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Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Domando um Coração Selvagem
Prólogo
Capítulo 1
Quer mais Emma?
Sobre Mim!
Outras obras de Emma V. Leech
Audiobooks (títulos disponíveis apenas em inglês)
Desafiando um Duque
Ousando Seduzir (em breve)
Morrendo por um Duque
A Chave para Erebus
O Príncipe das Trevas
Agradecimentos
Capítulo 1
— O que você quer dizer com nunca ter ouvido falar disso? —
indagou Violette a seu marido. Ela desviou o olhar da paisagem por
um momento, enquanto a carruagem finalmente virava na direção
do longo e sinuoso caminho que levava a Longwold, a vasta e
imponente casa de seu irmão, o Marquês de Winterbourne. —
Certamente você mexeu o pudim de Natal quando era criança —
acrescentou, enquanto Aubrey olhava para sua esposa indignada
com divertimento.
— Não — disse ele, balançando a cabeça com a atitude de um
homem que já foi muito negligenciado. — Nunca houve tais
frivolidades na casa dos Russell, posso lhe assegurar.
Estava falando a mais pura verdade. O pai de Aubrey era um
homem rígido e triste, e o Natal era uma celebração entediante. A
perspectiva de passar esse tempo com o irmão dela, que também
tinha um temperamento difícil, não o deixava muito animado, fosse
durante as festas de fim de ano ou em qualquer outro momento. No
entanto, era o maior desejo de Violette voltar para Longwold e
celebrar tanto o casamento recente deles quanto a temporada
festiva, e Aubrey não estava prestes a decepcioná-la. Ele só
esperava que ela também não ficasse desapontada.
— Bem, então essa será sua primeira experiência — disse
Violette, trazendo seus pensamentos de volta ao pudim de ameixa.
Aparentemente Domingo de Mexer a Massa era uma ocasião
imperdível na casa Greyston. Aubrey tentou imaginar Edward
Greyston fazendo algo tão frívolo como mexer um pudim e não
conseguiu. Ele provavelmente o jogaria em alguém. Provavelmente
em Aubrey.
— Eu me pergunto se Seymour já chegou — continuou ela,
enquanto a ansiedade de Aubrey começava a aumentar. Sua avó,
Lady Seymour Russell, parecia não ter o menor problema em lidar
com o marquês e o tratava com exatamente as mesmas táticas de
intimidação que usava com Aubrey – e com grande sucesso. Aubrey
não pôde deixar de sentir que tais táticas talvez não funcionassem
tão bem sob o próprio teto do homem. — Parece uma eternidade
desde a última vez que os vimos.
— Você acha? — respondeu Aubrey, com expressão suave
enquanto suas sobrancelhas se erguiam. — Você sentiu muita falta
de todos? Nesta manhã mesmo eu pensei que você tinha dito que
nunca queria sair daquele quarto aconchegante.
Violette bufou e lhe deu um sorriso diabólico. — Tolinho —
murmurou ela, balançando a cabeça, fazendo com que seus cachos
loiros dançassem. — As últimas semanas têm sido... — Ela
envolveu-se em um abraço protetor, seu sorriso se alargando ainda
mais enquanto buscava a palavra apropriada. — perfeitas — disse,
por fim, fazendo com que o sorriso de Aubrey refletisse o dela. —
Mas — acrescentou, ficando séria — quero contar a eles tudo que
você conquistou. — Ela se aproximou repentinamente e se aninhou
junto a ele, segurando seu braço. — Eu já te disse o quanto estou
orgulhosa de você?
— Sim — disse Aubrey, sentindo seu coração se encher de
orgulho e amor por sua bela esposa. — Embora possivelmente
apenas uma vez hoje.
Violette riu, suspirou e depois exclamou, apontando conforme a
carruagem seguia pela estrada que subia constantemente em
direção à casa. — Olha, Aubrey, lá está. Lá está Longwold! Não é
esplêndida?
Aubrey respirou fundo e percebeu que a casa de sua família era
tão imensa e intimidadora quanto seu aterrorizante irmão. Mas ele
colou um sorriso no rosto mesmo assim e rezou para que as
semanas seguintes não fossem tão terríveis quanto temia.
***
— Oh, meu Deus do céu, Charlie, por que diabos eu concordei
com isso? — Edward – “Eddie” – Greyston, o sétimo Marquês de
Winterbourne, reclamou com seu valete e antigo ordenança. — Vai
ser terrível!
— Oh, pare com isso, milorde — repreendeu Charlie enquanto
passava mais uma gravata para seu mestre de pavio curto, já que
ele havia acabado de jogar a última no chão, aborrecido. — Cê sabe
tão bem quanto eu que sentiu falta de Lady Violette, fora que, pelo
que entendi, cê num chegô a concordá, num é?
— Não, droga, eu não concordei — murmurou Eddie, enquanto
seus dedos grandes fracassavam em mais uma tentativa. —
Maldição! — praguejou ele, jogando mais uma gravata amassada no
chão com fúria. Ele respirou fundo e observou enquanto seu
paciente valete fingia não ter notado seu pequeno acesso de raiva.
Não era a primeira vez que ele se perguntava por que o velho
soldado permanecia ao seu lado com tamanha lealdade obstinada.
Lutar lado a lado pela sobrevivência tinha um efeito estranho sobre
as pessoas. Agora, estavam ligados um ao outro, gostando ou não.
Mas, ainda assim, Edward não podia deixar de sentir que havia
empregos mais fáceis do que o que Charlie havia encontrado para si
mesmo.
Ele era um tipo estranho de valete, é verdade. Tão prontamente
xingava Edward quanto o cumprimentava e carecia de muitas das
habilidades necessárias para a posição. Havia outras habilidades
que Eddie valorizava muito mais do que qualquer tipo de cuidados
excessivos por parte de algum sujeito engomado, como um faro
para problemas e um soco certeiro. Mas certamente haveria patrões
mais equilibrados do que ele, certo?
— Ela me chantageou — continuou Edward, com um tom
sombrio, enquanto pegava outra gravata branca imaculada das
mãos de Charlie.
— Oh, me dá isso, pelas barba de Merlin... se não se importá,
milorde?
Edward virou-se e viu uma expressão angustiada nos olhos de
Charlie, enquanto ele olhava para a gravata que, de alguma forma,
já parecia estar meio amassada, e, até agora, ele só a havia
amarrado em volta do pescoço.
— Ah, faça como quiser — respondeu Edward, com um gesto
mal-humorado para que ele continuasse. Com um suspiro de alívio,
o homem magro deu um passo à frente e estendeu a mão para
amarrar a gravata de Edward. — E o que é essa história de
“milorde”, afinal? — indagou ele, irritado, estreitando os olhos para o
homem baixinho diante dele. — “Eddie” sempre foi perfeitamente
adequado até agora. O que é essa pose toda?
Charlie deu de ombros despreocupadamente, o que só fez
Eddie estreitar ainda mais os olhos para ele.
Charlie estalou a língua e recuou para observar a gravata com
uma expressão crítica antes de voltar para ajustá-la um pouco. —
Bem, com todos esses nobre que ocê vai recebê — admitiu Charlie,
parecendo um pouco cauteloso. — Nós dois sabemu que eu não dô
pra valete. Num dô. Num sô como todos aquele que esse pessoal
chique vai trazê. Só num quero te deixá na mão, tende?
Edward resmungou e se afastou para examinar no espelho o
trabalho de Charlie. — Como se eu me importasse. — Ele se virou
para um lado e para o outro e teve que admitir que Charlie tinha
uma boa mão para gravatas, pelo menos. Não estava nada mal.
Talvez não tão elegante quanto o estilo do charmoso marido de sua
irmã, pensou com uma onda de irritação, mas ele passaria pelo
teste, pelo menos.
— Oh, eu sei que ocê num se importa nem um poco —
continuou Charlie, enquanto começava a juntar as roupas sujas que
Eddie havia deixado espalhadas pelo quarto. — Mas alguns de nós
têm um poco de orgulho profissional, tá bem — disse ele com um
pequeno e discreto resmungo. Ele amassou os itens reunidos em
uma bola e se ergueu o mais alto que pôde, lançando a Edward sua
expressão mais arrogante. — Se isso fô tudo, milorde...
Edward sentiu os lábios se contorcerem, mas engoliu o riso. Não
valia a pena ofender uma das poucas pessoas cuja companhia ele
podia suportar. — Isso é tudo. Obrigado, Charles — disse ele,
divertido com o olhar de aprovação que viu nos olhos do sujeito.
Ele caminhou até a janela, suspirando, justo a tempo de ver a
carruagem surgir no horizonte. Violette, sem dúvida, com seu novo
marido. Ah, meu Deus, como ele ia aguentar as próximas semanas
sem dar um soco no sujeito, ele realmente não sabia. Se não fosse
pelo fato de ele realmente gostar de Violette, nem sequer cogitaria.
Vinte e dois convidados, a maioria dos quais ele felizmente evitaria
a todo custo em circunstâncias normais. No entanto, ele gostava
dela, e ela tinha passado por um inferno nos últimos anos.
Encostado na guarnição da janela, Eddie tentou se lembrar
daqueles anos. Anos em que ele havia vivido como todos os outros,
lutando para sobreviver na sujeira de Seven Dials, a favela mais
notória de toda a Grã-Bretanha, talvez da Europa.
A única coisa que ele se lembrava com clareza era das lutas.
Punhos nus e um oponente que precisava do dinheiro do prêmio
para manter um teto escasso sobre a cabeça e comida no
estômago, tanto quanto Eddie precisava. Naquela época, ele havia
esquecido tudo isso, esquecido o marquesado, Longwold, as
grandes casas, o nome da família e o orgulho, e tudo o mais.
Naquela época, era ele e seus punhos contra o mundo, e como ele
sentia falta disso.
Charlie achava que sua memória havia se perdido, menos por
conta do forte golpe que ele tinha sofrido na cabeça na Batalha de
Waterloo, mas mais por causa da fratura que tinha sofrido na
cabeça. Edward levou a mão até a cicatriz grossa escondida sob
seus cabelos, resultado de ficar muito perto de uma bomba de
morteiro que explodiu. O cheiro de pólvora e carne queimada
invadiu suas narinas, e ele estava de volta no meio da batalha,
reprimindo o desejo de vomitar enquanto suas entranhas se
retorciam de revolta. Imagens voltaram à sua mente, principalmente
de sangue, e homens despedaçados como bonecos, pedaços deles
espalhados por incontáveis hectares. Foi como se o mundo tivesse
acabado e o inferno tivesse se levantado para reivindicar a Terra
enquanto ele se debatia entre o sangue e o obsceno desperdício de
vidas que marcaram os últimos dias da guerra.
Ele pensou que, se pudesse esquecer tudo de novo, agora que
Violette estava a salvo – ou, pelo menos, razoavelmente segura –
faria isso num piscar de olhos. Abandonaria a grande casa, o
dinheiro e o título, e voltaria para Seven Dials, para a imundície, em
busca de um pouco de paz de espírito. Se ao menos pudesse deixar
essas imagens para trás...
Ele observou a carruagem se aproximar e sabia que isso não
era totalmente verdade. Havia outra razão que o mantinha ali. Uma
outra razão para enfrentar os pesadelos do passado e a desolação
do futuro. Isso porque se fosse considerado morto e desaparecido,
seu primo odiado voltaria a ser o Marquês de Winterbourne. A
posição que ele desfrutou nos anos em que Edward tinha sido
considerado morto.
Gabriel Greyston, Visconde Demorte.
Gabriel sempre quis destrui-lo, desde que Edward se conhecia
por gente. Ele até tentou se casar com a pobre Violette e manteve a
verdade sobre o reaparecimento de Edward longe dos ouvidos dela,
e de todos. É claro que o oitavo marquês havia ficado um pouco
chateado com o retorno do sétimo marquês. Ele fez de tudo para
garantir que Edward não retornasse de forma alguma. Nunca mais.
E isso não poderia ser esquecido.
Conforme a carruagem finalmente parava, Edward notou outra
figura se aproximando ao longe e gemeu. Maldição. Era a severa
Lady Russell. Meu Deus, Edward ainda não havia conhecido uma
mulher tão aterrorizante quanto ela. E ele teria que ser educado com
ela até que essa maldita farsa acabasse!
Ele nunca conseguiria.
Com a aparência de um homem condenado, Edward se
endireitou e deu uma última olhada no espelho. Ele não reconhecia
realmente a figura altiva que o encarava de volta com olhos verde-
escuros como os da sua irmã. Ele não sabia mais quem era esse
homem, nem quem supostamente era. Mas depois de tudo pelo que
ela passou, e tudo que Edward a fez passar, Violette merecia a festa
que havia exigido dele. Por isso, ele suportaria o máximo que
pudesse e esperava que, pelo menos isso, fosse o bastante.
***
Aubrey fez o possível para engolir suas apreensões e devolveu
o sorriso entusiasmado de Violette enquanto ela o levava para
dentro de Longwold. Ele não sabia se devia se divertir ou se
horrorizar com as referências casuais dela sobre sua casa, que
pareciam ter pouca relação com o que ele estava vendo. A
encantadora casa de pedra que a família simplesmente chamava de
Longwold, na verdade, era um vasto castelo Tudor que se
espalhava pelo que parecia ser acres de terreno numa prodigalidade
vertiginosa. Aubrey tinha certeza de que o lugar poderia engolir uma
legião de soldados, que jamais voltariam a ser vistos novamente.
Ele, sem dúvida, poderia se perder nesse lugar.
De acordo com Violette, os Winterbourne eram relativamente
novos no local, tendo comprado a residência no século XIV, embora
as origens do lugar remontassem aos tempos romanos. Aubrey
atravessou o limiar e reprimiu um arrepio ao ponderar sobre a
probabilidade de haver pelo menos um e, possivelmente muitos,
fantasmas residindo ali.
Um mordomo de aparência gélida avançou, acompanhado de
mais criados do que Aubrey considerava estritamente necessário.
Ao olhar para Violette, porém, seu rosto se iluminou com um sorriso
bastante jovial. — Lady Violette — disse ele, radiante.
— Oh, Garrett, você voltou! — Violette deu um beijo na
bochecha do homem, e Aubrey conteve um sorriso ao ver o sujeito
bastante intimidante corar.
— Toda a criadagem foi reintegrada exatamente como antes —
respondeu ele, sua voz tremendo um pouco.
Violette sorriu radiante e enxugou uma lágrima de felicidade.
Seu irmão havia prometido que toda a criadagem que o Visconde
Demorte havia cruelmente demitido durante sua estadia aqui seria
encontrada e retomaria a seus postos imediatamente.
Aparentemente, ele havia cumprido sua palavra.
— Puddy? — indagou Violette, segurando a mão de Garrett e
parecendo bastante ansiosa.
Garrett assentiu. — A rainha está de volta e governando sua
cozinha com mão de ferro, como você esperaria, Lady Violette.
Violette soltou um pequeno grito de deleite e, então, virou-se
quando passos foram ouvidos atrás deles.
— Eddie! — exclamou Violette, e correu em direção ao irmão,
que acabara de descer uma impressionante escadaria de pedra com
a postura de um rei cumprimentando o povo.
Para surpresa de Aubrey, no entanto, assim que seu olhar se
fixou na irmã, aquela expressão austera amoleceu. O marquês a
pegou no colo, girando-a em um círculo até que ela gritasse como
uma menina levada e exigisse que ele a colocasse no chão. Aubrey
nunca teria esperado isso com base em suas próprias interações
com o homem, e ele permitiu-se um lampejo de esperança de que
ele não estivesse determinado a ser tão intimidador quanto havia
sido com Aubrey até agora.
Esse lampejo foi abruptamente apagado quando o marquês
voltou sua atenção para Aubrey. Sua saudação foi rígida e formal,
polidamente gélida, e Aubrey soube que suas apreensões eram
bem fundamentadas.
Violette lançou um olhar impaciente ao irmão antes de exigir que
fossem imediatamente para a cozinha.
— Para quê? — perguntou Edward, com expressão de
perplexidade.
Violette o fitou horrorizada. — Eddie! — exclamou ela,
pronunciando seu nome com tanta reprovação que o imponente
homem pareceu um pouco culpado. — Hoje é Domingo de Mexer a
Massa! — disse ela, como se isso tornasse tudo perfeitamente
claro, o que aparentemente era o caso.
— Oh — respondeu Edward, assentindo. — Eu tinha esquecido.
Ainda fazemos isso? — perguntou, parecendo um tanto incerto.
— Sim, Edward — disse Violette, com firmeza, puxando o braço
do irmão. — Fazemos. — Ela balançou a cabeça tristemente
enquanto observava o irmão, imaginando o que mais ele havia
esquecido. — Puddy ficará muito desapontada se não aparecermos.
Você sabe como ela adora essas tradições. E eu também —
acrescentou, olhando fixamente para ele de um jeito que desafiava
qualquer possibilidade de escapar de seus planos.
O marquês pareceu engolir qualquer objeção que pudesse ter
feito, embora não estivesse exatamente entusiasmado, e Aubrey só
podia admirar a determinação de sua esposa. Ela se voltou para
sorrir para Aubrey e fez um gesto para que ele a seguisse enquanto
percorriam um emaranhado incompreensível de corredores e
escadas até chegarem à cozinha. — Senhora Puddleton é nossa
cozinheira, Aubrey — disse Violette por cima do ombro. —, mas
sempre a chamamos de Puddy. Ela é uma verdadeira maravilha,
você vai ver.
Pelos maravilhosos e divinos cheiros que emanavam da cozinha
à frente deles, Aubrey só podia antecipar coisas maravilhosas,
enquanto seu estômago despertava e lembrava que havia comido a
última refeição há algumas horas.
— Oh — disse Edward, hesitando por um momento antes de
chegarem às portas da cozinha. — Eu esqueci. Acho que Lady
Russell acabou de chegar...
— Não, Eddie — respondeu Violette, mantendo um aperto firme
em sua manga. — Garrett lidará admiravelmente com Lady Russell,
que estará ansiosa para descansar antes do jantar. Vamos lá.
Aubrey conteve um sorriso enquanto o relutante marquês se
submetia à sua irmã de estatura diminuta e era arrastado para
dentro da cozinha para mexer no pudim de Natal.
Capítulo 2
6 de dezembro de 1817
Dia de São Nicolau
— Senhorita Holbrook.
Belle olhou para cima e descobriu com alívio que Lady Russell
estava se aproximando delas mais uma vez. Elas já haviam
passado pela experiência mortificante de ver sua tia tentando se
insinuar em uma conversa entre a Duquesa de Sindalton e a
Condessa de Falmouth. Elas só podiam considerar-se abençoadas
porque as mulheres eram bem-humoradas o suficiente para não lhe
darem uma dura, mas certamente se afastaram o mais rápido
possível.
— Lady Russell — respondeu Belle, com um sorriso.
— Ora, ora. — A velha senhora olhou para elas com um ar
crítico, mas como a mulher estava tão elegantemente vestida, Belle
só esperava que ela não fosse considerada inadequada. —
Perfeitamente encantadora — disse ela finalmente, com um aceno
satisfeito. — Você deve sempre usar azul, senhorita Holbrook, isso
realça a cor dos seus olhos. — Ela se virou para Crecy e sorriu. —
Bem, não posso dizer mais nada sobre esta aqui. Ela fará com que
todos os jovens se comportem de maneira ridícula, tenho certeza. —
Ela inclinou a cabeça, observando Crecy, que olhou para Belle com
um leve rubor nas bochechas. — Olhos cinzentos também. Muito
incomum, nunca vi uma beldade com olhos cinzentos antes. Embora
também haja um toque de violeta aí, penso eu. Muito raro, de fato.
Meus olhos são cinzentos, mas nunca fui um diamante de primeira
linha, embora não tenham faltado admiradores, posso lhe assegurar
— disse ela com um sorriso. Ela olhou de volta para Crecy, no
entanto, obviamente intrigada. — Muito fora do comum, não é,
mocinha? — disse, com um aceno de aprovação.
Belle deu uma cotovelada em Crecy antes que ela pudesse
proferir qualquer comentário que estava prestes a soltar. Sua irmã
lançou-lhe um olhar culpado e apertou a boca mais uma vez.
— Venham — disse Lady Russell, acenando com a bengala
para elas. — Você não — disse à tia delas, a qual ficou boquiaberta,
horrorizada e sem palavras, olhando-a com um semblante com um
tom alarmante de vermelho. A cor destoava violentamente de seu
vestido roxo, e Belle e Crecy tiveram que sair correndo, sufocando
murmúrios de choque que ameaçavam se tornar risos histéricos. Em
vez disso, contentaram-se com a partilha de olhares arregalados de
prazer.
Lady Russell flagrou o divertimento delas e deu uma
gargalhada. — Bem, há uma vantagem de ser velha e rabugenta —
disse ela, com um sorriso fino. — Eu posso dizer o que eu gosto e
contrariar quem eu quiser, dá no mesmo para mim. Muito bem...
deixe-me apresentá-las a algumas das pessoas que vocês devem
conhecer. — Com isso, ela saiu, usando sua bengala para abrir
caminho entre os convidados, sem se importar com a segurança
dos tornozelos das pessoas. — Falmouth! — gritou para um homem
alto, de aparência severa, com uma boca cruel e olhos cinzentos
frios, muito parecidos com os de Lady Russell.
— Oh, nossa, esse aí é bonito — sussurrou Crecy em seu
ouvido, enquanto Belle olhava-a com espanto. Ele podia ser bonito,
mas também parecia perverso como o pecado e muito intimidador.
Como um salteador, ou... ou um pirata. Repreendendo-se por deixar
sua imaginação correr solta, ela respirou fundo e fez uma reverência
quando Lady Russell os apresentou.
— Falmouth, Céleste, aqui está a senhorita Holbrook, como
prometido, e sua irmã, a senhorita Lucretia. — Ela se virou para elas
e sorriu, seu orgulho perfeitamente óbvio. — Este é meu sobrinho e
sua esposa, os Conde e Condessa de Falmouth.
O conde e sua esposa eram perfeitamente encantadores e
ficaram conversando com elas por dez minutos inteiros antes que
Lady Russell as conduzisse adiante mais uma vez. O belo e sombrio
Duque de Sindalton e sua duquesa foram apresentados de forma
semelhante, e Belle ficou lisonjeada e encantada com a duquesa,
com quem era muito mais fácil de falar do que Belle jamais teria
imaginado.
Mais uma vez, elas foram abordadas e falaram apenas
brevemente com o Duque de Ware e sua esposa.
Belle não conseguia evitar gaguejar na presença desse Adônis
dourado, pois pensava que nunca tinha visto um homem tão bonito
em sua vida. Sua esposa diminuta, no entanto, era bonita e doce,
em vez de uma beldade, fazendo-a ter alguma esperança de que
sua própria situação não fosse tão impossível assim. A forma como
o duque olhava para a sua duquesa não deixava ninguém em
dúvida de que se tratava de um casamento por amor. A pobre
duquesa estava bastante pálida, porém, e eles se desculparam
enquanto o duque a guiava para fora do cômodo, com a
preocupação em seu rosto muito evidente.
— Ela está grávida — sussurrou Lady Russell para Belle, que
corou um pouco com sua maneira franca de falar. — Gêmeos,
dizem. Está em excelente forma, mas penso que a viagem até aqui
deixou-a esgotada, pobrezinha. Mas vai gostar dela. Linda moça,
sem arrogância alguma. Sem frescuras, diferentemente de algumas
por aí.
Belle se aproximou quando Lady Russell acenou para ela e
baixou a voz para sussurrar. — Cuidado com essas aí — disse ela,
acenando para uma garota de aparência simples e uma loira
platinada de talvez vinte anos. A loira tinha um nariz arrebitado e
uma expressão entediada que sugeria que esse evento era
perfeitamente normal, e cruzar com duques e duquesas era algo
rotineiro. — A loira que parece estar sentindo um mau cheiro
debaixo do seu belo nariz é Lady Isabella Scranford. Uma solteirona
rancorosa cheia de maledicência e com as garras de fora, e sua
amiga tímida é a senhorita Alice Cranton. Ela é bastante inofensiva,
mas tome cuidado com o que você diz na frente dela, ela vai fofocar
tudo para Isabella.
Belle assistiu fascinada quando Lady Scranford avistou Crecy, e
quase se engasgou com a bebida que estava tomando. Essa não,
alguém estava visivelmente descontente. Belle olhou para Lady
Russell, que lhe deu um sorriso apertado. — Oh, ela não ficará
satisfeita com a senhorita Lucretia roubando a cena dela, posso lhe
dizer. Tomem cuidado. A pobre Violette não queria convidá-los, mas
os Scranfords são uma família antiga e distinta na região, e teria
sido uma negligência terrível.
— Você foi muito gentil, Lady Russell — disse Belle com
sinceridade genuína. — Não sei como iremos agradecer você por
nos guiar... e por nos apresentar a tantas pessoas distintas. Estou...
estou mesmo sem palavras.
— Bobagem — disse a velha com um bufo. — Agora que o meu
neto está bem estabelecido, posso divertir-me ajudando aqueles
poucos que assim o merecem. Penso que você e a sua irmã
merecem, e com aquela sua terrível tia, francamente, minha
querida, você precisa de toda a ajuda que conseguir. Não se importa
que eu diga isso, espero?
— Oh, não — respondeu Belle, sentindo-se terrivelmente
perversa e divertindo-se bastante. — Embora seja horrível da minha
parte, eu sei, mas não me importo nem um pouco.
***
O jantar foi luxuoso. Belle e Crecy trocaram olhares através da
mesa que estava verdadeiramente incandescente com o brilho
deslumbrante dos talheres e cristais. A refeição em si era suntuosa
e bastante desconcertante. Belle sentiu-se tão oprimida que comeu
pouco da vasta gama de pratos que lhe era apresentada, embora
cada um deles lhe desse água na boca.
— Bastante assustador, não é? — disse uma voz suave ao lado
dela.
Belle virou-se para ver um jovem bastante magro, de óculos e
de aparência séria ao seu lado. Lady Russell tinha-o apontado como
Lorde Percy Nibley e lhe informado, em voz baixa, que ele era muito
rico, à procura de uma esposa, e um jovem bastante gentil e tímido.
Ela também a informou para, sob nenhuma circunstância, entrar no
assunto da geologia se não quisesse ser envolvida em uma
conversa tediosa.
— Certamente que sim — admitiu Belle, dando ao homem um
sorriso caloroso. Ela pensou que talvez ele estivesse na casa dos
trinta e poucos anos, com cabelos castanhos e olhos que eram
realmente gentis e um pouco ansiosos por trás de seus óculos. —
Receio que este seja o jantar mais grandioso que já assisti — disse
ela, perguntando-se se ao reconhecer seu próprio desconforto,
conseguiria deixá-lo mais à vontade.
— Pelo menos — disse Lorde Nibley, e Belle ficou satisfeita ao
ver que ele parecia um pouco mais seguro de si. —, não há
ninguém muito aterrorizante aqui — disse ele, embora tenha
lançado um olhar duvidoso para Lady Scranford. — Bem, pelo
menos Sindalton e Ware são excelentes sujeitos, nenhum deles é
arrogante.
— Você conhece os dois duques? — retrucou ela,
impressionada.
— Ah, sim — disse ele, com orgulho silencioso. — Eu estive em
Eton com os dois. Eles ainda são os melhores amigos e excelentes
sujeitos.
Belle assentiu, intrigada que alguém tão tímido e acadêmico
mantivesse uma companhia tão glamourosa. — E quanto ao nosso
anfitrião? — perguntou ela, olhando por cima da enorme mesa para
a figura silenciosa e carrancuda do marquês. Ela não o viu
pronunciar uma palavra sequer a noite toda e se perguntou como
sua adorável e vivaz irmã poderia ter um homem tão taciturno como
irmão.
— Ah — disse Nibley, com os olhos bastante tristes. — O
homem passou por maus bocados na guerra — disse, com sua voz
baixa. — Ele nunca mais foi o mesmo. — Ele balançou a cabeça e
seguiu seu olhar de volta para o marquês. — Uma pena. Você
nunca acreditaria que se trata da mesma pessoa. Ele sempre foi um
sujeito tão alegre, cheio de animação e jovialidade. Não acho que
ele se lembre como sorrir hoje em dia.
— Que terrível. Pobre homem — disse Belle, olhando para a
figura imponente e devastadoramente bonita na cabeceira da mesa,
e sentindo seu coração apertar de compaixão.
Lorde Nibley assentiu. — Pelo menos ele voltou para casa —
disse ele, com o rosto tão triste que ela sabia que ele devia ter
perdido alguém. — Meu primo — respondeu ele à sua pergunta não
dita. — Um sujeito maravilhoso, um dos meus amigos mais
próximos também.
— Eu realmente sinto muito. — Instintivamente, Belle colocou a
mão em seu braço e Lorde Nibley corou, embora não tivesse
certeza se era por constrangimento ou por sentir prazer com o
toque.
— Obrigado — disse ele, com a voz baixa, mas, nesse
momento, ele parecia estranho. — Perdoe-me, eu não deveria
discutir essas coisas na mesa de jantar. Espero não ter lhe
aborrecido.
— Claro que não! — exclamou Belle, tirando a mão e ficando
corada quando ela captou uma expressão de aprovação no rosto de
sua tia. Oh, Deus! A última coisa que ela precisava era que todos
pensassem que ela estava tentando conquistar o homem em sua
primeira noite! Que mortificante.
No entanto, quando ela voltou para continuar a conversa, notou
que Lorde Nibley estava olhando com óbvia admiração para a
adorável Duquesa de Sindalton. Não que ela pudesse culpá-lo.
Trajada com um vestido âmbar-escuro, o cabelo ruivo da mulher
brilhava à luz de velas e ela parecia ter sido mergulhada em cobre.
Belle suspirou interiormente. Se ela não conseguia nem mesmo
manter a atenção de Nibley, tinha pouca esperança de conquistar
qualquer um dos outros jovens bonitos aqui nos próximos dias.
Ela lançou um olhar através da mesa para sua irmã e encontrou
a pobre Crecy parecendo um filé de cordeiro cercado por uma
matilha de cães famintos. Bem, pelo menos ser ignorada era um
problema de que a sua irmã nunca sofreria, pensou com desgosto.
Embora ela não duvidasse por um momento sequer que Crecy
trocaria de lugar com ela num piscar de olhos.
***
Violette observou, com alívio, os homens voltarem para a sala
de estar após degustarem de um vinho do Porto e alcançou a mão
de Aubrey enquanto abria espaço para ele se sentar.
— Oh, Aubrey, estou começando a pensar que nunca deveria ter
sugerido isso — disse ela em tom baixo. — Eddie mal abriu a boca,
não consigo imaginar o que as pessoas devem pensar dele, e
aquela terrível Lady Scranford foi odiosa com o pobre Lorde Nibley,
sem falar nos comentários desagradáveis que ela fez sobre as
senhoritas Holbrook.
Ela lançou a Aubrey um olhar suplicante e sentiu que relaxou
um pouco quando ele apenas respondeu com um sorriso tranquilo e
apertou os seus dedos.
— Calma, calma, querida — disse ele, com a voz reconfortante.
— Lady Scranford está simplesmente com ciúmes da senhorita
Lucretia. Qualquer pessoa com um pingo de inteligência consegue
enxergar através da fachada superficial dela. Tenho certeza de que
Nibley consegue, o sujeito tem um cérebro do tamanho da
Inglaterra, afinal de contas. Não consigo imaginar que ele se
importaria, sinceramente. Quanto a seu irmão... — Ele ficou em
silêncio por um momento, olhando para a figura grande e intimidante
que estava perto da lareira. Sua expressão era sombria e tensa e
era usada com o propósito expresso de assustar qualquer um que
ousasse pensar em falar com ele. — Acho que isso lhe fará bem —
continuou Aubrey longamente. — Ele é um diabo miserável, não é?
Tenho de confessar que sinto raiva dele desde que nos conhecemos
pelo que ele fez você passar, mas...
— Mas? — provocou-lhe Violette, quando ele ficou em silêncio
novamente. Ela se inclinou para a frente e empurrou uma mecha
teimosa de cabelo castanho-avermelhado da testa do marido e
sentiu uma onda de contentamento por ter feito uma escolha tão
sábia em se casar com ele.
— Mas agora só posso ter pena dele — disse Aubrey, com um
sorriso triste. — Ele está obviamente desolado e zangado, embora
eu não ache que ele saiba por que ou com o que exatamente.
Violette assentiu, sentindo que Aubrey estava certo, mas isso
não os ajudaria nos próximos dias de festa naquela casa.
— Sim, tenho certeza de que você está certo de que isso lhe
fará bem — disse ela, com um sorriso incerto. — Mas o que diabos
isso fará com nossos convidados? — indagou.
Aubrey deu de ombros e levou a mão dela até os lábios para
beijar seus dedos. — Eu não faço ideia, querida, mas se ele colocar
Lady Scranford em seu devido lugar, duvido que alguém fique muito
preocupado com isso.
Violette segurou um riso e sentiu um desejo perverso de ver o
seu terrível irmão fazer exatamente isso.
— Eu gosto das senhoritas Holbrook — disse ela, observando
as duas irmãs tentando escapar da tentativa de sua tia de jogá-las
no caminho de um dos melhores amigos de Aubrey. Tommy era o
Conde de Stanthorpe, como a senhora Grimble, sem dúvida, tinha
descoberto. Para ser justo, o conde parecia perfeitamente satisfeito
em conversar com a senhorita Lucretia. Ficou claro, no entanto, que
a jovem não era a caçadora de fortuna que a sua tia era, pois, com
a ajuda da irmã, conseguiu fugir dos esforços da tia e iniciou uma
conversa com as gêmeas Bridgeford.
Essa era uma conexão vantajosa para elas, Violette pensou com
satisfação. As gêmeas eram jovens adoráveis de uma boa família
local com uma mãe sensata. Elas iriam se dar bem.
— Eu diria que Tommy está bastante impressionado com a
senhorita Lucretia — sussurrou Aubrey, com um tom seco. — Pelo
que parece, eu poderia dizer o mesmo de Ben, Owen e do Visconde
de Debdon.
Eles assistiram com diversão enquanto os quatro homens
encurralavam as quatro moças e, embora todos os cavalheiros se
esforçassem para serem corteses ao falar com todas elas, era
perfeitamente óbvio que a senhorita Lucretia era o alvo da vez. A
considerar pela pontada de aborrecimento nos olhos da menina,
Violette percebeu que ela não gostava nem um pouco de ser o
centro das atenções. A julgar pelo olhar de puro rancor que foi
direcionado à pobre garota por Lady Scranford, que estava sozinha
com sua amiga Alice, também era bastante óbvio que ela não
gostava que Crecy fosse o centro das atenções nem um pouco.
Havia um olhar de fúria decidida no rosto da garota, e Violette
prendeu a respiração enquanto Lady Scranford parecia tomar uma
decisão.
— Oh, meu Deus, não — disse Violette com um tom baixo. Ela
agarrou a mão de Aubrey com tanta força que ele deu um grito
abafado, e reavaliou seu desejo anterior de ver o irmão repreender a
garota.
— Isso deve ser interessante — disse Aubrey, com um sorriso,
enquanto seguia o olhar de Violette para ver até que ponto Lady
Scranford estava tentando envolver o marquês na conversa.
Eles assistiram com fascínio horrorizado como qualquer
estratégia de conversação que a jovem ousasse usar para se
aproximar dele fracassava e morria. O marquês olhou do alto de sua
posição imponente e pareceu fitar diretamente através da garota,
com sua expressão de desdém arrogante e fria o suficiente para
congelar as profundezas do inferno. Sem dizer uma única palavra,
ele se afastou, deixando Lady Scranford corada de mortificação.
— Vejo que ele é terrivelmente bom nisso, não é? — disse
Aubrey, com óbvia admiração. — Ouso dizer que Prinny não poderia
ter feito melhor.
— Oh, céus, Aubrey, não tem graça nenhuma — protestou
Violette, enquanto se levantava e tentava amenizar algum dano à
dignidade da jovem mulher.
Capítulo 6
— Meu Deus!
Uma vez que elas estavam fora da vista e do alcance da voz do
furioso marquês, Crecy deu risadas histéricas.
— Ai, ai! — disse ela, segurando seu flanco com força e
ofegando. — Ai, Belle, você foi magnífica! Nunca estive tão
orgulhosa. Como você teve a coragem de fazer aquilo?
Belle olhou para sua irmã em silêncio horrorizada, à medida que
se dava conta do que havia acabado de fazer. Seu estômago se
revirou e ela teve a terrível vontade de correr de volta para fora e
vomitar o café da manhã nos canteiros de rosas. Como você teve
coragem de fazer aquilo? As palavras de Crecy soaram em seus
ouvidos, e ela não tinha uma resposta compreensível além de
alegar insanidade temporária. No que ela estava pensando?
Enfrentar aquele homem era uma coisa, deixá-lo totalmente furioso
e devorá-lo com os olhos como uma... uma... oh, Senhor, como uma
mulher da vida – bem, isso era algo completamente diferente.
— Belle, você está bem? Você está com uma cor muito
engraçada.
— E-eu — gaguejou Belle, mas não parecia capaz de encontrar
nada mais inteligente para dizer.
— Vamos lá — disse Crecy, passando o braço por Belle e
puxando-a para a frente. — Provavelmente é porque você perdeu o
almoço. Você sabe o quão irritadiça fica quando está com fome.
Foi um indicativo da confusão e angústia de Belle que ela não
tenha protestado contra essa observação um tanto ingrata e
permitido que Crecy a levasse na direção indicada pelo marquês.
O problema era que, por mais indignada que estivesse com o
seu próprio comportamento, ela sabia que, se fosse colocada na
mesma posição novamente, provavelmente repetiria o desempenho.
Havia, sem dúvida, algo no marquês que trazia à tona o pior dela, e
ela fez uma promessa a si mesma de sair do seu caminho para
evitá-lo no futuro. O homem podia até ser digno de sua simpatia e
compreensão, mas essas emoções estavam longe do que ela
experimentou quando em sua proximidade. Quando o mal-
humorado, irascível, irritante marquês estava por perto, ela ficava
dividida entre dar um soco nas suas malditas orelhas e... e...
Ela sentiu um rubor colorir suas bochechas e aquele calor forte
e envolvente crescer profundamente em sua barriga novamente.
Sim. Manter-se longe dele era definitivamente a coisa mais
segura que ela podia fazer.
***
Eddie voltou furioso para o seu quarto. Como se já não bastasse
que suas noites fossem monopolizadas pela tentativa de não
insultar a elite da sociedade – ele não era tão iludido a ponto de
fingir que estava sendo realmente sociável – agora seu tempo
privado também estava sendo invadido! Era de se pensar que, em
um lugar do tamanho de Longwold, ele conseguiria encontrar um
local para escapar, mas não, aquela jovem terrível com uma capa
que parecia ter pelo menos três temporadas e opiniões que
nenhuma jovem senhorita deveria ter, conseguiu descobri-lo lá
também. Ele não tinha a menor dúvida de que ela estava à procura
de um marido rico e estremeceu com a ideia de que ela pudesse ter
a audácia de tentar conquistá-lo.
Ele tinha ouvido Violette falar com Lady Russell sobre as garotas
e o fato de que elas não tinham dote; e pior, aquela tia terrivelmente
intrometida. Como se algum homem em sã consciência fosse
cogitar casar-se com uma mulher com essa ligação? A filha mais
nova conseguiria, talvez, já que algum jovem tolo poderia se
apaixonar loucamente por sua beleza surpreendente – desde que
ela conseguisse manter sob controle suas macabras inclinações
para a caça a fantasmas.
Entretanto, a mais velha das senhoritas Holbrook tinha poucos
atributos a seu favor. Ela não era uma beldade, e pelo que ele tinha
visto até agora, ela passou de uma timidez gaguejante para uma
franqueza extrema. Sem mencionar que seu interesse em
Engenharia e Ciência provavelmente desanimaria a maioria dos
homens, pois eles não se casariam com uma mulher com mais
inteligência do que eles próprios possuíam. E isso sem mencionar o
comportamento pouco recatado e francamente chocante que ela
havia demonstrado ao vê-lo parcialmente vestido.
Qualquer outra jovem e solteira provavelmente teria desmaiado
ou gritado, e se afastado. As senhoritas Holbrook, ao que parecia,
eram mulheres de fibra, embora pelo menos a senhorita Lucretia
tivesse desviado os olhos. Na maior parte do tempo.
Diferentemente da senhorita Holbrook.
Não. Ela olhara para ele com tanto interesse e curiosidade que
uma sensação de desejo nada bem-vindo e feroz lhe queimara o
sangue. Surpreendente isso, ele pensou, já que acreditava que tais
sentimentos estivessem perdidos para ele desde... bem, desde que
ele sobreviveu, enquanto tantos outros não tinham.
Mesmo que suas memórias da sua vida em Seven Dials fossem
vagas, ele tinha quase certeza de que não havia passado por
situações desse tipo, e graças a Deus por isso. Só Deus sabe que
doença repugnante ele poderia ter adquirido em tal lugar.
Ele chegou ao seu quarto e começou a se despir antes de entrar
na banheira que Charlie estava supervisionando enquanto lacaios
iam e vinham com grandes tinas d'água. Sabiamente, o homem
havia mantido seus próprios pensamentos desde o incidente com as
irmãs. Eddie afundou na água quente com um gemido, seus
músculos relaxando um pouco à medida que o calor liberava parte
da tensão que ele carregava. Ele fez um gesto para que Charlie se
afastasse para que pudesse relaxar em paz, e seu criado assentiu e
saiu silenciosamente do quarto.
Fechando os olhos e inclinando a cabeça para trás, ele foi
imediatamente confrontado com a imagem da senhorita Holbrook o
observando como um touro premiado. A contragosto, seus lábios se
curvaram enquanto ele se perguntava onde exatamente ela teria
fixado seu olhar com desejo. No entanto, era estranho que uma
mulher como ela o olhasse com um desejo tão evidente. Ela
claramente protegia a virtude de sua irmã mais jovem como uma
leoa, e demonstrava toda a aparência exterior de ser, se não uma
puritana, então certamente tudo o que era recatado e apropriado.
Mas tinha sido desejo que ele havia visto nos olhos dela.
Tinha ardido com tal calor que, se ele tivesse sido tolo o
suficiente para estender a mão e tocá-la, para passar os dedos
sobre o corado em suas bochechas, ela poderia muito bem ter
entrado em combustão diante de seus olhos.
Ele riu sozinho quando o calor da banheira e o fogo ardente na
lareira o fizeram relaxar ainda mais, com seus olhos ficando
pesados. Sua mente desprotegida brincava com a ideia do que
exatamente a senhorita Holbrook teria feito se ele a tocasse. Ela
teria esbofeteado o rosto dele, gritado com ele, desmaiado ou teria
chegado ao ponto de chutá-lo e fugido? Todas estas possibilidades
foram consideradas e rejeitadas. Não. A paixão naqueles olhos tinha
sido ousada e ansiosa. Ele não duvidaria que, se a tivesse puxado
para os braços e beijado, supondo que eles não tivessem uma
audiência, é claro, ela teria respondido com entusiasmo. O
pensamento era tão preocupante quanto enervante, e, de repente,
ele se sentiu bem acordado e muito menos relaxado.
Maldita mulher.
Bem, só havia uma coisa a se fazer, que era ficar o mais longe
possível da terrível senhorita Holbrook.
***
Belle felicitou-se pelo fato de a noite ter corrido muito bem até
agora. Foi preciso se esforçar um pouco para se encontrar mais
uma vez sentada ao lado de Lorde Nibley na hora do almoço, mas
felizmente Lady Russell parecia bem ciente de suas intenções.
Portanto, é provável que isso tenha sido arquitetado pela velha
senhora, e, também, não foi por um feliz acaso que ela se viu ao
seu lado para jantar. Com sorte, isso foi feito sem parecer
excessivamente evidente. De qualquer forma, isso não importava.
Depois de conversar com Crecy no jardim, Belle teve certeza de que
sua irmã estava escondendo algo. O que, ela não tinha ideia, mas
havia algum plano nefasto acontecendo por trás daqueles belos
olhos, e Belle não tinha dúvidas de que o que quer que fosse
provavelmente acarretaria num colapso nervoso, se ela descobrisse.
Ela também era da opinião de que tia Grimble não apenas
fecharia os olhos para o que quer que Crecy estivesse fazendo, mas
que, se achasse que isso significava fisgar um marido ou mesmo
um amante rico, ela se esforçaria para ajudar com entusiasmo.
Sendo esse o caso, ela precisava se livrar da maldita mulher com
toda a pressa. A única maneira de conseguir isso era se Belle se
casasse bem e com um marido disposto a abrigar sua irmã e
permitir que Belle a introduzisse à sociedade por conta própria.
Então, Crecy teria o tempo necessário para se firmar e, o que era
mais importante, encontrar um homem que a amasse pelo que ela
era, e não apenas pela bela aparência.
No entanto, começava a perceber que era mais fácil falar do que
fazer.
Nibley era um sujeito tímido e difícil de atrair para uma conversa
significativa sobre qualquer coisa, exceto suas malditas pedras. Ele
certamente não parecia olhá-la com nenhum inclinação romântica.
Belle não ficou exatamente surpresa. Ela esteve na sombra de
Crecy por muito tempo para imaginar que um homem poderia ter
qualquer razão para considerá-la como qualquer coisa, exceto uma
mulher sensata que poderia administrar uma casa e criar filhos. Mas
ela era essas coisas, e se, como Lady Russell lhe havia dito, ele
estava à procura de uma esposa, ela não era uma escolha tão
terrível assim. Além disso, ele não era exatamente um homem
bonito, e sua falta de habilidade em conversar prejudicaria suas
chances com qualquer jovem de maior beleza ou posição social
superior à de Belle. Ele tinha riqueza suficiente para superar a falta
de dote dela, com certeza, e ela achava improvável que alguém com
uma mente científica e intelectual insistisse em um amor verdadeiro.
Em vez disso, ele precisaria de alguém para garantir que sua casa
funcionasse bem e para lembrá-lo de comer. O rapaz estava tão
magro que ela sentia que isso deveria ser uma prioridade quando
alcançasse seu objetivo.
A maneira como ele encarava a Duquesa de Sindalton fez com
que ela duvidasse um pouco dessa teoria, mas, afinal, a duquesa
era digna de se olhar. Qualquer homem teria dificuldade em desviar
o olhar de uma mulher assim.
Então, ela devia agora fazer tudo o que estivesse ao seu
alcance para agarrar esse homem. Só que ela não tinha a menor
ideia de como. Ela nunca havia aprendido a arte do flerte e não
sabia como dar ao homem a dica de que estaria aberta aos avanços
dele sem parecer uma mulher fácil.
Além de tudo isso estava o fato de que... oh, céus, ela realmente
não sentia nenhum entusiasmo pela ideia. Ele era um bom homem,
isso era óbvio. Ele nunca a machucaria ou a humilharia tendo
muitas amantes ou arriscando uma fortuna nas mesas de jogo. Ele
não esqueceria seu aniversário ou recusaria sua exigência de ajudar
Crecy. Ela estava quase certa disso.
Ela também estava extremamente certa de que ele nunca faria
seu coração bater aceleradamente em seu peito; ele nunca se
apaixonaria profundamente por ela, nem ela por ele. Ela nunca
sentiria aquele estranho desespero dolorido por tocá-lo, nem
acreditava que poderia realmente enlouquecer se não o fizesse.
Sem ser convidada, a memória do marquês com o torso
desnudo, seu corpo poderoso com suor e tenso, veio à mente. Ela
sentiu o rubor se espalhar, sua pele repentinamente parecia
incômoda, desconfortável e supersensível. Ela se remexeu na
cadeira, uma sensação inquieta percorreu seus ossos, e como se
fosse atraída por uma força invisível, olhou ao longo da mesa. Por
um momento, ela teve a ideia ridícula de que ele havia sentido seu
desejo por ele, mesmo em sua posição no meio da vasta mesa, pois
ele se voltou para ela exatamente no mesmo instante. Seus olhos
se encontraram e sua pele ficou ainda mais quente, o desejo de se
levantar e arrastá-lo para fora da sala foi tão avassalador que ela
cerrou os punhos sob a mesa.
Pior do que tudo isso... ele sabia.
De alguma forma, ele sabia exatamente o que ela estava
pensando. Ele ergueu o copo, sem nunca tirar os seus olhos dela
enquanto bebia e, depois, lambeu os lábios. Seus olhos caíram
naquela boca cheia e sensual e ela ficou sem fôlego quando viu sua
língua varrer o lábio inferior. Meu Deus, o que havia de errado com
ela?
Desvie o olhar.
Desvie o olhar, agora!
Mas era impossível; ela não podia, mesmo que sua respiração
estivesse mais rápida, e, com certeza, da cor do prato de lagosta
que acabara de ser servido?
E, então, ele deu um sorriso malicioso.
Foi uma expressão tão presunçosa e arrogante que sua irritação
aumentou, felizmente quebrando o feitiço que ele parecia ter sobre
ela. Com fúria, ela fez uma careta para ele, levantou o queixo e
olhou resolutamente para longe.
***
Eddie riu com a indignação furiosa nos olhos da senhorita
Holbrook. Ele não tinha dúvidas de que, se os olhares pudessem
matar, ele estaria caído no tapete aos pés dele, morto como uma
pedra. Ele também não tinha dúvidas de que estava certo sobre a
mulher: ela o queria tanto que mal conseguia ver direito. O
pensamento foi divertido e, na verdade, reforçou um ego que sofreu
alguns golpes severos ultimamente.
Ele sabia que tinha sido um mulherengo de sucesso antes de a
guerra tê-lo prejudicado tanto. Ele tinha sido charmoso e espirituoso
e, se as memórias que estavam voltando para ele eram precisas,
era muito divertido estar com ele. Mas aquele homem estava morto.
Ele havia morrido em Waterloo, tal como todos tinham acreditado. O
fato de habitar o mesmo corpo, sangue e ossos não fazia diferença.
Ele não era mais o mesmo. E esse novo marquês, com olhar
carregado e mal-humorado, com poucas graças sociais, não era o
tipo de homem que a maioria das mulheres ousaria abordar.
Ele encontrou algumas de suas antigas amantes nas várias
reuniões sociais às quais se obrigara a ir, mas não encontrou
nenhum desejo latente por elas, simplesmente nenhum interesse,
de fato, e ele não podia ver nada além de preocupação e até
mesmo um pouco de medo em seus olhos. Ah, havia algumas que
viam seu título como um prêmio grande o suficiente para tentar
ganhar seu interesse, e se esforçavam, mas era apenas um ato, ele
estava certo. Nenhuma delas tinha mostrado aquela atração
flagrante que via nos olhos da senhorita Holbrook. Nenhuma delas
tinha incendiado o seu sangue.
Maldição!
Por que a única mulher pela qual ele sentia alguma coisa física
desde que a guerra terminou tinha que ser uma caçadora virginal de
fortuna sem um tostão na captura de um marido? Sem mencionar,
uma mulher que o deixava furioso toda vez que abria a maldita
boca.
Ele se remexeu na cadeira para tentar aliviar a sensação de
aperto em suas roupas justas e voltou sua atenção para a conversa
que estava acontecendo sem sua participação há pelo menos uma
hora. Blá, blá, blá. Oh, Deus, quando essas pessoas ficaram tão
entediantes?
Ele estava prestes a forçar sua mente a fazer um comentário
inteligente, em alto e bom som, quando a maldita mulher lançou um
olhar na direção dele novamente.
Ele tinha certeza de que ela não queria olhar para ele mais do
que ele queria olhar para ela, mas havia alguma tensão insondável
entre eles. Como se houvesse algum fio invisível que se esticasse
entre eles, de modo que cada um estivesse irresistivelmente
consciente dos pensamentos e desejos do outro.
Era intrigante e perigoso e um maldito inconveniente.
Apesar de sua determinação de não apenas não a encorajar,
mas fazer o seu melhor para evitá-la, ele sentiu os cantos da boca
puxarem para cima com diversão genuína. Desta vez, não foi um
sorriso irônico, mas sim, um sorriso genuíno, um sorriso até mesmo
adequado. A forma e a sensação eram tão desconhecidas para ele
que seu rosto parecia um tanto estranho, distorcido de alguma
forma pela novidade.
Ele observou a reação dela com interesse, o ligeiro alargamento
dos olhos e a abertura que, ele agora percebia, de uma boca bem
cheia e exuberante. Ela o encarou por um momento antes de
devolver a expressão, hesitante e insegura, talvez pressentindo
algum truque, mas estava lá, sem dúvida.
Uma sensação esquisita percorreu sua pele, algo tão estranho e
inexplorado quanto o sorriso, mas ele não sabia nem se importava
com o que isso significava. Ele não sabia se queria arrastar aquela
maldita mulher para seu quarto e dar a ela tudo o que ela
claramente queria dele ou correr milhares de quilômetros na direção
oposta.
De repente, furioso consigo mesmo e com ela, por permitir que a
garota o perturbasse, ele permitiu que seus traços voltassem à sua
habitual expressão ameaçadora e virou-se abruptamente para
longe.
Capítulo 9
Capítulo 11
“No qual nosso herói fica com raiva, nossa heroína fica furiosa, o
valete fica ansioso e Crecy se perde.”
Crecy não tinha sido vista desde que saíra de casa esta manhã
na companhia de um cavalariço. Ele havia retornado cerca de uma
hora depois de partirem, tendo sido ludibriado. Belle foi informada
de forma inequívoca que sua irmã era uma amazona destemida, e
embora Crecy pudesse ter ficado radiante com os elogios do
homem, Belle estava se sentindo de forma bem diferente. Tudo o
que ela conseguia imaginar era sua irmã, deitada em uma vala
enquanto a temperatura despencava.
Ela sufocou um soluço e estava prestes a exigir que uma equipe
de busca fosse montada imediatamente quando Crecy entrou pela
porta da frente.
Seu rosto estava corado pelo frio e seus cabelos estavam
desalinhados, mas, fora isso, seus olhos estavam brilhando e ela
parecia perfeitamente adorável e cheia de vida.
Belle queria esganá-la.
— Crecy! — exclamou ela, aliviada, ainda sem saber se queria
abraçar a irmã ou esganá-la. — Em que diabos de lugar você
esteve?
— Desculpe, Belle, senhora Russell — disse ela, parecendo um
pouco envergonhada ao ver o cavalariço que havia abandonado e
vários outros criados se reunirem e discutirem claramente seu
paradeiro. — Eu me perdi.
— E não é de se admirar! — retorquiu Belle. — O que você
estava pensando, saindo sem um cavalariço ou alguém para
acompanhá-la? Como pôde? Poderia ter acontecido alguma coisa.
Crecy corou e ergueu um pouco o queixo. — Bem, não
aconteceu, Belle, e eu já disse que sinto muito. Mas estou com frio e
fome. Então, se me dão licença, vou me vestir para o jantar.
Belle assistiu perplexa enquanto ela se afastava, incapaz de
dizer nada, apenas ecoando as palavras de Lady Russell quando a
velha senhora se inclinou perto e sussurrou em seu ouvido. — Fique
de olho nessa daí, senhorita Holbrook, ela está cheia de segredos.
Belle sentiu um arrepio de presságio, pois sabia muito bem que
Lady Russell estava certa. Ela não acreditava por um momento
sequer que Crecy tinha se perdido. Isso levantava a questão: onde
diabos ela tinha estado?
***
Belle não conseguiu obter mais nada de Crecy, que estava
decidida a afirmar que tinha se perdido e nada mais. Com o seu
próprio futuro sendo uma preocupação mais imediata, Belle teve
que deixar o assunto de lado, pelo menos por enquanto. Agora, ela
estava diante do espelho, vestida com seu melhor vestido azul, se
preparando para descer e se casar com o Marquês de
Winterbourne.
— Você está linda, Belle — sussurrou Crecy, deslizando os
dedos entre os de Belle e apertando. Belle retribuiu o gesto, mas
percebeu que seu rosto estava paralisado demais para tentar forçar
algo parecido com um sorriso.
— Obrigada, Crecy — respondeu ela, parecendo um tanto fraca
e diferente de si mesma. Ela não tinha visto Winterbourne
novamente desde a briga que tiveram, e de alguma forma o homem
se tornou um monstro em sua mente nas horas seguintes. Ela
tentou se agarrar às palavras de Violette e rezou para que ele não
fosse tão irracional quanto o havia pintado durante as longas e
ansiosas horas de uma noite em claro. Mas a ideia de que ela teria
de dividir a cama com o homem esta noite...
Ela foi atacada por tantas emoções conflitantes com essa ideia
que não sabia qual agarrar primeiro. A ideia de ser íntima com o
bruto intimidador que havia sido tão odiosamente rude com ela no
dia anterior era nada menos que horrível. No entanto, se permitisse
que sua mente voltasse à noite na biblioteca, com aqueles lábios
suaves traçando um caminho sobre sua pele... uma onda de calor a
assaltou, pelo menos dando um pouco de cor à sua tez pálida.
— Você está pronta, Belle? Está na hora de irmos. — Belle
assentiu e se virou, vendo Crecy observá-la com tanta ansiedade
que ela sabia que deveria fazer um trabalho melhor em colocar uma
cara corajosa. Afinal, não era tão ruim. Longwold seria seu lar, os
belos jardins que ela já tinha aprendido a amar seriam dela para
descobrir e percorrer como quisesse. Ela seria a Marquesa de
Winterbourne, com posição, dinheiro, mais do que ela jamais
sonhara, ao alcance de suas mãos, e, acima de tudo, um futuro para
Crecy. Um futuro no qual sua irmã poderia ter tempo para se
apaixonar por um homem que a amasse de volta. Algo que Belle
provavelmente nunca experimentaria. Mas ela também não passaria
fome, nem seria forçada a viver fora da alta sociedade na tentativa
de colocar comida na mesa e um teto sobre sua cabeça.
Poderia ser muito pior.
Então, ela forçou seu rosto relutante a mudar para algo parecido
com um sorriso, e sua voz quando ela falou era uniforme e não
tremia. — Estou — disse ela, dando um abraço rápido em Crecy
antes de pegar o lindo buquê que havia sido enviado para seu
quarto. Anêmonas, se ela se lembrava corretamente, significavam
amor sempre firme. Ela conteve a risada amarga que acompanhava
essa ideia. De alguma forma, ela não conseguia imaginar Lorde
Winterbourne escolhendo algo que fizesse uma declaração tão
audaciosa. Belle se perguntou ociosamente se havia uma flor que
representasse “mal consigo ficar na mesma sala” ou talvez “forçada
a se casar”. Ela riu naquele momento e teve que fingir um acesso de
tosse enquanto Crecy corria para buscar um copo de água para ela.
Bem, não havia motivo para adiar agora. Winterbourne estaria
esperando, embora ela duvidasse que ele permaneceria após as
concluídas as formalidades. Ela teria sorte se ele esperasse para
participar do café da manhã de casamento antes de desaparecer, se
a experiência passada fosse algo a se considerar.
***
Belle não se lembrou muito do que aconteceu em seguida, o
que talvez fosse uma bênção. Eles se casaram na antiga capela na
propriedade, e tudo o que ela realmente conseguia lembrar era de
estar congelada até os ossos. Estava gelado lá dentro, a respiração
deles se condensando ao redor de seus rostos enquanto trocavam
seus votos.
Ela poderia ter achado seu novo marido desesperadamente
bonito se tivesse ousado mais do que lançar um olhar de relance
para ele. Ele nem mesmo olhou na direção dela depois de uma
saudação inicial e formal.
Belle olhava fixamente para o prato e tentava ignorar o som da
conversa de sua tia. Lady Russell já a tinha repreendido várias
vezes, mas agora que sua sobrinha era uma marquesa, a mulher
maldita estava mais falante do que nunca. Belle teria que fazer algo
a respeito disso.
A cozinheira da propriedade, à qual Violette estava ansiosa para
apresentá-la, era realmente uma maravilha. A senhora Puddleton,
ou Puddy, como Violette a chamava, havia preparado uma refeição
surpreendentemente simples, mas suntuosa, que Belle mal tinha
tocado. Sua garganta estava tão apertada de estresse que mal
conseguia engolir, e a ideia de colocar comida no estômago era o
suficiente para fazê-la ficar enjoada.
A atmosfera tinha poucos sinais de celebração, apesar dos
melhores esforços de todos os presentes – exceto pelos recém-
casados, é claro. Violette e a esposa do conde, Céleste, fizeram
tudo o que puderam para tornar a ocasião alegre, e ambos os
maridos fizeram o que podiam para ajudar, mas de alguma forma
isso só tornava tudo ainda pior. Ver dois casamentos tão claramente
felizes, dois casais que compartilhavam uma profunda harmonia,
exibidos diante dela, só aumentava a humilhação.
“Sou sortuda. Isso é uma bênção. Vou ficar contente.”
Belle repetia as palavras várias e várias vezes, como se
pudesse fazê-las se tornar verdade. Mas tudo o que conseguia
lembrar era que não houve um beijo para selar o casamento na
atmosfera gélida da capela. O homem nem mesmo pôde lhe dar
isso, quando estava disposto a levar muito mais naquela noite na
biblioteca. Ela sentiu uma onda de fúria por ele a humilhar dessa
forma. Talvez isso fosse sua vingança por se encontrar preso em
sua armadilha. No entanto, ele sabia que era uma armadilha. Se
não quisesse ser pego, por que não tinha simplesmente avisado
Nibley e deixado a situação de lado, ou trazido um acompanhante
ou... ou... Não importava como ela pensasse, ela sabia que ele
poderia facilmente ter escapado dessa situação, a menos que
tivesse simplesmente a intenção de confrontá-la e depois ficado tão
envolvido pelo desejo que tudo o mais foi esquecido.
— Talvez — começou ela, com a voz baixa e hesitante enquanto
ele olhava para cima com espanto. Ela se perguntou se era possível
que ele tivesse esquecido que ela estava lá. Isso não parecia estar
fora de cogitação. Ela limpou a garganta, determinada a não se
deixar levar pela suspeita em seus olhos. — Talvez devêssemos
cortar o bolo e depois... então você pode sair se... se preferir um
tempo sozinho. Este foi um dia estranho, para mim, certamente, por
isso imagino que deva ser para você também.
Ele franziu a testa para ela, com o seu olhar suspeito se
aprofundando.
— Posso entreter nossos convidados, garanto-lhe — disse ela,
tentando encontrar um sorriso ou alguma expressão calorosa para
lhe dar. — E... e posso assegurar você que farei tudo o que puder
para não lhe causar nenhum... desconforto.
Belle olhou para ele, descobrindo que suas mãos estavam
apertadas em seu colo. Se ela pudesse lê-lo, poderia ter alguma
ideia dos pensamentos que estavam guardados por trás daqueles
olhos verdes escuros. Ela nunca tinha visto tal cor antes, e isso a
lembrava de uma floresta, densa e ameaçadora e cheia de perigos
ocultos.
— Muito bem — respondeu ele, com seu tom rude.
Fiel à sua palavra, Belle organizou tudo e nem percebeu quando
seu marido escapou para deixá-la com os convidados. Ele não
reapareceu para o jantar, embora felizmente ela só tivesse que
enfrentar Violette, Aubrey, Crecy e sua terrível tia desta vez. Lady
Russell tinha se retirado cedo com sua irmã, ambas alegando
cansaço, embora Belle suspeitasse que qualquer coisa fosse melhor
do que repetir o suplício desta manhã, e encontrou-se incapaz de
culpá-las. O Conde e a Condessa de Falmouth tinham um
compromisso anterior e estariam ausentes por pelo menos uma
semana, antes de retornarem para o Natal. Depois disso, eles, Lady
Russell e Lady Dorothea voltariam para Londres.
Belle organizou para que Violette entretivesse Crecy naquela
noite, garantindo, assim, uma fuga temporária de qualquer pergunta
desconfortável de sua parte, e depois de assegurar a sua irmã que
tudo estava bem, retirou-se para o seu quarto.
Exceto que agora ela tinha um novo quarto, o que pertencia à
Marquesa de Winterbourne.
Belle olhou ao redor do vasto espaço maravilhada. Era suntuoso
e opulento, e ela se perguntou como teria sido a mãe de seu marido.
O papel de parede vermelho e dourado era exuberante e exótico, e
o mobiliário era melhor do que qualquer coisa que Belle já tivesse
visto. Ficar em meio a uma demonstração tão óbvia de riqueza e
excesso fez Belle se sentir subitamente mais sozinha do que nunca
em sua vida anterior. Seu vestido parecia barato e simples diante
das riquezas ao seu redor, e Belle se sentiu perdida em um mundo
que não sabia como navegar.
Ela deu um pulo quando ouviu um som suave de arranhão na
porta e percebeu que a criada que Violette tinha providenciado
estava ali para ajudá-la a se preparar para dormir. Belle lançou um
olhar para a enorme cama com suas cortinas escarlates e
empalideceu, mas convidou a criada a entrar.
Ela era uma jovem mulher pequena e morena, talvez com uns
dezoito anos, impecável, com um avental branco perfeitamente
engomado, um rosto doce e grandes olhos castanhos. — Boa noite,
milady — disse ela, fazendo uma pequena reverência, a excitação
em seus olhos estava clara. — Se lhe agradar, a senhora Russell
pediu que eu a acompanhe até que você faça os arranjos para sua
própria criada pessoal.
Belle olhou para a moça e seu rosto ansioso e radiante,
percebendo que poderia ser poupada do horror de uma vestimenta
terrivelmente elegante e esnobe, como poderia ter temido. — Você
já fez esse trabalho antes... senhorita?
— Oh, Mary, se assim o preferir, milady — disse ela, corando e
parecendo ansiosa. — Bem, eu tenho uma boa habilidade para
fazer penteados, e você não encontrará uma costura mais
caprichada do que a minha por aqui, mas... n-não, eu nunca fiz isso
antes — admitiu ela, enquanto sua voz diminuía, claramente
pensando que Belle quereria alguém com experiência, o que era a
última coisa que ela desejava.
— Bem, graças a Deus por isso — respondeu ela, com um
sorriso, enquanto Mary parecia perfeitamente perplexa. — Como eu
nunca fui uma marquesa antes, e não tenho ideia de como fazer
isso, você acha que talvez nós possamos encarar isso tudo juntas?
Depois de uma breve pausa, Mary sorriu para ela, e Belle sentiu
que tinha feito a coisa certa. — Pode confiar em mim, milady.
Foi assim que Mary ajudou Belle a se preparar para a noite de
núpcias, parecendo quase tão nervosa quanto a própria Belle, até
que finalmente deixou sua nova patroa sozinha.
Belle sentou-se à beira da cama enorme e francamente
intimidante, empoleirada como uma andorinha prestes a voar. Seu
cabelo estava escovado e solto sobre os ombros, com ondas loiras
grossas brilhando à luz de velas. Ela usava a sua melhor camisola,
simples de algodão branco, o que a fazia se sentir uma visão tola no
meio de tamanho esplendor. Belle consolou-se com o pensamento
de que ela devia parecer exatamente o que ela era: uma virgem
noiva nervosa em sua noite de núpcias. Afinal, não era certamente
isso que seu marido esperaria e desejaria dela? No entanto, à
medida que as horas passavam e ficava cada vez mais tarde, Belle
começou a se perguntar exatamente o que seu novo marido queria,
já que claramente não era ela quem ele queria.
Capítulo 17
“No qual Belle vence uma batalha e enfrenta uma vitória solitária
com destemor.”
Belle não ficou surpresa por não ver Edward novamente na noite
seguinte. Ela não fez nenhum esforço para procurá-lo, percebendo
que serviria melhor a seu propósito se ele tivesse a chance de sentir
sua falta. Era assim que seria, ela percebeu. Três passos à frente,
dois passos atrás. Mas tudo bem, ela poderia esperar.
Ela sorriu para si mesma ao lembrar da noite que passaram
juntos, admirando-se a si mesma e à maneira como o homem a
fazia sentir. Belle nunca tinha percebido que o desejo era algo que
as mulheres sentiam com tanta... tanta urgência. Que os homens
sofriam com ele e agiam de maneira imprudente e perigosa por
causa disso parecia aceito, normal, até mesmo, mas que seu marido
a fizesse se sentir tão... perversa! Ela admitiu para si mesma que
não queria nada além de caçá-lo e arrastá-lo de volta para o quarto
deles e ficar lá. O pensamento a fez corar, embora não se
arrependesse nem um pouco.
— Em que diabos você está pensando, Belle? — quis saber
Crecy, seus olhos dançando com travessura. — Você está ficando
completamente vermelha.
Belle bufou e voltou sua atenção para o livro. — Cuide dos seus
próprios assuntos — murmurou ela. No canto do olho, ela viu Crecy
colocar a língua para fora e riu. — Eu vou te contar quando você se
casar — acrescentou, com um pequeno muxoxo.
Crecy deu uma risadinha, mas achou que sua irmã parecia
vagamente incomodada com o comentário, então ela deixou o livro
de lado.
— O que é? — perguntou ela, enquanto Crecy devolvia uma
expressão inocente que Belle sabia muito bem que não podia
confiar.
— O que é o quê? — perguntou ela, com um sorriso radiante. —
Sabe, acho que está um dia tão bonito, vou dar um passeio a cavalo
à tarde.
— De novo? — indagou Belle, estreitando os olhos para ela. Ela
mal tinha visto a irmã desde que voltaram de Bath, já que ela estava
sempre fora cavalgando. Belle supunha que ficava satisfeita com
isso. Crecy precisava estar ao ar livre e se livrar da energia inquieta
que a afundaria na tristeza se ficasse enclausurada por muito
tempo. Ela tinha desejado cavalgar quando estavam com tia
Grimble, como uma forma de escapar, mas elas não podiam se dar
ao luxo de tal extravagância. Era justo que ela se entregasse à sua
paixão agora. — Bem, agasalhe-se bem. Pode parecer ensolarado,
mas ainda está gelado, e não se perca, e...
— Leve um cavalariço! — Crecy terminou a frase para ela,
soltando um muxoxo e lançando a Belle um olhar desdenhoso. —
Foi só aquela vez, Belle. Eu já andei muitos quilômetros agora.
Conheço bem o lugar, acho.
— Hmmm. — Belle não conseguia se livrar da sensação de que
ela estava escondendo algo, mas se ela ficasse na propriedade e
levasse um cavalariço para mantê-la segura, não deveria haver
nenhum problema.
Voltando sua atenção para o livro, ela olhou para cima, já que
havia um som de arranhão fraco na porta.
Garrett entrou a convite dela e lhe entregou um papel dobrado.
— Do senhor Davis — disse ele em tom baixo. Belle se perguntou
se estava imaginando o brilho nos olhos do homem quando ele
entregou o papel. Ela achava que não e sorriu para ele.
— Obrigada, senhor Garrett.
— O que foi, Belle? — perguntou Crecy, embora ela tivesse
enterrado o nariz no livro, enrolando distraída a longa fita preta que
usava como marcador em torno dos dedos. Belle tinha a sensação
de que ela não estava realmente enxergando as palavras na página.
— Nada — respondeu Belle, decidindo que isso era seu próprio
segredo. — Mas acho que vou esticar as pernas um pouco – dentro
de casa — acrescentou, quando Crecy olhou para cima. —
Aproveite o seu passeio, está bem?
— Eu vou — murmurou Crecy, embora agora ela estivesse
olhando pela janela, um olhar distante em seus olhos enquanto ela
segurava a fita de tecido nos lábios. Belle franziu a testa por um
momento, desejando saber no que Crecy estava pensando. Mas a
oportunidade de ver Edward lutando novamente era uma tentação
muito grande. Fechando a porta para sua irmã misteriosa, ela
seguiu novamente para o salão de baile.
Estava mais calmo dessa vez, já que Charlie não estava
gritando instruções, mas também estava sem camisa e de pé ao
lado de Edward.
Belle piscou, pensando inicialmente que o pobre Charlie seria
assassinado, já que seu marido era muito mais alto e largo do que o
pequeno e ágil valete. Logo ficou claro, no entanto, que não
estavam trocando golpes pesados; era mais um exercício de
habilidade.
Mesmo para seu olho inexperiente, ela podia ver que Charlie era
muito rápido e, frequentemente, conseguia acertar um golpe porque
estava sempre em movimento, e... e Edward estava baixando sua
guarda.
— Vamu lá, Eddie — provocou Charlie. — O que tá aconteceno
com ocê? Num sei onde tá sua cabeça, mas num tá aqui!
Particularmente, Belle achou que Charlie estava certo. O foco
determinado que tinha sido evidente todas as outras vezes em que
ela o tinha observado parecia estar faltando hoje, e ela fez uma
careta quando Charlie acertou um golpe esperto na mandíbula de
Edward. Eles podiam estar apenas brincando, mas ela ouviu o
punho dele atingindo a carne, e não achava que o golpe era tão leve
como ela tinha imaginado inicialmente.
Edward grunhiu com irritação e Charlie recuou dançando para
fora do alcance de um gancho direito que o teria derrubado.
Avançando novamente, ela assistiu enquanto Charlie repetia seu
movimento quando Edward mais uma vez abaixou sua guarda.
— Mantenha sua guarda — gritou ela, o que, em retrospecto,
talvez não fosse sua melhor decisão. Edward ficou tão surpreso que
olhou ao redor e Charlie o acertou na têmpora direita, deixando-o
desacordado.
— Edward! — exclamou ela em horror, quando seu marido caiu
no chão. — Oh, meu Deus!
Ela se ajoelhou ao lado dele, desejando ser do tipo que desmaia
e sempre carrega sais aromáticos. Em vez disso, ela friccionou suas
mãos e acariciou seu rosto. — Edward, acorde! Oh, acorde, por
favor. — O terror de que talvez ele estivesse seriamente ferido
começou a crescer em seu peito, um sentimento frio e nauseante
que fez as lágrimas pinicarem atrás de seus olhos. Então, quando
Edward acordou, gemendo e com um palavrão bastante vívido, ela
só conseguiu exclamar com alegria.
— Oh, Edward! — Ela segurou sua mão em seu rosto e beijou
seus dedos enquanto ele a encarava furiosamente.
— Você, senhora, é uma... uma...
— Um incômodo abençoado? — sugeriu ela, piscando para
afastar as lágrimas de alívio e olhando com pesar para o galo se
formando em sua cabeça.
Por um momento, ele apenas a encarou, e ela esperou que ele
explodisse em uma fúria tremenda.
— Mantenha sua guarda? — indagou ele, franzindo a testa para
ela. — Onde diabos você ouviu isso?
Belle engoliu em seco e se perguntou que tipo de sermão ela
estava prestes a receber desta vez. — E-eu não ouvi, Edward, eu...
eu li.
— Você... o quê?
Ele parecia até encantador quando estava confuso, ela decidiu,
e, então, percebeu que ainda estava segurando sua mão e ele ainda
não havia reclamado. — Eu li, Edward. Em um livro. Sobre boxe —
acrescentou ela, caso não tivesse sido clara.
Edward a encarou. — Onde diabos você arranjou uma coisa
dessas?
— Ah — disse ela, sorrindo para ele. — Comprei em Bath. Mas
não se preocupe, eu disse que era para você.
Edward abriu e fechou a boca novamente, parecendo um pouco
desconcertado. Ele se sentou e agarrou a cabeça com um gemido,
depois olhou para a outra mão, que ela ainda estava segurando
entre as dela, em seu colo.
— Peço imensas desculpas — disse ela, esperando que sua
raiva estivesse desaparecendo. — Foi inteiramente culpa minha por
distraí-lo.
— Sim — resmungou ele, suas sobrancelhas escuras se unindo
em uma carranca bastante mal-humorada. — Foi.
Ela levou a mão dele até seus lábios e beijou seus dedos. —
Bem, não devia ter feito isso — admitiu ela, com um sorriso triste,
mantendo a mão dele contra sua bochecha. — Nunca fiquei mais
assustada do que quando vi você cair. Acho que meu coração
parou.
Seus olhos encontraram os dela ao dizer isso, e ela não
conseguiu entender completamente a expressão ali, mas ele não
estava bravo.
Ele fez um som entre indignação e diversão. — Seria preciso
mais do que um soco do Charlie para me derrubar — resmungou
ele, parecendo um tanto irritado. — Onde diabos está o maldito? —
quis saber ele, olhando ao redor.
— Oh. — Belle olhou ao redor e percebeu que Charlie tinha sido
gentil o suficiente para se afastar. Ela decidiu que realmente gostava
de Charlie. — Ele deve ter ido... buscar ajuda? — sugeriu ela,
levantando uma sobrancelha. Embora, com certeza, ambos
soubessem que isso não era verdade.
— Fugindo da minha fúria, mais provavelmente — disse ele em
voz baixa, embora francamente, Belle não achasse que essa fosse
a razão, embora ela mantivesse isso para si mesma.
— Você vai ter um hematoma terrível — observou ela,
estendendo a mão para tocar seu rosto. Edward fez uma careta e
ela recuou.
— Peço desculpas — sussurrou ela.
— Você já disse isso — disse ele, soando mal-humorado e
olhando para ela com uma expressão estranhamente incerta nos
olhos. — Você não deveria...? — Ele parou e parecia vagamente
desconfortável, e ela esperou, intrigada, para que ele continuasse.
— Eu não deveria...? — incentivou-o quando ele não disse mais
nada.
— Eu não sei — disse ele com um resmungo, soando um pouco
irritado. — Beijar para ajudar a sarar, ou algo assim. Não é esse o
dever conjugal?
— Oh! — Belle mordeu o lábio para impedir que o sorriso se
espalhasse por seus lábios. — Oh, com certeza que sim. —
respondeu ela, lutando para manter a voz séria. Ela se aproximou
um pouco mais dele, sem se importar com suas lindas saias no
chão empoeirado do salão de baile, e se inclinou. Belle pressionou
os lábios um pouco ao lado do hematoma se formando para não o
machucar. — Pronto — disse, incapaz de manter o sorriso longe de
seu rosto ou de sua voz por mais tempo. — Melhorou?
Ele balançou a cabeça.
— Não? Essa não! — disse ela, com horror simulado. — Onde
mais?
Ele apontou para a linha de sua mandíbula.
— Aqui? — murmurou ela contra sua pele, sentindo a aspereza
da barba por baixo de seus lábios enquanto traçava beijos ao longo
de sua mandíbula e descia pelo pescoço, seguindo o caminho que
ele estava traçando com o dedo — Oh, querido, Charlie é realmente
um brutamontes — murmurou, enquanto ele inclinava a cabeça para
permitir que ela continuasse. Sua respiração estava ficando mais
rápida agora, conforme seu dedo cruzava um caminho sobre o peito
até o mamilo. Ela sorriu ao inclinar a cabeça mais para baixo e sua
boca se fechou sobre ele, sentindo a pele arrepiar sob sua língua.
Ele puxou o ar e ela se sentiu repentinamente poderosa, por ter
esse homem grande, obstinado e difícil, quase ronronando como um
gato sob seu toque. — Aqui também? — perguntou ela, olhando
para cima, para olhos tão escuros que pareciam quase pretos
enquanto ela voltava sua atenção para o outro mamilo. Ela o tratou
com a mesma delicada atenção e se perguntou para onde ele a
guiaria em seguida. — Eu realmente acho que você deve estar
machucado por todo o corpo — sussurrou, mantendo o olhar fixo no
dele.
— Oh, meu Deus — gemeu ele, alcançando e puxando sua
cabeça para cima, tomando a boca dela, com força e urgência. Ele a
soltou, sua respiração irregular e alta em seus ouvidos. — Eu quero
você na minha cama, agora. Agora — exigiu saber ele, puxando-a
para se levantar.
Eles estavam rindo enquanto ele a puxava atrás dele e voltavam
para o corredor, parando abruptamente quando tropeçaram em
direção à grande escadaria – exatamente quando Lady Russell e
companhia entravam pela porta da frente.
Lady Russell, Lady Dorothea, Aubrey e Garrett todos fitaram-nos
boquiabertos, e Belle teve que cobrir a boca com a mão para conter
o riso. Suas bochechas estavam em chamas e Edward estava meio
vestido, com hematomas e a puxando atrás dele como um homem
das cavernas com sua presa... só os céus sabiam o que eles
estavam pensando. Embora ela suspeitasse que estivessem certos.
— É... boa tarde — disse Edward, com notável dignidade para
um homem em tal estado de nudez. Belle se perguntou se os
marqueses eram treinados para agir com dignidade em todas as
circunstâncias, e se essas situações eram cobertas por algum tipo
de manual, e, então, teve que fingir tossir enquanto uma gargalhada
escapava.
— Digo, por que não tomamos chá na sala de estar — disse
Aubrey, sua voz um pouco mais alta que o normal.
— Uma boa ideia, senhor — acrescentou Garrett com firmeza,
guiando Lady Dorothea, que estava olhando com admiração e a
boca aberta para Edward, para a sala de estar. Até mesmo Lady
Russell deu uma boa e minuciosa olhada.
A porta fechou atrás deles, e Belle não conseguiu mais aguentar
e irrompeu em risadas. — Oh, oh — exclamou ela, segurando os
lados. — Coitado de Garrett, ele não sabia o que fazer consigo
mesmo. — Ela parou quando percebeu Edward olhando para ela.
— Eu estava certo sobre você — disse ele, parecendo um tanto
sério. — Você é uma agitadora.
Por um momento, Belle se intimidou, mas depois viu o riso
escondido em seus olhos.
— Você vai arruinar minha reputação, não é? Correndo por Bath
e comprando livros inapropriados e se comportando como uma...
uma...
— Agitadora — acrescentou ela, sorrindo para ele. — Você já
disse isso.
— Não. Pior — resmungou, aproximando-se dela. — Me
seguindo por todos os lugares e fazendo de tudo para me seduzir.
— Ele se aproximou ainda mais, sua voz rouca de uma maneira que
fez o sangue dela esquentar. — Você é uma devassa... — disse ele
contra os lábios dela. — Insaciável — acrescentou, mordendo o
lábio inferior dela. — Criatura perversa.
Belle suspirou contra a boca dele. — Desculpe-me, milorde.
Parece que não consigo me controlar.
— Eu também não — rosnou ele, e a pegou nos braços,
carregando-a até o quarto dele e chutando a porta atrás deles.
***
— Devíamos nos vestir para o jantar.
Edward resmungou. Ele não queria se mover. Belle estava
aconchegada contra ele e tudo parecia... maravilhoso. Ele sabia que
isso não poderia durar. É por isso que ele queria aproveitar agora.
— Você ainda não terminou suas obrigações de esposa — disse
ele, enroscando os dedos nas macias mechas loiras que estavam
lhe fazendo cócegas no peito. Ela olhou para cima, com um olhar
divertido em seus olhos, levantando uma delicada sobrancelha loira.
— Não terminei? — perguntou ela, aparentemente horrorizada
com a ideia. Ele conteve um sorriso. — Como fui negligente. Muito
bem, acho que cheguei aqui — murmurou, plantando um beijo sobre
o coração dele. — Mas realmente, marido, acho que já o beijei para
sarar as dores em todos os lugares.
— Não... em todos os lugares — disse ele, mantendo seu olhar,
desafiando-a e se perguntando o quão corajosa ela realmente era.
— Eu... Oh! — Ele deu a ela um sorriso malicioso. — Sério? —
perguntou ela, parecendo um pouco duvidosa.
— Sério — respondeu ele, deitando-se de costas e cruzando os
braços atrás da cabeça. Ele ergueu uma sobrancelha e ela bufou
para ele.
— Não posso acreditar que você se machucou lá — protestou
ela, e Edward apenas sorriu para ela.
— E daí? Eu nunca disse que tinha.
— Bem, está bem então.
Para sua surpresa, ela puxou as cobertas, e ele estremeceu um
pouco ao ficar exposto ao olhar dela.
— Por onde devo começar? — indagou ela, e Edward teve que
conter um riso.
— Que tal começar por baixo e subir? — sugeriu ele,
perguntando-se como diabos conseguia manter um rosto sério. Não
era um problema com o qual ele precisava se preocupar por muito
tempo, já que todo o ar saiu de seus pulmões em um sopro. — Meu
Deus, Belle.
Edward enroscou os dedos em seus cachos e sentiu que sua
sanidade o abandonava à medida que o prazer se desenrolava sob
sua pele. O que sua esposa carecia de delicadeza, ela certamente
compensava com entusiasmo.
— Assim, talvez? — perguntou ela, arrastando a língua sobre
sua pele sensível.
Edward deu uma risada um pouco histérica e agarrou as
cobertas da cama. A vida de casado realmente não era tão ruim,
afinal de contas.
Capítulo 24
Belle não tentou falar com Edward novamente naquele dia, nem
o procurou naquela noite. Ele estava muito machucado e zangado
para sequer fazer a tentativa. Mas, no dia seguinte, ela decidiu que
confrontaria ele e colocaria um fim em qualquer medo que ele tinha
de tê-la machucado de propósito ou poderia fazê-lo novamente. Ela
aprenderia a lidar melhor com os terríveis pesadelos que ele sofria e
nunca o acordaria de maneira tão brusca novamente.
Lorde e a Lady Falmouth voltaram no início da tarde, e Belle fez
o possível para ser uma anfitriã acolhedora. Ela tentou estar
animada enquanto supervisionava a decoração da casa. Vários
ramos de sempre-viva, alecrim e azevinho lustroso com suas bagas
vermelho-sangue enfeitavam soleiras, janelas e a grande escadaria,
e Belle fez pequenos buquês de rosas de Natal para serem
colocados entre a vegetação nas lareiras. Era uma tarefa que ela
estava esperando fazer, mas devia ter ficado claro que sua mente
estava em outro lugar. Com o coração pesado, ela observou
enquanto os criados levantavam o ramo do beijo de sempre-viva e
visco, com maçãs e fitas vermelhas brilhantes o tornando festivo.
Ela se perguntou se havia amantes entre os serviçais, e quantas
bagas de visco faltariam para cada beijo roubado até o Natal
terminar. Algum deles seria dela e de Edward?
Belle sabia muito bem que algumas famílias, especialmente
entre a alta sociedade, tinham relegado essas decorações para os
andares de baixo, considerando-as inadequadas para companhia
adequada. Mas ela era a senhora de Longwold agora, e essas
tradições a faziam sentir parte do lugar e de sua história. Isso a fazia
sentir que ali era realmente um lar, o seu lar. Pela intensidade e
entusiasmo que os serviçais colocavam na decoração, ela sentia
que tinha tomado a decisão certa.
Uma vez que o grande castelo estava belo e festivo em sua rica
ornamentação verde, Belle foi em busca de um pouco de paz na
biblioteca, apenas para descobrir que Violette a tinha seguido. Ela
tinha se lançado na decoração com alegria característica, e Belle
percebia que estava gostando cada vez mais de sua nova irmã.
— Como você está, Belle? — perguntou Violette, sua voz cheia
de simpatia.
Belle fez o possível para devolver um sorriso tranquilizador, mas
achou difícil fingir que tudo estava como deveria. — Bem o
suficiente — respondeu ela, fazendo um gesto para que Violette se
sentasse ao seu lado.
Violette segurou sua mão, seus olhos cheios de preocupação. —
Você não vai desistir dele, vai, Belle?
Belle a olhou com espanto. — O quê? Claro que não!
Certamente você não me considera tão fraca assim?
— Claro que não — exclamou Violette, mas havia profunda
preocupação em seus olhos. — Só que eu sei o quão... o quão difícil
Edward pode ser, e eu sei que você não o amava quando se
casaram, mas... Oh, Belle, se você o tivesse conhecido antes, teria
se apaixonado por ele num piscar de olhos, eu prometo.
Belle deu uma risada suave e balançou a cabeça. — Você não
precisa ter medo disso — disse ela, com a voz baixa.
Violette a encarou, um leve sorriso se formando em sua linda
boca. — Você o ama?
Belle assentiu. — Com todo o meu coração, mas temo que eu
não seja suficiente para curá-lo.
Violette segurou sua mão entre as duas delas. — Você é, Belle,
eu sei que é. Você só precisa continuar tentando, por favor.
Belle riu, tocada pela devoção da irmã de Edward por ele. —
Você tem minha palavra de que farei isso, Violette. É só que...
— É só que...? — insistiu Violette.
Belle se contorceu um pouco interiormente, ela não estava certa
se a irmã de Edward era a pessoa certa para tais confidências. — É
só que... a única vez... — Belle fez uma pausa novamente e
respirou fundo. — A única vez que eu consigo me aproximar dele
é... é quando...
— Oh! — exclamou Violette, à medida que começava a
entender. — Sim. Sim, eu entendo.
Belle observou enquanto Violette franzia os lábios. — Bem, se
não fosse meu irmão, eu poderia até sugerir... mas... — Belle sorriu
quando Violette fez uma careta.
— Não importa — disse Belle, com um suspiro pesado que dizia
o contrário. Se ela tivesse mais experiência em tais assuntos,
poderia seduzir o homem, mas como estava, ela nem conseguia se
aproximar dele, quanto mais ter alguma ideia do que fazer se
conseguisse chegar a tanto.
— Céleste! — disse Violette de repente, assustando Belle e
tirando-a de seu devaneio.
— O quê?
Violette se levantou e puxou o braço de Belle, forçando-a a
segui-la. — Você deve falar com Céleste — disse ela, com firmeza.
— Ah, mas... não, eu não poderia — exclamou Belle,
horrorizada. — Eu mal conheço a mulher!
— Ah, bobagem! — exclamou Violette. — Você só precisa ficar
na companhia de Céleste por meia hora para saber que vai adorá-
la, e quando decidi fugir com Aubrey... — Ela parou de repente,
ficando um pouco vermelha. — Desculpe, eu a choquei?
Belle soltou uma risada curta. — Você está falando com a
mulher que enganou seu irmão para se casar com ela — disse ela,
com tom irônico.
Violette deu um largo sorriso para ela. — Bom, de qualquer
forma — continuou ela. —, Céleste me deu o conselho mais
maravilhoso e... intrigante. Ela saberá exatamente o que sugerir.
Assim, Belle seguiu atrás de Violette enquanto o pobre conde
era expulso de seu quarto para que sua esposa pudesse ter uma
conversa privada com Belle. Se ele tinha alguma ideia do motivo,
não disse nada, seus olhos cinzentos estavam serenos, embora um
tanto intrigados, mas Belle nunca esteve mais mortificada.
Durante a maior parte das próximas duas horas, Belle ouviu,
sentindo como se suas bochechas estivessem pegando fogo. Mas
Violette estava perfeitamente correta. Céleste era uma mina de
informações sobre o assunto e não tinha hesitação alguma em
compartilhá-las.
— Então, sabe — respondeu Céleste, alcançando o que deve
ter sido sua terceira fatia de bolo de frutas enquanto Belle enchia
suas xícaras de chá. — É realmente muito simples, oui?
Belle assentiu, embora seu estômago estivesse um nó.
Certamente era simples, mas isso não significava que não fosse um
tanto assustador.
Céleste a olhou com perspicácia. — Você acha que seu marrido
se importa com você?
Belle sorriu, encantada como todos pareciam ficar com o bonito
sotaque francês da condessa.
— Acho que sim, um pouco, pelo menos. Ele... ele me deseja.
Céleste deu um risinho. — Clarro que ele deseja você. Você é
perfeitamente adorrável. — Ela colocou um pedaço de bolo em sua
boca e mastigou, sua expressão pensativa. — Fazer um homem
desejar você é a parte fácil — disse ela, com um suspiro enquanto
colocava a mão sobre o coração. — O corração, porrém, conquistar
o corração dele é outra questão. Alex foi muito difícil — disse,
balançando a cabeça.
— Mesmo? — questionou Belle, surpresa. Apesar de ela achar
o conde um homem um tanto assustador, ele nunca escondeu o fato
de estar completamente apaixonado por sua adorável esposa.
Céleste riu da surpresa nos olhos de Belle. — Alex, ele estava
prreocupado que fosse muito velho para mim, o tolo! — disse ela,
revirando os olhos. — Mas também erra que... bem, ele tem uma
reputação um tanto imponente.
Belle assentiu, tendo ouvido diversos rumores bastante
perturbadores sobre o homem.
— Grrande parte disso é verdade — continuou Céleste com um
sorriso enquanto os olhos de Belle se abriram um pouco mais. — E
por causa disso, ele não querria... manchar-me com o passado dele,
eu acho. — Céleste estendeu a mão e cobriu a mão de Belle com a
própria. — Você entende, eu acho, ma chère?
— Sim — respondeu Belle, já que o comentário fazia todo
sentido à luz de sua experiência com Edward — Sim, eu entendo.
Céleste assentiu e colocou uma mão protetora sobre a suave
elevação de seu estômago. — Esses homens, eles pensam que
somos o sexo mais frraco, e talvez se estivermos falando apenas de
força física, isso possa ser verdade. Mas há outros tipos de força,
Belle, e as mulherres, somos muito mais fortes do que eles, aqui. —
Ela colocou o dedo perto da têmpora e sorriu. — Você é uma mulher
forte e resiliente, eu vejo isso em você. Eu já estive onde você está,
Belle. Então, agorra você deve ser corrajosa, e ir atrrás do que você
quer. Lorde Winterbourne é seu marido, e ele deve agir como tal. Vá
e mostrre a ele o que isso significa.
Belle inspirou profundamente e assentiu. — Eu vou — disse ela,
sentindo a esperança brilhar em seu coração. — Pelo menos, vou
tentar tudo o que posso.
Céleste assentiu e deu um sorriso caloroso. — Bien! — disse
ela, batendo as mãos com satisfação enquanto olhava de volta para
a bandeja de chá. — Alors, há mais bolo?
***
Edward olhava pela janela de seu quarto. Sentia como se sua
cabeça fosse uma massa fervilhante de repulsa, imagens do
passado guerreando com o presente, e agora Belle estava lá
também. Quando ele viu o sangue, o sangue dela, manchando os
lençóis da cama, algo estalou. Ele tinha feito aquilo. Tinha perdido o
controle e Belle tinha sofrido por causa disso. Doce Belle, que
estava se esforçando tanto para ser tudo o que ele queria que ela
fosse.
Ela simplesmente não entendia.
Ela era tudo o que ele queria que ela fosse. Ela era tudo o que
ele nunca havia percebido que queria ou precisava. Ele não havia
dado muita importância ao casamento antes da guerra, mas sempre
quis alguém caloroso e amoroso, alguém que desse aos filhos o tipo
de lar que seus próprios pais nunca haviam lhe dado.
Exceto que ele não podia ser parte disso. Não mais. Ele havia
se casado com a mulher certa, a mulher perfeita, mas ela havia se
casado com o homem completamente errado.
Quando ele viu o sangue dela, de repente Belle estava lá com
ele. Ele estava no campo de batalha novamente, com os canhões
rugindo em seus ouvidos, olhando para o que restava de seus
camaradas quebrados, corpos destroçados, e Belle também estava
lá.
Ele a viu ensanguentada e sem vida e... e seu coração explodiu
em pedaços.
Isso não aconteceria com Belle. Ele não permitiria.
Em uma parte racional de seu cérebro, ele sabia que era
impossível. Eles não estavam mais na guerra e, mesmo que
estivessem, Belle dificilmente estaria perto de um campo de batalha.
Mas ele também sabia de muitas outras coisas que poderiam
tirá-la dele em um piscar de olhos. De doenças a partos, havia uma
série de cenários em que ela poderia morrer e deixá-lo sozinho.
Ele não podia fazer isso. Não podia suportar essa perda. Se ele
a deixasse entrar, se ele cuidasse dela da maneira que ela
claramente queria... O pânico subiu em seu peito. Ele estava muito
danificado pelo passado e não tinha nada a oferecer a ela, nada de
valor; ele a machucaria, emocionalmente, pelo menos; e com base
em suas ações até agora, talvez algo muito pior; ou talvez algo a
levasse dele, e qualquer uma dessas coisas era demais para
suportar. Ele morreria. Ele preferiria morrer a vê-la em perigo.
Não pela primeira vez, ele desejou ter sido um dos mortos, pois
teria sido muito mais simples. Mas, então, Violette teria ficado
sozinha e desprotegida, e seu primo Gabriel a teria forçado a se
casar com ele, e todas as gerações de Greystons que viriam seriam
amaldiçoadas.
Ele levou as mãos à cabeça e percebeu que estava tremendo,
era demais, as expectativas de todos o sobrecarregavam até que
ele não conseguisse respirar. Ele queria nada mais do que correr
para a floresta e se encolher naquele maldito buraco até que tempo
suficiente passasse e ele fosse enterrado bem fundo. Mas quando
ele tinha ido depois daquela cena terrível com Belle, tudo o que
podia ouvir eram vozes frenéticas chamando seu nome, ecoando
pela paisagem até que ele quisesse uivar para que o deixassem em
paz, pelo amor de Deus. No entanto, ele sabia que estava
machucando-os, sabia que eles estavam com medo por ele, e,
assim, ele tinha voltado.
Ele se viu relutante e irritado com a necessidade de ser tudo o
que eles queriam que ele fosse, e ainda incapaz de infligir a dor que
era necessária para se afastar de vez.
— Beba isso. — Edward sentiu Charlie pegar suas mãos e
pressionar uma xícara de algo quente nelas. — Vamu lá, Eddie,
beba.
Charlie o obrigou a levantar a xícara, pressionando-a em seus
lábios. Edward engoliu e fez uma careta.
— Muito açúcar — resmungou ele, e ouviu Charlie rir, embora
soasse distante.
— Bom para ocê — respondeu Charlie. — Vai te animá.
Edward resmungou. — Não precisava ter despejado o pote
inteiro nisso.
— Ocê sabe o que pode fazê se não gostá, milorde — disse
Charlie com sua voz mais digna, embora Edward soubesse muito
bem que Charlie nunca o deixaria. Charlie também havia sofrido, ele
sabia disso. Charlie tinha os mesmos pesadelos, mas talvez o
homem fosse mais forte do que Edward, porque Charlie continuava
sempre sorrindo. Charlie Contente, era assim que todos o
chamavam – aquele bobo trapalhão de Seven Dials. Mas Edward
sabia que não era bem assim. Charlie era resistente, astuto e
corajoso, mais corajoso do que ele, corajoso o suficiente para
continuar vivendo.
Edward olhou para cima, grato por Charlie ter chegado em casa,
pelo menos. Grato por ele ter permanecido por perto quando
Edward havia lhe dado pouquíssimas razões para fazê-lo.
— Obrigado, Charlie — disse ele, e ambos sabiam que não era
pelo chá.
Capítulo 26
Primavera.
15 de abril de 1818.
17 de abril de 1809.
Capítulo 1
“No qual... um convite para Longwold.”
6 de dezembro de 1817.
Dia de São Nicolau.
Visconde Demorte
Damerel House
Gloucestershire
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Sobre Mim!
Damas Ousadas
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A Série – Filhas Ousadas
Filhos Malvados
Filhos Malvados
Desafiando um Duque
Damas Ousadas – Livro 1