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Um Inverno Perverso

Patifes e Cavalheiros Livro 6

Por Emma V Leech


Um Inverno Perverso
Patifes e Cavalheiros Livro 6
Por Emma V. Leech
****
Publicado por: Emma V. Leech.
Direitos de autor (c) Emma V. Leech 2017
Arte da Capa: Victoria Cooper
Título original: Nearly Ruining Mr Russell
Tradução: Inês Vanmuysen
Preparação de Texto/Revisão: Vânia Nunes

ASIN não.: B0CD92GXXW


ISBN No.: 978-2-487015-00-5

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua
Portuguesa.
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer
parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou
intangível — sem o consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Nenhuma identificação com pessoas reais (vivas ou falecidas),
locais, edifícios e produtos é inferida. O conde de Falmouth era uma
pessoa real e a família e a casa ainda existem, no entanto, esta é
uma obra de ficção
Índice

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Domando um Coração Selvagem
Prólogo
Capítulo 1
Quer mais Emma?
Sobre Mim!
Outras obras de Emma V. Leech
Audiobooks (títulos disponíveis apenas em inglês)
Desafiando um Duque
Ousando Seduzir (em breve)
Morrendo por um Duque
A Chave para Erebus
O Príncipe das Trevas
Agradecimentos
Capítulo 1

“No qual mexer no pudim de ameixa é o menor dos problemas do


nosso herói.”

Último domingo antes do Advento


23 de novembro de 1817

— O que você quer dizer com nunca ter ouvido falar disso? —
indagou Violette a seu marido. Ela desviou o olhar da paisagem por
um momento, enquanto a carruagem finalmente virava na direção
do longo e sinuoso caminho que levava a Longwold, a vasta e
imponente casa de seu irmão, o Marquês de Winterbourne. —
Certamente você mexeu o pudim de Natal quando era criança —
acrescentou, enquanto Aubrey olhava para sua esposa indignada
com divertimento.
— Não — disse ele, balançando a cabeça com a atitude de um
homem que já foi muito negligenciado. — Nunca houve tais
frivolidades na casa dos Russell, posso lhe assegurar.
Estava falando a mais pura verdade. O pai de Aubrey era um
homem rígido e triste, e o Natal era uma celebração entediante. A
perspectiva de passar esse tempo com o irmão dela, que também
tinha um temperamento difícil, não o deixava muito animado, fosse
durante as festas de fim de ano ou em qualquer outro momento. No
entanto, era o maior desejo de Violette voltar para Longwold e
celebrar tanto o casamento recente deles quanto a temporada
festiva, e Aubrey não estava prestes a decepcioná-la. Ele só
esperava que ela também não ficasse desapontada.
— Bem, então essa será sua primeira experiência — disse
Violette, trazendo seus pensamentos de volta ao pudim de ameixa.
Aparentemente Domingo de Mexer a Massa era uma ocasião
imperdível na casa Greyston. Aubrey tentou imaginar Edward
Greyston fazendo algo tão frívolo como mexer um pudim e não
conseguiu. Ele provavelmente o jogaria em alguém. Provavelmente
em Aubrey.
— Eu me pergunto se Seymour já chegou — continuou ela,
enquanto a ansiedade de Aubrey começava a aumentar. Sua avó,
Lady Seymour Russell, parecia não ter o menor problema em lidar
com o marquês e o tratava com exatamente as mesmas táticas de
intimidação que usava com Aubrey – e com grande sucesso. Aubrey
não pôde deixar de sentir que tais táticas talvez não funcionassem
tão bem sob o próprio teto do homem. — Parece uma eternidade
desde a última vez que os vimos.
— Você acha? — respondeu Aubrey, com expressão suave
enquanto suas sobrancelhas se erguiam. — Você sentiu muita falta
de todos? Nesta manhã mesmo eu pensei que você tinha dito que
nunca queria sair daquele quarto aconchegante.
Violette bufou e lhe deu um sorriso diabólico. — Tolinho —
murmurou ela, balançando a cabeça, fazendo com que seus cachos
loiros dançassem. — As últimas semanas têm sido... — Ela
envolveu-se em um abraço protetor, seu sorriso se alargando ainda
mais enquanto buscava a palavra apropriada. — perfeitas — disse,
por fim, fazendo com que o sorriso de Aubrey refletisse o dela. —
Mas — acrescentou, ficando séria — quero contar a eles tudo que
você conquistou. — Ela se aproximou repentinamente e se aninhou
junto a ele, segurando seu braço. — Eu já te disse o quanto estou
orgulhosa de você?
— Sim — disse Aubrey, sentindo seu coração se encher de
orgulho e amor por sua bela esposa. — Embora possivelmente
apenas uma vez hoje.
Violette riu, suspirou e depois exclamou, apontando conforme a
carruagem seguia pela estrada que subia constantemente em
direção à casa. — Olha, Aubrey, lá está. Lá está Longwold! Não é
esplêndida?
Aubrey respirou fundo e percebeu que a casa de sua família era
tão imensa e intimidadora quanto seu aterrorizante irmão. Mas ele
colou um sorriso no rosto mesmo assim e rezou para que as
semanas seguintes não fossem tão terríveis quanto temia.
***
— Oh, meu Deus do céu, Charlie, por que diabos eu concordei
com isso? — Edward – “Eddie” – Greyston, o sétimo Marquês de
Winterbourne, reclamou com seu valete e antigo ordenança. — Vai
ser terrível!
— Oh, pare com isso, milorde — repreendeu Charlie enquanto
passava mais uma gravata para seu mestre de pavio curto, já que
ele havia acabado de jogar a última no chão, aborrecido. — Cê sabe
tão bem quanto eu que sentiu falta de Lady Violette, fora que, pelo
que entendi, cê num chegô a concordá, num é?
— Não, droga, eu não concordei — murmurou Eddie, enquanto
seus dedos grandes fracassavam em mais uma tentativa. —
Maldição! — praguejou ele, jogando mais uma gravata amassada no
chão com fúria. Ele respirou fundo e observou enquanto seu
paciente valete fingia não ter notado seu pequeno acesso de raiva.
Não era a primeira vez que ele se perguntava por que o velho
soldado permanecia ao seu lado com tamanha lealdade obstinada.
Lutar lado a lado pela sobrevivência tinha um efeito estranho sobre
as pessoas. Agora, estavam ligados um ao outro, gostando ou não.
Mas, ainda assim, Edward não podia deixar de sentir que havia
empregos mais fáceis do que o que Charlie havia encontrado para si
mesmo.
Ele era um tipo estranho de valete, é verdade. Tão prontamente
xingava Edward quanto o cumprimentava e carecia de muitas das
habilidades necessárias para a posição. Havia outras habilidades
que Eddie valorizava muito mais do que qualquer tipo de cuidados
excessivos por parte de algum sujeito engomado, como um faro
para problemas e um soco certeiro. Mas certamente haveria patrões
mais equilibrados do que ele, certo?
— Ela me chantageou — continuou Edward, com um tom
sombrio, enquanto pegava outra gravata branca imaculada das
mãos de Charlie.
— Oh, me dá isso, pelas barba de Merlin... se não se importá,
milorde?
Edward virou-se e viu uma expressão angustiada nos olhos de
Charlie, enquanto ele olhava para a gravata que, de alguma forma,
já parecia estar meio amassada, e, até agora, ele só a havia
amarrado em volta do pescoço.
— Ah, faça como quiser — respondeu Edward, com um gesto
mal-humorado para que ele continuasse. Com um suspiro de alívio,
o homem magro deu um passo à frente e estendeu a mão para
amarrar a gravata de Edward. — E o que é essa história de
“milorde”, afinal? — indagou ele, irritado, estreitando os olhos para o
homem baixinho diante dele. — “Eddie” sempre foi perfeitamente
adequado até agora. O que é essa pose toda?
Charlie deu de ombros despreocupadamente, o que só fez
Eddie estreitar ainda mais os olhos para ele.
Charlie estalou a língua e recuou para observar a gravata com
uma expressão crítica antes de voltar para ajustá-la um pouco. —
Bem, com todos esses nobre que ocê vai recebê — admitiu Charlie,
parecendo um pouco cauteloso. — Nós dois sabemu que eu não dô
pra valete. Num dô. Num sô como todos aquele que esse pessoal
chique vai trazê. Só num quero te deixá na mão, tende?
Edward resmungou e se afastou para examinar no espelho o
trabalho de Charlie. — Como se eu me importasse. — Ele se virou
para um lado e para o outro e teve que admitir que Charlie tinha
uma boa mão para gravatas, pelo menos. Não estava nada mal.
Talvez não tão elegante quanto o estilo do charmoso marido de sua
irmã, pensou com uma onda de irritação, mas ele passaria pelo
teste, pelo menos.
— Oh, eu sei que ocê num se importa nem um poco —
continuou Charlie, enquanto começava a juntar as roupas sujas que
Eddie havia deixado espalhadas pelo quarto. — Mas alguns de nós
têm um poco de orgulho profissional, tá bem — disse ele com um
pequeno e discreto resmungo. Ele amassou os itens reunidos em
uma bola e se ergueu o mais alto que pôde, lançando a Edward sua
expressão mais arrogante. — Se isso fô tudo, milorde...
Edward sentiu os lábios se contorcerem, mas engoliu o riso. Não
valia a pena ofender uma das poucas pessoas cuja companhia ele
podia suportar. — Isso é tudo. Obrigado, Charles — disse ele,
divertido com o olhar de aprovação que viu nos olhos do sujeito.
Ele caminhou até a janela, suspirando, justo a tempo de ver a
carruagem surgir no horizonte. Violette, sem dúvida, com seu novo
marido. Ah, meu Deus, como ele ia aguentar as próximas semanas
sem dar um soco no sujeito, ele realmente não sabia. Se não fosse
pelo fato de ele realmente gostar de Violette, nem sequer cogitaria.
Vinte e dois convidados, a maioria dos quais ele felizmente evitaria
a todo custo em circunstâncias normais. No entanto, ele gostava
dela, e ela tinha passado por um inferno nos últimos anos.
Encostado na guarnição da janela, Eddie tentou se lembrar
daqueles anos. Anos em que ele havia vivido como todos os outros,
lutando para sobreviver na sujeira de Seven Dials, a favela mais
notória de toda a Grã-Bretanha, talvez da Europa.
A única coisa que ele se lembrava com clareza era das lutas.
Punhos nus e um oponente que precisava do dinheiro do prêmio
para manter um teto escasso sobre a cabeça e comida no
estômago, tanto quanto Eddie precisava. Naquela época, ele havia
esquecido tudo isso, esquecido o marquesado, Longwold, as
grandes casas, o nome da família e o orgulho, e tudo o mais.
Naquela época, era ele e seus punhos contra o mundo, e como ele
sentia falta disso.
Charlie achava que sua memória havia se perdido, menos por
conta do forte golpe que ele tinha sofrido na cabeça na Batalha de
Waterloo, mas mais por causa da fratura que tinha sofrido na
cabeça. Edward levou a mão até a cicatriz grossa escondida sob
seus cabelos, resultado de ficar muito perto de uma bomba de
morteiro que explodiu. O cheiro de pólvora e carne queimada
invadiu suas narinas, e ele estava de volta no meio da batalha,
reprimindo o desejo de vomitar enquanto suas entranhas se
retorciam de revolta. Imagens voltaram à sua mente, principalmente
de sangue, e homens despedaçados como bonecos, pedaços deles
espalhados por incontáveis hectares. Foi como se o mundo tivesse
acabado e o inferno tivesse se levantado para reivindicar a Terra
enquanto ele se debatia entre o sangue e o obsceno desperdício de
vidas que marcaram os últimos dias da guerra.
Ele pensou que, se pudesse esquecer tudo de novo, agora que
Violette estava a salvo – ou, pelo menos, razoavelmente segura –
faria isso num piscar de olhos. Abandonaria a grande casa, o
dinheiro e o título, e voltaria para Seven Dials, para a imundície, em
busca de um pouco de paz de espírito. Se ao menos pudesse deixar
essas imagens para trás...
Ele observou a carruagem se aproximar e sabia que isso não
era totalmente verdade. Havia outra razão que o mantinha ali. Uma
outra razão para enfrentar os pesadelos do passado e a desolação
do futuro. Isso porque se fosse considerado morto e desaparecido,
seu primo odiado voltaria a ser o Marquês de Winterbourne. A
posição que ele desfrutou nos anos em que Edward tinha sido
considerado morto.
Gabriel Greyston, Visconde Demorte.
Gabriel sempre quis destrui-lo, desde que Edward se conhecia
por gente. Ele até tentou se casar com a pobre Violette e manteve a
verdade sobre o reaparecimento de Edward longe dos ouvidos dela,
e de todos. É claro que o oitavo marquês havia ficado um pouco
chateado com o retorno do sétimo marquês. Ele fez de tudo para
garantir que Edward não retornasse de forma alguma. Nunca mais.
E isso não poderia ser esquecido.
Conforme a carruagem finalmente parava, Edward notou outra
figura se aproximando ao longe e gemeu. Maldição. Era a severa
Lady Russell. Meu Deus, Edward ainda não havia conhecido uma
mulher tão aterrorizante quanto ela. E ele teria que ser educado com
ela até que essa maldita farsa acabasse!
Ele nunca conseguiria.
Com a aparência de um homem condenado, Edward se
endireitou e deu uma última olhada no espelho. Ele não reconhecia
realmente a figura altiva que o encarava de volta com olhos verde-
escuros como os da sua irmã. Ele não sabia mais quem era esse
homem, nem quem supostamente era. Mas depois de tudo pelo que
ela passou, e tudo que Edward a fez passar, Violette merecia a festa
que havia exigido dele. Por isso, ele suportaria o máximo que
pudesse e esperava que, pelo menos isso, fosse o bastante.
***
Aubrey fez o possível para engolir suas apreensões e devolveu
o sorriso entusiasmado de Violette enquanto ela o levava para
dentro de Longwold. Ele não sabia se devia se divertir ou se
horrorizar com as referências casuais dela sobre sua casa, que
pareciam ter pouca relação com o que ele estava vendo. A
encantadora casa de pedra que a família simplesmente chamava de
Longwold, na verdade, era um vasto castelo Tudor que se
espalhava pelo que parecia ser acres de terreno numa prodigalidade
vertiginosa. Aubrey tinha certeza de que o lugar poderia engolir uma
legião de soldados, que jamais voltariam a ser vistos novamente.
Ele, sem dúvida, poderia se perder nesse lugar.
De acordo com Violette, os Winterbourne eram relativamente
novos no local, tendo comprado a residência no século XIV, embora
as origens do lugar remontassem aos tempos romanos. Aubrey
atravessou o limiar e reprimiu um arrepio ao ponderar sobre a
probabilidade de haver pelo menos um e, possivelmente muitos,
fantasmas residindo ali.
Um mordomo de aparência gélida avançou, acompanhado de
mais criados do que Aubrey considerava estritamente necessário.
Ao olhar para Violette, porém, seu rosto se iluminou com um sorriso
bastante jovial. — Lady Violette — disse ele, radiante.
— Oh, Garrett, você voltou! — Violette deu um beijo na
bochecha do homem, e Aubrey conteve um sorriso ao ver o sujeito
bastante intimidante corar.
— Toda a criadagem foi reintegrada exatamente como antes —
respondeu ele, sua voz tremendo um pouco.
Violette sorriu radiante e enxugou uma lágrima de felicidade.
Seu irmão havia prometido que toda a criadagem que o Visconde
Demorte havia cruelmente demitido durante sua estadia aqui seria
encontrada e retomaria a seus postos imediatamente.
Aparentemente, ele havia cumprido sua palavra.
— Puddy? — indagou Violette, segurando a mão de Garrett e
parecendo bastante ansiosa.
Garrett assentiu. — A rainha está de volta e governando sua
cozinha com mão de ferro, como você esperaria, Lady Violette.
Violette soltou um pequeno grito de deleite e, então, virou-se
quando passos foram ouvidos atrás deles.
— Eddie! — exclamou Violette, e correu em direção ao irmão,
que acabara de descer uma impressionante escadaria de pedra com
a postura de um rei cumprimentando o povo.
Para surpresa de Aubrey, no entanto, assim que seu olhar se
fixou na irmã, aquela expressão austera amoleceu. O marquês a
pegou no colo, girando-a em um círculo até que ela gritasse como
uma menina levada e exigisse que ele a colocasse no chão. Aubrey
nunca teria esperado isso com base em suas próprias interações
com o homem, e ele permitiu-se um lampejo de esperança de que
ele não estivesse determinado a ser tão intimidador quanto havia
sido com Aubrey até agora.
Esse lampejo foi abruptamente apagado quando o marquês
voltou sua atenção para Aubrey. Sua saudação foi rígida e formal,
polidamente gélida, e Aubrey soube que suas apreensões eram
bem fundamentadas.
Violette lançou um olhar impaciente ao irmão antes de exigir que
fossem imediatamente para a cozinha.
— Para quê? — perguntou Edward, com expressão de
perplexidade.
Violette o fitou horrorizada. — Eddie! — exclamou ela,
pronunciando seu nome com tanta reprovação que o imponente
homem pareceu um pouco culpado. — Hoje é Domingo de Mexer a
Massa! — disse ela, como se isso tornasse tudo perfeitamente
claro, o que aparentemente era o caso.
— Oh — respondeu Edward, assentindo. — Eu tinha esquecido.
Ainda fazemos isso? — perguntou, parecendo um tanto incerto.
— Sim, Edward — disse Violette, com firmeza, puxando o braço
do irmão. — Fazemos. — Ela balançou a cabeça tristemente
enquanto observava o irmão, imaginando o que mais ele havia
esquecido. — Puddy ficará muito desapontada se não aparecermos.
Você sabe como ela adora essas tradições. E eu também —
acrescentou, olhando fixamente para ele de um jeito que desafiava
qualquer possibilidade de escapar de seus planos.
O marquês pareceu engolir qualquer objeção que pudesse ter
feito, embora não estivesse exatamente entusiasmado, e Aubrey só
podia admirar a determinação de sua esposa. Ela se voltou para
sorrir para Aubrey e fez um gesto para que ele a seguisse enquanto
percorriam um emaranhado incompreensível de corredores e
escadas até chegarem à cozinha. — Senhora Puddleton é nossa
cozinheira, Aubrey — disse Violette por cima do ombro. —, mas
sempre a chamamos de Puddy. Ela é uma verdadeira maravilha,
você vai ver.
Pelos maravilhosos e divinos cheiros que emanavam da cozinha
à frente deles, Aubrey só podia antecipar coisas maravilhosas,
enquanto seu estômago despertava e lembrava que havia comido a
última refeição há algumas horas.
— Oh — disse Edward, hesitando por um momento antes de
chegarem às portas da cozinha. — Eu esqueci. Acho que Lady
Russell acabou de chegar...
— Não, Eddie — respondeu Violette, mantendo um aperto firme
em sua manga. — Garrett lidará admiravelmente com Lady Russell,
que estará ansiosa para descansar antes do jantar. Vamos lá.
Aubrey conteve um sorriso enquanto o relutante marquês se
submetia à sua irmã de estatura diminuta e era arrastado para
dentro da cozinha para mexer no pudim de Natal.
Capítulo 2

“No qual conhecemos nossa heroína e um dos muitos vilões.”

Belinda levantou os olhos da manga que estava remendando e


observou sua meia-irmã mais nova com um sorriso irônico. Ela não
ficou surpresa ao ver que Lucretia tinha deixado de lado o conserto
da roupa e seu lindo nariz estava enterrado em um livro. Belle sabia
que não podia se deixar enganar pela capa inocente, no entanto.
Parecia que a bela jovem – que já havia sido comparada a todo
mundo, desde Afrodite até Helena de Troia, para grande desgosto
da garota – estava lendo a coleção de poemas de Wordsworth. No
entanto, Belle sabia que o livro que realmente prendia toda a
atenção de sua irmã era uma coleção arrepiante de histórias de
fantasmas. A capa tinha sido feita pela própria Crecy, e toda a sua
coleção de livros parecia igual. Aparentemente, era para mantê-los
em bom estado. Mas, na verdade, era para esconder vários títulos
que chocariam a maioria das jovens damas de sensibilidades mais
frágeis. Deus ajudasse quem pegasse uma cópia do que
supostamente seria “As Viagens de Gulliver”. Eles teriam uma
surpresa.
Belle frequentemente se perguntava se os livros eram como a
própria Crecy, com aquela aparência primorosamente adorável,
escondendo algo muito mais complicado e confuso.
— Não roa as unhas, Crecy — repreendeu ela, com um tom
suave, enquanto a beldade a olhava com uma carranca. Estalando a
língua de uma forma que parecia sugerir que tais coisas não tinham
importância, ela voltou sua atenção para a cena sangrenta que a
estava fascinando naquele momento.
Belle suspirou e olhou para a manga que estava remendando
com desânimo. Elas deveriam estar empolgadas. Sua primeira
temporada estava prestes a começar e, por algum milagre, elas
haviam conseguido um dos convites mais cobiçados que existia.
Pelo menos isso foi algo que Belle fez corretamente. Ela havia
conhecido Lady Russell apenas brevemente, mas a imponente
senhora idosa havia se interessado por ela e prometido que ela
poderia ir à festa glamorosa que seria realizada pelo elegante e
heroico Marquês de Winterbourne.
Lady Russell estava organizando a festa com a irmã do
marquês, que havia se casado recentemente com o neto de Lady
Russell, Aubrey. Havia numerosos rumores escandalosos sobre
isso, assim como murmúrios sobre uma fuga para se casarem, e
Belle suspeitava que a festa serviria para abafar mais fofocas.
Independente do motivo, ela estava grata. As chances delas de se
casarem com bons partidos eram realmente limitadas, e elas
precisavam de toda ajuda possível.
Embora provenientes de uma família respeitável da alta
sociedade, seu pai impecunioso havia falecido, deixando-as à mercê
de sua terrível irmã. As coisas, após isso, deterioraram-se com uma
velocidade previsível e deprimente.
Enquanto a mãe de Belle estava viva, tudo ia às mil maravilhas,
se é que suas memórias cor-de-rosa pudessem ser levadas em
consideração. Mas sua mãe morreu quando Belle era muito jovem,
e seu pai se casou novamente; dessa vez, com uma criatura bonita
e leviana que levou seu pai ao jogo, contraindo dívidas. Lucretia
nasceu logo depois que eles se casaram, mas sua mãe também
morreu, apenas três anos depois, enquanto dava à luz a um irmão
para as meninas. O pobre menino a seguiu para o túmulo em
questão de horas.
O pai delas havia sobrevivido, de certa forma, enfrentando uma
crise para outra, até quatro anos atrás, quando seu fígado
finalmente sucumbiu após muitos anos confiando na bebida para
curar suas aflições.
Desde então, elas haviam sido lançadas à misericórdia de sua
tia Grimble, e misericórdia não era algo que ela tinha em
abundância. Na verdade, qualquer uma das emoções humanas
mais delicadas parecia ser um conceito estranho para a miserável
mulher, que era uma sanguessuga da pior espécie – bastante
satisfeita por suas sobrinhas viverem na penúria, tremendo em suas
camas, enquanto o fogo de seu quarto ardia dia e noite. Ela tratava
Belle como sua escrava pessoal, na medida em que Belle permitia,
e olhava para a pobre Crecy como se ela fosse a chave para sua
fortuna.
Tia Grimble não se importava que Crecy não tivesse de forma
alguma uma beleza convencional. Crecy desprezava conversas
polidas, a poesia romântica, a dança e todas as coisas que as
jovens deveriam achar fascinantes. As coisas que ela achava
interessantes, até mesmo Belle achava intimidadoras, então, ela só
podia imaginar o que qualquer jovem cavalheiro inclinado ao
romance poderia achar dela. Mas tudo o que aquela mulher via era
um rosto e um corpo que poderiam atrair um duque, e Belle estava
aterrorizada com a possibilidade de o casamento não ser a única
opção que a mulher consideraria.
Seria preciso um tipo particular de homem para realmente
apreciar Crecy, e Belle estava determinada a garantir que sua meia-
irmã tivesse tempo para encontrá-lo. No entanto, tempo era algo
que elas não tinham. Esta seria a primeira e única temporada delas.
Não havia dinheiro para uma segunda. Se elas não se casassem,
Belle sabia que tia Grimble tinha planos para Crecy que não eram
nada respeitáveis. Na verdade, ela não duvidava que a criatura de
coração cruel pudesse vendê-la para aquele que desse o melhor
lance antes mesmo que esta temporada terminasse.
A ideia fazia a fúria queimar no sangue de Belle e ela acabou
espetando a agulha em sua costura com tanta violência que furou
seu polegar. Praguejando baixinho, ela sugou o sangue antes que
pudesse manchar o tecido delicado de um de seus melhores
vestidos.
— Olha a língua, Belle — disse Crecy, sem olhar por cima do
livro, em um tom zombeteiro que Belle sabia muito bem ser uma
imitação de suas próprias palavras.
Belle colocou a língua para fora e viu os lábios de Crecy se
mexerem com diversão, mesmo que seus olhos não se levantassem
da página. Bem, tia Grimble poderia ir para... para algum lugar
quente e desagradável e ficar lá. A escolha era dela. De alguma
forma, Belle teria que tirar o melhor proveito da situação e conseguir
um marido. Alguém rico o suficiente para ignorar a falta de dote
delas e generoso o suficiente para dar a Crecy a temporada que ela
tanto merecia.
Como exatamente ela deveria fazer isso, no entanto, era algo
que não sabia como resolver.
Ela havia passado algum tempo se avaliando criticamente diante
do único espelho pequeno e bastante manchado. Embora
certamente não fosse uma beleza, ela não era exatamente
desagradável de se olhar. Seu cabelo loiro-claro era comum quando
comparado ao tom dourado de Crecy, é verdade, mas era brilhante
e macio. No entanto, uma vez ao lado de Lucretia, seu corpo não
era nada especial, embora fosse bonito. Seus olhos tinham uma
tonalidade de azul incomum, talvez, mas nada realmente
extraordinário, embora fossem grandes e prontos para se
encantarem com o mundo. O problema era que, quando colocavam
Belle ao lado de Crecy, o que acontecia frequentemente, ela ficava
em segundo plano.
Se Crecy fosse um tipo diferente de criatura, Belinda poderia
sentir um leve ressentimento por esse fato. No entanto, Crecy
considerava sua aparência como nada mais do que um capricho da
natureza e colocaria alegremente o dedo na cara de qualquer jovem
que ousasse compará-la a alguma deusa ridícula, dizendo que um
dia ficaria velha e enrugada, e, então, onde eles estariam?
Era um ponto válido. Em poucos dias, Crecy deixaria qualquer
cavalheiro inclinado ao romantismo à beira da loucura, com sua
perspectiva bastante prosaica sobre a vida e seu interesse analítico
pelo macabro e, bem, francamente perturbador. Se ele a levasse
para passear nos jardins, ela era muito mais propensa a retornar
com o crânio de um pássaro ou algo igualmente repugnante e há
muito morto, em vez de um buquê de rosas.
Belle suspirou.
Lucretia olhou para cima e franziu a testa para sua irmã
enquanto girava o marcador de páginas, uma fina faixa de veludo
preto em volta dos dedos. Era um hábito nervoso que Belle
reconhecia bem, embora fosse por ela que Crecy estivesse ansiosa.
— Não se preocupe, Belle — disse ela, embora Belle pudesse
ver a tensão de seu futuro incerto nos olhos cinzentos sérios de sua
irmã também. — Tudo ficará bem. Eu sei que ficará. Uma de nós se
casará e nos livraremos... daquela mulher, tudo será perfeito. Você
verá. Belle retribuiu um sorriso incerto e Crecy bufou, colocando o
marcador de veludo cuidadosamente entre as páginas e fechando o
livro. — Vai ficar! Eu prometi me comportar nessa maldita festa, não
prometi?
— Crecy! — respondeu Belle, balançando a cabeça. — Cuidado
com esse linguajar. Você fala com tanta liberdade comigo que
certamente esquecerá disso quando estiver em público.
Crecy deu de ombros, mas não negou. Em vez disso, ela
colocou o livro de lado e ajoelhou-se, sentando-se aos pés de Belle.
— Detesto te ver tão preocupada, Belle — disse ela, segurando a
mão da irmã e apertando seus dedos.
— Não consigo evitar — admitiu Belle, virando a cabeça para
olhar para o fogo. — Estou com medo do que acontecerá conosco.
Temos tão pouco tempo para encontrar um bom partido. Como
podemos encontrar alguém que seja um bom marido em apenas
alguns meses?
Como sempre nessas conversas, Crecy ficou quieta. Se Belle
não soubesse que era impossível, poderia jurar que o coração de
Crecy já estava comprometido. Mas devido à sua situação financeira
precária e ao fato de que a tia Grimble era universalmente
detestada, elas tinham pouquíssimo convívio social, e Belle nunca,
mas nunca, deixava Crecy sozinha. Isso era impossível. Era mais
provável que ela estivesse apaixonada por algum personagem
diabólico de um de seus terríveis livros, de qualquer maneira.
Belle havia se perguntado se talvez Crecy não quisesse se
casar, e, de alguma forma, isso parecia muito mais provável. Crecy
era uma garota solitária, muito mais feliz sozinha com seus próprios
pensamentos do que sendo o centro das atenções. A ideia da bela
criatura levando uma existência tão solitária, de nunca se apaixonar
ou ser amada, era o suficiente para fazer as lágrimas brotarem nos
olhos de Belle.
— Oh, pare com isso agora mesmo! — exclamou Crecy,
revoltada. — Se você está chorando por minha causa, vou ficar
brava, você sabe disso!
Belle soltou uma risada meio engasgada, sempre divertida com
Crecy e sua natureza franca. O problema era que ninguém mais
entendia que havia um coração de ouro por trás daquela língua
afiada. Belle havia perdido a conta da quantidade de pássaros
feridos, gatos, patos, cachorros e, meu Deus, até mesmo um rato,
que haviam se recuperado sob os cuidados delicados de Crecy.
Embora isso tenha sido limitado desde que se mudaram para morar
com a tia. Ela não suportava esse tipo de bobagem, sendo do tipo
que afogava gatinhos sem pestanejar.
Antes de morrer, o pai delas as havia deixado totalmente
sozinhas e entregues à própria sorte, e Belle havia criado sua irmã
mais nova da melhor maneira que pôde. Agora, ela se perguntava
se havia feito certo em permitir que Crecy tivesse tanta liberdade de
expressão e pensamento. Certamente isso a levaria a problemas.
Bem, a oportunidade estava diante delas, e Belle faria tudo ao
seu alcance para garantir que encontrasse uma maneira de salvá-
las. Ela se encolheu instintivamente com a ideia. Assim como Crecy,
a ideia de conversas polidas, danças e socialização perdia a graça
diante da ideia de mergulhar em um bom livro e se acomodar perto
do fogo. Ela desprezava a cidade e sempre se sentia um tanto
deslocada nas poucas festas que havia comparecido. Muitas das
vezes, sonhava com uma vida no campo, mas agora se contentaria
com um teto sobre suas cabeças, onde quer que fosse.
Tempos desesperados exigiam medidas desesperadas – e Belle
estava desesperada.
Então, ela iria ao baile e fingiria ser doce e sorriria e riria com
todas as outras debutantes sem cérebro e rezaria para que alguém
de valor pudesse fazer algo tão estranho e notável quanto se
apaixonar por ela.
***
Edward observava a reunião emocionada entre Puddy e Violette
com impaciência. Sentia-se um idiota, sendo obrigado a vir e mexer
em um maldito pudim com o marido de Violette olhando com aquele
brilho de diversão eterna nos olhos. Bem, pelo menos ele teria que
fazer isso também.
— Venha, milorde — disse Puddy, ocupando-se na cozinha e
colocando uma enorme tigela de porcelana na mesa de madeira
limpa. — Você deve ser o primeiro a fazer as honras da casa.
Edward franziu a testa para Puddy, mas encontrou-se incapaz
de competir com a expectativa nos olhos da mulher, mesmo com
sua impaciência de partir. Na infância, Puddy havia sido a fonte dos
únicos abraços e palavras gentis que os dois experimentaram. Sem
mencionar os pacotes secretos de doces e bolos. Em todos os dias
em que ele era enviado para a cama sem jantar (e houve muitos),
Puddy sempre conseguia alguém para lhe trazer sustento
clandestinamente. Uma fatia grossa de bolo ou algo igualmente
delicioso geralmente amenizava a punição.
Então, agora, ao ver a senhora baixinha e rechonchuda, com os
cabelos grisalhos e um olhar afetuoso em seus olhos azuis
desbotados, esperando que ele mexesse o pudim... bem, droga.
Ele pegou a grande colher de madeira dela e se aproximou da
tigela.
— Feche os olhos — advertiu-o ela.
Edward abriu a boca para protestar o fato de que ele não era
mais um garotinho, mas captou o olhar de advertência nos olhos de
Violette e achou melhor não dizer nada.
— Mexa no sentido horário, do Leste para o Oeste —
acrescentou a cozinheira, enquanto Edward enfiava a colher na
mistura espessa e escura.
— Isso é para honrar a jornada dos magos — explicou Violette,
contando a seu marido sobre sua tradição tola. — Há treze
ingredientes também, para representar Cristo e os doze apóstolos, e
quando você mexe, deve fazer um desejo e nunca contar a
ninguém, senão não se realizará.
Edward gemeu interiormente, fechando os olhos enquanto
mexia o conteúdo pegajoso. O rico aroma de frutas secas e
especiarias envolveu-o, e, por um momento, ele se perdeu em
memórias de uma época mais doce. Ele se lembrou de outra noite
assim, quando era um jovem de cerca de catorze anos, segurando
sua irmãzinha para que ela pudesse mexer e fazer um desejo.
De repente, ele ficou feliz pela insistência de Violette em fazê-lo
vir até ali. Havia sido tão escassa a ternura e o amor em suas vidas.
Pelo menos essa era uma memória que ele poderia guardar e saber
que ambos haviam sido verdadeiramente felizes. O pedido veio até
ele, inesperadamente, de que bem que poderia haver outros dias
como aquele em seu futuro. Um pedido tolo, ele se repreendeu,
colocando a colher de lado. Melhor ter pedido que não deixasse sua
raiva descontrolá-lo nas próximas semanas e perder para sempre a
boa opinião de sua irmã.
Aquilo era tudo superstições tolas, de qualquer maneira.
— Bem, meu dever está cumprido — disse ele, sorrindo para
Violette e entregando-lhe a colher. Em seguida, virou-se para Puddy.
— Senhora Puddleton, sei que este pudim fará tanto sucesso
quanto todos os outros!
Para sua surpresa, a mulher estendeu a mão e pegou a dele,
segurando-a entre as suas, com uma expressão afetuosa e
esperançosa em seus olhos, quase fazendo-o retirá-la novamente.
— Não consigo dizer o quão felizes estamos por tê-lo em casa,
milorde. Nada... nada foi o mesmo depois... depois...
Ela parou de falar, enxugando os olhos com o avental. Edward
engoliu em seco, horrorizado e desconfortável com aquela
demonstração de emoção que não deveria ter sido direcionada a
ele. Ele retirou a mão e deu à velha senhora um sorriso forçado
antes de se desculpar e sair apressado da cozinha.
***
Violette observou seu irmão sair, com um suspiro de decepção.
Ela não deveria ter esperado nada diferente, é claro. O fato de tê-lo
convencido a vir até ali já era uma vitória, lembrou a si mesma.
— Não se preocupe com ele, Lady Violette — aconselhou
Puddy, com voz calorosa. — Ele ainda está aprendendo, é só isso.
Essa festa fará bem a ele, o obrigará a se socializar. Talvez ele
encontre uma esposa, esse seria o melhor remédio que ele poderia
encontrar, desde que fosse uma donzela sensata e não alguma
criatura leviana.
Violette sorriu e segurou a mão de Puddy. — Oh, Puddy, senti
tanto a sua falta!
— Ora essa, milady — protestou Puddy, agitando o avental com
aflição. — Pare com isso ou você vai me transformar em uma
chorona. Você já deixou meu cabelo grisalho, fugindo daquele jeito.
Ah, quando ouvi a notícia! — A mulher mais velha colocou a mão
em seu generoso peito e balançou a cabeça. — Não que eu
duvidasse que você tivesse motivos, com aquela criatura maldosa
aqui, afastando a todos e assumindo o lugar do marquês. — Ela deu
um resmungo de desgosto. — Mas, enfim... Quanto menos se falar
disso, melhor.
Violette assentiu e estendeu a mão para Aubrey. — E se eu não
tivesse fugido, nunca teria conhecido Aubrey — respondeu ela,
observando com divertimento como Aubrey corava um pouco sob o
olhar atento da cozinheira.
— Isso é verdade — disse Puddy, avaliando seu novo marido
com o que Violette suspeitava ser aprovação. — Mas agora é hora
de mexer esse pudim, senão não vou conseguir terminar e não
haverá jantar para nenhum de vocês!
Violette riu e voltou-se para a grande tigela, segurando a colher
de madeira e fechando os olhos. No último momento, ela se virou
para Puddy.
— Você se lembrou dos amuletos?
Puddy soltou muxoxos e balançou a cabeça. — Ora essa,
milady, como se eu fosse esquecer uma coisa dessas. — Ela
levantou a mão, contando os pequenos amuletos enquanto recitava.
— Um dedal para mais um ano de solteirice, um anel para
casamento, uma moeda para riqueza, um sapato para viagem, um
ossinho da sorte para um pedido, uma ferradura para sorte e uma
âncora para um porto seguro.
Violette suspirou, satisfeita. — E se houver alguma maneira de
você dar um jeito para que Edward pegue o anel... — disse ela,
sorrindo para Puddy enquanto se voltava para a tigela. — Tenho
certeza de que todos nós ficaríamos muito agradecidos.
Capítulo 3

“No qual o marquês está atrás de uma briga.”

Quando Edward chegou à relativa tranquilidade de seu


escritório, deixando instruções rigorosas de que não queria ser
incomodado, estava se sentindo inexplicavelmente irritado.
Por que ele tinha concordado com essa farsa ridícula? Sem
dúvida, a ameaçadora avó do senhor Russell havia convidado um
grupo de moças afetadas que se agarrariam a ele na esperança de
colocar as mãos em seu título enquanto ele se afogava em um mar
de conversas educadas e boas maneiras. Bem, ele estava dando a
maldita festa para Violette, mas isso não significava que ele tinha
que suportar cada momento dela.
Estendendo a mão para o decantador, ele se serviu de uma boa
dose e engoliu quase a metade em um único gole. Com um
palavrão, ele percebeu que a bebida era muito refinada, muito
diferente da porcaria com a qual ele havia se acostumado em Seven
Dials. Um crescente sentimento de irritação e frustração corroeu
suas entranhas, e ele arrancou sua gravata com movimentos
bruscos e irritados, jogando a maldita coisa longe.
Ele desejava jogar todas as suas roupas refinadas para longe e
voltar para as roupas ásperas e simples que se tornaram tão
familiares. Ele se sentia excessivamente arrumado e afetado em
seu paletó e colete justos. Estava tudo impecável e reluzente, mas
era uma maldita mentira. Ele não pertencia àquele lugar. Não mais.
Mas ele também não pertencia a Seven Dials.
Quando lutava pelo seu ganha-pão, recebeu o apelido de
“Cavalheiro Coveiro”, devido ao seu sotaque impecável e seus
punhos formidáveis. Não é como se ele tivesse feito amigos por lá.
Ninguém sabia o que fazer com ele lá, assim como aqui. Ele não se
encaixava. Era uma peça de quebra-cabeça com muitos cantos
irregulares, e ninguém conseguia se sentir confortável quando ele
estava por perto.
Bem, isso não era um problema, já que ele pouparia a todos da
ansiedade, decidiu ele, terminando de beber o resto do copo e se
levantando. Ele esteve ausente tempo suficiente para saber que
havia lugares para onde poderia ir onde ninguém saberia ou se
importaria com quem ele era, contanto que mantivesse a boca
fechada. E como ele não estava indo para conversar, achava que
isso não seria um problema. Havia apenas uma maneira que ele
conhecia para aliviar a fúria contida em seu sangue, e ele duvidava
que isso seria bem aceito em Longwold.
***
— Eu acho que é melhor começarmos sem ele — disse Violette
a Garrett, com um sorriso triste, enquanto o mordomo assentia e
saía para dar a instrução de que o jantar não deveria mais ser
adiado. — Sinto muito, Lady Russell.
— Oh, minha querida, por favor, pode me chamar de Seymour
— disse a avó de Aubrey, rejeitando o pedido de desculpa dela com
um gesto.
Sua irmã, Lady Dorothea Sinclair, inclinou-se um pouco para a
frente e acrescentou: — E pode me chamar de Dotty, todo mundo
faz isso.
Seymour lançou um olhar impaciente à irmã antes de continuar.
— E não há necessidade de você se desculpar. É evidente que seu
irmão é um homem atormentado. Você tem certeza de que ele
aguentará toda as loucuras que essa festa vai proporcionar?
Violette deu de ombros, desanimada pelo fato de seu irmão nem
mesmo conseguir enfrentar essa pequena reunião por ela, e sorriu
agradecida a Aubrey quando ele buscou sua mão e a segurou com
firmeza. — Eu não sei. Admito que estou me perguntando se não
cometi um horrível erro.
— Bobagem — respondeu Seymour com sua certeza
característica. — O homem não pode se esconder do mundo para
sempre. Ele é um marquês, tem responsabilidades. — Ela bateu sua
bengala no chão impacientemente para enfatizar suas palavras. —
Ele precisa de uma mão firme, alguém que não vá agir com cautela
ao redor dele, e muito menos deixar-se intimidar.
Violette lançou um olhar duvidoso a Aubrey e não foi encorajada
por sua expressão. Seu irmão já era grande e intimidador à primeira
vista. Além disso, havia o fato de que parecia ter perdido qualquer
noção de cortesias sociais desde seu desaparecimento, e ela
duvidava que houvesse uma mulher em todo o país que pudesse
ser ousada o suficiente para enfrentá-lo e vencer. Ainda assim, ela
desejava que ele encontrasse tal mulher, e ela faria tudo que
estivesse em seu alcance para ajudar a tornar esse desejo
realidade. Só esperava que o destino estivesse jogando a seu favor
também.
***
Na metade da primeira garrafa, Eddie se admirou com o fato de
que o álcool só aumentava a tensão que corria por suas veias. Ele
apertava e soltava os nós dos dedos, sentindo a raiva familiar, que
parecia surgir do nada, penetrando em seu sangue e ossos,
tensionando seus músculos. Seus olhos vasculhavam os cantos
escuros da taverna suja em busca de um alvo em potencial.
Um grupo de jovens risonhos e barulhentos chamou sua
atenção, mas foi logo descartado. Muito bonitos e amáveis para lhe
dar a briga que ele estava procurando. Uma figura solitária, com a
cabeça baixa sobre o copo, também foi descartada. Aquela pessoa
certamente levaria uma surra, mas não reagiria.
Então, seu olhar se fixou em um sujeito de cabeça raspada com
o porte de um touro enfurecido e uma expressão para combinar. O
sujeito abriu um sorriso que mostrava muita gengiva e poucos
dentes restantes. Ele cuspiu no chão ao lado dele, sem tirar o olhar
de Edward, que soltou uma risada suave. Finalmente.
***
Quando chegou à quinta taverna, Charlie já não sabia mais o
que fazer. No momento em que ouviu o maldito mordomo esnobe
informar que o marquês havia ido embora, Charlie sabia o que
esperar. O problema era que ele não sabia onde.
Em Seven Dials, pelo menos, ele conhecia os lugares
frequentados por Eddie, e se o perdesse de vista, sabia a quem
perguntar e onde obter as informações necessárias. Mas ali, ele
estava perdido. Hectares demais de verde, árvores, vacas e ar puro.
Pelas barba de Merlin, mal se dava pra percebê que tava respirando
nesse lugar. Em Seven Dials, se inspirasse profundamente, sentia o
peso do ar, quase podia mastigá-lo e cuspi-lo novamente. Mas aqui,
não.
As tavernas, no entanto, eram mais familiares. Suor, fumaça,
álcool e o fedor daqueles determinados a encontrar uma boa
diversão ou uma boa briga. Isso era algo que Charlie conhecia bem
o suficiente, e era isso que Eddie também procuraria.
Quando ouviu o estrondo de móveis quebrando, Charlie
instintivamente soube que tinha encontrado seu senhor errante.
Praguejando, ele entrou apressadamente em um edifício com
estrutura de madeira aparente, um telhado de palha espessa e uma
placa desbotada que indicava ser O Cordeiro. Uma vez dentro,
encontrou uma multidão reunida e apostas sendo feitas enquanto o
marquês e um brutamontes grande e feio se batiam violentamente.
Charlie suspirou e percebeu que tinha pouca chance de arrastar o
marquês para casa até que um deles estivesse inconsciente.
Aceitando o inevitável, ele se aproximou de um sujeito de aparência
duvidosa que estava recebendo o dinheiro de todos.
— Vô querê uma libra no bonitão — disse ele, ao passo que o
sujeito o olhava surpreso.
— Prazê em recebê teu dinheiro, senhor. — O sujeito sorriu,
voltando sua atenção para a luta em que o marquês acabara de ser
derrubado no chão com um punho parecido com uma pata de porco
de tão grande.
— Oh, ele ainda num tá morto — observou Charlie, com um
sorriso sombrio, enquanto seu patrão se erguia e voltava para mais.
Com um suspiro resignado, ele encontrou uma posição privilegiada
e se acomodou para assistir ao restante.
***
— Bem, que belo olho roxo ocê arrumô, milorde — comentou
Charlie, sorrindo sombriamente enquanto cutucava a pele inchada
ao redor do olho de Edward.
Eddie afastou a mão dele com um tapa e sorriu de volta, o efeito
calmante da garrafa que acabara de terminar atenuando a pior parte
de seus ferimentos. Ah, ele certamente sentiria muita dor na manhã
seguinte, mas, por enquanto, ele se sentia bastante contente.
— Quer um também para combinar comigo, Charlie? —
perguntou para o valete, que parecia consternado, ouvindo suas
palavras se misturarem e ficarem confusas. Mas Charlie apenas fez
uma careta e balançou a cabeça.
— Não, agradeço, milorde, se num se importá.
— Então — respondeu Eddie, acenando com a garrafa vazia —,
faça o que lhe pago para fazer e me leve para casa — disse, com
toda a dignidade que um marquês bêbado poderia reunir.
— Oh — retrucou Charlie, tentando encaixar seu ombro sob o
braço do seu empregador, que era bem maior. — É pra isso que me
paga? E eu aqui pensano que era seu valete.
Eddie bufou e quase derrubou Charlie consigo quando o homem
menor cambaleou sob seu peso. — Botas brilhantes — disse ele,
balançando a cabeça e parando enquanto Charlie o olhava confuso.
— Se você quer realmente ser um valete, precisa descobrir o
segredo das botas brilhantes.
Charlie franziu a testa para ele e tentou impedi-lo de se sentar
abruptamente novamente. — Suas bota tá brilhante! — protestou
ele, parecendo ofendido. — Pelo menos tavam antes disso
acontecê.
— Não. — Eddie balançou a cabeça solenemente e apontou um
dedo instável na direção geral de Charlie. — Você vai ver. Duque de
Ware, olhe para as botas dele quando ele chegar. Dá para ver o seu
reflexo nelas, você vai ver.
Com um som de desaprovação, Charlie conseguiu fazê-lo
caminhar e sair em direção ao ar fresco.
— Quanto você ganhou? — indagou Edward, recebendo um
sorriso do homem miúdo e esguio que estava lutando para sustentá-
lo em seus braços.
— O bastante pra valê a pena eu vir aqui e te tirá do fundo do
poço de novo, seu tolo — disse ele, sacudindo a cabeça.
Eddie sorriu, mas, então, o ar fresco pareceu de repente muito
fresco mesmo e ele não se sentia bem.
— Sorte que trouxe a carruagem — murmurou Charlie,
enquanto o marquês se apoiava na parede e vomitava. — E num sei
o que Lady Violette vai dizê quando te vê nesse estado. Mas acho
que ela vai ficá nervosa quando notá esse olho roxo.
Edward parou brevemente para fulminar o seu valete com o
olhar antes de voltar sua atenção novamente para o chão.
***
— Edward Greyston! — exclamou Violette, quando finalmente o
encontrou depois de uma busca intensa no dia seguinte à tarde. —
Como pôde fazer isso?
— Vá embora, Violette — disse ele com uma careta. As batidas
em sua cabeça pareciam pulsar junto com as dores em seu olho e
em vários outros cortes e contusões, e ele não estava sentindo
nenhuma daquela agradável satisfação que experienciara na noite
anterior.
— Você consegue imaginar o escândalo se souberem que o
Marquês de Winterbourne estava brigando como... como um
bandido qualquer em uma taverna barata? Consegue?
Em sua agitação, a voz de sua irmã havia aumentado a um
volume que parecia perfurar sua pobre cabeça abusada como um
bisturi, e ele segurou a cabeça.
— Vá. Embora. Violette.
— Não vou! — retrucou ela, andando de um lado para o outro
no cômodo, furiosa. Edward sentou-se à sua escrivaninha e apoiou
as mãos na cabeça, perguntando-se vagamente por que nunca
havia notado antes o quão barulhentas eram as saias das mulheres.
O som estridente estava fazendo com que ele se sentisse bastante
enjoado. Embora, pensando bem, ele já se sentisse assim antes de
ela entrar. — Temos pessoas chegando em menos de quinze dias
e... e olhe para você! — disse ela com nojo.
Edward cerrou os dentes. Era verdade que o olho roxo era
impressionante, somado aos arranhões em sua mandíbula e ao fato
de que seus nós dos dedos pareciam ter sido golpeados por um
martelo... Bem, sorte sua que ela não pudesse ver o resto dele.
— Já vai ter sumido até lá — murmurou ele, sabendo que ainda
teria que enfrentar Lady Russell e o maldito marido de Violette antes
disso. Ele não podia evitá-los por todo o período antes da chegada
dos convidados. Poderia? A vaga esperança foi arruinada quando
Violette se aproximou de sua escrivaninha e bateu a mão sobre ela
de forma completamente vingativa.
Ele fechou os olhos para resistir à dor em sua cabeça.
— Bem, se você acha que vai sair novamente esta noite para
beber até perder os sentidos e acabar se matando, está muito
enganado. Espero te ver no jantar, com olho roxo e tudo.
Um silêncio sepulcral se instaurou.
— Como você se atreve?! — As palavras explodiram de algum
lugar profundo, sombrio e feio dentro dele, e ele não conseguia
pará-las. Violette arquejou e deu um passo para trás. — Como você
se atreve a falar comigo dessa forma? Eu sou o maldito marquês,
esta é a minha casa, e você está aqui por meu convite. — Ele se
levantou, erguendo-se em toda a sua estatura ao sair de trás da
escrivaninha. Havia um medo real nos olhos de sua irmã agora, e
ele sentiu um surto de prazer ao ver isso. Ele avançou na direção
dela, enquanto ela recuava pela força de sua raiva. — Você não tem
direito de dizer sobre como ou onde eu escolho viver minha vida;
isso não é da sua conta! Eu te dei a maldita festa, então, pelo
menos, pode me deixar em paz. Agora, saia já daqui!
Por um momento, ela ficou parada, encarando-o com desafio,
embora seus olhos parecessem muito brilhantes, e ele se perguntou
se ela iria chorar.
— Se você não gosta que eu esteja aqui e me preocupe com
você, pergunto-me por que concordou com isso tudo — disse ela, as
palavras tremendo um pouco, e agora ele pôde ver a decepção em
seus olhos.
— Eu também! — retrucou para ela, querendo ver as palavras
atingirem-na, querendo ver a dor em seus olhos.
Ele não ficou desapontado.
Ela se virou e fugiu, batendo a porta atrás dela.
Ele encarou o lugar onde ela tinha estava em pé enquanto a
raiva esvaziava dele tão rapidamente quanto havia chegado.
Meu Deus.
A autoaversão substituiu a raiva e invadiu sua alma,
preenchendo todos os cantos de seu coração. Pobre Violette. Como
ele pôde falar assim com ela?
A incompreensão o inundou quando ele tropeçou de volta para
sua escrivaninha. Violette era a única família que ainda se importava
com ele, e ele provavelmente acabara de dizer palavras que a
fariam odiá-lo.
Ele realmente não entendia o que acontecia quando sua raiva
se elevava. Era como se ele estivesse se afastando e deixando
algum demônio vil tomar conta. O pior de tudo era que, enquanto
isso acontecia, ele gostava, gostava da violência de sua raiva, da
maneira como as pessoas se encolhiam de medo dele. Sentia-se
poderoso. Sentia-se no controle. Mas, na verdade, era exatamente o
oposto.
Edward levou as mãos à cabeça. Isso tinha sido um terrível erro.
Ele não era adequado para a sociedade, e logo isso ficaria mais do
que claro. Ele teria que manter um controle rigoroso sobre si mesmo
até que esse tormento acabasse. Nada de beber. Nada de brigas.
Além disso, ele teria que evitar ao máximo interações com os
convidados. Era melhor que eles pensassem que ele era mal-
humorado e sombrio do que pensar que ele estava totalmente
desequilibrado e que perdera o juízo, como muitos Greystons antes
dele, mas ele estava terrivelmente temeroso de que isso pudesse
ser verdade. Havia uma leve pitada de insanidade na família que
não podia ser negada, e seu primo Gabriel era um exemplo que ele
bem poderia acreditar que sofria com essa aflição. Ele só podia
rezar para que isso não fosse o começo de seu próprio deslize rumo
à loucura, e que, de alguma forma, ele pudesse se curar e lembrar
quem fora um dia.
Capítulo 4

“No qual os convidados chegam, e Longwold está fervilhando com


atividades.”

6 de dezembro de 1817
Dia de São Nicolau

Violette olhou para o pacote lindamente embrulhado e sentiu seu


coração disparar. Quando ela olhou para cima, viu o irmão olhando
para ela com aquele olhar inquieto e vigilante que ele tinha
ultimamente. Era como se ele se considerasse um monstro, alguém
não apto a viver em sociedade, como se estivesse esperando que
eles o expulsassem quando descobrissem isso.
Naquele dia terrível na biblioteca dele, ela podia ter acreditado
que isso era verdade. Ela temia que as histórias da mancha em seu
sangue não fossem apenas fofocas maliciosas e calúnias, como ela
sempre acreditou. Havia um olhar transtornado em seus olhos e
tamanha... raiva. Isso realmente a assustou.
Mas, agora, no dia de São Nicolau, o tradicional dia de
presentear alguém, ele tinha-lhe dado um presente e ela sabia que
essa era a única maneira que ele tinha de se redimir.
Até agora, houve muitos visitantes. Dos mais pobres das
redondezas oferecendo qualquer coisa, desde uma canção a figuras
de palha, ou cestos de maçãs. Velas de Natal também foram
oferecidas, juntamente com alguns doces finos daqueles
comerciantes que dependiam mais fortemente do patrocínio de
Lorde Winterbourne. Mas, agora, eles se reuniram para dar seus
próprios presentes, e Edward esperou até o fim para entregá-los nas
mãos dela.
— Obrigada, Eddie — disse ela com a voz suave.
— Mas você ainda não abriu — respondeu ele, parecendo
estranho.
Ela olhou para Aubrey, que estava observando seu irmão com
uma expressão cautelosa e desconfiada. Quando ele viu Violette
depois daquela terrível briga, estava prestes a explodir de raiva, e
foi o máximo que ela pôde fazer para persuadi-lo a não o desafiar
para um duelo. Eles tiveram uma discussão, ela sabia disso, embora
Aubrey tenha afirmado que o marquês tinha dito pouco em sua
própria defesa. No entanto, isso não ajudou a abrandar a
animosidade entre as duas pessoas que ela mais amava no mundo.
Esse pensamento a deixava triste.
Desde então, eles mal tinham visto Edward, e ela tinha
vergonha de admitir que todos ficavam muito mais relaxados
quando ele não estava por perto.
Violette deu uma puxão na fita roxa de seda e retirou o papel,
revelando uma caixa de joias feita de couro. Abrindo o pequeno
fecho, ela deu um suspiro quando um conjunto familiar de brincos
de esmeralda e um colar deslumbrante reluziram diante dela.
— Eddie! — exclamou ela.
— Eles eram de nossa mãe — disse ele, afastando-se um
pouco para ficar perto do fogo. — Eu sei que ela pretendia que você
os tivesse, então...
Ele deu de ombros, parecendo mais estranho do que nunca. Era
como se ele não se reconhecesse mais, ela pensou com uma onda
de pena. Havia também ressentimento em relação à guerra que
havia tirado a vida do irmão que ela conhecia e adorava, trazendo,
em seu lugar, para sua vida esse homem irado e incerto.
Ela se levantou e estendeu a mão, beijando o irmão na
bochecha.
— Obrigada, Eddie, você me deixou muito feliz.
Ela apertou sua mão e viu o alívio em seus olhos. Eles mal
tinham se falado desde aquela terrível discussão, e ela sabia que
isso era o seu pedido de desculpas. Ela descobriu que estava
bastante disposta a aceitar esse pedido de desculpas.
— Certo — disse ela, seu tom um pouco excessivamente
animado para ser natural. — Os convidados chegarão em breve,
então... acho melhor prepararmo-nos.
***
Belinda olhou para o outro lado da carruagem e desejou de todo
o coração que houvesse mais alguém no mundo além de tia Grimble
que pudesse acompanhá-las. Se a sua própria falta de dote não era
obstáculo suficiente para ultrapassar, a criatura mesquinha e vulgar
à sua frente era o maior. Certamente, elas assustariam qualquer
cavalheiro adequado, a menos que ele estivesse perdidamente
apaixonado.
A ideia de qualquer homem se sentir tão perdidamente
apaixonado por ela era tão improvável que Belle teve que sufocar
uma risadinha e cobrir a boca com a mão. Poderia acontecer com
Crecy, é claro; ela poderia inspirar tamanha devoção e paixão com
um simples levantar de sua elegante sobrancelha loira, desde que
mantivesse a boca fechada.
Oh, céus, elas estavam perdidas.
Tais pensamentos sombrios se esvaíram, no entanto, quando as
duas tiveram o primeiro vislumbre de Longwold.
— Minha nossa! — exclamou Belle, à medida que a vasta
construção aparecia à vista. — Olha só para isso!
Crecy tinha estado pulando de animação em seu assento
durante toda a viagem, o que não era do seu feitio, mas a
possibilidade de ver Longwold parecia ter despertado algo na jovem.
Ela estava muita entusiasmada com a possibilidade de ver e
explorar o edifício, embora Belle soubesse muito bem que ela
estava sentindo apreensão em relação à festa.
— Como é impressionante! — concordou Crecy, quando o
enorme e extenso castelo apareceu, iluminado por um fraco sol da
manhã de inverno que brilhava sobre o campo tingido de gelo. —
Pergunto-me quantos fantasmas existem dentro dele...
— Pergunto-me quanto vale um homem como o marquês... —
refletiu tia Grimble, com seus avarentos olhinhos escuros brilhando.
Belle se assustou com as palavras vulgares de sua tia. Ah, meu
Deus, por favor, não deixe que ela tenha noções tolas sobre Lorde
Winterbourne, ela orou enquanto olhava para sua tia com nojo. A
mulher estava perdida demais em quaisquer devaneios cobiçosos
que não percebeu as duas expressões de repulsa que se
manifestaram diante dela, mas Belle e Crecy trocaram um olhar
horrorizado. Que os céus as ajudassem.
Elas foram levadas para dentro por um mordomo assustador e
mais lacaios do que Belle já tinha visto em lugar algum em sua vida.
Ao olhar para Crecy, ela soube que sua irmã estava se sentindo,
assim como ela, um peixe fora d'água, e elas ficaram juntas para
juntar um pouco de coragem. Ela descobriu que nunca se sentira
tão aliviada ao ver um rosto familiar quanto quando Lady Russell
apareceu com a anfitriã, a irmã do marquês.
— Vejo só, Violette — disse Lady Russell, sorrindo para Belle
com grande afeto. — Esta é a senhorita Belinda Holbrook, a jovem
de quem falei, e esta encantadora criatura deve ser sua irmã?
— Sim, Lady Russell, esta é Lucretia e a minha tia, a senhora
Grimble.
Os olhos astutos de Lady Russell observaram atentamente sua
tia, e Belle corou ao sentir que Lady Russell sabia exatamente que
tipo de mulher ela era. Esforçando-se para desviar a atenção da
elegante senhora mais velha de sua tia, Belle chamou Crecy para a
frente, que sorriu para Violette, parecendo um pouco menos
assustada com a saudação espontânea da jovem.
— Estamos tão felizes que vocês possam se juntar a nós —
disse Violette, apertando a mão de Belle. — Espero que perdoe o
meu irmão, o marquês, por não estar aqui. Ele está... está muito
ocupado, m-mas estará no jantar esta noite, é claro. — Ela deu um
sorriso ligeiramente ansioso e se aproximou. — Para ser sincera,
não tenho frequentado muito a sociedade, também não conheço
metade das pessoas aqui, mas a querida Seymour garante que nos
daremos bem, por isso, não tenho nada a temer, não é mesmo?
— Bem, não por nossa causa, espero — respondeu Belle, rindo
e se sentindo encantada com a adorável jovem. Observar ela e
Crecy juntas, duas beldades loiras criando uma representação
perfeitamente deslumbrante, fez com que ela percebesse que suas
chances de encontrar um marido ali eram mínimas. Nenhum homem
em sã consciência a notaria. No entanto, ela ficou comovida com a
saudação genuinamente calorosa delas e estava determinada a
aproveitar ao máximo as oportunidades que surgissem em seu
caminho.
***
— Caramba! — exclamou Belle, uma vez que foram deixadas
sozinhas, e Crecy deu um grito de prazer e saltou em direção à
enorme cama de dossel, esticando-se como uma estrela-do-mar
encalhada.
— É grande o suficiente para quatro! — exclamou Crecy,
encantada.
Embora um pouco escandalizada, Belle só conseguia rir e
concordar. Ambas compartilhavam um quarto escuro em casa com
estreitas camas de solteiro. Este quarto, por sua vez, era muito mais
luxuoso do que poderiam imaginar, e pensar que os melhores
quartos foram reservados para os hóspedes mais importantes!
Parecia impossível.
— Eu sinto que estou em um conto de fadas — disse ela,
tentando absorver todos os detalhes para nunca os esquecer.
— Bem, vamos torcer para que seja aquele em que o belo
príncipe te arrebata — disse Crecy, rindo enquanto jogava o bonnet
de lado.
— Eu tenho minhas dúvidas — respondeu Belle, dirigindo-se
para olhar pela janela e exclamando mais uma vez ao ver os belos
jardins que as cercavam. — E eu me contentaria com um sujeito
gentil com uma renda satisfatória. Mas penso que poderia ter todos
os homens aqui aos seus pés, se você assim o quisesse.
Ela olhou ao redor e viu sua irmã se virar de bruços, com a mão
apoiada no queixo, os pés levantados atrás dela e uma carranca em
seu lindo rosto. — Um belo príncipe? Não, obrigada! — respondeu
ela, asperamente. — Prefiro me casar com um dragão.
— Oh, querida — disse Belle com um suspiro, e consolou-se
olhando pela janela novamente.
***
— Crecy, você está uma gracinha! — disse Belle dando um
suspiro enquanto sua irmã caía de volta na cama com um gemido.
— Oh, não, não se atreva! — repreendeu, agarrando os pulsos de
Crecy e puxando-a de pé. — Não se atreva a amassá-lo! — Crecy
murmurou e fez uma careta, e Belle balançou a cabeça. — Oh,
querida, por favor, faça um esforço esta noite. Você me prometeu.
Com um bufo deselegante, Crecy lançou-lhe um último olhar de
desprezo e, então, começou a mover-se pelo cômodo, imitando a
maneira simplória que muitas senhoritas pareciam adotar quando
solteiros elegíveis estavam presentes.
— Oh, Vossa Graça — disse ela, de maneira estridente, fazendo
uma reverência e virando o rosto de maneira tímida. — Como você
é safado em dizer essas coisas, e eu, uma criada inocente!
Ela deu uma piscadela para Belle e deu-lhe um beijo.
— Sapequinha — respondeu Belle com diversão, embora
interiormente estivesse tremendo. Lucretia parecia um sonho, mas,
se ela dissesse algo ultrajante, ficariam em apuros. Ela rezou para
que ninguém notasse que seu próprio vestido havia sido decorado
com restos de um vestido antigo que ela havia encontrado mofando
no sótão. Esse cheiro era de mofo? Oh, certamente que não!
Além disso, havia tia Grimble.
Belle correu para borrifar um pouco de perfume e rezou para
que a fragrância de Lírio do Vale conseguisse ocultar qualquer odor
desagradável. Ela se perguntou se poderia alegar dor de cabeça...
Uma noite a sós com um bom livro num cômodo como esse parecia
um paraíso. Mas, então, ela deixaria Crecy à mercê da tia Grimble
e... nem pensar!
— O que está te preocupando, Belle? — indagou Crecy.
— Você consegue sentir o cheiro de mofo? — perguntou ela,
sentindo-se em pânico de repente.
Crecy fez uma careta e franziu o nariz, aproximando-se para
cheirar a irmã antes de começar a rir. — Claro que não, sua boba!
Qual é o problema? Você parece... na verdade, Belle, você está
mesmo muito bonita.
— Oh! — respondeu Belle, bastante surpresa com o elogio. Na
verdade, raramente Crecy notava tais coisas, pois se ela
menosprezasse sua própria aparência, certamente não tinha
interesse na de mais ninguém. — Obrigada.
Crecy assentiu e elas se moveram em direção à porta quando
tia Grimble entrou sem bater.
Ela era uma visão e tanto.
Uma mulher baixa e robusta, com uma mandíbula quadrada e
olhos pequenos e brilhantes impressionava em toda a sua
elegância. Infelizmente, não era uma imagem com a qual qualquer
uma delas queria estar associada.
Cachos cinzentos balançavam em torno de seu rosto bastante
masculino em um estilo que poderia parecer próprio de uma menina
em uma mulher quarenta anos mais jovem ou com uma
personalidade mais doce. Para ela, parecia simplesmente ridículo.
— Ora, ora, meninas — disse ela, enquanto as sobrinhas a
olhavam boquiabertas, atônitas demais para reagir. — Este é um dia
muito importante para vocês e é melhor não estragarem todo o meu
trabalho duro e planejamento.
Belle arrancou os olhos do vestido roxo estupendamente vulgar
que sua tia estava usando, piscando com espanto diante de suas
palavras. Trabalho duro e planejamento? Até parece! A criatura
indolente não levantou um dedo para ajudá-las a preparar tudo o
que precisavam; foi Belle quem garantiu o convite e as escassas
economias de Belle que foram usadas com moderação para
comprar as coisas que mais desesperadamente precisavam para a
temporada. Crecy acreditava que as suas economias tinham sido
igualmente tocadas, embora, na verdade, Belle tivesse coberto a
maior parte dos custos sozinha.
E, agora, era perfeitamente óbvio que a criatura odiosa tinha
gastado uma pequena fortuna em seu próprio guarda-roupa. Essa
monstruosidade era de arminho? Isso causou repugnância a todos
os seus sentidos. No entanto, embora o vestido violeta fosse vulgar
e de mau gosto, era claramente novo e devia ter custado um bom
dinheiro. Belle fervia de fúria e teve que apertar a mandíbula para
manter a língua entre os dentes.
Sua tia se aproximou e Belle foi atacada pelo forte cheiro de
âmbar cinza. Crecy espirrou.
— Hmmm — refletiu tia Grimble, lançando um olhar desdenhoso
sobre o traje de Belle antes de voltar sua atenção para Crecy. Ela
inspecionou o lindo vestido de crepe branco de Crecy sobre um
corpete hiberniano com saia verde azevinho e cetim e deu um
muxoxo de aborrecimento. Para espanto e horror de Belle, a mulher
terrível estendeu a mão para o decote e deu um puxão brusco para
expor um pouco mais do decote branco feito leite de Crecy.
Crecy deu um grito de fúria e deu um tapa na mão da mulher, e
antes que Belle pudesse reunir suas forças o suficiente para
expressar sua raiva, tia Grimble se levantou, mal alcançando os
ombros de Belle, e apontou o dedo na direção delas.
— Agora, escutem bem, seus tolinhas. Seguindo o que lhes
ordeno vocês vão se sair bem, se quiserem seriamente arranjar um
marido. É mais fácil conseguir conquistar um bom partido adoçando
sua boca, e não adianta esconder o jogo. Deixe-os verem seus
dotes e depois veremos o que podemos fazer com vocês.
Essa pequena pregação foi tão chocante para ambas as irmãs,
mesmo elas tendo-se habituado a ouvir conselhos tão indelicados
oferecidos anteriormente, que fez com que elas ficassem
atordoadas e em silêncio. Presumindo que seu conselho já tivesse
sido compreendido, sua tia rumou até a porta como uma pequena
embarcação roxa.
Belle e Crecy não puderam fazer nada além de trocar olhares de
desespero mudo e segui-la.
Capítulo 5

“No qual desafios são enfrentados por todos.”

— Senhorita Holbrook.
Belle olhou para cima e descobriu com alívio que Lady Russell
estava se aproximando delas mais uma vez. Elas já haviam
passado pela experiência mortificante de ver sua tia tentando se
insinuar em uma conversa entre a Duquesa de Sindalton e a
Condessa de Falmouth. Elas só podiam considerar-se abençoadas
porque as mulheres eram bem-humoradas o suficiente para não lhe
darem uma dura, mas certamente se afastaram o mais rápido
possível.
— Lady Russell — respondeu Belle, com um sorriso.
— Ora, ora. — A velha senhora olhou para elas com um ar
crítico, mas como a mulher estava tão elegantemente vestida, Belle
só esperava que ela não fosse considerada inadequada. —
Perfeitamente encantadora — disse ela finalmente, com um aceno
satisfeito. — Você deve sempre usar azul, senhorita Holbrook, isso
realça a cor dos seus olhos. — Ela se virou para Crecy e sorriu. —
Bem, não posso dizer mais nada sobre esta aqui. Ela fará com que
todos os jovens se comportem de maneira ridícula, tenho certeza. —
Ela inclinou a cabeça, observando Crecy, que olhou para Belle com
um leve rubor nas bochechas. — Olhos cinzentos também. Muito
incomum, nunca vi uma beldade com olhos cinzentos antes. Embora
também haja um toque de violeta aí, penso eu. Muito raro, de fato.
Meus olhos são cinzentos, mas nunca fui um diamante de primeira
linha, embora não tenham faltado admiradores, posso lhe assegurar
— disse ela com um sorriso. Ela olhou de volta para Crecy, no
entanto, obviamente intrigada. — Muito fora do comum, não é,
mocinha? — disse, com um aceno de aprovação.
Belle deu uma cotovelada em Crecy antes que ela pudesse
proferir qualquer comentário que estava prestes a soltar. Sua irmã
lançou-lhe um olhar culpado e apertou a boca mais uma vez.
— Venham — disse Lady Russell, acenando com a bengala
para elas. — Você não — disse à tia delas, a qual ficou boquiaberta,
horrorizada e sem palavras, olhando-a com um semblante com um
tom alarmante de vermelho. A cor destoava violentamente de seu
vestido roxo, e Belle e Crecy tiveram que sair correndo, sufocando
murmúrios de choque que ameaçavam se tornar risos histéricos. Em
vez disso, contentaram-se com a partilha de olhares arregalados de
prazer.
Lady Russell flagrou o divertimento delas e deu uma
gargalhada. — Bem, há uma vantagem de ser velha e rabugenta —
disse ela, com um sorriso fino. — Eu posso dizer o que eu gosto e
contrariar quem eu quiser, dá no mesmo para mim. Muito bem...
deixe-me apresentá-las a algumas das pessoas que vocês devem
conhecer. — Com isso, ela saiu, usando sua bengala para abrir
caminho entre os convidados, sem se importar com a segurança
dos tornozelos das pessoas. — Falmouth! — gritou para um homem
alto, de aparência severa, com uma boca cruel e olhos cinzentos
frios, muito parecidos com os de Lady Russell.
— Oh, nossa, esse aí é bonito — sussurrou Crecy em seu
ouvido, enquanto Belle olhava-a com espanto. Ele podia ser bonito,
mas também parecia perverso como o pecado e muito intimidador.
Como um salteador, ou... ou um pirata. Repreendendo-se por deixar
sua imaginação correr solta, ela respirou fundo e fez uma reverência
quando Lady Russell os apresentou.
— Falmouth, Céleste, aqui está a senhorita Holbrook, como
prometido, e sua irmã, a senhorita Lucretia. — Ela se virou para elas
e sorriu, seu orgulho perfeitamente óbvio. — Este é meu sobrinho e
sua esposa, os Conde e Condessa de Falmouth.
O conde e sua esposa eram perfeitamente encantadores e
ficaram conversando com elas por dez minutos inteiros antes que
Lady Russell as conduzisse adiante mais uma vez. O belo e sombrio
Duque de Sindalton e sua duquesa foram apresentados de forma
semelhante, e Belle ficou lisonjeada e encantada com a duquesa,
com quem era muito mais fácil de falar do que Belle jamais teria
imaginado.
Mais uma vez, elas foram abordadas e falaram apenas
brevemente com o Duque de Ware e sua esposa.
Belle não conseguia evitar gaguejar na presença desse Adônis
dourado, pois pensava que nunca tinha visto um homem tão bonito
em sua vida. Sua esposa diminuta, no entanto, era bonita e doce,
em vez de uma beldade, fazendo-a ter alguma esperança de que
sua própria situação não fosse tão impossível assim. A forma como
o duque olhava para a sua duquesa não deixava ninguém em
dúvida de que se tratava de um casamento por amor. A pobre
duquesa estava bastante pálida, porém, e eles se desculparam
enquanto o duque a guiava para fora do cômodo, com a
preocupação em seu rosto muito evidente.
— Ela está grávida — sussurrou Lady Russell para Belle, que
corou um pouco com sua maneira franca de falar. — Gêmeos,
dizem. Está em excelente forma, mas penso que a viagem até aqui
deixou-a esgotada, pobrezinha. Mas vai gostar dela. Linda moça,
sem arrogância alguma. Sem frescuras, diferentemente de algumas
por aí.
Belle se aproximou quando Lady Russell acenou para ela e
baixou a voz para sussurrar. — Cuidado com essas aí — disse ela,
acenando para uma garota de aparência simples e uma loira
platinada de talvez vinte anos. A loira tinha um nariz arrebitado e
uma expressão entediada que sugeria que esse evento era
perfeitamente normal, e cruzar com duques e duquesas era algo
rotineiro. — A loira que parece estar sentindo um mau cheiro
debaixo do seu belo nariz é Lady Isabella Scranford. Uma solteirona
rancorosa cheia de maledicência e com as garras de fora, e sua
amiga tímida é a senhorita Alice Cranton. Ela é bastante inofensiva,
mas tome cuidado com o que você diz na frente dela, ela vai fofocar
tudo para Isabella.
Belle assistiu fascinada quando Lady Scranford avistou Crecy, e
quase se engasgou com a bebida que estava tomando. Essa não,
alguém estava visivelmente descontente. Belle olhou para Lady
Russell, que lhe deu um sorriso apertado. — Oh, ela não ficará
satisfeita com a senhorita Lucretia roubando a cena dela, posso lhe
dizer. Tomem cuidado. A pobre Violette não queria convidá-los, mas
os Scranfords são uma família antiga e distinta na região, e teria
sido uma negligência terrível.
— Você foi muito gentil, Lady Russell — disse Belle com
sinceridade genuína. — Não sei como iremos agradecer você por
nos guiar... e por nos apresentar a tantas pessoas distintas. Estou...
estou mesmo sem palavras.
— Bobagem — disse a velha com um bufo. — Agora que o meu
neto está bem estabelecido, posso divertir-me ajudando aqueles
poucos que assim o merecem. Penso que você e a sua irmã
merecem, e com aquela sua terrível tia, francamente, minha
querida, você precisa de toda a ajuda que conseguir. Não se importa
que eu diga isso, espero?
— Oh, não — respondeu Belle, sentindo-se terrivelmente
perversa e divertindo-se bastante. — Embora seja horrível da minha
parte, eu sei, mas não me importo nem um pouco.
***
O jantar foi luxuoso. Belle e Crecy trocaram olhares através da
mesa que estava verdadeiramente incandescente com o brilho
deslumbrante dos talheres e cristais. A refeição em si era suntuosa
e bastante desconcertante. Belle sentiu-se tão oprimida que comeu
pouco da vasta gama de pratos que lhe era apresentada, embora
cada um deles lhe desse água na boca.
— Bastante assustador, não é? — disse uma voz suave ao lado
dela.
Belle virou-se para ver um jovem bastante magro, de óculos e
de aparência séria ao seu lado. Lady Russell tinha-o apontado como
Lorde Percy Nibley e lhe informado, em voz baixa, que ele era muito
rico, à procura de uma esposa, e um jovem bastante gentil e tímido.
Ela também a informou para, sob nenhuma circunstância, entrar no
assunto da geologia se não quisesse ser envolvida em uma
conversa tediosa.
— Certamente que sim — admitiu Belle, dando ao homem um
sorriso caloroso. Ela pensou que talvez ele estivesse na casa dos
trinta e poucos anos, com cabelos castanhos e olhos que eram
realmente gentis e um pouco ansiosos por trás de seus óculos. —
Receio que este seja o jantar mais grandioso que já assisti — disse
ela, perguntando-se se ao reconhecer seu próprio desconforto,
conseguiria deixá-lo mais à vontade.
— Pelo menos — disse Lorde Nibley, e Belle ficou satisfeita ao
ver que ele parecia um pouco mais seguro de si. —, não há
ninguém muito aterrorizante aqui — disse ele, embora tenha
lançado um olhar duvidoso para Lady Scranford. — Bem, pelo
menos Sindalton e Ware são excelentes sujeitos, nenhum deles é
arrogante.
— Você conhece os dois duques? — retrucou ela,
impressionada.
— Ah, sim — disse ele, com orgulho silencioso. — Eu estive em
Eton com os dois. Eles ainda são os melhores amigos e excelentes
sujeitos.
Belle assentiu, intrigada que alguém tão tímido e acadêmico
mantivesse uma companhia tão glamourosa. — E quanto ao nosso
anfitrião? — perguntou ela, olhando por cima da enorme mesa para
a figura silenciosa e carrancuda do marquês. Ela não o viu
pronunciar uma palavra sequer a noite toda e se perguntou como
sua adorável e vivaz irmã poderia ter um homem tão taciturno como
irmão.
— Ah — disse Nibley, com os olhos bastante tristes. — O
homem passou por maus bocados na guerra — disse, com sua voz
baixa. — Ele nunca mais foi o mesmo. — Ele balançou a cabeça e
seguiu seu olhar de volta para o marquês. — Uma pena. Você
nunca acreditaria que se trata da mesma pessoa. Ele sempre foi um
sujeito tão alegre, cheio de animação e jovialidade. Não acho que
ele se lembre como sorrir hoje em dia.
— Que terrível. Pobre homem — disse Belle, olhando para a
figura imponente e devastadoramente bonita na cabeceira da mesa,
e sentindo seu coração apertar de compaixão.
Lorde Nibley assentiu. — Pelo menos ele voltou para casa —
disse ele, com o rosto tão triste que ela sabia que ele devia ter
perdido alguém. — Meu primo — respondeu ele à sua pergunta não
dita. — Um sujeito maravilhoso, um dos meus amigos mais
próximos também.
— Eu realmente sinto muito. — Instintivamente, Belle colocou a
mão em seu braço e Lorde Nibley corou, embora não tivesse
certeza se era por constrangimento ou por sentir prazer com o
toque.
— Obrigado — disse ele, com a voz baixa, mas, nesse
momento, ele parecia estranho. — Perdoe-me, eu não deveria
discutir essas coisas na mesa de jantar. Espero não ter lhe
aborrecido.
— Claro que não! — exclamou Belle, tirando a mão e ficando
corada quando ela captou uma expressão de aprovação no rosto de
sua tia. Oh, Deus! A última coisa que ela precisava era que todos
pensassem que ela estava tentando conquistar o homem em sua
primeira noite! Que mortificante.
No entanto, quando ela voltou para continuar a conversa, notou
que Lorde Nibley estava olhando com óbvia admiração para a
adorável Duquesa de Sindalton. Não que ela pudesse culpá-lo.
Trajada com um vestido âmbar-escuro, o cabelo ruivo da mulher
brilhava à luz de velas e ela parecia ter sido mergulhada em cobre.
Belle suspirou interiormente. Se ela não conseguia nem mesmo
manter a atenção de Nibley, tinha pouca esperança de conquistar
qualquer um dos outros jovens bonitos aqui nos próximos dias.
Ela lançou um olhar através da mesa para sua irmã e encontrou
a pobre Crecy parecendo um filé de cordeiro cercado por uma
matilha de cães famintos. Bem, pelo menos ser ignorada era um
problema de que a sua irmã nunca sofreria, pensou com desgosto.
Embora ela não duvidasse por um momento sequer que Crecy
trocaria de lugar com ela num piscar de olhos.
***
Violette observou, com alívio, os homens voltarem para a sala
de estar após degustarem de um vinho do Porto e alcançou a mão
de Aubrey enquanto abria espaço para ele se sentar.
— Oh, Aubrey, estou começando a pensar que nunca deveria ter
sugerido isso — disse ela em tom baixo. — Eddie mal abriu a boca,
não consigo imaginar o que as pessoas devem pensar dele, e
aquela terrível Lady Scranford foi odiosa com o pobre Lorde Nibley,
sem falar nos comentários desagradáveis que ela fez sobre as
senhoritas Holbrook.
Ela lançou a Aubrey um olhar suplicante e sentiu que relaxou
um pouco quando ele apenas respondeu com um sorriso tranquilo e
apertou os seus dedos.
— Calma, calma, querida — disse ele, com a voz reconfortante.
— Lady Scranford está simplesmente com ciúmes da senhorita
Lucretia. Qualquer pessoa com um pingo de inteligência consegue
enxergar através da fachada superficial dela. Tenho certeza de que
Nibley consegue, o sujeito tem um cérebro do tamanho da
Inglaterra, afinal de contas. Não consigo imaginar que ele se
importaria, sinceramente. Quanto a seu irmão... — Ele ficou em
silêncio por um momento, olhando para a figura grande e intimidante
que estava perto da lareira. Sua expressão era sombria e tensa e
era usada com o propósito expresso de assustar qualquer um que
ousasse pensar em falar com ele. — Acho que isso lhe fará bem —
continuou Aubrey longamente. — Ele é um diabo miserável, não é?
Tenho de confessar que sinto raiva dele desde que nos conhecemos
pelo que ele fez você passar, mas...
— Mas? — provocou-lhe Violette, quando ele ficou em silêncio
novamente. Ela se inclinou para a frente e empurrou uma mecha
teimosa de cabelo castanho-avermelhado da testa do marido e
sentiu uma onda de contentamento por ter feito uma escolha tão
sábia em se casar com ele.
— Mas agora só posso ter pena dele — disse Aubrey, com um
sorriso triste. — Ele está obviamente desolado e zangado, embora
eu não ache que ele saiba por que ou com o que exatamente.
Violette assentiu, sentindo que Aubrey estava certo, mas isso
não os ajudaria nos próximos dias de festa naquela casa.
— Sim, tenho certeza de que você está certo de que isso lhe
fará bem — disse ela, com um sorriso incerto. — Mas o que diabos
isso fará com nossos convidados? — indagou.
Aubrey deu de ombros e levou a mão dela até os lábios para
beijar seus dedos. — Eu não faço ideia, querida, mas se ele colocar
Lady Scranford em seu devido lugar, duvido que alguém fique muito
preocupado com isso.
Violette segurou um riso e sentiu um desejo perverso de ver o
seu terrível irmão fazer exatamente isso.
— Eu gosto das senhoritas Holbrook — disse ela, observando
as duas irmãs tentando escapar da tentativa de sua tia de jogá-las
no caminho de um dos melhores amigos de Aubrey. Tommy era o
Conde de Stanthorpe, como a senhora Grimble, sem dúvida, tinha
descoberto. Para ser justo, o conde parecia perfeitamente satisfeito
em conversar com a senhorita Lucretia. Ficou claro, no entanto, que
a jovem não era a caçadora de fortuna que a sua tia era, pois, com
a ajuda da irmã, conseguiu fugir dos esforços da tia e iniciou uma
conversa com as gêmeas Bridgeford.
Essa era uma conexão vantajosa para elas, Violette pensou com
satisfação. As gêmeas eram jovens adoráveis de uma boa família
local com uma mãe sensata. Elas iriam se dar bem.
— Eu diria que Tommy está bastante impressionado com a
senhorita Lucretia — sussurrou Aubrey, com um tom seco. — Pelo
que parece, eu poderia dizer o mesmo de Ben, Owen e do Visconde
de Debdon.
Eles assistiram com diversão enquanto os quatro homens
encurralavam as quatro moças e, embora todos os cavalheiros se
esforçassem para serem corteses ao falar com todas elas, era
perfeitamente óbvio que a senhorita Lucretia era o alvo da vez. A
considerar pela pontada de aborrecimento nos olhos da menina,
Violette percebeu que ela não gostava nem um pouco de ser o
centro das atenções. A julgar pelo olhar de puro rancor que foi
direcionado à pobre garota por Lady Scranford, que estava sozinha
com sua amiga Alice, também era bastante óbvio que ela não
gostava que Crecy fosse o centro das atenções nem um pouco.
Havia um olhar de fúria decidida no rosto da garota, e Violette
prendeu a respiração enquanto Lady Scranford parecia tomar uma
decisão.
— Oh, meu Deus, não — disse Violette com um tom baixo. Ela
agarrou a mão de Aubrey com tanta força que ele deu um grito
abafado, e reavaliou seu desejo anterior de ver o irmão repreender a
garota.
— Isso deve ser interessante — disse Aubrey, com um sorriso,
enquanto seguia o olhar de Violette para ver até que ponto Lady
Scranford estava tentando envolver o marquês na conversa.
Eles assistiram com fascínio horrorizado como qualquer
estratégia de conversação que a jovem ousasse usar para se
aproximar dele fracassava e morria. O marquês olhou do alto de sua
posição imponente e pareceu fitar diretamente através da garota,
com sua expressão de desdém arrogante e fria o suficiente para
congelar as profundezas do inferno. Sem dizer uma única palavra,
ele se afastou, deixando Lady Scranford corada de mortificação.
— Vejo que ele é terrivelmente bom nisso, não é? — disse
Aubrey, com óbvia admiração. — Ouso dizer que Prinny não poderia
ter feito melhor.
— Oh, céus, Aubrey, não tem graça nenhuma — protestou
Violette, enquanto se levantava e tentava amenizar algum dano à
dignidade da jovem mulher.
Capítulo 6

“No qual Belinda toma uma decisão.”

— Ele é terrivelmente bonito, não é?


Belle seguiu o olhar das gêmeas Bridgeford enquanto
observavam o marquês fingir ignorar Lady Scranford. Foi Caro quem
falou, embora fosse difícil dizer, pois eram uma a cara da outra. Mas
os olhos azuis de Caro eram mais claros do que os de Dinah,
embora Belle tivesse certeza de que não seria capaz de dizer ao
certo, a menos que estivessem lado a lado.
— Não muito galante, no entanto — disse Dinah, com o rosto
bonito cheio de desaprovação. — Não quer dizer que Isabella não
merecesse.
— Oh, ela merecia isso e muito mais — insistiu Caro, parecendo
positivamente alegre. — O marquês realmente alegrou minha noite.
Acho ele maravilhoso.
Sua irmã gêmea deu um bufo de diversão que sugeriu que,
realmente, não discordava.
Belle observou a figura carrancuda enquanto ele encontrava
outro lugar solitário na sala, obviamente esperando que todos o
deixassem em paz. Ela sentiu uma onda de compaixão pelo homem
e se perguntou se ele realmente queria ser deixado sozinho, ou se
no fundo ele acreditava que não era uma companhia adequada. De
uma forma ou de outra, parecia uma maneira terrivelmente solitária
de se viver.
Ela desviou o olhar quando Lorde Nibley veio ficar ao seu lado.
Belle sorriu para o jovem magro e para o marido extremamente
galante de Violette, o senhor Russell.
— Está se divertindo, senhorita Holbrook? — perguntou o
senhor Russell. — Espero que esta casa aterrorizante não a tenha
deixado com medo. Devo dizer que me perdi três vezes desde o
café da manhã.
Belle riu, encontrando-se imediatamente à vontade na presença
do jovem encantador. — É bastante assustadora, tenho que admitir
— disse ela, tentando não notar sua terrível tia entrando em uma
conversa com a doce irmã de Lady Russell, Lady Dorothea e a
Condessa de Falmouth. — Mas eu memorizei a rota de volta ao
meu quarto e pretendo não ir muito longe sem um guia.
O senhor Russell deu uma risadinha. — Uma boa ideia, e uma
que eu deveria ter considerado. Imploro-lhe que se atenha a isso,
senhorita Holbrook, pois se não fosse pela intervenção fortuita de
um lacaio gentil, eu estaria tateando no escuro evitando fantasmas
até agora.
— Fantasmas?
Belle suspirou quando sua irmã interrompeu abruptamente a
conversa com Lorde Stanthorpe e se afastou dele.
— Existem mesmo fantasmas, senhor Russell? Sabia que devia
haver. — O lindo rosto de Crecy acendeu com interesse, seus olhos
cinzentos arregalados e cintilantes, e somente por um momento
Belle sentiu apenas uma pequena e indesejável pontada de inveja.
Oh, imagina atrair tanta atenção sem sequer tentar. Até o senhor
Russell, que estava obviamente apaixonado pela sua mulher,
parecia um pouco atordoado.
— Ah... sim, é verdade. De acordo com a minha esposa, há
muito poucos, alguns mais amigáveis do que outros.
Para o divertimento de Belle, o senhor Russell parecia bastante
preocupado com o fato, ao passo que a sua irmã parecia
positivamente extasiada.
— Oh, onde? Onde podemos encontrar os fantasmas, senhor
Russell? — perguntou ela, praticamente saltando no local enquanto
seus admiradores a observavam com uma mistura de fascínio e
medo.
— É... — O senhor Russell limpou a garganta e deu de ombros.
— Você teria que perguntar à minha esposa — disse, claramente se
perguntando por que alguém em sã consciência iria querer se
esforçar para encontrar um fantasma. — Admito que pretendia pedir
as informações, mas simplesmente para ter a certeza de que eu
posso evitá-los.
— Oh! — gritou Crecy. — Como você é covarde!
— Lucretia! — exclamou Belle horrorizada, enquanto Crecy
corava.
— Peço perdão, senhor Russell — disse Crecy
apressadamente, parecendo mortificada.
Felizmente, o encantador senhor Russell simplesmente riu. —
Não, a senhorita Lucretia tem o direito de dizer isso. Sou um ratinho
medroso no que diz respeito a fantasmas. Acho que não tenho
desejo algum de ver um.
— Oh! — disse Crecy, parecendo que achava isso totalmente
incompreensível. — Acho que seria esplêndido — disse ela com um
suspiro sonhador.
Como era de se esperar, houve então uma série de convites dos
cavalheiros que se ofereceram para dar à senhorita Lucretia um
passeio ao luar pelo castelo. Infelizmente, tia Grimble ouviu isso e
se aproximou deles, insinuando com uma chocante falta de decoro
que Lorde Stanthorpe seria um guia admirável. As implicações disso
eram claras para Belle, que corou de vergonha e raiva.
O amável senhor Stanthorpe gaguejou a aceitação, contanto
que Belle os acompanhasse. Belle rejeitou a ideia com uma firme
réplica de que a caça aos fantasmas não era um passatempo
adequado para uma jovem dama. Enviando à tia um olhar de puro
veneno, pelo qual ela sem dúvida pagaria, Belle livrou Crecy de
seus ardentes admiradores e a afastou para ter com ela uma
conversa severa. Crecy acusou Belle de ser extremamente
entediante quando uma das únicas razões pelas quais ela queria vir,
em primeiro lugar, era ver os fantasmas e ir atrás de alguém mais
divertido com quem conversar.
Belle soltou um suspiro frustrado e se assustou quando uma voz
grave falou atrás dela: — O fantasma de uma das governantas deve
vagar pela ala Oeste. Foi assassinada por um lacaio há algumas
centenas de anos. Poderia tranquilizar a senhorita Lucretia dizendo-
lhe que há toda a probabilidade de vê-la andar no seu próprio
quarto, se isso for do seu agrado.
Belle se virou alarmada, sem saber se ela estava mais
espantada com o fato de que o marquês tinha falado
voluntariamente com ela ou horrorizada com a ideia de um fantasma
visitar Crecy ou seu quarto!
— Isso pode realmente tornar a minha irmã a jovem mais feliz
do mundo — respondeu ela, observando o marquês com um olhar
cauteloso. — Eu, no entanto, não vou conseguir pegar no sono
durante toda a minha estadia — acrescentou com aspereza.
Ela pensou ter visto os lábios do homem se contraírem um
pouco, mas fora isso, ele não deixou transparecer nenhuma reação,
com seus olhos verde-escuros sobre ela revelando o pouco
interesse que ela conseguia discernir. Ela se moveu sob seu olhar
frio e indiferente e não soube o que dizer a seguir. Horrorizada, deu-
se conta de que agora a deixaria plantada como tinha feito com
Lady Scranford, quando o senhor Russell se juntou a eles e lhe deu
um sorriso reconfortante.
— Boa noite, Edward, vejo que conheceu a senhorita Holbrook.
É possível que você a veja com frequência, já que minha esposa me
informou que ela tem toda a intenção de torná-la uma amiga
próxima.
Belle poderia ter beijado o homem naquele momento, tão
grande foi seu alívio por não ter sido completamente ignorada pelo
marquês. Ela enviou ao senhor Russell um sorriso de gratidão e,
como o marquês ainda estava em silêncio, preencheu o espaço de
conversação que ele deixara escancarado.
— Isso é muito gentil da parte de sua esposa, senhor Russell.
Peço-lhe que lhe transmita o quanto eu e a minha irmã estamos
muito gratas por sua gentil atenção. Com efeito, espero
sinceramente conhecê-la melhor.
Aubrey assentiu em aprovação, e ambos olharam ao redor
surpresos quando o marquês falou.
— E como anda esse seu projeto, Russell? — indagou ele com
o aceno de uma mão, um olhar bastante desinteressado e um olhar
de superioridade cintilando em seus olhos.
O semblante de Russell se fechou um pouco, embora Belle
pudesse ver um orgulho feroz em seus olhos castanhos.
— Extraordinariamente bem, na verdade, Edward — respondeu
ele, e Belle teve a clara sensação de que o nome de batismo do
marquês foi pronunciado de propósito, embora o marquês não
tivesse usado o do senhor Russell. Mesmo que, é claro, fossem
cunhados e os nomes de batismo devessem ser perfeitamente
normais, ela sentiu instintivamente que havia muita animosidade
entre os dois homens. — Na verdade, tenho certeza de que você
lerá tudo sobre isso nos jornais nos próximos dias.
Houve um vislumbre de surpresa nos olhos do marquês e Belle
sorriu interiormente. Muito bem, senhor Russell, ela elogiou
silenciosamente.
Para seu alívio, o senhor Russell dirigiu-se a ela e explicou o
que era o projeto, já que ela dificilmente o teria pedido, e estava
morrendo de vontade de saber.
— Você já ouviu falar de George Stevenson? — perguntou ele,
claramente esperando uma resposta negativa, pois essas coisas
geralmente não eram de interesse para as jovens. Bem... a maioria
das moças. Belle, no entanto, ficou encantada.
— Claro que sim! — exclamou ela, incapaz de esconder seu
interesse como poderia ter feito se tivesse prestado atenção — A
Ferrovia Kilmarnock e Troon! É verdade que transportaram
passageiros ao longo de toda essa distância e tamanha velocidade?
Aubrey olhou para ela com surpresa, com seu belo rosto
vincando em um largo sorriso.
— Ora, ora, sim, de fato, senhorita Holbrook. Na verdade, tive a
honra de viajar nele pessoalmente.
— Oh! — Belle o encarou maravilhada e não conseguiu evitar
que as perguntas saíssem atropeladamente. — Como foi? Foi
terrivelmente rápido? Quantos passageiros estavam lá? Qual foi a
sensação?
— Tenho certeza de que se você parar para respirar por tempo
suficiente, o senhor Russell ficaria encantado em responder.
As palavras eram frias e cortantes, e Belle corou, seu prazer
quase sendo tirado dela. O senhor Russell lançou ao marquês um
olhar repreensivo de gélido desagrado antes de voltar para ela.
— Senhorita Holbrook, você não tem ideia de como é
revigorante encontrar alguém tão interessado no meu projeto quanto
eu. Talvez queira juntar-se a mim e a Violette. Ela acompanhou-me
na minha visita, e estou certo de que também ficaria feliz em discutir
o assunto conosco. — Ele estendeu o braço e os dois se afastaram
sem lançar um olhar para trás na direção do marquês.
Por um momento, ela sentiu uma onda de puro triunfo, já que o
homem desagradável tinha sido odioso e terrivelmente rude, mas
um pouco depois ela o viu ainda sozinho, ainda sombrio e
claramente perturbado, e seu coração se compadeceu dele mesmo
assim.
***
— Eu já me decidi — disse Belle a Crecy, sufocando um bocejo,
enquanto as duas se esparramavam sobre sua cama mais tarde
naquela noite.
Crecy olhou para cima, com seus olhos cinzentos cheios de
esperança. — Você decidiu vir caçar fantasmas comigo?
Belle muxoxou com desgosto e suprimiu um calafrio, olhando
para os cantos escuros de seu quarto com receio. — Não —
respondeu ela, com sua voz não tolerando discussão. — E eu te
disse, permaneça no seu quarto e se estiver realmente com sorte,
verá uma governanta assassinada — disse ela com o tom seco.
Crecy deu um suspiro feliz e Belle revirou os olhos.
— De qualquer forma, como eu estava dizendo... — continuou
ela, deslizando suas sapatilhas de cetim dos pés e esfregando os
dedos dos pés. — Eu acho que terá que ser Lorde Nibley.
Crecy piscou e olhou para ela, obviamente abalada com os
devaneios de criados assassinados por tempo suficiente para voltar
sua atenção para sua irmã. — O que terá de ser Lorde Nibley? —
perguntou ela com suspeita.
Belle muxoxou e jogou uma almofada nela. — Sinceramente,
Crecy, você pode manter sua mente longe dos mortos por um
momento e acompanhar os problemas dos vivos? Por que estamos
aqui? Tenho que encontrar um marido!
Crecy fitou-a boquiaberta e, em seguida, balançou com
determinação a sua cabeça. — Oh, não! — exclamou ela, de forma
surpreendentemente veemente em sua objeção. — Não, não, ele
definitivamente não serve.
Belle deslizou da cama e gesticulou para Crecy para desfazer o
laço na parte de trás de seu vestido.
— Por que não? Ele é muito rico e parece um homem bastante
gentil. Eu acho que ele se sairia muito bem — respondeu ela,
tentando parecer entusiasmada com a ideia, embora, na verdade,
também não parecesse atraente com ela. Parte dela esperava que
Crecy tivesse ouvido que ele era um apostador dedicado ou libertino
e ela poderia tirar a ideia de sua cabeça. Parecia bastante
improvável.
— M-mas ele é tão... maçante! — opôs-se Crecy. — E se ele
saísse e encontrasse alguma pedra de formato curioso ou algo
assim, provavelmente se esqueceria de voltar para casa!
Belle muxoxou para sua irmã de uma maneira desaprovadora,
mas admitiu em particular que poderia haver alguma verdade nas
palavras. Ela tinha falado por um longo tempo com Lorde Nibley
anteriormente.
Bem, eles tinham se enredado em uma conversa incrivelmente
forçada por quase quinze minutos, até que ela estava tão
desesperada que proferiu as palavras fatídicas: “Ouvi dizer que está
interessado em Geologia, milorde”. Bom. A conversa foi longa
depois disso; tudo bem, tudo partindo de um dos lados e a maior
parte incompreensível. Após os primeiros vinte minutos, Belle
admitiu para si mesma o pensamento bastante cruel de que, se ela
tivesse em mãos alguma de suas malditas pedras, ela a teria jogado
contra ele.
— Ele não é nada chato, ele é... ele é acadêmico — disse ela
com dignidade, pendurando o vestido com cuidado e voltando sua
atenção para o de Crecy. — E não é como se eu tivesse outras
opções. Ele é o único homem solteiro que reconheceu que eu
existia.
Ela desfez os fechos do vestido de Crecy enquanto sua irmã
fazia um barulho depreciativo e agradeceu mentalmente Violette por
ser tão atenciosa a ponto de dar-lhes quartos conectados. Elas não
podiam pagar os serviços de uma dama de companhia, dando a
desculpa de que a delas havia adoecido repentinamente se alguém
perguntasse, e sempre cuidavam do toalete uma da outra.
— O marquês falou com você — disse Crecy, virando a cabeça
e dando a Belle um sorriso diabólico. — Você é a única mulher com
quem ele falou a noite toda, sabe.
Belle sentiu uma guinada inexplicável de algo em seu peito com
a ideia de que o marquês imperioso poderia tê-la notado e, em
seguida, deu uma risada.
— Sim, ele se esforçou para tentar me assustar, não apenas
com ele, mas com o próprio castelo! — respondeu ela, balançando a
cabeça em diversão.
Crecy caiu na gargalhada e sentou-se de volta na cama, usando
apenas a camisola e o corpete deixando o vestido onde tinha caído.
Belle suspirou e o pegou.
— Bem, eu acho que você faria bem a ele, Belle, mas temo que
esteja certa — admitiu ela, enquanto Belle o pendurava ao seu lado.
— Ouvi-o murmurar a Lorde Falmouth sobre as peculiares moças
Holbrook e a sua tia vulgar. Creio que ele se referia a mim como a
irmã bonita e estranha, embora eu ache que ele queria mesmo
dizer, a irmã muito estranha — corrigiu ela, com um sorriso. — E,
aparentemente, você é uma mulher intelectual com muitas opiniões.
Belle fitou-a boquiaberta. — Ele... ele disse o quê?
Crecy muxoxou e começou a repetir: — Ele disse que tia
Grimble era vulgar...
— Oh, eu não dou a mínima para tia Grimble, todos podem ver
que ela é vulgar! — gritou ela, enquanto Crecy fitava-a boquiaberta
com espanto diante de sua explosão. — O que ele disse sobre
mim?
Crecy engoliu em seco e deu-lhe um olhar desconfiado. —
Humm, ele disse que você era uma mulher intelectual com muitas
opiniões.
— Bem, dentre todos os... — Qualquer sentimento de simpatia
que ela pudesse ter nutrido pelo destroçado marquês foi
abruptamente consumido enquanto Belle fervia de indignação.
Como ele se atrevia?
É claro que ela nunca deveria ter demonstrado tanto interesse
no motor da Locomotiva Stevenson, normalmente ela era mais
sensata. Mas encontrar-se com um homem que viu o projeto em
primeira mão havia acendido o entusiasmo, e o senhor Russell não
parecia ter se importado nem um pouco, nem a senhora Russell
chegou ao ponto de se importar.
Com fúria, Belle fez a si mesma um voto solene de que, se
alguma vez ela tivesse que, novamente, trocar algumas palavras
com o marquês, ela iria enfrentá-lo e não, sob nenhuma
circunstância, iria recuar. Ela podia ser uma mulher intelectual, mas
não era medrosa como um ratinho.
Por outro lado, ela também decidiu que – se possível – iria ficar
o mais distante possível do caminho dele para não falar com ele!
Capítulo 7

“Na qual tias vulgares e um marquês zombeteiro deixam a pobre


Belle deprimida.”

Belle fechou os olhos e rezou para que tia Grimble se


engasgasse com o doce que estava enfiando na boca e as salvasse
de mais humilhação. Infelizmente, Deus não estava inclinado a
ajudá-la neste momento, e a maldita mulher continuou a dirigir
comentários aos seus superiores na hierarquia social como se
fossem amigos íntimos de muitos anos.
Lady Scranford riu timidamente e sorriu maliciosamente, falando
atrás da mão para sua amiga, a senhorita Cranton, em um sussurro
que era alto o suficiente para ser ouvido pela maior parte da mesa,
sobre a criatura vulgar e interesseira e suas sobrinhas maltrapilhas.
Engolindo sua ira com dificuldade, Belle pegou seu chocolate e
tomou um gole, seu estômago estava tão tenso de ansiedade que
ela não conseguia enfrentar a ideia de comer qualquer coisa. Crecy
parecia alheia, comendo pouco também, mas olhou pela janela para
o terreno com um semblante sonhador que sugeria que seus
pensamentos estavam muito longe de todos ali reunidos. Todos os
seus admiradores tinham as mesmas expressões que, por sua vez,
olhavam para Crecy.
— Está bem, já chega disso! — vociferou Lady Russell,
efetivamente calando tia Grimble, que finalmente se engasgou com
seu doce.
Havia um Deus.
— Então, o que todos vocês jovens vão fazer hoje? — quis
saber ela.
Vários planos foram apresentados, algumas pessoas iam visitar
a aldeia de Longwold, alguns cavalgar e outros optaram por ficar
dentro de casa no quentinho e jogar cartas.
— Eu adoraria dar um passeio nos jardins — disse Crecy a
Belle, sem querer dando a todos os jovens da sala uma desculpa
para oferecerem o braço a ela. Lucretia lançou a Belle um olhar
horrorizado de súplica e Belle suprimiu um sorriso.
— Tenho certeza de que minha irmã adoraria fazer isso em
outro dia, cavalheiros — disse ela, com um sorriso gentil. —, mas
ela é amável demais para dizer que esta manhã está com uma dor
de cabeça e, portanto, não está em condições de receber visitas.
Todos os cavalheiros ficaram de pé, enquanto ela e a irmã se
levantavam.
— Que disparate! — esbravejou tia Grimble, assustando todos
na sala, especialmente a pobre senhora Dorothea, que deixou cair a
sua xícara de chá, ganhando um muxoxo de censura de Lady
Russell. Tia Grimble, no entanto, estava alheia e determinada
enquanto lançava um olhar irritado para Belle. — Se o conde quiser
caminhar com Lucretia, ele deve fazê-lo!
Belle e Crecy congelaram, ambas horrorizadas quando Lady
Scranford deu uma risadinha mais uma vez e murmurou as palavras
fatídicas: caçadoras de fortuna, em voz baixa.
Ambas olharam para o Conde de Stanthorpe, que tinha um
notável tom de vermelho por trás de seus cachos loiros caídos e
Belle quase podia sentir um tremor de humilhação vindo de sua
irmã.
— Tenho certeza de que o conde vai entender — disse Belle,
enunciando cada palavra com deliberação e olhando para sua tia
com cólera. Para seu horror, tia Grimble realmente abriu a boca para
oferecer mais objeções, mas Lady Russell fez uma primeira
intervenção, chamando em voz alta do outro lado da mesa do café
da manhã.
— Senhora Grimble, diga-me, onde adquiriu aquele turbante
notável, é a coisa mais extraordinária que já vi!
Belle sufocou um sorriso, pois as palavras certamente não eram
elogiosas, e não perdeu tempo em guiar Crecy para fora.
— Venha, Lucretia, vamos levá-la para tomar um pouco de ar
fresco.
As duas saíram correndo da sala, apressando-se para recolher
peliças e bonnets, e escaparam para o jardim o mais rápido que
puderam.
Belle inalou ar fresco e gelado a plenos pulmões e exalou com
alívio. — Oh, meu Deus — gemeu ela. Crecy deslizou o braço pelo
dela, balançando a cabeça. — Eu só queria sumir — murmurou ela,
parecendo abatida. — Como se eu estivesse interessada naquele
homem bobo.
Belle olhou para a irmã e deu um sorriso triste. — Oh, mas ele é
bastante gentil, eu acho, Crecy.
— Claro que ele é gentil! — respondeu Crecy com espanto,
parecendo totalmente horrorizada. — Mas por que diabos eu iria
querer me casar com um homem gentil?
Belle se deteve, olhando para ela. Esta não era a primeira vez
que Crecy pronunciava palavras tão incompreensíveis e
preocupantes, e Belle sentiu um arrepio de pressentimento. — Por
que você não quer se casar com um homem gentil? — perguntou
ela, franzindo a testa.
Crecy olhou de relance para ela e, por um instante, Belle pensou
ter captado um olhar ligeiramente de pânico, um olhar de culpa nos
olhos de sua irmã, mas, então, ela riu e o momento se foi. — Oh,
Belle — disse ela, com a voz leve. — Você realmente acha que o
Conde de Stanthorpe seria um marido adequado para mim?
— Não — respondeu Belle, ainda observando sua irmã com
receio. — Eu acho que formariam um par terrível e que você iria
assustar o pobre homem até a morte. Mas isso não responde à
pergunta. Que tipo de homem você quer, senão um gentil?
Crecy se calou e evitou o olhar da irmã. — Não um desse tipo —
disse, por fim. — Na verdade, talvez eu nunca me case —
acrescentou ela, com tamanha revolta que Belle começou a se
sentir verdadeiramente alarmada.
Ela parou e pegou as mãos de Crecy, virando-a para que
ficassem cara a cara.
— Se eu me casar bem, Crecy, querida, você nunca será
obrigada a fazer nada ou a casar-se com alguém que você não
deseja; tem a minha palavra. Mas vê quão precária é a nossa
posição? E eu não entendo como você pode se opor a casar-se com
um homem que você admira e ama! Você não quer se apaixonar?
Crecy deu uma risada e se virou, enfiando a mão de Belle em
seu braço, puxando-as para a frente mais uma vez. — Claro —
disse ela, com seu tom divertido e bastante prático. —, mas isso não
significa que eu tenha que me casar.
Belle congelou, totalmente chocada. — O que quer dizer com
isso? — exigiu saber, de repente tensa como uma corda de arco,
quando o terror atingiu seu coração. — Tia Grimble disse-lhe
alguma coisa?
— Tia Grimble? — ecoou Crecy, parecendo confusa e deixando
quieto esse terror que sentia, pelo menos, por enquanto. — Não, por
que ela deveria?
Belle soltou um suspiro. — Você nunca vai, de forma alguma,
fazer algo tão tolo e imprudente quanto aceitar ser a protegida de
um cavalheiro, está me entendendo?
— Oh, Belle! — exclamou Crecy, com seus olhos cinza-lavanda
piscando. — Eu realmente não sou tão inocente como você gostaria
de acreditar.
— Às vezes, não sei o que você é — admitiu Belle, desejando,
como fazia quase todos os dias, que sua mãe estivesse aqui para
guiá-la, pois ela não parecia ter a menor ideia do que deveria fazer
com Crecy.
Crecy olhou para ela então, com um olhar um tanto confuso e
assustado. — Eu também não sei, Belle — admitiu em um sussurro,
parecendo tão perdida que o coração de Belle se apertou.
— Oh, Crecy! — Ela puxou a irmã para um abraço e beijou sua
bochecha, forçando seu rosto a sorrir e parecer alegre, embora seu
coração estivesse cheio de ansiedade. — Eu não quis dizer isso, é
claro. Só que, às vezes, você diz as coisas mais irritantes. Venha
comigo — disse ela, querendo esquecer o constrangimento e
aproveitar o prazer de estar em um lugar tão maravilhoso. — Vamos
vasculhar esse belo terreno.
Elas passearam por um tempo, encantadas com as vistas
gloriosas da paisagem ondulante e os magníficos jardins, que ainda
eram belos mesmo durante o mês árido de dezembro.
O jardim estava coberto por uma camada de gelo, ainda
brilhando em um branco cintilante a essa hora. Belle se viu
encantada. Seu lugar favorito entre todos os diferentes jardins que
cercavam o vasto castelo era o jardim em estilo elisabetano.
Localizado junto às paredes de pedra cor de mel do castelo em dois
lados, os outros dois eram delimitados por cercas altas de teixo,
conferindo uma sensação de privacidade, apesar das muitas janelas
de vidro que se estendiam a partir do próprio castelo.
Os grossos e despidos caules de uma rosa trepadeira se
enroscavam pelas paredes e ao redor das janelas, e Belle ansiava
por vê-la no verão. Ela imaginava a imagem deslumbrante que
formariam sob o sol, quando aquelas rosas floresceriam em
profusão, e ela poderia sentar e ouvir as abelhas sonolentas
enquanto zumbiam de flor em flor.
Por enquanto, porém, as cercas vivas de buxinho bem aparadas
e cuidadosamente modeladas delineavam um caminho simétrico e
intrincado entre o cascalho, e elas o circundaram e continuaram o
caminho.
— Estou com frio — admitiu Belle algum tempo depois, quando
olharam para cima e se descobriram longe da entrada principal do
castelo. O céu escureceu bastante, e a temperatura caiu ainda mais,
com um vento norte gelado puxando suas saias.
— Eu também — admitiu Crecy, com seu lindo nariz vermelho e
suas bochechas coradas.
Elas olharam em volta e se perguntaram qual caminho mais
rápido as levaria para dentro de casa.
— Eu não quero andar todo o caminho de volta para a porta
principal — disse Belle. Seus pés estavam congelados agora e ela
havia perdido a sensação nos dedos dos pés há quase uma hora
desde então. — Veja só — disse ela, gesticulando para uma grande
porta de madeira cravejada. — Podemos entrar no castelo por aqui,
e obrigatoriamente vamos esbarrar em um criado ou alguém que
possa nos guiar de volta mais cedo ou mais tarde, e você queria
mesmo explorá-lo — acrescentou.
Crecy assentiu, batendo os pés. — Sim, tudo bem, pelo menos
vamos sair do vento; está realmente ficando mais forte agora,
embora eu duvide que veremos um fantasma a esta hora do dia.
— Que pena — murmurou Belle, girando a grande maçaneta da
porta de ferro com os dedos congelados.
O interior desta parte do castelo era escuro e sombrio, e
realmente não muito mais quente do que o lado de fora, mas elas
estavam, pelo menos, fora do vento cortante.
— Então, venha — disse Belle, sorrindo e sentindo-se bastante
aventureira enquanto partiam.
Elas avançaram por corredores intermináveis e vastas salas,
todas envoltas em móveis cobertos, até que o som de vozes as
alcançou. A essa altura, elas estavam geladas até os ossos e
terrivelmente famintas, cientes de que estavam atrasadas para o
almoço. Apressando-se em direção à voz, ambas acabaram
parando quando a cena mais extraordinária se desdobrava diante
delas.
Elas tinham percorrido um corredor que agora flanqueava um
lado de um grande átrio dentro do próprio edifício do castelo. Era um
jardim protegido e privado na maioria das épocas do ano, com um
grande gramado retangular no centro, mas agora a sua finalidade
parecia bastante diferente.
Um homem baixo, magro, vestido com calças grosseiras e uma
camisa que estava fora da calça, suspensórios soltos, parecia ter
dois protetores pequenos e compactos amarrados às mãos que ele
segurava no alto, e seu oponente – se era isso que ele era – estava
batendo nos protetores com socos rápidos e determinados.
— Vamos lá — gritou o homenzinho. — Jab, esquiva, direto,
gancho. Outra vez!
Belle soltou um suspiro e sentiu o coração pular para a
garganta, pois o homem que estava desferindo os golpes era
ninguém menos que o marquês.
Com o torso desnudo, seu corpo nu brilhando de suor e seus
cabelos escuros caindo sobre a testa, ele parecia estar muito
distante do nobre altivo da noite passada. Esse homem era ágil e
perigoso, e possuía uma força puramente animal que não tinha
nada a ver com títulos ou dinheiro.
Ele era magnífico.
Belle sentiu Crecy puxar seu braço e sabia, realmente sabia,
que elas deveriam se apressar como sua irmã sugeriu, mas ela
estava presa no local. O brilho em suas bochechas não tinha mais
nada a ver com o frio, e um estranho tipo de calor dolorido se
acumulava em sua barriga e parecia se espalhar, esquentando
cantos de si mesma que ela anteriormente desconhecia.
— Jab, direto, cruzado, gancho — disse o homenzinho
novamente, lançando-se com um dos protetores enquanto o
marquês se abaixava e retomava sua posição. — Jab, desvio duplo,
gancho, cruzado. — As instruções eram berradas com uma
velocidade vertiginosa e o marquês respondia com a mesma
rapidez, com seus movimentos quase rápidos demais para serem
acompanhados. — Jab, esquiva, gancho, cruzado.
Belle encarou, fascinada a velocidade e habilidade e a pura...
potência. O marquês não parecia estar nem um pouco cansado,
com sua pele brilhando de vitalidade no ar frio do inverno, com seus
músculos agrupados, tensos e flexionados; foi quando Belle se deu
conta de que sua boca estava seca. Havia uma parte dela que
queria, mais do que tudo, estender a mão e deslizá-la sobre aquela
pele escorregadia, brilhante de suor, e descobrir como seria.
— Belle — sussurrou Crecy, puxando a sua manga mais uma
vez.
Arrancada de seu devaneio e de volta ao mundo real, Belle se
assustou horrorizada, mas já era tarde demais. O sujeito baixo,
talvez sentindo o movimento, olhou para cima, mas perdeu o
momento, não levantando o protetor a tempo de encontrar o punho
poderoso que o espancou com força, enviando-o para o chão.
Belle deu um grito de alarme e arrependimento, apressando-se
enquanto o marquês soltava uma obscenidade tão chocante que ela
deslizou até parar no caminho gelado.
Ele virou bruscamente, olhos verdes faiscando de irritação.
— O que diabos você está fazendo aqui? — exigiu saber, ao
passo que Belle tremia um pouco, ciente de que elas estavam
mexericando. Mas suas malditas maneiras terríveis acenderam algo
dentro dela e ela se lembrou de seu voto de não ser intimidada por
ele. Ciente de que ela provavelmente estava de bochechas coradas
e rezando para que ele pensasse que era apenas por causa do frio,
ela ergueu o queixo.
Seus olhos se estreitaram.
— Perdoe-nos, milorde — começou ela, sua voz impregnada de
desprezo por suas maneiras terríveis. — Mas temos andado a
manhã toda e nos perdemos um pouco. Estamos geladas até os
ossos e procurávamos apenas um caminho de volta para dentro e
para nos abrigarmos do clima. Não tínhamos a intenção de
perturbar o seu... seu... — Ela hesitou, perguntando-se o que
exatamente ele estava fazendo. — Seu exercício — concluiu,
decidindo que isso devia abranger a situação.
— Mas depois de se deparar com isso, você decidiu ficar e
assistir ao show? — quis saber ele, com uma sobrancelha escura
levantada, e seu tom zombeteiro. — Gosta do que vê? — perguntou
ele, com seu tom lascivo e insultuoso.
Belle ouviu Crecy ofegar de fúria com suas palavras, mas ela
segurou o olhar do homem insuportável, reunindo sua coragem. —
Fiquei intrigada — admitiu ela, vendo surpresa em seus olhos com
as palavras dela. — Eu nunca vi uma luta antes, ou seja lá o que
fosse, e foi... estimulante — concluiu, esperando que ele não
soubesse o quão estimulante ela achou.
Crecy murmurou algo que não podia ouvir e Belle a ignorou,
também envolvida em se recusar a ser intimidada por esse
arrogante, rude e mal-humorado... glorioso homem.
— Estimulante? — repetiu ele, com sua sobrancelha levantando
ainda mais alto. Ele aproximou-se vagarosamente – sim, essa era
definitivamente a palavra – aproximou-se como um predador.
Belle engoliu em seco.
— Lamento muito tê-lo distraído — acrescentou ela, percebendo
um tom ligeiramente rouco em sua voz enquanto ele agora estava
perto o suficiente para poder tocar. Ela apertou os punhos, para que
o desejo de fazer exatamente isso não a dominasse, mas não pôde
evitar deixar seu olhar percorrer um torso deliciosamente esculpido.
Meu Deus. Ela duvidava que Lorde Nibley parecesse assim debaixo
da camisa e, em seguida, repreendeu-se severamente por sequer
pensar algo assim.
— É a Charles que você deveria pedir desculpas! — disse ele
perdendo a paciência, embora ela tenha pensado, enquanto
arrancava seu olhar relutante daquele torso magnífico e encontrava
seus olhos, percebendo um vislumbre de diversão lá. E muito
orgulho masculino. — Ah, aí está você, senhorita Holbrook —
murmurou ele quando ela finalmente fez contato visual.
Ela encarou-o de volta, presumindo que agora estava com um
tom revoltante de escarlate, mas recusando-se a desviar o olhar. —
Então peço desculpas a Charles também — acrescentou ela,
bastante surpresa com o quão calma soava. — Agora, se fosse tão
amável a ponto de nos indicar o caminho, ficaremos agradecidas em
deixá-lo em paz.
Houve um momento de silêncio enquanto ele a observava,
ponderando sobre o que ela falou, e, então, ele deu um passo
indecente para mais perto, de modo que eles estavam quase se
tocando. Ele olhou para ela quando ela foi forçada a inclinar a
cabeça para trás para manter contato visual, e ela sentiu a vibração
de sua respiração enquanto se nublava ao seu redor. — Você não
quer assistir ao resto do show? — perguntou ele com sua voz baixa
e intimista, fazendo aquele calor estranho e desconhecido em sua
barriga liquefazer e queimar ainda mais.
— Uh... bem, se não se importa...
Ele deu um resmungo indignado e recuou, estendendo um braço
robusto em direção a uma porta no final do corredor. — Lá embaixo,
vire à direita e continue até chegar ao pátio interno, faça uma curva
acentuada à esquerda no salão de banquetes. Bom dia, senhorita
Holbrook.
Belle encarou-o por um momento, mesmo que todos os
instintos, incluindo o insistente puxão de sua irmã em sua manga,
dissessem-lhe que ela deveria sair correndo. Em vez disso, ela
apenas sorriu para ele. — Obrigada, milorde — respondeu ela,
permitindo-se um olhar ousado e francamente escandaloso e
persistente na direção dele, antes de se virar e ir embora.
Capítulo 8

“No qual as tensões aumentam, entre outras coisas.”

— Meu Deus!
Uma vez que elas estavam fora da vista e do alcance da voz do
furioso marquês, Crecy deu risadas histéricas.
— Ai, ai! — disse ela, segurando seu flanco com força e
ofegando. — Ai, Belle, você foi magnífica! Nunca estive tão
orgulhosa. Como você teve a coragem de fazer aquilo?
Belle olhou para sua irmã em silêncio horrorizada, à medida que
se dava conta do que havia acabado de fazer. Seu estômago se
revirou e ela teve a terrível vontade de correr de volta para fora e
vomitar o café da manhã nos canteiros de rosas. Como você teve
coragem de fazer aquilo? As palavras de Crecy soaram em seus
ouvidos, e ela não tinha uma resposta compreensível além de
alegar insanidade temporária. No que ela estava pensando?
Enfrentar aquele homem era uma coisa, deixá-lo totalmente furioso
e devorá-lo com os olhos como uma... uma... oh, Senhor, como uma
mulher da vida – bem, isso era algo completamente diferente.
— Belle, você está bem? Você está com uma cor muito
engraçada.
— E-eu — gaguejou Belle, mas não parecia capaz de encontrar
nada mais inteligente para dizer.
— Vamos lá — disse Crecy, passando o braço por Belle e
puxando-a para a frente. — Provavelmente é porque você perdeu o
almoço. Você sabe o quão irritadiça fica quando está com fome.
Foi um indicativo da confusão e angústia de Belle que ela não
tenha protestado contra essa observação um tanto ingrata e
permitido que Crecy a levasse na direção indicada pelo marquês.
O problema era que, por mais indignada que estivesse com o
seu próprio comportamento, ela sabia que, se fosse colocada na
mesma posição novamente, provavelmente repetiria o desempenho.
Havia, sem dúvida, algo no marquês que trazia à tona o pior dela, e
ela fez uma promessa a si mesma de sair do seu caminho para
evitá-lo no futuro. O homem podia até ser digno de sua simpatia e
compreensão, mas essas emoções estavam longe do que ela
experimentou quando em sua proximidade. Quando o mal-
humorado, irascível, irritante marquês estava por perto, ela ficava
dividida entre dar um soco nas suas malditas orelhas e... e...
Ela sentiu um rubor colorir suas bochechas e aquele calor forte
e envolvente crescer profundamente em sua barriga novamente.
Sim. Manter-se longe dele era definitivamente a coisa mais
segura que ela podia fazer.
***
Eddie voltou furioso para o seu quarto. Como se já não bastasse
que suas noites fossem monopolizadas pela tentativa de não
insultar a elite da sociedade – ele não era tão iludido a ponto de
fingir que estava sendo realmente sociável – agora seu tempo
privado também estava sendo invadido! Era de se pensar que, em
um lugar do tamanho de Longwold, ele conseguiria encontrar um
local para escapar, mas não, aquela jovem terrível com uma capa
que parecia ter pelo menos três temporadas e opiniões que
nenhuma jovem senhorita deveria ter, conseguiu descobri-lo lá
também. Ele não tinha a menor dúvida de que ela estava à procura
de um marido rico e estremeceu com a ideia de que ela pudesse ter
a audácia de tentar conquistá-lo.
Ele tinha ouvido Violette falar com Lady Russell sobre as garotas
e o fato de que elas não tinham dote; e pior, aquela tia terrivelmente
intrometida. Como se algum homem em sã consciência fosse
cogitar casar-se com uma mulher com essa ligação? A filha mais
nova conseguiria, talvez, já que algum jovem tolo poderia se
apaixonar loucamente por sua beleza surpreendente – desde que
ela conseguisse manter sob controle suas macabras inclinações
para a caça a fantasmas.
Entretanto, a mais velha das senhoritas Holbrook tinha poucos
atributos a seu favor. Ela não era uma beldade, e pelo que ele tinha
visto até agora, ela passou de uma timidez gaguejante para uma
franqueza extrema. Sem mencionar que seu interesse em
Engenharia e Ciência provavelmente desanimaria a maioria dos
homens, pois eles não se casariam com uma mulher com mais
inteligência do que eles próprios possuíam. E isso sem mencionar o
comportamento pouco recatado e francamente chocante que ela
havia demonstrado ao vê-lo parcialmente vestido.
Qualquer outra jovem e solteira provavelmente teria desmaiado
ou gritado, e se afastado. As senhoritas Holbrook, ao que parecia,
eram mulheres de fibra, embora pelo menos a senhorita Lucretia
tivesse desviado os olhos. Na maior parte do tempo.
Diferentemente da senhorita Holbrook.
Não. Ela olhara para ele com tanto interesse e curiosidade que
uma sensação de desejo nada bem-vindo e feroz lhe queimara o
sangue. Surpreendente isso, ele pensou, já que acreditava que tais
sentimentos estivessem perdidos para ele desde... bem, desde que
ele sobreviveu, enquanto tantos outros não tinham.
Mesmo que suas memórias da sua vida em Seven Dials fossem
vagas, ele tinha quase certeza de que não havia passado por
situações desse tipo, e graças a Deus por isso. Só Deus sabe que
doença repugnante ele poderia ter adquirido em tal lugar.
Ele chegou ao seu quarto e começou a se despir antes de entrar
na banheira que Charlie estava supervisionando enquanto lacaios
iam e vinham com grandes tinas d'água. Sabiamente, o homem
havia mantido seus próprios pensamentos desde o incidente com as
irmãs. Eddie afundou na água quente com um gemido, seus
músculos relaxando um pouco à medida que o calor liberava parte
da tensão que ele carregava. Ele fez um gesto para que Charlie se
afastasse para que pudesse relaxar em paz, e seu criado assentiu e
saiu silenciosamente do quarto.
Fechando os olhos e inclinando a cabeça para trás, ele foi
imediatamente confrontado com a imagem da senhorita Holbrook o
observando como um touro premiado. A contragosto, seus lábios se
curvaram enquanto ele se perguntava onde exatamente ela teria
fixado seu olhar com desejo. No entanto, era estranho que uma
mulher como ela o olhasse com um desejo tão evidente. Ela
claramente protegia a virtude de sua irmã mais jovem como uma
leoa, e demonstrava toda a aparência exterior de ser, se não uma
puritana, então certamente tudo o que era recatado e apropriado.
Mas tinha sido desejo que ele havia visto nos olhos dela.
Tinha ardido com tal calor que, se ele tivesse sido tolo o
suficiente para estender a mão e tocá-la, para passar os dedos
sobre o corado em suas bochechas, ela poderia muito bem ter
entrado em combustão diante de seus olhos.
Ele riu sozinho quando o calor da banheira e o fogo ardente na
lareira o fizeram relaxar ainda mais, com seus olhos ficando
pesados. Sua mente desprotegida brincava com a ideia do que
exatamente a senhorita Holbrook teria feito se ele a tocasse. Ela
teria esbofeteado o rosto dele, gritado com ele, desmaiado ou teria
chegado ao ponto de chutá-lo e fugido? Todas estas possibilidades
foram consideradas e rejeitadas. Não. A paixão naqueles olhos tinha
sido ousada e ansiosa. Ele não duvidaria que, se a tivesse puxado
para os braços e beijado, supondo que eles não tivessem uma
audiência, é claro, ela teria respondido com entusiasmo. O
pensamento era tão preocupante quanto enervante, e, de repente,
ele se sentiu bem acordado e muito menos relaxado.
Maldita mulher.
Bem, só havia uma coisa a se fazer, que era ficar o mais longe
possível da terrível senhorita Holbrook.
***
Belle felicitou-se pelo fato de a noite ter corrido muito bem até
agora. Foi preciso se esforçar um pouco para se encontrar mais
uma vez sentada ao lado de Lorde Nibley na hora do almoço, mas
felizmente Lady Russell parecia bem ciente de suas intenções.
Portanto, é provável que isso tenha sido arquitetado pela velha
senhora, e, também, não foi por um feliz acaso que ela se viu ao
seu lado para jantar. Com sorte, isso foi feito sem parecer
excessivamente evidente. De qualquer forma, isso não importava.
Depois de conversar com Crecy no jardim, Belle teve certeza de que
sua irmã estava escondendo algo. O que, ela não tinha ideia, mas
havia algum plano nefasto acontecendo por trás daqueles belos
olhos, e Belle não tinha dúvidas de que o que quer que fosse
provavelmente acarretaria num colapso nervoso, se ela descobrisse.
Ela também era da opinião de que tia Grimble não apenas
fecharia os olhos para o que quer que Crecy estivesse fazendo, mas
que, se achasse que isso significava fisgar um marido ou mesmo
um amante rico, ela se esforçaria para ajudar com entusiasmo.
Sendo esse o caso, ela precisava se livrar da maldita mulher com
toda a pressa. A única maneira de conseguir isso era se Belle se
casasse bem e com um marido disposto a abrigar sua irmã e
permitir que Belle a introduzisse à sociedade por conta própria.
Então, Crecy teria o tempo necessário para se firmar e, o que era
mais importante, encontrar um homem que a amasse pelo que ela
era, e não apenas pela bela aparência.
No entanto, começava a perceber que era mais fácil falar do que
fazer.
Nibley era um sujeito tímido e difícil de atrair para uma conversa
significativa sobre qualquer coisa, exceto suas malditas pedras. Ele
certamente não parecia olhá-la com nenhum inclinação romântica.
Belle não ficou exatamente surpresa. Ela esteve na sombra de
Crecy por muito tempo para imaginar que um homem poderia ter
qualquer razão para considerá-la como qualquer coisa, exceto uma
mulher sensata que poderia administrar uma casa e criar filhos. Mas
ela era essas coisas, e se, como Lady Russell lhe havia dito, ele
estava à procura de uma esposa, ela não era uma escolha tão
terrível assim. Além disso, ele não era exatamente um homem
bonito, e sua falta de habilidade em conversar prejudicaria suas
chances com qualquer jovem de maior beleza ou posição social
superior à de Belle. Ele tinha riqueza suficiente para superar a falta
de dote dela, com certeza, e ela achava improvável que alguém com
uma mente científica e intelectual insistisse em um amor verdadeiro.
Em vez disso, ele precisaria de alguém para garantir que sua casa
funcionasse bem e para lembrá-lo de comer. O rapaz estava tão
magro que ela sentia que isso deveria ser uma prioridade quando
alcançasse seu objetivo.
A maneira como ele encarava a Duquesa de Sindalton fez com
que ela duvidasse um pouco dessa teoria, mas, afinal, a duquesa
era digna de se olhar. Qualquer homem teria dificuldade em desviar
o olhar de uma mulher assim.
Então, ela devia agora fazer tudo o que estivesse ao seu
alcance para agarrar esse homem. Só que ela não tinha a menor
ideia de como. Ela nunca havia aprendido a arte do flerte e não
sabia como dar ao homem a dica de que estaria aberta aos avanços
dele sem parecer uma mulher fácil.
Além de tudo isso estava o fato de que... oh, céus, ela realmente
não sentia nenhum entusiasmo pela ideia. Ele era um bom homem,
isso era óbvio. Ele nunca a machucaria ou a humilharia tendo
muitas amantes ou arriscando uma fortuna nas mesas de jogo. Ele
não esqueceria seu aniversário ou recusaria sua exigência de ajudar
Crecy. Ela estava quase certa disso.
Ela também estava extremamente certa de que ele nunca faria
seu coração bater aceleradamente em seu peito; ele nunca se
apaixonaria profundamente por ela, nem ela por ele. Ela nunca
sentiria aquele estranho desespero dolorido por tocá-lo, nem
acreditava que poderia realmente enlouquecer se não o fizesse.
Sem ser convidada, a memória do marquês com o torso
desnudo, seu corpo poderoso com suor e tenso, veio à mente. Ela
sentiu o rubor se espalhar, sua pele repentinamente parecia
incômoda, desconfortável e supersensível. Ela se remexeu na
cadeira, uma sensação inquieta percorreu seus ossos, e como se
fosse atraída por uma força invisível, olhou ao longo da mesa. Por
um momento, ela teve a ideia ridícula de que ele havia sentido seu
desejo por ele, mesmo em sua posição no meio da vasta mesa, pois
ele se voltou para ela exatamente no mesmo instante. Seus olhos
se encontraram e sua pele ficou ainda mais quente, o desejo de se
levantar e arrastá-lo para fora da sala foi tão avassalador que ela
cerrou os punhos sob a mesa.
Pior do que tudo isso... ele sabia.
De alguma forma, ele sabia exatamente o que ela estava
pensando. Ele ergueu o copo, sem nunca tirar os seus olhos dela
enquanto bebia e, depois, lambeu os lábios. Seus olhos caíram
naquela boca cheia e sensual e ela ficou sem fôlego quando viu sua
língua varrer o lábio inferior. Meu Deus, o que havia de errado com
ela?
Desvie o olhar.
Desvie o olhar, agora!
Mas era impossível; ela não podia, mesmo que sua respiração
estivesse mais rápida, e, com certeza, da cor do prato de lagosta
que acabara de ser servido?
E, então, ele deu um sorriso malicioso.
Foi uma expressão tão presunçosa e arrogante que sua irritação
aumentou, felizmente quebrando o feitiço que ele parecia ter sobre
ela. Com fúria, ela fez uma careta para ele, levantou o queixo e
olhou resolutamente para longe.
***
Eddie riu com a indignação furiosa nos olhos da senhorita
Holbrook. Ele não tinha dúvidas de que, se os olhares pudessem
matar, ele estaria caído no tapete aos pés dele, morto como uma
pedra. Ele também não tinha dúvidas de que estava certo sobre a
mulher: ela o queria tanto que mal conseguia ver direito. O
pensamento foi divertido e, na verdade, reforçou um ego que sofreu
alguns golpes severos ultimamente.
Ele sabia que tinha sido um mulherengo de sucesso antes de a
guerra tê-lo prejudicado tanto. Ele tinha sido charmoso e espirituoso
e, se as memórias que estavam voltando para ele eram precisas,
era muito divertido estar com ele. Mas aquele homem estava morto.
Ele havia morrido em Waterloo, tal como todos tinham acreditado. O
fato de habitar o mesmo corpo, sangue e ossos não fazia diferença.
Ele não era mais o mesmo. E esse novo marquês, com olhar
carregado e mal-humorado, com poucas graças sociais, não era o
tipo de homem que a maioria das mulheres ousaria abordar.
Ele encontrou algumas de suas antigas amantes nas várias
reuniões sociais às quais se obrigara a ir, mas não encontrou
nenhum desejo latente por elas, simplesmente nenhum interesse,
de fato, e ele não podia ver nada além de preocupação e até
mesmo um pouco de medo em seus olhos. Ah, havia algumas que
viam seu título como um prêmio grande o suficiente para tentar
ganhar seu interesse, e se esforçavam, mas era apenas um ato, ele
estava certo. Nenhuma delas tinha mostrado aquela atração
flagrante que via nos olhos da senhorita Holbrook. Nenhuma delas
tinha incendiado o seu sangue.
Maldição!
Por que a única mulher pela qual ele sentia alguma coisa física
desde que a guerra terminou tinha que ser uma caçadora virginal de
fortuna sem um tostão na captura de um marido? Sem mencionar,
uma mulher que o deixava furioso toda vez que abria a maldita
boca.
Ele se remexeu na cadeira para tentar aliviar a sensação de
aperto em suas roupas justas e voltou sua atenção para a conversa
que estava acontecendo sem sua participação há pelo menos uma
hora. Blá, blá, blá. Oh, Deus, quando essas pessoas ficaram tão
entediantes?
Ele estava prestes a forçar sua mente a fazer um comentário
inteligente, em alto e bom som, quando a maldita mulher lançou um
olhar na direção dele novamente.
Ele tinha certeza de que ela não queria olhar para ele mais do
que ele queria olhar para ela, mas havia alguma tensão insondável
entre eles. Como se houvesse algum fio invisível que se esticasse
entre eles, de modo que cada um estivesse irresistivelmente
consciente dos pensamentos e desejos do outro.
Era intrigante e perigoso e um maldito inconveniente.
Apesar de sua determinação de não apenas não a encorajar,
mas fazer o seu melhor para evitá-la, ele sentiu os cantos da boca
puxarem para cima com diversão genuína. Desta vez, não foi um
sorriso irônico, mas sim, um sorriso genuíno, um sorriso até mesmo
adequado. A forma e a sensação eram tão desconhecidas para ele
que seu rosto parecia um tanto estranho, distorcido de alguma
forma pela novidade.
Ele observou a reação dela com interesse, o ligeiro alargamento
dos olhos e a abertura que, ele agora percebia, de uma boca bem
cheia e exuberante. Ela o encarou por um momento antes de
devolver a expressão, hesitante e insegura, talvez pressentindo
algum truque, mas estava lá, sem dúvida.
Uma sensação esquisita percorreu sua pele, algo tão estranho e
inexplorado quanto o sorriso, mas ele não sabia nem se importava
com o que isso significava. Ele não sabia se queria arrastar aquela
maldita mulher para seu quarto e dar a ela tudo o que ela
claramente queria dele ou correr milhares de quilômetros na direção
oposta.
De repente, furioso consigo mesmo e com ela, por permitir que a
garota o perturbasse, ele permitiu que seus traços voltassem à sua
habitual expressão ameaçadora e virou-se abruptamente para
longe.
Capítulo 9

“No qual Crecy choca seus admiradores, e Belle se sai melhor.”

Os dois dias seguintes seguiram um padrão semelhante – bem,


exceto pelo interlúdio perturbador com o marquês. Felizmente, ele
esteve ausente na noite seguinte, e tão taciturno e retraído na noite
posterior, que poderia muito bem não ter estado lá.
Belle tinha feito de tudo para afastar esse homem odioso de sua
mente, mas ele retornava nos momentos que ela estava mais
desatenta, com toda a magnificência de seu peito nu e sorrisos
irritantes. Mas ele tinha sorrido para ela.
Esse sorriso foi uma revelação, como se nuvens furiosas e
turbulentas tivessem partido no meio de uma violenta tempestade, e
um céu de verão fosse revelado abaixo. Aquele sorriso tinha feito
alguma coisa com ela. Embora ela não pudesse dizer o quê. Mas
tinha se infiltrado por debaixo da sua pele e atrás das suas costelas
e se instalado em algum lugar no seu interior para ser retirado como
uma carta secreta, e guardado para ela em privado. Aquele sorriso
tinha sido para ela e só para ela e, por apenas um momento, tinha
sido de parar o coração, perfeito e... glorioso. E, então, o maldito
homem abandonou o sorriso abruptamente, como se estivesse
retirando uma máscara, e a expressão de carranca voltou,
deixando-a inquieta e confusa e, sim, muito irritada com ele, na
verdade.
O safado.
Mas isso lhe proporcionara uma pergunta a responder que sabia
que a deixaria perturbada se assim o permitisse. Qual era realmente
a máscara que ele usava? Aquela expressão brilhante e irada que
parecia agarrar-se a ele como uma segunda pele, com um manto de
sofrimento tão espesso e sombrio do qual ninguém se atrevia a
aproximar-se? Ou teria sido talvez aquele sorriso fugaz e efêmero
que parecia tão improvável e que desapareceu tão depressa que fez
ela se perguntar se era sua imaginação?
Ela sentiu o desejo desesperado de saber e, no entanto, sabia
que era um quebra-cabeça que não era ela quem tinha que resolver.
Um homem como esse não confiaria facilmente, e a única pessoa
que teria a chance de conquistar a confiança necessária para tentar
tal coisa seria sua esposa. Ela sufocou uma risada sufocante com a
ideia de o homem fazer-lhe uma proposta. Meu Deus, ela não era
tão iludida a ponto de acreditar que isso aconteceria! Ele claramente
não a suportava e provavelmente estava apenas fazendo o seu
melhor para confundi-la com seus sorrisos maliciosos e gracejos.
Estava funcionando.
Maldito homem.
Belle observou os homens entrarem na sala e rezou para que
Lorde Nibley a procurasse sem que ela tivesse que orquestrar a
conversa por conta própria. Ela tinha se atirado no seu caminho
tanto quanto ousava, e ele parecia sempre bastante satisfeito em
vê-la. O dilema era que ela não podia evitar sentir que seu
contentamento era mais um alívio por encontrar alguém com quem
ele não precisava mais gaguejar em uma conversa, em vez de um
prazer verdadeiro. No entanto, ela argumentou consigo mesma que
ele deveria se sentir à vontade com a mulher pela qual ele fez uma
oferta. Logo depois, ela recordou o sentimento urgente e
desesperado que teve na presença do marquês. Ele era um homem
com quem nenhuma mulher em sã consciência poderia sentir-se
meramente confortável, e ela não pôde deixar de se perguntar se
ele sentia o mesmo.
Praguejando silenciosamente, ela se repreendeu por permitir
que seus pensamentos voltassem a ele novamente e tentou
concentrar-se na conversa que Crecy estava tendo com as gêmeas
Bridgeford.
— Sim, eu amo a Sra. Radcliffe, naturalmente — disse Crecy,
assentindo, e com os olhos cinzentos acesos de interesse. — Mas
ouvi rumores de uma história simplesmente maravilhosa a ser
publicada no próximo ano. É uma releitura de “Prometeu”, sobre um
cientista e o seu trabalho para criar uma nova vida. Ele pega
pedaços de muitos corpos diferentes e os costura todos de volta
para trazer um homem de volta dos mortos.
A voz de sua irmã deu essa informação com o ar de alguém
revelando um grande deleite enquanto as gêmeas empalideciam e
piscavam para ela em silêncio atordoado. Até Belle engoliu em
seco, com desgosto diante da ideia.
Crecy encarou-as com surpresa.
— Não parece a história muito fascinante? — indagou ela.
— Parece heresia — disse uma voz enganosamente doce por
trás delas. — Quero dizer, um homem brincando de Deus? — disse
Isabella Scranford, com seu rosto bonito vincado de horror,
pressionando uma mão esguia contra o coração como se fosse
desmaiar. — Como você pode achar isso interessante? Não parece
ser um tema adequado para uma jovem dama.
Para horror de Belle, os admiradores de Crecy se insinuaram
mais perto e agora estavam ouvindo essa conversa com uma
mistura de interesse e desconforto. Pior ainda, o marquês tinha
dado vários passos mais perto, tendo obviamente compreendido a
natureza da discussão. Vindo para vangloriar-se, sem dúvida.
Belle mordeu o lábio em agitação, sentindo o desastre na cena
que se desenrolava diante dela. Ela observou, com crescente
ansiedade, que Crecy estava prestes a borbulhar de fúria. Antes que
pudesse quebrar a cabeça para encontrar uma maneira de amenizar
a situação, no entanto, Crecy já havia explodido.
— Eu acho que é estúpido ao extremo julgar uma obra antes
mesmo de alguém ter tido a oportunidade de gastar o tempo e o
pensamento necessários para fazer tal julgamento — disse ela, e
Belle não conseguiu evitar admirar sua mente afiada e língua mais
afiada ainda, mesmo que ela estivesse prestes a arruinar tudo. — O
ponto da história, como me é dado a entendê-la, é ilustrar o fato de
que tais tentativas da humanidade são abomináveis, e só podem
levar ao desastre, tão dificilmente herético. Isso nos alerta para o
fato de que há uma grande responsabilidade com a descoberta
científica, que algumas coisas, uma vez criadas ou descobertas, não
podem ser colocadas de volta na caixa, como na Caixa de Pandora.
E quanto a não ser adequado para uma jovem dama... —
acrescentou com total desprezo, e com seu rosto adorável corado
de raiva enquanto sua voz se elevava junto com sua irritação. — Foi
escrito por uma mulher, e eu, pelo menos, não sou uma criatura tão
fraca a ponto de sucumbir devido a um mal-estar com a própria ideia
disso!
— Oh, não. — Isabella deu risadinhas com um brilho venenoso
em seus olhos. — Todos nós podemos ver que você não é uma
mulher com delicadeza emocional, senhorita Lucretia — disse a
jovem, com seu tom zombeteiro ao perceber os rostos um tanto
chocados dos cavalheiros ao redor. — Não há nada no mundo que
você não possa enfrentar — disse ela em um suspiro, agitando um
braço delicado. — Eu, no entanto, não gosto disso... de tais
assuntos mórbidos e indelicados, e deixaria tais coisas para os
cavalheiros e suas constituições mais fortes, se tais coisas
perturbadoras os atraíssem. A própria ideia faz-me sentir bastante...
bastante fraca. — No que Belle só podia admirar como uma obra
verdadeiramente notável, Lady Scranford colocou uma mão
esvoaçante sobre o coração e bateu os cílios à maneira de alguém
prestes a desmaiar.
— Algum de vocês, homens, leve a mulher para fora para
respirar — disse uma voz ríspida, cortando a mente horrorizada de
Belle como uma espada heroica. — Ela parece que vai vomitar, e eu
prefiro que não seja no meu tapete Axminster.
Com esta observação bastante prosaica feita nada menos que
pelo próprio marquês, Lady Scranford voltou abruptamente à vida
com um suspiro horrorizado. Belle, completamente dominada pela
emoção, teve que fingir um ataque de tosse para disfarçar a
explosão histérica de riso que escapou diante da visão do
constrangimento da criatura maldosa. Naquele momento, ela
poderia ter facilmente beijado o homem, mas quando fitou-o para
encontrar seu olhar, na esperança de compartilhar a diversão do
momento, ele desviou o olhar.
Ela se sentiu ridícula e de alguma forma enganada por isso, pois
tinha certeza de que ele tinha achado a situação tão engraçada e
absurda quanto ela.
— Senhorita Bridgeford, talvez você e sua irmã devessem
acompanhar Lady Scranford por questão de decoro — acrescentou
o marquês com um empurrão brusco de cabeça que fez as gêmeas
fugirem com entusiasmo.
Belle notou, com o coração afundado, que, apesar do risco de a
dama vomitar, muitos dos admiradores de Crecy tinham ido com a
maldita mulher, e os outros que permaneceram partiram em busca
de uma conversa mais agradável em outro lugar.
Crecy não estava em lugar algum.
Belle sentiu uma sensação súbita de ansiedade e examinou a
sala. Ela se virou, apenas para descobrir que o marquês não havia
se mexido e que eles estavam sozinhos. Seu coração começou a
disparar em seu peito, e Belle prometeu a si mesma que não faria
ou diria nada precipitado ou... ou impróprio.
— Sua irmã precisa conter a língua se quiser se casar bem —
observou ele, com os olhos verdes frios e aparentemente
desinteressados.
Belle sentiu seu temperamento inflamar um pouco com isso,
diferentemente do que teria acontecido se qualquer outra pessoa
além do marquês tivesse dito isso. Afinal, ela vinha dizendo
exatamente a mesma coisa há meses.
— Eu sei — disse ela com um suspiro pesado, surpresa consigo
mesma por admitir tal coisa. — O problema é que eu não acho que
ela quer se casar bem, na verdade, ela não quer se casar de jeito
nenhum — acrescentou, ouvindo um fio de ansiedade por trás das
palavras que ela não pretendia ser tão óbvia. Ela se perguntou um
segundo depois o que diabos a tinha possuído para confiar tal coisa
a ele.
O marquês bufou, não acreditando nela de maneira nenhuma.
— Não é isso que todas as moças querem?
Belle esticou o pescoço para trás para olhar para ele.
— Não.
A sua resposta foi breve e mostrou claramente o seu desprezo
pelas suas palavras. Por um momento, ela pensou ter visto um
vislumbre de diversão em seus olhos, mas, então, sua expressão
endureceu. O riso que se seguiu foi frio e zombeteiro.
— Eu acharia isso mais fácil de acreditar se você não estivesse
tão obviamente tentando conquistar Nibley.
Belle ofegou, com suas bochechas flamejantes com fúria e
vergonha. Como ele se atrevia? Ela simplesmente o encarou em
choque mudo. Afinal, ela mal podia chamá-lo de mentiroso, já que
ele estava absolutamente correto, por mais que fosse deselegante
da parte dele observar isso. Mas ser tão insensível!
— Eu nunca disse que não queria me casar bem, milorde —
respondeu ela, com a voz perigosamente calma. — Minha irmã é
outra questão. Só porque uma de nós deve preocupar-se com onde
vamos viver e como vamos vestir-nos ou colocar comida na mesa
quando a generosidade da minha tia acabar, isso não significa,
necessariamente, que seja o que ambas desejamos. — Ela viu uma
faísca de interesse em seus olhos com suas palavras, mas estava
tão furiosa agora que qualquer possibilidade que ela poderia ter tido
de manter sua promessa de não fazer ou dizer qualquer coisa
precipitada foi consumida pela ira que ela sentia. — Sim, devo me
casar para afastar a pobre Crecy da influência da minha terrível tia.
— Ela deu um bufo diante da surpresa nos olhos dele. — O quê?
Você achava que eu não estava ciente do fato de minha parente
mais próxima ser uma mulher vulgar, cujo objetivo era usar a beleza
da minha irmã para agarrar um homem rico?
Os olhos do marquês se arregalaram um pouco mais com esse
discurso sem reservas, mas Belle estava no embalo, e nada iria
impedi-la de dar vazão a toda a sua ira. — Ora essa, milorde. Está
evidente que nenhum de nós suporta o outro, então vamos ser
francos, sem rodeios, certo? — Belle cruzou os braços, encontrando
seus punhos cerrados. Dar uma bofetada nas suas orelhas, de
verdade, estava se tornando demasiado tentador e ela precisava
resistir. — Sim, eu pretendo me casar com Lorde Nibley, se eu
puder estar à altura — disse ela, olhando para ele com desafio. —
Não tenho fortuna, é verdade, mas sou uma mulher sensata, capaz
de colocar em ordem a casa de meu futuro marido. Posso garantir
que a sua vida corra bem, para que ele possa passar o seu tempo
com as suas pedras sem entraves e comer uma refeição decente de
noite. Deixe-me assegurar-lhe que não tenho noções românticas
sobre a união — acrescentou, ignorando a absoluta tristeza que a
ideia lhe trazia. —, mas se ele conseguir passar por cima de minha
terrível tia, perdoarei sua falta de diálogo e nunca lhe darei uma
razão para se envergonhar de mim.
Um silêncio retumbante pairou no ar entre eles, e a raiva de
Belle começou a desaparecer quando percebeu tudo o que acabara
de admitir. Ela engoliu com força quando a náusea começou a
borbulhar em sua barriga.
— E isso é suficiente? — indagou ele.
Ela olhou para cima novamente, chocada por ele não ter
simplesmente virado o calcanhar e ido embora com nojo, mas
estava olhando para ela com uma expressão feroz que ela não
conseguia decifrar.
— O-o quê? — gaguejou ela, ouvindo a raiva em sua voz, mas
um pouco insegura de repente sobre por que ou com o que ele
estava com raiva.
— É o suficiente? — repetiu ele, parecendo impaciente agora.
Ele acenou com a mão, com a mandíbula apertada, como se não
quisesse dizer as palavras em voz alta. — Esse tipo de vida.
Governanta de um homem que mal percebe a sua existência? Seria
suficiente?
Ela fitou-o boquiaberta, imaginando como ele poderia ser tão
estúpido. — Você acha que eu tenho alguma escolha? — murmurou
ela, espantada que ele não enxergasse. — Que escolha você acha
que eu tenho exatamente, milorde? Diga-me, o que você achou
quando me viu pela primeira vez, eu me pergunto? — disse ela as
palavras em um sopro de riso, mas eram frágeis e amargas, no
entanto. — Não, deixe-me adivinhar — acrescentou, levantando
uma mão, embora ele não tivesse realmente oferecido uma
resposta. Ele estava apenas olhando para ela, com uma expressão
ilegível naqueles olhos verde-musgo. — Uma caçadora de fortuna
pobre em busca de um marido rico, sem nada. Sem aparência, sem
dote, sem conexões familiares vantajosas, oh, e uma tia vulgar para
enfrentar. Isso abrange tudo? — indagou, com uma sobrancelha
arqueada. — E você acha que eu tenho o luxo de me perguntar se o
casamento vai me satisfazer quando eu não tenho ideia se posso
fazer com que aconteça! — Ela realmente riu agora, mas havia um
tom histérico no som, e seus olhos estavam ardendo e úmidos. Se
ela não saísse agora, acabaria transformando esta noite
verdadeiramente horrível em algo ainda pior, fazendo algo tão
terrível quanto chorar na frente dele. — Se eu puder fornecer um
teto sobre minha cabeça e apresentar minha irmã para a sociedade
da maneira que ela merece, ficarei bastante satisfeita, acredite em
mim, milorde. Agora, se me der licença.
Ela se virou antes que pudesse dizer outra palavra e se viu
encarando Lorde Nibley. Ela tinha certeza de que ele tinha acabado
de se aproximar e não tinha ouvido a conversa deles, mas ele pelo
menos deve ter ouvido o tom furioso de sua voz e observado o
brilho perigoso em seus olhos. Sem dúvida, qualquer pensamento
que ele pudesse ter tido sobre ela ser uma esposa adequada havia
desaparecido de uma vez por todas. Oh, meu Deus. Esta noite
poderia ficar ainda pior?
Com um pedido de desculpas murmurado, ela fugiu e descobriu
com horror que Crecy ainda não tinha retornado à sala. Horrorizada
por ter passado seu tempo discutindo com o marquês quando a
pobre Crecy poderia estar sozinha com algum... algum libertino
terrível, ela se apressou em procurar sua irmã.
Capítulo 10

“No qual faíscas voam e Belle segura um detonador.”

Violette viu a senhorita Holbrook sair correndo da sala depois do


que obviamente tinha sido uma briga absolutamente furiosa com
Edward. Embora seu irmão não parecesse furioso; não exatamente.
Na verdade, ele parecia – intrigado, pelo menos até Lorde Nibley se
aproximar para falar com ele e ser prontamente interrompido
enquanto o irmão dela se afastava abruptamente. Meu Deus, como
ele era rude.
— Gosto da senhorita Holbrook — observou Lady Russell ao
lado dela, com a voz suave, embora os seus olhos cinzentos e
afiados estivessem claramente vendo a cena se desenrolando tal
como Violette a tinha visto.
— Sim — respondeu Violette, observando seu irmão contemplar
o fogo na lareira com uma expressão bastante feroz. — Eu também
gosto muito dela.
— Moça sensata — continuou Lady Russell, saboreando seu
licor com um ar indiferente. — Não é o tipo de mulher que desiste
facilmente, eu diria. Tem uma personalidade forte, não é nenhuma
jovenzinha tímida essa daí. Não me leve a mal.
— Não levei a mal — murmurou Violette, lembrando-se da forma
como ela tinha visto a jovem, aparentemente pequena, havia
respondido ao marquês com igual intensidade, pelo menos pelas
expressões de Eddie. Parecia que ela o tinha desafiado com
firmeza, na verdade, e Violette esperava muito que ela tivesse feito
isso. Isso faria muito bem a ele. Na verdade, ela esperava que a
senhorita Holbrook fizesse isso novamente em breve. Ela se virou
para dizer isso à Lady Russell, apenas para encontrá-la com um
olhar bastante alegre nos olhos. Violette sorriu para ela.
***
Belle vasculhou a ampla casa com crescente pânico, pois Crecy
não estava em lugar nenhum. Ela poderia estar em qualquer lugar e
Belle não se atrevia a se desviar das poucas salas com os quais
estava familiarizada por medo de se encontrar no tipo de situação
da qual esperava salvar Crecy. Embora, pelo menos, se ela fosse
apanhada com Lorde Nibley, ele teria a honra de se casar com ela.
O pensamento era tão chocante, e tão... tentador que ela parou de
andar no meio do amplo hall de entrada. Antes que ela tivesse
tempo de considerar a ideia, uma tosse educada foi ouvida, e ela
percebeu que o mordomo estava se dirigindo a ela.
— Peço perdão, senhor Garrett — disse ela, sorrindo para ele.
— Receio que estava distraída.
— Posso perguntar se você estava procurando por sua irmã, a
senhorita Holbrook? — indagou ele com um ar bastante preocupado
e paternal, que ela achou comovente e reconfortante.
— Isso mesmo! — exclamou ela, e depois hesitou, não
querendo que o homem acreditasse que sua irmã estava
comparecendo a um encontro amoroso. — Ou seja, temo que ela
possa ter se perdido.
O mordomo sorriu para ela, com um brilho acolhedor em seus
olhos. — A jovem expressou o desejo de ver a biblioteca, então
tomei a liberdade de acomodá-la lá com um pouco de chá e
biscoitos. Estou aqui desde então — acrescentou, com um tom
enfático que a fez acreditar que ele estava guardando a honra de
sua irmã e garantindo que ela não fosse incomodada.
Após os acontecimentos desta noite perturbadora e
desconcertante, Belle viu-se oprimida pelo fato de um homem a
serviço do marquês, que não as conhecia nem tinha motivo para se
importar com elas, ter-se dado tanto trabalho.
— Oh, como você é bom, senhor — disse ela, estendendo o
braço e pegando sua mão antes que pudesse considerar suas
ações. Ela corou e soltou-o, mas o senhor Garrett parecia olhar para
ela com aprovação, então esperava não ter causado repulsa nele.
Ela sabia que intimidade excessiva com os criados era desaprovada
não apenas pela alta sociedade, mas também pelos próprios
criados. Por suas ações, ela havia traído não apenas a profundidade
de sua ansiedade, mas sua inexperiência em lidar com a criadagem.
No entanto, o senhor Garrett apenas lhe deu um sorriso
bastante confiante. — Eu também tive uma irmã mais nova,
senhorita. Era uma preocupação terrível para mim. Casada há muito
tempo, agora com três filhos, todos eles rapazes crescidos —
acrescentou, com uma risada. — Mas lembro-me bem da ansiedade
de impedir que uma moça de tão boa índole e inocente se metesse
em encrenca sem querer.
Belle olhou para ele com surpresa. Ela acreditava que a
criadagem de um homem como o marquês seria terrivelmente
formal e altiva, e essa confiança compartilhada lhe parecia estranha.
Um olhar perturbado apareceu nos olhos de Garrett.
— Perdoe-me, senhorita Holbrook — disse ele, um pouco
rigidamente. — Eu não queria passar dos limites.
— Oh — respondeu Belle, percebendo que ele havia
interpretado mal sua surpresa como desdém. — Não, de modo
algum. Na verdade, senhor Garrett, a verdade é que tenho medo de
passar vergonha perante os criados de uma família tão distinta, sem
mencionar a própria família — acrescentou, com um rubor, ao
lembrar-se das suas palavras de despedida ao marquês. — É uma
grande surpresa que você seja tão... tão... — Ela vacilou, sem saber
que palavra usar sem ofender, mas Garrett simplesmente deu uma
risadinha.
— Servi ao último marquês antes de servir a este, e seria difícil
encontrar dois homens mais diferentes. Conheço o marquês desde
o dia em que nasceu e, ao contrário do pai, ele não aprecia
formalidades desse tipo. Nunca foi esnobe, aquele ali, apesar dos
ensinamentos do antigo marquês.
Belle achou essa informação um pouco mais fascinante do que
considerava sensato, mas não pôde deixar de ir um pouco mais
fundo.
— Se você não se importa que eu observe, ele... ele não parece
estar gostando muito da presença de seus convidados.
A expressão do homem entristeceu e ele assentiu. — A guerra
mudou-o, senhorita. Houve um tempo em que ele teria gostado de
tal reunião, mas não mais. Ele não gosta de companhia hoje em dia.
Uma vez mais, e apesar de sua fúria avassaladora com ele,
Belle não pôde deixar de sentir compaixão por um homem que
claramente tinha sido um herói, pelo que todos diziam dele. Ela não
podia saber ou mesmo imaginar as coisas terríveis que ele deve ter
visto e experimentado. Tais coisas deviam deixar cicatrizes, mesmo
que não fossem visíveis a olho nu.
Garrett a guiou até a porta da biblioteca, e Belle agradeceu a ele
novamente antes de entrar para encontrar Crecy.
Ela estava encolhida em uma poltrona junto à lareira, seus
sapatos jogados de lado e os pés escondidos sob as saias, o nariz
enfiado em um livro e um biscoito meio comido na mão livre. Ela
parecia absurdamente jovem e angustiantemente bela. Belle estava
dividida entre sacudi-la por ter lhe dado um susto tão grande e
apenas admirar a cena diante dela. No final, ela encontrou um meio-
termo entre os dois, acomodando-se na cadeira oposta e esperando
até que Crecy olhasse para cima e notasse sua presença.
— Oh, olá, Belle — disse ela, sorrindo antes de dar uma
mordida no biscoito anteriormente esquecido. — Isso é muito bom
— acrescentou, gesticulando para o livro e tirando migalhas de seus
lábios e das páginas enquanto falava com a boca cheia de biscoito.
Belle suspirou sobre suas maneiras desleixadas.
— Você está determinada a me deixar de cabelo branco antes
que essa maldita festa acabe, não é? — questionou ela, cruzando
os braços e esperando parecer séria e ameaçadora. — Como você
pôde ser tão tola a ponto de sair sozinha, Crecy? E se alguém
tivesse te seguido e a encontrado aqui sozinha? E, então, como
seria?
Crecy franziu a testa e Belle sabia que a ideia nem sequer lhe
tinha ocorrido.
— Você está sozinha — observou sua irritante irmã, antes de
enfiar o último pedaço do biscoito na boca.
Belle fez uma careta e deu um muxoxo de impaciência. — Mas
eu não tenho uma legião de admiradores desesperados que querem
ficar a sós comigo nem fazer amor comigo! — disse ela
rispidamente, imaginando quando Crecy finalmente colocaria em
sua cabeça que os homens a seguiriam como ovelhas, ou a
perseguiriam como tigres, e que ela devia estar sempre alerta. Belle
sentiu uma pontada de culpa à medida que Crecy corava e parecia
bastante mortificada.
— Desculpe, Belle — murmurou ela, fechando o livro e
passando as mãos alisando a capa. — Mas aquela terrível Lady
Scranford foi tão irritante... e eu só precisava escapar antes de dizer
algo horrível. — Belle achou que demonstrou notável contenção em
manter a boca fechada neste momento. — Você sabe que eu não
suporto quando todos ficam sentados falando futilidades —
continuou Crecy, ficando cada vez mais irritada. — E ela foi tão...
tão...
— Sim, ela foi — respondeu Belle, com o tom seco. —, mas isso
não muda o fato de que você não pode simplesmente sair andando
por aí sozinha. É perigoso demais. Especialmente pela forma como
os seus pretendentes te seguem.
Crecy bufou. — Agora não, eles não vão — respondeu ela,
parecendo muito mais satisfeita do que Belle teria gostado com a
ideia. — Não depois desta noite.
Belle revirou os olhos. — Não. Bem, você não precisa
demonstrar que está tão contente com isso, sua criatura miserável.
— Não havia maldade por trás das palavras e Crecy apenas riu.
— Oh, mas o marquês não foi fantástico? — acrescentou ela,
com os seus olhos cinzentos brilhando de tanto rir. — Sabe, eu
realmente pensei que Lady Scranford fosse colocar tudo para fora,
ela parecia tão mortificada.
— Crecy! — disse Belle rispidamente, balançando a cabeça em
exasperação. — Pode, por favor, guardar para si essas expressões
vulgares? — repreendeu-a, enquanto Crecy escondia um largo
sorriso. — E quanto ao marquês... — começou, apenas para fechar
a boca. Ela se lembrou das palavras de Garrett e das suas próprias
observações e descobriu que não sabia o que queria dizer sobre o
marquês. Ela parecia oscilar entre fúria e compaixão e... bem,
quanto menos fosse dito sobre isso, melhor. — Venha comigo,
jovenzinha — disse ela, em vez de permitir que Crecy se
perguntasse o que exatamente ela ia dizer. — Se você não
consegue falar de maneira civilizada, acho que não podemos fazer
nada além de desejar que este dia seja esquecido e ir para a cama.
***
Depois que a senhorita Holbrook saiu furiosa da sala, Edward se
retirou para seu escritório assim que pôde, sem dar a impressão de
estar abandonando completamente seus convidados. Meu Deus,
será que essa semana interminável nunca teria fim? Mais dois dias,
ele se lembrou, apenas mais dois dias e todos teriam ido embora, e
ele estaria em paz. Graças a Deus.
Acomodando-se atrás de sua escrivaninha com um grande copo
de conhaque, ele sentiu seus lábios se contorcerem em um sorriso
involuntário ao lembrar-se da fúria da senhorita Holbrook. Meu
Deus, as irmãs Holbrook tinham os temperamentos mais terríveis
que ele já tinha visto, e ele tinha vivido com Violette!
Ele tinha que admitir uma enorme admiração por ela, no
entanto. Sua raiva e indignação tinham sido algo para se
contemplar. Sua sinceridade, também, tinha sido uma surpresa. A
maioria das mulheres se derretia e ficava ao redor dele, e esperava
elogios luxuosos ou faria o possível para destacar suas próprias
habilidades e atributos e ofuscar as outras. A senhorita Holbrook, no
entanto, tinha lhe dito diretamente na cara o que ele tinha pensado
dela inicialmente, quase palavra por palavra, e não tinha sido bonito.
Um leve sentimento de culpa – e talvez até mesmo arrependimento
– assaltou-o quando percebeu que tinha sido duro e injusto.
Na verdade, ele tinha que admitir que ela não era desprovida de
beleza, apesar de como ela tinha se julgado tão veementemente por
sua causa. Na verdade, uma vez longe de sua bela irmã, ela era
realmente bastante encantadora. Não possuía uma beleza
deslumbrante, mas ela tinha a quantidade certa de curvas nos
lugares certos, seus olhos brilhavam e mostravam sua natureza
direta e uma disposição para rir, e sua boca... Ele parou e decidiu
que já tinha passado tempo suficiente considerando a boca dela.
Edward tentou afastar de sua mente a senhorita Holbrook, mas
aquele órgão recalcitrante se recusava a levar em conta que ele
deveria estar verificando ou lendo sua correspondência, por mais
escassa que fosse. Em vez disso, ele retornava para aquela
expressão de pena que tinha visto em seus olhos quando lhe
perguntara se casar com Nibley seria o suficiente para ela. Ela o
considerava um tolo por isso, e ele mal podia culpá-la ao refletir
sobre o assunto. Ele realmente não tinha parado para pensar no
que poderia ser o futuro dela, especialmente com a senhora Grimble
frustrando qualquer esperança possível que ela pudesse ter com
cada turbante ou chapéu ultrajante que exibia e sempre que abria
sua boca horrível. No entanto, pensar que uma mulher tão ardente e
apaixonada se encontrasse casada com alguém entediante como
Percy Nibley...
Havia um sentimento estranho e ligeiramente perturbador em
seu peito com a ideia.
Pobre Percy não fazia ideia do que o aguardava.
Nesse ponto, Edward estava ciente de um crescente sentimento
de inquietação, embora não conseguisse identificar exatamente o
problema. Sentia-se irritado, frustrado e realmente fora de sintonia.
Ele encheu novamente o copo e soltou um suspiro de frustração.
Qualquer que fosse o problema, as malditas senhoritas Holbrook
realmente não eram de sua conta. Em dois dias, elas teriam ido
embora, e sua vida voltaria a alguma semelhança de normalidade.
Seja lá o que significasse isso.
Seja qual fosse o futuro reservado para a criatura irritante e
franca, não era algo com que ele devesse se preocupar, embora
sentisse a necessidade de impedir que ela conquistasse Lorde
Nibley. Afinal, Percy era um amigo e ele lhe devia lealdade. Ele
deveria ao menos alertar o sujeito de que estava sendo perseguido;
o pobre coitado provavelmente não fazia ideia. Ele considerou a
ideia da senhorita Holbrook casada com Percy e se sentiu
perturbado e até mesmo um pouco nauseado com a ideia. Sim, ele
deveria fazer isso, simplesmente por amizade e pelo bem de Percy,
é claro.
Sim, pelo bem de Percy.
Ele precisava ficar de olho na senhorita Holbrook e em suas
maquinações e atrapalhar seus planos matrimoniais na primeira
oportunidade.

Capítulo 11

“No qual Crecy é imprudente – de novo – e Belle leva um susto.”


Foi pura má sorte que Edward estivesse andando pelas escadas
no momento em que seu primo detestado veio para uma visita. Em
circunstâncias normais, Garrett negaria a sua entrada, mas isso era
difícil de fazer quando Edward estava tão obviamente na linha de
visão de Gabriel.
— Winterbourne — disse Gabriel, aquela boca cruel inclinou-se
um pouco em um sorriso zombeteiro.
Edward olhou para o sujeito com desprezo. Esse homem tinha
tentado garantir que Edward permanecesse alheio ao que estava
acontecendo ao seu redor na sarjeta de Seven Dials, e quando isso
fracassou, tentou tornar a situação um pouco mais permanente.
Exceto que o tolo que ele contratou quase matou o marido de sua
irmã quando Aubrey correu para empurrar Edward para fora do
trajeto da bala.
— Demorte — cumprimentou ele, com seu tom longe de ser
acolhedor. — O que você quer?
— O que quero? — respondeu o visconde, com uma
sobrancelha grossa e escura arqueada para cima; uma paródia de
surpresa inocente. — Meu caro amigo, não quero nada de você,
isso posso te garantir.
Edward bufou; nada além de seu título, sua riqueza, sua
propriedade... a irmã dele. — Bem, então, como eu certamente não
quero nada de você, não entendo o que esteja fazendo aqui.
Gabriel riu e, contra a vontade, Edward sentiu um arrepio em
sua pele. Houve um tempo em que Edward tinha pena de Gabriel.
Sua vida estava condenada desde o momento em que nasceu, com
a loucura na família muito evidente no pai de Gabriel, o tio de
Edward, Thomas. O homem se esforçou ao máximo para garantir
que seu único filho fosse tão perturbado quanto ele.
Gabriel havia encontrado o corpo de sua mãe no dia em que ela
finalmente cumpriu suas ameaças e cometeu suicídio. Em um
horroroso ato final, seu pai ficou tão transtornado que também se
matou, naquele mesmo dia – na frente de seu filho de dez anos.
Não é à toa que o pobre coitado tenha se tornado um
desajustado; que chance ele teve, afinal? Mas esses sentimentos
empáticos tendiam a ser interrompidos quando o diabo tentava
matá-lo. Duas vezes.
— Meu querido Edward — continuou Gabriel, sorrindo, embora
fosse o tipo de sorriso que o próprio diabo devia dar aos recém-
chegados à sua morada infernal. —, acabei de descobrir que estou
atrasado em felicitar a sua irmã por ela... é... ter tido um casamento
vantajoso.
Edward fez uma carranca. Ele se opôs ferozmente ao
casamento de Violette porque era tudo, menos vantajoso. Mas tinha
que ser justo, Aubrey Russell seria um dia o Barão Russell, o que
era perfeitamente respeitável, e ele parecia estar fazendo Violette
feliz. Extremamente feliz, para dizer a verdade (o que era raro, é
preciso dizer), e Violette merecia ser feliz. Acrescente-se o fato de
que o homem estava fazendo fortuna com uma rapidez espantosa...
sim, talvez o seu interesse neste acordo de locomotivas tivesse
mais a ver um pouco com comércio, mas Edward nunca teve muito
tempo para o tipo de homem que ficava sentado de braços cruzados
enquanto as suas propriedades viravam pó, em todo o caso. Ele
começou a se dar conta de que admirava o senhor Russell, embora
nunca o admitisse à irmã.
— Eu vou me certificar de passar suas felicitações, primo —
respondeu Edward com seu tom seco. Violette tinha pavor de
Demorte, e faria de tudo para ficar longe dele, ou mesmo iria até
Londres, sozinha e desacompanhada.
Ele sentiu uma onda de raiva do homem que tanto assustava
sua irmã. A boca de Gabriel se curvou um pouco mais, já que ele
devia saber bem o que Edward estava pensando. Edward reprimiu
quaisquer outras observações iradas, sabendo que seu primo
sentiria prazer em ver uma explosão de sua parte. Ele prosperava
com a animosidade entre eles.
— Você parece bem, Edward, se me permite fazer essa
observação.
— Não estou morto, quer dizer? — rebateu Edward, com seu
tom suave.
Gabriel deu um largo sorriso, mostrando uma fileira de dentes
brancos e uniformes. — Ah, quão bem nos entendemos.
Edward nada disse.
Isso era típico daquele homem e de seus jogos mentais. Ele
tinha vindo por nenhuma outra razão senão para perturbar Edward e
lembrá-lo de que ele ainda tinha um inimigo à solta.
Como se pudesse esquecê-lo.
— Bem, então, querido primo — disse Gabriel, fazendo uma
reverência teatral. — Vou dar-lhe um bom dia.
***
Belle encarou a paisagem árida e coberta de neve com raiva
silenciosa enquanto observava sua irmã andando no terreno,
sozinha, com Lorde Benjamin Lancaster. O filho mais novo de um
marquês, ele seria um bom par para Crecy. Se Crecy o escolhesse,
Belle teria incentivado a união com prazer, se não fosse pelo fato de
Ben Lancaster ser um notório libertino!
— Pare de ser tão enfadonha, Belinda — disse a tia. — O
homem é um lorde, e mesmo que ele seja apenas o filho mais novo,
há rumores de que ele tem uma fortuna bastante esplêndida. Você
deve dar tempo a ele para se apaixonar por ela. Se ao menos ela se
esforçasse em agarrá-lo. Mas, ainda assim, se ele conseguir ficar
sozinho com ela, deve ser capaz de persuadi-la; ele é terrivelmente
bonito. — Sua tia deu um suspiro desanimado. — Admito, é claro,
que tinha esperanças de que o próprio Winterbourne demonstrasse
interesse...
Belle sentiu seu temperamento explodir com essa mulher terrível
e sua terrível despreocupação. — Sim, e suponho que pouco
importa se ela for arruinada; afinal, você irá oferecer em nome dela
que ele seja seu protetor, suponho?
Tia Grimble a encarou com um olhar frio de repulsa. — O mundo
é um lugar difícil para uma mulher sem fortuna, sua menina tola. Ela
teria a sorte de receber tal oferta. Você não sabe a sorte que teve
por minha ajuda. Nunca foi grata pela minha generosidade em
acolhê-la e deixá-las comerem e viverem na minha casa.
— Usando nós duas como escravas, usando Crecy como isca
na frente de cada homem com uma fortuna, não importando sua
idade ou caráter. — interveio Belle, furiosa, puxando sua peliça o
mais rápido que pôde, fazendo o possível para fingir alguma polidez
para com aquela criatura odiosa.
— Bem, vou dizer uma coisa, sua ingrata — zombou tia Grimble.
— Esta é a sua última oportunidade. Vocês terão esta temporada
para botarem as suas mãos em um marido rico e, se não
conseguirem, estarão fora. Eu não vou mais abrigá-las, nunca vi, em
toda a minha vida, duas criaturas mais gananciosas e insensíveis!
— Belle ofegou com a pura audácia da mulher, chamando-as de
gananciosas! — Sem mencionar a sua irmã esquisita e o seu amor
por coisas mortas e quebradas. — Sua tia tremeu visivelmente, e,
nesse ponto, Belle sentiu-se um pouco menos certa. O quarto que
elas dividiam estava cheio de todos os tipos de crânios e ossos e
coisas estranhas que sua irmã havia encontrado. Se fosse uma
criatura mais sensível, Belle provavelmente teria tido pesadelos.
Mas a ameaça de ser jogada nas ruas era muito real para ser
apenas um pesadelo. Belle sabia que era inevitável, não importando
o que aquela maldita mulher dissesse. Ela sempre planejou expulsar
Belle após esta temporada se nenhuma delas encontrasse um
marido, e quanto à Crecy... Belle sentiu um calafrio.
— Bem, você terá que começar a pagar seus criados, então —
atacou Belle com dignidade enquanto amarrava o bonnet. — Se
você puder encontrar alguém para trabalhar para um verme tão
vulgar e avarento. — E com isso ela saiu porta afora com a
gratificante imagem, gravada em sua mente, de tia Grimble
boquiaberta em choque.
Sua satisfação durou pouco, no entanto, e o terror começou a se
agitar em seu estômago. Bom Deus, o que seria delas?
No momento, porém, ela tinha que resgatar Crecy.
Os jardins ficavam encantadores com os flocos de neve da
estação e, apesar do frio, fazia um belo dia. O céu estava tão limpo
e azul que o dia era quase brilhante demais para suportar, cintilando
sobre a cobertura branca imaculada que tinha sido lançada sobre o
campo como um manto. Felizmente, a neve não era profunda,
apenas alguns centímetros, e como ninguém mais ousou se
aventurar na atmosfera gelada, os passos de Crecy e Lorde
Lancaster foram fáceis de rastrear.
Parecia que ela tinha chegado no momento exato, quando subiu
uma pequena colina e avistou o vale raso que levava a uma densa
área de bosque, e descobriu Lorde Lancaster seduzindo-a. Crecy
estava examinando algo no chão, afastando a neve quando Lorde
Lancaster se agachou ao lado dela. Enquanto Crecy olhava ao
redor, sorrindo com encanto para o que quer que fosse (sem dúvida
algo revoltante), Lancaster se aproximou... e a beijou.
Previsivelmente, para Belle, pelo menos, Crecy exclamou com
indignação e, então, deu um empurrão forte em Lancaster, fazendo-
o cair de costas na neve, em um monte desajeitado.
Belle se apressou até eles, lançando a Crecy um olhar de pura
fúria antes de voltar sua atenção para Lancaster. Pelo menos, Crecy
tinha a decência de parecer envergonhada, enquanto, para sua
surpresa e alívio, Lorde Lancaster parecia ter achado graça na
situação. — Bem, suponho que tenha merecido isso — observou ele
dando uma risadinha, levantando-se e tirando a neve de suas
roupas.
— De fato, você mereceu — respondeu Belle, aliviada por não
ter que enfrentar uma cena de raiva, mas ainda extremamente
indignada em nome de Crecy, por mais imprudente que fosse seu
comportamento.
— Você merecia um soco no nariz, milorde — disse Crecy, com
as palavras soando azedas e irritadas. — Só que eu não queria
arriscar danificar o esqueleto.
Esqueleto? Oh, senhor, bem, isso explicava muito.
Lancaster deu um bufo de diversão. — Bem, maldição, senhorita
Lucretia, eu nunca conheci uma mulher tão difícil para o ego de um
homem. Sinto-me com o ego bastante ferido.
— Tenho certeza de que você vai se recuperar — disse Crecy
com dignidade, cruzando os braços.
Lorde Lancaster olhou do rosto indignado de Crecy para o de
Belle, e limpou a garganta, sentindo-se claramente um pouco
desconfortável. Também com razão.
— Peço desculpas pelo meu comportamento terrível, senhoras.
Só posso dizer em minha defesa que a tentação foi demais para
suportar.
Ambas as mulheres se ressentiram com esse comentário, e o
mal-estar de Lancaster pareceu aumentar. Ele limpou a garganta. —
Sim, bem... é... talvez permita-me fazer as pazes acompanhando-as
de volta à casa. Aqui fora está um frio de lascar — acrescentou,
com o que provavelmente imaginou ser um sorriso encantador. Na
verdade, era muito cativante, e Belle pôde ver como ele ganhou
uma reputação tão terrível, mas mesmo assim.
— Isso não será necessário, milorde — disse Belle, com o tom
frio. — Vou acompanhar a minha irmã. Peço-lhe que não se
incomode.
Lancaster olhou para Crecy, que acabou de virar as costas para
ele com um olhar final de total nojo. Belle suspirou; por mais que ela
estivesse zangada com o homem por sua impropriedade e por tirar
vantagem, ele teria sido um bom par para Crecy, e ele não parecia
um tipo ruim, de verdade. Nem todo homem aceitaria ser empurrado
para um monte indigno na neve de boa vontade, não importa o
quanto ele merecesse isso.
Com uma demonstração final de bom senso, Lorde Lancaster
repetiu suas desculpas, fez uma reverência educada e deixou as
duas mulheres sozinhas.
— Oh, Crecy! — gritou Belle, quando ele já estava longe. —
Como pôde? E depois de tudo o que eu te disse ontem!
Crecy devolveu o olhar com raiva, com uma expressão de
revolta em seus olhos. — Ele disse que tinha encontrado o
esqueleto de uma cobra, Belle! — exclamou ela, como se isso
explicasse tudo com perfeita clareza. — E tia Grimble deveria vir
também. Pedi-lhe para vir comigo, por questão de decoro, tal como
disse, Belle. Ela disse que só ia buscar a peliça dela e que chegaria
logo.
Belle revirou os olhos para o céu. — Ah, Crecy, sua tola! Por que
diabos você acreditaria em uma palavra que essa maldita mulher te
diz? Principalmente quando você sabe muito bem que ela tem feito
de tudo o tempo todo para colocá-la no caminho de todo e qualquer
homem rico!
— Bem, eu pensei que ela viria, como eu especificamente pedi a
ela! — argumentou ela.
Belle gemeu e Crecy fez uma cara feia para ela antes de se virar
e se agachar na neve novamente, com a conversa claramente
sendo encerrada, uma vez que ela estava preocupada.
— Olha, Belle — disse ela, sorrindo agora, com a discussão há
muito esquecida diante de seu tesouro. — É tão delicado, quase
como seda. Não é adorável?
Belle deu um passo relutante para mais perto para ver o que era
realmente o esqueleto de uma cobra no topo de um toco de árvore.
Fazendo uma carranca, Belle reprimiu um estremecimento. —
Adorável — repetiu, pensando para si mesma exatamente o oposto.
— Lorde Lancaster ouviu-me falar sobre a minha coleção pelas
gêmeas Bridgeford, por isso, quando ele a viu ontem, antes da neve
cair, é claro, colocou-a aqui para me mostrar.
— Que engenhoso — disse Belle, com o tom seco.
— Não foi? — disse Crecy, assentindo, e, então, seu rosto
entristeceu, com seus adoráveis olhos cinzentos mostrando uma
pitada de nuvens escuras e machucadas de tempestade de lavanda.
— Pelo menos eu achei engenhoso. Agora, suponho que devo
concluir que ele armou tudo para ficar sozinho comigo. Belle, por
que é que os homens são tão dissimulados? Eu preferiria muito
mais saber que um sujeito tem intenções nefastas por mim do que
tê-lo sendo encantador na minha frente, e depois me surpreender
com isso. Pelo menos você sabe com quem está lidando.
— Crecy! — exclamou Belle, quando sua irmã olhou para cima
com uma expressão de perplexidade.
— O quê? — quis saber ela, claramente sem entender a
angústia de sua irmã.
Belle balançou a cabeça com impaciência. Não importa agora.
Você e eu vamos ter uma conversa, querida, mas não até que os
meus dedos dos pés tenham descongelado. Venha comigo, estou
congelando e você está ficando com o nariz vermelho.
— Poxa! — exclamou Crecy com impaciência. — Não me
importo com um nariz vermelho! A questão é — acrescentou, com a
sua expressão de profunda preocupação — como é que vou trazer
uma coisa tão delicada de volta para casa?
— Não, Crecy! — exclamou Belle, cruzando os braços. Isso foi a
gota d'água. — Você não vai levar aquele esqueleto nojento de volta
para casa, eu te proíbo!
— Você disse que era adorável! — respondeu Crecy, igualmente
irritada, com seu tom assinalando isso.
— S-sim, bem... — gaguejou Belle, pega na mentira. — E eu sei
que é, para você, querida. Mas para a maioria das pessoas é... é
assustador e... ugh. Não, Crecy, só não!
— Oh, mas, Belle!
— Não.
Belle agarrou a mão de sua irmã desconcertante e a puxou à
força para longe de seu tesouro irresistível. Pelo amor de Deus, por
que a garota não poderia ter um fascínio por avistar pássaros –
pássaros vivos, pelo menos – ou... ou... tricô? Tudo menos coisas
mortas!
— Eu poderia pegar uma caixa pequena — continuou Crecy,
enquanto Belle a puxava de volta para casa.
— Não, Crecy.
— Eu poderia — acrescentou ela, soando mal-humorada e
desafiadora a essa altura.
Belle franziu os lábios e assentiu, e, então, respondeu, com seu
tom descontraído. — Você poderia — concordou ela. — E eu
poderia dizer a cada jovem cavalheiro que tem o mais vago
interesse em você que você simplesmente iria adorar se eles
compusessem um soneto de amor para os seus belos olhos.
Crecy parou no meio do caminho e olhou para sua irmã com
uma combinação de horror e clara admiração por sua mente
diabólica. — Oh, Belle, você não faria isso!
Belle sorriu para ela. — Traga essa maldita víbora para a casa e
desafie-me — sugeriu ela, com um sorriso adorável.
— Bem, de todas as coisas baixas... — murmurou Crecy,
andando à frente de sua irmã. Belle deu um largo sorriso e seguiu-a
de volta para a casa.
Crecy tinha conseguido ficar a alguma distância à frente dela,
claramente afastando sua irritação ao andar, quando retornaram
para as portas principais do castelo. Belle olhou para cima e viu uma
figura imponente e escura sair do edifício e descer as escadas em
direção a uma carruagem à espera. Ele era uma visão
impressionante, com a estatura e a largura dos ombros do próprio
marquês. Mas onde o cabelo de Lorde Winterbourne era castanho-
escuro, o cabelo deste homem era preto como as costas de um
corvo, de um azul brilhante ao sol.
Belle observou com receio, como em vez de dar um aceno
educado e continuar, Crecy parou no meio do caminho para olhar
para aquele estranho. Ela parecia tão extasiada quanto quando
estava com aquele maldito esqueleto, e Belle sentiu um arrepio de
pressentimento.
O homem parou, também, sem dúvida, atraído pela beleza de
sua irmã e o interesse muito óbvio dela. Belle correu para o lado de
Crecy e pegou seu braço. Estava tão perto que ela pôde ver que os
olhos do homem eram de um azul-escuro vívido e bastante
incomum. Eles também eram tão frios quanto a paisagem amarga
ao seu redor.
— Olá — disse Crecy, soando estranhamente tímida, com os
seus olhos nunca deixando o homem, e seu tom um pouco sem
fôlego.
Belle deu um puxão brusco em seu braço, rezando para que ela
se movesse, mas o homem estava olhando para ela com igual
intensidade, e com uma leve carranca entre os olhos.
— Não a estou reconhecendo, senhora — disse ele, com seu
tom tão gelado quanto seu olhar, embora Belle pensasse ter
captado também um tom de curiosidade.
— Perdoe-nos, senhor — disse Belle, puxando o braço de sua
irmã. — Não queríamos incomodá-lo. — Ela deu a Crecy um forte
beliscão que pareceu tirá-la de seu devaneio, e ela olhou para Belle,
corando, finalmente seguindo-a para longe do homem. Tudo sobre
ele tinha colocado sinos de alerta tocando nos ouvidos de Belle. Ele
significava problemas – em todos os sentidos da palavra. E, no
entanto, enquanto Belle a apressava subindo os degraus, percebeu
que Crecy virou a cabeça para olhá-lo novamente, e ele a observou
recuando com a mesma intensidade.
Belle empurrou a irmã pela porta e voltou a olhar para o homem
de aparência diabólica, mas ele entrou em sua carruagem, fechando
a porta atrás dele. Ela respirou fundo ao reconhecer o brasão na
porta. Em branco, dourado, azul e preto, era incomum e perturbador.
Os dois principais símbolos do escudo eram notórios e sinônimos de
apenas um nome. Esse nome fez seu coração bater forte de medo.
Dois corvos negros abatidos no pescoço com uma flecha.
Meu Deus, era o Visconde Demorte.
Ela se virou para a sua irmã, que tinha uma expressão
incomumente reservada, mas se conteve quando viu as gêmeas
Bridgeford conversando enquanto desciam a escadaria. Belle
inventou desculpas para elas, dizendo com absoluta sinceridade
que estavam congeladas até os ossos e precisavam se aquecer e
trocar as botas antes do almoço. Ela precisava conversar com a sua
irmã rapidamente. Crecy estava escondendo algo, e Belle estava
cada vez mais preocupada com o que exatamente isso poderia ser.
Capítulo 12

“No qual nossa infeliz heroína é forçada a agir.”

Belle sentou-se na cama, olhando para a escuridão. Dormira


pouco e mal, e agora, às cinco da manhã, já estava totalmente
acordada.
Sua conversa com Crecy tinha sido infrutífera e só a deixara
mais desconfortável. Crecy negou conhecer o Visconde Demorte e,
pelas palavras do próprio homem, essa parecia ser a verdade. Ele
mostrou não reconhecer Crecy, e só Deus sabia que era um rosto
que não se esquecia facilmente. Belle teve a sensação preocupante
de que Demorte não a esqueceria agora. Mas pior, muito pior, do
que isso era a óbvia fascinação de Crecy pelo homem.
Oh, a irmã dela tinha rido daquilo e deixado para lá e negado,
mas Demorte era perverso e perigoso e, só para deixar claro, se os
boatos fossem verídicos, estava falido. Ele era um emaranhado de
pensamentos perturbados e ações sombrias e um pária da alta
sociedade, e se essa não fosse a receita perfeita para Crecy achar
algo totalmente intrigante, Belle não se chamava Belle.
Ela nunca entendeu o fascínio de sua irmã pelo lado mais
sombrio da vida, sua necessidade de consertar e amar coisas que,
para a maioria das pessoas, eram feias e irreparáveis. Mas o
coração de Crecy parecia atraído por criaturas tão lamentáveis, a
ponto de ela já ter estado muito perto de ser devorada por um cão
feroz. A pobre criatura tinha ficado tão gravemente ferida que
enlouqueceu de dor. Sua perna estava quebrada e não conseguia
compreender que Crecy estava determinada a salvá-la. Tudo o que
sabia era o seu próprio terror e sofrimento, e a tinha atacado
consequentemente.
Se não fosse pela intervenção rápida de um estranho que
passava, que derrubou a criatura sem sentido com um chicote, Belle
não queria nem pensar no que poderia ter acontecido. Crecy não viu
o perigo, apenas a dor e o sofrimento de outra criatura. E o
sofrimento era algo que a sua irmã não podia ver sem agir. Quando
ela descobriu que tinham matado o cão, afundou em uma depressão
que durou semanas.
Surpreendia Belle que o marquês não tivesse chamado sua
atenção, mas Crecy parecia ter criado em sua mente a noção
absurda de que Belle estava interessada naquele homem, o que era
ridículo. Era mais do que ridículo, de fato. Ela não poderia estar na
companhia do homem por mais de um minuto antes de ser
dominada pela fúria, deixando suas boas maneiras de lado e lhe
dizendo o que pensava. Não. Ela não se interessava pelo marquês.
Foi por isso que passou a maior parte da hora seguinte
pensando nele, sem dúvida.
Belle praguejou com frustração. Amanhã era o último dia delas
em Longwold, e a noite do baile. Era sua única chance de garantir
Nibley como marido e, assim, a si mesma e a Crecy um futuro.
Era improvável que ela tivesse uma chance melhor, já que
aquele homem não socializava muito, mesmo durante a temporada,
e pelo que ela sabia, poderia levar semanas até que seus caminhos
se cruzassem novamente. De uma forma ou de outra, ela precisava
conquistá-lo, caso contrário, havia uma grande chance de estarem
condenadas, e isso não era ela melodramática. Com as finanças em
queda, as ameaças de tia Grimble e a reação perturbadora de Crecy
ao Visconde Demorte, Belle estava desesperada. Até a meia-noite
do dia seguinte, ela teria sua proposta de casamento, e não se
importava com o que precisaria fazer para obtê-la.
***
Edward saiu pisando duro no salão de baile como um urso
enjaulado com um caso grave de claustrofobia. Ele sabia que
deveria ser gracioso, sorridente, encantador... tudo isso. Mas a parte
de sua mente que deveria estar ligada a tais convenções sociais
arraigadas parecia ter sido desconectada. Talvez fosse isso que
tinha sido afetado na guerra? Talvez essa área do seu cérebro fosse
o que estava por baixo de sua cicatriz?
No que ele percebeu ser um gesto autoconsciente, tocou os
dedos na linha irregular de pele que estava sob seus grossos
cabelos. Sua carne pinicava, perturbada de alguma forma, embora
ele não soubesse ao certo o porquê. Tudo o que sabia era que,
quando deveria simplesmente sorrir e fazer um comentário fútil
sobre o tempo ou fazer um elogio educado, tudo o que saía era uma
observação desdenhosa ou uma carranca ameaçadora que fazia
com que todos corressem na direção oposta.
Não era como se ele se importasse, precisamente. Ser deixado
sozinho, afinal, era o seu maior desejo, mas Violette tinha
trabalhado tanto neste evento e esperava-se que seria o seu pedido
de desculpas a ela por tudo o que a tinha feito passar. O mínimo
que ele podia fazer era tentar agir como... bem, se não como se ele
estivesse gostando, então, pelo menos, como se ele não preferisse
se matar a aguentar mais um minuto disso. Mesmo que isso fosse
verdade.
Com uma previsibilidade deprimente, ele sentiu seus olhos
seguirem a irritante senhorita Holbrook pela pista de dança. Apenas
porque tinha decidido que devia ficar de olho nela. Se senhorita
Holbrook tentasse agarrar Nibley, e ele estava certo disso depois de
sua admissão na outra noite, esta era provavelmente a última e
melhor chance dela.
No momento, ela estava dançando com Lorde Lancaster, o belo
rapaz, obviamente, esforçando-se para ser cortês com ela. Não
havia dúvida de que o tolo esperava que ela falasse em favor dele
com a divina Lucretia. Ele sentiu uma pontada de aborrecimento em
seu nome. Edward podia não interagir com seus convidados, mas
isso não queria dizer que ele era cego, surdo e mudo. Ele tinha visto
as demonstrações nauseantes de bravura para com a senhorita
Lucretia, e a expressão resignada e conformada nos olhos da
senhorita Holbrook.
Surpreendentemente, ela não parecia nem um pouco ressentida
com sua adorável meia-irmã. Em vez disso, parecia aceitá-la com
um sorriso discreto de diversão. Em um raro momento de
generosidade, ele desejou que houvesse um único homem ali com
um pingo de inteligência e discernimento que pudesse ver que ela
era tão adorável quanto Lucretia, apenas... de uma forma menos
óbvia.
Você tinha que realmente olhar para Belinda Holbrook para
perceber o fato de que ela era realmente bastante... bem,
extraordinária. Mas ninguém realmente olhava para ela, não
olhavam mesmo para ela, não quando ela estava sempre à sombra
da beleza deslumbrante de sua irmã.
Mas isso não queria dizer que a danadinha não estivesse
tramando alguma coisa porque ele tinha certeza de que ela estava.
Ao final da dança, ela voltou para sua irmã, e havia algo no olhar
ligeiramente nervoso e assombrado em seus olhos que o deixou
absolutamente certo. Ela tinha algo em mente, e ele não a deixaria
escapar impune.
Não era que ele desejasse o mal a ela; ele esperava que ela
agarrasse um marido rico. Bom Deus, com a quantidade de moças
melindrosas que ele tinha visto serem empurradas para cima dele
desde que havia ganhado seu título, dificilmente poderia invejar
alguém que realmente precisava casar-se bem para poder
sobreviver. Mas isso não significava que ele sacrificaria o pobre
Nibley no altar com ela.
A contragosto, ele imaginou os dois juntos e experimentou uma
onda de raiva que o fez sentir perder o eixo. Mas isso se devia
simplesmente porque era um jogo tão ridiculamente mal concebido,
ele raciocinou, em busca de um terreno sólido. Sim, isso era tudo. A
senhorita Holbrook era demasiado obstinada, uma força da
natureza. Ela enquadraria o pobre Nibley até que ele tivesse que
perguntar como amarrar sua própria gravata, e ela sem dúvida lhe
diria isso também! Ele sufocou uma risada, tossindo quando alguém
lhe lançou um olhar perplexo.
Não, não, isso jamais seria aceitável. A senhorita Holbrook
precisava de uma mão firme e de um homem com o foco e a
determinação para pô-la na linha. Com essas palavras, uma
imagem intrigante de sua própria mão firme pegando na senhorita
Holbrook, passou pela sua cabeça. Um assalto de desejo e uma
onda de calor tomaram conta dele, tão intenso que o fez sair
apressadamente do salão de baile, procurando um pouco de paz e
sossego para acalmar os seus indomáveis pensamentos.
O que diabos lhe deu?
Uma vez que teve tempo para pensar sobre isso, percebeu que
não esteve com uma mulher há, meu Deus, dois anos. Não é de
admirar que ele estivesse se contorcendo de desconforto. Era
estranho que estivesse sendo dominado por tais sentimentos com
tanta rapidez, depois de anos sem sequer pensar nisso. Por que
diabos sua libido deveria despertar e entrar em ebulição para com
a teimosa e franca senhorita Holbrook? Mas ele não tinha ideia. Se
fosse sincero, no entanto, teria que admitir um forte desejo de ver
aquela jovem desmiolada e prática corada e aturdida e à mercê de
suas próprias paixões.
Sem querer, ele sufocou um largo sorriso com a ideia. Sim, ele
gostaria de ver isso.
Não. Não. Não!
Não o faria!
Meu bom Deus. O que que ele estava pensando?
Com seus pensamentos em um emaranhado tão sagrado, ele
quase não notou o lacaio indo para o salão de baile com um
bilhete. Não teria notado nada se o sujeito não tivesse parecido tão
esquivo. Talvez ele tivesse sido pago para ser discreto. Seguindo o
sujeito de volta, ele observou com crescente preocupação
enquanto o sujeito se aproximava de Lorde Nibley, sussurrando em
seu ouvido, e passando-lhe o bilhete.
Esperando até que o lacaio tivesse recuado, Edward caminhou
até um Nibley de aparência confusa, e arrancou o bilhete de suas
mãos.
— Minha nossa! — exclamou Percy, parecendo assustado e
realmente bastante irritado. — Que diabos você tem, Eddie? Isso é
meu!
— Oh, não, não é — rosnou Edward, e com tanta fúria que
surpreendeu até a si mesmo. Embora ele não estivesse zangado
com Nibley. Pelo menos não devia estar. Mas sentiu que talvez
estivesse.
Nibley pareceu concordar e recuou um pouco.
Edward engoliu em seco e rezou para que o bilhete não fosse,
de fato, perfeitamente inofensivo.
Ou talvez fosse?
— Foi entregue por engano, Percy. Por favor, perdoe-me —
disse ele, rezando para que o homem deixasse as coisas como
estavam.
Nibley franziu a testa para ele, e, droga, por que o sujeito tinha
que escolher justo aquele momento para criar coragem?
— Mas tem o meu nome nele! — opôs-se ele, tentando
alcançar o bilhete. Edward enfiou-o em seu colete e lançou a
Nibley um olhar fixo. Deve ter sido eficaz, pois o homem
empalideceu.
— Foi um erro — repetiu Edward, com cada palavra falada em
um tom preciso e cortante.
Percy engoliu em seco e assentiu. — Um e-erro. Compreendo.
Edward soltou um suspiro de alívio e sorriu para Percy,
batendo em seu ombro. — Bom garoto.
Percy tropeçou e pareceu ainda mais horrorizado, então,
Edward deixou-o ir embora antes que as coisas ficassem mais
estranhas.
Apressando-se mais uma vez para longe do salão de baile, ele
parou em um canto silencioso para abrir a missiva. Ele se recusou
a perceber que suas mãos não pareciam totalmente firmes.
Lorde Nibley,
Por favor, perdoe-me por lhe ter escrito de uma forma tão
chocante, mas acho que não tenho outra opção. Estou em uma
situação terrível e não consigo pensar em mais ninguém em quem
possa confiar.
Sei que é muito incomum, mas, por favor, pode encontrar-se
comigo na biblioteca assim que puder? Peço-lhe sua ajuda neste
momento de dificuldade.
Senhorita Holbrook.

Edward encarou as palavras e descobriu que seu coração


estava batendo muito forte e rápido demais. Ele amassou o bilhete
na mão enquanto a raiva tomava conta de seu corpo. “Estou em
uma situação terrível e não consigo pensar em mais ninguém em
quem possa confiar”. Por que essas palavras deveriam deixá-lo tão
furioso? Ele não conseguia entender. Especialmente porque toda a
situação era uma farsa, de qualquer forma. Ela só precisava de um
artifício para colocar Nibley na posição certa, e isso era
exatamente o que ela estava tentando fazer.
Ele cerrou os dentes e se recusou a reconhecer o que
realmente o magoava mais profundamente. Mas, afinal, se ela ia
ser tão dissimulada e manipuladora a ponto de prender um homem
em um casamento, por que não buscar o prêmio maior?
Certamente, um marquês era uma conquista muito maior do que
um simples barão? E, com certeza, ele era uma opção mais
atraente do que Percy Nibley? Nibley, pelo amor de Deus! Se um
vento forte batesse nele, provavelmente cairia.
Edward andou, totalmente sem entender por que ele deveria
estar tão irritado. Não era como se ele quisesse se casar. Ele
devia, em algum momento, é claro, gerar um herdeiro para que o
título não fosse para qualquer descendência desviante que seu
primo louco tenha conseguido gerar. Mas ainda não, e certamente
não com Belinda Holbrook!
Ele respirou fundo, muito consciente de que a maldita criatura já
estava esperando Nibley em sua biblioteca. Seus lábios se afinaram
em um sorriso desagradável enquanto ele saboreava a ideia de que
ela deveria estar tremendo como uma vara. Bem, ele daria a ela
uma razão para tremer, e para lamentar ter tido a audácia de tentar
jogar um jogo tão desonesto e maligno com um dos seus amigos.
Repreendendo-se severamente que essa era a única razão para o
que ele estava prestes a fazer, ele partiu em busca da terrível
senhorita Holbrook.
Capítulo 13

“No qual nossa heroína recebe um pouco mais do que esperava, e


nosso herói cai na própria armadilha.”

Belle andava pela biblioteca com o coração batendo um ritmo


irregular no peito. Que diabos ela fazia ali? De todas as coisas
baixas e desprezíveis de se fazer, prender um homem ao
casamento tinha de ser uma das mais baixas. Pensar que ela se
tinha tornado uma criatura assim. Ela queria chorar.
Crecy dependia dela, porém, e a repugnante tia Grimble as
colocaria na rua antes de mexer um dedo. Além disso, ela não
estava oferecendo um acordo tão ruim a Lorde Nibley, não é? Ela
seria uma esposa boa e amorosa, garantiria a ele que a casa estaria
sendo bem administrada, ele seria bem-alimentado, e ela não
interferiria no trabalho dele e seria uma boa mãe para seus filhos e...
e...
Belle parou de repente com tamanha emoção em sua garganta
que ela mal conseguia engolir. Meu Deus, ela não queria fazer isso.
Não apenas porque era imoral e terrível, mas porque estava prestes
a se comprometer com um homem que sabia que nunca poderia
sentir nada além de uma leve afeição.
Seria essa a sua vida?
Belle respirou fundo para acalmar seus nervos. Ela não era uma
tola, sabia que um casamento por amor era uma coisa rara, e não
uma esperança que ela poderia nutrir, muito menos aguentar, mas,
ainda assim, ela tinha esperado... tinha sonhado... mas não haveria
mais esperança, nem mais sonhos, não depois disso.
Ela encarou a porta, sabendo que Lorde Nibley passaria por ela
a qualquer momento, e, então, pouco depois, sua terrível tia traria
propositalmente testemunhas para garantir o destino do pobre Lorde
Nibley.
Essa foi possivelmente a pior parte de tudo isso, que ela tinha
sido forçada a ir conversar com a tia e pedir-lhe ajuda com esse
esquema odioso e perverso.
Náusea girava em turbilhão em seu estômago e ela sentia uma
onda de pânico tão intensa que mal conseguia respirar. Ela não
conseguia fazer isso. Oh, Deus, ela não conseguia!
Forçando sua mente horrorizada a fazer seu corpo reagir, ela
deu um passo em direção à porta na esperança de escapar,
notando com alarme que a maçaneta estava girando. Bem, ela iria
avisá-lo. Ela não desperdiçaria palavras, mas diria ao infeliz Nibley
para se virar e correr antes que fosse tarde demais.
Só que não era Nibley.
Belle congelou. De todos os infortúnios que poderiam acontecer
a ela nesse esquema mal concebido, e ela tinha pensado em cada
um deles em grande e horripilante detalhe, mas esse tinha
escapado dela.
O Marquês de Winterbourne preencheu a porta, com sua figura
imponente de alguma forma maior e mais impressionante do que o
habitual, porque ele estava obviamente totalmente furioso.
Belle ofegou e deu um passo relutante para trás.
Ele sabia!
Com grande deliberação, o marquês fechou a porta atrás de si e
virou-se para olhar para ela.
— Lorde Nibley não se juntará a você, senhorita Holbrook —
disse ele, com a voz calma demais, excessivamente uniforme.
Belle engoliu em seco. Ela não soube o que dizer quando a
vergonha e a humilhação a atingiram. Ela queria dizer-lhe que tinha
mudado de ideia, que não ia prosseguir, mas as palavras não
vinham. A ideia de que ele deveria pensar que ela era o tipo de
mulher manipuladora que agiria de forma tão sorrateira fez um nó de
tristeza se formar em sua garganta, e ela não conseguiu dizer nada,
fazer nada. Tudo o que ela era capaz de fazer neste momento era
olhar para ele com uma espécie de terror mudo enquanto se
perguntava qual seria o seu castigo. Ele a envergonharia diante de
todos? Contaria ao mundo o terrível plano que ele havia armado?
Suas bochechas queimavam e seus olhos pinicavam com
lágrimas não derramadas e, ainda assim, ela não conseguia dizer
nada.
O marquês também ficou em silêncio, e ela desejou que ele
continuasse com isso. Ela desejava que ele gritasse com ela,
repreendesse-a, tudo menos esse silêncio terrível, ocupando o
ambiente como um elefante, pressionando-a, sufocando quaisquer
esperanças remanescentes para o futuro.
— Você não tem nada a dizer? — perguntou ele, movendo-se
em direção a ela, com seus olhos verde-escuros nunca deixando os
olhos dela.
Sua respiração falhou, mas ela estava determinada a dizer
alguma coisa, qualquer coisa.
— Eu sei o que você deve pensar de mim — disse ela, com
suas palavras quase inaudíveis. — E eu não o culpo, mas... mas eu
estava desesperada. Eu estou desesperada.
Winterbourne assentiu, e ela se perguntou pelo fato de o local
parecer encolher por causa do quão próximos os dois estavam. Ele
estava se aproximando, com uma expressão sombria e brilhante em
seus olhos nesse momento.
O que ele queria que ela dissesse?
— Minha tia nos jogará na rua no final desta temporada, milorde
— disse ela, segurando qualquer dignidade restante por um fio
enquanto sua voz tremia. — Certamente, você deve sentir alguma
piedade, alguma compreensão? Você sabe que tipo de destino nos
espera. A minha irmã nunca sobreviveria a isso.
— Talvez — concordou ele, assentindo, embora ela não
pudesse detectar nenhuma simpatia em sua voz nem em sua
expressão. — Mas acho que você sim, senhorita Holbrook.
Ela ficou ofegante com isso, magoada e horrorizada com as
palavras, apesar de merecê-las. Como ela as merecia.
Ele bufou e balançou a cabeça. — Não foi um insulto, apenas
uma observação. Não é o tipo de mulher que se deita para qualquer
coisa. — Sua boca deu um largo sorriso bastante astuto, fixando-se
em seus lábios. — Sem duplo sentido — acrescentou, com a voz
baixa.
Belle recuou, completamente instável agora. Havia um olhar
brilhante em seus olhos que a perturbava. Ela percebeu, com uma
onda de choque, que sabia qual seria o preço do silêncio dele.
Ela ergueu o queixo.
— Não sou uma prostituta, milorde.
Ele deu uma risadinha diante isso e Belle descobriu que não
tinha para onde ir: a parede estava atrás dela e, de repente, Lorde
Winterbourne preencheu sua visão. Ele estava tão perto que ela
podia sentir sua respiração em sua pele, tinha certeza de que seu
corpo podia sentir o seu calor queimando através da frágil seda de
seu vestido.
— Não, você não é — disse ele, estendendo a mão e traçando a
linha de sua mandíbula com um dedo. — Mas você vai encontrar o
caminho para deitar-se em minha cama.
Ela deu um suspiro de surpresa para ele, balançando a cabeça,
perguntando-se por que as palavras tinham inundado seu corpo
com um calor escaldante quando deveria ter dado um tapa em seu
rosto.
— Eu não ia continuar com isso. Quando você chegou, eu
estava saindo — disse ela, rezando para que ele acreditasse nela.
— Juro que é a verdade. Eu sei que era baixo e desprezível e... oh,
uma coisa tão vil de se fazer — disse, nesse momento com os olhos
cheios de lágrimas. — Por favor, milorde. Deixe-me ir, e prometo-lhe
que nunca mais voltarei a fazer tal coisa, não importa... por mais
desesperadas que estejamos. — Sua voz tremia e ela sabia que iria
chorar em breve, mas ele não disse nada. Ela olhou nos olhos que
pareciam muito brilhantes, quase febris, e embora soubesse que ele
não iria ouvir, ela tinha que tentar. — Por favor, Lorde Winterbourne,
tenha piedade. Eu realmente não ia até o fim, juro por Deus.
— Eu acredito em você — disse ele, e depois abaixou a cabeça
para pressionar a sua boca contra a dela.
Por um momento, Belle ficou paralisada pela rapidez, pela
surpreendente suavidade de sua boca, pela chocante intimidade
dela. Ela ficou ofegante com o que esperava ser ultraje, mas sentiu
que era algo totalmente diferente, e seu choque foi agravado
quando sua língua entrou, como se ele fosse devorá-la.
Seus braços a rodeavam, puxando seu corpo com força contra o
dele, e todo o ar pareceu correr de seus pulmões enquanto sua
forma mais macia se moldava à sua forma muito maior e muito mais
dura. Embora ela soubesse que deveria protestar, suas ações se
assemelhavam muito aos sonhos acalorados que se seguiram à
visão dele despido até a cintura. Ela queria saber como era sentir
isso com uma intensidade que a deixaria inquieta; uma estranha em
sua própria pele. Então, agora, ela iria descobrir por si mesma.
Ela estendeu a mão, colocando os braços em volta do pescoço
dele, uma mão deslizando para o calor de seu cabelo, e ela ficou
assustada com o quão natural, quão certo era estar com ele dessa
maneira. Ela não se sentia estranha ou tola ou tímida, ou mesmo
qualquer uma das coisas que ela havia assumido que poderia sentir
durante seu primeiro beijo. Embora nenhuma de suas elucubrações
tivesse sido assim... explícita.
Em vez disso, ela se sentiu ousada e corajosa e... simplesmente
extasiada.
Cautelosamente, ela começou a imitar suas ações, o escorregar
sedutor e o emaranhado de língua e lábios, e ficou satisfeita quando
ele gemeu e a puxou para mais perto ainda. Uma mão desceu e
segurou-a para trás, apertando-a e forçando-a contra os quadris.
Belle se perguntou pelo fato de que não estava horrorizada por ser
atacada de tal forma, mas ela gostava disso. Ela o pressionou com
igual fervor, sentindo o calor dele, a dureza do que sabia que
deveria ser sua excitação. Pelo menos ela tinha tia Grimble para
agradecer por lhe dar os fatos básicos, embora a mulher
pretendesse que Belle os usasse para seduzir um marido ou um
amante rico. Bem, então, talvez fosse isso que ela estivesse
fazendo, pensou com um toque de histeria. Um amante, pelo
menos. Talvez se ela fosse sua amante, ele manteria Crecy segura
até que ela se casasse, enquanto Belle conseguisse satisfazê-lo.
Era melhor do que nada, e certamente essa experiência não
tinha sido difícil, até agora. Não era como se ele alguma vez
cogitasse casar-se com ela. Com essas palavras, Belle ficou
paralisada de pavor, ao perceber que sua tia – e um monte de gente
– estavam prestes a entrar pela porta da biblioteca.
Ela empurrou seu peito, tentando se libertar, arrancando os seus
lábios dos dele com relutância.
— Milorde — disse ela ofegante. — Você deve sair, você deve...
— Mas sua boca foi tomada em outro beijo abrasador, e ela não
pôde falar novamente até que ele a soltou, arrastando beijos
quentes e, de boca aberta, pelo pescoço de uma maneira que
enfraqueceu seus joelhos. — Lorde Winterbourne, você tem que
parar — disse ela, quase sem fôlego para formar as palavras, e o
fato de que ela simplesmente não conseguia parar de tocá-lo, não
ajudava.
— Nunca — rosnou ele, uma mão grande alcançando e
segurando sua coxa, erguendo-a, prendendo sua perna e a puxando
contra ele de uma maneira tão íntima que ela não pôde fazer nada
além de gemer. O marquês não perdeu tempo em silenciar qualquer
protesto adicional. Belle estava indefesa, sua mente obscurecida
pelo desejo, pelo sabor dele, por sua simples e avassaladora força.
Mas as testemunhas estavam se aproximando, e, oh, Deus, seria
um escândalo terrível. Ela se afastou de seu beijo mais uma vez,
encarando a confusão em seus olhos, pois claramente ela não
queria parar mais do que ele.
— Eles estão chegando! — disse ela, implorando-lhe para
entender, mas era tarde demais. Eles congelaram quando a voz
estridente de sua tia perfurou a névoa de sua paixão e, de repente,
seu abraço íntimo estava à vista de todas.
— Senhorita Holbrook! — exclamou Lady Scranford, e Belle não
podia dizer se estava encantada com o escândalo ou furiosamente
ciumenta por não ter sido capaz de organizar tal coisa sozinha.
Belle se afastou do abraço e não conseguiu encontrar os olhos
de Lorde Winterbourne. Ele parecia congelado no lugar, chocado
demais para se mover, uma mão ainda descansando em sua cintura
no que ela gostaria de acreditar ser um gesto de proteção, como se
ela não soubesse que ele estava atordoado e horrorizado demais
para se mover.
De má vontade, seus olhos se voltaram para Violette, sua irmã,
que tinha sido muito gentil. Ela só podia imaginar o que pensava
dela agora. Oh, Deus, e Lady Russell! Belle sentiu que ardia de
vergonha.
— Oh, Edward! — exclamou Violette, quebrando o silêncio e, de
repente, avançando com uma expressão de felicidade no rosto que
deixou Belle perplexa. — Isso significa que eu posso desejar-lhe
felicidades, que a senhorita Holbrook aceitou a sua proposta, afinal?
Eu te disse que ela iria! Senhorita Holbrook, agora diga-me que
aceitou a oferta de Edward e que seremos irmãs? — Havia um olhar
de determinação feroz nos olhos de Violette enquanto olhava para
ela e Belle percebeu que a ela estava sendo oferecida uma tábua de
salvação. Sua própria irmã a ajudaria a prendê-lo ao casamento. Só
que ela não conseguia. Se ela não conseguia fazê-lo com Nibley,
certamente não poderia fazê-lo com Lorde Winterbourne. Não
quando... quando....
— Edward? — indagou Violette, com sua voz carregada de um
tom levemente histérico, e parecia pronta para bater o pé se
ninguém a respondesse.
Houve um silêncio sepulcral, e Belle pensou que poderia fazer
algo pouco caraterístico e desmaiar, e, então, o marquês disse algo
tão extraordinário que foi uma maravilha que ela não tenha feito.
— Sim.
Os olhos de Belle se fixaram nos dele, mas o homem estava
olhando para sua irmã com uma expressão que ela simplesmente
não conseguia ler.
— Oh, Edward! — gritou Violette, jogando os braços em volta
dele primeiro e depois em Belle.
— Muito bem! — sussurrou ela no ouvido de Belle, sorrindo tão
amplamente que Belle ficou chocada ao descobrir que a irmã dele
realmente estava satisfeita.
Que diabos estava acontecendo?
Capítulo 14

“No qual o mundo continua girando... mais rápido e mais rápido.”

No meio da manhã, Belle foi informada por Crecy que quase


todos os convidados haviam partido. Felizmente, Violette e seu
marido continuariam hospedados; Belle não achava que
sobreviveria à provação que se aproximava sem suas presenças
tranquilizadoras. Lorde Falmouth e a condessa também
permaneceriam, juntamente com Lady Russell e Lady Dorothea
para a cerimônia de casamento, que teria lugar depois de amanhã,
por licença especial. A cabeça de Belle estava girando com a
velocidade com a qual tudo havia sido realizado.
Depois de Lorde Winterbourne ter aceitado de boca fechada o
seu destino, tudo tinha sido um pouco confuso.
Belle só sabia que devia a Violette sua eterna gratidão por
afastá-la da multidão e dos olhos curiosos e voltar para seu quarto.
Lá, foi trazida a ela uma bandeja com um copo de conhaque – para
os seus nervos – e chá e biscoitos – porque chá e biscoitos
tornavam tudo melhor.
Então, Violette deu outro daqueles sorrisos tranquilizadores que
prometiam que tudo ficaria bem, por mais improvável que fosse, e
correu para fazer o que ela disse ser “contenção de danos”. Ela
falou que até o final da noite faria com que todos acreditassem que
Edward estava tentando, por dias, juntar coragem para pedi-la em
casamento, e só restava a Belle acreditar nela.
Havia algo sobre Violette Russell que fez Belle se convencer de
que ela não era uma mulher facilmente contrariada.
Então, agora, ela estava escondida em seu quarto, ainda na
cama, com uma bandeja de café da manhã no colo e sua vida como
Marquesa de Winterbourne pairava à sua frente.
Ela controlou com dificuldade um momento de riso nervoso que
parecia estar presa em algum lugar na boca de seu estômago.
— Você vai comer isso ou simplesmente ficar olhando?
Belle piscou e olhou para cima surpresa ao encontrar Crecy
observando-a, com ansiedade em seus olhos cinzentos.
— O quê?
Crecy suspirou e balançou a cabeça, com seus cachos loiros
dançando. — Você está olhando para aquela fatia de pão e
manteiga pela maior parte dos últimos vinte minutos, e seu chá está
frio como gelo.
Belle franziu a testa e olhou para as mãos, que estavam de fato
segurando uma fatia de pão com manteiga. Ela não tinha percebido
que estava segurando. Colocando-o cuidadosamente no prato, ela
enxugou as mãos no guardanapo.
— Não estou com fome.
Crecy inclinou-se em sua direção, removeu a bandeja e, em
seguida, subiu na cama para sentar-se em uma pilha desajeitada de
saias. Realmente, era notável como uma garota tão adorável
poderia ter tão pouca graça. Ela agarrou as mãos de Belle,
apertando-as com força.
— Oh, Belle, querida, por favor, fale comigo. Você fez isso por
mim, meu bem? — Os belos olhos de Crecy se encheram de
lágrimas. — Oh, que idiota eu sou, é claro que você fez isso por
mim. Mas você gosta dele, não é, Belle? Pelo menos um pouco?
Você não vai se casar com um homem que odeia para impedir-me
de tornar-me amante de algum homem ou algo assim, porque se
você for...
— Crecy! — exclamou Belle, abruptamente sacudida de sua
confusão. — Não fale dessas coisas! Em primeiro lugar, estou
fazendo isso por nós duas. Tia Grimble teria me jogado nas ruas e...
e quanto menos for dito sobre os planos dela para você, melhor —
respondeu ela, com a raiva em sua voz muito audível.
Crecy franziu a testa, olhando para a linda colcha bordada na
cama e traçando o padrão com um dedo elegante. — Mas... mas
você gosta dele?
— Eu... — começou Belle, apenas para parar quando percebeu
que não tinha a menor ideia de como responder a essa pergunta.
Lembrou-se do calor abrasador, da paixão, da necessidade
desesperada e avassaladora que tinha experimentado nos braços
dele na noite anterior, e mordeu o lábio. Isso tinha que significar
alguma coisa, não tinha? Mas ela não sabia se gostava dele, ela
nem mesmo o conhecia. Ela simplesmente não podia negar que,
quando o marquês estava por perto, ninguém mais era visível; eles
deixavam de existir. — Tenho certeza de que vamos nos dar bem
juntos — disse ela no final, esforçando-se para parecer convincente
e não totalmente aterrorizada.
— Mas eu pensei que você queria ter Nibley? — continuou
Crecy, parecendo tão perplexa quanto Belle estava.
Belle assentiu. — Eu queria.
— Então, o quê...?
Belle estendeu a mão. Ela não podia responder a mais
perguntas agora. Possivelmente nunca. Não sobre isso. A ideia de
explicar a Crecy como havia se comportado ontem à noite era
demasiado medonha para ser contemplada.
— Você se importa se eu voltar a dormir, Crecy, querida? —
disse ela, dando um sorriso fraco à irmã. — Estou com uma dor de
cabeça terrível.
— Oh, Belle, e aqui estou eu tagarelando. Claro que não,
querida. Posso te trazer alguma coisa?
Belle balançou a cabeça. — Não, vou ficar bem depois de uma
soneca, tenho certeza.
— Muito bem, então, vou deixar você em paz. — Crecy deslizou
da cama e foi olhar pela janela. — Está um dia tão lindo, pensei
em... em dar uma volta. — Sua irmã se virou então, parecendo um
pouco inocente demais, talvez, mas Belle estava muito ocupada
para interpretar qualquer coisa nisso. — Todo mundo se foi agora,
então eu não corro o risco de cair em uma cilada — acrescentou
ela, com um sorriso brilhante.
Foi só então que Belle percebeu que ela estava vestindo seu
traje de equitação. Ela ficou contente com isso. A roupa tinha
custado uma fortuna que elas não podiam pagar, mas até agora sua
irmã só tinha saído com ela uma vez. Ela supunha que não
precisava se preocupar com essas coisas agora. Que estranho, não
ter que contar cada centavos, virar colarinhos e consertar.
Ela olhou para Crecy novamente. O traje de montaria era um
marrom-escuro aveludado com guarnições de veludo verde e uma
pluma de penas verdes que se enrolavam ao redor do lindo rosto de
Crecy de uma maneira encantadora. Ela parecia positivamente
arrebatadora.
— Ah, sim, vá — respondeu Belle, sentindo que disso, pelo
menos, ela poderia ter certeza, não importava o que o futuro
reservasse. Crecy estava segura. Crecy teria roupas finas e joias e
uma apresentação à sociedade adequada, e ela nunca teria que se
preocupar ou ser forçada a se casar com um homem que não
amava. Belle pensou que poderia enfrentar o futuro com muito mais
bravura, sabendo que isso era verdade. — Divirta-se, mas vai tomar
cuidado, não vai? Não vá longe demais ou se perder, e leve um
cavalariço ou alguém com você.
— Eu vou ficar bem — respondeu Crecy, com seu tom leve,
antes de se inclinar para dar um beijo na bochecha de Belle. — Pare
de se preocupar. Talvez não volte para almoçar, por isso, não se
preocupe comigo.
Belle assentiu, embora, na verdade, pela primeira vez na vida,
não estivesse nem um pouco preocupada com Crecy, mas com ela
mesma.
— Oh, eu quase esqueci, aqui estão os jornais de fofoca para
você; não se preocupe, eles são da semana passada, então ainda
não estamos neles — acrescentou ela, com o que Belle achava que
era um bom humor desnecessário.
— É só você que gosta dessas coisas terríveis, como bem sabe
— bufou Belle, mas sua irmã apenas deu um largo sorriso para ela.
— E não se preocupe, eu direi à tia Grimble que você está
faminta como um cão, ou a terrível criatura estará aqui te
atormentando até a morte e fazendo planos para você. — Sua irmã
bateu palmas e gritou de alegria. — Oh, apenas pense, Belle!
Podemos livrar-nos dela de uma vez por todas. — Crecy sorriu para
ela e Belle não pôde deixar de sorrir de volta. — Nossa, você
deveria tê-la ouvido cantar no café da manhã. Honestamente, você
pensaria que o marquês a pediu em casamento, ela está tão cheia
de si.
Finalmente, Crecy saiu com um redemoinho de saias de veludo
e Belle ficou sozinha. É claro que naquele momento desejou que
Crecy voltasse. Porque, se deixada sozinha, não era distraída de
seus pensamentos e da inevitável reviravolta que eles tomavam. Em
muito pouco tempo, ela se casaria com Lorde Winterbourne, e
achava que seu futuro marido não estivesse nem um pouco feliz
com isso.
***
— Jab, esquiva, gancho, cruzado.
Edward tentou se concentrar nos protetores, em colocar toda a
sua frustração e raiva e... o que quer que fosse que ele estivesse
experimentando que não podia nomear, por trás de cada punho.
Talvez se batesse com força suficiente, por tempo suficiente, tudo
ficasse mais claro.
Porque, neste momento, tudo estava muito longe de estar claro.
— Jab, esquiva, jab, gancho, cruzado.
A voz de Charlie penetrou na névoa de seus pensamentos e se
agarrou ao som delas como um homem se agarrando a uma palha
enquanto se afoga. Se continuasse batendo, continuasse lutando...
— Jab, jab, gancho, jab.
Eles tinham se dirigido para o salão de baile, agora que todos
tinham ido embora. Essa foi uma bênção, pelo menos. Ele não teria
que lidar com os olhares curiosos e os sussurros que questionariam
por que ele se casaria com uma zé ninguém sem um tostão. Não
que ele se importasse com o que pensavam. Não era da conta de
ninguém, a não ser da sua.
— Jab, esquiva, gancho.
Mas por que ele aceitou? Bem, é claro, a honra exigiu isso,
mas... ele ainda não conseguia acreditar. Ele ia se casar com a
senhorita Holbrook. De todos os aborrecimentos e aporrinhações
que ele sabia que este maldito fim de semana estava prestes a
trazer, encontrar-se comprometido nem sequer estava na lista.
Como é que isso aconteceu?
— Gancho, jab, cruzado, jab, esquiva.
Ele sabia que era uma armadilha. Era isso que ele não
conseguia superar. Ele tinha ido com a intenção de salvar Nibley e
acabou caindo na própria armadilha, e ele sabia muito bem que eles
viriam!
Por que, se ele estava tão desesperado por ela – e disso ele
bem se lembrava – por que ele não a arrastou para algum lugar
mais privado e confortável? Ela estava totalmente à sua mercê: ele
poderia tê-la e se livrar desse terrível comichão sob sua pele. Se ao
menos ele tivesse escolhido qualquer um dos infindáveis malditos
quartos neste vasto castelo onde toda a lista de convidados não
teria se esbarrado com eles... Mas não... ele teve que fazê-lo à vista
da nata da alta sociedade e encontrar-se fadado a se casar, por
honra, com a moçoila!
— Jab, esquiva, gancho, cruzado.
E a irmã dele não ajudou, a desgraçada. Qualquer um poderia
pensar que ela tinha planejado que isso acontecesse, ela estava tão
emocionada com o resultado. No entanto, em retrospecto, ela pelo
menos salvou-os de um terrível escândalo com seu pensamento
rápido.
Ele não pôde deixar de se perguntar se um escândalo teria sido
preferível, pelo menos para ele.
— Jab, jab, jab, jab, Nossa, cara, dá um tempo!
Edward abaixou punhos enquanto Charlie desabava no chão
com o rosto vermelho e ofegante, seu peito magro arfando com
esforço.
— Ocê tá tentano me matar, seu desgraçado? — sibilou seu
criado suado, agarrando seu coração.
Edward apenas resmungou e começou a desatar as faixas dos
punhos.
A sensação rastejante de frustração ainda permanecia sob sua
pele, e ele sabia exatamente quem era o culpado. Ele deveria, pelo
menos, encontrar alguma satisfação na ideia de que a criatura
miserável estaria na sua cama quantas vezes ele desejasse em
poucos dias, mas de alguma forma isso não ajudava.
Ele estava zangado consigo mesmo, não, com ela, por estar
preso, e ele não queria vê-la, de jeito nenhum – e, no entanto, ele
não sabia como conseguiria suportar os próximos dias sem se sentir
completamente agoniado se não pudesse tocá-la.
A única imagem atrás dos seus olhos era da senhorita Holbrook
na biblioteca, com os seus olhos de um azul muito mais brilhante do
que ele imaginava anteriormente, talvez realçado por aquele lindo
vestido azul. Tinha sido o melhor que ele a tinha visto vestir até
agora, claramente guardado para o baile.
Não que tivesse sido de alguma forma extravagante, um corte e
estilo simples e o mínimo de babados. Holbrook não usava
babados; ele duvidava que ela tivesse tempo para eles. Ele não se
importava muito com isso. Tudo o que ele queria, tudo o que ele
ainda queria, era despi-lo de suas curvas suaves com o máximo de
pressa possível. E ele estava perto de fazer exatamente isso, antes
que os malditos convidados tivessem entrado para assistir.
Edward caminhou até onde Charlie ainda estava esparramado
no chão e ofereceu-lhe uma mão para levantar-se. Charlie aceitou e
ergueu-se com um gemido.
— Talvez uma vez que ocê teja casado, vai encontrá outras
maneira de se ocupá sem me matá diariamente — resmungou
Charlie.
Lançando ao seu sincero valete um olhar de advertência que
sugeria que este não era um tópico seguro de conversa, Edward
começou a se afastar. — Tenha um banho preparado para mim, por
favor — disse ele, com o tom brusco, antes de vestir a camisa e
voltar para o quarto.
***
Belle hesitou atrás da porta do quarto e se perguntou se ela
poderia se safar pedindo que uma bandeja fosse enviada para seu
quarto, em vez de descer para comer. Será que isso era covardia?
Bem, sim, obviamente que sim, mas também parecia muito mais
sensato do que a possibilidade de enfrentar o marquês por causa da
comida. Se ela tivesse que comer na frente dele, não seria capaz de
engolir uma mordida, e depois de perder o café da manhã, já que
ela estava muito estressada para comer, agora estava faminta.
Em vez de abrir a porta, ela voltou ao espelho para verificar seu
reflexo, novamente. Embora não soubesse por que isso importava.
O marquês tinha feito um mau negócio, e ele devia saber disso.
Embora, é preciso admitir, ele parecesse entusiasmado o suficiente
no calor do abraço deles na noite passada.
Belle observou dois pontinhos vermelhos aparecerem em sua
tez mais pálida do que o normal e suspirou. Sim, bem, é melhor não
pensar nisso. Ela tinha idade suficiente para não ter ilusões
românticas. O tipo de mulher com quem um homem iria dormir sem
pensar duas vezes não era geralmente o tipo com quem ele ficaria
feliz em se casar. A ideia de que ela tinha sido enviada para a
primeira categoria a irritou mais do que gostaria de admitir.
Belle encarou seu reflexo e decidiu que não tinha motivo para
corar – bem, exceto por tia Grimble e, certamente, todos tinham
uma parente como essa em algum lugar? Ela teria apenas de provar
a Winterbourne que ele tinha feito uma escolha muito melhor do que
imaginava. Longwold podia ser um lugar vasto e intimidante – tão
vasto e tão terrivelmente intimidante – e ela podia ter pouca
experiência em administrar tal casa – ela não tinha experiência –
mas era um aluna que aprendia rápido e ela iria aprender – que
Deus a ajudasse!
Belle reconsiderou a ideia de comer em seu quarto antes de
descartá-la novamente com pesar. Ela era uma mulher de fibra.
Respirando fundo, ela reposicionou um cacho fora do lugar, colou
um sorriso estranho no rosto e saiu pela porta.
Capítulo 15

“No qual nosso herói fica com raiva, nossa heroína fica furiosa, o
valete fica ansioso e Crecy se perde.”

Edward percorreu o corredor, indo em direção ao seu quarto,


com a mente lotada de uma combinação de pensamentos sombrios
e frustração sexual. A primeira parte era bastante normal; seus
pensamentos eram uma mistura permanente de raiva e memórias
de pesadelo nos dias de hoje. A segunda parte era nova,
indesejada, e ele sabia muito bem quem era o culpado,
especialmente porque agora, nem mesmo sua rotina usual de
exercícios físicos aliviava seu temperamento. Normalmente, uma
boa sessão como a daquela manhã pelo menos aliviaria um pouco
sua raiva latente, de modo que ele não sentiria a necessidade de
arrancar a cabeça de quem ousasse falar com ele.
Mas não era esse o caso naquela manhã.
Naquela manhã, ele precisou se esconder em seu escritório e
garantir que todos soubessem para ficar bem longe. Naquela
manhã, ele não estava apto para a companhia de ninguém, fosse
isso educado ou não. Ele considerou a ideia de trocar de roupa
pelas que ele tinha guardado em Seven Dials – para o desgosto de
Charlie – e sair para encontrar uma taverna, uma garrafa barata de
licor e uma briga. Talvez isso o fizesse se sentir melhor? Então ele
pensou no que sua irmã diria se ele comparecesse ao próprio
casamento de ressaca e com uma aparência de quem tinha sido
atropelado por uma carruagem.
Talvez não.
Murmurando obscenidades, e perdendo ainda mais a paciência,
as coisas não melhoraram quando a porta pela qual ele passava se
abriu e a senhorita Holbrook saiu. Ele se perguntou se ela estava à
espreita dele. Para piorar as coisas, havia um sorriso ligeiramente
estranho em seu rosto, o que a fazia parecer um pouco
desequilibrada.
Embora, por que ela não deveria estar sorrindo de orelha a
orelha, ele pensou amargamente; ela estava prestes a passar de
uma ninguém sem dinheiro e um futuro sombrio para a Marquesa de
Winterbourne. Ela deveria estar radiante com o triunfo de ter fisgado
um dos solteiros mais cobiçados do país. Especialmente quando
tudo o que ela teve que fazer foi colocá-lo em uma posição
comprometedora.
Bravo, senhorita Holbrook.
No entanto, quando ela o avistou, a mudança em sua expressão
foi bastante cômica – isto é, se alguém com senso de humor
estivesse assistindo a isso. O sorriso rígido se transformou em uma
careta e depois sumiu com tanta velocidade que era difícil não se
sentir insultado. Ela parecia positivamente horrorizada ao vê-lo.
Seu humor piorou ainda mais.
— L-lorde W-Winterbourne — gaguejou ela, procurando por uma
saída como se tivesse sido encurralada por um cão raivoso. — Você
me assustou.
— Evidentemente — resmungou ele, olhando para ela com
crescente satisfação. Ela estava obviamente com medo dele, o que
provavelmente era uma coisa boa. Melhor que ela soubesse agora
que sua vitória não era tão doce quanto ela imaginava.
Ele percebeu que eles não se viam desde a grande revelação
de sua paixão diante dos convidados reunidos. As manchas de
rubor que se erguiam nas suas bochechas sugeriam que ela
também estava bem ciente desse fato.
Ela engoliu em seco e olhou para ele, e ele olhou furiosamente
de volta. Se a safadinha enganadora pensava que ele facilitaria as
coisas para ela, estava muito enganada.
— Você... é... estava... humm, batendo naqueles protetores de
novo? — perguntou ela, acenando com a mão trêmula para ele
quando ele percebeu que estava suado e despenteado e
provavelmente cheirava mal.
— Boxe, senhorita Holbrook — resmungou ele, com crescente
irritação. — Eu boxeio.
— Oh, entendi — disse ela. Embora provavelmente não o tenha.
— Eu... posso te ver fazendo isso algum dia? — perguntou.
Por um momento, ele olhou para ela, dividido entre a indignação
de que se sua futura esposa deveria exigir algo tão desagradável e
rude, e puro orgulho masculino. Ele estava bem ciente do porquê
ela queria assistir, e o pensamento fez seu corpo se contrair de uma
forma pouco desagradável. O fato de ela ter o poder de lhe fazer
isso não melhorou nem um pouco o seu humor.
— Não.
Ela piscou, e depois engoliu em seco, e ele olhou um pouco
mais fixamente com raiva para ela, imaginando o que seria
necessário para fazê-la fugir aterrorizada. Mas a senhorita Holbrook
ainda não tinha terminado. Ele viu o momento em que ela decidiu
que não ficaria assustada quando uma expressão teimosa se
instalou, e seus olhos azuis resplandeciam com obstinação. Ótimo,
era exatamente o que ele precisava; uma mulher que não tinha o
bom senso de se virar e correr quando enfrentava o perigo.
— Por que não? — quis saber ela.
Ele cerrou os dentes.
— Porque é uma coisa totalmente inadequada, para não dizer
chocante, pela qual uma jovem gentil se interessar. Apenas uma
moleca sem qualquer preocupação com a decência sugeriria uma
ideia tão descarada.
Ele observou com interesse como o brilho em seus olhos se
tornava mais cintilante e nítido.
— Como você se atreve! Quando é que dei motivo para você
duvidar da minha capacidade de me portar nos círculos da alta
sociedade?
Edward apenas levantou uma sobrancelha. O rubor que
manchava suas bochechas era bastante notável. Ele quase
imaginou que podia sentir o calor do rosto dela de onde ele estava.
— I-isso foi sua culpa! — retrucou ela. — Eu n-nunca...
normalmente, nunca agiria dessa forma... dessa forma...
— De uma maneira devassa? — sugeriu ele, estreitando os
olhos enquanto se aproximava. — Promíscua? — Ele baixou a voz,
avançando sobre ela enquanto acabava com a raça dela. —
Abandonada?
Ele não deveria ter ficado surpreso com o tapa pungente que ela
lhe deu, mas de alguma forma, ele ficou.
— Por que você...?
Agarrando seus pulsos, ele a segurou diante dele e a encarou
com fúria. Ela deu um gritinho, e de repente ele percebeu que a
bravura dela tinha desaparecido, e ele viu um verdadeiro medo em
seus olhos. De alguma forma, ele não esperava por isso. A mulher
realmente pensava que ele poderia machucá-la fisicamente, e ela
estava aterrorizada.
Ele deixou cair as mãos dela como se ela o tivesse queimado e
recuou, horrorizado com o próprio comportamento e com a crença
em seus olhos de que ele faria tal coisa. Mas, então, ele não lhe
tinha dado exatamente razão para pensar o contrário. Ela não tinha
motivos para saber que ele nunca... nunca... Ela não sabia nada
sobre ele.
— Eu sugiro que você nunca mais faça isso — disse ele, com
culpa e arrependimento se contorcendo com repulsa em seu âmago,
e com sua voz tensa. — Nunca mais.
Ela encarou-o por um momento com horror, perfeitamente
visível em seus olhos, com o fato de que essa criatura monstruosa
seria seu marido. Ele quase riu.
Edward observou enquanto ela corria até a porta,
escancarando-a e fechando-a atrás de si. O som da chave girando
na fechadura foi muito audível.
Bem, parecia que o dia do casamento deles seria repleto de
diversão. Parabéns, Winterbourne. Boa jogada.
***
— Ocê vai ficá aí o dia todo, então?
Edward olhou para o seu valete e depois para a água, que agora
estava morna na melhor das hipóteses. Ele olhou de volta para
Charlie.
— Vá e encontre algo para eu comer, está bem? — resmungou
ele, porque não havia absolutamente nada neste mundo, hoje, que
fizesse ele comer na companhia de alguém. — Eu poderia comer
um boi inteiro.
Charlie revirou os olhos. — Tá certo, milorde. Que ninguém diga
que num faço de tudo pra te agradá. Saino, um maldito boi.
Edward resmungou e esperou até que seu valete tivesse saído
do quarto antes de se levantar.
Com aborrecimento, ele percebeu que um banho de gelo
poderia ter sido mais útil. Não importa o quanto ele tentasse manter
sua mente ocupada, seus pensamentos voltavam repetidamente ao
mesmo assunto, à senhorita Holbrook.
A senhorita Holbrook caída em seus braços, gemendo de
prazer.
A senhorita Holbrook com as saias em volta do seu pescoço,
implorando por mais.
A senhorita Holbrook nua e contorcendo-se debaixo dele.
Foi surpreendente quantas variações ele poderia apresentar
sobre o tema geral, mas todas chegavam praticamente à mesma
conclusão: a senhorita Holbrook arranhando a pele dele em êxtase
e gritando seu nome a plenos pulmões.
E Edward Greyston, sétimo Marquês de Winterbourne, perderia
a maldita cabeça se isso não acontecesse em breve.
Então, naturalmente, ele tornou tudo muito mais fácil
aterrorizando sua noiva e chamando-a de safada. Ah, e apenas para
garantir, ele também acrescentou devassa, promíscua, e, não podia
esquecer, abandonada. Ações e acusações que poderiam ter sido
especificamente concebidas para garantir que ela nunca mais fosse
nem uma dessas coisas para ele. Nunca mais.
Ele deveria receber uma medalha por idiotice. De verdade.
Para seu alívio, Charlie voltou, cambaleando sob o peso de uma
bandeja que, em uma inspeção mais próxima, parecia ter meio boi,
um vasto prato de batatas Dauphinoise e vários acompanhamentos.
Talvez se ele comesse tudo, ficaria tão letárgico que não teria mais
disposição para passar mais tempo considerando sua noiva irritante
e a situação ridícula na qual ele havia se metido? Ele duvidava
disso, mas valia a pena tentar.
Edward observou Charlie se mover pelo quarto, juntando roupa
suja e colocando um novo conjunto de roupas para ele. Ele colocou
uma camisa branca limpa sobre a cama, suavizando todas as rugas
com cuidado. O homem tinha um olhar familiar em seu rosto, com
seus lábios se movendo um pouco enquanto ele murmurava
baixinho. Charlie tinha algo em mente.
— Desembucha — murmurou Edward, com a boca cheia de
rosbife gelado.
Charlie se virou e franziu os lábios antes de dar um suspiro
longo. — O que ocê vai fazê com Demorte? — quis saber ele.
Bem, havia um assunto que poderia matar qualquer pensamento
amoroso. Bom trabalho, Charlie.
— Não sei — admitiu ele. — Não tenho certeza do que eu posso
fazer.
Charlie balançou a cabeça e sentou-se na beira da cama de
Edward, um par brilhante de botas ainda em suas mãos. — Eu acho
que ele sabe exatamente o que vai fazê a seguir — disse ele, com
seu tom sombrio.
— Nossa, obrigado, Charlie — murmurou Edward. — Você é um
verdadeiro consolo.
Houve um bufo, e Charlie colocou as botas no chão, movendo-
se um pouco ao longo do colchão quando percebeu que estava
sentado na manga da camisa limpa de Edward. Ele alisou-a
novamente antes de olhar para ele. — Num é motivo de risada.
Aquele sujeito tem algo contra ocê. Num vai ficá sentado esperano e
deixar ocê em paz. Sabe disso tão bem quanto eu, num é?
Edward suspirou e estendeu a mão para se servir de um copo
de clarete.
— Claro que sei disso — respondeu ele com irritação. — E o
que, exatamente, você quer que eu faça em relação a isso?
Assassinato não é bem o meu estilo; o sujeito é um exímio atirador,
então eu prefiro não o desafiar, se é isso que você quer; e eu não
tenho nenhuma prova de que ele estava por trás do atentado contra
a minha vida. Então, por favor, instrua-me... — Edward acenou com
a mão impaciente e Charlie olhou fixamente com raiva para ele
— Eu nunca disse que tinha as resposta, num foi? — retrucou
ele com dignidade. — Mas o pensamento do patife perverso lá fora,
tramano algo nefasto. É o suficiente pra fazer o sangue gelar.
Edward revirou os olhos.
— Pelo amor de Deus, Charlie. Faça algo útil e pegue algumas
cartas. Estou com vontade de recuperar essas vinte libras.
— Boa sorte com isso, milorde — disse Charlie, com sorriso
malicioso e evitando os olhos de Edward.
— Você marcou as cartas, seu bastardo espertalhão? —
indagou Edward com indignação.
Charlie olhou para ele com uma expressão de profunda
reprovação e colocou a mão sobre seu coração. — Como ousa,
milorde! Inté parece!
Edward resmungou.
— Além disso, num é necessário — murmurou Charlie, com um
sorriso que se abriu ainda mais quando o marquês fez uma careta
para ele. — E aí, ocê num devia tá desceno e cortejano sua noiva
esta noite? Se começarmos a jogar cartas, num vamu pará antes
das primeiras hora de amanhã, eu sei disso. — Ele franziu a testa
para Edward, balançando a cabeça. — Ocê pode, pelo menos, tê
uma conversa amável com a jovem na véspera do casamento.
Edward não olhou para cima, mas continuou a se servir de bife.
— Vá buscar as cartas, Charlie.
Charlie suspirou. — Muito bem, milorde.
***
Belle acabou sucumbindo à bandeja em seu quarto afinal, mas
sabia que não podia se esconder para sempre. Ela não podia
passar a noite inteira em seu quarto também. Mais cedo ou mais
tarde, precisaria enfrentar todos, e Winterbourne. Que Deus a
ajudasse.
Ele realmente a assustou esta tarde, mas depois que ela bateu
a porta na cara dele, percebeu que ele ficou tão chocado com suas
ações quanto ela, e para ser justa, ela havia agredido ele primeiro.
Ele não a machucou de fato; foi mais um susto, um susto que se
refletiu em seus olhos. Ele tinha a intenção de intimidá-la e assustá-
la, com certeza, e conseguiu, mas, ela pensou, não para prejudicá-
la. Até o aviso que se seguiu, por mais rude e zangado que tenha
sido, tinha um tom de desculpas, como se ele não confiasse em si
mesmo.
Mas não dava para fugir do fato de que o homem tinha um
temperamento terrível e não sabia como controlá-lo. Belle decidiu
que precisava fazer de tudo para entender o homem, e rápido. Ela
não estava disposta a passar o resto de seus dias com medo do
marido, então teria que encontrar uma maneira de gerenciá-lo. Com
isso em mente, ela decidiu que era melhor falar com a irmã dele.
Como se a tivesse invocado, houve uma batida suave na porta,
e Belle a abriu para encontrar Violette esperando por ela, com um
sorriso simpático no rosto.
— Pensei que talvez gostaria de um pouco de companhia —
disse ela, quando Belle retribuiu seu sorriso e gesticulou para que
ela entrasse.
— Eu gostaria, obrigada — admitiu Belle, fechando a porta atrás
dela. Ela respirou fundo e decidiu abordar o elefante na sala. —
Além disso, preciso agradecer a você, muito, por ter me salvado
ontem à noite. Se você não... não tivesse... — Belle parou, corando
à medida que ela se lembrava exatamente do que Violette teria
testemunhado.
A adorável jovem apenas deu um largo sorriso para ela. —
Sabe, eu tentei me arruinar para que Aubrey fosse forçado a se
casar comigo, mas eu não fiz isso tão bem.
Belle fitou-a boquiaberta, dividida entre desgosto e espanto. —
M-mas eu não fiz... Nunca tive a intenção de fazê-lo...
Violette acenou com a mão desocupada e se acomodou em uma
cadeira, chutando os sapatos para longe e ajeitando os pés sob seu
corpo. — Oh, eu sei que você estava de olho em Lorde Nibley —
disse ela, dando a Belle um sorriso de desculpas, já que ela devia
parecer cada vez mais chocada. — Era óbvio, sabe — acrescentou,
embora não de forma cruel. — Mas, na verdade, você é exatamente
o que Edward precisa, e simplesmente parecia a melhor solução
para todos.
Belle sentou-se antes que suas pernas cedessem. — Era? Eu
sou? — murmurou ela, sem ter certeza se tinha formulado as
perguntas da maneira correta, mas muito surpresa para descobrir.
— Oh, sim — Violette assentiu. — Sabe, agora você e a
senhorita Lucretia estarão seguras, e eu já sei que nos damos bem,
então, estou emocionada por ter vocês duas como irmãs. — Isso foi
dito com tanto entusiasmo que Belle não pôde duvidar da
sinceridade de suas palavras. — E o pobre Edward... — Ela deu um
suspiro pesado e balançou a cabeça. — Ele era um sujeito tão jovial
e feliz antes de ir embora. Nunca levava nada a sério. Costumava
me enlouquecer, na verdade — acrescentou, com um sorriso triste.
— Mas agora... bem, você já viu como é.
Belle assentiu. Na verdade, ela tinha visto.
— Ele precisa de uma mão forte, Belle. Posso te chamar de
Belle?
— Por favor — respondeu Belle com um sorriso que vacilou um
pouco. — Receio que tenhamos tido uma discussão terrível mais
cedo — admitiu. — E... na verdade, ele assustou-me bastante.
Violette olhou para ela com arrependimento e assentiu. — Sinto
muito mesmo. Mas Edward nunca te faria mal, fisicamente, pelo
menos, tenho certeza disso. Ele simplesmente não é assim. Embora
eu não me surpreenderia se ele saísse e procurasse uma briga. Ele
não consegue parar de se punir, sabe. É bem provável que você o
encontre voltando ensanguentado e machucado de vez em quando.
— Belle ofegou com a ideia e Violette deu de ombros, sugerindo que
ela também não entendia o porquê. — Mas ele não vai te machucar
fisicamente. Nunca — continuou. — No entanto, receio não poder
falar por ele. Ele... ele tem isso dentro dele de ser bastante cruel.
— Eu percebi — respondeu Belle, com um sorriso sombrio.
Violette parecia mal, e Belle se sentia culpada por algum motivo
que não conseguia entender. Só que Violette tinha feito tanto e sido
tão gentil, e ela parecia estar depositando suas esperanças em
Belle de que resgataria o Winterbourne que ele já foi. Parecia
demasiado improvável que fosse plausível.
— Vou tentar — disse ela, com a voz suave. — Farei o meu
melhor para ser uma boa esposa para ele e não... não o irritar
demais.
— Oh, não! — exclamou Violette, parecendo genuinamente
chocada. — É o que todos fazem! Não funciona. Se ninguém o
desafia, ele continua agindo de maneira grosseira e repugnante, e a
situação só se agrava. Não, não, Belle, eu te imploro. Faça o que
fizer, não permita que ele a intimide! Não seja condescendente, faça
o que fizer.
Belle soltou um suspiro de alívio, porque ela nunca tinha
conseguido conter a língua, e Deus sabia que o marquês fazia
aflorar o pior nela. Mas será que ela realmente poderia enfrentar
aquele homem zangado e rude, dia após dia? Bem, ela teria que
encontrar coragem, ela supôs, porque não passaria o resto de seus
dias se escondendo em seu quarto.
— Vou fazer o meu melhor — disse ela, com um sorriso.
Violette deu um enorme sorriso para ela e estendeu o braço
para pegar sua mão. — Eu sei que você vai — disse ela, apertando
os dedos.
— Crecy já leu todos os livros da biblioteca? — perguntou Belle,
ansiosa para mudar de assunto para um terreno mais seguro, mas
Violette parecia confusa.
— Oh, eu não a vejo desde esta manhã — respondeu ela, com
uma expressão de preocupação. — Eu presumi que ela estivesse
em seu quarto. Não chegou a vê-la?
— Não — disse Belle, com a voz fraca. — Ela saiu para
cavalgar horas atrás.
Crecy não teria subido sem chamá-la. Belle tinha simplesmente
assumido que a irmã tinha encontrado um bom livro e esquecido o
tempo. Para ser sincera, ela estava tão consumida pelos seus
próprios problemas que não tinha pensado muito em Crecy. A culpa
queimou e seu coração deu um baque desigual quando ela olhou
para o céu; estava quase escuro agora, e parecia que poderia nevar
novamente. Ela se virou para Violette, assustada demais para falar.
Violette levantou-se em um pulo, com seu tom brusco. — Não se
preocupe. Tenho a certeza de que ela está aqui, mas não a vimos.
Venha comigo, vamos localizá-la.
Belle assentiu, mas com o coração na garganta, e desceu
correndo as escadas em busca de sua irmã.
Capítulo 16

“No qual acontece uma cerimônia...”

Crecy não tinha sido vista desde que saíra de casa esta manhã
na companhia de um cavalariço. Ele havia retornado cerca de uma
hora depois de partirem, tendo sido ludibriado. Belle foi informada
de forma inequívoca que sua irmã era uma amazona destemida, e
embora Crecy pudesse ter ficado radiante com os elogios do
homem, Belle estava se sentindo de forma bem diferente. Tudo o
que ela conseguia imaginar era sua irmã, deitada em uma vala
enquanto a temperatura despencava.
Ela sufocou um soluço e estava prestes a exigir que uma equipe
de busca fosse montada imediatamente quando Crecy entrou pela
porta da frente.
Seu rosto estava corado pelo frio e seus cabelos estavam
desalinhados, mas, fora isso, seus olhos estavam brilhando e ela
parecia perfeitamente adorável e cheia de vida.
Belle queria esganá-la.
— Crecy! — exclamou ela, aliviada, ainda sem saber se queria
abraçar a irmã ou esganá-la. — Em que diabos de lugar você
esteve?
— Desculpe, Belle, senhora Russell — disse ela, parecendo um
pouco envergonhada ao ver o cavalariço que havia abandonado e
vários outros criados se reunirem e discutirem claramente seu
paradeiro. — Eu me perdi.
— E não é de se admirar! — retorquiu Belle. — O que você
estava pensando, saindo sem um cavalariço ou alguém para
acompanhá-la? Como pôde? Poderia ter acontecido alguma coisa.
Crecy corou e ergueu um pouco o queixo. — Bem, não
aconteceu, Belle, e eu já disse que sinto muito. Mas estou com frio e
fome. Então, se me dão licença, vou me vestir para o jantar.
Belle assistiu perplexa enquanto ela se afastava, incapaz de
dizer nada, apenas ecoando as palavras de Lady Russell quando a
velha senhora se inclinou perto e sussurrou em seu ouvido. — Fique
de olho nessa daí, senhorita Holbrook, ela está cheia de segredos.
Belle sentiu um arrepio de presságio, pois sabia muito bem que
Lady Russell estava certa. Ela não acreditava por um momento
sequer que Crecy tinha se perdido. Isso levantava a questão: onde
diabos ela tinha estado?
***
Belle não conseguiu obter mais nada de Crecy, que estava
decidida a afirmar que tinha se perdido e nada mais. Com o seu
próprio futuro sendo uma preocupação mais imediata, Belle teve
que deixar o assunto de lado, pelo menos por enquanto. Agora, ela
estava diante do espelho, vestida com seu melhor vestido azul, se
preparando para descer e se casar com o Marquês de
Winterbourne.
— Você está linda, Belle — sussurrou Crecy, deslizando os
dedos entre os de Belle e apertando. Belle retribuiu o gesto, mas
percebeu que seu rosto estava paralisado demais para tentar forçar
algo parecido com um sorriso.
— Obrigada, Crecy — respondeu ela, parecendo um tanto fraca
e diferente de si mesma. Ela não tinha visto Winterbourne
novamente desde a briga que tiveram, e de alguma forma o homem
se tornou um monstro em sua mente nas horas seguintes. Ela
tentou se agarrar às palavras de Violette e rezou para que ele não
fosse tão irracional quanto o havia pintado durante as longas e
ansiosas horas de uma noite em claro. Mas a ideia de que ela teria
de dividir a cama com o homem esta noite...
Ela foi atacada por tantas emoções conflitantes com essa ideia
que não sabia qual agarrar primeiro. A ideia de ser íntima com o
bruto intimidador que havia sido tão odiosamente rude com ela no
dia anterior era nada menos que horrível. No entanto, se permitisse
que sua mente voltasse à noite na biblioteca, com aqueles lábios
suaves traçando um caminho sobre sua pele... uma onda de calor a
assaltou, pelo menos dando um pouco de cor à sua tez pálida.
— Você está pronta, Belle? Está na hora de irmos. — Belle
assentiu e se virou, vendo Crecy observá-la com tanta ansiedade
que ela sabia que deveria fazer um trabalho melhor em colocar uma
cara corajosa. Afinal, não era tão ruim. Longwold seria seu lar, os
belos jardins que ela já tinha aprendido a amar seriam dela para
descobrir e percorrer como quisesse. Ela seria a Marquesa de
Winterbourne, com posição, dinheiro, mais do que ela jamais
sonhara, ao alcance de suas mãos, e, acima de tudo, um futuro para
Crecy. Um futuro no qual sua irmã poderia ter tempo para se
apaixonar por um homem que a amasse de volta. Algo que Belle
provavelmente nunca experimentaria. Mas ela também não passaria
fome, nem seria forçada a viver fora da alta sociedade na tentativa
de colocar comida na mesa e um teto sobre sua cabeça.
Poderia ser muito pior.
Então, ela forçou seu rosto relutante a mudar para algo parecido
com um sorriso, e sua voz quando ela falou era uniforme e não
tremia. — Estou — disse ela, dando um abraço rápido em Crecy
antes de pegar o lindo buquê que havia sido enviado para seu
quarto. Anêmonas, se ela se lembrava corretamente, significavam
amor sempre firme. Ela conteve a risada amarga que acompanhava
essa ideia. De alguma forma, ela não conseguia imaginar Lorde
Winterbourne escolhendo algo que fizesse uma declaração tão
audaciosa. Belle se perguntou ociosamente se havia uma flor que
representasse “mal consigo ficar na mesma sala” ou talvez “forçada
a se casar”. Ela riu naquele momento e teve que fingir um acesso de
tosse enquanto Crecy corria para buscar um copo de água para ela.
Bem, não havia motivo para adiar agora. Winterbourne estaria
esperando, embora ela duvidasse que ele permaneceria após as
concluídas as formalidades. Ela teria sorte se ele esperasse para
participar do café da manhã de casamento antes de desaparecer, se
a experiência passada fosse algo a se considerar.
***
Belle não se lembrou muito do que aconteceu em seguida, o
que talvez fosse uma bênção. Eles se casaram na antiga capela na
propriedade, e tudo o que ela realmente conseguia lembrar era de
estar congelada até os ossos. Estava gelado lá dentro, a respiração
deles se condensando ao redor de seus rostos enquanto trocavam
seus votos.
Ela poderia ter achado seu novo marido desesperadamente
bonito se tivesse ousado mais do que lançar um olhar de relance
para ele. Ele nem mesmo olhou na direção dela depois de uma
saudação inicial e formal.
Belle olhava fixamente para o prato e tentava ignorar o som da
conversa de sua tia. Lady Russell já a tinha repreendido várias
vezes, mas agora que sua sobrinha era uma marquesa, a mulher
maldita estava mais falante do que nunca. Belle teria que fazer algo
a respeito disso.
A cozinheira da propriedade, à qual Violette estava ansiosa para
apresentá-la, era realmente uma maravilha. A senhora Puddleton,
ou Puddy, como Violette a chamava, havia preparado uma refeição
surpreendentemente simples, mas suntuosa, que Belle mal tinha
tocado. Sua garganta estava tão apertada de estresse que mal
conseguia engolir, e a ideia de colocar comida no estômago era o
suficiente para fazê-la ficar enjoada.
A atmosfera tinha poucos sinais de celebração, apesar dos
melhores esforços de todos os presentes – exceto pelos recém-
casados, é claro. Violette e a esposa do conde, Céleste, fizeram
tudo o que puderam para tornar a ocasião alegre, e ambos os
maridos fizeram o que podiam para ajudar, mas de alguma forma
isso só tornava tudo ainda pior. Ver dois casamentos tão claramente
felizes, dois casais que compartilhavam uma profunda harmonia,
exibidos diante dela, só aumentava a humilhação.
“Sou sortuda. Isso é uma bênção. Vou ficar contente.”
Belle repetia as palavras várias e várias vezes, como se
pudesse fazê-las se tornar verdade. Mas tudo o que conseguia
lembrar era que não houve um beijo para selar o casamento na
atmosfera gélida da capela. O homem nem mesmo pôde lhe dar
isso, quando estava disposto a levar muito mais naquela noite na
biblioteca. Ela sentiu uma onda de fúria por ele a humilhar dessa
forma. Talvez isso fosse sua vingança por se encontrar preso em
sua armadilha. No entanto, ele sabia que era uma armadilha. Se
não quisesse ser pego, por que não tinha simplesmente avisado
Nibley e deixado a situação de lado, ou trazido um acompanhante
ou... ou... Não importava como ela pensasse, ela sabia que ele
poderia facilmente ter escapado dessa situação, a menos que
tivesse simplesmente a intenção de confrontá-la e depois ficado tão
envolvido pelo desejo que tudo o mais foi esquecido.
— Talvez — começou ela, com a voz baixa e hesitante enquanto
ele olhava para cima com espanto. Ela se perguntou se era possível
que ele tivesse esquecido que ela estava lá. Isso não parecia estar
fora de cogitação. Ela limpou a garganta, determinada a não se
deixar levar pela suspeita em seus olhos. — Talvez devêssemos
cortar o bolo e depois... então você pode sair se... se preferir um
tempo sozinho. Este foi um dia estranho, para mim, certamente, por
isso imagino que deva ser para você também.
Ele franziu a testa para ela, com o seu olhar suspeito se
aprofundando.
— Posso entreter nossos convidados, garanto-lhe — disse ela,
tentando encontrar um sorriso ou alguma expressão calorosa para
lhe dar. — E... e posso assegurar você que farei tudo o que puder
para não lhe causar nenhum... desconforto.
Belle olhou para ele, descobrindo que suas mãos estavam
apertadas em seu colo. Se ela pudesse lê-lo, poderia ter alguma
ideia dos pensamentos que estavam guardados por trás daqueles
olhos verdes escuros. Ela nunca tinha visto tal cor antes, e isso a
lembrava de uma floresta, densa e ameaçadora e cheia de perigos
ocultos.
— Muito bem — respondeu ele, com seu tom rude.
Fiel à sua palavra, Belle organizou tudo e nem percebeu quando
seu marido escapou para deixá-la com os convidados. Ele não
reapareceu para o jantar, embora felizmente ela só tivesse que
enfrentar Violette, Aubrey, Crecy e sua terrível tia desta vez. Lady
Russell tinha se retirado cedo com sua irmã, ambas alegando
cansaço, embora Belle suspeitasse que qualquer coisa fosse melhor
do que repetir o suplício desta manhã, e encontrou-se incapaz de
culpá-las. O Conde e a Condessa de Falmouth tinham um
compromisso anterior e estariam ausentes por pelo menos uma
semana, antes de retornarem para o Natal. Depois disso, eles, Lady
Russell e Lady Dorothea voltariam para Londres.
Belle organizou para que Violette entretivesse Crecy naquela
noite, garantindo, assim, uma fuga temporária de qualquer pergunta
desconfortável de sua parte, e depois de assegurar a sua irmã que
tudo estava bem, retirou-se para o seu quarto.
Exceto que agora ela tinha um novo quarto, o que pertencia à
Marquesa de Winterbourne.
Belle olhou ao redor do vasto espaço maravilhada. Era suntuoso
e opulento, e ela se perguntou como teria sido a mãe de seu marido.
O papel de parede vermelho e dourado era exuberante e exótico, e
o mobiliário era melhor do que qualquer coisa que Belle já tivesse
visto. Ficar em meio a uma demonstração tão óbvia de riqueza e
excesso fez Belle se sentir subitamente mais sozinha do que nunca
em sua vida anterior. Seu vestido parecia barato e simples diante
das riquezas ao seu redor, e Belle se sentiu perdida em um mundo
que não sabia como navegar.
Ela deu um pulo quando ouviu um som suave de arranhão na
porta e percebeu que a criada que Violette tinha providenciado
estava ali para ajudá-la a se preparar para dormir. Belle lançou um
olhar para a enorme cama com suas cortinas escarlates e
empalideceu, mas convidou a criada a entrar.
Ela era uma jovem mulher pequena e morena, talvez com uns
dezoito anos, impecável, com um avental branco perfeitamente
engomado, um rosto doce e grandes olhos castanhos. — Boa noite,
milady — disse ela, fazendo uma pequena reverência, a excitação
em seus olhos estava clara. — Se lhe agradar, a senhora Russell
pediu que eu a acompanhe até que você faça os arranjos para sua
própria criada pessoal.
Belle olhou para a moça e seu rosto ansioso e radiante,
percebendo que poderia ser poupada do horror de uma vestimenta
terrivelmente elegante e esnobe, como poderia ter temido. — Você
já fez esse trabalho antes... senhorita?
— Oh, Mary, se assim o preferir, milady — disse ela, corando e
parecendo ansiosa. — Bem, eu tenho uma boa habilidade para
fazer penteados, e você não encontrará uma costura mais
caprichada do que a minha por aqui, mas... n-não, eu nunca fiz isso
antes — admitiu ela, enquanto sua voz diminuía, claramente
pensando que Belle quereria alguém com experiência, o que era a
última coisa que ela desejava.
— Bem, graças a Deus por isso — respondeu ela, com um
sorriso, enquanto Mary parecia perfeitamente perplexa. — Como eu
nunca fui uma marquesa antes, e não tenho ideia de como fazer
isso, você acha que talvez nós possamos encarar isso tudo juntas?
Depois de uma breve pausa, Mary sorriu para ela, e Belle sentiu
que tinha feito a coisa certa. — Pode confiar em mim, milady.
Foi assim que Mary ajudou Belle a se preparar para a noite de
núpcias, parecendo quase tão nervosa quanto a própria Belle, até
que finalmente deixou sua nova patroa sozinha.
Belle sentou-se à beira da cama enorme e francamente
intimidante, empoleirada como uma andorinha prestes a voar. Seu
cabelo estava escovado e solto sobre os ombros, com ondas loiras
grossas brilhando à luz de velas. Ela usava a sua melhor camisola,
simples de algodão branco, o que a fazia se sentir uma visão tola no
meio de tamanho esplendor. Belle consolou-se com o pensamento
de que ela devia parecer exatamente o que ela era: uma virgem
noiva nervosa em sua noite de núpcias. Afinal, não era certamente
isso que seu marido esperaria e desejaria dela? No entanto, à
medida que as horas passavam e ficava cada vez mais tarde, Belle
começou a se perguntar exatamente o que seu novo marido queria,
já que claramente não era ela quem ele queria.
Capítulo 17

“No qual a noite de inverno é realmente fria.”

Após escapar do inferno do café da manhã de casamento,


Edward se apressou até o estábulo e caminhou impacientemente,
mal conseguindo esconder a ansiedade enquanto seu cavalo era
preparado. Ele conseguia muito bem imaginar o que a criadagem
devia estar pensando dele, fugindo de suas próprias celebrações de
casamento. Suspeitava que não seria nada lisonjeiro, nem para ele,
nem para sua noiva. Um tolo até se aproximou para tirar o chapéu e
desejar felicidades antes de engolir suas palavras ao ver a
expressão no rosto de Edward e sair correndo.
Malditos sejam. Malditos sejam todos eles. Sempre o julgando,
lembrando quem ele era e como era, e todas as esperanças que
tinham para o que ele faria de Longwold. Mais cedo ou mais tarde,
perceberiam que o Marquês de Winterbourne morrera nos campos
ao redor de Waterloo, e o homem que retornara era um espectro.
Era algo nem vivo nem morto, adequado a nenhum mundo. Ele não
encontrava alegria em viver, mas também não sentia desejo de
morrer, não depois de ter lutado tanto para sobreviver, mas para
quê? Não havia lugar que pudesse chamar de lar.
Seven Dials tinha sido um refúgio temporário, mas ele sabia que
não pertencia ali, mesmo através da névoa que mantivera suas
memórias como reféns. Até mesmo sua casa de infância não lhe
servia mais. Tudo o que uma vez fora familiar e reconfortante agora
parecia estranho, como a lembrança de um lugar visitado uma vez
na infância e visto novamente pelos olhos de um adulto. Tudo o que
um dia amara e ansiara voltar parecia estranho para ele. Era como
se Longwold não tivesse existido para ele antes; era um lugar sobre
o qual tinha lido em um livro, que tinha imaginado em sua mente, e
agora a realidade não correspondia às suas expectativas. Até
mesmo o imenso castelo parecia menor do que ele esperava, e
estranhamente confinante, seu título como um laço em seu pescoço,
prendendo-o e o mantendo no lugar.
E, agora, ele tinha uma esposa também.
O peso disso, do que antes era familiar, de todas as
expectativas, pesava sobre ele, esmagando-o e apertando seu peito
até que mal podia respirar. O terrível senso de pânico estava
tomando conta dele novamente, fechando mãos frias ao redor de
sua garganta, e ele teve que forçar as mãos para o lado para se
conter de arrancar a maldita gravata e jogá-la na terra.
Assim que o cavalo foi selado, ele montou sem dizer uma
palavra e cavalgou com firmeza, encontrando o caminho que
somente ele conhecia até o coração da floresta que cercava o
castelo.
Encontrando o local familiar finalmente, ele desmontou, amarrou
o cavalo e pulou na pequena e lamacenta cratera no chão, sem se
importar com suas roupas elegantes.
Ele sabia que era tolice, mas, mesmo assim, pegou a pá que um
jardineiro descuidado havia deixado nos jardins, encontrou um lugar
distante de qualquer caminho bem percorrido e cavou um buraco
profundo na terra. Era um segredo miserável para o homem meio
vivo, meio morto que tinha retornado e estava com medo do mundo
lá fora. Apenas grande o suficiente para um homem do seu tamanho
se encolher e fingir que tudo além da lama não era algo que ele
precisava encarar. Era patético, ele sabia disso, mas, mesmo assim,
não conseguia suportar a ideia de não vir aqui.
Ele estava gelado, úmido e terrivelmente desconfortável depois
de um tempo com as pernas dobradas sob o queixo, mas estava
tudo bem. Era assim que deveria ser. Ele tinha perdido tantos na
guerra, camaradas e amigos. Homens que ele amava como irmãos,
homens que odiava, mas confiaria sua vida a eles, homens pelos
quais teria morrido. Agora, eles apodreciam na lama congelante,
seja de volta na Inglaterra ou em algum campo esquecido em
Waterloo.
De alguma forma, ele se sentia um pouco menos culpado por
sua sobrevivência aqui, na sujeira e no frio. Por que, afinal, ele
deveria ter tanto quando eles não eram nada além de ossos? Ele
fechou os olhos, desejando que as imagens se afastassem, mas
estava no campo de batalha mais uma vez.
Eles estavam terrivelmente em desvantagem, e Edward estava
preparado para morrer. Ele esperava por isso. Quanto à sua
participação na batalha, ele esteve entre um contingente de doze mil
homens, saindo às duas da manhã e marchando a noite toda desde
a grande cidade de Bruxelas. Trinta e dois quilômetros depois,
cansados, empoeirados e sedentos em um dia incrivelmente quente,
eles enfrentaram quarenta mil franceses, bem protegidos em uma
densa floresta. Mal tiveram a chance de respirar antes de os
desgraçados estarem sobre eles. O número de cavalaria francesa
superava em muito o dos britânicos, e Edward assistiu desesperado
enquanto seus camaradas eram abatidos apesar de seus esforços
heroicos, deixando a infantaria restante aberta ao ataque. De
alguma forma, ele ainda não sabia como, sobreviveu ao massacre.
Cavalo e cavaleiro como um só, sincronizados, desafiando lâminas
e balas e tiros de canhão, até o final.
Até então, ele tinha sido intocável, abençoado, amaldiçoado a
sobreviver.
Três vezes, a cavalaria francesa investiu contra as linhas
britânicas, matando impiedosamente até que fossem forçados a
formar quadrados de batalhões. No entanto, os homens não
vacilaram, e Edward pensou que nunca havia visto tanta coragem e
bravura. Da pequena brigada que havia entrado em campo naquele
dia, ao anoitecer mal conseguiam reunir um único batalhão, e esse
não excedia quatrocentos homens.
Milhares e milhares jaziam mortos ou estavam quase morrendo,
e como uma parte da ação havia ocorrido em campos de milho por
uma grande extensão de campo, centenas morreram por falta de
ajuda, incapazes de rastejar e encontrar socorro. Seus gritos
ecoavam pela noite, pedindo ajuda, por suas mães... pela morte. O
som disso ecoava ainda em seus ouvidos. Edward pensava que
nunca mais seria capaz de olhar para um campo de milho e ver algo
além de um rio de sangue.
Ele levou as mãos à cabeça, agarrando os cabelos e tremendo,
embora não sentisse o frio, apenas o horror daquilo, arrepiando seu
sangue, seus ossos e sua própria alma. De repente, ele teve pena
de sua esposa. A tola pensava que estava a salvo de qualquer mal
agora, no entanto, isso era o que a pobre senhorita Holbrook tinha
se casado, alguma criatura banhada em sangue, nem viva nem
morta, e não sabendo onde pertencia.
***
Belle cochilou na grande cama com dossel, muito miserável
para se enfiar sob as cobertas, embora o fogo na lareira já tivesse
se apagado há muito tempo, e o quarto ficava mais frio a cada
momento. Ela tinha visto a neve começar a cair várias horas atrás,
grandes flocos macios, cobrindo o campo como um espesso manto
de inverno. No entanto, uma batida suave na porta chamou sua
atenção e a fez acordar sobressaltada.
Certamente, não agora?
Vestindo uma camisola, ela se apressou até a porta e a abriu
apenas um pouco; ela viu o valete de seu marido, o homem a
quem ele se referira como Charles. Piscando de surpresa, ela
segurou mais firmemente a camisola ao redor de si.
— Posso ajudá-lo?
O sujeito tirou o chapéu de forma apressada e parecia
desconfortável, limpando a garganta. Ele tinha o início de um olho
roxo que parecia estar inchando enquanto falava. — É, na verdade
sim. Pelo menos, espero que ocê possa, porque tô em apuro...
peço desculpa pela expressão, milady, mas num sei o que fazê
com ele.
Belle levou um momento para compreender o que o homem
estava dizendo, mas finalmente percebeu. — Você está tendo
dificuldades... com o marquês? — adivinhou ela, imaginando o que
diabos aquele homem esperava que ela fizesse a respeito?
— É mais ou meno isso o que tá aconteceno, sabe —
concordou o sujeito engraçado e magro, torcendo o chapéu nas
mãos. — O pobrema é que ele num quer se mexê, e a neve tá
caino, e ele já tá encharcado até os osso...
— Você quer dizer que ele está lá fora, neste clima? —
indagou Belle, em alarme.
— Ele tá do lado de fora praticamente o dia todo, pelas minha
conta — concordou o sujeito. — Ele tamém tem bebido, e,
normalmente, eu consigo lidar com isso, mas ele não tá disposto a
aceitar isso esta noite, milady. Eu tenho sido razoável, implorei, e
até tentei dá um soco nele no rosto.
Belle soltou um suspiro de alarme.
— Sim, bem, ocê pode vê o que eu ganhei com isso —
retrucou o sujeito, aparentemente não vendo nada de errado em
socar seu empregador, que por acaso era um par do reino. —
Então, a verdade é que tô desesperado e... bem, eu me perguntei
se ocê poderia conversar com ele, sabe?
Belle o encarou com espanto.
— Eu?
A ideia de que esse estranho estava contando com ela para
fazer algo com Lorde Winterbourne era risível. Ele não sabia nada
sobre seu mestre? — Mas certamente um dos homens, ou vários...
— começou ela, enquanto Charlie balançava a cabeça de um lado
para o outro, lentamente, como um pêndulo, com o rosto sério.
— Não, num vai funcioná — disse ele, parecendo sombrio. —
O sujeito tá pronto para brigar, provavelmente vai quebrar ossos, e
num podemu nos dá ao luxo de perder nenhum dos criado.
— Não, eu imagino que não! — exclamou Belle, agora
alarmada com a ideia. — B-bem — gaguejou ela, ainda sem saber
exatamente o que o homem esperava dela. — Me dê um momento
para vestir um casaco e botas.
Belle fechou a porta e se apressou pelo quarto desconhecido,
tentando encontrar as coisas de que precisava à luz de sua única
vela restante. Seu coração estava batendo forte de apreensão e
ela se sentia bastante enjoada, mas nunca foi do tipo que evitava
suas responsabilidades, e, bem... agora seu marido era sua
responsabilidade. Que Deus a ajudasse.
Quando chegaram aos estábulos, Belle estava tremendo muito.
Seu casaco era gasto e fino, e, como apenas sua camisola e
manto estavam sob as camadas, estava congelada em questão de
minutos. A neve vazou para dentro de suas botas e congelou seus
dedos dos pés, e a ideia de que ela estava prestes a tentar
conversar com seu marido zangado – seu marido bêbado e
zangado – era mais do que suficiente para afugentar qualquer
calor residual de seus ossos.
— Ele tá por aqui em algum lugar, o tolo — resmungou Charlie,
embora o carinho por trás das palavras fosse claro o suficiente. —
Bem aqui — chamou ele, depois de ter procurado em algumas das
baias. Belle correu até onde Charlie estava e olhou para dentro de
uma baia vazia, vendo seu marido encolhido no canto no chão de
pedra gelada. Seu casaco tinha desaparecido, suas roupas
restantes estavam sujas e cobertas de lama, e sua gravata estava
jogada de lado, largada em um monte fumegante de esterco.
Uma garrafa vazia estava aos pés dele.
— Meu Deus! — exclamou ela, chocada com a visão do
homem poderoso encolhido em um monte. Seu medo desapareceu
diante de uma criatura que ela só podia lamentar, e ela correu para
a frente e colocou a mão em seu braço. — Lorde Winterbourne —
disse, sacudindo o braço dele e desejando que ele acordasse.
Ele gemeu, virando a cabeça para o lado.
— Lorde Winterbourne! — disse ela novamente, com sua voz
mais aguda agora. — Milorde!
Ele piscou diante disso, seus olhos turvos e sem foco. — Oh, é
você, não é? — murmurou ele, com sua voz arrastada e rouca,
encostando a cabeça contra a parede. — Vai embora. Não quero
uma criatura... — Ele balançou a cabeça, e Belle se esforçou para
não se sentir afrontada por ser tratada dessa maneira. — Não
quero... — Suas palavras se perderam e ela só conseguiu pegar
fragmentos delas. — Mais mortos do que vivos...
Ela arfou e se perguntou o que exatamente o homem pensava
dela se podia falar assim, se a ideia de se casar com ela o tinha
reduzido a... a isso.
— Ele não está falando de ocê, milady — murmurou Charlie,
balançando a cabeça e olhando para o marquês que havia
adormecido novamente com pena nos olhos. — É dele mermo.
— O quê? — Belle olhou para ele, querendo
desesperadamente entender esse homem infeliz, para ajudá-lo de
alguma forma.
Charlie deu de ombros. — É a guerra — disse ele, com um
sorriso triste. — As coisa que vimu naquele dia, nenhum homem
deveria ver. Ruim o suficiente ser um dos milhares, seguindo
ordens, pelo rei e pelo país. Pior ainda ser o pobre diabo enviando
os homens pra a morte, e depois sobrevivê contra todas as
probabilidade. — Charlie balançou a cabeça, enfiando as mãos
nos bolsos, e com o ar gelado turvando em torno de seu rosto
enquanto ele falava. — Ele tem sangue nas mão. Todos os seus
amigo e camarada, tudo morto, e muitos deles sob seu comando.
É isso que ele pensa, de qualquer forma. Eddie tentou tanto para
salvá-los, e quando não conseguiu, tentou se matá ao lado deles.
As coisas que ele fez fariam o seu cabelo se arrepiá. Mas nada o
atingiu. Não até aquela última explosão, pelo menos, então,
ninguém ficou surpreso quando ele se foi. Todo mundo achou que
ele tava morto.
— Exceto você — sussurrou Belle, percebendo agora a força
do vínculo que existia entre esses dois homens muito diferentes.
Charlie deu de ombros novamente, e tudo parecia
estranhamente silencioso. Um cavalo bateu com o casco,
mudando de posição no conforto de sua baia, e então... paz. A
neve caía sobretudo em flocos perfeitos e imaculados. Parecia
purificar tudo o que tocava, apagando pecados, cobrindo erros do
passado, perdoando tudo o que era feio no mundo.
Se ao menos fosse tão simples assim.
— Lorde Winterbourne é o homem mais corajoso que já
conheci, milady — disse ele, depois de um tempo. — Salvou a
minha vida uma ou duas vez, posso dizer a ocê. Mas tem medo de
vivê, tem medo de senti alguma coisa. Acha que tamém num
merece, se num tô enganado.
— Pobre homem — sussurrou Belle.
Charlie assentiu e depois lhe deu um sorriso resignado. — Sim,
ocê diz isso agora, mas isso num impede que ele seja um
verdadeiro diabo para lidar. Ele vai tentar te afastar. Ele vai xingar
e praguejar e te enlouquecer, e só uma muié teimosa e cabeça
dura vai consegui se comunicar com ele. Se ocê desistir dele, só
piorará as coisa. Talvez ocê não ache que vale o esforço. Não a
culparia, não quando ocê não o conheceu antes.
Ele estava olhando para ela agora, com uma expressão
pensativo nos olhos, e Belle sabia que havia recebido um aviso.
Ou fique para a campanha ou vá para casa agora. Meias medidas
só fariam mais mal do que bem.
Belle respirou fundo, sentindo o ar gelado da noite congelando
seus pulmões. — Teimosa e cabeça dura, você disse? — Ela olhou
de volta para o marido, um homem quebrado muito mais
profundamente do que qualquer marca visível poderia atestar.
Bem, ele tinha feito a parte dele, tinha sido corajoso para que as
pessoas deste país estivessem seguras. Agora, era a vez dela de
ser corajosa em seu nome.
Levantando-se, ela lançou a Charlie um último olhar ansioso,
vendo a esperança piscar em seus olhos, e fez a única coisa que
conseguia pensar.
— Lorde Winterbourne! — Sua voz era forte e um pouco
estridente, ecoando pelo silêncio dos estábulos cobertos de neve.
Para seu alívio, o homem deu um pequeno pulo e acordou,
olhando para ela, embora um pouco sonolento. — Isso, senhor, se
você se lembra, é a nossa noite de núpcias. Até agora, não estou
impressionada. — Ela cruzou os braços e franziu a testa para ele,
esperando parecer furiosa quando, na verdade, estava tremendo
de medo. Sua expressão não mudou, embora ela achasse que
havia um pouco de surpresa em seus olhos. — No entanto, se é
assim que você acha adequado passarmos nossa primeira noite
como marido e mulher, suponho que devo me esforçar para apoiá-
lo.
Os olhos de seu marido se estreitaram de suspeita enquanto
Belle olhava para o chão gelado com desgosto. Com uma careta e
uma inspiração aguda quando a neve penetrou em suas saias, ela
se sentou ao lado dele.
— O que diabos está fazendo? — exigiu saber ele, virando-se
para olhá-la, aparentemente dividido entre incredulidade e irritação,
e parecendo mais sóbrio do que há alguns momentos. Ela notou
Charlie se afastando de vista, e Belle virou-se para encarar o
marquês.
— Se meu marido acha adequado congelar até a morte na
noite de nosso casamento, como sua esposa, é meu dever
permanecer ao seu lado. — As palavras foram duras e sarcásticas,
e ela viu a perplexidade em sua expressão com satisfação. Ela o
tinha surpreendido, pelo menos. Belle cruzou os braços e não
precisou atuar para fazer seus dentes começarem a bater. —
Então, nós dois vamos pegar pneumonia juntos — acrescentou, as
palavras distorcidas pelo fato de que ela realmente estava
tremendo de verdade. — Isso deve agradá-lo enormemente, já que
estar casado comigo é obviamente tão horrendo que não consegue
suportar. — Este última frase foi dita com amargura real, e apesar
de tudo o que Charlie havia dito, ela não pôde deixar de sentir que
ele se ressentia dela, desse casamento, de tudo isso. Não que ela
o culpasse, afinal, ele tinha sido encurralado, mas ele não poderia
pelo menos tentar? Nem que fosse um pouco.
Houve um silêncio, e Belle passou os braços em volta de si
mesma, observando a neve cair e se perguntando se ela tinha a
menor ideia do que estava fazendo. Ela estava gelada e se
sentindo péssima e não sabia como ajudar o homem perturbado ao
seu lado.
— Sinto muito.
As palavras foram tão suaves e tão surpreendentes que, por
um momento, ela pensou que as tivesse imaginado. Belle virou a
cabeça, no entanto, e, pela primeira vez, o marquês a olhou sem
raiva, sem zombaria, desdém ou irritação, ou qualquer uma das
coisas que ela tinha visto antes. Agora, ele só parecia perdido e
sozinho e tão cheio de culpa que seu coração se compadeceu
dele. Naquele momento, ela soube que faria qualquer coisa,
qualquer coisa mesmo, para ajudá-lo, para trazer de volta seu
marido à vida.
Era tão tentador estender a mão para ele, pegar na sua, mas,
assim como ao enfrentar um cavalo assustado, ela sentiu que ele
se afastaria, então apenas lhe ofereceu um sorriso.
— Está tudo bem — disse ela, com a voz suave. — Ambos
temos temperamentos horríveis, isso é óbvio, e há muitos ajustes a
serem feitos. — Ela tentou manter seus membros imóveis, mas o
frio era doloroso agora, à medida que seu tremor aumentava. —
Estou aterrorizada com este lugar — disse, acenando com a mão
para Longwold em geral. — É enorme e assustador e além de
qualquer coisa que eu já sonhei, e não consigo imaginar o quão
estranho deve ser para você, voltar à vida que você tinha, depois
de tudo o que viu e experimentou. — Ela tentou imaginar, voltando-
se para ele com um sorriso triste. — Um pouco como tentar vestir
um casaco favorito e descobrir que de repente está três tamanhos
menor, talvez? — sugeriu, esperando que não soasse frívola. —
Você sabe que a maldita coisa deveria servir, mas é desconfortável
e irritante, e não te aquece como antes.
Seus olhos se arregalaram um pouco, embora ela não
conseguisse ler sua expressão. No entanto, depois de uma breve
pausa, e para seu enorme alívio, ele se levantou, tropeçando
apenas um pouco. Então ele ofereceu a mão a ela.
Ela alcançou e pegou, encontrando seus dedos tão congelados
quanto os dela, mas sua mão era forte e calejada e muito maior do
que a dela. Ele a ajudar a ficar de pé e por um momento ela
pensou que ele poderia dizer algo, oferecer-lhe algum consolo,
algum terreno comum.
— Entre antes que você congele até a morte.
Aparentemente não.
As palavras eram grosseiras, e ele virou-se rapidamente e se
afastou. O lado positivo é que ele caminhava em direção à casa.
Belle ficou observando-o e tremendo antes de perceber que o
conselho, pelo menos, era sensato.
— Sabia que eu tava certo sobre ocê.
Virando-se surpresa, ela percebeu que Charlie ainda estava
por perto e sorria para ela como se ela tivesse realmente realizado
algo.
— Bem, pelo menos o coloquei para dentro — respondeu ela,
embora seu coração se sentisse de alguma forma machucado e
cansado.
— Não, milady. Ocê tem um jeito peculiar, exatamente como eu
pensava, e fez muito mais do que isso — disse ele, oferecendo o
braço dele enquanto ela deslizava sobre os paralelepípedos
gelados.
— Eu fiz? — indagou ela, esperando que ele estivesse certo,
mas sem realmente acreditar.
— Sim — concordou ele, assentindo, e rindo de sua
incompreensão. Ele fez uma pausa e virou-se para ela, com a voz
calorosa. — Ocê falou com ele, e ele num gritô, nem se levantou e
saiu, nem te mandou embora, nem nada. Ele te ouviu.
Pela expressão no rosto de Charlie, ela entendeu que isso era
algo maravilhoso, e ela pôde ver a esperança crescendo em sua
expressão. Agora, tudo o que ela tinha que fazer era corresponder
a isso.
Capítulo 18

“No qual Crecy dá uma palestra estimulante e Belle começa suas


próprias manobras.”

Foi difícil encarar Crecy na manhã seguinte, mas Belle sabia


que não havia muito sentido em esconder sua humilhação e a
mente atribulada de seu marido de sua irmã. Além disso, Crecy
nunca a julgaria, e seria muito difícil tentar manter sua parente mais
próxima, e na verdade sua única confidente real, fora desse seu
maior desafio.
Portanto, após o café da manhã, e com um sorriso confiante na
direção de sua irmã que prometia revelações – embora não do tipo
que ela poderia estar esperando – elas voltaram ao quarto de Crecy.
Esperando até que a criada pessoal designada para Crecy – graças
a Violette, mais uma vez – as deixasse sozinhas, Belle soltou um
suspiro de alívio.
Crecy estava de olhos arregalados quando se jogou na cama,
sem se importar em amarrotar seu lindo vestido, e exigiu saber: —
Conte-me tudo! Como foi?
Belle deu-lhe um sorriso desanimado e deu de ombros. — Não
faço ideia.
Um tempo depois, após Belle lhe dar um resumo dos eventos da
noite anterior, as duas irmãs ficaram juntas em silêncio. Belle sentiu
culpa por ter discutido sobre seu marido com sua irmã; afinal, tais
assuntos deveriam ser privados, mas sem Crecy, ela não tinha
ninguém em quem confiar. Sim, Violette estava se tornando uma
amiga, mas elas se conheciam tão pouco. Sua irmã a conhecia por
dentro e por fora, seus talentos e suas falhas, e seu coração. Isso
era reconfortante.
Crecy suspirou e se sentou, olhando para Belle com uma
determinação que era realmente bastante desconcertante. — Todo
mundo que ouvi falar do seu marido sempre fala dele antes da
guerra. O homem não era apenas bem-quisto, ele era amado, Belle.
Ele era convidado para todos os lugares, e parece que ninguém
ficou surpreso com seus feitos heroicos no campo de batalha. Tudo
isso fala de um homem com um coração bom e nobre, não acha?
Belle concordou; afinal, ela dificilmente poderia discordar
quando já havia feito a mesma observação. Mas aquele homem
realmente parecia ter morrido e se perdido em algum campo
estrangeiro. — Sim, Crecy, eu sei. Mas como posso encontrar esse
homem se ele está determinado a não voltar?
Crecy franziu os lábios e levantou a mão, segurando um dedo.
— Você precisa de uma estratégia — disse ela, parecendo
estranhamente segura de si mesma. — Em primeiro lugar, você
deve conhecê-lo. Fale com a criadagem sobre ele, descubra o que
ele gosta e o que não gosta e tente usar essas informações em seu
benefício. Mostre interesse em coisas que lhe interessam. Siga-o se
for necessário, vá para onde ele for, force-o a conversar com você,
mesmo que discuta. Não fique amedrontada. Se não interagir com
ele, mesmo que não seja exatamente uma experiência positiva,
bem, você já perdeu.
Belle franziu a testa um pouco, mas deu de ombros. Fazia
sentido, ela supunha.
Crecy levantou um segundo dedo.
— Você é agora a Marquesa de Winterbourne. Assuma o
controle. Encontre o seu próprio lugar aqui. Se ele vir como você é
capaz – e você é capaz, Belle — disse ela com um sorriso tão
caloroso que Belle só pôde retribuir. — Bem, ele não poderá fazer
mais nada além de respeitá-la. Duvido que um homem como esse
deposite a sua confiança ou dê o seu coração para uma mulher por
quem não tem grande estima. — Belle parecia duvidosa disso, mas
se endireitou um pouco enquanto Crecy fazia um som de
reprovação e revirava os olhos. — Belle, você sustentou nós duas, e
aquela maldita mulher, vestida e alimentada com pouco dinheiro.
Pode não ter administrado uma grande casa, mas, na verdade,
manter-nos respeitáveis no orçamento com que teve de trabalhar,
isso é nada menos que um milagre. E você sabe como é boa com
as pessoas, a criadagem vai amá-la e querer agradá-la, guarde as
minhas palavras. Longwold será brincadeira de criança em
comparação.
Belle conteve a réplica que estava se formando em sua boca,
sentindo que sua irmã estava exagerando um pouco ali. Ainda
assim, ela não podia duvidar da confiança e segurança que via nos
olhos de Crecy. Então... bem, ela faria o seu melhor para
corresponder a essa expectativa.
— Em terceiro lugar. — Belle assistiu com crescente apreensão
enquanto Crecy levantava um terceiro dedo. — Você terá que
seduzi-lo, Belle.
— Crecy! — exclamou ela, sentindo-se muito desconfortável ao
discutir isso com sua irmã mais nova. Talvez Violette teria sido uma
escolha melhor?
— Oh, Belle — respondeu Crecy, imitando seu tom chocado. —
Deixe de ser tão tola. Sei o que acontece entre um homem e uma
mulher.
— Você sabe? — indagou Belle, com sua voz fraca e
vagamente horrorizada. — Como?
— Oh, não importa! — Crecy disse, parecendo impaciente
agora. — A questão é que o que acontece é poderoso. Se conseguir
levá-lo para a sua cama, terá uma chance muito maior de conquistar
o coração dele, e isso é o ponto quatro e cinco! — acrescentou ela
com o tom firme. — Você é linda, Belle, por dentro e por fora. Só
tem que de fazer aquele homem ver isso. Uma vez que ele perceba
o que tem em você, talvez ele se concentre um pouco mais no aqui
e agora e um pouco menos no passado. — Crecy suspirou e
colocou os braços em volta de Belle, apoiando a cabeça no ombro.
— Não vai ser fácil, imagino, mas nada que valha a pena é. — Ela
fez uma pausa e olhou para Belle, seus belos olhos cinza-lavanda
indagando. — Você acha que ele vale a pena, não é, Belle?
Belle assentiu, percebendo que essa não era uma questão em
seu coração, pelo menos, apesar do terrível começo de sua vida
casada.
— Sim — disse ela, sorrindo e abraçando Crecy de volta antes
de franzir a testa para ela com preocupação. — E quando você ficou
tão sábia? — quis saber ela. Era uma pergunta real, ela percebeu.
Crecy falava quase como se tivesse enfrentado algo semelhante, ou
pelo menos pensado nisso. Mas isso era impossível, não era?
Crecy apenas deu de ombros, embora parecesse um pouco
desconfiada. — Oh, bem, você sabe como eu amo consertar coisas
quebradas — disse ela, com um aceno despreocupado de sua mão.
Belle assentiu, aceitando o fato como verdade, embora uma
sensação incômoda de ansiedade permanecesse. — Bem, e então?
— quis saber sua irmã, dando um pequeno empurrão em Belle. — O
que você está esperando?
Belle respirou fundo e levantou-se, alisando o vestido.
— Ah, e isso é outra questão — acrescentou Crecy, olhando
para o vestido de Belle, que era prático em vez de elegante. — Um
bom soldado está sempre bem-vestido. Fale com Violette para
providenciar um guarda-roupa novo. Se você vai vencer essa guerra
de corações, precisará entrar em batalha usando um uniforme
adequado.
***
Belle desceu as escadas, imaginando onde seu marido poderia
estar se escondendo hoje e como encontrá-lo.
— Bom dia, Lady Winterbourne.
Belle virou a cabeça ao descer as escadas e viu o mordomo
esperando por ela, e o resto da criadagem da casa enfileirada. Ela
parou, sentindo-se um peixe fora d'água, horrorizada e realmente
bastante tocada com a exibição formidável.
Garrett caminhou para cumprimentá-la. — Espero que perdoe a
presunção da minha parte, milady, mas creio que talvez queira
conhecer a criadagem. — Ele deu-lhe um sorriso caloroso antes de
acrescentar um tom de voz baixo: — E todos nós desejamos-lhe
muitas felicidades e estamos muito felizes em recebê-la em
Longwold.
Belle piscou, já que isso havia sido dito com tanta sinceridade
que fez com que ela se sentisse um pouco emocionada. — Muito
obrigada, senhor Garrett — disse ela, sentindo-se terrivelmente
tímida e inadequada diante do que parecia ser um oceano de
criados.
Belle fez o possível para trilhar cuidadosamente a linha que
sabia ser de “noblesse oblige”, equilibrando a amabilidade com a
familiaridade excessiva enquanto cumprimentava cada membro da
criadagem em sequência. O administrador do marquês foi o
primeiro: um homem mais velho com uma barriga proeminente e
uma postura séria, ele parecia olhar para Belle com um olhar
aprovador. Talvez julgando, corretamente, que ela não era uma
mulher que desperdiçaria a riqueza de seu senhor em roupas, joias,
jogos de azar ou qualquer outra coisa do tipo.
Charles foi o próximo, como valete de Winterbourne, e foi
apresentado como senhor Davis. Enquanto apertava sua mão para
cumprimentá-lo, ele deslizou um pedaço de papel em sua palma
com um piscar discreto e depois sorriu. Supondo que fossem
informações sobre seu marido, ela colocou o papel no bolso sob as
saias e continuou pela fila.
A governanta e a cozinheira vieram em seguida, era difícil de
imaginar duas mulheres mais diferentes. A senhora Puddleton era
tão calorosa e redonda quanto um pão fresco recém-assado e
trouxe consigo uma aura materna e sem rodeios que Belle podia
imaginar se acostumando rapidamente. Visões agradáveis
abrangiam sua mente, de visitar a cozinha e ser mimada com bolos
e bolinhos frescos do forno.
A governanta era outra história. Uma mulher alta e esguia sem
um grama de gordura sob sua estrutura magra, seus olhos
cintilavam com inteligência perspicaz e certo julgamento. Embora
não fosse exatamente hostil, Belle podia ver que poderia haver
algumas disputas a serem resolvidas antes de chegarem a um
acordo. Recusando-se a ser intimidada, apesar de sua falta de
experiência, Belle deu um aceno de cabeça frio para a senhora
Scorrier.
— Espero podermos conversar com mais detalhes, senhora
Scorrier — disse ela, sustentando o olhar da mulher. — Como você
deve estar ciente, eu não tenho experiência em gerenciar uma casa
importante como esta. No entanto, sou rápida em aprender, e tenho
certeza de que, com sua assistência especializada, vou assumir as
rédeas sem causar transtornos para o bom funcionamento da casa.
A senhora Scorrier franziu os lábios, e, por um momento, Belle
teve a impressão de que toda a criadagem estava prendendo a
respiração. Aparentemente, ela havia passado por esse primeiro
encontro sem problemas, pois a governanta assentiu. Seu sorriso
não era exatamente caloroso, mas seus olhos perderam um pouco
de sua desconfiança enquanto ela falava.
— Tenho certeza de que nos daremos admiravelmente bem
juntas, Lady Winterbourne — respondeu a mulher, que a julgar pelo
suspiro suave de alívio que veio de Garrett, parecia ser um sinal de
aprovação. Graças a Deus.
Depois disso, houve um desfile interminável da governanta,
passando pelas criadas pessoais – embora já as tivesse conhecido
– dos lacaios superiores, dos lacaios inferiores, das camareiras,
cozinheiras, lavadeiras, dos cocheiros, cavalariços e ajudantes de
estábulo.
No momento em que terminaram e a criadagem foi dispensada,
Belle sentiu-se positivamente tonta e bastante exausta.
— Posso sugerir que seja servido um chá na sala de estar? —
disse Garrett, aparentemente decidindo que Belle precisava
imediatamente se alimentar.
— Claro — respondeu Belle, sentindo que o bilhete de Charlie
queimava em seu bolso.
Enquanto esperava a chegada do chá, pegou-o e desdobrou-o.
A escrita era rabiscada e difícil de ler, mas dizia simplesmente:
“Treino. Salão de baile.”
Belle sorriu e guardou o bilhete. Deduziu que “treino” era a parte
de preparação que precedia o boxe.
Ela bebeu o chá tão rápido que queimou a língua e estava
prestes a sair correndo em busca de seu marido quando Tia Grimble
entrou. Belle respirou fundo. Ela estava esperando e temendo esse
momento ao mesmo tempo, mas era melhor agir enquanto estava
no calor do momento.
A mulher imediatamente lançou sua demanda de que um dos
melhores quartos fosse disponibilizado para seu uso e expressou
sua indignação de que a governanta não autorizaria tal mudança até
que Belle desse seu consentimento.
— O que é ridículo, é claro — disse ela, com uma fungada de
nojo, arrumando as saias de um vestido verdadeiramente
perturbador de cor púrpura enquanto se sentava. — Como se
alguém da minha posição devesse residir em um dos quartos
menores agora, quando minha sobrinha é uma marquesa. — Ela
deu uma risada presunçosa, e Belle devolveu com um sorriso
discreto.
— Na verdade, tia Grimble, eu já instruí que suas malas sejam
feitas para você — disse ela, achando que isso era bastante fácil de
fazer se ela lembrasse de todas as palavras e ações maldosas que
sua tia tinha tratado dela desde a morte de seu pai.
— Claro que instruiu — continuou a maldita mulher,
aparentemente alheia ao comportamento de Belle. — Você sabe o
que me é devido, depois de toda a bondade e caridade que mostrei
a você e à sua pobre irmã, quando vocês poderiam ter ficado na
miséria se não fosse pela bondade do meu coração.
— Oh, tia Grimble — disse Belle, dando um sorriso largo para a
mulher e realmente se divertindo muito agora. — Garanto-lhe que
nunca esquecerei do seu coração bondoso, e é por isso que as suas
malas estão sendo carregadas em uma carruagem alugada, que a
levará para casa assim que você tiver recolhido o restante de suas
coisas. Não espero que nos vejamos novamente, então, vou lhe
desejar um bom dia.
Com isso, Belle saiu do cômodo, sentindo-se mais como uma
duquesa do que uma marquesa, e foi deixada com a imagem
agradável da boca de sua tia espantada quando fechou a porta para
ela de uma vez por todas.
Apressando-se pelo corredor até Garrett, ela teve grande prazer
em confirmar que a mulher nunca mais seria autorizada a entrar na
casa. Claro, Belle não era tão insensível a ponto de não fazer nada
pela mulher e decidiu que falaria com Winterbourne sobre dar à tia
uma pensão para complementar a própria renda, o que a permitiria
viver confortavelmente e sem temer qualquer dificuldade. Mas isso
era tudo, e, na opinião de Belle, muito mais do que ela merecia.
Depois de confirmar as instruções para o salão de baile com
Garrett, ele a guiou com um sorriso suspeitosamente aprovador. Ela
não pôde deixar de se perguntar se ele estava em conluio com
Charlie.
Belle foi presenteada com a vista mais maravilhosa ao entrar no
salão e teve que se perguntar se o astuto criado tinha planejado isso
de propósito.
Lorde Winterbourne estava virado ligeiramente, com as costas
voltadas para ela, proporcionando-lhe uma vista espetacular de uma
figura verdadeiramente magnífica – sem que fosse notada. Até
mesmo uma cadeira foi providenciada. Que atencioso! Com um
sorriso divertido, Belle ocupou seu lugar e assistiu ao espetáculo.
Continuou como antes, com Charlie chamando os movimentos e
o marquês os repetindo até que um novo conjunto fosse chamado.
Era quase hipnótico, observar aquele corpo musculoso se mover,
ouvir os grunhidos de esforço e a rápida inalação de ar.
Como antes, no entanto, o efeito em Belle era... intrigante.
Sua própria respiração se tornava mais rápida, sua pele parecia
quase formigar quando ela percebia que realmente desejava esse
homem, seu marido. Ela se perguntou como seria assistir a ele lutar
contra um oponente. A ideia era de alguma forma horrível, a
possibilidade de que ele pudesse ser ferido, algo
surpreendentemente assustador para ela, e, no entanto... A ideia de
vê-lo enfrentar e vencer um oponente fazia com que algo que
poderia ser orgulho se inflasse em seu peito.
Era orgulho, ela decidiu, enquanto a sessão de treinamento
continuava. Ela estava orgulhosa de ser casada com esse homem
raivoso e danificado. Depois de tudo o que passou, ele ainda estava
lutando, à sua maneira. Ele estava fazendo tudo errado, é claro,
mas talvez quando uma alma se perdia daquele jeito, o caminho de
volta fosse impossível de se ver. Uma estranha angústia se enrolou
ao redor de seu coração. Uma mulher teimosa e cabeça dura tinha
sido o que Charlie disse que o marquês precisava. Pois bem, era
isso que o marquês teria.
Capítulo 19

“No qual nossa heroína é teimosa, obstinada e bastante ousada.”

Edward deixou cair os punhos, com os músculos doendo, o


corpo tenso e suando. A pulsação em sua cabeça tinha-se reduzido
para uma batida constante e suas entranhas estavam sensíveis,
mas depois da noite passada, essa era a menor das suas
preocupações.
O dia de ontem, em sua totalidade, era vago, para dizer o
mínimo, e ele não estava totalmente convencido de que não tinha
sonhado o episódio inteiro. No entanto, ele tinha quase certeza de
que se lembrava de estar sentado no chão congelante dos
estábulos com a senhorita Holbrook – não, peraí – com sua esposa
sentada no chão ao lado dele. Ele tinha uma vaga lembrança de ela
ameaçando congelar até a morte ao seu lado e dele olhando para
baixo vendo que ela estava vestindo aquele peliça terrivelmente
desgastada, e o que parecia um camisola de algodão por baixo.
Meu Deus, ele teria que instruir Violette a comprar algumas roupas
novas para ela antes que todos acreditassem que ele era avarento,
além de desequilibrado. Ele também se lembrava – e foi aí que as
coisas ficaram realmente turvas – mas tinha certeza de que tinha
sentido que ela de alguma forma entendia seus sentimentos sobre
estar em Longwold.
Como tentar vestir um casaco favorito e descobrir que de
repente está três tamanhos menor.
Edward franziu o cenho e pegou a toalha que Charlie jogou para
ele, enxugando o suor do rosto e do pescoço enquanto as palavras
dela ecoavam em seus ouvidos. Certamente, ele tinha imaginado
isso? Como ela poderia possivelmente colocar em palavras algo que
ele mesmo nunca tinha conseguido articular para ninguém?
— Bravo!
A cabeça de Edward virou na direção do som de palmas do
outro lado do salão de baile. Sua boca se abriu quando viu a
senhorita – não, droga – sua esposa aplaudindo-o!
— Que diabos você pensa que está fazendo? — indagou ele,
indignado que ela estivesse aqui, observando-o. Outra voz, bastante
astuta, sussurrou em seu ouvido que ele gostava do fato de que ela
o observava, mas ele silenciou essa voz com pressa.
Para seu desgosto, a maldita mulher não parecia aterrorizada ou
gaguejava um pedido de desculpas, mas caminhava em sua
direção, com os olhos voltados para ele com tanta admiração que
ele ficou chocado ao sentir o ressurgimento daquele desejo, que fez
seus joelhos fraquejarem, o qual havia se apossado dele na
biblioteca. E olha só onde isso o tinha levado!
— Eu queria ver você treinando — disse ela, sorrindo para ele e
acenando com um cumprimento para Charlie, que deu um largo
sorriso de volta para ela com óbvia aprovação. O maldito traidor. —
Está correto, penso eu, treino? — perguntou ela, e continuou, já que
nenhuma resposta lhe foi dada: — Você já lutou boxe em um
combate real? — questionou, com sua expressão genuinamente
curiosa. — Ouvi dizer que o estabelecimento do senhor Jackson na
Bond Street é onde todos os cavalheiros da alta sociedade vão.
— Ah, o marquês é um dos favorito do senhor Jackson — disse
Charlie, com óbvio orgulho ao ignorar totalmente o olhar de
indignação de Edward. — Treinô com ele muitas vez, sim senhô.
Num é, milorde?
Edward estreitou os olhos para Charlie e se perguntou o que
diabos ele estava pretendendo.
— Oh! — exclamou a senhorita... não... caramba, Belinda, o
nome dela era Belinda, olhando para ele com tanta admiração que
ele se sentiu realmente bastante nervoso. — Como eu gostaria de
ver isso.
Edward sentiu sua boca se abrir. — Você não pode estar falando
sério — resmungou ele. — É incomum e indecoroso que uma
mulher se interesse por tal coisa! Acredito que já tenha mencionado
esse fato antes — acrescentou, com crescente irritação.
Ele se sentia inquieto e irritado pelo fato de ela estar ali,
invadindo seu espaço privado. Ele tinha a intenção de procurá-la em
algum momento, mais tarde, muito mais tarde... e... e ver se eles
poderiam encontrar uma maneira amigável de seguir em frente.
Edward esperava que Longwold fosse grande o suficiente para
mantê-la ocupada e que ele pudesse passar o dia sem muitas
interrupções. A ideia de que ainda não tinham consumado o
casamento o incomodava imensamente, mas ele não sabia
exatamente o que fazer a respeito.
A ideia de que ela poderia realmente achá-lo incapaz o
incomodava mais do que ele gostaria de admitir, e o pensamento de
levá-la para a cama era tão enlouquecedor que ele tinha medo de
que pudesse se envergonhar e agir como um garoto inexperiente.
Ele rangeu os dentes com irritação, perguntando-se o que havia
de tão errado com esta mulher em particular que o deixava tão
confuso. Olhando para cima, Edward percebeu que ela estava
falando com ele, e que Charlie, droga, tinha ido embora.
— Eu não vejo como pode haver qualquer objeção para eu
assistir, em particular, meu marido treinar — disse ela. Sua voz era
baixa e, embora um leve rubor colorisse suas bochechas, seu olhar
era surpreendentemente direto. — Gosto de te ver — acrescentou, e
o tom de sua voz fez todo o corpo dele voltar-se para ela. Ele
abaixou a toalha com que enxugou o rosto, segurando-a na frente
dele antes que ela notasse o fato de que sua presença estava tendo
um efeito profundo sobre ele. Ela deu um passo mais perto e
Edward ficou dividido entre o desejo de recuar, afastar-se dessa
mulher que ameaçava desestabilizar sua vida e perturbar o pequeno
equilíbrio que lhe restava, e de se aproximar mais. No final, ele não
fez nem uma coisa nem outra.
— Sinto muito — disse ela, com as palavras tão surpreendentes
que ele esqueceu que estava zangado com ela.
Ele franziu a testa, imaginando o remorso em seus olhos.
— Pelo quê?
Ela deu de ombros e deu-lhe um breve vislumbre de um sorriso.
— Por prendê-lo nesse casamento — respondeu ela, com o rubor
bastante cativante em suas bochechas ficando mais intenso. — Eu
realmente não queria — acrescentou com pressa. De alguma forma,
isso só o irritou mais uma vez. Não. Ela nem sequer o tinha
considerado. O maldito Nibley tinha sido uma aposta melhor. Bem,
ela tinha conseguido mais do que esperava, pensou ele com um
sorriso amargo. — E sei que provavelmente estou muito longe do
tipo de mulher com quem você gostaria de se casar. — Ela olhou
para longe então, a audácia desaparecendo de seu olhar para ser
substituída por um lampejo de vulnerabilidade. Ela respirou fundo,
erguendo o queixo, e o vislumbre passageiro se foi, mas ele o tinha
visto e sentiu remorso por tê-la tratado tão duramente. — Vou tentar
deixá-lo confortável, Edward — disse ela, e ouvi-la falar seu nome
foi estranho e desconcertante.
Ele assentiu, inseguro do que dizer, de como prosseguir. Ele
revirou os olhos internamente. Meu Deus, o que ele se tornara? Ele
teve muitas amantes antes... bem, antes. Ele poderia convencer
praticamente qualquer mulher a ir para a cama com ele com um
esforço mínimo, e, por Deus, ele escolhera muitas. Ela era sua
esposa, pelo amor de Deus. Ele deveria simplesmente levá-la para
a cama e seguir com sua vida.
Por que não parecia tão simples?
Ela estava olhando para ele e Edward martelava o cérebro em
busca de algo inteligente para dizer a ela, mas sua mente estava em
branco.
Ela deu outro passo mais perto, tão perto que sua pele doía.
Talvez ela o tocaria?
Agora suas bochechas estavam em chamas e aquela
vulnerabilidade estava brilhando em seus olhos novamente, fazendo
com que o coração dele se sentisse desconfortável.
Ela poderia fazê-lo se importar com ela.
O pensamento era inquietante e o pânico começou a crescer em
seu peito. Ele já tinha perdido muitas pessoas para querer se
importar com mais alguém. Violette já era ruim o suficiente. Sua
necessidade desesperada de mantê-la segura quase tinha criado
um abismo entre eles. A ideia de sua irmã sozinha em Londres,
procurando por ele, quase o tinha partido ao meio.
— Você v-virá... virá até mim... esta noite, Edward... por favor?
Ele a encarou enquanto suas palavras deslizavam sob sua pele
como uma carícia, acendendo seus desejos como uma chama que
queimava sob sua pele, um incêndio florestal, fora de controle. Ela
estendeu a mão e o pânico o dominou quando ela estava prestes a
tocar seu peito.
Ele agarrou seu pulso, afastando-a dele, com medo de que
pudesse derrubá-la ali mesmo no salão de baile se ela ousasse
tocá-lo.
A expressão em seus olhos era horrível, no entanto, uma
mistura de devastação e constrangimento desesperado, e ele se
sentiu o pior tipo de monstro por tê-la tratado assim.
Ele afrouxou sua pegada em seu pulso e tentou manter sua voz
suave quando respondeu: — Sim — disse ele. — Eu irei até você.
Esta noite. — Ele engoliu em seco e soltou a mão dela, afastando-
se um pouco dela. — Não... não assim — disse ele, esperando que
isso servisse como algum tipo de explicação. Talvez tenha servido,
já que o rosto dela se iluminou um pouco, o mais leve lampejo de
esperança em seus olhos quando ela sorriu para ele. Era hesitante,
aquele sorriso, inseguro de si mesmo, mas de alguma forma o
atingiu em cheio no peito.
— Esta noite, então... Edward — disse ela, com a voz suave e
tão convidativa que ele não soube como conseguiu ficar parado.
Com medo de que talvez não conseguisse fazê-lo por muito mais
tempo, ele simplesmente deu a ela um aceno rápido e fugiu.
***
Belle saiu do salão de baile assim que Edward virou nos
calcanhares e saiu andando, e se perguntou o que diabos tinha
feito. Bem, era como deveria ser, ela raciocinou. Eles estavam
casados, e pessoas casadas, elas... elas... Suas bochechas já
avermelhadas pareciam esquentar ainda mais enquanto ela subia
as escadas em direção ao refúgio de seu quarto.
Fechando a porta e se apoiando nela com um suspiro de alívio,
Belle fechou os olhos. Ela não tinha certeza se estava ansiosa pela
noite ou se a ideia era tão aterrorizante a ponto de ser inconcebível.
Possivelmente uma mistura muito real das duas coisas.
No salão de baile, sozinha com o marido, tinha os pensamentos
tinham claros, de fato. Talvez ela realmente fosse a criatura
perversamente devassa que ele havia descrito, afinal? Ela tinha
desejado tocá-lo tão intensamente que nem mesmo seu próprio
constrangimento poderia detê-la. Ele estava bem ali, tão belo e
perfeito quanto David de Michelangelo, e parecia tão intocável
quanto.
A ideia de que seu toque fosse repulsivo para ele era difícil de
ignorar. O próprio pensamento de que ele viria para o seu quarto e
cumpriria o dever de marido quando a ideia era abominável para ele
fazia com que lágrimas quentes de vergonha ardessem atrás de
suas pálpebras.
E, no entanto, não fazia sentido!
Seus pensamentos voltaram, como tinham acontecido com
surpreendente regularidade, para os momentos que compartilharam
na biblioteca. Suas ações naquela época não eram as de um
homem repelido por ela, mas exatamente o oposto. Na verdade, ele
estava tão consumido que se encontrava casado com ela!
A realidade se reafirmou e o bom senso prevaleceu.
Não. Ele certamente não sentia nojo dela.
Belle expirou e se sentiu um pouco menos insegura. Mas então,
se ele a desejava, qual era o problema? Ele tinha sido tão rápido em
impedi-la de tocá-lo, teria sido apenas porque ele estava suado e
desgrenhado? Belle mordeu o lábio e se lembrou da expressão
assombrada, quase apavorada em seus olhos quando ela se
aproximou mais dele e de repente se perguntou se alguém o havia
tocado desde os horrores que ele havia vivenciado?
Belle deitou-se na enorme cama com suas cortinas vermelhas
brilhantes e considerou as palavras de Charlie sobre a guerra e
sobre Edward. Como ele havia feito de tudo para salvar seus
homens, seus amigos, e como, quando não conseguiu, tinha
tentado fazer de tudo para morrer, também, ao lado deles. O que
isso devia fazer a um homem?
Isso o tornaria avesso a cuidar de qualquer pessoa novamente.
Belle sentiu um nó na garganta ao perceber que era isso. Ele a
manteria à distância e nunca a deixaria entrar porque não podia
arriscar perder mais ninguém.
— Bem, Lorde Edward Greyston — sussurrou ela para as
paredes de Longwold. — Isso nós vamos ver.
***
Se Crecy ou Violette adivinharam o motivo da agitação de Belle
no jantar, foram sábias o suficiente para não dizer nada. Belle
admitiu estar muito grata pela ausência contínua de seu marido na
sala de jantar e se perguntou se seria capaz de enfrentar alguém no
café da manhã.
Quando ela voltou ao seu quarto e sua criada a deixou sozinha,
estava um emaranhado de nervos. Ela rezou para que ele não
recuasse uma segunda vez, pois não achava que seus nervos
aguentariam a tensão.
Mais uma vez, Belle estava sentada na beira da cama, a
imagem da inocência com uma camisola de algodão branco e
pernas trêmulas, cercada pela opulência de seu boudoir forrado de
seda vermelha.
Uma hora depois e com crescente desespero, ela começou a
acreditar que o homem realmente não cumpriria sua palavra,
quando houve uma batida suave na porta e seu marido entrou no
quarto.
Levantando-se tão rapidamente que a cabeça começou a girar,
Belle agarrou uma das luxuosas cortinas vermelhas que pendiam da
cama com dossel para se equilibrar e mal conteve o impulso de
fazer uma reverência.
Havia algo nele nesta noite que a fazia muito consciente de seu
título. Parecia dominar o quarto, sua postura rígida, sua expressão
firmemente controlada e um tanto distante. Por um momento, Belle
sentiu-se acovardada e se perguntou o que diabos tinha pensado
em convidar esse intimidante... estranho para o quarto dela!
Mas esse estranho agora era seu marido, e se ela não quisesse
que ele permanecesse um estranho, teria que ser audaciosa,
teimosa e decidida, e na verdade bastante corajosa.
Belle engoliu em seco.
E, então, ocorreu a ela, enquanto se forçava a olhar para um par
de olhos verde-musgo, que ele estava tão nervoso quanto ela.
Aquela expressão intimidadora e fria era uma fachada, como
muitas coisas sobre esse homem, pelo visto. Ela soltou um suspiro
e sorriu para ele.
— Olá.
No início, ele não disse nada, e, então, olhou ao redor da vasto
quarto com uma expressão de desgosto. — Não me lembro quando
estive pela última vez neste quarto — disse ele, com a voz suave. —
Eu tinha esquecido o quão... extravagante era o gosto de minha
mãe.
Belle reprimiu um sorriso, mas sabia que seus olhos estavam
dançando de riso quando ele se virou para olhá-la.
— Espero que se sinta à vontade para decorá-lo de acordo com
suas próprias preferências — acrescentou ele, e ela pensou que
talvez tivesse visto o mais leve vislumbre de um sorriso. — Temo
que você possa achar aqui um pouco... opressor.
Desta vez, Belle sorriu. — Obrigada, milorde — disse ela,
ouvindo o alívio em sua voz ao encontrar esta versão mais suave de
seu marido esta noite. — Foi chocante à primeira vista, admito,
mas... acho que me habituei a isso, assim como a muitas coisas.
Ele fez um som divertido, obviamente captando o que ela queria
dizer. Ele olhou para ela, e ela desejou que ele se aproximasse; ela
se sentiu um tanto tola sozinha em sua camisola intocada. — Você
me chamou de Edward mais cedo — observou ele.
Sorrindo para ele e decidindo que se moveria, já que ele
claramente não o faria, ela deu um passo mais perto. — Sim, fiz isso
mesmo — respondeu ela, aproximando-se ainda mais. —
Aparentemente, às vezes me sinto corajosa o suficiente para usar
seu nome, mesmo quando você parece tão furioso com a minha
presença, e outras vezes... não.
Seu rosto se fechou um pouco e ele franziu a testa. — Casei-me
com você porque não queria vê-la arruinada, senhorita... — Ele
parou e deu-lhe um sorriso triste. — Belinda.
— Belle — corrigiu ela, sua voz mal passando de um sussurro
enquanto se perguntava o que ele diria em seguida.
— Belle — Ela sentiu um arrepio de excitação ao ouvir seu
nome, pronunciado com tanta suavidade. — Mas... — continuou ele,
enquanto Belle prendia a respiração. — Eu nunca esperei... Não
estava preparado... — Ele fez um som de frustração e passou a
mão pelo cabelo cuidadosamente penteado, deixando-o bagunçado
e desordenado, o que o tornou muito mais atraente aos olhos de
Belle. — Eu não sei como ser um marido para você.
Ele resmungou ao ver a expressão de surpresa nos olhos dela.
— Não é isso! — exclamou ele, com puro orgulho masculino,
gesticulando para a cama. — Garanto que você não terá do que
reclamar nesse aspecto — acrescentou, e Belle teve que se lembrar
do que estava tentando alcançar, mantendo a boca fechada e um
comentário mordaz para si mesma. — Eu... — começou ele de
novo, e, então, afastou-se dela para ficar ao lado da lareira,
observando as chamas. — Não quero que seja infeliz, Belle, mas
não sei se está ao meu alcance te fazer feliz.
As palavras eram francas e honestas, e Belle sabia que Violette
e Charlie, e seus próprios instintos sobre o tipo de homem que seu
marido era, estavam corretos. Ele era um bom homem, apenas tinha
se esquecido de como se comportar como tal.
De repente, parecia mais fácil ser corajosa.
Belle deu alguns passos e segurou sua mão, olhando para os
olhos dele, que estavam escuros e desconfiados.
— Eu também não sei como ser uma esposa, Edward — disse
ela, e depois deu-lhe um sorriso pesaroso. — Nem mesmo lá —
disse, com as bochechas aquecidas enquanto ela acenava para a
assustadora cama de dossel e persistia, encorajada ao ver o
lampejo de diversão em seus olhos. — Mas sei que a felicidade é
algo que construímos juntos e farei tudo o que estiver ao meu
alcance para fazê-lo feliz também.
E então, reunindo coragem, ela se aproximou e pressionou os
lábios nos dele.
Capítulo 20

“No qual Belle vence uma batalha e enfrenta uma vitória solitária
com destemor.”

Foi como um brusco despertar, aquele beijo. Edward havia


mantido uma aparência razoável de calma até aquele momento. Ele
não tinha sido exatamente eloquente, mas esperava ter começado a
transmitir para a mulher que ela não deveria esperar muito dele.
E, então, ela o beijou.
Era como se as horas entre aquele momento e o momento em
que foram interrompidos na biblioteca nunca tivessem existido. O
desejo o invadiu com tanta força que ele quase cambaleou e se
estabilizou puxando-a em seus braços.
Ele engoliu o gritinho de surpresa que escapou dela e não parou
para considerar que esta era sua noite de núpcias – embora com
um dia de atraso – e que ele deveria tratá-la com cuidado, com
consideração por sua condição de donzela.
Foi como se os anos que haviam passado sem o menor sinal de
desejo tivessem se unido neste único momento. Como se todas as
emoções e necessidades normais que ele geralmente teria
experimentado durante esses anos solitários, se a guerra não
tivesse esmagado seus sentimentos, de repente desabassem sobre
ele, e ele estivesse se afogando sob o ataque. Qualquer habilidade
e destreza que ele poderia ter se orgulhado estavam fora de
alcance; não havia nada além de uma necessidade desesperada de
tocar e ser tocado, de se perder em sua existência sem sentido.
Ele esperava o momento em que ela gritaria e o esbofetearia, ou
exigiria que ele a soltasse, ou, no mínimo, implorasse para que ele
tivesse cuidado, mas o momento nunca chegou. Ela correspondeu
ao desejo dele com o próprio, igualmente intenso, desajeitado com a
fome inexperiente por algo que provavelmente ela não entendia
completamente, e ele saboreou cada momento.
Por um momento, ele soltou a boca dela, sentindo como se
estivesse prendendo o fôlego, incapaz de respirar novamente até
que seus lábios se tocassem. Mas ele precisava tirar essa maldita
camisola dela, sentir sua pele sob suas mãos.
Ele puxou a abertura, com água na boca ao ver um cenário
exuberante de curvas suaves revelando-se sob o algodão branco-
neve. A camisola caiu no chão, e ele a viu estremecer quando ela
afastou as mãos dele e as cruzou protetoramente sobre o corpo,
suas bochechas ardendo.
— Não — disse ele, ouvindo sua voz soar estranha, rouca de
desejo. Ele estendeu o braço e afastou as mãos dela, olhando para
a mulher que tinha casado com uma mistura de reverência e deleite.
Bem, Edward, nem tão mau negócio afinal, ele murmurou
interiormente, sentindo sua boca se curvar para cima, o sorriso
sendo uma expressão pouco familiar em seus lábios.
Ele forçou os olhos a se levantarem, para encontrar os dela, e
os encontrou largos e incertos.
— Você é linda — disse ele, vendo um reflexo de sua própria
expressão surgir em seu rosto, satisfeita e hesitante, e cheia de
desejo.
Para sua surpresa, ela estendeu a mão e tocou em sua boca,
traçando os contornos de seus lábios. — Você também é —
sussurrou ela.
Ele estremeceu sob o toque dela e reivindicou sua boca
novamente, puxando-a para perto e se deliciando com a maneira
como ela se enrolava ao redor dele, suas mãos afundando em seus
cabelos. Ela era uma aprendiz rápida, ele tinha que admitir, imitando
o movimento e emaranhado de sua língua com a dela. Com um
gemido, ele começou a puxar sua gravata.
— Tire essa droga de coisa de mim — rosnou ele, impaciente.
Ela riu, um som de alegria tão puro que seu coração se elevou
enquanto ela lutava com os botões de seu colete e tirava o paletó
justo de seus ombros com dificuldade.
— Por que diabos você colocou tudo isso quando só ia tirar de
novo? — resmungou ela, lutando para libertar os braços dele das
mangas estreitas.
— Charlie insistiu — retrucou ele, jogando o paletó e a gravata
em um monte amarrotado no chão.
Ela resmungou, os olhos dançando com alegria, e algo se
mexeu no peito dele ao perceber como era fácil estar com ela. —
Bem, da próxima vez, nem se dê ao trabalho — murmurou ela,
acrescentando o colete à crescente pilha de roupas.
— Como desejar — respondeu ele, abocanhando seu pescoço
enquanto ela puxava sua camisa das calças.
— Na próxima vez — acrescentou ela, parecendo um pouco
sem fôlego agora enquanto ele parava para olhar para ela e
encontrava uma expressão audaciosa em seus olhos. — Venha
direto do treino.
Ele quase se engasgou com isso, seu corpo tão duro de desejo
que doía. — Você quer que eu vá até você suado e semivestido? —
perguntou ele, quase sem fôlego.
— Oh, meu Deus, sim! — exclamou ela, puxando seu pescoço e
trazendo sua boca para a dela mais uma vez.
Meu bom Deus.
Atordoado pelo inflar do orgulho masculino e do prazer que
sentia com isso, ele se lembrou do desejo em seus olhos quando
ela o assistira treinar. Ele já tinha sido desejado com frequência
suficiente antes, é verdade, mas de alguma forma isso parecia
diferente.
Ele já tinha sido desejado por seu título, riqueza e posição tanto
quanto por sua aparência física, mas agora, mesmo depois de ter
dado a ela tudo isso, o olhar faminto e ardente dela permanecia
intenso e cravado em seus olhos.
Com impaciência crescente, ele se afastou dela com dificuldade
e agarrou a própria camisa, puxando-a sobre a cabeça.
— Suba na cama — instruiu ele, muito desesperado para fazer
as palavras soarem como algo diferente de uma exigência enquanto
dançava em um pé, lutando para se livrar das botas. — Caramba! —
exclamou ele, obrigado a sentar-se e lutar primeiro com uma e
depois com a outra. Finalmente livre das malditas coisas, ele tirou o
resto de suas roupas e teve que conter a necessidade de correr
para a cama.
Nesse momento, ele foi forçado a interromper-se devido à
expressão em seus olhos.
Ela estava ajoelhada na cama, observando-o atentamente, e
aquele olhar o fez parar abruptamente. Ele parou na frente dela,
observando com interesse enquanto sua respiração se acelerava, o
peito dela subindo e descendo rapidamente enquanto o observava.
Ela estendeu uma mão, hesitante, talvez se lembrando do
momento no salão de baile em que ela tinha tentado tocá-lo antes e
sido tão duramente rejeitada. Ela parou, de repente um pouco
incerta enquanto olhava para ele, a mão suspensa no ar.
— Toque-me — disse ele, sua própria respiração tão irregular
quanto a dela. — Por favor — acrescentou, pois certamente ele só
tinha sido grosseiro e exigente até agora.
Ele fechou os olhos quando os dedos dela tocaram sua pele,
levemente a princípio, as pontas dos dedos deslizando sobre seu
osso do pescoço. Então sua mão pressionou a dele, a outra vindo
descansar ao lado, espelhando o movimento. Ambas as mãos
alisaram seu peito, dedos se enroscando na escuridão dos cabelos.
Uma mão pausou quando o polegar dela roçou seu mamilo. Ela fez
isso de novo e seus olhos se abriram rapidamente, observando
como ela ficava intrigada com a forma como a pequena
protuberância ficava tensa sob seu toque.
— Minha vez — disse ele, estendendo a mão para acariciar os
seios dela. Ele sorriu quando ela deu um suspiro e depois fechou os
olhos quando ele lhe deu o mesmo tratamento, seus polegares
roçando os montículos enrugados. Ele se aproximou e fechou a
boca sobre um dos seios, gemendo contra a pele dela enquanto a
chupava.
As mãos dela estavam em seus cabelos, puxando-o ainda mais
perto conforme sua respiração ficava cada vez mais irregular. Ele
não aguentava mais; se ele não a tomasse agora, acabaria
perdendo o controle como um jovem tolo com sua primeira amante.
Seu orgulho já era frágil o suficiente como estava, sem acrescentar
essa indignidade à lista de golpes que ele já havia sofrido.
— Deite-se.
Ele desejava poder fazer isso de maneira diferente para ela,
desejava poder encontrar o controle que um dia possuíra que faria
disso algo terno e gentil. Mas tudo o que era terno e gentil havia
sido arrancado de sua alma, e tudo o que restava era cru e
exigente. Talvez fosse melhor ela perceber isso agora, antes de se
entregar a quaisquer ideias românticas sobre como seria o
casamento deles.
No entanto, ela fez o que ele pediu, sem protestos, e o acolheu
em seus braços.
— Oh, meu Deus. — Ele gemeu as palavras quando sua pele
aquecida encontrou a dele. Ele deslizou entre as pernas dela,
descobrindo que ela estava mais do que pronta para ele, sua pele
molhada de desejo. — Preciso estar dentro de você.
Ele não lhe deu mais aviso, nem prometeu ser gentil ou não a
machucar. Afinal, ele nunca fazia promessas que não pudesse
cumprir, e não havia como fazer algo menos do que afundar dentro
dela.
Ela emitiu um som agudo, meio protestando, meio surpresa, e
ele tomou sua boca, silenciando-a enquanto se movia mais
profundamente, e, oh, meu Deus, a sensação dela, de tudo isso. Ele
estava perdido, dominado. Calor e prazer e conforto e acolhimento,
tantas coisas que lhe haviam sido negadas, que ele havia negado a
si mesmo, por tanto tempo. E, assim, ele tomou mais,
completamente incapaz e sem vontade de conter sua própria
necessidade. Para seu alívio, sua culpa por usá-la dessa maneira
diminuiu um pouco quando ela relaxou debaixo dele e, então,
suspirou. A cada movimento, ela o acomodava, seguindo seus
movimentos enquanto aprendia o que era necessário nessa dança
estranha e íntima.
As mãos dela se moviam sobre ele, acariciando-o, seu toque
suave e amoroso. Era impossível não responder, não reagir, embora
o medo dessa intimidade estivesse começando a rondar seu
coração. Ele abriu os olhos e percebeu imediatamente seu erro
quando ficou preso na expressão dela. Ela o observava, de olhos
arregalados de admiração, cheios de calor e desejo por muito mais
do que ele era capaz de lhe dar.
Ele fechou os olhos e desviou o olhar antes que o momento se
tornasse muito intenso; além disso, seu frágil autocontrole estava
escapando, e ele devia a ela alguma recompensa por sua chocante
falta de cuidado.
Deslizando a mão entre eles, ele se moveu ligeiramente e
encontrou o pequeno montículo que a faria acompanhá-lo mais
rapidamente. Com toda a paciência que pôde reunir, começou a
acariciá-la, ouvindo sua respiração mudar, sentindo a tensão
crescendo dentro dela e rezando para que ela não demorasse, já
que ele não podia se segurar.
Ele gritou quando o corpo dela se apertou debaixo dele, suas
mãos esbeltas segurando seus ombros, seu próprio grito de
surpresa e prazer sendo uma exclamação calorosa contra o
pescoço dele enquanto mergulhavam juntos na decadência do
clímax.
***
Belle suspirou e se enfiou mais profundamente sob as cobertas
quando os primeiros raios da manhã se infiltraram pelas cortinas,
insinuando-se no quarto e a tirando de seus sonhos. Ela pairou por
um momento naquele lugar agradável entre a vigília e os sonhos,
sentindo-se contente e preguiçosa como um gato bem alimentado.
Aos poucos, no entanto, ela voltou ao mundo dos vivos e lembrou
dos acontecimentos surpreendentes da noite anterior com um
sorriso que só cresceu à medida que seus olhos se abriram.
Ela era verdadeiramente uma mulher casada agora, e, meu
Deus, tinha sido... maravilhoso!
Belle se virou, desejando nada mais do que retornar ao caloroso
abraço do homem que lhe proporcionara tanto prazer, apenas para
encontrar um espaço vazio ao lado dela.
— Oh.
Sua decepção foi maior do que ela poderia ter imaginado, e a
mágoa se enrolou em torno de seu coração. Como ele poderia
simplesmente deixá-la depois da noite passada?
Ela inspirou profundamente e tentou se acalmar enquanto as
lágrimas pinicavam atrás de seus olhos. Não seja tola, Belle,
repreendeu a si mesma. Como se fosse ser tão fácil assim.
E, no entanto, tinha sido fácil, para ela. Ela já tinha começado a
permitir que Edward ocupasse um lugar tímido em seu coração
antes da noite passada, mas agora esse lugar tinha crescido e se
enraizado, e ela queria, precisava, saber que ele também havia
sentido algo.
Bem, era seguro dizer que ele tinha se divertido, ela pensou
com um sorriso amargo. Mas se ele achasse que isso era tudo que
o casamento deles envolveria, estava enganado.
Belle sentou-se na cama, de repente bem acordada, e cruzou os
braços sobre os lençóis. Crecy tinha razão. Tê-lo na cama era
importante, e ela sentia que isso deveria mudar as coisas entre eles,
mas era uma vitória vazia se este fosse o único lugar onde poderiam
encontrar algum terreno comum. Então, ela precisava abordar todos
os outros pontos também.
Houve um som suave de arranhão na porta e Mary entrou,
parecendo tão envergonhada quanto Belle, pois com certeza ela
devia saber que seu marido tinha passado a noite ali e não estava
mais aqui.
— Bom dia, milady — disse Mary, trazendo para Belle um
bandeja com uma seleção de pãezinhos frescos e um bule de
chocolate. Belle suspirou aliviada ao perceber que estava faminta.
— Espero que tenha dormido bem — acrescentou e, em seguida,
pareceu que queria morder a língua enquanto ficava vermelha e
corria para abrir as cortinas, escondendo seu rosto corado por um
momento.
— Dormi bem — murmurou Belle, divertida, mesmo que sem
querer. — Mary, você sabe se a senhora Russell ou Lady Russell
têm algum plano para o dia?
— Não, milady, não posso dizer que sei, mas posso descobrir
para a senhora.
Belle assentiu, tomando um gole de seu chocolate. — Se você
puder, Mary, pergunte se elas estariam interessadas em ir a Bath
comigo. Pretendo fazer algumas compras.
Capítulo 21

“No qual nosso herói é superado em habilidade.”

Edward se manteve ausente pelos próximos dois dias e noites.


Ele pensava que era melhor que Belle não esperasse que ele
estivesse à disposição dela o tempo todo. Ele não aguentava a
companhia da maioria das pessoas por mais do que alguns minutos
de cada vez; até aqueles que ele amava profundamente, como
Violette, poderiam fazê-lo querer fugir em menos de uma hora,
ainda menos se ela o irritasse. Charlie era o único com quem ele
conseguia conviver por mais tempo, e somente porque Charlie não
pestanejava se Edward xingasse e praguejasse – a ele ou a nada
em particular – até que o ar ficasse carregado. Charlie também
estava acostumado a vê-lo paralisado e olhando para o vazio
quando um humor sombrio o atacava, então ele não comentava
nem achava estranho. Edward não precisava se preocupar com
boas maneiras quando estava com Charlie, porque Charlie entendia,
ele também tinha passado por isso e deixado um pedaço de si para
trás. Charlie tinha seus próprios demônios, mesmo que fossem um
pouco menos exigentes do que os de Edward.
Manter conversas educadas sobre o clima ou alguma melhoria
na casa ou jardim com sua esposa, no entanto, fazia seu sangue
gelar. Não, era melhor assim. Eles viveriam vidas separadas na
maior parte do tempo, e, de vez em quando, ele visitaria o quarto
dela para cumprir seu dever matrimonial e produzir as próximas
gerações de Greystons.
Que Deus ajudasse os diabinhos.
No entanto, havia uma falha nesse plano perfeito. A ideia de
passar outra noite longe da cama dela estava o deixando irritado e
ainda mais mal-humorado do que o normal. Ele não tinha pregado
os olhos na noite anterior, imaginando o corpo quente e macio de
sua esposa enrolado naquela cama grande, completamente
sozinha. Ele se consolava com a ideia de que ela provavelmente
também estava desejando que ele a procurasse. De alguma forma,
isso não ajudava. No entanto, quando ele considerava a ideia de ir
até ela, de se perder novamente naquele abraço exuberante, um
tipo de terror o invadia. Seria fácil demais dar aquele tipo de prazer
como garantido, permitir que ela se enraizasse em sua vida, em seu
coração, e o que aconteceria depois?
Sua mente não conseguia superar o porquê disso, apenas que
era assustador demais para contemplar. Ele não permitiria a
ninguém esse tipo de intimidade. Se todos fossem mantidos a uma
certa distância, ele sentia que poderia controlar, até certo ponto, as
ondas avassaladoras de emoção que o varreriam e o derrubariam.
Se ele não mantivesse esse controle, essas emoções o dominariam,
a ponto de ele precisar correr e se esconder em um buraco
lamacento no chão, tremendo e chorando como uma criança.
De alguma forma, ele havia encontrado uma maneira de lidar
com essa versão estranha e desajeitada de si mesmo, e não
permitiria que ninguém, principalmente sua esposa, tirasse esse
controle dele. Ele não se reduziria a um monte de palavras
ininteligíveis, como alguns dos pobres coitados que havia visto
tremendo nos destroços de Waterloo, com os olhos vazios e a
mente completamente perdida. Não. Ele já havia perdido o
suficiente, afundado o suficiente na lama e na escuridão. Chega.
Então, ele se parabenizou por ter encontrado um caminho a
seguir. Belle teria o controle da casa e do jardim, mais dinheiro do
que ela poderia gastar em uma vida inteira, e apenas atenção
suficiente de seu marido para que ela não sentisse a necessidade
de ter um amante. Ele admitiu um leve tremor de ansiedade quanto
a esse último ponto. Sua esposa tinha se mostrado uma mulher de
desejos fortes e apaixonados, então, esse era um problema que ele
poderia ter que rever se não quisesse se tornar um marido traído.
A ideia o deixou surpreendentemente irritado.
Mas, mesmo assim, ela já deveria estar percebendo que ele não
estava à disposição dela a todo momento, e isso era para o bem
dela. Mas sua pele ainda parecia que estava arrepiada de desejo
por levá-la para a cama. Bem, eles eram recém-casados, afinal de
contas. Era de se esperar que ele a desejasse tanto nessas
primeiras semanas. No entanto, isso se dissiparia, desde que ele
não cedesse com muita frequência. Seu plano era sólido.
Hoje à noite... hoje à noite, no entanto, ele faria uma exceção.
Assim, foi com uma mente notavelmente calma e tolerante que
Edward foi oferecer sua generosa presença à sua esposa. Ele havia
se vestido de acordo para a noite, com um robe de seda jogado
sobre a camisa e as botas já removidas, e ficou bastante confuso
quando entrou no quarto de sua esposa e o encontrou escuro, frio e
completamente vazio.
Por um momento, ele sentiu um arrepio de pressentimento.
Será que ela já o tinha deixado?
— Charlie!
Edward bateu a porta com força e voltou furiosamente para o
seu quarto.
— Charlie!
Ao abrir a porta de seu próprio quarto, ele invadiu o cômodo
com uma raiva imensa para encontrar Charlie calmamente
arrumando os itens sobre sua penteadeira.
— Sim, milorde — perguntou ele, erguendo uma sobrancelha de
forma inquisitiva.
— Onde está ela?
Charlie adotou uma expressão de perplexidade que era tão falsa
que Edward teve que lutar para não o estrangular. — A quem tá se
referindo, milorde?
— Minha esposa, droga! — rugiu ele, perguntando-se como o
homem podia ser tão bom em cartas quando suas habilidades de
atuação eram terríveis. Ele tinha plena consciência da localização
de sua esposa. — Você sabia! — Ele foi para cima do homem, que
empalideceu um pouco e deu um passo apressado para trás. —
Você sabia o tempo todo que ela não estava lá, e não disse uma
maldita palavra!
— Cum todo respeito, milorde — disse Charlie, recuando atrás
da formalidade de sua posição, como se Edward fosse menos
propenso a dar um soco em seu mordomo do que em seu
ordenança. — Na última vez que mencionei o paradeiro de sua
esposa, ocê mandô eu calá a boca de uma vez, pois não demonstrô
o menó interesse na informação. — Sua voz tinha aumentado um
pouco ao final dessa frase, enquanto Edward perseguia o homem
em seu quarto com fúria nos olhos.
Edward teve que admitir que aquele era um ponto justo, mas
Charlie tinha sido óbvio em sua tentativa de colocar Edward na
companhia de Belle, e Edward não estava entendendo suas
sugestões nada sutis.
Ele respirou fundo, os punhos cerrados enquanto continha o
desejo de quebrar o nariz do homem se ele não respondesse
imediatamente. A necessidade mais urgente era saber se ela
realmente não o havia deixado. Será que ela tinha?
— Onde. Está. Minha. Esposa? — As palavras eram
ameaçadoras o suficiente para que Charlie engolisse em seco e se
rendesse.
— Ela foi pra Bath — disse ele, erguendo o queixo e tentando
parecer digno, o que era difícil, já que o sujeito estava suando
através da camisa. — E se ocê tirasse um momento para olhá ao
redor, teria notado que a senhorita Lucretia, sua irmã, o marido dela,
a Lady Russell e a Lady Dorothea foram com ela há dois dias!
Edward piscou enquanto assimilava a informação. Ele havia
ficado escondido tentando evitar todos, e o tempo todo ele estava
sozinho, de qualquer maneira.
Ele lançou um olhar furioso a Charlie e se afastou para se sentar
na cama, incerto sobre como se sentia.
— Quando ela partiu?
— Logo pela manhã depois que ocê... — Charlie parou de
repente e... o homem estava realmente corando? Meu Deus.
Edward processou essa informação. Na manhã seguinte depois
que ele havia feito amor com ela, ela havia ido para Bath, levando
Violette e todos os outros com ela. Ele se perguntou se ela
confidenciaria à sua irmã o quão terrível ele havia sido e se
contorceu internamente. Certamente, ela não falaria com Lucretia,
solteira como ela era, mas Violette era casada, e elas tinham a
mesma idade. Isso levaria a confidências sendo trocadas.
Ele se sentiu quente, doente, desorientado e... droga! Por que
ela tinha ido?
— Quando ela vai voltar? — quis saber ele, olhando feio para
Charlie, desafiando-o a dizer qualquer coisa além da verdade.
— Eu num sei. Sério! — disse Charlie, seu tom agora um pouco
mais simpático, o que era ainda mais irritante. A última coisa que
Edward queria era piedade. — Eu entendi, pela criada dela, Mary,
que a intenção era renovar o guarda-roupa dela e da senhorita
Lucretia. Eu tamém ouvi dizê que Violette queria levá-las para os
salões de baile e para o teatro, e coisas do tipo.
A carranca de Edward aprofundou-se. Havia algo na ideia de
sua esposa se divertindo em Bath sem ele que o perturbava.
Embora Deus soubesse que ele não tinha o desejo de estar lá. No
entanto, ele havia gostado da ideia de saber que ela estava no
quarto ao lado, ou mesmo que seus caminhos pudessem se cruzar
durante o dia, e todo esse tempo, ela não havia estado lá. Ele se
sentia tolo, um tanto irritado e... decepcionado.
***
Quatro dias em Bath eram suficientes. Belle inclinou a cabeça
para trás contra as almofadas com um suspiro. Ela percebeu que
estava ansiosa para voltar para casa.
Casa.
Que estranho pensar que Longwold era casa. Fazia tanto tempo
desde que ela soubera o que era sentir-se em casa.
Quando sua mãe estava viva, casa era um lugar seguro e feliz,
mas depois que ela morreu e seu pai passou de um desastre
financeiro para outro, eles se mudaram com frequência, sempre
para um lugar um pouco menor, um pouco mais desgastado. Até
que acabaram com tia Grimble. Belle sentiu um calafrio.
Com um suspiro de satisfação, ela olhou para Crecy. Sua irmã
estava divina. Crecy tinha reclamado e resmungado e detestado
toda a preparação e alvoroço, além de ser espetada por alfinetes,
mas, mesmo assim, tinha sido forçada a admitir que Madame
Chalon, a modista que Violette havia recomendado, era realmente
bastante habilidosa.
Habilidosa, de fato. Se Crecy tivesse notado mesmo um dos
vários homens que pararam abruptamente ou quase esbarraram em
outros cavalheiros ao olhar para ela, Belle teria ficado muito
surpresa.
Alisando com uma mão indulgente o rico veludo roxo de sua
própria peliça, Belle teve que admitir que também se sentia bastante
satisfeita. O roxo não era uma cor que ela teria escolhido por conta
própria, sendo muito ousada. Mas, é claro, ela era agora uma
senhora casada, e a modista insistiu que seus olhos azuis tinham
um leve toque de lavanda, como os de Crecy, e que o roxo lhe caía
extremamente bem. Ao se olhar no espelho, Belle foi compelida a
concordar. Ela nunca tinha sido vaidosa – realmente, qual era o
sentido quando você morava com Crecy? – mas ela sentiu uma
onda de verdadeiro prazer e... sim, de orgulho, também, quando ela
olhou para si mesma. Agora, ela pensava na carruagem seguindo
atrás, carregada com vestidos, sapatos e... minha nossa, tantas
coisas!
Quando ela tentou pedir para pararem com as compras, Violette
apenas lhe lançou um olhar bastante crítico e perguntou se ela tinha
a menor ideia de quão rico era seu Lorde Winterbourne. Na
verdade, Belle não tinha muito conhecimento sobre isso, embora
Longwold servisse muito bem como ilustração. Violette decidiu
explicar, no entanto, e Belle ouviu o suficiente para entender que ela
poderia gastar assim todos os dias pelo resto de sua vida e
provavelmente não faria um arranhão sequer em sua fortuna. Não
que ela tivesse a menor intenção de fazer isso. Ela fora educada
para ser econômica e estava acostumada a economizar dinheiro
onde podia. Embora a expedição de compras tivesse sido adorável
e divertida, na mente de Belle, ela tinha apenas um único propósito:
auxiliar sua campanha na guerra pelo coração de Edward Greyston.
Ela tinha sido tentada a confidenciar tudo para Violette sobre
tudo o que havia acontecido, especialmente... da noite. Mas era algo
muito particular, e ela não gostava de falar de Edward dessa
maneira com ninguém mais. Isso não significava, no entanto, que os
eventos daquela noite gloriosa não tivessem se repetido muitas
vezes em suas memórias. Ela se perguntava se teria uma repetição
de sua atenção naquela noite e esperava que sim, pois estava
ansiosa para usar o pequeno pedaço de nada que Madame Chalon
havia ousado mostrar a ela. Era sedoso e translúcido, tão delicado
que mal parecia necessário vesti-lo. Mas ainda assim, ela usaria.
A ideia lhe ocorreu de que Edward talvez não falasse com ela de
jeito nenhum. Na verdade, ele poderia estar furioso. No entanto, ela
tinha decidido quando saiu de casa naquela manhã que se ele
achava que poderia tratá-la de maneira tão descuidada, teria uma
surpresa. Seria bom para ele ficar furioso, ela decidiu. Também seria
bom para ele perceber que ela não ficaria pela casa se lamentando
e esperando o momento em que ele decidisse lhe dedicar sua
atenção.
Na verdade, quanto mais cedo ele tivesse essa ideia em mente,
melhor.
— Você não está arrependida, está?
Belle olhou ao redor e viu Violette observando-a, com
preocupação nos olhos.
Ela sorriu de volta para a jovem e bonita mulher, vendo a
semelhança com seu marido naqueles olhos verdes adoráveis, ou
pelo menos, como ele poderia ter sido antes da guerra.
— Não — disse ela, balançando a cabeça. — Não estou
arrependida de jeito nenhum. Ainda não, pelo menos — acrescentou
com um tom ligeiramente ansioso. — Confesso que estou um pouco
nervosa, imaginando em que estado de espírito ele estará quando
eu voltar. Foi realmente muito errado da minha parte sair sem dizer
uma palavra.
— Mas você deixou um recado — contestou Violette. — Ele só
precisaria procurar Garrett para saber exatamente onde você está e
quando você deve estar de volta em casa.
Exceto que ambos sabiam que o homem provavelmente não
admitiria interesse. Ela se perguntou se ele tinha notado que ela
havia ido. Por sua parte, teria sido quase impossível sair de
qualquer cama em que Edward estivesse. Mas talvez isso dissesse
mais sobre ela. Edward provavelmente havia tido muitas amantes.
Talvez, para ele, aquela noite tivesse sido apenas uma entre muitas
outras iguais? Talvez, aquilo não tivesse sido especial para ele de
jeito nenhum.
O pensamento indesejado e perturbador lhe ocorreu de que
talvez ele tivesse uma amante. Talvez ele estivesse com ela até
mesmo naquele momento?
Belle ficou bastante surpresa pela raiva que acompanhou essa
ideia. Essa não. Isso foi inesperado. Afinal, ela não havia se casado
por amor, e era geralmente aceito que os homens tivessem
amantes, mesmo depois de casados. O pensamento perturbador
ocorreu a Belle de que, se ela descobrisse tal coisa algum dia... ela
poderia fazer algo... impulsivo.
Empurrando tais pensamentos perturbadores de lado, Belle
estendeu a mão para sua retícula e retirou o pequeno livro que
havia escandalizado tanto o homem que o vendera para ela. Lady
Russell e Lady Dorothea haviam ficado em Bath depois de se
encontrarem com diversos conhecidos antigos, então ela não
precisava se preocupar em chocá-las ao ler o livro agora. O senhor
Russell também ficara para cuidar de negócios e retornaria no dia
seguinte. Violette já havia visto o livro e aprovado sua estratégia, e
Crecy, bem, Crecy provavelmente tinha títulos muito mais chocantes
em sua coleção, se Belle ao menos soubesse. Ela preferia viver na
ignorância. Mas o fato de uma jovem mulher ser ousada o suficiente
para pedir um livro sobre os intricados detalhes do boxe
aparentemente fez com que o homem mal-humorado atrás do
balcão sentisse a necessidade de ser realmente bastante rude.
Belle havia ficado discretamente furiosa, já que a loja não estava
vazia. Com o tom mais altivo que conseguiu reunir – e para sua
surpresa, viu que realmente vinha de forma natural – ela informou à
criatura indignada que era a Marquesa de Winterbourne, e o livro
era um presente para seu marido, que era um notável pugilista de
renome. Belle não tinha ideia se isso era verdade, e, na verdade, o
livro era para ela e não para Edward, mas ela não via motivo algum
para deixar o desagradável sujeitinho saber disso. Especialmente
agora que ele estava parecendo mortificado, fazendo reverências e
se curvando o quanto podia. Belle sempre havia desprezado
pessoas que usavam seu poder e títulos para menosprezar os
outros, mas ela podia ver que em certas circunstâncias, isso
realmente poderia ser bastante útil.
Já estava ficando tarde quando a carruagem parou, e todos
entraram às pressas para se vestirem para o jantar, enquanto um
verdadeiro exército de lacaios saía para transportar todas as suas
compras para dentro.
Mary exclamou animadamente ao ver as pilhas de caixas de
chapéus, caixas de sapatos e as criações requintadas de Madame
Chalon formando pilhas exóticas ao redor do quarto.
— Oh, por favor, use o azul meia-noite esta noite, milady. Você
ficou tão encantadora com ele; deixará Lorde Winterbourne sem
fôlego.
Belle parou no meio do caos, gostando bastante da ideia de tirar
o fôlego de seu marido. Ela fez um gesto de aprovação alegre para
Mary e sorriu para ela.
— Então será o azul meia-noite.
Belle encontrou Violette na escada, e a jovem soltou um suspiro
admirado quando Belle se aproximou.
— Oh, Belle — disse ela com profunda aprovação. — Nossa,
você está linda.
Belle sorriu, sentindo seu coração acelerar. Ela só podia esperar
que Edward notasse. Embora, é claro, ele nunca jantasse com elas,
então, era improvável, e ela não conseguia decidir de jeito nenhum
se estava contente com isso ou não.
Capítulo 22

“No qual os nossos competidores entram no ringue.”

— Pare de se mexê tanto — repreendeu Charlie enquanto


lutava para resgatar a gravata de pescoço amassada que estava
pendurada ao redor do pescoço de Edward. Por mais que tentasse,
Edward não conseguia entender por que estava se incomodando
em se vestir para o jantar quando poderia facilmente pedir algo para
ser enviado para seu quarto e ficar em paz. No entanto...
Sua esposa obstinada havia retornado, e ele não ia perder a
oportunidade de colocá-la em seu devido lugar. Por que ele estava
tão irritado, não conseguia entender completamente. Afinal, ele
queria que ela entendesse que não deveriam ficar sempre juntos,
que ela deveria ter interesses próprios e não ficar sempre no seu pé.
Certamente ele não se importava com ela gastando dinheiro em
roupas novas. Afinal, ele havia instruído Violette a garantir que ela
fizesse exatamente isso. Edward não queria que sua esposa
andasse por aí com algumas das roupas desgastadas que a tinha
visto usar até então. Mas o fato de ela simplesmente ter ido embora
na manhã seguinte... e sem uma palavra. Bem, era impróprio.
Um lampejo de culpa invadiu sua mente à medida que a ideia
recorrente de que ela poderia ter se sentido magoada pela maneira
como ele havia saído de sua cama nas primeiras horas da manhã
voltou para assombrá-lo. Ele franzia o cenho e afastou o
pensamento. Não precisava se sentir culpado por isso. Não fazia
sentido deixá-la acreditar em algum romantismo que pudesse existir
entre eles. Isso só a machucaria mais no final, quando ela
percebesse que ele era incapaz de tal ternura. Alguma sensação
não identificada surgiu nesse momento, porém, e levou um
momento para ele perceber que era arrependimento. Ele lamentava
muitas coisas do passado, mas havia esquecido o que era se
importar com a felicidade de outra pessoa. Talvez a de Violette, sim,
mas ele havia cuidado dela por tanto tempo que isso era tão
habitual quanto qualquer coisa.
Agora, ele percebia que não queria fazer Belle infeliz e
lamentava o fato de que isso era inevitável. Edward nunca teve a
intenção de viver o tipo de vida que seus pais tiveram, onde os dois
mal conseguiam estar no mesmo cômodo juntos. Mas ele não podia
lhe dar mais nada, e, afinal, era assim como as coisas funcionavam.
— Isso mesmo, nada mal, se me permite dizê — disse Charlie,
dando a Edward um aceno de satisfação e pegando um pincel de
roupas para dar atenção ao elegante casaco.
— Oh, já está bom — respondeu Edward, afastando-se com
uma carranca. — Você disse que Lady Russell ficou em Bath? —
perguntou ele, pensando que pelo menos a noite tinha um ponto
positivo.
— Disse — respondeu Charlie, com um brilho nos olhos. — E
Lady Dorothea e o senhor Russell. Serão apenas o senhor, Lady
Winterbourne, a senhorita Lucretia e Violette no jantar esta noite. —
Charlie sorriu para ele. — Uma rosa entre três espinho — brincou, e
então limpou a garganta apressadamente quando Edward lhe
lançou um olhar carrancudo. — Só brincano, milorde.
Edward resmungou e deixou o quarto.
Ao ouvir o riso que o aguardava, estava claro que as senhoras
já estavam reunidas. O fato de que sua presença não havia sido
esperada era evidente pelo silêncio que caiu sobre a sala quando
ele entrou.
Violette foi a primeira a se recuperar, aproximando-se para
cumprimentá-lo. — Eddie! Que maravilha você ter se juntado a nós.
Seremos um grupo animado só nós quatro! — Edward lançou um
olhar cético para sua irmã, mas Violette continuou. — Agora você
deve vir ver como sua esposa está bonita.
Belle estava de costas para ele quando ele entrou, e enquanto
Violette o cumprimentava, ele realmente não teve a chance de olhá-
la de verdade.
Ele teve agora.
— Olá, Edward — disse ela, com a voz suave e um pouco
cautelosa. Havia precaução em sua expressão também, um olhar
reservado, já que obviamente se perguntava que tipo de recepção
teria. Edward tinha planejado como trataria seu retorno. Ele
pretendia ser friamente educado e mantê-la na distância que ele
queria que ela permanecesse.
Seu plano desmoronou diante de seus olhos.
Ela havia feito algo diferente em seu cabelo, ele não tinha
certeza do que exatamente, mas estava mais liso agora, caindo ao
redor de seu rosto com alguns cachos habilmente arranjados se
soltando em um ombro. Seus ombros estavam expostos, e o decote
do vestido mostrava uma adorável extensão de pele branca e
cremosa, a curva de seus seios generosos se destacando contra o
cetim azul meia-noite.
Edward engoliu em seco, à medida que a noite que passara com
ela retornava a ele com uma clareza devastadora. O desejo
queimava sob sua pele, e de repente ele desejava que Violette e
Lucretia os deixassem em paz. Ele queria estar a sós com sua
esposa.
— Talvez devêssemos começar — disse Belle, sua voz tensa e
decepção em seus olhos. Ele percebeu que deve ter simplesmente
ficado olhando para ela e não havia dito nada sobre o quão adorável
ela estava, sobre qualquer coisa. Pelos olhares de repulsa que
estava recebendo de Violette e Lucretia, sua expressão de forma
alguma refletia seus pensamentos. Por um lado – graças a Deus –
mas por outro lado, ele havia claramente magoado os sentimentos
de sua esposa, e aquele sentimento de remorso se infiltrou nele
novamente e pendurou-se em seu pescoço como um peso.
O jantar foi terrível. Oh, a comida estava excelente como
sempre, Puddy nunca os decepcionava, mas o clima estava tenso.
Depois de várias tentativas de envolvê-lo em conversa sem
sucesso, as mulheres simplesmente continuaram como se ele não
estivesse ali.
Ele deveria ter ficado aliviado; afinal, não queria conversar. No
entanto, uma irritação latente se espalhou sob sua pele, e ele não
conseguia entender por que diabos se sentia assim.
Durante toda a refeição, sua atenção estava focada unicamente
em Belle, embora ele fosse cuidadoso para não olhar na direção
dela com muita frequência. Ele já sabia que ela era bonita, é claro.
Ele não tinha sido cegado pela beleza de Lucretia por muito tempo.
Outros homens poderiam se deslumbrar por ela e ignorar sua irmã,
mas Edward tinha notado o suficiente. Mas, mesmo assim, agora
ele percebia que havia sido cego.
Ele queria que essa refeição interminável acabasse para que
pudesse levá-la para a cama. No entanto, ela não estava olhando
para ele com nada além de decepção no momento, então, boa sorte
com isso, ele murmurou para si mesmo.
Finalmente, eles terminaram, e as mulheres desejaram-lhe boa
noite e foram para a cama. Normalmente, eles poderiam sentar e
conversar ou jogar cartas à noite, mas claramente todas estavam
ansiosas para fugir dele. Ele não podia culpá-las.
Edward esperou até ter certeza de que todas tinham fechado as
portas de seus quartos e subiu apressadamente. Ele deu uma
batida seca antes de entrar no quarto de Belle.
Ela se virou, claramente assustada, olhando para ele em
choque. Sua criada lhe lançou um olhar de pânico, e Belle devolveu
um sorriso nervoso.
— Isso é tudo, obrigada, Mary.
Mary fez uma reverência apressada e escapou o mais rápido
que pôde.
— Edward — disse Belle, sorrindo para ele, embora ainda fosse
uma expressão cautelosa. — Eu não esperava você.
— Não me queria, quer dizer? — retrucou ele, surpreendendo-
se com a raiva e a dúvida por trás dessas palavras. Ele não tinha
intenção de dizer isso. Ele não tinha intenção de dizer nada, apenas
levá-la para a cama.
Ela o encarou por um momento, os olhos preocupados. — É
isso que você pensa? — perguntou ela, e seu tom agora era mais
suave.
— O que mais eu deveria pensar? — respondeu ele, irritado por
parecer agora emburrado, droga. Isso não era o que ele tinha
pretendido. Ele se virou para longe dela e foi ficar ao lado da lareira
para se recompor.
Houve um silêncio por um momento, e ele se sentiu um tolo,
invadindo o quarto de sua esposa e a acusando de não o querer
apenas porque ela havia saído por alguns dias. Meu Deus, o que
havia de errado com ele?
— Desculpe, Edward. — Sua voz era suave e bem perto dele, e
ele deu um pulo quando ela colocou a mão em seu braço. Ele não
tinha percebido que ela estava tão perto. Ele a olhou e viu
arrependimento em seus olhos. — Você machucou meus
sentimentos, entende, e eu estava um tanto zangada com você,
então saí. Foi tolice, eu acho, mas eu realmente precisava fazer
algumas compras. Violette me disse que você queria que eu fizesse
isso, e... eu não queria te envergonhar com meus vestidos velhos,
então... — Ela se interrompeu e deu de ombros hesitante. — Não
vou sair assim novamente. Você tem minha palavra.
Meu Deus, ele era um bruto. Ele olhou para o rosto adorável
dela, capturado pela sinceridade de sua expressão. Ele não
esperava tamanha honestidade e isso o desarmou completamente,
sua raiva desapareceu, deixando apenas o arrependimento por tê-la
magoado. Como, em nome de tudo que é mais sagrado, ele poderia
tê-la deixado sozinha na cama, afinal? Parecia impossível.
— Não estava envergonhado — disse ele, irritado por sua voz
ainda soar dura e irritada quando não era sua intenção. — Mas
isso... — Ele estendeu a mão e tocou o cetim macio e acetinado
com a ponta do dedo. — Isso é... bom... bonito... — Bonito? Bonito?
Quantos anos você tem, seis? Ele se enfureceu interiormente. Ela
era tão bonita que tudo o que ele podia fazer era ficar parado e não
a puxar para seus braços. No entanto, havia algo nela que o
detinha, ele não ousava.
Ela lhe devolveu um sorriso deslumbrante que estava
completamente fora de proporção com o elogio. — Estou feliz que
você goste.
Ele assentiu, decidindo que talvez fosse mais seguro dizer o
mínimo possível, afinal de contas.
A mão dela deslizou por seu braço e seus dedos se
entrelaçaram com os dele. — Senti sua falta — disse ela.
As palavras penetraram sob sua pele e o envolveram,
aquecendo-o quando ele não havia percebido que estava com frio.
Ele queria retribuí-las, dar-lhe algo em troca, mas não podia.
— Posso ficar? — Pelo menos tinha sido uma pergunta, embora
soasse mais como uma exigência. Ela olhou para cima, seus olhos
azuis escurecendo e um rubor bonito surgindo em sua pele. Ele
percebeu que ela diria sim, orgulhoso do conhecimento de que ela
ainda o queria, mas, então, um lampejo de firmeza brilhou por trás
do azul, e ele reconheceu um tremor de dúvida.
— Sim, mas... com uma condição — disse ela, e ele sabia que
ela estava falando sério, independente do que fosse a condição. Ele
prendeu a respiração, perguntando-se o que ela queria dele. —
Você deve continuar aqui de manhã quando eu acordar.
Houve um momento de pânico diante da ideia de acordar ao
lado dela, mas esse sentimento foi suprimido pelo forte desejo que o
dominava. Edward a puxou para seus braços e a beijou, o alívio de
poder tocá-la como um peso sendo retirado dele. Ela respondeu
imediatamente, suas mãos em seu cabelo, puxando sua gravata,
beijando-o com igual fervor, e, então, ela se afastou.
Ela estava ofegante, seus olhos cheios de desejo, mas ela
também estava malditamente determinada, se o tom de sua voz
fosse alguma indicação.
— Prometa-me — exigiu saber ela, e quando não obteve uma
resposta, começou a se afastar dele.
Edward apertou seu abraço, recusando-se a deixá-la ir.
— Prometa — repetiu ela, aquele brilho de aço muito óbvio
agora.
— Prometo — rosnou ele, e a puxou de volta para seus braços.
***
O sonho o surpreendeu, espreitando-o em seu sono. No início,
parecia inocente, apenas memórias de camaradas e amigos.
Homens rindo e brincando, jogando cartas e bebendo juntos, mas,
então, o riso deles morreu, e o horror começou. Esses mesmos
homens estavam exibidos com olhos vidrados e mandíbulas
relaxadas – onde pedaços de seus corpos estavam para serem
vistos. Eles estavam silenciosos, embora o fogo dos canhões
retumbasse ao seu redor, tremendo a terra sob seus pés, ressoando
em seus ouvidos e derramando um obsceno chuveiro sobre sua
cabeça. Terra, rochas, sangue e coisas que ele não queria identificar
caíam sobre ele, enterrando-o sob o peso disso, quente e úmido e
pesado e...
— Edward? Edward, você está sonhando. — Uma voz suave
penetrou na imagética vil, tirando-o dela. — Acorde, querido... Você
está seguro agora.
Meu Deus.
Ele havia gritado em seu sono. Seu peito estava ofegante, sua
pele úmida e as imagens persistiam. Ele pressionou as palmas das
mãos nos olhos, desejando afastá-las, implorando para deixá-lo em
paz, mesmo sabendo que elas nunca o deixariam. Belle estava
falando com ele, ele podia ouvir sua voz suave e reconfortante,
embora soasse bem distante. Ele se agarrou a ela. Percebendo que
estava tremendo, ele respirou fundo, tentando se acalmar. Ele
nunca deveria ter ficado. O que ela devia estar pensando dele
agora?
Ao abrir os olhos agora, ele esperava ver piedade em sua
expressão e achou que não suportaria isso se visse. Mas quando
ele se concentrou, a encontrou observando-o, seu cabelo dourado
iluminado pela luz da manhã, e não viu nada além de alívio em sua
expressão.
— Aí está você — disse ela, suspirando, sorrindo para ele. Ela
não disse mais nada, mas se inclinou para beijá-lo.
Ah, sim. Seus lábios eram macios e seu corpo deliciosamente
quente quando ele a puxou para mais perto, esquecendo o horror do
sonho na alegria de encontrá-la disposta e dócil em seus braços.
Sua mão passou por seu peito, e ele a segurou, orientando-a para
baixo até cobrir sua pele dolorida.
Ele observou o rosto dela, divertido com o sorriso que apareceu
quando ela envolveu sua mão ao redor dele.
— Tão macio — disse ela, soando um pouco tímida. Edward
levantou uma sobrancelha e ela deu uma risadinha pouco feminina.
— Eu quis dizer sua pele — murmurou ela, não parecendo nem um
pouco envergonhada. Ele gostava disso, decidiu, gostava da
honestidade dela em todas as coisas.
— Assim — disse ele, mostrando a ela como acariciá-lo. Ele
ficou sem fôlego quando ela assumiu o controle, e ele se deitou
novamente, fechando os olhos, sem mais medo do que poderia ver
se os abrisse. Ele estremeceu, seus olhos se abriram em surpresa
quando as cobertas foram retiradas dele e sua pele arrepiou com o
frio do ar.
— Eu quero ver — disse ela, com um brilho malicioso nos olhos.
Edward riu, completamente encantado e bastante satisfeito, e,
então, parou quando percebeu como soou estranho. — Meu Deus,
Edward — disse ela, sua voz cheia de admiração. — Você é
realmente muito impressionante.
Edward a encarou, uma sensação estranha e desafiadora
crescendo em seu peito enquanto olhava para sua esposa,
observando-a fitá-lo com uma admiração tão óbvia.
Ela deu um grito quando ele se moveu de repente, jogando-a de
costas, desesperado para estar dentro dela. Belle riu de sua
urgência, um som alegre que animou seu coração enquanto ele
afundava nela, unindo-os.
— Oh, Edward — murmurou ela contra a pele dele, sua voz
cheia de diversão. — Estou tão feliz que você tenha ficado.
Capítulo 23

“No qual o nosso herói é surpreendido.”

Belle não ficou surpresa por não ver Edward novamente na noite
seguinte. Ela não fez nenhum esforço para procurá-lo, percebendo
que serviria melhor a seu propósito se ele tivesse a chance de sentir
sua falta. Era assim que seria, ela percebeu. Três passos à frente,
dois passos atrás. Mas tudo bem, ela poderia esperar.
Ela sorriu para si mesma ao lembrar da noite que passaram
juntos, admirando-se a si mesma e à maneira como o homem a
fazia sentir. Belle nunca tinha percebido que o desejo era algo que
as mulheres sentiam com tanta... tanta urgência. Que os homens
sofriam com ele e agiam de maneira imprudente e perigosa por
causa disso parecia aceito, normal, até mesmo, mas que seu marido
a fizesse se sentir tão... perversa! Ela admitiu para si mesma que
não queria nada além de caçá-lo e arrastá-lo de volta para o quarto
deles e ficar lá. O pensamento a fez corar, embora não se
arrependesse nem um pouco.
— Em que diabos você está pensando, Belle? — quis saber
Crecy, seus olhos dançando com travessura. — Você está ficando
completamente vermelha.
Belle bufou e voltou sua atenção para o livro. — Cuide dos seus
próprios assuntos — murmurou ela. No canto do olho, ela viu Crecy
colocar a língua para fora e riu. — Eu vou te contar quando você se
casar — acrescentou, com um pequeno muxoxo.
Crecy deu uma risadinha, mas achou que sua irmã parecia
vagamente incomodada com o comentário, então ela deixou o livro
de lado.
— O que é? — perguntou ela, enquanto Crecy devolvia uma
expressão inocente que Belle sabia muito bem que não podia
confiar.
— O que é o quê? — perguntou ela, com um sorriso radiante. —
Sabe, acho que está um dia tão bonito, vou dar um passeio a cavalo
à tarde.
— De novo? — indagou Belle, estreitando os olhos para ela. Ela
mal tinha visto a irmã desde que voltaram de Bath, já que ela estava
sempre fora cavalgando. Belle supunha que ficava satisfeita com
isso. Crecy precisava estar ao ar livre e se livrar da energia inquieta
que a afundaria na tristeza se ficasse enclausurada por muito
tempo. Ela tinha desejado cavalgar quando estavam com tia
Grimble, como uma forma de escapar, mas elas não podiam se dar
ao luxo de tal extravagância. Era justo que ela se entregasse à sua
paixão agora. — Bem, agasalhe-se bem. Pode parecer ensolarado,
mas ainda está gelado, e não se perca, e...
— Leve um cavalariço! — Crecy terminou a frase para ela,
soltando um muxoxo e lançando a Belle um olhar desdenhoso. —
Foi só aquela vez, Belle. Eu já andei muitos quilômetros agora.
Conheço bem o lugar, acho.
— Hmmm. — Belle não conseguia se livrar da sensação de que
ela estava escondendo algo, mas se ela ficasse na propriedade e
levasse um cavalariço para mantê-la segura, não deveria haver
nenhum problema.
Voltando sua atenção para o livro, ela olhou para cima, já que
havia um som de arranhão fraco na porta.
Garrett entrou a convite dela e lhe entregou um papel dobrado.
— Do senhor Davis — disse ele em tom baixo. Belle se perguntou
se estava imaginando o brilho nos olhos do homem quando ele
entregou o papel. Ela achava que não e sorriu para ele.
— Obrigada, senhor Garrett.
— O que foi, Belle? — perguntou Crecy, embora ela tivesse
enterrado o nariz no livro, enrolando distraída a longa fita preta que
usava como marcador em torno dos dedos. Belle tinha a sensação
de que ela não estava realmente enxergando as palavras na página.
— Nada — respondeu Belle, decidindo que isso era seu próprio
segredo. — Mas acho que vou esticar as pernas um pouco – dentro
de casa — acrescentou, quando Crecy olhou para cima. —
Aproveite o seu passeio, está bem?
— Eu vou — murmurou Crecy, embora agora ela estivesse
olhando pela janela, um olhar distante em seus olhos enquanto ela
segurava a fita de tecido nos lábios. Belle franziu a testa por um
momento, desejando saber no que Crecy estava pensando. Mas a
oportunidade de ver Edward lutando novamente era uma tentação
muito grande. Fechando a porta para sua irmã misteriosa, ela
seguiu novamente para o salão de baile.
Estava mais calmo dessa vez, já que Charlie não estava
gritando instruções, mas também estava sem camisa e de pé ao
lado de Edward.
Belle piscou, pensando inicialmente que o pobre Charlie seria
assassinado, já que seu marido era muito mais alto e largo do que o
pequeno e ágil valete. Logo ficou claro, no entanto, que não
estavam trocando golpes pesados; era mais um exercício de
habilidade.
Mesmo para seu olho inexperiente, ela podia ver que Charlie era
muito rápido e, frequentemente, conseguia acertar um golpe porque
estava sempre em movimento, e... e Edward estava baixando sua
guarda.
— Vamu lá, Eddie — provocou Charlie. — O que tá aconteceno
com ocê? Num sei onde tá sua cabeça, mas num tá aqui!
Particularmente, Belle achou que Charlie estava certo. O foco
determinado que tinha sido evidente todas as outras vezes em que
ela o tinha observado parecia estar faltando hoje, e ela fez uma
careta quando Charlie acertou um golpe esperto na mandíbula de
Edward. Eles podiam estar apenas brincando, mas ela ouviu o
punho dele atingindo a carne, e não achava que o golpe era tão leve
como ela tinha imaginado inicialmente.
Edward grunhiu com irritação e Charlie recuou dançando para
fora do alcance de um gancho direito que o teria derrubado.
Avançando novamente, ela assistiu enquanto Charlie repetia seu
movimento quando Edward mais uma vez abaixou sua guarda.
— Mantenha sua guarda — gritou ela, o que, em retrospecto,
talvez não fosse sua melhor decisão. Edward ficou tão surpreso que
olhou ao redor e Charlie o acertou na têmpora direita, deixando-o
desacordado.
— Edward! — exclamou ela em horror, quando seu marido caiu
no chão. — Oh, meu Deus!
Ela se ajoelhou ao lado dele, desejando ser do tipo que desmaia
e sempre carrega sais aromáticos. Em vez disso, ela friccionou suas
mãos e acariciou seu rosto. — Edward, acorde! Oh, acorde, por
favor. — O terror de que talvez ele estivesse seriamente ferido
começou a crescer em seu peito, um sentimento frio e nauseante
que fez as lágrimas pinicarem atrás de seus olhos. Então, quando
Edward acordou, gemendo e com um palavrão bastante vívido, ela
só conseguiu exclamar com alegria.
— Oh, Edward! — Ela segurou sua mão em seu rosto e beijou
seus dedos enquanto ele a encarava furiosamente.
— Você, senhora, é uma... uma...
— Um incômodo abençoado? — sugeriu ela, piscando para
afastar as lágrimas de alívio e olhando com pesar para o galo se
formando em sua cabeça.
Por um momento, ele apenas a encarou, e ela esperou que ele
explodisse em uma fúria tremenda.
— Mantenha sua guarda? — indagou ele, franzindo a testa para
ela. — Onde diabos você ouviu isso?
Belle engoliu em seco e se perguntou que tipo de sermão ela
estava prestes a receber desta vez. — E-eu não ouvi, Edward, eu...
eu li.
— Você... o quê?
Ele parecia até encantador quando estava confuso, ela decidiu,
e, então, percebeu que ainda estava segurando sua mão e ele ainda
não havia reclamado. — Eu li, Edward. Em um livro. Sobre boxe —
acrescentou ela, caso não tivesse sido clara.
Edward a encarou. — Onde diabos você arranjou uma coisa
dessas?
— Ah — disse ela, sorrindo para ele. — Comprei em Bath. Mas
não se preocupe, eu disse que era para você.
Edward abriu e fechou a boca novamente, parecendo um pouco
desconcertado. Ele se sentou e agarrou a cabeça com um gemido,
depois olhou para a outra mão, que ela ainda estava segurando
entre as dela, em seu colo.
— Peço imensas desculpas — disse ela, esperando que sua
raiva estivesse desaparecendo. — Foi inteiramente culpa minha por
distraí-lo.
— Sim — resmungou ele, suas sobrancelhas escuras se unindo
em uma carranca bastante mal-humorada. — Foi.
Ela levou a mão dele até seus lábios e beijou seus dedos. —
Bem, não devia ter feito isso — admitiu ela, com um sorriso triste,
mantendo a mão dele contra sua bochecha. — Nunca fiquei mais
assustada do que quando vi você cair. Acho que meu coração
parou.
Seus olhos encontraram os dela ao dizer isso, e ela não
conseguiu entender completamente a expressão ali, mas ele não
estava bravo.
Ele fez um som entre indignação e diversão. — Seria preciso
mais do que um soco do Charlie para me derrubar — resmungou
ele, parecendo um tanto irritado. — Onde diabos está o maldito? —
quis saber ele, olhando ao redor.
— Oh. — Belle olhou ao redor e percebeu que Charlie tinha sido
gentil o suficiente para se afastar. Ela decidiu que realmente gostava
de Charlie. — Ele deve ter ido... buscar ajuda? — sugeriu ela,
levantando uma sobrancelha. Embora, com certeza, ambos
soubessem que isso não era verdade.
— Fugindo da minha fúria, mais provavelmente — disse ele em
voz baixa, embora francamente, Belle não achasse que essa fosse
a razão, embora ela mantivesse isso para si mesma.
— Você vai ter um hematoma terrível — observou ela,
estendendo a mão para tocar seu rosto. Edward fez uma careta e
ela recuou.
— Peço desculpas — sussurrou ela.
— Você já disse isso — disse ele, soando mal-humorado e
olhando para ela com uma expressão estranhamente incerta nos
olhos. — Você não deveria...? — Ele parou e parecia vagamente
desconfortável, e ela esperou, intrigada, para que ele continuasse.
— Eu não deveria...? — incentivou-o quando ele não disse mais
nada.
— Eu não sei — disse ele com um resmungo, soando um pouco
irritado. — Beijar para ajudar a sarar, ou algo assim. Não é esse o
dever conjugal?
— Oh! — Belle mordeu o lábio para impedir que o sorriso se
espalhasse por seus lábios. — Oh, com certeza que sim. —
respondeu ela, lutando para manter a voz séria. Ela se aproximou
um pouco mais dele, sem se importar com suas lindas saias no
chão empoeirado do salão de baile, e se inclinou. Belle pressionou
os lábios um pouco ao lado do hematoma se formando para não o
machucar. — Pronto — disse, incapaz de manter o sorriso longe de
seu rosto ou de sua voz por mais tempo. — Melhorou?
Ele balançou a cabeça.
— Não? Essa não! — disse ela, com horror simulado. — Onde
mais?
Ele apontou para a linha de sua mandíbula.
— Aqui? — murmurou ela contra sua pele, sentindo a aspereza
da barba por baixo de seus lábios enquanto traçava beijos ao longo
de sua mandíbula e descia pelo pescoço, seguindo o caminho que
ele estava traçando com o dedo — Oh, querido, Charlie é realmente
um brutamontes — murmurou, enquanto ele inclinava a cabeça para
permitir que ela continuasse. Sua respiração estava ficando mais
rápida agora, conforme seu dedo cruzava um caminho sobre o peito
até o mamilo. Ela sorriu ao inclinar a cabeça mais para baixo e sua
boca se fechou sobre ele, sentindo a pele arrepiar sob sua língua.
Ele puxou o ar e ela se sentiu repentinamente poderosa, por ter
esse homem grande, obstinado e difícil, quase ronronando como um
gato sob seu toque. — Aqui também? — perguntou ela, olhando
para cima, para olhos tão escuros que pareciam quase pretos
enquanto ela voltava sua atenção para o outro mamilo. Ela o tratou
com a mesma delicada atenção e se perguntou para onde ele a
guiaria em seguida. — Eu realmente acho que você deve estar
machucado por todo o corpo — sussurrou, mantendo o olhar fixo no
dele.
— Oh, meu Deus — gemeu ele, alcançando e puxando sua
cabeça para cima, tomando a boca dela, com força e urgência. Ele a
soltou, sua respiração irregular e alta em seus ouvidos. — Eu quero
você na minha cama, agora. Agora — exigiu saber ele, puxando-a
para se levantar.
Eles estavam rindo enquanto ele a puxava atrás dele e voltavam
para o corredor, parando abruptamente quando tropeçaram em
direção à grande escadaria – exatamente quando Lady Russell e
companhia entravam pela porta da frente.
Lady Russell, Lady Dorothea, Aubrey e Garrett todos fitaram-nos
boquiabertos, e Belle teve que cobrir a boca com a mão para conter
o riso. Suas bochechas estavam em chamas e Edward estava meio
vestido, com hematomas e a puxando atrás dele como um homem
das cavernas com sua presa... só os céus sabiam o que eles
estavam pensando. Embora ela suspeitasse que estivessem certos.
— É... boa tarde — disse Edward, com notável dignidade para
um homem em tal estado de nudez. Belle se perguntou se os
marqueses eram treinados para agir com dignidade em todas as
circunstâncias, e se essas situações eram cobertas por algum tipo
de manual, e, então, teve que fingir tossir enquanto uma gargalhada
escapava.
— Digo, por que não tomamos chá na sala de estar — disse
Aubrey, sua voz um pouco mais alta que o normal.
— Uma boa ideia, senhor — acrescentou Garrett com firmeza,
guiando Lady Dorothea, que estava olhando com admiração e a
boca aberta para Edward, para a sala de estar. Até mesmo Lady
Russell deu uma boa e minuciosa olhada.
A porta fechou atrás deles, e Belle não conseguiu mais aguentar
e irrompeu em risadas. — Oh, oh — exclamou ela, segurando os
lados. — Coitado de Garrett, ele não sabia o que fazer consigo
mesmo. — Ela parou quando percebeu Edward olhando para ela.
— Eu estava certo sobre você — disse ele, parecendo um tanto
sério. — Você é uma agitadora.
Por um momento, Belle se intimidou, mas depois viu o riso
escondido em seus olhos.
— Você vai arruinar minha reputação, não é? Correndo por Bath
e comprando livros inapropriados e se comportando como uma...
uma...
— Agitadora — acrescentou ela, sorrindo para ele. — Você já
disse isso.
— Não. Pior — resmungou, aproximando-se dela. — Me
seguindo por todos os lugares e fazendo de tudo para me seduzir.
— Ele se aproximou ainda mais, sua voz rouca de uma maneira que
fez o sangue dela esquentar. — Você é uma devassa... — disse ele
contra os lábios dela. — Insaciável — acrescentou, mordendo o
lábio inferior dela. — Criatura perversa.
Belle suspirou contra a boca dele. — Desculpe-me, milorde.
Parece que não consigo me controlar.
— Eu também não — rosnou ele, e a pegou nos braços,
carregando-a até o quarto dele e chutando a porta atrás deles.
***
— Devíamos nos vestir para o jantar.
Edward resmungou. Ele não queria se mover. Belle estava
aconchegada contra ele e tudo parecia... maravilhoso. Ele sabia que
isso não poderia durar. É por isso que ele queria aproveitar agora.
— Você ainda não terminou suas obrigações de esposa — disse
ele, enroscando os dedos nas macias mechas loiras que estavam
lhe fazendo cócegas no peito. Ela olhou para cima, com um olhar
divertido em seus olhos, levantando uma delicada sobrancelha loira.
— Não terminei? — perguntou ela, aparentemente horrorizada
com a ideia. Ele conteve um sorriso. — Como fui negligente. Muito
bem, acho que cheguei aqui — murmurou, plantando um beijo sobre
o coração dele. — Mas realmente, marido, acho que já o beijei para
sarar as dores em todos os lugares.
— Não... em todos os lugares — disse ele, mantendo seu olhar,
desafiando-a e se perguntando o quão corajosa ela realmente era.
— Eu... Oh! — Ele deu a ela um sorriso malicioso. — Sério? —
perguntou ela, parecendo um pouco duvidosa.
— Sério — respondeu ele, deitando-se de costas e cruzando os
braços atrás da cabeça. Ele ergueu uma sobrancelha e ela bufou
para ele.
— Não posso acreditar que você se machucou lá — protestou
ela, e Edward apenas sorriu para ela.
— E daí? Eu nunca disse que tinha.
— Bem, está bem então.
Para sua surpresa, ela puxou as cobertas, e ele estremeceu um
pouco ao ficar exposto ao olhar dela.
— Por onde devo começar? — indagou ela, e Edward teve que
conter um riso.
— Que tal começar por baixo e subir? — sugeriu ele,
perguntando-se como diabos conseguia manter um rosto sério. Não
era um problema com o qual ele precisava se preocupar por muito
tempo, já que todo o ar saiu de seus pulmões em um sopro. — Meu
Deus, Belle.
Edward enroscou os dedos em seus cachos e sentiu que sua
sanidade o abandonava à medida que o prazer se desenrolava sob
sua pele. O que sua esposa carecia de delicadeza, ela certamente
compensava com entusiasmo.
— Assim, talvez? — perguntou ela, arrastando a língua sobre
sua pele sensível.
Edward deu uma risada um pouco histérica e agarrou as
cobertas da cama. A vida de casado realmente não era tão ruim,
afinal de contas.
Capítulo 24

“No qual nada é tão simples assim.”

Belle acordou cedo, consciente de que algo tinha perturbado


seu sono. Provavelmente era apenas a preocupação de se tudo
estava como deveria estar. O dia depois de amanhã seria véspera
de Natal, e Lorde Falmouth e sua esposa voltariam naquela tarde
para ficar para as celebrações antes de levar Lady Russell e Lady
Dorothea de volta a Londres com eles.
Com um suspiro de contentamento, ela refletiu sobre as últimas
noites. Edward ainda estava distante e se afastava dela na maior
parte do tempo durante o dia, mas as noites... as noites eram
diferentes. Ele era diferente.
Edward ia ao quarto dela todas as noites agora. Era tão
estranho, no entanto, quase como se ele realmente fosse duas
pessoas diferentes. Ela pensava que talvez aquele com quem
dividia a cama fosse o verdadeiro Edward, talvez o mais próximo
daquele que ele havia sido antes da guerra. Mas durante o dia, as
sombras do passado pareciam pesar sobre ele, e era impossível
romper com elas. Ela tinha certeza de que estava fazendo
progresso, mas era dolorosamente lento.
Ele não queria falar com ela sobre... bem, sobre qualquer coisa,
na verdade.
Quando ela estava em seus braços, ele era amoroso, generoso
e pronto para rir, mas depois, se ela tentasse fazê-lo falar, discutir
sobre o futuro, sobre seus planos para Longwold, ele diria que
estava cansado e viraria para o outro lado e dormiria.
Ela uma vez perguntou sobre crianças; eles deveriam ter
alguma? Quantas ele gostaria, meninos ou meninas? Havia nomes
de família a considerar?
Edward simplesmente virou as costas para ela e disse que
deixava esse tipo de coisa inteiramente por conta dela.
Era terrivelmente frustrante. Ela não conseguia fazê-lo se abrir
com ela.
Belle foi arrancada de seus pensamentos quando percebeu que
Edward estava ficando agitado ao seu lado. O pobre homem estava
perdido em outro pesadelo, ela imaginou.
— Edward — sussurrou ela, não querendo acordá-lo de repente.
Ela colocou a mão em seu peito e sentiu sua pele úmida e seu
coração acelerado sob sua mão. Sua respiração estava ficando
irregular, e ela viu com horror que havia lágrimas escorrendo por
seu rosto.
— Edward! — disse ela, levantando-se de joelhos ao lado dele.
Ela falou com ele, acariciou seu rosto e disse que ele estava seguro.
Mas desta vez não funcionou. Ele estava muito envolvido nas
profundezas de seu pesadelo. Ele não acordaria e o horror do que
quer que estivesse vendo era muito evidente. Seu rosto estava
cheio de angústia, seu corpo rígido enquanto começava a gritar, sua
voz rouca com o terror disso.
Belle estava aterrorizada por ele, desesperada para acabar com
o sofrimento dele.
— Edward! — gritou ela, sacudindo-o com força agora.
O que aconteceu em seguida não ficou completamente claro
para ela, mas ela sabia que ele ainda não estava acordado. Ele
reagiu com violência, gritando de fúria e medo, e Belle foi lançada
para trás, com tanta força que caiu da cama e bateu no chão. Por
um momento, ela ficou atordoada e segurou a cabeça, sentindo-a
molhada e quente. Ao afastar a mão, percebeu que estava coberta
de sangue e estava tremendo.
— Belle?
Ela olhou para cima, vendo Edward olhando para ela, seu rosto
uma máscara de horror.
— Estou bem — disse ela, embora sua voz estivesse um tanto
instável. Ela segurou-se à beira da cama, se pôs de pé, ainda um
pouco desajeitada, e caminhou até o lavatório. Ela enxaguou as
mãos e o rosto e pressionou uma toalha contra o corte para
estancar o sangue. — Pronto, é apenas um arranhão — disse com
um suspiro. — Meu pai costumava dizer que feridas na cabeça
sangram pra valer. Uma vez, quando eu era criança, bati a cabeça,
nada sério, mas saiu tanto sangue que minha mãe desmaiou, e ela
nunca tinha feito isso antes em toda a sua vida.
Belle continuou a tagarelar, de alguma forma ciente de que
qualquer horror que Edward havia visto em seus sonhos ainda
estava presente no quarto. Ela vestiu seu roupão, incapaz de conter
o tremor em suas extremidades, e voltou para a cama. Ele ainda
estava lá, imóvel, olhando para as marcas de mão ensanguentadas
que ela deixara no lençol branco.
— Edward — disse ela, mantendo a voz suave. — Edward,
estou bem. Não deveria ter tentado tanto acordar você assim. Foi
um acidente. — observou Belle, mas não viu nenhuma reação,
nenhum lampejo de resposta. Havia uma expressão vaga e terrível
em seus olhos, porém, e ela sentiu que ele ainda estava preso ao
pesadelo, sua mente e corpo em guerra demais para que ele se
movesse de forma alguma. — Edward? — disse novamente,
segurando sua mão, levando-a aos lábios.
Nenhuma resposta.
Sua pele estava gelada e úmida de suor, e ela percebeu que ele
tremia mais forte do que ela. Retirando um cobertor da cama, ela o
enrolou nos ombros dele. — Edward, estou aqui, meu amor. Está
tudo bem. Eu não me machuquei. Você não me machucou. Estamos
ambos bem. Você está seguro.
Ela continuou a murmurar palavras tranquilizadoras, sentindo-se
cada vez mais assustada de que algo dentro dele simplesmente
tivesse se partido.
— Eu te amo, Edward — disse ela, segurando sua mão em seu
rosto e beijando a palma. — Eu te amo tanto. Você não vai me
deixar entrar, querido? Deixe-me te ajudar.
Então, ela olhou para cima e viu que ele estava olhando para
ela, um olhar de pânico absoluto em seus olhos. — Charlie —
sussurrou ele, sua respiração ofegante.
— Você quer que eu chame Charlie?
Ele assentiu e ela sorriu para ele. — Claro. Vou buscá-lo. Agora
mesmo. Não se preocupe, querido. Volto logo.
Belle correu, descendo o corredor o mais rápido que pôde e
irrompeu no quarto de Edward, rezando para que o valete estivesse
lá esperando, mas ele não estava. Saindo, ela desceu as escadas,
sem se importar de os criados a vissem em tal desordem. Ela
estava quase chegando embaixo quando Garret a chamou.
— Lady Winterbourne! Há algo errado?
— Oh, Garrett! Sim! — exclamou ela. — Lorde Winterbourne,
ele está... ele está doente — disse ela. — Eu preciso do senhor
Davis. Imediatamente!
— Claro, milady. — Garrett se afastou, e se as circunstâncias
fossem diferentes, Belle poderia ter encontrado diversão em ver o
digno mordomo correr.
Um momento depois, Charlie estava indo em sua direção, com o
rosto sério.
— Onde? — perguntou ele, e Belle tinha certeza de que ele
entendia.
— No meu quarto — disse ela, seguindo atrás dele enquanto ele
subia as escadas de dois em dois.
Mas quando ela o alcançou e voltou para seu quarto, Edward
havia sumido.
***
— Vocês duas deveriam voltá pra dentro, está congelando —
disse Charlie, embora ele já tivesse repetido essas palavras pelo
menos uma dúzia de vezes nas últimas horas, e Belle tinha se
recusado a ouvir nas vezes anteriores. Por que o homem pensaria
que ela mudaria de ideia agora... embora estivesse ficando escuro.
Mas a ideia de que Edward ainda estava lá fora, com frio e sozinho
e tão terrivelmente infeliz... Ele não havia voltado para casa na noite
passada também, e as temperaturas tinham sido cruéis e geladas.
Seu coração se apertou.
— Olha aqui, Lady Winterbourne, sua irmã tá congelano, leve-a
para casa pelo menos.
— Estou bem! — respondeu Crecy, parecendo indignada, mas
Belle pôde ver que Charlie estava correto. A pobre Crecy tinha
passado o dia todo perambulando pela propriedade e parecia quase
azul, tremendo mesmo sob o grosso manto que usava.
— Não está, não — respondeu Belle, embora não pudesse
esconder sua decepção. Ela se virou para Charlie. — Nunca vamos
encontrá-lo, não é mesmo?
Charlie deu de ombros, mas sua expressão não era
encorajadora — O sujeito cresceu aqui, conhece cada centímetro
desta vasta propriedade. Acho que num vamu encontrá-lo se ele
num quiser ser encontrado.
Belle engoliu um soluço de desespero, e o rosto de Charlie se
suavizou. Ele se aproximou e colocou a mão em seu braço. — Eu
vô continuá procurano depois que ocê voltar para casa, então, num
se preocupe. Ele é durão como um velho par de botas, o Eddie. Um
poco de frio num vai acabar com ele, eu lhe prometo isso.
Tentando muito sorrir, Belle assentiu compreendendo e rezou
para que ele estivesse certo.
— Vamos lá, Crecy. Charlie está certo, é claro, e eu não posso
ser responsável por você adoecer.
— Eu disse, estou perfeitamente bem, Belle — resmungou
Crecy, embora sua afirmação tenha sido um pouco prejudicada pelo
jeito intenso com que os dentes estavam batendo.
— Me faça esse favor — disse Belle com um sorriso, pegando o
braço da irmã. — Continuaremos procurando no caminho de volta.
Os três começaram a longa caminhada de volta para a casa.
Metade da propriedade estava procurando o marquês, aqueles em
quem se podia confiar para não fofocar sobre o estranho
desaparecimento dele. De acordo com Garrett, isso compreendia
praticamente toda a criadagem. Belle se perguntou se ele tinha ideia
de quanto estima era mantida por ele, o orgulho que sua criadagem
sentia por ele e sua reputação heroica. Ela duvidava que Edward
encontraria algum prazer nisso. Pelo menos, não no momento.
Estavam a meio caminho de volta quando um som de cacarejo
angustiado foi ouvido, e Crecy correu para a mata que margeava o
caminho em que estavam.
— Que diabos ela tá fazeno? — perguntou Charlie.
Belle suspirou. — Provavelmente resgatando alguma coisa
terrível — respondeu ela, com um sorriso melancólico.
E, de fato, quando Crecy emergiu novamente, com pedaços de
galhos e folhas secas presos em seus cabelos, estava segurando
um grande pássaro, envolto em uma dobra de seu manto.
— É uma ave pega-rabuda — exclamou ela, seu lindo rosto
corado de triunfo, embora houvesse preocupação em seus olhos. —
A pobre coitada quebrou a pata de alguma forma.
— Pobre diabo — murmurou Charlie, dando uma olhada
suspeita no pássaro. — Dê aqui, senhorita Lucretia. Eu vô cuidá do
infeliz para ocê. Num podemo deixá-lo sofrê, né?
Os olhos de Crecy se arregalaram de horror enquanto o coração
de Belle afundava. Agora eles estavam encrencados.
— Não! — exclamou ela, olhando para Charlie como se ele
fosse culpado de um assassinato. — Eu posso consertar a perna
dele. Ele estará bem em algumas semanas.
Charlie fez uma careta. — E o que ocê vai fazê com o
desgraçado até lá, me desculpe pelo palavreado — acrescentou ele,
obviamente lembrando com quem estava falando. — Deve tá cheio
de pulgas e ugh.
— Eu não me importo! — retrucou Crecy.
— Seria mais misericordioso acabá com o sofrimento da criatura
— resmungou Charlie, sacudindo a cabeça.
— Você faria o mesmo comigo tão rápido, Charlie?
Houve um suspiro coletivo enquanto todos se viravam na
direção da voz e viram Edward de pé à beira da mata.
— Eddie! — exclamou Charlie. — Graças a Deus!
Belle não conseguiu dizer nada. O alívio era um nó pesado em
sua garganta, e tudo o que ela pôde fazer foi não chorar e se lançar
ao marido em alívio, mas havia algo em sua expressão que a fez
recuar.
— Edward — conseguiu dizer, sua voz grossa de emoção. Ela
caminhou até ele, horrorizada ao ver que ele não estava usando
casaco. Ele estava sujo, sua gravata pendurada frouxa em torno do
pescoço, camisa coberta de lama, e a barba escura lhe dando uma
aparência ainda mais selvagem. Mas foram os olhos dele que
partiram seu coração. — Eu estava tão preocupada — sussurrou
ela. Ela estendeu a mão para segurar a dele, seus dedos tocando
os dele por um breve momento, mas ele puxou a mão com força.
— Não me toque! — rugiu ele, soando furioso. Ele arrancou a
gravata do pescoço, jogando-a para longe, entre os espinhos. —
Fique longe de mim. Eu não quero você perto de mim. — Ele estava
com os olhos selvagens, sua expressão febril, e Belle deu um passo
para trás, chocada e horrorizada.
— Edward? — disse ela, sem compreender por que ele deveria
estar tão zangado com ela. — Edward, por favor, o que eu fiz? —
Sua voz engasgou nas palavras, mas Edward apenas se afastou
dela, os ombros encurvados.
Belle se assustou quando uma mão pesada apertou seu ombro.
— Ocê num fez nada errado, milady — disse Charlie, sua voz cheia
de tristeza. — Ele só tá quebrado, é isso. Ocê já fez uma grande
mudança nele, mas... Eu acho que ele ter machucado ocê assim...
Bem, ele não confia em si mesmo, não é?
— Mas foi um acidente! — exclamou Belle. — Ele estava
dormindo, para ele eu poderia ser um soldado francês ou algo do
tipo.
Charlie sorriu para ela, mas não era uma expressão feliz. — Eu
sei disso, e ocê sabe disso. Mas Eddie... ele tá todo confuso na
cabeça. Acho que o rapaz vai tentá mantê-la longe dele. Num vai
querer machucá-la de novo.
Belle assentiu, sabendo que Charlie provavelmente estava
certo. Edward não estava zangado com ela, de forma alguma. Ele
estava zangado consigo mesmo por tê-la machucado. Em vez de
encarar a possibilidade de que isso poderia acontecer novamente,
ele havia fugido dela e de qualquer confiança frágil que havia
começado a crescer entre eles.
Bem, Edward, essa pode ser sua decisão, mas não é a minha.
Belle olhou para cima quando a voz de Charlie interrompeu seus
pensamentos. — Eu vô garantir que ele fique aquecido e
alimentado, milady, num si preocupe.
— Você é um bom amigo para ele, Charlie — disse Belle, sua
voz cheia de carinho.
Charlie corou um pouco e tocou os dedos no chapéu antes de
se afastar na frente deles.
— Você não pode deixá-lo te afastar, Belle — disse Crecy, sua
voz baixa enquanto acariciava a cabeça do pássaro ferido.
Belle sorriu para sua irmã e assentiu. — Eu sei disso, Crecy, e
acredite em mim, não tenho a intenção de deixá-lo fazer isso.
Capítulo 25

“No qual Belle recebe uma lição de sedução.”

Belle não tentou falar com Edward novamente naquele dia, nem
o procurou naquela noite. Ele estava muito machucado e zangado
para sequer fazer a tentativa. Mas, no dia seguinte, ela decidiu que
confrontaria ele e colocaria um fim em qualquer medo que ele tinha
de tê-la machucado de propósito ou poderia fazê-lo novamente. Ela
aprenderia a lidar melhor com os terríveis pesadelos que ele sofria e
nunca o acordaria de maneira tão brusca novamente.
Lorde e a Lady Falmouth voltaram no início da tarde, e Belle fez
o possível para ser uma anfitriã acolhedora. Ela tentou estar
animada enquanto supervisionava a decoração da casa. Vários
ramos de sempre-viva, alecrim e azevinho lustroso com suas bagas
vermelho-sangue enfeitavam soleiras, janelas e a grande escadaria,
e Belle fez pequenos buquês de rosas de Natal para serem
colocados entre a vegetação nas lareiras. Era uma tarefa que ela
estava esperando fazer, mas devia ter ficado claro que sua mente
estava em outro lugar. Com o coração pesado, ela observou
enquanto os criados levantavam o ramo do beijo de sempre-viva e
visco, com maçãs e fitas vermelhas brilhantes o tornando festivo.
Ela se perguntou se havia amantes entre os serviçais, e quantas
bagas de visco faltariam para cada beijo roubado até o Natal
terminar. Algum deles seria dela e de Edward?
Belle sabia muito bem que algumas famílias, especialmente
entre a alta sociedade, tinham relegado essas decorações para os
andares de baixo, considerando-as inadequadas para companhia
adequada. Mas ela era a senhora de Longwold agora, e essas
tradições a faziam sentir parte do lugar e de sua história. Isso a fazia
sentir que ali era realmente um lar, o seu lar. Pela intensidade e
entusiasmo que os serviçais colocavam na decoração, ela sentia
que tinha tomado a decisão certa.
Uma vez que o grande castelo estava belo e festivo em sua rica
ornamentação verde, Belle foi em busca de um pouco de paz na
biblioteca, apenas para descobrir que Violette a tinha seguido. Ela
tinha se lançado na decoração com alegria característica, e Belle
percebia que estava gostando cada vez mais de sua nova irmã.
— Como você está, Belle? — perguntou Violette, sua voz cheia
de simpatia.
Belle fez o possível para devolver um sorriso tranquilizador, mas
achou difícil fingir que tudo estava como deveria. — Bem o
suficiente — respondeu ela, fazendo um gesto para que Violette se
sentasse ao seu lado.
Violette segurou sua mão, seus olhos cheios de preocupação. —
Você não vai desistir dele, vai, Belle?
Belle a olhou com espanto. — O quê? Claro que não!
Certamente você não me considera tão fraca assim?
— Claro que não — exclamou Violette, mas havia profunda
preocupação em seus olhos. — Só que eu sei o quão... o quão difícil
Edward pode ser, e eu sei que você não o amava quando se
casaram, mas... Oh, Belle, se você o tivesse conhecido antes, teria
se apaixonado por ele num piscar de olhos, eu prometo.
Belle deu uma risada suave e balançou a cabeça. — Você não
precisa ter medo disso — disse ela, com a voz baixa.
Violette a encarou, um leve sorriso se formando em sua linda
boca. — Você o ama?
Belle assentiu. — Com todo o meu coração, mas temo que eu
não seja suficiente para curá-lo.
Violette segurou sua mão entre as duas delas. — Você é, Belle,
eu sei que é. Você só precisa continuar tentando, por favor.
Belle riu, tocada pela devoção da irmã de Edward por ele. —
Você tem minha palavra de que farei isso, Violette. É só que...
— É só que...? — insistiu Violette.
Belle se contorceu um pouco interiormente, ela não estava certa
se a irmã de Edward era a pessoa certa para tais confidências. — É
só que... a única vez... — Belle fez uma pausa novamente e
respirou fundo. — A única vez que eu consigo me aproximar dele
é... é quando...
— Oh! — exclamou Violette, à medida que começava a
entender. — Sim. Sim, eu entendo.
Belle observou enquanto Violette franzia os lábios. — Bem, se
não fosse meu irmão, eu poderia até sugerir... mas... — Belle sorriu
quando Violette fez uma careta.
— Não importa — disse Belle, com um suspiro pesado que dizia
o contrário. Se ela tivesse mais experiência em tais assuntos,
poderia seduzir o homem, mas como estava, ela nem conseguia se
aproximar dele, quanto mais ter alguma ideia do que fazer se
conseguisse chegar a tanto.
— Céleste! — disse Violette de repente, assustando Belle e
tirando-a de seu devaneio.
— O quê?
Violette se levantou e puxou o braço de Belle, forçando-a a
segui-la. — Você deve falar com Céleste — disse ela, com firmeza.
— Ah, mas... não, eu não poderia — exclamou Belle,
horrorizada. — Eu mal conheço a mulher!
— Ah, bobagem! — exclamou Violette. — Você só precisa ficar
na companhia de Céleste por meia hora para saber que vai adorá-
la, e quando decidi fugir com Aubrey... — Ela parou de repente,
ficando um pouco vermelha. — Desculpe, eu a choquei?
Belle soltou uma risada curta. — Você está falando com a
mulher que enganou seu irmão para se casar com ela — disse ela,
com tom irônico.
Violette deu um largo sorriso para ela. — Bom, de qualquer
forma — continuou ela. —, Céleste me deu o conselho mais
maravilhoso e... intrigante. Ela saberá exatamente o que sugerir.
Assim, Belle seguiu atrás de Violette enquanto o pobre conde
era expulso de seu quarto para que sua esposa pudesse ter uma
conversa privada com Belle. Se ele tinha alguma ideia do motivo,
não disse nada, seus olhos cinzentos estavam serenos, embora um
tanto intrigados, mas Belle nunca esteve mais mortificada.
Durante a maior parte das próximas duas horas, Belle ouviu,
sentindo como se suas bochechas estivessem pegando fogo. Mas
Violette estava perfeitamente correta. Céleste era uma mina de
informações sobre o assunto e não tinha hesitação alguma em
compartilhá-las.
— Então, sabe — respondeu Céleste, alcançando o que deve
ter sido sua terceira fatia de bolo de frutas enquanto Belle enchia
suas xícaras de chá. — É realmente muito simples, oui?
Belle assentiu, embora seu estômago estivesse um nó.
Certamente era simples, mas isso não significava que não fosse um
tanto assustador.
Céleste a olhou com perspicácia. — Você acha que seu marrido
se importa com você?
Belle sorriu, encantada como todos pareciam ficar com o bonito
sotaque francês da condessa.
— Acho que sim, um pouco, pelo menos. Ele... ele me deseja.
Céleste deu um risinho. — Clarro que ele deseja você. Você é
perfeitamente adorrável. — Ela colocou um pedaço de bolo em sua
boca e mastigou, sua expressão pensativa. — Fazer um homem
desejar você é a parte fácil — disse ela, com um suspiro enquanto
colocava a mão sobre o coração. — O corração, porrém, conquistar
o corração dele é outra questão. Alex foi muito difícil — disse,
balançando a cabeça.
— Mesmo? — questionou Belle, surpresa. Apesar de ela achar
o conde um homem um tanto assustador, ele nunca escondeu o fato
de estar completamente apaixonado por sua adorável esposa.
Céleste riu da surpresa nos olhos de Belle. — Alex, ele estava
prreocupado que fosse muito velho para mim, o tolo! — disse ela,
revirando os olhos. — Mas também erra que... bem, ele tem uma
reputação um tanto imponente.
Belle assentiu, tendo ouvido diversos rumores bastante
perturbadores sobre o homem.
— Grrande parte disso é verdade — continuou Céleste com um
sorriso enquanto os olhos de Belle se abriram um pouco mais. — E
por causa disso, ele não querria... manchar-me com o passado dele,
eu acho. — Céleste estendeu a mão e cobriu a mão de Belle com a
própria. — Você entende, eu acho, ma chère?
— Sim — respondeu Belle, já que o comentário fazia todo
sentido à luz de sua experiência com Edward — Sim, eu entendo.
Céleste assentiu e colocou uma mão protetora sobre a suave
elevação de seu estômago. — Esses homens, eles pensam que
somos o sexo mais frraco, e talvez se estivermos falando apenas de
força física, isso possa ser verdade. Mas há outros tipos de força,
Belle, e as mulherres, somos muito mais fortes do que eles, aqui. —
Ela colocou o dedo perto da têmpora e sorriu. — Você é uma mulher
forte e resiliente, eu vejo isso em você. Eu já estive onde você está,
Belle. Então, agorra você deve ser corrajosa, e ir atrrás do que você
quer. Lorde Winterbourne é seu marido, e ele deve agir como tal. Vá
e mostrre a ele o que isso significa.
Belle inspirou profundamente e assentiu. — Eu vou — disse ela,
sentindo a esperança brilhar em seu coração. — Pelo menos, vou
tentar tudo o que posso.
Céleste assentiu e deu um sorriso caloroso. — Bien! — disse
ela, batendo as mãos com satisfação enquanto olhava de volta para
a bandeja de chá. — Alors, há mais bolo?
***
Edward olhava pela janela de seu quarto. Sentia como se sua
cabeça fosse uma massa fervilhante de repulsa, imagens do
passado guerreando com o presente, e agora Belle estava lá
também. Quando ele viu o sangue, o sangue dela, manchando os
lençóis da cama, algo estalou. Ele tinha feito aquilo. Tinha perdido o
controle e Belle tinha sofrido por causa disso. Doce Belle, que
estava se esforçando tanto para ser tudo o que ele queria que ela
fosse.
Ela simplesmente não entendia.
Ela era tudo o que ele queria que ela fosse. Ela era tudo o que
ele nunca havia percebido que queria ou precisava. Ele não havia
dado muita importância ao casamento antes da guerra, mas sempre
quis alguém caloroso e amoroso, alguém que desse aos filhos o tipo
de lar que seus próprios pais nunca haviam lhe dado.
Exceto que ele não podia ser parte disso. Não mais. Ele havia
se casado com a mulher certa, a mulher perfeita, mas ela havia se
casado com o homem completamente errado.
Quando ele viu o sangue dela, de repente Belle estava lá com
ele. Ele estava no campo de batalha novamente, com os canhões
rugindo em seus ouvidos, olhando para o que restava de seus
camaradas quebrados, corpos destroçados, e Belle também estava
lá.
Ele a viu ensanguentada e sem vida e... e seu coração explodiu
em pedaços.
Isso não aconteceria com Belle. Ele não permitiria.
Em uma parte racional de seu cérebro, ele sabia que era
impossível. Eles não estavam mais na guerra e, mesmo que
estivessem, Belle dificilmente estaria perto de um campo de batalha.
Mas ele também sabia de muitas outras coisas que poderiam
tirá-la dele em um piscar de olhos. De doenças a partos, havia uma
série de cenários em que ela poderia morrer e deixá-lo sozinho.
Ele não podia fazer isso. Não podia suportar essa perda. Se ele
a deixasse entrar, se ele cuidasse dela da maneira que ela
claramente queria... O pânico subiu em seu peito. Ele estava muito
danificado pelo passado e não tinha nada a oferecer a ela, nada de
valor; ele a machucaria, emocionalmente, pelo menos; e com base
em suas ações até agora, talvez algo muito pior; ou talvez algo a
levasse dele, e qualquer uma dessas coisas era demais para
suportar. Ele morreria. Ele preferiria morrer a vê-la em perigo.
Não pela primeira vez, ele desejou ter sido um dos mortos, pois
teria sido muito mais simples. Mas, então, Violette teria ficado
sozinha e desprotegida, e seu primo Gabriel a teria forçado a se
casar com ele, e todas as gerações de Greystons que viriam seriam
amaldiçoadas.
Ele levou as mãos à cabeça e percebeu que estava tremendo,
era demais, as expectativas de todos o sobrecarregavam até que
ele não conseguisse respirar. Ele queria nada mais do que correr
para a floresta e se encolher naquele maldito buraco até que tempo
suficiente passasse e ele fosse enterrado bem fundo. Mas quando
ele tinha ido depois daquela cena terrível com Belle, tudo o que
podia ouvir eram vozes frenéticas chamando seu nome, ecoando
pela paisagem até que ele quisesse uivar para que o deixassem em
paz, pelo amor de Deus. No entanto, ele sabia que estava
machucando-os, sabia que eles estavam com medo por ele, e,
assim, ele tinha voltado.
Ele se viu relutante e irritado com a necessidade de ser tudo o
que eles queriam que ele fosse, e ainda incapaz de infligir a dor que
era necessária para se afastar de vez.
— Beba isso. — Edward sentiu Charlie pegar suas mãos e
pressionar uma xícara de algo quente nelas. — Vamu lá, Eddie,
beba.
Charlie o obrigou a levantar a xícara, pressionando-a em seus
lábios. Edward engoliu e fez uma careta.
— Muito açúcar — resmungou ele, e ouviu Charlie rir, embora
soasse distante.
— Bom para ocê — respondeu Charlie. — Vai te animá.
Edward resmungou. — Não precisava ter despejado o pote
inteiro nisso.
— Ocê sabe o que pode fazê se não gostá, milorde — disse
Charlie com sua voz mais digna, embora Edward soubesse muito
bem que Charlie nunca o deixaria. Charlie também havia sofrido, ele
sabia disso. Charlie tinha os mesmos pesadelos, mas talvez o
homem fosse mais forte do que Edward, porque Charlie continuava
sempre sorrindo. Charlie Contente, era assim que todos o
chamavam – aquele bobo trapalhão de Seven Dials. Mas Edward
sabia que não era bem assim. Charlie era resistente, astuto e
corajoso, mais corajoso do que ele, corajoso o suficiente para
continuar vivendo.
Edward olhou para cima, grato por Charlie ter chegado em casa,
pelo menos. Grato por ele ter permanecido por perto quando
Edward havia lhe dado pouquíssimas razões para fazê-lo.
— Obrigado, Charlie — disse ele, e ambos sabiam que não era
pelo chá.
Capítulo 26

“No qual a véspera de Natal é explosiva.”

Belle esperou até bem depois da meia-noite. Era incrível o


quanto de barulho o antigo castelo fazia à noite, com rangidos e
sons estranhos perturbadores. Ela nunca tinha realmente notado,
até esta noite, quando estava aguçando os ouvidos, escutando para
ouvir se os criados ainda estavam por perto.
Finalmente, ela decidiu que estava tarde o suficiente, e Edward
provavelmente deveria estar dormindo. Ele não havia descido para
jantar, mas Charlie tinha passado para dizer que havia deixado o
marquês em seus aposentos às onze e meia, e pelo que sabia,
Edward estava se retirando para a noite.
Charlie tinha sido um querido, na verdade, mantendo-a
informada sobre como Edward estava. Na maioria das vezes, ele
disse que o marquês apenas ficava olhando pela janela e não se
envolvia em conversas. Ele comia pouco e estava bebendo demais.
Seus pensamentos claramente estavam presos no passado e nos
horrores de tudo que ele havia visto.
Se ao menos ele tivesse algo mais para ocupar sua mente,
Charlie tinha dito na noite anterior, o que fez com que Belle
começasse a pensar. De fato, ela não tinha pensado em mais nada
desde então, e agora, na véspera de Natal, ela tinha o que
acreditava ser a resposta perfeita. Ela já tinha falado com Charlie
sobre isso, e suas esperanças aumentaram com o sorriso que se
abriu nas feições rústicas do criado.
— Pelas barba de Merlin, milady, ocê é um verdadeiro gênio,
perdoe o palavreado.
Belle sorriu de volta para ele, emocionada por ele achar que era
uma boa ideia. — Você não acha que ele vai ficar bravo? —
perguntou ela, sentindo-se mais do que um pouco nervosa.
Charlie deu de ombros. — Talvez, mas uma vez que tudo estivé
feito, ele estará obrigado pela honra, não estará? Acho que é
exatamente o que ele precisa, fazê ele pensá em algo diferente e
novo.
Belle suspirou e esperava que Charlie estivesse certo. De
qualquer forma, isso não aconteceria até amanhã, e ela ainda
precisava passar por essa noite.
Pegando sua vela, ela abriu a porta do quarto e deslizou pelo
corredor. Seu coração pulou para a garganta quando algo rangeu
atrás dela, mas quando se virou, não havia nada lá.
Silenciosamente, ela amaldiçoou seu marido e suas histórias de
governantas assassinadas. Apressando-se, para não ver algo que
preferiria não ver, e encontrou-se diante da porta de Edward e
prendeu a respiração ao girar a maçaneta.
Ela abriu a porta silenciosamente e entrou no quarto com os pés
descalços.
Pelo menos ainda estava quente, a lareira ainda estava acesa e
lançava um brilho quente. Belle apagou sua vela e a colocou no
chão o mais silenciosamente que pôde, notando a grande forma
encolhida sob os lençóis da cama com alívio. Seria um belo
problema se ele nem estivesse aqui.
Lembrando das palavras de encorajamento de Céleste, sobre o
desejo e as necessidades dos homens, ela deixou sua camisola cair
no chão para que ficasse completamente nua e caminhou
silenciosamente até a cama.
Edward mexeu um pouco enquanto ela deslizava sob os lençóis,
e o coração de Belle batia tão rápido que ela se perguntava se ele
estava tentando escapar de sua caixa torácica. Mas, então, tudo
ficou em silêncio, e Edward estava respirando profundamente com
Belle deitada ao seu lado.
Com cautela, Belle estendeu a mão e a pousou em seu peito,
sentindo seu coração batendo firme e constante sob sua palma.
Lentamente, sua mão viajou para baixo, seguindo a trilha de cabelos
escuros que levava àquela pele sedosa e intrigante. Sentindo sua
própria respiração mais ofegante agora, Belle começou a acariciá-lo,
encorajada ao perceber que ele começou a ficar mais duro e sua
respiração também ficou mais rápida.
Edward suspirou, e ela não estava totalmente certa se ele
estava acordado ou dormindo, mas seu toque se tornou mais firme e
um pouco mais rápido.
— Belle? — Ele soava sonolento e um pouco atordoado quando
Belle se movia sobre ele, montando em seus quadris e se inclinando
para beijá-lo.
— Sim, meu amor, estou aqui.
Ela se moveu contra ele, sentindo seu próprio corpo ansiando
por ele agora enquanto se movia contra o comprimento rígido dele.
Sua respiração ficou presa quando ele gemeu e suas mãos foram
para sua cintura, seus quadris se erguendo em direção a ela.
Estendendo a mão entre eles, Belle se moveu,
desajeitadamente a princípio, enquanto tentava posicioná-lo, até
então, tudo parecia estar exatamente como deveria enquanto ela
descia sobre ele, sentindo o prazer florescer dentro dela.
Edward emitiu um som de aprovação profunda enquanto ela
começava a se mover novamente, devagar, depois encontrando o
ritmo de que precisava para satisfazer a ambos. Suas grandes mãos
agarraram sua cintura como se ela o estivesse mantendo ancorado
ao chão e ele não ousasse soltar.
— Belle — gemeu ele, o som metade angústia, metade deleite,
enquanto ela se inclinava novamente para encontrar sua boca.
— Eu te amo, Edward — sussurrou ela contra seus lábios
enquanto o prazer crescia e sua respiração se tornava mais rápida.
— Eu te amo e não vou deixar você fugir de mim — disse,
agarrando seus ombros. — Onde quer que você vá, eu vou te
encontrar e vou te trazer para segurança novamente. Não vou
deixar você me assustar.
O ar parecia sair dele com pressa e ele se agarrou com mais
força.
— Não tenho medo de você — disse ela, querendo dizer isso e
esperando que ele soubesse que era a verdade. — Não mais. Eu
nunca poderia ter medo de novo.
Edward fez um som sufocado, e, então, o prazer foi muito, muito
intenso, e eles gozaram juntos, emaranhados no desejo e no amor
de Belle e nas esperanças para o futuro, enquanto ela fazia tudo o
que podia para afastar o passado.
***
— Eu sinto muito, Belle.
Belle virou de lado para encarar o marido, vendo os olhos de
Edward brilhando à luz do que restava da fogueira. Ele estendeu a
mão e tocou a marca minúscula onde ela havia batido na mesa de
cabeceira ao lado da cama quando havia caído.
— Não foi culpa sua — disse ela, ouvindo seu grunhido de
desacordo. — Não foi — insistiu. — Agora sei que não devo acordá-
lo à força de novo — acrescentou. — Eu só estava tão assustada
por você, Edward. Você estava tão claramente preso em algo vil e...
e tão terrível. Eu só queria trazer você de volta.
Ele levantou seus dedos até os lábios e os beijou, mas sua voz,
quando surgiu, era séria e cheia de medo a ponto de fazer seu
coração doer.
— Eu não sei se você pode, Belle, se eu posso. — Ele ficou em
silêncio, mas ela esperou, sentindo que havia mais. — Às vezes, eu
não sinto que estou realmente aqui. Como... como se eu fosse falso,
uma... uma fraude, e o verdadeiro eu ainda está lá, ainda lutando.
Eu... eu não consigo explicar — disse ele, soando frustrado e
enojado. — Meu Deus, você deve pensar que se casou com um
maldito louco — rosnou ele, sua raiva surgindo do nada. — Aposto
que pensa. — As palavras eram acusadoras e duras, e o próprio
temperamento de Belle se inflamou.
— Eu não penso absolutamente nada disso! — disse ela, sua
voz surpreendentemente irritada. — E não ouse colocar palavras na
minha boca, Edward Greyston.
— Bem, é verdade! — retrucou ele, afastando-se dela e
sentando-se na cama agora.
Belle foi até a mesa de cabeceira e remexeu em busca de algo,
resmungando até acender velas suficientes para iluminar o rosto de
seu marido. Ela saiu da cama e vestiu seu penhoar, pegando as
velas e indo para o lado dele na cama, sentando-se ao seu lado. As
velas lançavam uma luz oscilante, e seu rosto bonito estava severo
e cheio de sombras, o que parecia apropriado. Havia muita
escuridão em seu marido, mas nada daquilo era culpa dele, nada
estava ali porque ele havia feito algo errado. Ele havia servido seu
país e sangrado, e sofrido por causa disso.
Ele estava olhando à sua frente, com o maxilar travado que
significava que nada do que ela dissesse penetraria nele. Com
irritação, ela esticou a mão e segurou seu queixo.
— Escute-me, seu homem teimoso e irritante — disse ela,
olhando para as águas turbulentas que pareciam rugir em seus
olhos. — Você não está louco! — Seus olhos se voltaram para ela,
mas ele parecia incapaz de manter seu olhar. — Edward, você
sobreviveu a algo que quebraria o mais resistente dos homens. Não
se culpe porque a vida é difícil. Você é um homem maravilhoso. Eu
posso ver isso depois de tão pouco tempo com você, e temos anos
e anos pela frente. Não me afaste de sua vida apenas porque é
mais fácil do que me deixar entrar!
Ele se moveu repentinamente, saindo da cama pelo lado oposto
a ela e vestindo suas roupas o mais rápido que pôde.
— Você não entende — disse ele, sua voz agora selvagem. —
Você não sabe o que está na minha cabeça, os... os horrores, as
obscenidades! — rugiu ele. — Se você soubesse, não iria querer me
tocar.
— Edward, pare com isso! — exclamou ela, correndo ao redor
da cama até ele. — Você está errado, mais errado do que pode
imaginar. Você não colocou essas imagens em sua cabeça! Eles te
mandaram para a guerra! Meu Deus, não é como se você pudesse
desver todas as coisas que te visitam em seus pesadelos.
Edward ficou em silêncio, seu rosto uma máscara, cada linha do
corpo rígida de tensão. Ele começou a caminhar em direção à porta,
e Belle ficou muito assustada de que se ele saísse do quarto
naquela noite, deixasse aquela discussão inacabada, talvez nunca
retornasse.
— Não ouse virar as costas para mim! — gritou ela, mas o rosto
dele estava decidido e ele não parou. — Edward!
Movida pelo pânico e frustração, Belle fez a única coisa que
conseguiu pensar e pegou um par de castiçais de porcelana da
lareira. Uma pena, ela pensou com pesar, pois os tinha admirado
bastante, mas tempos desesperados exigem medidas
desesperadas. Com uma precisão surpreendente, ela atirou o
castiçal na direção de Edward, e ele se espatifou contra a parede a
poucos centímetros de sua cabeça, cobrindo-o com pequenos
fragmentos afiados.
— Maldição! — explodiu ele em choque, girando para encará-la,
mas Belle já tinha pegado o segundo castiçal e o segurava acima da
cabeça.
— Se você sair deste quarto, farei uma cena tão grande que
você ficará sem fôlego — advertiu-o, sabendo que ele devia ver a
determinação em seus olhos. — Os criados falarão sobre isso por
anos. A palavra certamente se espalhará, e todos dirão que sou a
louca. Tudo o que você fizer depois parecerá perfeitamente
inofensivo, eu lhe asseguro. — Sua voz estava firme e constante, o
que era reconfortante, já que ela sentia que realmente estava à
beira da loucura. Sua aparente calma parecia fazer Edward
acreditar que ela estava falando sério, no entanto, e ele não fez
nenhum movimento para dar outro passo.
— Belle — disse ele, sua voz um pouco cautelosa agora. —
Você não sabe o que está dizendo. Pensei em te ajudar quando
ofereci casamento, mas... mas tudo o que fiz foi te prender em... em
uma posição insustentável.
— Insustentável? — repetiu ela, sua voz perigosamente baixa.
— Você é realmente tão tolo assim? — exigiu saber ela, realmente
querendo atirar o maldito castiçal agora. — Você é tão cego a ponto
de não ver o que está bem na sua frente, Edward?
— O quê? — gritou ele, os punhos cerrados e o rosto tão cheio
de dor que sua raiva evaporou tão rápido quanto havia surgido. — O
que você está dizendo?
Belle abaixou o castiçal e balançou a cabeça, furiosa por ele não
poder ver isso por si mesmo. — Que eu estou feliz, Edward. Você
me faz feliz.
Ele fitou-a boquiaberto, seu rosto tão incrédulo que ela quase
riu.
— Isso é... uma maldita mentirosa! — gaguejou ele,
completamente incapaz de acreditar.
Belle lançou o castiçal.
Edward deu um passo para trás às pressas enquanto o projétil
assobiava perto de sua orelha. Ela estava melhorando, Belle pensou
com satisfação.
— Eu. Nunca. Minto.
— Bem, então, você realmente é louca — repreendeu-a,
observando com crescente preocupação enquanto ela pegava um
relógio de latão bastante pesado. Era melhor ela errar com este,
senão ela poderia realmente matá-lo. — O que diabos eu fiz para te
fazer feliz? — indagou ele, parecendo tão adoravelmente confuso
que ela estava perdida.
Belle riu e ficou impressionada com sua habilidade de fazê-la
passar da fúria completa a uma completa submissão em questão de
segundos.
— Oh, Edward — disse ela, balançando a cabeça. — Quando
estamos juntos à noite, é... é a coisa mais perfeita, a coisa mais
maravilhosa do mundo. Pelo menos é assim para mim —
acrescentou, sentindo sua felicidade diminuir quando percebeu que
talvez ele não sentisse o mesmo. — E quando você me abraça
depois, e nas poucas vezes em que você realmente se preocupou
em falar comigo... esses momentos são os mais preciosos de todos.
Quanto ao resto... — disse com a voz um pouco baixa e cansada
agora. — Eu entendo. Se você precisa fugir de todos nós e ficar
sozinho na floresta, então... então você deve fazer isso. — Ela
colocou o relógio no chão conforme o cansaço a envolvia. — Mas,
pelo menos, deixe-nos construir um abrigo pequeno para você. Um
lugar onde você possa fazer uma fogueira e não morrer de frio. Por
mim.
Ela o olhou, mas Edward estava encarando o chão, e ela não
conseguia ler seu rosto nas sombras. Reunindo coragem, ela cruzou
o espaço entre eles e deslizou os braços ao redor de sua cintura,
olhando para os olhos cheios de angústia.
— Você faria isso... por mim? — perguntou ele, com a voz
rouca.
— Eu faria qualquer coisa por você — sussurrou ela. —
Qualquer coisa para... para tentar te dar um pouco de paz, um
pouco de conforto. Qualquer coisa para te fazer entender que você
não precisa continuar se punindo por ter sobrevivido. — Ela se
inclinou para ele e repousou a cabeça em seu peito, ouvindo as
batidas regulares de seu coração. — Eu te amo — acrescentou ela,
palavras tão simples e, ao mesmo tempo, tão terrivelmente
complicadas.
— Você realmente é louca — resmungou ele, mas havia um
lampejo de diversão em sua voz agora, e Belle sorriu contra ele.
— Talvez — respondeu ela, com a voz suave. — Mas se for
assim, eu não tenho o desejo de ser outra coisa.
Ele soltou um suspiro, e ela sentiu seus braços envolvendo-a,
puxando-a para perto. — Eu não te mereço, Belle.
— Não — disse ela, seu tom altivo, embora olhasse para cima e
sorrisse para ele para que ele tivesse certeza de que ela estava
brincando. — Eu não acho que mereça.
O começo de um sorriso brincou em seus lábios e ele inclinou a
cabeça, roçando a boca contra a dela em um beijo suave. — É o
mesmo para mim, Belle — sussurrou ele, as palavras tão cruas e
honestas que a garganta dela doeu. — Quando estamos juntos. É o
mesmo para mim.
Belle suspirou e esticou-se para beijá-lo novamente. — Então
não me afaste, Edward. Fuja de mim se precisar, mas, por favor...
por favor, prometa que sempre voltará.
Ele ficou em silêncio por um momento, mas, no final, ela teve
sua resposta.
— Eu prometo.
Capítulo 27

“No qual o dia de Natal reserva surpresas e presentes


inesperados.”

A intenção de Edward era evitar o serviço na igreja e grande


parte das celebrações de Natal quanto fosse possível. O
pensamento de ter que socializar, mesmo com o pequeno número
de membros da família que parecia incluir mais a família de seu
cunhado do que a própria, o enchia de pânico.
No entanto, esta manhã, ao acordar com Belle ao seu lado, sua
respiração suave flutuando sobre sua pele, esse pânico pareceu um
pouco mais distante do que antes. Talvez ele pudesse suportar o
dia, por causa de Belle. Ela ficaria feliz se ele ficasse, e Deus sabia
que não parecia exigir muito dele para fazer isso.
Como ela poderia se declarar feliz depois da maneira terrível
como havia sido tratada? Ele não entendia. No entanto, ele tinha
visto a sinceridade em seus olhos, ouvido a verdade em suas
palavras quando ela dissera que o amava. Era humilhante,
vergonhoso até ser tão indigno de tal lealdade. No entanto, ela havia
prometido a ele que nada que ele fizesse a afastaria. Não havia
nada que ele pudesse fazer ou dizer que a faria partir. Na época em
que ela dissera isso, havia uma parte sombria dentro dele que havia
querido testar essa teoria, porque ele duvidava que fosse verdade,
não importava o quanto ela acreditasse nisso. Mas agora, ao
acordar, havia uma espécie de liberdade em saber que ela sempre
estaria aqui. De alguma forma, a necessidade de afastá-la, sabendo
que ele precisaria realmente partir seu coração para fazê-lo... Bem,
ele não poderia fazer isso. Ele poderia se machucar, privar-se do
amor e do calor dela, mas não poderia machucá-la.
Sua cabeça ainda estava enredada em um emaranhado de
confusão, pânico e medo, mas sob tudo isso, havia Belle. Como
uma luz guiando na escuridão, Belle brilharia e o manteria no
caminho, e mesmo que ele se desviasse ocasionalmente, ela nunca
vacilaria.
Assim, naquela manhã, ele se vestiu e acompanhou sua
esposa, irmã, Aubrey e os Falmouths até a antiga igreja na aldeia de
Longwold. Ele conseguiu passar pelo serviço razoavelmente bem, já
que só precisava abaixar a cabeça e fingir que estava ouvindo.
Talvez ele tenha simulado cantar, incapaz de encontrar a vontade de
levantar a voz em celebração. Pelo menos, ainda não. Mas ele
gostou de ouvir aqueles ao seu redor e ficou absurdamente
encantado ao descobrir que sua esposa era desafinada e
evidentemente alheia a esse fato. Ele cumprimentou todos os seus
vizinhos e inquilinos e reservou um tempo para falar com as famílias
cujos filhos, maridos ou pais não haviam retornado como ele.
Havia o jovem Tommy Green, com apenas vinte e dois anos,
mas que havia perdido um braço em Toulouse; seu amigo Harold
Smith estava tão gravemente ferido que não conseguia sair de casa,
e Edward prometeu que o visitaria na próxima semana. Ele faria
com que Puddy mandasse um cesto de comida, enquanto isso, para
garantir que houvesse comida suficiente para o Natal. Depois, Henry
Morris. Apenas um dos irmãos Morris havia retornado, e o irmão
mais velho, Henry, chorou ao falar da perda do irmão mais novo. A
culpa nos olhos do homem por não ter salvado seu irmão, como era
sua responsabilidade como o mais velho, era palpável. Ele mesmo
agora caminhava mancando, após uma bala ter estilhaçado seu
joelho, então seu trabalho como telhador estava acabado, pois ele
não conseguia mais subir nas escadas e ajoelhar por horas como o
trabalho exigia. Edward quase tinha chorado ao ouvir tudo isso, mas
conseguiu forçar palavras suficientes para fazer os jovens
entenderem que ele encontraria trabalho para eles, não caridade,
mas algo a que pudessem se adaptar, mesmo com suas lesões.
No entanto, falar com o senhor e a senhora Abram, que haviam
perdido todos os três filhos para o conflito, tinha sido o suficiente
para fazer sua cabeça girar de pânico e culpa. Seu coração
começou a bater forte e sua pele estava úmida e apertada, sua
mente se afastando da admiração em seus olhos, quando eles
haviam perdido tanto. Eles estavam olhando para ele, esperando
que ele falasse, expectativa em seus olhos, e ele se sentiu como se
tivesse virado pedra. Ele estava trancado em uma gaiola distante,
gritando por dentro e, no entanto, ninguém podia ouvi-lo.
O casal começou a parecer nervoso e as pessoas ao redor
começaram a olhar e sussurrar – e então Belle pegou sua mão.
— Lorde Winterbourne ainda acha difícil falar sobre a guerra —
disse ela, sua voz tão calma e cheia de segurança que ele
conseguiu se virar para ela, como um homem afogando-se
alcançando por uma corda de salvamento. — Tantos homens
maravilhosos, como seus filhos, foram perdidos, e ele sente essa
perda profundamente. Especialmente em dias como hoje, quando
sentimos falta daqueles que nos deixaram. Mas talvez na próxima
semana, vocês gostariam de vir nos visitar em Longwold? Eu estive
pensando que deveríamos fazer algo para esses homens que
voltaram feridos, seja no corpo ou na mente — acrescentou,
olhando para Edward com uma expressão de adoração tão intensa
que seu coração doeu. Ele respirou fundo, sentindo o pânico recuar,
mesmo que um pouco. — Eu sei que meu marido gostaria muito de
iniciar algum tipo de organização para ajudar os homens que
voltaram e estão lutando para encontrar trabalho, também aquelas
famílias que perderam o sustento da casa e não conseguem mais
chegar ao fim do mês. — Ela se aproximou de Edward, apertando
mais sua mão e colocando a outra mão em seu braço, embora sua
atenção estivesse fixada no senhor e na senhora Abram. — Você
acha que talvez isso seja algo que vocês gostariam de nos ajudar a
organizar?
Edward conseguiu desviar sua atenção de sua esposa o
suficiente para ver que a senhora Abram estava assentindo, seus
olhos brilhando com lágrimas, mas agitando um lenço para mostrar
sua aprovação, muito emocionada para falar. No entanto, seu
marido estendeu a mão e segurou o braço de Edward.
— Seria uma honra fazer parte de qualquer plano desse tipo,
milorde. Estamos muito orgulhosos de vê-lo de volta a Longwold, e
se eu puder me permitir ser tão audacioso, você é um homem de
muita sorte, Lorde Winterbourne, por ter uma esposa tão dedicada
ao seu lado.
Edward engoliu em seco enquanto a prisão que o havia
capturado tão firmemente parecia diminuir e desvanecer. Ele olhou
para Belle e descobriu que um sorriso o pegara desprevenido
enquanto encarava seu lindo rosto.
— Eu não poderia concordar mais, senhor Abram — disse ele,
encontrando sua voz mais firme do que esperava e incapaz de
desviar o olhar dela.
***
Após terem retornado a Longwold para o café da manhã, foram
alertados pelo som de cantorias estridentes e dirigiram-se à frente
da casa para serem entretidos pelos atores de uma peça teatral. Um
grupo barulhento havia se reunido usando trajes extravagantes de
todas as formas. Seus rostos estavam pintados, e uma variedade de
chapéus e roupas estava decorada com fitas coloridas brilhantes e
papel pintado. Um sujeito tinha papel em chamas amarrado sob o
queixo e olhos grandes costurados em seu chapéu, e à medida que
a peça começava, ficava claro que esse era o dragão. Nesse caso,
o sujeito com a cruz vermelha costurada nos restos de um velho
lençol certamente era São Jorge. Esse figura heroica, notavelmente
mais baixa que seus companheiros, andava orgulhoso empunhando
uma espada de madeira e gritando sobre sua destreza, enquanto o
dragão rugia e baforava intermitentemente. Belle suspeitava que o
copo de cidra tinha sido generoso nas casas anteriores a essa.
Era ridículo e muito engraçado, especialmente quando perto do
clímax o herói ficou gravemente ferido, mas o cômico Doutor
Charlatão, que parecia ainda mais embriagado que o dragão, veio
para o resgate e consertou o soldado ferido com muita teatralidade.
Naturalmente, no final, São Jorge prevaleceu e o dragão foi abatido.
— Não tenho certeza se o dragão foi abatido ou se
simplesmente desmaiou — sussurrou Edward para Belle, que riu e
concordou.
— Se eles não o levantarem de novo, suspeito que ele possa
enfeitar nosso gramado até o Dia de São Estevão — observou
Belle, e sentiu a respiração falhar enquanto Edward ria. Ela o
encarou, convencida de que este era o melhor Natal que já havia
experimentado, pois fizera Edward rir. Esse era o único presente
que ela precisava.
Ele virou-se para ela e deu um sorriso resignado, claramente
ciente de que ela havia percebido o seu prazer e a sua rara
explosão de riso. Ele pegou a mão dela e a levou aos lábios antes
de colocá-la sob seu braço e escoltá-la, juntamente com os
animados atores da peça, até a cozinha. Ali estava o copo de cidra
deles, para aqueles que conseguiam beber, e uma generosa mesa
repleta de comida, além de um agradecimento mais tangível por sua
apresentação na forma de uma gorda bolsa de dinheiro.
Belle saiu da cozinha um pouco mais tarde, à medida que a
companhia ficava cada vez mais entusiasmada em suas
celebrações, e ficava claro que Garrett tinha decidido que era hora
de expulsá-los.
Ela não havia ficado surpresa ao descobrir que Edward já havia
saído há algum tempo. Ele havia suportado muito hoje e o barulho e
a companhia alegre eram mais do que seus nervos podiam suportar
no momento. Decidindo que era hora de encontrar Charlie, ela ficou
aliviada ao ver o homem em pessoa entrar apressadamente pela
porta da frente, todo enrolado em um casaco e cachecol, soprando
os dedos.
— Tá tudo pronto, milady.
Belle respirou fundo, sentindo um pouco de pânico de que sua
ideia não fosse tão esperta quanto ela acreditava. Edward tinha sido
um verdadeiro cavalheiro hoje, e se ela arruinasse tudo?
— Vamu lá — disse Charlie, sua voz baixa, compreendendo a
razão de sua inquietação. — Ele pode fazê um esforço pelo Natal,
talvez, por sua causa. Mas, e depois, hein? O homem precisa mantê
as mãos e a cabeça ocupada. Agora, essa ideia sua é ótima. É
exatamente o que ele precisa, acredite em quem o conhece nos
últimos dez anu.
Belle suspirou e assentiu resolutamente para Charlie. — Sim.
Você está certo, é claro. Céus, Charlie, o que eu faria sem você?
Charlie ergueu o nariz e acariciou o queixo com uma expressão
pensativa. — Tenho me perguntado a mesma coisa muitas vez.
Belle soltou uma risada. — Engraçadinho — disse ela, enquanto
Charlie sorria para ela. — Muito bem. Vou trazê-lo imediatamente.
— Faça isso — disse ele, colocando seu chapéu de volta e
saindo novamente para fora.
***
— Aonde estamos indo? — quis saber Edward, parecendo
apenas um pouco irritado e um tanto perturbado por ter sido expulso
de um local tranquilo e aconchegante perto da lareira em sua
biblioteca, onde ele havia se acomodado com um copo de conhaque
e uma cópia do The Sporting Magazine.
— Tenho uma surpresa para você — disse Belle, segurando
firmemente o braço dele, sua voz firme. Ela esperava parecer
animada e não tão enjoada quanto se sentia. Por favor, Deus, que
ela tenha acertado nisso.
Edward lançou a ela um olhar curioso que sugeria que ele
estava esperando mais ou menos a mesma coisa.
Levando-o ao redor da esquina até um celeiro de tamanho
considerável, Edward franziu o cenho ao perceber que o interior
estava iluminado contra a luz opaca da tarde de inverno. Vozes
masculinas chegaram até eles, gritando, rindo e gargalhando, e
Edward parou abruptamente.
— Por favor, Edward — pediu Belle, puxando seu braço e
tentando fazê-lo avançar. Era tão inútil quanto gritar para uma
montanha, se ele realmente não quisesse, mas seus olhos escuros
se voltaram para os dela com apreensão e, então, ele continuou.
Belle sorriu para ele, encantada, mas pôde ver a vontade de
virar para o outro lado e se enterrar novamente em sua biblioteca
brilhando em seus olhos.
Ao entrarem no celeiro, Edward exclamou de surpresa, como
era de se esperar. Neste ponto, Belle não conseguia dizer se era um
som feliz ou não.
Braseiros haviam sido acesos ao redor do local, iluminando o
espaço amplo e aquecendo-o um pouco contra o frio da tarde de
dezembro. Não que o jovem esquálido que estava sem camisa e
parado no meio de um anel improvisado parecesse se importar
muito.
Charlie estava lá com os protetores de couro nas mãos, gritando
instruções, e ao redor do perímetro estavam outros rapazes e
jovens de todas as idades, pesos e tamanhos, gritando
encorajamentos próprios e aguardando sua vez.
Edward estava olhando para a cena, sua expressão
extremamente confusa. Ele virou-se para Belle, que lhe deu um
sorriso hesitante.
— Não são apenas os homens que retornam da guerra que
precisam de ajuda, Edward. Muitos desses garotos perderam pais,
irmãos, modelos a seguir que os guiariam e mostrariam o que
significa ser um homem. Alguns dos mais velhos se sentem
enganados e culpados por não terem tido a chance de ir para a
guerra, e... e há pouco trabalho disponível. — A expressão de
Edward não havia realmente mudado em nada, então Belle
continuou: — Eu ouvi de minha criada, Mary, sobre seu irmão,
Robert. Ele se meteu em um problema terrível na vila, e foi apenas a
bondade do senhor Abram que fez com que ele não fosse levado
perante um magistrado. Esses garotos precisam de um lugar para ir,
uma forma de extravasar a energia e homens que possam respeitar
para lhes dizer o que é certo e o que não é.
Edward lançou a ela um olhar cético, mas não virou as costas e
saiu, então Belle manteve a coragem.
— Um clube de boxe? — disse ele, sua voz soando longe de
estar convencida com a ideia.
— Sim — disse ela, segurando sua mão. — Você pode ajudá-
los, Edward, treiná-los. Pode até haver alguns com talento real aqui,
e... e alguns dos jovens, bem, eles vão se tornar oponentes
decentes em pouco tempo.
Edward a encarou. — Você está me encorajando a lutar? —
disse ele, tão chocado que Belle corou. Ela se lembrou de suas
palavras sobre seu interesse escandaloso no esporte e seus
pensamentos sobre o assunto, e sua confiança foi abalada, mas ela
ergueu o queixo e encontrou seus olhos.
— Sim, eu o encorajaria a lutar, aqui, onde há regras e eu não
preciso temer que Charlie tenha que sair à noite e arrastar seu
corpo inerte da sarjeta fora de algum bar de má reputação!
Edward empalideceu um pouco, a culpa lutando com o que ela
achava que poderia ser puro aborrecimento.
— Sim, Violette me contou — disse ela, sua voz desafiadora. —
Mas não é só isso, Edward. Isso é algo que eu queria para você.
Para que você veja que pode recomeçar e até fazer a diferença na
vida de outras pessoas, se quiser. Que você não tem de ser o
homem que era. Se esse homem morreu em Waterloo, deixe-o
descansar em paz. — Ela segurou suas mãos e o instou a ouvir, a
ver que isso poderia ser algo em que ele poderia se concentrar. —
Você pode recomeçar e encontrar quem quer que seja que você
queira ser agora.
Ele ficou em silêncio, seu rosto insondável, e as esperanças de
Belle se desvaneceram. Claramente, ela não tinha ideia do que
estava fazendo, mas continuou mesmo assim, embora pudesse
ouvir a dúvida em sua própria voz agora. — Espero que, pelo
menos, considere a ideia. E, é claro, se não quiser que eu faça parte
disso, eu entendo perfeitamente, e... eu prometo que não vou
interferir de forma alguma.
Particularmente, Belle sabia que não manteria tal promessa e
tinha a intenção de espionar seu marido sempre que tivesse a
oportunidade. Não precisava dizer isso a ele, no entanto.
Ela o observou agora, enquanto outro rapaz se aproximava para
sua vez no ringue. O barulho e o entusiasmo dos garotos estavam
aumentando, todos eles gritando e fazendo brincadeiras, embora
parecesse ser tudo em bom espírito. No entanto, Edward estava
tenso, ela podia sentir a imobilidade nele e ver que ele estava
recuando, aquela expressão congelada e distante que ela agora
reconhecia começava a se apoderar.
Belle apertou suas mãos. O jovem que estava subindo no ringue
tinha talvez dezessete anos e ainda não havia se desenvolvido
totalmente, embora seus ombros fossem largos e fortes.
— Esse é o filho do açougueiro, acho — disse ela, mantendo
seu tom leve e coloquial e puxando levemente a mão de Edward,
aproximando-o do ringue. Os rapazes notaram a chegada deles
agora, e o barulho diminuiu um pouco enquanto eles tocavam suas
testas respeitosamente, e uma sensação de reserva se instalou na
reunião. Belle ficou aliviada por estar mais tranquilo, mas
entristecida por perceber que a presença imponente de Edward
como o marquês era suficiente para fazer com que todos perdessem
o entusiasmo.
No entanto, Charlie era incansável, continuava berrando
instruções, embora tenha piscado maliciosamente para Belle.
Edward estava observando Charlie e o jovem com uma
expressão intensa, e Belle pôde perceber que ele estava ficando
cada vez mais nervoso. Certa de que ele sairia do lugar a qualquer
momento e desapareceria na floresta, ela quase pulou de susto
quando ele explodiu ao lado dela.
— Pelo amor de Deus, Charlie, arrume a postura dele. Ele vai
cair como uma maldita vareta com pouco mais que um toque.
Belle prendeu a respiração e conteve a vontade de pular e
aplaudir como a garota safada que Edward a acusara de ser uma
vez. Os rapazes ao redor do ringue se dispersaram em reverência
ao seu imponente marido que passou sob a área delimitada pelas
cordas e começou a mostrar ao filho do açougueiro exatamente
onde ele estava errando.
Ela assistiu com crescente orgulho enquanto Edward tirava a
jaqueta e a camisa e começava a mostrar ao grupo como um todo
exatamente o que eles estavam tentando imitar. Belle ouvia com
divertimento sussurros circulando pelo celeiro, todos ditos em tons
reverentes, à medida que se espalhava a notícia de que Edward
tinha treinado com o próprio senhor John Jackson, em Bond Street.
Ao encontrar o olhar de Charlie, enquanto Edward escolhia o
próximo rapaz ansioso para vir e tentar, Belle não pôde deixar de
sorrir para o homem. Charlie sorriu, claramente tão emocionado
quanto ela com o sucesso deles.
Ela não deveria dar muita importância a isso, ela sabia disso.
Poderia haver outros dias em que ele não estivesse tão disposto a
se envolver, talvez, mas era um sucesso maior do que ela poderia
esperar, e Edward estava claramente em seu elemento. Era mais do
que suficiente.
Capítulo 28

“No qual a esperança queima tão brilhante como um pudim de


ameixa flamejante.”

Belle achou que poderia explodir de orgulho enquanto


observava seu marido no extremo da mesa de jantar suspirando.
Ele estava quieto, mas ela percebeu que ele se esforçava para
oferecer uma palavra ou duas para qualquer conversa que estava
ocorrendo em sua parte da mesa. Não era muito, talvez, e qualquer
um que não o conhecesse provavelmente o consideraria orgulhoso
e desagradável, mas Belle sabia do esforço que ele estava fazendo
simplesmente ao estar em companhia depois de tudo o que tinha
acontecido hoje, e que ele fazia isso por ela.
Edward olhou para cima então, capturando o olhar dela, e ela
não pôde evitar lançar-lhe um sorriso ridiculamente feliz que
certamente lhe diria o quão orgulhosa estava. Ele olhou para ela,
claramente um pouco confuso, mas, então, um sorriso de retribuição
surgiu em seu rosto.
Ele parecia feliz.
A expressão era tão rara e difícil de conseguir que Belle sabia
que isso seria algo que ela lembraria todos os seus dias.
Puddy tinha se superado, tão empolgada com o retorno do
Lorde Winterbourne à família e uma reunião familiar no Natal, que
Belle se perguntou como poderiam possivelmente dar conta. No
entanto, eles teriam que fazer um esforço heroico, para não
contrariar sua cozinheira dedicada e ter que viver de pão e geleia
até que ela se recuperasse.
Belle olhou ao redor da reunião com profunda satisfação. O
Natal passado havia sido tão deprimente para ela e Crecy que isso
parecia o presente mais maravilhoso, embora tenha notado que sua
irmã não parecia tão feliz quanto ela esperava. Oh, ela estava rindo
e conversando com todos, mas Belle percebeu os momentos em
que ela se retirava um pouco, seus pensamentos claramente em
outro lugar. Provavelmente preocupada com o seu pássaro
resgatado, Belle pensou com pesar, mas uma ponta de
preocupação permaneceu, insistindo que era algo mais do que isso.
A chegada do pudim de ameixa foi saudada com aplausos
enquanto Garrett segurava o pudim em chamas com seu ramo de
azevinho erguido com prazer evidente. Com uma cara deliciosa,
todos gemeram e piadas um pouco atrevidas foram feitas pelos
homens sobre o afrouxamento dos corpetes.
Todos exclamaram ao descobrirem quem havia recebido qual
amuleto. Aubrey recebeu a pequena ferradura da sorte, embora por
tudo o que Belle tinha ouvido sobre seu empreendimento em
crescimento, ele dificilmente precisasse disso. Violette aumentou
sua boa sorte ao ganhar a moeda pela riqueza. A tia solteirona de
Aubrey, Lady Dorothea, recebeu um anel que sugeriu que ela seria
a próxima a se casar. Isso a levou a um ataque de risos tão grave
que teve que ser batida nas costas com alguma força antes que se
engasgasse. Para certo deleite de Edward, ele recebeu uma âncora,
para porto seguro, e enviou a Belle um olhar tão eloquente que ela
teve que engolir em seco e desviar o olhar antes que fosse acusada
de ser uma chorona.
— O que você pegou, Crecy? — perguntou Belle, enquanto sua
irmã parecia bastante intrigada com o dela.
— Eu peguei duas coisas! — exclamou ela. — Um sapato para
viagem e um dedal para mais um ano solteira.
Para a consternação de Belle, ela não parecia nem um pouco
incomodada com nenhuma dessas fortunas. Belle lembrou-se
severamente de que eram apenas superstições bobas, afinal, e
esmagou a preocupação de que havia algo com que ela precisava
se preocupar. Crecy estava segura em Longwold com eles e não iria
a lugar algum. Quando chegasse a hora certa, ela teria um début
deslumbrante em Londres. Lady Russell já tinha sugerido que ela
tivesse uma participação nisso, junto com Violette, já que todos
sabiam que Edward não se sairia bem na cidade. Isso tinha sido um
grande peso dos ombros de Belle, sabendo que Lady Russell abriria
portas em todos os lugares para sua irmã e manteria um olho afiado
nela. Então, tudo daria certo, e, na opinião de Belle, era melhor
mesmo para sua irmã excêntrica, ter pelo menos mais um ano de
espera antes de se casar, de qualquer maneira. Isso lhe daria tempo
para o casamento com a qual Belle sempre sonhou para ela e
encontrar um homem bom e amoroso que apreciasse seus
caprichos e fantasias. Belle suspirou de prazer com a ideia. Sim,
tudo ficaria bem.
***
Edward estava deitado na cama, sua cabeça cheia de
pensamentos, mas, pela primeira vez, nem todos eram
desagradáveis. O clube de boxe, à primeira vista, parecia uma ideia
ridícula. Meu Deus, ele era um marquês; seu pai estaria se
revirando no túmulo. Mas, então, ao refletir, tinham se passado
muitos anos desde que Edward se importara com o que seu pai
pensava, mesmo quando o velho abutre estava vivo.
Ele tinha gostado de estar no ringue novamente, e Belle estava
certa, havia alguns que mostravam um talento natural. Ele notara
um homem mais velho parado nos fundos do celeiro, muito
orgulhoso para se adiantar e participar, mas ele era forte como um
boi. Um garoto mais falante informou a Edward que Ned Callow
trabalhava nos campos e poderia derrubar qualquer homem que
ficasse de pé com ele com um único golpe. Ao olhar para o tamanho
de seus punhos, Edward bem podia acreditar nisso, e perguntou-se
quanto tempo levaria para pôr o homem em forma. Seria bom ter um
adversário decente novamente.
Ele sentiu seu sorriso se curvar enquanto lembrava de Belle
parada à beira da arena, olhando para ele com uma admiração tão
óbvia que havia sido difícil se concentrar. Apesar de tudo o que ele
havia dito sobre mulheres e boxe, tinha que admitir que gostava
muito de ela o observar, mais do que provavelmente jamais
admitiria. O fato de ela ter comprado um livro sobre boxe e depois
ter ido criar esse novo empreendimento para ele... Uma sensação
estranha envolveu seu coração e o apertou.
Belle parecia conhecê-lo melhor do que ele mesmo se conhecia.
Quando ele ficava preso no passado e congelado enquanto seu
ambiente o dominava, ela parecia saber exatamente o que fazer. Ela
sabia como ajudá-lo a se fixar no momento e não ceder ao pânico, a
não se afogar sob o peso das lembranças.
Edward virou a cabeça quando Belle se mexeu ao seu lado
enquanto dormia. Ele se virou para o lado, observando-a à luz do
fogo enquanto uma sensação nova e desconhecida o invadia. Ele se
sentia possessivo, percebeu, e estava em grave perigo de se
apaixonar perdidamente por sua esposa. Com toda sinceridade, ele
sabia que isso havia começado há muito tempo, e embora pudesse
ter lutado contra isso e negado, sabia que não podia mais fazer isso.
Não sem machucá-la, e isso ele não poderia fazer. Não agora. Ela o
havia dado demais.
Ele a amava, percebeu, e queria amá-la, mas também
verdadeiramente não queria, ao mesmo tempo. Quanto mais essa
emoção aterrorizante o agarrava, mais o medo de perdê-la
aumentava. E se ele a afastasse, e se fizesse ou dissesse algo
imperdoável em um de seus malditos acessos de raiva? E se algo
acontecesse a ela? Ela poderia se machucar, poderia morrer ao ter
seu filho... O pânico começou a apertar sua garganta e sua
respiração se acelerou.
— Shh, amor — murmurou uma voz sonolenta ao seu lado,
enquanto a mão de Belle alcançava e deslizava sobre seu peito,
cobrindo seu coração. — Venha aqui.
Edward foi de bom grado, apreciando o calor e o conforto de seu
abraço, e de repente seus medos diminuíram. Eles ainda estavam
lá, pairando à beira de sua mente, mas não eram mais
avassaladores.
Ele pressionou sua boca contra a dela e sorriu quando ela
soprou contra seus lábios. — Com sono... — murmurou ela.
— Não, você não está — disse ele, sua voz baixa e urgente
enquanto a beijava novamente, suas mãos explorando as curvas
exuberantes escondidas sob os lençóis, e percebeu que estava feliz.
Era improvável e extraordinário, mas era verdade. — Você não está
com o menor sono. — Ele riu, trilhando um caminho de beijos até
seu pescoço enquanto ela suspirava e enrolava os braços ao redor
dele, suas mãos em seus cabelos puxando até que ele ergueu a
cabeça e lhe deu o beijo que ela estava procurando.
— Não — disse ela, sorrindo contra sua boca. — Você está
completamente certo, é claro. Não estou com nem um pouco de
sono.
***
Belle suspirou ao olhar pela janela do quarto e viu Crecy
galopando ao longe, o cavalo soprando nuvens no ar gelado da
manhã. Tomando um gole do seu chocolate, ela se perguntou o que
estava deixando-a tão ansiosa.
— Certamente ela adora cavalgar.
Virando-se e encontrando Edward parado logo atrás dela, ela
inclinou a cabeça para trás para um beijo.
— Mmm, você tem gosto de chocolate — murmurou ele,
fazendo-a arrepiar.
— Pare com isso, Edward — repreendeu, embora estivesse
sorrindo, o que estragava o efeito. — Temos trabalho a fazer.
Como era o dia seguinte ao Natal, os criados tinham folga no dia
e se reuniriam em breve no andar de baixo para receber seus
presentes e caixas de Natal. Belle já havia deixado sua criada Mary
em prantos ao dar a ela todas as suas roupas antigas e incluir
algumas coisas que não eram antigas, mas que ela queria dar. Ela
também receberia uma generosa caixa de Natal. Mary havia se
mostrado leal e havia ido longe para fazer com que Belle se sentisse
em casa quando estava perdida. Ela não esqueceria disso.
No entanto, seus olhos foram atraídos de volta para o horizonte
quando Crecy desapareceu na floresta.
— Você está preocupada com ela.
Belle assentiu. — Ela é minha responsabilidade desde que tinha
três anos — disse ela, com um tom melancólico. — Eu sei que só
tenho seis anos a mais, mas às vezes me sinto mais mãe do que
irmã. Ela nunca realmente conheceu ninguém além de mim, sabe.
Mesmo quando a mãe dela estava viva, a mulher não estava
interessada em Crecy.
Edward envolveu os braços ao redor dela, puxando-a para trás
contra seu peito e descansando a cabeça sobre a dela. — Você fez
tudo isso por ela, não fez? — disse ele, com a voz baixa. —
Tentando se casar com o pobre do Percy – você não teria sido feliz
com ele, sabe — acrescentou, e, com deleite, ela pensou ter
detectado um leve traço de ciúmes nas palavras. — Ele nunca
poderia lidar com você e esse terrível temperamento seu.
Belle deu uma risada irônica enquanto ele lhe dava um sorriso
cabisbaixo, e, então, seu rosto ficou sério. — Mas você não estava
pensando em sua própria felicidade, não é?
Movendo-se para poder olhar para cima, Belle virou-se nos
braços dele, suas mãos alisando a seda do colete dele, sentindo o
calor dele sob suas palmas. — Pensei em estar segura — admitiu.
— Em não me preocupar se teríamos um teto sobre nossas cabeças
ou dinheiro para comprar as necessidades básicas. Tia Grimble
nunca fez segredo do fato de que pretendia me expulsar, e... — Seu
estômago se contraiu de repugnância ao lembrar mais uma vez dos
planos que a mulher terrível tinha para Crecy. — Eu temo pensar
como Crecy teria acabado. Vendida para o maior lance, imagino.
Ela estremeceu e apoiou a cabeça no peito de Edward. — Você
nos salvou.
Edward deu uma risada, seu tom divertido. — Eu não fiz nada, e
você sabe disso. — Ele ergueu a cabeça dela com os dedos,
olhando para seu rosto com uma expressão séria. — Violette a
salvou, e então... então você me salvou.
Belle sorriu, bastante atordoada pela sinceridade de suas
palavras. — Concordo. — As palavras foram um sussurro enquanto
ela estendia a mão para colocá-la em sua bochecha. — Digamos
que nos salvamos mutuamente — sussurrou, e deu outro beijo nele.
Capítulo 29

“No qual o tempo passa, o temperamento de Edward se inflama,


Belle guarda um segredo e um incêndio se alastra fora de controle.”

Primavera.
15 de abril de 1818.

— Aonde você vai? — perguntou Belle, colocando sua cesta no


chão e semicerrando os olhos contra o sol enquanto Crecy se virava
e acenava para ela.
— Só dar uma caminhada até a aldeia — respondeu ela,
afastando-se antes que Belle pudesse perguntar sobre o pacote
escondido debaixo do braço. Sem dúvida algo para um amigo que
ela havia conhecido em Londres. Belle a observou partir, uma pena
vistosa dançando em seu chapéu enquanto ela desaparecia ao
longo da estrada que levava à aldeia. Aproveitando a sensação do
sol da primavera em seu rosto, Belle pegou sua cesta mais uma vez
e seguiu na direção oposta para completar sua própria tarefa.
Belle tinha ficado consternada, mas não surpresa, com o apelo
sincero de Crecy para voltar a Longwold. Ela tinha ido a Londres
sob o olhar atento da Lady Russell em janeiro e havia se submetido
a quase três semanas de compras e preparativos até que Lady
Russell estivesse satisfeita de que ela estava pronta. Crecy havia
causado um rebuliço como Belle sabia que aconteceria. De acordo
com as cartas de Violette, Lady Russell tinha uma fila cada vez
maior de jovens à sua porta, trazendo flores e presentes e, Deus as
ajudasse, poesia. Pouco mais de três meses depois, Belle recebeu
uma carta implorante e manchada de lágrimas de sua irmã, que
estava totalmente infeliz e implorava para poder voltar para casa.
O que Belle poderia fazer senão concordar? Ela odiava a ideia
de Crecy ficar sozinha em Longwold, onde ninguém poderia ver o
quão extraordinária ela era, e não apenas por sua beleza. Mas ela
não suportava a ideia de Crecy estar tão terrivelmente infeliz e
conhecia bem o suficiente sua irmã para saber que, se ela não
obedecesse, Crecy faria algo tão ultrajante que os forçaria a tirá-la
do centro das atenções.
Então, Crecy estava de volta em casa e parecia estar com alto
astral novamente, mas Belle ainda se preocupava com ela.
No entanto, seus pensamentos foram interrompidos por seus
próprios assuntos quando uma onda de náusea a atingiu e ela teve
que se sentar na parede de pedra até que passasse. Mary, que
tinha sete irmãos mais novos, um deles com apenas algumas
semanas de vida, simplesmente lhe deu um sorriso e um olhar
sabido, e saiu correndo na primeira vez que isso aconteceu. Ela
voltou com chá de hortelã e torrada seca e encontrou Belle
vomitando na bacia. Não tinha sido tão ruim desde então, embora
frequentemente ela se sentisse tão fraca quanto um pano molhado
antes do meio-dia.
Belle respirou fundo e cobriu seu estômago perfeitamente plano
com uma leve ruga entre os olhos. A primavera havia chegado e o
mundo estava fecundo e exuberante. Broto gordos explodiram, e as
colinas eram um verde esmeralda, pontilhadas de cordeiros e faixas
de narcisos, balançando seus rostos alegremente ensolarados na
brisa ainda fria. Era tempo de nascimentos e de nova vida, e, ainda
assim, Belle achava difícil acreditar que algo desse tipo estava
acontecendo com ela. Ela olhou para o estômago, concentrando-se
em tentar sentir qualquer coisa. E se ela estivesse errada e não
fosse um bebê? E se ela estivesse doente?
Ela olhou para cima e respirou fundo, sentindo-se melhor agora
que a náusea havia passado. Era um bebê, é claro que era um
bebê. Pare de ser tão cabeça-de-vento, sua criatura boba. No
entanto, era tão grandioso, tão maravilhoso e aterrorizante, tudo ao
mesmo tempo. Ela nunca se sentira tão poderosa e ainda tão
terrivelmente frágil, tão cheia de alegria e tão sobrecarregada de
terror. Mary havia feito um som de reprovação e lhe disse para não
se preocupar tanto quando ela havia admitido isso.
— Minha mãe disse que perdeu o juízo nos primeiros três
meses com o primeiro bebê dela, se preocupando com isso, aquilo e
Deus sabe mais o quê. Isso vai passar, milady — disse ela, com o ar
conhecedor de uma garota do campo que viveu em estreita
convivência com uma família muito grande por toda a vida. Ela tinha
ouvido falar que ela ajudou a dar à luz os últimos três irmãos, então
Belle aceitou o conselho e acreditou nela.
Ela ainda não havia contado a ninguém, em parte porque ainda
tinha dificuldade em acreditar e não queria ser considerada uma
fraude se estivesse errada, e em parte porque não tinha ideia de
como Edward reagiria.
Edward.
Ela suspirou, um sorriso bobo se espalhando por sua boca. Ele
não mudara da noite para o dia, de maneira alguma. Ele ainda não
era fã de companhia, mas parecia gostar bastante de pequenas
reuniões familiares quando estava de bom humor.
O clube de boxe era um grande sucesso.
Depois que Edward decidiu continuar com isso, ele se lançou de
corpo e alma. Ele declarou que o antigo celeiro não servia para o
propósito e estava no processo de fazer planos para um novo
prédio. Ele ficaria mais próximo da vila, facilitando para os jovens
chegarem até lá. Equipamentos foram encomendados de Londres e
uma correspondência com o próprio senhor Jackson rendeu a
promessa de que o grande homem visitaria no início do próximo
ano. Até lá, eles esperavam que o novo prédio estivesse bem
estabelecido e alguns dos protegidos de Edward prontos para
mostrar o que sabiam. A notícia trouxe um sentimento de
empolgação aos jovens que até infectou seu marido, e quando
falava de seus planos para eles, ele quase conseguia ser eloquente.
No entanto, os pesadelos persistiam, embora Belle pensasse
que talvez fossem menos frequentes do que antes. Mas agora ela
resistia à vontade de acordá-lo sacudindo-o, simplesmente falava
com ele, mantendo sua voz tranquila e calma, dizendo onde ele
estava, que estava seguro, que ela estava ali. Às vezes ele
acordava, às vezes o pesadelo desaparecia e ele voltava a dormir.
Belle se levantou novamente e seguiu seu caminho. Ela estava
visitando uma vizinha idosa, a senhora Thompson, que era viúva e
estava bastante doente. Puddy havia preparado uma cesta com
todo tipo de guloseimas para a inválida, e Belle esperava convencer
a orgulhosa senhora idosa a aceitá-la.
Após algumas horas agradáveis desfrutando das histórias da
senhora idosa, especialmente as relacionadas ao marquês, que
aparentemente tinha sido um verdadeiro encrenqueiro quando
criança, ela voltou para casa. No entanto, enquanto passava pela
fazenda do senhor e senhora Abram, ouviu choro lamentoso vindo
de um dos celeiros.
Chamando, ela não recebeu resposta, mas o choro continuou, o
que a levou a colocar sua cesta vazia no chão e investigar.
O celeiro era grande e escuro, com um teto alto que dificultava a
visão após a luz brilhante da primavera. Belle semicerrou os olhos
na escuridão. O choro havia se transformado em gemidos, e ao
olhar para cima, ela notou um par de olhos castanhos grandes a
observando de cima do piso de feno.
— Olá — disse ela, e um rosto sujo e com lágrimas apareceu ao
redor dos olhos, piscando e lembrando uma coruja. — Você está
bem?
O menino, se é que era o que parecia ser, enxugou o nariz na
manga e balançou a cabeça. — Preso — respondeu ele de maneira
sucinta.
— Oh, céus. — Belle mordeu o lábio e olhou para a escada
frágil e para a altura do piso de feno com preocupação. — Devo
buscar ajuda?
O menino balançou a cabeça novamente, parecendo apavorado.
— Eu num deveria tá aqui em cima. Papai trabalha para o senhor
Abram, e me disse para num subi aqui novamente. E mamãe vai me
dá uma surra, especialmente agora, já que perdi o café da manhã —
adicionou, com uma expressão trágica.
— Há quanto tempo você está aí em cima? — perguntou Belle.
— Num sei. Há muito tempo. Minha barriga tá roncando — disse
ele.
Belle suspirou e ergueu suas saias. Ele aparentava ter cerca de
cinco anos, e embora fosse um pouco magro, não estava certa se
conseguiria carregá-lo. Talvez ela pudesse ajudá-lo a descer
sozinho.
A meio caminho, sua coragem a abandonou e ela cometeu o
erro de olhar para baixo.
— Oh, meu Deus — murmurou, agarrando-se à escada como se
sua vida dependesse disso.
— Eu sei — disse o menino com um tom grave, olhando para
baixo com seus olhos arregalados. — É por isso que tô preso.
Belle resmungou que isso não era um comentário muito útil e
aconselhou-o a seguir os conselhos de seu pai no futuro.
Uma vez no topo e após um bom tempo de discussão, ela
persuadiu o menino a virar-se e voltar para a escada, colocando os
pés nos degraus com cuidado. Quando ele estava lá em cima, os
dois simplesmente ficaram parados por um momento, ambos
tremendo e sem fôlego.
— Você não vai desmaiá, vai? — perguntou o menino com
terror, agarrando-se à escada com os nós dos dedos brancos.
— Certamente que não! — respondeu Belle com aspereza,
embora se sentisse um tanto tonta. — Agora venha, um degrau de
cada vez, você consegue. — Exceto que o menino estava
congelado e não se movia nem um centímetro em qualquer direção.
Pouco a pouco, ela conseguiu persuadi-lo a descer alguns
degraus, mas agora ele estava soluçando para valer e Belle estava
no fim das suas forças. — Vamos lá, rapazinho. O que seus irmãos
diriam se te vissem chorando assim? Vamos lá agora, você é um
soldado valente.
Quando estavam a meio caminho para baixo, Belle estava
suando e seus braços doíam pelo esforço. O menino ainda estava
chorando, apesar dos melhores esforços de Belle, embora ela
começasse a achar que era mais pelo medo do castigo que sua
mãe lhe daria do que pelo medo de cair. O barulho, no entanto, deve
ter alertado as vozes que ela ouviu vindo da estrada, e logo em
seguida uma voz furiosa estava berrando para ela.
— Belle!
Belle ficou tão assustada que perdeu o equilíbrio e seus braços
estavam cansados demais para suportar o peso. Ela caiu, grata pelo
fato de não ser muito alto, pelo menos, mas em vez de atingir o
chão, foi apanhada por ninguém menos que seu marido. Ter um
pouso um pouco mais suave foi apreciado, e ela poderia ter ficado
grata por esse fato se não fosse pelo furor cintilante em seus olhos.
Em vez de encarar a raiva óbvia de seu marido, ela se voltou
para o menino e descobriu que o senhor Abram estava pegando o
jovem com uma mão. — Vamos lá, Timmy. Sua pobre mãe tem
procurado por você por todos os lados, seu jovem malandro. —
Com um toque na testa, o homem levantou o jovem Timmy nos
braços e o levou embora. Deixando Belle com Edward.
Que claramente estava furioso.
Decidindo que um bom ataque era muito melhor do que uma
boa defesa, Belle o encarou de volta com raiva.
— O que diabos você estava pensando, gritando comigo desse
jeito? Eu estava me saindo perfeitamente bem antes de você me
assustar quase até a morte!
Agora ele estava com o rosto branco, sua respiração ofegante,
e, tarde demais, Belle percebeu que tinha julgado mal.
— Edward — disse ela, sua voz agora mais suave. — Estou
bem. Eu estava perfeitamente segura, e você me pegou, de
qualquer forma. Não me machuquei. — Ela estendeu a mão para
ele, mas ele a afastou, recuando em direção à porta. — Edward —
chamou-o, à medida que a ansiedade aumentava em seu peito. —
Edward, estou bem. — Ele virou-se e saiu. — Edward!
Quando Belle correu para fora, Edward já tinha ido embora, e
Belle sabia que não o veria novamente naquele dia.
***
— Ele estará de volta em breve, Belle. Edward está muito
melhor do que antes, qualquer um pode ver isso. — Crecy deu a ela
um sorriso simpático, seus olhos cinzentos cheios de preocupação.
— Ele só precisa se acalmar, você sabe disso. Assim que ele se
acalmar, voltará aqui pedindo perdão.
Belle sorriu para Crecy e assentiu, mas seu estômago estava
em nós.
— Vamos lá — disse sua irmã, fazendo um gesto em direção à
tigela de sopa intocada à sua frente. — Coma. Você precisa manter
sua força.
A boca de Crecy se contorceu um pouco ao falar, e Belle
estreitou os olhos para ela.
— O que você quer dizer com isso? — quis saber ela.
Sua bela irmã afastou uma mecha rebelde dos olhos com
irritação e sorriu de lado. — Não sou burra, Belle, e te conheço
melhor do que a mim mesma. Você nunca teve uma queda por chá
de hortelã, e sempre adorou carne de porco e cordeiro assados.
Especialmente os cortes gordurosos. — Crecy deu uma risada
divertida enquanto Belle engolia convulsivamente. — Estou tão feliz
por você — acrescentou, com um amplo sorriso. — Espero que seja
um menino — disse, com um brilho malicioso nos olhos. — Vou
ensiná-lo a brincar na terra, a distinguir um crânio de texugo de um
de raposa e como domar um pássaro-preto.
— Tenha piedade, Crecy, querida — suplicou Belle, sentindo-se
um tanto sobrecarregada e um pouco alarmada, pois sabia muito
bem que Crecy estava falando sério. — E, além disso —
acrescentou com um resmungo. —, provavelmente é uma menina.
Crecy franziu os lábios. — Na verdade, isso é ainda melhor —
acrescentou ela, após um momento de reflexão. — Vou ensiná-la a
mesma coisa, e então ela será muito mais interessante do que todas
as outras debutantes que fazem pose quando ela crescer. — Crecy
soltou uma risadinha sombria enquanto olhava para Belle,
claramente lendo seu rosto com precisão. — Você me ama, no
fundo — provocou, colocando a língua para fora para Belle até que
ela cedesse e risse. — Edward sabe? — perguntou ela, sua voz
agora mais suave.
Belle balançou a cabeça. — Eu queria contar a ele, mas tenho
medo de como ele vai reagir, e depois de hoje... — Ela parou,
sabendo que não precisava entrar em detalhes.
Embora os pensamentos sombrios de Edward estivessem
diminuindo e se tornando mais administráveis, cada vez mais eles
incluíam Belle e giravam em torno de seus medos por ela. Ela já
estava ansiosa o suficiente com a reação dele antes do dia de hoje,
mas agora sentia que deveria manter a notícia para si mesma pelo
maior tempo possível.
— Você não deve dizer nada — disse a Crecy, que pareceu
horrorizada com a ideia.
— Como se eu fosse!
Belle suspirou e assentiu. — Me perdoe — disse ela, desejando
que Edward estivesse em casa. Ela só queria se encolher na cama
e dormir, sabendo que ele estava seguro ao seu lado.
Uma batida na porta as assustou, mais ainda porque Garrett e
os outros criados costumavam fazer um som de arranhão, o que
Edward disse que era mais reconfortante.
Um momento depois, Garrett entrou, parecendo atipicamente
desalinhado. — Perdoe a intromissão, milady, mas devo pedir
permissão para ir ajudar no celeiro sul. Está pegando fogo, e com o
vento soprando como está, ele poderia atingir o castelo também, se
não agirmos rápido.
— Minha nossa! — exclamou Belle, largando a colher com um
barulho.
— Por favor, milady — implorou Garrett, parecendo chocado por
tê-la assustado. — Não há motivo para preocupação. Tomei a
liberdade de enviar ajuda para a vila, teremos isso sob controle em
pouco tempo.
— E Lorde Winterbourne? — indagou Belle, enquanto Crecy se
levantava e cruzava a mesa para pegar sua mão.
— Ainda não vimos o marquês — respondeu Garrett, mas ele
estava ansioso para partir, então Belle o liberou com um pedido para
ter cuidado.
— Ele ficará bem, Belle. Você sabe que ele estará escondido em
algum lugar da floresta como sempre faz.
Belle assentiu, concordando, mas não conseguia evitar que o nó
de angústia apertasse ainda mais. Ela queria Edward ali. Agora.
— O celeiro sul está cheio de feno — disse Belle, com os olhos
em Crecy. Nenhuma delas disse mais nada. Ambas sabiam o quão
rápido isso poderia queimar se o fogo se espalhasse.
— Não posso ficar aqui imaginando — exclamou Belle,
levantando-se. Crecy assentiu e as duas correram para pegar suas
peliças antes de saírem às pressas.
Elas podiam sentir o cheiro da fumaça, forte e quente, muito
antes de chegarem até lá, ouvindo o crepitar do fogo quando
viraram a esquina do castelo e viram as chamas saltando alto no
céu noturno acima delas.
— Oh, meu Deus — exclamou Crecy, segurando a mão de
Belle.
Belle ficou aliviada ao ver que uma grande multidão da vila havia
se reunido para ajudar. Pelo que ela podia perceber, todos os jovens
do clube de boxe de Edward estavam lá, com as mangas da camisa
enroladas enquanto formavam uma corrente a partir do poço mais
próximo. Baldes de água eram passados o mais rápido possível,
mas parecia uma tarefa impossível, já que as chamas simplesmente
cresciam mais altas.
Procurando na multidão, Belle rezava para ver Edward, mas ele
não estava em lugar algum.
Capítulo 30

“No qual as lições são aprendidas, e nosso herói desperta.”

A raiva de Edward o levou por um caminho familiar até que ele


se encontrou olhando para baixo no buraco que ele mesmo tinha
cavado. Ele deu um sorriso sombrio ao perceber como as palavras
eram apropriadas. Ele estava sempre cavando buracos, metafóricos
ou tangíveis. Sua raiva foi embora aos poucos, escoando-se e
deixando-o cansado e abalado.
Puxando o ar profundamente, ele olhou para os galhos acima de
sua cabeça e a névoa verde onde os botões mostravam evidências
da nova estação. Ele sempre adorou a primavera. Parecia sempre
tão cheia de possibilidades, recomeços e novas aventuras.
Belle estava certa, é claro. Se ele não tivesse gritado, ela não
teria caído. Ainda assim, ele foi dominado pelo pânico, e o nome
dela estava em seus lábios antes que seu cérebro tivesse tempo de
entender. Por que, pelo amor de Deus, ela não tinha ido buscar
ajuda em vez de subir aquela escada obviamente frágil sozinha...
Seu estômago se contraiu, mas é claro que ele sabia o motivo. Belle
tinha que ajudar naquele momento, porque era isso que Belle fazia.
Ela nunca viraria as costas para alguém necessitado, especialmente
uma criança.
Edward concentrou-se em sua respiração. Inspira, expira. Ela
provavelmente estava furiosa com ele por ser um maldito idiota. Ele
franziu a testa e olhou para o chão coberto de folhas. Ela
provavelmente estava preocupada demais.
Pegando sua gravata que jazia descartada na terra, ele a
amarrou de volta ao redor do pescoço em um nó apressado. Ele
percebeu que estava escurecendo e sentiu-se chocado com o
tempo que havia passado. Ele tinha ficado parado aqui, olhando
para esse maldito buraco por horas? Ele não conseguia se lembrar
disso. Parecia que haviam se passado apenas momentos desde
que ele havia deixado o celeiro com o pânico apertando sua
garganta.
Virando-se, Edward dirigiu-se de volta ao pasto que fazia
fronteira com a floresta e decidiu seguir pela estrada em vez de
caminhar pelos campos na luz que diminuía. Seria azar demais
pisar em um buraco de coelho e quebrar seu maldito tornozelo. Ele
provavelmente merecia por ser tão tolo. Por que diabos Belle o
aturava estava além de sua compreensão.
Porque ela te ama.
O conhecimento o envolveu, aquecendo-o contra o frio da noite.
Ele sorriu sozinho. Ele era um tolo com certeza, mas um sortudo.
Edward estava tão perdido em seus próprios pensamentos que
quase não ouviu o grito vindo da casa que ficava à sua esquerda.
Ele olhou para cima quando Tommy Green se apressou pelo
caminho, acenando com o único braço que lhe restava e sorrindo
para ele, os dentes brilhando brancos no crepúsculo.
— Boa noite, Lorde Winterbourne.
— Tommy — respondeu Edward, com um sorriso. — É bom te
ver. Como vão as coisas? — Ele estendeu a mão para apertar a
mão de Tommy, segurando-a firmemente.
— Melhor do que ousei esperar depois de perder isso — disse
Tommy, indicando a manga vazia que estava cuidadosamente presa
ao seu lado esquerdo. — Na verdade, eu estava esperando que
você pudesse poupar um momento para entrar e tomar uma bebida
conosco. Estamos celebrando, sabe.
— É mesmo? — respondeu Edward, sorrindo, embora ele
realmente só quisesse voltar e dizer a Belle que ele era um idiota,
embora ela já devesse saber bem disso agora.
— Sim, milorde — disse o jovem, corando um pouco. — Bem,
sabe, eu tinha esperanças de me casar com a Sarah Brown antes
de ir para a guerra, mas então... — Ele deu de ombros eloquente. —
Um homem de um braço só sem emprego não serve para ninguém
— disse ele, embora não houvesse um traço de autocomiseração
nas palavras. — Mas você mudou isso, milorde. Me arranjar aquele
trabalho supervisionando os rapazes que estão instalando o novo
sistema de drenagem, bem, você não precisava fazer isso.
— Bobagem — resmungou Edward, sentindo-se desconfortável
com a evidente gratidão do homem. — Depois da sua experiência
como engenheiro no Sítio de Burgos, seria preciso ser idiota para
não te colocar no comando de cavar trincheiras — disse Edward
com um sorriso irônico. — Então, você pode parar de me olhar
como se eu tivesse trazido algum tipo de salvação. Você é mais do
que qualificado para o trabalho e bem sabe disso. Eu estou fazendo
um bom negócio.
— Na verdade, acho que um mau negócio. — Tommy riu, seus
olhos cheios de humor. — Mas não vamos discutir isso. Se ambos
achamos que conseguimos um bom acordo, deveríamos ficar felizes
o suficiente para brindar. Especialmente porque estou prestes a me
tornar um homem casado — acrescentou, com orgulho óbvio.
Edward sorriu para ele e apertou a mão novamente, segurando
seu braço ileso. — Seu sortudo! — exclamou ele. — A senhorita
Brown não é a bela jovem que trabalha no Carneiro?
Tommy assentiu, incapaz de tirar o sorriso do rosto. — Essa
mesma, mas não por muito tempo. Eles têm um público difícil lá, e
minha Sarah não gosta disso. Agora eu posso cuidar dela, e isso é
mérito seu.
Edward resmungou, afastando suas palavras. — Vamos evitar
repetir essa dança, certo? É melhor me mostrar o caminho para que
eu possa brindar à sua felicidade futura — disse, lamentando o fato
de que chegaria tarde em casa e deixaria Belle preocupada, mas
incapaz de frustrar as esperanças do jovem. Ele estava claramente
ansioso para compartilhar sua felicidade com Edward.
Edward o seguiu pelo caminho estreito até a casa, olhando para
a cobertura desgastada de palha no telhado.
— Aquilo precisa de atenção — observou ele, percebendo com
uma pontada de culpa que não havia atendido às suas obrigações
com seus inquilinos desde que havia retornado.
Tommy deu de ombros, parecendo desconfortável. — Eu sei
disso. Normalmente eu já teria feito, mas... — Ele se interrompeu e
a culpa de Edward aumentou.
— É minha culpa, não sua. Você deveria ter me dito antes,
porém. Vou mandar alguém amanhã para dar uma olhada nisso.
— Obrigado, milorde — disse Tommy, parecendo terrivelmente
grato novamente.
Edward limpou a garganta. — Vamos tomar aquela bebida, que
tal?
— Vamos — concordou Tommy, abrindo a porta. Ele parou antes
de atravessar o limiar. — A propósito, Sarah me deu permissão para
apostar em você, se você algum dia decidir lutar novamente. Disse
que o confronto que você teve com aquele velho brigão Blackthorn
no ano passado foi algo a ser visto. Não que ela seja a favor de
lutas, entende, mas ela achou que não havia homem algum que
pudesse enfrentá-lo.
Edward passou a mão pelos cabelos e respondeu com uma
expressão bastante envergonhada. — Bem, agradeço a ela
sinceramente, e vou levar isso em consideração — disse. — Apenas
me faça um favor. Não repita isso na frente da minha esposa.
— Pode deixar. — Tommy riu, e Edward sorriu, sabendo que o
sujeito tinha entendido completamente errado por que ele havia dito
isso. Longe de estar com raiva, Belle provavelmente venderia
ingressos!
Com um sorriso divertido, Edward seguiu Tommy para dentro.
***
Uma bebida inevitavelmente levou a três ou quatro, já que a
companhia bem-humorada das famílias de Tommy e Sarah não
estava disposta a deixá-lo ir embora sem mostrar a ele a melhor
hospitalidade local. Assim, Edward se encontrou em um estado de
espírito surpreendentemente tranquilo enquanto voltava para casa,
a lanterna que Tommy havia emprestado a ele balançando em sua
mão.
Era uma bela noite de primavera, fria com certeza, mas ele
duvidava que haveria geada. O céu estava negro suave e iluminado
por estrelas, uma pequena fatia de lua brilhando, afiada e nítida
como um sabre.
Edward estava ansioso para se reconciliar com Belle. Até então,
ele não havia visto ela guardar ressentimentos por seu mau
comportamento, embora às vezes soubesse muito bem que ela
deveria. Talvez ele devesse levá-la para Bath por alguns dias para
se redimir. Ela teve pouca chance de socializar e talvez estivesse
sentindo falta disso, escondida em Longwold, e ele sabia que ela
gostava de teatro. A ideia o enchia de horror, mas ele iria para
agradá-la. Embora, na verdade, a ideia não fosse tão terrível quanto
costumava ser, não quando ele sabia que ela estaria ao seu lado.
Na verdade, a ideia de exibir sua adorável esposa tinha um certo
apelo, desde que fosse apenas por alguns dias.
Com essa feliz resolução girando em sua mente, ele demorou
alguns momentos para perceber que podia sentir cheiro de fumaça.
O cheiro acre de feno queimado chegou a suas narinas e os pelos
de sua nuca arrepiaram de alarme. Meu Deus, ele tinha dito àqueles
tolos para não fumarem seus cachimbos perto do celeiro sul, havia
dito mil vezes.
Edward aumentou o ritmo, caminhando o mais rápido que se
atreveu pelo terreno irregular à luz fraca da lanterna.
Suas esperanças de que ele estava errado foram frustradas
quando se virou e, onde deveria haver a silhueta do celeiro sul,
havia apenas um clarão de luz. Ele sentiu um alívio ao ver os
homens se esforçando para apagar o incêndio, mas o celeiro menor
e um tanto deteriorado que estava entre ele e o castelo já estava
começando a soltar fumaça. Os homens estavam jogando baldes
intermináveis de água contra o lado que estava mais próximo do
incêndio, mas o calor era tão intenso que os empurrava para trás.
A única coisa que eles podiam fazer era derrubar o teto antes
que o incêndio se alastrasse.
Edward correu, vasculhando a multidão e encontrando Garrett.
Seu mordomo normalmente impecável estava com as mangas da
camisa arregaçadas, o rosto enegrecido de fuligem, e Edward sentiu
uma onda de gratidão por sua criadagem não considerar tal
emergência abaixo de sua dignidade. Muitas pessoas em sua
posição teriam deixado os trabalhadores lidarem com isso e ficado
de lado apenas observando.
— Garrett! — gritou ele, por cima o rugido das chamas e os
gritos dos homens.
— Lorde Winterbourne! Graças a Deus — exclamou o homem,
com alívio óbvio.
— Garrett, precisamos derrubar esse telhado antes que aquele
celeiro também comece a pegar fogo. Vou precisar de uma serra
afiada, uma escada, o máximo de corda que você puder encontrar e
dois cavalos fortes.
— Imediatamente, milorde! — gritou Garrett, e correu para
cumprir suas ordens.
Edward correu pela multidão em direção ao incêndio e viu que
não tinha mais esperança. O celeiro sul não podia mais ser salvo.
Graças a Deus era primavera. Se isso tivesse acontecido no
inverno, quando o celeiro estava cheio, eles teriam perdido uma boa
parte de seu forragem de inverno também. Veja pelo lado positivo,
Edward, ele pensou com um sorriso sombrio.
Ouvindo seu nome ser chamado, ele viu Garrett voltando com
serras e uma pesada bobina de corda, dois homens robustos
carregando duas longas escadas entre eles, e Ned Callow – o
sujeito com ombros largos como de um boi – trazendo dois enormes
cavalos de tração consigo.
Edward correu para a frente e pegou uma serra, gesticulando
para os homens levarem uma das escadas para dentro do celeiro
menor. Felizmente, alguém havia tido a previsão de limpá-lo, e
Edward colocou a lanterna no chão, tossindo à medida que o local já
estava cheio de fumaça acre. Gritando para eles colocarem a
escada contra a viga principal, Edward voltou rapidamente para fora,
tirou a gravata e mergulhou-a em um balde de água antes de
amarrá-la em volta do rosto. Pegando a corda com um braço, ele
correu de volta para o celeiro e, com a serra na outra mão, subiu a
escada até a grande viga triangular. O celeiro antigo podia precisar
de reparos, mas a viga era de bom carvalho inglês, e ele não iria
passar por ela facilmente.
Edward colocou mãos à obra, serrando a viga de amarração de
um lado do pilar central e, em seguida, olhou em volta apenas um
momento depois quando outra escada foi colocada ao lado da dele.
Ned Callow subiu e aplicou seus ombros impressionantes ao
trabalho de serrar o outro lado da viga. Edward assentiu com
agradecimento, pois serrar ambos os lados teria tomado tempo que
ele talvez não tivesse. Os dois homens trabalharam até o suor
escorrer de seus rostos, seus olhos ardendo e queimando com a
fumaça que ficava mais negra e espessa a cada momento.
Edward tossiu, enxugando o suor dos olhos. Seu ombro e braço
ardiam de esforço, sua palma formando bolhas enquanto ele lutava
para manter a aderência na serra conforme sua mão suava e ficava
escorregadia. Tanto ele quanto Ned cortaram ao mesmo tempo, um
desafio silencioso de força e habilidade entre eles, e houve um
gemido angustiante quando o telhado afundou um pouco e depois
se estabilizou.
Edward prendeu a respiração, olhando para cima e imaginando
por um momento horrível ser enterrado sob o peso daquele telhado.
Empurrando seu medo para o lado, ele abaixou o lenço que cobria o
rosto e gritou para Ned.
— Posicione os cavalos, eu vou amarrar o pilar central.
Ned assentiu, entendendo, e desceu enquanto Edward
desenrolava a corda, feliz por tirar o peso do ombro. Ele segurou
uma extremidade e jogou a bobina para Ned, que a pegou e foi
amarrá-la nos cavalos.
Edward trabalhou o mais rápido que pôde. Uma vez satisfeito
que a corda estava amarrada bem e segura, começou a descer. Ele
estava a meio caminho quando houve um estrondo terrível que fez
seu coração pular no peito. Percebendo que o celeiro sul finalmente
deveria ter desabado, ele olhou para as grandes portas abertas e
viu que os cavalos normalmente plácidos haviam sido assustados
pelo barulho e pela nuvem de fogo e fumaça que se dirigia para
eles. A corda apertou subitamente, puxando o pilar central à medida
que os cavalos se afastavam, Ned lutava para mantê-los firmes. O
medo era um motivador mais forte, porém, e a autopreservação lhes
disse para se afastarem do barulho e do caos o mais rápido
possível.
Edward saltou os degraus restantes, caindo no chão e sentindo
a dor lancinante subir pelo tornozelo quando aterrissou mal.
Olhando para cima, viu o pilar central começar a se mover, a viga de
amarração cedendo abaixo dele.
Meu Deus.
Pela primeira vez desde a guerra, e com uma clareza
surpreendente, Edward percebeu o quão desesperadamente ele
queria viver.
Ele ainda tinha muitos motivos em sua vida para viver.
Ele queria estar com Belle, uma vida inteira com Belle e seus
filhos. Uma família grande, bagunçada e barulhenta que o
aterrorizaria e deixaria seu cabelo grisalho de preocupação por eles,
mas não era isso que todos viviam? Era normal e certo temer por
aqueles que você amava, e mesmo que o pior acontecesse, você
não quereria viver cada dia que lhe fosse dado como um presente,
em vez de se enterrar em um buraco por medo de viver de tudo?
— Não! — gritou ele, levantando-se às pressas quando a viga
começou a ceder. — Não!
Capítulo 31

“No qual os medos ardem intensamente.”

— Você viu Lorde Winterbourne? — perguntou Belle a outro


homem, mais uma vez recebendo uma negativa com a cabeça de
um rosto cansado e sujo de fuligem.
— Ele está no celeiro — respondeu alguém, enquanto Belle
girava em horror.
— O quê? — exclamou ela, quando o rapaz, alguém do clube de
boxe, ela pensou, apontou, com sorte, para o celeiro menor e não
para aquele que estava ardendo como um inferno.
O coração de Belle deu uma batida irregular em seu peito. Ela
se sentiu mal.
— Por quê? — gritou ela, avançando. — O que ele está
fazendo? — O medo se enroscava em torno de seu coração e o
mantinha cativo. Ela precisava de Edward ali. Agora. Ela tinha que
saber que ele estava seguro. O castelo inteiro poderia queimar até
ser reduzido a cinzas, não importava, contanto que ela tivesse
Edward.
Ela sentiu uma mão em seu braço e olhou em volta,
encontrando Garrett com uma aparência extraordinariamente
desgrenhada.
— Ele está serrando a viga, milady. Eles vão usar os cavalos
para puxar o teto para baixo, para que o fogo não se espalhe. Ned
Cowell está com ele — disse ele, embora seu aperto em seu braço
tenha se intensificado. — Agora você fica aqui ou milorde vai se
preocupar, e eu vou ser dispensado se eu deixar que dê mais um
passo — acrescentou ele, com um tom que não admitia
argumentos.
— Mas, Garrett! — suplicou Belle, olhando a fumaça saindo do
celeiro menor com horror. O medo paralisava seus pulmões,
tornando impossível respirar. Ela estava gritando por dentro,
gritando por Edward, embora não fizesse som algum, apenas
tremia. Ela começou a se mover para frente.
— Não, milady — disse Garrett, sua voz firme e seu aperto em
seu braço ainda mais firme. — Agora não é apenas você com quem
nos preocupamos.
Ela olhou em volta alarmada, vendo um olhar paternal nos olhos
do mordomo. Meu Deus, todo mundo sabia? Ela dispensou a ideia
de que Edward talvez nunca soubesse, talvez nunca percebesse
que ela carregava seu filho, quanto mais viver para vê-lo. Não. Não.
Antes que ela pudesse rezar ou suplicar a Deus para mantê-lo
seguro, houve um rugido que machucou seus ouvidos, e uma
explosão de calor tão intensa que sua pele formigou e ficou tensa. O
celeiro sul desabou, lançando chamas, faíscas e destroços alto no
céu. Os cavalos gritaram em horror, avançando à frente enquanto
Ned era arrastado, cavando os calcanhares e puxando com toda a
sua força. Mas os poderosos cavalos eram muito fortes, até mesmo
para alguém forte como um boi, e eles avançaram, com as orelhas
para trás e os olhos revirando de medo.
— Edward! Edward!
Garrett não conseguiu segurá-la, pois o terror lhe deu forças, e
ela arrancou o braço de seu aperto, correndo para a frente quando
um som doentio cortou o ar como um tiro. Uma nuvem de poeira,
fumaça e estilhaços explodiu pelas portas abertas do celeiro à
medida que o telhado desabava – e no meio disso, uma figura
emergia das portas, se arrastando sobre os paralelepípedos
molhados para se afastar quando o telhado caía ao chão.
— Edward!
Belle se lançou em seus braços, quase derrubando-o contra os
paralelepípedos enquanto ele caía de joelhos. Ele estava respirando
com dificuldade, tossindo e engasgando. Mas tudo o que ela
conseguia ver eram seus olhos, brilhantes e vivos, vivo, reluzindo
como esmeraldas contra sua pele imunda. Cada centímetro dele
estava coberto de poeira e sujeira, e Belle pensou que nunca tinha
visto uma visão mais maravilhosa em toda a sua vida.
— Belle — disse ele, sorrindo para ela como se tivesse ganhado
algum tipo de prêmio. — Belle.
Ele a abraçou com força, balançando os dois juntos enquanto
Belle soluçava em seu ombro, um minuto o repreendendo e batendo
em seu peito com raiva por colocar a si mesmo em perigo, e no
próximo passando as mãos sobre ele, implorando para que ele a
assegurasse de que estava ileso.
— Estou bem — disse ele, sorrindo para ela como um tolo. —
Um pouco tostado, e acho que torci o tornozelo, mas nada que não
vá sarar, eu te prometo. Você não vai se livrar de mim tão
facilmente, sabe.
Belle deu uma risada engasgada e se jogou novamente em seu
pescoço, agarrando-o o mais forte que podia. — Se você me
assustar assim de novo, Edward Greyston, eu vou... eu vou...
— Agora você sabe como me sinto — disse ele, seu tom meio
divertido, meio sério. — Então, você nunca mais vai subir uma
escada pelo resto da sua vida — disse ele, sua voz firme. — E eu
prometo ficar longe de celeiros desabando.
— Combinado — disse Belle, com um suspiro, alheia aos
homens ainda lançando baldes de água ao seu redor.
— Vamos lá, querida, não podemos ficar aqui a noite toda,
esses paralelepípedos estão molhados e você está congelando.
Belle se levantou, recusando-se a soltar o braço de Edward e o
apoiando, já que ele estava mancando um pouco.
— Eddie! — Ambos se viraram e viram que era Charlie quem
havia gritado, correndo através da fumaça, balançando o chapéu e
correndo até seu mestre, seu peito estreito ofegando. — Pelas
barba de Merlin — disse ele, ofegante e apoiando os braços nas
pernas para recuperar o fôlego. — Quando... quando vi aquele
prédio desmoronar e disseram que ocê ainda tava dentro...
Caramba, ocê me deu um susto danado.
Edward estendeu a mão e apertou o braço de Charlie. — Cala a
boca, seu diabo bobo, qualquer um pensaria que você se importa.
Charlie deu uma risada e balançou a cabeça. — Eu me importo
que ocê ainda me deve aquelas vinte libra, seu grande bobão —
retrucou ele, mas com tanto carinho nos olhos que o frágil controle
emocional de Belle ameaçou abandoná-la de uma vez por todas.
— Chega disso, homem! — exclamou Edward, embora ainda
estivesse sorrindo. — Nunca conheci um valete mais mal-educado
em todos os meus dias. Maldição, não sei por que o mantenho.
Belle olhou ao redor quando Crecy correu até ela e segurou seu
braço, olhando para Edward com admiração. — Como você é
corajoso, Edward — disse ela, sorrindo amplamente.
Com diversão, Belle notou que Edward parecia desconfortável
sob os elogios. Ele limpou a garganta para evitar responder.
— Sim, bem, já basta de heroísmo do meu marido por uma vida
inteira — respondeu Belle, com voz firme, e ficou aliviada por não
parecer mais que estava prestes a chorar. — Então, aproveite
enquanto pode — acrescentou, olhando com raiva para Edward,
que simplesmente sorriu para ela.
— Alguma ideia de como começou? — perguntou Crecy,
enquanto todos se viravam para olhar para a devastação, aliviados
por ver que pelo menos o incêndio estava sob controle agora.
— Provavelmente alguém fumando perto do celeiro, embora,
diabos, eu disse a eles até ficar rouco — resmungou Edward, agora
parecendo irritado. — Pensei que tivesse deixado claro, mas talvez
não.
— Tem certeza disso, milorde? — perguntou Charlie, com uma
expressão sombria nos olhos. — Foi por pouco que o castelo num
pegou fogo, né? Se a gente num tivesse notado tão rápido, e se ocê
num tivesse pensado em puxá aquele telhado... poderia ter sido
muito pior, é tudo o que tô dizeno. — A voz do homem era tão
ameaçadora que Belle estremeceu.
— Você quer dizer que alguém fez isso de propósito? —
indagou ela, horrorizada com a ideia.
Charlie lançou a Edward um olhar significativo e Belle viu que
ele franziu a testa. — Ele quer dizer meu primo Gabriel, Visconde
Demorte.
Belle sentiu um arrepio, lembrando-se do que Edward havia
contado sobre o ódio obsessivo do homem por ele, as tentativas
anteriores em sua vida.
— Por que as pessoas sempre fazem isso?
Belle, Edward e Charlie olharam ao redor alarmados para Crecy,
que parecia completamente furiosa.
Seus belos olhos cinzentos estavam acesos de raiva. — Assim
que alguém tem uma má reputação, não importa se merecem ou
não, sempre será usado contra eles, não?
Belle fitou Crecy, espantada com seu desabafo.
— Mas, Crecy — disse ela, olhando para sua irmã como se
nunca a tivesse visto antes. — Demorte tentou matar Edward, ele
quase matou o pobre Aubrey quando ele interveio para salvá-lo.
— E você tem provas disso? — exigiu saber Crecy, soltando a
mão de Belle e olhando para Edward, que parecia tão alarmado
quanto Belle estava se sentindo. — Você o viu puxar o gatilho?
— Não — disse Edward, franzindo a testa para Crecy. — Na
verdade, não foi ele quem puxou o gatilho. Mas Aubrey viu Demorte
falar com o homem que fez o disparo contra mim antes de sair do
Almack's. Quem quer que fosse, estava me esperando lá fora.
— Então agora um homem é culpado de tentativa de
assassinato porque falou com um homem que cometeu o crime? —
rebateu ela. Belle respirou fundo, surpresa e chocada com o
desabafo de Crecy.
— Há um pouco mais do que isso — disse Edward, com cuidado
em seu tom, e Belle não conseguiu evitar admirar sua calma quando
tudo o que ela queria fazer era incutir sentido em sua irmã. O que
diabos tinha acontecido com ela?
— Por que você o defende tanto, Crecy? — perguntou Belle. —
O que há entre você e o Visconde Demorte?
Crecy corou, seu belo rosto ficou embaraçado e indignado.
— Nada — disse ela, um pouco rápido demais talvez, e, de
qualquer forma, Belle não podia mais acreditar nela. Crecy estava
guardando segredos por muito tempo. Meu Deus, seria isso?
Demorte tinha algum tipo de domínio sobre ela? Mas como? Como
era possível quando ela quase nunca saía da propriedade? Ela o
teria conhecido em Londres? Era por isso que ela estava tão
ansiosa para sair?
Perguntas giraram na cabeça de Belle até que ela ficasse tonta.
Ela agarrou o braço de Edward enquanto o cansaço a dominava.
— Belle? — disse Edward, seu braço a envolvendo. — Venha.
Vamos todos sair do frio e dessa fumaça terrível. Acho que houve
emoção suficiente para um dia. — Ele voltou sua atenção para
Crecy, que parecia à beira das lágrimas. — Podemos falar sobre
isso mais tarde — disse ele, não de maneira rude, mas com um tom
que sugeria que Crecy teria perguntas a responder.
Belle assentiu, muito cansada para fazer mais perguntas e com
medo demais de ouvir as respostas.
Capítulo 32

“No qual a vida é sempre complicada, mas o amor triunfa, e o futuro


é cheio de promessas.”

De volta à paz e à calma do quarto de Belle, Edward preparou


um banho para eles. Uma vez cheio e impregnando o ambiente com
seus aromas doces e vaporosos, ele insistiu que Belle entrasse
primeiro.
— Venha, meu amor, estou tão sujo que a banheira terá que ser
limpa antes de poder ser usada novamente — disse ele, lavando-se
na bacia para se livrar do pior da sujeira, e apontou para a água
suja.
Belle concordou, muito cansada para discutir, e afundou na água
quente com um suspiro. Assim que ele estava um pouco menos
sujo, Edward veio e acendeu o fogo para garantir que o quarto
estivesse quente o suficiente, e depois ajoelhou-se ao lado da
banheira.
— Está melhor? — perguntou ele, com a voz suave.
— Mmmm — disse Belle, enquanto Edward alcançava o
sabonete e começava a lavar seus ombros. Suas mãos fortes a
acariciavam, trazendo um calor de outro tipo enquanto ela se
inclinava para a frente e fechava os olhos com um suspiro
extasiado.
— Você está preocupada com Crecy — disse ele, enquanto
Belle apoiava a cabeça nos joelhos e olhava para ele.
— Estou sempre preocupada com Crecy — disse ela, com um
sorriso triste. — É o que eu faço.
Ele sorriu de volta e assentiu. — Você acha que ela está...
interessada no meu primo? — perguntou ele com a voz cuidadosa.
Belle fez uma careta. — Eu sei que ela está interessada nele —
respondeu ela, sentindo a ansiedade repuxar seu coração. — Crecy
sempre foi atraída pelo perigo, por coisas que são muito
danificadas, muito além de sua ajuda ou bondade. Mas ela nunca
percebeu isso — acrescentou, sentando-se enquanto Edward
direcionava sua atenção para seus braços, passando suas mãos
quentes e ensaboadas sobre sua pele. — Ela acha que pode salvar
todo mundo, tudo, se apenas tentar. Ela nunca vê o perigo nas
coisas. — Belle inspirou profundamente, esperando que fosse
apenas um interesse e nada mais. — Seu primo seria exatamente o
tipo de homem para fasciná-la. É exatamente o tipo de coisa que
sempre temi, que ela se arruinasse por não considerar as
consequências.
— Vamos lá, querida, você está se precipitando um pouco
rápido demais, não está?
Belle sorriu e deu de ombros. — Espero que sim. Acredito que
seja uma fascinação neste momento. Ela o viu aqui uma vez quando
ele veio visitar, e ficou claro que ele não a reconheceu. Mas ele é
um homem impressionante, de uma maneira bastante aterrorizante.
Ela estava claramente intrigada.
Edward levantou um dos pés dela da água, ensaboando seus
dedos enquanto Belle se contorcia, dividida entre a felicidade e a
necessidade de gritar e dizer a ele para parar de fazer cócegas.
— Ainda assim — acrescentou ela, pausando enquanto Edward
alcançava o outro pé dela. —, não há como ela o ter visto desde
então, já que ela nunca saiu da propriedade.
Edward parou, uma carranca se formando em sua testa.
— O quê? — perguntou Belle.
Ele olhou para ela, parecendo hesitante em responder. — A
propriedade de Gabriel faz fronteira com a minha.
— O quê? — exclamou Belle, sentando-se tão rápido que a
água derramou pelos lados da banheira.
— Calma, amor — repreendeu Edward, empurrando-a
suavemente de volta para a água. — Seria uma longa cavalgada
para chegar até a fronteira de suas terras e voltar em um dia, sem
falar em chegar perto da casa, e isso com pouco ou nenhum tempo
lá. Dificilmente é uma receita para encontros românticos, não é?
— Mas, e se ele saiu para encontrá-la a cavalo? — indagou
Belle, sentindo-se doente de ansiedade agora.
Edward ficou em silêncio por um momento, mas depois
balançou a cabeça. — Não é o estilo do meu primo. Ele não se
esforça por ninguém, nem mesmo por uma beleza como Crecy. E
certamente não no auge do inverno. Direi uma coisa a seu favor, ele
nunca teve interesse em arruinar inocentes. Seu amor por
prostitutas é bem conhecido, infelizmente.
Belle permitiu-se ser um pouco acalmada pela ideia, mas seus
medos permaneceram.
— Ela sai para cavalgar muito, e sempre escapa de seu
cavalariço. Ela fica fora por horas.
Edward se inclinou e a beijou. — Pare de se preocupar —
murmurou ele contra os lábios dela, antes de recuar um pouco. —
Vamos falar com Crecy amanhã e ver o que ela tem a dizer, mas eu
prometo a você, Belle, vamos manter sua irmã segura. Ela faz parte
da família agora, e é meu dever protegê-la como protegeria minha
própria irmã.
Olhando para os sérios olhos verdes de Edward, Belle só
poderia se sentir tranquilizada. Ela sorriu para ele, estendendo uma
mão molhada para agarrar sua camisa e puxá-lo para mais perto.
Belle pressionou os lábios contra os dele em um beijo lento e
prolongado.
— Você é realmente muito maravilhoso, sabia? — disse ela
quando o soltou, divertida e comovida pelo prazer em seus olhos
diante de suas palavras.
— Eu te amo — disse ele, com a voz um pouco rouca.
Belle inspirou, incapaz de responder com mais eloquência do
que um pequeno e surpreso “oh” de surpresa.
— Você nunca disse isso antes — sussurrou ela, seus medos
pela irmã temporariamente esquecidos à luz de sua própria alegria.
— Porque eu sou um maldito tolo — disse ele com um grunhido.
Edward balançou a cabeça e se aproximou, atraindo-a para perto
dele até onde as laterais da banheira de cobre permitiam. — Eu te
amo, e se eu tivesse um pingo de juízo, teria dito isso meses atrás.
Como você tem me suportado todo esse tempo quando eu
estava...?
Belle pressionou um dedo nos lábios dele para detê-lo. — Não,
Edward. Não foi nenhum sacrifício, eu te prometo. Só me machuca
te ver tão perturbado quando não posso fazer nada para te ajudar.
— Nada para...? — começou Edward, olhando para ela com
tanta incredulidade que ela se perguntou o que havia dito de errado.
— Você enlouqueceu, querida? É isso que eu te causei? — Belle
franziu a testa, confusa com o tom provocador de sua voz. — Você
fez mais para me ajudar e jamais saberá o quanto — sussurrou ele.
— Você me fez querer viver novamente, construir uma vida para nós
dois, para fazer você feliz.
Belle sorriu para ele como uma tola, tão irremediavelmente
apaixonada pelo homem que não havia palavras para expressar
isso. Nada, exceto: — Eu estou feliz, Edward. Mais do que eu
jamais ousei sonhar. Eu te amo.
— Venha cá — disse ele, sua voz rouca e impaciente agora
enquanto a erguia, a água escorrendo pelo corpo dela enquanto a
puxava contra ele, sem se importar com suas próprias roupas. —
Você vai me aceitar mesmo estando tão sujo? — perguntou ele,
acariciando o rosto dela com uma mão áspera.
— Oh, sim, como é adorável. — Belle suspirou, olhando para
cima para ele de baixo de seus cílios.
Edward soltou uma risada de diversão. — Assim, é? — disse
ele, sua voz ressoando de diversão e desejo. — Não posso deixar
de notar que minha esposa tem uma natureza bastante perversa e
lasciva.
— Talvez — respondeu Belle, com um rosto que parecia a
imagem da inocência. — Mas só por você, Edward.
— Com certeza — murmurou o marido, soltando-a por tempo
suficiente para tirar suas próprias roupas. Ele sorriu ao olhar para
cima, percebendo a expressão em seus olhos, e Belle não fez nada
para esconder sua óbvia admiração. — Você virá me assistir lutar,
então? — perguntou ele, um brilho provocador nos olhos.
— Oh, Edward! — exclamou Belle, enquanto Edward ria de sua
empolgação. — Você não se importaria?
Edward deu um passo à frente e a levantou da banheira e para
seus braços, olhando para ela com diversão. — Bem, se eu não
deixar, você só me assustará até a morte e causará um terrível
escândalo subindo uma escada frágil para olhar pela janela ou algo
igualmente horrível. — Ele soltou uma risadinha ao ver a expressão
envergonhada em seu rosto. — Ah, sim, amor, eu te conheço o
suficiente agora. Além disso — acrescentou, abaixando a cabeça
para beijá-la antes de deitá-la na cama —, eu gosto quando você
me observa.
— Você gosta? — perguntou ela, enquanto ele se acomodava
ao lado dela, sorrindo e trilhando um caminho de beijos até o
pescoço dela.
— Mmmhmm — respondeu ele, ocupado demais em roçar a
curva suave de seu seio para formar uma resposta.
— Fico feliz. Porque sim, eu encontraria um jeito de te observar,
não importa o que você dissesse.
Belle deu um gritinho quando ele beliscou sua pele.
— Eu sei, sua safadinha — disse ele, embora seus olhos
estivessem iluminados de humor enquanto ele continuava seu
caminho, traçando desenhos sobre sua barriga com a língua até que
ela estivesse sem fôlego. Ela desistiu de respirar completamente,
prendendo o fôlego enquanto ele afastava os pequenos cachos
entre suas pernas e percorria sua parte mais íntima com a língua.
Ele olhou para ela então, seus olhos verdes escuros e
carregados de desejo. — Mostre-me o quão maliciosa você pode
ser, amor — disse ele, sua voz uma carícia enquanto abaixava a
cabeça mais uma vez.
Belle ficou mais do que feliz em concordar, não sentindo
nenhuma vergonha em permitir que Edward a satisfizesse. Ela se
arqueou contra ele, abrindo as pernas para que ele pudesse fazê-lo
tão minuciosamente quanto desejasse, o que, como se constatou,
era muito minuciosamente mesmo.
As preocupações e o estresse do dia desapareceram diante de
sua língua habilidosa, e o mundo encolheu e se contraiu até que ela
só estava ciente do toque da boca de seu marido em sua pele.
Belle segurou nos lençóis, contorcendo-se sob ele, ofegante e
gemendo com abandono luxurioso à medida que o pico brilhante se
aproximava. Ela chegou ao ápice com um grito de prazer, se
desfazendo sob ele enquanto ele continuava seu ataque íntimo em
seus sentidos, até extrair cada última exclamação de prazer dela.
Ele não lhe deu tempo para recuperar o fôlego, movendo-se
sobre ela com algo próximo do desespero ao encontrar seu lugar,
unindo-os com uma única estocada rápida.
— Ah, Belle — disse ele, seus ombros tensos enquanto Belle o
acariciava, deliciando-se com o jogo de músculos sob suas mãos
enquanto ele se movia. — Oh, querida, você parece o paraíso.
Belle respondeu da mesma forma, murmurando incentivos e
carinhos até que a capacidade de formar palavras foi arrancada de
ambos, seus corpos muito entrelaçados na busca pelo prazer para
permitir espaço para o pensamento. Não havia nada além de
sensação, a sensação de pele contra pele, lábios falando mais
eloquentemente do que as palavras poderiam fazer agora, e ambos
sabendo que, sob tudo isso, eram amados.
Agarrando-se às suas costas poderosas, Belle segurou com
força enquanto Edward gritava, mantendo-a tão junta a ele que ela
não podia fazer nada além de cavalgar nas ondas em seus braços,
regozijando-se em seu êxtase tanto quanto no seu próprio.
Bem mais tarde, eles estavam deitados juntos observando as
brasas do fogo morrerem na escuridão, quentes e aconchegados
nos braços um do outro. Ambos estavam sonolentos, mas muito
felizes para deixar a companhia um do outro, mesmo para fechar os
olhos.
A cabeça de Edward estava apoiada em seu peito, um braço e
uma perna jogados sobre ela, prendendo-a ao colchão. Ele era
pesado e ela não conseguia se mover, mesmo que tentasse, e era
maravilhoso.
— Edward — disse Belle, a trepidação sobre o que ela ia dizer a
mantendo totalmente acordada.
— Mmm — murmurou Edward, sua voz sonolenta e quente
enquanto ela brincava com seu cabelo, acariciando-o e não se
importando que ele ainda estivesse empoeirado, já que seu banho
havia sido completamente esquecido. Ele cheirava fortemente a
fumaça e fuligem e masculinidade trabalhadora, e ela decidiu soltar
as palavras antes que se distraísse demais com outras ideias.
— Tenho que te contar algo.
Houve uma pausa e, então, Edward ergueu a cabeça,
claramente alerta ao tom sério de sua voz.
— O que é, querida? — Ela pôde ouvir a preocupação em sua
voz.
Respirando fundo, ela decidiu que não havia sentido em
procrastinar. — Estou grávida.
Por um momento, houve um silêncio tão profundo que tudo o
que Belle podia ouvir era seu próprio coração batendo em seus
ouvidos.
— Edward? — disse ela, quando a ansiedade tomou conta dela.
— Diga alguma coisa, por favor.
Ela podia ouvi-lo respirando, e não era mais o som sonolento e
relaxado que tinha sido momentos atrás.
— Edward, estou saudável e forte, não há motivo para se
preocupar exageradamente.
Ele soltou o ar e virou de costas, puxando-a consigo. — Eu sei
— disse ele, com a voz calma. — Mas eu vou. Não vou conseguir
evitar. Eu não posso te perder, Belle. Eu não posso...
Sua voz vacilou e ele não disse mais nada por um momento.
— Edward, eu vou me cuidar bem — disse ela, procurando por
sua mão sob os cobertores e segurando-a firme. — Vou fazer tudo o
que me mandarem, você tem minha palavra. Não vou correr riscos,
eu te prometo.
Ela levantou a cabeça enquanto ele buscava a boca dela na
escuridão. — Eu sei disso, amor — sussurrou ele contra sua boca
ao soltá-la. — E eu ainda estou aterrorizado, mas... oh, Belle, uma
criança. Como é maravilhoso.
Belle deu uma risada encantada, dividida entre um profundo
alívio e uma alegria tão grande que poderia facilmente ter chorado.
— Você está realmente, verdadeiramente feliz? — perguntou ela.
— Estou — disse ele, com a voz calorosa, firme e cheia de amor
enquanto a puxava para mais perto. — Mais feliz do que eu achava
possível, graças a você, Belle. Meu amor.
Fim
Para uma prévia da história de Crecy, continue lendo!

Domando um Coração Selvagem


Patifes & Cavalheiros Livro 7

Lucretia “Crecy” Holbrook tem um segredo, um segredo que


manteve por muitos anos. Mesmo sua confidente mais querida e
irmã, Belle, não entenderia o que Crecy está disposta a fazer, os
riscos que está disposta a correr, para conseguir o desejo de seu
coração.
Isso porque Crecy não é como as outras debutantes sorridentes;
ela despreza poesia, acha dançar uma chatice e está totalmente
disposta a atirar algo no próximo tolo que a comparar com Afrodite.
Muito mais propensa a voltar de um passeio no campo com o
crânio de um texugo e alguma criatura sangrenta e ferida do que um
buquê de flores silvestres, Crecy é atraída pelo sombrio, pelo
danificado e pelo indesejado.
Seu coração anseia por apenas um homem, um com uma alma
ferida, um tão terrivelmente danificado que até mesmo seus ternos
cuidados podem não ser suficientes para salvá-lo.
Visconde Demorte é tudo o que ela sonha.
Com uma reputação que abrange chantagem, assassinato e
loucura, o cruel e belo Lorde Gabriel Greyston, Visconde Demorte, é
muito mais perigoso do que qualquer cão ferido, e sua mordida...
talvez possa deixar Crecy arruinada além de qualquer reparo.
Grátis para ler no Kindle Unlimited.
Domando um Coração Selvagem
Prólogo

“No qual Lucretia Holbrook, jovem ainda, força uma amizade e


desafia o destino.”

17 de abril de 1809.

Com doze anos de idade, havia poucas coisas no mundo que


Lucretia “Crecy” Holbrook tivesse mais dificuldades de suportar do
que uma festa de adultos.
Ela escapou assim que pôde, deixando sua irmã mais velha,
Belle, para ser a bem-comportada, e se infiltrou na sala onde um
buffet extravagante havia sido disposto. Lá, ela escolheu o melhor
de tudo o que pôde encontrar com dois dedos levemente sujos e
terminou com uma variedade de bolos de creme. Dois deles foram
devorados na hora, outro foi cuidadosamente envolvido em um
lenço e escondido no bolso cada vez mais pegajoso sob suas saias
volumosas para mais tarde.
Crecy também bisbilhotou várias conversas. A maioria delas
parecia tratar das últimas fofocas sobre um Visconde Demorte. As
vozes que falavam sobre ele soavam alternadamente irritadas,
enojadas, intrigadas ou completamente escandalizadas. Uma coisa,
no entanto, parecia unir todas essas vozes sussurrantes.
— Ele é louco, é claro.
Crecy observou com interesse uma mulher excessivamente
maquiada em um vestido assustadoramente laranja. Estava quente
lá dentro, já que o sol da primavera brilhava sobre os convidados, e
a maquiagem dela estava começando a escorrer. Crecy estreitou os
olhos, fazendo sua visão embaçar, e viu o rosto da mulher distorcer,
as cores se misturando e parecendo bastante monstruosas.
— Sem dúvida — assentiu sua companheira, com os olhos
brilhando com um estranho prazer que Crecy não conseguiu
entender completamente. Se falavam de um louco, por que
pareciam cães salivando por um osso? E como sabiam que ele era
louco?
Ela poderia ser jovem, mas Crecy já havia formado a opinião de
que a alta sociedade era uma espécie de loucura, todos
concordando e falando de nada enquanto o que realmente
pensavam era escondido por trás de uma expressão vidrada de
placidez. Ela suspeitava que o que a sociedade via como loucura
era apenas uma espécie de honestidade franca que os outros não
apreciavam nem entendiam, ou talvez até tivessem medo. Na pior
das hipóteses, ela achava provável que eles simplesmente não
entendessem nada e não tivessem nenhum desejo de entender.
Ser educada era uma habilidade que ela ainda não havia
aprendido a cultivar, para grande angústia de Belle. Mas Crecy
achava o mundo desconcertante e não conseguia entender por que
as pessoas não viam as coisas como ela via.
Por que, por exemplo, aquela mulher havia gritado e desmaiado
quando Crecy mostrou para ela o rabo daquele lagarto morto?
Crecy tinha achado aquilo uma coisa fascinante. O gato estava
atormentando o lagarto e quase o tinha comido, mas o lagarto havia
escapado, distraindo o gato com seu rabo ainda se mexendo, que
ele deixou para trás. O rabo havia se mexido por muito tempo
depois, mesmo sem ninguém para movê-lo. Mas quando Crecy
explicou, todos a olharam como se ela estivesse louca.
Foi nesse momento que ela achou prudente desaparecer.
Agora, porém, ela queria ver o louco e ver o que achava dele. Ela
suspeitava que ia gostar muito dele.
Levou um bom tempo para encontrá-lo, mas ela sentiu que seus
instintos estavam corretos, pois ele também havia escapado da
multidão e ido se sentar, sozinho, contemplando um lago bastante
bonito. Havia flores da primavera por toda parte, narcisos
balançando suas cabeças alegres e um céu tão azul; isso a lembrou
do manto de Maria no vitral da igreja que elas visitavam.
Ela observou suas costas por um tempo, admirando seu cabelo
longo e amarrado frouxamente com uma fita preta de veludo, que
ameaçava cair, já que estava quase soltando. Seu cabelo estava
bagunçado, na verdade, como se ele tivesse passado as mãos por
ele, e era tão preto que possuía um brilho azul, como a pena de um
corvo.
— Você tem um cabelo adorável — disse ela para a parte de
trás da cabeça dele, enquanto descia cuidadosamente pela margem
onde ele estava sentado.
A cabeça escura virou para olhar para ela, e um par de olhos
intensos e brilhantes momentaneamente a assustou. De repente, o
céu não parecia mais tão azul, em comparação.
— Parece a pena de um corvo — acrescentou ela, agitando uma
mão em direção ao cabelo dele para ilustrar.
Sobrancelhas escuras e pesadas que combinavam com seu
cabelo se juntaram, e ele olhou para longe novamente. No entanto,
Crecy não foi desencorajada por isso. Ela gostava de ficar em
silêncio às vezes, então a falta de resposta dele não a incomodou.
Ela se sentou ao lado dele e tirou o bolo de creme. Estava um
pouco derretido, e seu lenço estava meio sujo, mas mesmo assim
tratava-se de um bolo de creme. Ela começou a comê-lo, tentando
com dificuldade dar pequenas e delicadas mordidas, lembrando-se
da recente repreensão de sua irmã sobre suas maneiras à mesa.
Ela lhe lançou um olhar de soslaio. Ele era um homem jovem,
embora bem mais velho do que ela, e tinha uma expressão bastante
ameaçadora. Seus ombros estavam curvados e sua carranca era
sombria e zangada.
— Estão todos falando sobre você lá dentro — disse ela,
imaginando se isso era o que o deixava zangado; ela não o culpava
se fosse. Crecy também odiava quando as pessoas falavam sobre
ela. Lambendo cada um de seus dedos, agora que o bolo de creme
havia acabado, Crecy se levantou e se aproximou um pouco mais
da beira do lago para enxaguar as mãos e lavar o lenço.
— Você vai cair — observou ele, soando como se não se
importasse muito se isso acontecesse.
— Provavelmente — concordou ela, sorrindo para ele. Ela
agachou-se, sem se importar com suas saias na sujeira. Inclinando-
se um pouco mais para a frente, ela enxaguou seu lenço e o torceu
novamente. Levantando-se, ela foi virar, mas escorregou na lama e
começou a perder o equilíbrio, com os braços rodopiando. Com um
grito surpreso, ela teve um pensamento passageiro de que Belle a
mataria por isso, quando uma mão forte agarrou seu braço e a
puxou para frente, fazendo-a cair de joelhos.
— Obrigada — ofegou ela, olhando para cima, através dos
cachos loiros que haviam caído em seu rosto, para o rapaz que a
havia salvado. Ele lhe lançou um olhar sombrio, carregado de
irritação, e não disse nada.
Crecy voltou correndo para o lugar ao lado dele, estendendo
com cuidado o seu lenço no gramado para secar.
— Você não tem algum lugar para ir? — quis saber ele, e ela
sorriu ao ouvir o som de sua voz. Era uma boa voz, profunda e
profunda e rica. Embora soasse bastante aborrecida.
— Não — disse ela, inclinando-se para trás sobre as mãos e
inclinando a cabeça para o sol. — Você tem?
Houve um grunhido antes que ele respondesse. — Não. — A
palavra foi curta e abrupta.
— Por que eles acham que você é louco? — perguntou ela,
olhando ao redor para ele. — Você me parece bem.
Ele refletiu sobre isso, e se ela fosse uma garota diferente,
talvez tivesse recuado com a expressão em seus olhos.
— Isso — disse ele, soando como se a quisesse no inferno — é
porque você é uma tolinha de cabeça vazia. Agora, corra de volta
para sua mãe e me deixe em paz.
— Minha mãe está morta — disse ela, como sempre direta.
— Suponho que você ache que eu deveria me arrepender das
minhas palavras e sentir pena de você agora — disse ele,
zombando dela. — Devo dizer que também sinto muito?
Crecy franziu o cenho para ele. — Não, por que você deveria?
— respondeu ela, sentando-se e olhando para ele, sua expressão
igualmente intensa. — Você não me conhece, nunca conheceu
minha mãe, então, por que se importaria? Você não é do tipo que se
importa com alguém a menos que os conheça, não é?
Ele a encarou, sua expressão um pouco perplexa, mas isso não
era algo a que Crecy não estivesse acostumada. — Não me importo
com ninguém — disse ele, após uma pequena pausa.
Ela assentiu, puxando os joelhos até o peito e apoiando o
queixo neles. — Eu entendo isso. É difícil gostar das pessoas.
Prefiro os animais. Bem, exceto Belle, é claro, ela é minha irmã.
Ela foi recompensada com outro grunhido, este um pouco
desgostoso e, ela suspeitava, um tanto incrédulo. No entanto, ela
tinha falado a verdade. Seu pai era um tolo bêbado, sua única outra
parente era uma tia vulgar, e ela sempre achou impossível fazer
amizade com meninas da sua idade. Elas eram tão... entediantes.
— Está tudo bem, sabe? Eu também não tenho amigos — disse
ela, perguntando-se se o fato o incomodava, já que ele parecia
terrivelmente solitário ali fora. — Podemos ser amigos, se quiser. —
acrescentou, animando-se com a ideia. — Assim, nós dois temos a
certeza de que há pelo menos uma pessoa no mundo que pensa
bem de nós.
Ele refletiu sobre isso, com os olhos azuis indignados. — Você é
uma criança irritante, e eu não sou e nunca serei seu amigo. Vá
embora, pelo amor de Deus.
Crecy aceitou isso sem qualquer sentimento de mágoa. Ela
havia domesticado uma raposa uma vez, quando ainda moravam no
campo. Ela estava ferida e não podia mais caçar, e a fome a tornou
desesperada o suficiente para se aproximar dela e aceitar a comida
que ela oferecia. Ela quase tinha sido mordida uma dúzia de vezes
ou mais antes que a criatura a deixasse acariciar sua cabeça.
— Bem, tudo bem, então. Serei sua amiga, pelo menos. Você
não pode me impedir, sabe — acrescentou ela, com um sorriso
simpático, como se soubesse muito bem que suas palavras apenas
o irritariam ainda mais.
— Ah, meu Deus — murmurou ele, soando como se qualquer
pequena quantidade de paciência que ele pudesse ter tido estivesse
desaparecendo rapidamente.
Eles ficaram em silêncio por um tempo, e ela o observava de
vez em quando, maravilhada com a raiva que podia ver nos olhos
azul-escuros dele enquanto ele olhava fixamente, sem ver, sobre a
água.
— Quando é o seu aniversário? — perguntou ela, um pouco
depois.
Ele deu um pulo e ela percebeu que ele tinha esquecido que ela
estava ali, perdido em seus pensamentos como estava. O jovem a
encarou, incrédulo, e por um momento, ela pensou que ele não
responderia, e, então, ele franziu a testa.
— Hoje.
— Ah! — exclamou ela, ajoelhando-se e olhando para ele. —
Você recebeu algum presente?
Ele abriu a boca, olhando para ela antes de dar um resmungo
de descrença. — Sou considerado uma criatura malvada e
implacável, de coração negro e louca. Então, não, eu não recebi.
— Estão certos em pensar assim de você? — perguntou ela,
inclinando um pouco a cabeça enquanto tentava ver qualquer sinal
de loucura nele. Ele estava zangado, com certeza, e ela suspeitava
que ele fosse geralmente mal-humorado, mas, para falar a verdade,
criaturas em sofrimento geralmente eram.
— Sim — rosnou ele de volta para ela, os olhos estreitos e
intensos.
Crecy assentiu. — Bem, ainda é o seu aniversário, você deveria
ganhar pelo menos um presente de sua amiga. — Completamente
imperturbável diante da raiva dele, ela remexeu no bolso e tirou uma
bela pena. Tinha listras azuis e pretas, e era a coisa mais
encantadora que Crecy já tinha visto.
— Aqui — disse ela, estendendo-a para ele. — Feliz aniversário.
Sua expressão estava inescrutável agora, e ela se perguntou se
ele perderia completamente a paciência, mas ele não disse nada. —
Não é bonita? — Ela torceu a pena entre os dedos para que as
cores capturassem a luz do sol. — Mas não é tão azul quanto seus
olhos — acrescentou, sorrindo para ele.
Aqueles olhos reviraram, parecendo revoltados. — É uma pena
de gaio — disse ele, as palavras um pouco relutantes, mas depois
acrescentou com prazer — Garrulus glandarius. São aves
desagradáveis e vis que roubam os filhotes de ninhos de outras
aves.
Crecy deu de ombros, impassível. — Bem, eles têm que se
alimentar — disse ela, ganhando um olhar de surpresa. —
Certamente são barulhentos, sempre gritando e com uma aparência
feroz, é isso que significa Garrulus, não é? Mas eles me parecem
tímidos.
Ela olhou para cima quando uma voz ligeiramente desesperada
chamou seu nome, ecoando pelos jardins.
— Eu tenho que ir — disse ela, com pesar. —, mas pegue seu
presente primeiro.
Ele a encarou, mas não se moveu, e ela fez um som de
reprovação. — Eu não vou embora até que você pegue.
Com um resmungo de irritação, ele arrancou a pena da mão
dela e ela sorriu para ele.
— Vou escrever para você — disse ela, alisando suas saias e
vendo a lama na barra com o coração apertado; Belle ficaria
zangada. Percebendo que era uma causa perdida, ela olhou para
cima novamente. — Já que você é meu amigo agora — acrescentou
com um tom que não admitia argumentos. —, no próximo ano vou
lhe enviar um presente também.
— Ah, pelo amor de Deus, por favor, não faça isso — retrucou
ele. — Vou tacar todas as cartas direto no fogo sem olhar para elas
— rosnou, suas palavras duras.
Crecy o encarou, considerando. — Não, você não vai — disse
ela, e seus olhos se arregalaram para ela.
Belle falou novamente, soando um pouco histérica agora.
— Adeus — disse ela, pegando seu lenço ainda encharcado e
se afastando, e depois parou quando viu que a fita de veludo preto
que tinha prendido o cabelo dele tinha caído no chão. Com um
sorriso, ela a pegou, segurando-a com força em uma mão enquanto
corria, segurando suas saias sujas até os joelhos com a outra
enquanto ia embora.

Capítulo 1
“No qual... um convite para Longwold.”
6 de dezembro de 1817.
Dia de São Nicolau.

Visconde Demorte
Damerel House
Gloucestershire

Meu querido amigo,


Serei sua vizinha!
Não há necessidade de desespero, no entanto, é apenas por
alguns dias, eu lhe asseguro. Por algum golpe de sorte (ou azar,
dependendo do seu ponto de vista), Belle conseguiu um convite
para nós participarmos da festa de Natal na casa do Marquês de
Winterbourne.
Sei que essa notícia o aborrecerá, já que seu primo claramente
não é um homem por quem você nutra qualquer afeição, se o que
leio nas fofocas for verdade. Será que você é realmente tão
perverso quanto eles insinuam? Gostaria que você me contasse um
dia. Agora você já sabe que não acredito que seja louco, embora eu
suspeite fortemente que você não retribuiria o elogio a mim, e,
talvez, você esteja correto, afinal de contas.
Sinceramente, eu não sei.
Será que iremos nos encontrar finalmente este ano, já que sua
propriedade fica tão perto? Pretendo montar a cavalo e invadir sua
propriedade se tiver oportunidade, sabe. Rogo que não atire em
mim!
Perguntarei, como faço a cada Natal, que você recompense
minha amizade leal respondendo a esta carta. Apenas uma
respostazinha significaria muito para mim. No entanto, após quase
oito anos de silêncio, sei que você não o fará; estranhamente, nem
mesmo para exigir que eu pare de escrever (sim, estou sorrindo um
pouco com um ar de superioridade aqui), então não imagine que
vou passar o feriado com o coração partido, pois não vou. Não
mesmo. Passarei muito bem, desde que possa escapar das festas
mortalmente entediantes (sei que você sentiria o mesmo a respeito
disso) e preencher meu tempo caçando fantasmas. Um lugar como
Longwold deve estar cheio deles, certo?
Existem fantasmas em Damerel? Um dia eu mesma vou
descobrir.
Sua amiga, etc.
Senhorita Lucretia Holbrook
***
— Como é impressionante! — exclamou Crecy, sua excitação
aumentando à medida que o enorme e expansivo castelo aparecia.
Um frágil raio de sol cintilava sobre a paisagem gelada, uma fina
névoa envolvendo o chão e evocando todas as novelas góticas que
ela já havia lido. — Fico imaginando quantos fantasmas deve haver
aqui.
Sua irmã mais velha, Belle, lançou-lhe um olhar indulgente e
balançou a cabeça. Por mais que tentasse, Belle nunca conseguia
entender as coisas que despertavam o interesse de Crecy, mas ao
menos não a desprezava por isso como a maioria das pessoas
fazia. Crecy tentou lembrar-se de que deveria fazer o possível para
controlar a língua desta vez. Belle precisava de um marido, e esta
era a melhor oportunidade delas. Se ela se casasse bem, poderiam
escapar da terrível tia e viver com conforto. Ela só podia rezar para
que Belle se apaixonasse de fato por um bom homem que
reconhecesse seu valor.
— Fico imaginando quanto vale um homem como o marquês —
murmurou a mesma tia terrível.
Crecy olhou para Belle e viu a expressão horrorizada de sua
irmã refletida nela. Oh, céus, se ao menos elas não precisassem de
uma acompanhante. Ela reprimiu um resmungo de indignação. A
ideia de que tia Grimble as manteria no caminho certo e longe do
pecado era risível. O primeiro homem rico a lhes oferecer para ser
seu protetor, e ela bem sabia que a mulher estaria radiante de
alegria e as instigaria a aceitar.
Não que a ideia fosse tão preocupante para Crecy quanto talvez
devesse ser. Ela sabia muito bem que o Visconde Demorte jamais
se casaria.
Era estranho como sua infantil oferta de amizade, que havia sido
rejeitada toda vez, havia se transformado em algo muito mais sério,
pelo menos de seu lado. Ela tinha acompanhado as notícias sobre
ele o quanto pôde, devorando as fofocas em busca de qualquer
pedacinho de informação. Isso se tornou mais fácil depois que se
mudaram para a casa da tia Grimble após a morte de seu pai. A
mulher vivia e respirava escândalos, e por essa única razão, Crecy
achava que poderia aguentar a mulher miserável sem jogar coisas
nela. Tia Grimble parecia conhecer todos na alta sociedade londrina,
assim como todos os seus segredos obscuros, e ninguém tinha
segredos mais sombrios do que Lorde Gabriel Greyston, Visconde
Demorte.
Crecy ocasionalmente avistava-o quando ele estava na cidade,
e nos últimos anos seus sentimentos haviam se tornado mais
complexos. Sua oferta de amizade a uma criatura que ela sentia ser
tão solitária e mal compreendida quanto ela era genuína, e Crecy se
mantinha fiel a ela. Ela lhe enviava cartas uma vez por mês apenas,
apesar de desejar fazê-lo com mais frequência, pois vivia com o
medo de entediá-lo, e lhe enviava um presente de aniversário todos
os anos no dia dezoito de abril. Crecy sabia que isso era
completamente inadequado e terrivelmente escandaloso, mas não
se importava muito. Afinal, ela nunca comprava os presentes,
apenas enviava coisas tão estranhas que apelavam para sua
própria curiosidade, e ocasionalmente um pequeno desenho ou
pintura se ela fazia algo que sentia que não envergonharia seus
escassos talentos.
De uma maneira estranha, ele havia se tornado uma espécie de
confidente, embora nunca tivesse respondido uma única vez e ela
não soubesse se ele sequer lia suas cartas, ou se as jogava não
abertas no fogo, como ele havia prometido. No entanto, ele era
alguém para quem ela só falava a verdade completa, e não tentava
esconder os caprichos de sua própria natureza. Se isso lhe tivesse
causado repulsa, ela não tinha como saber, mas seus instintos lhe
diziam que não. Ela esperava que ele ao menos estivesse um pouco
curioso sobre ela.
De fato, ela era uma criatura curiosa, afinal, e sempre se sentia
deslocada e estranha entre os outros. Pela milésima vez, ela
desejou ter nascido homem, embora isso tornasse seus sentimentos
cada vez mais complexos em relação a Demorte ainda mais
desconfortáveis. Crecy sufocou um riso, fingindo tossir enquanto
Belle a olhava com curiosidade.
— Você está resfriada? — perguntou Belle, seus olhos cheios
de preocupação.
Crecy sacudiu a cabeça e assegurou à sua irmã que estava
muito bem enquanto a imponente fachada do castelo se
aproximava. Se ela fosse um homem, poderia ter viajado, poderia
ter se tornado uma médica de animais ou uma cientista. Ninguém a
teria achado estranha ou mórbida por querer desenhar um esquilo
em decomposição ou ter fascinação pela complexa estrutura de
ossos, pele e tendões. No entanto, eles a achavam, e ela vivia com
medo do próximo momento em que abriria a boca e veria a
expressão horrorizada de sua irmã, quando ela percebesse tarde
demais que tinha sido completamente inadequada.
Novamente.
Crecy suspirou e afastou tais pensamentos. Longwold se
aproximava cada vez mais e era tão ampla e sombria quanto ela
havia imaginado. Os dias de conversa inconsequente que estavam
por vir poderiam ser um pouco assustadores de suportar, mas
buscar os segredos e fantasmas do castelo e cavalgar para explorar
a propriedade do Lorde Demorte, talvez até ver e falar com ele...
essa era uma tentação à qual ela tinha toda a intenção de ceder.
***
Crecy fez uma careta para a neve sob seus pés. Era tão
impressionante em sua pureza brilhante, enquanto o sol de inverno
brilhava sobre ela, que seus olhos lacrimejaram. Ela olhou para
cima, concentrando-se em um céu azul vívido e nas paredes
ameaçadoras do castelo. Belle avançava atrás dela, lutando para
acompanhá-la.
Não foi surpresa que Crecy estivesse em desgraça, mais uma
vez, como de costume. Apesar de ter sido tolice andar sozinha com
Lorde Lancaster, ela sabia disso, de verdade. Mas ela estava
entediada até a morte, e a ideia de sair e descobrir a ossada da
cobra que ele prometera mostrar a ela era um incentivo muito
grande. Além disso, a ideia de que ele parecia compartilhar sua
curiosidade era tentadora. Agora ela podia ver que não passara de
uma artimanha para ficar sozinho com ela e beijá-la – o que ele fez,
para seu desgosto. Ela teve a satisfação de empurrá-lo com tanta
força que ele caiu na neve, ao menos, e, graças aos céus, Belle
chegou. Ainda assim, a decepção persistia. Além disso, Belle nem
mesmo a deixaria levar a ossada de volta com ela, então tinha sido
uma completa perda de tempo. Era algo lindo, também, tão perfeito
e delicado que ela havia ficado com medo de tocá-lo, mas até Belle
tinha feito uma careta e estremecido. Belle, que tentava tanto
entender sua irmã estranha e irritante.
Crecy suspirou com remorso. Se apenas pudesse ser uma
mulher comum, então Belle não se preocuparia tanto com ela. Belle
já tinha preocupações suficientes com sua própria situação sem que
Crecy a tornasse pior. Ela decidiu duas coisas enquanto caminhava:
em primeiro lugar, se esforçaria muito mais para não envergonhar
sua pobre irmã e dar motivo para preocupações, e, em segundo
lugar, mesmo que isso a destruísse, encontraria uma oportunidade
para cavalgar sozinha e chegar pelo menos às fronteiras de
Damerel.
Se havia alguma disparidade entre essas duas promessas,
Crecy se recusava a ver.
Ela estava tão absorta em seus pensamentos que a princípio
não notou a figura imponente de um homem avançando em direção
à sua carruagem esperando. Ela olhou para a carruagem negra
brilhante e seus cavalos igualmente elegantes; quatro criaturas
orgulhosas e negras, balançando as cabeças com impaciência. O
brasão no porta era branco, ouro, azul e preto, e Crecy sentiu o
coração acelerar.
O brasão de armas era inconfundível: dois corvos pretos,
perfurados no pescoço por uma flecha.
Ela virou a cabeça bruscamente, e pela primeira vez desde
aquele dia junto ao rio, ela encontrou os olhos frios e azuis do
Visconde Demorte.
A respiração de Crecy prendeu na garganta, e ela congelou sob
o poder do olhar dele, simplesmente encarando-o de volta, sem
piscar. Seu cabelo era tão preto como ela lembrava, ainda comprido
de uma forma desatualizada e amarrado com uma fita preta no
estilo do século passado. Suas sobrancelhas eram duras e
inflexíveis ao se unirem, obviamente surpreendido pela audácia dela
em olhar diretamente para ele. Ela sabia que ele seria muito mais
alto do que ela, embora ainda estivesse a alguma distância, mas o
tamanho dele a fez estremecer internamente com um arrepio de
desejo. Era uma sensação ardente e intensa, ameaçando consumi-
la de dentro para fora.
Ele parou também, respondendo o olhar franco dela com um
olhar próprio.
Ele talvez não fosse um homem bonito no sentido convencional,
pelo menos. Seus traços eram duros demais; seus olhos, embora de
um azul profundo e impressionante, eram frios e ameaçadores, mas,
oh, meu Deus, Crecy pensou enquanto sua boca ficava seca... ele
era magnífico.
Ela tinha uma vaga percepção de Belle apressando-se ao seu
lado e segurando seu braço, mas Crecy estava tão enfeitiçada pelo
visconde que não conseguia desviar o olhar.
— Olá — disse ela, com a voz baixa, ofegante e íntima demais.
Aquelas sobrancelhas escuras se uniram ainda mais, e embora
sua expressão fosse ríspida e desdenhosa, ela viu curiosidade em
seus olhos.
— Estou em desvantagem, senhora — disse ele, sua voz cheia
de desdém.
Belle puxou o braço dela, arrastando-a à força em direção às
portas do castelo. — Perdoe-nos, senhor — disse ela, enquanto
dava a Crecy um beliscão que a fez arfar. — Não queríamos
incomodá-lo.
Crecy se afastou, ciente de que não podia revelar sua
identidade para ele na frente de Belle, mas virou a cabeça mesmo
assim, querendo absorver a visão dele pelo máximo de tempo
possível. Ele devolveu o olhar, observando-a com uma intensidade
em seus olhos escuros que fez o coração dela bater forte e rápido
contra sua caixa torácica como uma borboleta batendo numa janela.
Ele se virou enquanto elas entravam no castelo, adentrando em
sua carruagem e partindo, mas Crecy o tinha visto. Ela tinha olhado
nos olhos dele e visto tudo que ela havia sonhado e ansiado. Paixão
e perigo e uma alma tão escura e ferida que exigiria tudo o que ela
tinha para consertá-lo, e, ainda assim, ela poderia falhar. Ele era
tudo o que ela deveria temer e fugir, e, no entanto, tudo o que ela
sentia era alegria. Visconde Demorte era o único homem que já
provocara sentimentos tão intensos nela, e ela não os deixaria
repousar sem serem ouvidos.
***
No momento em que Gabriel chegou à Damerel House, a neve
estava caindo novamente. Ele se livrou do casaco, entregando-o a
seu mordomo, Piper, enquanto sacudia flocos brancos e gelados de
seu cabelo preto. Caminhando com passos largos pelo corredor que
escurecia da grande casa, ele se dirigiu para o refúgio de seu
escritório. Ninguém o perturbava ali, nunca. Não se soubessem o
que era bom para eles. Ali, um fogo ardia, as lamparinas estavam
acesas, e ele se aproximou da garrafa e serviu uma pequena dose,
sorrindo consigo mesmo. Para alguém a quem o mundo acreditava
estar perdido na devassidão e nos vícios, ele bebia muito pouco. A
ideia de se perder na bebida era abominável para ele em grande
parte devido à falta de controle. Isso porque Gabriel controlava tudo
com uma mão de ferro, e se sua compreensão vacilasse, ele temia
que o que restasse de sua sanidade pudesse ruir.
Não, por mais tentador que pudesse ser se afogar em uma
garrafa, o que vinha a seguir à medida que perdia seu controle e os
fantasmas que forçavam passagem pelas paredes que ele
construíra... não valia o risco. Neste momento, estava achando mais
difícil mantê-los afastados, manter ele afastado.
Ele estremeceu, uma sensação úmida formigando sobre sua
pele. Recomponha-se, ele ordenou, você não é mais um garoto de
nariz escorrendo com medo do escuro. Respirando fundo, sentou-se
em frente à sua escrivaninha, dando pequenos goles em sua
bebida, saboreando a qualidade e o calor do álcool, resistindo à
vontade de servir-se de mais.
Lutando contra o desejo de beber, ele pegou o peso de papel
que mantinha alguns documentos recentes no lugar. Estava liso com
o desgaste, uma pedra natural, mas de formato estranho, como um
lobo uivando, com a cabeça erguida para a lua. Ele esfregou o
polegar ao longo da garganta de pedra, um gesto familiar e um tanto
reconfortante enquanto suas sobrancelhas se uniam. Sua visita a
Edward tinha sido, no mínimo, divertida. Embora duvidasse que seu
pai veria dessa forma. Ele deveria ter encerrado isso há muito
tempo, mas tinha sido fraco demais para desferir o golpe final que
teria lhe dado tudo o que ele tinha sido incumbido de conquistar.
Acusando-o de ser piedoso e inútil, um embaraço para o nome
antigo da família, a voz de seu pai ecoava em seus ouvidos, embora
o homem já estivesse morto há muito tempo.
Da mesma forma que ele fazia em vida.
Por um curto período, Gabriel tinha sido o Marquês de
Winterbourne, o Conde de Clarendon e meia dúzia de outros títulos
menores também... exatamente como seu pai tinha ordenado que
ele fosse. Por um breve e bem-aventurado período, as vozes
começaram a diminuir, restando apenas uma que o empurrava a dar
o passo final e se casar com a irmã de Edward.
Para completar a destruição da linhagem do odiado irmão de
seu pai.
Ele hesitou nesse ponto. Ela podia ser linda, mas não o atraía;
sua pele se arrepiava com a ideia da inocência dela. Dormir com
uma virgem não era algo que ele ansiava, casar-se menos ainda,
especialmente alguém que o olhava como se ele fosse um monstro.
Não que ele acreditasse que ela estivesse errada, nem se
importasse com o que ela pensasse. Era verdade, e ele a aceitava,
saboreava isso de certa forma. No entanto, o desejo de encerrar a
linhagem com ele era tangível. A ideia trazia à sua alma um certo
alívio, mas apenas por um breve momento.
Ele ficou sem fôlego quando dedos esqueléticos agarraram seus
pulsos. Gabriel fechou os olhos à medida que a memória retornava
a ele, tão fria e implacável quanto seu pai gritando em seu rosto,
dando-lhe instruções, a serem seguidas ao pé da letra, ou seu pai
jurava que o assombraria até que ele encontrasse seu próprio
túmulo. Ele estremeceu, como sempre fazia, ao lembrar do som da
lembrança do tiro que explodiu em sua mente, a bala rasgando o
cérebro de seu pai e cobrindo seu único filho de sangue enquanto o
homem tirava sua própria vida diante de seus olhos.
O copo vazio escapou dos dedos de Gabriel, batendo na
escrivaninha ao mesmo tempo em que sua respiração se tornava
áspera e desigual. Recobre-se, seu idiota, ele praguejou, agarrando
as bordas da escrivaninha. Pense em outra coisa, ele ordenou,
enviando seus pensamentos erráticos em queda livre até que eles
se prendessem à jovem mulher do lado de fora do castelo.
Ele nunca tinha visto nada parecido com ela antes, pensou, à
medida que sua respiração começava a se estabilizar. Havia algo
em seus olhos que parecia chamar por ele, um olhar de desejo tão
intenso que ele foi surpreendido ao ponto do silêncio. Ele já tinha
sido desejado antes; havia aquelas que apreciavam seu tipo de
crueldade, afinal, e o perigo que ele trazia para suas vidas
monótonas. Mas nunca antes ele havia recebido um olhar de desejo
tão voraz de alguém tão evidentemente inocente. Que diabos a
garota estava aprontando? Sua companheira tinha percebido o
perigo que ela corria, apressando-a para longe dele o mais rápido
que podia. O terror que ele viu nos olhos da mulher mais velha fez
com que ele risse.
Ela, pelo menos, estava certa.
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Sobre Mim!

Comecei essa incrível jornada em 2010 com A Chave Para


Erebus, mas não tive coragem de publicá-lo até outubro de 2012.
Para quem já passou por isso sabe que publicar seu primeiro
trabalho é uma coisa terrivelmente assustadora. Eu ainda fico
nervosa quando um novo título é lançado, mas agora esse terror
diminuiu, finalmente. Agora, o meu pavor é quando minhas filhas
tiverem idade suficiente para lê-los.
Que pesadelo! (Para ambas as partes, suponho).
No ano de 2017, fiz minha primeira incursão no Romance
Histórico e no mundo do Romance Regencial. Meu Deus, que ano!
Fiquei encantada com a resposta a esta série e mal posso esperar
para adicionar mais títulos. Os leitores de Romance Paranormal não
precisam se desesperar, pois há muito mais por vir também.
Escrever tornou-se um vício e, assim que um livro termina, fico
extremamente animada para começar o próximo. Por isso, vocês
podem contar com muito mais no futuro.
Como muitas das minhas obras refletem, sou muito influenciada
pela bela paisagem francesa em que vivo... Vivo aqui no Sudoeste
desde 1998, embora tenha nascido e crescido na Inglaterra. Minhas
três lindas filhas são todas bilíngues, e eu, meu marido – Pat – e
nossos quatro gatos nos consideramos extremamente afortunados
por termos feito deste lugar tão lindo o nosso lar.
CONTINUE LENDO PARA DESCOBRIR MEUS OUTROS
LIVROS!
Outras obras de Emma V. Leech
(Para aqueles que leram a série A Lenda Francesa dos Fae,
lembre-se de que cronologicamente O Coração de Arima precede O
Príncipe das Trevas)

Patifes & Cavalheiros

Patifes & Cavalheiros

Damas Ousadas

A Série – Damas Ousadas

Filhas Ousadas
A Série – Filhas Ousadas
Filhos Malvados

Filhos Malvados

Romances Regenciais de Mistério (em breve)

A Série – Romances Regenciais de Mistério

A Lenda Francesa dos Vampiros (em breve)


A Série – A Lenda Francesa dos Vampiros

A Lenda Francesa dos Fae (em breve)

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Dentro de cada jovem tímida e isolada, pulsa o coração de uma leoa,
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encontrar a coragem para começar. Quando essas jovens ignoradas fazem
um pacto para mudar suas vidas, tudo pode acontecer. Dez Mulheres – Dez
Desafios Inesperados. Quem Ousará
Dez Mulheres – Dez Desafios Inesperados. Quem Ousará Arriscar
Tudo?

Desafiando um Duque
Damas Ousadas – Livro 1

Sonhos de amor verdadeiro e felizes para sempre.


Sonhos de amor são todos muito bons, mas tudo o que Prunella
Chuffington-Smythe quer é publicar seu romance. O casamento a custo de
sua independência é algo que ela não considerará. Tendo experimentado o
sucesso escrevendo sob um nome falso na revista semanal The Ladies, seu
alter ego está alcançando notoriedade e fama e Prue gosta bastante disso.
Um dever que deve ser suportado.
Robert Adolphus, o Duque de Bedwin, não tinha pressa em se casar, ele
já fez isso uma vez e repetir esse desastre é a última coisa que deseja. No
entanto, um herdeiro é um mal necessário para um duque e não pode se
esquivar disso. Uma reputação sombria o precede, visto que sua primeira
esposa pode ter morrido jovem, mas os escândalos que a bela, vivaz e
rancorosa criatura forneceu à sociedade não a acompanharam. Uma esposa
precisa ser encontrada. Uma esposa que não seja nem bonita nem vivaz, mas
doce e sem graça, e que com certeza fique longe de problemas.
Desafiado a fazer algo drástico.
O súbito interesse de um certo duque covarde é tão desconcertante como
indesejável. Ela não vai jogar suas ambições de lado para se casar com um
canalha agora que seus planos de autossuficiência e liberdade estão se
concretizando. Mostrar claramente ao homem que ela não é a jovenzinha
tímida que ele procura, será suficiente para dar fim às suas intenções?
Quando Prue é desafiada por suas amigas a fazer algo drástico, parece ser a
oportunidade perfeita para resolver dois problemas com uma só solução.
No entanto, Prue não pode deixar de ficar intrigada com o patife que
inspirou muitos de seus romances. Normalmente, ele desempenhava o papel
de bonito libertino, destinado a destruir sua corajosa heroína. Mas será
realmente o vilão da trama desta vez, ou poderia ser o herói?
Descobrir será perigoso, mas poderá inspirar sua melhor história até
hoje.
Desafiando um Duque
Da autora da série best-seller Damas Ousadas – Uma nova série
empolgante com as filhas das Damas Ousadas...
As histórias do Clube do Livro de Damas Peculiares e seus desafios se
tornaram lendas entre seus filhos. Quando o chapéu é redescoberto,
empoeirado e abandonado, as demais ousam desencadear uma série de
eventos que ecoarão por todas as famílias... e suas...
Filhas Ousadas

Ousando Seduzir (em breve)


Filhas Ousadas – Livro Um

Duas filhas ousadas...


Lady Elizabeth e Lady Charlotte são filhas do Duque e da Duquesa de
Bedwin. Criadas por uma mãe nada convencional e um pai indulgente, um
tanto superprotetor, ambas se esforçam contra a rígida moralidade da época.
A imagem da moda de uma jovem mansa e fraca, propensa a desmaiar
pelo menos por provocação, é aquela que a faz ferver de frustração.
O belo amigo de infância...
Cassius Cadogen, Visconde Oakley, é o único filho do Conde e Condessa
St. Clair. Amado e indulgente, ele é popular, gloriosamente bonito, e um artista
talentoso.
Retornando de dois anos de estudo na França, sua amizade com as duas
irmãs fica tensa quando o ciúme aumenta. Uma situação não ajudada pelos
dois franceses misteriosos que o acompanharam até em casa.
E a rivalidade entre irmãs...
Paixão, arte e segredos provam ser uma combinação inflamável, e
alguém sem dúvida pegará fogo.
http://getbook.at/DaretobeWicked
Interessado em um Romance Regencial com reviravoltas?
Morrendo por um Duque
Romance Regencial de Mistério – Livro 1

Apropriado, imperioso e moralmente rígido, Benedict Rutland – o


belo e sombrio Conde de Rothay – herdou seu título muito jovem.
Responsável por uma grande família de irmãos mais novos que os
seus pais frívolos levaram à falência, a sua juventude foi gasta
tentando recuperar a fortuna da família.
Agora, já um homem em seu auge e financeiramente seguro,
torna-se noivo de uma mulher estrita, sensata e de cabeça fria que
nunca perturbará o equilíbrio de sua vida ou perturbará suas
emoções...
Mas, então, surge a senhorita Skeffington-Fox.
Criada apenas por seu padrasto libertino, Benedict vê-se
escandalizado com tudo relacionado à bela senhorita.
Mas como os membros da família na fila para o ducado
começam a morrer a um ritmo alarmante, todos os dedos apontam
para Benedict, e a senhorita Skeffington-Fox pode ser a única que
poderá salvá-lo.

Morrendo por um Duque


Perca-se no mundo paranormal de Emma com a série A Lenda
Francesa do Vampiro.
A Chave para Erebus
A Lenda Francesa do Vampiro – Livro 1

A verdade pode matar você.


Quando criança, é levada para longe para uma vida em que os
vampiros, faes e outras criaturas míticas são reais e traiçoeiras. Ao
regressar à França rural, Jéhenne Corbeaux, a bela jovem bruxa,
está totalmente despreparada para viver com a sua excêntrica avó.
Lançada de cabeça em um mundo sobre o qual ela nada sabe,
procura descobrir a verdade sobre si mesma. Nessa jornada,
descobre segredos mais chocantes do que qualquer coisa que
jamais poderia ter imaginado e conclui que não é, de forma alguma,
impotente para proteger aqueles que ama.
No entanto, apesar das terríveis advertências de sua avó, é
inexoravelmente atraída pela figura sombria e aterrorizante de
Corvus, um antigo vampiro e mestre da vasta família Albinus.
Jéhenne está prestes a encontrar as respostas que buscava e a
descobrir que Corvus não somente é muito mais perigoso do que
ela jamais poderia imaginar, mas também que ele detém muito mais
do que a chave do seu coração...
Disponível no Kindle Unlimited
A Chave para Erebus
Confira a emocionante série de fantasia de Emma, aclamada
pelo Kirkus Reviews como “uma fantasia encantadora com uma
heroína simpática, intriga romântica, e floreios narrativos
inteligentes”.
O Príncipe das Trevas
A Lenda Francesa dos Fae – Livro 1

Dois Príncipes Fae


Uma Mulher Humana
E um mundo pronto para separá-los.
Laen Braed é o príncipe das trevas fae, com um temperamento
e reputação que combinam com seus olhos negros, e um coração
que despreza a raça humana. Quando ele é enviado de volta
através dos portões proibidos entre reinos para recuperar um antigo
artefato fae, volta para casa com muito mais do que esperava.
Corin Albrecht, o Príncipe Élfico mais poderoso que já existiu.
Dizem que seus olhos dourados são um presente dos deuses.
Agora, o destino está batendo à sua porta. Com um profundo amor
pelo mundo humano, a sua amizade com Laen está a ponto de ser
dilacerada pelos seus preconceitos.
Océane DeBeauvoir é uma artista e encadernadora de livros
que sempre confiou na sua imaginação viva para sobreviver a uma
vida infeliz e tranquila. Uma adaga enfeitada com joias e expostas
num museu próximo aparece nas manchetes levantando
especulações de uma outra raça, a fae. Mas a descoberta também
inspira Océane a criar uma obra de arte extraordinária que não pode
ser confinada às páginas de um livro.
Com dois homens poderosos disputando sua atenção, e a
amizade entre eles prestes a ponto de romper, a única questão que
permanece é… quem é realmente o Príncipe das Trevas?
O homem dos seus sonhos está chegando... ou são os seus
pesadelos que ele visita? Descubra no Livro Um da Lenda Francesa
dos Fae.
O Príncipe das Trevas
Agradecimentos
Obrigada, como sempre, à minha maravilhosa editora por ser
paciente e amar meus personagens tanto quanto eu. Gemma, você
é a melhor!
Para Victoria Cooper, por todo o seu trabalho duro, sua obra de
arte é incrível e, acima de tudo, sua paciência sem fim!!! Muito
obrigada. Você é incrível!
À minha melhor amiga, assistente pessoal, torcedora de
carteirinha e provedora de chocolate, Varsi Appel, pelo apoio moral,
por aumentar minha confiança e por ler o meu trabalho, mais vezes
do que eu. Eu te amo muito!
Muito obrigada a todos os membros do Emma's Book Club!
Vocês são sensacionais!
Eu fico sempre tão feliz em ouvi-los. Por isso, sintam-se à
vontade para enviar um e-mail ou uma mensagem :)
emmavleech@orange.fr

Ao meu marido Pat e à minha família... por sempre se


orgulharem de mim.

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