemeu de uma maneira pouco masculina quando ela
falou seu nome.
— S-Srta. Widmore. Não a vi aí. — Ele vestiu o casaco e
fingiu estar calmo. — Esperando pelo Sr. Reaver?
Ela cruzou os braços e lhe encarou.
— Não há necessidade. — Ela disse. — Ele me espera.
O verme engoliu em seco, sua cravat tremeu.
Honestamente, o que Phoebe achou de tentador naquele
homem?
— Como ela está? — Ele perguntou, os olhos em suas
botas. — A Srta. Phoebe.
Ela quis esbofetear o rosto inútil só de ele falar o nome
de sua irmã.
— Como acha, milorde?
Ele não respondeu. Mas ela não esperava que ele
respondesse. O comportamento dele era igual ao dia em que
ela chegara na propriedade dele em Surrey, envergonhada e
covarde. Na ocasião ele estava bêbado e ela continuou a
acreditar que ele era um cavalheiro. Jovem e tolo em
necessidade de magoar, mas um cavalheiro. Logo descobrira o
contrário. No dia seguinte, ela seguira para Londres com uma
miserável Phoebe a reboque e começou a descobrir tudo o que
podia sobre Sebastian Reaver.
— E-eu deveria ir embora, Srta. Widmore, embora tenha
sido um prazer ... argh!
Ela segurou o braço dele, apertando com força a carne
logo acima de seu cotovelo. Ser uma lavadeira podia ser um
trabalho humilhante, mas não havia dúvidas que isso tornara
suas mãos mais fortes.
— Você não escapará, Glassington. Promessas foram
feitas e promessas serão mantidas.
Ele puxou seu braço e recuou até o ombro bater na
parede.
— Você pretende colocar Reaver em cima de mim? Exigir
os pagamentos das promissórias?
— Talvez. — Disse calmamente. — A menos que
possamos garantir a sua cooperação. — Melhor deixá-lo com
a impressão que ela e Sebastian eram uma ameaça única do
que um gigante e um incômodo separados.
O homem arrumou seu casaco e enfiou sua bengala no
tapete. Depois elevou seu queixo no ar, a pose de uma criança
desafiante.
— Você pode dizer a ela que terei os fundos em breve.
Várias respirações passaram antes que ela pudesse
responder.
— Como?
Novamente, a cravat tremeu.
— Eu me casarei em breve.
Não, sua mente sussurrou e depois gritou. Não!
— Quando eu tiver em posse do dote dela, entrarei em
contato com Reaver e acertarei as coisas propriamente.
— Quem é ela, Glassington — Augusta gritou. — Quem
você está enganando desta vez?
— Diga a Phoebe que eu enviarei alguma coisa quando
puder, para o bebê, sabe. — Ele se virou para afastar-se.
— Quem? — Augusta rosnou, mil abelhas ferroando por
dentro. — Diga-me!
Mas ele seguiu até as escadas, desaparecendo de vista.
Ela se inclinou contra a parede na escuridão com as mãos na
boca.
Oh, Deus. Ele encontrou uma herdeira.
A única solução que poderia tornar o seu poder inútil.
Por um longo tempo, ela não se moveu. Mas finalmente o
fez, respirando e arrumando as laterais dos cabelos.
Encontrarei um jeito, ela disse a si mesma, como sempre fiz.
Talvez ela pudesse descobrir o nome da herdeira. Visitá-la e
explicar que tipo de verme Glassington era. Sim. Era isso.
Se pudesse descobrir o nome. E a mulher. E fazê-la ouvir
a desonra de uma solteirona de Hampshire. De qualquer
forma, não poderia ficar ali, fraca e desamparada. Ela devia...
Devia se recompor. Atar as suas feridas. Não havia ninguém
para carregá-la. Nunca houvera.
Augusta virou-se para seguir até a sala de estar.
— Onde esteve? — A voz retumbante e baixa veio da
escuridão. Parecia profunda, calma e fria.
Ela deixou o silêncio cair entre eles antes de responder.
— Aqui.
— Encontrou-se com Glassington.
— Sim.
— O que ele disse?
Repentinamente, os eventos da noite explodiram como
uma inundação. Eles atiravam do chão para seus pés, dos
pés para as pernas, das pernas para o peito. A inundação se
agitou e apressou-se a pressionar seus ossos. Isso a fez
ofegar. A fez soluçar.
A armadura de aço já não a sustentava.
— Leve-me para casa. — Ela sussurrou, suas palavras se
partindo enferrujadas.
— Augusta...
— Leve-me para casa. — Ela implorou. — Por favor,
Sebastian. Por favor. — Ela não se importava em parecer
digna de pena. Ela estava se quebrando e não queria estar na
sala de estar de Lady Tannenbrook quando isso acontecesse.
Ele não disse mais nada, simplesmente segurou o seu
braço e sua cintura, impulsionando-a ao longo do corredor
até as escadas, depois até o vestíbulo, onde o mordomo dos
Tannenbrook rapidamente chamou a carruagem. Lá fora, a
tempestade que fora uma mera ameaça, agora era uma chuva
de granizo gelada com trovões frequentes.
Ela estremeceu quando o vento jogou as pedras em seu
rosto. Sebastian imediatamente a envolveu, recebendo a pior
parte em suas costas enquanto a conduzia até a porta da
carruagem. Ele a ergueu para dentro, onde se encolheu
contra a parede forrada de couro e prendeu a respiração para
evitar que a inundação dentro dela se libertasse.
Ainda não, pensou freneticamente. Ainda não. Não até
que ela estivesse segura.
Ele entrou e bateu no teto com seu punho. Parecia que a
tempestade entrara junto com ele, sombria, imponente e
friamente furiosa.
Impossível esperar até que ela estivesse segura. A
inundação estava transbordando. Ela cobriu o rosto enquanto
a carruagem saltava em frente. À distância, ouvia sua própria
respiração entrecortada, os soluços baixos e piedosos
enquanto a inundação rachava sua cota de malha, placa de
aço e ossos.
— Augusta. Por Deus, mulher. Não.
Ela não conseguia parar.
Ele a ergueu. A pegou em seus braços e sobre seu colo,
agarrando-a tão apertada que mal podia respirar.
— Por favor, amor. Não chore.
Não havia como parar. A cabeça dela pousou sobre o
ombro dele, suas mãos seguraram o casaco preto elegante. A
inundação a afogava e nada poderia impedi-la agora.
CAPÍTULO 17

“Nós todos temos provações, meu querido menino. Já


mencionei quantas criadas fui forçada a dispensar?”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta de resposta do cavalheiro citado sobre suas
reclamações referente ao aumento da frequência de certas
correspondências.

Sebastian Reaver experimentara muitos tipos de dores


em sua vida. Um nariz quebrado, duas vezes. Pancadas e
doenças. Fome e sede. Luxúria frustrada e profundas
traições. A morte de sua família.
Nada fora mais agonizante do que segurar sua forte e
capaz Augusta enquanto ela se desfazia. Nada. Nunca.
Ela fora incapaz de falar, seus soluços raros e relutantes,
sua respiração tão difícil, como se ela tivesse lutado quarenta
minutos com Rude Mayhem. Ele a carregou ao quarto, a
despiu até ela ficar só de chemise, a colocou na cama e
sentou esperando que adormecesse.
Agora ele não conseguia deixá-la. Inclinou-se para frente
em uma poltrona, os cotovelos sobre os joelhos e a assistiu
respirar. Ele não sabia o que fazer. Nenhum dos seus planos
tinha dado certo esta noite e, mesmo agora, seu ódio
assassino por Glassington o consumia como ratos sobre os
restos de comidas de uma taverna.
Ele se balançou no lugar, tentando enfrentar a dor dela.
Tentando evitar imagens provocadoras de Glassington pondo
as mãos sobre ela. Esperando uma solução que tornasse
Augusta Widmore sua para sempre.
O seu objetivo fora provar a ela que poderia lhe dar tudo
o que Glassington daria e muito mais. Que ela não precisava
perseguir outro homem, porque ele aceitaria alegremente o
papel detestável de possível herdeiro de um título que era
importante para ela. Ele se mudaria com ela para Derbyshire,
compraria vinte mil acres, um maldito palácio e falaria com a
mesma dicção de Shaw.
Faria qualquer coisa se ela concordasse em ser dele.
Mas seus planos foram um desastre desde o início.
Primeiro, ela se sentiu humilhada pelas visitas de
Tannenbrook — visitas que Reaver não tinha conhecimento.
Durante o jantar, ele confrontara Tannenbrook, que lhe
explicara.
— Foi ideia de Viola. Quando descobriu sua fixação, a
excitação dela a respeito da Srta. Widmore tomou conta e ela
quis conhecê-la. Lady Wallingham seguiu o rastro e insistiu
em nos acompanhar. Alegou que o fato de ela ficar ao lado da
Srta. Widmore seria uma benção, caso houvesse alguma
dúvida sobre as acomodações da Srta. Widmore. O que é
verdade, mas não deveria ter permitido. Sinto muito, Reaver.
Viola quis fazer o bem. Ela admira muito a Srta. Widmore.
Reaver compreendera, mas alertara Tannenbrook que se
Augusta fosse colocada naquela posição novamente, eles
trocariam mais do que palavras duras.
Tannenbrook sorrira e assentira, fechando as mãos no
ombro de Reaver.
— Aye. — Disse simplesmente. — Faria o mesmo.
Mais tarde, Reaver observara Augusta mover-se de
conversa em conversa com a postura perfeita, mesmo quando
ficou pálida e contrita. Quando Glassington entrou e seus
olhos se fixaram no outro homem, fervendo com alguma
emoção veemente, ele amaldiçoou cada centímetro de si
mesmo. Que diabos ele estava pensando?
Você queria possuí-la, era isso, pensou. Perdera a
paciência com a espera e escolheu confrontar em vez de
persuadir. Agora, enquanto a respiração de Augusta estava
entrecortada e estremecida como resultado do seu colapso,
percebeu como a machucara. Sem querer, ele ferira a mulher
que desejava proteger. E ainda não entendia como
Glassington a prendia.
Passou a mão pelo cabelo e soltou o ar, frustrado. No
quarto silencioso, em meio ao vento, granizo e trovões
distantes do lado de fora, ouviu uma batida baixa na porta do
quarto de Augusta. Curioso, ele se levantou e a abriu,
revelando ser o garoto que Augusta tinha levado.
Deus, a mulher tinha o coração mole embaixo de toda
aquela luta.
— Ela está dormindo, menino. — Disse, mantendo a voz
baixa.
— Eu sei. — Ash murmurou, espreitando pela perna de
Reaver. — Ela está... bem?
Levou um momento para responder.
— Ela ficará. — Ele quis dizer como se isso fosse uma
promessa, uma que ele pretendia manter.
O garoto assentiu.
— ‘A Sra. ‘Iggins mi enviou. Há um homi pra vê ocê. Diz
ter uma mensagi que ocê dévi uvir’.
Reaver deixou Ash observando Augusta e desceu as
escadas. Encontrou Shaw, ensopado e gotejando, secando o
rosto com uma toalha oferecida pela Grande Annie.
— Obrigado, Sra. Higgins. — Shaw disse tranquilamente,
devolvendo a coisa úmida e colocando seu chapéu na mesa
perto da entrada.
— Trarei chá, você quer?
— Obrigado, mas não. Não ficarei por muito tempo.
Reaver franziu a testa enquanto a governanta assentiu e
saiu.
— Shaw. — Falou bruscamente. — O que aconteceu?
— Recebemos notícias de Drayton. — O rosto do outro
homem tinha uma aparência estranha. Fria. Vazia. Dura
como uma lâmina de aço. Reaver não via Shaw deste jeito
desde a juventude deles, logo após a chegada dele em
Londres. — É sobre Glassington.
— Conte-me.
— As circunstâncias são bastante diferentes do que
imaginávamos. — Ele começou, tirando as gostas de suas
mangas com uma estranha pretensão de indiferença. — As
irmãs Widmores conheceram Glassington em uma festa em
junho. Ele aparentemente, era considerado um bom partido
pela nobreza local. Jovem. Titulado. Você entende. Logo ele
pôs os olhos sobre uma dama em particular e a mútua
admiração incitou especulações sobre um compromisso.
Alguns diziam que eles tinham um acordo, mas nada foi
anunciado. — A voz de Shaw estava tão fria e monótona
quanto sua expressão.
Reaver se aproximou, esperando ver os olhos de seu
amigo. Pareciam torturados. Assombrados. Perto da loucura.
— Shaw. O que diabos...
— Em Agosto, ele partiu de Hampshire para Londres e os
rumores de um noivado diminuíram. Como sabe, Glassington
em seguida visitou o clube com um amigo e perdeu sua
fortuna. Depois disso, ele se retirou para sua propriedade em
Surrey para se afogar em conhaque e autopiedade. — Os
lábios de Shaw curvaram-se em um canto. Só que não era um
sorriso. — Mas à dama a quem ele admirou não foi permitido
esquecê-lo. Pois ela ficou com uma lembrança de sua corte.
Ela, ou mais apropriadamente, sua irmã, escreveu-lhe cartas
urgentes. A resposta dele foi menos do que satisfatória. O vil
filho de uma puta admitiu ser pai do bebê, mas se recusou a
reconhecer que prometera casamento. E a dama e sua irmã
partiram sem nenhuma outra opção a não ser viajar até
Londres...
— Não.
—... e coagir o dono das promissórias de Glassington a...
— Não, por Deus. Ela não pode estar grávida. — Isso o
destruiria. Ela era dele.
— Não. — Shaw falou suavemente. — Augusta não está
grávida.
O silêncio caiu. Distante, Reaver ouvira o ruído das botas
dos lacaios enquanto eles faziam suas tarefas. O relincho de
um cavalo na praça do lado de fora. O tamborilar do granizo e
a corrente de vento. E tudo ao mesmo tempo que as
engrenagens soavam e giravam, encontrando o caminho para
o lugar certo.
Phoebe estava grávida. Ela fora seduzida por
Glassington, recebeu promessas de casamento e foi
abandonada sozinha com o bebê.
Augusta nunca quisera Glassington para si. Ela
precisava que ele se casasse com Phoebe, para garantir que o
bebê nascesse do lado certo do cobertor e que sua irmã se
tornasse esposa — condessa — antes que alguém descobrisse
sua condição.
O alívio que ele sentiu foi tão profundo que sua visão foi
inundada. Alívio e triunfo.
Ela era dele. Augusta era dele.
O porquê de ela nunca ter lhe dito a verdade, não sabia.
Provavelmente ela pensou que estava protegendo Phoebe, mas
não importava. Nada importava agora.
Ele teria Augusta como sua esposa. Ele seria um abrigo
para ela e sua irmã. Maldição. Ele enforcaria Glassington com
sua própria cravat até que o homem cumprisse o dever com
Phoebe e com a criança.
— Ele disse mais alguma coisa? — Reaver perguntou,
imaginando o que causara o tormento em Shaw.
Os lábios do outro homem se retorceram amargamente.
— Um aviso. Glassington tem levantado o seu chapéu
para outra mulher. Uma herdeira chamada Srta. Elder. O pai
dela é um comerciante de carvão de bolsos bem cheios. Ela é
filha única, então o dote é bem expressivo. Maior do que a
metade que Glassington perdeu.
O estômago de Reaver endureceu.
— Maldição, inferno sangrento.
Os olhos de Shaw recaíram sobre suas botas. O sorriso
torcido desaparecera, deixando sua boca reta e apertada. Ele
pegou o casaco e recolheu uma carta dobrada, jogando-a
sobre a mesa da entrada antes de recolher seu chapéu.
Reaver franziu o cenho diante das folhas úmidas e depois
para seu amigo.
— Shaw...
Mas Shaw não ouvia. Estava saindo.
— Drayton envia suas desculpas pelo atraso. O assunto
exigiu muitas viagens e uma investigação mais profunda do
que antecipara. — Shaw retornou o chapéu para a cabeça e
abriu a porta. — Parece que ambas Srtas. Widmore possuem
um talento admirável para manter segredos.
Ignorando os pedidos para que ficasse, Shaw saiu sem
dizer outra palavra.
Reaver passou o restante da noite andando de um lado
para o outro em seu quarto e vasculhando o relatório de
Drayton. Era precisamente como Shaw contara. Phoebe
Widmore fora engravidada e deixada para carregar o bastardo
de Glassington. Augusta, seguindo o mesmo padrão desde
que era criança, fez tudo em seu poder para acertar as coisas,
para proteger Phoebe das consequências.
Agora, Reaver pretendia proteger as duas. Mas antes,
deveria persuadir Augusta para que permitisse isso. Uma
mulher muito orgulhosa para admitir que lavava roupas
poderia ficar um bocado teimosa a respeito de se submeter a
sua exigência por casamento. Especialmente quando ela
resistia a ficar sob os polegares de um homem por muito
tempo.
Não, pensou enquanto andava e ponderava, ela precisava
de um marido. Mais especificamente, precisava dele. O fato
era que ela pertenceria a ele pelo resto de seus dias era um
mero preço que ele exigiria.
Viu-se rindo em uma onda de satisfação. Aye. O resto de
seus dias.
Ele não dormiu bem naquela noite, algumas horas, talvez
algumas horas, com visões inquietas e depravadas do corpo
nu de Augusta e tudo o que ele planejava fazer com ele.
Apesar da falta de descanso, ele acordou na manhã
seguinte com propósito, seu sangue palpitava como acontecia
antes de uma luta. Ele se banhou, fez a barba, vestiu-se e
procurou ouvir sons de Augusta no outro quarto.
Estremecendo ao não ouvir nada, ele desceu para o café
da manhã. Ela estava sentada na mesa da sala, seu cabelo
ordenadamente preso com grampos, usando um vestido azul-
claro de mangas longas e um xale branco. Estava pálida, mas
composta.
Seu coração chutou e disparou diante da visão dela.
— Augusta.
— Sebastian. — Ela silenciou-se após o cumprimento, os
olhos sobre seus ovos. Ela não comia, apenas mexia a gema
pelo prato.
Ele quis segurá-la em seus braços. Dizer-lhe que agora
entendia, eu ele a manteria em segurança. Manteria Phoebe
em segurança também. Em vez disso, ele se armou para uma
briga.
Augusta não era uma criatura delicada que ficaria feliz
com uma intervenção masculina. Ficaria inclinada a resistir à
sua proposta. Deveria aplicar alguma pressão nos lugares e
graus certos, assim como faria em qualquer luta com um
oponente digno.
— Temos um assunto a discutir. — Ele começou,
sentando-se e servindo-se de café.
— Assunto?
— Glassington.
Ela raspou o garfo com mais força e parou. O deixou ao
lado do prato e tranquilamente levantou o rosto e uma
sobrancelha.
— Oh?
— Eu sei porque precisa das promissórias.
Ela fungou.
— Claro que sabe. Eu já lhe disse...
— Sei sobre Phoebe. Que ela carrega o filho de
Glassington.
Ela o encarou, sua respiração era compassada, porém
acelerada.
— Onde descobriu isso?
— Um detetive da Bow Street. Eu queria compreender
sua conexão com Glassington, então eu enviei o homem para
Hampshire. O relatório dele chegou ontem. —
Deliberadamente, ele tomou um gole de café. Era requintado e
suave. Augusta assegurou-se para que sempre fosse servido
conforme o gosto dele.
A mulher não tinha ideia de quão longe ele iria para
mantê-la. Mas em breve descobriria.
As mãos dela se curvaram e apertaram a mesa.
— E?
Ele abaixou a xícara.
— E eu pretendo fazê-lo obedecer-me.
Ela abriu a boca, piscou duas vezes.
— Você pretende?
— Ã-hã. Por um preço.
— Qual o preço?
— Você.
— Eu?
— Pare de repetir tudo o que eu digo.
— Bem, comece a fazer sentido!
Lentamente ele sorriu.
— Estou sendo claro. Você que ainda não entendeu.
Os delicados músculos de seu queixo flexionaram-se.
— Explique, então.
— Forçarei Glassington a casar-se com Phoebe. — Deu
outro gole em seu café e inclinou-se para frente, assim ela
não perderia seu próximo movimento. — Se você se casar
comigo.

*~*~*

Ele enlouquecera? Ou fora ela? Augusta não tinha


certeza. Atualmente, o chão era o teto e o teto virara geleia
sem forma e profundo.
Ela estava se afogando.
E ele queria — não, exigia — casar-se com ela. O que ele
poderia estar pensando?
— Isto é de longe o maior absurdo que já foi sugerido. —
Ela respondeu ao recuperar o fôlego. — Pior do que tomar chá
no Gunter’s.
Ele franziu o cenho.
— O Gunter's foi ideia de Frelling.
— Eu sabia.
— Não é um absurdo.
— É, já que temos um chá melhor aqui...
— Quis dizer o casamento.
Ela apertou os lábios e ergueu o queixo.
— Você não deve se casar com uma solteirona
desonrada.
— Por que não? É ela quem eu quero.
Ela se retesou, seus músculos se contraíram no esforço
de resistir a ele.
— Ela não é uma condessa apropriada para Elijah
Kilbrenner.
Os olhos de ônix brilharam e se estreitaram. Dedos
longos e grossos cuidadosamente apoiaram sua xícara da
Wedgwood no pires.
— É ela quem eu quero. — Ele repetiu. — Ela tem que
decidir se o preço que ela busca vale o custo que exijo. O
resto é problema meu, não dela.
Ela cerrou os dentes, as duas mordidas no bacon que ela
comeu antes descansava mal em seu estômago.
— Mas você terá que suportar o desprezo. Assim como
eu.
Os olhos dele ficaram mais duros e furiosos.
— Não. Você não será desprezada. Compreende?
Era ele quem não compreendia. A desonra era um ácido
corrosivo. Acabava com tudo ao longo do tempo, até mesmo
com as pedras.
Mesmo assim, sua objeção era infrutífera. Ela podia ver
que Sebastian traçara seu plano por razões que ela não
entendia. No fim, havia realmente uma escolha? Ela poderia
suportar qualquer coisa pelo bem de Phoebe. E ele oferecia a
ela tudo o que ela queria, incluindo ele próprio.
— Glassington planeja casar-se com uma herdeira. —
Falou com severidade. — Como pretende lidar com essa
contingência, Sr. Reaver?
A boca dele curvou-se em um meio sorriso, inesperado e
vergonhosamente excitante.
— Isto é algo para eu lidar. Você precisa apenas se
preocupar em escolher qual vestido usará no casamento
amanhã.
Ela piscou.
— Amanhã?
— Lá vem você repetindo novamente.
— N-nós não podemos nos casar amanhã.
— Por que não?
— Os proclamas.
— Não precisamos dele. Tenho uma licença.
— Como? Uma licença requer pelo menos uma semana...
— Eu adquiri uma, três semanas atrás.
Ela não respondeu. Ele a surpreendera. Completamente
atordoada.
— Sim, Gus. Todo este tempo. Oh, a propósito, tem mais
uma estipulação. Poder chamá-la de Gus. E poder tocá-la do
jeito que me agradar.
Ele roubou seu ar. Seu coração disparou quando ele
fixou o olhar no dela, escuro como Hades.
— Eu tenho alguma opinião sobre os termos deste
acordo?
Ele se recostou e cruzou os braços sobre o peito.
— Faça suas exigências, Srta. Widmore.
Ela o mediu de cima a baixo. Ela queria tantas coisas.
Pelo menos um beijo por dia. A chance de tocar o peito nu
sempre que desejasse. A promessa de que quando ela tivesse
se afogando, sempre encontraria conforto em seus braços.
Mas ela devia focar no que era mais importante.
— Primeiro, quero um lar permanente para Ash. Aqui.
Ou em qualquer lugar que formos.
— Feito. Próximo?
— Meu chalé. Quando nos casarmos, tudo o que é meu
se torna seu. Desejo reter a propriedade dele.
— Não.
Ela o fulminou e cerrou os dentes.
— Por que não?
— Porque você deseja manter o chalé assim terá um
lugar para onde correr, caso decida partir. — A voz dele ficou
mais baixa, os olhos mortalmente sérios. — Não permitirei
que vá embora, Gus. Você ficará e lutará. E eu juro que a luta
será justa. Ouvirei e nós faremos outro acordo, você e eu. Nós
faremos tantos acordos que forem necessários. Mas você não
irá embora. Entendeu?
Odiando como ele cavara por baixo de suas raízes e
expôs tudo o que escondia, ela abaixou o rosto e assentiu.
— Bom. Outros termos?
— Uma carruagem nova. Mais alta. Uma em que caiba
perfeitamente.
Ele sorriu, lenta e sensualmente.
— Feito. Algo mais?
—Lady Tannenbrook está muito ansiosa por sua visita a
Shankwood Hall. Gostaria de prometer que você irá.
— Quando?
— Quando for possível. Ano que vem, talvez?
— Concordo. Com uma condição. Você deve me
acompanhar. Será minha esposa, afinal.
Verdade. Ela seria a esposa dele. Começando por
amanhã. Bons céus.
— Muito bem. — Ela respondeu. —Tenho uma última
exigência.
— Você é certamente irritante, mulher.
—Quero saber como Elijah Kilbrenner se transformou em
Sebastian Reaver. Quero saber porque mentiu para mim.
Dedos grossos tamborilaram ao longo da borda da xícara
enquanto ele lhe lançava um olhar calculador.
— Essa é uma história bastante longa, Gus. E uma que
não é particularmente agradável. Tem certeza que deseja
ouvi-la?
— Sim. — Ela queria. Precisava entendê-lo, porque
naquele momento, ele parecia totalmente imprevisível.
— Aye. Contarei. Depois do casamento. — Ele ergueu um
dedo quando ela começou a se opor. — Este é o acordo, Gus.
— Muito bem. Temos um acordo. — Ela se levantou e
deu a volta da pequena mesa e estendeu a mão. — Confio que
manterá a sua palavra, Sr. Reaver, assim como manterei a
minha.
Ele olhou para baixo e balançou a cabeça.
— Não é assim que eu selo um acordo com uma esposa.
Engolindo em seco através da garganta seca, ela
respondeu:
— Não sou sua esposa ainda.
O olhar dele colidiu com o dela.
— Em breve. — Com isso, ele segurou a mão dela e a
puxou para entre os seus joelhos. Então, suas mãos foram
para a sua cintura. — Beije-me. Mostre-me o que quer dizer
com ‘cumpro as minhas promessas’.
— Eu sempre mantenho as minhas promessas.
— Então, não deve ser difícil beijar o homem que
pretende tomar como marido.
Não, não era difícil. Ela queria isso com todo ser. Este
era o problema. Ele a deixava fraca.
— Beije-me, Gus. — Murmurou com uma estranha
intensidade.
Lentamente, ela tomou o rosto dele em suas mãos. Ela
acariciou o queixo suave e barbeado com uma fenda
profunda. Ela traçou os lábios definidos e nariz recolocado no
lugar.
— Tem certeza? — Ela sussurrou, os olhos procurando
os dele.
Seus dedos cravaram na cintura dela. Puxou-a para mais
perto. Segurou-a com mais força.
— Aye.
Ela abaixou a cabeça e gentilmente roçou os lábios dela
com os seus...
A sensação dos lábios dele sempre a surpreendia, firmes
e suaves. Moveu-se para moldar-se aos deles. A primeira vez
que ela os sentiu, perguntou-se como duas bocas podiam
combinar tão perfeitamente. Agora, ele a surpreendeu ao
deixar que ela conduzisse. Ela respirou sobre ele.
Mordiscando e acariciando. Então, ela ficou mais ousada.
Corada. Quente. Ela deslizou sua língua contra os lábios dele.
Para frente e para trás. Ele se abriu para ela que deslizou
para o interior de sua boca.
Suas mãos moveram-se para a nuca dele, espalhando-se
entre o cabelo escuro e grosso. Ainda curto, porém mais
longo. Longo o bastante para permitir que ela o agarrasse e
tivesse mais de sua boca. E ela o fez. Oh, como ela fez. E não
foi tudo. Pressionou seus seios doloridos contra ele,
acariciando com sua língua desejosa a dele, aspirando
profundamente o aroma dele.
E ansiava mais.
Ele a afastou. Segurou os pulsos dela e a moveu para
trás. Mas estava ofegando. Respirações pesadas moviam seu
peito. Manchas vermelhas cobriam as maçãs de seu rosto.
— Deve ir, Augusta.
Ela não queria ir. Ela queria beijá-lo novamente.
— Por favor, amor. Eu preciso... — Ele blasfemou e
fechou os olhos. — Esperarei até que seja minha esposa. Eu
esperarei.
Lentamente, ela sorriu, sentindo-se estranhamente
vitoriosa. Inclinando-se para frente, ela sussurrou em seus
ouvidos:
— Em breve, hein, Reaver?
CAPÍTULO 18

“Não é mais necessário? Meu querido Sr. Kilbrenner, o


casamento é um cenário mais perigoso do que a conquista e
muito menos tolerante que as fraquezas de um homem. Você
precisa agora mais do que nunca, garanto-lhe”.

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta respondendo à precipitada e desaconselhável
rejeição de um conselho pelo cavalheiro citado.

Do pórtico da igreja de St. Marylebone, Phoebe assistiu


sua irmã subir na carruagem preta do Sr. Reaver, auxiliada
pelas enormes mãos de seu, agora, marido. Eles ficavam
estranhamente bonitos juntos, Augusta magra, elegante e
iluminada em um vestido de prata brilhante e fino chapéu
com véu. Sebastian um sombrio e místico gigante usava um
casaco de lã preto, cravat branca e uma expressão intensa.
Phoebe lutou para o ar passar pelo seu peito que doía. O
ar estava frio e úmido, as ruas molhadas por causa de
tempestade da noite. Ela apertou o buquê de rosas vermelhas
e puxou o xale com mais força ao redor dos ombros.
Augusta fizera aquilo por ela. Mais uma vez, Phoebe
forçara a sua irmã a ficar em pé como um escudo. Seu único
consolo era que, embora parecesse impossível, Augusta
considerava o seu casamento com Sebastian Reaver mais um
prêmio do que uma punição.
Ela o amava. Se Phoebe duvidasse das garantias de
Augusta durante a conversa que elas tiveram pela manhã,
não teria dúvidas ao ver sua irmã entrando na igreja e
caminhando em direção a Reaver. Augusta parecia estar
iluminada por dentro. Seus olhos brilhavam e derretiam-se
como prata no fogo de um ferreiro, líquido e suave.
Igualmente, os sentimentos de Reaver estavam à mostra.
O rosto dele estivera duro, a mandíbula flexionada, mas o
olhar fizera o coração de Phoebe se contorcer. Ele observara
Augusta durante toda a cerimônia, olhos negros
obsessivamente percorrendo as feições dela, como se
testemunhasse alguma coisa rara e maravilhosa.
Ele cuidaria muito bem de Augusta, não duvidava. E,
como Augusta explicara, ele pretendia ajudar Phoebe
também.
— Sebastian usará as promissórias de Glassington. —
Ela falou após acordar Phoebe quase de madrugada para
inundá-la com uma série de revelações chocantes. Primeiro,
revelou que Reaver sabia de tudo: do bebê, da tolice de
Phoebe, dos esforços de Augusta em levar Glassington ao
altar. Ele até mesmo sabia sobre o Sir Phillip e Georgiana,
sobre o quanto Phoebe e Augusta lutaram para esconder o
estado de pobreza.
Imediatamente, Phoebe se perguntou se Adam sabia
daquelas coisas também. Ela não foi capaz de evitar e
perguntou, disposta a suportar as suspeitas de Augusta.
Quando soube que Adam sabia muito do assunto, inclusive
sobre o bebê, Phoebe desmaiou. Como nunca desmaiara
antes, achou a experiência enervante. Ela acordou nos braços
de sua irmã, sendo embalada e acariciada.
Por um tempo, Augusta ficara frenética sob a sua usual
superfície calma e dominadora. Seus dedos tremeram nas
costas e nos braços de Phoebe enquanto elas foram em
direção ao sofá para tomar chá e biscoitos de gengibre. Esse
deve ter sido o motivo pelo qual levou outros dez minutos
para Augusta lhe informar que iria se casar com Sebastian
Reaver -cujo nome real era Elijah Kilbrenner e cujo
parentesco o colocava na linha de sucessão como herdeiro do
Conde de Tannenbrook — na St. Marylebone naquela mesma
manhã.
Phoebe selecionara seu melhor vestido de musselina, o
branco com pequenas flores de prímulas e folhas verdes.
Depois ela abraçou Augusta com força e a fez jurar que o
casamento era algo que queria.
— Eu o amo, Phee. — Augusta confessou em um
sussurro rouco. — Tanto que mal posso respirar.
Agora, enquanto o calafrio passava por seu xale e
zombava das finas camadas de musselina e do algodão de
suas anáguas, Phoebe olhou além da cerca de ferro para onde
a carruagem de Reaver seguia.
— Deveria esperar no interior da igreja. — Veio uma voz
nítida e masculina por trás dela. — Poderá encontrar a sua
morte aqui.
A voz dele era tão fria quanto o vento. Isso a revirava por
dentro, aprofundando as rachaduras e buracos até que ela
sentiu cada um deles como um corte.
— Já suportei piores. — Respondeu, Então, incapaz de
evitar, ela olhou por cima do ombro. Aqueles amáveis olhos
dourados como o âmbar estavam, fixos sobre ela. — Você...
Você vai ao café da manhã?
A boca de Adam se retorceu.
— Eu devo, não é? Padrinho e tudo mais.
— Adam, eu... — Ela engoliu em seco e se virou para
olhar para ela. — Sinto muito.
— Por?
— Não ter contado a verdade.
Os olhos dele vagaram para um ponto acima do ombro
dela e seu rosto endureceu.
— Sim. Um pouco chocante. Embora eu devesse ter
percebido isso.
— Você merecia saber.
Ele piscou. Inclinou a cabeça. Focou nela.
— Por quê? Não sou nada para você.
— Pelo contrário. — Ela respondeu, sua voz trêmula e
distorcida. — Você é tudo para mim. — Seus olhos se
encheram de lágrimas. Ela as limpou com impaciência. — O
que quer que ocorra, deve saber disso.
Ele franziu a testa. Aproximou-se dela.
— Phoebe.
— Você está certo. Eu devo entrar.
Ela se movimentou para passar por ele, mas foi segurada
pelo cotovelo. Ele se aproximou, diminuindo o frio.
— Você deseja se casar com ele?
— Não tenho escolha.
— Mas você deseja?
Ela encontrou os olhos dourados e brilhantes.
— Há apenas um homem com quem desejo casar-me. E
eu o encontrei muito tarde.
A surpresa envolveu sua bela fisionomia. A respiração
acelerou. Ofegou pesado.
— Você não deve imaginar que minha consideração por
você foi falsa. — Ela disse. Seus olhos fecharam e sua voz
sumiu. Após um momento, ela se recompôs, embora várias
lágrimas formigaram enquanto caiam por seu rosto. — Nada
poderia ser mais verdadeiro.
Atrás deles soou o ruído de rodas e cavalos se
aproximando.
— Phoebe. — Ele sussurrou.
— Devo ir.
— Eu... Deus, Phoebe. Eu desejo...
— Eu sei. — Ela sorriu para ele através das lágrimas. —
Eu desejo o mesmo. — Sua mão foi coberta pela dele,
acariciando ternamente. — Se apenas o desejo resolvesse.
Sua mandíbula se apertou. Os olhos se estreitaram e
recaíram sobre os ombros e braços dela.
— Você não tem comido adequadamente.
— Meu apetite fugiu. Tive uma discussão terrível com
um amigo querido, percebe?
Seus olhos encontram os dela.
— Coma. Pelo bem do bebê, se não pelo seu.
Ela assentiu e falou em direção às rosas em suas mãos.
— Eu sentirei a sua falta. Pelo resto da minha vida,
Adam Shaw. Muito depois de me esquecer, haverá uma
mulher em algum lugar em Londres cujo coração será seu.
Ele afastou as mãos.
Ela se virou cegamente e desceu os degraus, aceitando a
ajuda do lacaio para entrar na carruagem. Então, como se
fosse empurrada, encontrou forças para olhar para trás, para
o seu lindo amigo indiano. Ele estava parado olhando para ela
com a mais peculiar expressão.
Era a fisionomia de um homem que enterrara sua mãe,
cruzara o oceano até as costas inglesas, lutou para obter seu
espaço, centímetro por centímetro. Um homem que se
recusava a deixar que qualquer coisa o tirasse do caminho do
seu desejo.
Sua aparência era de uma resolução ardente. E para um
momento, apenas por um momento, Phoebe se perguntou se
não estava errada.
Talvez ela não o tenha encontrado tarde demais. Talvez
ela não desistisse tão rápido.

*~*~*

Horas depois de Augusta dizer os votos a Sebastian, ela o


perdeu de vista. Aconteceu enquanto ela ouvia o relato
animado de Ash de um encontro com Lady Wallingham.
— ‘Ela disse qui se visse eu pegá ôtro pedaço di bacon,
bateria no meu traseiro! Sinhô, aquela dama é braba. Então
eu disse a ela qui u bacon era prus convidados’, o que ela me
respondeu: ‘convidados, não carne de ouriço da chaminé’.
Augusta abafou o riso diante daquele conto de arregalar
os olhos.
— E você, de verdade, tentou pegar outro pedaço de
bacon?
— ‘Oh, aye. Mas esperei inté qui ela num tivesse veno.
Mas eu o perdi.’ — Ele coçou a cabeça. — ‘Num sei u qui
aconteceu. Um minuto tava ali depois sumiu. Tenho minhas
suspeitas. A velha cum a pena nu chapéu parecia muito feliz
com ela mesma. Senti um ‘repio na ispinha, num tenho
vergonha di contar’.
Desta vez Augusta não segurou a gargalhada. Ela
bagunçou o cabelo do garoto.
— Suspeito que tenha sorte de ter evitado um traseiro
dolorido. Lady Wallingham não é fácil de lidar.
Ele bufou e sacudiu a cabeça.
— Verdade como as palavras de Deus, Lady Reaver.
Pelas palavras de Deus.
— Sra. Kilbrenner, Ash. — Ela o corrigiu gentilmente.
— ‘Nah. Um bucado grande. Gosto di Lady Reaver’.
Ela suspirou, escolhendo não discutir aquele assunto.
— Você tem o seu próprio quarto agora. — Ela ergueu o
queixo e lhe olhou com preocupação. — Confio que dormirá lá
e não fugirá novamente.
— Aye. Prometi, num prometi?
— Sim, prometeu. Agora espero que mantenha a
promessa.
Ele resmungou entre os dentes.
— Algo a dizer, Ash?
— ‘Nah. Algo im minha garganta’.
Alguns minutos depois a Sra. Higgins levou Ash para
ajudar no serviço de lavar as bandejas na sala de jantar e
Augusta se descobriu sozinha na sala de estar, todos
convidados já tinham ido embora.
Foram poucos os que foram à cerimônia, mas todos
foram graciosos e bondosos, até mesmo Lady Wallingham.
Lorde Tannenbrook abraçara Sebastian ao redor dos ombros
e simplesmente dissera:
— Muito bem, homem. Muito bem.
Lady Tannenbrook a puxara de lado para se desculpar
por qualquer desconforto que Augusta possa ter sentido no
jantar.
— Eu tinha feito todos os arranjos antes de conhecê-la.
Mas quando Elijah me informou que levaria uma convidada,
já havia convidado as três jovens da minha lista de potenciais
candidatas a esposa. Claro, todos puderam ver o quanto
Elijah adora você, assim não houve nenhum mal entendido
por parte das damas. Mas quando saiu repentinamente,
ocorreu-me que você...
— Não se preocupe, minha senhora. Você foi muito
bondosa. Sou eu quem devo me desculpar por sair
abruptamente.
— Bobinha. Estou nas nuvens por você e Elijah. E
chame-me Viola. — Olhos azuis pestanejaram. — Tenho o
pressentimento que seremos grandes amigas.
Os cumprimentos de Lady Wallingham foram mais
pomposos e menos carinhosos, embora Augusta tenha tido a
sensação que ela ficou feliz com a união.
— Agora, minha querida, sua verdadeira tarefa começa.
— Verdadeira tarefa, minha senhora?
— Domesticar esse jogador em algo parecido com um
cavalheiro. Pode começar corrigindo sua pronúncia. Bons
céus, uma pessoa pode estremecer só em pensar em uma
linguagem que se adequa melhor às docas, ecoando na
Câmara do Lordes como um pianoforte mal ajustado.
Augusta apenas sorrira e encontrara os olhos pretos de
Sebastian ardendo do outro lado da sala.
— Humm. Eu gosto da pronúncia dele, minha senhora. E
receio que se alguém insistir em mudá-la, ficaria muito
irritada na verdade.
A dama resmungou e mudou de assunto para o seu neto,
que já começara a falar e cuja dicção era uma demonstração
de sua herança superior. Muito diferente do filho de Lorde e
Lady Rutherford, que era alguns meses mais velho e já
demonstrava sinais dos jeitos dissolutos de seu pai.
A isso, Lorde Rutherford respondeu:
— Sim, ele é um libertino e eclético ao flertar com as
mulheres. Contudo, um menino deve começar cedo se deseja
ser um mestre no assunto, não deve?
Lady Rutherford deu um sorriso carinhoso ao marido.
— São os olhos. Quem pode resistir?
Agora, Augusta suspirava, observando através da janela
enquanto a carruagem de Lorde e lady Rutherford deixava a
Cavendish Square. Eles eram os últimos convidados. Phoebe
levara seus pertences do clube para o quarto de convidados
no terceiro piso um pouco antes do casamento. Augusta não
quis arriscar a reputação de sua irmã ainda mais do que o
necessário.
Agora, Phoebe vagava pela sala de estar, parecendo mais
pálida e cansada.
— Foi uma cerimônia adorável, Augusta. — O sorriso era
doce, apesar dos olhos tristes. — Estou muito feliz por você.
Augusta se aproximou dela com um vinco em sua testa.
— Está preocupada com Glassington, Phee? Não há
necessidade. Sebastian irá...
— Eu sei. Estou exausta, isso é tudo. Alguém me
acordou ao amanhecer para que eu fosse a um casamento.
— Ser acordada cedo é terrível. As corujas sabiam
melhor do que ninguém.
De súbito, Augusta foi tomada por uma necessidade de
abraçar sua irmã. Ela agarrou Phoebe em um abraço, longo e
apertado, igual quando eram pequenas.
— Eu te amo, Phee. — Sussurrou. — Tudo ficará bem,
agora. Entende? Ficará segura. Seu filho ficará seguro.
Prometo.
Phoebe ficou quieta por um momento, e quando falou,
sua voz era fraca e trêmula.
— Não, Augusta. Eu prometo. Você me ama tanto que
eu... Eu deixei que se sacrificasse por muito tempo. Preocupe-
se com a sua felicidade, querida irmã. Seu tempo como
Guardiã Noturna acabou. Agora é minha vez de manter a
vigilância. Por mim. Por meu filho.
Assustada com as declarações, Augusta a afastou. As
bochechas de Phoebe estavam úmidas, porém os olhos eram
solenes. Firmes. Ela quis dizer exatamente aquilo.
Que bobagem.
— Eu sempre vou cuidar de você. — Augusta disse com
emoção. — Esse é o significado do amor. Não posso
simplesmente parar. — Ela acariciou a bochecha de Phoebe.
Então encostou a sua testa na da irmã e sussurrou. —
Enquanto eu viver, você terá um lugar seguro. Seu filho, que
é meu sangue, terá um lugar seguro. O que quer que
aconteça, Phee.
— Eu te amo, Gus. — Phoebe segurou a mão dela e a
beijou. — Sempre. — Então se afastou e deixou a sala.
Levou um longo tempo até Augusta se recompor e para
que o nó em seu peito se afrouxasse. Quando isso aconteceu,
começou a se perguntar onde Sebastian fora. Ela foi em sua
busca, primeiro perguntou à Sra. Higgins, que apareceu com
as suas mãos cheias e Ash tagarelando ao lado, e depois para
Teedle. O velho mordomo sorriu.
— Ah, claro, Sra. Kilbrenner. Ele está no escritório.
A surpresa a atravessou. Surpresa e descontentamento.
— No escritório?
— De fato, madame. Acredito que ele estava procurando
por uma sala calma para ler as correspondências e lhe foi
sugerido que localizasse o escritório.
Ela cerrou os dentes.
— Sugerido por quem?
— Lady Wallingham, acredito.
Droga. Ela queria estar presente quando ele visse o
escritório pela primeira vez. Bem, talvez ele não tivesse visto a
biblioteca ainda.
Ela subiu as escadas até o segundo andar e caminhou
até a porta na parte traseira e mais calma da casa. O
encontrou sentado na beira da mesa, de óculos, lendo uma
carta.
Ele virou a cabeça rapidamente quando ela bateu a
porta.
— Inferno maldito, Sebastian! Não poderia ter esperado?
Eu planejei revelar isso como um presente de casamento.
Agora a surpresa está arruinada.
Olhos de ônix brilharam com algo profundo e quente.
— Está zangada comigo, Gus?
— Sim. Zangada. Muito zangada. — Ela apoiou as mãos
nos quadris. — O que está lendo?
Ele rapidamente olhou para baixo e removeu os óculos.
— Uma carta.
— Posso ver que é uma carta. — Ela espetou. — O que é
tão importante para que desaparecesse durante o café da
manhã de nosso casamento e estragasse a minha surpresa?
— Recebi uma mensagem do meu procurador. Ele
começou uma pesquisa sobre uma tarefa que será altamente
desagradável a um certo barão.
Ela franziu o cenho.
— Quem?
— Quem você supõe?
Raiva e pânico a tomaram.
— Não a Sir Phillip.
— Aye.
— Não! — Ela se aproximou apressadamente dele,
tentando pegar a carta, mas ele a deixou fora de alcance. —
Você não deve! Sebastian. — Ela pulou, seus dedos apenas
roçando no canto, então golpeou seu ombro, frustrada. —
Phoebe ainda não tem vinte e um anos. Ele ainda é o seu
guardião legal. Até janeiro. Se ele suspeitar que eu quebrei
nosso acordo...
— Ele não suspeitará de nada. Ele não fará nada.
Ela agarrou as beiras do casaco de Sebastian, trazendo
para perto dela.
— Como sabe? — Gritou. — Você não sabe.
— Ele sofrerá pelo que fez com vocês, Gus. — A voz de
Sebastian era profunda e sombria, vibrando através de seus
ossos. — Muito.
— Maldição, Bastian! Não posso arriscar!
— Confie em mim.
— Isso não é uma resposta, seu gigante, estraga
prazeres, homem presunçoso!
— Queres a carta? — Ele a provocou.
— Sim. Dá-me.
O sorriso dele era lento e louco.
— Venha e pegue-a, amor.
Foi quando ela percebeu como a boca dele estava perto
da dela. Quão rápidas eram as suas respirações e como seus
mamilos estavam duros.
Bons céus. Ela estava excitada. Por causa da briga. O
que havia de errado com ela?
— Você é diabólico. — Ela ofegou, puxando-o mais para
perto e para baixo.
— E você é uma irritação. — Ele retumbou, colando-a a
ele, atirando a carta ao chão e espalmou a sua nuca com sua
mão, agora, livre.
— Deus, como me atormenta, mulher.
CAPÍTULO 19

“Você notará que a primeira parte da palavra é ‘gentil’. A


segunda, ‘homem’.7 Entretanto, observo que as esposas
ocasionalmente preferem a segunda em detrimento a primeira.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta discutindo as complexas escolhas das esposas.

Ele queria seduzi-la. Deitá-la sobre a sua cama e beijá-la


dos dedos dos pés ao umbigo e depois sua linda boca
carnuda. Fazê-la ficar escorregadia o bastante para aceitá-lo.
Deslizar gentil e lentamente. E quando a penetrasse,
pretendia acariciar suas bochechas e cabelos. Dizer-lhe como
era preciosa para ele.
Queria ser um marido adequado, em outras palavras.
Um cavalheiro.
Falhou.
No instante em que ela invadiu seu escritório — agora,
sua sala favorita — a luxúria o atingira com força. Já andara
dentro deles por semanas, trabalhando nele até deixá-lo em
um sério estado de tensão. Mas isto era diferente. Isso foi
imediato.
Suas bochechas estavam vermelhas, não rosas.
Vermelhas. Seus mamilos pressionando através das camadas
do corset, linho e seda. Implorá-lo a experimentá-los.
O temperamento dela tinha colocado fogo. Nele,
principalmente.
Ele pressionou a nuca dela, trazendo sua boca até a dele
enquanto ela puxava seu casaco e remexia em sua cravat. Os
lábios deles se encontraram desajeitadamente para depois se
posicionarem da maneira certa.
Ah, Deus. Perfeito.
Deslizou sua língua para o interior, necessitando sentir
seu gosto. Aspirou a pele e hálito, necessitando do aroma
dela. Forçou os quadris dela mais alto em direção ao pênis
dele, desejando que ela sentisse como o enlouquecia. Tudo se
expandiu, firmou-se e entrou em foco.
Um momento. Uma mulher. A necessidade de penetrá-la.
Ela rompeu contra ele, rasgando o tecido e agarrando-se
ao seu pescoço. Ela ofegou e gemeu em um ritmo staccato.8
Ele se levantou e virou, levantando-a e apoiando seu
traseiro sobre a mesa. Suas bocas se separaram tempo
bastante para ela agarrar seu cabelo e começar a beijar seu
queixo e pescoço. Ela já tinha rasgado sua cravat. Ele puxou
o casaco, escutando a costura se separar. Seu colete foi tirado
com facilidade.
Ela puxou a camisa de dentro das calças e a levantou
com ambas mãos ao mesmo tempo que depositava beijos
desesperados ao redor de sua clavícula e embaixo de seu
queixo.
Ele se afastou apenas para jogar o tecido para o outro
lado da sala. Ela o puxou de volta para sua boca, pequenos
choramingos vibrando sobre seus lábios.
Suas mãos foram aos joelhos. Esquadrinhou entre um
punhado de seda. Retirou várias camadas até sentir as meias
e Augusta. Ele segurou seus joelhos, separou-os e a trouxe
para frente até que as coxas flanqueassem seus quadris.
O beijo cessou. A cabeça dela caiu para trás.
— Oh, céus. Bastian.
— Aye. — Ele grunhiu. — Será bruto. Desculpe-me, Gus.
Não consigo evitar.
Seus dedos encontram o interior das coxas dela úmidas.
Encontraram seu núcleo encharcado. As dobras macias
estavam inchadas e necessitadas. Ela aceitou seu toque com
ansiedade. Porém pegou seus dedos com uma resistência
virginal.
Ela grunhiu, prendendo-se aos seus ombros, os olhos
fechados enquanto seu corpo recebia seu dedo indicador.
— Calma. — Ele disse. — Tome mais um. — Ele a
apressava, sabia. Mas tudo esquentou e inchou até que sua
maldita pele pulsasse como uma ferida aberta.
Ele inseriu outro dedo, esticando-a. Ela se contorceu e
ajustou seu quadril sobra a mesa, tentando acomodar-se à
intrusão.
Ela era apertada. Malditamente apertada.
Com a outra mão, ele rasgou a abertura de sua calça.
Ela levantou a cabeça. Abaixou os olhos. E os arregalou.
— O... que... Bastian? Supõe-se que isso vá... ?
— Para dentro de você. Aye.
— Oh, acho que não. — Ela apertou os dedos dele. — É
impossível.
— Mais do que possível, amor. Está acontecendo.
Ela levantou os olhos, assustados e frenéticos.
Ele cerrou os dentes e a acariciou com seus dedos,
observando a luz de luxúria acender-se novamente, sentindo
a resposta feminina, doce e escorregadia ondular contra ele.
Com a outra mão, ele abriu três ganchos das costas do
vestido dela.
— Tire seu corpete.
— Humm. — Ela estava ofegando novamente, os olhos se
fechando enquanto se acostumava com os dedos dentro dela.
— Oh, sim. Eu... Estou começando... Oh, você tem um ponto,
Bastian. Suas mãos são esplêndidas... Oh!
— Gus. — Ele disse afiadamente. — Remova seu corpete.
O corset também, se puder. Preciso vê-la.
Desajeitada a princípio, depois com grande urgência e
menos cuidados, ela removeu a seda prateada, escorregando-
a pelos braços para amontoar-se na cintura. Então, ela se
torceu e retorceu para soltar o corset, liberando a pressão de
seus seios.
Seios exuberantes, redondos e cremosos.
Ele a recompensou ao movimentar seus dedos mais
vezes. Então ele agarrou o corset em sua mão livre e o puxou
para baixo, revelando toda sua beleza para seus olhos
famintos. Seus mamilos estavam vermelhos pela excitação,
como ameixas vermelhas, maduras e carentes. Sua pele
estava corada. Pronta.
Ele retirou os seus dedos. Pegou seu pênis em sua mão.
Segurou a coxa dela e a moveu para frente, para a beira da
mesa de carvalho.
— Deite-se. — Ele murmurou, ajudando-a com uma mão
em sua nuca.
Um pequeno vinco de confusão enrugou sua testa, mas
ela não lutou contra ele. Ele se posicionou contra ela, a ponta
de seu membro ardia e se afogava no calor dela.
— Bastian?
Ele segurou os quadris dela, elevou os joelhos e a
penetrou. Um centímetro. Talvez dois.
Um pequeno grunhido feminino de aflição o fez virar a
cabeça para ela. Mamilos. Ameixas doces e vermelhas. Ele
estava morrendo, queria prová-la.
Ele se inclinou sobre ela. Pegou um em sua boca. Sugou
com força.
As mãos dela envolveram o seu rosto. Depois atou-se aos
seus cabelos.
— Bastian. Oh, Deus. Por favor.
Ele se satisfez com ela. Penetrou mais fundo. Outro
centímetro. Talvez dois. Tudo queimava. Sua pele. Seu pênis.
Sua mente. Seu coração.
O outro mamilo, tão duro e inchado. Desejando sua
língua e dentes. Desejando a pressão que ele podia dar. E ele
deu. Sugou até ela choramingar, arranhando sua cabeça e
pescoço.
Outro centímetro. Talvez dois.
Um grito estridente e coxas fortes apertaram de seus
quadris.
Ele queria empurrar. Mais forte.
— Augusta. — Seu gemido longo era um apelo. Ele
implorava. Não poderia esperar muito tempo.
As pernas dela prenderam na parte mais baixa de suas
costas, empurrando-o mais fundo.
Ele enterrou seu rosto no pescoço dela. Beijou e
empurrou. Dura e profundamente. Retirou-se um centímetro.
Penetrou mais fundo. Mais forte.
Tão apertada. Tão suave. Tão bela que fazia sua cabeça
girar.
Ela estava ficando mais estreita. Apertava. Apoderava-se.
Ele se inclinou mais para cima e empurrou mais fundo.
Ela gritou de prazer e se sacudiu contra ele.
Uma névoa dourada, vermelha, cinza e creme envolveu
sua visão. Era Gus. Nada além dela. Seus quadris
trabalhavam duro, seu pênis tomando muito mais do que ele
planejara, até o âmago do corpo dela que o apertava como
uma prensa, ela arqueou contra ele, uma oferta de êxtase. Os
mamilos estavam lá, pequenas ameixas implorando. Ele os
tomou. Empurrou mais rápido. Empurrando e empurrando.
Sentiu seu próprio prazer chegar. A explosão aumentar.
Pulsar. Sacudi-lo violentamente.
Da base de sua coluna, depois atravessando seu pênis e
em sua esposa, sua liberação foi algo divino. O comprimiu,
tornou-o mais bruto. Ele rosnou e empurrou, perguntando-se
quando chegaria ao limite do paraíso. Não chegou. Seu prazer
continuava eterno, suavizando-se lentamente, mas não
acabando. Pois ele ainda estava dentro dela.
Augusta. Sua esposa.
Os olhos cinzentos estavam macios e vidrados, as
pupilas estavam tão dilatadas que os anéis prateados
diminuíram. Os lábios inchados e vermelhos, o pescoço
irritado por seus lábios e queixo. Lentamente, ele soltou os
grampos dos cabelos dela e espalhou as mechas vinho e
chamas pelo carvalho.
Tudo enquanto ele permanecia enterrado profundamente
dentro dela, apertada e quente, sua rigidez quase esgotada
após sua liberação. Mas ela logo retornou. A respiração dela
mudou. Acelerou. Ele inclinou-se para frente e roçou em um
mamilo aveludado, apreciando como o corpo dela arqueou
contra ele.
As suas pequenas mãos calejadas acariciaram as costas
dele e varreram seu cabelo.
— Bastian. Eu... .estou muito sensível. Isso... que está
fazendo... ooooh.
Ele começou a se movimentar novamente, desta vez,
lenta e deliberadamente. A sentiu estremecer, mas manteve o
ritmo. Tomando outro mamilo em sua boca, continuou a
brincar com o primeiro, apertando e esfregando a ponta
madura entre os dedos, testando quão longe ele poderia levá-
la.
Como se verificava, os limites dela eram ilimitados. Ela
amava a brusquidão dele. Deleitava-se com a pressão forte
dos dedos, a sucção firme dos lábios, o impulso constante de
seu pênis, mesmo dolorida.
Ela o aceitava de qualquer jeito. E gemeu, arqueou-se
por mais. Implorou. Bastian. Bastian. Bastian. Como uma
prece de prazer.
Ele lhe agraciava com tudo o que tinha, deixando o corpo
dele levá-la até o limite para depois vibrar e torná-los ainda
mais unidos. Elevá-los. Ela deslizou a mão por todos os
cantos, costas, pescoço, cabelos e peito. Ela descobrira que
poderia dar-lhe prazer ao correr seu polegar calejado sobre os
mamilos dele.
Desta vez durou mais do que a primeira, mas não
demais, afinal. Ele não conseguiu sustentar o ritmo
constante, precisando montá-la mais forte. Mas
profundamente.
Assim ele fez, envolvendo as pernas dela ao redor da
cintura novamente e apoiando os cotovelos acima da sua
cabeça, assim o peito dele daria prazer aos seus seios. Desta
vez, ele assistiu mais de perto quando ela atingiu o pico.
Ouviu cada respiração, cada gemido, cada ofego. Saboreou a
visão do pescoço dela arqueando-se, a boca abrindo-se para
um longo gemido. Ele amava como ela corava e sua paixão
forte e frenética.
Ele a... amava.
O pensamento, que não era uma surpresa, nunca o
deixava de surpreender. Acendeu um fogo embaixo de seu
prazer que ele nem mesmo sentira da primeira vez.
Ele veio repentinamente. Afiado. Explodiu em um
cataclismo tão intenso que ele pensou que podia voar. Talvez
ele tivesse mesmo, porque quando retornou à Terra, sentiu
como se tivesse voltado para um novo formato.
Partido em pedaços e refeito pelas mãos gentis e
calejadas de Augusta.
CAPÍTULO 20

“As manhãs são uma excelente oportunidade para definir um


tom adequado. Uma palavra bondosa, um gesto afetuoso ou
um humilde pedido de desculpa, amenizam muitos dos agravos
que uma esposa pode sofrer ao longo do dia. Ser acordada
muito cedo, por exemplo. Ou estar casada com um homem”.

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta explicando medidas efetivas para alcançar a
tranquilidade doméstica.

Ao acordar na cama de Sebastian na manhã seguinte,


Augusta se espreguiçou e estremeceu. Bons céus, ela se
sentia como se tivesse sido atirada de um cavalo e, em
seguida, lavado a roupa de cama de uma casa inteira.
Foi glorioso. Ela sorriu, virando sobre suas costas e
piscando diante da luz das janelas.
Ele a amara quatro... não, cinco vezes. As primeiras duas
se misturaram um pouco. As últimas três foram mais lentas.
Ele foi meticuloso. Com as mãos. Com a boca. Sim, muito
diligente, de fato, como se tivesse que provar algo.
Deus, como ela o adorava, seu homem bruto.
Nada que ele fizera foi surpresa para ela, exceto o
extraordinário prazer. A sua mãe era uma mulher franca e
realista que insistira que, antes de morrer, Augusta estaria
bem informada sobre cada aspecto da feminilidade e do
encontro conjugal. Aos onze anos, Augusta sentou-se na beira
da cama de sua mãe com olhos arregalados e assustada com
as descrições.
— Ele tocará em você, em todos lugares, Augusta.
Ela engoliu com dificuldade e abaixou o rosto para seu
próprio corpo reto.
— Aqui?
— Quando seus seios crescerem, entenderá o porquê isso
é prazeroso.
— Eu acho que não gostarei de ter seios.
Mamãe riu e rapidamente virou uma tosse terrível antes
que ela continuasse.
— Você sentirá dor na primeira vez que ele a levar à
cama. Um homem de valor garantirá que isso seja equilibrado
pelo prazer, mas deve estar preparada para o desconforto.
Diminui consideravelmente depois da primeira ou segunda
vez.
— D-Desconforto?
As feições magras de mamãe se abriram com um sorriso.
— Escolha um bom homem, minha querida e logo
esquecerá que tal dor ocorreu. Agora, vamos passar para a
gravidez.
— Devemos?
Augusta ainda podia ouvir as risadas da mãe, sentir o
aperto de suas mãos fortes e capazes, ver o amor inabalável
em seus olhos. Augusta sorriu diante da memória, sabendo o
quanto sua mãe gostaria de Sebastian. Seu pai teria aprovado
também, ela pensou. Principalmente após descobrir que
Sebastian estava na linha de sucessão para herdar um título.
Seu pai queria cavalheiros — preferencialmente com títulos —
para suas filhas. Ela queria manter a promessa que lhe fez de
que encontraria um cavalheiro de qualidade para Phoebe.
Glassington podia ter um título, mas certamente não
tinha qualidade.
Ela suspirou e se virou, perguntando-se para onde
Sebastian fora. Ela queria falar com ele sobre a sua irmã.
Rapidamente se lavou e se vestiu, colocando um vestido
macio e graciosamente drapeado de lã azul.
Ela o encontrou na sala de desjejum, bebendo café e
lendo o The Times, franzindo a testa entre os óculos. Phoebe
estava ali também, os lábios sem cor, olhos vazios. Augusta
franziu a testa.
— Phee, perdeu o apetite de novo?
Phoebe olhou para cima.
— Bebi chocolate e comi um pão.
— Sem ovos? Talvez um pouco de bacon?
Phoebe balançou a cabeça.
— Vamos, você deve comer mais do que...
— Deixe-a. — Sebastian falou tranquilamente, dobrando
o jornal e guardando os óculos no bolso do casaco.
Augusta piscou e ergueu uma sobrancelha em sua
direção.
— Perdão?
Phoebe empurrou sua cadeira e se levantou.
— Eu tenho chá e biscoitos de gengibre em meu quarto.
Mais tarde, talvez. Por favor, desculpem-me. — Ela saiu
parecendo doente e apática.
Pegando o seu café da manhã e tomando o assento ao
lado do marido, Augusta esperou que o lacaio saísse antes da
falar em voz baixa:
— Ela deve comer, Bastian. Você sabe o motivo.
— Humm. Ela também sabe porquê. — Ele deu um gole
em seu café parecendo irritantemente imperturbável pela
irritação dela.
— Você não entende nada. — Ela espetou, o garfo
batendo com força no prato enquanto ela cortava seu ovo
cozido. — Quando estávamos na pensão, tudo o que
conseguia fazer era a persuadir a comer um pedaço de pão
com manteiga. Ela estava terrivelmente doente...
— Aye. Agora ela está melhor. Você a tem controlado por
tempo demais, Gus.
— Eu não a controlo.
Ele bufou.
Ela derrubou seu garfo e inclinou em direção a ele.
— Eu não a controlo. — Ela falou entre os dentes. — Eu
cuido dela. É minha irmã.
— Em breve ela será uma mãe. — Os olhos dele vagaram
entre os lábios e o colo dela. — Então você também será, se as
coisas continuarem como na noite passada, hein?
O calor surgiu em todas as partes: ventre, seios, quadris
e pele.
— Não mude de assunto.
— Amor, porque está preocupada? Este assunto é
sempre prioritário em meus pensamentos. Tem sorte por eu
me conter.
— Conter-se? Cinco vezes é se conter?
Olhos pretos encontraram os seus. Eles estavam duros e
febrilmente quentes.
— Aye.
Bons céus. Ela mal podia respirar.
— Bastian.
— Pare de me tentar, Gus. Aposto que está muito
dolorida para as consequências.
— Como estou o tentando? Apenas disse seu nome.
— Precisamente. — Ele a fitou com ar zangado. — Talvez
eu deva ir ao clube.
A sua irritação com ele voltou.
— É a manhã após nosso casamento. Você ficará aqui,
ao lugar a que pertence.
— Aí está você me tentando novamente. Melhor terminar
seu desjejum, amor. Se continuar assim, precisará de energia.
— Não seja ridículo. Não fiz nada remotamente
provocativo... Humpf!
Ele segurou sua nuca e a puxou para um beijo antes que
ela pudesse terminar a frase. Ele tinha sabor de café e
luxúria. Quando ele a soltou, o vestido parecia muito quente,
muito apertado e... Oh, como ela o queria.
— Bastian. — Ela ofegou contra a boca dele.
— Aye, amor. — Ele respondeu, acariciou um ponto
sensível nas costas de seu crânio, um pouco acima da nunca.
Ele provocou arrepios que se estenderam por toda a sua
coluna.
— Estou preocupada com Phoebe.
— Eu sei.
— Quero ajudá-la.
Ele a beijou mais uma vez, desta vez com doçura, lenta e
ternamente.
— Nós iremos. Tenho um plano.
— Conte-me.
Ele suspirou. Riu. Soltou a nuca dela.
— Você é a mulher mais obstinada que eu já conheci,
Augusta Kilbrenner.
Ela sorriu, ouvindo prazer na voz dele.
— Isso me serviu muito bem.
Ele respondeu com um resmungo. Depois recostou-se na
cadeira e cruzou os braços sob o peito.
— A mulher com quem Glassington planeja casar-se.
— Uma herdeira. Sim?
— Aye. O nome dela é Srta. Elder. Planejo falar com o pai
dela esta tarde. Se o homem tiver algum bom senso, ele
evitará o casamento.
Esperança — um assustador grau de esperança —
apertou o seu peito.
— Você... acha que funcionará?
— Depende. Shaw mencionou que ele avistou a Srta.
Elder e Glassington por acaso no lado de fora de uma loja na
Piccadilly há pouco tempo. Disse que ela parece ser afetada.
— Ele deu de ombros. — O pai dela pretende lhe comprar um
título, isso está claro. Se custar a infelicidade dela...
Ela assentiu, mordendo o lábio.
— Sim, concordo. A menos que ele lhe tenha muito afeto,
pode ignorar seus alertas em favor de transformar sua filha
em uma condessa.
— O que o seu pai teria feito?
Piscando, ela considerou a pergunta.
— Papai nos queria seguras e felizes. Embora acreditasse
que um título nos daria melhores chances, ele preferiria que
tivéssemos ambos, com título ou não.
Sebastian assentiu.
— Ele não teria aprovado Glassington.
—Não, suspeito que não.
Ash entrou, carregando um bule de chá fresco. Ele o
colocou na mesa com um ruído e soltou um ruído dramático.
— ‘Bule muito pesado, Lady Reaver. Uau! Eu priciso de
otra fatia de bacon, si pudé guardá pra um pobri moço que
trabaia inté os dedos ficarem nos ossos.’
Augusta ergueu a sobrancelha.
— Já terminou suas tarefas na cozinha?
— ‘Cad'uma dela. Carreguei madera. Varri o chão. Inté
limpê os bule.’
Ela cerrou os olhos na direção dele.
— E os estábulos?
Ele trocou o peso dos pés e olhou para o chão.
— ‘Pódi sê qui dexei uma tarefa ou duas’.
— Quais?
— ‘Cuidá das baia’.
Ela esperou.
— ‘Limpá as sela’.
Ela conteve o riso. O garoto era incorrigível.
— Você entrou no estábulo esta manhã, Ash?
— ‘Nah.’
— Passou a noite inteira em seu quarto?
Seu pequeno queixo se ergueu.
— ‘Aye, di verdade, Lady Reaver. Prometi, num foi?’
— Sim, prometeu. — ela disse gentilmente, incapaz de
impedir-se de acariciar os cabelos dele. — Muito bem, você
pode pegar mais bacon. Mas espero que termine as suas
tarefas no estábulo. E não fuja, entendeu? Deve dizer a Sra.
Higgins quando terminar.
Como sempre, ele parou de prestar atenção no momento
em que ela lhe deu o que ele queria. Correu até o aparador e
encheu um prato com uma pilha de bacon e voltou à cozinha.
Sebastian estava de pé ao seu lado. Ele abaixou-se e
beijou sua boca com um pouco mais de fervor do que ela
esperava. Ela gemeu e se derreteu, agarrando-se a nuca dele
e o puxando com força em sua direção.
Porém ele se afastou para encará-la.
— Devo ir. Você me faz a querer demais, mulher.
— Faço?
— Aye. Você é malditamente maravilhosa.
Ela piscou, sua garganta se apertou.
— Sou?
— Você é, amor.
— Estará aqui para o jantar?
— Voltarei.
— Porque eu o quero em casa o mais breve possível.
— Então é assim?
— Até mesmo para o almoço.
Ele a beijou de novo.
— Ou... para o chá no meio da manhã.
E de novo.
— Agora, Bastian. Deveríamos ir lá para cima...
Ele a beijou pela última vez, sorriu perversamente e
acariciou sua bochecha.
— Gosto quando me chama de Bastian.
— É como eu penso em você. — Ela confessou em um
sussurro. — Meu bastião. Uma fortaleza de pedra ao meu
redor.
— Deus, amor. Eu a tomarei aqui, bem em cima da mesa
se não parar de me tentar.
— Oh. E eu estou fazendo objeção?
Ele se afastou, a pele de suas bochechas e queixo estava
corada.
— Maldição. Inferno maldito, Gus.
Enquanto ele saia da sala de desjejum, suas calças
justas oferecendo uma prova de seu desejo, ela o avisou:
— Vou esperá-lo para o jantar.
Um resmungo foi a única resposta.

*~*~*

Do lado de fora da casa absurdamente ostensiva nos


limites de Mayfair, Reaver observava sua respiração sair em
fumaças no ar gelado e olhou duro para Shaw.
— O que diabos foi aquilo?
Shaw apertou seu chapéu com mais força sobre sua
cabeça e ergueu uma sobrancelha.
— Ao que se refere?
— Você fez uma maldita bagunça.
Ele fungou.
— A opinião de um homem. Diria que eu fiz um
argumento claro e bem argumentado.
— Você disse ao homem que a filha dele não teria
chances de conseguir um título como o de Glassington caso
ele se recusasse a permitir a união.
— O que é a verdade. Você não a viu, Reaver. Pele pálida.
Dentes mais adequados ao Coronel Smoots ,aqui. — Ele
apontou para o cavalo de Reavers.
Reaver passou a mão enluvada sobre o rosto.
— Não me surpreenderia se Elder apressasse o
casamento agora.
— Sendo franco, Glassington é precisamente o tipo de
cavalheiro que ele se propôs a prender pelos pés. Titulado e
desesperado. — Ele deu de ombros. — Quem culparia um pai
por esperar...
— Quando eu lhe contei da tendência de Glassington em
seduzir e abandonar jovens damas, você disse que ele deveria
prevenir o desastre ao localizar um clérigo imediatamente.
— Bom conselho.
— Então deixou implícito que Glassington poderia
amadurecer uma vez casado.
— Pode acontecer. Alguns homens amadurecem.
— O que eu direi à Augusta?
Shaw olhou para as suas botas. Apertou e abriu os
punhos. Sua mandíbula endureceu. Quando ergueu os olhos,
estavam em chamas.
— Diga a ela que Phoebe não se casará com aquela
miserável pilha de esterco.
Impressionado pela ferocidade fria de Shaw, Reaver
avaliou o homem com quem construiu um império. O homem
que era o seu melhor amigo desde os tempos nas docas. Ao
contrário de Reaver, ele nunca apresentara mau humor ou
inquietação imprevista. Suas paixões eram limitadas a navios
britânicos, excelente chá e o clube. Reaver assumira que
Shaw se deitava com muitas mulheres, mas raramente
discutiam sobre isso. Shaw nunca se vangloriou de suas
conquistas ou mesmo as mencionava. E, acima de tudo, ele
não era sentimental. Alguns momentos antes, Reaver teria
jurado que nenhuma mulher merecia a obsessão de Shaw.
Evidentemente, uma mulher o fizera mudar de ideia.
— Deus, Shaw. O bebê não é seu. Já considerou...
— Mas ela é minha. Ela é.
— Já considerou lhe perguntar o que ela quer?
— Você perguntou?
Reaver franziu a testa. Ele não tinha. Ele presumiu que
Phoebe queria que Glassington se casasse com ele e fizesse o
certo pela criança.
— Ela está apaixonada por mim. — Shaw disse com voz
severa
Reaver nem se importou em perguntar o que Shaw
sentia. A emoção crua em seu rosto era como olhar-se no
espelho.
— Se ela concordar em se casar com você, não será nada
fácil. Você entende melhor do que ninguém. E será duas vezes
pior para a criança. Está pronto para o que está por vir?
— Nenhum homem ousará me contrariar quando Phoebe
e eu nos casarmos. Quando eu fizer, a criança será minha.
Legalmente.
— Shaw.
A voz dele ficou baixa. Mortal.
— E ela será minha.
— Você não está pensando com clareza, homem.
— Você supõe que eu não sei que seremos desprezados?
— A voz, como um chicote, bateu com precisão. — Passei a
minha vida inteira sendo posto em meu lugar. Passei a minha
vida me esforçando pelo que eu queria, irritando a todos.
— Eu sei. Lutei ao seu lado.
— Sim. E às vezes me carregou.
— Você fez o mesmo.
— Não serei nada sem ela, Reaver. Malditamente nada.
Reaver abaixou o olhar para o gelo sobre os pés. Ele
exalou e sacudiu a cabeça, observando o vapor subir.
— Aye. — Ele respirou profundamente. — O que
pretende fazer?
— Lutarei.
— Ela deseja ser conquistada?
— Ela desejará.
Esfregando a testa com os dedos, Reaver olhou para o
seu amigo estúpido e apaixonado.
— Muito bem. Se você a convencer, o ajudarei com o que
puder.
— Obrigado, Reaver.
— Aye. Você estará me amaldiçoando por permitir que
siga essa maluquice quando Augusta descobrir o seu plano.
— Ela não pode impedir.
Reaver riu alto e profundamente enquanto virava para
montar o seu cavalo. Coronel Smoots se moveu inquieto
embaixo dele antes de parar. Ele era um bom cavalo, grande e
robusto.
— Ah, Shaw. Nunca o considerei um tolo. Você não tem
ideia do que virá em seu caminho. Deus nos ajude.
CAPÍTULO 21

"E presentes, Sr. Kilbrenner. Não negligencie os presentes”.

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em um adendo à carta que recordava o cavalheiro citado, as
recomendações para manter a tranquilidade doméstica.

Algum tempo depois do almoço, um pacote chegou para


Augusta. Dentro dele, ela encontrou uma garrafa de um
creme de leite de rosas para as mãos, uma jarra de óleo de
amêndoa doce e um par de luvas brancas macias e bordadas
com um requintado buquê de rosas rosa e folhas douradas.
Embaixo das luvas havia uma nota que dizia: Para Gus. Para
as mãos que eu mais amo. Sempre seu, S.
Lentamente, ela sorriu e deslizou um dedo sobre o rótulo
do leite de rosas, sobre o bordado das luvas sedosas. Ele a
amava. Deveria. Para amar suas mãos vermelhas, rachadas,
calosas, ele deveria amá-la muito.
Um prazer quente e doloroso a preencheu até ela pensar
que isso iria se derramar ou fazer com que o seu coração
explodisse. Parecia como... alegria. Muita. Era muita alegria.
Desejou vê-lo. Para tocá-lo e beijá-lo.
Augusta apertou as luvas contra o peito, mordeu o lábio
e formulou um plano em que ela o visitaria no escritório e se
recusaria a partir até que ele lhe desse o que ela queria: ele.
— O que ele lhe deu? — Phoebe disse atrás dela. Seus
olhos azuis continuavam vazios, como antes, mas agora
também estavam vermelhos. Ela estivera chorando.
Augusta se aproximou da irmã, estendendo a caixa,
assim ela poderia ver.
Phoebe olhou os itens e assentiu.
— Estou feliz por ele ter decidido incluir o óleo.
Seu coração se apertou um pouco; Augusta se perguntou
se não interpretara errado o presente. Talvez fosse uma
simples cortesia e não um gesto cuidadosamente planejado,
inspirado no amor como assumira.
— Foram sugestões suas?
— Apenas o óleo. Eu descobri uma formulação para uma
ótima pomada. Quando ele mencionou o presente que
planejava, pensei que poderia gostar... Oh!
Augusta pulou em cima da irmã e a abraçou.
Phoebe riu surpreendida.
— O que é isso?
— Nada. Apenas que... Ele me ama.
— É óbvio que ele a ama, tolinha. O homem é certamente
louco sobre isso.
— Eu nunca pensei...
Phoebe se afastou para olhar nos olhos de Augusta.
— Você merece a maior felicidade. Agradeço a Deus por
ter encontrado Sebastian, apesar das circunstâncias em que
se conheceram tenham sido penosas.
Augusta levou um cacho perdido para trás da orelha de
Phoebe e avaliou os círculos escuros embaixo de seus olhos.
— Conte-me o que está errado, Phee.
Suas sobrancelhas se uniram. O lábio inferior tremeu.
— Não posso.
— Sim. — Augusta ordenou. — Você pode. Deve.
— Já a sobrecarreguei por muito tempo.
— Você nunca me sobrecarregou.
Phoebe bufou, retorcendo a boca.
— Não minta. Eu nunca fui nada além de um peso.
— Isso é uma completa bobagem e você sabe muito bem
disso.
O queixo, pequeno e delicado, firmou-se e inclinou-se em
um ângulo familiar. Recordava a Augusta a si mesma. Agora
tinha uma ideia de como Sebastian devia se sentir quando ela
agia com teimosia. O homem devia realmente amá-la, pois
isso era muito irritante.
— Se for sobre Glassington. — Augusta tentou. — Eu
prometi que eu o faria manter sua palavra. Não deve se
preocupar.
A afirmação pareceu apenas aumentar o estado
miserável de Phoebe. Seus olhos brilharam.
— Dane-se tudo! Conte-me o que há de errado. — Ela
alfinetou. — Este é o momento, Phee.
A boca de Phoebe se abriu, se para explicar ou para
irritá-la ainda mais, Augusta não saberia pois foi
interrompida por Anne, que entrava apressada no vestíbulo
parecendo preocupada.
— Desculpe-me, Sra. Kilbrenner. Você viu Ash?
Augusta franziu o cenho para a governanta. Ela não
gostou do rosto preocupado da mulher.
— Não. Já o procurou nos estábulos?
Anne visivelmente engoliu em seco.
— Já procurei em todos os cantos. Eu acho... Eu acho
que ele foi levado.
O frio se espalhou por ela.
— John atendeu um chamado na entrada de serviço
ontem. — Anne explicou. — Era um homem que afirmava ser
varredor, oferecendo os seus serviços. John recusou, claro.
Nossas chaminés são impecáveis. Mas o homem ficou do lado
de fora da casa. Teedle diz que o viu uma hora depois
observando entre as frestas do portão.
O frio virou gelo, congelando Augusta por dentro.
— Qual a aparência dele? — Ela sussurrou, tentando
recordar de tudo o que Ash lhe dissera. Não era muito. O
menino dormira em seu quarto por semanas, aterrorizado
demais para ficar em outro lugar. Ela ouvira seus pesadelos.
O abraçara o quanto podia antes de ele se esquivar. Isso
partia seu coração em dois. Agora Ash começara a dormir
profundamente, mas Augusta ainda recordava o medo dele
muito bem.
— Grande. — Anne disse. — Não alto, mas grande. Com
grandes papadas, como um buldogue.
A sala mergulhou e girou. O Cão. Era como Ash chamava
o monstro em seus pesadelos. O Cão.
Se o homem pegara Ash, ele podia fazer qualquer coisa.
Ele podia quebrar o menino em dois.
Santo Céu, Augusta não suportaria isso.
— Eu devo encontrá-lo.
As mãos de Phoebe apertaram a dela, pegando a caixa
que Augusta quase derrubou.
— Nós temos que encontrá-lo. Você não está sozinha,
Gus.
Augusta olhou para a barriga de Phoebe escondida pelas
dobras do vestido.
— Não. Fique aqui, onde é mais seguro.
O queixo dela voltou a ergue-se teimosamente.
— Eu irei com você.
— Assim como eu. — Disse Anne.
Augusta abriu a boca para recusar, mas Phoebe
continuou calmamente.
— Nós devemos fazer uma parada no clube e pegar
Sebastian.
Sebastian. Ela não estava sozinha, Augusta se esquecera
que ela tinha... Bastian. Seu protetor. Sua fortaleza. Seu
marido.
Phoebe estava certa. Ela não estava sozinha. Augusta
ouviu como Anne ordenou John a preparar a carruagem.
Depois ela puxou a irmã que ia em direção às escadas.
— Não quero que chegue nem perto disso, Phee. Deve
pensar no bebê.
— Eu não me porei em risco. — Phoebe franziu o cenho.
— Talvez devamos levar Duff também. Eu o vi despachar um
cavalheiro indisciplinado uma vez do clube. Suspeito que a
cabeça do homem ainda esteja zumbido.
Enquanto elas recolhiam suas peliças e bonnets,
subiram na carruagem junto a Anne e se seguraram nas
laterais da carruagem que voava para a St. James, Augusta
lutava contra o pânico. Ele se expandia por suas costelas,
agitando e a atormentando com visões do pequeno e quebrado
corpo de Ash. Os olhos escuros e vazios de Ash. Os braços
magros de Ash que a envolveram uma ou duas vezes e que
apenas quando ela se recusou a soltá-lo imediatamente.
Ela queria machucar o Cão pelo que ele já fizera com
Ash. Vê-lo ser esmagado, ferido e triturado, ouvi-lo implorar
por misericórdia. Mas se ele tivesse machucado ainda mais o
menino depois de ela ter prometido que Ash estaria em
segurança, ela o mataria. Ela encontraria uma pistola, uma
espada ou uma faca. Ela cortaria o homem em dois.
Elas chegaram à entrada traseira do clube após o que
pareceu semanas a Augusta. Enquanto Anne e Phoebe
falavam com o Sr. Duff, Augusta correu ao escritório de
Sebastian, seu coração e respiração acelerados.
Frelling olhou para cima assustado.
— Pois, Sra. Kilbrenner! — Ele ajustou os óculos. —
Temo que o Sr. Rea..ver, Sr. Kilbrenner saiu.
Seu coração afundou-se. Ela precisava de Sebastian.
Precisava dele mais e mais a cada segundo que passava.
—Onde? Por favor, Sr. Frelling. É um assunto
urgentíssimo.
— Ele foi conversar com o Sr. Elder. O espero dentro de
uma hora.
Ela não podia esperar. O tempo pulsava ao seu redor,
esvaindo-se assim como as chances de Ash.
— Papel, Sr. Frelling. Preciso de papel e caneta.
Minutos depois, ela subia na carruagem com Anne e
Phoebe. Duff sentou-se com o cocheiro e John na traseira.
Eles percorreram as ruas molhadas do inverno de Londres, as
batidas dos cascos dos cavalos ecoando os galopes de seu
coração.
Uma mão pequena e firme apertou a dela. Olhou para
Phoebe, cujos olhos estavam calmos e sorrindo com
segurança.
— Nós o acharemos, Gus.
O rosto dela ficou distorcido quando os olhos de Augusta
brotaram e inundaram-se. Ela secou as lágrimas
impacientemente. Incapaz de falar, simplesmente assentiu.
Uma eternidade se passou antes de chegaram a
Cheapside. A rua estava entupida de carroças, carruagens,
cavalos e homens. Fedia a animais e ecoava os gritos
daqueles que vendiam suas mercadorias.
O tráfego diminuiu, mas as ruas se estreitavam
enquanto eles viraram uma esquina em direção à pensão.
Antes que a carruagem parasse completamente, Augusta
abriu a porta da carruagem. Seus pés não a carregavam
rápido o bastante. À distância, ouviu Phoebe a seguindo.
Como sempre, a Sra. Renley foi de pouca ajuda. A
mulher rechonchuda e olhos vermelhos que fitaram de soslaio
diante das perguntas de Augusta.
— Garoto? Não vi nenhum garoto.
— Sabe onde um garoto poderia ficar perto daqui? Pode
ser que existam mais de um. Limpadores de chaminés ou...
— Um monte de batedores de carteira, quer dizer. Não.
— Ela balançou a cabeça e depois pareceu pensar melhor
sobre isso enquanto batia os pés. — O último batedor de
carteira que eu vi, sumiu com uma semana de aluguel. Se eu
soubesse onde ele estava, teria lhe dado uns bons cascudos.
Augusta cerrou os dentes. Ela depositara todas as suas
esperanças na ajuda da Sra. Renley. Deveria ter mais juízo. A
mulher não servia de ajuda nem para remover ratos mortos
das escadas. Blasfemando entre os dentes, Augusta se virou
para Anne, que parecia tão frenética quanto ela.
— Devemos começar uma busca, casa por casa. Ele e os
outros garotos estão em algum lugar perto daqui. Apenas não
sei onde. — Ela esfregou a testa, desejando que Sebastian
estivesse ali, a apoiando.
— Augusta. — Phoebe falou suavemente atrás dela.
Augusta se virou. Sua irmã estava parada ao lado de
uma mulher alta e magra de cabelos castanhos escuros e
seios pequenos.
— Srta. Honeybrook?
A mulher com um sorriso cínico e uma incomum
variedade de uniformes caminhou em sua direção.
— Srta. Widmore. Entendi que está procurando por um
bando de jovens bandidos. Chamam-se a si mesmos de
varredores, embora estejam mais inclinados a limpar seus
bolsos do que as chaminés.
— Sim. Você sabe onde posso encontrá-los?
A Srta. Honeybrook apontou a cabeça em direção a um
beco ao sul do prédio.
— Quatro casas para baixo. Eu os vejo indo e vindo. O
mais velho me fez uma proposta. — Sua boca se curvou e ela
rolou os olhos. — Eu lhe disse que ele ainda teria mais alguns
anos de mergulho antes que pudesse lidar comigo.
Phoebe sorriu para a Augusta que devolveu o sorriso, seu
coração batendo aliviado.
— Obrigada, Srta. Honeybrook! — Augusta gritou por
cima do ombro enquanto ia para a porta. Ela parou diante da
porta fechada. — Oh, e se um gigante de cabelos pretos
aparecer perguntando onde eu fui, por favor lhe conte.
— Gigante?
— Sim. E não lhe ofereça os seus serviços. Ele é meu.
Ela recebeu um sorriso cínico.
— Seu. Entendido.
O beco mal tinha espaço o suficiente para a carruagem,
então eles foram a pé, Augusta e Phoebe na frente, seguida de
Anne, Duff e John, enquanto o cocheiro pegava o caminho da
rua adjacente. A quarta casa era mais dilapidada do que o
casebre da Sra. Renley, mesmo na frente. Os tijolos estavam
desmoronando, alguns inclusive haviam caído e virado pó. As
poucas janelas estavam quebradas, sujas, com as estruturas
caídas. A porta estava fechada, como Augusta descobriu
frustrantemente ao tentar mover a maçaneta.
Mãos grandes tocaram seu ombro e a afastou. Era o Sr.
Duff. Ele balançou a cabeça para ela.
— Deixe-me, Sra. Kilbrenner, por favor. Reaver vai me
atacar com razão se algum dano acontecer com você.
— Ela engoliu em seco. Recuou. Olhou ao redor, para
Phoebe que parecia preocupada, suas mãos descansando
sobre o ventre. Percebendo que agia como se ainda lutasse
sozinha, Augusta assentiu e recuou até perto da carruagem.
— Deve ser sensata, Augusta. — Phoebe advertiu. — Não
temos ideia do que este vilão pode fazer.
Augusta assentiu, sentindo como uma garota sendo
repreendida pela mãe. De fato, neste momento, Phoebe
parecia muito a mãe. Forte. Firme. Tranquila.
Elas assistiram Duff e John primeiro baterem e então
quebrarem a porta com um duro empurrão com o ombro de
Duff. O batente, aparentemente apodrecido, facilitara a
entrada. Quando eles entraram, Augusta conseguiu ver
detritos espalhados pelo chão no interior escuro.
O seu peito doeu forte ao observar os dois homens
desaparecendo no interior.
Longos minutos se passaram nas quais a prensa que a
apertava cada vez mais provocou dor. Seu estômago se
contorceu, esperando que ela se movesse. Para encontrar
Ash. Para assegurar que ele não seria ferido ou...
Ela não conseguia contemplar o ‘ou’. Ele devia estar vivo.
— Eles o encontrarão. — Phoebe murmurou, dando uma
palmadinha na mão de Augusta.
— Eles irão. — Anne afirmou. — Duff é forte e John
gosta do nosso ratinho.
Ela rezou para que fosse verdade, mas o medo em seu
ventre, oscilando e fazendo-a querer vomitar, pesava com a
dúvida. Ela odiava esta espera. Normalmente ela estava muito
ocupada com os seus planos e batalhas para prestar atenção
ao medo. Ficar ociosa enquanto os outros lutavam, não
combinava com ela.
Um movimento de algo na janela superior atraiu o seu
olhar. Ela juntou as sobrancelhas e cerrou os olhos tentado
ver além da sujeira. Era um braço. Magro e pequeno. Depois
uma mão pequena espalmada contra os painéis. E um ombro
preso no vidro.
O coração de Augusta parou. Aquela janela era muito
alta para o ombro de um garoto alcançar o terceiro painel.
Alguém estava o segurando no alto. Empurrando-o com força.
O pequeno corpo estremeceu e uma bochecha deslizou
achatada ao longo da coluna.
Oh, Deus. Era Ash. Ela sabia. Ele estava sendo
torturado.
Ela não pensou. Não havia nada além do menino.
Nenhum som. Nenhum pensamento. Nenhuma consideração
além de uma: ela deveria salvá-lo.
No interior do prédio ela encontrou as escadas
rapidamente. Ergueu as saias e subiu, automaticamente
evitando rachaduras e obstáculos, mas, mesmo assim,
tropeçou duas vezes.
Precisava alcançá-lo. Precisava matar o Cão. Precisava
salvar o menino.
Ela localizou a sala no canto do segundo andar. Ouviu
um baque antes que pudesse entrar nela. E viu o Cão, gordo,
baixo e malvado pairando sobre um Ash que cuspia.
Viu tudo através de uma névoa vermelha.
— Ponha outro dedo sobre o meu menino e eu o rasgarei.
— Ela rosnou.
O Cão se virou, a mandíbula tremendo com o
movimento. Então ele riu. O filho da puta riu.
Aos seus pés, Ash gemeu e se ergueu sobre os cotovelos.
— Não. — O garoto ofegou, lutando para se levantar. —
Lady Reaver. Deve ir.
— Reaver, ãh? — O sorriso do Cão se tornou um sorriso
de escárnio, sua mandíbula ondulando enquanto ele engolia
em seco. — Você é a mulher dele?
— Eu sou a esposa dele. Agora, solte o garoto.
— O garoto me pertence. Como eu vejo, você o roubou de
mim.
Augusta entrou mais um pouco na sala. Á distância ela
ouviu respirações pesadas atrás dela. Anne, ela supôs pelo
som dos passos e pelo chiado da respiração.
— S-Sra. Kilbrenner. Deve ficar atrás de mim, agora.
Os olhos do Cão se estreitaram, a gordura de suas
bochechas quase os engolindo.
— Kilbrenner. Não Reaver, afinal. — O sorriso retornou,
vil e satisfeito. — Vadia estúpida. Veio pegar o que é meu, não
veio?
— O menino é meu. — Augusta falou, as palavras
emergindo baixas e ressonantes, diretamente do centro de seu
ser. — Você o devolverá a mim ou, Deus me ajude, eu o verei
morto.
Ele assobiou zombeteiramente.
— Impetuosamente uma grande ameaça. Você e essa
cadela gorda não podem ver um rato morto.
Ash com olhos arregalados e tremendo passou correndo
pelo Cão, mas a criatura vil agarrou seu braço e o atirou para
trás. Ash caiu com um gemido e levou um braço ao redor das
costelas.
— Não se mexa. — Ele apontou para Augusta. — Saia
daqui, vocês duas. Ou mostrarei a vocês o que eu faço com
aqueles que roubam de mim.
Tudo aconteceu lentamente, mas ao mesmo tempo. A
fúria de Augusta pintou a sala de vermelho. Seus pés a
levaram em direção a uma corrida mortal. Ash gritou. Anne
gritou. O Cão tropeçou para trás, a surpresa brilhando em
seus olhos de serpente. Ela bateu na parede nojenta de carne
com toda a sua força, golpeando, arranhando, agarrando suas
orelhas e as puxando com força suficiente para rasgá-las.
Mãos gordas agarraram seus braços, mas ela beliscou e
retorceu tudo o que ela podia alcançar, fazendo o Cão gritar e
guinchar.
Repentinamente a dor explodiu no meio de seu corpo.
Sem conseguir respirar, cambaleou para trás. O Cão gritou
alguma coisa. Levou as mãos aos ouvidos. Acusou-a. Ash
escapou dos braços de Anne e agarrou a perna do filho da
puta, mordendo até o sangue sair e derramar-se.
Um grito. Ofego.
Quem ofegava era ela. Ela não conseguia respirar. Oh,
Deus, seu peito não funcionava. Doía. Muito. Ele deve tê-la
atingido. A dor irradiava. Consumia. Sem ar. Seus pulmões
trabalhavam para se encherem. Ela se encostou contra a
parede, lutando para se levantar quando ficou sem ar. Pontos
flutuaram em sua visão.
Precisava proteger Ash. Precisava ajudar Anne que
estava golpeando o Cão com os restos de uma cadeira. As
costas de Augusta deslizaram contra a parede.
Pontos pretos, estrelas e nenhum ar.
Suas costas bateram no chão. Sua cabeça flutuou e a
sala ficou cinza.
Foi quando ouviu aquilo. O estrondo. O rugido. Uma
tempestade louca e trovejante caiu sem rédeas sobre o mundo
com uma fúria assassina. Ruídos surdos vieram enquanto a
tempestade encontrava a carne. Apelos tristes e vis por
misericórdia. Então, apenas estrondos e os sons doentios de
ossos quebrando e a voz profunda de alguém falando.
— Basta, Reaver. É suficiente.
Em seguida ela sentiu mãos pequenas acariciarem seus
cabelos. Braços finos demais a abraçarem apertados. Uma voz
baixa e doce sussurrando em seus ouvidos.
— ‘Num quis quebrar minha promessa. Num quis, Lady
Reaver. Eu sinto. Sinto muito.’
Ela quis responder, dizer ao garoto que era ela quem
sentia por falhar em não ter conseguido protegê-lo. Mas os
pontos negros aumentaram e a cabeça dela caiu e a dor
desapareceu.
CAPÍTULO 22

“Creio que lidou com o vilão apropriadamente. As


circunstâncias em que ser um rufião podem ser consideradas
propícias são poucas. Mas esta, ouso dizer, é uma delas.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah em uma


carta expressando ultraje diante da violência presente nas
ruas de Londres e aprovando a violência necessária para
reagir.

— Ela está bem, Sr. Reaver. — O estranho médico lhe


garantiu enquanto bebia chá na sala de estar de Reaver. —
Sem consequências. Simplesmente o ar foi tirado dela. Tenho
certeza de que já experimentou a sensação uma ou duas
vezes tendo sido um pugilista de renome.
Reaver passou a mão pelos cabelos e andou de um lado
para o outro. Ele não conseguia se acalmar. Visões de
Augusta golpeada por um punho, depois recuando até
escorregar pela parede e ofegando em busca de ar se repetiam
em sua mente como um truque do diabo. Era um tormento.
— Para um homem que não gosta de chá, o seu sempre
está excelente. Está pronto para que eu examine as suas
mãos?
Parando, Reaver olhou para o Dr. Young.
— As minhas mãos estão bem.
— Estão sangrando.
Ele olhou para os nós dos dedos e bufou.
— Poderia estar quebrada. Duff me afastou daquele
sujeito miserável antes que eu terminasse com ele.
O Dr. Young pigarreou e sorriu.
— Sim, melhor. Provavelmente foi melhor assim. Um
médico legista poderia interferir em sua agenda.
— Duff me disse que o homem desapareceu logo depois
eu o deixei.
— Oh?
— Alguns dos garotos mais velhos viram o meu trabalho
e decidira que terminariam o trabalho.
— Bem. — Disse o idoso assentindo. — É plausível
quando meninos mostram interesse em manter as coisas em
ordem.
Reaver bufou e balançou a cabeça.
— O homem mantinha dezenas deles naquela casa. Os
comandava como seu próprio círculo de ladrões, usando
alguns deles como limpadores de chaminés para roubar
residências. De acordo com Ash, mas de um terminou em
uma cova por causa disso...
— Sim, sim. Ele certamente mereceu a sua punição.
— Aye. — Reaver franziu o cenho. — Como Ash está se
saindo?
— Muito bem, na verdade. Alguns machucados e coisas
do tipo. Mas nada quebrado. Feito de material robusto, aquele
ali. A última vez que o vi, ele estava se servindo de um prato
extra de bacon com a sua governanta.
O garoto era impressionante. As entranhas de Reaver
haviam se retorcido dolorosamente ao ver Ash agarrado a
Augusta com as lágrimas escorrendo pelo rosto. Até ela
acordar, ele também sentiu um desejo parecido de tocá-la,
implorar para ela voltar e ser sua forte e firme Gus. O seu
coração parara de bater ao vê-la desmaiar. Recomeçara a
bater apenas quando aqueles olhos suaves e cinzas
pestanejaram e se abriram. Ela recuperou sua respiração
normal logo depois que Duff afastar Reaver da luta, ou
espancamento, para ser mais preciso, pois o porco de queixo
pesado nem ao menos resistira.
Embora ela insistisse que era capaz de andar, ele a
ergueu em seus braços e a carregou até a carruagem. Depois
entrou também e a embalou, beijando sua têmpora, testa e
lábios seguidamente. Ele precisava ter essa garantia. Ela
estava quente. Estava segura. Ela respirava e agarrou-se ao
pescoço dele. Riu sobre ser a valise dele.
Não fora suficiente. Mesmo a segurando toda a noite,
correndo a mão por seu cabelo, rosto e corpo não fora o
bastante.
Sua mente que já havia quebrado a corrente, ainda
lutava para conseguir algo. Ele não sabia o que precisava,
apenas que nada estava funcionando.
Medo, violência e necessidade de blasfemar o
atravessava.
— Acho que devo seguir o meu caminho. — Uma xícara
de porcelana tilintou levemente sobre o pires. — Hora da
minha soneca da tarde. — O médico lentamente levantou-se e
avaliou Reaver. — Aconselho que vá se deitar. Pode ajudar a
acalmá-lo um pouco.
Ele olhou para a luz que entrava pela janela e bufou.
— Mal consigo dormir com a escuridão.
O homem esticou a mão e deu uma palmada no ombro
de Reaver enquanto passava.
— Eu não disse nada sobre dormir, jovem.

*~*~*

Augusta apoiou as palmas sobre sua barriga nua e olhou


para suas mãos no espelho. Ela as observava levantar e cair
com as suas respirações. Ela testava os hematomas em seu
abdômen, maravilhada por ele mal doer.
Ela ainda lutava para conciliar os eventos do dia anterior
desde que eles ocorreram. Ela ainda não tinha respostas.
Suas mãos tremeram. Seu ventre vibrou. Ela se perguntava
se estava se partindo ou se restaurando de alguma forma.
Por muito tempo, Phoebe fora tudo o que importava.
Agora, Augusta tinha Ash. Tinha Bastian. Tinha a
possibilidade de um bebê dela. Mais de um talvez.
Um sorriso surgiu.
Ela gostaria disso. Os bebês de Bastian crescendo em
seu ventre. Nascendo. Agarrando-se ao seu pescoço.
Crescendo e virando pequenos gigantes.
Sua vida estava cheia agora. Ela até mesmo tinha
primos, emprestados, eles eram primos de Bastian, mas se
importaram com o fato de ela estar ferida. Eles a visitaram
pela manhã, Tannenbrook lhe disse rispidamente que não
deveria se colocar em perigo novamente. Viola apertou suas
mãos e sentou-se com ela, explicando de seu jeito doce que
Augusta deveria perceber sua própria importância.
— Sabe por que eu dei a Elijah a minha lista de noivas
em potencial?
Augusta piscou.
— Ãh, por desejar que ele se casasse?
— Sim, é óbvio. Mas eu fiz a lista semanas depois de
descobrir a resistência dele. Ele se recusava a discutir sobre
casamento, insistia que não precisava de uma esposa. James
e eu queremos que ele continue a linha dos Kilbrenners, sim,
mas mais do que isso, nós desejávamos que a vida dele...
fosse completa, suponho. — Seus surpreendentes olhos azuis
brilharam quando ela sorriu. — Do mesmo jeito que você
encheu a sua casa vazia.
Ela explicara como, não importava suas adulações ou
insistências, Sebastian resistira com toda sua força de
vontade a ser Elijah Kilbrenner. Dizia e dizia que gostava da
vida dele exatamente como estava e tinha pouco interesse em
mudar.
— Até você. — Viola continuou. — Eu sou muito
insistente quando coloco o meu coração em algo, mas os
meus esforços foram em vão. Você mudou tudo. Ele é feliz,
Augusta. Inteiramente completo. E agora, por desejar dar-lhe
um lar e uma família, finalmente aceitou sua posição. Então,
pode ver, você é importante. Para ele. Para nós. Para o futuro
de nossa família.
Gentilmente Augusta perguntara porque Viola falava
como se tivesse poucas chances gerar um herdeiro.
Ela abaixara os cílios, o sorriso ficou trêmulo.
— James e eu viemos a Londres quando estava grávida
de Elizabeth. Ela é nossa primeira filha. Nós... nós nos
esforçamos para concebê-la. Eu lutei para carregá-la; James
encontrou um médico aqui que é especialista em...
dificuldades deste tipo. Durante o nascimento, sofri um
sangramento. Ele conseguiu contê-lo, mas disse que
provavelmente eu não conceberia novamente.
Viola explicou que a preocupação de Tannenbrook era
que a propriedade e a vila adjacente passassem para mãos
capazes. Ela inclinou-se para frente e falou como se
compartilhassem um segredo.
— Ele tem dormido muito bem desde que Elijah pediu-
lhe conselhos sobre como cortejar. Como um bebê após as
refeições. Está convencido que você gerará pelo menos uma
dúzia de robustos meninos Kilbrenner.
Augusta olhara para o marido, atingida pelo pensamento
de que ela o mudara, assim como ele mudara a vida dela. Eles
não eram mais as pessoas que foram ao se conhecerem.
Agora, enquanto ela soltava a sua camisa se perguntava
quem precisamente ela era. Não mais uma Widmore. Não era
mais simplesmente a irmã de Phoebe, vigiando e matando
dragões. Era uma esposa. Uma amiga. Talvez em breve uma
mãe.
Ela amava Sebastian com uma ferocidade que lhe dava
medo. Ontem, quando Ash estava em perigo, ela percebeu o
quanto profundamente ele, também, havia ancorado em seu
coração. Como ela poderia amá-los — Ash, Bastian e seus
filhos — tanto quanto amava Phoebe sem se perder? Como
podia estar no vendaval e em um dilúvio, protegendo-os
enquanto ela fazia o que tinha que fazer e se manter inteira?
Amar Phoebe tomara tudo o que ela tinha. E ainda assim, não
conseguia se imaginar fazendo algo diferente.
Novamente seus olhos recaíram sobre o seu ventre.
— Dói? — A sombra dele entrou em sua visão antes de
seus ombros largos e fortes e corpo longo e musculoso. Ele
parou atrás dela, gigantesco no reflexo de seu espelho
comprido e dourado.
— Não. — Disse suavemente. Ela amava o rosto dele.
Cada vinco e relevo. Cada linha realinhada e cavidades
angulares. — Senti a sua falta.
— Faz uma hora.
— Muito tempo.
As narinas dele inflaram.
— Aye.
Seus olhos pousaram nas mãos deles. Estavam vibrando.
Não tremiam, era mais como uma tênue tensão. Ela piscou,
percebendo o súbito movimento ao longo de seu pescoço e
braços também.
— Bastian?
Ele não respondeu, seus olhos escuros fixaram em seu
abdômen e flexionou o queixo.
— Gostaria de ver?
Seus olhos voaram em direção aos dela. Ele assentiu
com uma sacudida.
Ela segurou a barra de sua chemise e removeu a roupa
pela cabeça. Então ela ficou parada e nua diante de seu
marido.
E sentiu seus olhos a queimando viva.
O calor a enfraqueceu. A amoleceu. Endureceu seu
mamilos e a fez sentir dor.
As mãos dele vieram às laterais de sua cintura, as
pontas dos dedos tocando gentilmente a sua pele.
— Não deve fazer isso nunca mais, Gus.
Ela perdeu o fôlego quando arrepios se espalharam a
partir das mãos dele, atravessaram a cintura dela deslizaram
para cima e para baixo.
— Fazer o que?
— Machucar-se. — A tensão dele aumentou assim a
febre em seus olhos. — Eu quero matá-lo. Eu quero tomá-la.
Eu quero parar de ver você ser machucada.
Ela se encostou no seu corpo sólido, poderoso e protetor.
Segurou as mãos dele nas suas. Pressionou um sobre seu
umbigo e outra sobre o coração.
— Eu farei tudo em meu poder para não me colocar em
risco daquele jeito novamente. Prometo.
Seus suspiro o fez estremecer. Suas mãos a seguraram
com mais força. Os lábios tocaram seu ombro depois roçaram
em seu pescoço.
Ela fechou os olhos e acariciou os pulsos e braços dele à
mostra pelas mangas da camisa enroladas. O ar frio
sussurrou contra seus seios e pernas nus, mas ela estava
longe de sentir frio. Não, na realidade, enquanto ele sugava e
beijava, seu fôlego e sua boca quente faziam a sua pele
queimar sob seu toque.
— Abra os olhos, amor.
Ela o fez. O viu muito maior. Viu a si mesma, corada,
pronta e necessitada.
— Você percebe?
Ela balançou a cabeça.
— Eu a manterei segura. Eu lhe darei prazer. Mas deve
permitir.
A respiração dela acelerou quando ele levou uma mão ao
seu seio enquanto a outra deslizava para os cachos entre
suas pernas.
Ele beijou sua orelha. Roçou sua língua ao longo da
borda de seu lóbulo.
Ela assistiu o seu ventre tremer quando os dedos dele
começaram a trabalhar. Alguns dedos rodearam se mamilo,
desenhando círculos. Outros dedos imitavam os movimentos,
acariciando o nó duro de seu centro.
Era quase demais. Ele, totalmente vestido, dando prazer
ao seu corpo nu com movimentos circulares, Enquanto ela
assistia.
— Agora você entende, ãh? — Sua voz ecoou contra seu
ouvido. — Veja quão bem eu posso lhe dar prazer.
Sua respiração engatou em um gemido. A cabeça caiu
para trás contra o peito dele.
— Bastian.
Ele fez movimentos circulares e acariciou. De novo e de
novo.
— Você sabe o que eu gostaria de fazer com você
exatamente agora, Gus?
Ela balançou a cabeça, pressionando os quadris e seios
em direção às mãos dele.
— Eu gostaria de tomá-la. Mãos e joelhos. Duro, rude e
profundamente. Mas eu não vou, percebe? Porque eu a amo.
Eu malditamente amo você. O seu prazer significa muito para
mim. Seu coração significa muito para mim. Sua vida
significa mais para mim do que a minha própria.
Qualquer parte de seu coração que ela pensou reservada
estava perdida. Completamente reivindicada. Não importava
se amá-lo significava enfrentar um vendaval e um dilúvio. Não
importava que ele a consumisse. Amá-lo era inevitável.
Inexorável. Fogo e maré. Tempo e chuva. Era uma força em si
mesmo.
Ela esticou o mão para acariciar o rosto dele.
— Sabe o que eu gostaria que você fizesse comigo,
Bastian?
Seus dentes gentilmente acariciaram seu ombro
enquanto sua mão pressionava e movimentava-se em
círculos. Pressionava e circulava.
— Eu gostaria que fizesse... Oh, Deus. — Ela se
contorceu contra ele quando ondas pulsantes giraram de seus
seios para o seu centro como anéis ondulantes na água. —
Tome-me. Mãos e joelhos. Dura e profundamente. Pois eu o
amo, meu homem rude. Eu amo você. E tê-lo dentro de mim,
dá-lhe prazer, é a única coisa que saciará a minha fome.
As mãos dele pressionaram com mais força as suas
dobras úmidas, deslizando os dedos ao longo dos elos de
todas aquelas camadas de beleza. Ele beliscou o mamilo firme
e vermelho entre os dedos, apertando-o até que as sensações
fossem como um raio, quase demasiado. Ela arqueou e
choramingou, a tensão em seu ventre enroscava-se com mais
força, ondulando no tempo perfeito.
Seus olhos encontraram-se com os dele no espelho. As
bochechas dele estavam coradas e os lábios inchados. Contra
suas costas, seu membro crescera duro e impossivelmente
longo.
— Tenha certeza, Gus. — Ele disse, sua voz retumbante
estava rouca. — Não a machucaria. Nunca. Mas eu preciso
demais de você.
Um dia, ela lhe explicaria o tanto que ela gostava da
grosseria dele, como isso a excitava, a fascinava e a
despertava como nada mais. Por enquanto, ela podia fazer um
pouco mais do que gemer e ofegar.
— Tenho certeza. Agora, Bastian. Agora.
Ele se ajoelhou. Beijou suas costas como um suplicante
diante do altar. Acariciou suas nádegas, segurou sua cintura
e a abaixou. Ela abaixou-se por conta própria, necessitando
que ele se apressasse.
Sentindo os nós dos dedos dele roçar no centro de sua
feminilidade, ela estremeceu e gemeu quando ele deslizou seu
dedo mais longo para dentro dela. Acariciou. Deu-lhe prazer.
Ela o assistia através do espelho. Os olhos dele sobre ela.
Firme e incandescentes.
Ele se rendeu à tentação. Retirou o seu dedo. O deslizou
para dentro de sua boca.
Santo céu, ela viria... naquele instante. Antes mesmo que
ele…
— Não ainda. — Ele rosnou, franzindo a testa. Ele
inclinou-se sobre ela. A ponta grossa e quente separou as
suas dobras. Lentamente a penetrou. Ela agarrou-se ao
tapete embaixo dela enquanto ele alargava suas dobras.
Fora assim da primeira vez, apenas mais doloroso.
Agora, houve um pouco de dor, porém como uma grande
pressão. Ele já estava fundo, indo ainda mais fundo.
Os quadris dele impulsionaram bruscamente enquanto a
mão apoiou-se ao lado dela e ele forjava centímetros mais
fundo. Sua boca caiu sobre a nuca dela. Os dentes
arranhavam e lhe davam prazer. Ele a preencheu até ela ter
certeza de que não teria mais. Mas havia.
Mais. E mais.
— Tome-me, Gus. Ah, Deus. Inteiro.
Ela estava disposta, mas naquela posição, ele parecia
ainda maior do que antes.
Ele agarrou suas coxas e as abriu ainda mais. Isso
ajudou, mas apenas quando ele penetrou mais fundo. Ela
grunhiu com a força do movimento. As sensações mista de
pressão e prazer. Eles se moldaram e tornaram-se um. Enfim
ela sentiu a base dele, o calor em sua abertura a fez tremer.
Seus braços tremeram e ela lutou para continuar imóvel e
deixá-lo tomá-la.
Ela o apertou com força, pulsando ao redor da base de
seu membro.
— Você me sente, amor?
— Sim. Você é... grande.
— Mas você me toma, profunda e verdadeiramente. — O
peito dele pesava contra as suas costas, o tecido de sua
camisa macia contra a sua pele, seus músculos duros.
Inflexíveis. — Agora, devo tomá-la.
Ela o sentiu sair alguns centímetros. Retornou com um
impulso forte. E mais um. Mais um. Logo, suas retiradas
estavam mais longas, seus impulsos mais fortes. Ela queria
observá-lo pelo espelho, mas tudo era a união deles. Tudo.
Ela não conseguia pensar, apenas sentir.
Seu comprimento. Se calor. Seu membro batendo dentro
dela, alimentando um fogo mais profundo do que ela pensava
ser possível. Movimentando-se contra nervos escondidos.
Dando-lhe prazer de uma forma que nunca contemplou. Ele
tocava apenas sua cintura, pescoço e seu sexo. Não tocava os
seus seios. O lugar que ele acariciava antes.
Tudo era a união deles.
Ela não sabia se poderia alcançar seu clímax desta
forma. A pressão era forte e aumentava a cada impulso
martelador.
— Veja-nos. — Ele rosnou. —Veja.
Ela o fez. E o corpo dela foi tomado por um raio, Veio
subitamente, ela gritou por entre os dentes cerrados. Arqueou
as costas. Flexionou-se ao redor dele com força o bastante
para a fricção da união deles arder. Ele continuava a
empurrar. Ela se viu apanhada novamente, soluçando seu
nome. Enfiou a mão no tapete embaixo dela.
O prazer era demasiado. Ele era demais. Ela virou a
cabeça e abriu a boca contra os músculos do braço dele,
sentindo o gosto de sal e Bastian. Mais uma vez foi
capturada, ondulando irregularmente à medida que ele
aumentava o ritmo. Empurrando. Empurrando. Empurrando.
Ela implorava, implorava e implorava.
Ele empurrou mais fundo. Ela se sentiu apanhada outra
vez e o apertou com força. Então sentiu, o calor da liberação
dele dentro dela. Ouviu os gritos dele, roucos e estrondosos.
Ouviu ecoar seu nome. — Augusta. Augusta. Eu te amo. Eu
te amo.
Enquanto os pulsos trêmulos de seu êxtase diminuíam,
ela beijou seu braço. Entrelaçou os dedos nos deles.
Encontrou seus lindos olhos de ônix no espelho.
— E eu amo você. — Sussurrou. — Mais do que
imaginava ser possível.
CAPÍTULO 23

“É prudente assumir que todas as escolhas são importantes


para o resultado, apareçam diretamente ou não por alguma
força externa. Como expliquei para a minha antiga criada
ontem, não se pode culpar o tempo pelo infortúnio de alguém
que é pego “aquecendo-se” com o cocheiro e uma garrafa de
gin.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta cheia de sabedoria acumulada.

Muitas coisas na vida de Phoebe aconteceram por acaso.


A morte de sua mãe. A de seu pai. Augusta ter nascido oito
anos antes dela. Conhecer Glassington em uma reunião onde
apenas a aristocracia local era esperada.
Hoje, ela podia listar mais uma: a chegada de uma nota
entregue pelo Sr. Duff no exato momento que ela estava
passando pelo vestíbulo em uma missão para conversar com
o cozinheiro sobre adicionar mais gengibre nos biscoitos de
gengibre. Foi uma coincidência estranha. Alguém poderia
dizer profética, dada a ocorrência do dia anterior em que ela
quase perdera Augusta.
A nota estava endereçada a Reaver, não a ela, mas
aconteceu de ela estar perto da porta, assim ele atendeu. E
acontecia de ela se dar bem com o Sr. Duff, assim ele ficou
grato por ela permitir que ela entregasse a nota. E aconteceu
de ela ver o que parecia como o nome de Glassington do lado
de fora do papel dobrado.
Então ela a abriu.
E sua garganta começou a doer.
E ela se recordou de tudo o que Augusta sacrificara para
seu bem.
E pensou em quão egoísta fora, desesperada por ter que
casar com Glassington.
Augusta não hesitaria em fazer o que era necessário. Ela
faria um plano e o colocaria em prática. Agora, Phoebe
pretendia fazer o mesmo.
Primeiro, ela fez arranjos para que a carruagem desse a
volta. Depois, empacotou a valise, guardando as moedas que
Augusta lhe dera dentro dela. Escreveu uma nota para a sua
amada irmã e juntou-a ao bilhete endereçado a Sebastian. E
deixou a casa.
No caminho ao Clube Reaver’s, reviu a nota em sua
mente.
Recordou Augusta sendo carregada daquela casa odiosa
da Cheapside, atordoada e gemendo.
Recordou Augusta sendo atingida pelos golpes de
Georgiana enquanto cobria Phoebe como o escudo de um
guerreiro.
Recordou Augusta proibindo Phoebe de ajudá-la com as
lavagens de roupas porque Phoebe deveria ter ‘mãos de uma
dama’ se desejasse ser uma.
Então ela endureceu a coluna, cobriu com pedras o seu
coração que sangrava e fez o que devia ser feito.

*~*~*

Estava chegando o Natal, então o Reaver’s era um


maldito manicômio. Cada homem estava se embebedando.
Cada homem desejava celebrar a ocasião sagrada com
apostas selvagens e folias mais selvagens ainda. Adam correra
o dia inteiro.
O que explicava porque ele não havia lido a nota até as
quatro e meia. A satisfação o atravessou ao perceber as
implicações. Apenas um assunto importava agora. Em breve,
Phoebe seria dele.
A menos que...
Ele ficou gelado, lendo as palavras. Sabendo que Drayton
teria notificado não apenas Adam, mas Reaver também.
Phoebe seria dele a menos que Reaver estivesse mais
convencido de sua devoção por Augusta do que a lealdade a
um amigo, até mesmo o melhor amigo. Parceiro.
Poderia ter pouca dúvida de que Adam exigia segurança.
Enfiando a nota dentro do bolso de seu casaco, ele marchou
para o seu escritório do Reaver’s.
— Frelling. — Disse rispidamente. — Preciso de uma
série de promissórias.
Frelling franziu o cenho e se levantou da cadeira, indo
em direção ao escritório de Reaver.
— Qual arquivo está procurando?
— Glassington.
Frelling ajustou os óculos e foi procurar nas gavetas
atrás da mesa de Reaver. Ele levantou um dedo enquanto
abria uma gaveta.
— Ah, sim. Aqui. — Ele retirou o arquivo e o encontrou
vazio. — Eu não sei onde... O Sr. Reaver deve ter…
Adam não estava mais ouvindo. Ele saía do escritório
indo direto à casa de Reaver. No meio do caminho, ele
encontrou Duff, que mencionou ter visto a Srta. Widmore
duas vezes naquele dia. Uma vez na casa do Sr. Reaver e
outra ali, no clube.
— Ela me pediu para achar uma post-chaise. — Duff
balançou a cabeça e franziu o cenho. — Coisa estranha, isso.
A carruagem de Reaver é muito melhor do que uma de
viagem.
Adam escutou tudo enquanto ficava mais gelado e
furioso. Ele montou seu cavalo e galopou até a casa de Reaver
como se o inferno o perseguisse.
Chegou com um pouco de neve no casaco e um
sentimento terrível em suas entranhas. O novo mordomo de
Reaver, Teedle, gesticulou para que ele entrasse.
— Receio que o Sr. Kilbrenner não esteja em casa, Sr.
Shaw.
— É claro que está. Pode buscá-lo ou eu irei.
Teedle soltou um protesto.
Adam se aproximou do criado de cabelos brancos.
— Agora, meu bom homem. Não tenho tempos para
jogos.
— Ele... ele está indisposto. Com a Sra. Kilbrenner.
— Ah. Por que não disse, então? — Adam passou
apressado pelo mordomo e subiu as escadas, ignorando os
ruídos de indignação do homem.
Adam bateu à porta do quarto de Reaver. Muito alto.
Uma voz profunda berrou uma resposta imediatamente.
— Maldição. Inferno maldito! É melhor a casa estar
pegando fogo, Teedle!
Uma risada feminina seguiu após uma rápida conversa.
— Reaver! — Adam gritou. — Ponha a sua bunda fora da
cama, homem. Devo falar com você.
Quando a porta foi escancarada um minuto depois,
Adam franziu o cenho.
— Por Deus, você é um monstro. Onde está a sua
camisa? — Ele olhou por cima do ombro descoberto de Reaver
para a mulher segurando o roupão sobre uma indumentária
que obviamente pertencia a um homem. —Ah, isso explica
tudo.
A carranca sombria de Reaver se aprofundou enquanto
dava um empurrão em Adam.
— Tire os olhos de cima dela, Shaw.
Adam estremeceu e esfregou o próprio ombro.
— Maldito inferno, homem. Acalme-se. Sabe onde está o
meu afeto. Falando no assunto, o que fez com as promissórias
de Glassington?
— Nada. Elas estão no clube.
— Não. — Espetou. — Elas sumiram. Assim como
Phoebe.
Augusta passou por baixo do braço apoiado do marido
para ficar ao seu lado.
— O que há com Phoebe?
Reaver resmungou. Adam traduziu o som como se ele
quisesse dizer que era melhor não envolver Augusta em
qualquer bagunça que Adam estava trazendo a sua porta.
Mas Adam não tinha tempo para os instintos protetores de
Reaver. Precisava encontrar Phoebe e pará-la antes que ela
fizesse alguma idiotice. Como casar-se com Glassington.
— Phoebe fugiu para o norte em uma post-chaise. —
Adam disse categoricamente. — Provavelmente com as
promissórias de Glassington e certamente com a intenção de
forçá-lo a se casar.
Augusta piscou várias vezes em rápidas sucessões.
— Perdão?
Teedle, que pairava ao fundo, aproximou-se.
— Madame, sua irmã deixou uma nota para você. Estava
esperando para entregar quando... bem... quando… — Ele
pigarreou.
Adam gesticulou impacientemente.
— Sim, sim. Quando eles saíssem para pegar alguma
coisa vital, como comida ou ar. Pegue a nota, Teedle, Faça
isso agora.
Franzindo o cenho, Augusta repreendeu.
— Sr. Shaw, realmente. Não estou certa o que está
causando esse senso de urgência, mas…
— Sua irmã se foi.
— Como você sabe?
— Porque é meu assunto saber.
— Não vejo razão.
Reaver abraçou Augusta pela cintura com uma mão.
— Ele gosta dela, Gus.
Ela olhou para ele, aprofundando o vinco em sua testa.
— Bem, eles são amigos, suponho. O Sr. Shaw foi
bondoso com ela…
— Eu a amo. E ela me ama.
Olhos cinzas arregalaram sobre ele. A boca se apertou
uma linha apertada.
Teedle chegou trazendo duas notas em uma bandeja de
prata. Bom Deus, o homem era doentiamente formal.
Augusta recolheu o bilhete de Phoebe enquanto Reaver
desdobrava o que fora endereçado a ele. Juntos, leram as
missivas, Reaver estreitando os olhos e segurando o papel à
distância de seu braço enquanto Augusta empalidecia e
cobria a boca com os dedos.
Reaver foi o primeiro a falar.
— Glassington pegou a Srta Elder e fugiu para a Escócia.
Ele pretende casar-se com ela assim que chegarem.
Evidentemente a minha visita ao pai dela tornou-se efetiva,
afinal, já que o Sr. Elder colocou objeções ao enlace. Isso
deixou Glassington sem escolha, a não ser fugir.
Augusta olhou outra vez para o seu marido.
— Ela está indo atrás deles, Bastian. Ela está sozinha.
Rumo ao norte. E tem as promissórias.
— Devo ir. — Adam disse, afastando-se.
— Sr. Shaw.
Ele se virou para encará-la.
— Ela está grávida.
— Eu sei.
Augusta piscou. Sua boca abriu e depois fechou.
— Se ela se casar com você em vez do Lorde Glassington,
todos saberão. Entende isso, não?
— Não sou um idiota, Sra. Kilbrenner. Glassington e eu
dificilmente seríamos gêmeos.
Sua mandíbula elegante tremeu.
— Você não acha que a minha irmã merece uma vida
mais fácil do que a que pode oferecer?
— Talvez ela mereça. Mas ela também merece um
homem que lutará por ela, não um que a descarta como um
monte de lixo e tem que ser ameaçado para casar-se. Ela
merece ser amada. Ninguém possivelmente a ama mais do
que eu.
Mordendo o lábio, Augusta olhou para Reaver.
— Você sabia?
Ele suspirou.
— Aye. Shaw me contou ontem.
Ela estreitou os olhos sobre Adam.
— Qual é o seu plano?
— Encontrá-la. Convencê-la que casar-se com
Glassington é uma loucura.
— Não é uma loucura. É sensato. Ele é o pai do bebê
dela. Ela será uma condessa, o bebê será o filho de um conde,
talvez até mesmo vire um conde um dia.
A voz de Adam ficou baixa.
— E ele gosta tanto dela que até as suas tentativas de
chantagem o levaram, não a casar-se com Phoebe, mas a
fugir com outra mulher.
Ela olhou para Reaver.
— Você pretende ficar em silêncio como um grande bloco
de pedra?
— O que deseja ouvir?
— Sua opinião sobre o assunto.
— Acho que Phoebe deve decidir sozinha.
— Isso é terrivelmente inútil.
Reaver deu de ombros.
— Você perguntou.
— Bem, acho que devemos ir juntos.
— Nós?
— Você e eu. Se o Sr. Shaw pretende intervir, então
quero estar lá. Por Phoebe.
Esfregando a testa, Reaver grunhiu.
— Por Deus, você é irritante, mulher.
— Sim, sim. Agora, a rota mais provável é a Great
North…
— … Road. Aye. Shaw, encontre-nos lá embaixo em vinte
minutos. Peça a Teedle que prepare uma carruagem.
A porta se fechou na cara de Adam, mas ele ainda podia
ouvir a discussão atrás dele. A discussão parou
abruptamente.
Adam endireitou o casaco e desceu as escadas. O
vestíbulo parecia um bom lugar para esperar, afinal de
contas.

*~*~*

Na hora em que eles chegaram a Smithfield e seguiram


ao norte, a neve começara a cair mais forte. Flocos grossos
giravam e flutuavam à luz das lamparinas enquanto do lado
de fora das janelas da carruagem tudo mais estava escuro.
Augusta suspirou e encostou a bochecha no braço de
Sebastian, segurando sua mão com força. Olhou para Adam
Shaw e se perguntou se ele era a razão para o desespero que
ela sentira em Phoebe nas últimas semanas. O homem era
indiscutivelmente bonito. Traços refinados. Magro e bem-
proporcionado. Possuía uma qualidade nítida: energia focada.
Controlada.
Ela preferia o seu homem mais grosseiro, é óbvio, mas
entendia a atração de Phoebe. Mais cedo, Augusta exigiu que
Sebastian falasse mais sobre o Sr. Shaw, suas respostas a
perturbaram.
— Ele é um bom homem, Gus. Cuidará de Phoebe com
toda a sua força e considerável fortuna, pode estar certa. Mas
se pensa em impedi-lo, saiba de algo: um homem não chega
tão longe quanto ele chegou sem ter um pouco de crueldade
nele. Shaw teve que escalar mais do que a maioria. Então ele
tem mais disso do que a maioria.
— Está dizendo que eu não deveria ficar no caminho
dele, que simplesmente devo permitir que isto aconteça.
Bastian suspirara.
— Estou dizendo, escolhendo ficar em seu caminho, que
deve estar preparada para a derrota.
Ela não gostara da resposta dele, mas entendeu. Shaw
podia vestir a máscara de mordomo, elegante e digno, mas era
um homem poderoso por direito próprio. Como sócio de
Reaver, ele era tão rico quanto Sebastian. Ele poderia cuidar
de Phoebe e da criança. Protegê-la das piores privações:
pobreza, perigo e fome.
Porém algumas dificuldades permaneciam inevitáveis. O
casamento entre eles era um convite ao pior tipo de desprezo
social. Tais atitudes eram, na opinião de Augusta, idiotices.
Seu pai e tio eram provas de que era mais aconselhável
analisar os outros baseados no caráter individual do que em
fatores arbitrários como título, origem ou nome. No entanto,
esperava que Phoebe seria mal julgada por ser casar com um
indiano. Quando desse a luz a seu primeiro filho, seria vista
como mulher caída. A criança encontraria pouca aceitação na
sociedade educada. E os outros filhos com o Sr. Shaw
provavelmente teriam que lutar para abrir seus caminhos.
Como Augusta desejava que não fosse assim. Mas era.
Ela adormeceu com o coração doendo por sua irmã.
Acordou quando Bastian beijou seus lábios e murmurou:
— Vamos, amor. Vamos entrar em um lugar quente.
Ela piscou, percebendo que a carruagem havia parado.
— Onde estamos?
— Perto de Stevenage, acho. A neve aumentou demais,
então o cocheiro parou na primeira hospedaria que
encontrou. Shaw está lá dentro agora arrumando nossas
acomodações.
Quando as botas de cano baixo de Augusta sumiram em
quinze centímetros de neve, ela começou a se preocupar. E se
Phoebe tivesse prosseguido. Já era perigoso o bastante para
uma mulher viajar sozinha durante a noite pela Great North
Road. Com o tempo ruim, os riscos aumentavam
consideravelmente. Ela teria insistido em viajar apesar das
condições? Provavelmente ela...
Augusta piscou e balançou a cabeça ao entrarem no
interior escuro e quente da hospedaria. Ali, perto da lareira de
pedra, estava Phoebe parada, parecia corada tanto pelo calor
do fogo como pela interação com o belo Sr. Shaw. Eles
estavam muito próximos, a cabeça dele quase encostando na
dela, falando com uma intensidade que ela conhecera após
longas horas em sua companhia. Phoebe, entretanto, tinha
uma inclinação desafiadora em seu queixo e uma chama em
seus olhos que rivalizavam com a da lareira.
Sua irmã olhava para Adam Shaw com olhos brilhantes.
Viva.
Santo céu. Phoebe o amava. A emoção sufocou Augusta,
espalhando por ela de uma vez. Ela nunca vira Phoebe tão
incandescente em... bem, nunca. Após meses de um
desespero apático, Phoebe despertara.
E Adam Shaw era a causa.
CAPÍTULO 24

“A vida pode mudar de repente, meu querido rapaz.


Exatamente quando supõe que considerou todas as
probabilidades, elas mudam em sua cabeça como se
identificassem a sua arrogância e quisessem provar que você
está errado.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta respondendo às reflexões do dito cavalheiro
sobre a mudança inesperada de eventos.

Phoebe sentia que a sua existência mudou como um


barco capturado por uma corrente forte no momento em que
Adam Shaw entrou na hospedaria. Ela mantivera a sua
determinação por todo o caminho desde Marylebone até a St,
James. Então, após longos minutos de angústia enquanto
estava dentro do clube onde ela se apaixonara, alugou uma
post-chaise, pagou ao condutor e reviu em sua mente todas
as razões pelas quais deveria se casar com Glassington.
Durou até a Smithfield Market. Então enquanto a neve
continuou a cair, aconchegou-se embaixo de um cobertor
observando como aumentava a escuridão e sentiu a certeza
de um futuro miserável se aproximando.
Qualquer futuro sem Adam era miserável.
Ainda assim, ela seguiu em frente, certa de que era o que
deveria ser feito. Não era? Claro que sim. Bem, talvez. Os
dilemas e as dúvidas giraram como flocos de neve e ela
começou a ficar cansada. O cocheiro contratado recomendou
que eles parassem pela noite quando a neve não mostrou
nenhum sinal de que iria diminuir. Ele escolheu a
movimentada estalagem Hertfordshire.
A mesma que Adam Shaw entrara minutos antes,
quando o coração de Phoebe voltou a bater. Ele batia contra
suas costelas como se desejasse saltar do peito para as mãos
de Adam. Talvez ele saltasse.
Talvez ela o fizesse.
Ele se aproximou, olhos dourados em chamas, suas
palavras fazendo sua cabeça girar.
— Você não pode se casar com ele, Phoebe. Ele não a
quer. Eu quero.
Ela cerrou os dentes e elevou o queixo.
— É melhor assim.
— Não é melhor. Talvez mais fácil.
— Devo fazer o que é necessário para…
— Diga-me que o ama. Vamos. Diga-me.
Ela não falou por vários segundo.
— Você sabe que eu não posso.
— Precisamente. — Ele se aproximou mais, a cabeça
abaixando-se a ponto de ela sentir o fôlego dele sobre sua
bochecha. — Pois você me ama, Phoebe. A mim. E se casará
comigo. Com ninguém mais.
Santo céu, como ele podia fazer isso? Ela estava sendo
partida em duas.
— Por favor, Adam. Eu… Eu devo me casar com
Glassington. Pelo bem do meu filho. Por Augusta.
Atrás dela veio uma voz que ela não esperava.
— O que quer dizer com ‘por Augusta’?
Ela se virou para encarar sua irmã que parecia muito
descontente.
— O q-que está fazendo aqui?
— Seguindo você. Agora, responda a minha pergunta.
Phoebe nunca foi capaz de opor-se àquele tom de
preocupação e insistência maternal.
— Isto é tudo pelo que trabalhou, Gus. Como eu posso
reagir a seus sacrifícios ao descartá-los?
Um vinco de preocupação aprofundou-se e enrugou sua
testa.
— Oh, Phee. — As mãos de Augusta vieram até seus
ombros. — A sua felicidade é tudo pelo que trabalhei. É a
única coisa que importa para mim.
Phoebe segurou a mão de Augusta, apertando-as entre
as dela.
— Estava certa. Eu cometi um erro com Glassington.
Acreditei nele quando não devia. Agora, eu devo me sacrificar.
Devo proteger o meu filho, assim como você tem me protegido.
Eu devo isso a ele. Eu lhe devo isso.
Por um longo tempo Augusta não respondeu. Então ela
arqueou uma sobrancelha.
— Bem, concordaria que Glassington não fosse um patife
inútil. — Ela olhou além dos ombros de Phoebe. — E se não
tivesse uma opção melhor. — Voltou a olhar para Phoebe. —
Mas ele é. E talvez você tenha uma opção melhor.
Esperança, frágil como a pequena vida em seu útero,
surgiu como uma chama incipiente. Pequena no começo, mas
resistente. E cresceu.
— Agora então. — Augusta continuou com sua usual
maneira de administrar as coisas. — Sugiro o seguinte: avalie
a questão sobre que tipo de pessoa deseja que sua criança
seja. Uma pessoa como Glassington. Ou uma pessoa como o
Sr. Shaw. — Ergueu um dedo. — Considere tudo agora. As
dificuldades. O título. O lugar dentro da sociedade. E, acima
de tudo, a essência do caráter.
O seu coração bateu forte. Depois trovejou. A resposta
era simples. E certa.
— Adam. — Sussurrou. — Eu gostaria que meu filho
fosse exatamente como Adam.
— Bem, aí está, então. Você certamente deve se casar
com o Sr. Shaw. para o bem do bebê. E, agora que considero
isso, para o meu bem. Eu detestaria ser forçada a passar os
Natais com um patife inútil.
Phoebe soltou as mãos de Phoebe e se virou para Adam.
Os olhos dele brilhavam com a força do triunfo.
— Não será fácil. — Ela sussurrou, sentindo dor
enquanto a chama de esperança crescia.
— Não. — Ele respondeu, sua maravilhosa voz estava
rouca. — Mas será boa. Melhor do que qualquer coisa.
Ela se aproximou dele. Pegou suas mãos. Entrelaçou os
dedos e a apertou com força.
— Você me ama?
— Sim.
— Pode amar meu filho?
— Sim.
— Então sou sua.
— Você tem sido desde o momento que caiu em meus
braços, Phoebe Widmore.
Ela sorriu, seu ventre formigando e tremendo
loucamente.
— Eu fiz uma bagunça, não foi?
Ele envolveu seu rosto.
— Você roubou o meu coração. Agora espero que o
pagamento seja completo.
Ela apertou os lábios.
— Pagamento?
— Uma vida inteira deve bastar.
Ela ficou nas pontas dos pés para depositar um beijo
gentil sobre seus lábios.
— Você tem sorte, Sr. Shaw. — Ela sussurrou. — Pois as
garotas Widmores sempre mantém suas promessas.

*~*~*

Tarde da noite, Adam abriu a porta de seu quarto e


vasculhou o corredor da hospedaria. Se não estivesse errado,
a porta de Phoebe seria a sétima. Estava escuro, com apenas
um brilho fraco vindo da janela no fim do corredor. Ele
avançou, contando.
Ao chegar à porta, virou a maçaneta. Virou fácil.
Destrancada. Ele franziu o cenho. Ela era louca? Alguém
poderia entrar no quarto sem convite. Ele falaria com ela
sobre tomar precauções sensatas. Bom Deus, ele devia se
casar com ela rapidamente. A mulher precisava ser levada
pela mão. Diante de tal pensamento, seu pênis endureceu em
uma pulsação dolorosa. Ele respirou profundamente e
atravessou a porta. Para sua surpresa, ela estava acordada,
sentada na janela, uma lamparina queimava na mesa ao seu
lado.
O cabelo estava solto, uma mistura de conhaque e porto.
Os olhos suaves como as pervincas, sua pele delicada como o
mármore. Ela era... linda.
— Perguntava-me quando apareceria. — Ela disse
ironicamente, lançando um olhar cintilante. — Levou horas.
Ele tirou seu casaco e o jogou aos pés da cama. A coisa
era estreita, mas serviria.
— Deveria ter trancado a porta. Quem sabe que tipo de
bandido pode atacá-la na noite escura?
— Oh, acho que sei. Foi por isso que a deixei
destrancada.
A respiração estremeceu o peito dele. Seus dedos
pararam nos botões de seu colete.
— Tem certeza? — Perguntou.
— Tenho.
— Venha aqui. — Ele esticou as mãos para ela. Ela veio,
seu vestido azul balançando à luz da lamparina. — Preciso
beijá-la.
— Adam…
Ele a puxou com força. Enterrou os dedos nos cabelos
sedosos. Acariciou a bochecha com o polegar. Então, levou a
boca sobre a dela.
Macia. Ela era tão macia e doce. Ele começou com
gentileza, mas quando sentiu a reação dela, apaixonada e
ansiosa, aprofundou o beijo, impulsionando a língua para
dentro dela de novo e de novo. Os braços dela envolveram seu
pescoço. Seus braços envolveram a cintura dela, puxando-a
contra seu corpo.
Então, ele sentiu. O pequeno monte de seu ventre, mal
perceptível. Mas ali.
Ele se afastou. Seu olhos caíram sobre o abdômen dela,
escondidos pelas dobras do vestido.
— Adam? — A pergunta dela era queixosa. Incerta.
Ele se afastou mais. Engoliu com força, sua cabeça
girava.
— Você... Você está… Você quer…?
Ele se ajoelhou. Esticou as mãos. A trouxe para perto
dele. Descansou a mão espalmada sobre o ventre dela. Onde
a criança vivia. Seu filho. Ele beijou ali, sobre as dobras do
vestido. Mas ele precisava de mais. Precisava estar mais
próximo. E nua. Levou um momento para ele levantar as
saias dela. Ignorou o grito de indignação e colocou o tecido
bem alto.
Ali estava. O bebê. Pequeno e crescendo. Seus lábios
amavam a pele dela, macia e branca. Ele colocou a palma
sobre ela. Sentiu uma leve ondulação. Imperceptível,
realmente. Perguntou-se se não estava imaginando isso.
Ele levantou o rosto, esperando descobrir.
Lágrimas escorriam pelo rosto dela e brotavam de seus
lindos olhos.
— Eu te amo. — Ela sussurrou acariciando seus cabelos.
Ele sorriu largamente.
— Ele é meu também, Phoebe.
— Sim. — Ela lhe deu um sorriso úmido. — Nós dois
somos.
Pela terceira vez em sua vida, ele foi tomado por
estranhas sensações. Formigamentos rodopiavam por seus
braços, pescoço, couro cabeludo e para o lugar onde sua mão
descansava sobre seu filho. Ele já sentira aquilo duas vezes
antes: com Reaver e com Phoebe.
Com reverência, ele beijou seu filho pela última vez.
Então se levantou e pegou a mulher que amava em seus
braços. Lentamente a despiu, acariciando cada centímetro de
pele que revelava. Deitou-a na cama estreita, amando a forma
como os olhos dela brilhavam, a forma como os seios
incharam e coraram por desejo.
Ele tirou o restante de suas roupas. Então, deitou-se ao
lado de sua bela Phoebe, subiu entre suas longas e bonitas
pernas e manteve seus lindos olhos azuis trancados nos dele
enquanto a penetrava.
Ela esfregou seus mamilos duros no peito dele e o
segurou com força. Acariciou sua bochecha e o beijou.
Repetiu seu nome ao ritmo de seus impulsos, primeiro
sussurrando, depois quase gritando. Ele segurou o olhar,
forçando-a a permanecer fixos aos dele.
— Não desvie o olhar, Phoebe. — Disse, sentindo o aviso
de ondas de prazer aumentando.
A expressão dela era de agonia, mas ele sabia que não
era causada por dor. O oposto. Ele sorriu para ela.
— Fique comigo. — Murmurou. —Quero vê-la.
Ela resmungou enquanto ele empurrava com mais força,
os quadris se retorcendo desesperadamente.
— Ver o quê?
Ele segurou o rosto dela. Deslizou o polegar sobre os
lábios.
— O quanto eu a amo.
O corpo dela se curvou e ela fechou os olhos.
— Não, não, minha querida. Veja.
Ela abriu os olhos. O fez mergulhar em um campo de
flores azuis. Seu corpo se contorcia e se apertava, segurando-
o com força em seu doce aperto. O êxtase dela foi uma
explosão que denotava o dele. Correu através dele como uma
onda furiosa, virando seu mundo de cabeça para baixo.
Apenas depois, enquanto estavam deitados, seus
membros parecendo uma tapeçaria clara e escura, ele pode
falar.
— Pensei que já tinha visto de tudo. — Disse enrolando
as mechas conhaque e porto dela em seus dedos.
— Humm. Sim, ouvi você falar isso. — Murmurou
sonolenta.
— Estava errado.
— Errado?
Ele beijou a testa dela e sussurrou a verdade em seus
ouvidos.
— Nunca tinha visto algo tão maravilhoso quanto você.

*~*~*

Na manhã seguinte eles acordaram com um belo céu


azul e cristalino. As colinas suaves e ondulantes de
Hertfordshire brilhavam brancas e os sons do pátio da
hospedagem — bufos de cavalos, arreios, rodas girando —
eram abafados pela grossa camada de neve.
— Contratei cocheiros. — Reaver murmurou, observando
a carruagem que desaparecia na paisagem coberta de neve. —
Salteadores é o que são. Contratei ladrões.
Augusta riu e o acalmou com um beijo.
— Ele aceitou o pagamento que ofereceu. Finalmente.
— Aye. Tais medidas não deveriam ser necessárias.
— Você é muito intimidante.
A forma com que ela disse aquilo o fez sentir desconforto:
baixa e apreciativa. Um pouco sem fôlego.
Ele suspirou.
— Temos uma longa viagem pela frente. Pelo menos
metade do dia.
Ela o olhava como Ash olhava um prato de bacon.
Ele franziu o cenho.
— Não há tempo para isso, mulher. Nós partiremos em…
Ela o puxou para um beijo.
Por Deus, como ela o atormentava. E como ele a amava
por isso.
Atrás dele, ouviu Shaw conversar com o cocheiro deles.
Augusta o soltou e sussurrou:
— Em breve, Reaver?
— Não, amor. Nem perto de breve.
A voz de Shaw parou no meio da sentença. O ruído de
botas pisando na neve se aproximava.
— Reaver.
Ele virou-se. Shaw apontava para um homem mais velho
e uma jovem saindo de uma carruagem. Eles estavam bem-
vestido e discutiam. A jovem tinha uma pele pálida e dentes
grandes. Reaver grunhiu surpreso.
— Quem são eles? — Augusta perguntou.
— O Sr. Elder. — Shaw respondeu. — E sua filha.
Interessante.
— Ele deve tê-los alcançado na noite passada. — Disse
Reaver. — Pergunto-me onde Glassington está.
Logo em seguida, uma carruagem com um brasão
elaborado entrou no pátio.
Augusta bufou enojada.
— Ali. Seus aparatos sempre tiveram maior valor do que
o homem.
Glassington desceu da carruagem com uma desesperada
falta de graça. Ele caiu de joelhos na lama. Mas logo,
levantou-se e correu em direção ao Sr. Elder e sua filha.
Elder se virou ao ouvir o seu nome gritado. Houve um
desentendimento no qual Glassington clamava ser um
homem mudado e o Sr. Elder insistiu que ele era um patife
fraco e desprezível com mais cravat do que bom senso.
— Isso não terminará bem para Glassington. — Reaver
observou.
Augusta desviou o olhar da discussão para ele.
— Por que acha isso?
— Um conde de Surrey não é páreo para um comerciante
de Newcastle.
Nem um minuto depois, Glassington foi jogado no chão,
com seu traseiro na lama, um hematoma rudemente grande e
no formato do punho do Sr. Elder avermelhando sua
bochecha. A Srta. Elder se moveu para ajudar o nobre caído,
mas seu pai a segurou pelo cotovelo, disse alguma coisa que a
fez a ruga de preocupação virar um vinco de desgosto e se
permitiu levar sem reclamações para a estalagem.
Glassington se levantou, esfregando o queixo e
estremecendo. Olhou ao redor e viu Reaver.
Reaver sorriu.
Glassington empalideceu.
— Vai matá-lo ou eu o faço, Reaver? — A pergunta veio
de Shaw.
— Nah. — Ele respondeu. — Matá-lo é muito fácil. O
homem precisa de sofrimento.
— Humm. Fez um excelente argumento.
A porta da hospedaria abriu-se novamente e Phoebe
apareceu. Seus olhos arregalaram-se ao ver o conde e ela
estacou no lugar. Ao lado de Reaver, Augusta fez um som de
angústia e começou a avançar. Ele a segurou gentilmente pelo
braço, fazendo-a voltar.
— Oh, mas…. — Quando ela percebeu Shaw
caminhando cheio de propósito para o lado de Phoebe, ela
voltou para Reaver, passando o braço ao redor dele. — Oh. —
Disse em voz baixa. — Você está certo.
Ele sorriu para ela.
Ela lhe lançou um sorriso empertigado e ergueu a
sobrancelha.
— Saboreie isso, meu querido esposo. Pois raramente
ouvirá isso.
Então, juntos, eles se encaminharam para mais perto do
cenário que se desdobrava diante da porta desgastada da
hospedaria.
— … supõe-se que deve ser melhor prosseguirmos até
Gretna. — Glassington murmurou em um tom moroso. —
Podemos nos casar lá se o Sr. Shaw e o Sr. Reaver
concordarem. — Ele virou-se para Shaw. — Quanto tempo
devo esperar para as promissórias serem entregues?
— Humm. Deixe-me ver. — Disse Shaw em voz baixa. —
Leva quatro dias para chegar à Escócia — cinco ou seis na
neve — então mais quatro ou seis dias para retornar a
Londres. Então, se meus cálculos estiverem corretos, suas
promissórias serão entregues... nunca.
— Perdão?
— Nunca. Você não receberá as promissórias. Você
pagará pelas promissórias. Cada. Uma. Delas. — Shaw se
aproximou se colocando entre Phoebe e o conde. — Oh, e
também não a levará a Gretna. Não se casará com ela afinal.
— Não irei? Mas pensei que era o que ela queria. — Ele
inclinou a cabeça para além de Shaw e Phoebe. — Sua irmã
me atormentou por meses.
Phoebe elevou o queixo nitidamente como o jeito
Widmore.
— Minha irmã acreditou que você fosse um cavalheiro.
Assim como eu. Entretanto, cavalheiros mantém suas
promessas. Você não.
A fisionomia dele ficou sombria.
— Eu nunca lhe prometi casamento.
— Nós dois sabemos que é uma mentira. — Ela fungou.
— Entretanto não tem mais importância. Não me casaria com
você nem se implorasse.
— Tem uma oferta melhor? — Ele bufou.
— Para falar a verdade… — Ela passou o braço pelo de
Shaw. — Eu tenho.
O rosto de Shaw era de um puro e possessivo triunfo.
O de Glassington, de incredulidade. Sua boca parecia a
de um peixe.
— Mas a criança é minha.
— Não. — Shaw falou. — A criança é minha.
O conde pareceu estupefato. Seus olhos passaram de
Phoebe para Shaw e para o abdômen de Phoebe. Então,
lentamente, sua expressão ficou mais sombria. Ressentida.
Como se repentinamente percebesse como era fraca a sua
posição.
— Posso tornar as coisas difíceis para você, Shaw. Posso
exigir meus direitos legalmente…
— Você não fará nada do tipo. — Shaw falou com
firmeza, como se estivesse revogando o crédito de algum
membro do clube. — Se tentar intervir, cobrarei suas
promissórias. Todas elas.
Glassington ficou tão branco quanto a neve que cobria o
campo atrás dele.
— Todas… de uma vez?
Shaw sorriu com dentes brilhantes.
— Sim. Acredito que isso deve deixá-lo com
aproximadamente... humm, deixe-me pensar. Aquelas somas
eram vultosas. Ah, sim. Nada. Nada mesmo. De fato, mesmo
sua propriedade vinculada serviria apenas para pagar os
juros remanescente depois da venda de todo o resto. Então,
percebe, você não exigirá seus direitos, fará reivindicações ou
causará a menor dificuldade a Phoebe, a mim ou a qualquer
pessoa. — A voz de Shaw baixou e o homem cruel que ajudou
a construir um império emergiu. —Desaparecerá de nossas
vistas, Glassington. E, com o tempo, pagará suas dívidas
diligentemente, sabendo que aqueles fundos serão bem
usados pela minha mulher e pelo meu filho.
Por um momento pareceu que Glassington protestaria.
Shaw balançou um dedo casualmente indicando Reaver.
— Melhor ir agora, meu lorde. Reaver é um pouco
imprevisível e ele não gosta de você. Influência da esposa, eu
suspeito.
O conde lançou um olhar nervoso sobre Reaver antes de
se virar e tropeçar de volta a sua carruagem, suas botas
outrora imaculadas, escorregando na lama. Enquanto a
carruagem carregava o nobre inútil embora, Reaver sentiu
Augusta suspirar.
Ele abaixou o olhar para a sua esposa e a encontrou
radiante.
— Eu sabia. — Ela exalou antes de virar o sorriso em
sua direção e quase o derrubar com o traseiro no chão com a
beleza dele. — Eu soube no momento em que o vi que você
era a minha resposta.
— Para quê?
— Para o nosso problema com Glassington. Mas, de
verdade, para tudo. Você é a minha resposta para tudo,
Bastian.
Ele sorriu de volta, inclinando-se para lhe dar um beijo
prolongado.
— Como sempre, Gus, você está certa em tudo.
CAPÍTULO 25

“Diga-lhe que ela está certa. Quanto mais fizer aplicações


disso, mas feliz será.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em uma carta de conselhos para maridos que desejam
agradar a suas esposas e, em retorno, agradar a si mesmos.

25 de julho de 1820
Derbyshire

— Percebe, Bastian? Estive certa o tempo todo.


Sebastian afastou os olhos da janela da carruagem para
lançar um cara feia a ela.
— Sobre?
— A carruagem. Você está muito mais confortável.
Admita.
— Parece ridícula.
— Marque as minhas palavras, todos em breve possuirão
uma carruagem como esta. Só de imaginar como é fácil para
entrar nela.
— Porque ela é muito baixa.
Augusta estalou a língua e alisou o bordado de sua luva
francesa.
— As janelas da frente acrescentam tanta luz e nos deixa
ver a estrada.
Ele olhou para as colinas verdes além da janela.
— Como um cão velho e gordo coçando a sujeira da
barriga.
Ela fungou.
— Bem, acho que é bastante inteligente. O construtor de
carruagens…
— Cobrou demais e demorou muito.
— Talvez devamos parar para comer. A fome o deixa mal
humorado.
— Aye. Fome de todo tipo.
Ela lutou para conter o riso. Seu período chegara no dia
em que eles deixaram Londres em direção a Shankwood Hall.
Bastian estivera ansioso para a longa viagem até então, a
expectativa de fazer amor com ela em sua nova carruagem.
Agora, três dias depois, via a carruagem como uma prisão
com assentos macios, teto alto e uma esposa inacessível.
Tormento, em outras palavras.
Ela se oferecera para agradá-lo de outras formas, mas ele
reclamara sobre as janelas. Agora, ela estava distraída. Mais
cedo, tentou conversar sobre Adam e Phoebe, cuja filha
nascera na primavera. Clara Shaw. Um pequeno e doce bebê
com os cabelos vermelhos e os grandes olhos azuis da mãe.
Augusta e Bastian visitaram recentemente na nova casa de
campo deles. Adam aparentemente decidira que um palácio
era adequado à sua pequena princesa.
Enquanto Augusta falava sobre a visita, Bastian apenas
resmungara respostas.
Agora, ela tentava uma tática diferente. Um desafio.
— Você sabe, você falou em manter as suas promessas.
Ele franziu a testa.
— Como?
— Bem, você prometeu se eu me casasse com você, que
Ash sempre teria um lugar conosco.
— E ele tem.
— Prometeu comprar uma nova carruagem e visitar
Shankwood.
Ele olhou ao redor e ergueu uma sobrancelha.
— Aye.
— E prometeu que me explicaria como Elijah Kilbrenner
se transformou em Sebastian Reaver.
Suspirando ele cruzou os braços sobre o peito.
— Você quer ouvir isso agora?
— Sim. Eu gostaria muito. Obrigada.
Por um longo tempo ela não teve certeza se ele
responderia. Ele olhou para fora da janela, sua mandíbula
dura enquanto a carruagem, seguia por uma surpreendente
estrada boa. Então, como se a história estivesse sendo
erguida como uma âncora do fundo do mar, ele disse
calmamente:
— Eu era Elijah Kilbrenner na noite em que meu pai me
carregou para fora do nosso chalé que queimava. Ele voltou
para salvar a minha mãe e irmã. O telhado caiu. Eu não pude
fazer nada além de gritar.
Ela se aproximou até que sua coxa tocou a dele.
— Quantos anos tinha?
— Mais jovem que Ash. Seis, talvez.
— Sem ninguém para cuidar de você? Família?
— Uma avó. Eu sabia dela pelas cartas que meu pai
compartilhou. Mas ela morava na América, Boston. Não havia
ninguém de verdade. Por um tempo, os aldeões cuidaram de
mim. O reitor e sua esposa. Um dono de loja bondoso. Eu
fiquei um pouco... estranho depois do incêndio.
— Estranho como?
— Eu não falei por algumas semanas.
A garganta de Augusta se estreitou, mas,
impiedosamente, esmagou o desejo de chorar. Bastian eram
um homem orgulhoso e, como Ash, não apreciaria vê-la
choramingando sobre ele.
— De qualquer forma, havia um sujeito que passa pela
vila algumas vezes por ano, vendendo bugigangas. Pedaços de
joias e coisas assim. Ele era um bêbado, vê, mas de um tipo
bom. Sempre contando histórias. Um dia, senti vontade de ir
com ele, ver os lugares sobre os quais contou. Escondi-me em
sua carroça e lá fomos nós. Quando ele percebeu que ele
tinha um clandestino, já estávamos na Escócia. — A mão de
Bastian se moveu para o joelho dela, acariciando sem
perceber, como se precisasse da conexão. — Ele chamava a si
mesmo Colonel Smoots. — Ele bufou. — Não era coronel, mas
podia inventar histórias, isso com certeza.
— O que aconteceu? Ele o devolveu à vila?
Ele balançou a cabeça.
— Eu não quis voltar. Ele tentou algumas vezes, mas eu
sempre o reencontrava.
— Ele era... bom com você?
— Aye. Um bom tipo. — O polegar acariciou o joelho dela
em pequenos círculos. — Fazia vários roubos, entretanto.
Nunca podia ficar no mesmo lugar por muito tempo. — Ele
deu de ombros. — Ainda assim, ele me ensinou bastante.
— Sobre como roubar?
— Aye.
— Oh, bom céu!
Ele riu baixo e profundamente.
— Uma noite, ele me colocou através de uma janela.
Casa elegante com uma biblioteca. Ele me disse: ‘agora não
seja ganancioso, garoto. Coisas pequenas. Coisas pequenas
para mãos pequenas.’ — As mãos apertaram os joelhos dela,
envolvendo completamente as pernas por cima das dobras de
seu vestido. — Mas eu viu uma coisa grande. Dourada e
brilhante. Um relógio. Eu o peguei.
Ela piscou. O relógio em seu escritório. Aquele que ele
não permitia que ela movesse ou substituísse, mesmo não
combinando em nada com ele.
— Saí de lá mais rápido do que um gato escaldado. Mas
não rápido o bastante. Um lacaio atirou.
As mãos dela fecharam-se em punhos.
— Um tiro?
— Aye. Ele errou. Eu era rápido. Uma pistola não tem
muito alcance.
Ela respirou lenta e profundamente.
— Mas o seu empregador. Oh, ele era mais esperto. Deu
a volta por outra porta e me pegou de jeito.
Ela engoliu em seco.
— De jeito como?
— Um bom chute na barriga. As botas do homem fizeram
algum estrago com toda aquela velocidade. O relógio voou. Eu
voei. Ele me bateu mais algumas vezes antes que Smoots
chegasse. Antes disso ele gritou: ‘Bastardo. Bastardo. Ladrão
Bastardo.' O homem estava enlouquecido. — Bastian olhou
para baixo onde suas mãos envolviam a sua perna. Ele
acariciou gentilmente, aqueles longos dedos tão maiores e
mais fortes do que aqueles quando aquele homem o ferira. —
Smoots o derrubou. Não sei como. Acordei fora de Glasgow.
Smoots salvou ao relógio e a mim. Mas o lacaio o acertara
com um segundo tiro. Levou um tempo para ele morrer.
Alguns dias.
— Oh! Deus, Bastian. — Ela não suportou. Subiu no colo
dele e apertou seu pescoço até poder respirar novamente.
Seus braços fecharam com força ao seu redor. Ele a
embalou um pouco, alisando seus cabelos.
— Não quis chateá-la, Gus.
— Não gosto de pensar em você sendo ferido.
— Bem, você me pediu para saber como me transformei
de Elijah Kilbrenner em Sebastian Reaver. É isso.
— Bastard Reiver. Ladrão Bastardo. Você criou um nome
a partir disso.
— Aye.
— E o seu cavalo.
— Nomeei pelo coronel.
— E o relógio.
— Ainda está comigo. Eu mantenho o que é meu.
— Sou sua.
— Aye, amor. Isso você é.
— Você deve me manter para sempre.
Ele a beijou. Profunda e demoradamente e com todo o
fogo que ela adorava em seu homem grosseiro. Quando ele
parou, ela respirou sobre ele. Acariciou sua mandíbula forte.
— Está pronto para ser Elijah Kilbrenner novamente?
Nós devemos chegar a qualquer hora.
Ele riu.
— Você é muito boa em distrações, Gus.
Ela sorriu.
— Eu sou, não é?
— Elijah Kilbrenner é o herdeiro. Um maldito nobre.
— Por enquanto. — Ela disse, beijando a curva de seu
queixo. — Tenho me perguntado se talvez Viola e James não
desistiram muito rápido. Minha mãe concebeu sete anos
depois do meu nascimento.
Ele ficou em silêncio, suas mãos esfregando suas costas,
nuca e cintura. Os dedos arrumaram as mechas de sua testa.
— Eu gostaria de ter um filho com você, Augusta.
— Sim. Eu percebi. Talvez seja o desejo de toda união
conjugal.
— Maldito inferno, mulher. Estou tentando lhe dizer…
— Que deseja que eu carregue sua grande e gigante
ninhada. — Suspirou dramaticamente. —Bem, suponho que
possa ceder, mas teremos que fazer um acordo antes.
— De novo isso.
— Sim. Você terá que admitir isso. Vá em frente.
— É o melhor escritório que um homem poderia ter.
— Muito bem. Agora a segunda parte.
— E a biblioteca tem uma grande quantidade de livros.
Ela ergueu uma sobrancelha para ele.
— Pode fazer melhor.
— Mulher maluca. Você é uma irritação certa.
— Se puser um pouco mais de esforço nisso eu posso
encontrar algo inteligente para fazer com aquele creme de
leite de rosas para mãos hoje à noite.
A cabeça dele caiu sobre o ombro dela.
— Deus todo poderoso, Gus. Está me matando.
— Sim, sim. Fale-me sobre a sua biblioteca, Bastian.
— É mais elegante que as bibliotecas mobiliadas pelas
esposas de outros homens.
— Viu? Assim está melhor.
— É ridículo. Você sabe o quanto eu amo as salas que
preparou para mim.
Ela sorriu e acariciou os cabelos dele. Estavam maiores.
Ela teria que cortá-los novamente em breve.
— Mas você estragou a minha surpresa e eu ainda não
me recuperei do desapontamento.
Ele riu, o som era um estrondo movendo-se do corpo dele
para o dela.
— Você se recuperará?
— Algum dia. — Ela disse. — Por enquanto, eu gosto de
ouvir o quanto isso o agradou.
Levantando a cabeça lentamente franziu a testa.
— Pensei que estávamos fazendo um acordo.
Ela traçou a curva da mandíbula dele com seu menor
dedo.
— Humm. Sim. Eu carregarei seus doze garotos
Kilbrenner.
— E eu farei a minha parte. Com grande prazer.
Ela encontrou os olhos dele e sorriu ao ver o amor
naqueles ônix.
— Temos um acordo então, Sr. Reaver. — Ela lhe
estendeu a mão.
— Não é assim que eu selo algo com a mãe de minha
gigante prole.
— Não sou a mãe de sua gigante prole ainda.
Ele se aproximou, sussurrando contra os lábios dela.
— Mas será, amor. Será em breve, ãh? — Então ele a
beijou, selando o acordo entre eles completamente.
EPÍLOGO

“Não acredite que este é o fim de nossas correspondências, Sr.


Kilbrenner. Você ainda tem muito a aprender e eu ainda tenho
muito a dizer.”

A Marquesa Viúva de Wallingham para o Sr. Elijah Kilbrenner


em um adendo de um adendo de uma carta em que felicita o
robusto citado cavalheiro por finalmente abraçar os deveres
familiares.

16 de Fevereiro de 1825
Meu querido Mr. Kilbrenner,
Você parece estar em um torneio de fertilidade. Eu tenho
uma boa autoridade — não a sua, claro, já que sua
correspondência pode ser descrita como esparsa — de que você
e a Sra Kilbrenner estão novamente esperando uma criança.
Espera-se que seja uma filha, pois quatro filhos de tamanho
gigantesco não é tão grande quando o cerco do exército.
Da mesma forma, espera-se que a mais nova gestação de
Lady Tannenbrook seja um menino. Dada a disposição de
Lorde Tannenbrook por suas filhas, tal eventualidade poderia
salvar uma quinta menina de ser mais uma solteirona de
coração partido.
A propósito, o tio da Sra. Kilbrenner parece ter encontrado
com a má sorte. Após ter terrivelmente empobrecido com um
esquema fracassado de investimento, Sir Phillip e Lady
Widmore devem achar ainda mais perplexo terem sido
roubados pelo menos quinze vezes em cinco anos. Este
incidente, pelo menos, não envolveu ferimentos como os catorze
anteriores, embora Lady Widmore tenha reportado que entrou
em desespero. O ladrão pegou as últimas joias dela e até
mesmo o vestido, veja, forçando a pobre coitada a retornar a
Binchley Manor em um severo estado de nudez em uma
carroça puxada por um asno. Tal grau de humilhação tem sido
frequente para Sir Phillip e sua esposa. Muito incomum, embora
o Destino tenha suas razões.
Mais notícias: um conhecido seu, Lorde Holstoke pretende
voltar a Londres para a temporada. Entendo que esteja
procurando uma esposa. Dado o histórico familiar de loucuras
e sua própria natureza peculiar, alguém pode supor que
encontrará muita dificuldade. Espero que os procedimentos
provem-se mais interessantes para serem assistidos. Talvez
possa oferecer-lhe meus conselhos. Parece que eles o ajudaram
enormemente.
Dê os melhores cumprimentos à Sra. Kilbrenner. A espero
para almoçar quando ela chegar à cidade.
Sua,
Dorothea, A Marquesa Viúva de Wallingham

Adendo à carta de 16 de fevereiro


24 de fevereiro de 1825
Meu querido Mr. Kilbrenner,
Sem dúvida deve saber do nascimento do aparente
herdeiro de Lorde Tannenbrook. Fico muito feliz que a minha
‘suspeita’ a respeito de Lady Tannenbrook tenha se provado
correta, embora a Sra. Kilbrenner provavelmente esteja
decepcionada. A querida disfarça bem, mas ela não pode
preferir ser a esposa de um rufião de classe baixa do que ser a
esposa de um conde.
Sua,
Dorothea, A Marquesa Viúva de Wallingham

PS: Recebi uma carta da Sra. Kilbrenner momentos atrás.


Evidentemente, rufiões de classe baixa a agrada mais. Eu
credito a isso, as minhas incansáveis instruções sobre o
comportamento cavalheiresco. Uma dama prefere um
cavalheiro afinal.
Notas

[←1]
Bonnet são chapéus amarrados embaixo do queixo.
[←2]
Cravat é a antecessora da gravata atual,
[←3]
Faro, Faraó, Faraó ou Farobank é um jogo de cartas francês do final do
século XVII. É descendente de Basset.
[←4]
post-chaise eram carruagens rápidas, fechadas e possuíam quatro rodas e
eram puxadas por dois ou quatro cavalos normalmente usadas para viagens.
[←5]
Regalo – agasalho para as mãos, de formato cilíndrico, normalmente feito de
lã. Também era usado como uma pequena bolsa.
[←6]
Ash Cole é uma expressão que indica alguém que só se interessa por
dinheiro, ganancioso, interesseiro.
[←7]
A frase é uma alusão à palavra gentleman que, em português, é cavalheiro.
Como não há como traduzir o jogo de palavras, optou-se por manter o
sentido original.
[←8]
Staccato é uma articulação musical na qual as notas e os motivos das frases
musicais devem ser executadas com suspensões entre elas, ficando as notas
com curta duração.

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