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O ENCANTO DE UMA DAMA

OS SPENCERS - II
STEFANY NUNES
SUMÁRIO

Nota da autora
Nota da autora II

Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Catorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta
Epílogo
Ao leitor
Agradecimentos
Capítulo Um

Sobre a autora
Leia também
O Encanto de Uma Dama
Série “Os Spencers” – 2
Copyright 2023 por Stefany Nunes
Edição e revisão: Liz Stein
Imagens da capa: Period Images, Deposit Photos e Canva.
PLÁGIO É CRIME.
Todos os direitos reservados. Este livro ou qualquer parte dele não pode ser reproduzido
ou usado de forma alguma sem autorização expressa, por escrito, do autor ou editor,
exceto pelo uso de citações breves em uma resenha do mesmo.

Essa é uma obra de ficção. Quaisquer similaridades com pessoas, situações, nomes ou
fatos reais são mera coincidência.

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N O TA D A A U T O R A

Este livro contém temas que podem ser sensíveis para algumas
pessoas, como violência física. Contém cenas eróticas descritivas.
Idade de leitura recomendada: 18 anos.
N O TA D A A U T O R A I I

Um fato interessante — colocarei referências na carta ao leitor no


final do livro —, e que acho importante que saibamos antes de
começar, é o contexto histórico referente à Itália.
Nossa história se passa em 1815, e a Itália, como nação e como
a conhecemos atualmente, somente se unificou em 1861, ou seja,
muitos anos depois. Paolo e seus irmãos serão chamados de
“italianos” porque nasceram em Florença, Toscana, na época parte
do território sob comando da Dinastia Franco-austríaca (Grão-
Ducado da Toscana), mas que era também parte da Península
Itálica.
O idioma falado por Paolo e Tommaso era um dileto regional de
onde viviam, no caso, fiorentino, do qual o idioma italiano atual
derivou (o vocabulário eventualmente utilizado na história é o
italiano atual).
E agora, vamos ao romance.
Boa leitura!
Para quem sonha em viver um grande amor.
E para Welliton, que me mostra todos os dias que sonhos podem se
tornar realidade.
“Per amore
Hai mai fatto niente
Solo per amore”
- Per amore - Andrea Bocceli
CAPÍTULO UM

Londres, Inglaterra, 1815


Garden’s House

O que uma mulher precisava fazer para ter um pouco de


sossego?
Iris suspirou ao sentar-se na soleira da porta dos fundos, de
frente para o jardim, finalmente relaxando. Ainda conseguia ouvir os
gritos animados da sobrinha, Dorothy, que brincava de pega-pega
com Jasmine correndo pela casa toda. Iris fora convidada para a
brincadeira, mas ela tinha algo importante para terminar: a leitura de
seu mais novo livro proibido, especificamente uma cena um tanto
indecorosa e quente.
Arrumando os óculos no nariz e a manga do vestido novo que
insistia em deslizar em seu ombro, ela respirou fundo o ar que
parecia cheirar a tabaco e abriu o livro em seu colo. Ler em um local
separado de todo o resto do mundo era algo em que já tinha
habilidade, àquela altura da vida. Com vinte e três anos,
praticamente assumira o posto de solteirona ao lado da irmã mais
velha e passara a encarar os bailes e as temporadas com olhos não
tão esperançosos. Iris não se considerava uma romântica incurável.
Acreditava no amor — seus pais e sua irmã Poppy viviam
casamentos com amor —, mas Iris era um tanto… peculiar.
Calma demais, quieta demais. Tímida demais. Bastava que um
cavalheiro a tirasse para dançar ou puxasse conversa para o rubor
tomar conta de si e ela sentir-se esquentar inteira. Uma timidez
crônica, sua mãe dizia. Isso afastava um pouco os pretendentes,
que pensavam que ela era uma mocinha inocente e tonta demais. E
ela não era, sabia disso, apenas não via necessidade de se esforçar
para provar nada a ninguém.
No fundo, esperava que o homem que desejasse, realmente,
conquistar sua afeição, a admirasse por quem era, sem ter que
fingir. Bem, talvez ela fosse, lá no fundo, uma romântica, mas
também conhecia o valor que tinha.
Tentava não se incomodar tanto em estar sozinha. Quase
sempre, na verdade. Havia sim, momentos em que a solidão lhe
pegava de jeito e ela sentia o coração apertar. Lady Spencer se
recusava a deixá-la desistir das temporadas. Por ela, Iris já não
frequentaria tantos bailes assim.
Se ao menos Iris tivesse nascido homem e gozasse de mais
liberdade. Poderia manter-se despreocupada, ocupar seu tempo
com coisas interessantes, talvez viajar, como Phillip fizera. Ou talvez
não, considerando que seu irmão voltara da viagem um homem um
tanto mudado, e não compartilhara com ninguém as histórias de
suas aventuras. Iris desconfiava que aquela ida à Roma escondia
algum segredo, que Phillip não estava disposto a revelar.
De qualquer forma, ele ainda tinha boas opções. Ela, como uma
mulher, não.
Restavam-lhe os livros, as páginas cheias de palavrinhas que
permitiriam a Iris fugir um pouco de sua realidade.
Ela correu os olhos pelas letras, situando-se na história. Era um
enredo ousado, francês, uma madame cujo marido morrera e pedira
que não se relacionasse com mais nenhum outro homem. Ela, ainda
que sem intenção, acabou se deixando seduzir por seu médico.
E nossa, que encontros calorosos aqueles dois tinham.
Iris apreciava aquele tipo de leitura, que passou a consumir em
segredo há alguns anos. Conseguia suas cópias com o livreiro,
colocava-as debaixo do braço e se esgueirava em cantos
estratégicos da casa para devorar as páginas sem ninguém lhe
questionar.
Fixou os olhos nas folhas, a madame e o doutor em meio a um
momento de paixão ardente. Iris engoliu em seco com os toques
libidinosos narrados, com a descrição da figura nua masculina.
Era impressão dela, ou estava mais quente ali?
— O que está lendo?
A voz trovejou de forma tão surpreendente que Iris até mesmo
derrubou o livro no chão.
Olhou para a frente, para a figura imponente do homem recém-
chegado. O calor aumentou.
Era ele. O novo lacaio, contratado pela família Spencer há
poucos dias.
Um homem atraente, viril, enorme. Italiano.
— Mi dispiace 1. — Ele tragou o cigarro que segurava entre o
dedo indicador e médio. Estava explicado o cheiro de tabaco. —
Não foi minha intenção assustá-la.
Iris abaixou o tronco, ainda sentada nos degraus, e ergueu o
livro do chão.
— Não me assustei, apenas… — ela sentiu o rosto esquentar —
estava distraída.
— Sì, com a leitura. — Ele inclinou o rosto para o lado. — O que
está lendo?
Iris piscou, ficando em pé, seus olhos fixos no sujeito. Ele era
diferente de tudo que ela já tinha visto, e desconfiava que não
somente pelo sotaque ou suas origens mediterrâneas.
Não sabia muito sobre ele, mas o que sabia lhe intrigara. Paolo
Vicenzo era seu novo lacaio, jovem, mais forte do que qualquer
serviçal conhecido por ela. O rosto era másculo, perfeito, sombrio.
Cabelos e sobrancelhas escuras e bem desenhadas — ele havia
tirado a peruca —, olhos acinzentados que cintilavam perigo e
alerta, lábios carnudos e um nariz reto, que parecia já ter sido
quebrado. Os ombros largos apareciam mesmo sob o uniforme, a
cintura estreita indicava que ele estava em boa forma, coxas
grossas cujos músculos se destacavam ainda que envolvidas em
um tecido escuro.
Mas, principalmente, havia aquela voz. Uma voz poderosa,
grave, um trovão numa tempestade no campo. Iris sentia os pelos
da nuca arrepiarem somente ao ouvi-la.
— Não vai me responder? — ele perguntou, ainda olhando para
ela.
Iris engoliu em seco, desviou o olhar. Ela era a patroa e ele, o
empregado. Não deveria falar com ela daquele jeito. Por que, então,
ela não conseguia sentir nada senão excitação?
— É um livro francês. Um tanto… é sem-graça. — Ela deu de
ombros.
— Coisas sem-graça chamam sua atenção? Porque… parecia
muito interessada pelo conteúdo antes de eu incomodá-la.
Ela não sabia o que responder. Aquele homem a deixava sem
fala, mais do que os outros. E de um jeito diferente também. Mais
perigoso, como se ao conversar com ele, ela estivesse cometendo
algum crime. 
— Não vi o senhor aqui.
— Estava atrás do muro. — Ele apontou com a cabeça, o
movimento fez com que uma mecha de cabelo escuro caísse em
sua testa. Iris quis tirá-la dali com os próprios dedos, sentir a textura
macia, tocá-lo. — Tirei dez minutos para fumar. Talvez, seja
interessante que isso fique entre nós.
Claro, porque ela era uma das donas da casa e ele podia se
encrencar ao sair para fumar quando deveria estar trabalhando.
— Não sou fofoqueira.
— Mas é a patroa.
— Não uma esnobe — ela retrucou, mais uma vez.
— Por que está corada? — perguntou ele. — Está nervosa?
Sim.
— Não. É normal isso acontecer. Eu… coro com facilidade.
Ele assentiu devagar, correndo seus olhos por ela.
— Como se chama? — Paolo Vicenzo apertou os olhos um
pouco. — Não decorei os nomes de sua família ainda. Qual das
irmãs Spencer é a senhorita?
Iris piscou rápido, sentindo o rubor subir por seu pescoço.
— Eu sou Iris.
O italiano assentiu e deu mais uma tragada no cigarro já quase
no fim. Soltou a fumaça pela boca, virou a cabeça para o outro lado,
mas Iris aspirou o aroma forte mesmo assim, marcante e rústico,
seus olhos fixos no rosto másculo, no maxilar quadrado e
imponente.
— Nome de flor… — Ele deu um passo à frente. Iris paralisou
com a proximidade, sem conseguir se mexer, sua pele queimando.
Nervosa, Iris umedeceu os lábios, os olhos cinzas do sujeito
fixos no movimento, sua expressão impassível.
— A senhorita não fala muito, não é?
Ela pigarreou.
— Falo o suficiente.
Ele realmente parecia analisá-la, tentava descobrir o que
pensava. O Sr. Vicenzo correu os olhos por ela mais uma vez,
queimando-a. As pernas de Iris quase cederam quando ele levou
uma mão áspera em seu ombro e deslizou o tecido para cima,
colocando a manga no lugar.
O tempo congelou. Iris sentiu o polegar roçar sua pele, para cima
e para baixo, numa carícia rápida, gentil, poderosa. Ele então se
afastou. Não imaginava porque, mas ela sentiu a falta do toque.
Falta daquele gesto tão indecoroso.
— Melhor voltar para dentro, bella mia. Não queremos causar
problemas. — Ele deu uma piscadela ao descartar o cigarro. — E,
como vai guardar meu segredo, guardarei o seu. — Ele olhou para o
livro nas mãos dela, que Iris apertava a ponto de ficar com os nós
dos dedos brancos. — Capítulo dezoito. Vai gostar do que vê —
afirmou ele, ao passar por ela. — E corar um pouco mais.
Iris ficou paralisada no mesmo lugar, lembrando-se de respirar. O
coração martelava forte, seu ventre se contorcia, seus membros
estavam amortecidos. Puxou o ar e abriu o livro, os dedos tremendo
ao passar pelas páginas, ao procurar o capítulo que ele dissera.
Iris arregalou os olhos com o que leu ali, com o beijo íntimo que
madame ganhava, nas mesmas partes em que Iris agora sentia-se
formigar.
E corar um pouco mais.
Ela fechou o exemplar com força, tirou uma mecha de cabelo
escuro dos olhos e voltou para dentro. Homem abusado, aquele
lacaio.
Dali para frente, precisava se lembrar de manter-se longe
daquele sujeito, daquela perturbação em forma de músculos e
carne. Iris era inteligente e não era preciso mais nada para saber,
com base nas reações inesperadas de seu corpo, que nada de bom
poderia sair dali.
Absolutamente nada.

— Iris, querida! Onde estava? 


Iris sorriu seu melhor sorriso fingido ao olhar para a mãe, tão
logo entrou na sala de visitas. 
— Lendo lá fora. Parei por hoje, meus olhos estão cansados. 
— Tia Iris! — Ela cambaleou para trás ao sentir o baque da
pequena Dorothy abraçando suas pernas. 
Iris riu, abaixando-se como pôde. 
— Olá, sua pestinha… — Ela tocou na ponta do nariz minúsculo.
Dorothy se parecia cada dia mais com sua irmã Poppy, com
exceção dos cabelos muito escuros que herdara de Jasper. 
— Dorothy, você vai me matar desse jeito. — Iris levantou o
rosto para encarar Jasmine, que chegara ofegante junto a elas. —
Eu estou velha para essas coisas… — murmurou a mais velha, com
uma expressão divertida ao pegar Dorothy no colo e fazer-lhe
cócegas. 
— Ah, sim. Vê-se que você pouco aproveita esses minutos com
ela — Iris comentou, e se pôs em pé, arrumando os óculos sobre o
nariz. 
Lady Spencer inclinou a cabeça para o lado. 
— É disso que está abrindo mão com seu comportamento —
reclamou ela, referindo-se à Jasmine. Ela e Iris reviraram os olhos
ao mesmo tempo. 
— Ah, sim. Não posso brincar com minha sobrinha sem ser
criticada por minhas escolhas de vida. 
— Escolhas equivocadas! Que mulher em seu santo juízo
escolhe não se casar? 
Jasmine voltou a fazer cócegas em Dorothy, ignorando o
comentário da mãe. Iris, contudo, conseguiu ver o brilho triste no
olhar da irmã, como sempre acontecia quando tocavam naquele
tema. 
Jasmine costumava ser a mais romântica dos Spencers, a que
mais acreditava no amor e que não tinha nenhum receio em gritar
aos quatro ventos que um dia se apaixonaria perdidamente e viveria
aquele sentimento por inteiro. Quando ficou noiva de Lorde Ian
Wembley na temporada de 1814, absolutamente todos os membros
da família acreditaram que ela estava finalmente realizando seus
desejos românticos. Infelizmente, o casamento nunca aconteceu. A
decisão partiu de Jasmine, que escolheu não somente não revelar à
família seus motivos — o que causou um reboliço e tanto —, como
também afirmou que mudara de opinião em relação à instituição e
decidira permanecer solteira para o resto da vida. 
Iris podia não conhecer os detalhes daquele caso, mas de uma
coisa ela sabia: sua irmã saíra machucada de seu compromisso
falido. Apostava seus óculos e livros indecorosos que um coração
partido tinha relação com aquela “escolha” de futuro. Contudo, ela
não pressionara Jasmine para que lhe contasse. A deixara livre para
lidar com seus próprios sentimentos e apenas se mostrou presente
caso a irmã decidisse contar com seu apoio e ombro para chorar. 
O que, também, não havia acontecido até o presente momento. 
— A que horas Poppy chegará amanhã? — Jasmine perguntou à
mãe, ao sentar-se no sofá com Dorothy no colo. 
— Cedo, e pretendem partir no dia seguinte. Ela mandou um
bilhete dizendo que o carregamento de flores chegou anteontem na
propriedade. — A matriarca olhou para a neta. — Seus papais estão
vindo te buscar. 
— Oba! — A menina bateu duas palminhas em comemoração. 
— Ora essa — Iris franziu as sobrancelhas para a pequena —,
achei que fosse ficar triste por ficar longe de nós. 
Jasmine sorriu ao observar a expressão nada culpada da
garotinha. 
— Fale para a tia Iris do que você sente falta. 
— Ozzy! — Dorothy afirmou sem pensar duas vezes, referindo-
se ao cachorrinho que era seu companheiro fiel. 
As três Spencers gargalharam em conjunto. 
— Acho que poderíamos servir o chá, não acham? — Lady
Spencer questionou. 
— Sim, estou com fome. Está com fome, Dorothy? — Jasmine
perguntou à sobrinha, que assentiu. 
— Ótimo, vou mandar o lacaio providenciar tudo. — Georgia
levantou-se e arrumou as saias do vestido. 
Iris sentiu o rubor correr-lhe pela pele do pescoço, somente com
a menção do empregado atrevido. Por Deus, por que estava
pensando naquele homem? Ele não era o único funcionário da casa.
Bem, era o único em quem ela pensava agora.
— O que acha do novo lacaio? — Ela se virou para Jasmine. 
— O italiano? 
— Sim. 
Jasmine deu de ombros, seu tronco inclinado para permitir que
Dorothy pusesse os pés no chão. 
— Nada de diferente dos outros, a não ser por ser estrangeiro.
Por quê?
Foi quase como se Iris conseguisse ouvir o sussurro em seu
ouvido:
Bella mia. 
E corar um pouco mais. 
— Nada, apenas curiosidade. 
Ela não deveria estar fazendo perguntas sobre aquele rapaz.
Céus, não deveria nem ao menos estar pensando nele, tampouco
sentir aquele arrepio indecoroso. Mas também, como não faria após
aquela conversa tão inapropriada? 
— Por que você ficou vermelha? — Jasmine franziu a testa. 
— Eu não estou vermelha! — Iris respondeu rapidamente. —
Está calor. 
— Ora, eu não acho que…
— Meninas! — Lady Spencer voltou para a sala. — Vamos
comer? 
— Vamos! — Iris levantou-se rápido e tratou de pegar na
mãozinha da sobrinha. Não permitiria jamais que a matraca de
Jasmine começasse a lhe fazer suas inúmeras perguntas. — Vamos
comer biscoitos! 
Deu certo, porque elas caminharam até a sala de jantar e
compartilharam momentos muito agradáveis durante o chá da
tarde. 
Iris não viu qualquer sinal de Paolo Vicenzo durante a refeição. 
Ainda bem que não. 

1 Tradução do italiano: me desculpe.


CAPÍTULO DOIS

S eu irmão matara um homem. 


Caspita 1! 
Dentro do velho armazém, Paolo Mazza descartou a bituca de
cigarro e suspirou, passando a mão nos olhos. Encarou o jornal em
sua frente mais uma vez, a notícia do assassinato do lorde inglês
Gabriel Jones, cujo corpo fora encontrado aberto nos arredores de
Whitechapel. Considerando o bilhete urgente que recebera do irmão
mais cedo, Paolo não precisava de mais nada para entender que o
mais velho estava envolvido naquele escândalo. 
E isso não era bom, nem mesmo um pouco. 
De que adiantaria tanta dedicação naquele plano de vingança se
Tommaso, com seu sangue quente e cabeça perturbada, colocaria
tudo a perder? 
Paolo não podia ser descrito como um homem bom, mas não era
um assassino. Já cometera muitos crimes em seus trinta e dois
anos, contudo, tirar a vida de alguém não fazia parte de sua lista.
Talvez fosse apenas uma questão de sorte, já que nunca precisara,
de fato, matar. Realmente precisar, não apenas divertir-se em ver o
sangue alheio escorrendo, como era o caso de seu irmão. Tommaso
tinha uma meia dúzia de almas em sua lista de baixas. Paolo se
perguntava se alguma delas realmente merecera morrer, ou se
todas foram apenas um capricho do irmão. Não duvidaria que
fossem, incluindo o tal Jones. 
— Você recebeu meu bilhete. 
Paolo se virou para a voz rouca que falava em seu próprio
dialeto fiorentino atrás dele. 
— Que merda você fez? — questionou ele, entre os dentes. 
Tommaso não pareceu abalado. Em realidade, parecia de
ressaca, seus olhos escuros mais fundos do que o normal, as
olheiras no rosto pálido denunciando seu cansaço e as roupas muito
sujas e amassadas.
— Que bela recepção. 
— Seria melhor recebido se não saísse assassinando lordes por
aí. 
— Como sabe que fui eu? 
— Porque, se não fosse, eu certamente não estaria em um
armazém imundo. 
O mais velho deu de ombros. Deu de ombros! Como se
conversassem sobre o tempo, e não sobre a vida de um maldito
nobre inglês. 
— Por que o matou? — Paolo quis saber. 
— Ele tentou passar a perna em mim. 
— Um lorde tentou passar a perna em você?
— Tenho certeza de que contou cartas.  Brigamos e as coisas
saíram do controle.
Paolo soltou um suspiro frustrado. Tommaso era o pior jogador
de cartas que ele conhecia, mas, assim mesmo, insistia em jogar.
Quando perdia, o que era quase sempre, frequentemente tentava
culpar os outros por trapaça, para disfarçar sua própria
incompetência.  Já Paolo era brilhante e contava cartas com uma
extrema facilidade, o que lhe garantira um bom dinheiro ao longo
dos anos. Essa estratégia inclusive lhe permitiu juntar o suficiente
para comprar seu pedaço de terra em Chianti, uma região perto de
Florença, e plantar uvas para começar sua própria produção de
vinho. Não que o projeto tenha dado certo. Tão logo Paolo
conseguira se assentar, Tommaso apareceu em sua porta contando-
lhe que Giuliana, a irmã deles, havia sido assassinada em Roma
após se envolver com um lorde inglês mau-caráter.
Foi como se Paolo levasse um tiro no meio do peito. Uma ferida
se abriu imediatamente em seu interior, e ele tinha suas dúvidas de
que um dia ela pararia de sangrar. Não era um sujeito amoroso,
tampouco sentimental. Assim como todos os Mazza, Giuliana não
era a mulher mais honesta do reino, mas ela era sua irmã, o mais
próximo que ele conhecera de afeição. E agora ela estava morta
porque fora traída por um homem covarde, que conseguira fugir de
volta para sua família nobre e inglesa. 
Phillip Spencer, era o nome dele. 
— Suponho que você me mandou vir para cá por estar fugindo
— Paolo concluiu, pressionando a ponte do nariz. 
Às vezes, Tommaso o deixava exausto. Conviver com ele era
como ser responsável por um jovem encrenqueiro e sem juízo, o
que seria um problema menor se ele fosse, de fato, um jovem, e não
um homem de mais de trinta anos.
Era por isso que Paolo decidira se afastar e tocar sua própria
vida à sua maneira, tão logo teve a oportunidade.
— Estive numa noite um tanto longa… 
— Demônios, Tommaso! Desde que chegamos, nada do que
você tem feito foi como combinamos!
O italiano revirou os olhos. 
— Grande coisa, mais um sujeito boiando no Tâmisa. 
— É uma grande coisa se será perseguido! Não fazia parte do
plano matar um homem! Estamos aqui apenas para arruinar Phillip
Spencer! — rosnou Paolo. 
Tommaso revirou os olhos pela segunda vez, mas não o
encarou. 
— O sujeito deveria ter pensado melhor antes de contar cartas
comigo na mesa. 
— E agora o quê? Como faremos com seu rosto procurado pelas
autoridades? Isso atrapalha o que planejamos.
Um plano que Paolo traçou assim que foi procurado pelo irmão,
dominado pelo ódio e por ressentimento. Tommaso queria matar o
sujeito, coisa que Paolo jamais faria. Mas isso não o impediria de
vingar Giuliana do seu jeito. Um sujeito como Spencer não merecia
piedade e clemência. Bem ao contrário, na verdade. Merecia sofrer.
Assim, eles viajariam até a Inglaterra e decidiriam a melhor
estratégia para fazer Phillip pagar. Giuliana merecia aquele esforço.
Porém, as coisas haviam mudado um tanto de rumo nas últimas
semanas. 
Ambos chegaram à capital inglesa sem saber exatamente para
onde ir. Não foi difícil localizar a casa da família do cretino nos
arredores da distinta Mayfair. Paolo e o irmão fizeram vigília ali, e
descobriram que Phillip estava fora da cidade, sem data para voltar.
Não esperavam, contudo, que o canalha tinha boa fama entre os
seus. Um bom filho, irmão e cavalheiro, era o que diziam. Então,
Paolo teve uma ideia: arruinar o sujeito e revelar a todos quem era o
verdadeiro Phillip Spencer. Daria trabalho, mas valeria a pena.
Spencer se tornaria um homem sem honra e prestígio, na posição
mais miserável possível. E o destino deveria estar a favor deles,
pois, poucos dias depois, chegou aos ouvidos dos irmãos que a
família estava à procura de um novo lacaio. Era a oportunidade
perfeita para executarem o plano, afinal, que lugar melhor para
encontrar todos os podres do cretino do que sua própria casa?
Como Tommaso era impulsivo demais e desprovido de
inteligência, Paolo sabia que precisaria ser ele a ocupar aquele
posto.
Trabalhar para a família facilitaria muitas coisas, mas exigia
cautela, pois implicaria em reconhecerem seu rosto. Isso o deixava
exposto e sob um risco maior do que o planejado inicialmente.
Paolo decidiu assumir um sobrenome falso, e era agora Paolo
Vicenzo, terceiro lacaio da casa Spencer. Seus últimos dias foram
ocupados, pois havia muito trabalho naquela mansão absurdamente
grande e cheia de gente. Isso sem contar o uniforme ridículo com
casaca em um tom de azul vivo, cheio de rendas amarelas e botões
trabalhados, gravata branca e apertada, as meias de seda e a
peruca — uma maldita peruca! — que Paolo era obrigado a usar.
Céus, até mesmo de sua barba ele teve que se livrar. Sentia-se um
menino sem os pelos na face. Um verdadeiro palerma. Apenas por
Giuliana ele se sujeitaria a tal situação.
Os Spencers eram uma família tradicional, aristocrata, cheia de
pompa, do tipo que frequentava cinco bailes por semana e jantava
com o Rei. Bem, talvez quase todos eles. Passara um tempo
significativo observando os habitantes de Garden’s House, um mais
desinteressante que o outro. Contudo, havia uma filha, Iris, que
roubara a atenção de Paolo naquela última semana. A tal dama
parecia ser mais… discreta. A mocinha que corava com facilidade
ao ler romances proibidos. A que tinha a pele macia como uma
pétala de flor. E em quem não deveria reparar, pois nada poderia
distraí-lo de seu propósito.
— Preciso que esteja focado — Paolo o lembrou.
— Estou focado… — murmurou Tommaso. 
— Não é o que parece, ou não estaríamos aqui.
— Você já conseguiu algo? — Seu irmão fugiu do assunto.
— Eu estou atrás disso, mas não vou me comprometer. Quero
vingar nossa irmã e voltar para Chianti, e não apodrecer numa
cadeia inglesa. 
Ainda mais agora, com Tommaso possivelmente enrascado.
Paolo teria que ter o dobro de cuidado se quisesse sair daquela
situação ileso para retomar sua vida.
— Eu disse que Spencer está fora da cidade. Não há
absolutamente nada em seu dormitório além de suas roupas e livros
antigos — Paolo explicou. — Revirei o lugar. Os empregados
tampouco mencionam qualquer coisa que possamos usar contra
ele. O homem esconde muito bem os seus esquemas. 
Tommaso passou a mão nos cabelos escuros e desgrenhados,
interrompendo-o. 
— Espere ele retornar. Esse infelice 2 deve carregar suas merdas
com ele… 
— Sim, possivelmente. Pretendo vasculhar o escritório. Ainda
não tive a oportunidade.
Paolo observou Tommaso suspirar, encostando-se em um balcão
de madeira empoeirado.
— Vai ficar aqui de agora em diante? Como seguiremos com a
polícia atrás do assassino de Jones? 
— Eu sei me virar — resmungou Tommaso. 
Paolo analisou a figura acabada do irmão e concordou.
— Estarei atento ao retorno do sujeito. 
— Quando será isso? 
— Não sei, em breve. Por enquanto, sigo naquela rotina do
inferno de afazeres domésticos. 
— Você já recebeu um pagamento? — Tommaso questionou,
sem dar atenção às suas reclamações. 
Paolo cerrou a mandíbula. Sabia o que aquela pergunta
significava. 
— Por quê? 
— Preciso do dinheiro. Perdi muito ontem. 
— Não deveria estar apostando o pouco que temos! — Paolo
quase gritou. — Cavolo 3, Tommaso! Estamos aqui há apenas um
mês e você conseguiu nos foder! 
Tommaso deu um impulso com as mãos na superfície de
madeira atrás de si e se aproximou, o dedo apontado para o nariz
do mais novo.
— Eu fiz o que tinha que fazer com o infeliz!
Paolo o encarou, olho no olho, e sentiu o odor desagradável e
pungente que ele exalava. Uma mistura de suor, bebida e… morte.
Suas unhas ainda estavam sujas de sangue. Paolo sabia que
Tommaso tinha uma preferência por facas a armas de fogo. Jones
provavelmente sofrera um bocado antes de dar seu último suspiro.
Quem olhava para ele, com aqueles músculos e altura discretas,
não diria do que o italiano era capaz. E havia algo na expressão de
Tommaso, em seu olhar diabólico, que sempre deixava Paolo em
estado de alerta. 
— Eu trarei algumas moedas, mas não pense que vou sustentá-
lo quando bem entender. Preciso de dinheiro também, para manter
minhas necessidades. 
— Morando numa casa como aquela?
— Não devo explicações a você — Paolo o cortou.
Tommaso balançou a cabeça negativamente ao afastar-se. 
— Que seja. Estarei em Covent Garden agora, Whitechapel não
é mais segura.
— Faça como achar melhor. — Paolo endireitou sua postura. —
Mas mantenha-se contido. Dei-lhe uma condição antes de partimos:
que, uma vez que Giuliana esteja vingada, seguiríamos caminhos
separados novamente. Precisamos ter paciência, especialmente
agora que você está na mira das autoridades. 
— Se engana você se acha que tenho medo desses policiais.
Poderia fazer todos aqueles idiotas sangrarem. 
— Mas não vai! — Paolo rasgou, sua voz elevada. — Vai se ater
ao plano que combinamos. Vou conseguir provas e vamos arruiná-
lo, sem sujar nossas mãos.  
— Eu poderia simplesmente cortar sua garganta.
— Já disse: sem derramamento de sangue! — Paolo retrucou,
reforçando o argumento que utilizava desde o princípio. — Matá-lo
não é a melhor opção. Se não revelarmos ao mundo quem ele é de
verdade, é bem possível ainda se tornar um mártir. Uma vítima.
Tommaso bufou, embora não discordasse totalmente, Paolo
sabia. Ele mesmo concordara que arruinar a reputação de Spencer
lhes era conveniente. Parecia mais… justo. Sua irmã estava morta,
maldição.
— Inclusive, enviei uma carta a Matteo Russo, um amigo que
tenho em Roma.
— Por que demônios fez isso? — Tommaso quis saber.
— Porque pedi detalhes do que aconteceu com Giuliana. Ele vai
investigar.
Tommaso olhou para cima, sem paciência.
— Sabemos o que houve. Spencer tinha dívidas com os
Palermo, e eles fizeram um acerto de contas que custou a vida de
nossa irmã.
— Dívidas do quê? — Paolo questionou. — Ainda sinto que há
lacunas nessa história. Quais eram exatamente os negócios de
Spencer com a famiglia?
— Por que se importa com isso?
— Porque, se soubermos, fica ainda mais fácil expô-lo! — Paolo
argumentou. — Confie em mim, Tommaso. Sei o que estou fazendo.
— Eu quero destruí-lo, Paolo! — seu irmão exclamou.
— E vamos fazê-lo. Giuliana será vingada, não duvide disso. 
Tommaso assentiu. Paolo falara a verdade. No que dependesse
dele, Giuliana teria sua vingança contra o cretino do Phillip Spencer. 
Não descansaria até tornar isso possível. 

1 Tradução do italiano: caramba, uau.


2 Tradução do italiano: infeliz.
3 Tradução do italiano: droga!
CAPÍTULO TRÊS

I ris ajeitou o corpete do vestido cor-de-rosa e encarou seu


reflexo no espelho, os olhos apertados na tentativa de
enxergar melhor. Naquela noite quente de verão, sentia-se bonita,
elegante, seu rosto corado e cabelos brilhantes indicavam boa
saúde e disposição. À primeira impressão, estava tudo adequado,
como tinha que ser para uma temporada promissora. 
O problema, contudo, era sempre as impressões que se
seguiam. 
Em sua terceira temporada social, Iris já deveria estar
acostumada à agitação dos salões de bailes. E ela estava, ao
menos em parte. Já não se sentia nervosa ao entrar no recinto, ao
servir-se de um pouco de ponche, ao oferecer seu cartão de danças
aos jovens que tinham interesse em valsar com ela. Se ao menos
ela conseguisse se soltar depois dos convites. 
Ano após ano, sua dificuldade em revelar-se aos cavalheiros era
sempre a mesma: Iris simplesmente não sabia conversar com eles.
Poppy e Jasmine jamais tiveram aquele tipo de dificuldade. Phillip
tampouco, tanto que vivia coqueteando por aí. Dos genes da família,
seus irmãos pegaram todo o estoque de desenvoltura e visão boa e
a deixaram com uma timidez exagerada e uma vista turva. Era uma
pena que não fosse de bom tom usar óculos nos salões de bailes. 
Mas Iris pensara bem nos últimos dias e decidira que, talvez,
fosse interessante agir diferente naquela temporada. Por que não?
Ser mais ativa, mais positiva e menos resignada. Poderia tentar, de
verdade, conseguir um arranjo de matrimônio e, para isso, ela
estava disposta a… se esforçar. 
Deus do céu, suas mãos suavam somente de pensar. 
Muito bem, Iris, um belo começo esse seu, ela cantarolou para si
mesma. 
— Disse algo? — Jasmine colocou a cabeça na porta, passando
pelo corredor. 
Iris fitou a irmã mais velha de cima a baixo, em seu vestido azul
brilhoso. 
— Oun, você está linda. 
Jasmine sorriu, embora aquele não fosse o sorriso de outrora.
Algo se apagara em seu rosto após sua decepção amorosa. 
— Animada com esta temporada? — Iris perguntou. 
Ela deu de ombros. 
— Acho que sim. Sempre me divirto dançando. Uma pena que
Phillip esteja viajando, eu certamente gostaria de fazê-lo rodopiar
um pouco. 
— Aonde ele foi dessa vez?
Jasmine engoliu em seco e olhou para o corredor como quem
conferia se estavam sozinhas.
— O que foi? — Iris perguntou, intrigada.
— Bem — Jasmine sussurrou —, para todos os efeitos, ele foi à
França para se divertir. Contudo, nada tira da minha cabeça que
essa viagem tem a ver com Flavian.
— Com Flavian? — Iris se sobressaltou. — Por quê?
— Porque Jack está com ele. E como sabemos que a guerra
deve acabar oficialmente em breve…
— Como sabe de tudo isso?
— Violet me contou. Ela foi visitar Cornelia.
Iris assentiu. Cornelia, a prima mais nova dos Spencers, estava
com dezenove anos agora, mas não frequentava os círculos sociais.
Ela era diferente, especial do seu próprio jeito. Muito amada pela
família, que preferia manter os olhares julgadores e as línguas
afiadas distantes da garota. Violet, a amiga filha do advogado e
dona do coração de Flavian, tinha muito apego a ela, e era uma das
poucas pessoas em quem Cornelia confiava inteiramente,
especialmente quando tinha episódios de crises nervosas — que
estavam mais recorrentes desde o falecimento do velho duque, tio
William.
— Você acha que isso é bom ou ruim? — Iris questionou.
Jasmine respirou fundo.
— Espero que o tenham encontrado. Não temos notícias dele há
muito tempo.
Iris sentiu o coração apertar ao pensar no primo, na amiga Violet,
esperando por ele, em Jack, que agora ela sabia que talvez
estivesse em uma busca pelo irmão que não via há anos.
— Bem, vamos pensar positivo. Tudo vai acabar bem — ela
tentou desviar o assunto. — E, quanto à ausência de Phillip, isso
significa uma vaga a mais em seu cartão de danças. Quem sabe o
mercado casamenteiro não nos traz novidades neste ano? 
— Não comece. 
Iris insistiu, mesmo contra a vontade dela. 
— Mas, Jas, seu compromisso se desfez há muito tempo. 
— Assim como há muito tempo, eu decidi renunciar a essas
bobagens — respondeu rápido, dando um tapinha no penteado. Era
sempre assim quando Iris tentava tocar naquele assunto. Sempre
uma porta fechada com força em seu pobre nariz. — E quanto a
você? Parece mais animada.
Iris sorriu de lado.
— Estou mesmo. Decidi que, nesta temporada, me mostrarei
mais… aberta. Tentarei, pelo menos.
Jasmine riu.
— Ora, ora, teremos histórias para contar em 1815. — Elas
riram. — Sua manga está caída de novo, querida. — Jasmine
apontou para Iris com um gesto de cabeça. 
Iris baixou o olhar em direção ao próprio ombro. 
— Droga, de novo isso. Colocarei um alfinete. 
— Quer ajuda? — Jasmine perguntou. 
— Não, distraia mamãe enquanto faço isso e já desço. 
Jasmine assentiu e sumiu de vista. 
Iris caminhou até a cômoda de madeira e abriu a primeira
gaveta, procurando por seus alfinetes. Somente Deus sabia o que
acontecera com seu corpo naquele ano, se as medidas foram
tiradas errado pela modista ou se ela tinha perdido um pouco de
peso, mas as mangas da maioria dos seus vestidos insistiam em
cair de seu ombro direito. 
O metal do alfinete brilhou no fundo escuro e Iris o alcançou.
Voltou para a frente do espelho e tentou se livrar do pequeno
importuno. Ainda bem que Jasmine reparara antes de saírem, pois
seria difícil e um tanto deselegante ficar ajeitando a manga no
decorrer do baile. Enquanto lidava com a peça pontiaguda, Iris
perguntou-se se aquela seria, enfim, sua última temporada. Com
sorte, sua decisão de se esforçar poderia dar frutos e ela não teria
que se preocupar com tantos detalhes no ano seguinte, pois estaria
casada e muito satisfeita ao lado de seu marido. 
Era isso que ela queria, certo? Bem, claro que sim, por que não
quereria? Todas as moças solteiras da Inglaterra — com exceção de
Jasmine — desejavam isso. Iris tinha consciência de sua idade, do
que já diziam a seu respeito. Seria tolice ignorar aqueles detalhes.
“Velha” e esquisita como era, e se, mesmo se esforçando, de nada
adiantasse e ela continuasse sozinha? 
Não seria o fim do mundo, mas talvez fosse melhor traçar um
plano B ou C, caso o primeiro não desse certo. Um D também não
faria mal. 
Iris fixou os olhos no alfinete, pensando. 
Plano B: se tudo desse errado e ela continuasse solteira para
todo o sempre, poderia simplesmente morar com Phillip o resto de
seus dias. Mesmo que o irmão se casasse, ele não lhe negaria
abrigo, não é? Um tanto inconveniente da parte dela, mas Phillip era
um bom homem. Não a deixaria desamparada. Talvez nem fosse
preciso, já que Jasmine também permaneceria solteira. Talvez, Iris
pudesse morar com ela, se Phillip lhes arranjasse uma propriedade. 
Hum, parecia uma opção promissora. 
Plano C: poderia tentar ganhar seu próprio dinheiro. Com o que,
ela não sabia, mas havia escrito alguns poemas que poderiam ser
publicados sob um pseudônimo. Já ouvira outras histórias parecidas
antes. Um bom advogado com mente aberta lhe ajudaria a cuidar de
tudo. O pai de Violet, o Sr. Jackson, costumava lidar com todos os
assuntos da família, mas Iris não acreditava que ele era uma boa
opção. Handel Rupert, amigo de Phillip, era advogado. Quem sabe
ele não serviria? Nossa, Jasmine ficaria muito brava com ela se Iris
contratasse seu pior inimigo como aliado. 
Ainda bem que aquela era a terceira opção. 
Olhou-se novamente no espelho e afastou com a mão livre uma
mecha de cabelo que escapara do penteado elaborado, o alfinete
ainda desajeitado no tecido reluzente em seu ombro direito. 
Havia um plano D? Iris piscou, inclinou a cabeça para o lado,
depois para o outro. Absolutamente nada lhe ocorria. Não, suas
opções acabavam ali. 
Ou se casava, ou moraria com seus irmãos, ou teria que buscar
uma fonte de sustento inusitada e secreta. Céus. Casar-se era
mesmo a opção mais fácil. 
Com um suspiro profundo, Iris decidiu não pensar naquilo. Não
ainda. O baile daquela noite seria o primeiro da temporada. Haveria
muitos eventos pela frente, ela poderia se preocupar depois. 
Iris voltou a tentar a ajustar o alfinete no tecido brilhoso, suas
sobrancelhas em cenho, concentrada. Parou, contudo, ao encontrar
o olhar de seu lacaio pelo reflexo do espelho, que entrava no
cômodo sem pedir licença. 
Não qualquer lacaio. 
Aquele lacaio. 
— Perdoe-me — pediu ele. — Achei que já tinham partido, vim
limpar os sapatos. 
Iris estranhou vê-lo tão de perto com a peruca. Tão diferente do
que da última vez que haviam conversado. Deveria ser considerado
um crime esconder aquela cabeleira escura e que parecia tão
macia, embora ela soubesse que aquelas eram as regras. 
— Claro, fique à vontade. Eu só… — Ela sentiu-se corar.
Maldição, não queria corar na presença dele, pois sabia que o
homem reparava em tal detalhe. — Já estou de partida. Só estou
ajeitando isto. 
Paolo Vicenzo assentiu, adiantando-se em direção ao guarda-
roupa. 
Iris conseguiu sentir o cheiro amadeirado em suas narinas
trazido pelo movimento quando ele aproximou. 
— Precisa de ajuda? 
A voz. Aquela voz grave e rouca conseguia penetrar cada poro
dela. 
— Não, eu consigo. 
Ele não retrucou, mas seus olhos continuaram fixos nos dedos
finos que seguravam o alfinete. Dois segundos se passaram, com
dois metros entre eles. Tudo que ela conseguiu pensar foi no toque
gentil e áspero que sentiu naquela tarde, no jardim. 
Um toque que ela poderia sentir de novo, se permitisse que ele
lhe ajudasse. 
— Quer saber? Não preciso disso. — Ela caminhou de volta à
cômoda e guardou o alfinete na gaveta. 
— Se a senhorita diz.
Seus olhares se encontraram, aquele mar cinza e tempestuoso,
mas Iris desviou o dela e caminhou em direção à porta. Os pelinhos
de sua nuca arrepiaram-se, e ela precisou respirar fundo ante o
calor que cresceu dentro de si. O que tinha naquele homem, cuja
mera visão já lhe fazia despertar mais do que quando lia seus
romances? 
— Terminou o livro? 
Ela ouviu a pergunta já quase no corredor.  Iris engoliu um bolo
de saliva e voltou a se virar. 
— O livro? 
O lacaio a encarava com a cabeça levemente inclinada para o
lado. 
— Sim, o livro.
O livro, aquele mesmo cujo capítulo dezoito ele dissera que ela
gostaria. 
— Sim, eu terminei. 
Ele levantou o canto da boca. 
Maldição, por que tinha que fazer aquilo de forma tão charmosa?
— Eu estava certo? 
Iris franziu as sobrancelhas. 
— Certo? 
— Sobre o capítulo. Gostou do que leu?
Ela provavelmente poderia ser confundida com uma maçã
naquele exato momento. Não havia sequer uma parte de seu rosto
que não estivesse pegando fogo. 
Contudo, mesmo envolvida em constrangimento, Iris conseguia
perceber o brilho provocador do olhar daquele homem atrevido. Ele
gostava do que causava nela, ordinário como era. Mas ela também
sabia jogar, Paolo que não se enganasse. 
— Eu gostei, de fato. — Ela ergueu o queixo. 
Paolo Vicenzo piscou, em surpresa. 
Touché. Daquela vez, Iris teve que segurar-se para não sorrir. 
— Eu sabia que gostaria — afirmou ele.
Ora essa. Além de tudo, Paolo era presunçoso. 
— Como, se não me conhece? — Iris questionou.
Ele respirou fundo uma, e então duas vezes. O peito forte sob a
casaca azul e cheia de detalhes subiu e desceu. 
— A senhorita gosta do proibido. Do perigo. 
— Gosto?
— Sim. 
— Como sabe? — ela voltou a perguntar. 
— Porque, se não gostasse, já estaria lá embaixo e não falando
comigo, bella mia. 
Ah, aquele apelido outra vez. Seu coração batia tão forte que Iris
não duvidava que ele conseguisse enxergá-lo, se se concentrasse
em seu decote. 
— Não deveria falar assim comigo. Me chamar assim. 
— Tem razão. — Ele fez um aceno com a cabeça. — Eu não
deveria. 
Mas…
Por que ela tinha a sensação de que havia um “mas” ali? Ao
menos ele admitia seu comportamento. 
Iris esperou por um pedido de desculpas, que não veio. 
— Iris? — Lady Georgia gritou, do andar de baixo. — Vamos,
querida! 
Paolo Vicenzo cruzou as mãos nas costas, sem desviar o olhar. 
Iris levou mais um instante para conseguir desviar sua atenção.
Estar ali, naquele jogo estranho com ele, repentinamente pareceu
muito mais interessante do que um baile. 
— Preciso ir. 
— Bom baile, Srta. Spencer. — Ela o ouviu dizer, em seu
sotaque atraente. 
Iris ainda sentia as pernas moles ao entrar na carruagem. 

Paolo ainda conseguia sentir o perfume suave e floral no ar. 


Caspita, e que perfume bom. 
Ele puxou a peruca sem delicadeza da própria cabeça, livrando-
se daquele enfado e deixando-a de lado. E então, ele arrumou a
ereção que crescera como um mastro poderoso somente ao pensar
naquela mocinha delicada. 
Imaginá-la lendo um livro proibido, com cenas demasiadamente
indecentes, era demais para seu bom juízo. Um homem tinha suas
necessidades, ainda que em uma missão de vingança. E Iris
Spencer… ela era uma tentação cujo pecado ele ficaria feliz em
cometer, toda corada e trêmula. Paolo poderia fazê-la tremer inteira
com muita facilidade, se assim desejasse. 
Hum, e a imagem dela tremendo em suas mãos lhe agradava
muito. 
Mas ele não podia se deixar distrair pelo encanto daquela dama.
Ela era uma Spencer, no final de tudo. Uma interessante, mas,
ainda assim, parte daquela família odiosa cujo filho fora responsável
pela morte de sua irmã. 
Paolo chacoalhou a cabeça e espantou seus pensamentos
devassos. Tratou de limpar os sapatos pequenos de uma vez. Abriu
a porta do armário e ajoelhou-se, afrouxando a gravata antes de
começar. Pegou um sapato e começou a esfregá-lo. A atenção
estava voltada para o tecido cor de vinho, mas sua mente estava em
outro lugar. Parte em suas terras, parte em Tommaso, parte em
Phillip Spencer, cujo rosto ele nem sequer conhecia. 
Aproveitaria aquela noite em que todos estariam fora para invadir
o escritório de Lorde Spencer. O patriarca da família estava
adoentado, pelo que ele ouvira dizer. Segundo a cozinheira, uma
mulher roliça que bastava que Paolo se aproximasse e flexionasse
os músculos dos braços para que ela abrisse a boca e começasse a
falar, dissera que o filho, o “querido Phillip”, assumira muitas
pendências documentais para que Wallace pudesse descansar. 
Era uma família um tanto complicada, aquela. Parentes de um
duque que morrera meses antes e cujo herdeiro estava na guerra.
Mas a guerra já havia praticamente terminado. Se o sujeito não
tinha aparecido ainda, havia algo mal contado naquela história. 
Bem, não era de seu interesse, de qualquer forma. Nada lhe
interessava a não ser fazer o que precisava ser feito de uma vez por
todas. Precisava encontrar algo sobre Spencer para que pudesse
consumar seus planos. Phillip teria o destino que merecia, Giuliana
estaria vingada. E Paolo estaria livre para enfim deixar aquela farsa
e voltar para casa.
C A P Í T U L O Q U AT R O

O assunto do baile da velha duquesa, Lady Greenwood, era um


tanto macabro. Mas é claro que, entre as notas de violino e o
som do farfalhar das saias dos vestidos na pista de dança, as
pessoas falariam do assassinato recente de Gabriel Jones. 
Iris, por si mesma, ficara muito espantada com aquela notícia.
Dois anos antes, Gabriel Jones quase se casara com Lady Patricia
Hughes, e Londres inteira se chocou quando, no próprio baile que
deveria ter sido o do anúncio do noivado, nenhum comunicado
aconteceu. Iris estava resfriada naquele dia, ficara em casa e
lamentara-se por perder o burburinho em tempo real. 
Bem, ela estava ali agora, mas ouvir sobre como encontraram o
corpo de Lorde Jones boiando no Tâmisa não era uma conversação
nada agradável. 
— Que horror essa cidade. — Lady Georgia se abanou com o
leque. — Simplesmente horrorosa! Onde já se viu, corpos boiando a
torto e a direito no rio…
— Mamãe, Lorde Jones deve ter se metido com as pessoas
erradas — Jasmine comentou. — Ouvimos falar que, depois de seu
quase noivado com Lady Patricia, as coisas para ele não deram
muito certo.
— Não deram nada certo, considerando que está morto… — foi
Iris quem fez o comentário, arrumando a manga do vestido no
lugar. 
As três disseram ao mesmo tempo:
— Que ele descanse em paz. 
— Bem, falemos de coisa boa. Iris, querida, vi você dançando
com Lorde Rutherford. E pareciam… aproveitar o momento. —
Georgia se virou para Iris. 
Seu rosto esquentou, como de costume. 
— Bem, ele demonstrou-se… animado por dançar comigo. —
Ela deu uma risadinha. 
O que era uma agradável surpresa, Iris tinha que admitir. Parecia
que os céus tinham ouvido suas intenções e estavam em favor dela.
Lorde Sebastian Rutherford era um cavalheiro distinto, com muito
boa fama entre as mocinhas disponíveis. Loiro, alto e com olhos
azul céu, já era a terceira vez que ele tirava Iris para dançar desde
que ela estreara na sociedade. Contudo, as duas danças anteriores
não pareceram tão proveitosas. Sebastian era um dos poucos que
não franzira as sobrancelhas quando Iris gaguejou a resposta de
uma pergunta sobre o tempo, mas naquela noite, ele fizera-lhe
perguntas mais pessoais, como o que ela gostava de fazer para se
distrair e se estava animada pelo decorrer da temporada. 
Beijara sua mão por dois segundos a mais do que o de costume,
também. Um tanto suspeito. 
— Ele está à procura de uma esposa — Jasmine comentou.
Georgia e Iris a encararam. 
— Está? — perguntou a matriarca, muito interessada. 
— Sim, está. Ele, Lorde Ernest Gable e Lorde Hugh Turner, que
já tem, inclusive, um interesse particular por Lady Phillipa. — Ela
apontou para o outro canto do salão, onde Phillipa Greenwood e
Hugh Turner conversavam com o pobre e ébrio Lorde Howard. 
— Como está sabendo de tudo isso? — Iris deu uma risadinha. 
— A própria Phillipa me contou. Conversamos mais cedo. —
Jasmine deu de ombros. — E se Lorde Rutherford está mesmo em
busca de uma esposa, você poderia muito bem… Ah, era o que
faltava. 
Ela parou de falar e seus olhos ficaram afiados tão logo Handel
Rupert, um dos amigos de Phillip, se aproximou delas. 
Como sempre, ele ofereceu a Jasmine seu pior — ou melhor,
dependia do ponto de vista — olhar presunçoso. 
— Lady Georgia, Srta. Spencer — ele disse à Georgia e à Iris,
parando por um breve segundo antes de se virar para Jasmine
novamente. — Srta. Spencer. 
Jasmine respirou fundo, de um jeito elegantemente discreto. 
— Sr. Rupert, que bela surpresa encontrá-lo. — Georgia sorriu
para ele. 
— É sempre um prazer vê-la, milady, mas temo que estou aqui
para atrapalhá-las. Estive com Phillip agora há pouco e…
— Phillip voltou? — A matriarca se sobressaltou. — Quando?
— Chegou no início da noite. Ele… — Handel parou de falar,
parecendo apreensivo. 
— Diga — Jasmine pediu, com a voz firme.
Ele endireitou a postura. 
— É sobre Flavian. Ele está de volta. 
As três arregalaram os olhos. O coração de Iris acelerou tanto
que ela conseguia senti-lo nas têmporas.
— De volta? — Georgia levou a mão ao coração. — Onde? 
— Está na mansão Spencer. Mas, Lady Spencer, a senhora deve
saber que… a situação é delicada. 
— Delicada como? — Jasmine voltou a perguntar. 
— Por que não vêm comigo? — Handel sugeriu, quase
sussurrando. — Falei com Lorde Spencer, ele foi chamar a
carruagem e as espera no pátio. 
— Handel, como está Flavian? — Jasmine insistiu. 
Iris reparou que a irmã o chamara pelo primeiro nome, embora
pensasse que fora a única que o tivesse feito. Georgia estava
chocada demais para reparar e Jasmine… bem, seu olhar era um
mar de preocupação. 
— Ele está debilitado, Srta. Spencer. Mentalmente.  — Jasmine
pareceu ser atingida por um golpe doloroso. Handel insistiu:— Por
favor, venham comigo, vou acompanhá-las. 
O caminho do salão até o pátio de veículos, e então da mansão
dos Greenwood até Garden’s House, foi interminável. Wallace
Spencer, seu pai, instruiu o cocheiro para deixar as mulheres em
casa antes de seguir caminho até a residência oficial da família.
Handel Rupert chamou o próprio coche e combinou de encontrá-lo
na mansão Spencer. 
— O que aconteceu com ele, Wallace? — Georgia se abanou
com o leque pela vigésima vez naquela noite. 
— Ele está debilitado, nervoso. — Wallace tirou as luvas e
afrouxou a gravata, seu rosto vermelho mesmo com a pouca luz do
interior da carruagem. — Mas está vivo. — Ele olhou para as três.
— Pensemos positivo. Flavian retornou para casa.
Iris e Jasmine assentiram ao mesmo tempo. 
O veículo parou em frente à entrada e o cocheiro ajudou as
irmãs a descerem. Iris olhou para trás, ao notar que sua mãe
permaneceu ali. 
— Mamãe? 
— Não vou deixar seu pai sozinho. Entrem e nos esperem.
Assim que soubermos de algo, eu as aviso. 
Elas nem conseguiram responder, pois Georgia fechou a porta e
mandou o cocheiro seguir caminho. 
Iris olhou para Jasmine, o barulho das rodas sobre o cascalho
ainda ecoando. 
— Jasmine, vamos entrar. 
— Não — ela negou. — Vou avisar Violet. 
Iris piscou rápido. 
— Oh, céus. É mesmo, precisamos avisá-la. 
O quanto antes, sua irmã tinha toda razão. Violet passara todos
aqueles anos esperando pelo retorno do amado, afundada em
saudades e tristeza, embora sorrisse sempre e jamais reclamasse.
Mas ela parara de frequentar os bailes sociais e os chás cheios de
gente, mantendo-se apenas em programas mais íntimos, como as
visitas costumeiras que fazia a Garden’s House. 
— Vou correr até lá e volto logo. Pegarei o outro coche. 
— Não é perigoso?
Jasmine franziu o nariz. 
— Já fiz isso mais vezes, não se preocupe. 
— Mas o que vai dizer a ela? Violet ficará certamente perturbada
por saber que ele está debilitado. 
Jasmine alcançou as mãos frias de Iris. 
— Querida, ele é o amor da vida dela. Violet o esperou todo esse
tempo, ela merece saber de tudo. 
Iris jamais poderia discordar.
— Sim, sim. Está certo, vá com cuidado. 
— Voltarei rápido. 
— Tudo bem. Eu subirei ao escritório de papai e escreverei para
Poppy e Jasper, avisando-os.
— Certo, nos veremos em breve. — Jasmine se despediu. 
Iris subiu os degraus da casa ainda atônita com todas aquelas
informações. Escreveria a carta à Poppy, sim, mas antes, tomaria
um bom gole de uísque para conseguir digerir tudo. 

Que raio de casa que não tinha documento algum! 


Paolo passou a mão nos olhos em frustração, fechando a gaveta
da mesa de mogno com força. Estava há quase duas horas em uma
busca minuciosa pelo escritório de Garden’s House e, até o
momento, não conseguira encontrar absolutamente nada que
pudesse comprometer Phillip Spencer e sua boa índole. 
O homem deveria ser um gênio da dissimulação, para se manter
tão íntegro perto dos seus e tão sujo pelas costas. Paolo caminhou
até o aparador de bebidas para servir-se de uma dose de uísque
escocês e pensou em que tipos de negócios sujos Spencer
costumava se envolver, a ponto de matarem Giuliana da forma
horrenda como aconteceu. 
Com cuidado, agarrou um copo de cristal e colocou dois dedos
do líquido âmbar, levando o drinque aos lábios. Ele conhecia aquele
submundo onde as pessoas não tinham moral nem sentiam culpa.
Os crimes eram diversos, ardilosos e cruéis. Paolo aprendera muito
cedo que era vantajoso burlar a lei, ser esperto. Ele e os irmãos
precisaram sobreviver após a morte precoce de seu pai, mas uma
vida no mundo do crime também era algo que dava trabalho.
Tommaso que o dissesse, considerando que, agora, depois de se
divertir estripando um lorde almofadinha, estava fadado a se
esconder naquele armazém sabe-se lá por quanto tempo. E, se
houvesse testemunhas do caso, não demoraria muito para que seu
rosto estivesse estampando os folhetos espalhados pela cidade. 
Fora por isso que Paolo decidira se retirar daquele mundo
completamente. Plantar uvas e fabricar seu próprio vinho era
trabalhoso, mas ao menos ele poderia viver em sua cabana em paz,
sem receio de ser preso no meio da noite e passar seus dias atrás
das grades. Antes de se despedirem, na última vez em que se
viram, Giuliana parecera inclinada a abandonar, assim como ele,
aquela vida de crimes. Ela era destemida, quase como Tommaso, e
tinha uma ambição por dinheiro um tanto exagerada. Paolo sugeriu
que se casasse com alguém rico, isso resolveria seu problema de
uma forma bem mais simples. Ela riu e concordou. Você sempre foi
o mais inteligente de nós, caro mio, ela dissera. 
Paolo terminou de virar o uísque e serviu-se de uma nova dose. 
A lembrança daquele sorriso branco e bonito em contraste com o
cabelo escuro e a pele bronzeada de Giuliana fazia com que seu
estômago se retraísse e doesse, a dor amarga das saudades.
Sentia uma pontada de culpa também, se pensasse muito no
assunto. Será que fora por seguir o seu conselho que Giuliana
envolveu-se com Spencer? Phillip Spencer era um nobre, pelo amor
de Deus. O que poderia querer com alguém como ela? A não ser
que Giuliana tivesse usado suas armas de sedução e mentido para
ele. Era possível, também. 
Argh, quantas lacunas infernais ele tinha para preencher. Matteo
Russo, um amigo de longa data que residia em Roma, ainda não
havia enviado qualquer informação sobre o paradeiro de Giuliana na
cidade. Ele tinha contatos bons, Paolo sabia que conseguiria
descobrir ao menos alguma coisa. Um assassinato como o dela
tinha que ter alguma explicação mais concreta. Precisava ter. 
Ele deixou o copo sobre a bandeja de prata e limpou a boca com
as costas da mão. Qualquer que fosse aquela história, não
importava. Não era como se fosse possível trazer Giuliana de volta,
alertá-la para que agisse diferente. 
A única coisa que lhe restava era consumar aquela vingança. E
rápido, de preferência, já que Paolo estava ficando cansado de
trabalhar naquela casa, de usar aquelas roupas ridículas e fingir-se
de criado. 
Com um suspiro frustrado, Paolo olhou em volta, averiguando se
sobrava algum lugar em que pudesse procurar que ainda não o
tivesse feito. Havia um armário de duas portas ao lado do aparador,
discreto e de madeira entalhada. Ele abriu as portas e correu os
olhos pelas prateleiras e as caixas ali arrumadas. Puxou uma,
abrindo a tampa enquanto a apoiava na palma da mão esquerda.
Para sua decepção, não havia nada de proveitoso ali. 
Paolo repetiu o feito com as demais quatro caixas ali guardadas.
Ao chegar à última, quase a deixou cair, tamanho seu espanto. 
Alguém entrara no cômodo inesperadamente, surpreendendo-o.
Ele se virou para ver quem era. 
Iris Spencer. 
E ela o pegara no flagra. 
CAPÍTULO CINCO

O que Paolo Vicenzo estava fazendo ali? 


Iris piscou, sem fala, ao encarar o lacaio atrevido perto do
armário do escritório. Ele também estava surpreso, ela conseguia
ver em seus olhos. 
— Srta. Spencer, eu…
— O que você está…
— Iris! — A voz de Jasmine soou ao longe. 
Paolo arregalou os olhos, ainda mais sobressaltado. Iris pensou
rápido no que fazer, e não saberia explicar por que, mas voltou para
o corredor e fechou a porta atrás de si, deixando o lacaio sozinho no
cômodo. 
— Sim. — Iris encontrou a irmã apenas a um metro de si. 
— Estive pensando. — Jasmine juntou as mãos na frente do
corpo. — Talvez, não devêssemos contar a Poppy, ainda. 
— Por que não? — Iris esperava que o calor que tomava seu
rosto não estivesse transparecendo, assim como tentou se
concentrar em Jasmine e no que ela tinha a dizer. 
— Porque ela está grávida, e seria melhor que soubéssemos de
mais detalhes antes de deixá-la nervosa. 
— É verdade. — Iris tirou uma mecha de cabelo do rosto. — É
só isso?
Jasmine assentiu. 
— Sim, sim. 
— Ótimo — Iris voltou a pôr a mão na alavanca da porta. — Vá
avisar Violet, sim? 
— Vou. Não quer ir comigo? 
Iris respirou fundo, seu coração acelerado, pensando no homem
suspeito do lado de dentro. Deveria contar a Jasmine sobre aquele
episódio. Era o mais prudente a se fazer. Contudo… Paolo Vicenzo
estaria em sérios apuros se ela o denunciasse. Talvez merecesse
estar, mas Iris queria questioná-lo sozinha primeiro. Sabe-se Deus
por que, mas seria interessante colocá-lo contra a parede como ele
gostava de fazer com ela. 
— Eu quero, mas preciso de uma bebida. Essa noite foi agitada
demais. 
— Sim, podemos beber… — Jasmine se adiantou para entrar no
escritório, mas Iris a impediu. 
— Você… — ela quase gritou, e então se corrigiu. — Não acho
que você deveria beber. 
Jasmine franziu a testa. 
— E por que não? 
— Porque… bem, seria mais apropriado estar sóbria para falar
com Vi. 
Jasmine revirou os olhos fortemente. 
— Vou tomar um copo e não a garrafa inteira. 
— Espere! — ela voltou a quase gritar. Maldição, se continuasse
daquele jeito, Jasmine certamente se daria conta de que havia algo
errado. 
A mais velha respirou fundo, encarando-a, à espera de uma
resposta. 
— Por que não vai se refrescar um pouco e eu pego a bebida
para nós? — Iris sugeriu.
— Não preciso me refrescar. 
— Agora pensa isso, mas quando estiver com Violet frente a
frente, como dirá que Flavian está debilitado? Conheço você — Iris
afirmou. — Vá ao seu quarto e refresque-se, fique calma. Se
estivesse assim tão segura já teria ido e não me chamado para ir
junto. Sei o que Flavian significa para você. 
O que não era uma mentira, pois Jasmine e Flavian sempre
foram muito chegados, amigos além de primos. 
Jasmine ponderou o que ela disse, finalmente cedendo. 
— Tudo bem, vou seguir seu conselho. Detesto que me conheça
tão bem. — Ela deu um beijinho na bochecha de Iris. — Quero o
uísque mais forte, por favor. 
Iris assentiu e esperou que Jasmine sumisse no corredor. Ela
entrou no escritório rapidamente e fechou a porta, trancando-a.
Procurou por Paolo, mas ele deveria estar escondido, pois não o viu
de primeira. 
— Pode sair — disse ela. 
Um movimento na cortina de veludo azul chamou sua atenção e
Iris logo encontrou o olhar do lacaio, que segurava sua peruca nas
mãos grandes e masculinas. 
— Srta. Spencer…
— O que está fazendo aqui? Diga-me logo, preciso voltar.
Jasmine não deve demorar. 
Ele engoliu em seco, pensativo. 
— O senhor não vai mentir para mim — disse ela, se adiantando
um passo. — Não gosta tanto de falar? Pois então, fale. 
— Eu estava bebendo — ele disparou. 
Iris franziu a testa, pois aquela era a última resposta que
esperava. 
— Bebendo?
Ele concordou com um aceno e apontou para o copo de cristal
sujo sobre a bandeja de prata. 
— Eu sou um apreciador de bebidas fortes e nunca tinha
provado deste uísque — Paolo se justificou. — Foi errado de minha
parte, eu sei que foi. Peço desculpas. 
Iris levantou o queixo um pouco, na tentativa de entender o que
enxergava naquele olhar revolto. Verdade? Hum, bem possível. O
copo estava sujo, de fato, ela conseguia ver a marca dos lábios dele
na borda do cristal. 
— Por que estava mexendo no armário? — ela voltou a
perguntar. 
— Quis ver se havia mais bebidas do tipo. 
— Faria uma verdadeira degustação, então? — ela retrucou, sua
voz um pouco mais fina. 
Ele… quase riu? Ora essa, numa situação daquelas e o homem
conseguia rir? 
— Sr. Vicenzo, não vejo graça em nosso diálogo. 
— A senhorita é adorável, Srta. Spencer. Perdoe-me, mas não
consigo me conter. — Ele se esforçou para ficar sério de novo. —
Eu não deveria ter feito isso. Não vai se repetir, prometo. 
Espere… Paolo estava dizendo aquilo como alguém que tinha
certeza de que não seria delatado. 
— E se eu contar a alguém? 
— Vai contar? 
— Eu deveria. 
— Sim. A senhorita deveria. 
Mas…
Minha nossa, de novo aquela impressão de que ele queria
contradizê-la, mas o fazia pela metade. Iris fechou as mãos suadas
em punho.
— Iris? — A voz de Jasmine soou baixa ao longe novamente. 
Maldição, ela se esquecera completamente da irmã. 
— Pensarei a respeito. — Iris endireitou a postura e caminhou
em direção à porta. — Vou distrair minha irmã e o senhor pode sair
em uns… — ela pensou — cinco minutos. 
— Certo. 
— É melhor isso não se repetir, Sr. Vicenzo. Qualquer outro que
o encontrasse aqui não agiria como eu. 
— O que, suponho, indica que a senhorita já pensou a respeito
— ele afirmou. 
Droga, aquele homem era mesmo um espertalhão. 
— Iris? — Jasmine tentou empurrar a porta. — Por que raios a
porta está trancada? 
Iris arregalou os olhos mais uma vez, fazendo uma careta antes
de sussurrar:
— Esconda-se nas cortinas. 
Paolo concordou sem responder. Assim que ele sumiu atrás do
tecido escuro — e era impressionante que as cortinas
conseguissem esconder aquele tamanho de homem —, Iris abriu a
porta. 
— Pois não? — Ela sorriu para Jasmine, cuja expressão não
podia ser mais sem paciência do que aquela. 
— Por que trancou a porta? 
— Eu… — Iris gaguejou, e sentiu-se estremecer quando
Jasmine entrou no cômodo, em direção ao aparador. — Eu nem
percebi. Estou assim, nesse nível de nervoso. 
Jasmine deu um muxoxo e pegou um copo sobre a bandeja. Ela
franziu a testa ao encará-lo. 
— Está sujo. 
O coração de Iris acelerou um pouco. 
— Sim, porque… — ela se aproximou — é meu. — Ela sorriu
rapidamente. — Eu já bebi um gole. 
— Nossa, e estava preocupada com minha própria embriaguez.
— Jasmine serviu-se um pouco de bebida, deixando a garrafa no
lugar de origem. Iris encarou o copo utilizado por Paolo e fez o
mesmo. — Vai beber mais? — Jasmine perguntou, antes de tomar
um gole. 
— Sim, vou. — Iris deu de ombros. — Esta noite pede. 
Deus do céu, como pedia.
Um arrepio percorreu sua espinha quando ela levou o copo aos
lábios. O mesmo em que os lábios de Paolo Vicenzo estiveram há
pouco. Era uma bobagem, ela sabia, mas uma bobagem um tanto…
indecorosa. 
— Violet vai ficar nervosa — Jasmine comentou. — Pobrezinha,
eu só queria que tudo ficasse bem e eles se casassem de uma vez. 
— Sim, eu também — Iris respondeu. Jasmine tagarelou um
pouco mais, mas os olhos da mais nova eventualmente se
desviavam para a cortina. O tecido permanecia imóvel, Paolo era
certamente muito bom em se esconder. 
Um tanto perigoso aquele detalhe, se ela pensasse bem. 
— Vamos de uma vez? — Iris voltou a deixar o copo sobre o
aparador. Precisava sair dali se quisesse prestar atenção às
palavras da irmã. — Ou papai e mamãe voltarão e notarão nossa
ausência. 
— Sim. — Jasmine engoliu o resto da bebida de uma vez só. —
Tem razão, é melhor irmos. 
Somente quando elas deixaram o cômodo e desceram os
degraus de mármore da escadaria é que Iris conseguiu respirar
normalmente de novo. 
Contudo, aquele comportamento a intrigava. Por que mentira por
Paolo Vicenzo, um completo desconhecido? 
Ela não fazia a menor ideia. 

Somente muitos minutos após a partida de Iris e Jasmine


Spencer do escritório é que Paolo, suado de nervoso, decidiu sair
detrás das cortinas e respirar aliviado. 
Aquela tinha sido por muito, muito pouco. 
Ele passou a mão nos olhos e relaxou os músculos tensos.
Céus, se Iris Spencer desse com a língua nos dentes ele estaria em
apuros, e todos os seus esforços até aquele momento seriam
desperdiçados. Não esperava que a família voltasse do baile tão
cedo, tampouco ouvira a carruagem entrar. Mas ela não falaria
nada, ele tinha certeza que não. 
Porque, assim como ele se sentia intrigado, havia algo no brilho
do olhar daquela dama peculiar que demonstrava que Iris se
intrigava com ele também. 
Ela gostava daquele joguinho que ocorria entre os dois. Das
palavras indecorosas que ele lhe dirigia e de seu atrevimento. Iris
Spencer era uma santinha apenas à primeira vista, mas, no fundo,
gostava de se aventurar e de travessuras. 
E ela falara com ele firmemente, com autoridade. A imaginação
pervertida de Paolo lhe trazia cenários muito excitantes com ela lhe
dando ordens daquele jeito em outro contexto. Com outro objetivo, e
com menos roupas também. 
Cristo, ele era mesmo um canalha. Acabara de se safar de uma
encrenca das boas e lá estava ele, tranquilamente imaginando sua
patroa sem roupas. 
Passando a mão no cabelo, Paolo voltou a vestir a peruca
horrorosa e agarrou os dois copos sujos da bandeja. Olhou em
volta, se havia mais alguma coisa fora do lugar que precisasse de
sua atenção. Não havia, então ele desceu até a cozinha e deixou os
cristais na pia para que fossem lavados na manhã seguinte. 
Não encontrou ninguém ao dirigir-se aos porões com um balde
nas mãos, em direção ao seu quarto. Paolo deixou o balde de lado e
sentou-se na beira da cama simples, começando a se despir. Podia
parecer exagero, mas a pequena aventura dos últimos minutos o
deixara demasiadamente cansado. Ele tirou a casaca azul, e então
a gravata e o colete. Puxou a camisa pela cabeça, todas as roupas
juntas na cama. Tirou os sapatos e as malditas meias de seda, que
ficaram caídas no chão de madeira. Levantou-se e abriu as calças,
livrando-se delas. Nu, Paolo caminhou até a cômoda do quarto,
agarrou um sabonete e foi ao encontro do balde, lavando-se
finalmente. 
Enxaguou-se e agarrou uma toalha por perto, secando a pele
bronzeada. Paolo deitou-se sem roupas na colcha macia que
cheirava a limpeza. Estava calor naquela noite, e aquele se tornara
seu momento preferido no dia, quando podia gozar de liberdade
para ficar sem aquelas vestimentas ridículas e descansar. Pois ele
estava cansado, não tinha por que negar. 
Fechou os olhos na tentativa de dormir, mas o sono não veio.
Pensou nos malditos documentos que não conseguia encontrar, na
falta de provas contra Phillip Spencer. Pensou em Tommaso e no
fato de que precisaria encontrá-lo no dia seguinte, levar a ele parte
de seu dinheiro. Não seria tão generoso na quantia, pois pretendia
usar o salário para seus próprios interesses. Vinte libras anuais mais
o montante extra eram o bastante para que ele conseguisse fazer
uma poupança significativa para quando retornasse à Chianti. Sem
contar que ele merecia aquele dinheiro, afinal, estava trabalhando
de verdade para ganhá-lo. 
Cansado de pensar em seus dilemas, Paolo cruzou um braço
abaixo da cabeça e encarou o teto. A visão dela, de Iris Spencer e
seu pescoço delicado lhe abateu de jeito, e então dos seios grandes
apertados pelo corpete do vestido fino. 
Simples assim, Paolo estava duro. 
Ele levou a mão ao membro rígido e começou a se tocar.
Lembrou-se da cena indecorosa do livro que Iris lia naquela tarde,
dias antes. No doutor lambendo e provando sua madame com
voracidade. Paolo fechou os olhos e aumentou o movimento da
mão, imaginando-se fazendo o mesmo com Iris Spencer. Provando-
a e lambendo-a, cada parte e dobra dela. Era quase como se
conseguisse sentir seu gosto. Ele devia estar mesmo necessitado,
pois derramou-se longa e fortemente em menos de dois minutos.
Paolo sorriu tão logo voltou a si, sentindo-se um tanto tolo por
aquela fantasia. 
Aquela mocinha ainda lhe daria uma boa dose de dor de cabeça,
ele não pôde deixar de pensar. 
CAPÍTULO SEIS

N a manhã seguinte, todos seguiam dormindo em Garden’s


House, tentando descansar depois do drama da noite
anterior. 
Todos, com exceção de Iris. Ela acordara no horário de costume
e, embora estivesse cansada, apanhara o primeiro livro que vira em
sua frente, descera ao jardim e se sentara nos degraus da escadaria
para tomar o sol da manhã, na tentativa de distrair sua mente
agitada.
A situação de Flavian era mesmo muito delicada. Iris e Jasmine
conseguiram avisar Violet do retorno do primo, e a amiga começara
imediatamente a chorar num misto de desespero e alívio de cortar o
coração. Alívio porque ele retornara, e desespero por estar
debilitado. Foi muito difícil elas conseguirem se manter discretas a
ponto do Sr. Jackson, pai de Violet, não ficar alarmado. Por mais
que Violet quisesse ir até a mansão Spencer naquele mesmo minuto
para ver o amado, Jasmine conseguiu convencê-la a esperar até a
manhã seguinte, seria o mais prudente. E foi um conselho sábio,
pois tão logo ela e Iris voltaram para casa, seus pais chegaram uma
hora depois com notícias do estado de saúde do rapaz, e elas não
eram mesmo boas. 
Ao que parecia, Flavian havia perdido a cabeça. Estava louco e
irreconhecível, segundo as palavras de Lady Spencer, magro e
acabado. Jasmine lhes fizera mil perguntas, especialmente ao pai,
que se encontrava um pouco mais centrado do que a matriarca para
respondê-las. Em resumo, Flavian e o amigo, Barney Waldorf, foram
capturados após uma batalha e passaram alguns meses presos em
cativeiro pelo exército francês. Infelizmente, Barney não sobrevivera
e morrera antes de serem resgatados. Lady Georgia contou que o
nome do rapaz era uma das poucas coisas que Flavian murmurava
para si, em seus ataques lunáticos. 
Tanto Iris como Jasmine foram para a cama chorando de
tristeza. Lorde Spencer as consolou, dizendo para se acalmarem,
que, talvez, Flavian voltasse ao normal com o passar dos dias, que
ele precisava de tempo após as coisas fortes que vivera. Ainda
assim, não era uma tarefa fácil ignorar aquele cenário. Flavian
Spencer costumava ser a alegria da família, o homem mais bonito,
bem-humorado e divertido. Sem contar que ele ainda nem sequer
sabia da morte do pai. Céus, tinha mais esse detalhe. Seu primo era
um duque, acima de tudo. Ao mesmo tempo em que era um homem
em pedaços. 
Iris suspirou e tirou os óculos, passando as mãos nos olhos
úmidos. Seu coração estava apertado. Era impossível controlar a
vontade de chorar. 
— Srta. Spencer? 
A voz de trovão a fez sobressaltar. Iris levantou o rosto e
encontrou o olhar cinza de seu lacaio. 
— Sr. Vicenzo. 
Diferente dos outros dias, ele não estava de uniforme naquela
manhã. Trajava apenas calças escuras, camisa branca com as
mangas dobradas, revelando os antebraços fortes e marcados, e
um colete marrom um tanto gasto. 
— A senhorita está bem? — ele se aproximou, ficando a um
metro dela. 
Iris fungou ao deixar os óculos e o livro de lado. 
— Estou. 
— Está chorando. 
Não era uma pergunta, mas ela respondeu mesmo assim. 
— Eu estou um pouco nervosa. — Paolo aquiesceu, como se
esperasse por mais informações. Ela complementou: — Ontem
tivemos algumas notícias ruins. Meu primo retornou da guerra. 
Ele levantou as sobrancelhas levemente em surpresa. 
— Eu ouvi falar dele. 
— Sim, imagino que sim. Ele voltou. 
— E isso é ruim?
— O estado de saúde dele é delicado. Sua mente está
perturbada, e ele está muito enfraquecido. 
Paolo assentiu mais uma vez. 
— Sinto muito.
Ela tentou sorrir, tocada com o olhar atento do rapaz. 
— Obrigada. Eu não sou de chorar, mas não esperávamos por
isso. Mesmo que meus pais e meu irmão tenham dito que…
— Seu irmão? Ele está na cidade? 
Iris franziu a testa levemente. 
— Sim, foi ele quem foi buscar meu primo na França. 
Paolo Vicenzo respirou fundo, sua expressão um tanto mais
fechada. 
— Por quê? — quis saber Iris. 
— Nada, é só que… — Ele fez uma pausa, pensando. — O
mordomo me ordenou que ficasse atento ao seu retorno, para que
as coisas estivessem devidamente arrumadas em seu dormitório. 
— Ah, sim. Bem, ele voltou ontem à noite, mas duvido que Phillip
tenha reparado em qualquer coisa. Eu mesma somente o vi por dois
minutos. Ele é tranquilo, meu irmão. Não se preocupe. 
— Sim, aposto que é… — murmurou Paolo, em resposta. 
Iris deu um longo suspiro, a ponta de seu dedo desenhava no
tecido do vestido. 
— Não está trabalhando hoje? — ela perguntou. 
— Não, estou de saída para resolver algumas coisas. Não tinha
a intenção de incomodá-la, mas a senhorita estava chorando,
então…
Ele não terminou a frase, mas Iris entendeu. Paolo ficara
preocupado com ela.
— Eu agradeço sua preocupação, mas estou bem. 
Ele concordou e passou a mão no cabelo escuro. Céus, aquele
homem realmente ficava cem vezes melhor sem a peruca do
uniforme. 
— Eu quero aproveitar e agradecer-lhe por ontem — disse ele,
dando mais um passo. — Por sua discrição. 
— Ah, sim?
— Sim, eu sou muito grato. Eu… — Ele colocou as mãos para
trás. — Eu preciso deste emprego. 
Iris piscou rápido e inclinou o pescoço para o lado. 
— Precisa mesmo? Porque, para quem tem essa necessidade, o
senhor certamente gosta de se arriscar. 
Paolo riu. Maldição, o sujeito era ainda mais bonito rindo. 
— E ainda acha engraçado? — Iris questionou. 
— Não é — ele ponderou. — Bem, talvez um pouco, pelo jeito
como a senhorita diz. Creio que esteja se referindo ao meu
comportamento para com a senhorita. 
— É claro. 
— Não falo assim com mais ninguém. 
Iris levantou o queixo, encarando-o. 
— Por que o faz comigo? 
Paolo Vicenzo umedeceu os lábios carnudos, devagar. Iris
prestou atenção em cada segundo daquele gesto. Sua pele se
arrepiou inteira, em alerta. 
— Não sei, ao certo. A senhorita é… — Ela esperou que ele
dissesse “diferente”, pois se acostumara a ouvir aquilo durante os
anos. Não foi o que ele disse, contudo. — Intrigante. 
Intrigante. Estava ali um adjetivo que Iris jamais viu associado à
sua pessoa. 
— Não vejo como eu possa ser intrigante. Tudo que faço é ler. 
— Sim, livros proibidos e devassos. 
Touché. 
Seus olhares se encontraram e Iris podia ver que o lacaio estava
se divertindo com aquele diálogo. Assim como ela. Agradeceu-lhe
em silêncio, pois acabara se distraindo das preocupações com o
primo e sua saúde. 
— Se for melhor, eu posso parar de me comportar assim —
Paolo sugeriu. — Posso manter-me… calado. 
Ela negou imediatamente. 
— Não é necessário, mas deveria tomar cuidado com o que faz.
Minha família é boa, mas não sei se agiriam como eu. 
— Não está nos meus planos provar mais nenhuma bebida da
casa, senhorita. 
Iris sorriu. 
— Não o condeno por isso. Faço o mesmo, na verdade. Minha
mãe não sabe que eu e minha irmã bebemos eventualmente. 
— Gosta de bebidas fortes? — Paolo perguntou. 
— Prefiro vinho. 
Ele pareceu gostar muito daquela resposta. 
— Gosto de vinhos — disse o lacaio. — Entendo sobre eles, na
verdade. Eu anseio produzir vinho em algum momento de minha
vida. Em Chianti, próximo de minha terra natal. 
Iris jamais imaginava aquilo. 
— O senhor vem de Chianti, então? 
— De Florença, mas me mudei para Chianti há alguns anos.
Bem, antes de vir para cá.  
— E trabalhava com vinhos, antes? 
— Sempre foi uma paixão, embora eu nunca tenha tido a
oportunidade de realmente me dedicar a isso.
Paolo Vicenzo era um sujeito intrigante, também. Estrangeiro e
que parecia ser de origens humildes, mas sabia ler, tinha uma
postura impecável e entendia de vinhos. 
— Sente falta de lá?
— Gosto de viver ali. O clima, as paisagens do reino. Tudo muito
diferente de Londres. 
— Meu irmão esteve em Roma, há uns meses. 
O sorriso de Paolo diminuiu levemente. 
— Esteve? E o que ele conheceu por lá?
Quem dera ela soubesse. Phillip não somente não mencionava
nada sobre aquela misteriosa aventura, como desconversava todas
as vezes que alguém lhe fazia perguntas. 
— Ele não fala sobre isso. Nem adianta insistir. 
— Hum — murmurou Paolo. — Curioso…
Iris suspirou e concordou com um aceno de cabeça. 
Um barulho na cozinha os fez sobressaltar. 
— Acho que alguém acordou — comentou Iris.
Paolo pigarreou no mesmo instante. 
— Vou deixá-la agora. Arrivederci 1, Srta. Spencer. Espero que se
sinta melhor. 
Ah, aquele vocabulário estrangeiro… 
— Obrigada. 
Ele correu os olhos por ela antes de se virar e sumir nas
sombras do casarão. O coração de Iris acelerou novamente, o que
ela já entendera que era uma reação natural àquele homem tão
intenso. 
— Iris? Já está acordada? — A voz sonolenta de Phillip soou
atrás de si. 
Iris agarrou os óculos e o livro e deu um impulso com as mãos,
levantando-se. 
— Sim, como sempre. — Ela sorriu levemente para o irmão mais
velho. 
Phillip parecia muito cansado e triste. Estava com olheiras sob
os olhos azuis e a pele muito opaca, seus cabelos mais longos e a
barba por fazer.
— Suponho que estejam todos dormindo? — Phillip esfregou o
olho esquerdo.
— Sim, a noite de ontem foi pesada. Estamos todos
entristecidos.
Phillip concordou levemente. Iris se aproximou e tocou em seu
braço. 
— Quer conversar sobre como foi trazer Flavian para casa?
Ontem mal consegui vê-lo. 
Ele pensou por dois segundos, mas assentiu. 
— Vamos ao escritório. Pedirei para nos servirem um chá. 
Minutos depois, Iris acomodou as costas em uma das poltronas
do escritório e observou Phillip fechar a porta. Sentia-se aliviada por
compartilhar esse momento com seu irmão. Phillip havia se fechado
demais e Iris sentia falta dele, especialmente porque o mais velho
sempre fora pronto para ajudar a todos os outros, para colocar suas
necessidades em segundo plano.
— Diga-me, querido. — Ela ajeitou os óculos no nariz. 
Phillip suspirou pesadamente e sentou-se no sofá em frente a
ela. 
— Ah, Iris. Eu nem sei por onde começar. — Ele passou a mão
no rosto abatido. — Estava determinado a ficar aqui por um tempo
quando Jack me chamou para ir com ele até a França. Ele recebeu
uma carta do general, dizendo que haviam localizado Flavian.
Imaginei que o encontraríamos ferido, debilitado, sensibilizado.
Imaginei muitas coisas, na verdade. Mas nunca pensei que ele
estaria… naquele estado de desespero. 
Iris sentiu o coração apertar, como se estivesse envolvido em um
barbante. 
— Mamãe disse que ele fala coisas desconexas. 
— Ele nem parece a mesma pessoa. Aquele Flavian que
conhecíamos, alegre e cheio de vida, parece que se foi. Os olhos
dele, eles estão… — Phillip hesitou, sua expressão pesarosa. —
Temo que ele tenha se perdido, Iris. 
Iris enxugou uma lágrima que escorreu em sua bochecha sem
permissão. 
— Como está Cornelia? Ela esteve muito nervosa durante esse
tempo todo.
— Ela está bem, mas a Sra. Joy acha melhor partirem para a
casa de campo em Hampshire enquanto ele não se sente melhor.
Jack ficará de olho, vou ajudá-lo a administrar seus negócios e no
que precisar. Benjamin Waldorf nos acompanhou também, vai voltar
para Bath amanhã. — Phillip pressionou a ponte do nariz. — Ele é
oficialmente o futuro duque, agora.
Sim, porque Benjamin e Barney eram gêmeos, mas Barney era o
herdeiro primogênito. Como ele havia morrido, isso tornava
Benjamin oficialmente o futuro duque de Waldorf.
— Pobre Barney…— Iris se lamentou. — Tão jovem e corajoso.
Ele morreu em combate?
Phillip balançou a cabeça de um lado para o outro. 
— Eles ficaram presos, Iris. Foram mantidos em cativeiro e
maltratados. Flavian está à base de láudano, caso contrário ele
apenas grita ou chora. — Ele coçou a barba por fazer. — Não sei o
que vai ser dele, realmente nem quero pensar sobre isso. Jasmine
me disse que vocês conseguiram falar com Violet. 
— Sim, fomos até lá ontem à noite. 
— O Sr. Jackson não estranhou? Já era tarde. 
Iris negou.
— Jasmine disse que estávamos voltando do baile e queria
apenas devolver algo para Violet. O Sr. Jackson parecia cansado,
não deu tanta importância. 
— Melhor assim. 
— Ela disse que tentaria vê-lo hoje. 
Phillip deu de ombros. 
— Não acho prudente, mas jamais a julgaria. Sabemos que ela o
ama e que o esperou esse tempo todo, e não pensamos muito
quando estamos apaixonados. 
Iris parou, observando a expressão pensativa do irmão. 
— Por que disse isso, Phillip? 
— Isso o quê?
— Isso, sobre como agimos quando nos apaixonamos.
Phillip piscou, negando imediatamente. 
— Maneira de dizer, Iris. 
Hum, ela não estava nem um pouco convencida. Perguntou-se
em silêncio se os segredos que seu irmão escondia tinham a ver
com assuntos do coração. Era possível. Phillip não era um grande
libertino, ao menos, não que ela soubesse. Era amoroso e dedicado,
o homem perfeito para cair de amores por uma mulher de sorte. Iris
nem ao menos conseguia imaginá-lo sofrendo uma rejeição. 
— Fora isso, você se sente melhor? — ela ousou perguntar.
— Sobre o quê?
Iris ergueu os ombros suavemente.
— Não sei. Preocupo-me com você, com sua felicidade. E…
bem, notamos que não esteve muito feliz desde que voltou de
Roma.
Phillip a encarou em silêncio por um instante. Iris chegou a
pensar que ele diria algo, que finalmente se abriria sobre aquela
aventura misteriosa.
— Eu estou bem, querida. Não se preocupe comigo.
Uma batida na porta fez Phillip parar de falar, e ele pediu que o
mordomo entrasse com a bandeja de chá. Ainda bem, pensou Iris
consigo, sem insistir no assunto.
Eram informações tristes e sérias demais para se lidar antes das
dez da manhã. 

1 Tradução do italiano: até logo, adeus.


CAPÍTULO SETE

E ntão aquele era Phillip Spencer. 


Paolo se escondeu nas sombras atrás do galpão do pátio,
tão logo sumiu das vistas de Iris. Ao ver a bella dama chorando
sentada nas escadas, ele não teve controle nas próprias pernas ao
se aproximar e verificar se ela estava bem. Não costumava se
incomodar com emoções alheias, mas Iris Spencer era mesmo
peculiar. Sem contar que precisava agradecê-la pela discrição na
noite anterior, mostrar-se necessitado do emprego. Iris tinha uma
língua afiada para respostas rápidas, Paolo já sabia que era
inteligente demais para seu bom juízo. Embora ela fosse uma
senhorita fácil de se lidar, ele precisaria tomar cuidado. Não era
qualquer desculpa que a convenceria de que ele estava falando a
verdade. 
Se bem que, se pensasse bem, com exceção de seu nome e dos
motivos que o levaram ao escritório na noite passada, Paolo não
mentira para ela. Não verdadeiramente. Falaram até mesmo sobre o
gosto compartilhado por vinhos, o que foi uma surpresa e tanto.
Suspeitava que conseguiria passar horas conversando com ela,
fitando aqueles olhos castanhos cintilantes e curiosos.
Então a conversação interessante deles foi interrompida pela
chegada de seu alvo. Paolo não queria que soubessem que ele e
Iris conversavam. Não lhe faria bem algum. Tampouco foi sua
intenção espionar o recém-chegado, mas, ao ouvir a voz masculina
desconhecida, ele não conseguiu se conter. 
E ainda bem que não se conteve, pois estava ansioso pelo
momento em que conheceria seu inimigo.
Ele observou Iris levantar-se sorridente e se virar para o irmão
mais velho. O sujeito alto de cabelos escuros e expressão
cansada  disse algumas palavras a ela e ambos entraram pelas
portas da cozinha. Paolo jamais imaginaria que um homem com
aquela aparência fosse tão canalha. Phillip Spencer era a imagem
perfeita de um almofadinha, um nobre engomado. 
Mas aquela farsa cairia por terra logo, logo. Ele que aproveitasse
seus dias de glória. 
Com os punhos fechados, Paolo ignorou o sangue que lhe fervia
com a imagem de Spencer e se pôs a caminho do galpão em
Covent Garden, ao encontro de seu irmão. Trombou com o
mensageiro assim que saiu pelo portão dos fundos, o garoto de no
máximo quinze anos sorrindo para ele. 
— Bom dia, Sr. Vicenzo. 
Paolo fez um aceno polido com a cabeça, sua expressão séria.
Ele estava ficando conhecido pela região, entre a classe
trabalhadora. Aquilo não parecia ser bom.
— Bom dia, garoto. Veio entregar a correspondência? 
— Sim, sir. — O moleque abriu a bolsa que levava sobre o
ombro direito. — Aqui, são apenas essas hoje. 
— Obrigado. 
— Tenha um bom dia, Sr. Vicenzo. 
— Igualmente. 
Paolo esperou que o menino lhe desse as costas e analisou os
três envelopes em suas mãos, sentindo-se repentinamente agitado
quando percebeu que uma daquelas cartas era direcionada à sua
pessoa. 
Russo finalmente lhe escrevera. Sem qualquer delicadeza, Paolo
abriu o envelope pardo ali mesmo, tirou o papel de dentro e passou
os olhos pelas letras. Sua empolgação morreu logo em seguida.
Caspita, não havia nada de novo, apenas as mesmas informações
que já sabia. Matteo conseguira falar com alguns de seus contatos,
pessoas próximas aos Palermo, e, segundo ele, estava aguardando
mais respostas. Sem alternativa, Paolo suspirou em frustração e
guardou todos os envelopes dentro do colete. 
Não observou o movimento, tampouco cumprimentou qualquer
pessoa que cruzasse seu caminho conforme caminhava pelas ruas
de Londres. Paolo chegou ao armazém abandonado e olhou para os
lados, conferindo se não havia ninguém ali. Puxou a porta pesada e
entrou, seus olhos imediatamente em busca por Tommaso.
— Irmão? — ele chamou, em sua língua nativa. — Tommaso? 
Nada. 
Paolo adentrou o galpão e foi até os fundos, suas botas batiam
contra o chão empoeirado. Parou ao encontrar seu irmão
adormecido, completamente largado, duas garrafas de bebida ao
seu lado. 
— Tommaso! — Paolo se aproximou e o cutucou com o pé. Ele
fez uma careta ao sentir o cheiro fétido à distância. — Por Deus,
acho que nunca fedeu tanto assim. 
— Che cosà 1? — Tommaso murmurou ao abrir os olhos
avermelhados e cansados. — Ah, é você. 
Sim, cretino. Sou eu. 
— Você deveria se banhar — aconselhou Paolo. —
Conseguiremos sentir seu cheiro em Mayfair em pouco tempo se
continuar assim.
— Como quer que eu me banhe — Tommaso gemeu ao se
colocar sentado, suas costas apoiadas na parede —, se estou preso
aqui? 
Paolo puxou o ar, tentando manter-se paciente. 
— Não minta para mim. Onde conseguiu essas garrafas se está
“preso”? Roubou-as, não foi?
Tommaso deu de ombros, não que Paolo tenha ficado surpreso. 
— Consegui invadir uma taverna. Sabe que sou um gato
silencioso quando quero.
Sim, Paolo sabia, mas isso não o tornava invencível.
— Podia ao menos ter escolhido boas bebidas… — Paolo
comentou, analisando os rótulos das garrafas. 
Tommaso riu sem humor. 
— Como o quê? Seus preciosos vinhos? Que tipo de uvas você
planta, mesmo? — O sarcasmo em sua voz era palpável. Tommaso
sempre foi incrédulo que Paolo conseguiria formar sua vinícola.
Giuliana era a única que acreditara que ele poderia realizar aquela
façanha. Ela sempre o incentivara a tentar, mesmo que de um jeito
peculiar.
— Canaiolo — Paolo se ateve a responder. 
— Certo… 
Paolo passou a mão nos olhos. Estava ali há menos de cinco
minutos e já se sentia exausto. 
— Trouxe o dinheiro? — perguntou o mais velho.
Ele enfiou a mão dentro do colete e tirou um envelope dali.
Conferiu se não era nenhuma das correspondências que tinha
consigo e o estendeu ao irmão. 
— Aqui. Use com sabedoria. 
Tommaso simplesmente pegou o dinheiro e o contou, sem
agradecer. 
— Isso é pouco. 
— É o que temos. — Paolo se afastou, pois o fedor estava
mesmo insuportável. — E, se eu fosse você, pararia de roubar
bebidas desse jeito. Se abusar da sorte, vão reconhecê-lo e eu não
vou entrar em apuros para salvar sua pele, Tommaso.  Estou
avisando.
O italiano assentiu de forma sarcástica. 
— E como vai vingar nossa irmã se eu estiver preso?
Paolo simplesmente ergueu os ombros em indiferença. 
— Sozinho e sem me comprometer, como combinamos quando
deixamos Chianti.
— Covarde… — Tommaso reclamou e passou a mão nos olhos. 
Paolo entendeu que aquele não era um bom dia para estar ali.
Na verdade, nunca era, mas parecia ser pior do que as
circunstâncias normais. 
— Escute, vou embora, pois tenho coisas a fazer. Porém,
gostaria que soubesse que Phillip Spencer está na cidade. 
Tommaso arregalou os olhos, como se tivesse sido atingido por
um balde de água fria, em alerta. 
— Ele voltou? — Paolo assentiu. — Você o viu?
— Sim, eu vi. O desgraçado parece tudo, menos mau-caráter. 
Tommaso cerrou o maxilar e os punhos ao lado do corpo. 
— Stronzo 2… E desde quando ele voltou? 
— Ontem à noite. 
— Encontrou algo em suas coisas?
Paolo soltou um murmúrio frustrado. 
— É claro que ainda não tive tempo de procurar. Estive no
escritório da família ontem, não encontrei nada. Preciso ser
cuidadoso. 
Por razões que não saberia explicar, Paolo achou mais prudente
não mencionar que tinha sido pego por Iris Spencer. Não era como
se Tommaso precisasse saber daquele detalhe. 
— Temos que pegá-lo, Paolo. Agora mais do que nunca. 
— Eu sei. Foi difícil olhar para ele sem querer lhe dar uma lição. 
— Eu poderia ao menos pegá-lo por trás e assustá-lo. —
Tommaso se pôs em pé.
— Você não vai fazer nada. Foco, Tommaso, esqueça esse
sangue quente. Em breve, a maldita Londres inteira vai saber o que
o queridinho da nobreza fez em Roma. 
Tommaso pareceu frustrado, mas assentiu.
— Ele deve esconder mais coisas do que imaginamos.
— Não tenha dúvidas. Spencer nem ao menos fala sobre Roma. 
Tommaso franziu as sobrancelhas escuras. 
— O que quer dizer?
— Que ele não comenta sobre sua viagem, nem mesmo com a
família. 
— Como sabe? 
Paolo deu de ombros, coçando uma sobrancelha com a ponta do
indicador. 
— A caçula, Iris, me contou. 
Tommaso parou e inclinou o rosto levemente para o lado. 
— Aspetta 3. Você conversou com uma das irmãs? Você, um
empregado? 
— Brevemente. Nada de mais, ela é gentil. 
Os olhos escuros de Tommaso tornaram-se ainda mais
sombrios, e ele abriu um sorriso largo. 
— Isso é perfeito… — murmurou Tommaso. Paolo não
entendeu. 
— Perfeito? 
— Sim. — O sorriso se fez mais sinistro. — Como não pensei
nisso antes? É o plano perfeito. 
— Do que demônios está falando, Tommaso? 
Os olhos escuros encontraram os de Paolo. 
— Precisamos seduzi-la. 
— Seduzir?
— Essa irmã gentil. Iris Spencer. Precisamos desonrá-la. Phillip
vai sentir na própria pele o que fez conosco. — Tommaso gargalhou.
— Dio mio, é perfeito — ele repetiu. 
Paolo sentiu-se gelar de repente, a contrariedade crescendo e
subindo pelas veias. 
— Não farei isso — disse ele. 
— Por que não?
— Não faz sentido, Tommaso. — Seu irmão estava
ultrapassando todos os limites da loucura. — A garota não teve
relação com o que Spencer fez a Giuliana. Ela não tem culpa.
— Spencer fez isso com nossa irmã! Ele a seduziu. 
Paolo passou a mão no cabelo em frustração. Uma coisa não
tinha relação com a outra. Iris não tinha por que ser envolvida
naquela tramoia.
— Você está misturando tudo, Tommaso. Está tentando me
manipular, não confunda as coisas. 
— Preciso lembrar que Giuliana está morta por causa do irmão
dela? 
— Tommaso, não arranje mais coisas para fazermos! — Paolo
tentou argumentar. — Phillip Spencer regressou, poderemos enfim
vingar Giuliana.
Tommaso deu-lhe as costas e tirou um cigarro e um fósforo do
bolso da calça.
— Quer saber? Não preciso de sua aprovação. — Ele acendeu o
cigarro. — Se não quer fodê-la, eu cuido disso sozinho. Vou dar um
jeito de emboscá-la, vai ser divertido ver a irmãzinha do Spencer
implorando por clemência enquanto é desonrada.
Paolo retesou inteiro. Com o maxilar cerrado, ele imaginou
Tommaso se aproximando de Iris e fazendo exatamente o que
estava ameaçando.
— Você não fará nada disso — disse ao irmão, com firmeza. —
Eu estou exigindo que mantenha-se longe daquela família e me
deixe trabalhar.
Tommaso riu, com escárnio.
— Você não manda em mim, Paolo. A única promessa que eu fiz
foi a de que não derramarei mais sangue. Agora quero ver a
irmãzinha sofrendo, assim como ele fez com a nossa irmã. Se você
não é homem o suficiente para a missão, farei eu.
A simples imagem de Iris nas mãos sujas e cruéis do irmão era o
suficiente para enojá-lo.
Paolo conhecia aquele olhar. Tommaso, quando cismava com
alguma coisa, era como uma mula teimosa. Maldição, agora que
tinha pensado naquilo, ele não descansaria até fazê-lo. 
— Eu faço — Paolo afirmou. 
Tommaso ergueu o queixo e apertou os olhos, caminhando até o
mais novo a passos ligeiros. 
— Mudou de ideia? 
Paolo apenas fez um aceno de cabeça curto. 
— Sim, eu faço. Não podemos arriscar que seja pego, e ela já
está conversando comigo de qualquer forma. Sem contar que… —
ele engoliu a contrariedade, tentando não deixar suas emoções
transparecerem — faz sentido que a utilizemos. 
Paolo ainda não estava de acordo com aquilo. Envolver-se com
Iris apenas complicaria sua estratégia. Seria mais trabalho, mais
coisas a fazer. Contudo, ele ao menos poderia fazê-lo à sua
maneira. Mesmo utilizando-a, ainda estaria protegendo-a. Sabe-se
Deus por que se importava com isso, mas as coisas eram como
eram. Faria com que Iris quisesse se envolver com ele. Que se
entregasse por vontade.  Ou quem sabe, nem precisasse chegar a
tanto, afinal, não era difícil comprometer a reputação de uma
mulher.
Daria um jeito de cumprir a vontade do irmão sendo menos cruel.
Ora essa, lá estava ele pensando no bem-estar dela, mas não podia
evitar. Como se a irmã de Phillip Spencer merecesse tal
consideração. Talvez, ele fosse um sujeito melhor do que Spencer,
no fim de tudo.
— Então vai seduzi-la e arruiná-la? — Tommaso voltou a
perguntar.
— Sim, vou. Pode deixar comigo. Iris Spencer será arruinada. 
Tommaso sorriu de forma maléfica. 
— Por Giuliana. 
Paolo concordou. 
— Por Giuliana. 

1 Tradução do italiano: O quê?


2 Tradução do italiano: idiota (ofensa grave).
3 Tradução do italiano: espere.
C A P Í T U L O O IT O

A lgumas dores de cabeça eram persistentes. Foi o que pensou


Iris, ao acordar na manhã seguinte com uma pontada
inoportuna nas têmporas. O assunto do dia anterior entre a família
fora mesmo o estado de saúde de Flavian e a preocupação que
pairava sobre a cabeça de todos. Iris não conseguira ler, se
concentrar em mais nada que não fosse o primo. Contudo, Lady
Georgia anunciou no final da noite que tinha uma estratégia para
distrair a todos daquele drama: os bailes da temporada, é claro.
Iris sorriu ao descer as escadas em direção à sala de jantar.
Nem mesmo uma crise familiar impediria sua mãe de comparecer
aos eventos do ano. Mas Iris sabia que ela tinha boas intenções. De
que adiantaria ficarem em casa, lembrando-se de tragédias?
Georgia, inclusive, insistira para que Jasmine convidasse Violet para
comparecer a mais bailes. A mais velha das irmãs duvidava que a
amiga quisesse acompanhá-las, e apenas concordou com Lady
Spencer, a fim de evitar quaisquer discussões.
De qualquer forma, para Iris, não era como se a decisão da
matriarca afetasse seus planos. Ela já estava decidida a comparecer
ao máximo de eventos que pudesse, a fim de conseguir — tentar, ao
menos — seu arranjo de casamento. Até mesmo já tinha alguém em
vista, o gentil e educado Lorde Sebastian Rutherford. Pensara bem
depois dos comentários de Jasmine naquele último baile, e não
parecia haver motivo para duvidar que o sujeito tivesse boas
intenções. Não que nutrisse muitas esperanças, mas Iris ao menos
ficaria atenta a qualquer sinal que ele lhe oferecesse, a qualquer
olhar diferente ou palavra interessada.
Era a primeira vez, desde sua estreia na sociedade, que aquele
tipo de coisa acontecia com ela. Bem, segunda, na verdade. Iris se
lembrava se ter ficado interessada em um cavalheiro novo em seu
primeiro ano, ele até mesmo roubara-lhe um beijo no jardim. Como
era mesmo o nome dele? Iris não conseguia se lembrar. O interesse
passou muito rápido, tão logo ele conseguiu se entender com a filha
de um dos condes mais ricos de Mayfair. 
Por isso, Sebastian era, sim, uma grande surpresa.
Iris chegou ao andar de baixo e passou pelas portas francesas
brancas. Como sempre acontecia, ela não avistou ninguém ao
adentrar o cômodo que cheirava a café. Surpreendeu-se, contudo,
pelo belo lacaio que a esperava.
Um diferente de James, o homem que costumava servir-lhe as
refeições.
— Sr. Vicenzo.
O italiano fez uma mesura com a cabeça.
— Srta. Spencer.
Iris engoliu em seco, sorrindo levemente em seguida.
— Bom dia — disse ela.
— Bom dia.
— O que… faz aqui? — Ela tirou uma mecha de cabelo dos
olhos. — Geralmente é James quem serve as refeições.
Paolo continuou com a postura ereta, suas mãos cruzadas nas
costas, o uniforme impecavelmente arrumado.
— James teve que resolver umas pendências e me pediu para
servi-la — respondeu ele, naturalmente. — Há um problema?
Nenhum problema, com exceção das pernas trêmulas que ele
causava nela. Iris já desistira de ignorar todas as mudanças de
humor e sensações que a presença de Paolo lhe despertava.
Parecia ser uma batalha perdida, de qualquer forma.
— Não, imagine.
— A senhorita quer se sentar? — Paolo puxou uma cadeira,
posicionada em frente à mesa posta e cheia de comida. — A
cozinheira me informou que fez seu chá preferido. Camomila.
Cristo, e agora ele já sabia até o chá que ela gostava.
Bem, fazia sentido, já que era um lacaio, certo? Não era como se
Paolo tivesse se esforçado para conhecer seus gostos pessoais.
Iris respirou fundo e olhou para o lugar vazio, e então para o
rosto dele de novo, para aquele monte de ângulos e masculinidade. 
— Claro, posso me sentar.
Ela se aproximou alguns passos, sentindo os olhos dele a
acompanharem.
— A senhorita está adorável esta manhã — ele comentou.
Iris avermelhou inteira, o rubor subindo por seu pescoço até
abaixo da orelha.
— Ah, sim? — Ela ousou olhar para ele.
Paolo tinha um sorriso escondido nos lábios.
Cretino.
— Melhor do que ontem — ele complementou. — Prefiro vê-la
assim, sem chorar.
Ela não respondeu, e mal conseguia respirar ao se sentar na
cadeira. Paolo Vicenzo continuou atrás dela, aquela presença e
calor em suas costas.
— Como prefere seu chá, Srta. Spencer? — ele lhe perguntou,
bem perto do ouvido. Todos os pelinhos da nuca de Iris se
arrepiaram.
— Com um pouco de leite e açúcar — respondeu ela, sem ousar
se mexer, encarando a própria xícara.
— Certo.
Ainda atrás dela, Paolo esticou o braço forte e agarrou o bule,
servindo o líquido quente com uma calma admirável. Iris observou
cada gota com atenção, tentando não pensar naquela proximidade
intrigante.
Naquela clara provocação com perfume amadeirado.
— Quantos cubos? — Ele quis saber.
— Dois. Mas eu posso…
— De jeito nenhum. Vou servi-la. — Ele pegou um cubo de
açúcar e colocou na xícara, e então o outro. — Aqui está, Srta.
Spencer. — Paolo fez questão de quase roçar o próprio braço no
dela.
Quase.
E Iris — por Deus do céu — desejou que ele o tivesse feito.
— Por que faz isso? — Iris questionou, ainda sem virar.
Ela conseguiu ouvi-lo dar um passo para trás, mas sabia, de
alguma forma, que Paolo estava concentrado nela.
— Faço o quê?
— Sabe muito bem, Sr. Vicenzo. Por que me provoca assim?
Ele riu baixinho.
Ah, aquele som…
— Quer que eu pare?
Ela deveria mesmo responder que sim. Deveria ter feito muitas
coisas em relação a ele, a começar daquele primeiro encontro no
jardim.
Mas… Iris sabia por que não fizera nada. Porque não queria, na
verdade, que ele parasse. Porque ela gostava daquelas atitudes
atrevidas. Daquele jogo que ambos já estavam conscientes que
jogavam.
— Srta. Spencer? — Ela o ouviu dizer.
— Pode ao menos ficar na parede oposta? — ela pediu ao
mexer o chá com uma colherzinha de prata. — Não vou conseguir
falar com o senhor se estiver em minhas costas.
— Como quiser.
Paolo se mexeu e caminhou até a parede paralela até estar de
frente para Iris. Ela levou a xícara aos lábios e o vapor embaçou as
lentes de seus óculos.
— Ora essa — resmungou ela, com uma risada. — Isso sempre
acontece, não repare — justificou-se a ele. Paolo apenas sorriu com
o canto da boca. — O senhor não respondeu a minha pergunta.
Ele inclinou a cabeça levemente para o lado. 
— Perdoe-me, qual pergunta?
— Por que gosta de me provocar?
Paolo umedeceu os lábios, seus olhos acinzentados grudados
nos dela.
— A senhorita cora quando o faço. Começa em seu pescoço e
termina em suas maçãs do rosto. É quase como se ficasse da cor
de seu vestido.
Mais uma vez, ela corou, e olhou para baixo, para o tecido cor-
de-rosa.
— Por isso gosta de me provocar?
Ele assentiu.
— Gosto quando cora — afirmou ele. — Acho adorável.
Oh. Iris não sabia o que dizer. Nunca ninguém se demonstrara
satisfeito com aquela sua capacidade de ruborizar com facilidade.
Um dia, um homem de verdade conseguirá superar seu rubor,
Iris. Vai até gostar dele, pode apostar.
As palavras que Jasmine um dia lhe dissera pareciam orbitar ao
seu redor. O coração de Iris acelerou e ela sentiu o peito esquentar,
mas tratou de espantar aquela lembrança.
— Entendo… — Iris murmurou.
— A senhorita também não respondeu a minha pergunta. — Ela
piscou rápido, franzindo a testa. Paolo complementou: — Quer que
eu pare? Não tenho a intenção de incomodá-la.
Ela levou um momento até alcançar o pote de geleia e começar
a passar um pouco do doce arroxeado em um pãozinho.
— Não. — Iris deu uma mordida, sem desviar o olhar.
— Molto bene 1.
Ela engoliu o pedaço de pão, pensando no que dizer. Era um
tanto incômodo ter Paolo ali em sua frente e não poder convidá-lo
para se juntar a ela na refeição.
— Eu convidaria o senhor para comer, mas…
— Não precisa se explicar, milady. Evidentemente, causaríamos
um escândalo. Conheço meu lugar.
Até parece… Iris segurou a vontade de rir.
Ela apenas concordou com um aceno de cabeça.
— Mas o senhor se sentaria comigo? Se não fosse um
escândalo.
Paolo coçou a sobrancelha escura com a ponta do polegar.
— A senhorita gostaria de minha companhia?
— Claro, caso contrário eu não o convidaria.
Ele acenou levemente.
— Sim, eu me sentaria.
Ela sorriu. Iris gostava disso nele, de Paolo não ter medo de falar
com ela, de não parecer um criado assustado como era o caso da
maioria deles. Era mais do que apenas atrevimento, era… algo
natural dele.
— Aproveitou seu dia de folga, ontem? — ela voltou a perguntar,
tomando finalmente um gole de chá.
— Foi… — Paolo pareceu surpreso com a pergunta. — Sim, foi
de muita utilidade.
— O que faz quando não está trabalhando?
Ele pensou por um momento antes de responder.
— Costumo cuidar de meus assuntos pessoais.
Iris assentiu, sem insistir. Estava claro que Paolo não queria
conversar sobre aquele tópico.
— E hoje, há muito trabalho a fazer?
Ela não fazia ideia do por que estava questionando-o sobre sua
rotina de trabalho. Ou talvez fizesse, sim. Talvez, Iris estivesse
apenas tentando distraí-lo para que ele não a provocasse com tanto
ardor.
— Hoje preciso cuidar das lareiras — Paolo falou. — E atender
ao seu irmão.
— Já o conheceu?
Ele negou, sua expressão um pouco mais séria.
— Não ainda.
— Vai gostar dele. — Iris deu de ombros. — Phillip é um sujeito
muito tranquilo. Adorado por todos.
Paolo Vicenzo respirou fundo.
— Sim, eu ouvi falar. Todos aqui parecem tê-lo no mais alto grau
de estima.
— Não vejo por que não teriam. Meu irmão é realmente um bom
rapaz.
— Como pode ter tanta certeza? — ele perguntou.
Iris deixou a faca de lado, o tilintar da prata contra o pires ecoou
no ar.
— Porque eu o conheço. O senhor tem irmãos?
Paolo assentiu.
— Sim, um.
— E não o conhece bem? São próximos?
Ele pigarreou, parecendo levemente desconfortável.
— Próximos é um pouco demais. Temos… interesses em
comum. Mas eu o conheço, sim.
— Então sabe do que estou falando.
O lacaio finalmente cedeu.
— Sei.
Ela comeu o último pedaço do pão e engoliu devagar.
— Sabe, gostei de sua companhia, Sr. Vicenzo. Nossos diálogos
são sempre… intrigantes.
— A senhorita acha?
— Sim. — Iris limpou a boca com o guardanapo. — Costumo
acordar mais cedo do que todos e acabo comendo sozinha todos os
dias. James não conversa comigo, apenas me serve. — Ela ajeitou
os óculos com a ponta do dedo. — Meu dia começou melhor, e isso
é graças ao senhor.
Paolo se adiantou e foi até o lado dela, ao perceber que Iris se
levantava. Ele afastou a cadeira e ofereceu sua mão enluvada.
Aceitando o gesto, Iris conseguiu sentir o calor mesmo sob o tecido.
O tempo parou por um instante, quando seus olhos se encontraram.
Havia algo forte ali, capaz de fazê-la perder o ar, de suspendê-la.
Ele era uns bons centímetros mais alto. Muitos deles. Iris precisava
inclinar o pescoço para cima se quisesse ver seu rosto inteiro.
Uma bela visão, diga-se de passagem. Um rosto masculino e
angulado, uma tentação.
Paolo Vicenzo era mesmo um homem muito perigoso. Ainda
assim, Iris não conseguia sentir medo dele.
— Obrigada — disse ela, soltando a mão. — Devo ir, agora.
Preciso… terminar um bordado.
Era mentira, e Paolo sabia disso. Iris costumava ser convincente,
mas aquele homem parecia ver além de qualquer desculpa que ela
pudesse inventar.
— Claro. Vou deixá-la, então.
Ela sentiu o rosto esquentar mais uma vez. Caminhou em
direção à porta, mas deteve-se. Não deveria dizer as palavras que
saltavam à sua boca, embora parecesse inevitável.
— Vou gostar se me servir o café com mais frequência. — Iris se
virou para ele de novo.
— Isso é uma ordem, milady? — Ele levantou uma sobrancelha.
Iris negou na mesma hora.
— Uma afirmação, apenas.
Paolo sorriu, sem mostrar os dentes. As pernas dela poderiam
ser facilmente comparadas a um pedaço de pudim.
— Deixe comigo, bella. — O lacaio piscou para ela.
Sentindo o ar faltar, Iris apenas concordou e lhe deu as costas.
Por Deus, o que diabos ela estava fazendo com aquele homem?
Pior. O que diabos ele estava fazendo com ela?

1 Tradução do italiano: muito bem.


C A P Í T U L O N OV E

P aolo observou Iris Spencer se afastar sentindo um misto de


coisas. Satisfação, divertimento, desejo. Mas, entre todos
aqueles sentimentos agradáveis, havia também uma leve pontada
de culpa.
Que inferno. Flertar com aquela mocinha era muito mais
proveitoso antes de Tommaso decidir incluí-la naquele plano de
vingança.
Paolo se voltou para tirar a mesa, tentando reviver os últimos
minutos. Fora uma boa manobra pedir a James, o primeiro lacaio,
que o deixasse servir a refeição naquela manhã, assim como foi
certeiro pedir à cozinheira para preparar o chá favorito da patroa.
Depois de todas aquelas semanas trabalhando para os Spencers,
ele já conhecia parte da rotina da família, e já havia reparado que
Iris sempre acordava mais cedo que todos os outros.
Assim como ela também gostava de tomar sol no jardim, junto a
algum livro indecoroso.
Paolo chacoalhou a cabeça e espantou o sorriso que se formou
em seus lábios. Ao menos a distração que ela virara seria de grande
utilidade agora que precisava se aproximar dela. E não seria difícil
fazer com que Iris Spencer caísse em seus encantos. Talvez,
considerando o brilho naqueles olhos castanhos, Paolo já estivesse
com metade do trabalho feito. Só precisaria decidir quais seriam
seus próximos passos.
Havia pensado bem e seduzi-la completamente parecia
desnecessário. Um escândalo causado por um beijo em algum lugar
indecoroso seria o bastante para arruiná-la sem violá-la ou tirar sua
virtude. Apesar de tudo — e aquele era um detalhe que o inquietava
— havia algo em Iris Spencer, uma honestidade em suas palavras e
olhares que faziam com que ele se importasse com ela a ponto de
não querer machucá-la.
Uma bela contradição, considerando o que ele estava fazendo,
mas era a verdade.
Contudo, de uma coisa ele estava certo: teria que ser prudente
para que aquela conquista não atrapalhasse o objetivo maior. Agora
que Spencer estava na cidade, Paolo teria finalmente a
oportunidade de vasculhar as coisas do cretino, em busca das
provas que utilizaria para sua ruína. Não seria difícil, contanto que
tivesse cautela e calculasse bem seus movimentos.
Paolo terminou de tirar a mesa e foi até a cozinha, para deixar as
louças para lavar. Estava quente naquela manhã, mais do que de
costume, e ele teria um dia cheio de serviços, cuidando das lareiras
e das botas dos homens da casa.
Uma hora depois, subiu as escadas e se dirigiu diretamente para
o corredor dos quartos principais. Chegou à porta do dormitório de
Spencer e a viu entreaberta, as vozes de dois homens soando do
lado de dentro.
— Com licença, senhores — Paolo pediu, seus olhos se
cruzaram com os do valete, Michael.
— Vicenzo — disse ele, com uma lâmina nas mãos. — Entre,
estou terminando aqui.
Paolo assentiu e, assim que entrou no cômodo, encontrou o
olhar curioso do rapaz sentado numa cadeira em posição
confortável, cheio de sabão espalhado no rosto.
— Milorde. — Paolo fez uma mesura com a cabeça. Era a
primeira vez que ficava frente a frente com Phillip Spencer.
— Bom dia. — Phillip lhe ofereceu um sorriso. — O senhor é o
novo lacaio, certo?
Paolo concordou com um aceno curto.
Sim, o novo lacaio e sua futura ruína, seu desgraçado.
— É um prazer conhecê-lo. Eu sou Phillip Spencer.
— Cuidado, sir. Fique imóvel — o valete pediu, ao continuar a
barbeá-lo.
— Prazer. — A voz de Paolo soou ainda mais grave do que de
costume.
Ele cerrou os punhos na lateral do corpo, tentando ao máximo
deixar seu rosto impassível. Era uma tarefa difícil, considerando a
raiva que sentia pelo sujeito.
— Eu vim para limpar as botas — disse ele.
— Pode começar, se quiser. — O valete indicou com um gesto
de cabeça, sem tirar os olhos do trabalho que fazia. — Estão ali no
canto.
Paolo concordou e caminhou em direção aos calçados sujos de
lama.
— Devo pedir desculpas pela quantidade de sujeira neles —
Phillip comentou —, mas choveu muito no período em que
estivemos na França.
Paolo agarrou dois pares de botinas e se pôs em pé.
— Sem problemas, milorde. Eu cuido delas.
Phillip avaliou o próprio reflexo, virando o rosto de um lado para
o outro.
— Bom, sir? — perguntou o valete.
— Ótimo. Obrigado, Michael. — E então ele olhou para Paolo. —
Seu sotaque. O senhor veio de qual reino?
Paolo ergueu o queixo suavemente, encarando-o em retorno.
— Florença. Estava vivendo em Chianti antes de vir para cá.
O sorriso de Phillip morreu um pouco.
— Conheci alguém de Florença uma vez — ele murmurou,
baixo.
Paolo sentiu o maxilar enrijecer no mesmo instante.
— Que coincidência.
Phillip pigarreou e levantou-se.
— Eu estive em Roma há uns meses, infelizmente não tive a
oportunidade de conhecer sua terra natal.
— Muito ocupado?
Paolo reparou que o valete franziu as sobrancelhas um pouco.
Era o esperado, considerando o quanto ele estava sendo atrevido
em fazer perguntas do tipo ao patrão.
— Pode-se dizer que sim — Phillip disse. — De qualquer forma,
eu pertenço à Inglaterra. O senhor está gostando daqui?
Era curioso que Phillip Spencer se demonstrasse tão cordial.
Talvez fizesse parte de sua farsa, parecer interessado em saber da
vida dos funcionários. Não era o que Paolo esperava encontrar.
Ainda que a família Spencer fosse simpática em sua totalidade, para
Phillip ele reservara a imagem de um homem orgulhoso, fechado,
arrogante.
Nada parecido com o rapaz em sua frente.
— A Inglaterra tem seu charme — Paolo respondeu.
— Sir, creio que posso tirar sua casaca para arejar, não? — O
valete interrompeu aquele diálogo.
Phillip olhou para o homem e assentiu.
— Sim, pode. Vou tomar café da manhã agora, e passarei a
tarde com meu pai. Com licença, senhores.
Paolo não disse nada ao observar o patrão se afastar, ainda
segurando suas botas.
— O que diabos está fazendo, Vicenzo?
Ele se virou para o valete, que o encarava com uma expressão
séria.
— Como?
— Quem pensa que é para fazer perguntas ao patrão? — O
sujeito começou a enrolar a lâmina de barbear em um pedaço de
veludo.
— Ele não pareceu se importar, estávamos apenas conversando.
— Não se conversa com os patrões, rapaz. A família é amável e
educada, mas você deve se lembrar do seu lugar se não quiser que
Banner lhe corte o pescoço.
Dodger Banner, o mordomo, pessoa de quem Paolo recebia
suas ordens diretas.
— Não foi minha intenção ultrapassar limites.
— Mas ultrapassou. Sugiro que mantenha-se no seu lugar da
próxima vez.
Paolo concordou com um aceno, e já estava de saída quando
retornou alguns passos.
— O senhor acompanhou Phillip Spencer a Roma? — perguntou
ele.
O valete agarrou a bacia cheia de água e espuma e o encarou.
— Não. O Sr. Spencer preferiu ir sozinho.
— Hum.
— Por que se interessa nisso?
Paolo fez uma expressão de indiferença.
— Nada, é só que… fiquei curioso se empregados
acompanhariam seus senhores em uma viagem nessa distância.
— Podemos acompanhar ou não. No caso de Phillip, ele queria
se aventurar, quis ficar livre de qualquer empecilho.
— Mas ele não pareceu gostar da viagem… — Paolo comentou.
O homem deu de ombros.
— É uma verdade que milorde não fala sobre isso. Ele é falante,
devo admitir, sempre comenta uma coisa ou outra, mas sobre Roma
nada vai além do que o senhor ouviu aqui.
O que significava que Phillip tinha, mesmo, algo a esconder.
Paolo precisava investigar aquilo melhor, vasculhar os pertences
pessoais de seu patrão.
— Se quiser — disse ele ao valete —, posso ajudar a arrumar as
coisas por aqui. Suponho que precise desfazer as bagagens dele.
— Mantenha-se em suas funções, Vicenzo. Tenho tudo sob
controle aqui.
Paolo achou melhor não insistir, considerando que seu colega já
parecia irritado.
Teria que adentrar o dormitório de Phillip em outra oportunidade.

Semanas depois, Iris, Jasmine e Lady Georgia aceitaram a ajuda


do lacaio para descerem da carruagem em frente à modista, na
Bond Street. Iris encontrou os olhos profundos por dois segundos
antes de sorrir e desviar o olhar.
Após aquele café da manhã cheio de flertes, Paolo passara a ser
o homem que a acompanhava nas primeiras refeições do dia.
Nada de mais passara entre eles, além dos olhares penetrantes
e das palavras aveludadas. Iris já nem corava com tanta frequência,
sentia-se mais à vontade na presença dele, acostumada àquelas
frases que a faziam sentir-se desperta.
— Ora, ora — elas foram paradas antes de entrarem pelas
portas do ateliê de Madame Fleur —, que prazer encontrá-las,
senhoritas.
Era Sebastian Rutherford, o gentil lorde que Jasmine afirmara
estar interessado em Iris. De forma recorrente, ele passara a tirá-la
para dançar, embora seus avanços não passassem disso. Ele
estava elegante naquela manhã, com uma casaca azul escura e
uma cartola preta cobrindo-lhe a cabeça. Sebastian era um homem
com sorriso bonito, algo que chamava atenção.
Não que Iris pensasse nele fora dos salões. Ela tinha outras
coisas na cabeça, na verdade.
Outro sorriso ousado e estrangeiro.
— Lorde Rutherford, que surpresa. — Lady Georgia fez uma
mesura com a cabeça. — Como está?
— Bem. Melhor agora, que as encontrei. — Ele olhou para
Jasmine, e então para Iris, correndo o olhar por seu rosto. — Como
está, Srta. Spencer?
O rosto dela esquentou e ela piscou atrás dos óculos.
— Bem, milorde.
— Suponho que estarão no baile, esta noite?
As três assentiram sem demora.
— Sim, sim. Estaremos presentes.
— Ótimo, nos reencontraremos lá, então. E… como está Sua
Graça? Ficamos sabendo no clube que ele regressou da guerra,
mas…
— Flavian está se recuperando, milorde — foi Jasmine quem
respondeu. — Em breve, creio que poderá encontrá-lo como nos
velhos tempos.
A mais velha sorria, mas Iris conhecia aquele sorriso fingido.
Depois de todo aquele tempo, a situação de Flavian não havia
melhorado em nada, e ele continuava recluso na mansão Spencer.
— Bom, espero que ele tenha uma recuperação completa. —
Sebastian voltou a encontrar o olhar de Iris. — Nos vemos mais
tarde, então.
Iris assentiu e observou Lorde Rutherford se afastar. Jasmine
enganchou em seu braço ao entrarem no ateliê.
— Viu só como ele está reparando em você? — disse ela,
animada.
— Sim, ele me pareceu muito interessado — Georgia afirmou,
sorrindo.
Iris lembrou-se da presença de Paolo ali e sentiu-se
desconfortável, negando. Era estranho conversar sobre aquele
assunto na frente dele, o homem com quem se acostumara a flertar.
— Não exagerem, Lorde Rutherford não fez nada de mais.
— Deve dançar com ele hoje, querida — sua mãe falou.
— Se ele me convidar, eu danço.
— Tenho certeza de que vai. Vamos agora, Madame Fleur nos
espera. — Jasmine não permitiu que Iris respondesse e a puxou
para dentro da saleta de costura.
Minutos depois, Iris foi a primeira a sair do cômodo quente e
voltou para a primeira sala do ateliê, abanando-se com a mão.
Paolo Vicenzo se encontrava ali, parado e calado, no aguardo para
carregar os pacotes de todas elas.
Iris olhou para os lados, conferindo se não estava sendo
observada, e se aproximou.
— Deve achar enfadonho nos acompanhar a lugares assim.
— É meu trabalho, Srta. Spencer — Paolo respondeu.
Ela assentiu, ainda ao lado dele.
— Elas estavam certas, antes — disse ele. — Sua irmã e sua
mãe.
Iris franziu a sobrancelha.
— A que se refere?
— Sobre o cavalheiro. — Ele continuou olhando para frente. —
Ele está interessado em você.
Iris arregalou os olhos e não se conteve em se virar para ele.
— O quê?
Paolo relaxou um pouco a postura, sua expressão um tanto
contrariada, uma ruga se formando em sua testa.
— Ele a mirou de cima a baixo, como se… — ele hesitou e
respirou fundo. — Ele está interessado, acredite.
Parecia, e apenas parecia, que Paolo se sentia incomodado com
aquela constatação. Iris adorou cada segundo daquele momento.
— Acha que ele vai me tirar para dançar, então? Como minha
mãe e irmã disseram?
— Será um tolo se não o fizer.
— O senhor me convidaria se estivesse no lugar dele?
Paolo encontrou o olhar dela, por apenas um instante.
— Não frequento bailes, milady.
— Sim ou não? — Iris insistiu.
Ele cedeu, finalmente, no que pareceu um resmungo charmoso.
— Claro que convidaria.
Iris não conseguiu conter o sorriso que se formou no canto da
boca.
— Eu aceitaria seu convite — ela disse, baixinho. — É uma pena
que não frequente bailes, Sr. Vicenzo. Não acho que seria em nada
desagradável passar um baile em sua companhia.
Um silêncio os envolveu, o coração de Iris levemente
descompensado.
— Poderíamos fazer companhia um ao outro esta noite — Paolo
disse, de repente.
Iris não compreendeu.
— Como?
Ele deu de ombros, como se estivessem conversando sobre o
tempo e não sobre passar um tempo juntos.
— Não vá ao baile — foi sua sugestão. — Estarão todos fora,
podemos… fazer algo, nós dois.
Nós dois. Apenas ela e ele, sem mais ninguém.
Iris já tinha se acostumado a passar seu tempo com o lacaio
Paolo, mas aquela proposta parecia diferente. Parecia mais íntima e
pessoal.
Cada centímetro da pele dela despertou.
— Faríamos o quê?
— Não sei, Srta. Spencer. Talvez pudéssemos…
— Iris, pode vir aqui? — A voz de Jasmine soou abafada das
cortinas.
Droga. De todos os momentos em que sua irmã poderia chamá-
la, aquele não era o melhor deles.
— Estou indo.
Relutantemente, Iris se afastou de Paolo e voltou para a saleta
de costura, onde Jasmine basicamente a manteve durante quase
todo o resto da visita à modista, questionando-lhe sobre caimentos e
tecidos.
Infelizmente, não ouve oportunidade para que Iris voltasse a falar
com Paolo, para que pedisse que ele terminasse sua frase, para
descobrir o que ele pretendia com ela naquela noite.
O que não significou que ela conseguiu parar de pensar nisso.
Nem ao menos um pouco.
CAPÍTULO DEZ

—E stou doente.
Iris fingiu uma tosse seca ao olhar para matriarca,
parada na porta de seu quarto com uma fita cor-de-rosa nas mãos.
— Doente? Desde quando? — Georgia franziu a testa
fortemente. — Você esteve ótima o dia todo.
Desde que Paolo Vicenzo sugerira que Iris faltasse ao baile para
passar um tempo com ela.
Desde aquele exato momento.
Não era prudente, ela sabia disso. Paolo nem ao menos
terminara sua fala, ela não fazia ideia do que ele lhe sugeriria fazer.
Ainda assim, Iris quis que ele terminasse. Quis saber que ideias
Paolo tinha em relação a passar seu tempo com ela. Poderia não
significar nada, mas poderia significar.
Então, ela o faria. Que Deus a ajudasse, mas faria.
— Tenho uma alergia estranha. — Iris levou a mão à garganta.
— Acho que havia alguma flor diferente no ateliê.
Georgia continuou encarando a filha.
— Iris, não minta para mim.
— Não estou mentindo. — Ela voltou a tossir. — Por que faria
isso? Estava muito animada com o baile, com… — Iris olhou para
cima, pensando em como continuar aquela farsa. — Em dançar com
Lorde Rutherford.
O mesmo lorde que parecera ter deixado Paolo com ciúmes.
— Hum… — Georgia murmurou, seus olhos estreitos. — Não
seria de bom tom que ficasse tossindo no salão.
— Pois eu também acho.
— Tossindo? — Jasmine entrou no recinto, como sempre linda
em seu vestido dourado. — Quem está tossindo?
— Iris. — Georgia revirou os olhos e deixou a fita de lado. —
Teremos que ir sem ela.
Iris tentou — tentou de verdade — não encontrar o olhar de
Jasmine naquele instante. Porém, pareceu impossível escapar dela.
— Certo… — Jasmine murmurou.
— Vou apressar seu pai e podemos ir. Phillip está fora, certo?
— Sim, está com Jack. — Jasmine manteve-se concentrada na
caçula.
Assim que Lady Spencer sumiu de vista, ela apontou um dedo
para Iris.
— O que está tramando?
— Eu? — Iris apontou para si mesma, em sua melhor voz
desentendida.
— Não está com alergias!
— Estou. Cof. Cof. — Ela deu um tapinha no próprio peito. —
Viu?
Jasmine suspirou pesadamente.
— Deus do céu, quanta falsidade! Vou contar à mamãe…
— Não! — Iris se adiantou, um pouco mais alto do que gostaria.
Jasmine sorriu, vitoriosa, e colocou uma mão na cintura,
aguardando-a prosseguir.
— Sim?
Iris respirou fundo, seu cérebro fervendo ao pensar em como
escapar daquela mentira.
— Tenho um livro para ler e estou realmente cansada. Está
muito calor e me senti tonta.
Jasmine ficou em silêncio um instante, e trocou o peso de uma
perna para a outra.
— Tudo bem, mas acho que está desperdiçando sua
oportunidade de dançar com Lorde Rutherford. Poderiam avançar
um pouco mais além dos flertes corriqueiros.
Iris fechou os lábios numa linha fina. Se ao menos Jasmine
soubesse que era exatamente isso que ela queria…
— Eu sei, mas a temporada ainda é longa. Terei a oportunidade
em outro momento.
A mais velha assentiu e deu de ombros.
— Eu vou porque preciso me divertir um pouco. Me distrair de
todo esse drama que assolou a Mansão Spencer.
— Faça isso e aproveite por mim.
Assim que ficou sozinha, Iris olhou-se no espelho e arrumou o
coque simples, dando dois tapinhas no cabelo. Respirou fundo e foi
até a janela, observando pelo vidro enquanto a família entrava no
coche e partia. Seus olhos encontraram a figura forte de um certo
lacaio sentado no pátio, nas sombras.
Iris sorriu, em silêncio, nervosa e com as mãos suando.
Preparada para descer, ela só esperava que Paolo estivesse
falando sério mais cedo.

Paolo ouviu o coche se afastar e embaralhou as cartas do


baralho, sem prestar atenção na tarefa.
Seus pensamentos estavam nela. Em Iris Spencer, que acabara
de partir para mais um maldito baile para dançar com o almofadinha
que encontrara mais cedo.
Ele não sabia por que estava tão incomodado, mas estava. Não
havia por que mentir para si mesmo. Talvez, aquele jogo de
conquista e sedução que estivera jogando nas últimas semanas
estivesse confundindo seu juízo.
Os sorrisos dela, as palavras rápidas e certeiras, os olhares
cintilantes que Iris lhe direcionava. Ela era mais que um alvo. Era
uma mulher completa, uma que parecia se divertir em deslumbrá-lo.
Aquela dama tinha mais encantos do que Paolo podia contar, era
de se surpreender que ainda estivesse solteira. Mas ele não deveria
estar pensando nela, naquela pele suave e nos lábios cheios que,
nas últimas semanas, ele passara as horas decorando e imaginando
como seria prová-los.
Paolo suspirou e fechou os olhos fortemente. Precisava lembrar-
se de que estava ali para vingar-se, e não flertar com uma das irmãs
de seu inimigo.
Um inimigo que, por sinal, se demonstrava impossível de
apanhar. Paolo o acompanhara para cima e para baixo como o
lacaio que era, e criara mais de uma oportunidade para entrar no
cômodo de Phillip e verificar se ele escondia coisas ali. Não
encontrara nada, absolutamente nenhuma prova de que o sujeito
estava metido em negócios sujos. Phillip era exaustivamente correto
em solo inglês. Tommaso, seu irmão, ainda estava escondido,
embora se arriscasse eventualmente em roubar algumas coisas que
julgava “necessárias”. Ele estava ficando sem paciência,
pressionava Paolo a acelerar aquele plano e lembrava-o sobre a
ruína de Iris Spencer. Paolo passara a não encontrá-lo com tanta
frequência, para se livrar de mais aquela perturbação.
O tempo estava passando rápido, mas não importavam seus
esforços, ele parecia não sair do lugar.
— Olá.
Paolo levantou o olhar e encontrou a doce dama o encarando.
Ele se levantou, num rompante.
— Srta. Spencer.
Iris se aproximou, suas mãos unidas para trás. O que ela estava
fazendo ali?
— Eu o assustei?
— Não, eu apenas… — Paolo pigarreou. — Achei que tivesse
partido para o baile.
Ela piscou de uma forma adorável, caminhando mais alguns
passos avante.
— Eu não fui. Pensei no que me disse mais cedo e… — Ela
hesitou. — Não estava falando sério?
Ele não sabia o que responder. Jamais imaginou que ela fosse,
de fato, deixar de comparecer a um baile para passar o tempo com
ele.
— Não pensei que consideraria ficar — Paolo admitiu.
Ela sorriu.
— Mas fiquei. Aqui estou eu.
Sim, ali estava ela, linda e honesta. E Paolo ainda tinha
dificuldade de respondê-la, envolvido em surpresa.
— O que está fazendo? — Iris perguntou, olhando para o
baralho na mão dele.
— Estou embaralhando apenas. Nada de mais. Sabe jogar?
Ela negou.
— Não. Phillip nunca teve paciência para me ensinar, embora eu
ache que só tenha pedido uma vez. Mas ele não é muito bom, de
qualquer forma.
— Ah, não?
— Ele é péssimo mentiroso. — Iris deu uma risadinha. — Dizem
que para jogar bem é necessário blefar, não é? — Paolo assentiu.
Ela continuou: — Jack, meu primo, vive tirando dinheiro dele por
isso.
Se apenas ela soubesse quem era o verdadeiro Phillip…
Mas não queria pensar em Spencer agora. Não com ela ali.
Paolo correu os olhos mais uma vez pelo vestido azul e simples,
pela pele exposta dos braços e o cabelo preso num coque baixo.
Perguntou-se, por uma fração de segundo, como Iris seria de
cabelos soltos, as madeixas escuras caindo pelos ombros, em
contraste com a pele branca.
— Quer aprender a jogar algo? — ele perguntou, pois já estava
ficando excitado.
— Quero. O que vai me ensinar?
Iris seguiu na direção indicada por ele, para que se
acomodassem num canto discreto do pátio.
— Acha que podemos ser pegos aqui? — ele quis saber, embora
não fizesse muito sentido. Paolo estava falando com ela justamente
para causar um escândalo, não estava? Se outra pessoa os
pegasse ali e as fofocas começassem, ele certamente teria um
excelente resultado sem nem ao menos se esforçar.
— Ninguém vem aqui. Eu costumava passar bastante tempo
aqui lendo, antes.
— Não passa mais? — Ele se acomodou sentado em um banco
baixo e começou a embaralhar as cartas.
— Não, tenho outro lugar preferido. Na janela, atrás das cortinas
de meu quarto.
Ah, sim. Paolo já a havia visto antes, quando fumava do lado de
fora.
— O que vai me ensinar? — Iris perguntou, ansiosa.
— Ensinarei… — ele pensou. — Blackjack. Conhece?
Ela negou com um aceno curto de cabeça.
— Os franceses chamam de Vingt-et-un.
— Vinte e um?
Ele concordou.
— O objetivo é atingir 21 com as cartas, não mais do que isso.
Reis, damas e valetes valem 10.
— Certo.
Paolo conteve um sorriso com aquele brilho curioso que saía dos
olhos dela.
— Vamos deixar isso mais interessante. — Ele aproximou o
banco um pouco mais e puxou outro para utilizar como suporte. —
Vamos apostar.
Iris estreitou os olhos, mas não se retraiu.
— O que sugere?
— Se a senhorita passar de 21, eu faço uma pergunta que é
obrigada a responder.
— E se eu não passar? Posso fazer perguntas também?
— Nada mais justo, bella mia.
Ela levou apenas um momento pensando.
— Certo. Vamos fazer isso.
Paolo sentiu a satisfação crescer dentro de si. Arrumou o baralho
nas mãos e tirou a primeira carta, um rei de copas.
— 10.
— O que faço agora? — Iris arrumou os óculos na ponta do
nariz.
— Agora deve desistir ou pedir mais uma.
— Bem, considerando que o máximo que posso atingir ainda é
vinte… mais uma.
Ele atendeu seu pedido. Cinco de paus.
— 15.
— Mais uma.
Paolo virou a carta, um sete de espadas.
— Perdeu — disse ele, e Iris suspirou em decepção.
— Tudo bem, pergunte.
Paolo juntou as cartas novamente e voltou a embaralhar.
— Por que sua mãe e sua irmã pareciam animadas com o
almofadinha, mais cedo?
Iris deu de ombros.
— Elas acham que ele está interessado em mim, e isso é bom.
— Bom por quê?
— Isso é uma outra pergunta, Sr. Vicenzo.
Ele riu. Justo. A mocinha era mesmo esperta.
Paolo assentiu, puxando a primeira carta.
— 4.
— Mais uma.
Ele obedeceu.
— 10.
Iris fez um gesto, pedindo mais uma.
— 18.
— Pare. — Ela o olhou. — Minha vez de perguntar, certo?
Ele assentiu, voltando a juntar as cartas.
— Por que quer saber sobre Lorde Rutherford? — Iris falou.
Paolo virou a primeira carta na frente dela.
— 7.
Iris fitou a carta, e então ele.
— Responda-me.
Ele umedeceu os lábios e endireitou sua postura.
— Ele não me parece… o tipo de homem que combina com a
senhorita.
Iris franziu a testa, mas havia divertimento ali.
— Que tipo de homem combina comigo, Sr. Vicenzo?
— Outra pergunta — ele rebateu. — Mais uma carta, certo?
Iris assentiu, observando-o virar o sete de ouros.
— 14.
— Outra.
— 22. — Ele sorriu satisfeito.
— Droga — ela reclamou.
Paolo parou para pensar na pergunta, hipnotizado nos dedos
finos de Iris ao tirarem uma mecha de cabelo do rosto.
— Solte o cabelo para mim.
Ela se sobressaltou, completamente surpresa.
— O quê?
— Quero vê-la de cabelo solto. Sou um homem curioso.
E atrevido ao extremo, ele sabia. Iris poderia retrucar, negar
aquele pedido.
Foi o que ela fez.
— O senhor não pode me pedir isso. É íntimo demais, e o
combinado foi que faríamos perguntas.
Ele fingiu não estar tão decepcionado. O problema era que Paolo
não queria fazer perguntas a ela, não queria conversar. Passaram
todas aquelas semanas trocando frases de flerte, curtas, mas
certeiras o bastante para excitá-lo.
Então, ele se lembrou de uma das conversas.
— Dance comigo, então.
Paolo deixou o baralho de lado e se levantou.
Iris acompanhou seu movimento, olhando para cima.
— Dançar? Sem música?
— A senhorita disse que aceitaria se eu a convidasse, e deixou
de ir a um baile para ficar aqui. Então, estou convidando-a.
Ela olhou para a palma estendida e concordou.
— O senhor é verdadeiramente destemido. Gosta de quebrar as
regras, não é?
Ele soltou uma risada baixa e observou-a se levantar.
— Olha quem fala…
Iris se pôs em sua frente, um pouco nervosa.
— O que quer dançar? — perguntou ela. — Uma quadrilha, um
minueto?
Sabe Deus do que ela estava falando. Paolo não conhecia
aquele tipo de dança. Não fazia ideia de tais movimentos.
— E se… — Ele envolveu a mão na cintura dela, puxando-a para
si. — Assumíssemos essa posição?
Iris levantou o rosto, seus olhos mergulhados nos dele. Ela
engoliu em seco, corando daquele jeito que ele tanto gostava.
— Isso parece uma valsa, embora um pouco mais… indecorosa.
Paolo analisou cada ponto daquela beleza delicada. Os óculos
de aros finos e dourados, os olhos profundos e intensos, num tom
avelã que ele aprendera a gostar. Iris tinha poucas sardas
salpicadas na ponta do nariz, e ele teve vontade de conhecê-las, de
beijar cada uma delas, de se apresentar.
— Gosto de valsas — ele respondeu, sua mão deslizava
devagar perto da base da coluna dela. Paolo inclinou o pescoço
para o lado, o corpo quente e trêmulo de Iris bem seguro contra o
seu. — Já dançou assim antes?
Ela negou.
— Sempre me mantenho mais distante nas danças. É o que
manda a etiqueta.
— Entendo. — Paolo se mexeu um pouco, guiando-os. — Mas
qual dança prefere, Srta. Spencer?
Ela pressionou um pouco mais a mão em seu ombro, seu peito
subindo e descendo.
— Prefiro esta.
Sim, ele já sabia disso, mas era bom ouvir as palavras vindas
dela.
— Deixe-me soltar seu cabelo — pediu ele, uma das mãos
subindo pela nuca dela. — Apenas esta vez.
— Por que insiste tanto nisso? — Iris perguntou.
Por que, de fato? Porque ele estava seduzindo-a, não era?
Porque já havia passado tempo demais e ele precisava avançar em
seu plano.
Isso, Paolo. Continue dizendo a si mesmo que não está aqui por
vontade própria.
Paolo espantou o pensamento, tentando se concentrar.
— Paolo? — A voz suave perguntou.
Cavolo. Era a primeira vez que ela o chamava pelo primeiro
nome. Um nome que era dele, verdadeiramente. Não um inventado,
um que fazia parte de toda aquela farsa. Os olhos dele pararam nos
lábios corados, hipnotizados, completamente sem controle. Lábios
que ele precisava provar. Paolo a beijaria naquele instante,
mostraria a ela os perigos de aceitar participar daquele jogo. 
— Eu apen…
Ele parou de falar quando eles ouviram o barulho das rodas da
carruagem entrando pelos portões. Paolo a puxou para um canto
escondido, em alerta, esperando com todo o seu ser que não
tivessem sido pegos.
— Sua família voltou cedo.
Iris parecia tão afetada quanto ele.
— Algo deve ter acontecido. Preciso verificar. — Ela arrumou o
vestido e passou a mão sobre o tecido. — Acha que nos viram?
Paolo negou ao limpar a garganta.
— Não, fique tranquila. Vá, agora. Nos falamos depois, Srta.
Spencer.
Quando ela lhe deu as costas e sumiu, Paolo juntou o baralho e
entrou, trêmulo, determinado a se trancar no próprio quarto.
O que diabos acabara de acontecer ali?
CAPÍTULO ONZE

I ris ainda estava zonza pela presença e perfume daquele


homem grande e quente quando cruzou a porta dos fundos
em direção ao corredor principal. Por que sua família voltara tão
cedo? Será que algo havia acontecido com Flavian?
— Papai? — ela perguntou, tão logo avistou Lorde Wallace
entrar e deixar a cartola com o mordomo. — O que aconteceu?
— Olá, querida. — Wallace sorriu para ela. — Como está a
alergia?
Nossa, ela nem ao menos se lembrava daquele detalhe.
Iris forçou uma tossezinha fraca.
— Melhor, porém ainda incômoda. Por que está aqui?
Ele deu de ombros, passando a mão no cabelo grisalho.
— Sua mãe ficou no evento com Jasmine, mas eu decidi voltar
para casa. Estou um tanto cansado, o doutor recomendou que não
abuse muito.
Iris respirou aliviada, ao mesmo tempo em que se preocupou um
pouco. A saúde de seu pai não estava das melhores nos últimos
anos, ele sempre estava abatido ou sentia-se cansado.
— Quer ajuda com alguma coisa?
— Não, imagine. Vou apenas tomar uma dose de uísque e me
deitar. Mandei o cocheiro de volta, ele acompanhará as garotas até
em casa. — Ele se aproximou e beijou a bochecha dela. —
Descanse, sim? Georgia ficará decepcionada se perder mais
eventos nos próximos dias.
Iris fez uma careta.
— Mamãe reclamou muito?
— O de sempre, nada que já não estejamos acostumados — ele
respondeu, e então se despediu e subiu escadas acima.
Iris suspirou, sem saber ao certo o que fazer. Voltou pelo
corredor mal iluminado e espiou o lado de fora pela janela lateral.
Paolo já não estava mais ali, deveria ter se retirado para seu
dormitório.
Decepcionada, Iris tentou lidar com a inquietação que crescia
dentro de si, com todas aquelas lembranças dos toques dele,
minutos antes. A mão grande na base de sua coluna, os olhos
atentos, o cheiro amadeirado e de tabaco envolvendo-a. Ela poderia
jurar que, se a carruagem não os tivesse interrompido, Paolo
Vicenzo a teria beijado. Que teria avançado além dos olhares
atrevidos e dos galanteios a que ela já estava acostumada.
E céus, como ela queria que aquele beijo tivesse acontecido.
Parecia que alguma coisa naquela noite realmente a tinha
dominado, pois Iris não pensou muito no que fez a seguir.
Discretamente, ela desceu até o porão e se aproximou da porta do
quarto do terceiro lacaio. Bateu duas vezes na madeira, devagar.
Paolo não demorou muito para abrir.
— Srta. Spencer? — Ele franziu as sobrancelhas. — Algo
aconteceu?
Ela negou, puxando o ar.
— Posso entrar?
Paolo deu um passo para trás, seu rosto ainda em alerta.
— O que houve? Por que está aqui?
— Eu… — Iris umedeceu os lábios, fechou a porta atrás de si e
colou suas costas na madeira. — O que ia fazer se não tivéssemos
sido interrompidos?
Paolo ficou sério. Ele endireitou a postura, parecendo ainda mais
alto.
— A senhorita não deveria estar aqui.
— Por que me pediu para ficar esta noite? O que pretendia?
— Iris…
— Você me tocou de um jeito… — Iris hesitou, seu coração
martelando dentro do peito.
Paolo não desviou o olhar e deu dois passos para frente, as íris
cinzas muito concentradas nela.
— Como? — perguntou ele, o rosto muito perto.
Iris engoliu em seco e tomou coragem.
— De um jeito bom.
Ele pareceu… surpreso. Como se não esperasse aquilo, como
se ela o deixasse vulnerável. Assim como ele fazia com ela, toda
santa vez.
— Eu gostei do seu toque — continuou ela. — De como minha
pele reagiu a você.
— Você está cruzando uma linha perigosa aqui, bella.
Ela assentiu.
— Eu sei. Mas você estava certo antes —  sussurrou, trêmula. —
Eu gosto do perigo. E eu gosto de você.
Paolo cerrou o maxilar e apoiou uma mão na porta, a mesma
que Iris empurrava com as costas. Ele desceu o olhar pelo rosto
dela, pelo colo, parando ao chegar nos seios arfantes sob o corpete
do vestido. Iris tentava se conter, conter os tremores que a
dominavam, a ansiedade e esperança de sentir aquele toque
novamente. Paolo pareceu ouvir seus pensamentos e mordeu o
lábio, sorrindo de leve. Ele levou uma mão aos cabelos dela e puxou
um grampo, depois o outro.
Iris sentiu as madeixas se soltarem, formando uma cascata de
ondas escuras em seus ombros.
— Exatamente como imaginei… — O sorriso dele aumentou. —
Vou lhe mostrar como o perigo pode ser bom, Iris. — Ele envolveu o
rosto dela nas mãos. Ouvi-lo chamando-a pelo primeiro nome quase
fez Iris derreter.  — Vou deixá-la viciada nele.
E ela não teve nenhuma dúvida daquela afirmação,
especialmente quando ele se inclinou e tomou seus lábios com
vontade.
Paolo prensou-a contra a porta, suas mãos mantendo o rosto de
Iris imóvel. Ela não pensou muito ao permitir que ele a tomasse para
si, que deixasse a língua macia dançar com a sua, em uma
harmonia deliciosamente inebriante.
Paolo tinha um gosto masculino e de algo único, dele. Iris
agarrou-o pelo pescoço e gemeu baixinho, seus músculos flácidos
de prazer, seu centro se contorcendo com toda aquela intensidade.
Ele desceu uma linha de beijos pela bochecha dela, pelo maxilar, e
então o pescoço. Iris inclinou-o para o lado, dando mais acesso,
cada centímetro de seu corpo aceso, queimando pelo toque bruto
daquele homem.
— Segure-se em mim — disse ele, pegando-a pelo traseiro e
carregando-a até a cama. Paolo deitou-a sem muita delicadeza,
envolvido demais para pensar, Iris concluiu.
Ela adorava aquela naturalidade, aquele olhar que a queimava e
a venerava não como uma dama, mas sim, como uma mulher.
Uma mulher completa e bela, como ele gostava de chamá-la.
— O que quer que eu faça com você, Iris? — Paolo sussurrou
junto à pele dela, subindo as mãos pelo tecido do vestido. Ele
levantou a cabeça apenas para encontrar seu olhar. — Sou o
primeiro a te tocar assim?
Iris balançou a cabeça em negativa.
— Não, já fui beijada antes. — Paolo franziu as sobrancelhas
levemente, e ela não se conteve em rir. — Está surpreso que
alguém já tenha me beijado?
Paolo negou imediatamente.
— Não, eu apenas… não gosto dessa imagem.
O sorriso de Iris aumentou.
— Está com ciúmes de mim — disse ela.
Não era uma pergunta, embora ele tenha tentado responder-lhe.
— Não estou.
— Está, acaba de admitir, assim como ficou com ciúmes de
Lorde Rutherford.
— Eu apen…
Iris não o deixou terminar. Puxou-o pela nuca e voltou a beijá-lo,
ansiosa. Paolo não protestou mais, deixando-se envolver, suas
mãos grudadas mais uma vez no corpo macio.
— Tive uma ideia… — murmurou ela.
— A senhorita certamente é falante quando beija — Paolo
resmungou, bem-humorado.
Ela riu de novo.
— Falo sério, é uma ideia boa.
Ele parou de beijá-la e voltou a encará-la, seu polegar áspero
roçando na bochecha macia.
— Diga-me — pediu ele.
— Por que não me beija de um jeito que me faça esquecer dos
anteriores? — ela sussurrou, ao esfregar o nariz no dele. — Faça-
me flutuar, Paolo.
Ele piscou e engoliu em seco, parecendo ser abatido por um
golpe. Iris jamais imaginou presenciar o brilho que aqueles olhos
escuros refletiram naquele instante. Pensou em perguntar-lhe algo,
mas Paolo foi rápido ao deitar o corpo sobre o dela, a boca exigente
voltando a tomá-la, num ímpeto muito maior do que segundos antes.
— Aqui. — Ele tirou a camisa de dentro das calças e pegou a
mão dela, guiando-a para que o tocasse. — Quero sentir sua pele
na minha.
Iris não ousou desobedecer ao tatear os músculos marcados e
firmes, assim como não retrucou quando Paolo começou a deslizar
as manguinhas bufantes por seus ombros estreitos.
— Como pode ser tão macia? — Ele provou a pele dela, a língua
morna percorria cada pedacinho. — Tão deliciosa?
Céus, apenas dois minutos, e Iris já não se lembrava daquele
beijo sem graça ou ardor que lhe fora roubado um dia no jardim.
— Quero vê-la, bella mia. — Paolo parecia falar consigo mesmo.
— Posso?
Ela chacoalhou a cabeça positivamente. Observou com atenção
enquanto Paolo continuava a baixar o tecido do vestido como se
desembrulhasse um presente.
Delicadamente, ele puxou o corpete para baixo. Iris sentiu o
mamilo enrijecer com o ar fresco da noite, com a excitação daquele
olhar penetrante.
— Que linda… — Paolo tocou-a, hipnotizado. Seus olhos
encontraram os dela, antes de Paolo se abaixar para tomar um seio
nos lábios. — Você é a coisa mais linda em que já pus as minhas
mãos.
Iris gemeu alto ao sentir a umidade e a sucção em seu mamilo
esquerdo.
— Shh, não faça barulho… — Paolo pediu, sem parar de torturá-
la com aquela língua habilidosa e que parecia saber exatamente o
que fazer.
— Ai, que gostoso…. — Iris murmurou. Seus dedos se
misturavam às mechas escuras, o meio de suas pernas pulsava,
ansiando que ele a tocasse ali. — Paolo…
— Sim, sim, eu darei o que quiser — Paolo continuou a torturá-
la, seus dedos agora entrando sob as saias do vestido. — Peça, o
que quer que eu faça? Onde quer que eu a toque?
Em todos os lugares, onde ele quisesse. Iris não sabia o que
responder. Eram sensações demais, intensas demais para ela lidar.
— Aqui? — Paolo pressionou a pele interna da coxa. Iris arfou,
assentindo.
— Sim.
Ele concordou com um aceno, subindo o toque um pouco mais,
muito próximo de seu centro.
— Já leu algo assim em seus livros, não leu? — ele quis saber, a
língua mais uma vez brincando com um mamilo excitado.
— Sim…
— E aqui? — Ele brincou com os pelos íntimos dela. Iris mordeu
o lábio fortemente, envergonhada e arrebatada.
— Céus…
— Já se tocou aqui antes? — Paolo sussurrou junto ao ouvido
dela, os dedos penetrando um pouco mais. — Já atingiu o ápice do
prazer ao fazê-lo, cara mia 1?
— Vicenzo! — Uma batida na porta os fez sobressaltar.
Paolo parou o que estava fazendo e colocou um indicador na
frente dos lábios, um pedido para que Iris fizesse silêncio. A mão
que estava há pouco em sua intimidade pressionou a coxa macia,
num gesto que parecia dizer para que ela ficasse tranquila.
Ela obedeceu e levantou o corpete no lugar ao observá-lo se
aproximar da porta.
— Sim? — Paolo disse, após limpar a garganta.
— Está ocupado? — A voz parecia ser de James, o primeiro
lacaio.
— Estou… — Paolo se levantou e aproximou-se da porta —, me
banhei agora, não estou vestido.
— Certo, não há problema. Apenas… amanhã consegue
acompanhar Lorde Spencer ao alfaiate? Lady Spencer pediu que eu
cuide de algumas tarefas por aqui.
— Sim, eu vou com ele, não se preocupe — Paolo falou rápido,
sem olhar para Iris.
— Eu agradeço. Boa noite.
— Boa noite.
Ele deu um respiro aliviado assim que a sombra do homem
sumiu do vão da porta. Virou-se para Iris de novo, levando a mão à
nuca, parecendo tão perdido quanto ela.
Quantas vezes um casal poderia ser interrompido na mesma
noite?
— Está bem? — Paolo perguntou.
Ela assentiu, embora ainda estivesse assustada.
— Acho melhor eu ir.
Paolo concordou, sua expressão um tanto indecifrável.
Iris ousou se aproximar, embora toda sua coragem e ousadia
parecessem ter sumido, de repente.
— Fiz mal em vir procurá-lo?
Paolo negou, parecendo prender a respiração.
— Não fez, mas nos arriscamos.
— Eu sei. — Iris baixou o olhar. — Vou deixá-lo, não quero
que…
Ela somente se deu conta de que ele voltara a lhe puxar para um
beijo quando os lábios macios já estavam sobre os seus. Paolo
inspirou fundo e colou a testa na dela, seus olhos fechados. 
— Consegui fazê-la esquecer todos os outros? — ele a
provocou, pois Iris tinha certeza de que ele já sabia aquela resposta.
— Que outros? — disse ela, acariciando o rosto dele mais uma
vez.
Paolo levou a palma dela aos lábios, beijando-a, e deu um passo
para trás.
— Boa noite, Srta. Spencer.
Iris franziu o nariz, negando.
— Iris.
Ele não demorou para concordar.
— Iris.
— Boa noite, Paolo. — Ela voltou a se aproximar, ficou na ponta
dos pés e beijou-o no maxilar. — Eu adorei esta noite. Valeu a pena
perder um baile.
Com um sorriso nos lábios, ela deixou o quarto do lacaio
discretamente e mal se deu conta quando chegou ao próprio
dormitório. Porque Paolo realmente fizera o que ela lhe pedira.
Ele realmente a fizera flutuar.

1 Tradução do italiano: minha querida.


CAPÍTULO DOZE

—I ris, você está bem?


Iris tirou os olhos da página do livro e encarou a irmã
mais velha, que acabara de entrar na sala de visitas.
— Olá, Jas. — Ela deixou o livro de lado. Não era como se
estivesse prestando muita atenção na história, de qualquer forma.
— Estou, por quê?
Jasmine suspirou e se ajeitou no sofá de veludo, abraçando uma
almofada fofa.
— Achei sua carinha um pouco avoada, só isso.
Ela não estava exatamente errada, Iris pensou. Na verdade, não
estava nada errada, pois desde que deixara o quarto de seu terceiro
lacaio duas noites antes, Iris mantinha a cabeça nas nuvens.
E nele, claro. Em Paolo Vicenzo e aqueles braços fortes que
pareciam ter o encaixe perfeito nela.
Santo Deus, o que ela estava fazendo se envolvendo com um
funcionário daquela forma?
Beijos, abraços, toques libidinosos, tudo que fazia seus membros
amortecerem e seu coração acelerar. Se os olhares que Paolo lhe
lançava antes já eram impróprios, trancar-se no quarto dele e deixá-
lo arrebatá-la era algo que Iris nem ao menos poderia definir.
Contudo, embora tudo aquilo fosse demasiado, ela sabia por que
não estava se sentindo culpada como deveria — porque ela sabia
que deveria. O motivo era simples: pela primeira vez em toda sua
vida pacata, Iris finalmente sentia que estava, de fato, vivendo.
Quebrando as regras, mas verdadeiramente sentindo algo além das
emoções cotidianas e rotineiras de seu dia-a-dia. Ser desejada por
Paolo Vicenzo era uma aventura deliciosa. Uma surpresa para
quem nunca aproveitara nada fora das páginas de um livro. Então
sim, talvez devesse se recriminar e voltar a frequentar os bailes
enfadonhos e esperar calada os convites para dançar. Talvez, ela
tivesse perdido o juízo de vez.
Mas Paolo era uma loucura que valia a pena, ainda que não
fizesse ideia do que aquele envolvimento significava. Só esperava
que ele se sentisse assim também, que não tivesse se arrependido.
Tinha suas dúvidas, mesmo que tentasse não pensar muito
naquele detalhe. Coincidência ou não, Paolo e ela não voltaram a
conversar desde aquele beijo quente, ele parecia muito ocupado
com as tarefas da casa, o que a deixava um tanto ansiosa, não
podia negar.
— Estava distraída com a leitura. — Iris forçou-se a espantar o
pensamento e olhar para a irmã. — Onde você estava?
Jasmine deu um suspiro triste.
— Fui falar com Violet. Fiquei um pouco com ela hoje.
Iris deixou o livro de lado e a encarou com atenção.
— Conte-me, como ela está?
— Ela está cumprindo a mesma rotina, visitando-o sem cessar.
— Jasmine ergueu os ombros suavemente. — Disse que ele
pareceu reconhecê-la, há dois dias. Que apertou a mão dela e olhou
em seus olhos.
— Ai, meu Deus — Iris levou a mão na altura do coração —, e o
que houve?
— Jack permitiu que ela ficasse ali, ao lado dele. O doutor achou
por bem diminuir um pouco do láudano, tentar deixá-lo consciente.
Eu fui até lá ontem, mas Flavian apenas dormia.
— Sim, visitei-o com papai no início da semana. Ele está tão
magro.
Irreconhecível, Iris diria. Assim como Phillip relatara, Flavian
parecia mesmo haver se perdido. Ela apenas esperava que ele
conseguisse encontrar o caminho de volta.
— Senhoritas, hora do chá — o mordomo informou.
— Estamos indo — Jasmine agradeceu ao homem e se
levantou. Iris a seguiu. — Cabe a nós esperarmos, Iris — Jasmine
comentou, assim que saíram da sala. — Confesso que choro
sempre que penso nele, mas mantenho minhas esperanças.
Sempre uma otimista, sua irmã.
Elas chegaram até a sala de jantar e sentaram-se na mesa
posta. Iris esperou ver Paolo ali, mas era James, o lacaio de
sempre, que estava à disposição para servir-lhes.
Jasmine mudou de assunto, mencionando os vestidos novos que
a modista preparara, e como Handel Rupert conseguira irritá-la no
baile em que Iris não comparecera.
— Espere, ele recusou dançar com você? — Iris segurou o riso
ao morder um bolinho.
Jasmine bufou.
— Mamãe o viu por perto e deu a entender que eu esperava um
convite para a dança. — Ela soprou a xícara de chá. — E então ele
basicamente agradeceu, deu as costas e partiu. Ordinário.
— Mas você dançaria com ele?
— Claro que não! — Jasmine exclamou com fervor. — Prefiro
ajudar o mestre de cerimônias a distribuir cartões a dançar com
aquele imbecil.
— Suponho que estejamos falando de Rupert. — Phillip entrou
na sala de repente, com um sorriso zombeteiro. — Hum, bolinhos.
O mais velho esticou a mão e alcançou um bolinho inglês,
mordendo-o em seguida.
— De onde você vem? — Iris perguntou.
— Estava terminando de lidar com as correspondências de
nosso pai. Agora posso relaxar.
— Você relaxado é uma novidade. — Jasmine terminou de
engolir. — Algo de novo que devamos saber?
— Nada de mais. Jasper me mandou uma mensagem
perguntando se eu poderia ir até Garold’s Park essa semana.
Jasmine e Iris franziram as sobrancelhas.
— Mesmo? Por quê? — Foi Jasmine quem falou. — Achei que
ele estivesse lidando com as rosas chinesas.
Phillip deu de ombros.
— Está, mas também precisa de um tempo do trabalho. Diz que
podemos atirar, se eu quiser. Contudo, estou desconfiado que
Poppy, a querida viscondessa, está por trás desse pedido.
— Por quê? — Jasmine repetiu.
— Porque já faz um tempo que ela está tentando me fazer
passar uns dias ali. Desde que voltei da França, na verdade.
Iris e Jasmine trocaram um olhar calado, que não passou
despercebido por Phillip.
— O quê? — Ele afastou um pouco a cadeira e cruzou uma
perna sobre a outra.
— Bem… — Iris começou —, Poppy está preocupada com seu
comportamento atual.
Phillip começou a revirar os olhos, mas Iris continuou mesmo
assim.
— Todos nós estamos. Você voltou mudado de Roma e sabe
disso.
Jasmine concordou com um aceno de cabeça e o queixo
erguido.
— Por Deus, o que preciso fazer para que entendam que nada
aconteceu? — O irmão esfregou o rosto. — Só porque permaneço
um pouco mais calado, não quer dizer que eu tenha problemas.
Sem contar que olhem o que aconteceu nos últimos tempos.
Flavian, a doença de papai…
— Se é assim, se esses são os motivos, por que não nos conta
sobre a viagem? — Jasmine cruzou os braços.
— Porque não há nada para contar. — Phillip se pôs em pé. —
Fui até Roma, conheci alguns lugares, voltei para casa. Fim da
história.
— Foi para Roma! É impossível que a viagem tenha sido tão
desinteressante — Iris argumentou.
— Mas foi.
— Então por que está fugindo de Poppy? — Jasmine alisou as
saias do vestido. — Pois eu mesma respondo. Porque ela está
muito perspicaz ultimamente e vai conseguir arrancar de você
alguma informação, se te pressionar. Vai conseguir fazer com que
abra seu coração.
— Assim como você abriu o seu em relação ao fim de seu
noivado? — ele retrucou.
Jasmine franziu tanto a testa que Iris não duvidava que ela
ficasse com uma ruga permanente ali.
— Não confunda as coisas! — Ela apontou um dedo para ele.
— Tudo bem, vamos nos acalmar. — Iris tentou sorrir. — Phillip,
isso foi um golpe sujo. Jasmine não é o assunto agora.
Phillip respirou fundo e apertou os olhos para Iris.
— Você costumava ficar mais do meu lado — reclamou ele.
Jasmine sorriu para a caçula, muito satisfeita.
— Infelizmente, eu também estou preocupada com você — Iris
argumentou.
— Querem saber? — Phillip cedeu. — Pois vou atender ao
pedido de meu amigo Jasper e vou até lá. Assim todas vocês
podem, por fim, esquecer essas inferências a respeito de minha
viagem.
— Pois eu irei com você — Jasmine afirmou.
Iris se virou para ela.
— Você irá?
Ela concordou.
— Sim, quero ver de perto se Poppy não consegue dobrá-lo.
Sem contar que estou com saudades de Dorothy.
— Bem, se vocês dois vão, acho que irei também. — Iris bebeu
mais um gole do chá.
— Ir aonde? — Lady Georgia e Lorde Wallace entraram na sala,
de repente.
Os três irmãos se entreolharam. Phillip levou a mão à nuca antes
de dizer:
— Visitarei Poppy em um par de dias. Jasmine e Iris vão comigo.
A matriarca franziu as sobrancelhas fortemente.
— Ora essa, é claro que não vão. E quanto aos bailes? Olivia
Greenwood nos espera na Casa Hampbell, e de lá seguiríamos para
a propriedade de Lady Maxwell.
— Agenda agitada… — murmurou Wallace, correndo o olhar
sobre os quitutes da mesa.
— Podemos perder os bailes este ano. — Iris terminou de tomar
seu chá.
Jasmine concordou ao caminhar até Phillip.
— Mamãe, será apenas… — Ela olhou para o irmão mais velho.
— Uma semana, no máximo — ele complementou.
— Sem contar — Iris se juntou aos irmãos — que Poppy ficará
feliz em se reunir conosco. Ela está grávida, não se esqueça,
mamãe.
— E o que tem isso? — Georgia pôs uma mão na cintura.
— Tem que é muito mais confortável irmos até lá vê-la do que o
contrário.
Lady Spencer continuou com sua expressão de reprovação, a
cabeça já um pouco grisalha balançando em negativa.
— Querida, deixe que as crianças aproveitem um pouco — disse
Wallace. — Tudo que essas meninas fazem é ir a bailes.
— Sim, querido, mas já perderemos outros em poucos dias.
Estarei em Garold’s Park para o nascimento do bebê no baile anual
da duquesa de Sutherland.
— Veja, podemos trocar — Jasmine sugeriu. — Eu e Iris
podemos ir a esse baile mesmo sem a senhora.
— E com quem iriam?
Iris olhou para Phillip, que já parecia entediado com aquele
dilema.
— Com Phillip — disse ela —, já que é por culpa dele que
perderemos os desta semana.
— Minha culpa? — Phillip apontou para si mesmo.
— Sim, por insistir em ser misterioso — Jasmine falou entre os
dentes e sorriu.
— O que você disse? — Georgia perguntou.
— Chega! — Wallace avançou em direção à mesa e puxou uma
cadeira, sentando-se. — Vocês hoje estão impossíveis. Fica
decidido que eles vão até a propriedade de Poppy e Jasper nesta
semana. Quando chegar o dia do baile da duquesa, Phillip as
acompanhará. — Ele tossiu, e então mais uma vez. — Perdoem-me.
— Tudo bem, papai? — Jasmine perguntou, os olhos claros
atentos ao patriarca.
Wallace deu dois soquinhos na altura do peito.
— Estou bem, querida.
Georgia suspirou, resignada.
— Bem, o que posso fazer se toda a minha família está contra
mim?
Wallace riu, acompanhado dos filhos.
— Fique tranquila, mamãe. Será mesmo bom para Poppy nos
ver. — Phillip se aproximou dela e tocou em seus ombros. — Sem
contar que já faz tempo que não vejo aquela pestinha de Dorothy.
Fiquei dois meses na França, ela mal deve se lembrar de mim.
— Dorothy só pensa no cachorro, Phillip. — Georgia riu. — Não
nutra esperanças com ela.
Ele se inclinou e deu um beijo na bochecha da mulher.
— Certo, cuidarei de meu coração partido. E bem, já que vamos
todos, pedirei a Michael para arrumar minhas coisas. Podemos
partir em dois dias? — ele perguntou a Iris e Jasmine, que
assentiram. — Qual dos lacaios posso chamar para que nos
acompanhe, pai?
Iris olhou para o pai, repentinamente em expectativa. Não havia
se dado conta daquele detalhe.
— Pode levar o Sr. Vicenzo, se quiser. Ficarei em casa tranquilo
esta semana, já fiz tudo que precisava fazer.
Iris conteve o sorriso que se formou em seus lábios com aquela
resposta. A ideia de Paolo viajando com eles para a propriedade no
campo parecia muito empolgante.
CAPÍTULO TREZE

“Preciso falar com você.”

O que Tommaso aprontara agora, a ponto de mandar um bilhete


inesperado?
Paolo amassou o papel com toda a força que tinha. Da última
vez tinha sido por matar um homem, Paolo se lembrava bem. Mas
ele não seria tolo o bastante para repetir aquele erro, seria?
Paolo suspirou em frustração, contrariado. É claro que seria,
afinal, era em Tommaso que ele estava pensando.
Aqueles últimos três dias não foram tranquilos para Paolo. Lorde
Spencer precisara fazer uma quantidade significativa de coisas, e
Paolo teve que acompanhá-lo à cidade, ao alfaiate e ao livreiro. Isso
fora todo o serviço extra que surgira quando Phillip Spencer decidiu
viajar para Garold’s Park, a residência do Visconde e da
Viscondessa de Hereford, de última hora — uma viagem em que
Paolo teria que acompanhá-los.
Embora ele estivesse cansado, Paolo não necessariamente
estava reclamando de todo aquele trabalho acumulado. Ao menos
não lhe sobrara muito tempo para pensar em seus outros
problemas, na falta de provas contra Phillip e… nela.
Na mocinha que deveria ser sua vítima, mas que acabara
ocupando todos os seus sonhos eróticos. O gosto dela, o perfume,
os sonzinhos de prazer e a pele macia o perturbavam a ponto de
fazê-lo pensar que perderia a cabeça. Paolo passara um bom tempo
daquela noite dominado pela enxurrada de sentimentos, na euforia
estranha e inesperada que tomara conta de seu ser ao tê-la em
seus braços.
Ele era um conquistador, um homem que sabia pegar o que
queria para si e seguir em frente. Mas Iris… havia algo diferente
nela, um encanto, justamente a mulher por quem ele não deveria
sentir absolutamente nada. A mesma que, de uma forma cruel e
irônica, o fizera sentir tudo. E que agora ele estava se esforçando
para evitar, indo contra tudo que deveria, de fato, fazer.
Espantando Iris dos pensamentos, Paolo guardou o bilhete no
bolso do uniforme e caminhou até a sala de estar, onde pensou ter
visto um jornal mais cedo. Se algum crime grave tivesse sido
cometido na cidade, certamente estaria descrito nas manchetes.
Chegou até o cômodo e verificou se estava sozinho, longe dos olhos
de qualquer patrão ou funcionário. Avistou um exemplar do Mayfair
Post sobre o sofá, o montante de papel dobrado ao meio. Paolo o
agarrou e correu os olhos pela página do jornal, mas não havia nada
que lhe chamasse atenção. Isso lhe dava certo alívio, embora não
completamente. Não saber o que Tommaso aprontara poderia ser
pior do que saber.
— Sr. Vicenzo?
Paolo se virou para a voz suave que agora lhe causava um
arrepio indecoroso na pele.
— Srta. Spencer.
Iris Spencer estava ali, na porta da sala de visitas, suas
sobrancelhas escuras levemente franzidas em dúvida.
— Está tudo bem? Eu o vi entrar aqui, parecia um pouco
nervoso.
Ótimo, ela agora já conseguia identificar suas emoções. Aquilo
não era nada bom, nem mesmo um pouco.
— Estou bem, apenas… estava lendo o jornal. — Ele levantou o
exemplar, mostrando-o a ela.
Iris pareceu convencida sem grandes esforços.
— Está bem? Não o vi esta manhã.
— Sim, sim. James me deu outras tarefas, não pude servir-lhe.
Iris assentiu com um aceno curto de cabeça.
— Claro, eu entendo.  — Ela parou de falar, hesitante.
Paolo pigarreou, se aproximando.
— A senhorita está bem?  — Mas que diabos de conversação
era aquela? Paolo não sabia jogar conversa fora, como tentava
fazer naquele momento. E por que, por Deus, estava fazendo
aquilo?
Bem, ele tinha uma leve desconfiança. A verdade era que, desde
que Iris Spencer deixara seu quarto dias antes, Paolo não sabia
mais, exatamente, como agir perto dela. Podia jogar-lhe seu charme
e seus olhares atrevidos, mas, depois do beijo quente e dos toques
libidinosos, eles haviam ultrapassado uma linha perigosa.
Perigosa como Iris mesma dissera que gostava. E como ele
deveria gostar também, já que o objetivo de tudo aquilo era fazê-la
se interessar por ele.
— Eu estou bem, sim. Preparando-me para a viagem até a casa
de minha irmã.
— Certo, no campo.
Ela concordou.
— O senhor vai nos acompanhar, certo?  — Iris perguntou.
— Sim, James pediu que eu os seguisse. Parece que seus pais
ficarão aqui, então…
— Nos veremos com frequência.
Ele assentiu, bem devagar.
— Eu tenho certeza de que estarei bem ocupado, mas…
podemos dizer que sim.
Algo no rosto dela enrijeceu, e os olhos perderam um pouco do
brilho. Iris abriu a boca para falar algo, e então desistiu.
— Vou deixá-lo voltar para seus serviços — ela afirmou. Paolo
soltou o ar, não sabendo exatamente o que sentia.
Aquele tratamento distante parecia errado, incômodo. Contudo,
ele nem ao menos teve tempo de entender o que era, pois Iris voltou
a se virar e encarou-o com firmeza.
— Eu prefiro que me diga de uma vez.  — Ela encostou a porta
atrás de si.
Paolo piscou, rápido e confuso.
— Dizer? — Ele se aproximou.
— Sim, dizer. Se não quer mais conversar comigo, basta falar —
afirmou ela. — Se quer que finjamos que nada aconteceu, posso
fazer isso naturalmente, e não lhe incomodarei mais.
— E quem disse que me incomoda?  — ele rebateu, dando mais
um passo.
— Ora essa, o senhor anda me evitando desde aquela noite.
Não sou tola, Paolo.
Sim, se tinha uma coisa da qual Paolo tinha certeza era de que
ela não era uma tola.
Iris prosseguiu:
— Não precisa mentir para mim ou…
Paolo não a deixou terminar de falar, prensando-a contra a porta
e beijando-a com fervor. Iris levou um momento para ceder, mas por
fim seus dedos delicados envolveram o pescoço dele, as línguas
aproveitavam uma a outra em harmonia. O gosto dela era doce e
perfeito, o melhor que ele já provara, ainda mais do que em suas
lembranças.
— A senhorita é uma farsa — disse ele, descendo com os lábios
pelo rosto dela.
— Farsa? — Iris arfou.
— Sim. — Paolo subiu com a mão pela lateral do corpo, sentindo
o tecido fino sobre a pele quente. — Parece quietinha, mas sabe
falar demais e é muito brava.
Iris riu e afastou-se para encontrar seu olhar.
— Não sou brava.
— Bem, certamente está brava. Comigo.
— Você está estranho.
— Tive muito trabalho — Paolo explicou ao acariciar a bochecha
corada —, sou um lacaio, milady, caso tenha se esquecido.
Ela abriu o sorriso ainda mais.
— Eu sei que é. Sua peruca não me deixa esquecer.
Paolo fez uma careta. Ao lado dela, ele nem ao menos se
lembrava daquele detalhe horroroso. Observou enquanto ela levou a
mão ao cabelo empoado e puxou a peruca devagar, seus olhos
concentrados nele.
— Assim, bem melhor — ela sussurrou, mordendo o lábio
inferior. — Gosto tanto do seu cabelo. Acho uma pena ser obrigado
a cobri-lo.
— Eu odeio essa coisa — Paolo resmungou e pegou a peruca
da mão dela. — Me sinto um imbecil.
— Um lindo imbecil, não se engane. — Iris voltou a beijá-lo
docemente.
Paolo sentiu um movimento estranho na região esquerda do
peito, uma inquietação diferente. Talvez fosse por isso que não
tivesse se esforçado tanto em estar a sós com ela nos últimos dias.
Iris lhe despertava… coisas. Coisas que ele não achava serem boas
de sentir, considerando os motivos que o levavam a estar ali.
— Desculpe-me por esses dias, mas seus pais me mantiveram
ocupado.
— Sim, eu sei. — Ela suspirou. — Ainda mais com essa viagem
inesperada, mamãe ficou decepcionada em faltarmos a mais bailes.
— E quanto a você, ficou? Vai lamentar perder uma dança com
seu lorde almofadinha?
Iris revirou os olhos.
— Você sabe que não.
— Sei?
Ela assentiu.
— Não é como se eu conseguisse esconder algo do senhor, caro
mio 1.
Ah, ela não deveria ter dito aquilo. Ouvi-la falar em seu dialeto
quase fazia com que Paolo esquecesse toda e qualquer prudência
que tinha e a tomasse para si naquele instante.
— Já eu, não posso dizer o mesmo — Iris continuou. — Sinto
que me esconde algo.
Uma pontada de culpa queimou dentro dele. Como Iris poderia
ter aquela percepção?
— O que eu poderia esconder?
— Não sei. Talvez… — Iris pensou. — Acha que se envolver
comigo possa te prejudicar? Eu mesma estive pensando nisso.
— Iris, não acho que…
— Só quero que saiba que esta não é minha intenção. — Ela fez
um carinho em seu maxilar. — Eu jamais faria nada que o
prejudicasse, Paolo. Nunca.
Paolo engoliu em seco, a pontada de culpa agora dominando-o
por inteiro, um tsunami poderoso e devastador. Ele era mesmo um
canalha, um da pior espécie. Um que não merecia aquelas palavras
maravilhosas vindas de Iris Spencer.
E um que acabara de se dar conta de que, assim como ela,
também não conseguiria prejudicá-la. Era por isso que estava
fugindo dela, não era? Porque, ao beijá-la, Paolo soube que jamais
poderia seguir adiante e utilizá-la como um mero objeto em sua
vingança.
Porque Iris passara a significar algo a mais para ele. Algo que
ele não previra, tampouco conseguira evitar.
— Você está entendendo tudo errado, Iris. — Paolo fez um
carinho no cabelo dela. — Na verdade, penso que é a senhorita que
deveria ficar longe de mim.
— Eu sei que sim, mas não consigo.
Ele entendia. Tampouco conseguia manter as mãos longe dela.
— A não ser que você prefira que paremos isto — afirmou Iris. —
Se se arrependeu desse nosso… jogo, podemos parar. Eu vou
entender, apenas não quero que minta para mim.
Paolo passou a mão no cabelo e cerrou o maxilar. Se sentia-se
assim, tão culpado, talvez aquele fosse o momento perfeito para
dizer a ela que ficasse longe. Não era como se estivesse deixando a
causa de Giuliana de lado, se pensasse bem.
Usar Iris Spencer fora ideia de Tommaso, não dele. Talvez, o
irmão nem precisasse ficar sabendo que ele não seguiria em frente
com aquela parte do plano. Sem contar que, longe dos encantos de
Iris, Paolo poderia dedicar-se com mais afinco à ruína de Phillip
Spencer. Tudo seria mais fácil, e ela não precisaria se machucar.
Contudo… como deixá-la ir, agora que já sabia como era tê-la em
seus braços?
Que inferno. Por que Paolo precisou aceitar aquela loucura, no
começo de tudo? Ele não era um herói que abria mão do que queria
por um bem maior. Ele era um vilão ali. Um anti-herói, no mínimo,
egoísta e excitado. Se fosse um homem bom, encerraria aquela
farsa ali mesmo. Contudo, era mesmo uma farsa? Porque, pelo que
acabava de compreender, a única pessoa enganada naquela
história era ele mesmo.
— Paolo? — Iris voltou a chamá-lo. — Pode ser sincero comigo.
Você se arrepende?
Paolo suspirou, negando.
— Me arrependo de muitas coisas, bella, mas não de você. —
Não diretamente, pelo menos. Apenas de considerar utilizá-la e
arruiná-la. — Eu apenas… não estava nos meus planos encontrá-la.
Iris sorriu, os óculos quase na ponta do nariz.
— Acho que somos dois.
Paolo empurrou os aros dourados ao lugar adequado e beijou a
ponta do nariz dela.
— Deveríamos ir, ou vão estranhar.
Iris assentiu, pegando a peruca das mãos dele e voltando a
colocá-la em sua cabeça.
— Pronto. — Ela inclinou o pescoço para o lado, arrumando o
montante de cabelo branco mais uma vez. — Bem, confira no
espelho, não confio muito em minhas habilidades.
Paolo riu e concordou, ainda com o corpo colado nela.
— Provavelmente, estarei ocupado até a viagem — disse ele.
— Sim, eu sei. Mas assim que chegarmos em Garold’s Park,
talvez possamos dar um jeito de ficarmos sozinhos — Iris sugeriu.
— Vou gostar muito disso.
Ela assentiu, satisfeita, e o beijou mais uma vez, um beijo rápido
e rotineiro. 
— Eu vou agora. Nos vemos depois, Sr. Vicenzo.
Paolo deu espaço para ela passar, mas permaneceu no cômodo,
sozinho e reflexivo.
Acabara de perder a oportunidade perfeita para tirar Iris de seu
caminho, para afastá-la de qualquer mal que aquele plano de
vingança pudesse lhe fazer. Mas ele não queria afastá-la, Paolo se
dava conta. Assim como tinha a certeza de que não conseguiria
arruiná-la, em hipótese alguma, nem por Giuliana nem por ninguém.
O feitiço que tentara lançar nela o pegara em cheio, inesperada e
completamente. E o que ele faria agora… Paolo não fazia a mínima
ideia.
Que os céus o ajudassem.

1 Tradução do italiano: meu querido.


C A P Í T U L O C AT O R Z E

—U m uísque.
Sob o burburinho de vozes graves, Paolo acomodou-
se no banco junto ao balcão de bebidas do Fightplace, um lugar
muito famoso na cidade pelas lutas de boxe e entretenimento
masculino de qualidade. Era uma opção para aqueles que não eram
membros dos clubes exclusivos, a um preço acessível e com boas
bebidas à disposição.
Assim que terminou seu serviço, os inúmeros afazeres na
preparação para a partida para o campo com a família Spencer,
Paolo foi até Covent Garden com a intenção de encontrar Tommaso
e verificar finalmente do que o bilhete se tratava.
Não o encontrou ali, o que fez com que sua preocupação
aumentasse de forma significativa. Onde demônios estaria seu
irmão? Pensou em ir procurá-lo, em verificar se Tommaso havia sido
pego pelas autoridades, mas desistiu. Paolo não tinha energia nem
disposição para se envolver em qualquer que fosse a confusão na
qual Tommaso se enfiara — e ele já havia dito isso a ele mais de
uma vez.
Decidiu então aproveitar que estava fora e parar para beber em
algum lugar. No caminho de volta, passou em frente ao ringue de
boxe e pensou que finalmente seria bom conhecer o local tão bem
falado entre os homens da cidade. Olhando em volta, ele conseguia
entender por que a fama do lugar era boa.
Tudo ali parecia ter sido planejado com esmero. Era escuro e um
tanto mal cheiroso, mas mais limpo do que qualquer outro que já
tivesse visitado. Paolo poderia apostar que havia alguém grande por
trás do negócio, algum investidor visionário. Sacos de areia se
espalhavam pelo ambiente, pendurados no teto com ganchos de
ferro. O ringue no centro do espaço era suspenso, dois metros
acima do chão, cercado por duas cordas grossas. Um recurso muito
interessante para deixar a luta em evidência.
Paolo observou alguns rapazes apostando perto dele, dividindo
opiniões nos lutadores que em breve começariam a se socar para a
plateia. Lembrou-se na mesma hora de Tommaso, e desejou que o
irmão não tomasse conhecimento daquele lugar, ou o pouco
dinheiro que tinham estaria ainda mais em risco.
Aceitando o copo de bebida que o atendente lhe ofereceu, Paolo
deu um gole longo. Sentiu o cansaço do dia lhe abater, se misturar à
perturbação que agora habitava em seu interior, um tornado de
sentimentos e dúvidas.
Dias antes, jamais duvidaria de que aquilo que estava fazendo
era o certo a se fazer. A mera imagem de Giuliana era o suficiente
para mantê-lo dentro de seu propósito. Agora, depois de tudo que
acontecera com Iris e a falta de provas contra Phillip… Paolo já não
tinha certeza de nada.
— Gosta do que vê? — Uma voz grossa parou ao lado dele.
Paolo encarou o ruivo com expressão zombeteira. O homem lhe
parecia familiar, embora ele não conseguisse se lembrar.
— É um lugar interessante — Paolo comentou, dando mais um
gole na bebida.
— Se interessa em lutar? — O sujeito correu os olhos por Paolo,
sem qualquer discrição. — O senhor é um homem grande, pode
conseguir umas boas lutas.
Paolo riu e colocou o copo sobre o balcão.
— Eu não luto. Não quando tenho opção, pelo menos.
— Os sujeitos que encaram o ringue conseguem uma quantia
significativa — o sujeito argumentou. — O dono do lugar está
sempre de olho em possíveis estrelas.
— O senhor é dono? — Paolo rebateu, mas o ruivo negou.
— Não, não sou. Apenas um… — ele pensou na palavra correta
— um colaborador, se assim quiser me chamar.
Paolo duvidava que aquilo fosse verdade. O homem em sua
frente era definitivamente de origem nobre. Somente as botas
lustradas, o tecido de suas roupas e o sotaque esnobe o
denunciavam. Mas Paolo entendia a mentira, pois não seria de bom
tom um cavalheiro estar envolvido naquele tipo de negócio.
— Agradeço a oferta, mas passo — Paolo falou.
O rapaz assentiu, virando-se para trás assim que foi chamado.
— Spencer! Ele chegou.
Spencer? Paolo se sobressaltou na mesma hora.
— Com licença — o estranho pediu e se retirou para os fundos
do lugar.
Paolo disfarçou, mas o seguiu pelo mesmo caminho. Aquele era
um familiar dos Spencers? Seria, talvez, o primo, irmão mais novo
do duque? Ele já tinha ouvido falar dele, como se chamava? Jack,
se não estivesse enganado.
O sujeito se esgueirou pelos fundos e entrou numa saleta
particular. Paolo olhou em volta, verificando se não estava sendo
observado, e se aproximou da porta entreaberta.
— Ei, Jack — disse uma outra voz. — Tomei a liberdade de me
servir um uísque.
Paolo conhecia aquela voz. Era a de Phillip Spencer.
— Até que enfim, achei que não viria hoje.
— Quase não vim, vou amanhã para a casa de Poppy. Passarei
o resto da semana em Garold’s Park.
— Ah, ótimo. Pedirei que leve a Noble alguns relatórios dos
rendimentos. — Paolo ouviu um barulho de gavetas se abrindo.
Ele não estava entendendo aquilo. Jack Spencer era o dono do
ringue? Isso justificaria os últimos minutos e o fato de Phillip estar
ali, naquela área privada. Era uma surpresa, Paolo tinha que admitir.
Jamais imaginou que os Spencers se envolveriam em um negócio
do tipo.
— Veja, esses números indicam o que foi investido no mês
passado… — Jack começou a explicar.
Paolo deu mais um passo. Aproximou-se um pouco mais, tentou
ouvir os murmúrios que agora estavam mais baixos. Perguntou-se
se Phillip estaria envolvido no negócio. Não duvidava que estivesse,
embora Paolo achasse aquela possibilidade algo muito fraco para
arruiná-lo. Sabia que os nobres costumavam investir seu dinheiro
em ramos diversos. Um ringue de boxe era ousado, porém não sujo
o bastante. O próprio Rei era um entusiasta do esporte.
A multidão no salão principal começou a gritar, chamando a
atenção de Paolo. Alguns homens começaram a caminhar em sua
direção, e ele achou melhor se afastar dali, para não levantar
suspeitas de que estava espionando. Contrariado, ele caminhou de
volta ao bar e parou para observar o que acontecia. Havia dois
homens no centro do ringue, já lutando, ambos sem camisa embora
um deles utilizasse um capuz escuro. Socos e golpes eram
deferidos, os homens que assistiam ao combate gritavam,
praguejavam e batiam palmas.
Aquilo até que era divertido, pensou Paolo. Ele aproximou-se
mais um pouco e cruzou os braços na altura do peito. Quase
conseguiu se distrair completamente, não fosse reparar de repente
na tatuagem na altura das costelas de um dos lutadores. Um tigre
em posição de ataque. Uma tatuagem que ele conhecia muito bem.
Que inferno! Paolo descruzou os braços e cerrou os punhos ao
lado do corpo.
Aquele lá em cima, golpeando e sendo golpeado, era o idiota de
seu irmão.

— Cuidado, caspita!
Horas depois, Paolo deixou Tommaso caído no chão do galpão e
se afastou. Estava possesso, completamente dominado pela raiva.
Tommaso era mesmo um estúpido por se colocar em risco, Paolo já
estava cansado de ser o único preocupado daquela relação.
Assim que a luta acabou, ele deixou o ringue e esperou o mais
velho sair, para não gerar nenhuma suspeita. Só não esperava que
Tommaso estivesse um tanto embriagado, além de machucado, e
que fosse precisar basicamente carregá-lo de volta para Covent
Garden, a ponto de precisarem pedir um coche alugado.
— Eu juro por Deus que se não estivesse todo quebrado, eu
mesmo te faria sangrar — Paolo murmurou. — Uma luta pública?
Por que demônios tinha que se arriscar assim?
— Consigo um dinheiro extra — Tommaso tirou o capuz e
soluçou, gemendo em seguida. — Ai, acho que quebrei uma
costela.
— E quanto ao dinheiro que lhe trouxe? O que fez com ele?
Tommaso apenas gemeu mais uma vez e deixou a cabeça
tombar para o lado.
— Acabou… — ele reclamou. — Era pouco.
Pouco… claro, como se Paolo acreditasse naquela desculpa.
— Inacreditável…
— Estou conseguindo meu próprio dinheiro. — Tommaso tirou
algumas moedas do bolso. — Lutando. E estou disfarçado, ninguém
vai me reconhecer.
— E se seu rival tivesse tirado seu capuz e fosse reconhecido?
Ainda estão à procura do assassino de Jones.
— Isso seria contra as regras. Sem contar que nem tenho
certeza de que me reconheceriam pela morte do almofadinha —
Tommaso respondeu.
Paolo passou a mão no cabelo, frustrado.
— Regras… claro, como se você pudesse exigir algo assim.
— Pare de reclamar, Paolo. Estou aqui e bem — ele gemeu,
tossindo. — Preciso descansar.
Paolo imaginava que sim, considerando o quanto Tommaso
havia apanhado e bebido.
— Por que queria falar comigo? — Paolo questionou. — Recebi
seu bilhete.
O mais velho deu de ombros e fechou os olhos.
— Para contar que lutaria. Esperava que aparecesse mais cedo.
— Tive muito trabalho, Tommaso. Ultimamente é tudo o que
faço, trabalhar.
Não exatamente tudo. Paolo também passara parte significativa
do seu tempo flertando com Iris. Com um suspiro, ele sentou-se
com as costas apoiadas na madeira gasta, dobrando um dos
joelhos.
— Precisamos conversar sobre os planos, Tommaso. Estou
preocupado.
— O que foi? — A voz de Tommaso saiu baixa. — O que
Spencer fez agora?
Nada, e esse era exatamente o problema.
— Estou sem opções, irmão. Não consigo achar nada
comprometedor contra Spencer. O homem parece ser um santo.
— Hum — Tommaso murmurou ao seu lado.
— Vou partir com a família amanhã para o campo e retorno no
fim da semana. Duvido muito que consiga algo ali, especialmente
porque o valete vai junto. Michael parece meio desconfiado quando
estou presente. Não creio que pense que sou um impostor, mas no
mínimo atrevido. Já levei umas broncas.
— Uhum.
— Realmente não consigo pensar em mais nada que possa nos
ajudar — concluiu ele.
— Eu não me preocuparia tanto… ainda temos a garota. Arruiná-
la será um belo golpe.
Paolo passou a mão no cabelo, a lembrança de Iris e de toda a
sua sinceridade lhe abatendo. Abriu a boca para responder, mas um
barulho do lado de fora o fez sobressaltar. Tommaso estava mais
adormecido do que acordado, não pareceu preocupado.
— O que foi isso? — Paolo sussurrou, levantando-se. — Fique
em silêncio.
Ele foi até a porta e tentou ouvir de onde o ruído vinha. Espiou
pelo vão da porta do balcão e respirou aliviado ao ver um bando de
meninos correndo na rua, segurando pedaços de pau. Paolo voltou
a se virar e caminhou para onde estava Tommaso.
Não queria tocar no assunto de Iris Spencer. Embora Paolo já
tivesse se decidido a não seduzi-la, não poderia mencionar sua
decisão a Tommaso, pois sabia que o irmão não aceitaria seus
argumentos. Mesmo porque, que argumentos ele tinha? Sua afeição
para com Iris? A culpa que começara a tomar seu peito ao perceber
que jamais conseguiria machucá-la? Nem mesmo o próprio Paolo
entendia direito o que estava sentindo.
Era melhor guardar aquele detalhe consigo.
Virando-se para o italiano caído, Paolo encontrou Tommaso
adormecido, o corpo já cheio de hematomas mais visíveis.
— Tommaso? — ele chamou, cutucando-o. — Ei!
Tommaso apenas soltou um resmungo baixo, mas não
respondeu.
Que maravilha, Paolo pensou. Ele suspirou e levantou-se,
batendo as mãos nas calças espantando a poeira. Olhou a figura do
irmão e balançou a cabeça em negativo, antes de sair pelas portas
altas em direção à Garden’s House. Precisava dormir.
Aquele fora um dia e tanto.
CAPÍTULO QUINZE

O sol já estava baixo no céu quando a Viscondessa de Hereford,


Poppy Noble, saiu pelas portas de Garold’s Park, com um
sorriso estampando seu rosto, pronta para receber seus três irmãos.
Ela estava corada e radiante, a pele viçosa e os cabelos
brilhantes. A barriga redonda já conseguia ser notada à distância,
sobressaindo no tecido azul do vestido de dia. Mas, acima de tudo,
o que se via ao olhar para Poppy só podia ser definido como uma
coisa: felicidade.
— Vocês chegaram! — exclamou ela, com a filha de dois anos
no colo. — E vieram em turma!
Dorothy estendeu os bracinhos rechonchudos, pedindo um
abraço de Jasmine.
— Olá, querida! — Jasmine aceitou-a em seu colo, mas apenas
por um instante. Assim que botou os olhos em Phillip, Dorothy voltou
a estender os braços, dessa vez para o tio.
— Veja só quem tem bom gosto — Phillip provocou Jasmine,
que revirou os olhos. — E como a senhorita está enorme! — Ele
acomodou Dorothy no colo. — Estava com saudades do titio?
— Estava morrendo de saudades do tio viajante — Poppy falou,
olhando para a filha. — Não é, querida?
A pequena balançou a cabeça para cima e para baixo. Phillip riu
e deu um beijo suave em sua bochecha.
— E eu também estava. — Poppy tocou no braço dele. — Fiquei
muito contente quando Jasper me disse que viria para atirarem.
— Ele veio por orgulho. — Iris levantou uma sobrancelha para a
irmã.
— Orgulho? — Poppy não entendeu a afirmação.
— Sim, porque sabíamos que a senhora tentaria conversar
comigo — Phillip disse —, assim como essas duas insistem em
dizer que há algo errado.
— Há algo errado — Jasmine complementou —, e como sei que
você anda muito persuasiva, Poppy, vim para ver se consegue
dobrar esse rapaz.
— Ora essa, não fiz o convite com segundas intenções. — Ela
alisou a barriga redonda. — Contudo, se sentir vontade de
conversar…
— E é por isso que ficarei a maior parte do tempo com meu
amigo Jasper. — Phillip suspirou, e colocou Dorothy no chão assim
que o cachorro, Ozzy, surgiu farejando suas pernas. — Aqui,
pequena, vá com seu cãozinho. Lady Georgia bem disse que eu
seria trocado por ele com facilidade.
Os quatro gargalharam ao entrarem pelas portas da mansão. Iris
sorriu acomodando-se na sala de visitas. Apesar do toque refinado,
das cortinas de tecido fino e dos estofados impecavelmente limpos
mesmo com o tecido claro e perolado, o ar exalava o cheiro doce de
sempre, assim como havia alguns brinquedos espalhados sobre o
tapete em frente à lareira. Era reconfortante visitar Poppy, porque a
casa dela realmente era um lar, quente e confortável, um abraço
acolhedor. Iris ficava com o coração preenchido ao pensar na família
linda que a irmã e seu cunhado estavam construindo. E pensar que
eles decidiram se casar por mera conveniência, mas deram a sorte
de se apaixonarem profundamente um pelo outro. Tudo que Iris
conseguia enxergar ao olhar para os Noble era um futuro repleto de
amor e felicidade, o que a deixava igualmente feliz.
— E onde está o visconde? — Phillip se acomodou numa
poltrona e cruzou uma perna sobre a outra.
— Está descendo. Estava apenas terminando uma reunião com
o fornecedor. Ao que parece, receberemos uma carga extra
amanhã, mas nada que atrapalhe os planos de vocês. — Poppy
sentou-se ao lado de Iris e Jasmine.
— Sempre ocupado, seu marido — Jasmine comentou,
inclinando a cabeça para o lado, os olhos brilhando ao observar a
sobrinha brincar perto deles.
— Ele está adiantando tudo para tirar uns meses logo depois
que o bebê nascer. Jasper é um marido e pai dedicado, fiquem
sabendo.
— E será que agora teremos o herdeiro que ele tanto precisava?
— Phillip perguntou, sarcasticamente.
— Se não tivermos, vamos continuar tentando. — A voz grossa
do dono da casa soou na porta do cômodo. — Vejam só, temos a
casa cheia.
Com sua postura impecável e sorriso gentil, Jasper passou a
mão no cabelo escuro e cumprimentou os três Spencers no
cômodo, sua aparência relaxada apesar de parecer um pouco
cansado.
— Como foi a viagem? — Ele ocupou um dos lugares vazios.
— Bem, muito tranquilo — Iris respondeu.
— Seus pais não vieram?
— Mamãe deve vir em alguns dias, querido — Poppy o lembrou.
— Ah, sim. Imaginei que viessem hoje, até mandei prepararem
uma espingarda para ele. Os alvos também já estão ajeitados. O
tempo vai ser bom amanhã.
— Meu pai ficaria cansado de qualquer forma, Noble. — Phillip
fez um carinho na cabeça do cachorro, que pulou em suas pernas.
— Como está papai? — Poppy quis saber.
— Bem, mas não pode abusar — Jasmine respondeu.
— E ele nunca gostou muito de atirar, de qualquer forma. O que
me faz pensar, há quantos anos não praticamos tiro ao alvo? —
Phillip perguntou.
Jasper negou com uma expressão divertida.
— Não faço ideia. Todos.
— Se não se incomodarem, eu posso usar a espingarda extra.
— Jasmine sorriu para os dois. — Por que desperdiçar?
— Uh, vai ser divertido. — Poppy bateu uma palminha. —
Poderíamos fazer uma competição, de quem acerta mais vezes.
— Poderíamos? — Jasper se sobressaltou. — Meu amor, você
não está pensando em…
— Por Deus, Noble. Seja menos dramático — Phillip reclamou.
— Estaremos com armas, Spencer — ele olhou para Phillip com
reprovação —, e minha esposa está grávida. Tenho medo que se
esforce.
— Jasper está certo, Poppy. — Iris se juntou ao cunhado. — Até
eu fico nervosa. Queremos que se mantenha segura.
Poppy suspirou e assentiu, com um sorriso amoroso.
— Desculpe, por um mísero segundo me esqueci disso. Vocês
têm toda a razão. Ficarei em casa, segura. Ando um pouco cansada
— ela explicou aos irmãos. — Estou pesadinha.
— Obrigado. — Os olhos de Jasper encontraram os de Poppy,
com amor. — Prometo que, assim que o bebê nascer, marcaremos
uma competição especialmente para você.
— Hum, eu gosto muito da ideia. — Poppy piscou para o marido.
Os convidados de Garold’s Park reviraram os olhos de forma
divertida. Cristo, quanta doçura! Mas era sempre assim quando
estavam perto de Poppy e Jasper. O casalzinho apaixonado era
capaz de fazer até os mais descrentes acreditarem em encontrar
seu feliz.
Até mesmo Iris.

Paolo descartou a bituca de cigarro no piso de concreto e a


apagou com o pé, voltando a entrar na cozinha dos Noble.
Desde que chegaram naquela propriedade grandiosa, ele
passara as horas ajudando Michael, o valete, a descarregar as
bagagens da família até finalmente ser liberado para comer e tirar
um tempo para si.
Contudo, apenas uma coisa ocupava sua mente: conseguir um
tempo sozinho com Iris Spencer. Passara a viagem trocando olhares
com ela, ajudando-a a descer e subir no coche, mas precisava de
mais. Precisava tocá-la e conversar com ela, ter um momento longe
de todos aqueles disfarces infernais.
Céus, o que estava fazendo? Aquele envolvimento poderia ter
consequências muito perigosas se ele não tomasse cuidado. Não
somente para ele, mas para ela também. Além de não ter mais a
intenção de utilizá-la, Paolo não desejava que Iris se machucasse
quando ele finalizasse seus planos.
Mas, seria isso possível? Agora que parava para pensar, parecia
ser inevitável que ela fosse atingida de alguma forma. A ruína de
Phillip poderia muito bem significar a dela também. Nossa, Paolo
não havia considerado isso antes. Arruinar Spencer definitivamente
teria seus efeitos sobre o resto da família, incluindo Iris.
Ele passou a mão nos olhos, seu interior dominado por angústia.
Por que demônios estava preocupado com isso? O que raios
significava aquela ternura desconhecida que nascera em seu peito?
Que tipo de efeito Iris tinha sobre ele? Sim, Paolo se importava com
ela, queria tratá-la bem, mas era só isso.
Certo?
Para um sujeito que estava muito certo do que queria quando
chegou a Londres, ele conseguira se perder com uma extrema
facilidade. Não fazia a mínima ideia de como prosseguir com aquele
plano, não somente porque não encontrava nada contra Phillip, mas
também porque… bem, Paolo já não sabia mais se queria fazê-lo.
A memória de Giuliana sorrindo cruzou sua mente, fazendo-o se
sentir culpado. Ele respirou fundo, lembrando-se de Tommaso, de
tudo o que passaram para chegar ali. Não, Paolo não podia jogar
tudo pela janela apenas por uma dificuldade. Se ao menos alguma
informação de Matteo chegasse em suas mãos, se ao menos algo
lhe ajudasse…Que confusão sem tamanho.
Seus pensamentos foram interrompidos pelo barulho de passos.
Paolo se aproximou da porta e percebeu as três irmãs Spencers
passarem, Iris atrás de todas elas. Por mais confuso que estivesse
em relação a tudo que estava acontecendo, uma certeza ele tinha: o
desejo ardente que sentia por Iris Spencer. Mesmo sem saber como
seria o depois, Paolo precisava ter mais um pouco dela. Só mais um
pouco.
Como quem não queria nada, ele passou por elas em silêncio,
com apenas um aceno polido de cabeça. Iris, como sempre,
encontrou seu olhar.
— Quero falar com você — ele conseguiu sussurrar sem que
ninguém percebesse.
Iris franziu as sobrancelhas de leve e Paolo fez um gesto
discreto, apontando para um dos cômodos vazios. Ela concordou, e
ele seguiu seu caminho e entrou pela porta que havia indicado.
Paolo tirou a peruca e passou a mão nos cabelos, ajeitando-os.
Não demorou muito para que Iris aparecesse, seu olhar cintilando
entusiasmo. Ela encostou a porta e se aproximou.
— Olá — disse ela, com um sorriso adorável.
Paolo espelhou o gesto e ajeitou os óculos dela no lugar correto.
— Olá, bella.
— Queria falar comigo, Sr. Vicenzo?
Paolo fez uma careta. Nos últimos dias, ele passara a se
incomodar com ela o chamando pelo nome falso. Parecia muita
hipocrisia da parte dele, mas Paolo gostava de ouvir seu nome sair
da boca de Iris, letra por letra, cada uma delas verdadeiramente
pertencente a ele.
— Chame-me de Paolo.
— Paolo — ela concordou, sem demora. — Como quiser.
Ele assentiu, umedeceu os lábios e puxou-a para um beijo. Iris o
deixou explorar sua boca com um sonzinho doce. As mãos
masculinas subiram pela lateral do corpo esguio, tateando com
vontade e firmeza a maciez morna. Paolo já conhecia aquelas
curvas, mas parecia ficar mais encantado a cada vez que tocava
nela.
Ansiava pelo toque, em realidade. Como se Iris tivesse algum
poder sobre ele, como se o chamasse mesmo estando longe.
— Senti sua falta… — ele murmurou, sem tirar as mãos dela.
— Eu também. Estava entretida com minha família, eles são
tagarelas.
— Sim, eu sei.
— Te deram muito trabalho?
Paolo franziu o nariz.
— Estou livre até amanhã, quando seu irmão e cunhado forem
atirar.
— Ah, sim. Isso. — Iris esfregou o nariz no dele. — Eu
provavelmente ficarei a tarde toda sozinha. É uma pena que tenha
que acompanhá-los.
— Bem, não estarei trabalhando esta noite. Se quiser, podemos
pensar em algo. — Ele ergueu uma sobrancelha.
— Não estará cansado amanhã se sairmos?
Ele beliscou-a na altura das costelas, fazendo-a rir. Paolo
adorava aquele som.
— Achei que quisesse ficar comigo. Depois não pode reclamar
que estou estranho ou ficar brava.
Iris mordeu o lábio inferior, assentindo.
— O que tem em mente?
— Não sei. Onde acha que poderíamos ficar juntos em
segurança?
Iris pensou um pouco, antes de responder:
— Tem um lago ao norte da propriedade. Já fui até lá para ler, é
adorável. Há um campo de flores também.
— Adorável… — Paolo passou o nariz pela pele do pescoço
dela. — Parece promissor.
— Quer ir até lá? — Iris fechou os olhos e inclinou o pescoço,
dando-lhe mais acesso. — Posso fugir pelos fundos.
Paolo sorriu, admirado com a naturalidade com que Iris dizia
aquelas palavras.
— Sim, podemos.
— Teremos que pegar um dos cavalos, pois é um pouco longe —
explicou ela.
— Tudo bem, posso fazer isso. Sabe cavalgar?
Ela fez uma careta travessa.
— Saber é demais, mas nunca morri.
Paolo começou a rir.
— Ainda bem que não. Não se preocupe, eu sei cavalgar. — Ele
se inclinou para sussurrar no ouvido dela. — Protegerei você.
Ela corou e concordou, beijando-o de novo.
— Onde nos encontramos, então?
— No pátio dos fundos? Esperarei por você ali. — Paolo colocou
uma mecha de cabelo escuro atrás da orelha dela.
— Tudo bem. — Iris sorriu. — Mal posso esperar.
Paolo também não podia.
CAPÍTULO DEZESSEIS

H oras mais tarde, Iris colocou a cabeça para fora do quarto


e verificou se não havia ninguém por perto. Confirmou as
suspeitas de que todos já dormiam e alcançou a cesta que
preparara para sua escapada com Paolo. Na ponta dos pés, ela
caminhou até a saída da cozinha.
Estava feliz em ter sido procurada por ele, pela iniciativa de
Paolo em passar um tempo com ela. Não que aquele homem
carecesse de iniciativa, mas ao menos agora ela sabia que ele não
estava arrependido do que quer que aquele envolvimento deles
significasse.
Ao sair pela porta e sentir o ar noturno, Iris quase perdeu o
fôlego. O céu azul cobalto cheio de estrelas estava magnífico, mas
nada se comparava à visão de Paolo Vicenzo. Lá estava ele, o
italiano grande e viril, com as costas apoiadas na parede de tijolos e
os antebraços à mostra, os cabelos escuros bagunçados pela brisa.
Maravilhoso, Iris pensou. E, naquela noite, inteirinho dela.
— Boa noite. — Ela se aproximou, dizendo baixinho.
Paolo abriu um sorriso travesso e encarou a cesta que ela
carregava.
— O que é isto?
— Preparei algo para levarmos. Um cobertor caso esfrie, pão,
geleia e uma garrafa de vinho.
Ele ergueu as sobrancelhas, em surpresa.
— A senhorita veio mesmo preparada.
Paolo pegou a cesta para si e estendeu a mão para ela, que
aceitou o gesto. Ele entrelaçou seus dedos e a guiou pátio afora, até
um pangaré que os aguardava metros adiante.
— Conversei com o responsável pelos estábulos, ele jurou
discrição — Paolo comentou. — Mas preciso devolvê-lo antes do
amanhecer.
— Vamos passar a noite fora? — Iris perguntou, seu coração
levemente acelerado.
Paolo conferiu a sela do animal, e respondeu sem olhar para ela.
— Ficaremos o tempo que quiser. Nunca penso que é o
bastante, de qualquer forma.
Ela gostou imensamente do que ouviu, mas não teceu
comentários.
— Quer ajuda para montar? — Paolo questionou. Iris concordou
com um gesto de cabeça. Era melhor receber algum auxílio,
atrapalhada como era. Um tombo não planejado poderia colocar
aquela noite a perder e ela certamente não desejava isso. Paolo
deixou a cesta no chão. — Muito bem, deixe-me ajudá-la.
Ele segurou em sua cintura com firmeza e deu um impulso para
cima, ajudando-a a montar. Iris agarrou a sela, erguendo o vestido
para conseguir passar uma perna para o outro lado, como faziam os
homens.
Paolo sorriu com o canto da boca e correu o olhar pela perna
exposta. O simples gesto foi capaz de causar um reboliço em Iris,
cada poro de seu corpo em alerta.
— Paolo! — ela reclamou. — Fico sem graça.
Ele riu baixo, entregou a cesta a ela, que passou a alça em seu
antebraço. Paolo apoiou o pé na sela, subindo e sentando-se atrás
dela. Iris conseguia sentir a firmeza das coxas enormes e o calor do
corpo dele.
— Não consigo resistir olhar para você — ele sussurrou no
ouvido dela. — Você é viciante. E deliciosa.
Iris virou o rosto apenas um pouco, mas o bastante para ele
beijar sua bochecha. Paolo pegou as rédeas e deu o comando para
que o animal seguisse.
Eles cavalgaram em silêncio. Iris deixou sua cabeça tombar no
peito dele, e inspirou a fragrância amadeirada, uma mistura sensual
de tabaco, couro e sândalo. Vez ou outra Paolo roçava os lábios no
topo de sua cabeça, apoiava a bochecha ali, numa carícia. O
encaixe de seus corpos era perfeito. Parecia que tinham sido
moldados um para o outro, embora Iris achasse que aquele
pensamento era romântico demais para seu gosto. Iris precisava se
lembrar de que não havia promessa alguma entre os dois.
— É ali? — Paolo apontou para além de um campo de flores, à
frente.
— Sim. Quer caminhar até lá? Eu sempre me divirto andando
entre as flores — Iris sugeriu.
— Vamos, deixarei o cavalo pastando aqui mesmo.
Ele parou o animal e desceu, ajudando Iris a fazer o mesmo.
Paolo fez um carinho no focinho do cavalo e o deixou amarrado
numa árvore, voltando a estender a mão para Iris antes de
começarem a caminhar em direção ao lago.
— Então me conte, que tipo de vinho tomaremos hoje? — ele
perguntou.
— Não sei ao certo, mas acho que é bom. — Iris arrumou os
óculos, tentando não pisar em mais flores do que o necessário. —
Jasper costuma ter um bom gosto para bebidas.
— Eu gostaria que provasse o vinho que eu faço. É bem
saboroso.
— Como aprendeu a fazer vinhos? — Ela olhou para ele.
Paolo abriu um sorriso leve.
— Bem, minha vida foi um tanto… agitada — disse ele.
— Conte-me — pediu ela.
Ele umedeceu os lábios antes de começar.
— Como mencionei, nasci em Florença. Meu pai era
comerciante, lidava com tecidos. Um negócio antigo muito comum
na cidade devido ao rio Arno. Minha mãe morreu quando eu tinha
cinco anos e meu pai se casou de novo, com uma inglesa. Foi assim
que aprendi inglês, para eu e meus irmãos nos comunicarmos com
ela.
— Tem mais de um irmão?
Paolo assentiu.
— Éramos três. Eu, Tommaso e Giuliana. Meu pai nunca teve
filhos com Humberta. Ainda bem.
— Por quê?
— Bem, ele foi atacado num dia de azar, levou um tiro no meio
do peito. Ficamos sabendo dois dias depois, pensávamos que ele
estava atarefado com os negócios.
— Paolo, isso é horrível — Iris afirmou, sentindo-se chocada.
Ele suspirou tristemente.
— Nossos problemas estavam apenas começando, bella. Assim
que soube da morte de nosso pai, Humberta pegou todo o dinheiro
que sobrou e partiu. Ficamos os três à mercê da sorte.
— Quantos anos vocês tinham?
— Eu tinha doze, Tommaso treze e Giuliana dez.
Que horror! Iris achava difícil acreditar que existiria gente tão
ruim no mundo, a ponto de abandonar três crianças sem hesitar.
— O que vocês fizeram? — perguntou ela.
Paolo ergueu os ombros suavemente, as lembranças parecendo
transparecer em seus olhos.
— Fizemos o que conseguimos. Passamos fome, tivemos que
roubar para comer, começamos a trabalhar cedo… meu irmão
aprendeu alguns truques imorais e ensinou a nós. — Paolo
encontrou o olhar dela. — Não são coisas boas, Iris. Nada que eu
tenha orgulho em mencionar.
Iris conseguia imaginar, mas não o julgava. Como o julgaria,
após tudo que lhe sucedera?
— Vocês não tiveram escolha — Iris comentou.
Paolo franziu o nariz, suspirando. Somente então Iris percebeu
que haviam chegado ao lago.
Ele correu os olhos pela imensidão azul escura, as águas calmas
com cheiro azul.
— É mesmo adorável… — Paolo comentou.
— Podemos sentar aqui? — Iris apontou para o chão.
— Claro, aqui está ótimo.
Ela sorriu e agarrou o cobertor dentro da cesta, estendendo-o no
chão. Ambos se sentaram um ao lado do outro, Iris arrumou as
comidas que trouxera no canto do tecido.
— Termine sua história, ainda não sei como se envolveu com o
vinho.
Paolo dobrou uma perna e apoiou as mãos atrás de si.
— Bem, digamos que meu estilo de vida era trabalhoso, de um
jeito ruim. Fugir e se esconder não estava em meus planos, então
consegui, quando tinha por volta de dezessete anos, um emprego
em Gaiola, uma vila em Chianti, perto de Florença. Comecei a lidar
com uvas ali e gostei. Meu irmão trabalhou na fazenda uns meses,
mas Tommaso… ele prefere outros meios de se manter. — Paolo
olhou para ela. — Seguimos caminhos separados.
Iris levantou o canto da boca, sentindo-se orgulhosa dele. Paolo
era um homem mais sofrido do que ela jamais imaginara, mas se
notava seu apetite por seguir uma vida honesta. Era um homem
bom, embora ela não acreditasse que ele concordasse com tal
afirmação.
— E sua irmã?
O brilho nos olhos dele diminuiu de forma significativa. Era
incrível como, mesmo após pouco tempo, Iris já conseguia lê-lo,
mais facilmente do que muitos de seus livros.
Ela gostava daquele detalhe. Fazia com que se sentisse próxima
a ele.
— Minha irmã tinha uma ambição por dinheiro, por viver em
outros padrões. Ela se mudou para Milão por uma época, e depois
para Roma. Eu mesmo sugeri que se casasse com alguém rico, se
era isso que queria.
— É o que se espera de uma mulher, não é? — Iris disse. —
Casar-se. Seja por interesse ou não, acredito que eu faria a mesma
sugestão.
Paolo assentiu, devagar.
— Ela conseguiu o casamento? — Iris quis saber.
— Não, bella. Giuliana morreu há alguns meses. Se envolveu
com as pessoas erradas e foi assassinada por dívidas.
O coração de Iris se partiu em dois.
— Paolo…
Ele nem tentou disfarçar sua expressão desolada.
— Fiquei sabendo depois. — Paolo ergueu os ombros
suavemente. — Não havia mais nada a ser feito.
Ela se aproximou dele e, sem permissão, lhe puxou para um
abraço. Paolo envolveu sua cintura e mergulhou o rosto na curva de
seu pescoço, inspirando devagar.
— Sinto muito. — Ela voltou a se afastar e olhar para ele. — De
verdade. Não imagino sua dor. Chego a pensar que enlouqueceria
se algo acontecesse a algum de meus irmãos.
Paolo engoliu em seco, seu maxilar enrijecido.
— É uma emoção um tanto intensa. Que não desperta o melhor
lado humano.
Iris fez um carinho em seu rosto, leve como o relance de um raio
de sol, um gesto consolador. Paolo fechou os olhos por um segundo
breve, aproveitando a carícia.
— Mas enfim — Paolo continuou, tentando sorrir, e pegou na
mão dela —, tenho meu pedaço de terra em Chianti e um dia, quem
sabe, produzirei meu próprio vinho.
Iris brincou com a ponta dos dedos na palma dele.
— É difícil? Produzir vinho?
— Não é difícil, mas requer dedicação. A garrafa em formato
certo, cuidar das plantações. Eu tenho uma convicção de que
qualidade é melhor do que quantidade. Não é exatamente o que
acontece ali.
— Como assim?
Paolo se esticou e alcançou a garrafa de vinho que Iris trouxera.
— Eu não conheço este vinho, mas é de Bordeaux. — Ele abriu
a garrafa e Iris pegou as duas taças sobre o cobertor. — Há algo
particular na produção de vinho naquela região, pelo que ouvi dizer.
Algo relacionado a Napoleão. Sei que eles produzem em grande
escala, mas não conheço exatamente a qualidade. — Paolo serviu o
vinho nos cristais. — Em Chianti, há recentemente uma
preocupação com quantidade. Por custos também, é claro. Planta-
se mais de uma coisa na mesma terra. Parece inofensivo, mas isso
afeta a qualidade da uva e, consequentemente, do vinho.
— E você pretende plantar apenas uma coisa?
— Pretendo fazer as coisas como devem ser feitas. — Ele
ergueu a taça para brindar com ela. Iris aceitou o gesto. — A você,
bella mia.
— A nós e nossa pequena aventura.
O tilintar dos cristais os envolveu, e eles beberam em silêncio.
Paolo fez uma expressão satisfeita ao engolir o líquido tinto.
— É bom, seu cunhado tem bom gosto.
— Sim, ele se casou com minha irmã, então sou suspeita. — Iris
brincou. — Mas, agora fiquei curiosa. Se tem seu pedaço de terra e
todas essas ideias, o que está fazendo na Inglaterra?
Ele tomou mais um longo gole e desviou o olhar.
— Eu tinha coisas a cuidar aqui — disse.
— Como…
— Como… — Paolo pensou — dinheiro. Precisava juntar mais
dinheiro.
— E veio tão longe?
Os olhos dele ainda estavam focados na água do lago.
— Ouvi falar que em Londres o salário era bom. Nunca tinha
viajado para tão longe, pareceu… certo.
— Você pensa em voltar logo para Chianti? — Iris levou a taça
aos lábios.
Paolo respirou fundo e assentiu.
— Assim que possível. Eu não pertenço a este lugar, Iris.
Ela ficou reflexiva ao beber o último gole. Sabia do que ele
estava falando, do sentimento, daquela dúvida de realmente se
sentir pertencente a algum lugar.
— Sabe, uma vez, na primeira temporada, eu fui a um baile em
que ninguém me tirou para dançar — Iris começou, deixando a taça
de lado. — Eu chorei, tola e jovem como era.
— Você é jovem — Paolo comentou.
— Tenho vinte e três.
Ele gargalhou e passou a mão no cabelo.
— Céus, muito jovem.
— Quantos anos você tem? — Ela franziu a testa.
— Trinta e dois.
Iris fez uma careta divertida.
— Certo, perto de você, um ancião, preciso admitir que sou
mesmo jovem.
Paolo se aproximou e cutucou-a na altura das costelas.
— Termine o que estava dizendo — falou ele. — Você chorou
e…
Ela ainda ria ao prosseguir:
— E Phillip passou pela minha porta e entrou em meu quarto
para ver se eu estava bem. — Ela sorriu com a lembrança, seu peito
aquecido. — Eu disse que talvez eu não pertencesse ao nosso
mundo. Que tinha nascido no lugar errado. Ele pegou na minha mão
e me disse algo bonito, que leu em um poema uma vez e que fez
muito sentido.
— O que ele disse?
— Ele disse que nem sempre pertencemos a um lugar. Que,
talvez, pertençamos a alguém. — Seus olhares se encontraram. —
Romântico, mas esperançoso.
Paolo inspirou fundo.
— Ele é um bom irmão para você…
— Ah, sim. O melhor. Phillip tem uma alma boa. Ele é calmo, não
pressiona ninguém. Se preocupa. É muito carinhoso. Uma pena que
ele tenha começado a fugir dos bailes depois de minha primeira
temporada, porque após essa noite ele sempre dançava comigo. Eu
sabia que não ficaria no canto do salão o tempo todo.
— Gosta das temporadas? — Paolo quis saber.
Iris deu de ombros.
— Gosto de parte delas, embora prefira ficar em casa. Eu ficava
nervosa antes, tremendo. Os cavalheiros percebiam, era
embaraçoso. Depois me acostumei. Este ano estava disposta a
realmente me esforçar, me mostrar mais aberta para talvez
conseguir um compromisso, finalmente.
— Estava?
Iris sorriu de lado.
— Estou, mas há um certo lacaio que tem me mantido distraída.
Paolo sorriu, concordando.
— Estou atrapalhando seus planos, então?
— Nada grave — Iris o tranquilizou. — Algumas danças com
Lorde Rutherford, no máximo.
— Esse sujeito… — murmurou Paolo.
Iris adorava aquela reação. Ele nem ao menos disfarçava.
— Por que escolhe passar seu tempo comigo, Iris? — ele
questionou. — Se tem esse objetivo, porque perde seu tempo
comigo?
Iris sentiu a intensidade do olhar atento a ela, em expectativa.
— Porque eu me sinto… feliz ao seu lado — confessou ela. —
Você não me julga, não preciso me esforçar em ser nada além de
mim mesma.
— Não há nada de errado com você.
— Há controvérsias, ou eu não estaria solteira aos vinte e três.
Ele deu um muxoxo.
— Ingleses idiotas…
Iris riu, diminuindo a distância entre eles.
— Viu? Como vou preferir um salão de baile a ouvir essas
coisas?
Paolo assentiu ao tomar o rosto dela entre as mãos. 
— Você faz algo complicado parecer muito simples. — Ele a
beijou docemente.
Ela não respondeu, mas não discordava. Sabia que a relação
deles era mesmo complicada. Como não seria, considerando as
circunstâncias? Ela era uma dama e ele, um lacaio. Um que
provavelmente não ficaria muito tempo em Londres. Contudo, Iris
não queria pensar naquelas diferenças, no que os separava. Queria
dar valor ao que os unia, aos momentos maravilhosos que
compartilhavam.
Queria que ele soubesse o quanto passara a significar para ela,
independentemente de complicações. Porque nunca ninguém
descomplicado a fizera se sentir daquela maneira.
Ao lado de Paolo, ela flutuava com muita facilidade.
Eles se afastaram e encararam a água calma, a cabeça de Iris
apoiada no ombro largo.
— A água parece estar boa — comentou ela, olhando para a
frente, e então para ele. — Está quente.
Paolo franziu as sobrancelhas, o bom-humor voltando ao seu
rosto.
— O que está sugerindo?
— Poderíamos dar um mergulho. — Ela mordeu o lábio inferior.
Paolo balançou a cabeça de um lado para o outro.
— Tenho certeza de que a água está gelada.
Iris se levantou num impulso, provocando-o.
— Vamos lá, você é um gatinho com medo de água fria?
Ele a seguiu, com os olhos estreitos.
— Tudo bem, vamos entrar. — Ele ficou de frente para ela. —
Quer ajuda para tirar seu vestido?
Iris engoliu em seco, sua pele desperta. Ela não havia pensado
naquele detalhe, mas não poderia mesmo entrar na água em seu
vestido.
— Quero — respondeu.
— Vire-se para mim — Paolo indicou.
Iris virou-se de costas e sentiu a presença atrás de si. Paolo foi
delicado ao puxar os laços do vestido, ao abrir os botões minúsculos
das casas. Iris arfou, o bolo de tecido formou-se em seus pés.
— O espartilho também? — ele sussurrou bem perto de seu
pescoço.
Iris assentiu, fechou os olhos e respirou fundo quando a peça se
juntou ao vestido e o ar inflou seus pulmões.
Ela voltou a se virar para Paolo, agora vestindo apenas a
chemise. Os olhos dele eram chamas poderosas, que percorreram
cada centímetro do corpo dela. Iris não precisou pedir para que ele
se despisse também. Paolo tirou as botas e levou as mãos à barra
da camisa, livrando-se dela.
Iris mal conseguia respirar ao fitar o tronco nu, os músculos
marcados dos ombros, do peito cheio de pelos escuros e da barriga
trincada. Ele era inteiro sólido e maravilhoso, um deus romano em
sua perfeita forma. Ela umedeceu os lábios em antecipação.
Com um sorriso convencido, Paolo se aproximou e,
delicadamente, tirou os óculos dela.
— Pronta? — perguntou ele.
Iris assentiu e o seguiu até a beira do lago.
Ao lado daquele Neptuno, ela estava pronta para qualquer coisa.
CAPÍTULO DEZESSETE

M inha nossa, a água estava mesmo congelante, Iris deveria


tê-lo escutado.
— Céus… — ela reclamou, abraçando o próprio corpo, a água
na altura de sua cintura. — Você estava certo, mergulhar não foi a
melhor das ideias.
Ele sorriu, os dentes brancos e alinhados brilhando para ela.
— Ah, mas agora a senhorita fica aqui comigo. — Paolo a puxou
pela cintura e riu. — Não vai me abandonar assim tão fácil.
Iris gargalhou quando ele passou suas pernas ao redor da
própria cintura, bem presa a ele.
— Está me fazendo de refém — protestou ela.
— Sim, e ficará aqui até nos acostumarmos.
Iris sentiu o queixo tremer, todos os poros arrepiados.
— Não vamos acostumar.
— Vou afundar.
Ela arregalou os olhos.
— Vai molhar meu cabelo?
— Vou — Paolo afirmou, levando uma mão ao cabelo dela e o
soltando dos grampos. Ele gostava mesmo de fazer isso, pensou
ela consigo. — Agora, prepare-se! — avisou.
Iris prendeu a respiração e fechou os olhos, e sentiu a água
cobri-la por inteiro em seguida. Ela emergiu em um instante, o ar
noturno voltando a inflar seus pulmões.
Paolo encarou-a de um modo indecoroso, sem soltá-la. Iris olhou
para baixo, para a chemise encharcada, e notou os mamilos eretos
pelo frio e o tecido que ficara completamente transparente. Ele já a
tinha visto assim, o que não evitou a vergonha que se apoderou
dela por inteiro.
— Você poderia ao menos disfarçar. — Iris arrumou a frente do
cabelo dele.
— Por quê? Sabe que eu desejo você e como a acho atraente.
Nunca fiz menção de esconder isso.
Ela riu e deu de ombros.
— Isso é verdade. Você nunca mentiu para mim.
O sorriso que estampava o rosto de Paolo morreu lentamente.
Mas por quê? Iris não conseguiu compreender.
— Eu disse algo errado?
Ele respirou fundo, sem responder imediatamente. Paolo subiu
uma mão e afastou o cabelo úmido do ombro dela, acariciando-a
com delicadeza.
— Você não me conhece completamente, Iris — falou ele, sua
voz quase como um sussurro.
— O que quer dizer?
— Apenas que… — Paolo hesitou, parecendo procurar as
palavras certas. — Há partes de mim que você não conhece. Eu
não sou um homem bom.
Ele parecia triste ao dizer aquilo, uma tristeza de partir o
coração.
— Por seu passado?
— Por uma série de coisas. — Paolo segurou-a mais firme,
como se não quisesse perdê-la. — Eu já disse antes e mantenho
minha opinião: você realmente deveria ficar longe de mim.
— Você não parece querer isso.
— Porque sou egoísta — ele retrucou. — O que somente prova
meu ponto.
Pela primeira vez desde que começaram aquilo, não parecia que
Paolo estava jogando. Iris não fazia ideia do que aquilo significava.
— E se eu não me importar? — Iris aproximou seu rosto do dele,
roçando seus lábios. — E se… eu gostar de você, mesmo com
essas partes ruins?
Paolo colou a testa na dela, inspirando fundo.
— Seria possível? — perguntou ele.
Ela assentiu, pois não tinha nenhuma dúvida.
— Eu acho que sim. E sabe por quê? Porque você gosta de mim
como sou. Não gosta?
Paolo levantou o canto dos lábios, concordando.
— Sim, eu gosto, mas é uma comparação um tanto injusta.
— Por quê?
— Porque, para mim, você é perfeita — afirmou ele.
Iris sentiu o coração transbordar, uma emoção diferente
preencher seu interior. Uma certeza. Perfeita. Iris jamais imaginou
ser perfeita para alguém. Contudo, em se tratando de Paolo… ela
acreditava nele.
Que curioso e maravilhoso era aquilo. Nos braços dele, Iris se
deu conta de muitas coisas, todas inesperadas. O que antes
representava perigo, agora era seu porto-seguro. Paolo era o único
homem que a vira daquela forma íntima, mas não somente seu
corpo. Para ele, Iris escancarara cada pedaço de seu ser, cada falha
ou qualidade. Ela nunca precisou fingir ou se preocupar ao lado
dele. Nunca precisou ser nada além de si mesma. E o mais bonito, o
que mais a deixava tocada, era que o brilho naquele olhar cinzento
sempre fora assim, único. Algo especial, que ela jurava ter esperado
uma vida inteira para encontrar. Quando foi que isso acontecera?
Iris não fazia ideia.
— Você está tremendo… — Paolo acariciou a bochecha dela. —
Venha, acho melhor sairmos.
Iris concordou e permitiu que ele os guiasse até a beira. Sentiu a
grama em seus pés ao saírem da água, caminhou até o cobertor e
sentou-se ali, abraçando as próprias pernas.
Paolo passou as mãos nos cabelos e juntou-se a ela num
instante, o tronco forte e viril igualmente arrepiado.
— Melhor? — ele perguntou, ao sentar-se ao lado dela.
— Ainda estou com um pouco de frio — Iris respondeu.
Paolo sorriu e a puxou para si. 
— Deixe-me esquentar você.
— Você também está molhado.
— Bem, qualquer desculpa para te abraçar, então — provocou
ele.
Eles se deitaram de lado, um de frente para o outro. Mesmo com
toda aquela proximidade, estando colada nele, pele com pele, Iris
ainda queria mais. Ela queria tudo que Paolo quisesse lhe oferecer.
— Beije-me — ela pediu.
Paolo hesitou por apenas um instante, sua respiração
repentinamente acelerada.
— Quero mais do que beijos, Iris. — Ele firmou uma mão no
rosto dela. — Quero…
Ela assentiu, sem nem pensar.
— Apenas beije-me. — Ela agarrou-se a ele. — Quero você.
E foi o que ele fez.

Quero você.
Deus do céu, como ele diria não para aquilo?
Paolo parou de raciocinar desde o momento em que colou seu
corpo ao de Iris na água, a chemise de tecido delicado transparente
com a umidade, revelando aquelas curvas e desenhos
maravilhosos. Ele jurara se controlar, que não se aproveitaria dela,
que tentaria ao máximo conter seus instintos devassos. Mas Iris
ansiava pelo toque dele, Paolo conseguia sentir! Era como uma
força poderosa e inevitável, como se ela o chamasse, como se o
estivesse esperando a vida inteira. Assim como… caspita, assim
como ele parecia ter esperado por ela.
Seria possível? Mesmo com todos os enganos e mentiras, seria
possível Iris Spencer estar destinada a encontrá-lo? Paolo não sabia
o que pensar. Mas ele não queria pensar. Não com ela em seus
braços, pedindo para ser sua.
Ele desceu os lábios pelo pescoço delicado, marcando-a com
beijos e lambidas. A pele ainda molhada se arrepiava mais com o
toque, e Iris gemia baixinho, entregue e completamente à sua
mercê.
Sempre honesta, sempre perfeita.
— Não vou fazer nada que não queira… — Paolo correu as
mãos da barriga aos seios redondos. — Nada que faça com que se
arrependa depois.
Iris assentiu, seus olhos fechados e lábios entreabertos, arfando
de prazer. Paolo sorriu ao apertar um mamilo durinho entre o
polegar e o indicador. Iris curvou o corpo ao sentir a boca dele ali,
sugando e provando os montes redondos sobre o tecido. Paolo
sentiu os dedos dela em suas costas, as unhas arranhando-o
levemente.
Seu membro respondeu no mesmo instante.
Dobrando o corpo sobre o dela, Paolo afastou as coxas macias,
tocou-a na parte interior, apalpou-a com cuidado.
— Quer que eu a toque aqui? — Os dedos dele estavam quase
nos pelos íntimos.
Iris abriu os olhos e concordou.
— Quero.
Paolo prestou atenção no rosto dela, em cada mudança de
expressão ao abrir as dobras delicadas. Iris arfou e mordeu o lábio
inferior ao sentir a invasão.
— Ah… você está molhada para mim. — Ele voltou a beijar o
corpo dela. — Tão pronta.
— Você me deixa assim. — Iris respirava com dificuldade.
Paolo beijou-a nos lábios, sua língua deslizando na dela com
familiaridade.
— Já se tocou pensando em mim, cara mia? — perguntou ele.
Ela balançou a cabeça para cima e para baixo. Paolo poderia
explodir naquele instante, imaginando-a se tocando ao pensar nele,
ao atingir o orgasmo. Cada movimento de seus dedos a deixava
mais melada, mais ansiosa. Ele manipulou o pontinho pulsante com
precisão, voltou a sugar um seio, mordiscou-o como se fosse uma
frutinha saborosa.
E por falar em sabor…
— Quero lambê-la — pediu ele. — Lembra-se do capítulo de seu
livro?
Iris piscou em concordância.
— Posso?
Ela nem ao menos hesitou ao responder:
— Sim, por favor.
Ele sorriu como se fosse um idiota. Paolo deslizou pelo corpo
dela, puxou a barra da chemise para cima e tirou-a pela cabeça de
Iris, deixando-a completamente nua. Ele parou para admirá-la sob a
luz do luar, envolvida nos elementos da natureza. Iris era uma
deusa, uma verdadeira Vênus, símbolo de beleza suprema. Seu
coração acelerou quando ele subiu o olhar pelas pernas esguias,
pelo triângulo de pelos escuros, a barriga lisa e os seios arfantes
com mamilos arrepiados.
E então ele encontrou as duas estrelas dos olhos dela. Toda
corada e inteira despida, de corpo e alma, Iris era a criatura mais
linda que Paolo já contemplara. Deslumbrante e divina. Ele duvidava
que pelo resto de sua vida alguém conseguisse superar aquela
visão.
— Abra as pernas para mim. — Ele se acomodou e beijou sua
coxa.
Iris respirou fundo ao fazê-lo, expondo-se mais. Paolo foi
meticuloso em admirá-la. Queria lembrar-se de cada parte dela,
cada pedaço maravilhoso e suave da mulher em sua frente. Ele
passou o nariz nos pelos íntimos e inalou o perfume feminino,
devagar. Iris pareceu nervosa, sobressaltando-se, mas ele tocou em
sua barriga e a manteve no lugar, tentando passar segurança.
— Olhe para mim, amore mio — Paolo disse.
Seus olhares se encontraram ao mesmo tempo em que a língua
úmida correu pela fenda dela. Paolo sentiu o gosto doce e sorriu
com a boca ali, provando-a mais.
— Continue olhando para mim, Iris. Quero que se lembre de
mim.
Iris concedeu o seu pedido, levou a mão até os cabelos dele e
bagunçou os fios enquanto ele fazia dela seu banquete. Não houve
uma só dobra ou pedaço que não tivesse sido explorada. Paolo se
concentrou no clitóris inchado e penetrou-a com o dedo longo,
aumentando seu prazer.
— Paolo, eu vou… — Iris agarrou os cabelos escuros com mais
força, sem interromper o contato visual.
— Goze para mim, bella. — Ele a lambeu mais uma vez, e então
outra.
Iris tremeu e atingiu o clímax, gozando em sua boca. Paolo não
se conteve e a acompanhou, o membro apertado dentro das calças
derramando-se, ambos de desmanchando sob as estrelas e o ar da
noite.
Ele não saberia dizer quanto tempo demorou para voltar a
realidade. Se juntou a ela e puxou-a para si.
— E quanto a você? — Iris perguntou, ainda sem ar e inebriada.
— Estou bem — ele murmurou ao beijar seu cabelo. — Você
está bem? — Paolo deslizou a mãos pelas costas macias.
— Uhum… — Iris se aconchegou a ele como uma gatinha
preguiçosa. Ela levantou o olhar, encontrando o dele. O tempo
poderia ter parado naquele instante. Não havia mais o barulho da
brisa na relva, nem o som da água do lago, dos grilos cantando ao
longe. Tudo que Paolo conseguia ouvir eram as batidas de seu
próprio coração. — Eu sou apenas uma distração para você, Paolo?
— perguntou Iris, a ponta de seu dedo desenhava no maxilar dele.
Ele negou com um aceno curto, seu coração apertado dentro do
peito.
— Seria muito mais fácil se fosse, Iris — confessou ele —, mas
você não é. Você significa muito para mim.
As palavras não foram planejadas, assim como não eram
mentira.
Nenhuma delas.
— Você também significa muito para mim — murmurou Iris,
antes de fechar os olhos.
Segurando-a contra si, ele apenas beijou a testa dela e permitiu-
se adormecer em seus braços.
C A P Í T U L O D E Z O IT O

N o dia seguinte, Paolo sentia-se sonolento devido à noite


agitada e quente que passara ao lado de Iris. Chegaram à
casa um pouco antes do sol nascer, sem serem vistos por ninguém.
Como os serviços não paravam, ele logo tratou de espantar o
cansaço e vestir o uniforme, pronto para os trabalhos do dia.
Naquela manhã, antes que saíssem para atirar, fora requisitado para
ajudar com o carregamento de flores que o visconde, o dono da
casa, recebera de seu fornecedor.
Jasper Noble, além de titular de uma cadeira no Parlamento, era
botânico e trabalhava com rosas. Paolo imaginou que passaria a
manhã trancado numa estufa quente, cheia de mato para todos os
lados. Surpreendeu-se, contudo, ao entrar no terraço envidraçado
de Garold’s Park, um espaço muito bem organizado e arejado, onde
Noble costumava trabalhar. 
A vista era magnífica, quase tão bela quantos os campos da
Toscana. Os vidros transparentes permitiam ver os prados da
propriedade, naquela época do ano em um verde vivo e alguns tons
coloridos, que Paolo suspeitava serem campos de flores. Isso o fez
lembrar de Iris, da forma como ela se referia aos tapetes delicados
como “adoráveis”. Imaginou como seria ali à noite, sob o céu
estrelado. Noble fora realmente um visionário ao pensar em
transformar um terraço em seu escritório. Paolo tentaria se inspirar
nele uma vez que estivesse de volta à vinícola.
— Aqui? — Paolo perguntou, carregando um vaso de barro
pesado.
O visconde assentiu.
— Isso, por favor. — Ele bateu as mãos na parte de trás das
calças. Daquele jeito, vestido em mangas de camisa e sujo de terra,
o homem poderia ser confundido com um trabalhador braçal com
imensa facilidade. — Spencer, como estamos aí? — gritou Jasper.
Phillip Spencer saiu detrás de um arbusto e levantou-se, com
uma careta de dor.
— Estou ficando velho para serviços assim — disse ele ao limpar
a testa suada. — Mas as caixas estão alinhadas.
Paolo estava espantado por Phillip Spencer estar ali também,
ajudando. Quem diria que o engomadinho colocaria as mãos na
massa para alguma coisa?
Jasper olhou em volta e conferiu o espaço amplo que cheirava a
terra.
— Ótimo, acho que… Ah, deixe-me só trocar essas mudas de
lugar e podemos ir.
Paolo abaixou-se e deixou o vaso pesado no local indicado,
permanecendo em silêncio.
— Não esqueça de me lembrar que lhe mostre os relatórios de
Jack. Estão comigo. — Phillip se aproximou do cunhado.
— Certo, eu já estava me esquecendo. — O visconde enfiou a
mão na terra e puxou o ramo de rosas dali, as raízes penduradas no
ar, seus olhos escuros atentos à planta.
— Tem certeza de que não quer deixar nosso programa para
outro dia? — Phillip perguntou. — Estou vendo que está atarefado.
Jasper negou com um aceno curto.
— Claro que não, eu preciso de um tempo longe do trabalho.
Poppy disse que vai me fazer bem.
— Poppy e suas manobras de persuasão. Você está perdido se
Dorothy puxar esse lado dela.
Jasper riu.
— Ela ficou feliz por você ter vindo — comentou ele.
Phillip negou.
— Ela me trocou pelo cachorro na primeira oportunidade.
— Poppy, Spencer. Sua irmã ficou feliz que tenha vindo.
Phillip deu de ombros, numa tentativa de demonstrar-se
indiferente.
— Ela e as garotas estão preocupadas com algo que não existe.
— Você voltou mudado da viagem, não negue.
Ainda em completo silêncio, Paolo manteve-se bem atento
àquele dialogo. Havia uma vantagem em ser o lacaio, em poder
permanecer no ambiente sem ser estorvo. Duvidava que muitas
vezes se lembrassem da presença dele ali.
— Noble…
— Spencer, não há por que mentir. Não sou como suas irmãs
que tentam forçá-lo a admitir, mas entendo o que pensam. Não pode
voltar com um comportamento diferente e exigir que ninguém
estranhe isso. Ainda mais vocês, amorosos e preocupados como
são. — Jasper bateu as mãos sujas de terra uma na outra. — Tente
entendê-las. A preocupação das três é genuína.
Phillip Spencer passou a mão nos cabelos escuros, com um
suspiro triste.
— Não desejo falar sobre Roma porque não há nada de bom
para falar — admitiu a Jasper. — As coisas lá… acabaram não
sendo o que eu esperava. Saí daquele lugar com um buraco em
meu peito, algo que estou me esforçando para fechar, o que não vai
acontecer se eu reviver o que ocorreu ali.
Que estranho. Paolo conseguia sentir a melancolia na voz do
rapaz, a decepção. Não era isso que ele estava esperando ouvir.
Para alguém como Spencer, que se envolvia em negócios sujos, o
esperado era rancor, ira, orgulho ferido. Não desilusão.
— Não se preocupe, não tem que se preocupar com isso quando
está comigo. Mas considere conversar com suas irmãs, ou, ao
menos, pare de reclamar quando elas tocam no assunto.
— Acho que prefiro a segunda opção — Phillip concluiu.
O visconde deu mais uma olhada em volta e endireitou sua
postura.
— Bem, podemos ir atirar, agora. Já cuidei do que precisava —
afirmou ele.
— Vamos, então. — Phillip se virou para Paolo e o chamou.
Ainda confuso com os últimos minutos, o italiano caminhou em
direção ao patrão.
— Pois não, milorde.
— Vicenzo, vamos atirar, eu e Noble, mas você está liberado por
hoje.
Paolo franziu a testa fortemente.
— Estou?
— Sim, eu e ele sempre saímos para atirar sem lacaios.
Estamos acostumados.
Jasper concordou com a expressão gentil.
— Pode ficar à vontade na propriedade, se quiser. Há um lago
mais ao norte, alguns campos logo em frente.
— Os senhores estão certos disso? — Paolo confirmou.
— Sim, pode descansar por hoje. Sem contar que minha irmã se
juntará a nós. Melhor ficar longe e em segurança — Phillip brincou.
Jasper Noble riu, dizendo sarcasticamente:
— Ele apenas não gosta de admitir que Jasmine atira melhor.
Phillip revirou os olhos e os três deixaram o terraço. Paolo se
separou deles e voltou para seus aposentos, reflexivo. Fechou a
porta, tirou a peruca e sentou-se na cama, esticando o pescoço de
um lado para o outro.
Estava mais confuso do que nunca. Quanto mais convivia com
Spencer e descobria coisas a seu respeito, menos tudo fazia
sentido. A falta de provas, a decepção na voz do rapaz, a maneira
como ele tratava a família e as pessoas em geral. Nada no
comportamento do sujeito indicava que ele era um mau-caráter, que
teria abandonado ou deixado que Giuliana caísse nas mãos dos
Palermo. Mas ele guardava um segredo, disso Paolo tinha certeza.
Se não, por que mais a família toda estaria preocupada com ele?
Paolo sentiu uma pontada de dor de cabeça e esfregou os olhos,
o cansaço o abatendo. Estava liberado agora, pelo resto do dia. Ele
poderia ficar ali, mas lembrou-se de algo que ouvira no dia anterior,
das palavras na voz doce de Iris.
Eu provavelmente ficarei a tarde toda sozinha. É uma pena que
tenha que acompanhá-los.
Sozinha… não se ele pudesse evitar. Paolo sorriu com a
lembrança do rosto de Iris, e não teve nenhuma dúvida ao deixar
seu aposento e sair à procura de sua dama encantadora.
Paolo avistou a figura de Iris sentada sob a sombra de uma
árvore, sobre um cobertor perto dos estábulos. O rosto delicado
estava concentrado nas páginas de um livro, e ela sorria, fazendo
um cafuné preguiçoso na cabeça da menininha que dormia em seu
colo, o pequeno cachorro atentado junto a elas.
Ele parou por um instante e não pôde deixar de sorrir ao admirá-
la. Como era possível que apenas observá-la o arrebatasse daquela
forma? Não sabia a resposta, tampouco se importava. Desistira de
questionar os efeitos de Iris sobre ele. Era uma batalha perdida.
— Olá — disse ele, baixo ao perceber que a garotinha dormia.
— Você. — Iris baixou o livro e sorriu. — O que faz aqui? Achei
que estaria com os homens.
— Eu estaria, mas seu irmão me liberou.
Ozzy, o cãozinho, saiu debaixo dos braços da menina e veio até
ele, abanando o rabo peludo. Paolo sorriu, se abaixou e fez um
carinho na orelha comprida.
— Vejo que está muito bem acompanhada — disse ele,
apontando para a criança com um gesto de cabeça.
Iris olhou para baixo, os olhos cintilando ternura.
— Ela acabou de dormir, deve ficar assim umas duas horas.
Poppy estava cansada e me ofereci para olhá-la — explicou ela,
baixinho. — Quer me fazer companhia?
— E se alguém nos ver? Se a pequena…
— Ela está dormindo, Paolo. Ninguém vai nos ver aqui.
Ele hesitou mais um momento. Olhou para os lados e conferiu se
não havia ninguém. Assentindo, Paolo diminuiu a distância entre
eles. Sentou-se e apoiou as costas no tronco da árvore, seu ombro
encostando no dela. O cachorro o seguiu, deitando aos seus pés.
Iris arrumou Dorothy numa melhor posição e beijou o ombro dele.
Era uma situação inusitada aquela, Paolo pensou. Ele e Iris
sentados como um casal na sombra de uma árvore, com uma
criança dormindo nos braços dela, um animalzinho de estimação
aos seus pés. Muito… improvável. Quase irreal. Como se eles
pudessem, de fato, viver aquela cena. Aquele sonho.
Paolo balançou a cabeça levemente, como se levasse um
peteleco na testa. O que diabos estava pensando? E por que seu
peito estava aquecido?
— Estou feliz por estar aqui. — Ela olhou para ele por trás das
lentes.
Sim, era isso. Felicidade. Esse era o estranho sentimento que o
dominava naquele momento, que o fazia querer esquecer-se do
resto do mundo e ficar ali com ela.
— Ainda bem que ela dormiu — Iris comentou, sem esperar pela
resposta da parte dele. — Eu estava ficando sem criatividade.
Esqueci o livro de fábulas no quarto e tive que inventar histórias.
Paolo achou graça naquilo.
— Não é boa de inventar histórias?
Iris negou, franzindo o nariz.
— Não, sou boa em lê-las. Eu escrevo poemas de vez em
quando, são aceitáveis, mas histórias, jamais. O lado escritor da
família definitivamente é de Phillip.
— Por quê? Ele escreve?
Iris sussurrou como se estivesse contando um segredo.
— Ele escreve diários. Bem, ao menos escrevia, não sei se
ainda o faz.
Paolo precisou se conter para não transparecer sua surpresa.
Aquela era uma novidade extremamente interessante! Se Spencer
mantinha diários, Paolo poderia encontrá-los e, quem sabe,
finalmente pôr as mãos em alguma informação que o ajudasse a
desmascará-lo. Se é que havia algo para desmascarar, com base
em suas últimas observações.
— Isso é interessante — Paolo comentou.
— Sim, ele gosta de escrever desde menino. Mas não sei, Phillip
nunca mais mencionou nada desde que voltou de viagem, talvez ele
tenha deixado isso para lá. Uma vez eu encontrei seu “lugar
secreto” e peguei o diário escondido, para ver se achava algo
interessante. — Iris riu. — Não deu certo, pois Phillip me descobriu
e brigou comigo.
— Lugar secreto?
— Ele tem uma gaveta com fundo falso na cômoda. — Iris
revirou os olhos — Todos nós temos, ele realmente careceu de
criatividade — Iris disse como se não tivesse importância.
Ora essa, uma maldita gaveta com fundo falso, e Paolo poderia
já ter nas mãos as informações de que precisava. Seria aquela a luz
que ele estava pedindo aos céus?
— Paolo? Está bem?
Ele voltou a olhar para ela, somente então se dando conta de
que deveria ter se distraído além do normal. E então escolheu
espantar Phillip Spencer, Giuliana, aquela vingança ardilosa dos
pensamentos e focou-se nela. Em Iris, a única que importava.
— Sim, estou bem. Um pouco cansado.
Ela corou, adorável como sempre.
— Estou também, mas valeu a pena, não é?
O coração dele deu um pulo no peito, desenfreado. Paolo estava
ficando nervoso, com todas aquelas emoções inesperadas e que
pareciam não estar sob seu controle.
Era muita coisa.
— Claro que valeu.
— Eu adorei essa pequena aventura. E pensar que daqui a
pouco voltaremos a Londres e precisaremos nos esconder de novo.
— Não pense nisso agora. — Paolo tocou na ponta do nariz
dela. — Vamos aproveitar o momento. Nem eu sou seu lacaio, nem
você é minha patroa. Somos apenas…
— Paolo e Iris.
Paolo assentiu, devagar.
Apenas eles.
Iris suspirou profundamente, mais do que em qualquer outra vez
que o tivesse feito.
— O que foi? — perguntou ele.
— O jeito que você olha para mim — ela confessou. — É
diferente.
— Gosto dos seus olhos — Paolo afirmou.
— Por quê? — A voz de Iris não passou de um sussurro.
Ele levantou o canto da boca, num sorriso escondido.
— Porque eles brilham quando encontram os meus. Como se
eu… merecesse esse brilho. Como se fosse digno deles.
Iris apenas inclinou o rosto e roçou os lábios nos dele. Naquele
momento, Paolo desejou, verdadeiramente, merecer aquele brilho.
Desejou esquecer, mudar o passado e tudo que o fazia indigno dela.
De Iris Spencer e seus olhos cintilantes.
De sua bella.
C A P Í T U L O D E Z E N OV E

O s dias de sol eram frequentes em Londres no mês de agosto,


assim como era comum ver o Hyde Park cheio de gente. E
gente com um assunto fresquíssimo para comentar.
— Espere, não entendi. — Iris enganchou no braço de Jasmine,
ambas caminhando junto à beira do Serpentine. — Comece de
novo.
Jasmine fez um aceno de cabeça ao cumprimentar uma senhora
que passou por elas.
— Estou dizendo que o baile de Lady Wallace virou um baile de
noivado. Phillipa Greenwood e Hugh Turner pretendem anunciar o
compromisso ali.
— Um dos bailes mais agitados do ano… — Iris murmurou. —
Lady Phillipa quer chamar atenção.
Jasmine franziu o nariz.
— Isso me parece mais coisa de Lady Turner do que da própria
Phillipa. Ela é discreta.
— Mamãe ainda vai para Garold’s Park, mesmo com esse
anúncio?
A mais velha concordou.
— Vai porque quer ajudar Poppy a ajeitar tudo, e você viu como
ela já está pesada. Mas Georgia Alice Spencer fez questão de nos
lembrar que devemos comparecer a esse evento. Phillip nem ao
menos retrucou.
Iris pensava que seu irmão era um homem sábio. Todos sabiam
que Georgia não aceitaria mais nenhuma desculpa da parte dos
filhos. Ela já estava benevolente demais naquela temporada.
— Confesso que fiquei feliz por Phillipa — Jasmine continuou. —
Uma dama tão bela e cheia de charme não deveria ficar sozinha.
Iris a olhou de soslaio, pensando se tocava mais uma vez
naquele assunto ou não.
— Fale — Jasmine falou antes dela.
Iris arrumou os óculos com a mão livre e suspirou.
— Sabe que penso o mesmo sobre você, não é?
— Sobre…
— Sobre o que acabou de dizer. É bonita demais, o charme do
mundo inteiro é seu.
— Querida…
— E, mais importante do que tudo isso, você sempre desejou ser
amada — Iris concluiu. — Sempre me pergunto se fala a verdade
quando me diz que está feliz com suas decisões. Me sinto um tanto
aflita, se pensar bem. Phillip não se abre, você tampouco. Ainda
bem que Poppy é o próprio arco-íris de felicidade.
Jasmine deu uma risadinha baixa, surpreendentemente mais
aberta àquele assunto.
— Iris, o fim de minha relação com Lorde Wembley me
decepcionou fortemente — ela começou. — Independentemente
dos motivos, o que importa aqui são meus sentimentos.
— É claro que eu sei disso.
— Então confie em mim quando digo que a decisão de não me
envolver com mais ninguém me traz paz.
— Por quê? — Iris se virou para ela.
— Porque é muito difícil curar um coração partido, e eu não sei
se conseguiria fazer de novo, então prefiro não arriscar — ela
confessou.
Iris analisou a expressão triste de Jasmine, seu coração
apertado. Ela conseguia ver a desilusão ali, a falta de brilho. Sempre
vira, mas parecia que agora a dor de sua irmã refletia nela um
pouco mais forte, mais intensa. Talvez porque… Iris parecia
finalmente saber, de verdade, sobre os assuntos do coração.
A culpa era de seu lacaio. Daquele homem atrevido, perigoso e
maravilhoso que, de uma aventura ousada e indecorosa acabara
virando algo muito maior. Céus, Paolo se transformara em tudo, no
centro de todo o seu mundo, Iris já nem pensava em negar.
Pensava nele ao abrir os olhos de manhã e antes de fechá-los para
dormir. Ansiava por um olhar, por uma palavra doce ou beijo
roubado.
A vida era mesmo irônica. Se apaixonara pela primeira vez,
justamente por um homem que ela sabia que não poderia ter. Um
que se importava com ela, mas que Iris não sabia se se sentia da
mesma forma. E adiantaria que ele se sentisse? Ela não fazia a
mínima ideia.
— Desculpe-me, Jas — Iris disse a ela, indicando para que
voltassem a andar. — Eu não deveria ter tocado no assunto.
Jasmine respirou fundo e aceitou o braço dela novamente.
— Não estou brava, só acho que falar sobre isso não me ajuda.
— Não falemos, então. Vamos mudar de assunto.
— Vamos — Jasmine concordou. — Falemos de você, de seu
pretendente.
Iris revirou os olhos em divertimento.
— Não tenho um pretendente.
— Esqueceu-se de Lorde Rutherford?
— Lorde Rutherford me tirou para dançar algumas vezes, foi só
isso.
— Porque você quis assim — Jasmine falou, olhando para a
frente. — Você disse que ia se mostrar mais aberta esta temporada,
mas continuou dando suas escapadas. Não pense que não percebi.
Iris jamais poderia discordar, mas, naquele ano, as desculpas
para fugir da temporada tiveram uma motivação completamente
diferente. Antes, Iris escapava para fugir da realidade, dos
momentos constrangedores nos cantos de salões. Agora, contudo,
ela escapava para viver. Verdadeiramente viver, sentir na pele o
desejo de um homem, conversar sobre coisas íntimas e sentir-se
querida de verdade. Era impossível lamentar tal coisa.
— A temporada ainda não acabou — Iris argumentou.
— Quase. Mas tem razão, ainda há tempo de algo acontecer.
Vamos escolher um vestido bem elegante para o baile da duquesa,
podemos arrumar seu cabelo com aqueles arranjos que chegaram
da França.
Jasmine continuou tagarelando sobre como Iris poderia se
arrumar para o evento, com a intenção de impressionar aquele
lorde. Pela primeira vez desde que sua irmã tocava naquele
assunto, ela se sentiu muito desconfortável. Não queria se arrumar
para um homem que não fosse Paolo, tampouco falar, rir ou dançar.
Que situação difícil ela se metera, morrendo de amores por seu
funcionário. Agora, diante de todas aquelas palavras, parecia tolice
que Iris não tivesse considerado o que sentiria no futuro em relação
a ele, ou como lidaria com suas próprias desilusões.
Minutos depois, ela e Jasmine chegaram ao portão de Garden’s
House, para alívio de Iris, que estava disposta a se fechar em seu
quarto para tentar colocar aquela confusão de sentimentos no lugar.
Surpreenderam-se, contudo, ao encontrarem Jack aguardando por
elas na sala de visitas, sua expressão cansada.
— Jack? — Jasmine deixou sua capa de lado. — O que faz
aqui? Acho que Phillip está no clube.
O primo passou os dedos no cabelo ruivo, veio até elas e
cumprimentou-as com um beijo no rosto de cada uma.
— Vim falar com vocês. Já estão sabendo do que houve?
Iris sentiu-se gelar, lembrando-se de Flavian na mesma hora.
— O que houve? — Foi Jasmine quem perguntou.
— Não falaram com Violet?
— Jack, diga de uma vez — Iris pediu.
Ele soltou o ar e anunciou, com a expressão resignada:
— Flavian terminou tudo com Violet. Ele não vai mais se casar
com ela.

Paolo olhou de um lado para o outro no corredor, verificando se


não havia ninguém ali. Todos estavam fora de casa naquela manhã,
o que fazia aquele momento ser muito oportuno para continuar sua
investigação.
Tommaso falara com ele um dia antes, completamente
impaciente. Ao que parecia, apanhar num ringue de boxe não era
sustentável, e ele não estava disposto a esperar muito tempo para
deixar a Inglaterra.
Se fosse honesto, Paolo também já não aguentava mais. Sentia-
se em um tornado de sensações angustiantes. O dever para com
Giuliana, o ódio por Spencer, a fidelidade para com seu irmão. E,
maior do que qualquer outra coisa, havia Iris. Ela e a pressão que
sentia no peito somente ao pensar em machucá-la. No quanto
desejava que tudo fosse diferente.
Mais uma vez, Paolo tratou de espantar seus tormentos e
decidiu agir. Discretamente, ele entrou no quarto de Phillip Spencer
e fechou a porta com chave, com muito cuidado para não fazer
barulho.
Dois dias depois de voltarem de Garold’s Park, aquela era a
primeira oportunidade que encontrava para se esgueirar no quarto
de Spencer e tentar achar os benditos diários que ele escrevia. Com
o que Iris lhe dissera em mente, Paolo caminhou em direção à
cômoda de mogno e começou a vasculhar, à procura do fundo falso.
Tirou as roupas da primeira gaveta, tateou a madeira, mas não
encontrou nada. Voltou a guardar as camisas, tudo com muito
cuidado para que Michael, o valete, não desconfiasse no futuro. Ele
repetiu o processo em todas as cinco gavetas seguintes. Somente
ao chegar na última é que notou o vão no canto direito da superfície
plana. Paolo prendeu a respiração ao puxá-lo.
Ali estavam, quatro diários com capa de couro marrom gasto. Ele
finalmente poderia ter uma pista, alguma resposta convincente para
o seu dilema.
Paolo colocou um por um dentro da casaca, antes de arrumar as
coisas novamente na gaveta. Olhou-se no espelho e conferiu se sua
aparência o denunciava, se havia algo estranho no caimento do
uniforme. Com o mesmo cuidado, Paolo destrancou a porta e saiu
no corredor, sua postura impecável. Ele não encontrou ninguém no
caminho até o próprio dormitório. Entrou rapidamente no cômodo e
fechou a porta atrás de si.
Somente então Paolo conseguiu respirar.
Ele se livrou do cabelo empoado, abriu a casaca e tirou os
cadernos pequenos de dentro. Sentou-se na beirada da cama, abriu
um dos diários e começou a ler. Minuto após minuto, página após
página, Paolo ficava ainda mais confuso. Phillip Spencer não
escrevia em demasia, seu estilo era direto, ainda que sonhador. No
primeiro e segundo diários, Paolo não conseguiu achar nada além
de relatos de um nobre sem responsabilidades ou deveres, um belo
bon-vivant em toda sua glória.
O terceiro deles parecia ter sido escrito por alguém mais maduro.
Spencer relatara por que decidira viajar, e o que esperava conhecer
tão logo chegasse a Roma. “Aventura” era a palavra mais utilizada
por ele, Paolo conseguia sentir a empolgação pelas linhas. Contudo,
ele não estava lendo aquilo para se distrair. Ele queria repostas,
maldição! Queria saber o que demônios Phillip fazia de sujo para
justificar a morte de sua irmã.
Paolo já estava perdendo a paciência com os fatos narrados.
Mesmo em Roma, Spencer não relatava absolutamente nada além
de impressões dos lugares arqueológicos ou bebidas que
experimentara. E então, um nome lhe chamou atenção, um que fez
seu estômago revirar. Giuliana.
Paolo apoiou as costas na parede e trouxe o diário para mais
perto do rosto, seus olhos muito atentos.

“Roma, março de 1814


Eu acho que estou apaixonado.
É estranho pensar nisso, mas não consigo descrever de
outra forma.
Giuliana, a italianinha cheia de charme e de cabelos
escuros conseguiu penetrar em meus pensamentos e fazer
morada ali. Nunca me senti assim antes. Sinto-me tolo e não
me importo.
Sinto-me… vivo.”

“Roma, maio de 1814


Giuliana está preocupada com a diferença de nossas
origens. Que bobagem sem tamanho, eu jamais a julgaria por
isso. Pergunto-me se alguma vez dei indícios de que me
importava com tais detalhes, se não lhe passei segurança o
bastante.
Preciso corrigir este erro o quanto antes, se quiser que ela
acredite que meus sentimentos são legítimos.”

“Roma, julho de 1814


Vou pedir a mão de Giuliana em casamento. Decidi que
está na hora, já que não vislumbro um futuro sem ela. Quero
levá-la para casa e apresentá-la à minha família, dedicar
todos os meus dias para fazê-la feliz.”

“Roma, agosto de 1814


Ela disse sim.
Hoje é o dia mais feliz da minha vida.”

“Roma, outubro de 1814.


Eu sou um tolo.
Um homem quebrado, um maldito imbecil.
Nada do que eu pensei ser real era verdade.
Absolutamente nada.
Estou voltando para casa.”

Paolo leu o último relato do último diário no mínimo cinco vezes.


Não havia mais nada depois dele, qualquer pista ou informação.
Dio Santo, nada daquilo fazia sentido! Phillip deixara Roma em
outubro? Pelo que Paolo sabia, Giuliana fora assassinada em
dezembro daquele ano, meses depois da partida de Spencer. Como
podia ser possível, se ele fugira? E por que Phillip Spencer parecia
um homem apaixonado ao invés de um crápula? O que acontecera
para que se considerasse um maldito tolo?
Paolo baixou o caderno, deixando-o de lado, e afundou o rosto
nas mãos. Estava pagando todos os seus pecados, não havia outra
explicação. Quanto mais tentava se encontrar, mais se perdia
naquele labirinto misterioso, mais se enrolava com sua própria
corda.
Contudo, Paolo era um sujeito perspicaz, ele tinha um sexto
sentido, uma intuição que parecia indicar para apenas uma coisa:
talvez, Tommaso estivesse errado, antes. Talvez, eles estivessem
equivocados. Não havia dúvidas do envolvimento de Phillip com sua
irmã, ele estava escrito ali, claramente. Mas aquele homem, tanto o
rapaz que ele conhecera como o que acabara de ler, não era o
sujeito que Paolo queria arruinar. Phillip Spencer não parecia ser o
responsável pela tragédia de Giuliana. Nada indicava que era.
E se esse fosse realmente o caso… o que demônios Paolo ainda
estava fazendo ali?
C A P Í T U L O V I NT E

I ris alisou a saia do vestido pela décima vez naquele minuto.


— Eu preciso falar com ela… — Jasmine afirmou,
levantando-se do sofázinho. Estava até trêmula de tão nervosa, Iris
a conhecia muito bem.
Jack ergueu a cabeça, seus antebraços apoiados nos joelhos.
— Eu a acompanhei até em casa, ontem, depois de tudo — ele
afirmou. — Realmente achei que ela viria procurá-las. Por isso vim
aqui, para saber se ela estava bem.
— É claro que ela não está bem, Jack. — Jasmine levantou-se.
— Como estaria, depois disso? Violet passou todo esse tempo
esperando por ele, ali, ao lado dele e agora… — Ela soltou o ar com
forca e pressionou as têmporas. — Argh, nunca imaginei que
Flavian pudesse ser tão cretino.
Jack suspirou, endireitou as costas e passou a mão no cabelo
ruivo. Iris conhecia aquele olhar, havia algo não dito ali.
— Diga, Jack — disse Iris. — No que está pensando?
Ele ergueu os ombros suavemente, sua expressão muito
cansada.
— Sinceramente? Eu acho que Violet ficará melhor sem ele.
Jasmine arregalou os olhos fortemente.
— O quê? Como tem a coragem de dizer isso?
— Sim, é isso mesmo. Flavian é meu irmão, eu o amo, Jas, mas
ele mudou. Muito. Soube que estava mudado desde que o
reencontrei na França. Aquele Flavian, que foi para a guerra há dois
anos, que costumava nos alegrar, não existe mais. Estou ali ao lado
dele, dia após dia. E conheço Violet. Eventualmente, ela verá que foi
para o melhor. Não duvido nem que Flavian tenha se utilizado de um
lapso de consciência ao tomar a decisão de afastá-la.
Iris observou a expressão de reprovação da irmã.
— Inacreditável… — Jasmine murmurou.
Jack deu de ombros.
— É o que penso. Apenas lamento que a pobre moça tenha
sofrido por ele esse tempo todo. É isso que dá mergulhar em
romance. Um erro sem tamanho — resmungou ele.
— Vou até a casa dela. Pode me acompanhar? — ela perguntou
a Jack.
— Sim, claro.
— Iris, quer ir comigo?
Iris negou, tirando uma mecha de cabelo do rosto.
— Vá você. Acho que Violet não precisa de muita gente nesse
momento.
Jasmine não protestou. Pegou sua capa e saiu com Jack de
Garden’s House, em direção ao pátio dos fundos.
Iris permaneceu na sala de visitas, envolta em melancolia.
Sentia-se triste, necessitada de um abraço. Que situação difícil
aquela, para sua amiga, para seu primo, para todos os envolvidos.
Ela se levantou e começou a caminhar em direção ao corredor, não
pensando muito antes de descer as escadas. Era imprudente
procurar Paolo no meio do dia, mas o que podia fazer se ele era o
único em que pensava para lhe fazer companhia naquele momento?
Como se Iris soubesse que podia contar com ele. Na verdade, ela
sabia. Ele era o único que a compreendia com apenas um olhar.
Ela chegou ao corredor do porão e bateu duas vezes na
madeira. Ouviu um barulho do lado de dentro, a sombra de Paolo se
aproximando da porta.
— Sim?
— Paolo, sou eu.
Ela o ouviu caminhar para longe, mais um ruído de gavetas
sendo abertas e fechadas às pressas.
— Iris? — Paolo abriu a porta, sobressaltado.
Ela respirou fundo e tentou sorrir.
— Posso entrar?
— Claro. — Ele deu espaço para ela passar. Colocou a cabeça
para fora e conferiu se não havia ninguém.
Paolo fechou a porta e a olhou para ela.
— Estou atrapalhando? — Iris quis saber.
— Não, apenas estou surpreso. Pensei que estivesse fora.
— Eu estava. Voltei e meu primo estava nos esperando. Ele não
trazia boas notícias.
— O que aconteceu? — Paolo a encarou com preocupação.
— Meu outro primo, Flavian. Pensávamos que as coisas
estavam melhorando com ele estando mais calmo, mas algo saiu
muito errado. Ele terminou o compromisso com Violet, uma amiga
nossa. Jack disse que a mandou embora. — Iris sentou-se na cama.
— Eles estavam noivos? — Paolo perguntou, aproximando-se.
— Nunca ficaram, porque ele ia para a guerra, mas Violet o
esperou todo esse tempo. Não sei o que pensar, só sei que fiquei
muito aflita.
Ele assentiu e sentou-se ao lado dela. Iris analisou a expressão
séria, o maxilar cerrado e tenso.
— Você está bem? — ela questionou, acariciando o rosto dele.
— Parece preocupado.
Paolo negou com um gesto curto de cabeça.
— Um pouco cansado, não se preocupe comigo. Quer conversar
sobre seu primo?
Ela franziu o nariz em negativa.
— Não há o que dizer, apenas me senti muito chateada. Meu
coração partiu em dois ao ouvir Jack nos contar a história. Talvez
seja tolice minha, ou…
— Não é tolice — Paolo falou, baixinho. — Você se importa com
os outros. Isso é admirável.
Iris levantou o canto da boca, emocionada.
— Pode me dar um abraço? — ela pediu.
Paolo sorriu e puxou-a para perto, a lateral do rosto dela
acomodada em seu peito.
— Não precisa pedir, bella — ele sussurrou antes de beijar sua
têmpora, a mão subindo e descendo pelas costas esguias.
— Não quero incomodá-lo.
— Você nunca me incomoda. — Paolo se afastou e encontrou o
olhar dela. O ar ficou denso, como se o tempo tivesse parado. Iris
estava muito consciente de cada batida em seu coração acelerado.
— Nunca.
— Eu só conseguia pensar em você — ela confessou. — Sua
presença me faz muito bem.
Iris inclinou-se para buscar os lábios dele. Paolo tomou seu rosto
nas mãos e correspondeu. A língua morna e macia a explorou, já
com intimidade, conhecendo cada canto como se ali fosse o seu
lugar. Paolo voltou a olhar para ela com um sorriso nos lábios.
Puxou-a para o seu colo e acomodou-a ali, sua mão tateando o
corpo de Iris com firmeza, seus olhos demonstrando que ela estava
segura, que ela não precisava se esconder.
Paolo voltou a beijá-la, o perfume amadeirado inebriando-a. Iris
passou os braços ao redor do pescoço dele e se entregou. Foi um
beijo diferente. Sem a excitação de sempre, a empolgação do
perigo, do proibido.
Apenas ele, ela e o sentimento que havia brotado entre os dois,
que eles haviam cultivado. Pela primeira vez, Iris desejou que nada
daquilo que os aproximara existisse. Não queria ser uma dama, nem
que ele fosse o lacaio. Não queria que tivessem que se esconder,
que tivessem que fingir. Ela apenas o queria. Inteiro, exatamente
como era, com aquela ternura e intensidade que a tiravam do chão,
que a faziam se sentir viva e… amada. Que faziam parecer que ela
não passara por todos aqueles anos sozinha em vão. Que sua
solidão fora apenas um pequeno preço a se pagar ao esperá-lo,
esperar aqueles braços e aquele abraço.
— Tudo bem? — Paolo se afastou, seus olhos atentos aos dela.
Iris assentiu, ainda embriagada por todos os sentimentos
intensos que a tomavam.
— Estou, eu… — Ela hesitou, tentando controlar o que estava
transbordando. Contudo, Iris não viu motivo para esconder seus
próprios sentimentos. — Eu amo você.
Paolo ficou sério, a expressão completamente diferente de um
segundo antes. Como se tivesse sido atingido por algo poderoso,
potente.
— Eu sei que não deveria dizer isso — Iris se explicou. — Sei
que temos nossas diferenças, que não fizemos promessas nem
nada, mas… — Ela se emocionou. — Não consigo mais negar. Eu
amo você, Paolo.

Paolo sentiu o peito comprimir, como se um prédio estivesse


pressionando-o.
Eu amo você.
Três palavras simples, porém poderosas. Palavras que ele nunca
ouvira antes, que nunca pensara ouvir. Mas especialmente, palavras
que ele não merecia. Não dela.
Depois de tudo que fizera, Paolo não merecia nada que Iris
pudesse lhe oferecer.
— Paolo… — Iris tocou em seu antebraço. — O que aconteceu?
Ele não se mexeu, embora estivesse difícil respirar. 
— Não posso mais fazer isso — Paolo murmurou, antes de se
pôr em pé e se afastar. Ele passou a mão trêmula no cabelo,
assolado por uma avalanche de culpa e ainda assim tentando
raciocinar. — Não posso.
— Não pode? — Iris falou, levantando-se também.
Paolo encontrou o olhar em confusão, seu coração quebrantado
dentro do peito. Ali estava ela, a mulher mais maravilhosa que ele
conhecera, confessando-lhe seu amor. Num mundo perfeito, onde
Paolo fosse digno dela, ele apenas a tomaria nos braços e aceitaria
o sentimento, o retribuiria.
Mas o mundo não era perfeito, e ele tampouco era.
— Iris, isso entre nós tem que acabar — ele disse. — Permiti que
fôssemos longe demais.
— Acabar?
— Estou enganando você. — Ele a encarou. — Deixei que
pensasse que...
— Eu não estou sendo enganada — Iris afirmou, dando um
passo à frente. — O que acha? Que sou uma mocinha iludida? Sei o
que estamos fazendo, sei de tudo que nos separa e…
— Você não sabe de tudo — Paolo afirmou. — Você não tem
ideia.
— Do que está falando?
— De mim, Iris. De nós. Nunca deveríamos ter ido tão longe. A
culpa é minha.
— Pare! — Ela se aproximou.
— Vou parar — Paolo afirmou. — Vou parar isto agora mesmo.
Foi quase como se ele conseguisse ouvir os pedaços de coração
dela se partindo. Paolo somente queria abraçá-la, queria se
desculpar. Que tipo de cretino ele era ao reagir assim a uma
declaração de amor?
Bem, o cretino de sempre. O mesmo que estava ali para arruinar
um homem que não merecia ruína. O mesmo que considerou
manipulá-la e seduzi-la.
Esse homem.
Um completamente diferente do que Iris pensava amar.
— Paolo, não estou pedindo nada a você… — Iris falou. — Meus
sentimentos são honestos.
Maldição, por que ela estava tentando se explicar? Iris não
precisava fazer nada daquilo, absolutamente nada. Ele estava
despedaçado, sem rumo, balançando a cabeça de um lado para o
outro.
— Não posso aceitar seu amor, Iris — Paolo afirmou. — Não sou
digno dele.
— Porque somos diferentes? — ela perguntou, com a voz
embargada.
Paolo tinha uma lista de motivos. Uma lista de itens que poderia
revelar naquele momento. Mas valeria a pena? Seria apenas mais
uma coisa para machucá-la, e ele pensava já estar fazendo o
suficiente.
— O que aconteceu entre nós… — ele começou.
— Foi maravilhoso — Iris o interrompeu.
Sim, fora. A coisa mais linda e preciosa que Paolo poderia viver,
algo que ele jamais imaginara. Mas que acabava naquele instante,
pelo bem dela. Porque não era justo.
— Foi um erro — Paolo disse, seu ventre se retorcendo a cada
palavra cruel que proferia. — Uma aventura perigosa. Eu não queria
machucá-la, não queria que se ferisse.
— Então por que está fazendo isso agora? — Iris perguntou. —
O que você não está me contando? Por que está mentindo para
mim? Eu não imaginei coisas. Está falando como se tudo que existiu
entre nós fosse uma brincadeira, um engano.
Porque fora, de certa forma. Porque ele estava ali por um motivo
mau. Porque se enrolou em sua própria corda e agora estava
imerso até o pescoço, sem saber como agir. Ao mesmo tempo em
que fora a coisa mais real que ele vivera.
Paolo ergueu o queixo e tentou não desabar. O que estava
prestes a fazer era o mais difícil e doloroso que já fizera em sua
vida, mas, pela primeira vez, ele queria priorizar os sentimentos de
alguém que não ele próprio.
— É melhor você ir, milady.
O peito de Iris subiu e desceu no corpete apertado, seus olhos
muito úmidos. Com o queixo trêmulo, ela caminhou até a porta e a
abriu, parando antes de sair.
— Talvez você esteja certo. — Ela o encarou de novo. — Cometi
um erro. Especialmente ao confiar em você.
Paolo observou-a lhe dar as costas e partir. Olhando em volta,
para aquele cômodo que parecia mais uma caixa apertada e
sufocante, Paolo ignorou a dor que ecoava em seu peito e tomou
uma decisão.
Estava farto de sua farsa, e colocaria um ponto final naquela
história de uma vez por todas.
C A P Í T U L O V I NT E E U M

P aolo abriu a porta do armazém abandonado sem qualquer


delicadeza, suas mãos se sujando da poeira grossa.
— Tommaso! — ele chamou e marchou para os fundos do lugar.
— Tommaso!
Mal sabia o que estava sentindo, mas não duvidava que
explodisse de tensão. Tão logo Iris sumira de vista, Paolo deixara a
casa dos patrões pronto para pôr um fim naquela situação, pronto
para se demitir, arrumar suas coisas e partir de volta para Chianti,
bem longe de toda aquela bagunça que fizera.
Bem longe dela, ainda que lhe partisse o coração deixá-la.
Ele merecia se sentir daquele jeito, um verdadeiro nada, o pior
dos canalhas. A lei do retorno era poderosa, Paolo agora descobria,
e a vida já estava lhe cobrando por ter tido a intenção de arruinar
pessoas boas, por ter bancado o justiceiro e cometido todos aqueles
erros.
Contudo, ainda não era tarde demais para recuar. Paolo estava
decidido. A carta de Matteo jamais chegara em suas mãos, mas os
diários de Spencer e o comportamento observado por ele seriam o
bastante para convencer Tommaso a abandonar aquela vingança.
Teriam de ser, pois Paolo se recusava fazer qualquer outra coisa
que pudesse ferir Iris, que pudesse atingi-la. Já causara estragos
demais em alguém que lhe oferecera apenas coisas boas.
— Tommaso! — Paolo voltou a gritar.
— Mamma mia, veja quem está nervoso! — Tommaso apareceu,
com um cigarro na mão. — O que está fazendo aqui a uma hora
dessas?
— Acabou — Paolo disparou. — Vim avisar que acabou.
Tommaso franziu as sobrancelhas e deu uma longa tragada no
cigarro.
— O que acabou?
— Tudo — Paolo afirmou. — Esta farsa que estou vivendo, essa
vingança. Eu não quero mais isto, irmão.
— O quê? — Tommaso se aproximou. — Do que demônios está
falando?
— Descobri por que não temos provas para arruinar Spencer.
Não há provas! Achei os diários do homem, ele estava apaixonado
por Giuliana.
— Apaixonado?
— Ele deixou Roma meses antes de Giuliana ser assassinada. O
sujeito parecia rendido por ela, Tommaso. Não faz sentido.
— E como chegou a essas conclusões?
— Li os diários!
Tommaso riu sem humor e balançou a cabeça em negativa.
— Diários que ele mesmo escreveu! É claro que Spencer está
mentindo, cavolo! Não posso acreditar que está permitindo que ele o
manipule.
Paolo soltou um suspiro longo, o cansaço dominando seu ser.
— Estou certo do que digo. Phillip Spencer não é o que
pensamos, não foi ele o responsável!
— Como prova isso? — Tommaso se livrou do cigarro. — Como
pode afirmar tal coisa? Quem então está com as mãos sujas pelo
sangue de Giuliana?
— Eu não sei, mas não é Spencer! Passei todos esses meses
tentando entender, tentando encontrar um sentido para não achar
nada que pudesse usar contra ele. Tudo se fez claro quando admiti
que estava equivocado — Paolo afirmou. — E, por isso, eu estou
recuando antes que cause estragos irreparáveis.
Mais estragos, sua consciência acusou. A lembrança dos olhos
magoados de Iris demonstrara que Paolo a ferira, ainda que não
tivesse a intenção.
— Paolo, estamos perto! — Tommaso fechou uma mão em
punho.
— Nós não… — Paolo murmurou, mas Tommaso não o deixou
prosseguir.
— E temos a irmã! A florzinha que vamos arruinar, para ao
menos fazermos algo e…
— Não! — Paolo gritou, firmemente, um trovão potente que
ecoava nas paredes do galpão. — Não temos nada, especialmente
Iris.
Os olhos de Tommaso escureceram e ele cerrou o maxilar.
— Você não a seduziu.
— Não.
— Por que não? Não era esse o combinado? Era isso ou eu a
emboscaria e…
— Você vai ficar longe dela! — Paolo apontou o dedo para ele.
— Juro por Deus, Tommaso, que se não me ouvir e se mantiver
longe dela, eu não respondo por mim.
Tommaso ficou um instante em silêncio, e então riu. O som
penetrou os ossos de Paolo, causando-lhe um arrepio sinistro.
— Inacreditável… Você gosta dela. — Não era uma pergunta. —
Você está traindo a memória de nossa irmã, me traindo, porque
gosta da garota?
— Não estou traindo ninguém.
— Você é um ninguém, Paolo. Acha mesmo que tem a chance
de conseguir algo sério com uma dama da nobreza?
As palavras doeram mais do que Paolo poderia descrever, ainda
que ele já soubesse daquele fato.
— Eu não espero nada, irmão, além de fazer o correto. Não vou
arruinar essas pessoas sem merecimento.
Tommaso puxou o ar fortemente, caminhando na direção oposta
a Paolo. Ele alcançou uma garrafa de bebida e tirou a tampa,
lançando-a com raiva para longe. Tommaso bebeu um longo gole
sem olhar para ele, sua expressão muito tensionada.
— Eu sei que é frustrante, Tommaso — Paolo falou baixo. — Sei
que sente-se impotente pela morte de nossa irmã. Eu também me
sinto, mas nada que façamos vai trazê-la de volta.
— Você não mencionou isso antes. — Tommaso voltou a se virar
para ele. — Você nem ao menos cogitou essa hipótese antes de
começar a trabalhar para eles. O que aconteceu, Paolo? O que
mudou?
Tudo.
Paolo sabia, dentro de si, que tudo tinha mudado.
Tudo por causa dela. Daquela dama adorável que o fez enxergar
que nada do que acreditava antes fazia sentido. E, ainda que
fizesse, ainda que Paolo pudesse fazer algo, ele escolheria não
fazê-lo. Não se custasse machucá-la. Entre sua sede de vingança e
os sentimentos da melhor pessoa que já conhecera, Paolo sempre
escolheria Iris.
Protegê-la era o mínimo que ele podia fazer, já que amá-la era
impossível.
— Eu não quero mais sentir-me assim, Tommaso. Eu quero me
livrar deste peso. Quero voltar para casa — confessou. Como
poderia seguir um caminho de ódio agora que conhecia o caminho
do amor? Amor… Dio Santo 1, Paolo estava mesmo perdidamente
apaixonado.
Tommaso chacoalhou a cabeça em negativa, seu maxilar tão
rígido que poderia quebrar. Paolo ficou tenso, esperando a resposta.
Tommaso parecia pensar, seu peito subia e descia devagar.
— O que pretende fazer? — perguntou o mais velho.
— Vou embora assim que possível. Vou voltar para a vinícola.
Ele assentiu e bebeu mais um gole do uísque barato.
— Acho que é isso, então. Seguimos por caminhos separados,
como combinado.
Fácil, assim? Paolo não tinha tanta certeza.
— Você ficará na Inglaterra? — perguntou Paolo.
Tommaso negou, voltando a se virar.
— Como ficarei em um lugar onde me caçam? — Ele jogou a
garrafa vazia no chão. — Vou voltar para o reino.
Suas emoções estavam afloradas, mas Paolo temia que
Tommaso ainda cometesse loucuras.
— Tommaso, o que vai fazer?
— Voltar para casa — repetiu o mais velho. — É o que me resta,
não é, irmão?
Paolo levou a mão à nuca, sua exaustão chegando ao limite.
— Tommaso, seja honesto comigo.
— Estou sendo. — Tommaso ergueu o queixo.
Hum. Paolo respirou fundo, em silêncio. Pela primeira vez em
sua vida, escolheu confiar no homem em sua frente. Ele se
despediu e caminhou devagar em direção à porta. Paolo se virou
novamente, o olhar escuro ainda focado nele.
— Pense bem no que fazer daqui para frente. Não precisa sujar
suas mãos.
— Eu aprecio seu sermão, mas dispenso. — Tommaso o fitou
por uma última vez. — Não se preocupe comigo, Paolo. Faça o que
pretende. Sei me virar.
Sem mais palavras, Paolo lhe deu as costas e partiu, com a
sensação intrigante de que seus fantasmas ainda voltariam para lhe
assombrar.

Quatro dias depois de ter seu coração despedaçado, Iris olhou no


espelho de seu quarto e avaliou o vestido de baile.
Não estava nem um pouco animada para comparecer ao
noivado de Phillipa Greenwood e Hugh Turner, mas prometera a
Lady Georgia que iria, então não havia escapatória.
Lidar com a dor de um coração partido era um tanto complexo.
Iris passara uma parte significativa do seu tempo chorando
escondido, mentindo quando Jasmine ou Phillip perguntavam se
estava bem, ao notar seu comportamento triste.
Uma enorme mentira, de fato. Deveria haver alguma coisa
errada naquela casa, para que todos os irmãos tivessem terminado
com dores do coração. Primeiro Jasmine, então Phillip — nada
tirava da cabeça de Iris que o irmão sofrera uma desilusão, ainda
que ele negasse —, e agora, ela.
Contudo, por mais que não entendesse o comportamento de
Paolo e por que ele a afastara após sua confissão, no fundo Iris
sabia que estava vivendo apenas o inevitável. Não importava que
estivesse disposta a lutar por ele, se fosse o caso. Não importava
que visse Paolo muito além do uniforme de lacaio. O envolvimento
deles estava fadado ao fracasso desde o início, Iris não era ingênua
de negar.
Ao mesmo tempo… por que então, a razão se escondia e a
deixava sofrer? Por que ela sentia que havia perdido tudo, que
deixá-lo se afastar era como perder uma parte de si, uma linda e
maravilhosa?
Se estar com Paolo era tão equivocado, por que sentia que
pertencia a ele, que era seu destino encontrá-lo?
— Iris — Jasmine entrou no quarto, terminando de colocar o
brinco —, estou bem? — Ela quis saber.
Iris correu os olhos pela irmã, pelo tecido brilhoso e azul do
vestido feito sob medida.
— Está linda como sempre.
Jasmine ofereceu-lhe um sorriso leve.
— Sou apenas eu ou não estamos muito animadas para este
evento?
Iris deu de ombros, conferindo o penteado mais uma vez.
— Não é impressão, mas prometemos à mamãe.
— Sim, sim, eu sei. Vamos de uma vez? Penso que quanto mais
cedo chegarmos, mais cedo podemos partir.
A caçula confirmou com um aceno. Elas desceram ao andar de
baixo e encontraram Phillip na entrada, com os braços cruzados nas
costas, vestido em sua casaca formal. Iris deu uma olhada ao redor,
procurando mesmo que involuntariamente pelo terceiro lacaio. Eles
praticamente não haviam se encontrado desde o fatídico momento.
Iris não sabia se lamentava ou agradecia aos céus por isso.
— Prontas? — Phillip endireitou a postura e suspirou.
— Os Spencers serão a família mais animada naquele salão —
Iris brincou.
Eles saíram da casa, entraram na carruagem e acomodaram-se
nos bancos de veludo verde-escuro, Phillip sentado em frente a
elas.
— Fiquei surpreso por Turner decidir se casar — Phillip
comentou.
— Ele está cortejando Phillipa há semanas — Jasmine
respondeu.
Phillip acenou com a cabeça.
— Eu… visitei Flavian hoje — o mais velho afirmou.
Iris lançou um olhar à irmã, cuja feição se enrijeceu na mesma
hora. Jasmine estava muito brava com Flavian, tanto que nem fora
mais visitá-lo após seu rompimento com Violet.
— Hum — ela murmurou.
— Ele está passando a maior parte do tempo acordado agora.
Ainda perturbado, porém…
— Não quero saber — Jasmine cortou o irmão.
Phillip arregalou os olhos, levantando as mãos na frente do
corpo em um sinal de defesa.
— Só achei que ficaria contente em saber que ele está ao menos
mais lúcido.
— Lúcido… claro.
— Acham que o casamento será quando? — Iris perguntou, na
tentativa de mudar de assunto. — Considerando que o mês de maio
já passou, acredito que Lady Phillipa e Lorde Hugh não devam
esperar muito, não é?
Ambos olharam para ela, sabendo o que acabara de fazer.
— Bem, espero que mamãe esteja aqui quando acontecer. —
Phillip recostou a cabeça no banco da carruagem. — Não desejo
comparecer a tantos eventos assim. Em realidade, estou me
preparando para uma viagem em breve.
— De novo? — Jasmine franziu a sobrancelha. — Para onde,
desta vez?
— América — Phillip afirmou. — Tenho alguns investimentos lá,
sem contar que Nova York me parece um lugar muito interessante.
— Quando pensa em ir? — Iris perguntou.
— Talvez no início do ano que vem. Vou me programar bem.
Os planos de Phillip foram o assunto entre os irmãos até que
entrassem pelas portas da residência estrondosa da Duquesa de
Sutherland. O baile estava impecavelmente decorado, flores
brancas e suspensas espalhadas em contraste com o verde das
folhagens. Velas longas iluminavam o ambiente, o lustre francês de
cristais no centro do espaço completando a sofisticação típica da
anfitriã.
Jasmine e Phillip dançaram a primeira música, assim como Iris
aceitou o convite de Lorde Rutherford — lá estava ele de novo —
para o minueto inicial.
— A senhorita está adorável, Srta. Spencer — ele disse a ela, os
cabelos louros jogados para trás.
— Obrigada, milorde. Agradeço o elogio — respondeu ela, com
educação.
— Pensei que a veria nos bailes da duquesa e da condessa.
— Eu estava fora da cidade, com minha irmã Poppy.
— Ah, sim. A viscondessa.
Iris deu uma pirueta, assentindo.
— Esperava vê-la — ele repetiu. — Fazer-lhe uma pergunta.
Ela sentiu cada músculo de seu corpo congelar, muito surpresa.
— Ah, sim?
Ele sorriu de lado, muito charmoso, embora Iris não se
importasse com seu charme.
— Tenho a intenção de me casar, Srta. Spencer. Estive atento
nesta temporada e a senhorita me pareceu… adequada. Pelos
flertes que trocamos, acho que poderíamos nos entender.
Adequada… tudo que ela queria ser para alguém, meses antes.
Você é a coisa mais linda em que já pus as minhas mãos, fora o
que Paolo dissera ao olhar para ela. Um belo contraste aquele. Um
abismo imenso entre as duas declarações.
Iris engoliu em seco, seu rosto inteiro quente.
— Minhas intenções são legítimas, contudo, não tenho certeza
se a senhorita estaria disposta a aceitar minha corte. — Sebastian
deu mais uma pirueta. — Estaria? Ou apenas perderíamos tempo?
A música parou e eles ficaram frente a frente. Iris ansiara por
aquele momento por muito tempo, pela chance de um compromisso
aceitável e estável. Até que, de repente, ela se deu conta de que
não ansiava mais. Não apaixonada por outro homem como estava.
Um que mostrara a ela verdadeiramente o que era sentir paixão.
Que a fizera flutuar, mesmo com os pés bem fincados ao chão.
Maldição.
Paolo a arruinara para qualquer outro homem.
— Eu acho que perderíamos tempo, milorde — Iris confessou. —
Mas eu agradeço pela sinceridade em me perguntar.
Sebastian não pareceu decepcionado. Não parecia que sentia
nada, na verdade.
— Foi um prazer dançar com a senhorita. — Ele levou a mão
enluvada dela aos lábios e a beijou, antes de se afastar.
Iris permaneceu no lugar mais um instante, tentando entender o
que acontecera nos últimos segundos.
— Iris? — Jasmine parou ao lado dela. — Está bem?
Ela apenas assentiu.
— Claro, estou cansada, apenas.
— Quer tomar um ponche? — sugeriu Jasmine.
Juntas, elas foram até a mesa de bebidas, servindo-se dois
copos.
— Quando acha que vão anunciar? — Iris conseguiu perguntar,
após um gole no líquido coral.
— Creio que em breve, afinal, já faz um tempo que começou.
Iris concordou novamente, suas pernas inquietas, a cabeça um
turbilhão. Esperava que a irmã estivesse certa e o anúncio
ocorresse logo. Tudo que ela queria era ir para casa, aproveitar a
própria solidão.

1 Tradução do italiano: Santo Deus.


C A P Í T U L O V I NT E E D O I S

“Roma, 1815 
Caro Mazza,
Finalmente consegui informações sobre o caso de sua
irmã. Não é muito, mas já aclara algumas coisas.
Os Palermo se solidificaram como a família mais
poderosa da cidade, o que exige certa cautela em investigá-
los. Precisei de um tempo para conseguir informações que
lhe servissem, visto seu objetivo de arruinar o tal Phillip
Spencer. Contudo, receio que tenha se equivocado. Um de
meus contatos trabalha em uma das fazendas da famiglia
mais ao norte. Os rumores correm rápido por lá, o que
acredito que foi bom nesse caso, já que algumas perguntas
foram o bastante para elucidar certos pontos.
Sua irmã foi mesmo assassinada por eles, uma dívida
paga com sangue. Não consegui exatos detalhes sobre os
negócios, tudo vindo de rumores. Ao que parece, o inglês
com quem ela se envolveu, Paul Wade, fez um empréstimo
com a desculpa de investir em uma fazenda de vinhos da
região. Nada relacionado a nenhum Spencer foi mencionado.
Quanto a Wade, ele mentiu e não pagou o devido, foi o que
disseram. A quantia era alta, significativa. Giuliana estava
envolvida com ele e pagou o preço com a própria vida. Ele
fugiu, de fato, mas não por muito tempo. Procurei nos
registros e jornais e consegui localizá-lo. Bem, a polícia
conseguiu, ao menos pedaços dele espalhados na fronteira.
Suponho que Wade encontrou seu destino e pagou com
juros. Há um ditado local que diz que com os Palermo não se
brinca, o que não tenho qualquer dúvida de que seja verdade.
Isso é tudo que consegui encontrar sobre o caso. Sinto
muito se não for o suficiente, assim como, mais uma vez,
sinto muito por Giuliana.
Escreva-me caso necessite de mais alguma coisa.
Desejo sorte em seus projetos, amigo.
M. Russo.”

P aolo terminou de guardar os diários de Phillip Spencer na


gaveta com fundo falso, a carta do amigo em sua mente.
Um dia depois de contar a Tommaso que pretendia ir embora,
chegara em suas mãos a informação de Matteo, o que apenas
confirmou aquilo que Paolo já sabia: Phillip Spencer não era o
homem responsável pela morte de sua irmã. Paul Wade, era esse o
nome do desgraçado. Um que encontrara o mesmo destino que ela
e agora estava morto, seus pedaços espalhados nas fronteiras de
Roma. Paolo voltou ao armazém abandonado, na intenção de
mostrar a Tommaso como estava certo antes, como Spencer não
era o culpado que procuravam. Não encontrou nada além de um
espaço vazio e cheio de poeira. Tommaso não perdera tempo em
deixar o local, sabe-se lá para onde e para fazer o quê.
Paolo fechou a gaveta e deu um suspiro cansado. Aquele era
seu último dia de trabalho em Garden’s House. Já conversara com o
mordomo e estava prestes a se trancar em seu quarto para arrumar
suas coisas e partir. Comunicaria aos patrões apenas na manhã
seguinte, para que o assunto não se prolongasse. Quanto à Iris…
por mais que lhe doesse na alma, Paolo decidira que o melhor era
não se despedir.
Parecia frio, e era, considerando o que haviam vivido, mas o que
ele poderia dizer? Adeus, bella, obrigado por me ter me mostrado o
que é o amor, ainda que eu seja um canalha infeliz. O discurso era
horrível, apesar de honesto, mas Paolo duvidava que Iris ficaria
satisfeita em ouvi-lo.
Ela estava melhor sem ele, não havia discussão. Agora que
deixaria a Inglaterra, Paolo não tinha dúvidas de que ela encontraria
seu lorde perfeito, se casaria e formaria uma linda família, tudo
dentro de seus padrões e realidade. A imagem de Iris sendo feliz
com outro fazia com que Paolo se retorcesse, embora soubesse que
não tinha esse direito. Seria um sujeito decente uma vez na vida e
desejaria o melhor a ela, que Iris encontrasse um palerma que ao
menos fosse merecedor de toda aquela perfeição.
Coisa que ele não era nem nunca seria. Algo que mudaria, se
tivesse a oportunidade. Céus, como se isso fosse possível… Paolo
não desejava mais alimentar qualquer ilusão. Voltaria de uma vez
para Chianti e para sua vida solitária, que estava certo de que, dali
para frente, seria mais triste. Exatamente o que ele merecia.
Levantando-se e arrumando a casaca, Paolo saiu do quarto de
Phillip e desceu até a entrada da casa em silêncio. O mordomo
pedira que comunicasse sua demissão a James, para que sem
demora o lacaio começasse a procura de um novo funcionário.
O homem estava parado na entrada, a expressão cansada e
postura reta como sempre.
— Sir, posso falar com o senhor? — Paolo se aproximou dele,
parando ao seu lado.
— Pois não, Vicenzo.
Paolo sentiu algo diferente ao ser chamado pelo nome falso, um
enjoo cortante. Ao menos havia uma coisa boa em partir. Poderia
deixar qualquer artimanha dissimulada para trás de uma vez.
— Preciso comunicar que…
Paolo parou ao observar Iris entrando pela porta da frente. O
primeiro lacaio também pareceu surpreso.
— Boa noite, milady — disse ele.
Iris sorriu levemente, seus olhos encontrando os de Paolo em
seguida.
— Milady. — Ele fez um aceno de cabeça.
— Voltei mais cedo. — Ela entregou a capa a James. — O
noivado não aconteceu. Ao que parece, há algo na água da cidade,
para fazer com que as pessoas mudem de ideia assim tão de
repente.
Paolo sentiu a acidez do comentário como um soco no
estômago.
— Jasmine ficou na casa do Sr. Jackson, mas Phillip passará por
lá depois — Iris se explicou. — Não sei se chegarão tarde.
— Eu ficarei atento, milady. — O lacaio sorriu para ela.
Iris não olhou para Paolo ao passar por ele e subir as escadas.
Ele virou para trás, o cheiro doce ainda em suas narinas, e
acompanhou com os olhos o movimento das saias do vestido em
silêncio.
— Vincenzo, você dizia? — James quis saber.
Paolo voltou a encarar seu superior.
— Já comuniquei o Sr. Banner e ele pediu que falasse com o
senhor. Eu me demiti. — Ele forçou a concentrar-se no rosto do
homem. — Devo partir amanhã.
James assentiu, sem transparecer qualquer surpresa ou
emoção.
— Sugiro que fale com o Sr. Phillip Spencer, já que Lorde
Wallace está fora da cidade.
— Farei isso antes de ir.
— Pois bem. Se eu não encontrá-lo mais, foi um prazer conhecê-
lo. Seus serviços foram muito satisfatórios.
Paolo agradeceu gentilmente e observou o sujeito sumir corredor
adentro.
Ele ficou parado no lugar, pensando que deveria descer as
escadas até seu quarto e se trancar ali. Contudo, a ideia de partir
sem se despedir de Iris passara a doer mais do que ele podia
suportar, agora que a tinha visto.
Paolo respirou fundo, tirou a peruca e cerrou os braços ao lado
do corpo. Ir atrás dela não era uma boa ideia. Ele já a magoara
demais, o melhor de tudo era deixá-la em paz de uma vez.
Ah, mas a quem estava querendo enganar? Que ridículo ele era,
ao pensar que poderia simplesmente lhe dar as costas.
Em silêncio, Paolo subiu degrau por degrau, martirizando-se por
não ser mais forte. Ele chegou à porta entreaberta do quarto de Iris
e parou, tentando num último segundo recuar.
É claro que não conseguiu.
— Iris? — Ele deu duas batidas na porta, encontrando-a perto da
penteadeira. — Posso entrar?
Iris já havia colocado os óculos de aros dourados e tirado os
sapatos.
Estava mais linda do que nunca.
— O que quer?
— Preciso falar com você.
Ela fez um gesto indicando que entrasse.
— Estou surpresa que me chame pelo primeiro nome —
comentou ela.
Sua voz não era sarcástica. Era triste. Algo que fez com que
Paolo quisesse bater em si mesmo.
Ele encostou a porta suavemente.
— Eu sei que está brava comigo, mas…
— Brava? — Iris riu sem humor. — Não estou brava com você,
Paolo. Estou muitas coisas, mas brava não é uma delas.
Os olhos castanhos encontraram os dele, não tão brilhantes
quanto ele se lembrava.
— Sabia que Lorde Rutherford me tirou para dançar hoje? — ela
perguntou, provavelmente porque ele ficou em silêncio por muito
tempo.
Paolo sentiu os ciúmes correndo por suas veias, potente a ponto
de fazê-lo cerrar os punhos. Tentou espantar a imagem do
almofadinha tocando nela, sorrindo-lhe presunçosamente, olhando-a
com segundas intenções. Santo Deus, não era ele que há pouco
estava decidido a desejar o melhor para Iris? Aquele espírito de bom
samaritano morrera com muita facilidade.
— Tirou? — Paolo perguntou, entre os dentes.
Ela assentiu.
— Sim. Ao que parece, ele tinha mesmo a intenção de me
cortejar. A melhor das intenções. Minha mãe, Jasmine, até mesmo
você estava certo. Ele estava mesmo interessado em mim.
Paolo fez o possível para manter o tom de voz inalterado. Iris
sabia que estava atingindo-o com aquele comentário. Ela era muito
esperta, e ele certamente merecia a provocação.
— Era o que você queria, não era?
Iris fechou a expressão e balançou a cabeça em negativa.
— Não, Paolo, eu queria outra coisa e você sabe muito bem.
Foi a vez dele de negar.
— Em breve você vai perceber que estou certo — ele afirmou. —
Que seu mundo e o meu não conseguem coexistir. Que seu lugar é
mesmo ao lado dele, em bailes refinados e cheios de glamour.
— Aí está você, mentindo de novo!
— Não estou mentindo! Iris, é impossível que não perceba que…
— O que veio fazer aqui? — Ela deu um passo à frente. — O
que quer? Me torturar?
— Eu vim me despedir — Paolo disparou.
Foi como se ela levasse um golpe. Iris se retraiu, parecendo
sentir dor.
— Despedir?
Paolo teve que usar toda a força que tinha para não tomá-la nos
braços.
— Eu estou voltando para Chianti. Hoje foi meu último dia.
Iris piscou entre lágrimas, seu queixo repentinamente trêmulo.
Ah, ela acabava com ele com tanta facilidade…
— Iris…
— Tudo porque confessei que amo você? — A voz de Iris saiu
trêmula.
Paolo não esperava por aquela pergunta. Não esperava o
impacto das palavras.
— Eu não…
— Você está fugindo — Iris afirmou. — Você se envolveu
comigo, se aproximou, me afastou como se eu não tivesse
importância e agora…
— Estou indo embora porque não consigo mais suportar! —
Paolo disparou, sem se controlar. Não aguentava mais aquela
pressão em seu peito, aquela angústia. — Se pensa que fiz o que fiz
por não me importar, você está bem equivocada, bella. Quem dera
eu não me importasse. Quem dera você não tivesse me enfeitiçado,
cavado um túnel até meu coração escuro e feito morada ali. Quem
dera eu tivesse me protegido de você, desses sentimentos que
estão tirando meu juízo.
— Então é mais fácil fugir? — Iris rebateu. — Sente coisas por
mim, mas prefere fugir!
— Porque me dói ter te machucado, ter te enganado como fiz.
Me dói não ser digno de você.
— Por que fica repetindo isso? Eu o amo exatamente como é, eu
não me importo com nada disso!
— Você não me conhece, Iris!
— Sim, sim, eu conheço. — Iris terminou de diminuir a distância
entre eles. — Eu conheço, assim como você me conhece. Eu amo
você, eu senti exatamente o que você sentiu também.
Paolo tentou dar um passo para trás, seu peito prestes a
explodir. Iris não permitiu. Perfeita e forte como era, ela levou a mão
ao peito dele, na altura de seu coração.
— Isso é real, Paolo. Essas batidas são reais. — Ela pegou a
mão dele e fez o mesmo, espalmando-a no próprio peito. — Tão
reais que elas se confundem com as minhas.
Iris mergulhou no olhar dele, aprisionando-o com nenhuma
oportunidade de escape.
— Pare de negar algo tão lindo… — murmurou ela.
— Eu não posso ficar, ou não vou conseguir manter minhas
mãos longe de você — disse ele, em desespero. — Eu não sou tão
forte.
— Pare de negar — ela repetiu.
— Me mande embora, Iris. — Paolo fechou os olhos e colou a
testa na dela. — Eu não sou forte o bastante, me mande embora.
Iris negou com um aceno, sua voz carregada de certeza.
— Fique. — Seus olhares se encontraram e ele soube o que
aquele brilho significava. Estava completamente perdido. — Fique e
me ame, Paolo — disse ela.
Ele não teve nenhuma chance. Nada mais importou além
daquelas batidas, de suas almas se conectando, da necessidade de
tomá-la para si e amá-la como Iris lhe pedia. Não havia mais como
negar. 
Paolo era dela. Foi um caminho sem volta.
C A P Í T U L O V I NT E E T R Ê S

F inalmente, em seus braços.


Iris estava com o corpo colado ao dele, as mãos de
Paolo mantendo-a segura. Ainda assim, não era suficiente. Não
agora que ele tinha parado de lutar, parado de resistir ao destino.
Iris o tinha finalmente nas mãos, e não o deixaria escapar.
Ah, mas ela não deixaria mesmo.
— Há algo que eu preciso lhe contar — Paolo falou, apertando-a
contra si.
— Agora não. — Iris não permitiria que ele estragasse esse
momento.
— Iris, por favor. Você precisa me escutar…
Ela colocou um dedo sobre seus lábios.
— Prometo ouvir tudo depois, mas nada do que você diga
mudará minha decisão. Eu quero ser sua, Paolo. Eu amo você.
Ela o ouviu suspirar, de olhos fechados.
— Tranque a porta — Paolo sussurrou, junto aos lábios dela.
Iris se afastou e foi até a porta, trancando-a. Paolo respirava
pesado ao correr o olhar por ela, seus olhos flamejantes, sua
cabeça levemente inclinada para o lado.
— Vou fazê-la minha, Iris — ele a alcançou num passo largo —,
totalmente minha, sem chance de retorno.
Era tudo que ela mais queria.
— Sim, me faça sua.
Paolo ergueu a mão e tirou os grampos do cabelo dela, soltando
as madeixas escuras e sedosas. Parecendo faminto, ele mergulhou
o nariz no pescoço delicado, inspirando e beijando toda a extensão
de pele, cada pedaço e ponto sensível que reagia a ele com total
entrega. Não foi delicado ao puxar o decote do vestido de baile para
baixo, Iris conseguiu ouvir a costura se rasgando.
— Eu perdi essa batalha há muito tempo… — Paolo confessou e
olhou para ela, liberando um seio do corpete apertado. O mamilo
sentiu o ar fresco e enrijeceu-se no mesmo instante. — Resistir a
você, eu jamais conseguiria fazer isso. Mesmo não te merecendo,
eu sou seu.
Ela quis rebater, dizer que ele a merecia, sim, mas aquela
conversa podia esperar. Paolo a pegou nos braços como se Iris não
pesasse nada e a levou para a cama. Ela agarrou sua nuca e voltou
a beijá-lo, abrindo caminho com a língua, sedenta, tirando o atraso
de todos aqueles dias longe dele.
Ela o beijou com saudades. Querendo esquecer todas aquelas
últimas noites, sentindo falta daquele toque, desejando deixar para
trás todas as dúvidas e tristeza que sentira ao pensar que o havia
perdido. Era como se o mundo girasse no eixo certo outra vez,
como se ela conseguisse respirar melhor e a vida fizesse sentido.
Céus, como era possível que estivesse tão apaixonada daquela
forma? Como era possível alguém conseguir guardar dentro de si
tanto amor? Quão sortuda ela era por sentir-se assim?
— Deixe-me tirar seu vestido. — As mãos grandes foram até as
costas dela, mas Iris o impediu. — Quero você sem nada, Iris. Vou
aproveitar cada parte sua.
Paolo certamente gostava de falar, de anunciar em voz alta as
intenções profanas que tinha com ela. E Iris amava ouvi-lo, queria
que ele sussurrasse em seus ouvidos cada gesto ou desejo que
guardava dentro de si.
— Eu faço — disse ela. — Quero ver você também. Tire as
roupas para mim, Paolo.
Um sorriso devasso se formou no canto dos lábios e Paolo
obedeceu.
— Como quiser, milady — ele a provocou.
Ela pôs os óculos de lado e Paolo ficou em pé, se afastando um
pouco. Ele abriu vagarosamente os botões da casaca azul, e então
do colete e a gravata branca. Puxou a camisa marfim de dentro das
calças, tirando-a pela cabeça. Iris se esqueceu de terminar de abrir
os botões do vestido, hipnotizada pela virilidade em sua frente, no
monte de músculos coberto de pele e pelos, nos ombros largos, no
peito forte e barriga desenhada. Lindo, absolutamente lindo.
— Você não está fazendo sua parte. — Paolo apontou com um
gesto de cabeça, tirando as botas.
Iris soltou uma risadinha e continuou a abrir o vestido. Ele
pareceu esperá-la, umedeceu os lábios e acompanhou enquanto ela
puxava todo o tecido para baixo. Iris gostava de ser observada,
então tentou ser sedutora, livrando-se do espartilho bem devagar,
cada movimento calculado.
— Tire — ordenou ele, se referindo à chemise.
Iris tirou-a. Ficou apenas pele e meias de seda, inteira nua para
ele.
— Sua vez — ela murmurou, contendo o reflexo de se cobrir.
Paolo finalmente abriu os botões das calças escuras, puxando-
as para baixo, revelando-se.
Santo Deus, quanta coisa! O coração de Iris disparou no mesmo
instante. O membro rígido e longo apontava para cima, glorioso. Iris
se perguntou por um momento se tudo aquilo caberia nela. Se seria
possível.
— Eu sou um homem grande — Paolo afirmou.
— Eu posso ver… — respondeu ela, corando da cabeça aos
pés.
— Vamos fazer funcionar. — Paolo se aproximou, ajoelhou-se ao
pé da cama e puxou Iris pelas pernas. — Não se preocupe, vou
deixá-la pronta para mim.
Ela não duvidava disso, mas não negava estar nervosa. Iris tinha
os conhecimentos necessários para não parecer tão tola na
consumação do ato. Bem, ao menos pensava que sim. Ainda assim,
teoria e prática eram coisas bem diferentes.
— Não quero que tenha melindres comigo. — Iris acariciou o
rosto dele.
— Quando foi que fiz isso? — Paolo beijou a panturrilha dela, e
então a lateral do joelho. — Você sempre pediu atrevimento. — Ele
abriu suas pernas, deixando-a completamente exposta. — Você
gosta disso. Já está molhada, não está?
— Por que não vê você mesmo? — Iris retrucou.
Os olhos cinzentos formaram uma tempestade de desejo,
focados nela com uma intensidade de outro mundo. Paolo puxou-a
para mais perto, o máximo que conseguiu, e esfregou levemente o
nariz pela pele macia. Ele aproximou os dedos dos pelos íntimos e
gentilmente abriu as dobras dela, como alguém disposto a explorar
cada centímetro daquele lugar secreto.
Iris se contorceu, já muito excitada, pulsando.
— Muito molhada… — Ele sorriu, umedecendo os próprios
lábios. — Vou matar minha sede de você, bella.
E ele realmente fez isso. Iris não suportou todas aquelas
sensações maravilhosas e jogou a cabeça para trás, rendendo-se
enquanto Paolo a explorava com a língua, sugava seu ponto mais
sensível, brincava e torturava o clitóris inchado. Iris sentiu a pressão
quando ele inseriu um dedo ali, penetrando-a em vai e vem.
— Tão apertada… — Paolo voltou a sugar o pontinho de prazer.
— Tão minha.
— Sou inteira sua… — Iris arfou com o segundo dedo, o prazer
crescendo dentro de si, potente e em espiral.
Ele continuou fazendo sua mágica até que ela não aguentasse
mais e explodisse em milhares de pedacinhos. Iris agarrou os
lençóis macios e se jogou, flutuou mais uma vez, em completo
êxtase. Paolo manteve-se ali até que ela se acalmasse, até que
conseguisse voltar a si.
Ele subiu o corpo e a beijou com calma, seus lábios corados e
com o gosto dela.
— Quero você, Iris — disse Paolo. — Quero tanto você.
— Vem. — Iris abriu mais as pernas, para que ele se
acomodasse entre elas. — Me possua, Paolo.
Ela sentiu a cabeça do membro roçar em sua fenda molhada, a
pressão e antecipação do ato. Paolo acariciou um seio com o
polegar e o indicador áspero e avançou.
Iris mordeu o lábio e o agarrou pelos ombros ao senti-lo penetrá-
la. Doeu, embora ela não quisesse estar em nenhum lugar que não
ali.
— Shh… tente relaxar — Paolo sussurrou em seu ouvido, dando
beijos perto de sua orelha. — Não vou machucar você.
Ela sabia disso, mas, ainda assim, era muita coisa. Iris era
mesmo muito apertada, e estava sentindo cada momento daquela
invasão. Ela assentiu e gemeu baixinho quando ele avançou um
pouco mais. Paolo encontrou o seu olhar, os olhos cinzas atentos às
reações dela, preocupados.
— Quer que eu pare?
Iris negou, abraçando-o.
— Não, por favor, não. Apenas… deixe-me acostumar.
Ele concordou e cobriu a boca de Iris com a sua. A língua macia
dançou lentamente, explorou cada pedaço, cada parte. Beijá-lo
sentindo-o dentro dela… era divino. Uma fusão de corpos e
texturas, de cheiros e sensações maravilhosa. Era certo. Paolo
subiu o toque pela lateral do corpo macio, massageou os seios dela
lentamente, substituiu os dedos pelos lábios, tomando um mamilo
durinho na boca. Entre carícias e lambidas, Iris começou a relaxar.
Ele investiu mais uma vez, e então outra, até que ela estivesse
completamente rendida.
Iris imaginou-se muitas vezes naquela posição, fazendo amor
com alguém que a quisesse. Muitas vezes, colocara-se no lugar das
mocinhas de seus livros, imaginava o toque em sua própria pele, as
texturas. Mas havia algo nas páginas que lia, algo que transpassava
os atos físicos. Havia o romance. A sensação de que duas almas se
uniam e se descobriam no ato sexual, de que aquele contato era
apenas uma materialização de algo muito maior. De que era uma
representação do amor.
Iris se emocionou ao se dar conta de que estava vivendo
exatamente aquilo. Aquele encontro, aquela conexão.
— Iris… — Paolo buscou seu olhar. — O que foi?
— Eu amo você. — Ela sentiu uma lágrima escorrer em sua
bochecha. — Esperei tanto tempo por você, Paolo.
Paolo a fitou como um homem encantado. E, diferente do que
fizera dias antes, ele agora claramente aceitava aquele amor.
— Você é um sonho, bella mia… — Ele se mexeu, deixando-a,
mas não completamente, e voltando mais uma vez. — Céus, como
tive tanta sorte em encontrá-la?
Iris queria ser mais forte para conseguir aproveitar tudo que
estava acontecendo, para se prender naqueles olhos cinzas,
observar o brilho determinado e entregue com que Paolo a fitava.
Queria conseguir beijá-lo, abraçá-lo e se abrir, queria tocá-lo em
todos os lugares, mas tudo que ela pôde fazer foi se entregar. 
Seu interior se apertava, sua intimidade pulsava, já acostumada
à grandeza dele. O encaixe que antes não parecia poder dar certo
era perfeito, Iris nunca teve tanta certeza de que pertencia a uma
pessoa, de que duas almas fossem predestinadas a estar juntas
como naquele momento.
— Fale comigo, amore mio 1 — ele pediu, seu rosto atento ao
dela. — Diga-me o que sente.
Iris tentou falar, embora a emoção estivesse lhe subindo pela
garganta.
— É perfeito… — foram as palavras que saltaram de sua boca.
— Eu vou me desmanchar, Paolo.
Paolo sorriu e investiu com mais voracidade, mais urgência.
— Ti amo tanto… — ele sussurrou no ouvido dela, bem a tempo
do orgasmo a arrebatar. — Tanto…
Iris explodiu de novo, ondulou em seus braços. Espasmos
incontroláveis a tomaram, tanto que ela pensou que não fosse
aguentar, que jamais conseguiria voltar ao normal. Tremendo
também, ele saiu de dentro dela, estremeceu fortemente e por
longos minutos, derramou-se nos lençóis.
Demorou um tempo para que ela pudesse raciocinar de novo.
Devagar, ela se fez ciente do som das respirações que se
acalmavam, do perfume dos corpos, do ar quente que os envolvia.
Seus olhos pesaram ao olhar para ele, que encarava o teto,
parecendo igualmente zonzo.
— Isso foi… — Paolo respirou fundo, e então de novo. — Dio
Santo.
Iris riu baixinho. Meu Deus, de fato.
Paolo encontrou o olhar dela, seu rosto parecendo iluminado.
— Você está com sono… 
— Um pouco. — Iris piscou os cílios longos.
— Fique acordada para que eu possa cuidar de você — Paolo
sussurrou, beijando a ponta do nariz dela.
Iris concordou e o observou se levantar, em direção à cômoda de
madeira. Ele pegou um pano e o umedeceu na bacia, torcendo-o.
Paolo limpou a si mesmo, Iris conseguia ver um pouco de sangue
ali. Ela olhou para as próprias pernas, suas coxas manchadas de
vermelho. Paolo voltou para a cama e passou o tecido com
delicadeza na pele dela, tão cuidadoso que Iris se apaixonou ainda
mais por ele naquele instante.
— Dói?
— Não, só estou um pouco sensível — respondeu ela.
Paolo assentiu, concentrado na tarefa. Quando terminou, ele
deixou o pano de lado e voltou a se juntar a ela na cama, cobrindo-
os com o lençol.
— Venha cá. — Ele a tomou nos braços, o rosto de Iris
descansando em seu peito. — Posso ficar aqui? — perguntou ele.
Iris olhou para cima, os olhos pesados de sono.
— Proíbo-o de ir a qualquer lugar.
Paolo beijou sua testa e a abraçou mais forte.
— Estarei aqui quando acordar, amore mio.
Com o som grave que ela tanto amava, Iris adormeceu em paz.

1 Tradução do italiano: meu amor.


C A P Í T U L O V I NT E E Q U AT R O

O raio do sol da manhã invadia o quarto, o cômodo refinado


iluminado pela luz gentil. Sentindo os lençóis macios e que
cheiravam à limpeza, Paolo abriu os olhos e constatou, para sua
felicidade, que a noite anterior não havia sido um sonho.
Iris estava ali, com ele. Verdadeiramente ao seu lado.
Ele olhou para o rosto adormecido, para a mulher maravilhosa
que ela era. Céus, Iris ficava mais linda a cada instante que se
passava, ele se perguntava como ela conseguia tal proeza.
Devagar, Paolo passou a mão suavemente na lateral do braço
dela, um toque sutil, mas que foi o bastante para despertá-la. Ela
abriu os olhos escuros e sorriu imediatamente ao encontrar o olhar
dele.
Um sorriso que ele esperava contemplar pelo resto de sua vida,
em todas as manhãs possíveis.
— Bom dia… — murmurou ela, com a voz rouca.
— Bom dia, amore mio.
Iris respirou fundo, sua expressão serena e pacífica.
— Dormiu bem?
Ele concordou com um aceno de cabeça.
— Sim, e você?
— Muito bem. Gosto muito que esteja aqui comigo. De acordar
ao seu lado.
Paolo levantou o canto da boca, seu interior dominado por mais
emoções do que poderia contar.
— O que está pensando? — Iris perguntou, após alguns
segundos de silêncio.
Paolo deu de ombros, sua mente ainda um turbilhão que tentava
entender as últimas horas.
— Há muito a se pensar.
— Está arrependido?
Ele negou.
— Jamais, é claro que não estou. A noite de ontem… foi a
melhor de minha vida.
Iris respirou fundo. Embora tentasse disfarçar, Paolo sabia que
estava nervosa.
— Você ainda pretende ir embora? — questionou ela.
— Não. Não posso ir depois do que houve.
— Porque me comprometeu?
Ele riu sem humor, aproximando-se mais.
— Porque eu amo você, Iris. — Seus olhos mergulharam nos
dela. — Te disse ontem, io ti amo. Jamais conseguiria me afastar de
você.
Iris sorriu, seu rosto inteiro iluminado a ponto de fazê-lo perder o
fôlego.
— Por que essa expressão preocupada, então? — Ela acariciou
a linha no maxilar dele.
— Porque teremos muito o que enfrentar agora que estamos
juntos.
— Estou disposta a lutar por você — Iris afirmou, com tanta
certeza que o coração de Paolo poderia explodir.
Àquela altura, ele já chegara à conclusão de que jamais se
sentiria digno dela, de que a pureza e o amor oferecido por Iris
sempre seriam muito mais do que ele merecia, mais do que poderia
esperar. Contudo, ele estava disposto a tentar. A amá-la todos os
dias, a fazê-la feliz, a construir uma vida com ela e oferecer-lhe tudo
que estivesse ao seu alcance.
Bem, se ela lhe permitisse isso. Porque Paolo ainda precisava
contar-lhe tudo. Jamais conseguiria seguir com ela se não revelasse
os verdadeiros motivos que o levaram até a Inglaterra. Só esperava
que Iris pudesse lhe perdoar. Céus, ele não fazia ideia de como
viveria se a perdesse.
— Eu sei que nossa situação é complicada. — Iris fez um
carinho no peito dele. — Sei que nos julgarão por nossas origens,
mas eu não me importo com isso, Paolo.
Se apenas isso fosse o que precisariam enfrentar. Suas classes
sociais eram a última preocupação de Paolo. O último item de sua
lista de dificuldades.
— Querida, talvez precisemos enfrentar mais do que isso.
— Então enfrentemos — Iris afirmou. — O que quer que seja,
estarei ao seu lado.
— Preciso contar a você muitas coisas. — Paolo fez um carinho
no cabelo dela. — Preciso que me escute, que…
Iris não o deixou terminar, beijando-o e puxando-o para perto.
Ah, como ele conseguiria prosseguir daquela forma? Iris Spencer
era mesmo uma feiticeira, que arrancava tudo que desejava dele.
— Iris…
— Faça amor comigo de novo. — A mão pequena deslizou no
peito dele, a ponta dos dedos roçavam em sua pele a caminho do
membro já excitado.
Paolo buscou o olhar dela, sem nenhuma intenção de dizer não.
— Não está dolorida? — Ele passou a mão pela lateral do corpo
macio, pela curva dos seios, a cintura, e parou ao chegar ao traseiro
redondo.
— Não estou, me sinto ótima.
Ele sorriu com a empolgação na voz dela, com a visão daquele
rosto delicado e cheio de vida olhando para ele, dos lábios corados
e cheios chamando-o. Ainda assim, Paolo não queria machucá-la,
assim como não queria dizer não àquele pedido impossível de se
resistir.
— Paolo, pare de pensar tanto… — Iris o provocou, inclinando-
se e lambendo a curva de seu pescoço. — Estou bem, de verdade.
— Eu acredito em você. — Ele ergueu uma sobrancelha, deitou-
se de costas e puxou-a para cima de seu corpo. — Mas acho
melhor que tenha o controle agora.
— Como? — Iris perguntou.
Paolo sussurrou no ouvido dela. 
— Quero que me monte. — Ele deu um beijo no lóbulo sensível.
— Você está no comando, bella. Faça o que quiser de mim.
Ela se tingiu daquele tom de rosa que ele tanto amava,
assentindo. Paolo se livrou das cobertas e indicou para que Iris se
sentasse em cima dele, o corpo escultural e os seios empinados e
brancos o encarando. Sua mão áspera subiu desde a barriga até os
mamilos rígidos, beliscou os biquinhos e torceu-os. Iris fechou os
olhos e gemeu com a carícia.
— Você é linda — Paolo falou, suas costas bem apoiadas no
colchão. — Uma musa.
— Pensará em mim quando quiser se inspirar? — Iris perguntou,
seu quadril roçando em Paolo, as mãos macias apoiadas no peito
dele.
Paolo riu roucamente, sem parar seu toque, chegando nos pelos
macios entre as pernas dela.
— Sempre. Para todo o sempre, você será a única a me inspirar.
Iris mordeu o lábio quando ele a abriu, os dedos longos
torturando-a até que ficasse molhada. Ela começou a se
movimentar, buscando um atrito com o corpo dele, a ereção roçando
uma e outra vez em seu lugar mais íntimo.
— Me deixe senti-la, Iris — Paolo implorou, já desesperado. —
Deixe-me entrar em você.
Iris se movimentou apenas o bastante para facilitar o encaixe,
mas parou ao tocar no pênis rijo, sua mão agarrada à extensão com
curiosidade.
— É macio… — ela murmurou, movimentando a mão para cima
e para baixo. — Como um veludo em aço… tão bonito.
Ah, ela o iria matar. Paolo parecia um jovem inexperiente perto
dela, pois apenas um toque já o levava às alturas, o suspendia no
ar.
— Iris… por favor…
— O que você quer, caro mio?
Mocinha travessa e cruel…
— Você. Por favor, me ponha dentro de você.
Ele gemeu alto quando sentiu-a apertá-lo, a extensão deslizando
na cavidade estreita e quente, maravilhosa. Iris ficou um pouco
tensa, deslizou com cuidado, parecendo sentir cada centímetro.
— Respire. — Paolo encontrou o olhar dela, seu maxilar rígido
ao tentar conter seu desejo. — Devagar, não temos pressa.
Iris assentiu e guiou o ritmo, descendo lentamente, até ficarem
completamente unidos.
Paolo sorriu com o prazer que o dominou, com a estupefação.
Ele agarrou o traseiro dela e guiou seus movimentos, ensinando-a.
Iris se mexeu, encontrou o próprio ritmo, cavalgou-o com vontade,
com ímpeto.
— Que delícia. — Ela sorriu.
Paolo não conseguiu se conter e fez o mesmo. Ele tirou as
costas do colchão e passou os braços atrás das costas dela,
apoiando-a. Iris se amparou nele, curvou o corpo e permitiu que ele
sugasse seus seios, que a beijasse de baixo para cima. Paolo
assumiu os movimentos, arfante, concentrado. E quando seus olhos
encontraram as duas estrelas cintilantes… foi demais para ele, mais
do que conseguiria descrever.
Aquilo que estavam fazendo era mais do que sexo, mais do que
satisfação física. Era amor. Pela segunda vez em sua vida — a
primeira tinha sido há poucas horas — ele se entregava de corpo e
alma a uma mulher que o amava exatamente como era. Uma que
fora feita para ele.
Uma que estava destinada a ser sua, ele agora sabia.
— Amo você… — Iris sussurrou em seu ouvido, contorcendo-se
ao atingir o clímax.
Paolo fechou os olhos fortemente e saiu de dentro dela,
explodindo em sua barriga. Suas testas se colaram, suadas. Iris
soltou um risinho baixo.
— Eu gostei dessa posição — ela comentou.
— Gostou? — Paolo olhou para ela e afastou uma mecha de
cabelo do rosto corado.
Ela balançou a cabeça para cima e para baixo.
— Muito.
— Vou ensinar a você muitas posições — Paolo afirmou. —
Todas que quiser.
— Estou ansiosa para…
— Iris! — Uma batida na porta fez com que se sobressaltassem,
assustados. — Iris, abra!
Iris arregalou os olhos e encarou Paolo.
— É Jasmine — ela sussurrou.
— Vou me esconder. — Paolo foi rápido em tirá-la de cima dele.
Ela parecia perdida ao correr até a cômoda e pegar um paninho
para se limpar.
— Iris! — Jasmine voltou a insistir.
— Um minuto! Eu estava dormindo, já estou indo! — Iris
respondeu. Paolo juntou suas roupas do chão, vestiu as calças
rapidamente e olhou ao redor, procurando o melhor lugar para se
esconder.
Iris vestiu uma camisola e apontou para os fundos do quarto.
— Atrás da cortina — sussurrou ela, se aproximando.
— Tudo bem.
— Paolo. — Iris segurou em seu braço antes que ele
conseguisse se mexer. — Não estou pedindo para que se esconda
porque tenho vergonha de você. Eu apenas…
— Iris, atenda sua irmã. — Ele roubou um beijo dela. — Sei por
que estou me escondendo, não podemos revelar o que temos dessa
forma.
Iris respirou aliviada e concordou, acompanhando-o enquanto
Paolo se escondia nas cortinas.
Ele segurou a vontade de rir, ao pensar que era a segunda vez
que isso acontecia. Jasmine certamente tinha um talento para bater
nas portas em momentos inoportunos.

Assim que Paolo ficou imóvel atrás do tecido pesado, Iris respirou
fundo, ajeitou o cabelo e foi até a porta, ver o que raios Jasmine
queria àquela hora da manhã.
— Bom dia. — Ela abriu a porta, um pouco mais afoita do que
gostaria.
— Por que se trancou? — Jasmine entrou sem pedir licença.
— Nem percebi — Iris mentiu, e somente então percebeu que a
irmã ainda usava o vestido de baile. — Você chegou agora?
Jasmine suspirou em frustração e pressionou as têmporas.
— Você viu Phillip? Quero pegá-lo pelo pescoço e enforcá-lo por
se esquecer de mim.
Iris franziu as sobrancelhas, em confusão.
— Como assim, por se esquecer de você?
— Lembra-se que ontem combinamos que ele me deixaria na
casa do Sr. Jackson e passaria para me pegar depois?
— Sim, lembro.
Jasmine sentou-se na cama e tirou o cabelo dos olhos.
— Pois ele se esqueceu de mim! Não passou para me pegar e
não me deu satisfações! Tive que passar a noite lá. Violet e o Sr.
Jackson iam caminhar agora de manhã e me fizeram companhia até
em casa.
Era difícil para Iris acreditar naquela história, não que pensasse
que Jasmine estava mentindo, mas porque Phillip jamais tivera esse
tipo de comportamento.
— Não consigo entender. Phillip jamais nos esqueceria, por
qualquer motivo que fosse.
— Eu sei que não — Jasmine afirmou —, mas nosso irmão está
muito diferente desde que voltou de Roma. Ele não voltou para
casa? Imaginei que talvez tivesse bebido além da conta ou algo
assim.
— Não que eu tenha visto — respondeu Iris.
Mas ela não era a melhor pessoa para responder aquela
pergunta, considerando o quão ocupada estivera com seu italiano
delicioso.
— E o que fazemos? Procuramos por ele? — Jasmine
questionou.
— Ora, não vejo por que nos alarmarmos tanto. Ainda é cedo,
nosso irmão pode ter se divertido demais ontem. Vamos esperar até
a hora do almoço — sugeriu Iris, tentando conter a leve pontada de
preocupação que sentia.
Jasmine respirou fundo, finalmente dando de ombros.
— Estou muito cansada, acho que vou tirar uma soneca.
— Isso. Se Phillip não aparecer até a hora do almoço podemos
procurar Jack. Aí sim, acho que devemos fazer algo.
Jasmine assentiu e se levantou.
— Desculpe acordá-la. Vai voltar a dormir?
Iris corou um pouco, mas conseguiu sorrir seu melhor sorriso
sonso.
— Vou descansar, sim. Meus pés estão um pouco doloridos
depois do baile de ontem.
Jasmine arregalou os olhos, como quem se lembrava de algo
muito importante.
— Por falar nisso, tenho uma fofoca: estão dizendo que Hugh
Turner não compareceu ao baile porque foi atrás da criada pessoal
de Phillipa.
— O quê? — Iris abriu a boca em surpresa.
— Exatamente! Um imenso escândalo, pretendo ir atrás de mais
informações mais tarde.
— Mantenha-me informada. — Iris deu uma risadinha,
acompanhando a irmã até a porta. Queria saber mais daquela
história, mas não com Paolo escondido seminu a poucos metros
delas.
— Estarei em meu quarto, caso precise de mim — Jasmine
avisou.
— Tudo bem, adeusinho! — Iris sorriu mais uma vez e esperou
que Jasmine sumisse no corredor para fechar a porta e respirar
aliviada. — Paolo, pode sair. Desculpe minha irmã, mas entendo por
que ela está preocupada. Phillip realmente nunca…
Iris parou de falar, ao perceber a expressão preocupada e
sobressaltada de Paolo. Ele estava pálido, parecendo muito
perturbado, totalmente diferente do homem relaxado e feliz de
minutos antes.
— Paolo, o que foi?
— Eu preciso ir, bella. — Ele vestiu a camisa às pressas, calçou
as botas rapidamente e enfiou os braços fortes na manga da
casaca.
O quê?
— Ir, agora?
— Agora, preciso cuidar de algo. — Paolo passou por ela rápido,
mas Iris segurou em sua mão.
— Paolo, o que houve? Por que tanta pressa?
A urgência presente em seus olhos a pegou desprevenida. Iris
de repente soube que havia algo de errado ali, naquele
comportamento repentino.
— Preciso ir, Iris. — Ele tomou o rosto dela entre as mãos. —
Volto assim que possível, mas, por favor, não me faça perguntas
agora.
Ele beijou a testa dela e não a esperou responder, abrindo a
porta e olhando cautelosamente no corredor, antes de sumir de
vista.
Iris permaneceu no lugar, paralisada, sem entender
absolutamente nada.
O que diabos tinha acabado de acontecer?
C A P Í T U L O V I NT E E C I N C O

A pós correr até seu dormitório e sacar sua pistola, Paolo saiu
em disparada de Garden’s House, dominado de preocupação
da cabeça aos pés.
Ao ouvir sobre o sumiço misterioso de Spencer enquanto se
escondia atrás das cortinas, ele conseguiu sentir cada veia de seu
corpo gelada, uma por uma. Aquele sumiço tinha a ver com seu
irmão, Paolo tinha certeza.
Maldito Tommaso que lhe enganara direitinho! Paolo fora mesmo
um tolo ao pensar que seu irmão cederia tão facilmente à ideia de
abandonar aquela vingança. O amor lhe cegara para a verdade, o
desespero o fizera parar de raciocinar, era a única explicação
plausível. Só esperava que não fosse tarde demais. Deus, se
Tommaso tivesse feito algum mal a Spencer, como Paolo lidaria com
isso? Como contaria à Iris que…
Iris. A mulher de sua vida, a mesma que ele há pouco decidira
permitir-se amar, que passara a noite em seus braços. Como ela
poderia lhe perdoar se Tommaso tivesse consumado sua vingança?
Paolo espantou os pensamentos e apertou o passo. Faria o que
estivesse ao seu alcance para impedir aquela loucura, para parar
seu irmão e mostrar a ele a verdade que se recusava a ver.
Assim que chegou ao armazém, Paolo viu o coche parado no
terreno ao lado. A marca das rodas no barro e posição do veículo
indicavam que fora estacionado por alguém sem habilidade.
Caminhou até lá, tentando não fazer barulho e espiou pela janela. O
pobre cocheiro estava ali, desacordado e com os braços amarrados
nas costas. Paolo abriu a porta e inspecionou o homem, temeroso
de que Tommaso tivesse ultrapassado ainda mais limites do que
pensava.
Respirou aliviado ao constatar a ferida na cabeça do homem e
que ele ainda respirava. Graças a Deus, uma alma a menos nas
contas de Tommaso. Paolo o deixou ali, andou pela lateral do
armazém, abaixado, evitando ao máximo ser visto. Havia uma
janela de vidro do lado direito, alguns deles quebrados, todos muito
sujos. Paolo se esticou para enxergar, seus olhos apertados na
tentativa de encontrar algum movimento do lado de dentro. E lá
estava, exatamente o que ele procurava. Seu irmão amarrava Phillip
Spencer a uma cadeira com cordas grossas, sabe-se lá de onde
Tommaso as tirara. O olhar de Spencer era confuso, e ele estava
amordaçado, se debatendo como podia.
Paolo respirou em alívio, ainda que aquela cena lhe embrulhasse
o estômago. Ao menos chegara a tempo de evitar uma tragédia.
Uma que ele impediria que acontecesse naquele mesmo instante.
— Paolo?
A voz suave soou atrás de si. Foi como se a alma de Paolo
deixasse seu corpo.
— Iris? — Ele se virou, rápido. — O que está fazendo aqui?
Iris não respondeu de imediato, seu rosto transparecia surpresa,
confusão. Ela estava com os cabelos presos num coque baixo, que
parecia ter sido feito às pressas, e um vestido de dia cujo primeiro
botão não fora abotoado propriamente.
— Iris, o que está…
— Eu segui você — ela afirmou. — Senti que algo estranho
estava acontecendo e segui você. — Ela se virou para trás, seu
olhar encontrando o coche estacionado ao longe. — Por que o
coche de meu irmão está ali? Por que você está aqui, Paolo, o que
está acontecendo?
Paolo lutou para respirar, sua mente um turbilhão, uma
verdadeira bagunça.
— Iris, escute, eu preciso…
— O que está acontecendo? — ela falou de novo, seus punhos
cerrados ao lado do corpo.
Caspita! Paolo já a conhecia. Não queria que ela descobrisse
daquela forma, naquela situação tão horrorosa, mas soube que não
havia escapatória. Precisava contar a ela de uma vez.
— Seu irmão está aqui dentro, com meu irmão.
— O quê? — Iris praticamente sussurrou.
— Iris, não tenho tempo de conversar, seu irmão está em perigo.
— Do que demônios está falando? Por que seu irmão está com
Phillip, como você sabia que…
— Eu cheguei à Inglaterra querendo me vingar de seu irmão, Iris
— Paolo disparou. Ela ficou no mesmo lugar, paralisada. — Eu e
meu irmão viemos atrás de Phillip Spencer porque pensávamos que
ele fosse o culpado pela morte de minha irmã, Giuliana.
— Você pretendia machucar Phillip? — Iris o encarava agora
com o mais extremo horror.
— Não! Não pretendia. Nunca quis derramar sangue, eu queria
arruiná-lo. Contudo, eu descobri que seu irmão é inocente, que não
tem culpa na morte dela. Mas meu irmão é um homem perigoso, ele
não acreditou em mim quando o mandei recuar.
Os olhos dela pareciam vidros trincados, quebradiços e frágeis.
Paolo quase se contorceu de remorso, de culpa por ser o
responsável por deixá-la naquele estado.
— Você mentiu para nós — Iris disse, mais para si mesma do
que para ele. — Você esteve nos enganando esse tempo todo. Foi
por isso que começou a trabalhar em casa, por isso que… Espere.
— Iris pareceu repentinamente perdida. — Eu fui… — Ela olhou
para o nada, e então para ele. — Eu fui parte desse plano?
Paolo perdeu o ar, toda sua atenção voltada para a decepção
estampada no rosto de Iris.
— Iris, eu…
— Eu fui parte? — ela repetiu.
De que adiantaria ele mentir agora? Paolo não podia mais
recuar. Não podia mais fugir das consequências de suas ações.
— Sim, você foi.
Iris se retraiu, os olhos cheios de lágrimas. Paolo conseguia ver,
clara como água, a dor que suas palavras lhe causavam.
Ele sentiu dor também. Uma dor de perda.
— Você me usou — Iris afirmou.
— Não, eu não usei. No começo sim, eu pensei que…
— Aaaaahhh!
Iris pulou de susto, seu rosto muito pálido após ouvirem o grito
de Phillip. Ela tentou passar por ele, mas Paolo a impediu,
colocando o braço em sua frente. Somente por cima de seu cadáver
ela se colocaria em risco.
— Iris, fique aqui — ordenou ele, olhando muito firmemente nos
olhos dela.
— Tenho que ajudar meu irmão! — ela exclamou em desespero.
— Fique aqui e me deixe ajudar seu irmão. — Paolo voltou a
impedi-la.
— Por que eu deveria confiar em você? — As palavras eram
lâminas afiadas, penetrando a camada de pele dele e chegando em
sua alma. — Depois de tudo o que fez, por que eu deveria…
Paolo segurou nos ombros dela, a voz humilde, porém firme.
— Iris, me escute. Seu irmão está em perigo e eu vou ajudá-lo,
mas não vou conseguir fazer isso se você estiver em risco.
Iris piscou, muito abalada, porém atenta.
— Prometa-me que ficará aqui — Paolo disse, e outro grito soou
do lado de dentro. Iris se virou para o lado, acometida de terror. —
Maldição, prometa-me!
Ela assentiu, para o alívio dele.
— Sim, eu fico. Apenas ajude Phillip! — ela pediu, com a voz
trêmula.
— Vou ajudá-lo. Por favor, fique aqui.
Muito relutantemente, Paolo soltou-a e caminhou em direção à
porta do lugar, com a pistola escondida em suas costas. Ele
empurrou a porta pesada e suja e deu mais uma olhada em Iris, a
preocupação dominando-o e corroendo-o. Assim que ouviu o
barulho, Tommaso se virou, sobressaltado.
— Sono io 1! — Paolo falou em seu dialeto. — Calma.
Tommaso soltou um riso baixo, a faca grande em suas mãos
com a lâmina suja de sangue fresco.
— Vicenzo? — Phillip olhou para ele, em completa confusão, seu
rosto retorcido de dor.
— O que você fez? — Paolo perguntou para o irmão.
Tommaso endireitou a postura e se aproximou.
— Por quê? Veio ajudar? Mudou de ideia?
— O que demônios…? — Phillip começou a falar, mas Tommaso
se virou para ele num rompante.
— Cale a boca, Spencer! — ele rosnou.
Phillip tremeu, se mexendo mesmo que amarrado, em choque.
Paolo conseguiu finalmente ver o sangue que escorria de seu braço.
Tommaso deveria mesmo estar disposto a torturá-lo, a sombra em
seus olhos escuros não deixava dúvidas.
— Solte-o — Paolo ordenou.
Tommaso voltou a rir, o som mais sinistro a cada segundo.
— Soltar? Acha mesmo que deixarei o desgraçado ir agora que
o tenho em mãos? Não sou como você, irmão. Não sou um maldito
covarde.
— Phillip Spencer não teve culpa no que aconteceu com
Giuliana.
— Giuliana? — Phillip não se conteve, sua voz trêmula. — Vocês
conhecem Giuliana?
Tommaso passou a mão no cabelo com força, um gesto que
Paolo sabia que indicava que ele estava chegando ao seu limite.
— Sim. Giuliana. Lembra-se dela, stronzo? — Tommaso deu
dois passos à frente.
— Como conhecem Giuliana? — Phillip perguntou, com um
sopro de voz assustado. 
— Ela era minha irmã. Irmã de Paolo, esse palerma que vê aqui.
— Tommaso! — Paolo insistiu.
— Não, Paolo! Chega de bondade. Este desgraçado vai pagar
pela morte de nossa irmã e vai pagar agora.
— Morte? — Os olhos de Phillip perderam o brilho. — Que
morte?
Tommaso franziu a sobrancelha, não esperando por aquela
reação.
— É muito cínico, não é? — Ele avançou em Phillip, chutando-o
na região do tórax, mas Paolo interveio.
— Tommaso, chega.
— Não toque em mim! — Tommaso se afastou.
Paolo continuava a manter a pistola escondida nas costas, cada
movimento ali precisaria ser muito bem calculado.
— Não vê que ele não sabia? — Paolo apontou para Phillip. —
Spencer não é o homem que procuramos, o sujeito era outro, e já
está morto.
— Você está mentindo! — Tommaso vociferou.
— Não estou mentindo! Recebi a carta de Russo, assim que
disse que iria embora. Procurei por você, queria mostrar e…
Paolo paralisou, as palavras parando em sua garganta, seus
olhos arregalados, suas veias geladas. Iris entrara no galpão e
estava passando por trás deles, em direção a onde Phillip estava
amarrado. Maldição, o que ela estava fazendo ali? Por que Iris tinha
que ser tão teimosa? Por que tinha que se colocar em risco?
Ele deveria ter mesmo se retraído, pois Tommaso percebeu a
reação e se virou para trás. Foi tudo muito rápido, mais do que
Paolo poderia descrever. Num instante ele era tomado pelo pânico
de ver Iris tão próxima do perigo, e no outro estava petrificado ao
observar seu irmão agarrá-la com força, rápido como uma raposa,
um predador cruel.
— Veja o que temos aqui.
Tommaso trouxe Iris para perto do corpo, seu braço mantendo-a
cativa pelo pescoço.
— Tommaso! — Paolo gritou.
— Iris, não! — Phillip também não se conteve.
— Paolo… — ela murmurou, em pânico.
— Peguei você, florzinha — Tommaso encostou a lâmina perto
da jugular. — Eu queria mesmo brincar um pouco com você.
Não havia mais como recuar, como evitar aquele momento.
Enxergando tudo em vermelho, Paolo sacou a pistola que escondia
e a apontou para o irmão. Iris arregalou os olhos, seus cílios
tremendo de pânico.
— Solte-a — Paolo ordenou, entre os dentes.
— Ou o quê? — As íris de Tommaso se mexiam, ora no cano da
pistola, ora nos olhos de Paolo. — O que vai fazer se eu continuar
tocando sua mocinha?
— Tommaso, não brinque comigo. — Paolo avançou um passo.
Iris estremeceu quando Tommaso virou a lâmina levemente. —
Pare, maldição! Não me obrigue a…
— A quê? Escolher entre seu próprio sangue e essas pessoas?
Entre seu irmão e a vadia que está fodendo? Ah, mas você já
escolheu, não é? Escolheu há muito tempo.
— Eles são boas pessoas, Tommaso! — Paolo gritou, toda a
tensão o dominando por dentro, mas ele ainda conseguia manter a
arma firme. — Eles não têm culpa de nada!
— Não machuque ela! — Phillip Spencer afirmou, erguendo o
tronco como pôde. — Eu imploro, faça o que quiser comigo, mas
deixe Iris ir.
Tommaso respirou pesadamente, sem recuar, sem mexer um só
músculo sequer. Havia tormenta em sua expressão, confusão e,
pela primeira vez desde que Paolo se juntara a ele, desespero. Um
verdadeiro desespero, uma nuvem de dúvidas.
— Giuliana teve um destino cruel, eu sei — Paolo continuou, seu
maxilar e ossos da face doendo de tanta tensão. — Eu a salvaria se
pudesse, mas não posso. Não temos o que fazer aqui.
Uma série de memórias passaram pelos olhos de Paolo naquele
momento. Ele não queria machucar o irmão. Diabos, ele não queria
sangue de ninguém, nem mesmo quando ainda desejava a ruína de
Spencer. Lembrou-se das dificuldades que passaram na vida, três
crianças órfãs e desabrigadas passando fome, frio, tudo que
crianças não deveriam passar. Lembrou-se de Tommaso o
defendendo de meninos maiores do que ele, de como ele o ensinara
a atirar. Lembrou-se do sorriso de Giuliana e de como ela tinha
certeza de que conseguiria atingir seus objetivos, de como acabaria
rica e rodeada das coisas que desejava. De como ele e o irmão
chegaram à Inglaterra com sangue nos olhos, com ira e um apetite
de ruína.
E então, seus olhos se encontraram com os de Iris mais uma
vez, com medo, e seu coração — que era dela — respondeu com
um pulso no mesmo instante. Não havia nem sequer escolha ali,
Paolo faria o que tivesse que fazer para salvá-la, ainda que tivesse
que machucar seu próprio irmão.
Porque Iris era luz. Ela era seu amor, ainda que ele a perdesse
depois de tudo isso. Era o caminho iluminado que ele encontrara em
toda sua existência escura. E ela não merecia pagar por um erro
que não fora dela. Um erro que não fora de ninguém, com exceção
da própria Giuliana, Paolo agora conseguia enxergar a verdade.
— Nada que façamos a trará de volta — Paolo afirmou,
grudando os olhos nos de Tommaso, tomando muito cuidado para
não se perder naquela escuridão. — Nada. Olhe para ele — Paolo
apontou para Phillip —, ele não tem culpa. — Tommaso fez o que
Paolo ordenou. Paolo prosseguiu: — Giuliana se foi, Tommaso. Não
suje suas mãos com sangue inocente.
Tommaso hesitou pela primeira vez, sua respiração trêmula.
Paolo não cedeu um instante sequer.
— Deixe-a ir. Por favor.
O tempo parou no instante seguinte. Com uma expressão de
fúria, Tommaso se mexeu, atirando Iris no chão. Ele atacou Paolo
com habilidade, fincando a faca que segurava em seu ombro
esquerdo. Paolo fechou os olhos com a dor aguda e cortante que o
abateu, caindo de joelhos. Muito ligeiro, Tommaso tirou a pistola das
mãos dele, apontou a arma para o caçula e caminhou rápido de
costas em direção à porta.
Ainda era possível ouvir o som de passos apressados, mas
Paolo reuniu as forças que tinha e puxou a faca da pele, gritando de
dor. Cambaleante, ele caminhou até Iris, caída perto dele.
— Bella, olhe para mim. — Ele tomou o rosto dela nas mãos sem
permissão.
Iris respirava com dificuldade, e arregalou os olhos ao encontrar
a mancha de sangue na camisa.
— Está sangrando…
— Estou bem.
— Iris? — Phillip chamou e ela imediatamente se virou para ele.
— Phillip!
Paolo soltou o ar, lutando para respirar, seus pulmões
comprimidos dentro do peito. Ele observou Iris caminhar até o
irmão, verificar se ele estava bem, sussurrar-lhe palavras doces.
Olhou para a porta, por onde Tommaso acabara de passar. Seu
irmão fugira, o ferira apenas o bastante para impedi-lo de persegui-
lo e fugira. Paolo permitiu-se sentar no chão e apoiar as costas
numa superfície de madeira.
Iris estava segura, Spencer estava seguro. Mas, apesar do
alívio, seu coração pareceu diminuir ao fitar a mulher que amava
mais uma vez. Uma que ele desconfiava ter perdido para sempre,
depois de tudo que acontecera. Estava tudo terminado.
Tudo. Sem exceção.

1 Tradução do italiano: sou eu.


C A P Í T U L O V I NT E E S E I S

D ores internas às vezes eram mais intensas que as externas.


Dentro da carruagem a caminho de Garden’s House, Iris
ignorou a ardência dos joelhos ralados e manteve seus olhos
atentos a Phillip, que permanecia em silêncio, mais sério do que ela
jamais vira. Depois que fora solto, ele apenas pedira desculpas ao
pobre cocheiro que acabara levando uma paulada na cabeça e
ficara desacordado, pedira discrição ao homem sobre o ocorrido e
ordenara que os levasse para casa. Seu irmão tinha um corte no
antebraço, os pulsos marcados e feridos pelas cordas usadas pelo
cretino do italiano. Seu olho esquerdo estava inchado e arroxeado e
as roupas sujas e amarrotadas, parte da casaca azul escura
rasgada.
Verdadeiramente podia-se dizer que ele tinha sido vítima de um
sequestro. Ninguém jamais duvidaria, era apenas fitá-lo por dois
segundos e todos estariam convencidos. Iris nunca o vira naquele
estado deplorável. Contudo, o que mais partia o coração de Iris era
a expressão triste e desolada de Phillip. Uma expressão que ela
imaginava ser idêntica à dela, considerando o que havia acontecido.
Paolo — o mentiroso —, também os acompanhava, sentado no
banco da frente do coche, calado apesar de ferido — o único motivo
de ter sido convidado a se juntar a eles. Bem, na verdade, não.
Phillip parecia ter algumas perguntas a fazer, especialmente sobre a
tal Giuliana, pois ficara bem claro que ele nem ao menos sabia do
falecimento dela. Como se a notícia de sua morte fosse um golpe
em seu estômago.
Que confusão sem tamanho e que grande desilusão. Estava
sendo uma tortura dividir o espaço com Paolo, com aquele homem
que roubara seu coração de forma fria e calculada e tivera a
intenção de fazer mal a seu irmão. Iris não podia acreditar que fora
tão tola, que permitira que ele a manipulasse a tal ponto. Sentia-se
humilhada, suja, usada.
Os acontecimentos das últimas horas ainda orbitavam ao seu
redor, deixando-a tonta. Jamais imaginaria, ao acordar naquela
manhã, que viveria tantas coisas intensas. A descoberta da mentira
de Paolo, o medo que ela sentira por Phillip, a imprudência em
tentar ajudá-lo. Ela não pensou muito antes de se esgueirar galpão
adentro e tentar ajudar seu irmão, queria apenas salvá-lo porque
não confiava mais em Paolo. Phillip estava em perigo e ela
precisava agir. Na hora, pareceu ser um ato de coragem, porém
descobriu ser apenas uma tolice, ela tinha que admitir. E então
sentiu o terror ao estar nos braços de Tommaso e… sim, por fim, a
preocupação que Iris sentiu ao ver Paolo ferido, a ideia de que algo
terrível havia lhe acontecido.
Porque, por mais que ele a tivesse enganado, ela nunca mentira,
não é? Ela sempre fora honesta naquela relação, e ainda o amava e
se preocupava com ele. Um grande tola, sem dúvidas. A maior de
todas as tolas do mundo.
— Quando Giuliana morreu? — Phillip perguntou, de repente,
seus olhos concentrados no vidro sujo da carruagem.
Iris sentiu o coração acelerar e não se conteve, levantando os
olhos para Paolo. Sua expressão estava igualmente abatida, as
roupas sujas de poeira e sangue. O ferimento em seu ombro ainda
sangrava, e ele segurava o braço direito dobrado. Parecia com dor,
embora conhecesse seu jeito durão.
— Dezembro, pelo que ouvi — foi o que respondeu Paolo.
Phillip não se mexeu. Nem mesmo parecia que tinha escutado.
— Eu deixei Roma em outubro — Phillip finalmente se virou para
Paolo. — Ela estava bem quando saí de lá.
— Eu sei — Paolo respondeu. — Descobri isso depois.
— Como? — Phillip questionou.
Paolo olhou para Iris, e ela conseguiu ver o constrangimento ali.
— Encontrei seus diários.
Ela abriu um pouco a boca, completamente chocada. Maldito.
Aquele homem se aproveitara de cada frase trocada com ela para
cumprir seu plano, cada palavra que Iris lhe dissera em toda sua
ingenuidade.
A carruagem parou em frente a Garden’s House antes que eles
pudessem prosseguir o assunto. Phillip abriu a porta com força,
desceu rápido e estendeu a mão para ajudar Iris. Paolo os seguiu
em silêncio.
Phillip fez um gesto de cabeça para o cocheiro, que se
aproximou.
— Pois não, milorde.
— Sente-se bem? Precisa de um médico?
O homem de meia idade e franzino negou com um aceno curto
de cabeça.
— Não, milorde. Apenas estou com um pouco de dor no lugar da
pancada.
Phillip continuou sério.
— Quero que tire uns dias de folga para descansar. Se precisar
ver o doutor, me avise. Providenciarei tudo.
— Sir, estou bem. De verdade, não há necessidade de…
— Descanse, Miles. — Phillip tocou no ombro do sujeito. —
Apenas não mencione o ocorrido a ninguém, tudo bem?
Ele assentiu, olhando rapidamente para Iris e Paolo antes de se
despedir.
Phillip respirou profundamente, mais cansado do que nunca.
— Digo o mesmo a vocês dois — ele se virou para eles —, não
devemos dizer o que aconteceu a ninguém.
— Jasmine vai perguntar — Iris protestou. — Ela estava
preocupada e…
— Eu me entendo com Jasmine, mas não quero que este
assunto se prolongue.
Considerando que Iris jamais sentira tamanha autoridade na voz
de Phillip, ela nem ousou retrucar. O mais velho dos Spencer voltou
sua atenção unicamente para Paolo, analisando o ferimento em seu
ombro.
— Se precisar de um doutor…
— Estou bem — ele murmurou. — Sei me cuidar.
Phillip cerrou o maxilar, seu rosto muito rígido.
— Tenho muitas perguntas.
— Quero explicar tudo — Paolo afirmou. — Responderei todas
elas.
— Ótimo. Acho que é perspicaz o bastante para saber que está
demitido, certo? — Phillip ergueu o queixo. — Pegue suas coisas e
saia desta casa ainda hoje.
Iris juntou as mãos na frente do corpo, quase sem respirar ao
observar aquele diálogo.
— Eu já havia me demitido, milorde. Acredite, nada do que
aconteceu hoje estava nos meus planos.
— Seus planos… — Phillip riu, sem humor. — Inacreditável…
— Eu vou explicar, Spencer.
— Sim, o senhor vai. Amanhã passe aqui de manhã e
encerraremos isso de uma vez. Eu preciso descansar hoje, mas não
quero que prolonguemos este assunto.
Paolo apenas assentiu.
Phillip se virou para subir os degraus, gemendo de dor ao subir o
primeiro. Iris o seguiu imediatamente, muito perto de desmoronar
com aquele acúmulo de emoções.
— Iris… — Paolo tocou na mão dela, mas Iris se afastou
imediatamente. Seus olhares se encontraram, e ela quase
conseguiu acreditar no desespero ali. Quase, como a tola que era.
— O que demônios aconteceu entre vocês? — Phillip perguntou,
seus olhos alternavam entre um rosto e outro.
Iris não respondeu o irmão, ainda concentrada em Paolo.
— Por favor — o italiano murmurou.
— Iris? — Phillip insistiu.
Ah, quanta pressão. Não era Phillip que acabara de dizer que
estava cansado? Por que, então, a enchia de perguntas? E como
Paolo se atrevia a sequer falar com ela? Ele não merecia a atenção
dela depois do que fizera. Não merecia absolutamente nada.
Iris ergueu o queixo e sufocou a vontade de chorar. Era melhor
encerrar aquele assunto de uma vez por todas.
— Phillip, me dê licença para falar com o Sr. Vicenzo — pediu
ela.
— Mazza — Paolo a corrigiu, baixo. — Meu nome é Paolo
Mazza.
Certo. Nossa, ela nem ao menos tinha considerado aquela
hipótese. Mais uma facada em seu coração despedaçado. Nem
mesmo o nome dele era verdadeiro. Claro que não era, fazia todo
sentido.
— Me deixe falar com o Sr. Mazza — Iris pediu mais uma vez.
— Não vou deixá-la sozinha com ele. — Phillip disse. — Quero
saber o que demônios aconteceu aqui. Por que quer falar com ela,
Mazza? — Phillip avançou na direção de Paolo.
— Eu apenas… — Paolo começou a se explicar, mas Iris não
permitiu que continuasse. Ela estendeu as mãos na frente do corpo
de Phillip, contendo-o.
— Por favor. — Ela encontrou os olhos azuis, com firmeza. —
Peço que confie em mim e faça o que estou pedindo. Me dê cinco
minutos e eu já vou entrar. Não pretendo me demorar aqui.
— Não posso deixá-la se não souber…
— Por favor, Phillip! — Iris quase gritou. — Entre, agora.
Soltando o ar, Phillip fulminou Paolo com o olhar, mas cedeu,
ainda que claramente contrariado. Ele suspirou pesadamente e
entrou na casa, subindo os degraus sem olhar para trás.
Assim que ficaram sozinhos, Iris quis fazer muitas coisas com
Paolo. Nada parecido com o que fizeram desde que se conheceram,
contudo. Não queria flertar, nem dizer-lhe palavras doces, nem rir.
Ela queria estapeá-lo, empurrá-lo para longe, ordenar que nunca
mais lhe dirigisse a palavra, que nunca mais pensasse nela. Mas,
em meio à dor que irradiava em seu peito, uma dor vermelha, uma
perfeita mistura de desilusão e raiva, ela quis implorar para que ele
dissesse que tudo aquilo era mentira. Que ele não a utilizara como
um objeto de sua vingança. Queria que aquelas últimas horas não
tivessem existido.
— Iris, eu… — Paolo hesitou, pensando no que dizer. — Eu
preciso que me escute.
— Não tenho nada a escutar, Paolo. Acho que já escutei o
suficiente.
Ele negou com um aceno, e deu um passo à frente. Iris recuou,
mantendo a distância entre eles. Não desejava proximidade.
— Por favor, permita-me contar a história inteira — Paolo falou.
— Qual parte, Paolo? A parte em que decidiu se disfarçar de
criado para arruinar meu irmão? Meu irmão, Paolo, o homem mais
nobre que conheço no mundo!
— Eu não sabia que…
— Ou a parte em que mentiu sobre tudo? Seu nome, sua
intenção. Ou não, acabo de me lembrar, que tal a parte em que
arruiná-lo não foi o bastante e você decidiu me seduzir para se
vingar? — ela disparou. — A parte em que mentiu para mim, desde
o começo.
— Eu não menti. — Paolo tentou argumentar. — Quer dizer, eu
menti no começo, mas depois que nos conhecemos, que realmente
nos conhecemos, eu…
— Como espera que eu acredite em você, Paolo? Nem mesmo o
seu nome era verdade! — Iris sentiu os olhos arderem, as lágrimas
se acumulando. — Agora tudo faz sentido. Por que olhava para
mim, me achava interessante. Os flertes atrevidos, as palavras
sussurradas em meu ouvido. Foi por isso que passou a me servir o
café todas as manhãs, não foi? — Ela estava chorando agora. Não
conseguia controlar. — Foi por isso que me pediu para faltar àquele
baile. Porque eu estava na sua mira, não é?
Ele não disse nada. Não havia resposta mais clara.
Iris enxugou o rosto, fungando ao olhar para ele.
— Que idiota eu fui. Costumava pensar ser inteligente, mas…
realmente me superei. Caí em sua rede de bom grado, exatamente
como você queria.
— Eu não tinha a intenção de seduzir você, Iris. Não tiraria sua
virtude, não queria fazer isso.
— Não, você só queria me usar e me descartar. Minha virtude
estaria intacta, veja que bondoso.
Paolo fechou os olhos rapidamente, seu maxilar muito rígido.
Iris fungou de novo, seus nervos à flor da pele.
— E me preocupei com você, me preocupei com o que poderia
acontecer se nos pegassem. Achei que você estava arriscando algo
por mim, também — Iris confessou. — Que gostasse do perigo
pelos mesmos motivos que eu.
— Eu gostava de você. Isso nunca foi mentira, eu realmente
gostava de você.
Uma lágrima escorreu no rosto dela, solitária. 
— Apenas não o bastante para me poupar.
— Eu amo você — disse ele, desesperado. — O que aconteceu
ontem, o que nós vivemos, foi…
— Foi um erro — ela afirmou. — Um erro tolo. O maior de minha
vida.
Iris já não estava aguentando mais. Era difícil respirar, envolvida
em todas aquelas emoções. Horas antes, ela estava segura
naqueles braços. Ela estava feliz, vivendo algo maravilhoso, mais
bonito do que seus melhores sonhos.
Tudo uma grande ilusão, uma grande mentira.
Não mais. Ela precisava aceitar a realidade, agora.
— Parece que você conseguiu sua vingança, afinal.
— Iris… — Paolo tentou falar mais uma vez, mas Iris já estava
farta. — Por favor, eu…
— Adeus, Paolo — disse ela, seus ombros caídos, derrotados,
um buraco se abrindo dentro do peito. — Eu desejo sorte nos seus
projetos, no que quer que você decida fazer. Apenas fique bem
longe de mim.
Sem esperar que ele respondesse, Iris lhe deu as costas e o
deixou sozinho. Só precisava de um abraço, um consolo para
aquela desolação. Um que, ironicamente, ela sabia que somente
poderia vir dele. De Paolo, o homem que a ensinara o que era amar
e então, que partira seu coração.
C A P Í T U L O V I NT E E S E T E

P ara quem nunca tivera jeito com as palavras, Paolo


certamente estava surpreso com o que acabara de escrever.
Ele deixou a pena de lado e analisou o papel mais uma vez, uma
última tentativa de fazer com que Iris o ouvisse.
Uma tentativa de, quem sabe, conseguir que ela o perdoasse,
ainda que ele não a merecesse.
Paolo havia mudado desde que chegara a Inglaterra,
principalmente desde que se envolvera com sua doce dama.
Contudo, algumas coisas permaneciam iguais, e o fato de ele ser
um cretino egoísta era uma delas. Sim, porque se Iris o aceitasse de
volta, ele não hesitaria em abraçá-la para nunca mais soltar, ainda
que soubesse que ela poderia encontrar alguém melhor do que ele.
Que tolice era nutrir aquele tipo de esperança depois do que vira
nos olhos dela, de ser o responsável por criar uma nuvem cinza e
escura onde antes costumava haver apenas sol. Atrás de toda
aquela névoa de decepção, sobrara apenas o reflexo de um lindo
coração partido. Partido por ele.
Maldição, Paolo fizera mesmo tudo errado. 
Suspirando, ele pegou a folha e a dobrou, deixando-a em um
envelope. Arranjara um quarto na região de Whitechapel por
indicação do mordomo, e o administrador do local permitira que lhe
pagasse uma quantia diária para ficar ali. Mesmo com o ombro
ferido e muito dolorido, Paolo tratou de verificar quando a próxima
embarcação para a França sairia de Dover, para que pudesse voltar
para a casa. O barco ainda levaria uma semana para partir, o que
significava que Paolo teria de ficar em Londres mais uns dias, antes
de pegar a carruagem para o litoral. Porque aquela era sua única
opção, certo? Se Iris realmente não o perdoasse, o que ele faria na
Inglaterra? Paolo tinha uma vida em Chianti, a mesma para a qual
ele tanto desejara voltar — e que agora parecia vazia demais.
Virou-se para o jornal ao lado da superfície de madeira, a
manchete sobre a captura de um ladrão de bebidas perseguido
saltando-lhe aos olhos. Paolo negou com um aceno de cabeça.
Tommaso fora pego ainda no dia anterior e agora estava preso em
New Gate Prison, onde Paolo pretendia passar antes de se dirigir a
Garden’s House. Precisava falar com o irmão, ainda que soubesse
que talvez aquela não fosse a melhor das ideias.
Paolo deixou o dormitório e se pôs a caminho de New Gate
Prison. Chegou ao imenso prédio e fitou os muros com tijolos
enormes e largos, o burburinho do lado de dentro podia ser ouvido
da calçada. Tão logo entrou pelas portas do lugar, e foi possível
sentir o cheiro desagradável, uma mistura de urina, suor e o que
quer que aqueles homens expelissem pelos poros. Falou com o
carcereiro e aguardou por Tommaso, seu ombro apoiado em uma
tipoia improvisada.
Quando Tommaso apareceu, no pior estado possível e
imaginável, o estômago de Paolo se retorceu um pouco.
— Você. — Ele se aproximou da grade, uma corrente
enferrujada e pesada enrolada na região de seus pulsos.
— Eu li o jornal — Paolo afirmou.
Tommaso respirou fundo, seus olhos focados no ombro ferido.
— Como está a dor?
— Doendo — Paolo respondeu. — Exatamente como você
queria.
Tommaso riu por um segundo.
— Eu poderia tê-lo matado se quisesse.
— Mas você não quis.
— O que quer, Paolo?
— Ver como você está.
— Como pode ver — Tommaso ergueu os pulsos acorrentados
—, já estive melhor.
— Como foi pego?
— Um policial me viu correndo e me cercou. Ao que parece,
meus roubos de bebidas não passaram despercebidos.
— Isso não tem relação com Jones, então? — Paolo sussurrou.
Tommaso revirou os olhos.
— Não, não tem. Acho que isso mantém as chances de eu
salvar meu pescoço. Ao menos isso.
Paolo ficou em silêncio, e pensou que certas coisas realmente
nunca mudavam. Seu irmão não parecia nem um pouco
arrependido. Contudo, Tommaso tomara a decisão de não machucar
Iris, uma vez que se dera conta de que os Spencers não tinham
culpa de nada. Era apenas um detalhe que não anulava nada, mas
a segurança de Iris para Paolo significava o mundo.
— Obrigado por soltá-la. Sei que não deve ter sido fácil para
você.
— Chegamos a isto, então? — Tommaso uniu as sobrancelhas.
— Você agradecendo pela minha clemência? Ela realmente te tem
nas mãos.
— Ela é tudo para mim, Tommaso — Paolo confessou. — Tudo.
Tommaso chacoalhou a cabeça para a esquerda e para a direita,
seu olhar sombrio como sempre. Mas ele parecia exausto. Cansado
até mesmo para discutir.
— Você pode ir, Paolo. Vá fazer sua vida, seja com seus vinhos
ou com sua dama.
— Eu posso ficar aqui até o julgamento… — Paolo sugeriu.
— Não. — Tommaso negou. — Apenas vá. Você estava certo,
antes. Giuliana está morta, nada vai mudar isso. Eu possivelmente
não terei um destino muito melhor do que o dela. Já você… —
Tommaso deu de ombros. — Você sempre foi diferente. Volte para
sua vida de uma vez.
Aquilo era uma despedida, Paolo sabia disso. E, embora seu
irmão estivesse pagando por suas próprias ações, não era como se
Paolo conseguisse ficar feliz em vê-lo naquele estado.
— Eu queria que as coisas pudessem ser diferentes. Para você
e para Giuliana.
E para ele também. Embora não tivesse cometido nenhum
crime, Paolo sentia que cometera o pior erro de todos. Se pudesse,
voltaria no tempo e mudaria suas ações, pouparia Iris de seu
sofrimento. Se pudesse, faria escolhas diferentes, escolhas que não
lhe envergonhassem tanto, que não tivessem lhe custado a maior
riqueza em que já colocara suas mãos, uma muito maior do que
tudo que ele um dia esperou encontrar.
— A vida é como é — Tommaso afirmou.
Sim, era. Paolo sabia que sim.
— Adeus, irmão — Paolo disse, antes de observar o carcereiro
guiar Tommaso de volta ao pátio.

Pela décima vez naquele minuto, Iris fungou.


Tirou os óculos e limpou o rosto úmido, tentando se recompor
embora soubesse que não teria sucesso, que todas as tentativas
anteriores se repetiriam e ela provavelmente choraria até que
ficasse desidratada. Bem, talvez, ela já estivesse. Jamais imaginaria
que era possível chorar tanto assim, ainda mais por apenas uma
pessoa.
— Iris? — A voz de Phillip soou no cômodo, e ela tirou o rosto do
travesseiro e encarou o irmão mais velho. — Precisamos conversar
— disse ele ao encostar a porta. — Jasmine ainda está dormindo.
Fora um sacrifício convencer Jasmine de que ela tinha apenas
uma dor de cabeça forte para que não tivesse que responder a
inúmeras perguntas. Phillip também inventara uma desculpa,
dizendo que bebera demais no clube e que acabara perdendo a
noção do tempo. Foi uma sorte que ela estivesse cansada pela noite
mal dormida, pois Jasmine pareceu acreditar nos dois sem grandes
esforços.
— Phillip, eu não quero conversar. — Iris sentou-se na cama.
Ele se aproximou e se acomodou ao lado dela, seus olhos azuis
embargados de preocupação.
— Veja como está, Iris. Parece até que foi você a vítima do
sequestro, ontem.
Porque ela fora mesmo uma vítima, ainda que indiretamente. 
— Como se sente? Como está o corte?
Phillip olhou para o braço coberto pela casaca e deu de ombros.
— Queima, mas Michael aplicou um pouco de álcool nele, disse
que é um truque que sua avó utilizava. Acredito que não vai
demorar a sarar.
— Eu sinto muito que tenha sido torturado.
Phillip passou a mão pelo cabelo escuro.
— Eu acredito que Vicenzo chegou a tempo de evitar mais
coisas.
— Mazza — Iris o corrigiu, seu coração se partindo mais uma
vez. Quantas vezes era possível que aquela sensação horrível e
quebradiça se repetisse? A cada vez que pensasse nele? Por
quanto tempo?
— Mazza. Certo. Iris, o que houve entre vocês?
Ela negou com um aceno de cabeça, seu queixo trêmulo mais
uma vez.
— Ele usou você? Porque, pelo que entendi, você fez parte
dessa vingança desprezível.
Iris sentiu o canto dos olhos arderem, e se esforçou para não
abrir novamente aquela torneira de água infinita.
— Eu não quero falar sobre isso.
— Iris, eu preciso saber.
— Vai me contar sobre Giuliana? — ela rebateu. — Vai
finalmente dizer o que aconteceu em Roma? Por que voltou
diferente e parecendo outro homem?
Phillip respirou fundo, hesitando no mesmo instante.
— Falar sobre ela não me faz bem — ele explicou.
— Assim como falar sobre ele também não me faz, então vamos
concordar em cada um manter suas dores para si. É o que fazemos
de melhor nessa família, ao que parece.
Ela sabia que Phillip não teria como retrucar aquela afirmação.
Agora finalmente entendia os irmãos, os motivos que os levavam a
não abrirem seu coração com facilidade. É porque não era fácil
mesmo, sentir-se como uma folha seca jogada ao vento e ainda ter
que encontrar forças dentro de si para falar. Iris não queria falar, ela
apenas queria esquecer.
Esquecer dos momentos doces e das palavras românticas. Do
calor dos abraços e do gosto dos beijos roubados. Queria esquecer-
se de que levara uma vida inteira para se abrir, para desabrochar
em todas as suas inseguranças, tudo para descobrir, tão logo sentiu
a felicidade nas próprias mãos, que aquilo que segurava era uma
mentira cruel. Uma ilusão, um monte de areia que lhe escorregara
pelo vão dos dedos.
— Eu vou falar com ele, agora. — Phillip se levantou. — Vou
acertar tudo que for preciso, encerrar essa história de uma vez por
todas.
Iris assentiu.
— Eu sei.
— Não poderei defender você se não souber o que houve.
Iris levantou o canto dos lábios, tocada pela ternura na voz do
irmão mais velho.
— Eu agradeço, Phillip, mas não precisa me defender. Ficarei
bem, eventualmente.
Era mentira. Ao menos naquele momento. Iris não conseguia
vislumbrar um futuro em que estivesse bem tão cedo, não depois de
tudo.
Phillip fez um carinho em sua mão, como sempre costumara
fazer quando a encontrava triste pelos cantos.
— Estou aqui para o que precisar. Sabe disso, não sabe?
Ela assentiu, sem conseguir segurar as lágrimas. Ele se
aproximou mais e abraçou-a com todo o amor fraternal que ela
conhecia.
— Você é boa demais para permitir que qualquer um a deixe
assim, pequena. — Ele beijou a têmpora dela. — Muito boa. Não
conte a Jasmine ou Poppy, mas eu acho você a melhor de nós.
Iris soltou uma risadinha, olhando para ele.
— Só está dizendo isso porque estou chorando.
Phillip fez uma expressão travessa.
— E veja você rindo de novo — ele provocou. — Mas falo sério.
Você é maravilhosa, Iris. Ainda te devo um agradecimento por
ontem, por sua coragem em tentar me salvar.
— Foi muito interessante te ver como uma donzela em apuros —
Iris brincou, fazendo-o rir também.
— Se contar isso a alguém, diga adeus a seus livros
indecorosos.
Iris arregalou os olhos fortemente, em surpresa.
— Como você…
— Não me subestime, irmãzinha.
Ele a soltou e se levantou, colocando-se a caminho da porta do
quarto. Iris o chamou novamente antes de o irmão sair.
— Phillip! — O mais velho olhou para trás, esperando. — Se ele
quiser falar comigo… não mande me chamar. Não quero vê-lo.
Phillip demorou um instante ao avaliar a expressão dela, e então
concordou.
— Deixe comigo, Iris.

Apesar de estar acostumado com o ambiente refinado de


Garden’s House, com os tapetes coloridos, as cortinas de tecido fino
e a decoração impecável, Paolo sentiu-se subitamente mais
deslocado do que nunca. Calado e com o olhar baixo, ele aguardava
ser chamado no escritório de Spencer para que pudessem, enfim,
resolver todas as suas pendências.
James, o primeiro lacaio, apareceu no fim do corredor e
caminhou em sua direção. Paolo observou a peruca empoada, o
ridículo uniforme azul, as rendas amarelas. Não que sentisse falta
de toda aquela produção, mas havia certa melancolia em observar o
antigo companheiro de trabalho. As coisas pareciam mais fáceis
quando Paolo ocupava aquela posição.
— Vicenzo, milorde pediu para encontrá-lo no escritório — disse
James. — Pode ir.
Paolo assentiu e seguiu pelo caminho já conhecido, em direção
ao escritório de Lorde Spencer. Deu duas batidas na porta, ouvindo
um “entre” abafado soar no cômodo.
Phillip estava sentado atrás da mesa, seu braço ferido coberto
pela casaca. Sua posição era de poder e autoridade, embora não
fosse um sujeito presunçoso que Paolo enxergasse. Nunca fora, em
realidade, mas naquele dia muito menos. Ele não parecia estar com
dor, nem mesmo exausto, contudo parecia… derrotado.
Completamente acabado, seus olhos fundos e tristes, sua pele
opaca e a barba por fazer. Seria uma competição interessante,
Paolo pensou. Quem seria o homem mais quebrado naquela sala?
— Milorde — Paolo falou, baixo.
Spencer jogou a cabeça levemente para trás, apoiando-a no
espaldar da cadeira acolchoada.
— Como está o braço? — Phillip fez um gesto em direção ao
ombro ferido de Paolo.
— Vou sobreviver.
Phillip concordou com um aceno curto.
— Acho que devemos aclarar tudo de uma vez por todas —
disse Phillip.
Paolo assentiu.
— Acho que é o melhor.
Spencer suspirou, em concordância.
— Encoste a porta, Mazza.
C A P Í T U L O V I NT E E O I T O

—E foi isso que aconteceu — Phillip concluiu, terminando de


beber seu uísque.
Paolo passou a mão boa nos olhos, ainda atordoado com a
história que acabara de ouvir. Depois de explicar a Spencer tudo
que o levara até ali, desde o reencontro com Tommaso em Chianti
até o momento em que invadiu aquele galpão abandonado, foi a vez
de Phillip contar sua versão dos fatos. Mas, Dio Santo, Paolo jamais
imaginou que ouviria o que fora narrado ali. Em hipótese nenhuma.
— Eu não sei o que dizer — Paolo murmurou, alcançando o
copo de uísque que Phillip lhe oferecera.
— É uma história um tanto dura de se contar. Eu nunca a revelei
a ninguém, antes.
Com razão. Se estivesse na pele de Phillip, Paolo dificilmente se
abriria a outra pessoa com facilidade.
— Contudo, acredito que tenha ficado claro que eu nunca tive
intenções canalhas com sua irmã — Phillip concluiu. — O que leu
em meus diários é a verdade. Eu pretendia me casar com ela, trazê-
la para a Inglaterra, construir uma vida ao seu lado. Saber que ela
sofreu um destino tão terrível foi… cortante.
— Sim, eu… — Paolo deixou o copo vazio em sua frente. — Eu
entendo. Acredito em você.
Phillip circulou a borda do cristal com a ponta do dedo, sua
expressão muito reflexiva.
— O homem que estampa os jornais desta manhã. — Phillip o
encarou. — É seu irmão?
Paolo assentiu, com um suspiro lento.
— Ele será julgado em breve.
— Eu confesso que estou aliviado — Phillip afirmou. — Quero
evitar escândalos para minha família, mas não me sentiria seguro
com ele solto por aí.
— Tommaso arriscou mais do que o aceitável. — Paolo deu de
ombros. — Ele sempre preferiu um caminho diferente do que eu
acredito ser o correto. Foi por isso que seguimos separados há
anos.
Phillip assentiu, sem demonstrar emoção. Ele voltou a encostar a
parte de trás da cabeça no acolchoado da cadeira.
— Eu entendo sua motivação — comentou ele. — Apesar de
tudo, eu entendo. Quando vi seu irmão agarrar Iris ontem, eu… — o
maxilar dele ficou rígido, e seus olhos mais escuros — quis matá-lo.
É impensável imaginar qualquer um fazendo mal às minhas irmãs.
Paolo não duvidou de uma palavra sequer. Phillip Spencer era
mesmo um bom irmão, um chefe de família, ainda que não
assumisse aquela posição.
— Eu teria atirado nele — Paolo afirmou. — Não permitiria que
fizesse mal a vocês.
Mais um aceno, antes de Phillip Spencer se inclinar para frente e
encarar Paolo com uma intensidade diferente.
— Já que estamos falando em Iris… — Paolo fechou os olhos e
coçou a testa, a mera menção do nome dela aumentando seu
tormento. — O que aconteceu, Mazza? Por que estavam juntos,
ontem? Por que precisava falar com ela?
— Ela não te contou? — Paolo piscou, em confusão. Jurava que
ele já estivesse ciente de tudo.
Phillip negou.
— Não quer me contar. Está ferida demais para isso, imagino.
Paolo sentiu o ventre se retorcer, segurando-se para não bater
em si mesmo.
— Se ela não quer contar, não farei isso, Spencer.
— Você usou minha irmã?
— Eu… — Paolo hesitou, contrariado. — Não foi exatamente
assim…
— Me dê um motivo para eu não acabar com você agora
mesmo. — Phillip cerrou as mãos sobre a mesa.
Paolo engoliu em seco. Spencer era um sujeito perspicaz, calmo
de natureza, mas que já havia provado sua força. Um motivo, ele
estava pedindo. Porém, Paolo não conseguia encontrar motivos
para se safar daquele conflito. Bem, não exatamente. Havia um,
específico, que parecia ser o único que importava.
— Eu amo sua irmã, Spencer — Paolo confessou. — Eu errei,
muitas vezes, mas acredite quando digo que eu me arrependo e me
arrependerei o resto da vida por fazê-lo.
Phillip soltou o ar, negando repetidamente, em silêncio. Paolo
achou melhor encerrar aquela conversa de uma vez por todas.
Parecia que eles haviam chegado ao limite de qualquer proveito que
o diálogo pudesse lhe oferecer.
Paolo se levantou e endireitou a postura.
— Escute, sei que não tenho esse direito — disse ele —, mas eu
escrevi uma carta para ela. Imaginei que Iris não desejaria me ver,
então…
— Não quer, mesmo. Ela me disse — Phillip afirmou.
Seria menos doloroso se Spencer o tivesse golpeado na cabeça
com um pedaço de pau.
— Pode entregar isto a ela? — Paolo tirou o envelope de dentro
do colete e o estendeu a Phillip.
Os olhos azuis desceram ao papel pardo, mas ele não mexeu
um músculo sequer.
— Por que eu deveria fazer isso? — Phillip questionou.
— Porque ela merece saber a verdade — Paolo insistiu. — A
completa verdade. Está tudo aí.
O inglês continuou imóvel, embora parecesse um pouco mexido
com as palavras. Paolo deixou o envelope sobre a mesa e recolheu
o braço.
— Eu vou embora, agora.
Paolo trocou um último olhar com Phillip, girando nos próprios
pés, a caminho da porta do cômodo. Seu ombro estava dolorido, a
cabeça latejava, mas era no canto esquerdo do peito que Paolo
pensava que não conseguiria suportar a dor.
— Mazza? — Phillip o chamou uma última vez. Paolo se virou,
seu olhar concentrado nos olhos azuis. — Sinto muito por Giuliana.
De verdade, tudo que eu sempre desejei foi que ela encontrasse a
felicidade, ainda que não fosse comigo.
Paolo acreditou nele. Ele sentia-se do mesmo jeito.
— Eu sei que sim, Spencer. E sinto muito também. Por tudo.

Dias depois, Iris se despediu de Violet após se reunirem para o


chá da tarde, seus olhos ardendo enquanto ela segurava a vontade
de chorar.
Era uma reação rotineira depois de… tudo que acontecera.
— Ela está tentando se recuperar — Jasmine comentou, a
expressão da mais velha reflexiva. — É uma fase difícil, esta. Como
um luto.
Iris entendia muito bem do que a irmã estava falando. Desde o
rompimento com Flavian, Violet tentava não transparecer o quão
devastada estava, forçava sorrisos e procurava se distrair qualquer
que fosse o assunto na hora do chá. Iris sabia muito bem que era
tudo fingimento, porque ela estava fazendo a mesma coisa. Apenas
dias haviam se passado, mas já pareciam anos, tamanha era a
saudade que sentia dele.
— Vou para o meu quarto descansar um pouco. — Iris se virou
para a mais velha, que apenas assentiu.
— Tudo bem, querida. Estarei na biblioteca. Vou procurar algo
para ler.
Elas se separaram ao entrar novamente pelas portas da frente.
Iris subiu as escadas em direção ao próprio quarto e Jasmine seguiu
até o fim do corredor.
Ao chegar no cômodo vazio e bem arrumado, Iris pensou no que
fazer. Caminhou até a cômoda, as lembranças da conversa que
tivera com Violet há pouco ainda em sua mente. O quanto pensar no
coração partido da amiga o lembrava do dela. Ou dos pedaços do
dela, se é que havia restado algo. Era como se vestisse de
melancolia, como se cada tristeza passada nos últimos dias tivesse
sido tatuada em sua pele, cujos traços ainda ardiam e latejavam,
não deixando-a esquecer. Então, ela olhou para a gaveta fechada, a
mesma onde estava uma carta que ela ainda não tivera a coragem
de abrir.
Phillip saíra do escritório após a conversa dos dois e a procurara,
ainda que contrariado, com um envelope pardo nas mãos. Paolo
escrevera uma carta para ela, uma que, segundo seu irmão,
continha a verdade que ela precisava ouvir. Ainda muito ressentida
e cheia de mágoa, Iris não quis ler nada. Pediu que Phillip se
livrasse do papel, que o jogasse fora, picasse em mil pedaços ou o
queimasse na lareira. Muito gentilmente, seu irmão apenas abriu a
primeira gaveta do móvel de madeira e depositou o envelope ali.
— Estará aqui quando estiver pronta — disse ele, antes de beijar
a testa dela e deixá-la sozinha.
Iris respirou fundo, encarando o puxador entalhado. Ela fizera
isso todos os dias desde então, perguntando a si mesma se estava
pronta. Só que… e se nunca ficasse? Era bem possível,
considerando que ela não vislumbrava esquecer aquela história
lamentável tão cedo.
Iris tamborilou os dedos sobre a madeira, suas pernas
repentinamente agitadas. Seu orgulho muito ferido dizia que não,
que ela não deveria ceder. Ela fechou os olhos, respirando fundo.
Uma vez, depois outra, e então mais uma. Na busca do silêncio de
sua mente agitada, ela conseguiu escutar um sussurro doce, um
que vinha diretamente de seu coração.
Apenas abra, era o que órgão traidor dizia. O mesmo que
também sentia falta de um certo italiano.
Droga. Iris era mesmo uma romântica, não adiantava mais
negar.
Ela engoliu o nervosismo que cresceu dentro de si e abriu a
gaveta devagar. Encarou o envelope antes de estender a mão e
sentir a textura áspera na ponta dos dedos. Iris abriu-o, sua
respiração mais pesada a cada segundo que passava, seus
batimentos totalmente descompensados. Como um gesto de
coragem, ela desdobrou o papel e, finalmente, correu os olhos pelas
palavras ali escritas:
“Bella mia.
Espero que esta carta ache o caminho até você. Espero
que me dê uma chance, a última, ao menos para que eu
possa lhe contar a história inteira. A completa verdade, sem
disfarces ou desculpas. Ela não é muito diferente da que
você já conhece. Mas o homem que a escreve é, e isso é
graças a você, Iris.
Cheguei à Inglaterra querendo vingança. Minha irmã,
Giuliana, a única pessoa de minha família que me
demonstrou qualquer tipo de afeto, foi assassinada em Roma
meses atrás. Fiquei sabendo porque meu irmão, Tommaso, a
quem você infelizmente conheceu, me procurou em Chianti.
Ele não tinha muitas informações a respeito do caso, apenas
sabia que Giuliana noivara e o sujeito envolvido com ela, que
conseguira escapar com vida desse acerto de contas, era o
responsável pela tragédia. O nome dele era Phillip Spencer,
ou ao menos, era o que pensávamos. 
Nós tínhamos um objetivo, eu e meu irmão: vingar a morte
de Giuliana e fazer seu irmão pagar por seus crimes.
Tommaso desejava matá-lo, mas eu sempre fui contra tirar a
vida de alguém. Sugeri arruiná-lo. A oportunidade de
trabalhar em sua casa pareceu uma ajuda do destino, uma
que eu aceitei sem hesitar, convencido de que estava no
caminho correto. Também mandei uma carta a um amigo em
Roma e pedi a ele que averiguasse a história mais a fundo.
Estava tudo planejado, tudo devidamente calculado.
Eu apenas não imaginava que você, cara mia, cruzaria o
meu caminho.
A ideia inicial de arruiná-la foi de Tommaso. Eu jamais
havia pensado nisso, não foi esse o motivo de minha
aproximação inicial. Contudo, Tommaso é um homem cruel, e
a ideia de ele machucá-la me atingiu de maneira inesperada.
Pode não fazer sentido para você, mas, ao aceitar seduzi-la,
eu realmente pensei que a estava protegendo de um mal
maior. Mas não posso me eximir da culpa, pois eu disse sim
ao plano dele, eu concordei. Queríamos a ruína de seu irmão,
mas também que Phillip sofresse na própria pele o que havia
feito conosco. Não é um motivo nobre, hoje eu sei disso,
mas, na época, tudo fez sentido.
Até que, muito rapidamente e devido ao encanto de uma
dama, não fez mais.
Não sei exatamente quando me apaixonei por você, Iris.
Creio que foi a cada palavra gentil, a cada beijo doce, a cada
carícia que me despertava desejo e algo maior, sublime,
muito diferente e superior a qualquer outra coisa que eu
conhecesse. Tampouco esperava sentir algo profundo. Nunca
conheci o amor, em qualquer forma, não antes de você.
Tentei me enganar, dizer que o que estava sentindo, que as
batidas frenéticas em meu peito eram um engano. Permiti
que nosso envolvimento prosseguisse, mesmo quando não
tinha mais a intenção de utilizá-la, simplesmente porque não
consegui parar. Tentei fugir de todas as formas, negar o que
me dominava, mas o amor já havia se entranhado em mim.
Não havia mais como fugir.
Eu cheguei a Londres cheio de ódio, ira, desprezo. Ao seu
lado, fui aos poucos, dia após dia, encontrando a paz. Mesmo
antes de saber que seu irmão não tinha culpa, que ele fora
uma vítima da situação, pensei em abandonar tudo, em
enfrentar Tommaso, em voltar para Chianti, tudo para não
machucá-la. Porém, quando tentei acertar as coisas, quando
enfim percebi o erro enorme que havia cometido, era tarde
demais. Você já estava ferida e eu me tornara indigno de seu
perdão.
Eu entendo sua recusa, sua mágoa por mim. Consegui
ver em seus lindos olhos o quanto te feri, e jamais me
perdoarei por isso. Mas preciso que saiba que cada palavra
que eu disse, cada gesto e toque foi verdade. Não fiz amor
com você por vingança. Fiz porque eu te amava, porque eu te
amo, porque você de repente virara a única coisa que fazia
sentido em minha insignificante existência.
Por todo o tempo em que ficamos juntos, eu não a estava
enganando, Iris, senão apenas a mim mesmo. Caí, sem nem
me dar conta, na própria armadilha que armei para você,
amore mio. Contudo, maravilhosa como é, você me ajudou a
encontrar a salvação, por mais perdido que eu estivesse.
Preciso que saiba disso: eu sou um homem diferente,
agora. Não suficientemente bom, mas melhor. Não desejo
mais vingança, ódio, escuridão. Ser amado por você, ainda
que por pouco tempo, me mostrou que posso ser melhor, se
assim escolher. E eu escolho, Iris. Escolho ser um homem
que ao menos tentaria estar em condições de receber o seu
amor. Assim como escolheria voltar no tempo e fazer tudo
diferente, apenas para anular a sua dor.
Não posso pedir que me perdoe, mas o faço mesmo
assim. Perdoe-me. E desejo, ainda que com o coração
apertado, que, se não conseguir perdoar-me, que encontre
um homem que possa amá-la como merece, que a trate bem.
Você merece ser feliz, bella mia. Merece formar uma família,
um lar. Você merece toda a felicidade desse mundo, Iris,
ainda que não seja comigo. Porque eu a tive uma vez e a
perdi. Não é justo que sofra por mim. Nunca foi.
Entretanto, independentemente de sua escolha, uma
coisa precisa estar clara: para mim, sempre será você. Seu
sorriso. Seu olhar brilhante por trás das lentes que se
embaçam quando você bebe chá. Seus livros indecorosos e
sua pele corada. Seu perfume doce e sua voz que me
acalma.
Sempre e para sempre você, perfeita como é.
Guardarei comigo a lembrança de seu amor, de nossos
batimentos se confundindo. Indigno como sou, tão egoísta,
jamais esquecerei o que vivemos. Jamais esquecerei o
quanto me senti amado e como fui feliz ao seu lado.
Você é a mulher da minha vida, minha eterna musa.
Eu imploro, acredite. Isso nunca foi mentira.
Ti amo, bella.
Seu Paolo.
Ps: Estarei na cidade até a próxima quarta-feira, quando
pegarei um coche em Docklands às duas da tarde, a caminho
de Dover. Estou deixando-a saber porque se seu lindo
coração encontrar a força para me perdoar, prometo não
desperdiçar essa segunda chance.”
C A P Í T U L O V I NT E E N OV E

L á estava ela. A torneira infinita, aberta mais uma vez. Iris


fungou, tentou puxar o ar, tentou de novo. Tudo em vão. Tudo
que conseguia fazer era chorar e fungar e sentir o coração apertado
ao lembrar das palavras que acabara de ler. As palavras de amor de
Paolo, claras como água, sem enganos ou mentira.
Tudo com amor.
— Iris, por um acaso você está com a cópia de… — Jasmine
entrou no quarto sem bater, parou e arregalou os olhos ao encontrá-
la em seu pranto. — Meu Deus, querida. O que aconteceu? — Ela
se aproximou e ajoelhou-se junto a Iris.
— Eu não… — Ela soluçou, tentando falar. — Eu apenas…
— Vou ao clube rapidamente, mas é provável que… — Phillip
colocou a cabeça na porta, sua reação muito parecida com a de
Jasmine segundos antes. — Deus do céu, o que aconteceu agora?
— Não faço ideia. Entrei aqui e Iris estava assim — Jasmine
falou, a preocupação palpável em sua voz.
— Eu apenas… — Iris tentou mais uma vez, mostrando a eles o
pedaço de papel. — Eu…
Enquanto ela continuava a chorar, Phillip pareceu entender o que
estava acontecendo ali.
— Ah, entendi. A carta.
— Carta? — Jasmine franziu as sobrancelhas loiras e olhou para
as mãos de Iris. — Que carta?
Ela fungou novamente e encontrou o olhar de Phillip, numa
pergunta silenciosa. Aquele em suas mãos não era um segredo
apenas dela. O mais velho assentiu rapidamente e Iris deixou que a
irmã pegasse o papel para si. Ela tirou os óculos e enxugou o rosto,
atenta enquanto Jasmine começou a caminhar de um lado para o
outro, seus olhos fixos nas palavras contidas ali. Phillip encostou o
quadril na cômoda e pôs a mão no ombro de Iris, num gesto
consolador.
— Espere. — Jasmine parou, tirando uma mecha de cabelo dos
olhos. — Espere.
— Estamos esperando — Phillip murmurou.
— Isto… — Ela olhou para Iris, e então para Phillip, e então para
Iris de novo. — Isto!
Iris assentiu, ainda lembrando-se de respirar, um pouquinho mais
calma.
— Esse Paolo é nosso lacaio? — Jasmine quis saber.
Iris deu aceno positivo.
— E ele queria se vingar de você! — Ela apontou para Phillip.
— Sim — ele confirmou.
— E vocês dois… — ela voltou a falar com Iris. — Iris, você…
— Eu me envolvi com ele. — Lembrando-se que o irmão mais
velho estava bem ali, Iris levantou-se rapidamente e tirou o papel
das mãos de Jasmine. — Nós nos apaixonamos.
Jasmine piscou rápido, olhando para o nada. Ela suspirou e
tomou o lugar até instantes ocupado por Iris.
— Preciso de uma bebida — Jasmine afirmou.
— Você e todos nós. — Phillip pressionou a ponte do nariz. —
Bem, considerando que quase possamos nadar em suas lágrimas,
suponho que você leu a carta — ele falou com Iris.
— Sim, eu li. 
Tinha lido e amado cada linha dela, cada mancha de tinta, cada
letrinha.
— Podem me resumir a história de forma concisa, por favor? —
Jasmine pediu.
Iris engoliu a saliva, passou a mão no rosto ainda úmido e
atendeu ao pedido da irmã. Junto com Phillip, eles contaram a ela
um resumo de todo o ocorrido com Paolo. De como ele pensou que
Phillip fora responsável pelo assassinato de Giuliana, de como ele e
Iris se envolveram e de como tudo havia terminado depois daquele
sequestro inesperado.
— E você aceitou conversar com ele mesmo depois de tudo? —
Jasmine perguntou a Phillip, quando ele parou de falar.
— Mazza não foi o responsável por meu sequestro. O irmão dele
foi. E o sujeito está preso agora.
— E qual exatamente foi sua história com a irmã dele?
Phillip negou com um aceno de cabeça, irredutível.
— Não é possível que ainda queira esconder o que aconteceu
depois de tudo isso — protestou ela.
— Tudo isso não diz exatamente respeito a mim — Phillip
argumentou, seus braços cruzados na altura do peito. — Diz
respeito a ela e sua relação com o sujeito.
Iris encontrou os dois pares de olhos claros concentrados nela,
esperando-a dizer algo.
— Então? — Jasmine perguntou.
— Então o quê? — Iris rebateu.
— O que vai fazer?
— Eu… — Ela coçou a testa. — Eu não sei, não sei o que fazer.
— Foi a vez de Iris começar a se movimentar pelo quarto. — Há
muito a se considerar.
— Elabore. — Jasmine cruzou as pernas e fez um gesto com a
mão, atenta. Phillip apenas puxou o ar e continuou encarando-a.
— Bem, em primeiro lugar, ele mentiu para mim.
— Certo.
— Me usou para um fim muito imoral.
— Sim, mas? — Jasmine completou.
Argh, mas que droga. É claro que sua irmã, a última das
românticas exceto quando se tratava dela mesma, teria um “mas”
guardado na manga.
— Mas eu acho que ele disse a verdade. Na carta, quero dizer.
— Me pareceu sincero. Você leu, Phillip?
— Eu li.
— Você leu? — Iris arregalou os olhos para ele, completamente
estupefata.
— É claro que li, Iris. O sujeito quer se vingar de mim usando
você como parte de seu plano e você espera que eu confie
inteiramente nele? Desculpe-me, sou um homem bom, não um
idiota.
Tudo bem, considerando as circunstâncias, Iris concordava que
Phillip tinha um ponto ali.
— Não achou que ele foi sincero? — Jasmine perguntou.
Phillip umedeceu os lábios e ergueu os ombros suavemente.
— Ele me pareceu sincero desde nossa conversa no escritório.
— Ele apontou o indicador para Iris. — O que não significa que eu
goste dele nem do que vocês fizeram.
Ela corou da cabeça aos pés. Sabia exatamente do que ele
estava falando.
— Quem diria? — Jasmine murmurou, baixinho. — Você sempre
foi tão quietinha…
— Jasmine! — Iris a repreendeu, e Jasmine deu uma risadinha.
Ela se levantou e caminhou até a caçula, fazendo um carinho em
seu cabelo.
— Suponho que isso explica por que esteve triste todos esses
dias, não é? — perguntou ela.
Iris assentiu, pois não havia mais por que negar.
— Acha que ainda temos salvação? — questionou ela aos dois.
— Que, mesmo depois do que ele fez, podemos nos acertar?
Jasmine levou um momento pensando, sua expressão agora
séria.
— Você o ama?
— Sim, eu o amo.
— O que é pior? Perdoá-lo ou deixá-lo ir?
Iris nem precisava refletir para saber a resposta.
— Deixá-lo ir.
— Se decidir perdoá-lo, terão que olhar para o futuro a partir de
agora. Não deve ficar com ele se não conseguir confiar.
Iris levantou o canto dos lábios, tocada por toda aquela
sabedoria e carinho. Jasmine sabia mesmo de assuntos do coração,
ela tinha propriedade nas frases que dizia.
— Eu jamais faria isso. Mas e quanto a você, Phillip? Vai
conseguir conviver com ele? Comigo, se eu o ainda quiser?
Phillip sorriu pela primeira vez desde que aquela reunião de
irmãos começara.
— Eu jamais pediria que renunciasse à sua felicidade por mim,
Iris. É claro que considerei tudo antes de entregar esta carta a você.
— Você é mesmo o homem mais generoso que eu conheço.
Ele sorriu de novo.
— Ao menos um de nós não terá um coração partido, para
variar.
— Jasmine, e quanto a você? — Iris se virou para a irmã.
— O que tem eu?
— Casar-me com ele, alguém tão diferente, pode prejudicar
nossa reputação. Não quero que sofra por minhas escolhas.
Os olhos de Jasmine se emocionaram, e ela sorriu gentilmente.
— Querida, você conhece minha decisão.
— Sim, mas as coisas mudam. E se você conhecer alguém e…
— Se, e somente se eu conhecer alguém, espero que ele seja
um homem que me aceite independentemente do que podem vir a
dizer de mim. Como Phillip disse, eu jamais sacrificaria sua
felicidade, Iris. Você merece ser feliz. Você é a melhor de nós.
Iris sentiu o queixo tremer e olhou para Phillip, que ergueu os
ombros.
— Eu disse que era — falou ele.
Jasmine deu um suspiro longo, concordando.
— Tomou sua decisão?
Sim, ela tomara. Precisava ir atrás de Paolo e dizer que o
amava, que o perdoava por seu erro e que poderiam ter sua
segunda chance. Precisava dizer que…
— Meu Deus — Iris finalmente se deu conta —, hoje é quarta-
feira. Que horas são?
Phillip tirou o relógio do bolso e conferiu as horas.
— Uma.
— Ele disse que a carruagem sairia às duas.
— Vamos, então. Precisamos correr. — Jasmine puxou Iris pela
mão e ordenou que Phillip se apressasse em chamar a carruagem.
O caminho até a região de Docklands foi no mínimo
emocionante. Iris duvidava que já tivesse viajado naquela
velocidade, antes. Tudo aconteceu tão rápido que ela nem ao
menos se lembrava de sair de casa, subir os degraus de ferro e se
acomodar no banco acolchoado. Não via nada em sua frente, a não
ser a possibilidade de chegar tarde demais e não conseguir alcançá-
lo. Deus do céu, ela morreria se isso acontecesse. Precisava chegar
a tempo, ou seu coração não sobreviveria a mais aquela desilusão.
Assim que adentraram a rua da estação, Iris e Jasmine
grudaram os rostos no vidro do coche, seus olhos atentos às
inúmeras pessoas na rua.
— Lá! — Iris apontou para fora, ao reconhecer o homem grande
e de cabelos escuros caminhando ao longe. — Acho que é ele. Pare
o coche.
— Acha? — Jasmine conseguiu dizer.
Sim, com a visão precária daquela distância, não havia como ter
certeza, mas o coração de Iris pareceu responder positivamente à
figura que ela avistara. Iris decidiu escutá-lo mais uma vez.
Diferente do que pensara dias antes, ele não parecia errar tanto
assim. Não mais.
Phillip deu o sinal para o cocheiro parar e Iris saltou do veículo
sem qualquer graça ou finese. Ela correu a ponto de seus pulmões
quase explodirem, as saias do vestido farfalhando, os óculos
escorregando em seu rosto, mas não parou.
— Paolo! — gritou ela, em meio à multidão. — Paolo!
Como um milagre do amor, ele olhou para trás. Ele, o Paolo dela,
em todos aqueles ângulos másculos e perfeitos dos quais ela tanto
sentia falta. Suas pernas continuaram a correr, incansáveis e
persistentes, até finalmente o alcançarem. Assim que parou, Iris
sentiu a pontada forte na região das costelas.
— Iris? — Paolo era uma mistura de surpresa e deslumbre.
— Nós… — Iris tentou dizer, mas ela não conseguia respirar, a
dor atormentando-a, todas as vias respiratórias doíam. — Só…
Espere… — Ela apoiou a mão na lateral do corpo, e puxou o ar.
E de novo, e de novo, até finalmente sentir seus pulmões
inflarem outra vez.
— Iris, o quê…?
— Eu pensei que… estava atrasada — ela conseguiu dizer. —
Pensei que tinha perdido você.
Ele negou, os olhos ainda arregalados.
— Eu ainda estou aqui. Você nunca vai me perder.
Graças a Deus por isso, pensou ela, as borboletas em seu
estômago acordadas novamente, após longos dias adormecidas.
— Sim, você está.
Paolo se aproximou, hesitante em tocá-la. Ela já o conhecia bem
a ponto de saber que se continha.
— E o que você está fazendo aqui? — ele perguntou.
Iris soltou o ar mais uma vez, sorriu e jogou o cabelo que se
soltara para trás.
— Eu li sua carta. Nós precisamos conversar, caro mio.

Ainda sem acreditar que estava acordado e não sonhando,


Paolo ajudou Iris a se acomodar sobre uma pedra, num lugar
deserto às margens do rio. Dias depois de conversar com Spencer e
deixar sua carta nas mãos no rapaz, ele já havia perdido as
esperanças de ser perdoado, até ouvir o chamado inesperado da
voz dela e encontrar a figura feminina e maravilhosa correndo em
sua direção.
A mesma figura que agora estava em sua frente, ainda corada
do esforço físico, e que desejava conversar.
Paolo devia ser mais forte do que pensava, pois não tocá-la,
puxá-la para si e abraçá-la como se o mundo fosse acabar no
instante seguinte estava lhe custando cada fibra de seu ser. Céus,
quantas saudades ele estava dela, muito mais do que imaginava, do
que pensava ser possível descrever.
Iris suspirou, sua respiração já normalizada, e o encarou por trás
das lentes.
— Então, eu li sua carta.
Paolo engoliu em seco e assentiu.
— Sim, você disse.
— Não sabia que você escrevia tão bem. — Ela alisou as saias
do vestido cor-de-rosa. — Digo, suas palavras… foi tudo muito lindo.
Paolo conteve o impulso de pegar na mão dela. Deixaria que Iris
decidisse se aproximar, pois temia cometer qualquer imprudência
que arruinasse aquele momento.
— Foi tudo verdade — afirmou ele.
— Eu sei. Mas eu ainda tenho algumas perguntas. Três, na
verdade.
— Claro. Responderei o que quiser.
Iris umedeceu os lábios corados, seus olhos encontrando os
dele.
— Você disse que não se lembra quando se apaixonou por mim.
Não se lembra mesmo? Pensei nisso vindo para cá, e eu acho que
sei quando me apaixonei por você.
— Quando?
O rosto dela ficou mais corado, de um tom rosado adorável. Ah,
ele amava tanto aquele detalhe nela.
— Quando você disse que gostava do meu jeito, de como coro, a
maneira como riu quando meus óculos embaçaram. — Ela parou. —
Uma vez, minha irmã me disse que um dia alguém gostaria de tudo
a meu respeito. Eu acho que me apaixonei por você ali. Mas você
estava fingindo, não estava?
Paolo suspirou em frustração e passou a mão no cabelo escuro.
— Eu… Eu armei, sim, para servir seus cafés da manhã, mas
não menti no que disse.
— O que você fez de caso pensado?
— Alguns flertes depois disso, algumas frases indecorosas.
— Seu pedido para eu não ir ao baile?
— Não, não aquilo. — Paolo negou, lembrando-se daquela
tarde. — Não planejei aquilo. Falei a verdade quando disse que não
pensei que ficaria comigo. Eu apenas não queria que dançasse com
o almofadinha.
Iris soltou um risinho baixo, como sempre fazia.
— Então nada naquela noite foi premeditado?
— Não, apesar de eu gastar uma boa quantidade de energia
dizendo que estava fazendo isso apenas pelo combinado com meu
irmão.
Iris assentiu e respirou fundo, os seios subindo e descendo no
corpete.
— Tudo bem. Você tentou me contar, não tentou? Antes de
nós… ficarmos juntos.
— Sim, não achei justo você não saber a verdade.
— Eu não quis ouvir naquele momento.
— Eu deveria ter insistido mais — Paolo afirmou. — Você não
fez nada errado. Nada.
Iris suspirou e engoliu em seco.
— Tudo bem. Segunda pergunta. Quando foi que desistiu de me
seduzir?
— Quando você disse que estava preocupada com a
possibilidade de me prejudicar. Eu… — Paolo olhou para as mãos
pequenas e delicadas apoiadas no colo dela, e mandou a prudência
para o inferno. Ele deslizou um pouco mais para perto e pegou em
uma delas, sentindo a pele quente na sua. — Ninguém nunca
demonstrou aquele tipo de preocupação comigo — confessou ele.
— Talvez tenha sido ali que eu tenha me apaixonado. É bem
possível.
Iris fixou o olhar no dele, sem recuar do toque. Paolo gentilmente
arrumou os óculos dela no lugar com a mão livre.
— Você tinha mais uma pergunta para me fazer — disse ele.
Ela concordou, mordendo o lábio inferior.
— O que você tem a me oferecer, Paolo?
Ele não estava esperando por aquela pergunta. Não mesmo, ela
o pegara completamente de surpresa.
— Eu… — Paolo se pôs a pensar. — Bem, você conhece minha
condição. Tenho meu pedaço de terra em Chianti, mas não posso
afirmar que consegu…
— Não, Paolo… — Iris tocou em seu braço com carinho. —
Preste atenção: o que você tem a me oferecer?
E ele finalmente entendeu o verdadeiro significado daquela
questão. Com as batidas de seu coração mais aceleradas do que
nunca, Paolo tentou controlar a emoção que o inundava e a puxou
para seu colo. Ele deveria ter sido mais discreto, mas não se
importou se havia alguém ali para observá-los. Em meio ao som das
gaivotas e das ondas do rio, envolvidos pelo cheiro azul da água, os
olhos cintilantes de Iris grudaram nos dele, o dedo delicado
desenhava em seu maxilar.
— Uma vida ao seu lado, tentando fazer você feliz — Paolo
sussurrou. — Todo meu coração. Todo meu amor. Para sempre.
Iris sorriu, concordando com um aceno suave.
— Parece muito bom para mim.
Suas testas se colaram, as respirações se misturaram. Paolo
conseguiu sentir o perfume floral, a paz voltando a habitar em seu
coração.
— Não minta mais para mim — Iris pediu.
— Nunca mais.
— Quero fazê-lo feliz. Quero viver isto, quero você.
Ele confirmou com um gesto de cabeça, mais certo do que
nunca.
— Case-se comigo, amore mio. Seja minha.
— Eu já sou, Paolo. É claro que me caso. — Iris sorriu
novamente. — Eu sou sua há muito tempo.
Com as palavras doces entre eles, Paolo a beijou e selou o
momento tão lindo. E, pelo sabor maravilhoso daquele beijo, ele
teve certeza de que Iris era verdadeiramente sua.
Assim como ele era dela também, enquanto vivesse.
C A P Í T U L O T R I NTA

Alguns meses depois


Chianti, Grão-Ducado da Toscana

“Sinto a chegada da Primavera florida, 


Acordando árvore e videira; 
Uma tigela espaçosa traz rapidamente 
E misture o vinho com mel. 
Tecer para minha garganta uma guirlanda de endro fresco, 
E coroar minha cabeça com flores, 
E sobre o meu peito derramam-se doces perfumes 
Em chuveiros aromáticos.
– Alceu de Mitilene”

E nvolvida pelo aroma roxo das uvas, Iris Mazza puxou as saias
do vestido um pouco para cima, seus pés descalços sentindo
a grama fresca. Ela se atrapalhara com a taça e derrubara um
pouco de vinho em si mesma ao tropeçar. Não haveria salvação
para o tecido tingido depois daquilo, mas Iris estava disposta a
guardá-lo mesmo assim, como uma recordação daquele dia
memorável. 
— Eu disse que você é uma musa — ela sentiu o hálito quente
roçar em seu ouvido e as mãos grandes apertarem sua cintura —,
mas eu estava errado.  
Iris riu e se virou, para encontrar o olhar nublado de seu marido,
vestido em mangas de camisa e igualmente descalço. Ele usava
barba agora, uma barba cheia e bem aparada, que o deixava ainda
mais másculo e sensual. Não que Iris tivesse uma preferência. Ela
amava todas as versões daquele italiano indecoroso, sem
exceção.  
— Estava? — Ela passou os braços ao redor do pescoço largo.  
— Sim, eu estava muito errado — Paolo mergulhou o rosto na
curva de seu pescoço. — Você não é uma musa… — O nariz dele
desenhou na pele dela. — É a própria Vênus em pessoa. Uma
deusa.  
Como sempre acontecia quando ele lhe dizia coisas assim, Iris
sentiu-se esquentar e corar. Poderia muito bem estar da mesma cor
do vinho que provara mais cedo.  
— O senhor é mesmo um atrevido.  
— Um atrevido com quem a senhora se casou, se me lembro
bem.  
Ele estava certo.  
Casar-se com Paolo Mazza meses antes foi um processo e
tanto. Depois de aceitar o pedido de casamento dele, Iris e Paolo
tomaram a decisão de contar toda a verdade à família. Bem, quase
toda. Iris decidiu deixar alguns detalhes entre eles, com o apoio de
Jasmine e Phillip, que finalmente revelou parte do que acontecera
com ele em Roma — apesar de Paolo continuar sendo o único a
saber da história completa. Ela apenas desejava que Phillip
conseguisse se curar de seu próprio coração partido e encontrar a
felicidade um dia. Ninguém merecia mais do que ele.  
Lady Georgia ficou relutante de início, considerando o quanto
aquele envolvimento era complexo. Paolo era um estrangeiro, de
classe social diferente e que, àquela altura, já ficara conhecido por
ser um lacaio. Iris entendia as ressalvas da mãe. Contudo,
maravilhoso como era, Lorde Wallace teve uma longa conversa com
Paolo e apoiou o relacionamento, o que fez a matriarca ceder e
aceitá-lo como futuro genro. Eles se casaram dois meses depois,
apenas três dias antes de Poppy ter o bebê — uma menina, Felicia,
o que significava que o visconde ainda não tinha um herdeiro para
chamar de seu. Não que Jasper estivesse preocupado com isso.  
Naquele meio tempo, Tommaso Mazza fora finalmente julgado.
Ele recebeu uma sentença de dez anos e foi enviado para a
Austrália logo depois disso. Em confidência, Paolo contou a Iris
sobre o que o irmão fizera antes, envolvendo Lorde Gabriel Jones.
Ela ficou realmente horrorizada, mas se via sem nenhuma dúvida o
quanto ele e Paolo eram diferentes, o que explicava terem seguidos
caminhos separados há muito tempo.
Seu marido era um homem bom, um que se mostrava melhor a
cada dia, para a sorte e orgulho dela.
Então, Iris e Paolo partiram finalmente para Chianti, onde
estavam vivendo desde então. Paolo trabalhara duro nos últimos
meses, deixando tudo pronto para começar a fabricar seu próprio
vinho. Era uma vida diferente da que Iris estava acostumada, mais
simples e bucólica, mas uma que fora feita para ela, Iris soube disso
desde o primeiro instante.  
— Você não deveria dizer isso — Iris repreendeu o marido, mas
não de verdade. — Estamos em meio a uma festa em homenagem
a Vênus.  
— Mais um motivo para achar que você cumpre bem o papel —
Paolo brincou. — O que está achando da Vinalia Priora?  
A Vinalia Priora era um festival realizado na vila toda primavera,
seguindo uma tradição da Roma antiga. Dedicado aos deuses
romanos Jupiter e Vênus, era a oportunidade perfeita para que
todos degustassem dos vinhos produzidos na temporada anterior.  
— Maravilhoso! No ano que vem estaremos todos provando
o seu vinho, Sr. Mazza.  
Ele sorriu, em expectativa e orgulho.  
— Esperemos que sim.  
— Irão. — Iris insistiu. — Agora venha, vamos dançar, você e
eu.  
Como sempre, Paolo tomava seus atrevimentos durante a
dança, uma bem diferente das quadrilhas e minuetos a que Iris
estava acostumava. Havia mais contato corporal naquela
coreografia, mais calor. E, quando os olhos de Paolo encontravam
os dela dizendo-lhes palavras de amor silenciosas, Iris poderia
muito bem esquecer-se do resto do mundo. Nada mais importava,
além dela, dele e das batidas de seus corações, que se fundiam a
ponto de parecerem uma só.  
— Quero levá-la para casa. — Paolo puxou-a para si, e
sussurrou no ouvido dela. — Quer fugir comigo? 
— Mas e quanto à festa? — Iris perguntou, ao ajeitar os óculos
no lugar. — Vamos ficar apenas mais um pouco. Está tão divertido.  
Ele soltou um resmungo baixo, porém bem-humorado.  
— Perdoe-me, mas não consigo me controlar. Você está mesmo
deslumbrante hoje.  
— Você diz isso todos os dias — retrucou ela.  
— Porque todos os dias você me encanta. — Paolo tirou o
cabelo dela do rosto e acariciou a bochecha corada. — Você, cara
mia, é a melhor coisa que já me aconteceu.  
— Sim, posso ver que você brilha de felicidade quando olha para
mim.  
Eles riram juntos, e Paolo roubou um beijo dela, o gosto de vinho
inebriando-a, mesmo em meio à multidão. Iris não se importava.
Poderiam falar deles, mas o que diriam? Que estavam
excessivamente apaixonados, que o amor entre eles era
demasiado? Pois que falassem. Ela já passara tempo demais
escondida para se incomodar com aquilo.  
— Diga de novo — ele pediu, como fazia todas as noites.  
Iris afastou-se apenas um pouco e o fitou, seus olhos cintilando
amor.  
— Io ti amo — disse ela, baixinho. — Tanto, tanto… 
— Amore mio…— Paolo colou a testa na dela, beijando-a
novamente. 
E ele estava certo. Amor dele e somente dele.  
De seu Paolo.
EPÍLOGO

Florença, Grão-Ducado da Toscana


Setembro de 1816

—A quela galeria foi construída para que eles não se


misturassem ao povo — Paolo explicou, ao apontar para a
construção acima de si, o Palazzo Vecchio. O sol da Toscana
iluminava o prédio antigo.
— Era uma família um tanto esnobe, não? — Iris olhou na
mesma direção do dedo dele.
— Bem, amore mio, nem todos são como os Spencers — ele
brincou. — Os Médici eram peculiares, para se dizer o mínimo.
— E quem é este? — Iris desviou da multidão de gente, e
indicou a estátua de mármore em frente ao Palazzo.
— Este é David, de Michelangelo. — Paolo também encarou a
peça. — Há uma história interessante envolvendo esta escultura. Ao
que parece, o mármore utilizado nele não era de boa qualidade.
Michelangelo precisou fazer um trabalho e tanto aqui.
— É bonita… — Ele apertou os olhos por trás das lentes.
— Sim, e um tanto diferente de tudo que se tinha sobre a figura
de David. Ao invés de ele já segurar a cabeça de Golias, como era o
esperado, David está numa posição de espera. Ele está aguardando
o gigante chegar.
— Você realmente sabe de tudo… — Iris sorriu e lhe estendeu a
mão, que Paolo aceitou.
— Não tudo, mas vivi aqui muitos anos, sei de algumas histórias.
Já fazia quase um ano desde que Paolo e Iris haviam se casado
e mudado para Chianti, mas aquela era a primeira vez em que
pisavam em Florença, terra natal de Paolo. De lá, ambos seguiriam
para a Inglaterra, numa viagem não planejada devido ao escândalo
recente envolvendo Phillip.
E, dessa vez, seu cunhado era mesmo o responsável pelos
fatos, não havia qualquer engano sobre isso.
Meses antes, um pouco depois que Paolo e Iris partiram,
Spencer programou uma viagem a Nova York, para conversar com
um colega investidor. Uma viagem para Phillip não era novidade,
mas ninguém esperava que levasse sua prima, Daisy Bergon — que
estava passando umas semanas com a família em Hampshire —,
como acompanhante. Quando a mãe de Daisy, Madeleine, chegou a
Londres à procura da moça, o caos se instaurou. Pelo que Jasmine
contara na última carta enviada a Iris, as coisas não estavam boas
para os Spencers, especialmente para Phillip, que agora era o
assunto do momento — e não de uma forma boa.
Com Iris nervosa e preocupada, Paolo não teve dúvidas de que
estava na hora de voltarem para demonstrar seu apoio naquele
momento difícil. Como passariam por Florença no caminho, ele
separou um par de dias para mostrar-lhe um pouco da cidade e
tentar distrair a mente aflita de sua linda esposa.
— Me diga, o que está pensando? — Paolo fez um carinho na
mão dela ao caminharem às margens do rio Arno. Iris estava calada
há tempo demais.
— Estou… — ela suspirou — preocupada. Temo encontrar as
coisas demasiado agitadas quando chegarmos a Londres. Me
preocupo muito com Phillip. E com meu pai, também.
Paolo compartilhava da mesma preocupação. A saúde de Lorde
Wallace se encontrava cada dia mais debilitada. Era uma grande
angústia e ele se sentia culpado por morar tão longe da família, pois
sabia o quanto Iris era apegada a todos eles. Aquele era apenas
mais um motivo pelo qual parecia certo viajarem.
— Não queria que tivéssemos que partir em meio à colheita —
Iris continuou em um murmúrio, sua voz extremamente chateada.
— Querida, não há por que se sentir assim. — Paolo agarrou a
mão dela e puxou-a pela cintura. — Sua família precisa de nós, há
coisas mais importantes do que o trabalho.
— Sim, mas…
— Deixei Giovani responsável. Temos uma plantação pequena,
estará tudo sob controle. Ainda beberemos do nosso vinho na
Vinalia do ano que vem.
Iris assentiu, esforçando-se para sorrir.
— Tudo bem, tentarei não carregar o mundo em meus ombros.
— Isso.
— Você é um marido maravilhoso. — Ela ficou na ponta dos pés
e roubou um beijo dele. — E será um pai maravilhoso também.
Paolo poderia ter caído de surpresa naquele instante. Gelado e
repentinamente nervoso, ele a encarou com os olhos arregalados.
— Está me dizendo que…
— Não! — Iris tratou de se corrigir. — Não estou grávida, quis
dizer que, um dia, você será um ótimo pai. — Ela riu.
Paolo se juntou a ela, ainda sentindo-se um pouco tonto.
— Desculpe-me, não quis assustá-lo.
— Foram dois segundos intensos, esses — ele brincou. — Mas,
se eu pensar bem… — Paolo inclinou a cabeça para o lado. — Eu
seria o homem mais feliz do mundo se me desse essa notícia.
— Mesmo? — Iris sorriu. — Achei que esperaríamos um pouco.
— Estarei pronto quando você estiver. — Paolo fez um carinho
no rosto dela. — Construir uma família com você é tudo que quero.
Ela sorriu, o amor transbordando dos olhos cintilantes.
— Eu quero muito isso. Talvez… podemos começar a tentar?
Paolo roubou-lhe um beijo, e esfregou o nariz no dela, em
concordância.
— Podemos. Podemos tentar agora mesmo se quiser. — Ele
ergueu uma sobrancelha. — Estamos perto da pensão.
— Bem, se estamos perto... — Iris aceitou a mão dele e ambos
caminharam em direção ao lugar onde estavam hospedados.
Assim que chegaram, Paolo não esperou que a porta do quarto
se fechasse para tomá-la nos braços e levá-la para a cama. Sem
parar de beijá-la, sua língua sedenta por prová-la, ele despiu sua
esposa do vestido e a ajudou a se livrar da combinação, deixando-a
nua, apenas as meias de seda enfeitando as pernas esguias.
— Deixe-me vê-lo — Iris sussurrou, seus olhos atentos a cada
movimento de Paolo, que tirava suas roupas o mais rápido que
conseguia.
Ele enfim conseguiu se livrar das calças e falou:
— Vou lambê-la, bella. Abra suas pernas para mim.
Corada e arfante, Iris obedeceu. Paolo ajoelhou-se no pé da
cama e a puxou para perto, com sede, a vontade de mergulhar nela
atingindo níveis que poderiam deixá-lo louco. Como era possível
que o amor e desejo que sentia por Iris apenas aumentassem, dia
após dia? Paolo duvidava que um dia se acostumaria àquelas
delícias, a todas aquelas sensações maravilhosas, ao pertencimento
que o dominava quando estava nos braços dela.
Ele era um homem rendido, por uma mulher igualmente
entregue. Com habilidade, ele aproximou o rosto dos pelos íntimos e
a lambeu, devorou cada canto, concentrou-se no pontinho que
pulsava e parecia chamá-lo, bebeu da umidade que crescia e
crescia por ele, por cada gesto que fazia. Ele esfregou a barba na
pele sensível entre as coxas, desejando que Iris se lembrasse dele,
marcando-a gentilmente como sua, os espasmos do orgasmo
arrebatando-a exatamente como ele queria. Como ele tanto gostava
de observar.
Iris ainda tremia quando Paolo subiu o corpo pelo dela e a
penetrou. Ela era apertada, perfeita. Sua esposa, inteira dele, de
corpo, alma e coração. Paolo investiu, os movimentos do quadril
ficando mais rápidos, mais fortes. Iris agarrou-o e o puxou para um
beijo, as pernas firmemente enroladas na cintura dele, o ângulo
permitindo uma penetração mais profunda, seu ventre se
contorcendo ao sentir o prazer chegar, uma explosão de sensações,
uma doce tortura cujo alívio ele estava prestes a alcançar.
— Tem certeza? — Paolo encontrou seu olhar e perguntou,
muito perto de explodir.  
Iris sorriu, tremendo novamente, suas unhas arranhando as
costas dele, os suores dos corpos se misturando.
— Goze para mim, caro mio — ela sussurrou em seu ouvido. —
Goze comigo.
Foi sua perdição, ele não teve qualquer chance. Paolo se
derramou dentro dela, seu corpo completamente retesado e sua
mente relaxada, seu coração em paz.
— Você me faz muito feliz, sabia? — Iris acariciou a barba dele,
com os olhos pesados de sono.
Ele sabia, mas sempre era bom ouvir.
— E você a mim, querida. — Ele a trouxe para perto, ainda
embargado pelo frenesi. — Sou o homem mais feliz do mundo ao
seu lado.
Era verdade.
Depois de tudo que passaram e de como ela fora generosa em
perdoá-lo, fazê-la feliz virara seu objetivo na vida, a maior de todas
as suas ambições. Paolo sorriu ao beijar o cabelo de sua esposa,
seus corpos encaixados, os batimentos normalizando. Meses antes,
quem diria que ele estaria assim, naquele estado completo de
felicidade?
A vida fora generosa com ele. E Paolo, de um homem com a
moral duvidosa e uma alma solitária, virara apenas amor e gratidão.
Um homem de sorte, de fato. Um homem amado.
Amado por sua bella.
A O LE IT O R

A h, Paolo e Iris.
Quando eu me sentei para programar a série dos
“Spencers”, a história da mais calada e tímida irmã sempre foi uma
trama de vingança. Um estrangeiro vindo da Península Itálica e
querendo vingança contra nosso queridinho Phillip. Paolo foi um
mocinho difícil de escrever, um anti-herói cheio de dilemas
complicados. Um que estava destinado a encontrar alguém
exatamente como Iris, duas antíteses que juntas formariam o
conjunto perfeito.
Apesar de nos mantermos em Mayfair, realizei inúmeras
pesquisas sobre os assuntos abordados. Como mencionado na
“Nota da autora”, a Itália não era um país como conhecemos hoje,
mas sim um território dividido por reinos, até virar, no século XIX, o
Reino da Itália. Deixarei aqui os links que utilizei como base caso
queiram aprender mais sobre isso, incluindo um sobre o idioma
italiano e a influência do dialeto fiorentino na língua, e outro sobre os
vinhos produzidos na região de Chianti e sua história:
https://www.unilat.org/DPEL/Promotion/
L_Odyssee_des_langues/Italien/pt
https://www.historiadomundo.com.br/idade-moderna/unificacao-
italiana.htm
https://www.essentialitaly.co.uk/blog/history-of-tuscany
http://www.florencewebguide.com/history-of-florence.html
https://revistaadega.uol.com.br/artigo/todos-os-
chianti_10196.html
Deixo também o link sobre o festival em que Iris e Paolo
terminaram nossa história. Não posso afirmar que havia essa
comemoração na Toscana na época, mas me utilizei de licença
poética porque seria uma pena desperdiçar esse detalhe em nosso
romance:
https://dinosaursandbarbarians.com/2020/04/23/april-23-the-
vinalia-priora-the-ancient-roman-spring-wine-festival/
Ok, e agora vocês me perguntam: e o pobre do Phillip, Stefany?
Eu sei, eu sei. Mas vamos combinar que eu não poderia entregar a
passagem misteriosa dele por Roma por completo no livro da Iris,
certo? Reservei alguma emoção para o livro dele, é claro. Coloquei
uma espiadinha para vocês mais adiante.
A família Spencer foi recebida de uma forma muito especial.
Aproveito para deixar a vocês minha gratidão por todo amor com
nossos personagens queridos.
Como sempre digo, me sigam no Instagram @stefanynunes_,
mandem seus feedbacks e assinem a newsletter do site para
receberem as novidades em primeira mão. Nos vemos em breve,
darlings.

Um beijo,
Stefany.
A G R A D EC I M E NT O S

Primeiramente, agradeço a Deus pela luz e sabedoria no processo.


Depois à minha família e marido que sempre me apoiam.
À Liz Stein, minha amiga querida, pela edição e revisão
maravilhosas e por todo o cuidado com o nosso anti-herói querido.
Essa história tem um toque especial dela. Paolo Mazza é o melhor
italiano de Stefland graças à sua ajuda e dedicação.
Às minhas leitoras betas, que me ajudaram a deixar essa história
na melhor versão possível. À Karina Heid e Tatiana Mareto, por
ouvirem meus duzentos áudios nos inúmeros dilemas dessa jornada
de escrita (e à Tati, em especial por uma aula de italiano um tanto
inusitada).
No mais, a vocês, leitoras queridas, pelo amor e carinho com
nosso mundinho doce. A Era Spencer é especial graças a vocês.
Obrigada.
Na próxima história de “Os Spencers”…
Conheceremos o amor de Phillip e Magnolia, uma mocinha um tanto
inusitada. Prontos para “O desejo de um lorde” e o amor impossível
de nosso querido Phillip? Vamos dar uma espiadinha…
CAPÍTULO UM

Londres, Inglaterra
Outubro de 1816

—Q uarto 23. O nome dela é Pearl.


Phillip Spencer assentiu para o dono do lugar, um
homem um tanto mal-encarado e com uma aparente urgência em se
livrar dele, ainda que fosse um cliente ali.
O local fora uma indicação de seu primo Jack, que conhecia
boas casas discretas longe da cidade que serviam para o que Phillip
precisava naquela noite. O salão escuro com cheiro de perfume,
álcool e tabaco não era refinado, mas cumpria seu propósito, longe
de ser considerado um muquifo. As paredes forradas com um papel
de parede escuro contrastavam com os espelhos espalhados. Phillip
conseguiu ver seu próprio reflexo, a expressão sombria que agora
parecia ser parte dele. Havia algumas mesas de jogo no andar de
baixo, cheias de homens bem trajados, outros nem tanto, mas todos
envolvidos na fumaça dos charutos acesos. Um bar com bebidas de
todos os tipos à mostra e uma grande escada que se dividia em
duas, guiando aos quartos do andar de cima. Duas garotas
maquiadas e com pouca roupa subiam em conjunto, acompanhadas
de um cavalheiro roliço e careca, que Phillip julgava ter idade para
ser o avô delas.
Bem, quem era ele para julgar, uma vez que estava ali também?
Phillip subiu o primeiro degrau, a madeira rangendo sob seus
pés, e então o segundo e os seguintes, até chegar ao corredor
estreito e comprido, seus olhos atentos ao número pintado nas
portas. Não era um santo, mas frequentar um prostíbulo tampouco
era parte de suas atividades rotineiras. Ele sempre preferiu seduzir
uma mulher a pagar para receber a atenção delas.
Acontece que um homem precisa de confiança para praticar a
sedução, de um apetite pela luxúria, de uma ambição carnal. Phillip
não possuía nada disso. Não mais. Não desde que chegara na
cidade depois de uma longa viagem às Américas e descobrira que
sua atitude generosa para com sua prima arruinara sua família. Mais
do que tudo, arruinara a si mesmo, tornando-o o maior escândalo de
Londres, um homem de quem todos deveriam manter-se longe.
Quem diria que ele se tornaria uma referência de escândalo? O
bondoso Phillip. O gentil Phillip. O cavalheiro Phillip. O benevolente
Phillip.
O mesmo Phillip que acabou por ser um completo idiota, e já não
era de hoje.
Não que ele se arrependesse de ter ajudado a prima, ou de ter
deixado Giuliana seguir sua vida, ou mesmo de ter perdido aquele
dinheiro todo em Roma. Phillip apenas estava cansado.
Cansado de prejudicar-se uma e outra vez, tudo porque insistia
em manter suas boas intenções. E o mundo estava errado sobre
ele, ele não era assim tão bom. Depois dos últimos anos, Phillip
mergulhara fundo demais em um mar de desilusão. Ele perdera o
brilho, perdera a vontade de sorrir, de buscar sua felicidade —
parecia uma busca irreal. Como acreditar numa lenda tola, numa
das histórias cheias de fadas que suas irmãs costumavam ler. Uma
tolice sem tamanho.
Phillip estava farto de ser tolo. Simplesmente exausto.
Chegou à porta de número 23 e parou. Bateu na madeira gasta e
a abriu, empurrando devagar.
— Boa noite — disse ele, para a mulher que o aguardava.
A mulher parada perto da lareira estava de costas, seus cabelos
castanho-claros enrolados e soltos, cobrindo-lhe as costas. Ela era
delicada, de pouca altura e, apesar de utilizar um robe bordô muito
escuro cobrindo-lhe as curvas, Phillip conseguia ver como era
esguia.
— Senhorita? — Ele finalmente encostou a porta atrás de si.
Ela respirou fundo. Tão fundo que ele conseguiu ouvir, o som
entrando por seu ouvido e chegando até seu interior. Como se
houvesse algo maior naquele gesto do que um simples sopro de ar.
A moça, Pearl, se virou.
Minha nossa, ela era bem jovem, Phillip reparou imediatamente.
Jovem demais.
Os olhos pintados de preto eram da mesma cor de seus cabelos
— mel. Se eles não estivessem dentro de um quarto de prostíbulo,
Phillip definitivamente os definiria como doces. O nariz era pequeno,
e ele conseguia ver a pele empoada, as bochechas marcadas pela
maquiagem. Os lábios também estavam tingidos de vermelho, muito
cheios e convidativos. Ainda assim, ela parecia ser delicada.
Muito delicada, quase como uma porcelana frágil.
— Eu sou Phillip — disse ele, a voz grave praticamente ecoando
no cômodo escuro. — Pearl, certo?
Ela engoliu em seco e balançou a cabeça em confirmação.
Ele pensou em dizer mais alguma coisa, mas não estava ali para
puxar conversa. Não, Phillip necessitava de outra coisa. Um alívio
para seu corpo, já que não via maneiras de aliviar sua alma. Queria
calor, perfumes, fluidos e texturas. Queria se afundar nela e, por
poucos instantes, esquecer quem era e o que sua existência
medíocre havia se tornado.
Esquecer. Sim, era isso. Tudo que Phillip queria era copular e
esquecer.
Ele se aproximou ao mesmo tempo em que abriu os botões da
casaca. Seus olhos correram por ela mais uma vez, tão tímida, uma
pose tão contraditória para se observar em uma mulher em sua
posição.
— Quantos anos você tem? — Ele não se conteve em perguntar.
— Vinte. — A voz dela foi quase um sussurro.
Ela era mesmo jovem, embora não tanto quanto ele chegara a
pensar. E tinha a voz doce também. Tão doce que ele poderia
lembrar-se dela, mesmo que sem intenção.
Phillip se livrou da casaca e desabotoou a gravata, seus olhos
muito firmes na mulher.
— Tire a roupa para mim — pediu.
Ela piscou, os cílios compridos como asas delicadas de uma
borboleta. Parecendo relutante, a moça prendeu a respiração e
desamarrou o robe, mas não sem antes hesitar.
— Está bem? — perguntou ele, intrigado. Ela estava encenando
inocência? Talvez, aquele fosse um pedido recorrente entre os
homens. Talvez, estivesse acostumada a fazê-lo.
Ela assentiu, muito levemente. O robe caiu e revelou o corpete e
as meias de seda, ambas em um tom de azul muito escuro, um céu
de inverno no campo, um contraste perfeito para a pele clara. Ele
esperava que ela se despisse por completo, mas não foi o que
aconteceu.
Não havia problema, contudo. Phillip gostava de despir uma
mulher. Não seria um sacrifício fazê-lo.
Phillip se aproximou em dois passos, sem desgrudar o olhar
dela. A mocinha não o encarava, e voltou a abraçar o próprio corpo,
os olhos doces cabisbaixos como se quisesse fugir. Phillip colocou a
mão no queixo dela e a fez olhar para ele. Não saberia descrever o
que encontrou ali. Era uma confusão e tanto, quase como a que
sentia dentro de si.
— Vou dar prazer a você também — afirmou ele, firmemente,
seu toque subindo desde a cintura dela até o ombro. — Me diga o
que gosta. Podemos nos entender.
Ela pareceu assentir. Pareceu, Phillip não tinha exata certeza.
Ele inclinou-se e beijou-a na curva do pescoço, e não resistiu ao
sentir o cheiro suave, tão diferente do que ele esperava. Tão melhor.
Com o toque da pele macia em seus dedos e o aroma inebriante,
seu membro respondeu na mesma hora, pulsando, lembrando-o dos
motivos que o levaram até ali. Phillip a puxou para mais perto e
beijou-a novamente no mesmo lugar, mas com a língua agora.
O sabor dela era igualmente bom. Tão bom que ele mal sabia
por onde começar a saboreá-la.
Mais um passar de língua, e ela estremeceu. Ah, sim, era isso
que ele esperava. Phillip gostou da reação, apenas por um segundo.
Um ruído abafado soou e, no instante seguinte, deu-se conta de que
não era desejo que dominava a mulher em seus braços.
Era pânico. Um que ele jamais conhecera antes.
— Pearl? — Phillip se afastou para olhar para ela.
Era difícil descrever aquela cena, aquela expressão de horror. A
moça estava em uma batalha consigo mesma, chorando e
tremendo, seus braços voltando a se cruzar, como se ela tentasse
se consolar e se proteger ao mesmo tempo.
— Meu Deus, o que houve? — Phillip questionou, sem ideia do
que fazer, de como agir ou do que fizera de errado.
— Desculpe-me… eu… — Ela soluçava, embargada em terror.
De alguma maneira, Phillip conseguiu guiá-la até a cama, fazê-la
sentar-se na borda do colchão.
— Respire, por favor — pediu ele. — Quer que chame alguém?
— Não! — Ela agarrou o braço dele, suas unhas fincadas na
pele, quase a ponto de sangrar. — Não, por favor. Eu vou conseguir,
não conte a ele, por favor. Eu consigo.
Consigo? Phillip piscou, como se tivesse levado um tapa na face.
Por que ela estava dizendo isso? Por que estava afirmando que…
Deus do céu. A verdade lhe abateu como outro golpe, deixando-
o perplexo.
Seria possível?, perguntou-se, mas apenas por um momento.
Sim, seria. Era a única explicação. Phillip era um homem vivido, e
entendeu o que tinha em sua frente: inexperiência.
— Como se chama? Seu verdadeiro nome. — Phillip levou a
mão ao queixo dela mais uma vez, e a obrigou a encará-lo. Ela
piscou, assustada. Phillip não gostou da reação. Ela não era
obrigada a saber, mas ele jamais a machucaria.
Jamais machucaria nenhuma mulher, nunca.
— Qual o seu nome? — repetiu ele.
A mocinha tremia e chorava, mas conseguiu dizer:
— Magnolia.
— Magnolia, vou lhe fazer uma pergunta e quero que seja
honesta comigo. Já fez isso antes? Você é virgem?
Os olhos úmidos se emocionaram mais, e ela assentiu, devagar.
— Sim, sou.
Phillip precisou segurar-se para não praguejar. Santo Deus. Uma
prostituta virgem.
Como demônios ele se enfiara naquela situação?
SOBRE A AUTORA

Stefany Nunes é sorocabana, nascida em 1992, formada em Letras e Direito e apaixonada


pela leitura desde que se entende por gente. Grande amante dos romances de época,
sempre criou histórias na sua cabeça, sem colocá-las no papel. Após se mudar para
Londres, inspirada pela vibração da cidade, finalmente tomou coragem de realizar seu
sonho de escrever.

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L E I A TA M B É M

Série “Amor & Acaso”


A Aposta de um Cavalheiro - I
A Proposta de um Cavalheiro - Conto
Um Erro Inevitável - Spinoff
Um Amor para Clarice - Conto
Uma Dama Impensável - II
O Interesse do Barão - Spinoff
A Estratégia Perfeita - III
A Ideia Contrária - Spinoff

Série “Uma Nova Chance”


A Promessa do Capitão - I
Um Amor Inusitado - II
Desde que me lembro -III
O Pedido do Duque - IV

Série “Amores Estrangeiros”


Um Cretino na Austrália - I
Um Libertino em Boston - II
Um Lorde no Canadá - III
Um Contato em Deli - IV

Os Spencers
A Paixão do Visconde - I

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