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A Filha do Escândalo
Patifes & Cavalheiros – livro 3
Emma V Leech
 
A Filha do Escândalo
por Emma V. Leech
Publicado por: Emma V. Leech.
Arte da capa por: Victoria Cooper
Título original: Scandal’s Daughter
Tradução: Inês Vanmuysen
Preparação de Texto/Revisão: Vânia Nunes
Direitos autorais (c) Emma V. Leech 2017
ASIN: B0BWCWF15X
ISBN: 978-2-492133-84-8
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua
Portuguesa.
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer
parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou
intangível — sem o consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Nenhuma identificação com pessoas reais (vivas ou falecidas),
locais, edifícios e produtos é inferida. O conde de Falmouth era uma
pessoa real e a família e a casa ainda existem, no entanto, esta é
uma obra de ficção
Índice
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Ao Inferno com o Diabo
Capítulo 1
Quer mais Emma?
Sobre Mim!
Outras obras de Emma V. Leech
Audiobooks (títulos disponíveis apenas em inglês)
Desafiando um Duque
Ousando Seduzir (em breve)
Morrendo por um Duque (em breve)
A Chave para Erebus
O Príncipe das Trevas (em breve)
Agradecimentos
Onde o verdadeiro Amor queima, o Desejo é a chama pura do
Amor;

É o reflexo de nossa moldura terrestre,

Que retira seu significado da parte mais nobre,

E, nos traduz a linguagem do coração.


Desejo, por Samuel Coleridge
 
Prólogo

Eton, Windsor, Inglaterra, setembro de 1798.


Para Sebastian Grenville, o novo duque de Sindalton, aquele
ano tinha sido o mais miserável e doloroso de sua breve existência;
uma vida que agora estava sujeita a mais reviravoltas ao ser
mandado embora de sua casa para estudar em Eton College. Aos
doze anos, perdeu seu pai carismático em um escândalo que abalou
as bases da alta sociedade e, agora, tudo o que conhecia e lhe era
querido e familiar, se foi.
Isso já era ruim o suficiente, mas vir de uma casa onde ele era
querido e festejado como o herdeiro do ducado e chegar em um
lugar frio e hostil era demais para que ele pudesse suportar; já que
todos o observavam com uma mistura de espanto e desgosto, em
vista das ações de seu pai.
Um menino anteriormente tagarela e confiante, em questão de
meses tornou-se introspectivo, perdeu uma grande quantidade de
peso – deixando-o desengonçado e desajeitado – e o mais
mortificante de tudo, desenvolveu uma gagueira.
A violência escolar tinha sido tão inevitável quanto aterrorizante,
e foi com um ar resignado e fatal que observou o punho gordo de
lorde Robert 'Boko' Bexley mover-se para trás, para chegar às vias
de fato, e dar-lhe um fatídico soco.
Sua mão tremeu no ar por um breve momento antes que
perdesse o ímpeto, mas isso era mais curioso do que um alívio para
quem havia perdido o interesse e entusiasmo pela vida. Também foi
estranho ver a expressão de crescente ansiedade no rosto de Boko
Bexley, quando uma voz cristalina e arrastada falou, lentamente,
atrás dele: — Eu realmente não faria isso se fosse você.
Boko era um menino de rosto rosado e queixo quadrado que se
destacava naturalmente nos esportes, mas mal conseguia somar
dois mais dois sem a ajuda de seus dedos curtos e gordos. Sendo
esse o caso, ficar cara a cara com a língua mais mortal de toda a
escola não foi algo que o pequeno lorde se aventuraria
levianamente. O marquês de Beaumont também estava em seu
primeiro ano, mas sua fama já havia sido estabelecida muito antes
de pisar nos terrenos sagrados de Eton. Ele tinha a reputação de ter
um par de punhos rápidos e um jeito com as palavras que podia
destruir um menino muitos anos mais velho com um efeito
devastador.
Sebastian virou a cabeça, o que não era tão fácil quanto
parecia, já que tinha a mão esquerda carnuda de Boko em volta de
sua garganta e seu rosto estava à espera das atenções de sua mão
direita. Embora tivesse ouvido falar do marquês, assim como toda a
maldita escola, aquela era a primeira vez que Sebastian o via. Seus
olhos castanho-escuros encontraram os olhos incrivelmente azuis
de um tom tão claro quanto gelo; e uma mecha de cabelo loiro
espesso emoldurava o rosto mais angelical que já adornou o
semblante de um menino de doze anos.
— Isso não é da sua conta, Beau — disse Boko, com a voz
cheia de justificada indignação e emitindo um leve gemido.
— Nem por isso — respondeu Beau. Sua expressão era de
alguém trazendo más notícias. — Veja bem, eu decidi que é, sim,
pois, então... aí está. — O semblante angelical confrontou a
expressão carrancuda e obstinada de Boko enquanto Beau dava de
ombros, desculpando-se porque a única maneira de Boko agora
salvar a pele era lutando contra Beau.
Dez minutos depois, Boko estava sendo apoiado por seus
comparsas enquanto estancava a enxurrada de sangue do nariz.
— A-agradeço-lhe muito — gaguejou Sebastian, olhando para
seu estranho salvador com cara de anjo com algo próximo ao terror.
— Embora não entenda p-por que você deva me ajudar.
Uma leve carranca vincou o semblante santo, e o marquês deu
de ombros. — Nem eu — respondeu ele. — Costumo agir por
impulso de vez em quando, sabe-se lá por quê. — Ele sorriu, de
repente, e Sebastian viu muito mais do diabo em seus olhos
risonhos do que do anjo que aquele rosto inocente sugeria. — Além
disso — acrescentou ele. —, eu estava interessado em conhecer
alguém cujo pai foi tão canalha e insensível quanto o meu ainda é.
Sebastian fitou-o, boquiaberto, sem saber se deveria ficar
furioso com o insulto a seu falecido pai, ou chocado e
impressionado por ele falar do próprio pai de maneira tão ofensiva.
Ele foi salvo da tarefa de compreender tudo isso quando Beau falou
novamente, divertido com sua expressão surpresa. — Ah! Fala
sério! Não vai me dizer que se seu pai aparecesse para você do
além, não o xingaria?
— B-bem... não — respondeu Sebastian, um tanto duvidoso. A
discussão foi interrompida, no entanto, quando o sino ruidoso tocou
no pátio.
— Meu Deus! — exclamou Beau. — Vamos perder o café da
manhã. Anda! Estou morrendo de fome. — E agarrando firmemente
Sebastian pela mão, guiou seu novo amigo atrás dele, de volta para
a escola.
Capítulo 1
“No qual amigos de longa data discutem a idiotice do passado e
planejam o futuro.”

Londres, agosto de 1816.


Sebastian lembrou-se daquele dia fatídico, há cerca de
dezessete anos, com um sorriso irônico. Ele não via seu amigo mais
próximo há quase seis meses e ficou desapontado ao descobrir que
havia sentido saudade daquele tolo insolente. Beau conseguia levá-
lo ao limite como ninguém, nunca medindo suas palavras ou
controlando sua língua afiada. Mas para Sebastian, que recebia
bajulações e elogios constantes em quase todos os cantos, era tão
revigorante quanto brutal.
Um leve arranhar da porta fez com que percebesse a presença
de seu mordomo, o temível Biddle, que anunciou o marquês
enquanto o próprio homem entrava na sala.
— Ora, ora — disse Sebastian, lentamente, recostando-se em
sua cadeira e olhando para Beau com diversão. — A volta do filho
pródigo.
Beau ergueu uma sobrancelha, e seus frios olhos azuis
demonstraram divertimento. Ele se virou para Sebastian, erguendo
as mãos como se estivesse louvando. — Pai, eu pequei contra o
céu e contra ti. Não sou mais digno de ser chamado teu filho.
— Bem, isso eu acredito — respondeu Sebastian, bufando de
diversão. — Estou apenas surpreso que você tenha se lembrado da
frase, seu pagão.
— Não me fale em pagãos — disse Beau, com desgosto,
sentando-se e acenando com a mão para indicar que Sebastian
deveria pegar uma bebida para ele. — Seis meses! Seis meses
inteiros naquele lugar abandonado por Deus. Eu estava quase
pronto para me jogar no rio, posso garantir isso. E eu me certificaria
de encontrar um que fosse bem fundo.
— Ah, sim — disse Sebastian, sorrindo, enquanto levantava-se
para servir a ambos uma bebida. — E como está a estimável lady
Worth?
Beau fez uma careta para ele e tomou a bebida oferecida com
um bufo de aborrecimento. — Tendo em vista que estive na Escócia
pelo único motivo de não saber como está lady Worth, não posso
deixar de sentir que você está tentando me irritar.
— Como se eu fosse conseguir — murmurou Sebastian,
retornando ao seu assento. — Ainda assim, ela está viva, pelo
menos, isso eu sei. Podia ter sido pior o mergulho dela no rio Cam
— acrescentou ele, rindo.
Beau lançou-lhe um olhar sombrio. — Pode parecer divertido
para você, mas sofri nas mãos daquela criatura idiota. Quase
lamento que a tola não tenha percebido que o Cam raramente tem
mais de um metro de profundidade e, em vez disso, tentado o
Tâmisa. Mas se ela realmente tivesse pretensão de colocar um
ponto final em sua vida, é incrível que não tenha pensado em fazer
a tentativa sem uma dúzia de seus admiradores por lá para socorrê-
la.
— Bem, talvez isso o ensine a não brincar com damas casadas
— disse Sebastian, em tom de censura, embora seus olhos ainda
dançassem de tanto rir. — Então me diga — continuou ele,
ignorando o olhar de desgosto no rosto de seu amigo. —, você está
sendo ignorado ou as pessoas ainda o cumprimentam na rua?
Beau bufou e esticou as longas pernas na frente dele. — Então,
parece que me saí muito bem, embora ainda não tenha visto meu
pai — acrescentou ele, com um tom casual que não enganou
Sebastian por um segundo sequer. O pai de Beau era um homem
cruel e malicioso que adorava atormentar seu único filho e herdeiro.
— E você vai vê-lo? — Sebastian observou a sombra sobre o
rosto de Beau antes que ele olhasse para cima, percebendo
Sebastian observando-o.
— Não se puder evitar — respondeu ele, com o vislumbre de um
sorriso aparecendo. — Na verdade, eu estava indo para a
Cornualha. Gower me convidou, disse que você também poderia vir.
— Para Carn Brea?
Beau assentiu. — Ele prometeu entretenimento — acrescentou
ele, sorrindo e engolindo o resto de sua bebida em um grande gole.
Sebastian franziu os lábios. Ele tinha uma boa noção das
diversões de seu amigo, lorde Gower, e ficou desanimado ao
descobrir que a ideia o entediava. Na verdade, há algum tempo
estava ciente de uma sensação crescente de inquietação e
insatisfação. Desde as façanhas escandalosas de seu pai, tornara-
se imune a fofocas, mas, além de ter uma reputação chocante e
bem-merecida com as mulheres, raramente fazia qualquer coisa que
provocasse muitos falatórios. Ele jogava moderadamente e
raramente bebia em excesso. Infelizmente, sua amizade com Beau
era tamanha que não precisava disso. Beau era um escândalo à
espera de um lugar para acontecer, e Sebastian tinha sido
manchado por associação.
— Oh, vamos, Sin — persuadiu Beau. — Diz que vai. Tenho
estado terrivelmente entediado, e não será a mesma coisa se não
vier.
Deixando escapar um suspiro, Sebastian franziu a testa e olhou
para Beau. — Ah, muito bem, bem que gostaria de sair de Londres,
verdade seja dita. Não que o tempo esteja muito promissor.
— Não mesmo, está congelando, parece mais março do que
agosto, mas no Norte está muito pior, acredite em mim —
resmungou Beau. — Fiquei surpreso em encontrá-lo aqui, na
verdade. Achei que teria que ir até aquele lugar caindo aos pedaços
para desenterrar você.
— Não está caindo aos pedaços — retorquiu Sebastian, embora
soubesse que Beau estava provocando-o. Seu interesse e a
quantidade de tempo que dedicava à sua propriedade eram algo
que sempre confundia Beau, que começou a se referir a ele como
“Fazendeiro Grenville”. — E eu estou me escondendo de mamãe —
admitiu ele.
— Ah — assentiu Beau, compreendendo. — Ela quer saber
quando você vai se casar, obviamente.
Sebastian reconheceu isso com uma careta. Ele estava bem
ciente do que era, devido à sua posição e obrigação de fornecer um
herdeiro. Ele havia concordado, há mais de dezoito meses, que iria
se casar, e logo. Concordar em fazer a coisa certa e realmente ir até
o fim, no entanto, eram coisas totalmente diferentes. Agora, porém,
todo mundo sabia que estava procurando uma esposa e estava farto
de ter todas as jovens elegíveis empurradas goela abaixo a cada
passo que dava.
A visão de outra senhorita afetada piscando para ele na
esperança de se tornar sua duquesa era o suficiente para revirar
seu estômago e fazê-lo querer sumir do mapa. Ele chegou ao ponto
de compilar uma lista de todos os atributos necessários em sua
futura esposa, na esperança de tomar uma decisão sensata – algo
que Beau achou extremamente hilário. Na ausência de Beau,
entretanto, ele conheceu a Comtesse de Lavelle e jogou a lista fora.
Como ela era bela, e não da maneira comum. Havia uma
inteligência e um peso de experiência em seus olhos que
desmentiam sua juventude. Mas Céleste Lavelle estava
desaparecida. Ele não acreditou nem por um momento na história
que lady Seymour havia espalhado de que ela tinha ido ficar com a
família na França, e a culpa revirou seu estômago. Havia algo entre
ela e Falmouth, ele tinha certeza. A tola jovem estava apaixonada
por ele, mas um libertino como o conde nunca se casaria com ela.
Sebastian fora atingido por um desejo cavalheiresco de salvá-la, de
protegê-la de sua própria loucura, e todos os seus planos e listas
foram jogados pela janela.
Ele estremeceu ao lembrar-se que havia enviado a senhora
Morris, a glamourosa amante de Falmouth, à casa do homem em
Londres para fazer uma cena. Uma cena que Céleste seria incapaz
de ignorar. Ela veria o tipo de homem que Falmouth era, e, quando
Sebastian chegasse no dia seguinte para fazer sua proposta de
casamento, ela seria impelida a aceitar.
Mas a senhora Morris havia ido longe demais. Ela tinha suas
próprias contas a acertar com Falmouth, e as acertou. Quando
Sebastian chegou no dia seguinte, foi recebido com fria polidez pela
cunhada de Falmouth e ficou sabendo que Céleste não estava em
casa. Quando ela continuou fora de casa por mais dez dias e os
rumores começaram a circular, forçou a senhora Morris a lhe contar
tudo. Sua raiva tinha sido algo digno de se ver.
— No que está pensando? — indagou Beau, forçando-o a sair
de seu devaneio.
Ele balançou a cabeça.
— Ainda sem notícias de sua fada francesa? — perguntou ele,
com uma sobrancelha levantada.
Sebastian fez uma careta. Beau tinha o estranho hábito de
saber o que ele estava pensando. Ele nunca deveria ter contado
sobre Céleste, mas a culpa de suas ações o corroía, e ele precisava
desabafar. Beau, contudo, era alguém confiável.
— E a senhora Morris? — perguntou seu amigo, com
curiosidade brilhando naqueles olhos azuis frios. — Você ainda é o
protetor dela?
— Depois do que ela fez? — Sebastian respondeu com repulsa.
Ele balançou a cabeça e traçou um padrão no copo de cristal que
segurava com um dedo longo. — Acho que não. Por quê? —
perguntou ele, olhando para cima. — Você está interessado?
— Nem pensar. — Beau fez uma careta e tirou um pedaço de
fiapo da manga de sua jaqueta feita sob medida. — Mulher rodada
nunca foi do meu agrado — murmurou ele, com um brilho de malícia
em seus olhos.
— Que comentário vulgar, Beau — disse Sebastian, com o tom
de reprovação. — Que vulgar!
Beau riu, perfeitamente impiedoso.
— Então, enquanto falamos, exatamente quantas damas
escocesas solitárias estão definhando com o coração partido ou se
jogando de pontes agora que você as deixou sozinhas, por favor,
diga-me? — perguntou Sebastian, voltando a conversa para Beau.
Seu amigo levantou uma sobrancelha de modo arrogante. —
Um número bastante respeitável, tenho certeza — respondeu ele,
com absoluta seriedade.
Por um momento, Sebastian ficou chocado com a aparente falta
de consideração de Beau pelas mulheres com quem flertava. Era
algo que ele sempre teve problema. Como Beau, que era um amigo
tão leal e capaz de atos de bondade bem humildes, embora
caprichosos, pudesse ser um bruto sem coração quando se tratava
de mulheres? — Ela está arruinada, você sabia? — disse ele,
buscando no rosto de Beau qualquer traço de arrependimento ou
culpa. Mas ele não encontrou nem um nem outro.
— Bem, isso é o que você ganha por se jogar de uma ponte na
frente de cerca de uma dúzia de espectadores — disse ele, com
desgosto. — Quando penso no esforço que fiz para ser discreto... e
não adianta nada olhar para mim com tanta reprovação. Não é
como se eu tivesse seduzido uma inocente. Mulher idiota, ela sabia
muito bem que não havia nada de sério entre nós.
— Nem sempre você escolhe por quem se apaixona, Beau.
— Apaixona? — respondeu Beau, com o rosto incrédulo. — Ela
não me amava. Você sabe tão bem quanto eu que uma mulher
assim não ama nada mais do que seu título e dinheiro.
Sebastian ficou chocado com o veneno de suas palavras, não
que pudesse contradizê-lo. Ele aprendeu muito jovem a verdade e
trancou seus verdadeiros sentimentos bem longe, embora talvez
não tanto quanto Beau. Céleste o havia lembrado de que era
possível para ele sentir, embora não tivesse ilusões de estar
apaixonado pela garota. Eles só se encontraram algumas vezes,
mas isso o fez perceber que era de carne e osso, e que seus
sentimentos ainda estavam lá, adormecidos, mas não mortos.
— Bem, então, está combinado — disse Beau, voltando ao
ponto anterior de sua conversa. — Vamos até a casa de Gower pela
manhã, certo?
Sebastian assentiu em concordância. — Pego você às oito. Não
me deixe esperando — advertiu ele, lançando-lhe um olhar feroz
sob as grossas sobrancelhas escuras.
Beau revirou os olhos. — Por que temos que sair em uma hora
tão desagradável da manhã?
— Porque eu quero.
— Sim, Vossa Graça — respondeu Beau, fazendo uma imitação
bastante impressionante de Biddle.
Sebastian deu um largo sorriso. — Está bem. Mas cuidado para
não entrarmos na propriedade de Falmouth. Faz fronteira com a de
Gower, se bem me lembro, e duvido que ele fique feliz em ver-me.
— Sério? — disse Beau, com a expressão pensativa. — Será
que eu conseguiria fazer isso acontecer? Bem, isso, sim, seria
divertido.
Capítulo 2
 
“No qual conhecemos nossa heroína, ainda alegremente
inconsciente do futuro.”

Georgiana entrou em casa, jogando o bonnet em uma cadeira


no vestíbulo e chamando por seu tio. Um travesso vira-lata preto
seguiu-a, com a língua para fora depois de uma manhã exaustiva.
Ela caminhou ao longo do corredor um tanto velho com um carpete
gasto, quando uma corrente de ar vinda da janela a fez estremecer.
Ela bateu autoritariamente na porta do escritório; entrando um
momento depois, encontrou seu tio debruçado sobre um enorme
texto médico.
Com um suspiro, seu tio ergueu os olhos, lançando-lhe uma
expressão de reprovação, enquanto ela se jogava na cadeira em
frente à mesa dele. Ela piscou para ele, imaginando o que tinha feito
e levantou uma mão inquisitiva até o cabelo, descobrindo que, como
sempre, todos os seus grampos tinham sumido e havia um
emaranhado de mechas ruivas sobre os ombros.
Ela deu-lhe um sorriso tímido e encolheu os ombros. — Eu levei
o remédio para os Farley. Eles disseram que a febre do menino
baixou ontem à noite, como você disse, e ele está sentado e
reclamando ferozmente sobre ser um inválido.
Seu tio, o doutor Joseph Bomford, um homem pequeno, mas
atarracado, era agraciado com uma maneira gentil e um rosto
agradável, com cabelos brancos bem aparados e costeletas. Ele
assentiu e tirou os óculos, colocando-os cuidadosamente sobre as
páginas do enorme livro.
— Bem que imaginei. Bem, obrigado por tratar do assunto. Você
lhes disse que eu visitaria amanhã para ver como ele está?
— Disse. — assentiu Georgiana, fazendo uma careta, enquanto
tentava prender o cabelo para que tia Jane não a repreendesse. Ela
ergueu os olhos e viu tio Jo observando-a com carinho. Ele apontou
para o ombro direito dela, com uma sobrancelha levantada.
— Você deixou escapar uma mecha.
— Ah, obrigada. — Ela deu um enorme sorriso, colocando a
mecha solta de volta com o resto. Levantando-se, ela foi para perto
do fogo, que era aceso mesmo em agosto devido à terrível falta de
um verdadeiro verão, e começou distraidamente a arrancar a crina
de cavalo presa na fina lã merino de seu traje de montaria. Embora
já o usasse há mais de duas estações e estivesse um pouco gasto,
o verde-oliva combinava bastante com o brilho chocante de seu
cabelo ruivo e, ao contrário da maioria de suas roupas, fazia o
possível para mantê-lo em bom estado.
— Eu estava querendo falar com você — disse seu tio, fazendo-
a olhar para cima. — Você não deve cavalgar sozinha nas
intermediações da propriedade de Gower nas próximas semanas.
Georgiana franziu a testa com aborrecimento. Alguns de seus
lugares favoritos estavam ao longo das terras que faziam fronteira
com a propriedade vizinha. — Por que não? — indagou ela. — O
velho Gower disse que eu poderia ir aonde quisesse. Você sabe
disso.
— O velho Gower pode muito bem ter dito isso — disse ele, com
um olhar severo em seu rosto geralmente meigo. —, mas o velho
Gower não está na residência, o jovem Gower que está, e soube o
que está acontecendo lá. Por isso, você deve ficar bem longe, e
essa é a minha palavra final sobre o assunto.
Georgiana abriu a boca e tornou a fechá-la. Seu tio e tutor era o
mais doce e gentil dos homens, e ela nunca sentiu a falta de um pai,
pois ele preenchia esse papel de todas as maneiras que alguém
poderia esperar. Mas ela reconheceu bem a tensão em seu maxilar
e duvidou que pudesse fazê-lo mudar de ideia. Na verdade, ela se
considerava mais do que afortunada de que ele e sua esposa, tia
Jane, foram gentis o suficiente para cuidar dela, que era sua
sobrinha órfã. Eles não tinham filhos e adoravam Georgiana como
se fosse a própria filha. No entanto, ela ficou muito decepcionada
com o fato de que alguns de seus passeios a cavalo favoritos
estariam fora dos limites permitidos pelo tio.
Ela bufou de aborrecimento e cruzou os braços. — Então que
atividades sombrias estão acontecendo por lá? Orgias, não tenho
dúvidas — murmurou ela, perguntando-se por que isso a impediria
de ir aonde queria.
— Georgiana!
Ela olhou para cima, vendo seu tio olhando para ela em estado
de choque, e mordeu a língua.
— Desculpe-me, Pops — disse ela, usando o apelido carinhoso
que nunca falhava, suavizando o seu olhar. Ele havia se recusado a
deixá-la chamá-lo de pai quando era criança, considerando que não
era direito dele, porém, permitiu o apelido carinhoso, e ela sabia que
isso o agradava.
Ela sorriu e ele revirou os olhos.
— Eu vou recolher todos esses seus romances desgraçados se
não tiver cuidado e refrear essa sua língua — repreendeu-a,
estalando a língua. — Orgias, de fato. Como se você tivesse a
menor ideia...
— Ah, claro que tenho — respondeu ela, morrendo de rir. — É
como uma grande festa onde...
— Georgiana!
Ela colocou a mão sobre a boca, tentando, mas não
conseguindo, conter o riso, enquanto seu tio, escandalizado, olhava-
a com horror.
Ele pegou os óculos e acenou com eles para ela. — Você vai
ficar longe da propriedade de Gower, e se a palavra orgia escapar
de seus lábios e chegar aos ouvidos de sua tia, vai se arrepender.
Dou-lhe muita liberdade, senhorita. Permito que saia fazendo
algazarra pelo campo com ninguém, além de andar por aí com
aquele cachorro idiota como companhia. — Ele muxoxou, e
Georgiana olhou para o cachorro – nada idiota – que ergueu a
cabeça e balançou o rabo feliz ao ouvir falarem dele.
— Eu sei, Conrad — disse ela, enquanto o vira-lata se
levantava, com o rabo balançando de entusiasmo e olhando para
ela com adoração. — Você é um cão de guarda muito bom, não é?
Porque esta manhã mesmo ele me salvou de um ataque de uma
lebre muito cruel, não foi, meu amor? Sim, eu sei — cantarolou ela,
em voz baixa, acariciando o cão em êxtase enquanto puxava suas
orelhas macias do jeito que ele gostava.
Seu tio soltou um suspiro. — Conrad — repetiu ele, pela
milésima vez. — Se alguma vez houve um nome mais ridículo para
um cachorro, ainda não o ouvi. — Ele balançou a cabeça e acenou
com as mãos para ela. — Agora, vá, menina tola, e encontre sua tia.
Não tenho dúvidas de que ela pode encontrar algo mais produtivo
para você fazer do que cavalgar pelo campo como uma moleca, ou
sentar aqui e me irritar — disse ele, embora o calor em suas
palavras dissipasse qualquer noção possível de uma verdadeira
repreensão. — Vá embora agora e lembre-se do que eu lhe disse
sobre a propriedade de Gower. Fique longe de lá. E chega de falar
de orgias!
— Sim, Pops — respondeu ela, lançando um sorriso travesso
por cima do ombro e chamando Conrad para segui-la, enquanto
fechava a porta e deixava seu tio com seus estudos.
Seu tio, o doutor Bomford, era um homem muito respeitado na
região. Na verdade, o próprio conde de Falmouth o procurou
anteriormente, em busca de uma segunda opinião, quando uma
ferida tinha piorado, não tendo tido um bom parecer do médico que
historicamente tratava a ele e à sua família desde menino.
A esposa do médico, Jane – tia de Georgiana – vinha de uma
família antiga e muito rica e, quando os desobedeceu casando-se
com alguém de uma classe social inferior à dela, eles a deixaram
sem um único centavo. Felizmente, foi um casamento por amor e,
embora Georgiana pudesse ver sua tia suspirando com saudade ao
folhear as gravuras de moda no último exemplar de La Belle
Assemblée e perguntando-se como iria fazer um vestido velho
parecer novo, Georgiana nunca acreditou, por um momento sequer,
que ela se arrependia de sua decisão. Georgiana só esperava que
um dia pudesse encontrar um homem tão tolerante quanto seu tio e
feliz em fechar os olhos para seu hábito de fazer algazarra pelo
campo sozinha.
Ela encontrou tia Jane na área de serviço, estalando a língua
tristemente ao ver o estado dos lençóis, pois era dia de lavagem e o
local estava amontoado de tecidos pingando em vários estados do
processo de lavagem. Com o coração apertado, Georgiana soube o
que estava prestes a acontecer: horas sentada ajudando sua tia a
consertar e remendar.
A área de serviço era abafada devido à névoa espessa e úmida
de água quente e roupa de cama molhada. Georgiana atravessou a
tábua de madeira ao lado da pia e sua expressão demonstrou
solidariedade à jovem criada enquanto a garota mexia na enorme
tina de cobre. A água escorria em enorme quantidade pela janela
embaçada atrás da tina de cobre, e Mary olhou-a, sorrindo e
enxugando o suor de seu rosto com o braço rechonchudo antes de
enfiar outra braçada de lençóis na água borbulhante com o pedaço
de madeira.
— Oh, aí está você, Georgiana — disse tia Jane, com evidente
alívio. — Diga-me que seu tio não tem outras tarefas para você hoje,
pois não sei mais o que fazer.
— Não, estou livre, tia — respondeu Georgiana, embora sua
resposta fosse tão desanimada que tia Jane não pôde deixar de rir.
— Ah, vamos, venha sentar-se comigo na sala dos fundos. O
fogo foi aceso e vou pedir que tragam uma bandeja de chá
enquanto nos dedicamos a essa pilha de farrapos — respondeu ela,
olhando para a montanha de lençóis com tanto desânimo quanto
Georgiana. — Podemos desfrutar de uma prosa agradável e você
pode me contar todas as fofocas que, sem dúvida, ouviu em sua
excursão aos Farleys esta manhã.
Georgiana assentiu e fez o possível para não parecer que
estava achando aquilo um terrível desperdício de sua tarde. — Eu
vou me trocar e estarei com você em um instante, tia.
Uma hora depois, trajando um vestido de algodão muito usado e
remendado, Georgiana ergueu os olhos de sua costura quando
Mary entrou trazendo uma bandeja de chá.
— Apenas coloque na mesa, Mary — disse sua tia, sorrindo
para a garota. — Nós nos serviremos.
A criada obedeceu, mas Georgiana exclamou quando a garota
pousou a bandeja.
— Céus, Mary, olhe para suas mãos! Estão completamente
vermelhas e rachadas. Vá pegar o pote de creme ao lado da minha
cama e passe um pouco. Pobrezinha...
Mary corou e gaguejou sobre não ser nada, mas Georgiana foi
inflexível. — Bobagem, vá e use-o neste instante, ou irei buscá-lo
para você.
Fazendo uma reverência, Mary saiu da sala com uma promessa
devota de fazer exatamente o que lhe foi pedido.
Georgiana olhou para cima e viu sua tia Jane rindo dela. — O
quê?
— Nada, minha querida. Você tem o coração muito bondoso, e
isso é admirável, mas... bem, você é um tanto determinada em seus
conselhos de vez em quando, meu bem.
Bufando de diversão, Georgiana olhou de volta para sua fileira
de pontos desiguais com uma carranca. — Autoritária é a palavra
que você está procurando, tia — respondeu ela, perguntando-se se
deveria desmanchar a costura e começar tudo de novo.
— Oh, não, querida — respondeu sua tia, com um tom sereno.
— Só um pouco...
— Arrogante? — acrescentou ela, solícita.
Nisso, sua tia largou o bordado e olhou furiosa para a sobrinha.
— Pare de colocar palavras na minha boca, querida. É que uma
jovem não deveria ser tão... bem, segura de si.
— Oh, que tolice! — respondeu Georgiana, decidindo não
recomeçar o trabalho e pegar outro pedaço de tecido tristemente
puído. — Eu me recuso a agir como aquelas mulheres tolas e
cabeças de vento que andam por aí corando e gaguejando, pois têm
o cérebro do tamanho de uma ervilha. Eu tenho um cérebro na
cabeça e, se percebo que algo precisa ser feito, não vejo por que
não deva dizer isso.
— Bem, porque os cavalheiros não gostam que uma garota
tenha opinião, é por isso. Principalmente opiniões fortes! —
respondeu sua tia, soando perturbada, enquanto colocava seu
bordado de lado e voltava sua atenção para a bandeja de chá. — E
você não quer ter uma reputação de ser... fácil — articulou ela com
os lábios sem emitir som, como se a palavra fosse ofensiva demais
para ser dita em voz alta.
Georgiana deu uma gargalhada. — Fácil? — gabou-se, furando
o polegar com a agulha na confusão causada por sua diversão. —
Ai! Oh, querida tia Jane, por favor, onde você acha que eu poderia
conseguir uma reputação por causa disso... por aqui? — Ela enfiou
o polegar machucado na boca em uma tentativa de conter o riso, já
que sua tia parecia realmente um tanto zangada.
Bufando, a dama mais velha colocou uma xícara de chá em sua
mão e advertiu-a para não manchar os lençóis com sangue. — E
pelo que ouvi, você não precisaria ir muito longe. Aqui não anda
muito seguro para as pessoas decentes — murmurou ela,
balançando tristemente a cabeça.
— O que você quer dizer? — indagou Georgiana, e, então,
lembrou-se do aviso de seu tio. — Oh, você quer dizer lá no castelo.
Oh, Tia! O que você ouviu?
Sua tia fungou e balançou a cabeça. — Como se eu fosse te
contar! — respondeu ela, com desgosto, misturando o açúcar em
seu chá.
Georgiana fez beicinho, e sua tia pousou a xícara e o pires com
uma fungada. — Bem... — disse ela, com relutância. — Eles dizem
que o marquês de Beaumont está lá.
— Não brinca! — exclamou Georgiana. — Ele finalmente deu as
caras novamente. Estava começando a achar que ele não tinha a
coragem que eu acreditava ter.
— Georgiana! — exclamou sua tia, apertando o peito com uma
expressão de dor. — Eu nunca deveria ter deixado você começar a
ler aqueles jornalecos sensacionalistas. Gostaria de lembrá-la que a
amiguinha dele tentou afogar-se.
— Oh, tolice — respondeu ela, ignorando o grito de inquietação
de sua tia sobre suas observações nada gentis. — De acordo com
todos os relatos, a mulher viveu em Cambridge durante toda a sua
vida, por isso não consigo entender como ela não sabia que o rio
Cam é profundo o suficiente para molhar apenas os pés. A única
coisa que poderia matá-la seria um resfriado por ir para casa com as
saias molhadas. Ah, e acho que você descobrirá que a amante do
sujeito se chama Cytherean.
— Oh, bom Deus, Georgiana, você será a causa da minha
morte, eu juro! — exclamou sua tia, horrorizada.
Rindo, maliciosamente, Georgiana voltou à tentativa fracassada
de costurar.
— Bem, apenas fique longe da propriedade de Gower, mocinha.
Apesar de toda essa conversa que tem bom conhecimento das
coisas e que é uma ávida leitora, não entende como esses homens
agem, e não quero que você se coloque em perigo. Se não me
prometer, terei de fazer do velho Lambert o seu acompanhante, e
sabe o quanto eu estaria disposta a fazer isso.
— Lambert! — gritou Georgiana, horrorizada.
O velho rabugento, que era o cavalariço da família, sugava a
alegria de qualquer passeio ou cavalgada pelo campo, assim como
o papel mata-borrão faz com a tinta fresca.
Sua tia assentiu com a cabeça, satisfeita por ter sido tão bem
compreendida. — Vamos precisar de uma boa quantidade de dente-
de-leão, pois estou decidida a preparar algo com dente-de-leão e
bardana. Seu tio me parece um pouco indisposto e acho que faria
muito bem a ele. Portanto, se eu enviar você para colher dentes-de-
leão, seja obediente e certifique-se de não seguir por aquele
caminho.
— Ah, mas, tia! Você sabe que o terreno de quatro acres tem os
melhores dentes-de-leão, vai demorar...
Ela parou de falar quando uma expressão ameaçadora surgiu
nos olhos azuis geralmente calmos de sua tia. — Sim, tia Jane —
disse ela, humildemente, e voltou sua atenção para os lençóis.
Capítulo 3
 
“No qual o beau monde é rico demais para o apetite de Sua Graça.”

Sebastian olhou pela janela enquanto a chuva açoitava a


paisagem nas cercanias e se perguntou o que, em nome de Deus, o
fizera vir até aqui. Ele levou uma mão ligeiramente vacilante à
cabeça e estremeceu ao passá-la gentilmente em sua têmpora
dolorida. Nunca mais – essa era uma frase que lhe ocorria com
muita frequência após passar uma noite de devassidão com Beau, e
nunca pareceu tão adequada.
Ele tinha uma vaga lembrança da sala onde encontrava-se em
pé – cheia de baderna e mulheres seminuas – e reprimiu um
gemido. Como diabos conseguiria escapar agora?
Gower havia afirmado ter pensado muito nos entretenimentos da
semana seguinte, sem dúvida incitado por Beau, e, na noite
passada, ele disse com prazer, que era apenas o começo.
Sentando-se com um gemido, com cautela, em uma poltrona
estampada em tapeçaria, ele massageou suas têmporas pulsantes.
A vasta lareira de pedra ao seu lado expelia uma nuvem
desagradável de fumaça cinza toda vez que o vento assobiava pela
chaminé, e Sebastian franzia a testa, pensando cuidadosamente na
ideia de ir para casa – o mais rapidamente possível.
Ele estava ficando velho, concluiu com um suspiro melancólico.
Antigamente, ele teria ficado feliz em passar uma ou, até mesmo,
três semanas de devassidão no campo, enquanto seus
compromissos e obrigações podiam ir para o inferno. Agora, ele não
podia deixar de olhar para esses compromissos com um olhar mais
afetuoso e desejar voltar para eles. Marlburgh House era uma
propriedade antiga e extensa, cheia de correntes de ar e
vazamentos, cuja terra tinha ficado cada vez mais doente devido à
negligência na juventude e à má administração por aqueles que
deveriam manter o lugar em ordem. Mas, depois de muito
investimento e muita persuasão, as terras no entorno começaram a
dar o retorno desse investimento. Foi, então, com um sorriso irônico,
que Sebastian percebeu que preferia caminhar pelos campos e
conversar com o administrador de sua propriedade sobre o verão
terrível e como isso afetaria todos os seus planos futuros, a relaxar
com uma mulher seminua em seus braços. Ele resolveu, então,
manter tais pensamentos consigo mesmo. Se Beau algum dia
descobrisse seus pensamentos, nunca pararia de falar sobre isso.
Falando no diabo, ele pensou divertido, quando o homem em
pessoa veio e sentou-se na sua frente. Movendo-se tão
cuidadosamente quanto Sebastian, Beau sentou-se na cadeira com
um gemido suave e os olhos cerrados.
— Então a morena era tão enérgica quanto imaginou que seria?
— perguntou Sebastian, sorrindo quando Beau abriu um olho
sonolento.
Beau balançou a cabeça e, então, estremeceu, decidindo
claramente que o movimento era uma má ideia. — Ela era loira —
murmurou ele, beliscando a ponta do nariz com dedos longos e
elegantes.
Franzindo a testa, Sebastian relembrou dos eventos
reconhecidamente nebulosos da noite anterior. — Não, era
definitivamente uma morena que saiu.
Beau abriu os olhos, franzindo a testa e dando de ombros. —
Bem, eu acordei com uma loira.
Sebastian bufou e balançou a cabeça. — Eu preciso sair daqui;
tomar um pouco de ar.
— Neste lugar? Você está louco?
Olhando para a janela e para a chuva que a açoitava, Sebastian
esticou as pernas. — Já terá acabado por volta do meio-dia. Você
vem?
— Não — respondeu Beau. — Não vou.
— Faça como quiser.
— Eu sempre faço.
Sebastian olhou para o amigo com o cenho franzido. Havia algo
perturbando Beau, ele tinha certeza. Mas Beau geralmente não
compartilhava os seus problemas. Embora Sebastian soubesse que
Beau nunca iria invejar sua riqueza, estava irritado com a falta dela.
Seu pai, o duque de Ware, dava-lhe uma ninharia de mesada e era
apenas a própria habilidade de Beau e a sorte do diabo com as
cartas e os dados que o mantinham sobrevivendo. Na maioria das
vezes, Beau estava pagando um credor assim que outro começava
a bater na sua porta. Seu estilo de vida extravagante não era algo
que ele reduziria de forma alguma. Era uma situação que Sebastian
raramente mencionava. Ele tentou, uma vez, falar com Beau e
emprestar-lhe dinheiro para ajudá-lo em um momento
particularmente difícil, mas acabou gerando a pior e mais violenta
discussão que já tiveram, e ele nunca ousaria abordar esse assunto
novamente.
Para sua surpresa, ele não precisou, pois Beau tocou no
assunto mais tarde no mesmo dia em que almoçaram juntos. Lorde
Gower ainda não havia aparecido, o que não surpreendeu ninguém,
considerando o estado dele na noite anterior.
— Eu tenho que me casar — disse Beau, olhando com uma
expressão sombria para uma caneca de cerveja.
— Ah — respondeu Sebastian. — Eu estava me perguntando o
que estava errado.
— Não consigo ver outra solução. É isso ou a prisão para
devedores.
— Meu Deus, as coisas estão tão ruins assim? — indagou
Sebastian, cortando um pedaço grosso de lombo, e bastante
aliviado que seu estômago havia decidido lhe perdoar.
Beau deu de ombros e recostou-se na cadeira. — Ainda não,
mas com certeza em um ou dois meses poderão estar.
Sebastian mastigou lentamente e debateu qual a tática que
deveria adotar primeiro, sabendo muito bem que precisava tomar
cuidado quando Beau encontrava-se nesse tipo de humor e
situação. — Você falou com seu pai? — perguntou ele, escolhendo,
primeiro, a opção que lhe parecia mais segura.
Bufando com uma combinação de diversão e desgosto, os olhos
azuis brilhantes de Beau encontraram os dele. — Sim, e meu
digníssimo pai me disse que me acompanharia pessoalmente até os
portões da prisão para devedores, Marshalsea, antes de entregar
um centavo para me salvar. — Beau olhou com raiva e balançou a
cabeça. — Maldito velho bastardo. Que direito ele tem de ser tão
hipócrita comigo quando eu sei muito bem que ele é um perdulário...
ou pior. Só Deus sabe o que herdarei, se é que algum dia herdarei
alguma coisa — disse ele, com uma expressão sombria brilhando
em seus olhos. — Com certeza, o velho bastardo e devasso fez um
pacto com o diabo. Ele é perverso demais para morrer, se você quer
saber a minha opinião.
— Charles! — exclamou Sebastian, assustado, dizendo seu
verdadeiro nome em vez do habitual, Beau, pelo qual todos o
conheciam.
Beau ergueu uma elegante sobrancelha. — Ah, agora vai me
chamar de Charles? Meu Deus, devo tê-lo chocado.
Sebastian suspirou e balançou a cabeça. Mesmo em seus
piores momentos, Sebastian atribuiu grande parte do mau
comportamento de Beau à influência de seu pai. Ele raramente
falava de sua família, mas Sebastian sabia que sua mãe havia
morrido quando ele nasceu e seu pai nunca se importou com o filho
cada vez mais selvagem, ignorando-o na maior parte do tempo e
abusando dele no outro restante. Não era de se admirar que ele
estivesse possesso.
— Beau, demorei a oferecer... depois da última vez...
— Então não ofereça — respondeu ele, com os olhos azuis
fitando diretamente Sebastian. — Prefiro apodrecer na cadeia a tirar
um centavo de você, e sabe disso.
Frustrado, Sebastian bateu com a mão na mesa. — Sim, sei
disso, maldito seja. O que não entendo é o porquê. Por que não me
deixa ajudá-lo?
Beau ficou de pé, apático e gracioso como sempre,
espreguiçando-se e bocejando, enquanto sorria para Sebastian. —
Sindalton, eu tenho muitos defeitos, meu amigo, mas não vou
depender de você, e isso é fato. Portanto, pode pegar sua gentil
oferta e ir para o inferno. Encontrarei uma pequena e doce herdeira,
sem dúvida, gaga e com seis dedos nos pés, e nos daremos muito
bem depois, tenho certeza. — Ele fez uma reverência elegante e se
virou para sair da sala.
— Aonde você está indo? Maldito seja! — quis saber Sebastian.
— Ainda não terminei de falar com você!
— Não — disse Beau por cima do ombro. — Não duvido, mas
terminei de falar com você e vou voltar para a cama para me
preparar para esta noite.
Sebastian bufou com aborrecimento quando a porta se fechou e,
então, olhou para a janela. A mais leve coloração de azul era visível
sob uma espessa nuvem branca como algodão que se movimentava
rápido no céu. Parecia que a chuva iria dar uma trégua pelo menos
por algumas horas, e, com esse pensamento feliz, Sebastian se
dirigiu aos estábulos.
Como imaginava, John Jeffries, seu cocheiro chefe, pôde ser
encontrado nos estábulos. Jeffries começou como cavalariço em
Marlburgh House, e quando o pai de Sebastian morreu e sua mãe
sucumbiu à histeria pelos próximos dez anos, Jeffries foi a única
pessoa leal e confiável na vida de Sebastian. Ele era um homem
rústico de meia-idade, com cabelos grisalhos e um ar de calma
inabalável, além de ter, inegavelmente, uma afeição pelo duque,
sem tolerar nenhuma de suas tolices se sentisse que o jovem duque
estivesse ficando muito esnobe. Foi Jeffries quem ensinou
Sebastian a montar seu primeiro pônei e conversou com ele sobre
sexo. Sebastian nunca ia a lugar algum sem ele.
— Imaginei que poderia vê-lo esta tarde, Vossa Graça —
observou Jeffries, com um largo sorriso, levando o cavalo de
Sebastian para o pátio.
— Parece que preciso acrescentar a telepatia à sua lista
interminável de habilidades, John — respondeu Sebastian, mais do
que satisfeito em ver o cavalo arreado e pronto, e pelo fato de que
não teria que ficar esperando. Sua cabeça doía e ele precisava se
afastar do ar espesso de devassidão que parecia pairar sobre o
castelo e se agarrar a ele como teias de aranha.
— Sim, bem, Vossa Graça... Já não é de hoje que vivo lhe
dizendo que minhas capacidades não são valorizadas como
deveriam — brincou John, com o brilho em seus olhos deixando
claro que estava provocando-o, pois seu comportamento era
perfeitamente pacífico.
— Lógico que não — disse Sebastian, levantando uma
sobrancelha para ele e adotando uma expressão arrogante. — Sou
um duque. É meu dever menosprezá-lo, mesmo que seja meu
superior em todos os aspectos.
A boca de John se contorceu apenas um pouco quando
entregou as rédeas para Sebastian. — Contanto que isso esteja
claro, Vossa Graça — respondeu ele, totalmente sério.
Sebastian montou elegantemente o cavalo e sorriu para ele. —
Ah, sempre, John. Como se você fosse me deixar esquecer isso.
Ele saiu do pátio e seguiu por um caminho estreito e sinuoso
para o campo aberto. O castelo, mais um edifício ornamental, para
dizer a verdade, foi construído sobre um afloramento alto de pedras,
e a vista para o campo era espetacular. Um vento frio assobiava
pelo terreno aberto, mas Sebastian desfrutava-o, inspirando grandes
correntes de ar limpo e frio, como se pudessem purificá-lo de dentro
para fora. Pareceu funcionar até certo ponto, sentindo sua mente
ficar mais clara e o futuro parecendo um pouco menos emaranhado,
ao contrário de como se sentiu depois de sua conversa com Beau.
Ele não deixaria seu amigo apodrecer na prisão, disso tinha
certeza. Se fosse necessário, pagaria as dívidas do tolo, mesmo
que isso significasse que nunca mais falaria com ele, embora
esperasse que não chegasse a tal ponto. Sebastian nunca foi de
fazer amigos facilmente. Era muito difícil saber quem realmente
gostava dele pelo que ele era e quem só queria cair nas boas
graças de um homem rico e poderoso para benefício próprio.
Ele tendia a adotar um comportamento mais arrogante e
desconsiderado diante de outras pessoas, esforçando-se para
manter os bajuladores e aduladores longe. Funcionava, até certo
ponto, embora também tenha afastado quase todo mundo. Não que
isso tivesse afetado o seu sucesso com as damas. Ele era um
talentoso sedutor e tinha uma reputação perigosa, tornando-se
arriscado para qualquer mãe colocar sua filha em seu caminho. No
entanto, era um risco elevado que se corria quando um duque
estava em disputa.
O circo, como ele se referia a isso tudo, o deixava horrorizado.
O Almack’s, ou como a maioria das pessoas se referia a ele – o
mercado de casamentos – era o pior de todos. Ele sentia que as
jovens estavam desfilando diante dele como gado, esperando que
desse um lance em uma que lhe agradasse mais. Por sua vez, seus
olhos sobre ele eram avarentos e fazia com que ele as odiasse e
desprezasse, embora soubesse no fundo que isso era tão injusto
com elas quanto com ele.
Por um momento, ele invejou Beau, e não apenas por sua
aparência. As mulheres desejavam Beau porque ele era bonito,
charmoso e divertido. Oh, ele vinha de uma linhagem antiga e digna,
de uma das famílias mais antigas do país, na verdade. E o fato de
ele ser um marquês e de que um dia se tornaria um duque ajudava,
obviamente, mas seu pai ainda era um homem viril e ativo, e não
dava sinais de abrir mão do seu título tão cedo, e todos sabiam que
Beau estava sem um tostão. Qualquer mulher que quisesse Beau
não estava atrás do dinheiro dele, pelo menos.
Com um suspiro, freou o cavalo e tirou um momento para
inspecionar o campo. Era lindo, irregular, acidentado e varrido pelo
vento, bem diferente do verde luxuriante e das terras férteis ao redor
de sua propriedade. Olhando para o céu e para as nuvens que se
movimentavam rapidamente, supôs que ainda tivesse tempo
suficiente antes de precisar voltar e continuou a explorar mais o
campo.
Capítulo 4
 
“No qual intrigas são criadas.”

Georgiana olhou para as míseras flores e bufou de


aborrecimento. Que diabos tia Jane estava pensando, querendo
dente-de-leão e bardana nessa época do ano? As folhas estavam
fadadas a ficarem amargas e, no final da estação, era difícil ver os
dentes-de-leão, cobertos como estavam por tantas outras ervas e
flores mais altas. Resmungando consigo mesma, pegou sua cesta e
chamou Conrad de volta. O grande vira-lata preto voltou correndo
para ela, balançando o rabo alegremente e com todo tipo de
carrapichos e sementes grudadas em seu pelo.
— Oh, francamente! Olhe para o seu estado. — Georgiana
estalou a língua com desaprovação. — A tia vai dar uma bronca em
nós dois se você for para casa assim. Seu safadinho! — Ela olhou
para o céu e franziu a testa. — Mas nós vamos ficar molhados
também se não nos apressarmos; não gosto da aparência desse
céu.
Olhando ao seu redor, Georgiana tomou uma decisão rápida.
Levaria horas procurando dentes-de-leão suficientes aqui, mas se
fosse para o terreno de quatro acres da propriedade de Gower, onde
ela costumava colher, conseguiria terminar em uma hora no
máximo, e ninguém saberia.
— Vamos, Conrad — chamou ela, caminhando. Ela levaria pelo
menos uma hora para caminhar até lá, mas era melhor do que
passar horas no prado em Longbarrow.
Seus instintos provaram estar certos ao chegar à propriedade de
Gower e sua cesta estava quase cheia quando o céu se abriu.
— Oh, maldição! — praguejou ela, gritando quando uma gota
gelada de chuva desceu por sua nuca e a fez estremecer. Pegando
a cesta em uma mão e as saias na outra, correu morro abaixo até a
caverna do contrabandista. Não era mais utilizada por
contrabandistas, é claro, ou pelo menos era raramente usada para
isso, mas era muito conhecida por ser um esconderijo seguro.
Mas era um bom lugar para se proteger da tempestade. Ela se
sentou em uma saliência no abrigo da caverna e olhou para fora,
enquanto uma tempestade se formava no céu. Pesadas nuvens de
coloração azul-arroxeada se amontoavam, bloqueando a luz do dia
e lançando uma luz estranha e melancólica sobre o campo.
— Oh, querido, agora estamos seguros — murmurou ela,
puxando distraidamente as orelhas fofas de Conrad, enquanto o
primeiro raio enlouquecia os céus e terminava com um estrondo
agudo antes que um trovão ressoasse pela paisagem. Conrad
choramingou e inquietou-se ao seu lado, e ela o silenciou, grata por
sua companhia. Ela não era de forma alguma uma criatura
fantasiosa, apesar de seu amor por romances góticos horripilantes e
impróprios para uma dama, mas a tempestade era inquietante e ela
ficaria feliz se estivesse em segurança de volta à sua casa perto de
uma lareira acolhedora. O vento tomou uma nova direção e a chuva
começou a açoitar a abertura da caverna, levando-a mais para trás
na escuridão, onde ela permaneceu inquieta, enquanto a
tempestade rugia.
Ela estava apenas começando a pensar que o pior havia
passado quando houve uma comoção na entrada da caverna; ela
reprimiu um grito de alarme quando o guincho de um cavalo pôde
ser ouvido e viu a grande criatura empinar, e o destaque de uma
silhueta contra um raio branco luminoso. Um momento depois, ela
viu um homem saltar do cavalo, puxando o animal apavorado para o
abrigo da caverna, murmurando palavras suaves.
Com o coração batendo sobressaltado, ela avaliou o homem e
estava certa de que não se tratava de um homem local, pois teria
percebido muito bem aqueles ombros largos e pernas poderosas
antes, se tivesse apenas olhado para ele de relance. O homem tirou
a jaqueta e o colete ensopados, e os estendeu sobre uma pedra
para secar.
Muito ciente de quão imprópria a situação era – sozinha com um
homem no meio do campo durante uma tempestade – Georgiana
manteve-se bem afastada dele no escuro e rezou para não ser
notada. Mas é claro que ela havia esquecido de seu cão teimoso.
A princípio, Conrad sentiu-se ligeiramente intimidado pelo
espetáculo da luta entre o homem, a fera e os elementos naturais,
assim, escondeu-se, tremendo, atrás das saias de sua dona. No
entanto, agora que tinha se acalmado, estava se sentindo um pouco
mais corajoso; avançando valentemente, ele deu um latido agudo de
desaprovação ao recém-chegado antes que Georgiana tivesse
tempo ou perspicácia para detê-lo.
O homem se virou, e ela foi agraciada com a visão de cabelos
castanhos grossos, olhos escuros bastante ferozes sob
sobrancelhas grossas e uma mandíbula forte e quadrada.
— Quem está aí? — indagou ele.
Incapaz de fazer qualquer outra coisa, Georgiana deu um passo
à frente, saindo da escuridão para as sombras arroxeadas lançadas
pela tempestade que finalmente mostrava sinais de diminuir – para
seu alívio.
— Bom Deus — sussurrou o homem, quando ela emergiu da
escuridão da caverna. Ele pareceu levar um tempo para se lembrar
de suas boas maneiras, ou, pelo menos, Georgiana esperava que
na próxima vez que ele abrisse a boca fosse se apresentar e
tranquilizá-la de que não queria lhe fazer mal. Mas ele não o fez. —
Você é uma bruxa? — indagou ele, com diversão brilhando em seus
olhos, enquanto a fitava com um olhar claramente avaliador que fez
seu sangue ferver.
— Por certo que não sou, senhor — respondeu ela, com o
máximo de frieza que conseguiu reunir. — Pois se fosse, lançaria
um feitiço para estar em casa perto do fogo, em vez de me
protegendo de uma tempestade em uma caverna úmida.
O homem soltou uma gargalhada, aparentemente encantado. —
Ora, veja só! A pessoa certa para alegrar uma tarde entediante.
Ela olhou para ele em silêncio, horrorizada, enquanto ele
continuava a olhá-la de cima a baixo em aprovação.
Ela deu uma fungada desgostosa e fez cara feia para ele. —
Tenho certeza de que me sinto aliviada por ter lhe proporcionado
algum entretenimento — respondeu ela, com fria dignidade. — Pois
você não me diverte, nem um pouco.
— Piedade! — respondeu ele, rindo, erguendo as mãos em falsa
rendição. — Vamos, bruxinha, acho que começamos com o pé
errado. Você não quer vir e se apresentar a mim?
— Como você parece não ter educação, de uma forma que está
além de qualquer coisa que tive a infelicidade de encontrar até
agora, não. Não me apresentarei.
— Ah — respondeu ele, e a diversão brilhante em seus olhos
escurecendo, conforme dava um passo à frente. — Então talvez eu
deva me apresentar? — perguntou ele, com uma voz suave agora.
— Por favor, não se incomode — vociferou ela. — Faça a
gentileza de se afastar e lhe desejarei um ótimo dia. Parece que a
tempestade passou e posso seguir o meu caminho.
— Sozinha? — perguntou ele, arqueando uma sobrancelha.
— Sim, sozinha! — respondeu ela, e qualquer vestígio de
paciência há muito desaparecido, pois aquela criatura odiosa
parecia determinada a atormentá-la. — Nasci e cresci aqui, e todos
me conhecem. Não é um grande escândalo que eu ande sozinha.
— Em suas próprias terras, talvez? — reconheceu ele, com
muito ceticismo. — Mas esta não é a sua propriedade.
— Nem a sua! — retrucou ela, tentando passar por ele,
ofegando em choque quando ele segurou seu braço. — Deixe-me ir!
— gritou ela, tentando e falhando em soltar-se daquele aperto.
— Calma, meu bem — disse ele, abrindo um largo sorriso para
ela. — Se você quiser passar, terá que pagar o pedágio.
Ela não teve um momento sequer para pronunciar a pergunta
confusa que veio à sua mente quando ele lhe respondeu
habilmente, puxando-a em seus braços e beijando-a.
Àquela altura, muito mais zangada do que assustada, ela lutou
para se afastar, descobrindo que seu aperto era forte demais. Ele
soltou sua boca e olhou para ela, com seus olhos ainda mais
escuros e um tanto diabólicos na penumbra da caverna.
Tardiamente, ciente de que talvez sua dona não estivesse
gostando das atenções do estranho, Conrad começou a latir,
saltando para frente e para trás entre a entrada da caverna e o
estranho.
— Oh, obrigada, Conrad! — exclamou Georgiana, irritada. — Só
que um pouco tarde demais, sua criatura idiota.
— Talvez não — sussurrou o homem, com o hálito quente e
úmido contra o pescoço dela. Ele ergueu os olhos diabólicos
brilhando com malícia. — Talvez eu tenha planos ainda mais
nefastos para você — sugeriu ele, mexendo as sobrancelhas como
um vilão teatral.
— Eu lhe agradeceria se tirasse suas mãos de mim, neste
instante! — exigiu Georgiana, contorcendo-se mais uma vez nos
braços ridiculamente fortes do bruto. O homem olhou para Conrad,
cujo latido estava ficando cada vez mais alarmado, pois o estranho
não fez o que lhe foi pedido e libertou sua dona.
— Cale-se!
Conrad estremeceu de surpresa, reconhecendo claramente o
som de autoridade e deitando-se com mansa obediência ao ouvir a
voz de um homem.
— Oh, que criatura infiel! — lamentou Georgiana. — De todos
os idiotas, desleais...
— Cale-se, bruxinha — disse o homem bruto, com a voz mais
suave quando voltou sua atenção para ela. — Pois então, apenas
diga-me seu nome e de onde vem, e eu juro que vou deixá-la ir. Eu
não vou te machucar, tem minha palavra.
— Ah, claro — respondeu ela, com aspereza. — A palavra de
um cavalheiro — acrescentou ela, com veneno, infundindo nessa
última palavra todo o desprezo que estava sentindo no momento. —
Que reconfortante.
— Olha só... uma gatinha. — Ele riu. — Pois bem, então,
mostre-me suas garras e posso muito bem mudar de ideia e mantê-
la aqui.
— De todos os odiosos, vis, detestáveis...
— Repugnantes? — acrescentou ele, solícito.
— Sim, repugnante! — repetiu ela, batendo o pé. — E
abominável, repulsivo...
— Aí, não! — Ele interrompeu a enxurrada de adjetivos. —
Repulsivo já é demais. — Ele balançou a cabeça e seus olhos
demonstravam um brilho levemente zombeteiro. — Sei de fonte
muito segura que não sou nem um pouco repulsivo.
— De que fonte? — indagou ela. — Com certeza não sou eu
essa fonte. Ah, e, agora, podemos acrescentar repugnantemente
arrogante e orgulhoso!
— Diga-me o seu nome, bruxa!
— Oh! — Com absoluta fúria, ela reprimiu um xingamento muito
pouco feminino e respondeu: — Meu nome é Georgiana Bomford e
desejo-lhe sorte, pois você nunca mais terá motivos para pronunciá-
lo. Agora. Deixe-me. Ir. Embora.
— Ah, mas ainda não me apresentei a você — respondeu o
estranho, todo polido e zombeteiro.
— Então apresente-se para que eu possa me apressar em
esquecê-lo — murmurou ela, furiosamente.
O homem pareceu hesitar por apenas um segundo e seus olhos
escuros encheram-se de algo que ela não conseguia decifrar. —
Charles Stafford, o marquês de Beaumont, a seu dispor, senhora.
Georgiana congelou e piscou para ele, sem acreditar. Há muito
tempo ela queria ver com os próprios olhos o perigosamente belo
Beau Beaumont, e, muito embora esse homem fosse realmente
muito bonito e certamente um perigo para ela – ou para qualquer
outra mulher que tivesse a infelicidade de cruzar seu caminho – ele
não era o que ela esperava. Ela, então, franziu a testa para ele.
— Você é Beau Beaumont?
Ela achou que ele pareceu levemente irritado com a pergunta, o
que lhe agradou.
— Sim — respondeu ele, parecendo um pouco desafiador. — E
daí?
Ela franziu os lábios e deu de ombros antes de responder: —
Nada.
— Como assim? — quis saber ele. — O que você quer dizer
com nada? — Ela ficou intrigada ao descobrir que ele parecia
realmente um tanto nervoso, o que a fez sentir-se imensamente
animada e decidiu, então, provocá-lo mais um pouco – para o bem
dele; pois o diabo estava claramente precisando desesperadamente
ser colocado no seu devido lugar.
— Bem, milorde — murmurou ela. — Acho que estou um
pouco... desapontada.
— É mesmo?
Havia um tom perigoso naquela única declaração que não lhe
escapou, mas ela estava muito zangada para desistir agora.
Com outro encolher de ombros eloquente, ela simplesmente
acrescentou. — Sim. Bem, eu li muito sobre o perigoso Beau
Beaumont, que ele é devastadoramente bonito e charmoso, e que
as mulheres fazem fila a seus pés e... — Ela parou e olhou para ele,
furtivamente, para obter o efeito desejado.
— E? — O tom perigoso cresceu e se intensificou, e ela
experimentou um momento de receio antes de torcer a faca.
— Bem, é apenas uma grande decepção descobrir que sua
técnica depende mais da força bruta de um homem das cavernas do
que do flerte inteligente e sofisticado que eu supunha que você
tivesse.
Por um momento, ela observou as emoções passarem pelo
rosto dele. Ela estava bastante certa de que nenhuma mulher jamais
havia falado daquele jeito com ele. Embora ela estivesse muito feliz
em preencher a lacuna em sua educação, admitiu ter prendido a
respiração enquanto esperava sua resposta. Não era o que ela
esperava, pois ele inclinou a cabeça para trás e soltou uma ruidosa
gargalhada.
— Ora, que desgraçada! — exclamou ele, dando-lhe um largo
sorriso. — Muito bem, Georgiana Bomford. Então estou mais feliz
por tê-la conhecido do que possa imaginar.
Para seu espanto, ele a soltou e afastou-se, parando por um
momento para fazer carinho no traidor Conrad, que abanou o rabo
alegremente em resposta.
Para aumentar seu espanto, ele olhou para ela, sorrindo
amplamente e parecendo em todos os sentidos um estudante
travesso, ao invés do vilão que acabara de maltratá-la tão
escandalosamente. — Estarei aqui novamente amanhã à tarde,
senhorita Bomford, diga que virá me encontrar.
Sua boca se abriu contra sua vontade de maneira que teria feito
sua tia repreendê-la exaustivamente e, por um momento, sentiu-se
incapaz de dar uma resposta. Mas isso não durou.
— Você é muito louco ou está simplesmente embriagado? —
perguntou ela, pois somente uma bebida ou uma mente muito
doentia poderiam ser as explicações que o fariam acreditar que ela
o encontraria de bom grado novamente.
— Nem um nem o outro — respondeu ele, soando muito alegre.
— Estou perfeitamente sóbrio e não estou nem um pouco
perturbado, prometo.
— Falou como um verdadeiro louco — respondeu ela, com uma
fungada e, preparando-se para virar as costas para ele, ela ajustou
o bonnet.
— Espere! — gritou ele, agarrando sua mão e desfazendo as
fitas de seu bonnet novamente.
— Oh! Quer parar de me maltratar? — exclamou ela.
— Peço perdão — respondeu ele, com os olhos escuros, de
repente, cheios de calor, embora não parecesse nem um pouco
arrependido. — Mas, por favor, estava falando sério. Estou tão feliz
por tê-la conhecido. Por que não vem conversar comigo de novo?
Prometo-lhe que me comportarei como um cavalheiro se voltar.
— Certamente que não! — respondeu ela, um pouco nervosa,
embora estivesse ciente do desejo crescente de fazer o que ele lhe
pedira em resposta ao olhar suave daqueles olhos escuros.
Felizmente, era um desejo do qual ela desconfiava completamente e
certamente não seria tola a tal ponto de voltar.
— Ah, como você é cruel, bruxinha.
— Tolice! — respondeu ela, sucintamente, pegando sua cesta e
saindo da caverna.
— Vou encontrá-la de novo, Georgiana — disse ele, com um
riso em sua voz enquanto ela se afastava dele. — Você vai ver
como eu vou!
Capítulo 5
 
“No qual os destinos brincam com o futuro.”

Passaram-se cinco dias antes de vê-la novamente. No dia


seguinte ao encontro com sua pequena rebelde na caverna, o
tempo fechou e ninguém em sã consciência iria pôr os pés do lado
de fora da porta. Lamentavelmente, Sebastian teve que se
perguntar se a bruxa estava certa e ele estava perturbado, pois ele
precisou se esforçar muito para não ir atrás dela, não importa o
quão imprevisível o estranho clima de verão pudesse parecer. O dia
seguinte foi tempestuoso e ameaçador, mesmo assim, ele saiu,
voltando para a caverna; ele teria ficado um pouco desapontado
caso ela estivesse lá. Depois disso, passou horas vasculhando cada
centímetro do campo.
Ele repetiu o exercício todos os dias, e teve que morder a língua
para evitar perguntar às pessoas por ela para não lhe causar
problemas; ele conhecia bem a sua, ou melhor, a reputação de
Beau, e não causaria a sua ruína por ficar perguntando por ela por
aí. Mas a visão da deslumbrante ruiva com sua língua afiada e
lindos olhos castanhos o atormentava a cada momento que se
seguiu àquela tarde tempestuosa. Assim, foi com um arroubo de
triunfo interior que ele viu um vislumbre de cabelo acobreado com o
canto do olho enquanto cavalgava, estranhamente cedo, em uma
manhã ensolarada de outono.
Ele parou por um momento, admirando a cena bucólica diante
dele. Ela sentava-se sobre uma toalha de piquenique em uma
saliência rochosa alta na beira de um prado, com um caderno de
desenho e um lápis na mão. Seu bonnet tinha sido posto de lado e
seu cabelo estava todo despenteado, caindo em gloriosas mechas
vermelhas pelas costas. Desmontando do cavalo e deixando o
animal pastar na grama, ele andou na ponta dos pés,
silenciosamente, aproximando-se para ver melhor. O indomável
Conrad cochilava ao lado dela, e Sebastian pôde ver uma cativante
carranca de concentração em seu rosto, enquanto ela tinha
dificuldades de replicar a paisagem diante dela. Ele moveu-se
furtivamente para mais perto por trás dela e, notando que o cachorro
incorrigível não reagia, observou por cima do ombro e tentou abafar
o riso. Respirando fundo, uma vez que se endireitou, ele perguntou
gravemente: — Isso é uma vaca ou um cavalo?
— Oh! — Dando um gritinho de choque, ela largou o caderno e
olhou-o horrorizada, enquanto Conrad acordava e começava a pular
para cima dele com entusiasmo. — Você! — disse ela, conseguindo
infundir na palavra tanta fúria que ele não pôde deixar de dar um
largo sorriso.
— Eu disse que iria encontrá-la, senhorita Bomford.
— Como ousa? — sibilou ela, olhando ao redor alarmada.
— Oh, não se preocupe, estamos sozinhos — acrescentou ele,
lançando um grande sorriso em sua direção. — Não há ninguém
nas redondezas, mas eu tenho certeza de que você sabe disso. Ah,
e como ouso? Bem, como eu te beijei da última vez que nos
encontramos, não vejo por que não demonstrar um pouco de
animação.
— Criatura abominável!
Ele riu e sentou-se ao lado dela, balançando a cabeça.
— Trégua, senhorita Bomford. Por favor, eu lhe imploro, vamos
pelo menos tentar ser civilizados. Eu juro que vou se você também
for. Certamente podemos falar algumas palavras sem trocarmos
insultos o tempo todo?
— Eu sinceramente duvido — comentou ela, com aqueles olhos
castanhos, não, eles eram verdes, piscando. Ela estendeu a mão
para pegar o caderno novamente, mas ele foi rápido demais e o
apanhou primeiro. Franzindo a testa, ele olhou para a paisagem e
de volta para o caderno, e depois para Georgiana, com uma
sobrancelha levantada. Ela bufou, e a pele pálida corou de uma
forma recatada.
— Eu sei que não desenho bem — respondeu ela, parecendo
irritada e intensamente envergonhada. — Nunca consegui, só que...
Ele sorriu para ela, esperando que sua expressão fosse tão
calorosa e amigável quanto ele desejava. Ele não queria que ela
fugisse de novo. — Só que...? — repetiu ele.
Ela bufou e tentou pegar o caderno de volta. — Só que eu gosto
de tentar. Nunca parece como deveria, mas... mas acho agradável.
Ele puxou o caderno de seu aperto relutante mais uma vez, com
um sorriso puxando os cantos de sua boca. — Isto é uma vaca? —
perguntou ele, incapaz de esconder o riso de sua voz.
— Você sabe muito bem que é um cavalo, milorde — respondeu
ela, com dignidade, embora ele suspeitasse que houvesse alegria
rondando seus olhos.
— O que mais você gosta de fazer? — perguntou ele,
genuinamente curioso agora, permitindo que ela puxasse o caderno
de suas mãos.
Ela franziu, e ele observou enquanto ela debatia consigo
mesma, imaginando se seria tão corajosa quanto ele suspeitava que
fosse.
— E-eu gosto de ler — disse ela, desviando o olhar para a cesta
de vime; ele suspeitou que ela respondia contra a vontade.
— O que você gosta de ler? — perguntou ele, imaginando se ela
admitiria gostar de romances ou se insinuaria que lia algo muito
mais célebre e enfadonho. Era malvisto que a maioria das jovens
damas da alta sociedade contaminasse suas mentes com tal
absurdo, embora ele mesmo nunca pudesse entender o porquê, já
que se divertia lendo. Ele estava acostumado a receber uma lista de
títulos muito mais sérios, embora suspeitasse fortemente que a
dama em questão estava mais inclinada a ler um romance
sensacionalista, embora ninguém jamais iria admitir isso para ele.
Ele ficou surpreso, então, quando ela enfiou a mão na cesta e
retirou uma cópia esfarrapada de Romance Siciliano.
— Senhora Radcliffe — disse ele, com o tom de aprovação.
— Você já leu algo dela? — Ela parecia tão surpresa que ele
teve que rir.
— Você pensou que eu iria repreendê-la e dizer para se dedicar
a algo mais sério? — Ele virou o amado exemplar em suas mãos,
sorrindo. — Suponho que fui escalado como o duque de Luovo?
Ele viu o canto de sua boca se contrair, mas ela conseguiu
reprimir o sorriso que ameaçava. Ele decidiu que ainda a faria sorrir.
— Talvez — admitiu ela, e seus olhos verdes – não, eles eram
castanhos – brilharam. — Ainda não tenho certeza.
— Você quer dizer que ainda tenho uma chance de ser o
heroico Hipólito? — indagou ele.
— Certamente que não! — respondeu ela, estendendo a mão de
maneira arrogante. Ele devolveu o livro a ela e ficou encantado
quando ela lhe lançou um olhar tímido, acrescentando: — Embora
tenho que admitir que acho Hipólito um nome extremamente ridículo
para um herói.
Ele assentiu, pegando um fio de grama que estava balançando
na brisa ao lado dele. — Muito inadequado — concordou ele, com
bastante seriedade.
O silêncio se estendeu entre eles enquanto ele encontrava-se
especulando qual exatamente era a cor de seus olhos. Ela tossiu e
pareceu desconfortável com seu escrutínio, e ele se levantou,
surpreso ao descobrir que a observava como um tolo. — É bom
finalmente ter um pouco de sol, não é? — disse ele, apressando-se
para puxar assunto.
Uma delicada sobrancelha vermelha arqueou-se. — Meu Deus...
Sério? O tempo? — Ela estalou a língua e começou a guardar os
lápis e o caderno de volta na cesta.
— Sinto muito, isso foi chocante, não foi? — perguntou ele, com
a expressão triste. — Mas suspeito que se eu tivesse lhe contado a
verdade, ficaria ainda mais enojada.
— É mesmo? — Ele ficou encantado ao ver a curiosidade em
sua expressão, um leve franzir sobre os olhos, e ela parou com o
romance da senhora Radcliff suspenso sobre a cesta.
— Não consigo parar de olhar para os seus olhos — admitiu ele,
com toda a sinceridade desta vez. — Não consigo decidir se são
verdes ou castanhos.
Ela bufou em diversão e jogou seu romance na cesta. — Nem
um nem outro — disse ela, com um tom trivial inerente à sua voz. —
Eles são cor de mel e, por favor, eu imploro, não vá escrever uma
ode ou algo do gênero.
— Por que não? — retorquiu ele, pegando a cesta das mãos
dela e colocando-a atrás de si para que ela não pudesse alcançá-la.
— Não, não vá, ainda não — implorou ele, dando-lhe seu sorriso
mais encantador. — Diga-me por que eu não deveria escrever um
poema para você. Você merece um poema, na minha opinião.
Ela corou e balançou a cabeça. — Eu irei embora se continuar
falando dessa maneira tão ridícula. Você não tem nada que flertar
comigo e, bem, você sabe o porquê, então, por favor, pare.
Ele suspirou e alongou seu flanco, olhando para ela. — Muito
bem. Se eu prometer não flertar, você fica aqui conversando
comigo?
Ela hesitou, e, por um breve espaço de tempo, ele deixou de
pensar que ela ainda o achava tão desagradável quanto havia
imaginado. — Só um pouquinho, então — disse ela, e ele viu o
primeiro vislumbre real do sorriso que ele tanto esperava. Ele ficou
sem fôlego e soltou uma gargalhada.
— Meu Deus — sussurrou ele, olhando para ela. Franzindo a
testa, ela começou a se levantar. — Não! — exclamou ele. — Isso
foi involuntário, eu juro. Não era minha intenção — disse ele, meio
rindo, meio implorando ao descobrir que ficaria amargamente
desapontado se ela fugisse agora.
— Última chance — disse ela, com o tom feroz enquanto
apontava um dedo para ele.
— Juro pela minha vida — respondeu ele, fazendo uma cruz
sobre o coração enquanto falava.
Aparentemente satisfeita, ela sentou-se novamente e ele
começou a incentivá-la a falar. Ele não lhe fez todas as perguntas
fúteis habituais sobre a sua família e onde nasceu, mas falaram de
livros, poesia, música e cavalos – ela adorava cavalgar, ele
descobriu, e tinha ambições de conduzir uma phaeton, algo que ele
secretamente esperava ajudá-la. Conversaram durante o almoço e o
restante da tarde. Ela insistiu em compartilhar seu piquenique com
ele e fez sons encorajadores, enquanto ele subia em uma macieira
na cerca viva depois que ela descobriu que a maior e mais brilhante
maçã estava bem no topo. Então, foi com uma exclamação de
alarme que ela olhou para cima algumas horas depois e descobriu
que o céu estava escurecendo.
— Minha nossa! — disse ela, juntando seus pertences enquanto
se levantava. — Já está tão tarde, como passou rápido!
— A tarde foi gasta da maneira mais agradável possível — disse
ele, com total sinceridade, sentindo-se verdadeiramente
desapontado por ela ter chegado ao fim. Ele estendeu a mão e
pegou a mão dela, envolvendo-a entre as suas muito maiores. —
Diga que voltará amanhã. — Ela abriu a boca e começou a balançar
a cabeça. — Por favor? — disse ele, bastante surpreso ao ouvir a
nota suplicante em sua própria voz.
— E-eu não deveria. Você sabe que eu não deveria — disse ela,
evitando seus olhos e tentando puxar sua mão livre.
— Eu estarei aqui — disse ele, sorrindo para ela. — Vou esperar
o dia todo, e o dia seguinte e o dia depois do seguinte...
— Oh, pare, sua criatura absurda! — disse ela, rindo, embora
sua expressão estivesse preocupada. — E-eu não sei se... se...
— Sim, você pode, eu sei que pode, se você tentar. — Ele deu
um aperto suave em seus dedos. — Estarei aqui — repetiu ele. —
Até amanhã, senhorita Bomford.
Ela deu um pequeno bufo de exasperação e fez uma reverência
para ele. — Conde Luovo — disse ela, com um sorriso malicioso.
Ele levou a mão ao coração com um grito ferido. — Oh, que
infâmia! Depois de tudo o que temos sido um para o outro.
Ele observou-a se afastar correndo, com as bochechas coradas
e o cabelo ruivo escapando do bonnet, rindo dele com o cachorro
saltitando a seus pés.
Ele soltou a respiração, sentindo que estivera retendo-a a tarde
toda, caso ela decidisse mudar de ideia e fugir dele. Mas ela não
tinha fugido, tinha ficado, e ele nunca tinha ficado tão contente em
toda a sua vida.
Ele voltou para o castelo, incapaz de tirar o sorriso ridículo de
seu rosto, fato que foi observado por Jeffries quando recebeu o
cavalo de Sebastian de volta aos seus cuidados.
— Pelo visto, teve um bom dia, Vossa Graça? — perguntou ele,
com uma expressão interrogativa fixa em seu patrão por baixo de
suas sobrancelhas grossas e grisalhas.
— Posso dizer que sim — respondeu Sebastian, sorrindo para
ele. Seu sorriso esmaeceu um pouco ao se lembrar de que as
diversões de lorde Gower o aguardavam durante a noite. Ele se
perguntou se poderia encontrar uma maneira de ausentar-se sem
que fosse considerado indesculpavelmente chato. Ele tinha quase
certeza de que se dissesse a verdade, que tinha um desejo
premente de ir para a cama cedo com um exemplar da senhora
Radcliffe – “Romance Siciliano” – não seria recebido com
aprovação. O pensamento o divertiu tanto que não pôde deixar de
sorrir, e foi com um ar de contentamento que ele entrou no castelo,
assobiando pelo caminho.
Capítulo 6
 
“No qual nossa heroína envereda por um terreno perigoso.”

Para consternação de Georgiana, ela acordou na manhã


seguinte com uma dor de garganta tão forte que não conseguia
falar, e sua tia obrigou-a imediatamente a voltar para a cama,
apesar de seus protestos de que estava realmente muito bem. Na
verdade, ela não estava nada bem, mas a ideia de que Beau
pudesse acreditar que ela o havia deixado sem uma mensagem de
desculpas sequer, fazia com que se sentisse ainda mais infeliz.
No momento seguinte, ela se repreendeu; o que ela estava
pensando? Como ela podia considerar a ideia de ir encontrar o
libertino mais notório da Inglaterra, ainda mais sozinha? Era loucura.
Suas chances de encontrar um marido adequado eram mínimas
nessas zonas rurais, mas pelo menos ela debutaria este ano. Havia
os eventos em Truro, os quais esperava ansiosamente, e, talvez não
fosse tão glamoroso e excitante quanto seu début em Londres, mas
a simples e velha senhorita Georgiana Bomford não esperava tal
distinção, e ela sabia muito bem disso.
Estava perfeitamente claro para ela que lorde Beaumont estava
apenas desfrutando de um flerte para passar um ou dois dias
agradáveis. Ela não era tão tola a ponto de acreditar que havia algo
mais do que isso, tampouco era estúpida a ponto de acreditar que
qualquer tempo que passasse na companhia dele não seria
perigoso para ela... em mais maneiras do que poderia contar. Na
verdade, a ideia de ser descoberta era a menor de suas
preocupações. Ela conhecia a região como a palma da mão; sabia
onde poderia passar o dia sem nunca ver ninguém e pensou que, se
quisesse, não seria difícil encontrá-lo sem levantar suspeitas ou ser
descoberta. O que era menos provável parecia ser a ideia de que
poderia passar mais tempo na presença do homem sem... se
interessar por ele.
Embora ele não fosse nada do que ela esperava, ele era, sem
dúvida alguma, interessante. Ele era instruído e envolvente, de fato,
encantador. Ele a fazia rir, muitas vezes às suas próprias custas,
mas também gostava de provocá-la. Sua mente era rápida e vivaz,
e ele gostava de sua noção do ridículo... o que ela descobrira ser
realmente uma coisa rara. E tudo isso sem sequer considerar
aqueles olhos castanho-escuros e aquele sorriso surpreendente que
parecia transformar completamente seu semblante um tanto severo
em algo muito mais acessível e atraente.
Ele também era, ela lembrou a si mesma, ao recordar de seu
primeiro encontro nas cavernas, mal-educado, rude, provocador e
perfeitamente ultrajante. Para sua decepção, esses defeitos
particulares apenas a faziam sorrir.
Passaram-se mais três dias até que tia Jane concordasse em
deixá-la sair de casa. Era um belo dia de outono, um acontecimento
surpreendentemente raro depois dos últimos meses de frio e chuva.
Georgiana nunca tinha visto um verão como aquele, e
aparentemente mais ninguém, e falava-se muito de problemas nas
cidades, colheitas perdidas e como os menos afortunados lutavam
para sobreviver.
Mas por hoje, pelo menos, o clima estava ameno, com um vento
provocante que balançava as folhas que começavam a cair em volta
de seus pés e puxavam as fitas de seu bonnet. Conrad saltou à
frente, virando-se de vez em quando para latir para ela, advertindo-a
para que se apressasse. Na verdade, ela não precisava de tal
insistência, embora dissesse a si mesma repetidamente que aquilo
era o cúmulo da loucura. Em primeiro lugar, a própria ideia de que
Beau ainda estivesse esperando por ela era ridícula. Um homem
como aquele não voltaria todos os dias para uma camponesa tola
sem título nem fortuna.
Embora estivesse bem ciente de seu próprio valor, não via o
mundo de outra maneira que não fosse concreta. Ela sabia que
naquele cantinho da Inglaterra era considerada uma beldade, mas
não duvidava nem por um momento que, em comparação com
todas as jovens adoráveis do Almack’s ou de algum outro elegante
estabelecimento londrino, seus encantos seriam ofuscados.
Georgiana não tinha dúvidas de que acabaria casando-se com
algum proprietário de terras local que conhecera nos salões de
baile. Ela esperava que o namoro e o casamento subsequente
fossem monótonos e confortáveis, e isso era o máximo que ela
poderia esperar. Ela vinha de uma boa família, muito respeitável,
exceto que... ela sabia que havia alguma sombra pairando sobre a
morte de seus pais.
Sua tia e tio nunca falavam sobre isso, e sempre ficavam tão
agitados quando abordava o assunto que ela nunca nem ao menos
tentava. Ela sabia o quanto estava em dívida com eles por assumir
uma criança que não era deles, e faria qualquer coisa para poupá-
los de algum problema. Sem dúvida, isso afetaria suas chances de
um bom casamento e fora a modesta quantia que imaginava que
seu tio seria tão generoso a ponto de pagar para sustentá-la... bem,
tudo isso dificilmente atrairia o marquês de Beaumont.
Então, que diabos ela estava fazendo, refazendo seus passos
em direção ao local isolado onde ele a havia descoberto quatro dias
antes? Isso estava além de sua compreensão. Seu único consolo
era o fato de que ele não estaria lá e ela desfrutaria de um passeio
agradável e seria trazida de volta à realidade. Afinal, não adiantava
ceder à tentação de sonhar com o sedutor Beau Beaumont.
Foi, portanto, com um sobressalto que reparou em um belo
cavalo castanho pastando à beira do prado, tal como no dia em que
se despedira do marquês. Ao dar um passo hesitante para mais
perto, notou uma figura na rocha; ele havia deixado a jaqueta de
lado e estava sentado com uma perna estendida e os braços
apoiados no joelho dobrado. Seu coração pareceu dar um pequeno
salto em seu peito ao vê-lo, embora fosse por causa da pura loucura
à qual ela estava cedendo ou por qualquer outro motivo, ela não
tinha ideia. Aproximando-se mais um pouco, ela viu o vento
agitando as ondas grossas de seu cabelo escuro e, como se
estivesse sendo atraído por alguma força invisível, ele virou a
cabeça e olhou diretamente para ela.
Ela estava certa de que seu coração havia parado por um
momento, pois naquele breve segundo ela não estava muito certa
de sua recepção; parecia haver um lampejo de mágoa ou, talvez,
houvesse raiva naqueles olhos escuros. Mas, então, ele falou, e
havia uma diversão zombeteira em sua voz e talvez um pouco de
reprovação:
— Em segredo fomos nos encontrar, em silêncio fico a remoer, o
teu coração pude esquecer, e teu espírito dissimular — disse ele,
suavemente.
— Nossa... — respondeu ela, reconhecendo muito bem o
poema escandaloso sobre um amante desonesto. — Se é assim
que você se sente, vou me virar e ir embora de novo. — Ela ia
fazendo exatamente isso, mas ele se levantou e pulou da rocha,
correndo atrás dela e segurando sua mão.
— Não! Perdoe-me... — Ele riu, parecendo um pouco selvagem
enquanto o vento movimentava seus cabelos. — Só que você é
muito cruel comigo, meu bem, deixando-me à espera por tanto
tempo.
Ela engoliu em seco, com o coração batendo forte enquanto
uma vozinha em sua cabeça gritava para ela virar-se e ir embora...
imediatamente!
— Não foi minha intenção — murmurou ela, atordoada demais
para dar uma resposta severa diante do carinho terrivelmente
inapropriado proferido por ele. Os olhos dela desceram até a mão
onde ele a segurava. — E-eu não estava bem.
— Oh! — respondeu ele, claramente não tendo considerado isso
como uma possibilidade. — Oh, senhorita Bomford, por favor,
perdoe-me. — Ele riu da expressão no rosto dela. — Sei que sou
um sujeito desprezível. Quantas vezes já implorei perdão nesse
curto espaço de tempo desde que nos conhecemos?
— Vezes demais para o meu gosto, milorde — respondeu ela,
movendo a mão como se fosse tirá-la de seu aperto. Ele apertou os
dedos, porém, recusando-se a soltá-la.
— Você está bem agora? — perguntou ele, não ousando olhar
para cima e encontrar seus olhos, enquanto sua voz suave
perguntava por ela com tanta ternura.
— Muito bem — repetiu ela, sentindo-se confusa. Ela deveria ir
embora, agora. Essa tinha sido a pior ideia do mundo. Oh, sua
pobre tia morreria de vergonha se pudesse vê-la agora, flertando
com Beau Beaumont, dentre todas as pessoas! — Mas tenho de ir
agora. Só vim dizer que sinto muito... E-eu nunca imaginei que
realmente estaria aqui...
— Então, por que você veio? — perguntou ele, novamente com
aquela mesma voz carinhosa.
Ela não podia responder, muito consciente de que estava em
perigo e precisava ir, mas muito motivada para permanecer apenas
mais um momento em sua companhia para realmente se forçar a
mover-se.
— Não sei — admitiu ela. — Eu não deveria ter...
— Você queria me ver? — perguntou ele, o tom sedutor
persistente marcando a pergunta era muito aparente, e, embora ela
não respondesse, suas bochechas coraram, traindo-a tão
eloquentemente como se ela tivesse admitido em voz alta o quanto
ela queria aquilo.
Ela sentiu os dedos dele sob seu queixo e ele inclinou sua
cabeça para que fosse forçada a olhar para ele. — Eu queria ver
você. Muito, muito mesmo. Eu vim todos os dias — disse ele, e ela
notou pela primeira vez que havia pequenas manchas de âmbar e
ouro no castanho-escuro de seus olhos. — Esperei desde a manhã
até o anoitecer todos esses dias, e voltaria amanhã e depois de
amanhã...
— Ah, pare! — gritou ela, puxando sua mão livre e afastando-se
dele. — Isso... isso é extremamente tolo, é... é...
— Uma loucura? — indagou ele, com a voz ríspida. — Sim,
talvez — disse ele, seguindo seus movimentos, não permitindo que
ela se afastasse mais do que trinta centímetros dele. — Estive
pensando em todas as maneiras pelas quais poderia descobrir mais
sobre você. Onde vive, onde posso te encontrar... algumas das
minhas ideias eram bem malucas, tenho certeza.
— Por favor, milorde — disse ela, implorando para que ele fosse
um cavalheiro e fizesse a coisa certa porque ela estava rapidamente
percebendo que não seria capaz. — Você tem que ir. Nós dois
sabemos que não há futuro para você aqui. Sou muito indigna de
sua atenção e...
Ela não conseguiu terminar a frase, pois ele diminuiu a distância
entre eles e pegou seu rosto entre as mãos antes de pressionar a
boca contra a dela.
Os seus lábios eram macios e quentes e, desta vez, ele foi um
pouco menos violento em suas atenções do que naquele primeiro
beijo na escuridão sombria da caverna. Mas havia ferocidade
suficiente em suas maneiras quando ele a puxou para mais perto,
com os braços envolvendo-a tão firmemente contra ele que ela se
viu chocada, atordoada e seduzida ao mesmo tempo. Suas mãos
estavam pressionadas contra seu peito e ela podia sentir o calor de
seu corpo queimando através do fino linho branco. Estava muito
consciente da disparidade entre eles enquanto ele se elevava sobre
ela; o corpo dele muito mais largo e duro subjugava facilmente seu
corpo suave e menor. Ela parecia, repentinamente, frágil contra todo
aquele poder encapsulado, com o corpo musculoso dele muito mais
pesado que o dela.
Ele soltou sua boca, e ela se atreveu a olhar para ele, sentindo
sua respiração quente contra sua bochecha.
— Droga, vou ter que te pedir perdão de novo — disse ele, com
uma expressão pesarosa.
Ao contrário de tudo que já havia aprendido sobre o
comportamento apropriado para jovens damas, Georgiana arquejou
para ele de indignação... e, então, riu.
Ele sorriu para ela, e aquele sorriso foi sua ruína, e quando ele
inclinou a cabeça mais uma vez, ela não lutou, apenas inclinou a
cabeça para permitir, encorajando-o a explorar e mostrar a ela como
um beijo deveria progredir. Os lábios dele eram macios e
provocantes agora, dando leves beijinhos sobre sua boca, que a
deixavam sem fôlego. Ele mordiscou seu lábio inferior em um gesto
provocador, fazendo-a ofegar com surpresa, agravando-se quando
ele traçou sua boca aberta com a língua.
Com hesitação, ela o imitou e permitiu que ele aprofundasse o
beijo, sentindo seu corpo de repente lânguido e fraco enquanto ela
relaxava em seus braços. Ele a puxou ainda mais apertado, e ela
estendeu os braços para cima, enroscando-os em volta de seu
pescoço para se firmar, descobrindo que havia se levantado na
ponta dos pés para encontrá-lo, enquanto puxava sua cabeça para
baixo.
— Oh, meu Deus — gemeu ele, enquanto se afastava, com a
respiração pesada. Ela olhou para ele, sentindo-se repentinamente
tímida, o que parecia estranho nas devidas circunstâncias. E, no
entanto, ela mal ousava encontrar seus olhos, mas quando o fez,
eles estavam mais escuros do que nunca, cheios de desejo. Ela
respirou fundo, alarmada com a intensidade de sua expressão, e ele
pareceu voltar a si. Ele relaxou seu domínio sobre ela, beijando-a
levemente. Em seguida, pegou sua mão e levou-a de volta ao lugar
em que haviam se sentado e conversado antes.
— Venha conversar comigo, senhorita Bomford — disse ele,
com o tom leve e encantador, sem dúvida tentando acalmar seus
nervos, que estavam de fato andando como um potro recém-
nascido, trêmulo e incerto.
— Acho que talvez você possa chamar-me de Georgiana —
disse ela, aliviada porque pelo menos sua voz não vacilou enquanto
sentia que todo o restante estava tremendo, como se estivesse à
beira de um precipício.
Ele parou e olhou para ela, com um sorriso caloroso. —
Georgiana — repetiu ele, com tanta reverência que fez sua pele
aquecer novamente.
Sentando-se na pedra, ele estendeu a mão, e ela a pegou,
acomodando-se ao seu lado e arrumando as saias recatadamente
para respirar por um momento. O que você está fazendo,
Georgiana? A voz em sua cabeça gritava e ela não tinha resposta
para isso; em vez disso, virou o rosto para o homem ao seu lado e
sorriu, e ele traçou a linha de sua mandíbula com a ponta do dedo.
— Tão linda — sussurrou ele.
Ela emitiu um pequeno bufo autodepreciativo de diversão. —
Ora essa, milorde — respondeu ela, com óbvio ceticismo. — Bonita
o suficiente para Truro, talvez, mas dificilmente um diamante de
primeira linha. Basta apenas imaginar-me ao lado de todas aquelas
herdeiras glamorosas, eu desapareceria como se nunca tivesse
existido. É apenas aqui entre as rochas e os campos que você
encontra graça na esquisitice.
— É isso que você acha? — indagou ele, e ela se assustou um
pouco, pois havia um fio de raiva verdadeiro em sua voz.
Seu sorriso vacilou, mas ela sabia que era a verdade e não
queria ouvir mentiras bonitas vindas dele. Ela não queria ouvir
promessas de amor e devoção. Ele flertaria com ela um pouco, e ela
teria que trabalhar duro para manter sua honra e seu coração
intactos até o dia em que ele ficasse entediado. — Acho que talvez
esteja cansado dos entretenimentos luxuosos oferecidos por seus
amigos, que as diversões sofisticadas que procura começaram a se
tornar insípidas e, assim, você encontra distração em outras
formas... — Ela desviou o olhar então, não gostando de ver como a
raiva iluminava seus olhos diante de suas palavras. — Como uma
ingênua garotinha do campo, tola o bastante para conhecê-lo e
deixá-lo beijá-la.
Ela arquejou quando a mão dele agarrou sua nuca, puxando-a
para mais perto e encontrando aqueles olhos escuros iluminados
com muito mais do que apenas raiva. — Não pensei em mais nada
além de você desde o dia em que nos conhecemos — disse ele,
com a voz ríspida. — Isso não é como qualquer outra coisa que eu
já senti.
Ela o encarou, tentando sorrir, mas achando impossível sob o
peso de seu olhar. — Eu sou simplesmente uma novidade —
sussurrou ela, nem por um minuto acreditando que fosse algo mais
do que isso, não importando o que ele dissesse.
— Não. — A voz dele era um grunhido, e ela pensou – quer
dizer, esperava – que ele a beijasse novamente, mas ele a soltou,
repentinamente, e olhou para os campos. O silêncio era tenso e
desconfortável.
— Talvez eu deva ir — disse ela, ciente de que o havia irritado.
Sua mão surgiu de repente e agarrou seu pulso. — Não... não,
por favor. Eu... — Ele deu uma risada suave, e ela sabia que ele iria
pedir perdão por seu comportamento.
— Acho que talvez tenha atingido meu limite de perdões por um
dia — respondeu ela, garantindo que ele ouvisse o tom de
provocação em sua voz.
Ele assentiu. — Não duvido. Não consigo imaginar o que deve
pensar de mim. — Ele olhou de soslaio para ela e sorriu, e aquele
doce sorriso de menino que parecia ser terrivelmente raro roubou
seu fôlego.
Ela não se moveu, mas voltou seus olhos para observar o
prado. Ela sentiu a mão dele deslizar de seu pulso para sua mão
enquanto seus dedos se entrelaçavam nos dela. Eles se sentaram
assim por algum tempo, observando silenciosamente as folhas
esvoaçantes à medida que caíam no chão, apenas para serem
arrastadas novamente e seguirem outra direção.
— Você gosta de Byron? — perguntou ela, finalmente, pois
parecia que não tinha vontade de se afastar dele e procurava algo
para quebrar o silêncio que parecia ficar mais intenso a cada
momento que passava. Ele se virou para ela, franzindo levemente a
testa. — A citação, de “Quando nos Separamos”... é de Byron —
acrescentou ela.
Sorrindo, ele deu de ombros. — Gosto de algumas coisas dele,
das coisas que me parecem reais.
— Como assim? — perguntou ela, curiosa para saber o que ele
queria dizer.
— Do que sinto que ele está falando de si mesmo — disse ele,
com os olhos procurando os dela. — E você, imagino que seja um
admiradora... — Ele gemeu e revirou os olhos. — Conrad — disse
ele, bufando com diversão.
Georgiana corou um pouco quando seu cachorro, ouvindo seu
nome ser chamado, correu de volta para eles para ver se sua
presença era necessária. Ela fez carinho no cão que se contorcia,
brincando com ele antes de ousar olhar para o homem ao seu lado.
Como esperado, ele obviamente se divertia.
— Você está rindo de mim — respondeu ela, com um bufo.
— Não, não — respondeu ele, engasgando-se um pouco antes
de desistir e rir alto.
Dando uma fungada ofendida, ela desviou o seu olhar do dele.
— Acredito que “O Corsário” não seja um dos seus favoritos.
Ele não se preocupou em esconder seu óbvio desgosto. — É,
sem dúvida, o seu poema mais ridículo.
— Não mesmo! — retrucou ela, olhando para ele com espanto.
— É... é recheado de aventura, romance e...
— Que disparate! — interrompeu ele, com um triste aceno de
cabeça. Ele sorriu para ela, obviamente indiferente ao seu beicinho.
— Antes mesmo de começar, o título está todo escrito de maneira
errada. Conrad não trabalha para nenhum governo, não tem carta
de corso, portanto, é um pirata, não um corsário. Era de se esperar
que ele pelo menos tivesse feito o dever de casa.
— Oh! — irritou-se ela. — Isso é tão típico de um homem. Você
claramente não tem alma, ou pelo menos não tem coração ou a
menor ideia sobre romance... — Ela percebeu seu erro antes de
chegar ao final da frase e sentiu que talvez devesse pegar as saias
e correr. Saber o que ela deveria fazer e realmente fazê-lo parecia
ser algo que ela era totalmente incapaz de realizar. Então, ela olhou
para um par de olhos escuros e aguardou seu destino.
Capítulo 7
 
“No qual as águas mais seguras são deixadas para trás.”

As suas sobrancelhas escuras se uniram e seus olhos estavam


cheios de desafio. — É isso mesmo que acha? — indagou ele, e o
tom de sua voz causou arrepios ao longo de sua pele.
Georgiana limpou a garganta, o nervosismo que se dispersara
um pouco durante a discussão acalorada de repente voltando com
tudo. Antes que ela pudesse abrir a boca para considerar um tópico
de conversa mais seguro, ele moveu-se. Ele puxou as fitas de seu
bonnet e jogou-o de lado, antes de empurrá-la para trás e segurar
seus pulsos. Ele manteve suas mãos cativas acima de sua cabeça,
pressionadas contra a rocha onde estavam.
O seu corpo cobria metade do dela, e ela foi dominada mais
uma vez pelo tamanho dele. Certamente um membro da nobreza
deveria ter a pele clara, portar óculos, e não ter essa forçada
natureza viril, exalando poder e calor. Por sua vez, ela achava que
qualquer jovem decente deveria estar gritando e histérica a essa
altura; enquanto ela estava enfeitiçada, cativada pela pura
masculinidade do corpo pressionado tão intimamente contra o dela.
Ela olhou para ele, e seus olhos foram atraídos para a curva de sua
boca generosa. Ela sabia agora que aquela boca era macia e farta,
em total desacordo com os contornos grosseiros de seu rosto.
— Olhe só para você — disse ele, com os olhos escurecendo,
como acontecera anteriormente. — Com o cabelo caindo como lava
derretida. Você parece uma criatura selvagem, algo indomável e
trêmulo, apanhada na armadilha de um caçador.
— E-eu não estou tremendo — objetou ela, embora sentisse
que talvez devesse estar, e seu coração certamente estava
martelando, freneticamente, contra a caixa torácica.
— Não está? — murmurou ele, abaixando a cabeça até que ela
sentiu aqueles lábios macios tracejando sua garganta. — Mas você
irá. — Ela suspirou e nem por um momento duvidou da sinceridade
de suas palavras enquanto ele deixava uma trilha quente de beijos
em seu pescoço e sua mandíbula, até encontrar sua boca
novamente e reivindicá-la para si. Ela tentou soltar suas mãos de
seu aperto, querendo afundar os dedos em seu cabelo e sentir se
era tão macio quanto parecia, mas ele a segurou, firmemente,
enquanto tomava sua boca. Ela se abriu para ele de bom grado,
sentindo-se lasciva e igual à criatura indomável que ele havia
descrito. Sua mente tinha sido dominada pelas sensações
predominantes em seu corpo enquanto atiçava-se sob seu toque.
Ela se sentiu estranha como se tivesse estado desacordada por
toda a sua vida e agora, de repente, ele a tivesse despertado.
Ele a beijou como se não houvesse amanhã, como se a boca
dela fosse uma paisagem completamente nova a ser explorada, e
ele pretendesse mapeá-la com primorosa atenção aos detalhes. Ela
seguia o caminho traçado por ele para ela – uma aluna aplicada –
enquanto ele a ensinava os movimentos desse jogo novo e sensual
e suas línguas desviavam-se e recuavam antes de unirem-se
novamente.
Ele soltou um pulso, e sua mão deslizou sob o braço dela e foi
descendo. Com dedos hábeis, ele abriu os botões de sua peliça e
deslizou a mão sob o tecido até roçar em seu seio. Ela arquejou,
chocada com o toque íntimo e ouviu um som baixo de diversão em
seu peito. Ele abriu os dedos e esfregou o polegar sobre a
protuberância sensível de seu mamilo.
— Oh!
Ele olhou para ela, com o olhar aquecido e cheio de deleite
diante do som de seu prazer. — Sim, você gosta disso, não é, minha
doce bruxinha? — Ele beliscou seu mamilo gentilmente através da
fina musselina de seu vestido, e ela percebeu que o som havia
saído dela novamente. — Eu quero te beijar aqui — disse ele, com a
voz rouca, enquanto abaixava a boca e a pressionava contra o
tecido fino que cobria o seu seio.
— N-não — disse ela, dividida entre querer desesperadamente
saber como se sentiria com a boca dele em contato com a sua pele,
se ela assim o permitisse, e, perguntando-se até que ponto deixaria
esse homem arruiná-la. Meu Deus, ele era perigoso. Ela esteve em
sua companhia apenas três vezes e ali estava ela, estendida para
ele como uma mulher ordinária que ganhava a vida vivendo às suas
custas. Ela gemeu quando o calor úmido de sua boca penetrou a
musselina, aquecendo todo o seu corpo enquanto a sensação
expandia-se. — Não — disse ela novamente, com a voz ofegante
que não parecia sua. — V-você não deve.
— Oh, mas eu devo, sim — insistiu ele, soltando seu outro pulso
e empurrando sua peliça para o lado presa às mangas de seu
vestido, afrouxando o tecido ajustado até que um seio com o mamilo
rosado aparecesse sedutoramente livre.
— Oh, meu Deus — murmurou ela, bastante perdida, enquanto
ele sorria para ela. Ele encarou seu olhar enquanto baixava a boca,
observando enquanto ela ficava corada antes de dar toda a atenção
para sua pele descoberta. Ele envolveu seu mamilo no calor úmido
de sua boca, enquanto ela inalava o ar, arqueando-se sob ele e
gemendo. Desesperada, ela afundou as mãos no cabelo dele como
queria fazer desde o início, mas longe de afastá-lo, segurou-o no
lugar enquanto ele sugava e atormentava seus seios. Excitada e
contorcendo-se, seu corpo parecia que estava gritando e fazendo
exigências que ela não tinha certeza se entendia. Além disso, ela
sabia que ele poderia aliviar a dor crescente sob sua pele que
estava levando-a à loucura.
Ele deu um último beijo demorado em seu seio antes de levantar
a cabeça novamente e olhá-la. Uma carranca apareceu sobre seus
olhos quando ela sorriu para ele, corada e respirando com
dificuldade, ela não sabia o que ele tinha visto, mas ele recuou de
repente, puxando seu vestido de volta no lugar.
— Vamos — disse ele, de uma maneira um pouco rude. — Já
está na hora de você ir para casa, antes que pegue outro resfriado.
Sem saber se estava aliviada ou desapontada, levantou-se,
pegou o bonnet e arrumou a peliça. Georgiana observou enquanto
ele vestia o paletó justo, ajeitando o tecido sob medida nos braços
musculosos que ele havia colocado ao redor dela momentos antes.
Imaginando o que viria a seguir, ela chamou Conrad para manter-se
ocupada, observando enquanto ele voltava do prado depois de uma
tarde feliz perseguindo coelhos. Ela se virou e descobriu que ele a
observava, e não hesitou em colocar as mãos nas dele quando ele
as estendeu. Ele levantou um dedo de cada vez, beijando-os
suavemente.
— Diga-me que você estará aqui novamente amanhã — disse
ele, aproximando-se de Georgiana enquanto colocava as mãos dela
contra seu peito. Ela olhou-o e assentiu antes mesmo de pensar na
resposta. Ela devia correr. Ela sabia que devia. Ela iria destruir sua
vida inteira se alguém a descobrisse aqui com ele. Ela estaria
arruinada, e nada nem ninguém poderia salvá-la. Ele sorriu,
obviamente satisfeito que ela viria; e por que ele não deveria? Ele
não estava colocando nada em risco, apenas desfrutando de um
flerte com uma doce garota do campo antes de partir e voltar para
Londres e à vida glamorosa que levava lá. Ele abaixou a cabeça e
pressionou um último beijo doce contra a sua boca, e, então,
sussurrou para ela:
— Donzela de Atenas, antes de nossa separação, dê-me, oh,
dê-me de volta meu coração. Ou, já que não está mais em meu
peito, guarde-o agora e leve o resto.
Ela jogou a cabeça para trás, rindo, e ele lançou-lhe um olhar
ofendido. — Bem, vejo que não há como agradá-la! Acusa-me de
não ter coração e de uma alma pouco romântica, e quando eu jorro
poesia como toda donzela desejaria, você ri na minha cara!
Ela cobriu a boca com a mão, agora incapaz de conter-se,
enquanto ele parecia cada vez mais dividido entre a diversão e a
irritação.
— Oh, perdoe-me. — Foi tudo que ela conseguiu dizer,
enxugando os olhos. — Isso foi imperdoável, especialmente depois
que disse tudo isso tão lindamente...
— Bem, agora você está apenas tratando-me com
condescendência! — disse ele, com um bufo. Ele balançou a
cabeça desanimado, embora ela ainda pudesse ver o riso em seus
olhos. — Nunca mais irei me declarar.
— Não — disse ela, ainda sorrindo, embora para ela, pelo
menos, o humor da situação já tivesse desaparecido, pois não tinha
tais ilusões sobre a validade de suas palavras.
Ele franziu a testa, sentindo a mudança em seu comportamento.
— O que foi? Você acha que eu estou te enganando, é isso?
Ela balançou a cabeça e, em seguida, estendeu a mão e beijou
sua bochecha. — Eu acho que me daria muita coisa, milorde —
disse ela, com a voz calma. —, mas não sou tão tola a ponto de
acreditar que seu coração é uma delas. — Ela ofertou-lhe um último
sorriso antes de virar as costas e ir embora.
— Vejo você amanhã — gritou ele, mas ela não lhe ofereceu
uma resposta, apenas voltou pelo caminho por onde tinha vindo
com seu próprio coração cheio de apreensão e turbulência.
***
Sebastian observou-a afastar-se, perguntando-se em que, em
nome de Deus, estava se metendo. Ele nunca tinha assumido sua
própria posição levianamente ou a usado para abusar dos outros.
Uma coisa era seduzir uma jovem bem-criada que tinha claramente
a intenção de tornar-se uma duquesa, mas outra coisa era tirar a
inocência de uma doce garota que sabia muito bem que ele não
tinha nenhuma intenção de pedir-lhe em casamento.
Ele nunca deveria ter começado esse jogo perigoso. Sim, ela
tinha mais a perder do que ele, é claro, mas ele não podia fingir que
não corria perigo. Ele nunca tinha se sentido tão cativado por uma
mulher antes e não poderia dizer com precisão o que havia nela que
o atraía tão fortemente. Talvez fosse a maneira como ela ria,
provocando-o, e recusando-se a ser lisonjeada. Talvez, ainda, fosse
sua maneira direta de colocá-lo em seu lugar e mostrar que não se
impressionava com suas declarações românticas, acreditando que
elas não passavam de parte do cenário montado para sua própria
sedução. Ele se perguntou, então: o que ela diria se soubesse que
ele estava falando sério quando proferiu aquelas palavras?
***
Os próximos três dias seguiram o mesmo padrão, embora
Sebastian tentasse ao máximo ser um cavalheiro e não levar as
coisas mais longe do que anteriormente. Mas, maldição! Era uma
coisa difícil de se fazer. Eles conversaram, é claro, sobre tantas
coisas. Na verdade, ele não conseguia lembrar-se de ter encontrado
alguém tão fácil de se manter uma conversa. Entretanto, no fim das
contas, palavras não pareciam ser suficientes, e ele se viu perdido
em seu beijo. Foi depois de uma dessas tardes que ele voltou e
encontrou Jeffries esperando por ele nos estábulos, como de
costume.
Ele já havia se acostumado com as reclamações de seus
amigos, que concluíram que ele havia encontrado uma moça
luxuriosa por perto que atraiu seu interesse. Ele apenas sorria para
eles e os deixava acreditar, melhor isso do que dizer a verdade –
qualquer que fosse essa verdade. Instintivamente, ele se esquivou,
não querendo olhar muito de perto. Mas Jeffries o conhecia desde
que era um bebê e havia algo naqueles olhos astutos que diziam
que ele havia sido descoberto.
Ele jogou sua jaqueta no canto do estábulo de tal maneira que
faria seu valete chorar, antes de arregaçar as mangas e começar a
trabalhar esfregando seu cavalo, Azor. Embora ele pudesse
facilmente ter deixado o trabalho para um criado, pois era uma
tarefa de um nível muito abaixo do dele, e, de fato, nem sempre ele
se voluntariava; Jeffries havia incutido nele uma ética de trabalho
desde o começo. Se ele queria aprender sobre cavalos, aprender de
verdade, então ele precisaria aprender tudo, não apenas jogar as
rédeas para um cavalariço esperando o momento em que
terminasse.
Ele esperava distrair seu antigo mentor de seu propósito, ao
agradá-lo dessa maneira; no entanto, logo ficou claro que havia
falhado. O silêncio sepulcral do homem era um claro indicador de
que havia algo em sua mente, mas Sebastian o conhecia bem o
suficiente para saber que ele não diria nada a menos que lhe fosse
solicitado. Jeffries nunca falaria com seu patrão sem permissão,
nem pensar. Ele simplesmente o obrigaria a render-se, com sua
carranca silenciosa, até que Sebastian estivesse implorando para
que ele dissesse qual era o problema.
— Tudo bem, desembucha — disse ele, largando a raspadeira e
recorrendo a uma escova macia. Ele olhou para cima e viu
preocupação genuína nos olhos do homem mais velho, que dava
sinais de hesitação. — Sério, Jeffries, o que foi?
Jeffries passou a mão grande e calejada pelo cabelo e coçou a
barba por fazer no queixo. — Não sei, Vossa Graça. É só que...
bem, não cabe a mim dizer, sabe.
Sebastian bufou e começou a escovar Azor com golpes longos e
firmes. O cavalo relinchou e moveu-se com apreciação, virando a
cabeça e encorajando Sebastian com seu focinho sedoso. — Bem,
isso nunca o impediu antes, até onde eu saiba.
Para sua surpresa, Jeffries aproximou-se, e Sebastian observou
enquanto ele estendia a mão e pegava algo de sua camisa de linho.
Era um cabelo longo e fino.
— Vermelho — disse Jeffries, olhando para ele e balançando a
cabeça com uma expressão preocupada.
Sebastian riu, perguntando-se o que havia acontecido com o
homem. — Você tem algo contra ruivos?
— Sim — disse ele, com o tom amargo. — Porque foi uma
cadela ruiva que arruinou seu pai, esse é o meu problema.
Sebastian deteve-se. Ele conhecia muito bem a história da
morte de seu pai. Sabia o nome da mulher que o seduzira,
afastando-o de sua esposa e filho único e, finalmente, levando-o à
morte. Ele não sabia como ela era, exceto que ela era uma beleza,
é claro.
— Eu vejo a expressão em seus olhos — disse Jeffries,
enquanto o pressentimento formigava na pele de Sebastian. — Ele
ficou assim quando tudo começou. Como se ele precisasse dela
para respirar, como se não pudesse sentir-se confortável em sua
própria pele, a menos que estivesse com ela.
— Não seja tolo, homem — respondeu Sebastian, voltando para
seu trabalho e esforçando-se para enviar as palavras de Jeffries
para algum lugar distante onde ele não precisasse considerá-las. —
Só porque a garota tem cabelo ruivo não significa que estou prestes
a travar um duelo por ela. Para começar, nenhum de nós é casado.
— Maldição! Ele não pretendia que essa informação escapasse. Ele
suspirou e olhou para cima, encontrando os olhos de Jeffries. — Eu
aprecio sua preocupação, de verdade. Mas em breve irei embora. É
simplesmente... um flertezinho, nada mais. — A mentira tinha um
gosto amargo em sua língua, mas ele não tinha percebido o quão
falsa era até que as palavras foram arrancadas dele. Como, em
nome de Deus, iria deixá-la? A ideia fazia seu estômago revirar.
— Eu estava lá naquela noite, Vossa Graça. Na noite em que
ele matou o barão Dalton e teve que fugir com aquela mulher. Ele
me fez jurar proteger e cuidar de você para sempre, e, raios me
partam, mas eu dei o melhor de mim e continuo dando até hoje.
Vamos deixar este lugar, hoje. Volte para Londres — encorajou-o. —
Ou para a casa em Marlburgh, para onde você quiser, só fique longe
dela porque tenho um mau pressentimento sobre isso.
Sebastian virou-se e olhou para ele, rindo e forçando um sorriso,
gestos que pareciam totalmente falsos. — Que tolice supersticiosa é
essa, homem? — indagou ele, dando um tapinha nas costas de
Jeffries. — Não tenho nenhuma intenção de seguir os passos
escandalosos de meu pai, posso lhe assegurar. Agora, pare de
preocupar-se como uma velhota e me ajude a escovar esse cavalo,
pois estou morrendo de fome e preciso de uma bebida.
— Sim, Vossa Graça, como quiser — disse Jeffries, franzindo a
testa. — Mas preste atenção nas minhas palavras, rapaz, nada de
bom resultará disso.
Capítulo 8
 
“No qual os corações, as mentes e o futuro se entrelaçam.”

Sebastian ignorou o olhar sombrio de Jeffries ao deixar os


estábulos no dia seguinte, pois o aviso que lhe fora dado era muito
difícil de esquecer. Ele considerou não ir encontrar Georgiana hoje,
mas descartou a ideia um segundo depois. Ele não iria conseguir.
Ele teria que dizer adeus a ela muito em breve, de qualquer
maneira; sendo assim, não anteciparia o dia. A simples ideia de
partir e nunca mais vê-la fazia crescer em seu peito uma dor que
estava tendo dificuldade de identificar. Ele nunca teve problemas
para terminar casos amorosos antes. Por que de repente se tornou
um problema? Ele não conseguia entender.
Ele freou Azor e olhou para a paisagem acidentada que se
estendia diante dele. Ele gostava da paisagem daqui, por mais
rústica que fosse. Ela tinha uma beleza acidentada que o atraía, e,
agora, estava toda florida com as cores do outono; esse era o
cenário perfeito para a sua impetuosa Georgiana.
Ele sentiu novamente aquela dor estranha no peito e esfregou-o
com a palma da mão. Se ao menos ela pertencesse à uma família
melhor... Ele poderia até ignorar a sua falta de dote, já que ele tinha
riqueza suficiente. Mas não podia ignorar a responsabilidade que
carregava sobre o nome da família. Em todo caso, sua mãe teria um
de seus ataques e provavelmente nunca se recuperaria se ele
tivesse a ousadia de trazer para casa uma mera filha de um médico.
A duquesa viúva já o havia dado uma lista de mulheres elegíveis; foi
isso que o levou a fazer a sua própria lista. No final, entretanto, foi
forçado a admitir que a próxima duquesa provavelmente seria tão
sem graça quanto educada. Os da sua espécie não se casavam por
amor, mas sim por poder, terras e dinheiro, mas nunca por amor.
Esse era seu dever – um dever que lhe fora ensinado desde que
tivera idade suficiente para entender o significado dessa palavra – e
ele não conseguiria se safar disso; não importava se isso o deixasse
furioso.
Mas a ansiedade ferveu em seu sangue quando chegou ao
ponto de encontro e saltou do cavalo, afrouxando a sela de Azor e
deixando-o pastar na grama enquanto ele andava, esperando
impacientemente pela chegada de Georgiana. Ao ouvir o som suave
de passos, olhou para cima e observou quando ela apareceu fora da
linha de árvores. As folhas tingidas de vermelho caindo ao seu redor
e o campo brilhando nas cores cobre e ouro faziam com que ela
parecesse a deusa do outono com seus cachos arruivados
emoldurando o rosto. Ele ficou sem fôlego, e quando ela se
aproximou com Conrad saltando e brincando ao seu redor e latindo
de alegria, sentiu que se lembraria para sempre desse momento,
uma memória gravada em âmbar que ele carregaria com ele pelo
resto de seus dias.
Ele estendeu as mãos, e ela correu para encontrá-lo enquanto
ela estendia também as suas; mas quando ela se aproximou, ele a
agarrou, rindo e rodopiando-a. Quando ele a colocou no chão, ela
cambaleou, tonta e feliz, e ele a puxou para perto. Encarando
aqueles olhos cor de mel tão risonhos e as bochechas lindamente
coradas e com algumas sardas espalhadas, ele percebeu que
deixá-la seria a coisa mais difícil que faria em toda a sua vida.
— O que foi? — perguntou ela, tocando em seu rosto com a
mão. Apoiando-se em suas mãos, ele virou a cabeça para beijar a
sua palma e balançou a cabeça.
— Nada.
— Não diga que não é nada — disse ela, com a voz baixa. —
Você estava pensando que deve partir logo.
A sua aceitação silenciosa fez seu coração apertar. — Eu não
quero falar sobre isso — disse ele, surpreso com o quão rude soou.
— Eu também não quero pensar nisso — disse ela, e ele pôde
ouvir a tristeza em sua voz. — Você irá partir, e... e eu não vou te
ver de novo. Eu sei disso...
— Pare! — gritou ele, afastando-se dela e passando a mão pelo
cabelo.
Ele sentiu a mão dela em seu ombro, deslizando por seu braço,
até seus dedos macios envolverem os dele.
— Ora, Beau, vou chorar por muito tempo depois que se for,
pode apostar. Mas não adianta fingir que será diferente. Afinal,
sabíamos disso desde o início. Um marquês não deve se casar com
uma garota sem título e sem fortuna. Você deve encontrar uma
herdeira rica, e eu me contentarei com a ideia de que ela será
enfadonha e feia.
Ele percebeu a emoção em sua voz, o esforço que ela estava
fazendo para parecer descontraída, sem dúvida pensando que ele
ficaria aborrecido se ela chorasse por ele e lhe implorasse para ficar.
De fato, se ela fosse qualquer outra de suas amantes, se encaixaria
perfeitamente. Mas, agora, ele queria que ela chorasse e lhe
implorasse para ficar, porque ele queria fazer isso, por mais tolo que
fosse. Ele queria tanto ficar que se viu assustado, e as palavras de
Jeffries voltaram a assombrá-lo novamente. Ele desejava, acima de
tudo, ouvi-la dizer seu nome.
Como tinha sido tolo por querer ser Beau, por querer que ela
soubesse desde o início que não se importaria com ela, que
provavelmente iria arruiná-la e seguir em frente. Não que ele
estivesse fazendo outra coisa senão isso. Ele estava brincando com
sua vida, seu futuro. Se ele realmente se importasse com ela, iria
embora agora, antes que causasse mais estragos. Mas ele era
muito egoísta, afinal.
Ele virou-se e viu a tristeza brilhando nos lindos olhos cor de mel
que o encaravam.
— Eu nunca, jamais vou te esquecer — sussurrou ele. — Eu
juro.
Ela sorriu e aproximou-se dele, pressionando uma mão contra
seu peito. — Fico feliz, porque também nunca poderia te esquecer.
Eu... — Ela hesitou com um rubor manchando suas bochechas e
olhou para baixo.
— O quê? — indagou ele, inclinando a cabeça dela para trás
para que olhasse para ele, querendo que ela dissesse, mesmo que
fosse egoísta e cruel roubar mais isso dela.
Ela balançou a cabeça e sorriu para ele, parecendo infeliz. —
Não — disse ela, com o olhar provocador que ele tanto amava
brilhando em seus olhos agora. — Você já é presunçoso o
suficiente, na minha opinião, mesmo sem eu te dar outra vitória. —
Ela, então, lançou-lhe um olhar coquete antes de afastar-se um
pouco, espiando-o por cima do ombro. — Não é como se você não
soubesse disso.
Ele correu atrás dela e a jogou na grama, enquanto ela ria e
fingia lutar com ele.
— Solte-me, seu demônio. — Ela bufou, fingindo estar zangada,
enquanto ele a prendia e o desejo avançava sobre ele como uma
maré. Ela deteve-se, vendo a verdade em seus olhos. — Não —
sussurrou ela, lendo-o com facilidade. — Você sabe que não posso.
Ele não fingiu entendê-la mal nem tentou discutir o fato. Ele
simplesmente abaixou a cabeça e a beijou, saboreando a maneira
como respondia a ele, sabendo que ela beijava daquela forma
porque ele a havia ensinado bem. A ideia de que um dia ela
praticaria tais habilidades com outro homem fez com que a fúria e o
ciúme incendiassem seu sangue e ele a segurasse com mais força.
Usando os próprios joelhos para abrir os joelhos dela, acomodou-se
entre eles, deixando-a sentir o peso dele enquanto a beijava com
desejo crescente, como se ele fosse deixar de existir se parasse
com aquilo. Ele afastou os lábios de sua boca e trilhou um caminho
ao longo de sua mandíbula e seu pescoço, ouvindo sua respiração
rápida e quente contra sua pele. Sua boca prosseguiu, inquieta e
explorando enquanto encontrava a curva suave de seus seios e
arrastava a língua sobre os montes sedosos.
Deixando cair uma mão, ele pegou a musselina macia de seu
vestido com seus dedos e puxou-a para cima, expondo sua pele até
que suas saias revelassem uma coxa bem torneada. Sua mão
deslizou sobre seu joelho, movendo-se sobre sua pele e
escorregando sob o tecido, enquanto ela prendia a respiração.
— Não — murmurou ela, parecendo perturbada e inquieta
enquanto se contorcia embaixo dele, empurrando sua mão. — Por
favor, Beau.
Sebastian, ele se enfureceu interiormente, meu nome é
Sebastian. Ele não parou, mas sim livrou-se de seu aperto e
permitiu que seus dedos curiosos explorassem por baixo de suas
saias, mudando de posição até encontrar um pequeno tufo de
cachos entre suas coxas, enquanto ela se engasgava em estado de
choque.
— Por favor, não — sussurrou ela, agarrando seu braço
enquanto ele olhava para ela, vendo o desejo em seus olhos tão
feroz quanto transparecia nos olhos dele. Se ele fosse qualquer tipo
de cavalheiro, pararia agora.
— Por favor, meu bem — implorou ele, beijando o canto de sua
boca. — Deixe-me tocá-la.
Ela engoliu em seco e acalmou-se, e, embora ele se odiasse por
dentro, foi levado a continuar, procurando a pequena protuberância
de carne que lhe traria prazer. Acariciando-a, tocando-a tão, tão
gentilmente, ele sentiu sua respiração falhar quando ele levou seus
lábios aos dela, beijando-a novamente. Com ternura, desta vez,
explorou o calor sedoso de sua boca enquanto sua respiração ficava
mais irregular e seu corpo se contraía, movendo-se debaixo dele.
— Você gosta disso? — sussurrou ele contra sua boca,
enquanto deslizava um dedo dentro dela, acariciando-a, imóvel, com
movimentos pequenos e cuidadosos.
— Eu... — ela começou, e parou, olhando para ele, com medo e
desejo emaranhados em seus olhos. Ele observou-a, enquanto o
prazer começava a crescer, seus olhos ficavam nebulosos e ela
gemia, sons pequenos e urgentes que faziam seu próprio corpo
contrair ainda mais.
— Libere-se — encorajou ele, desesperado para ver o prazer
dela. Ele teria pelo menos isso dela, antes de partir. — Deixe-o
tomar conta de você. — Ele falou as palavras contra sua pele
enquanto deslizava outro dedo dentro dela e sentia seu corpo
responder. Ela estava escorregadia e excitada, e ele estava tão
desesperado para afundar-se dentro dela e encontrar sua própria
liberação, mas continuou a alisar e acariciar enquanto seu corpo
enchia-se de tensão. Ela, então, agarrou-se a ele, com uma mão
puxando seu cabelo enquanto sua cabeça se inclinava para trás e
arqueava-se sob ele. Seu corpo contraiu-se ao redor de seus dedos
enquanto ela tremia ofegante e gritava, com o desejo percorrendo
através dele ao observá-la desmoronar em seus braços.
***
Georgiana lutava para respirar, arquejando enquanto o prazer e
o pânico a dominavam em igual medida. Ela não sabia mais que tipo
de criatura era. De alguma forma, ela sentiu-se traída por seu
própria corpo. Ela sabia que ele estava indo longe demais, tomando
muito e, ainda assim, sua carne exigia que ele continuasse
enquanto invadia seus lugares mais íntimos.
Ela sabia agora, como foi que ele havia ganhado tal reputação,
pois, mesmo que todos os argumentos de bom senso lhe tivessem
sido apresentados por sua pobre e desesperada mente, seu corpo
rejeitou-os com apenas um fraco protesto passando por seus lábios.
Mesmo agora, com os vestígios de prazer ainda borbulhando em
suas veias, e seu corpo lânguido e saciado, isso não era o
suficiente.
Havia uma dor estranha e surda dentro dela, uma sensação de
vazio que ansiava por mais, por ele. Instintivamente, ela sabia que
aquele era um terreno em que não poderia pisar se não quisesse
terminar seus dias sozinha. Se ela se entregasse a ele, estaria
arruinada e não importava que o desejo de fazer exatamente isso
queimasse como uma ferro dentro dela; isso ela não poderia fazer.
Ela tentou sentar-se, para afastá-lo, mas ele era muito pesado e
ela hesitou, de repente com medo. Não com medo dele, mas com
medo do que ela permitiria se ele continuasse a persuadi-la dessa
maneira, pois ela não tinha defesa; nenhum argumento contra tais
seduções voluptuosas.
Ele estava olhando para ela, com tanta necessidade em seus
olhos escuros que seu coração começou a martelar da mesma
forma que aconteceu quando ele dominou sua carne.
— Por favor, Beau — implorou ela, sentindo as lágrimas
brotarem em seus olhos. — Chega, por favor.
Ela olhou para ele e viu o desespero, o desejo cru de possuí-la,
lutando com qualquer carinho que ele pudesse ter por ela. No final,
ele rolou e deitou-se de costas com uma “maldição”, e ela soltou um
suspiro trêmulo.
— Eu quero você — disse ele, com voz carregada de todas as
mesmas sensações que deslizavam pela pele dela diante de suas
palavras.
— Eu também quero você — sussurrou ela. —, mas as não
podemos ficar juntos, e devo ser virgem quando me casar. Não
posso...
— Eu sei! — gritou ele.
Ela pulou, chocada com a raiva em suas palavras. Sem dizer
mais uma palavra, ela sentou-se, com a intenção de ir embora dali,
enquanto ainda podia, mas ele estendeu a mão e agarrou a dela,
puxando-a em sua direção de modo que ela caiu em seu peito.
— Você me deixaria agora? — indagou ele. — Iria embora e não
voltaria mais? É isso que você pretende?
Ela arquejou diante da fúria em seus olhos e balançou a cabeça,
embora ela tivesse pensado exatamente isso. Isso era muito
perigoso, ele era muito perigoso. — N-Não... — gaguejou ela.
— Mentirosa! — A acusação a fez pular de susto, mas ela não
teve tempo de reagir quando ele a rolou de costas mais uma vez,
acomodando-se entre suas pernas. Agarrando sua coxa,
posicionou-se ao redor de seu quadril e pressionou-se contra ela,
investindo contra sua carne atormentada. Ela podia sentir a dureza
dele deslizando sobre ela enquanto ele se movia, e o desejo ardia
sob sua pele como uma faísca atingindo gravetos, devorando tudo
em um incêndio feroz que não deixava nada para trás, exceto
cinzas.
— Você quer isso — disse ele, com os olhos escuros traiçoeiros
de paixão. — Você me quer!
— Sim — sussurrou ela. — Sim, eu quero. — Ela piscou para
ele, desejando que ele não levasse isso mais longe, pois mesmo
sabendo que lutaria para negá-lo, partiria seu coração saber que ele
a considerava tão fácil.
Ela viu o momento em que ele percebeu isso com os próprios
olhos. Arrependido, ele afastou-se, mas a puxou contra si e a
apertou em seus braços.
— É como uma espécie de loucura — disse ele, com voz rouca.
— Eu nunca senti isso antes.
— É mesmo? — Ela olhou para ele, querendo acreditar que não
era como todas as outras. Não era isso que todas as mulheres
antes dela pensavam, que eram diferentes, especiais? Mas ele a
deixaria da mesma forma que havia deixado cada uma delas.
Passando para o próximo desafio, a próxima conquista.
Ele segurou o rosto dela com uma mão grande, e ela viu o
desespero em seus olhos. — Sinto que vou enlouquecer quando te
deixar.
Ela tentou sorrir para ele, mas seu coração estava muito
entorpecido para fazê-lo funcionar como deveria. — Eu me
contentaria com o seu coração — respondeu ela, traçando um dedo
sobre seus lábios.
— Você o tem — disse ele, suas palavras eram raivosas e
urgentes. — Você tem tudo.
Capítulo 9
 
“No qual a verdade é difícil de ouvir, e ainda é mais difícil agir sob à
luz dela.”

Mesmo que Jeffries tenha ficado ainda mais preocupado com


seu comportamento quando voltou, não comentou sobre isso
quando Sebastian jogou as rédeas de Azor para ele e entrou no
castelo sem dizer uma palavra. Ele teve menos sorte com Beau.
Ao entrar na biblioteca, esperava que a essa hora seu amigo
estivesse vestindo-se para o jantar e ele pudesse servir-se de uma
bebida para tentar acalmar seus ânimos. Os seus nervos pareciam
estar à flor da pele, o simples roçar do tecido sobre sua carne o
atormentava com memórias do desejo reprimido. Ele estava
agoniado, seu corpo doía de desejo por Georgiana, não só seu
corpo como também seu coração, e seu próprio coração estava
dolorido com a ideia de que ela nunca poderia ser sua.
Ele tinha que fugir. Ele sabia disso. Para o bem de ambos, antes
que os arrastasse para o desastre. Isso porque, embora ele
pudesse escapar ileso de um escândalo, se a arruinasse, sabia que
nunca se perdoaria por isso. A desonra sentida destroçaria seu
próprio coração e alma pelo resto de seus dias.
Assim, dar de cara com o olhar especulativo de Beau avaliando-
o no momento em que passou pela porta não era algo que o fizesse
se sentir mais à vontade consigo mesmo.
— Ora, ora, o andarilho voltou — falou ele, com a voz arrastada,
levando um copo de cristal aos lábios e bebendo, sem que o olhar
deixasse por um instante sequer seu amigo.
— Beau. — Sebastian saudou acenando com a cabeça e foi
servir uma grande dose para si mesmo. Ele bebeu em um grande
gole, saboreando a queimação que sentia por um momento antes
de servir-se de outra dose.
— Parece que você precisava disso — disse Beau. Sebastian,
então, lançou-lhe um olhar de advertência e descobriu que ele
estava sendo observado atentamente por aqueles frios olhos azuis.
— Ela deve ser incrível para deixar você tão nervoso — acrescentou
ele, girando o líquido âmbar em seu copo com um ar entediado.
— Vou vestir-me — disse Sebastian, virando-se com a bebida
na mão. Ele não respondeu às observações do amigo, já que ele
não ganharia nada com isso.
— Não tão rápido, Sindalton.
Ele parou. Beau raramente usava seu título e, embora quisesse
evitar a discussão que se aproximava, dificilmente poderia bater a
porta na sua cara quando claramente tinha algo a dizer.
— O que é? — indagou ele, sem preocupar-se em esconder o
aborrecimento que sentia.
— Em que diabos você está se metendo, cara? — Beau lançou-
lhe um olhar duro quando ele se levantou e foi ficar ao lado da
grande lareira de pedra. — Você tem meretrizes suficientes aqui
para satisfazer qualquer homem... até a mim, pelo amor de Deus! E,
ainda assim, você está correndo por todo o campo de manhã à noite
como um tolo apaixonado. O que diabos deu em você?
— Não seja ridículo, Beau — vociferou ele, virando-se e
tomando um grande gole de sua bebida. Ele caminhou até a janela
e olhou para fora; o céu já estava escurecendo e o cômodo parecia
frio apesar do fogo que ardia na lareira.
— Não me venha com essa de Beau — continuou seu amigo,
claramente nem um pouco impressionado com sua negativa. — Eu
te conheço muito bem, meu amigo. E eu sei que nunca vi esse olhar
de desespero em seus olhos antes. Você se apaixonou por alguma
mulher inadequada, verdade? Não foi? — indagou ele.
Sebastian virou-se para trás, lutando contra o desejo de cerrar
os punhos. — Cuide da sua maldita vida!
— Meu Deus, eu sabia! — Beau passou a mão pelo espesso
cabelo loiro e olhou para ele exasperado. — Diga-me que ela é uma
viúva ou algo assim... — disse ele, e Sebastian ficou tocado pela
verdadeira preocupação em seus olhos. — Diga-me que ela não vai
causar problemas, porque se acha que vou acompanhá-lo até a
Escócia, está muito enganado, eu te garanto isso! — Apesar de sua
língua ácida, Sebastian percebeu a agitação por trás das palavras
de seu amigo.
Sebastian bufou de nojo e balançou a cabeça. — Ela não vai me
causar nenhum problema, eu te prometo, e não há nenhum
escândalo — disse ele, esperando que pelo menos isso o
tranquilizasse. Muito embora ele tivesse chegado perto o suficiente
para bancar o tolo hoje. — De qualquer forma, partiremos na
próxima semana — acrescentou ele, desejando que suas palavras
não tivessem soado tão desanimadoras.
— Não. — Beau balançou a cabeça, com um brilho determinado
transparecendo nos olhos azuis. — Vamos embora na sexta-feira.
Isso lhe dá um dia para despedir-se com o coração partido e
mandá-la para o passado, que é onde ela pertence.
— Droga, Beau! — explodiu ele, furioso, segurando o copo em
sua mão com tanta força que era um milagre que não tivesse
quebrado. — Você não é meu pai. Não preciso nem quero sua ajuda
nisso.
Beau caminhou até ele e cutucou seu peito com um dedo
elegante e bem cuidado. — Bem, é uma pena porque eu vou te
ajudar. Não quero ver você envolvido em um escândalo terrível
porque uma garota descobriu que botou as mãos em um duque.
— Ela não é assim! — berrou Sebastian, realmente furioso
agora e percebendo que tinha falado demais, mas Beau apenas
bufou.
— Elas nunca são, até que se tornam — respondeu ele, com um
sorriso cínico torcendo seu belo rosto.
— Ela não é, Beau. Eu juro. Ela é doce, inocente e... eu sou um
maldito bastardo. — Sebastian balançou a cabeça, subitamente
exausto. Ele não queria brigar, mas sim falar dela. Ele queria
explicar a Beau como ela era maravilhosa, como ela não olhava
para ele e via dinheiro ou um título, mas o provocava e o colocava
em seu lugar. Ele queria dizer-lhe que nunca havia se sentido assim
antes, mas não se atreveu. Ele tragou o resto de sua bebida e
voltou para o decantador para servir-se de mais um gole.
Apesar de sua reputação, não gostava de beber até perder os
sentidos, e gostava menos ainda das consequências. Mas esta noite
ele queria perder-se nela, para que pudesse afogar a dor do desejo
e da tristeza que se enraizavam em seus ossos. Ele se virou para
Beau e balançou a cabeça em desespero. — Eu me casaria com
ela, se pudesse.
Beau fitou-o boquiaberto. — Seu maldito idiota. Em que você
anda se metendo?
Ele riu e se jogou na cadeira que Beau havia deixado
recentemente. — Não consigo entender — respondeu ele, com um
tom amargo.
— Ela é casada?
Ele olhou para cima e encontrou os olhos de Beau, sabendo que
ele devia realmente considerá-lo um tolo. Beau tinha um coração frio
e sofisticado, ninguém jamais havia tocado o coração cínico de seu
amigo, e nem iria. Sebastian acharia que ele não tinha um coração
se não fosse por seus atos arbitrários de generosidade altruísta que
surgiam do nada de tempos em tempos. Ele tinha sido um bom
amigo para Sebastian, embora ainda não o entendesse
completamente.
— Não — disse ele, com a voz cansada. — Não é casada, mas
seus pais estão mortos e seu tio é seu guardião. Ele é o médico
local — acrescentou ele, com um sorriso irônico. — E é claro que
ela não tem fortuna para compensar sua falta de título.
— Ah, Sebastian. — Isso foi dito com um gemido de desespero
enquanto Beau procurava a cadeira ao lado dele e o encarava com
uma expressão de pena.
— Sinto muito, velho amigo. Você está terrivelmente
desapontado comigo? — perguntou ele, com zombaria em seus
olhos.
— Eu deveria estar — respondeu Beau, balançando a cabeça
com nojo. — Depois das dores que sofri com a sua educação. Mas
eu sabia no fundo que você não atingiria o nível de vilania que eu
alcancei. Seu coração ainda está intacto, apesar de tudo, e é esse
órgão problemático que o levará a muito mais sofrimento do que
qualquer outra parte de sua anatomia, garanto-lhe.
Sebastian riu, reconhecendo a verdade disso, embora tenha
voltado seu olhar para Beau com um sorriso. — Então é melhor
você tomar cuidado, pois não tenho certeza se você é tão insensível
quanto parece.
— Oh, cale-se — respondeu Beau, com um muxoxo e um aceno
de mão. — Você nunca me viu chorar por uma mulher, e nunca
verá.
— Não me lembro de ter chorado ainda — disse Sebastian, com
tom divertido, embora se ele esperava enganar Beau estava longe
de conseguir isso.
— Não, mas você ainda não suportou sua terna despedida, não
é?
Sebastian fez uma cara feia para ele.
— Pelo amor de Deus, acabe logo com isso — encorajou Beau,
inclinando-se para frente em sua cadeira. — Voltaremos a Londres e
nos ocuparemos com algo obsceno até que a tenha esquecido por
completo. Você não pode casar-se com ela. Se quiser tê-la antes de
partir, que assim seja, mas siga em frente e depois se afaste. Não
há mais nada a ser feito.
Sua mão apertou o copo de cristal mais uma vez e ele tensionou
sua mandíbula com tanta força que acabou sentindo dor. E,
forçando-se a relaxar, olhou para Beau. — Como você sabe que eu
ainda não a tomei? — indagou ele, com um sorriso de escárnio.
Beau levantou-se e lançou-lhe um olhar perspicaz. — Porque eu
conheço você e seus princípios provavelmente melhor do que você
mesmo. Seduzir uma garota decidida a seduzi-lo pelo seu título é
um jogo justo, mas isso... você gosta dela e se importa com ela. Não
— disse ele, com uma risada zombeteira. —, se você a tivesse
tomado, haveria culpa em seus olhos, em vez do brilho hipócrita de
um amante de coração partido. — Ele se virou e se afastou,
parando na porta. — Faça o que quiser, Sebastian, para mim tanto
faz. Mas diga adeus a ela. Independentemente do meu conselho,
você sabe que deve.
Sebastian observou enquanto a porta se fechava atrás dele e
teve que segurar a vontade de jogar seu copo na porta fechada em
um ataque de raiva. Ele queria enfurecer-se e ficar de mau humor
como um jovem emburrado nas garras de seu primeiro caso
amoroso. Não era justo. As palavras fervilhavam em sua mente com
tanta impotência quanto quando lhe disseram que seu pai estava
morto, afogado no mar quando seu navio naufragou. Ele e sua bela
amante perdidos em um oceano furioso enquanto fugiam do duelo
no qual ele matou o marido dela a tiros. Agora, havia um escândalo
para dar o que falar. Pelo menos, nada do que pudesse fazer
poderia superar isso.
Mas, agora, ele tinha que tentar restaurar um pouco da
dignidade à honra maculada da família. Ele tinha que casar-se com
uma noiva cuja linhagem fosse impecável. Uma mulher cujas
maneiras e educação devolveriam o brilho ao seu nome manchado.
Talvez, então, quando seu herdeiro fosse maior de idade, o nome
Sindalton representasse algo diferente de assassinato e adultério.
Ele se levantou e serviu-se de outra bebida. Droga, ele era o
maior tolo do mundo. Mas amanhã ele faria o que tinha que ser
feito... Não porque Beau havia dito a ele, longe disso. Só porque era
a coisa certa a ser feita. Se ele ficasse mais tempo, tiraria dela mais
do que já tinha tirado e talvez a deixasse com um filho ilegítimo para
agravar sua vilania. E Beau estava certo com relação a isso, pelo
menos, ele não era tão bastardo para chegar nesse ponto.
Ele tentou pensar em algo que pudesse fazer por ela, algo que
lembrasse dele com carinho em seu coração, não importando o que
pudesse acontecer ao longo dos anos na vida de ambos. No final,
ele decidiu ir para Truro pela manhã. Ele encontraria algo, pequeno
e discreto, algo que não a entregasse e a fizesse corar. E, então, ele
iria embora e a deixaria para trás.
Capítulo 10
 
“No qual o casal de apaixonados se separa.”

Georgiana sentou-se na cama e admirou-se com como o amor


podia mudar uma pessoa. Ela sempre considerou que o amor fosse
uma emoção gentil e doce, algo a ser procurado e valorizado, uma
vez que fosse encontrado. Com sua tia e tio, ela só tinha visto o lado
bom. A união deles era muito feliz, pois era entre duas pessoas com
opiniões semelhantes. Mas como tinha sido para eles nos primeiros
dias? Ela se perguntava isso agora. Na época em que os pais de tia
Jane a alertaram que se ela escolhesse Joseph Bomford estaria
morta para eles, quer dizer, banida de sua linhagem como se nunca
tivesse existido. Nunca havia passado pela sua cabeça pensar
sobre isso antes; que tipo de amor poderia tê-la feito desistir de tudo
que já conhecera por um homem que sua família considerava estar
abaixo dela?
Mas não era ela que tinha que fazer essa escolha. Apenas Beau
poderia optar por ignorar os desejos de sua família, e ela sabia que
ele não poderia; não importa se ele quisesse. Ele precisava de
dinheiro, ela sabia disso, e mesmo que ele tivesse, seu status social
estava tão abaixo dele que seria motivo de fofoca. As pessoas a
olhariam e fofocariam, e poderiam se perguntar como ela o havia
obrigado a isso. Ela, então, questionou-se se o amor poderia
sobreviver a tais provações; o seu poderia. Ela sempre se
considerou uma mulher sensata, não do tipo que desmaia e fica
histérica. Nenhuma tragédia grega foi encenada nesta casa, seu tio
dizia com orgulho. Imaginar o que ele diria se descobrisse... ou a
expressão nos olhos de tia Jane se ela soubesse das liberdades
que ela permitira que ele tomasse...
Seu rosto corou e ela enterrou a cabeça nas mãos de vergonha.
Talvez ela tivesse sangue ruim dentro dela. Pois, que tipo de jovem
respeitável se contorceria e gemeria, permitindo que um homem que
não tinha intenção alguma de se casar com ela a tocasse de
maneira tão íntima? Que espécie de jovem inocente passaria a noite
toda acordada, com a pele ardendo de desejo e com a necessidade
desesperada de que ele a tocasse daquela forma novamente?
Ela respirou fundo e forçou-se a ficar de pé. Era hora de ir
encontrá-lo. Ela rezou para que ele lhe dissesse que estava indo
embora e, ao mesmo tempo, para que ele não fosse. Mesmo que
ele não terminasse com tudo, ela sabia que de alguma forma
deveria. Ela devia encontrar forças para dizer adeus. Ela estava
enredada, mas precisava achar um modo de evitar que aquilo
pudesse ferir sua família. Pois ela não retribuiria todas as gentilezas
concedidas a ela por sua tia e tio, trazendo escândalo à sua porta.
Mesmo que isso partisse seu coração.
Ela levou um tempo para verificar o cabelo e beliscar suas
bochechas, ciente de que estava terrivelmente pálida. Ela sentiu a
culpa apertar seu coração naquela manhã quando Mary perguntou
se ela estava se sentindo bem, oferecendo-se para fazer um
gemada para trazer um pouco de brilho de volta aos seus olhos.
Deixando de lado esses pensamentos tão desconfortáveis, ela
amarrou o bonnet e alisou seu vestido de passeio verde-claro de
tafetá leve antes de abotoar sua peliça. Com a mentira saindo com
muita facilidade através de sua boca, ela disse à tia Jane que levaria
Conrad para seu passeio vespertino e saiu de casa.
Demorou pouco mais de meia hora para chegar ao seu recanto
isolado do mundo. Um lugar onde sonhos impossíveis tentavam
fazê-la acreditar em um futuro improvável. No entanto, pelo menos,
ela não era tão tola e inexperiente a ponto de deixar-se enganar por
eles.
Como sempre, ele a esperava, e ela parou por um momento
para admirar a largura daqueles ombros impressionantes e o
tamanho dele naquela jaqueta refinada de corte impecável. Se
alguma vez ela conseguisse ficar ao seu lado, com a cabeça
erguida, em vez de esgueirando-se em encontros clandestinos, ela
ficaria muito orgulhosa. Isso não era problema dela, ela lembrou a si
mesma, embora a dor aumentasse em sua garganta. Isso era para o
futuro dele, e ela... ela era apenas um pequeno capítulo em seu
passado.
Respirando fundo, ela tentou colocar um sorriso no rosto e
seguiu em frente.
Ela foi recompensada, ao menos, pelo olhar, na maneira como
ele pulou da pedra em que estava sentado e correu em sua direção.
Abraçando-a e beijando-a como se nunca fosse soltá-la, embora
ambos soubessem que isso era mentira.
— Eu estava com medo de que você não viesse — disse ele,
com as mãos grandes embalando seu rosto.
Ela riu e balançou a cabeça. — Não seja tolo, Beau — disse ela,
com aquela nota provocadora que ele parecia gostar tanto. — Você
não duvidou, nem por um instante. Você sabe que eu realmente não
deveria ter feito isso, nunca imaginei que colocá-lo no seu devido
lugar faria tão bem a você.
Ele balançou a cabeça, e o coração dela ficou satisfeito ao ver
que a tristeza em seus olhos combinava com a sua. Pelo menos não
era só ela que sentia a dor de sua partida. Isso teria sido ainda mais
difícil.
— Meu devido lugar? — repetiu ele, com os olhos escuros
recriminatórios. — Isso é tudo que você acha que mereço?
— Beau... — começou ela, desejando que ele não dificultasse
tanto as coisas para ambos. Se talvez eles desempenhassem seus
papéis, se talvez provocassem um ao outro, sorrissem e
simulassem uma cara corajosa, sobreviveriam a isso. Pelo menos
então, ela poderia ser capaz de ir embora sem desmoronar e
implorar para que não a deixasse.
— Você não entende como isso dói? — vociferou ele, agarrando
os seus ombros, com os dedos machucando-a por segurá-la com
tanta força. — Você não sente isso também?
De repente, a raiva explodiu, raiva pela injustiça daquilo tudo. —
Você acha que não sinto? — refutou ela, com lágrimas em seus
olhos. — Você acha que eu não quero implorar para você ficar e
casar-se comigo? Esquecer a fortuna de que precisa, esquecer seu
dever para com seu título e sua família, e quaisquer outras
obrigações que venham antes de minha felicidade, das quais não
duvido que sejam muitas! — Ela fez uma pausa, olhando para ele
com o coração cheio de dor e mantendo sua dignidade. — É você
quem está me deixando, Beau. Não o contrário. Mas não há nada
que eu possa fazer para que você fique. Nada que eu possa te
oferecer será valioso o suficiente além do meu coração, mas isso
você já tem. Portanto, não fique aí parado acusando-me de ser fria
ou indiferente aos seus sentimentos quando tudo que quero fazer é
tornar isso mais fácil para você me deixar.
Ela viu suas palavras serem registradas, e seus olhos se
fecharam quando ele reconheceu a verdade nelas.
— Perdoe-me — disse ele, com sua voz sombria.
Georgiana sorriu a contragosto. — Outra vez? Bem, por que não
pedir perdão mais uma vez, para adicionar a todo o perdão que
você já recebeu? — Ela não pretendia que as palavras tivessem
soado tão amargas. Aproximando-se, ela colocou as mãos em seu
peito para mostrar que não estava com raiva dele, não de verdade.
Ele olhou para ela, com os olhos escuros cheios de dor, e qualquer
raiva que ela pudesse ter cessou diante daquela infelicidade. — Não
há nada que você possa fazer, nem nada que eu possa fazer —
sussurrou ela. — Eu sabia que me deixaria hoje. E-eu meio que
esperava que você fizesse isso, mesmo que partisse meu coração,
porque... porque há muita coisa em risco agora. Nós dois sabemos
disso.
Ele assentiu e puxou-a para mais perto, envolvendo-a em seus
braços e empurrando seu bonnet para trás para enterrar o rosto em
seu cabelo. — Eu sei — disse ele, com a voz desesperada. — Se
eu ficar, não poderei deixar você em paz. Você me provoca de
maneiras contra as quais não tenho forças para lutar e não ouso
tentar. Sou muito fraco para estar perto de você e não tê-la, e não
posso usá-la de forma tão vil assim, apesar de tudo que já fiz. Eu
me importo demais com você para isso, sabe. — Ele deu uma
bufada de escárnio. — Escute a mim e meus nobres sentimentos.
Eu a teria tomado ontem se tivesse cedido um centímetro, e nós
dois sabemos disso.
Ela estendeu um dedo até os lábios dele e balançou a cabeça.
— Pare. Por favor, pare, pois há uma parte em mim que sempre se
arrependerá de não ter me entregado a você independentemente
das consequências, mas não é apenas em mim em quem devo
pensar. Recebi tanto de minha família que não posso recompensá-
los arriscando-me a sofrer tal desgraça, não importa se meu
coração o fizesse de bom grado.
— Meu Deus, Georgiana. — Ele a beijou, então. Um beijo que
queimou sua alma e a deixou tonta de desejo, delirando com a
necessidade de mais. Como se ele a provocasse com tudo o que
ela nunca poderia ter, ele a beijou como se ela fosse tudo o que ele
sempre havia desejado e precisado, até que ela quis gritar com a
dor que a perda dele lhe traria. Ele soltou sua boca, mas a segurou
firmemente enquanto ela tremia de desejo e emoção, encerrada em
seus braços.
Eles ficaram juntos, nenhum deles disposto ou capaz de dizer
uma só palavra por um momento. — Eu tenho algo para você —
disse ele, finalmente, e ela olhou para cima quando ele enfiou a mão
no bolso e retirou uma caixinha. — Não... não é nada de mais —
acrescentou ele, como se estivesse desculpando-se. — Você deve
acreditar em mim quando digo que queria comprar diamantes e
safiras para você, mas... mas eles só lhe trariam problemas se
fossem descobertos.
Ela sorriu para ele, sabendo que ele falava a verdade e mais do
que tocada por ele ter pensado tão cuidadosamente sobre um
presente para ela. Ele abriu a caixinha, revelando uma delicada
corrente de ouro, e presa a ela um pequeno coração também em
ouro.
— Só para lembrá-la, se você tiver alguma dúvida... que tem
meu coração, Georgiana.
Ela tocou o coração com o dedo e piscou para afastar as
lágrimas. — Obrigada. — conseguiu dizer, embora sua voz soasse
rouca. — Vou guardá-la para sempre. — Ela tirou a corrente da
caixa e colocou-a em sua retícula. — Terei que inventar que foi uma
velhinha bondosa que me presenteou, não é mesmo? — disse ela,
tentando brincar, embora tudo aquilo fosse muito longe de ser
engraçado.
— Eu gostaria de algo em troca — disse ele, estendendo a mão
e enrolando uma mecha de seu cabelo em torno de seus dedos.
— Claro! — disse, desejando ter pensado nisso sozinha. — M-
mas eu não tenho tesoura, nada para...
— Eu vim preparado — disse ele, sorrindo para ela enquanto
roçava os lábios dela com os seus e cortava um cacho grosso. Ele,
então, segurou o cacho de cabelo na boca e beijou-o, antes de
colocá-lo cuidadosamente na caixa em que havia trazido o colar. —
Vou carregá-lo sempre comigo.
— Oh, não prometa isso — implorou ela, balançando a cabeça.
— Pois sua esposa descobrirá um dia e, então, como ela vai se
sentir? Não, é muita crueldade.
— E você é boa demais! — gritou ele, puxando-a para perto
novamente. — Droga, por que você se importa com ela, seja ela
quem for? Eu sei muito bem que não vou.
— Não diga isso, Beau, por favor — implorou ela. — Beije-me
novamente e depois deixe-me ir, pois, se não o fizer, tenho a
sensação mais estranha de que tudo vai azedar. Por favor, meu
amor.
— E o que você vai fazer? — questionou ele, com o tom mais
uma vez cruel e desesperado de dor. — Quando eu for embora, o
que fará então?
Ela olhou para ele e, dessa vez, viu-se impossibilitada de frear
as lágrimas que escorriam pelo seu rosto sem parar. — Hoje? —
perguntou ela, com a voz sufocada por um soluço. — Hoje, irei para
casa e direi a eles que não estou bem, como todos acreditaram esta
manhã, quando eu estava tão quieta e pálida. E eles vão me colocar
na cama e, no momento em que fecharem a porta, eu vou chorar e
chorar até que não haja mais lágrimas no mundo que eu não tenha
derramado. — Ela riu então, sentindo-se realmente fora de si, como
se fosse enlouquecer com sua tristeza desesperada. — Veja, pelo
menos nisso tenho vantagem sobre você — disse ela, alisando as
lapelas dele com cuidado. — Afinal, sou apenas uma mulher, uma
criatura fraca governada por suas emoções e caprichos
extravagantes. Então, se eu for para a cama e chorar, ninguém vai
fazer muito caso, a não ser, talvez, que eu esteja um pouco
deprimida. Mas você, querido Beau, deve ser corajoso e engolir
isso, fingindo que não há nada com que você se importe, que nada
jamais tocou seu coração, nem nunca tocará. E prometo não o
envergonhar jogando-me no mar por sua causa ou algo igualmente
sórdido. — Ela tentou sorrir para ele com isso, mas não podia fazer
nada além de chorar, então, enterrou o rosto em seu pescoço,
soluçando e agarrando-se a ele o mais forte que podia.
Foi preciso um grande esforço para conter-se, e foi apenas o
pensamento de que sua última lembrança dela não deveria ser de
uma criatura desesperada e de olhos vermelhos que a fez respirar
fundo e recompor-se.
Ele ficou em silêncio, mas seu apego a ela foi o suficiente para
falar por ele, assim como a dolorosa tristeza em seus olhos. —
Então me dê um beijo de despedida, meu belo canalha.
Por um momento ela pensou que ele não iria, mas então seus
lábios encontraram os dela em um beijo carinhoso, cheio de
saudade e desejo, e tudo o que ambos sabiam que nunca poderiam
ter um do outro.
Ele pegou o rosto dela em suas mãos, com uma expressão
feroz. — Eu nunca vou te esquecer, Georgiana. Eu prometo.
— Nem eu, Beau — prometeu ela de volta, beijando sua
bochecha e de alguma forma encontrando forças para sair de seus
braços. Ela estava tão entorpecida que nem chamou Conrad, que a
alcançou mais adiante pelo caminho com um latido de reprovação.
Não havia nada que parecesse real agora, nada que parecesse
existir fora dessa dor recente e intensa que a rasgava por dentro e
prometia que ela nunca mais seria feliz. Foi assim que ela encontrou
o caminho de casa e fez exatamente o que dissera que faria. E,
enquanto tia Jane instruía as criadas a trazerem um tijolo quente
para seus pés, sais aromáticos e água, Georgiana chorava até não
restar mais lágrimas.
Capítulo 11
 
“No qual um vilão traz à tona escândalos do passado e do futuro
para atormentar a vida de nossa heroína.”

Georgiana sentou-se na rocha, com os braços em volta dos


joelhos, olhando ao longe. Ela voltou ao local de encontro todos os
dias durante a última quinzena, embora soubesse que isso era uma
tolice, já que ele nunca mais voltaria. Em breve, ela leria o aviso de
seu noivado publicado na Gazette e, até mesmo, a remota
esperança à qual seu coração idiota ainda se apegava,
desapareceria. Ela se repreendia todas as manhãs, dizendo a si
mesma severamente que não era nem um pouco bom desejar algo
que sabia que nunca poderia ter e prometia esquecê-lo. E, no
entanto, todas as tardes ela chamava Conrad e refazia seus passos
em direção ao mesmo lugar. Ela apenas se sentia mais próxima
dele aqui do que em qualquer outro lugar, embora ele agora
estivesse a quilômetros de distância e talvez já estivesse flertando
com outra garota bonita para expulsar a memória dela de sua
mente.
Ela engoliu em seco quando Conrad veio saltando para ela e
empurrou seu nariz frio e úmido debaixo do seu braço, querendo
atenção.
— Sim, acho que você também sente falta dele, não é, meu
bem? Ele sempre te dava atenção e estava disposto a jogar
gravetos. — Ela acariciou seu peito com carinho. — Sim, e eu sei
que ele jogava bem mais longe do que eu. Sinto muito por isso, de
verdade, mas eu dou o meu melhor, você sabe. — Ela tagarelou
dessa maneira por um tempo até que Conrad ficou entediado e saiu
para explorar uma toca de coelho.
Com cuidado, ela tirou o colar que Beau havia lhe dado,
deixando o ouro puro deslizar entre seus dedos e o pequeno
coração em sua palma brilhar sob a fraca luz do sol da tarde. O
tempo estava fechando, as árvores estavam quase nuas agora e
toda a cor do outono desaparecera do campo. Ela sentiu como se
cada vestígio de seu breve caso de amor estivesse sendo tirado
dela enquanto a estação morria e a mão fria do inverno passava
sobre a paisagem. Por tão pouco tempo tudo tinha sido dourado,
mas agora estava morto, frio e solitário, e ela não sabia como iria
suportar tudo isso.
Ela escondeu o coração de volta e levantou-se, chamando
Conrad e voltando para a floresta. Ela tinha que forçar um sorriso
dali até a casa e usar a personalidade de Georgiana Bomford como
um manto, escondendo a pessoa que ela se tornou desde aquele
dia fatídico na caverna. Isso porque ela já não era a mesma; não
importava o quanto se esforçasse. Seu mundo parecia pequeno e
confinado, e ela se irritava com as restrições impostas em suas
circunstâncias como nunca havia sentido. Isso talvez tenha sido o
pior de tudo, ela pensou. Que ele a havia deixado tão insatisfeita
com sua sorte, quando ela sabia, em todos os sentidos, que era a
pessoa mais afortunada do mundo.
Com um suspiro e uma última repreensão, ela virou a esquina
para o jardim da casa de seus tios e fez uma pausa ao notar uma
bela carruagem na frente da casa. Seu coração acelerou.
Certamente era impossível, não é mesmo? Mas seu coração não
considerava isso impossível ou improvável, e ela irrompeu pela
porta da frente correndo, dando de cara com o seio ansioso da
governanta de cabelos grisalhos, a senhora Gurney.
— Oh, graças a Deus, mocinha! Onde você estava? Eu te
procurei em todo lugar, e a casa está um alvoroço. Agora, suba,
Clara está esperando por você. Ela separou seu melhor vestido de
cambraia, o rosa-claro. Oh, apresse-se, Georgiana!
— M-mas quem está aqui, Gurney? — gaguejou ela, com o
coração batendo forte demais para permitir que seu cérebro febril
compreendesse tudo aquilo.
— Seu tio, o barão Dalton está aqui! — sibilou ela, batendo as
mãos para apressar Georgiana escada acima.
Por um momento, a decepção foi tão aguda que ela não pôde
fazer nada além de olhar para a senhora Gurney e tentar respirar
apesar da dor que sentia no peito.
— Bem, não fique aí parada como uma estátua, querida — urgiu
a mulher mais velha, agitando o avental para ela. — Você deve ir e
ficar apresentável.
— Eu tenho um tio? — perguntou Georgiana, enquanto Gurney
colocava a mão nas suas costas e a empurrava escada acima.
— Isso mesmo — respondeu Gurney, soando como se tivesse
encontrado um inseto na caixa de farinha.
— Quem é ele e o que está fazendo aqui? — questionou
Georgiana, ainda muito abalada para encontrar forças o suficiente
para indagar-se por que ela não sabia que tinha outro tio.
Gurney apressou-a pela porta de seu quarto, onde Clara lançou-
se sobre ela, e as duas mulheres tiveram trabalho em despi-la de
seu vestido de passeio.
— Ele é o irmão mais velho de sua tia Jane, e como dizia a
minha mãe, se você não pode dizer nada de bom de alguém, é
melhor manter a boca fechada.
Essa declaração bastante ousada de Gurney deixou claro para
Georgiana que não apenas a senhora Gurney não gostava de seu
novo tio, como também tia Jane e tio Joseph. Gurney nunca se
atreveria a emitir tal opinião sobre um de seus parentes se não
soubesse muito bem que os sentimentos de sua patroa eram os
mesmos, e sem dúvida era por isso que ele nunca havia sido
mencionado antes. Ela assumiu que esse era um dos parentes sem
coração que havia rejeitado sua tia Jane quando ela decidiu casar-
se por amor.
Então, uma vez bem-vestida e arrumada – para a satisfação de
Gurney – foi com grande apreensão que ela foi conhecer seu novo
parente. Sabendo o que ela sabia sobre a frieza com que a família
de sua tia a tratara quando ela havia se casado com tio Joseph, foi
sem nenhuma expectativa de gostar do homem que estava na sala
de estar que ela abriu a porta. Não demorou muito para ela perceber
que havia julgado mal a situação.
Seu tio, o barão, era um homem alto e severo, com uma
maneira autocrática. Sua vestimenta era obviamente da melhor
qualidade e ele se portava como um duque, olhando ao redor da
sala com desgosto e como se houvesse um mau cheiro persistente
em algum lugar por perto. Ele talvez tivesse sido um homem bonito
em sua juventude, pois era robusto com um nariz fino e reto e uma
mandíbula forte. Mas cada traço de natureza cruel e avarenta
parecia para Georgiana estar claramente gravada em um rosto que
ela achava desprovido de qualquer uma das emoções humanas
mais gentis.
De fato, quando sua pobre tia, que estava claramente em um
estado de grande agitação, levantou-se em um salto quando
Georgiana entrou na sala e fez menção de apresentá-los, o modo
como ele a olhou fez seu sangue ferver.
— Como eu temia — disse ele, com uma fungada. — Você é a
cara de sua mãe.
Georgiana olhou para a tia, que claramente estava chorando e
segurava um lenço em uma das mãos e a caixinha com fragrâncias
na outra.
— É verdade, você é — disse tia Jane, sorrindo para ela, antes
de lançar um olhar de intenso desgosto para seu irmão. — Ela era
tão linda, sabe.
— Uma pena que ela também fosse uma meretriz.
Tanto Georgiana quanto tia Jane pularam de choque com a
vulgaridade cruel de suas palavras.
— Basta, Lionel — respondeu tia Jane, com uma força
incomum. — Isso é o suficiente. Não permitirei que venha aqui, em
minha casa, e fale de maneira tão abominável. Se você não
consegue manter uma linguagem civilizada, pode ir embora agora.
— Não farei tal coisa, senhora — respondeu o irmão com frieza.
— Eu vim aqui, para sua casa... — disse ele, anunciando a palavra
com escárnio, como se estivesse em um casebre. —, para falar com
a senhorita Dalton e esclarecer as coisas para ela. Você pode
retirar-se enquanto eu faço isso.
— Não irei deixá-la sozinha com você!
Georgiana, bastante atordoada com a situação, foi sentar-se ao
lado de tia Jane, que estava claramente à beira da histeria. Pegando
sua mão, ela a segurou e apertou para tentar confortá-la. Tia Jane
cobriu a mão com a sua e segurou com força.
— Tia Jane, o que diabos está acontecendo? — perguntou
Georgiana, virando as costas para um homem que rapidamente
transformou suas emoções para bem além da mera antipatia
adentrando nos territórios inexplorados da repulsa e aversão. — Por
que essa criatura mal-educada se refere a mim como senhorita
Dalton? Eu fui e sempre serei Georgiana Bomford.
— Mantenha o linguajar civilizado, mocinha! — enfureceu-se o
homem que dizia ser seu tio.
Georgiana virou-se e olhou para ele com nojo. — Senhor, esteve
em minha companhia por apenas alguns minutos, levou minha tia às
lágrimas, chamou minha mãe de meretriz e, no geral, comportou-se
de maneira rude e grosseira, inadequada para um cavalheiro.
Portanto, só posso deduzir que não seja um cavalheiro.
Seu tio parecia dividido entre seu desejo óbvio de atravessar a
sala e bater-lhe, independente de qual fosse seu propósito ao visitá-
la, em primeiro lugar. No final, seu objetivo pareceu vencer quando
ele controlou seu temperamento, mas olhou para ela com
indisfarçável hostilidade.
— O que você sabe sobre seus pais, senhorita Dalton? —
perguntou-lhe, com a voz ríspida.
— Muito pouco — respondeu ela, encontrando seus olhos e
recusando-se a sentir-se intimidado por sua maneira arrogante. —
Só que ambos morreram quando eu tinha menos de um ano de
idade.
— E você sabe como morreram? — questionou ele, e diante do
óbvio prazer que ele demonstrou ao fazer-lhe a pergunta, Georgiana
soube que naquele momento, finalmente, saberia qual era a mancha
que cobria seu nome.
— Não sei. — disse ela, com dignidade, e agarrou a mão da tia,
que começou a chorar, encostada no ombro de Georgiana.
Ele lançou-lhe um sorriso frio e ardiloso que fez um sentimento
inquietante deslizar sobre sua pele. — Sua mãe estava tendo um
caso com outro homem, um duque, dentre tantas pessoas, mas
como ela conseguiu isso, não consigo entender — acrescentou ele,
com um sorriso de escárnio. — Seu pai, o antigo barão Dalton,
descobriu que os dois estavam juntos e desafiou o duque para um
duelo.
Georgiana respirou fundo quando sua tia começou a chorar
mais forte ao lado dela. Ela havia construído muitas histórias sobre
seus pais quando era muito pequena, inventando contos de
princesas perdidas e fadas más. À medida que crescia, ela passou a
acreditar que algo havia acontecido que fazia com que não tivesse
uma boa imagem e, instintivamente, evitou fazer muitas perguntas.
Mas nunca, em sua imaginação mais mirabolante, havia
considerado algo tão terrível quanto isso.
— Seu pai foi morto imediatamente pelo duque — continuou seu
tio, sem se importar com a tristeza de sua irmã ou com a óbvia dor
que estava infligindo à sua sobrinha. — O duque, por sua vez, foi
forçado a fugir, levando sua mãe com ele. — Ele fez uma pausa
para dar a ela um sorriso tão cruel que um verdadeiro pavor
florescia em seu peito. — Claro que ela te abandonou e te deixou
sem pensar duas vezes para fugir com seu amante.
— Não, Lionel! — implorou sua tia, soluçando. — Você não
pode ser tão cruel assim. Ela não teve tempo de ir buscar
Georgiana. Ela a teria buscado, tenho certeza! — Ela se virou para
Georgiana, com os olhos cheios de compaixão enquanto segurava
sua mão. — Ela amava você, doce menina. Tenho certeza disso. Ela
nunca teria te deixado se tivesse tido escolha. Tenho certeza de que
ela pretendia mandar te buscar assim que estivesse estabelecida.
— Você não sabe de nada. — O barão atravessou a sala para
olhar através da janela o lindo jardim que havia atrás da casa,
embora seus olhos parecessem não encontrar nada que o
agradasse. — A meretriz fugiu e deixou sua filha, e esse foi o único
favor que ela fez a você, senhorita Dalton, pois ela se afogou com o
duque quando o navio deles afundou em uma tempestade.
Georgiana agarrou a mão da tia e tentou manter a calma.
Ambas não podiam sucumbir à histeria, e ela decidiu que esse
homem vil não veria que a havia machucado ou incomodado de
forma alguma.
— Entendo — disse ela, com a estranha sensação de que
estava vivendo em algum tipo de pesadelo bizarro. Com a partida de
Beau, suas emoções já estavam tão intensas e à flor da pele que
acrescentar esse melodrama à miséria das últimas semanas era
quase insuportável. Ela só podia estar feliz que o choque a tivesse
entorpecido por um momento, possibilitando que sua voz não
tremesse quando falou. — Agradeço-lhe por dedicar seu tempo para
me revelar tais notícias desagradáveis, senhor. Espero que tenha
obtido satisfação suficiente com a entrega delas e rezo para que
não o afastemos nem mais um momento de seus negócios.
Ele riu, um som frio e insensível que a assustou
consideravelmente.
— Ah, mas não é por isso que estou aqui, mocinha — disse ele,
e quando ela olhou para cima, descobriu que seu tio havia assumido
a personalidade de todos os vilões que já havia lido em todos os
romances góticos que ela mais amava. Tudo o que ela precisava
para completar a imagem era que fosse noite em um castelo, em
vez de tarde em sua sala de estar apertada, e que as velas
estivessem derretendo em seus castiçais e uma tempestade rugisse
lá fora.
Para seu alívio, essa noção ridícula a fez sorrir ao colocá-la
como a heroína, que precisava enganar seu parente perverso, sem
dúvida empenhado em assassiná-la ou algo igualmente nefasto. Ela
pensou que talvez suas emoções tivessem sofrido o suficiente por
um dia e sentia-se exausta, quando, de repente, começou a rir. Seu
tio olhou-a com espanto.
— Que diabos há de errado com você agora? — Ele atravessou
a sala para ficar ao lado da lareira, com uma expressão tão furiosa
no rosto que ela se lembrou fortemente do perverso marquês de
Montferra, em “O Órfão do Reno”. A ideia a perturbou
consideravelmente, e ela teve que morder o lábio com força para
restaurar o equilíbrio. No entanto, removeu um pouco de seu medo
da situação e de seu tio, e deu a ele um caráter bastante ridículo à
luz de todos os seus ares e graças.
— Nada, senhor. Por favor, continue — disse ela, olhando-o sob
uma nova luz.
Ele olhou-a com uma expressão fria por um momento antes de
falar novamente. — Desejo falar com você a sós, senhorita Dalton.
— Isso você não vai! — gritou sua tia, embora ela tremesse
visivelmente agora, e Georgiana estava apreensiva com a forte
coloração em suas bochechas.
— Calma, calma, tia Jane, por favor, não se preocupe. Vá deitar-
se. Vou falar com meu tio e acompanhá-lo assim que ele disser o
que tem para falar. Tenho certeza de que não vai demorar mais do
que um momento — acrescentou ela, fazendo cara feia para o
homem.
Com dificuldade, Georgiana acalmou-a um pouco e mandou
chamar a senhora Gurney, que deu uma olhada no barão Dalton e
uma fungada de indignação enquanto avaliava o homem com um
olhar depreciativo e ia até sua senhora. Apoiada por Gurney, tia
Jane foi persuadida a sair da sala, deixando Georgiana sozinha com
o tio.
Capítulo 12
 
“No qual as verdades são descobertas.”

Uma vez sozinha, Georgiana levantou-se e encarou seu tio. Ela


não sabia o que ele queria dela, mas quanto mais cedo descobrisse
suas intenções, mais cedo elas poderiam se livrar dele e isso,
atualmente, era seu único objetivo.
— Muito bem, então — disse seu tio, claramente tão ansioso
para concluir seu negócio quanto ela estava para que ele fosse
embora. — Vou tornar as coisas agradáveis e simples para você.
Seu pai e o irmão de minha esposa eram bons amigos, e era desejo
deles que você se casasse com o filho de meu cunhado, Swithin
Rufford. Para dizer a verdade, você está comprometida desde o
nascimento. Pessoalmente, acho que o sujeito está fazendo um
mau negócio. Mas esse era o maior desejo de meu irmão, e
pretendo fazer com que se realize, mesmo que agora, graças à
perversidade de sua mãe, ele não esteja mais aqui para tornar isso
possível.
Georgiana agarrou o encosto da cadeira ao lado dela e rezou
para não fazer algo tão humilhante quanto cair desmaiada. Embora
ela sentisse que se havia alguém que tinha o direito de desmaiar
depois de tudo o que havia sofrido nas últimas semanas, esse
alguém era ela.
— Mas tenho apenas dezenove anos. Ainda não sou maior de
idade — respondeu ela, surpresa por ter falado as palavras sem
gaguejar e agarrando-se a qualquer coisa que pudesse pensar.
— Isso mesmo. Mas eu sou seu guardião legal e concordo com
o casamento.
— Mas eu não! — respondeu ela, olhando para a figura odiosa
do homem e jurando nunca fazer nada que ele desejasse que ela
fizesse. — Não tenho a menor intenção de me casar com um
homem de quem nunca ouvi falar, só porque meu falecido pai assim
desejou!
Ela foi agraciada com um olhar de desdém tão frio que sua
coragem cedeu por um momento, mesmo assim, ela sustentou seu
olhar gélido, embora seus dedos estivessem brancos onde segurava
firmemente a cadeira.
— Não — disse ele, cada nuance dessa única palavra
destilando desprezo. — Nunca imaginei que você faria qualquer
coisa para agradar seu pai. Na verdade, estava certo em supor que
você seria tão caprichosa e volúvel quanto sua mãe. Sangue ruim
sempre aflora — acrescentou ele.
— Se já acabou de insultar a mim e à minha família, eu pediria
que se retirasse agora, senhor, pois certamente não tenho mais
nada a dizer-lhe.
— Oh, mas ainda não concluí meus negócios com você,
senhorita Dalton. — Ele, então, deu um passo mais perto dela, e ela
pôde ver a natureza implacável do homem ardendo em seus olhos.
Esse não era um homem acostumado a ser contrariado e não
esperava sair desta reunião sem conseguir o que queria. — Vou ser
mais claro.
— Palavra de honra, senhor. Se ainda não o fez, pergunto-me
se minhas pobres sensibilidades femininas poderão suportar a
tensão — retorquiu ela, estreitando os olhos na direção dele.
Ele deu um bufo, parecendo cada vez mais enojado. — Você
nunca me fará acreditar que há algo que se aproxime da moral ou
sensibilidade feminina em você, senhorita Dalton. Você é filha de
uma mulher que era conhecida por ser uma namoradeira vulgar.
A fúria que ela sentiu, por sua vez, fez com que suas bochechas
queimassem, já que estava enfurecida com ele. — Então eu me
pergunto por que será que o senhor estaria tão ansioso para buscar
uma união entre alguém como eu e um homem que você
aparentemente sente alguma consideração.
— Sim, eu me pergunto o mesmo — gritou ele. — Mas Rufford
quer se casar com você, e eu dei a minha palavra. Logo, o
casamento vai acontecer. Marquei para você um encontro com o
senhor Rufford no próximo domingo, quando ele fará sua proposta,
e você o aceitará.
Georgiana reuniu suas forças e agarrou-se à raiva crescente
que parecia ser a única coisa que a mantinha de pé.
— O senhor foi bem claro, e agora vou retribuir na mesma
moeda. Não há nada neste mundo que me induza a fazer algo do
tipo. Se e quando eu me casar, não será com alguém que foi
escolhido por um homem morto ou alguém que eu despreze
totalmente.
Por um momento, ela questionou-se se tinha ido longe demais
quando viu seus punhos cerrados e ele deu um passo em sua
direção. Ele congelou no último momento, mas ela não tinha dúvida
alguma de que se ela se permitisse ficar sob o poder desse homem,
estaria em grave perigo.
— Senhorita Dalton — disse ele, com as palavras repletas de
fúria cruel. — Sua mãe era uma prostituta e o escândalo que ela
causou é falado até hoje. Basta dizer uma palavra sobre seu
verdadeiro parentesco e você estará arruinada, e você pode estar
certa de que não vou pronunciar apenas uma palavra, vou destrui-
la. Nenhum homem jamais tocará em você, a menos que pague
uma moeda por seus serviços, ninguém da alta sociedade jamais a
receberá. Você será uma pária, não pertencerá a lugar nenhum e a
ninguém.
— Que assim seja — refutou ela, mal contendo as lágrimas,
mas determinada a não desmoronar diante desse homem odioso. —
Prefiro morrer solteira a sucumbir a um homem desprezível e
perverso como o senhor!
— Então parece que não há mais nada a dizer. Estarei aqui no
domingo com o senhor Rufford. Espero que, depois de ter dedicado
um tempo para examinar suas circunstâncias, você mude de ideia,
pois em muito pouco tempo descobrirá que as pessoas daqui, que
eram suas amigas, não desejarão mais recebê-la. Tenha um bom
dia, senhorita Dalton.
Ela esperou até ouvir a porta da frente fechar para permitir que
seus joelhos trêmulos cedessem, caindo no chão, chorando e
tremendo, e desejando de todo o coração que Beau pudesse salvá-
la de um destino tão desonroso. Mas Beau se fora e nunca seria
capaz de salvá-la e se ele descobrisse a verdade, talvez não
desejasse mais poder salvá-la. Ela simplesmente teria que
conseguir encontrar uma maneira de sobreviver que não trouxesse
desgraça para sua tia e seu tio.
Por um momento, visões de conventos e de fugas para o
exterior encheram sua mente, mas, logo em seguida, ela se
repreendeu por tais devaneios e voltou ao mundo real. A primeira
coisa que ela deveria fazer era ver como tia Jane estava, e, então,
deveria encontrar seu tio. Juntos, encontrariam uma solução.
Juntos, eles tinham que encontrar.
***
Na manhã seguinte, Georgiana sentou-se à mesa do café da
manhã, ela revirava um pedaço intocado de torrada nas mãos e
aguardava pelo retorno do tio. Sua tia ainda estava acamada, muito
traumatizada pelos acontecimentos do dia anterior para conseguir
levantar-se. Georgiana não a culpava. Ela não queria nada mais do
que enterrar a cabeça sob as cobertas e fingir que tudo estava bem.
Mas isso nunca iria acontecer.
Ao retornar no final da tarde e encontrar a família em histeria,
seu tio levou um tempo considerável para acalmar sua tia e inteirar-
se dos fatos através de Georgiana. Ele não negou nenhum dos
eventos envolvendo os pais dela, como uma parte infantil dela
esperava que ele o fizesse, mas sim ficou furioso com o
comportamento de seu tio Dalton. Na verdade, ela nunca tinha visto
seu bondoso tio Joseph com tanta raiva assim até vê-lo descarregar
sua ira.
Mas a única maneira de pagar, disse seu tio, era na mesma
moeda. E, com esse objetivo em mente, ele foi visitar o conde de
Falmouth; o que Falmouth poderia fazer por ela, Georgiana não
poderia nem por um momento imaginar. Até onde ela sabia, o
homem tinha um caráter muito sombrio e era um libertino convicto.
No entanto, ela viu notícias de seu casamento nos jornais algumas
semanas antes; então, talvez, ele tivesse mudado.
Assim, qualquer especulação sobre o assunto teve que esperar
até o final da tarde, quando seu tio retornou, conduzindo-a ao seu
escritório.
— Bem, minha jovem, espero que você não esteja tão deprimida
depois de um dia tão terrível como ontem.
— Não, senhor — disse ela, oferecendo-lhe um sorriso para
tranquilizá-lo enquanto se acomodava na cadeira em frente à sua
mesa. — Mas confesso que estou desesperada para saber o que foi
discutido com lorde Falmouth.
— Ah — disse o tio com satisfação, esfregando as mãos. —
Quanto a isso, acredito que temos um plano.
— Nós temos?
Ela observou seu tio tocar a campainha para chamar uma das
criadas e esperou ansiosamente enquanto Mary abria a porta e seu
tio ordenava a criada que trouxesse o chá imediatamente.
Assim que Mary foi cumprir sua ordem, ele voltou sua atenção
para a sobrinha.
— Pois bem, Georgiana. Sei que tudo o que aconteceu deve ter
sido um choque terrível para você e sinto que devo apresentar-lhe
nossas desculpas por não lhe ter dito antes nada sobre as suas
circunstâncias.
— E por que deveriam? — exclamou Georgiana. — É claro que
vocês não queriam discutir sobre um escândalo tão terrível como
esse, e como poderiam? Dificilmente esse é o tipo de coisa que se
pode facilmente discutir com uma sobrinha.
O seu tio sorriu para ela e deu um suspiro. — Georgiana, espero
que você saiba disso, mas sua tia e eu sempre a amamos e sempre
a amaremos como se fosse nossa própria filha. Foi uma tristeza
terrível para nós nunca termos tido uma criança, e quando você
entrou em nossas vidas, apesar das circunstâncias, ficamos muito
gratos e felizes por tê-la. Você tem sido nada além de uma alegria e
um deleite, e vê-la forçada a tal... tal... — Nesse momento, a voz
dele falhou, e Georgiana estendeu a mão por cima da mesa,
apertando a mão de seu tio. Ela não conseguia falar mais do que ele
conseguira, pois sua garganta estava apertada de emoção e sua
visão, embaçada pelas lágrimas.
— Muito bem — começou seu tio novamente, oferecendo-lhe
um sorriso triste enquanto Mary trazia uma bandeja de chá e depois
se retirava. — De volta aos fatos, para que não sejamos vítimas de
nossas emoções novamente. Em primeiro lugar, Georgiana, eu a
proíbo totalmente de casar-se com Swithin Rufford, está
perfeitamente claro?
Georgiana se engasgou com o chá e teve que colocar a xícara
na mesa antes que o derramasse no vestido, enquanto o riso a
sacudia. — Oh, tio, sim, está claro, e nunca fiquei tão feliz por ter
um pretendente rejeitado.
— É mesmo? Você rejeitou muitos? — perguntou ele, com um
lampejo brilhando por trás de seus óculos.
Por um momento, Georgiana corou, embora isso fosse um
disparate, já que Beau nunca havia pedido sua mão em casamento.
Obviamente, imaginando que era apenas sua modéstia virginal que
fazia suas bochechas brilharem, e seu tio continuou:
— Então, quanto ao resto. Seu pai, como você agora sabe, era
o barão Dalton, e embora seu título tenha sido transferido para seu
tio quando morreu, ele era, de fato, um homem muito rico e a
maioria de suas propriedades e dinheiro... pertence a você.
Georgiana fitou-o boquiaberta. — M-mas...
Ele estendeu a mão para ela. — Talvez devêssemos ter contado
antes, minha querida. Mas achávamos que se soubesse sobre a
vasta quantia depositada em seu nome que... bem, poderia ser um
fardo para você ou...
— Ou poderia transformar-me na criatura mais chocantemente
mimada que se possa imaginar — ofereceu ela, soltando um suspiro
enquanto tentava absorver a informação. Ela era uma herdeira! Seu
coração deu um pulo em sua garganta e, inconscientemente, sua
mão cobriu aquele órgão dolorido enquanto pensava em Beau. —
Tio, agradeço de todo o coração — respondeu ela, com a voz
trêmula, dividida entre o choro e o riso. Todos os seus sonhos mais
mirabolantes pareciam estar se tornando realidade logo após o seu
pior pesadelo. — Na verdade, tudo parece difícil de acreditar.
Certamente sabe que eu nunca poderia repreendê-lo por nada
nesse mundo, e nisso acho que, sem sombra de dúvida, você tem
bastante razão. Eu teria me tornado insuportável, sem dúvida
alguma. Mas certamente há algum engano. Tem certeza de que
essa herança é minha?
Tio Joseph tomou um gole de chá e assentiu. — Seu pai tinha
um mordomo. Um homem muito bom, e é com ele que temos uma
grande dívida. Foi ele quem trouxe você até nós. Ele sempre achou
que sua tia havia sido maltratada quando decidiu casar-se comigo,
mas seu pai era um homem frio, muito no estilo de seu tio Dalton,
receio. No entanto, foi esse mordomo quem agiu o mais rápido
possível e nos trouxe todos os papéis que deixaram tudo para você.
Isso porque seu pai e seu tio nutriam um desprezo mútuo, eu diria, e
se seu pai pudesse, não teria dado centavo algum para ele.
Portanto, tudo foi resolvido legalmente e, embora seu tio seja
oficialmente seu guardião até que você atinja a maioridade, não
havia e ainda não há como ele tocar em qualquer coisa que
pertence a você de outra forma que não seja como um
administrador.
Ela franziu a testa para ele, enquanto o plano de seu tio
começava a fazer sentido. — Então você acredita que ele quer que
eu me case com Rufford para que possa controlar a mim e a minha
herança por meio dele?
Seu tio fez uma careta. — Exatamente — disse ele, balançando
a cabeça. — Na verdade, embora ele não possa tocar em seu
dinheiro, seu tio Dalton não demorou para instalar-se na casa de
seu pai e a encarregar-se das propriedades. Para ser justo, acredito
que ele as administrou muito bem, mas agora é claro que ele
enfrenta a perspectiva de ser despejado quando você atingir a
maioridade.
— Meu Deus! — Por mais que tentasse absorver tudo, era mais
fácil Georgiana acreditar que estava presa em algum sonho bizarro
do que aceitar tudo o que acabara de ouvir. — Mas se ele estava
tão determinado a controlar-me por meio da minha herança, por que
meu tio não se esforçou mais para ser conciliador? — perguntou
ela, mais perplexa do que nunca.
— Porque seu tio é um valentão assim como, lamento dizer, era
seu pai. E eu lhe garanto, Georgiana, tenho toda a simpatia por sua
pobre mãe, pois não consigo imaginar o que ela deve ter sofrido
como esposa dele. — Ele respirou fundo e pousou a xícara de chá,
afastando-a. — Lamento falar assim de seu pai, minha menina. Não
consigo imaginar que ouvir isso seja outra coisa senão angustiante.
Georgiana deu de ombros. — Eles parecem personagens
secundários de um livro que li — admitiu ela, sorrindo para ele. —
Eles nunca fizeram parte da minha vida, e eu os conheci tão pouco
que agora simplesmente não parecem reais. Não há mais nada que
possam fazer para machucar-me, eu acho. — Ela olhou para cima e
estendeu o braço, acariciando a mão dele. — E como eu poderia
sentir falta deles quando tenho você e tia Jane? Sou mais do que
abençoada nesse sentido, garanto-lhe.
Seu tio devolveu o sorriso com o mesmo carinho. — Há males
que vêm para o bem, suponho, e seu tio não conhecia você tão
bem, assim como seu pai não entendia sua mãe. Ele pensou que
poderia vir aqui e forçá-la a curvar-se à vontade dele, mas não
contava com seu espírito, Georgiana. Ele não percebeu que você
não seria tão facilmente manipulada ou intimidada por um
comportamento tão implacável. — Então, ele ficou sério e seu rosto
ficou sóbrio quando voltou a falar. — E você vai precisar desse
espírito, minha menina, e toda a coragem que possui para enfrentar
o que está por vir.
Capítulo 13
 
“No qual nossa heroína conhece a condessa e encontra uma
aliada.”

Ocorreu a Georgiana, à luz dessas palavras ameaçadoras, que


ela ainda não sabia o resultado de seu encontro com lorde
Falmouth.
— A meu ver, temos duas opções — explicou o tio, às pressas.
— A primeira é fazer o que seu tio deseja e casar-se com Rufford.
— Ele sorriu, olhando por cima de seus óculos para ela. — Sinto
que temos a mesma opinião sobre esse assunto em particular.
— De fato, temos, senhor — respondeu ela, sorrindo de volta,
embora seus nervos estivessem, mais uma vez, à flor da pele.
— Então nos resta apenas uma opção. Devemos enfrentar o
escândalo de cabeça erguida e de forma que ele perca a força e
ninguém tenha mais interesse em falar sobre ele.
Georgiana sentiu seu coração afundar e seu estômago pareceu
dar uma cambalhota, acompanhado por uma onda de calor bastante
nauseante que a invadiu. — Minha nossa — murmurou ela.
— Muito bem, querida. Você não estará sozinha nisso, de forma
alguma, e foi por isso que entrei em contato com o conde. Acontece
que o homem está em dívida comigo depois que seu médico tolo
quase o matou no ano passado, pois uma ferida infeccionou e ele
ficou com muita febre. Se ele não tivesse me chamado para dar
uma segunda opinião, de fato, poderia ter sido muito pior. Enfim, ele
me disse que estava em dívida comigo e se eu precisasse de
alguma coisa... Bem, eu preciso de algo e não hesitei em dizer isso
a ele.
— Tio! — exclamou Georgiana, em crescente horror. — O que
você pediu a ele?
Ela observou enquanto ele se recostava na cadeira e acariciava
as grossas costeletas brancas com as costas da mão. — Não entre
em pânico, minha menina. O principal é que deve evitar que
qualquer escândalo seja ligado a você. Você deve agir com o
máximo de decoro e bom senso, o que não tenho dúvidas de que
será capaz de fazer de maneira admirável.
Por um momento, a mente de Georgiana retornou à tarde com
Beau e a maneira como gritou quando a mão dele deslizou sob a
saia de seu vestido. Suas bochechas coraram, mas seu tio apenas
riu, felizmente ignorando perfeitamente o caminho que seus
pensamentos haviam tomado.
— Então, acredito que saiba que o conde se casou
recentemente. Na verdade, fui apresentado à esposa dele esta
tarde, e é a criatura mais encantadora que já conheci. Acho que
você vai se encantar por ela. Ela é muito jovem, sabe, mas, mesmo
assim, como uma mulher casada, ela pode apresentá-la à
sociedade e, na verdade, ela gentilmente concordou em fazer
exatamente isso. E, posso estar errado, mas com o conde de
Falmouth dando o nome dele à sua causa, quero só ver o maldito
barão tentar! Vamos enfrentar todos eles, Georgiana, e sairemos
vitoriosos. Lembre-se do que estou dizendo!
Esse discurso apaixonado ajudou muito a restaurar o ânimo de
Georgiana, embora ela se sentisse muito próxima de desmaiar mais
uma vez quando seu tio lhe deu a informação bastante atordoante
de que ele acreditava que ela iria herdar perto de cinquenta mil
libras. A inacreditável quantia fez sua cabeça girar e as próximas
palavras de seu tio sobre tomar cuidado com os caça-dotes, pois
eles estariam sobre ela como abelhas no mel, cruzaram sua mente.
O efeito rejuvenescedor desse plano em tia Jane, porém, foi quase
milagroso.
Georgiana foi arrastada para Truro, onde vários vestidos novos
foram comprados para que ela não passasse vergonha quando
fosse apresentada à condessa no dia seguinte.
— Mas, tia Jane — sussurrou ela, ao ouvi-la mencionar o lojista.
— Eu não herdo nada até atingir os vinte e um anos. Isso é daqui a
um ano e meio. Como diabos...
— Shhh, meu bem! — repreendeu-a, parando um momento para
lançar um sorriso ao lojista, que olhou em sua direção. — Lorde
Falmouth adiantou-lhe uma quantia para cobrir todas as suas
despesas, que é claro que você pagará quando receber sua
herança.
Georgiana olhou para a tia, completamente horrorizada. — M-
mas ele nunca pôs os olhos em mim, quero dizer... Como... Por
quê? — gaguejou ela, ficando tão nervosa que sua tia segurou a
caixinha com fragrâncias perto de seu nariz até que Georgiana
desse um gritinho de nojo. No entanto, trouxe-a de volta à realidade.
— Chega dessa inquietação toda, Georgiana — disse sua tia,
com uma severidade surpreendente para alguém que normalmente
era tão meiga. — Acontece que o conde despreza o barão tanto
quanto você e está mais do que feliz em ajudá-la a frustrar seus
planos. — Ela baixou um pouco mais a voz, sussurrando para
Georgiana: — De acordo com Joseph, ele tem alguns outros
motivos particulares para seu envolvimento os quais não deseja
discutir, mas basta dizer que seu sucesso o agradaria muito. Então,
seu tio e o conde organizaram tudo para você, e tudo o que precisa
fazer é aproveitar as partes mais agradáveis, como fazer compras e
fazer novas amizades com damas como a condessa. — Sua tia se
aproximou e tocou seu rosto com empatia. — Claro que enfrentar a
alta sociedade vai te dar nos nervos, eu sei, minha menina. Mas não
há nada como estar devidamente vestida para poder enfrentar
aqueles que dizem coisas perversas sobre você, acredite em mim!
Como sua tia devia ter enfrentado exatamente esse tipo de
fofoca mal-intencionada quando sua família a deserdou, Georgiana
pôde acreditar prontamente na autenticidade de tudo isso. De
qualquer maneira, havia pouco que ela pudesse fazer.
Aparentemente, tudo foi organizado para a satisfação de todos.
Tudo o que ela tinha que fazer era desempenhar seu papel, não
fazer e não dizer nada escandaloso, e, com sorte, a má fama de sua
mãe não continuaria a manchar o seu futuro.
***
Tanto sua tia quanto seu tio estavam certos sobre uma coisa: a
condessa de Falmouth era completamente encantadora. Colocar os
pés dentro das vastas portas de Tregothnan foi de longe a coisa
mais aterrorizante que Georgiana já havia feito. Ela foi saudada por
um velho mordomo com tanta solenidade que ela teria considerado
dar meia-volta e fugir se não fosse pelo aperto de ferro de tia Jane
em seu braço. Elas foram conduzidas a uma luxuosa sala de estar
azul-nude com enormes quadros em molduras douradas alinhadas
em uma parede com boiseries. Além disso, a sala era
primorosamente mobiliada e, em todas as direções, seus olhos
pousavam em alguma bela peça de deleitar os olhos. Nada na sala,
no entanto, poderia se comparar à visão que surgiu para saudá-las.
Com os olhos mais azuis e selvagens que Georgiana já tinha
visto, cercada por um simples arranjo de cachos dourados – que ela
bem podia acreditar ter levado horas para conseguir fazer – a
condessa correu para cumprimentá-las. Ela usava um vestido de
seda âmbar com um rico detalhe em renda no busto e era a criatura
mais deslumbrante que Georgiana já havia visto. Com as mãos
estendidas, ela puxou Georgiana e beijou suas bochechas.
— Oh, senhorrita Dalton — disse ela, com um belo sotaque
francês que Georgiana achou absolutamente encantador. — Estou
tão feliz que você irrá conosco parra Londres. Tenho as coisas mais
marravilhosas planejadas para nós duas. Oh, onde estão minhas
maneiras? Por favor, sentem-se e pedirrei para trazerrem o chá.
As cortesias de qualquer visita vespertina eram cumpridas
enquanto as três damas trocavam gentilezas. Mas, então, para
diversão de Georgiana, a condessa mudou de assunto.
— Bem, agora que trratamos de todas as amenidades, vamos
dirreto ao ponto, hein? — disse ela, dando um largo sorriso
irreprimível, com malícia brilhando naqueles lindos olhos azuis.
Georgiana não teve dificuldade alguma para imaginar como essa
criatura simpática havia feito um solteirão convicto, e notório
libertino, como o conde, pedi-la em casamento. Ela duvidava
fortemente que ele tivesse tido escolha, pois certamente ninguém
poderia resistir a um sorriso como aquele.
— Querro que saiba que não me importo tanto assim — disse a
condessa, estalando seus lindos dedos, para o enorme choque de
tia Jane —, com o que dizem sobrre sua mãe. E duvido que eles
ousem dizer algo na frrente de Alex, ha! — Ela piscou para
Georgiana e depois deu uma olhada para tia Jane, com uma
expressão de desculpas.
— Oh, querrida, eu a choquei, não é mesmo? Tia Seymour vai
me reprreender, e tenho me esforçado muito parra ser uma boa
dama inglesa.
— Por que diabos você iria querer fazer uma coisa dessas? —
disse uma voz masculina refinada, do canto da sala.
— Ah, Alex!
Céleste, como a condessa insistira que a chamassem, levantou-
se em um pulo quando o marido entrou a passos largos na sala. Por
um momento, Georgiana sentiu um terrível ataque de inveja ao ver a
maneira como os dois se olhavam, como se nem ela nem tia Jane
existissem. O conde olhou-a com evidente adoração antes de
plantar um beijo suave em sua boca; para a diversão de tia Jane.
Naquele momento, Georgiana descobriu que seu desejo por Beau
era uma coisa física, um peso que pairava sobre seu coração e
nunca permitiria que ela desfrutasse plenamente de nada que
pudesse acontecer. Se ao menos ela pudesse estar com ele de uma
maneira mais fácil e aberta.
A condessa voltou para as suas convidadas parecendo um
pouco corada, e, obviamente, acreditando que tia Jane ficaria
chocada com tal comportamento. Mas sua tia, tendo um casamento
tão feliz, ficou muito satisfeita em ver duas pessoas tão bem-
casadas.
Assim que as formalidades terminaram, Georgiana se permitiu
olhar o conde enquanto ele falava com tia Jane. Ele era um homem
alto e de aparência ameaçadora, musculoso e robusto, com cabelo
preto espesso, e um rosto severo e inflexível. Havia uma curva cruel
em sua boca que a fez acreditar que ninguém gostaria de tê-lo como
inimigo. Mas todo traço desse cinismo severo desaparecia sempre
que ele punha os olhos em sua adorável esposa.
— Muito bem, então, senhorita Dalton — disse ele finalmente,
voltando sua atenção para ela. — Então, pelo que bem entendi,
teremos o prazer de acompanhá-la a Londres para fazer sua
apresentação à sociedade?
— Sim, milorde — disse ela, sorrindo para ele com verdadeira
gratidão. — E imagino que meu tio deve ter feito um grande favor,
pois estou bem ciente da honra singular que me oferece, dadas as
circunstâncias, e estarei em dívida com você para sempre, milorde.
— As circunstâncias podem ir para o infer... infinito espaço —
emendou ele, levando uma cutucada da condessa. — O barão
Dalton é... — Ele olhou para sua esposa, que estava mordendo o
lábio com diversão. — Bem — disse ele, com um suspiro. —, acho
que não devo depreciar seu tio na sua frente, mas posso dizer que
não gosto do homem, e a forma que está lhe tratando é
inadmissível. Seria uma grande satisfação frustrar quaisquer planos
que ele possa ter, então, asseguro-lhe que não me deve nada. Vou
gostar de vê-lo perder o juízo, acima de tudo.
Tia Jane assentiu e olhou para ele com grande satisfação. — Eu
sei que não deveria dizer isso, já que o barão é meu irmão e tudo o
mais, mas você não precisa sentir remorso algum em despedaçar
seu caráter diante de nós. Depois da forma como nos tratou...
Nesse ponto, sua voz falhou, e ela foi forçada a procurar seu
lenço e pressioná-lo contra os lábios, enquanto Georgiana
procurava em sua retícula a caixinha com fragrâncias de sua tia.
Isso teve o efeito de perturbar o conde a ponto de pedir licença para
sair.
— Estou ansioso para vê-la em Londres, senhorita Dalton —
disse ele, antes de despedir-se delas. — Confesso que estou
aliviado que a condessa tenha outra moça jovem e divertida para
fazer-lhe companhia caso ela se canse de seu marido ancião. —
Isso foi dito com um rosto muito grave, forçando sua esposa a
exclamar:
— Ora! Que falastrrão! De fato, Alex, você está querrendo que o
elogie, só que agora não o farrei, então vá e deixe-nos conversar
em paz.
O conde olhou para ela com divertimento, arqueando uma
sobrancelha. — Farei exatamente isso, mas também falarei com
meu primo Aubrey, pois não tenho dúvidas de que foi onde você
aprendeu uma expressão tão vulgar. — Tenham um bom dia,
senhoras.
Uma vez livre de seu marido, a condessa virou-se para
Georgiana e segurou suas mãos.
— Na verdade, estou muito ansiosa parra essa temporrada. Na
última temporrada eu estava lá... — Ela fez uma pausa e pareceu
um pouco desconfortável antes de sorrir e continuar. — Bem, foi a
minha primeirra e tudo era meio confuso. Acho que vou aprroveitar
muito mais este ano, principalmente agora que tenho uma amiga
parra me acompanhar.
Georgiana, tentou sorrir de volta e, então, imaginou o escárnio
da alta sociedade quando descobrissem que ela era filha da
escandalosa lady Dalton.
Aparentemente consciente de sua linha de raciocínio, a
condessa apertou suas mãos. — Eu sei como é enfrrentar um
escândalo — disse ela, sussurrando. — Alex é um bom homem,
mas... bem, tenho certeza de que você conhece a reputação dele...
Georgiana abriu e fechou a boca, olhando para a tia pedindo
ajuda, pois ela não sabia bem como responder àquela pergunta,
mas Céleste apenas riu.
— Oh, não se prreocupe, eu sei de tudo, e a maior parte é
completamente verdadeira, parra falar a verdade... — acrescentou
ela, com uma irreprimível gargalhada de prazer que fez Georgiana
rir em resposta. — Na verdade, estamos tendo que entrrar em
contato com tia Seymour, a tia dele, para tentar conseguir entrradas
para o Almack's porque o pobrre Alex foi banido! Consegue
acrreditar nisso? Não que ele se importe, é claro, mas
prrecisaremos ir por sua causa, e admito que adorarria ver o
mercado de casamento em primeira mão.
Este último comentário deixou Georgiana bastante à vontade e
ela teve certeza de que tinha encontrado na condessa... Céleste,
uma amiga com quem poderia enfrentar o julgamento que estava
por vir – se não com serenidade, pelo menos com coragem.
Capítulo 14
 
“No qual lady Russell opina e o inverno é sombrio.”

Como o Parlamento não se reunia até fevereiro e a maioria dos


homens estava fora da cidade para aproveitar a temporada de caça,
elas chegaram a Londres em novembro praticamente desprovidas
de companhia. Como era de se esperar, isso agradava totalmente
Georgiana, já que significava que a fazia se sentir confiante para ir
às compras para valer, sem ter que suportar olhares e cochichos à
medida que se espalhava quem ela realmente era. Céleste cumpriu
sua palavra e a apresentou a um pequeno círculo de amigos que
chegou cedo à cidade por vários motivos e que, nas palavras de
Céleste, não se importava com o escândalo que tinha atingido sua
família.
Seus passeios eram um tanto prejudicados pelo clima, que às
vezes era notavelmente ruim, a ponto de muitas vezes terem que
acender velas durante o dia, pois as nuvens encobriam tudo. No
século XIX, havia muita ansiedade com a perspectiva de um eclipse
solar, mas durante o evento estava tão nublado que não foi possível
vê-lo muito bem.
A diversão que Georgiana sentia não diminuiu, pois a casa de
lorde Falmouth era luxuosa ao extremo e a companhia de Céleste,
um deleite. Ela ficou ainda mais satisfeita por eles permitirem que
ela trouxesse Conrad com ela, o que era algo que tinha em sua
mente. Ela temia que seu fiel cachorro sentisse saudades dela se o
deixasse por muito tempo. Como era de se esperar, ele e o spaniel
travesso de Céleste, Bandit, tornaram-se grandes amigos,
arrumando confusão aonde quer que fossem, para grande
consternação de Falmouth.
Ciente de que lorde Falmouth e sua esposa eram, de fato,
recém-casados, Georgiana frequentemente se retirava no início da
noite para deixá-los a sós. Entretanto, vendo que ela tinha acesso à
vasta e bem abastecida biblioteca do conde, não era nenhuma
dificuldade ir para seu luxuoso quarto, com uma lareira que ardia dia
e noite, e entregar-se a seu passatempo favorito.
Na verdade, o único ponto negativo em sua visita tão agradável
foi que ela não conseguiu descobrir nenhuma notícia sobre o
marquês de Beaumont. Ela ouviu de relance que ele ficaria com
amigos até o início da temporada, mas, além disso, até mesmo os
jornalecos sensacionalistas mantinham-se em silêncio. Seus
pensamentos raramente se encontravam longe dele, e, apesar de
saber que ele não estava na cidade, via-se procurando por ele nos
rostos das pessoas pelas quais passavam enquanto a carruagem do
conde as transportava através das ruas geladas, esperando vê-lo de
relance.
E foi assim que novembro se transformou em dezembro de uma
maneira muito agradável, com jantares íntimos, festas e muitas
compras. Sem dinheiro para gastar e acostumada a economizar,
remendando rasgos e escondendo as mangas, essa vida era uma
novidade para ela. Ver-se subitamente com uma vasta fortuna – se
não ao alcance de sua mão, certamente à vista – a quantidade de
roupas na qual ela podia investir e que Céleste a encorajara a
comprar, era assombrosa.
De fato, Céleste havia revelado um pouco de seu próprio
passado, o que estava além de qualquer avareza que Georgiana
fosse forçada a lidar, mesmo isso a fazia sentir-se bastante
envergonhada por considerá-la, de alguma forma, uma mulher
difícil. Mas isso significava que, para as duas, fazer compras era um
prazer novo e delicioso, além de tudo o que haviam desfrutado
antes.
O refúgio favorito de Céleste era uma modista na Conduit Street.
Uma charmosa émigrée francesa chamada madame Lisabeth.
Quando as duas mulheres se reuniam, Georgiana se perdia em uma
rajada rápida de francês até que elas se lembrassem de suas boas
maneiras e voltassem para o inglês. Madame Lisabeth tinha um
gosto excepcional, com um excelente olho para cores e tecidos, e
Georgiana sempre ia embora com a bolsa um pouco mais vazia.
Sua compra favorita foi um vestido de tafetá verde e acabamento
em debrum com aplique de laço verde-escuro. Como madame
Lisabeth havia previsto, o vestido ficou glorioso em contraste com o
ruivo de seu cabelo, e ela se entregou a um pequeno sonho de
entrar em um baile e encontrar Beau olhando para ela com fascínio
e admiração.
Na semana anterior ao Natal, ela esperou com impaciência a
visita de seus tios, e lorde Falmouth graciosamente os convidou
para passarem um tempo com eles. Antes desse momento feliz,
porém, ela teve que enfrentar a visita de lady Seymour Russell.
— Você vai ficar com muito medo dela, é clarro — explicou
Céleste no café da manhã com um largo sorriso malicioso. —, e
com razão.
Ela deu uma gargalhada diante do evidente pânico nos olhos de
Georgiana.
— Oh, ela é na verdade um amor, eu jurro — disse ela,
acenando com um pedaço de bolo de ameixa para ela entre dedos
elegantes. — E não se prreocupe — acrescentou. —, eu vou
prroteger você!
— Mas por que ela vem? — perguntou Georgiana, aterrorizada
que a tia de lorde Falmouth, a assustadora lady Russell, que era
conhecida como o flagelo da alta sociedade, olharia para ela e
aconselharia o sobrinho a rejeitá-la. Embora ela duvidasse que
alguém além de sua esposa, que claramente o tinha na palma da
sua mão, pudesse influenciar o conde a fazer qualquer coisa que ele
não desejasse.
— Porque ela está tendo dificuldades para nos conseguir
entradas para o Almack's e ela quer conhecê-la antes de se dar ao
trabalho de chantagear lady Jersey.
Georgiana quase se engasgou com o chocolate quente. —
Chantagear??
Céleste sorriu para ela e assentiu. — Parece que a tia sabe de
fofocas da maioria das pessoas da alta sociedade e não tem
escrúpulos em usá-las, se achar necessário. Seymour e lady Jersey
– uma das patronas do Almack's – estão em pé de guerra há anos,
de acordo com Alex. — Ela fez uma pausa para cortar outra fatia de
bolo de ameixa e colocá-la no lindo prato de porcelana de Sèvres
com bordas douradas. — De qualquer forma, a sogra dela, como
você já deve saber, era amante do Príncipe Regente, e tenho
certeza de que você já ouviu falar sobre todos os escândalos... —
Ela piscou para Georgiana e levantou uma sobrancelha elegante. —
Pelo visto não ouviu falar... Aparentemente, Seymour tem provas de
algum delito terrível que lady Jersey prefere manter longe das
fofocas. Então, ela está vindo para ver se você é digna de usar sua
arma mais letal.
— Bom Deus — respondeu Georgiana, arregalando os olhos
para ela. Mas Céleste apenas continuou seu café da manhã,
aparentemente despreocupada.
Vestida recatadamente com um sedoso vestido de musselina
estampado floral com um fichu verde-claro e sapatilhas de seda
verde, Georgiana sentou-se perto da lareira na sala de estar e
tentou dedicar-se a algum bordado. Céleste disse que Seymour
tinha muitas noções antiquadas sobre como as jovens deveriam se
comportar, e encontrá-las assim ocupadas a agradaria. Georgiana
olhou para o pequeno círculo de costura torta em seu bastidor e
suspirou. Era para ser um ponto margarida, mas parecia mais uma
fileira de manchas de formato estranho. Ela não teve muito tempo
para se preocupar com isso, pois o mordomo anunciou lady
Seymour Russell, e as duas jovens deixaram de lado o bordado e
levantaram-se.
Georgiana reprimiu uma risadinha nervosa quando uma mulher
mais velha, alta e elegante, toda vestida de cinza-claro e lilás, olhou
para elas com claro ceticismo em seus frios olhos cinzentos.
— Muito bonita, minha jovem, sem dúvida alguma. Você
organizou esta ceninha agradável em meu benefício? — Ela olhou
para Céleste com uma leve contração dos lábios enquanto a
condessa corria para cumprimentá-la e beijá-la em ambas as faces.
— Oh, tia! Como se você pudesse acreditar nessa história de
duas damas inglesas tão simpáticas.
Lady Russell bufou, mas permitiu que Céleste a paparicasse e a
acomodasse antes de pedir o chá.
Logo, todas foram servidas com chá e biscoitos para fortalecer
os nervos, não que lady Russell parecesse que precisava deles
quando ergueu o monóculo para examinar Georgiana de um jeito
que a fez corar até a raiz do cabelo.
— Então, você é a filha da Sereia — disse ela, com o tom
ponderado. Georgiana sentiu-se indignada. Ela tinha ouvido de seu
tio que esse havia se tornado o apelido de sua mãe quando
debutou. Ela tinha sido um enorme sucesso, não só por causa de
sua beleza, mas por causa de sua vivacidade e vigor. Muitos
homens disputaram sua atenção, mas foi o frio e cruel barão Dalton
que finalmente a conquistou, embora ninguém soubesse por que ela
escolheu um mero barão em vez de algumas das ofertas muito mais
valiosas que recebeu. Mas faíscas voavam, segundo todos os
relatos, quando eles estavam juntos e se casaram na contramão do
conselho de todos. Logo ficou claro para todos que o casamento era
um desastre. O barão era ciumento e tirano, mas lady Dalton se
recusava a se sentir intimidada por ele, tornando-se cada vez mais
extrema em seu comportamento e em seus casos. Até que chamou
a atenção do duque de Sindalton. Aparentemente, foi amor à
primeira vista, e seu caso escandaloso e o final sangrento que se
seguiu, abalou a alta sociedade e alimentou o falatório por anos a
fio.
— Meu Deus, sim — disse Seymour, muxoxando e balançando
a cabeça. — É uma pena, mas você é a imagem de sua mãe.
— Ah, tia — repreendeu-a Céleste. — Mas ela possui uma
grande beleza! Como pode dizer que é uma pena?
— Porque é! — respondeu a velha senhora com um bufo. —
Seria muito melhor para a menina se ela não fosse excepcional.
Então, as pessoas não seriam tão rápidas em julgar e comparar.
Mas tendo uma aparência assim... bem, todos dirão que a Sereia
renasceu. — Ela apontou seu monóculo para Georgiana, pontuando
suas palavras enquanto acenava para ela. — Você vai precisar ser
irrepreensível, garota, entendeu? Eles estarão observando cada
movimento seu, esperando para ver se você mostra o menor sinal
de que vai seguir os passos de sua mãe.
Georgiana assentiu, sabendo que ela estava certa. — Sim, lady
Russell, compreendo perfeitamente. Prometo que farei tudo o que
puder para não trazer constrangimento para você ou sua família.
Para sua surpresa, a velha deu uma gargalhada. — Quanto a
isso... Asseguro-lhe que meus sobrinhos mancharam o nome da
família o suficiente para resistir a qualquer coisa que você possa
trazer sobre nós.
Georgiana sorriu, por mais aterrorizante que ela fosse, não pôde
deixar de sentir afeto pela tia sincera do conde. — Bem, não tem
ideia de quanto estou grata por seu apoio, e pelo apoio do conde e
de lady Falmouth. Eu me sinto realmente abençoada por ter tanto
suporte ao meu lado.
Lady Russell assentiu em aprovação. — Sim, você vai ter. E, de
nada. Eu gostaria de dizer que você não vai precisar de nós, mas
vai. Você terá que ser corajosa e ousada, está bem?
Georgiana sentiu o estômago revirar, mas assentiu. — Sim —
disse ela, ouvindo o tremor em sua voz. — Compreendo e farei o
meu melhor.
***
O tempo continuou sombrio e desagradável, e piorou quando
uma espessa névoa desceu sobre a capital. Alguns dias, tudo ficava
tão completamente escuro, que, mesmo à luz do dia, os cocheiros
eram obrigados a descer e conduzir seus cavalos com o auxílio de
uma lamparina. Relatos de rebeliões em Spa Field, em Islington, no
início de dezembro, pareciam ecoar o ar de descontentamento que
pairava sobre o país como um todo, enquanto o céu cinzento e as
temperaturas congelantes mantinham a Inglaterra sombria e
cinzenta.
O Natal chegou e passou muito rápido, e foi com o coração
pesado que Georgiana se despediu de sua tia e tio. Apesar de tudo
o que acontecia fora da casa de lorde Falmouth, eles desfrutaram
de férias maravilhosas. Lorde e lady Falmouth eram anfitriões gentis
e generosos, e Georgiana e seus tios estavam sempre dispostos a
ficar satisfeitos com tudo.
Aos poucos, porém, o tempo foi passando e o tempo melhorou,
e a alta sociedade começou a voltar para a capital. Georgiana sabia
que logo teria que enfrentá-los, e esse pequeno interlúdio agradável
terminaria. De certa forma, aquilo era bem-vindo. O medo de
debutar parecia brilhar no horizonte nos últimos meses, e agora ela
só queria acabar com isso. Claro que o que ela queria mais do que
tudo era encontrar Beau e contar a ele tudo o que havia acontecido
com ela. Que ela era agora uma herdeira e que não era tão pobre,
afinal de contas, e... que eles poderiam ficar juntos, se esse ainda
fosse o seu desejo. É claro que passou pela cabeça dela o
pensamento de que ele não iria querer nada com ela quando
descobrisse quem ela era. Ela tinha certeza de ter lido muitas vezes
o nome dele ligado ao atual duque de Sindalton. Eles eram amigos
íntimos, se os jornalecos sensacionalistas estivessem dizendo a
verdade, e isso poderia tornar as coisas um pouco estranhas, mas...
se ele realmente a amasse, como disse que amava, certamente
nada poderia separá-los, certo?
Capítulo 15
 
“No qual o destino causa problemas e nossa heroína mexe em um
ninho de marimbondos.”

Sebastian subiu correndo as escadas e deu de cara com a


dama de companhia de sua mãe pálida e agitada, esperando por ele
fora de seus aposentos.
— O que aconteceu? — quis saber ele. Ele estava acostumado
com os problemas de saúde de sua mãe e seu temperamento
nervoso, mas a convocação de hoje parecia um pouco mais urgente
do que o normal.
— Oh, oh, céus — disse a mulher idiota. — Oh, meu Deus do
céu! — Lady Rush, uma prima distante e pobre, era tão intimidada
quanto dispersa e nunca deixava de irritar Sebastian com sua
hesitação e previsões de desgraça.
— Não importa — disse ele, passando por ela e dando uma leve
batida na porta antes de entrar nos aposentos de sua mãe.
Ele encontrou sua mãe prostrada no sofá, desmaiada, assistida
por sua criada pessoal, que aplicava um pano fresco em sua testa
que cheirava fortemente a vinagre.
— Mãe?
Ela olhou para cima dando um gritinho e estendeu as mãos para
ele quando sua criada agarrou o pano antes que pudesse cair em
seu colo.
— Oh, Sebastian, o que devemos fazer?
— Eu não sei, querida — disse ele, percebendo rapidamente
que teria que ter paciência para ir a fundo de qualquer tragédia que
tivesse acontecido com eles desta vez. Se foi como da última vez,
provavelmente um de seus pugs rebeldes desaparecera novamente.
— Por que você não me conta o que está te incomodando e eu verei
o que posso fazer?
— Ah, mas não é comigo que estou preocupada — disse sua
mãe, com os grandes olhos castanhos cheios de tristeza. Ele deu
um aperto suave em suas mãos frágeis, esperando encorajá-la a ir
direto ao ponto. — Meu pobre, pobre filho. Eu sabia que este dia
chegaria. Eu sabia! Oh, seu pai perverso... Como ele pôde fazer
isso... como pôde?
Bom Deus, ela tinha voltado àquele assunto, não tinha? O que a
deixou em tal estado de agitação? Ele olhou para a criada pessoal
que balançou a cabeça, negando claramente qualquer parcela de
culpa. Ele havia banido há muito tempo qualquer conversa sobre
seu falecido pai ou sobre as circunstâncias que envolveram sua
morte prematura, pois isso certamente causaria um ataque em sua
mãe. Os resultados disso podiam ser sentidos por toda a família por
muitas semanas, e ele frequentemente se perguntava como uma
mulher aparentemente tão fraca e débil poderia manter ele e todos
os seus criados cativos quando ela se entregava a tal ataque
emocional.
— Que diabos meu pai tem a ver com isso? — perguntou ele,
esforçando-se para manter a voz calma mesmo sentindo uma forte
vontade de sacudir alguém até que explicassem o que estava
acontecendo.
— Porque ele arruinou a todos nós com... com aquela mulher
maléfica!
— Mãe, isso foi há quase vinte anos. Ninguém fala mais disso. É
uma notícia velha, garanto. Nós resistimos à tempestade.
— Não! — disse ela, com tanta paixão que ele ficou surpreso
quando ela se inclinou para a frente, segurando suas mãos com
força considerável. Seus olhos estavam febris e não era a primeira
vez que ele temia por sua sanidade, então, ela começou a
enfurecer-se e a reclamar. — Não, nós não resistimos! Está tudo
voltando novamente. Ela está voltando de novo! Ela veio para nos
assombrar, para nos arruinar, para arruinar você!
— Quem está voltando? — indagou ele, imaginando se ela
finalmente havia sucumbido à loucura, como ele sempre suspeitou
que ela fosse.
— A Sereia! — gritou ela, ofegante e apertando a garganta.
— Agatha, pegue os sais aromáticos e a caixinha com
fragrâncias de mamãe — ordenou ele.
— Ela já usou os sais aromáticos — respondeu a pobre e
atormentada mulher, enfiando a caixinha com fragrâncias sob o
nariz de sua mãe. — Mas ela está fora de si desde que viu aquele
maldito jornaleco sensacionalistas. — Ele observou, aliviado,
quando sua mãe balbuciou, e pareceu se acalmar um pouco, e, em
seguida, deitou-se no sofá respirando com dificuldade, mas de
forma estável.
O rosto de Sebastian ficou sombrio. — Maldição! — enfureceu-
se ele. — Quantas vezes eu tenho que te dizer para manter as
malditas coisas fora do alcance dela? Mostre-me, e, então, corra
para chamar o doutor Alperton. Diga a ele que é uma emergência.
A criada pessoal de rosto pálido empurrou uma folha de jornal
amassada em suas mãos e correu para a porta. Com uma sensação
de frio escorrendo pela espinha como água gelada, ele leu a notícia
que causou o colapso de sua mãe.
 
Numerosos rumores de que a filha da notória lady D, também
conhecida como a Sereia – a voluptuosa ruiva que levou o estimado
D de S à morte, chegou recentemente na cidade. Acompanhada
pelo conde e lady Falmouth, parece que a jovem possui uma notável
semelhança com sua bela e impetuosa mãe. Resta apenas saber se
ela se parece com ela de outras maneiras.
A nova lady D é aparentemente uma herdeira de uma fortuna
considerável. Caçadores de fortunas, cuidado! Quem será que irá
ser caçado aqui?
 
Uma náusea revirou seu estômago. Deus, não. Agora não. Não
depois de todo esse tempo. Todo aquele escândalo sórdido se
repetiria. Ele se lembrou de ter sido informado de que a mulher
havia deixado a criança para trás para fugir com seu pai, mas ele
nunca mais pensou nisso. Nem sabia se era menino ou menina.
Nunca lhe passara pela cabeça que a criança teria a audácia de
enfrentar a alta sociedade. Havia uma parte dele que admirava sua
coragem. Afinal, era o pecado de sua mãe, não o dela, e se não
fosse pelo que sua própria família estava prestes a sofrer, ele
poderia ter sentido pena dela.
Bem, a vadia não precisava pensar que ele facilitaria seu
caminho. Ele a ignoraria e se recusaria a reconhecê-la; não só todos
aqueles que o tinham em boa estima, como também toda a alta
sociedade, seguiria os passos dele.
Pior foi perceber que Falmouth estava por trás de tudo isso.
Esse era sem dúvida o seu castigo pelo que fez a Céleste. Ele tinha
lido com grande alívio e incrédula surpresa a notícia de seu
casamento no outono passado. Ele havia se esforçado muito para
tirar Céleste do conde, até mesmo recorrendo a algumas medidas
dissimuladas que não eram de todo seu estilo usual. Mas ele não
tinha a menor dúvida de que o bastardo estava aproveitando cada
minuto de sua vingança. Ele amassou o jornal, jogando-o pelo
quarto com nojo e levando as mãos à cabeça.
Meu Deus, que confusão. Por um momento, o desejo de correr
de volta para Georgiana foi tão grande que foi como se seu coração
estivesse sendo esmagado em seu peito. Ele deu um bufo de
diversão ao considerar sua beleza inocente. Ele nunca considerou o
aviso de Jeffries sobre sua beleza ruiva, mas o fato de que outra
mulher de cabelos ardentes entrasse em sua vida e a virasse de
cabeça para baixo por razões tão diferentes parecia mais do que
justo.
Ele se assustou quando sua mãe colocou a mão frágil em seu
ombro, então ele se virou para olhar para ela.
— Não se aproxime dela, meu menino. A mãe dela tirou seu pai
de nós dois. Ela nos arruinou e tenho o maior medo de que sua filha
tenha vindo para terminar o trabalho.
— Mãe! — Ele pegou as mãos dela novamente e deu um beijo
em sua testa. — Você está ficando nesse estado tolo por nada.
Claro que não vou me aproximar dela. Vou ignorá-la imediatamente,
e então verei quanto tempo ela vai durar aqui. Ninguém a receberá.
— Ele sorriu para ela e tentou transmitir uma calma que estava
longe de sentir. Os dias terríveis após a morte de seu pai pareciam
desfilar em sua mente. O medo e a terrível tristeza que sentira pela
perda de seu maravilhoso e carismático pai. A culpa que sentira ao
perceber que devia odiá-lo pelo que havia feito. E, depois disso, a
verdadeira raiva por ele ter feito isso – seu pai havia deixado ele e
sua mãe sozinhos por uma mulher, e ele acabou morrendo por isso.
— Ora essa. Isso vai ser esquecido em pouco tempo, você vai ver.
Estaremos bastante confortáveis novamente, eu prometo a você.
***
Georgiana olhou através da janela para um céu azul brilhante e
deu um suspiro de saudade. Em casa, ela costumava caminhar por
vários quilômetros, fosse para visitar os vizinhos ou apenas pelo
prazer de estar ao ar livre e sentir o ar puro. Nenhuma quantidade
de lama ou frio poderia convencê-la a ficar dentro de casa, e aqui na
cidade ela sentia que as restrições da vida a irritavam. Seus
membros pareciam pesados e entorpecidos pela falta de exercício,
e um suspiro triste e profundo de Conrad enquanto olhava
melancolicamente pela janela ao seu lado foi para ela a gota d'água.
— Você tem razão, querido. Nós dois precisamos de um pouco
de exercício ou vamos ficar deprimidos e, então, o que será de nós?
Conrad deu um latido curto e alegre, concordando, e começou a
pular em círculos quando percebeu que um passeio estava próximo.
Lorde e lady Falmouth estavam ambos fora esta tarde, tendo
sido convocados por tia Seymour, e Georgiana acabou ficando
muito satisfeita em cancelar a visita à senhora intimidadora. Ela
havia prometido a si mesma que ficaria muito feliz em se sentar em
casa e ler perto do fogo, mas certamente um passeio com seu
cachorro seria adequado se ela tomasse a precaução de ser
acompanhada de um lacaio, certo?
Com a satisfação de quem ainda não estava acostumada a
vestir o que ditava as últimas tendências da moda, Georgiana
prendeu seu novo redingote verde-azulado de lã Merino e ajeitou o
chapéu combinando de seda com veludo solto sobre seus cachos
ruivos brilhantes. Uma pena de avestruz verde-clara se
encaracolava de maneira apropriada sobre a aba e, quando ela
calçou um par de luvas macias York, sentiu-se satisfeita. Ela se
virou e pegou a coleira de Conrad das mãos do lacaio designado,
que, por sua vez, possuía um ar de profunda desaprovação.
— Ele parece um pouco agitado, milady — disse ele, olhando
para Conrad com consternação. — Talvez seja mais sensato que eu
o segure, pelo menos até que ele se acalme.
— Que disparate — disse ela com um sorriso brilhante. — Ele
odeia os homens como um todo e vai se comportar ainda pior se
você o guiar, eu garanto. Ele não está habituado a ser contido,
entende. — Ela se abaixou e coçou Conrad atrás das orelhas. —
Não é verdade, meu pobrezinho? Sim, sim, vamos passear. Venha
comigo.
A princípio, o passeio transcorreu sem nenhum problema e
Conrad até se dignou a permitir que o lacaio, cujo nome Georgiana
descobriu ser Thomas, o segurasse enquanto ela fazia algumas
comprinhas no caminho. Primeiro, ela entrou no Floris, na Jermyn
Street, ostensivamente para comprar uma nova escova de dentes,
mas não ficou muito surpresa quando apareceu com um novo frasco
de perfume.
Ela fora atraída tanto pelo lindo frasco de vidro azul entalhado
com borboletas quanto pelo próprio perfume. Mas, uma vez que a
fragrância foi apresentada a ela, teve que adquiri-la. O perfume
possuía um leve aroma cítrico com um toque de flor de laranjeira e
algo picante que ela não conseguia identificar. Entregando seu
tesouro cuidadosamente embalado aos cuidados de Thomas, ela
segurou Conrad novamente e eles continuaram até virarem a
esquina para Piccadilly, onde a atração da livraria Hatchard's era
simplesmente demais para resistir. Ela estava ansiosa para colocar
as mãos no novo romance da senhorita Austen. “Emma” tinha sido
publicado pouco antes do Natal, e ainda não tinha conseguido
comprar um exemplar.
Foi com uma consciência bastante pesada que ela emergiu –
meia hora depois – das delícias da gloriosa loja onde poderia ter
passado alegremente o dia inteiro. Tanto Thomas como Conrad
pareciam muito incomodados, pois o lacaio trocou, felizmente, o cão
pelo livro. Prometendo a si mesma voltar outro dia sem Conrad, ela
seguiu caminhando. Infelizmente, Conrad parecia sentir que sua
paciência merecia uma recompensa maior.
Eles estavam passando pela Fortnum and Mason, e era preciso
admitir que os cheiros mais tentadores exalavam de dentro da
elegante fachada. De fato, desde que tinham chegado em Londres,
Conrad ficou completamente apaixonado por ovos escoceses e faria
quase qualquer coisa para colocar seu focinho em um. Isso ficou
mais aparente quando ele começou a puxar a coleira com tanto
vigor que Georgiana tropeçou, e teria caído se não tivesse sido
pega por um par de braços fortes. Com um suspiro, ela olhou para
cima, e, então, um pouco mais para cima e viu um Adônis dourado
de olhos azuis.
Os dois se encararam por um momento, assustados, antes de
Georgiana perceber o quão impróprio era estar em uma rua
movimentada nos braços de um homem desconhecido.
— Desculpe-me, senhor — disse ela, corando e tentando
endireitar o bonnet. — O... o meu cão... Oh! — Com uma onda de
terror, ela percebeu que Conrad havia desaparecido atrás da porta
da elegante fachada de onde, agora, gritos alarmados podiam ser
ouvidos. — Oh, bom Deus! — Sem dar uma segunda olhada no belo
homem, ela correu para dentro da loja para ir atrás dele.
Capítulo 16
 
“No qual um impostor é descoberto.”

Georgiana examinou o caos diante dela com pânico crescente e


agarrou o braço de seu lacaio.
— Oh, Thomas, precisamos recuperá-lo!
— Sim, milady — respondeu o homem com uma carranca, antes
de lançar-se na briga. Georgiana correu para a grande escadaria e
ficou na ponta dos pés tentando ver se conseguia encontrar algum
rastro de seu maldito cachorro. Um momento depois, ela o
encontrou, entusiasticamente empenhado em tentar libertar um
cesto de um homem de rosto muito corado que estava igualmente
empenhado em tentar agarrar-se ao objeto.
— Oh, não! — murmurou ela, horrorizada, antes de correr pelo
cômodo na esperança de agarrar a criatura idiota. Tarde demais.
Um momento antes de ela chegar, mandíbulas vigorosas partiram o
fecho do cesto, e uma infinidade de frios, queijos, frutas secas e,
que Deus os ajudasse... ovos escoceses, voaram sobre o chão de
carpete vermelho.
Conrad estava no paraíso. No que dizia respeito ao seu
cachorro vira-lata, estava chovendo maná do céu, e ele corria para
apanhar as guloseimas o mais rápido que seu faro ardente
conseguia.
— Meu Deus! Eu realmente sinto muitíssimo — disse ela,
aproximando-se do homem de rosto corado com cautela, pois
parecia que ele ia sofrer uma apoplexia a qualquer momento.
Ele se virou para ela com raiva indisfarçável em seus olhos
castanhos desbotados. Eles brilharam com justa indignação sob as
sobrancelhas eriçadas quando ele encontrou alguém em quem
liberar sua ira.
Georgiana inalou profundamente, esperando seu destino
enquanto o sujeito baixo e corpulento respirou fundo e se preparou
para desabafar, quando, de repente, o Adônis que a havia segurado
momentos antes, aproximou-se dela.
— Se me permitir — murmurou ele em seu ouvido, antes de
ofertar-lhe um sorriso devastador que, por sua vez, dirigiu ao velho
prestes a trucidá-la. — General Denton — disse ele, estendendo a
mão. — Ora, veja só, que pandemônio meu miserável cão de caça
armou. Lamento muito. Nossa, que confusão! Mas não tema,
mandarei alguém substituir sua cesta imediatamente, e digamos que
colocaremos uma boa garrafa de vinho para acompanhar, como um
pedido de desculpas. O que lhe parece?
Georgiana assistiu com espanto enquanto seu belo e jovem
herói desviava de cada ataque furioso de clientes abusados e o
transformava em algo que de alguma forma se tornava em uma
anedota muito encantadora para eles rirem com seus amigos.
Ficando a uma distância segura, ela não conseguia ouvir o que era
dito, mas, na verdade, todos pareciam conhecê-lo. Thomas
devolveu Conrad a ela com uma careta com a qual ela simpatizava,
mas ela não conseguia tirar os olhos da cena divertida à sua frente.
A essa altura, um grupo de senhoras que queria a cabeça de
Conrad em uma bandeja estava rindo e flertando, animadamente,
com o Adônis.
Uma vez que todas as queixas foram tratadas e todos os ânimos
foram apaziguados com perfeição, Georgiana viu-se do lado de fora
da loja encarando seu heroico salvador.
— Bem, senhor, não sei o que dizer — respondeu ela, com toda
a honestidade. — Nunca poderei agradecer o suficiente por sua
intervenção. Tenho medo de pensar no que poderia ter acontecido
se não tivesse interferido.
— Não pense mais nisso — disse ele, mais uma vez
empregando aquele sorriso devastador para um bom propósito. —
Sou um grande amante dos animais e seria uma pena colocar um
ponto final na vida de um cãozinho tão intrépido.
— Criatura idiota — suspirou ela, olhando para o cachorro com
decepção.
— Oh, que isso! Eu não sou tão ruim assim. — Ela riu de
surpresa quando um par de olhos azuis brilhantes cintilou em sua
direção com diversão. — Enfim — acrescentou ele, com falsa
seriedade. —, depois de nossa grande aventura, poderia ter a honra
de saber o seu nome?
Georgiana foi abrir a boca e, então, hesitou. Era evidente que
esse homem, quem quer que fosse, era um membro da alta
sociedade. Ele estava vestido primorosamente, e tudo, desde o
cabelo cuidadosamente penteado até a gravata e as botas, seguiam
as últimas tendências da moda. Longe de ser um dândi, no entanto,
ele estava vestido com bom gosto e moderação, um grande alfinete
de safira cintilava em sua gravata perfeitamente atada, o único sinal
de óbvia extravagância. Respirando fundo, ela percebeu que teria
que enfrentar essa reação mais cedo ou mais tarde e,
relutantemente, aceitou a mão oferecida.
— Eu sou a senhorita Georgiana Dalton, senhor — respondeu
ela, um pouco sem fôlego enquanto esperava para ver o desgosto
cintilar naqueles belos olhos. Ela viu algo ali, certamente surpresa e,
depois, curiosidade, mas não repulsa.
— Ora, ora, então quer dizer que você é a Sereia — murmurou
ele.
Ela enrijeceu imediatamente e tentou soltar a mão, mas ele a
segurava com força. — Oh, por favor, perdoe-me, isso não foi nada
galante, não é mesmo? Eu não queria chamá-la assim, acontece
que todos estão especulando sobre a Sereia. Garanto que eu,
dentre todas as pessoas, nunca consideraria os pecados de sua
mãe como seus.
Ela relaxou um pouco diante da sinceridade em seus olhos. —
Obrigada, senhor, mas ainda não sei seu nome.
— Santo Deus, onde estão minhas maneiras hoje? —
respondeu ele, balançando a cabeça com perplexidade. — O
problema é que, depois de olhar para o seu lindo rosto, as esqueci
completamente, para ser sincero.
Ela arqueou uma sobrancelha, e ele sorriu para ela.
— Exagero meu? — perguntou ele, com um olhar tão inocente
que ela não pôde deixar de rir dele.
— Certamente um exagero. — Ela assentiu, tentando não
parecer muito divertida. Quem quer que fosse, era um galanteador
muito escandaloso.
Ele deu um suspiro sincero e depois se curvou para ela. — Eu
sou Charles Stafford, o marquês de Beaumont. Mas você, minha
querida, certamente pode me chamar de Beau.
Por um momento, ela apenas olhou para ele, antes que a raiva
florescesse. Quem quer que fosse essa criatura encantadora, não
tinha o direito de sair por aí fingindo ser alguém que não era.
— Oh, não me diga! — disse ela, com o tom obviamente
mordaz. — Você é Beau Beaumont?
O olhar em seu rosto era de profunda consternação quando ele
respondeu: — Sim, eu sou. Algum problema?
Devolvendo um olhar de repulsa, ela simplesmente respondeu:
— Imagino que possa ser, para o verdadeiro marquês. — Não
querendo prosseguir com uma conversa com alguém que era, na
melhor das hipóteses, um homem com um parafuso a menos e, na
pior das hipóteses, possivelmente um louco, ela deu a ele um frio
“Tenha um bom dia”, e deu meia-volta.
Infelizmente, ele não estava pronto para deixá-la escapar tão
facilmente e foi atrás dela.
— Devo entender — perguntou ele, acompanhando-a com
bastante facilidade. — que não acredita que eu sou quem digo que
sou?
— Exatamente isso, senhor — respondeu ela, com uma fungada
arrogante.
Para sua surpresa, ele soltou uma gargalhada. — Que intrigante
— disse ele, sem mostrar nenhuma inclinação para deixá-la em paz.
— Por favor, senhor — respondeu ela, parando no meio do
caminho. — É muito impróprio que me siga pela cidade dessa
maneira quando não tenho ideia de quem seja. Se conhece minhas
circunstâncias, então deve saber que tenho a maior necessidade de
manter o decoro e, portanto, desejo-lhe um bom dia!
Para seu aborrecimento, ele ignorou o bom senso e continuou
caminhando ao lado dela.
— Compreendo — disse ele, com óbvia simpatia. —
Provavelmente mais do que você imagina, mas o problema é
justamente esse. — Ele parou e, segurou gentilmente o pulso dela,
forçando-a a parar também. — Eu realmente sou o marquês de
Beaumont, lady Georgiana. — Para seu horror, ele enfiou a mão no
bolso e pegou uma caixinha de prata, retirando, em seguida, um
cartão de visitas que ele apresentou a ela.
Georgiana olhou para o cartão elegantemente decorado,
enquanto o nome do marquês de Beaumont a encarava, zombando
dela e de sua ingenuidade tola. Isso porque o homem por quem ela
se apaixonara poderia ser qualquer um. Ele claramente pretendia
apenas brincar com seus sentimentos dando-lhe um nome falso
para que ela nunca fosse capaz de encontrá-lo. E, claro, quem
melhor para culpar do que Beau Beaumont, o devasso mais notório
de toda a Inglaterra.
Ela piscou para conter as lágrimas e se esforçou para não
chorar quando ouviu sua voz preocupada sobressair ao choque.
— Minha pobre querida, você parece muito pálida. Veja só,
fortuitamente estamos do lado de fora do Gunter's. Você não quer
entrar e tomar uma xícara de chocolate até se sentir melhor?
Vamos, parece-me bastante adequado com seu lacaio
acompanhando-nos.
Em uma espécie de transe, ela permitiu que ele a conduzisse
para fora da rua e que Thomas cuidasse de Conrad, que estava se
comportando como um cordeirinho agora que o diabo tinha se
empanturrado de ovos escoceses. Ela deu uma risadinha
entrecortada, algo entre a diversão e a profunda tristeza, mas não
pôde recusar ao ser guiada por lorde Beaumont até uma cadeira e
pediu um chocolate para ela. Foi com resignação que ela ouviu sua
ordem ser respondida com um ríspido: — Imediatamente, lorde
Beaumont. — Apenas no caso de ela ter alguma dúvida.
De fato, quando estava na metade do chocolate, sentiu-se um
pouco mais capaz de encontrar os olhos do homem; erguendo-os,
ela olhou-o e percebeu que ele olhava para ela com preocupação.
— Ah, aí está — disse ele, com a voz calma. — Sentindo-se um
pouco melhor?
Ela assentiu e tentou sorrir para ele, precisando fazer um
tremendo esforço. Seu coração e sua mente estavam cheios de
todas as lembranças e sonhos que surgiram desde o outono, e,
agora, descobrir que até mesmo suas memórias eram construídas
em cima de mentiras era mais do que ela podia suportar.
— Não consigo imaginar o que você pensa de mim — murmurou
ela, olhando para sua xícara mais uma vez.
— Não seja tola, senhorita — disse ele, repreendendo-a com um
tom suave. — Acho que talvez você tenha sido enganada, mas
duvido muito que tenha algo para se censurar.
Ela deu uma bufada descrente e, então, cobriu os olhos com a
mão enquanto as lágrimas ameaçavam cair novamente.
— Sabe, eu sou extremamente discreto quando surge a
necessidade — disse ele, e olhando para aqueles olhos azuis, ela
acreditou nele. Mas, então, ela acreditou em outro homem também;
acreditou em cada palavra que dissera. Ele suspirou diante de seu
silêncio contínuo. — Devo presumir que você encontrou um homem
que lhe disse ser o marquês de Beaumont?
Ela assentiu. Afinal, ela devia a ele algum tipo de explicação
pelo seu comportamento extraordinário.
— E eu acho que talvez... você gostasse desse cavalheiro?
Ela olhou para ele, mas não conseguiu dizer nada, mas parecia
que ele podia ler a resposta em seus olhos com bastante clareza.
— Oh, minha pobre menina — disse ele, com seus olhos cheios
de afeto e tanta simpatia que ela sentiu que iria se desmanchar em
lágrimas e contar-lhe tudo. Foi preciso muito esforço para não o
fazer; então, ela colocou de lado o que restava do seu chocolate.
— Sabe me dizer alguma coisa sobre ele? — perguntou ele,
com a expressão intensa. — Como gostaria urgentemente de ter
uma conversinha com o bas... sujeito.
Ela mordeu o lábio e deu de ombros, balançando a cabeça. Ela
não queria mais falar sobre isso, e por algum motivo ridículo, não
queria deixá-lo em apuros. Quem quer que ele fosse. Mas ela não
conseguia entender por que lhe devia algum pingo de lealdade.
— Eu vou descobrir — advertiu o marquês, o brilho perigoso em
seus olhos muito evidente.
— Você tem sido muito gentil, milorde — disse ela, tentando
manter a compostura e a dignidade intacta. — Mas eu deveria
voltar. Sentirão minha falta se ausentar-me por mais tempo.
Ele assentiu e se levantou, acompanhando-a até o lado de fora.
— Gostaria que eu a acompanhasse até em casa? — perguntou ele.
— Não, obrigada. É muita gentileza sua, mas Thomas cuidará
de mim. Além disso — acrescentou, com uma expressão
apologética. —, provavelmente não seria sensato.
— Não, talvez não — respondeu ele, com um sorriso triste. —
Mas nos encontraremos novamente, lady Georgiana, e eu prometo
a você, farei de tudo ao meu alcance para fazê-la esquecer que já
existiu outro Beau Beaumont... ou poderia existir. — Ele lançou-lhe
um sorriso malicioso e fez uma reverência, antes de deixá-la aos
cuidados de Thomas para caminhar de volta para Mayfair.
***
Obviamente, ficou bastante claro para Céleste que algo estava
errado no momento em que ela chegou em casa, mas, para sua
sorte, ela não disse nada. Em vez disso, ajudou-a a ir para o quarto
e fechou as cortinas, instruindo Georgiana a deitar-se na cama,
enviando sua criada pessoal para buscar um pano embebido em
vinagre. Georgiana não tentou explicar ou dar desculpas. Ela não
queria mentir para a amiga e qualquer tentativa de dizer a verdade
agora só resultaria em lágrimas. Embora tudo o que ela realmente
queria era ser deixada sozinha para se entregar a uma choradeira.
Enquanto esperavam a volta de sua criada pessoal, Céleste passou
um pouco de óleo de lavanda em seus pulsos e suas têmporas,
falando bobagens em francês que Georgiana não entendia, mas
achava reconfortante.
Assim que a criada voltou, o pano foi cuidadosamente colocado
em sua testa, e Georgiana tranquilizou-se com a presença de
Céleste; em seguida, sua amiga pegou sua mão e apertou-a.
— Não prrecisa responder — disse ela, dando-lhe um sorriso
doce. — Eu não sei o que aconteceu e não prrecisa me dizer
agorra. Mas depois, quando se sentir um pouco melhor... se quiser
conversar com alguém... — Ela se inclinou e beijou a bochecha de
Georgiana. — É uma coisa nova parra mim, sabe, ter amigos. Mas
eu prrometo que estou tentando ser muito boa nisso, e qualquer
coisa que você me disser... Não direi a mais ninguém. Nem mesmo
a Alex, se não quiser. Tem a minha palavrra.
Com um último tapinha reconfortante na mão, Céleste se
levantou e foi até a porta. — Basta dizer se prrecisar de alguma
coisa ou quiser que eu volte, chérie. — Em seguida, ela fechou a
porta silenciosamente atrás de si.
Capítulo 17
 
“No qual os planos são revelados e os destinos riem com gosto.”

Sebastian ergueu os olhos quando Beau entrou na sala sem ser


anunciado e sem bater na porta. — Pode entrar — disse ele com a
voz arrastada, enfiando a mecha de cabelo ruivo e lustroso, que ele
estava olhando, com desânimo na gaveta de sua escrivaninha e fora
de vista.
Beau parou e olhou para ele, com uma sobrancelha loira
arqueada de surpresa. — Eu sei disso — respondeu ele, antes de
servir-se com o melhor conhaque de Sebastian.
— Não é nem meio-dia — observou ele para Beau, que apenas
devolveu um olhar entediado e se sentou na frente de sua mesa.
— Estou comemorando — respondeu Beau com uma expressão
presunçosa.
— É mesmo? — Sebastian fechou o livro-razão, o qual não
conseguia se concentrar para fazer a contagem nas últimas duas
horas, pois uma certa doce garota do campo e seu cabelo ruivo
indisciplinado continuavam invadindo seus pensamentos. Ele estava
perigosamente a ponto de estourar e voltar para a Cornualha, pois
não achava que poderia suportar ficar sem vê-la por mais tempo.
— Sim, creio que descobri os meios para a minha salvação.
Sebastian piscou e tentou afastar sua mente de um dia de
outubro e uma beleza de cabelos vermelho-dourados espalhados
entre as folhas de outono e voltar às notícias de Beau.
— É mesmo?
Beau suspirou e balançou a cabeça. — Você já disse isso.
— Disse?
— Meu Deus, homem — disparou seu amigo, claramente
exasperado. — Você pode fazer o favor de sair desse... do que quer
que seja isso! — Ele passou a mão pelo espesso cabelo loiro e
recostou-se na cadeira, olhando para Sebastian. — Você está
imprestável há semanas. Você não pode tê-la! Você sabe muito bem
que tem que deixar essa porcaria para lá.
— Eu o faria se pudesse, droga! — explodiu ele, por sua vez. A
injustiça de tudo aquilo, o desejo de ver Georgiana, a pressão das
últimas semanas, a histeria de sua mãe e a sua certeza de que
todos acabariam sendo arruinados o haviam esgotado. — O que
você sabe sobre o amor? — indagou ele. — Você nunca se
importou com ninguém além de você mesmo. Não consigo esquecê-
la, eu... não consigo. — Ele parou, horrorizado com seu desabafo.
Ele não pretendia admitir isso para Beau, e certamente não
pretendia abusar de seu melhor amigo sem motivo. Ele suspirou ao
ver a expressão nos olhos do amigo. Seu rosto tinha aquela
característica reservada e fechada que ele usava na frente de todos,
menos de Sebastian. — Perdoe-me, Beau — disse ele, ouvindo a
exaustão por trás de suas palavras. — Eu não tinha o direito de
dizer isso e... e sei que não é verdade. Você sempre foi... o melhor
amigo do mundo.
Beau bufou de repulsa, embora parecesse relaxar um pouco. —
Não, não fui. Longe disso, como você bem sabe. Mas você é, e eu
não espero que você, de todas as pessoas, critique-me por isso.
Sebastian riu, aliviado por ter sido perdoado tão facilmente. —
Para dizer a verdade, têm sido semanas terríveis para mim.
— Suponho que um coração partido tenha feito isso com você
— replicou Beau, com curiosidade rondando em seus olhos azuis.
— Você realmente acha que ama a garota?
— Eu não acho — respondeu ele, com um sorriso torto. — Eu
sei que amo. Nunca me senti assim antes. É como se todo o ar do
mundo tivesse sido sugado e eu não conseguisse mais respirar.
Beau fez uma careta de desdém e tirou um fiapo da manga
perfeitamente ajustada. — Que desconforto terrível. Devo me
certificar de evitá-lo a todo custo.
— Faça isso — respondeu Sebastian, rindo. Ele ficou sério
novamente quando o lindo rosto de Georgiana voltou à mente. —
Não consigo tirá-la da minha cabeça — admitiu ele.
— Você deve, a menos que se ofereça para ser seu protetor.
Sebastian sorriu ao imaginar a expressão no rosto de Georgiana
se ele ousasse oferecer-se para mantê-la como sua amante. — Eu
não acho que ela aceitaria essa oferta muito gentilmente — disse
ele, balançando a cabeça com diversão.
Beau soltou um muxoxo impaciente de aborrecimento. — Bem,
você deve pensar em alguma coisa porque eu não aguento toda
essa lamentação, é repugnante. Imagine o que sua mãe diria se lhe
dissesse que pretendia pedir em casamento a filha de um médico
sem nome nem fortuna. Meu Deus, isso seria o ataque para acabar
com todos os ataques. Você poderia realmente matá-la!
Sebastian levou as mãos à cabeça. — Nesse momento, ela
pode realmente até aceitar a ideia, já que está longe de ser meu
único problema.
— Você não está falando sério, está? O que mais pode ter... oh!
— estacou Beau.
Ele observou Beau ficar em silêncio e pensou ter detectado um
ar ligeiramente culpado ao redor de ele.
Sebastian estreitou os olhos, inclinando-se sobre a mesa para
examinar melhor o semblante angélico à sua frente. — Você está
tramando algo terrível!
Ele revirou os olhos quando Beau terminou sua bebida e se
levantou para servir-se de outra. — Oh, muito bem... — respondeu
ele. — Mas você vai falar primeiro. Diga-me por que sua querida
mãe está histérica agora? Embora eu ache que posso muito bem
adivinhar.
— Tenho certeza de que pode. Preciso de uma bebida — ele
acrescentou, beliscando a ponta do nariz quando uma dor de
cabeça começou a brotar atrás de seus olhos. — Os malditos
jornalecos sensacionalistas estão cheios de lady Dalton, a Sereia!
Então, todo o maldito escândalo vai ressurgir de novo, bem no
momento em que saio para encontrar uma esposa e minha mãe
está convencida de que a garota de alguma forma vai me arruinar
como sua mãe arruinou papai.
— Ah. — Beau entregou-lhe o copo e lançou-lhe uma expressão
simpática. — Sim, entendo. Mas... pode ser que eu possa te ajudar
nisso.
Sebastian parou com o copo a meio caminho dos lábios. — Que
diabos você quer dizer com isso?
— Bem — disse seu amigo, piscando e erguendo o copo para
ele. —, há males que vêm para...
— Oh, pelo amor de Deus, pare de falar em forma de enigmas.
Você sabe muito bem que me deixa louco quando faz isso.
Beau riu, com seus olhos azuis brilhando em reflexão. — Bem,
acontece que a Honorável Senhorita Georgiana Dalton é uma
herdeira e tenho total intenção de desposá-la.
Sebastian encarou o amigo, as palavras pareciam rondar em
seu cérebro, mas estava demorando mais do que o normal para
aceitar o significado delas.
— Você... quer se casar com ela? — perguntou ele com
cuidado, querendo ter certeza de que realmente havia entendido
quando a enormidade disso o atingiu.
Beau franziu os lábios, com uma expressão pensativa fazendo-o
parecer mais perfeito do que o normal. — Querer talvez seja forçar
demais a barra — respondeu ele com perfeita sinceridade. — Não
quero me casar com ninguém. No entanto, visto que provavelmente
estou com os dias contados e alguns de meus credores não são
realmente do tipo que gosta de ouvir que meus bolsos estão
vazios... então sim, certamente farei de tudo ao meu alcance para
poder me casar com ela o mais rápido possível. Dizem que ela é
rica o suficiente para comprar uma abadia, sabe, e presentes como
esse não caem em suas mãos todos os dias.
— Ela seria sua esposa, Beau. A filha da mulher que arruinou
minha vida, que matou meu pai e separou minha família enquanto a
alta sociedade olhava e fofocava. Você se casaria com ela? —
Sebastian percebeu que havia se levantado sem perceber. Seus
punhos estavam cerrados de raiva, enquanto a ferocidade de suas
palavras ecoava pela sala.
Beau encontrou seu olhar, sua expressão serena, mas havia
algo em seus olhos que o fez hesitar. — Sinto muito, Sebastian, de
verdade. Se eu tivesse outra escolha, juro que aceitaria. Mas as
herdeiras são escassas e, por favor, não pense que exagero quando
digo que estou... em apuros...
Sebastian sentou-se novamente enquanto sua raiva diminuía.
Ele encarou Beau e, pela primeira vez em toda a sua vida, pensou
ter visto medo em seus olhos.
— Seu pai? — perguntou ele, embora soubesse qual seria a
resposta.
— Pelo amor de Deus, Sebastian. Quando você vai colocar na
cabeça que o bastardo me odeia? Ele morreria de rir se eu fosse
levado para a prisão para devedores, tenho certeza disso. Embora,
francamente, eu teria sorte de chegar lá depois de alguns visitantes
que fui forçado a receber recentemente.
— Santo Cristo, Beau! — gritou Sebastian, e puxou a gaveta da
escrivaninha, com toda a intenção de preencher para seu amigo um
cheque ali mesmo.
— Não se atreva! — Beau ficou de pé, e seus estavam olhos
parcialmente febris. — Eu não vou aceitar isso, maldito seja! Meti-
me nessa maldita confusão e agora vou me livrar dela sozinho. Não
vou aceitar um centavo sequer de você, então, não tente me
oferecer ou certamente iremos nos desentender.
— Você pode me pagar de volta, seu idiota, com juros, se isso
for te deixar feliz!
— Não!
Os dois homens se entreolharam, enquanto Sebastian tentava
controlar a raiva que borbulhava em seu peito.
— Então você prefere se casar com aquela... aquela criatura a
pegar dinheiro emprestado comigo?
Beau soltou uma pequena gargalhada e o espírito de luta
pareceu abandoná-lo. — Garanto que não é nenhum grande
sacrifício da minha parte — disse ele com um sorriso irônico. — Ela
é perfeitamente adorável e muito bonita, e eu ousaria sugerir – nada
como a mãe dela.
Sebastian deu uma bufada incrédula, apesar do fato de que
achava bastante improvável que ela fosse moldada da mesma
forma que a mãe.
— Eu nunca poderei receber vocês dois aqui em casa.
Beau deu de ombros. — Não enquanto sua mãe viver, talvez,
não.
Balançando a cabeça em frustração, Sebastian cruzou os
braços, olhando para Beau e tentando entendê-lo, o que era algo
que ele nunca tinha sido totalmente capaz de fazer. — O que te faz
acreditar que as coisas seriam diferentes quando ela se fosse? Por
que eu deveria recebê-la?
Beau apenas encontrou seus olhos e sorriu. — Porque você é a
pessoa mais justa e misericordiosa que já conheci.
— Não tente me ludibriar — respondeu ele, com o tom brusco,
embora estivesse satisfeito com o elogio. — Você pode ser capaz
de usar essa língua de prata para ir para cama com quem quiser,
mas não pense que vai me enganar fazendo-me acreditar que se
casar com lady Georgiana é outra coisa senão uma receita para o
verdadeiro desastre.
— Bem, pelo menos se eu me casar com ela, a alta sociedade
vai parar de procurar tanto por fofocas, especialmente, se você for
capaz, pelo menos de reconhecê-la.
— Tenho total intenção de ignorá-la — respondeu ele, com o
tom não tolerando nenhum argumento, muito menos um ponto
possível de discussão.
Ele ouviu o suspiro de decepção de Beau. — Sim, imaginei que
o faria.
— Sabe... ela pode não querer se casar com você, já considerou
isso?
Beau lançou-lhe um sorriso malicioso. — Claro que é possível
— admitiu ele, embora o brilho de diversão em seus olhos deixasse
claro que ele achava isso improvável.
Sebastian bufou, indignado, se não surpreso. — Deus, como
você é um demônio arrogante.
Capítulo 18
 
“No qual nossa heroína enfrenta a alta sociedade e um Adônis faz
sua jogada.”

— Acho que o brranco — respondeu Céleste, observando com


olhar crítico a fileira de lindos vestidos. — Oui, concordo.
— M-mas eu não posso usar branco! — protestou Georgiana.
Finalmente chegou o dia que ela tanto temia e esperava. Ela seria
apresentada à sociedade esta noite na festa de lady Allen.
Céleste pôs as mãos na cintura e virou-se para Georgiana com
tanta fúria nos olhos que a surpreendeu. Podia parecer pequena e
delicada, mas a condessa era um pouco irascível quando estava de
mau humor, como Georgiana descobrira.
Quando ela finalmente confessou à sua nova amiga tudo o que
havia acontecido com ela, a raiva de Céleste em seu nome foi
consideravelmente espetacular. Ela se enfureceu e xingou tanto em
inglês quanto em francês, a tal ponto que Georgiana se viu na
estranha posição de tentar acalmá-la. — E se eu for como a minha
mãe? — perguntou ela, horrorizada. — E se... se eu for... fácil?
Céleste caiu na gargalhada. — Mas ele erra bonito, não erra? —
indagou ela, com os olhos azuis arregalados de diversão.
— Bem, sim, muito.
A condessa apenas jogou as mãos para o alto em um gesto que
dizia aí está. Isso acabou não ajudando em nada até que ela
suspirou e balançou a cabeça para Georgiana, pegando suas mãos.
— Chérie, só porque você é uma mulher não significa que você não
queirra ou deseje. Oh! — bufou ela com aborrecimento, e acenou
com uma mão elegante no ar. — Devemos ser tão recatadas, doces
e inocentes por fora, mas se você for parra o quarto e simplesmente
ficar deitada lá durra como um pedaço de pau, garanto que eles
logo perderrão o interesse. Eles querrem as duas coisas, esses
homens. Mas eu te garanto, na cama eles anseiam ser adorrados e
desejados, eles querrem que você suspire e gema por eles e diga
seus nomes. Você é perfeitamente normal, sua tolinha, não se
atreva a pensar o contrárrio.
Georgiana corou, mas sentiu-se mais do que aliviada com a
resposta direta de sua amiga. Sendo assim, ela se perguntou se
Céleste poderia esclarecer alguns outros tópicos. Claro que ela
viveu toda a sua vida no campo e não era totalmente ignorante
sobre como a procriação deveria acontecer, mas... alguns detalhes
seriam bem-vindos.
Céleste, é claro, ficou mais do que feliz em fornecer tantos
detalhes quanto Georgiana quisesse, alguns dos quais faziam todo
o sentido junto com as conclusões a que ela havia chegado, e
outros... que a chocaram profundamente. A discussão continuou,
em sussurros abafados, quando desceram para o almoço. Quando
lorde Falmouth as encontrou e ambas ficaram em silêncio, no
entanto, sua carranca de suspeita fez com que elas sucumbissem a
tal histeria que acabaram expulsando o pobre homem do cômodo
resmungando sobre mulheres desmioladas.
Agora, porém, Céleste estava segurando um vestido branco
com um brilho de determinação em seus olhos que dificilmente
poderia ser minimizado.
— E por que, diga-me, você não deverria usar brranco? Você é
uma mulher infame? A amante de alguém? Entrregou ao impostor a
sua virtude?
— Não! — exclamou Georgiana, horrorizada. — Você sabe que
não.
Céleste deu um pequeno suspiro de triunfo. — Alors, então você
usarrá o vestido, que é muito simples com apenas algumas pérrolas,
na minha opinião, e vai tirar o fôlego de todos os homens, eu
prrometo. — Como se fosse o fim da discussão, Céleste dirigiu-se
para a porta. — Agorra, eu também devo me arrumar, ou vou me
atrrasar e Alex vai ficar zangado. — Ela piscou para Georgiana, que
sabia tão bem quanto ela que Alex não faria nada disso e a deixou
para cuidar de sua própria toalete.
Georgiana suspirou quando sua criada pessoal arranhou de
levinho na porta para anunciar sua chegada, e os preparativos
começaram.
Algum tempo depois, de pé diante do espelho, Georgiana teve
de admitir que Céleste tinha razão. O vestido branco era de gros-de-
Nápoles, com rendas muito suntuosas na bainha e na parte de cima
possuía flores de laranjeira bordadas. Flores de laranjeira reais
também adornavam seu cabelo, enroladas em volta da cabeça, com
exceção de um cacho errante. Ele, por instrução de Céleste, foi
deixado para cair sobre o ombro e descansar em seu colo.
Georgiana ficou escandalizada, pensando que isso parecia um
pouco ousado demais quando ela deveria ser o modelo de decoro a
ser seguido.
Céleste acabara de lançar-lhe um olhar de pena. — O que você
quer com isso, mon poussin? — perguntou ela. — Você só quer
agrradar todas as velhas fofoqueirras e as vadias nojentas que vão
falar de você não importa o que você faça? Ou quer atrrair um
marrido, um homem interressante que você possa amar e respeitar
e possa retrribuir todo esse amor e respeito?
Georgiana bufou e levantou as mãos em sinal de rendição, e
Céleste assentiu em aprovação. — Então, faça o que eu digo. Se
você parecer muito sem graça e virginal, as pessoas pensarão que
você está se esforçando demais. Você está vestida com perfeito
decoro e ponto final. — Ela puxou o cacho avermelhado com um
sorriso malicioso. — Isso é você colocando a língua para fora e
desafiando-as a tentar esmagar seu espírito. Tu comprends?
Ah, sim, pensou Georgiana com um suspiro, ela entendia.
***
Embora ainda fosse o início da temporada, a festa de lady Allen
estava lotada. Georgiana se agarrou a Céleste como um carrapato
durante as primeiras horas, pouco acostumada com tamanha
quantidade de pessoas e muito apavorada com os olhares
calculistas sempre que os pegava fitando-a. Ela respirou fundo e
tentou não desejar estar de volta em casa, sentada perto do fogo e
lendo um de seus romances favoritos.
— Sinto como se estivesse em um sonho.
Ela se virou, assustada ao ouvir a voz suave que de repente
estava tão próxima, e viu-se fitando os olhos azuis de seu heroico
Adônis. Ele era, se possível dizer, ainda mais bonito à luz de velas,
mas é claro que este era seu habitat natural. Este era o campo de
caça do notório sedutor, e ele estava claramente decidido a fazer
dela sua próxima conquista. Esse pensamento a divertiu em vez de
perturbá-la, pois o coração dela estava partido demais para permitir
que outro o machucasse ainda mais.
— Disse um sonho, lorde Beaumont? — respondeu ela,
divertida. — Devo te beliscar para ter certeza?
— Oh, não — muxoxou ele, balançando a cabeça. — Senão
poderei acordar, e será uma pena. Para você ver, estou me
lembrando de uma noite de verão quando eu era um menino muito
pequeno. Ela se virou um pouco mais para encará-lo diretamente,
intrigada agora. Ele abriu um sorriso caloroso e convidativo, que ela
imaginou ter tocado muitos corações. — Eu tinha me esgueirado
para fora da cama e ido para a estufa de laranjas de meu pai para
ver se algumas estavam maduras.
— E estavam? — perguntou ela, incapaz de resistir, retribuindo
o sorriso dele, que era tão contagiante quanto agradável.
— Infelizmente não — respondeu ele, com uma expressão triste.
— Mas estava quente, e o cheiro... — Ele fechou os olhos e se
aproximou um pouco mais dela, e quando falou novamente as
palavras pareceram estremecer na pele dela. — O cheiro era
indecente, doce e pesado como ópio, e eu dormi a noite toda lá
como um bebê, tendo os sonhos mais maravilhosos. — Ela olhou
para cima e o viu observando-a, e seus olhos escureceram da
maneira mais sedutora possível. — O seu cheiro me faz querer
nunca mais acordar.
Ela engoliu em seco, bem ciente de que estava nas mãos de um
amante sofisticado e muito longe de sua alçada. Para seu alívio, ele
a salvou de qualquer outra forma de resposta.
— Vamos nos misturar e ver quem pode nos divertir esta noite?
— Não. — A profunda voz masculina era implacável, e
Georgiana olhou em volta e viu lorde Falmouth fazendo cara feia
para o marquês.
— Falmouth. — O marquês inclinou um pouco a cabeça em
saudação. — É um prazer vê-lo esta noite. Eu estava apenas
pedindo à lady Georgiana para dar uma volta no salão comigo.
— Oh, Alex, deixe-a. Beau é tão divertido, hein?
Os lábios do marquês se contraíram um pouco quando lady
Falmouth veio em sua defesa. — Lady Falmouth, posso dizer o
quão adorável está esta noite?
— Você pode — respondeu Céleste, com um brilho travesso
cintilando em seus olhos, e Georgiana percebeu que ela estava
muito ciente da fúria carrancuda do evidente ciúme de seu marido.
— Pois bem, mexam-se, crrianças — disse Céleste, fazendo um
gesto de enxotar como se fosse uma dama idosa. — E, Beau,
comporte-se. Estou de olho em você. — Ela apontou o leque para
ele de maneira ameaçadora, embora houvesse riso em seus olhos.
Quando se viraram para ir embora, Georgiana ouviu sua risada
ofegante ao se virar para o marido.
— Oh, querrido Alex, como você pode ser tão bobo quando
sabe que amo apenas você.
Georgiana suspirou e se perguntou se algum dia teria a sorte de
realizar um desejo tão grande quanto parecia ser: o de amar e ser
amada, sem mentiras, sem fingimentos e sem trapaças.
— Eles são um casal de sorte, não são? — Ela olhou para Beau
e, surpresa, viu em seu rosto bastante franqueza e não encontrou
aquele flerte brincalhão habitual. — O que foi? — perguntou-a. —
Você acha que eu também não percebo? Acha que eu não imagino
como seria a vida se tivesse um casamento assim?
Ele fez uma pausa e prestou muita atenção nela.
— Você imagina? — perguntou ela, genuinamente curiosa. Ele
não respondeu, e eles começaram a entrar e sair da multidão
enquanto ele acenava para conhecidos que passavam. — Eu
costumava ler sobre você todas as semanas, sabe — disse ela,
sorrindo quando viu que ele a olhava com diversão.
— Ah — disse ele, balançando tristemente a cabeça. — Minha
reputação me precede.
— De fato — concordou ela, ao notar duas mulheres olhando
para eles com evidente inveja e rancor em seus rostos pintados. —
Na verdade, fiquei bastante preocupada depois que você
desapareceu na Escócia por tanto tempo.
Uma risadinha masculina de diversão ressoou ao lado dela, e
ela não pôde deixar de sorrir de volta. Havia algo irresistível nele, e
ela podia entender por que as mulheres se jogavam a seus pés. —
Sinto-me honrado por ter despertado tanta pena em seu peito.
— Despertou mesmo — disse ela, sorrindo maliciosamente. —
Embora eu tenha começado a temer que você não fosse metade do
libertino que acreditava que fosse quando ficou longe por tanto
tempo. Achei que talvez você tivesse... perdido a coragem.
Ela riu de sua expressão e, então, balançou a cabeça, fascinada
ao ver como seus olhos deslizavam de seus olhos para sua boca e,
depois, até o pequeno cacho que se aninhava em seu decote.
Certamente, havia fome em seu olhar e acalmou um pouco seu
coração machucado saber que ela era objeto de desejo.
— Agora eu sei como Eva se sentiu debaixo daquela macieira
— murmurou ele, sem tirar os olhos do cacho. — Tenho o desejo
mais desesperado de estender a mão e dar um puxão nesse cacho.
— Mas você não vai — disse ela, observando enquanto ele
levantava os olhos para ela com evidente relutância.
Ele franziu os lábios como se pensasse seriamente no assunto.
— Não... hoje não — respondeu ele. Colocando a mão dela de volta
em seu braço, eles continuaram a circular no salão. — Acho que
devo entregar você de volta a Falmouth. Por enquanto... —
completou ele, com uma piscadela. Eles caminharam um pouco
mais em silêncio antes que ele parasse e se voltasse para ela. —
Sabe, eu tive muito tempo para pensar quando estava na Escócia.
— Ele abriu um sorriso autodepreciativo. — Acredite, geralmente é
um passatempo que evito a todo custo, mas...
Ela levantou as sobrancelhas para ele, um pouco desconfortável
com a expressão em seus olhos. — Mas?
— Mas o que você pensaria se eu dissesse que estou pensando
em melhorar meus hábitos e estabelecer-me?
Ela reprimiu um sorriso e lançou-lhe um olhar compreensivo. —
Eu diria que seus credores estão gritando um pouco mais alto do
que o normal, milorde.
Ele deu uma gargalhada e olhou para ela com prazer. — Sim,
você diria isso, não é? — Mas, então, ele cobriu a mão dela com a
sua e seu rosto ficou sério. — E devo me casar por dinheiro, é bem
verdade. Mas nunca me ocorreu antes desta noite que... que talvez
pudesse ser mais do que isso.
Ela prendeu a respiração, incapaz de dizer mais alguma coisa
enquanto a presença desaprovadora de lorde Falmouth pairava
sobre eles. Beau ergueu a mão dela e beijou seus dedos, com um
olhar caloroso refletindo de seus olhos.
— Boa noite, lady Georgiana. Foi um grande prazer que
pretendo repetir muito em breve. — Ele acenou com a cabeça para
lorde Falmouth, despediu-se de Céleste e os deixou sozinhos.
Capítulo 19
 
“No qual os terrenos sagrados do Almack’s são assustadores.”

Sebastian entrou pelas impressionantes portas de sua casa em


Grosvenor Square, entregou seu chapéu e casaco ao lacaio e
trancou-se em seu escritório.
Meu Deus, mas que tarde tediosa e inútil. Dois dias antes, ele
havia agradecido à mãe apresentando sua própria lista de mulheres
elegíveis e, dentre elas, reduziram os nomes para cinco. Cinco
opções possíveis para a sua futura duquesa.
Ele tinha ido esta tarde fazer uma visita àquela que havia
ascendido ao topo da lista. Lady Anne Scunthorpe era neta de um
conde. Sua família vinha de uma linhagem distinta e respeitada.
Embora ela não fosse uma beldade, não era de modo algum pouco
atraente, com um rosto doce e redondo e uma aparência agradável.
Ela também era talentosa e acostumada a organizar as
impressionantes festas de seu pai desde que sua mãe havia
morrido, cerca de três anos antes. Ela seria uma duquesa perfeita e,
para tornar o casamento ainda mais desejável, seu dote incluía uma
vasta extensão de terra que Sebastian sempre cobiçou, pois ficava
colada à sua propriedade e era perfeita para ser cultivada.
E, ainda assim...
Ela sorriu para ele, riu de suas – francamente terríveis – piadas,
e não arriscou uma opinião além de “Tenho certeza de que está
certo, Vossa Graça”.
Ela nunca faria nada para desagradá-lo, ela ignoraria seus
casos amorosos, desde que ele fosse discreto, e sempre lhe diria
que estava certo.
Ele se sentiu mal.
Agora, ele tinha que enfrentar o maldito Almack’s. Droga, se
havia outro lugar que ele detestava mais no mundo, ainda não
conseguia se lembrar. Ele teria que ficar lá, como um touro
premiado, enquanto as mães incitavam suas filhas a sorrir e piscar
para ele na esperança de lançar uma isca para fisgar um duque.
Ele gemeu e recostou-se na cadeira, segurando um grande
copo de conhaque. Mantendo o copo frio contra a têmpora, fechou
os olhos e seus pensamentos imediatamente se desviaram para
Georgiana.
Meu Deus... Ele não aguentava mais, nem mais um dia sem ela.
Ele partiria, ele decidiu. A primeira coisa que faria amanhã seria
voltar e encontrá-la e... e...
Seu cérebro parou; ele poderia realmente pedi-la em
casamento?
Beau estava certo sobre uma coisa, sua mãe poderia temer que
ele caísse nas garras da Sereia, mas trazer para casa a filha de um
médico do campo como sua noiva poderia ser o suficiente para
acabar com a velha de uma vez por todas. Desde que ele tinha
idade suficiente para entender o conceito, ela, acima de todos os
outros, havia martelado na cabeça dele seu dever devido à sua
posição. O privilégio que recebeu era grande, e ele devia sacrificar-
se para ser digno disso tudo. Mas isso realmente significava que ele
nunca poderia ser feliz?
Só havia uma coisa que ele sabia com algum tipo de certeza:
ele nunca poderia ser feliz sem Georgiana.
Então, ele partiria amanhã, a encontraria, e veria o que cada um
sentiria quando se encontrassem novamente. Mas se ela ainda o
amava, ele não achava que era forte o suficiente para dizer adeus a
ela uma segunda vez.
***
— Olhe só parra este! — disse Céleste com alegria, acenando
com outro jornal para ela. Georgiana arrancou-o de sua mão e leu
cuidadosamente a página em questão.
 
Ontem à noite, na fabulosa festa de lady A, a nata da sociedade
foi presenteada com o primeiro vislumbre da elegante lady D.
Vestida recatadamente toda de branco, essa dama elegante
parecia lidar bem com tudo e encantou muitos, para desespero de
outros. Nosso próprio elegante M de B estava vestido no auge da
moda e observou-se que passou muito tempo admirando a dama
em questão. Aguardamos com impaciência...
 
— A maldita impertinência! — trovejou Alex, pegando o jornal da
mesa na frente dela e olhando furiosamente para ele. — Georgiana,
você deve ficar longe de Beaumont. Eu sei que ele é um sujeito
divertido, mas só trará problemas e certamente não pode te ajudar
em nada.
— Oh, Alex, não seja tão enfadonho — respondeu Céleste,
rindo dele e alimentando seu spaniel com um pedaço de torrada
com manteiga. — O interesse dele já fez muito bem a ela e, além
disso, pelo que Georgiana disse, ele não está brincando com ela.
Ele pretende tomá-la como esposa.
Georgiana assentiu. — Oh, claro que é minha fortuna que o
tenta, milorde. Por favor, tenha calma, não sou tola. Sei que ele não
olharia para mim duas vezes se não fosse por isso.
— Oh, ele olharia para você duas vezes — murmurou Alex, com
um sorriso sombrio. Ele olhou de volta para Céleste, e Georgiana
observou divertida enquanto seu rosto se suavizava. — Então,
vamos ao Almack’s hoje à noite?
— Sim — respondeu Céleste, com um longo suspiro.
— Qual o problema? — indagou ele, com os frios olhos
cinzentos franzidos com preocupação. — Houve mais conspirações
e intrigas para obter essas malditas entradas do que o duque de
Wellington teve que empregar em toda a maldita guerra. Não me
diga, agora, que não quer ir!
— Oh, non — respondeu Céleste, estendendo a mão e
agarrando-lhe o braço. — Mas você não estará lá, então não será
nada divertido.
— Bobagem — respondeu ele, embora Georgiana pudesse ver
que ele estava mais do que satisfeito com o comentário. — Você vai
flertar e dançar com todos os seus chichisbéus[1]e não vai pensar
mais no seu pobre marido.
A essa altura, Georgiana achou prudente deixá-los em paz, pois
havia uma expressão nos olhos de Céleste que provava que as
palavras do marido estavam erradas.
***
O ritual de preparar-se para a noite que se aproximava não foi
suficiente para dissipar o estrondoso bater de asas, que mais
parecia com corvos do que com borboletas, enquanto o estômago
de Georgiana se contraía de ansiedade. Ela mal havia tocado na
comida o dia todo, muito consciente de que esta noite seria
submetida ao verdadeiro teste. O Almack’s era o local mais sagrado
de todos, o solo sagrado para a alta sociedade e, embora Seymour
pudesse ter sido capaz de fazer chantagem para ganhar as
entradas, ela não poderia forçá-los a aceitá-la.
Ela soltou um suspiro trêmulo quando sua criada pessoal recuou
e assentiu com aprovação.
— Oh, milady, você parece uma pintura.
Ela sorriu para sua criada através do espelho. Ela era talvez um
ou dois anos mais nova que Georgiana e rapidamente formou uma
ligação com sua senhora que dava indícios de que seria um bom
relacionamento. — Muito obrigada, Sarah. Você fez um trabalho
maravilhoso.
Madame Lisabeth realmente se superou com seu modelo
maravilhoso. O vestido era sua própria versão da túnica Saxe-
Coburgo, que tinha sido o assunto da alta sociedade apenas
algumas semanas antes. Ele caía dos seus ombros com pequenas
mangas de cetim em seus braços, e ela usou a recém-descoberta, e
muito requisitada, gaze chinesa em uma coloração ouro pálido e
brilhante. Seu robe tinha sido enfeitado com tule e cetim cor de
marfim e alcançava os cachos castanho-avermelhados de
Georgiana; sua imagem parecia algo polido pelo sol. Embora ela
não seguisse de forma alguma a moda, mais uma vez aquela única
mecha de cabelo caía descuidadamente sobre seu ombro. Desta
vez, os receios de Georgiana eram ainda maiores do que antes.
Céleste, porém, fora inflexível. O cacho permanecia.
No momento em que foram cumprimentados por lady Russell do
lado de fora das portas do Almack’s, Georgiana sentia-se muito
enjoada com a ideia de ter que enfrentar um salão de baile cheio
das pessoas mais poderosas e elegantes da alta sociedade. Esta
noite poderia ajudá-la ou arruiná-la de uma vez por todas.
— Venha — sussurrou Céleste, pegando seu braço e dando-lhe
um aperto encorajador. — Estou ao seu lado, e quem se importa
com o que eles pensam? Eles não sabem a verdade sobrre
nenhuma de nós. Eles acreditarrão no rosto que mostrramos a eles,
se nos comportarmos de maneirra confiante.
Georgiana retribuiu com um sorriso que fez seu rosto ficar tenso,
e Céleste estalou a língua para ela.
— Mon Dieu, Georgie, você tem ideia de como está
encantadorra esta noite? Você já tem Beau na palma da sua mão e
se pensa que é apenas a sua fortuna que chamou a sua atenção,
está muito enganada!
Ela não pôde evitar dar uma gargalhada diante da óbvia
indignação de Céleste. Bem, pelo menos sua amiga estava
confiante em seu nome, e... bem, esse pensamento realmente a fez
sentir-se melhor.
— Você tem amigos aqui — sussurrou Céleste com uma
expressão severa; então, Georgiana sorriu, com um pouco mais de
naturalidade, respirou fundo e entrou na briga.
Elas caminharam pelo grande hall de entrada e tiraram suas
capas antes de subirem a elegante escadaria de pedra em direção
ao salão de baile. Música, risadas e o burburinho suave de vozes
podiam ser ouvidos muito antes de se aproximarem das grandes
portas, e Georgiana prendeu a respiração ao ver o famoso salão de
baile pela primeira vez.
O salão era vasto e requintado, com estuque em formato de
medalhões e guirlandas em um design clássico e um grande
candelabro iluminado com mais velas do que ela já tinha visto na
vida. As paredes eram brancas e douradas, e as cortinas de um
azul-claro. De um lado do grande salão havia uma grande varanda
que percorria quase um terço de uma parede e permitia que as
pessoas observassem aqueles que dançavam e giravam abaixo
deles em uma estonteante agitação de saias de seda.
Com um sentimento próximo do pânico fechando-se ao redor de
sua garganta, Georgiana percebeu que nunca tinha visto na vida
tantas pessoas em um só lugar. O local estava lotado com centenas
de pessoas, todas vestidas com os melhores tecidos e as joias mais
brilhantes, embora nem sempre fossem providas do melhor
julgamento ou bom gosto.
Um sussurro pareceu flutuar entre a multidão, e Georgiana
gradualmente percebeu que sua chegada havia sido notada. A
sensação de pânico começou a tomar conta dela até que uma voz
suave sussurrou em seu ouvido.
— E aqui está a maçã vermelha brilhante de novo. Eu realmente
não tenho ideia do que você espera que uma pobre e indefesa
criatura faça contra tal tentação, milady. Estou sendo arrastado para
águas perigosas.
Ela olhou em volta e quase suspirou de alívio ao ver o lindo
sorriso de Beau.
Fazendo uma reverência, ela devolveu a saudação dele com
profunda gratidão. — Boa noite, lorde Beaumont. Confesso que fico
muito feliz em ver um rosto amigo.
— Amigo? — perguntou ele, com uma sobrancelha um pouco
arqueada. — Querida, não tenho certeza se essa é a palavra que
você está procurando. Receio não ter intenção de ser seu amigo.
Ela riu e balançou a cabeça. — Muito bem, então, estou feliz em
vê-lo, mesmo que você não seja nem um pouco amigável.
Ele deu um sorriso largo para ela, e, então, seus olhos caíram
no cacho mais uma vez e ele suspirou. — Sabe, pretendo ter uma
mecha desse cabelo.
— Oh, é mesmo? — respondeu ela, ciente de que Céleste
estava falando com tia Seymour e outro conhecido que havia se
juntado a elas, mas também estava de olho em sua protegida. — E
como você pretende fazer isso?
— Eu não poderia te dizer isso agora, não é mesmo? —
respondeu ele, com aqueles olhos impossivelmente azuis brilhando
com malícia. — Mas devo tomar cuidado com os recantos menos
iluminados ou serei forçado a tirar vantagem de você.
Georgiana mordeu o lábio para conter um sorriso. Ela sabia que
não devia encorajá-lo. Ele estava longe de ser o tipo de homem com
quem ela gostaria de se casar, mas era bom ter um admirador,
especialmente quando ele era inegavelmente o homem mais bonito
do salão. Mas, contra sua vontade, seus olhos não paravam de
procurar aquele que ela acreditava ser Beau. Afinal, ele era
claramente rico e de uma boa família. Havia todas as chances de
ele estar aqui... em algum lugar...
— Agradeço pelo aviso, mas pensava que era eu quem
representava o perigo para você. Não o contrário.
— Oh, você representa — respondeu ele, e desta vez sua voz
estava mais séria. — Você é realmente um jogo muito perigoso —
murmurou ele.
Nesse ponto, tia Seymour e Céleste se voltaram para ela, e
Beau conversou educadamente com todas elas por um tempo,
garantindo dançar com ela e Céleste antes de deixá-las sozinhas
para se juntar a alguns outros amigos.
— Esse é um bom começo para você, minha menina — disse
Seymour, assentindo em aprovação. — Embora não seja bom ser
vista muito em sua companhia. Aquele ali gosta de um rabo de saia,
e isso não lhe faria nenhum bem. Mas o seu interesse estimulará
muitos outros a procurá-la, lembre-se do que estou dizendo.
— Estou surpresa em ver que ele tem permissão para entrar
aqui — disse Georgiana em voz baixa. — Quero dizer, depois de
tudo no ano passado, e sua reputação, e tudo mais...
— Oh, mas ele é muito popular, minha querida — respondeu a
velha senhora, rindo. — E um homem tão divertido, com modos tão
cativantes. Respeitabilidade não é a única maneira de obter acesso
aqui, entende, é um pouco mais complicado do que isso. — Ela
piscou para Georgiana antes de reclamar que já estava parada há
bastante tempo e foi procurar algumas de suas comadres.
Logo ficou claro que as palavras de Seymour estavam
perfeitamente corretas. Embora Georgiana tivesse ouvido muitos
sussurros sobre a Sereia e captado muitos olhares de escárnio e
nojo que a fizeram corar de mortificação, essa não foi a única
atenção que chamou. Ela até notou uma ou duas senhoras com um
cacho familiar caindo com grande ousadia nos seus decotes.
Parecia que ela havia iniciado uma tendência. Mas, certamente, não
eram apenas as mulheres que a notaram.
— Como abelhas em volta de um pote de mel — sibilou Céleste
em seu ouvido, a certa altura, enquanto Seymour era requisitada
várias vezes por vários homens, ansiosos para serem apresentados
ao mais novo e brilhante diamante do salão. Isso porque era assim
que muitos a chamavam, e Georgiana ficou dividida entre o
profundo embaraço e a perplexidade com alguns dos elogios
extravagantes que lhe foram lançados. Mas, naturalmente, ela não
pôde deixar de se perguntar... quantos deles teriam ficado tão
entusiasmados se o fato de ela ser uma herdeira também não
tivesse sido exibido na frente deles. Mas quem diabos era ela para
julgar?
Capítulo 20
 
“No qual a alta sociedade prende a respiração.”

— Desta vez, trouxe-lhe um homem sensato, Georgiana.


Ao olhar para cima, Georgiana viu Seymour avançando na
direção deles mais uma vez e sentiu pena da velha senhora que mal
teve um momento de paz a noite toda. Georgiana esperava
descansar um pouco depois de ter dançado nas últimas duas horas.
Mas ao lado de Seymour estava um jovem alto e terrivelmente
magro com óculos. Ele parecia bastante sério e pouco à vontade
consigo mesmo, como se não tivesse certeza do que fazer com sua
altura. Ele curvou-se para cumprimentá-la, mas permaneceu um
pouco curvado, como se sua figura elevada pudesse ofendê-la de
alguma forma.
— Ele é tímido, mas gentil e tão rico quanto Creso — sibilou
Seymour em seu ouvido. — Lady Georgiana, apresento-lhe lorde
Nibley.
Georgiana fez uma reverência e olhou para cima e, para sua
diversão, descobriu que o pobre homem estava vermelho, mas
havia um par de olhos castanhos bondosos e inteligentes por trás
dos aros de seus óculos de arame.
— Estou muito feliz em conhecê-lo, milorde — disse ela,
sorrindo para ele.
— O prazer é todo meu — disse ele, e depois engoliu em seco.
Eles ficaram em um silêncio bastante constrangedor por alguns
minutos, enquanto Georgiana procurava um tópico de conversa.
— É muito...
— Você já...
Eles riram quando os dois finalmente falaram ao mesmo tempo.
— Peço perdão — disse Georgiana. — Por favor, continue.
Lorde Nibley balançou a cabeça de uma maneira um tanto
envergonhada. — Não tenho certeza se valeria a pena o esforço.
Receio não ter muito talento para esse tipo de coisas.
— Se você for um homem sensato, como disse lady Russell,
não duvido. Uma longa conversa sobre nada não pode ser algo que
você aspira, certamente... — disse ela, sorrindo para ele.
Ele suspirou e pareceu relaxar um pouco. — Ah, pelo contrário
— respondeu ele, com a expressão bastante séria. — Eu daria tudo
para poder conversar com facilidade nessas... nessas reuniões, mas
receio que não tenha o dom para isso.
Ele pareceu provar seu ponto ficando em silêncio novamente, e
Georgiana olhou ao redor mais uma vez.
— O que você costuma fazer quando não está na cidade?
O rosto dele se iluminou perceptivelmente, e ela esperou ter
encontrado ouro.
— Rochas — disse ele, com certo entusiasmo.
Georgiana sufocou um sorriso e se perguntou se ela tinha um
anjo da guarda com um senso de humor distorcido. De alguma
forma, ela duvidava que ele estivesse falando de rochas douradas.
— Sim, geologia, bem, assunto fascinante — disse ele, com
verdadeira paixão iluminando seus olhos agora. — Você sabe
alguma coisa sobre o assunto?
— Não sei nada — admitiu ela, perguntando-se com um pouco
de diversão se ela seria capaz de continuar assim.
Ela começou a perder o interesse algum tempo depois que ele
pronunciou as palavras estratos geológicos e começou uma
explicação detalhada sobre os diferentes tipos de fósseis
encontrados em cada camada.
Eventualmente, ele ficou em silêncio novamente, aparentemente
tendo percebido que estava monopolizando a conversa pelo olhar
de decepção constrangida em seu rosto. Com pena dele, ela tentou
novamente.
— Você tem algum amigo aqui esta noite, milorde?
Ele balançou a cabeça e juntou as mãos atrás das costas com
um suspiro, lembrando-a fortemente de uma garça triste e, então,
seu rosto se iluminou quando um pensamento lhe ocorreu. — Oh,
sim, claro, lorde Beaumont está aqui. Ele é um sujeito ótimo mas
também diabólico; estudamos juntos na escola.
Georgiana deu uma risadinha. — Bem diabólico, na minha
opinião.
Lorde Nibley deu-lhe um sorriso triste e coçou o nariz. — Ele
tem uma certa reputação, eu suponho. Sindalton também está aqui,
claro. Normalmente, quando Beau está por perto, Sin não está muito
atrás... desde Eton é assim, eles são como irmãos.
O coração de Georgiana pareceu dar um pequeno salto no peito
e seu estômago se revirou.
— S-Sindalton? — gaguejou ela, olhando para ele com horror.
— Sim, isso mesmo, eu o vi mais cedo, ele... — Lorde Nibley
silenciou-se e olhou para ela, refletindo a expressão horrorizada em
seus olhos. — Oh, meu Deus. M-milady, eu não cheguei a
considerar. Eu i-imploro que me perdoe... nunca passou pela minha
cabeça.
Ela forçou um sorriso e balançou a cabeça, embora seu rosto
estivesse corado e bastante quente, e a atmosfera na sala se
tornasse opressiva com a ideia de que ela poderia ter que enfrentá-
lo a qualquer momento. — Por favor, não se preocupe com isso,
milorde. Foi... foi só um choque.
Lorde Nibley inclinou-se um pouco mais, com a voz baixa e
cheia de preocupação. — Você não sabia que ele estava aqui?
Ela balançou a cabeça, parecendo incapaz de formar as
palavras.
— Que t-tolice da minha parte — murmurou ela.
— De jeito nenhum — disse ele, de repente soando bastante
enérgico. — Devo admitir que acho que você é... você é magnífica.
Georgiana olhou para ele surpresa, e ele corou um pouco após
sua declaração bastante direta e empurrou os óculos mais para
cima do nariz. — Não consigo imaginar a coragem necessária para
enfrentar todas essas pessoas horríveis, lady Georgiana. Embora eu
considere você totalmente inocente e qualquer um que pense o
contrário não passa de um fofoqueiro bitolado — disse ele, com
fervor considerável.
— Eu não poderia ter me expressado melhor, querido Percy —
disse uma voz divertida, e lorde Nibley se virou quando Beau
chegou, sorrindo para Georgiana com uma expressão maliciosa em
seus olhos.
— Embora eu não ache que lady Georgiana tenha algo com que
se preocupar. Fiquei sabendo que ela é um grande sucesso. — Ele
adotou uma expressão pensativa, como se estivesse tentando se
lembrar dos comentários. — Ah, sim, lady Georgiana é
perfeitamente charmosa, espontânea, tem boas maneiras e
exatamente como ela deveria ser... oh, e terrivelmente, terrivelmente
linda. — Havia uma expressão intensa em seus olhos quando ele
terminou seu pequeno recital, e Georgiana foi forçada a desviar o
olhar dele pousando... diretamente na figura alta e marcante de um
homem que ela pensava ter conhecido muito bem.
Ela prendeu a respiração e encarou-o.
Ele estava de costas para ela, mas Georgiana sabia, sem
sombra de dúvida, que era ele. Ela teve a estranha sensação de
que o mundo havia congelado ao seu redor e seus pulmões
paralisaram. Ela apertou a garganta enquanto o pânico palpitava em
seu peito e, de repente, percebeu uma mão quente gentilmente
envolvendo seu pulso.
— O que foi, meu bem? — perguntou Beau, com a voz calma,
mas urgente. — Quem você viu?
— O h-homem que eu pensei que fosse você. E-ele está aqui —
gaguejou ela, sabendo que ele era uma das duas únicas pessoas no
mundo a quem ela poderia admitir isso.
Beau virou a cabeça rapidamente e examinou a multidão. —
Onde? — indagou ele. — Juro que vou matá-lo.
— Não. — Ela balançou a cabeça, incapaz de tirar os olhos
dele, embora sua visão começasse a ficar turva.
Beau seguiu o olhar dela e prendeu a respiração no momento
em que se virou e deixou seu perfil visível. — Aquele ali é ele? —
indagou ele, com tanta raiva em sua voz que ela prendeu a
respiração. — O sujeito alto de cabelo escuro, ao lado da dama de
roxo?
Ela assentiu, infeliz demais para negar. Vê-lo novamente trouxe
suas mentiras e traição imediatamente de volta à sua mente e ela
ficou dividida entre querer atravessar o salão e dar um tapa em seu
rosto ou fugir o mais rápido possível. No final, ela não fez nenhum
dos dois, paralisada demais para reagir.
— Vou matar o desgraçado — enfureceu-se Beau, olhando para
ele.
— Quem é ele? — perguntou ela, com a voz trêmula enquanto
olhava para os furiosos olhos azuis de Beau.
— Ele, milady — respondeu ele, com raiva brilhando em seus
olhos. —, é Sebastian Grenville, o duque de Sindalton.
Ela não teve tempo de reagir, de se dar ao luxo de assimilar
aquela horrível informação, porque naquele momento o duque se
virou e seus olhares se encontraram.
Por um instante, por trás de seu choque óbvio, ela pensou ter
visto algo em seus olhos – alívio e, até mesmo, felicidade. Em
seguida, percebeu que Beau estava ao lado dela e que os olhos de
todos no salão os observavam.
O momento se estendeu, estendeu-se tanto que era como se o
oxigênio tivesse sido sugado do salão. Oprimida, ela não soube o
que fazer, como reagir até que ouviu a voz de Beau.
— Olhe para mim. Agora! — Sua voz era baixa, mas tão forte
que ela não pôde fazer nada além de obedecê-lo e seus olhos se
fixaram nos dele. — Pegue meu braço — disse ele, segurando seu
olhar, com a voz calma agora, mas não tolerando nenhum
argumento. Assim que a mão dela pousou em seu braço, ele a
cobriu com a mão e a puxou na direção oposta. — Vamos dar um
pequeno passeio — disse ele, mantendo a voz suave. — E tudo
ficará bem. Agora, olhe para mim e ria.
Ela olhou para ele, piscando, muito confusa para entender o que
estava acontecendo. — Rir? — repetiu ela, imaginando se ele tinha
ficado louco.
Ele abaixou a cabeça um pouco para sussurrar em seu ouvido.
— Todo mundo está nos observando — disse ele. — Eles estão
observando sua reação. Não lhes dê a satisfação. Agora, ria.
Ele olhou para ela e piscou como se tivesse acabado de dizer
algo bastante chocante, e ela forçou uma risada que soou próximo
demais à histeria para seu gosto.
— Boa menina — respondeu ele, assentindo com aprovação. —
Nós vamos superar isso, não se preocupe — disse ele, dando um
tapinha na mão dela. — E, depois, tenho toda a intenção de matar
meu melhor amigo.
***
Sebastian forçou seus pés a se moverem, para afastá-lo da
cena que acabara de desenrolar-se. Não podia ser. Simplesmente,
não podia ser. Sua cabeça fervilhava, como se seu cérebro
estivesse cheio de cobras se contorcendo e ele simplesmente... não
conseguia... pensar! Ele forçou seu caminho através da multidão,
ignorando os suspiros de desaprovação, tentando bloquear os
cochichos maliciosos, enquanto as fofocas recaíam sobre o último
pedaço suculento que ele havia fornecido para seu entretenimento.
Ele estava determinado a ignorar a senhorita Dalton, virar as
costas para ela e mostrar à alta sociedade que o duque de Sindalton
não aprovava seu ingresso em seu seletivo grupo. Mas foi ela quem
o ignorou. Ela não era a mulher que ele esperava ver aqui. Ela não
era atrevida, esperta e vulgar demais para o bem de todos; não,
muito pelo contrário. Ela era sua doce Georgiana, a garota que ele
estava determinado a ir atrás correndo amanhã porque seu coração
estava partido sem ela. Exceto que não poderia ser porque se fosse
isso significaria que... De repente, os fatos e os sonhos que ele
construiu em torno da mulher pela qual se apaixonou colidiram e se
espalharam em sua cabeça. Ela não podia ser filha de lady Dalton.
A mulher era uma herdeira, e Georgiana era uma zé-ninguém, filha
de um médico sem nome e sem fortuna. A menos que...
Ele parou, apoiando-se com uma mão na parede ao lado dele
porque a dor era tão feroz que mal conseguia respirar. A menos que
ela soubesse quem ele era desde o começo. A menos que ela
tivesse planejado tudo aquilo como forma de se vingar dele e de sua
família. Talvez ela não tivesse a intenção, e a maneira como eles se
conheceram tinha sido improvável, afinal de contas, assim que ela
percebeu... Mas ele disse que era Beau. O pensamento lhe ocorreu
agora que Beau devia saber o que tinha feito e a náusea revirou seu
estômago. Meu Deus. E Beau estava determinado a casar com ela.
Não. Não. Não! O que é que ele tinha feito? O que ela tinha
feito? Cego de raiva, vergonha e desgosto, ele desceu os degraus
de pedra até o saguão de entrada e saiu para a noite.
***
Beau forçou-a a dançar com ele e com lorde Nibley, que era
terrivelmente gentil e galante, embora pisasse em seus pés e fosse
o dançarino mais terrível que ela já conhecera. Além dos dois, ela
tinha Seymour, que os procurou no momento em que percebeu o
que havia acontecido; ou seja, ela estava protegida dos pés à
cabeça. Eles falaram com ela com cuidado, movendo-a de um lugar
para outro e longe da tagarelice ansiosa que parecia segui-la como
uma praga de gafanhotos, chiando em seus ouvidos tão alto que ela
pensou que poderia enlouquecer. Mas durante esse tempo todo, sua
mente girava em torno da verdade impossível.
Ele era o duque de Sindalton. O filho do homem que atirou em
seu pai e arruinou sua mãe, levando-a à morte. Será que ele sabia?
Mas como ele poderia saber quem ela era quando ela própria não
sabia quem era? Não. Ela descartou a ideia. Era totalmente
inconcebível que ele a tivesse conhecido por acaso, adivinhado
quem ela era e decidido arruiná-la... não era?
Mas, então, ela se lembrou que ele não a havia arruinado,
embora pudesse ter feito isso. Ele poderia tê-la tomado porque ela
tinha estado completamente fascinada por ele para recusar qualquer
coisa. E, ainda assim, ele não a tomou. Ele não havia tirado dela o
que era insubstituível e tinha dito que era porque a amava. Mas por
quê? Por que ele fingiu ser Beau quando na verdade era um rico
duque?
Os pensamentos rodopiavam em sua cabeça até que,
finalmente, ela foi levada para a carruagem e conduzida através da
abençoada escuridão da noite. Ela permitiu que a escuridão da rua
a engolisse e a levasse de volta a um lugar onde pudesse ir cuidar
de seu coração ferido em particular, para tentar considerar que raios
ela poderia fazer para consertá-lo.
Capítulo 21
 
“No qual as velhas mentiras atrapalham o futuro.”

Sebastian acordou com um susto e agarrou sua cabeça –


estava latejando violentamente – e quando se obrigou a sentar-se, o
decantador vazio a seus pés disse por si só. Ele gemeu, tremendo
quando seu estômago revirou, com a acidez queimando em seu
peito e garganta. O fogo da lareira havia sido totalmente consumido
há muito tempo em seu escritório, e o cômodo estava gelado,
escuro e mais hostil do que nunca. Este tinha sido o espaço de seu
pai – seu santuário. O local onde Sebastian sempre se sentira mais
próximo dele. Ele olhou para o retrato do homem cuja imagem ainda
estava pendurada acima da lareira. Ele era um homem de aspecto
severo, com cabelos escuros e olhos ainda mais escuros, mas havia
humor à espreita por trás da expressão feroz, e bondade também.
Sua mãe havia dito para ele que lady Dalton lhes tinha tirado o
pai. Que ela o enfeitiçou e ele enlouqueceu. Ele tinha ficado louco o
suficiente para matar o marido da amante e fugir de sua legítima
esposa e filho. Essa traição tinha sido mais do que ele podia
suportar. Ele odiava lady Dalton com uma fúria ardente e gélida que
o teria consumido por inteiro se Beau não tivesse aparecido e
mostrado a ele que ainda valeria a pena viver a vida.
Quase como se ele o tivesse conjurado, a porta se abriu e ele foi
confrontado com o olhar azul furioso de Beau. Ele sabia, é claro,
que teria que enfrentar isso. Ele se levantou, um pouco instável,
mas ficou de pé, caminhando alguns passos através do cômodo,
esperando enquanto Beau avançava para cima dele. O golpe
atingiu-o em cheio na mandíbula e ele caiu para trás, esparramado
pelo chão do escritório com luzes explodindo atrás de seus olhos.
— Seu bastardo! — gritou Beau, o som furioso ressoando em
seu cérebro sensível. — Eu deveria muito bem matá-lo — disse ele,
furioso. — Maldito seja por estar bêbado!
Beau virou as costas para ele com repulsa, enquanto Sebastian
cambaleava, esfregando a mandíbula e testando os dentes um por
um para ver se todos ainda estavam intactos.
— Sinto muito — murmurou ele, desabando de volta na cadeira
com um gemido. Ele olhou para cima, observando enquanto Beau
fitava-o furiosamente. — Sinto muito, Beau.
— Por que exatamente sente muito? — indagou Beau,
encostado em sua mesa e cruzando os braços sobre o peito. —
Perdoe-me se eu quiser um pouco de clareza, mas parece que há
uma série de crimes que foram cometidos por você.
— Por tudo — disse ele com a voz rouca, enquanto sua
garganta se fechava. — Pelo amor de Deus, dê-me um copo d'água.
Beau fez uma careta para ele e estalou a língua, mas fez o que
lhe foi pedido, servindo a água do jarro da mesa em um copo e
colocando-o em sua mão.
— Obrigado.
— Eu deveria jogá-la na sua cara — murmurou Beau. — Você
sabe que quase a arruinou na noite passada. Como você pôde?
Sebastian virou o copo e tentou ignorar a maneira como seu
estômago se revirava em protesto. — Não foi essa a minha intenção
— disse ele, colocando o copo vazio de lado e segurando sua
cabeça. — Foi apenas... um tremendo choque... vê-la lá.
— Não foi um choque tão grande comparado ao que ela sentiu
quando me apresentei no outro dia, garanto-lhe — respondeu Beau
com uma expressão significativa.
— Oh, Deus — gemeu Sebastian. — Sinto muito, Beau.
— O que você estava dizendo?
Ele olhou para cima e franziu a testa, olhando para seu amigo.
— Ela... ela ficou realmente chocada? Ela não sabia de nada?
— Claro que ela não sabia! — explodiu Beau, fazendo-o
estremecer quando o som atravessou sua cabeça e atingiu seu
cérebro. — Como diabos ela deveria quando você é aparentemente
o marquês de Beaumont? Foi um pouco chocante para mim, sabe?
— Eu sei, eu sei... Não posso...
— Por quê? — questionou Beau. — Por que, em nome de Deus,
você faria tal coisa? Não é suficiente que seja um duque, que tenha
dinheiro suficiente para me comprar cem vezes sem que sequer
perceba? — Sebastian atreveu-se a olhar para o seu amigo de
longa data e desejou a Deus que não o tivesse feito, pois nunca viu
tanta dor nos seus olhos. — Droga, Sebastian, tudo o que tenho é
isso — gritou ele, gesticulando para aquele rosto perfeito. — E a
duvidosa honra de ser o marquês de Beaumont. Por que você iria
querer isso também?
— Eu apenas... — Ele fechou os olhos e suspirou, imaginando
como diabos poderia fazê-lo entender. — Era para ser apenas por
um ou dois dias. Era só porque... eu estava tão cansado de ser a
presa a ser caçada, de saber que essas malditas mulheres só me
queriam pelo meu título e pelo meu dinheiro. Eu só... — Ele fez uma
pausa e balançou a cabeça, passando uma mão trêmula pelos
cabelos. — Eu só queria um pouco de diversão e pensei que... se
ela acreditasse que eu era você, saberia que eu não queria nada
sério. Ela saberia que eu estava apenas brincando com ela e que
não havia dinheiro para receber de mim. Se ela quisesse estar
comigo, só poderia ser porque... ela queria estar comigo.
Ele olhou para cima novamente e encontrou os olhos de Beau,
dominados pela vergonha e humilhação. — Eu não queria que fosse
tão longe. Eu... eu nunca quis me apaixonar por ela.
Beau deu um bufo de repugnância. — Nisso, pelo menos, eu
acredito.
Eles ficaram em silêncio por algum tempo, até que Sebastian
ouviu o tilintar de um decantador e olhou para cima enquanto Beau
lhe oferecia uma pequena dose de conhaque. Ele fez uma careta e
recusou, mas o copo foi enfiado em sua mão.
— Cura ressaca — disse Beau, com a voz brusca. — Vai fazer
você se sentir melhor.
Ele virou a bebida de uma só vez e estremeceu. — Meu Deus.
— Você não tem ideia de como estou desfrutando do seu
sofrimento — disse Beau, com a voz sombria. — Mas o que você
pretende fazer agora?
Sebastian tragou a bebida, o gosto ácido na boca fazendo-o ter
ânsia de vômito. Ele olhou para Beau, precisando saber a resposta
para sua pergunta antes de poder responder a isso. — Ela... ela
realmente não sabia quem eu era?
Beau respondeu com um olhar incrédulo: — Claro que ela não
sabia, seu tolo! Você acredita que ela poderia fingir uma reação
como aquela? — Ele se levantou e seguiu até a cadeira, olhando
furiosamente para ele. — É melhor você ficar sóbrio rápido porque
eu quero bater em você de novo! — Girando o calcanhar, ele
marchou até a porta e agarrou a maçaneta. — E vou logo avisando,
Sin. Eu estava falando sério. Vou casar-me com ela, e não vou
deixar você nem qualquer outra pessoa se intrometer no meu
caminho.
Com isso, ele bateu a porta na cara de Sebastian, deixando-o
sozinho.
***
Elas ficaram em casa nos dias seguintes, uma pausa pela qual
Georgiana ficou muito aliviada, mas ela sabia que não poderia se
esconder para sempre. Assim, esta noite elas sairiam, iriam para um
grande baile, embora ela não pudesse encontrar o interesse ou a
vontade de descobrir de quem ou onde. Seria apenas mais um mar
de rostos críticos, todos julgando ou acreditando que sabiam o que
ela era, quer a vissem com simpatia ou não.
A ideia de que ela poderia ter de enfrentar o duque de Sindalton,
ainda por cima, não foi um pensamento que ajudou muito. Sebastian
Grenville. Sebastian. Ela tentou associar o novo nome a ele, mas de
alguma forma não parecia nada familiar e era estranho pensar nele
dessa forma.
Beau, no entanto... o marquês de Beaumont fazia jus ao seu
nome perfeitamente. Ela se lembrou de seus pensamentos quando
encontrou pela primeira vez Sebastian. Ele não tinha sido o que ela
esperava do notório libertino. Beau, no entanto, era exatamente o
que ela acreditava que fosse, assim como ela havia imaginado.
Embora, na verdade, sua imaginação não pudesse ter conjurado um
rosto e uma figura que incorporassem a beleza masculina em um
grau tão perfeito. Ele era incrivelmente bonito, charmoso,
espirituoso, indolente e muito mais gentil do que ela esperava.
Em um último esforço para animá-la e tirar de sua mente as
provações desta noite, Céleste sugeriu irem ao Hatchard’s. Ela
contara à condessa tudo sobre a fabulosa livraria, e a sua amiga
estava igualmente ansiosa para verificar o local. Dessa forma,
passaram uma manhã agradável entre os milhares de livros, e ela
realmente sentiu certa leveza de espírito. Até que chegaram em
casa, e ela viu o olhar sério no rosto de lorde Falmouth.
— Georgiana, posso ter uma palavra com você, por favor? —
perguntou ele, e, embora sorrisse para ela, seus olhos
permaneceram sérios.
— Claro — respondeu ela, enquanto seu estômago se revirava
de ansiedade.
Céleste estava se afastando para dar-lhes privacidade, mas ela
estendeu a mão e agarrou o braço de sua amiga. — Não, não há
nada que você não possa ouvir, e acho que posso precisar do apoio
— disse ela, rindo, embora não estivesse brincando totalmente.
Céleste respondeu com um sorriso e apertou sua mão, e elas
seguiram o conde para os limites masculinos de seu escritório.
Georgiana sempre gostou desse cômodo. Era escassamente
mobiliado em comparação com o resto da casa, e o painel de
madeira escura e as prateleiras sobre prateleiras de livros dava uma
sensação acolhedora. Especialmente, em um dia frio e úmido no
qual a primavera ainda não se fazia presente. O fogo crepitou em
um estalo alegre na lareira, e a sala cheirava sutilmente a conhaque
e charutos. O conde tomou o seu lugar atrás de uma enorme mesa
de carvalho e sentou-se para esperar, enquanto Céleste se
acomodava na cadeira ao seu lado.
— Recebi uma visita do seu tio esta manhã — disse sem
preâmbulo. O olhar de nojo em seus olhos deu-lhe a impressão
clara de que ele tinha ficado tão pouco impressionado com o barão
quanto ela.
— Oh — disse ela, com o coração afundando.
— Oh, de fato — respondeu lorde Falmouth, com uma careta. —
É o sujeito mais mal-educado e empanturrado de presunção que
tive a infelicidade de conhecer.
— Sinto muito — murmurou ela, corando com a ideia de que ele
teve que lidar com um de seus detestáveis parentes por causa dela.
Ele rejeitou seu pedido de desculpas. — Você não pode ser
responsabilizada pelo que seus parentes fazem, Georgiana. Pelo
menos, não na minha opinião — acrescentou ele, já que era de
conhecimento geral na alta sociedade que todos poderiam e seriam
responsabilizados. — Mas o homem tem a intenção de causar
problemas. Parece que você faltou um encontro com o seu primo, o
senhor Rufford?
Georgiana estremeceu e assentiu levemente. — Ele deveria me
pedir em casamento, e esperava-se que eu o aceitasse. Um homem
que eu nunca conheci na minha vida — acrescentou ela, com tanto
veneno que Céleste estendeu a mão e segurou a sua novamente,
apertando seus dedos.
— Ninguém, vai te obrrigar a casar com ele! — gritou Céleste.
— Eu juro. Nem com ninguém que você não queirra.
Georgiana engoliu em seco enquanto uma onda de emoção
parecia obstruir sua garganta. — Não é tão fácil assim, Céleste. Se
ele decidir me arruinar, sua reputação será manchada por
associação.
Ela olhou para cima e deparou-se com o olhar de lorde
Falmouth, sabendo o fardo que ela poderia se tornar para eles e o
quanto poderia prejudicar suas reputações. Eles seriam arruinados
por causa dela, mesmo se não pudessem mais ajudá-la. Mas ela
sabia que o conde seria honesto com ela. Ele era um homem
bondoso sob aquele exterior severo, mas nunca envernizava a
verdade.
— Precisa que eu saia desta casa, milorde?
Céleste deu um grito de protesto, e ficou mais aliviada do que
imaginava quando viu um choque real nos olhos de lorde Falmouth.
— Bom Deus, não! — respondeu ele, parecendo genuinamente
horrorizado com a ideia. — Como se fôssemos te botar para fora...
Esqueça isso.
Ela soltou um suspiro, fechando os olhos e cobrindo a boca com
a mão enquanto o alívio a inundava. Céleste agarrou sua mão, e um
momento depois ela abriu os olhos e viu Falmouth à sua frente,
pressionando um copo em sua mão livre.
— Conhaque — disse ele, com a voz suave. — Isso fará com
que você se sinta melhor.
Ela aceitou o copo, ciente da mão de Céleste ainda segurando a
dela. Era um conforto saber que não estava sozinha nisso. Ela ainda
tinha amigos, e, se o pior acontecesse, poderia voltar para sua tia e
seu tio e viver em paz. Uma solteirona. Esse pensamento nunca
tinha soado tão sombrio como neste momento.
— Georgiana. — Ela olhou para cima novamente quando o
conhaque começou a aquecer uma pequena poça de calor em seu
estômago. — Eu lidei com o barão por enquanto — disse Falmouth,
algo em seus olhos a fez acreditar que o barão poderia não ter
saído de casa no mesmo estado em que chegou. — Mas um
homem assim não será silenciado para sempre. Pode ser que...
sejam necessárias medidas mais severas.
Ela sentiu um calafrio escorrer pelas costas e, de repente,
perguntou-se o que o conde tinha que a fazia acreditar que ele
poderia ser um homem verdadeiramente perigoso.
— Eu preciso que me avise imediatamente se ele se aproximar
de você novamente, ou entrar em contato de outra forma, por carta
ou por meio de um terceiro. Eu não vou deixar que ele te machuque,
está ouvindo? — Sua voz era implacável e ela só conseguiu assentir
concordando.
— Eu... — começou ela, ouvindo sua voz ficar embargada. —
Eu não sei como eu posso lhe agradecer... por tudo.
— Bobagem — disse ele, agora brusco e claramente
desconfortável com a possível ameaça de lágrimas iminentes. — E
se esse bastardo do Sindalton te perturbar novamente, você só
precisa avisar. Eu vou matar o desgraçado!
— Alex! — exclamou Céleste, fazendo cara feia para ele.
— Sinto muito, Céleste. Mas depois do que ele fez com você...
— Ele fez uma pausa e olhou de relance para Georgiana e depois
desviou o olhar novamente. — O homem não é confiável,
certamente você já percebeu isso, certo?
Ele encarou sua esposa, e seu rosto geralmente severo agora
continha uma mistura de arrependimento e desafio enquanto
Georgiana sentia seu estômago se contrair. Depois do que ele tinha
feito com Céleste? O que mais ela não sabia?
— Se me derem licença. — Ela olhou para cima enquanto ele
assentia para ela e lançava à esposa um olhar de desculpas antes
de deixá-las sozinhos.
— Merde! — exclamou Céleste com um suspiro de
aborrecimento. — Típico de um homem, causar uma cena e me
deixar sozinha parra ter que explicá-la. Típico! — Ela voltou-se para
Georgiana e deu um sorriso torto. — Realmente não é tão ruim
quanto parrece, e... e acredito fielmente que ele estava tentando me
ajudar, sabe? Mas Alex ainda está com muita raiva.
Georgiana terminou o conhaque e colocou o copo
cuidadosamente sobre a grande mesa de carvalho.
— Então o homem que eu acreditava ser o marquês de
Beaumont é na verdade o duque de Sindalton. Ele mentiu para mim
sobre quem ele é, quase me seduziu e fez com que eu me
apaixonasse por ele antes de ir embora. E, então, ele quase me
arruína fazendo uma cena no Almack’s quando deve saber o quão
precária é a minha posição. Ele é o filho do homem que assassinou
meu pai e arruinou minha mãe — continuou ela com a voz subindo
constantemente enquanto a histeria ameaçava irromper, mas seu
coração se partia. — E agora... — disse ela, olhando para Céleste
com os olhos brilhando. — E agora... o que mais? — indagou ela. —
Por favor, apenas me diga e acabe com isso para que eu possa
apagá-lo da minha mente para sempre.
— Oh, ma puce — exclamou Céleste, e em uma confusão de
saias de seda, ela afundou no chão ao lado da cadeira de
Georgiana e a puxou para um abraço. — Eu não sei por que ele fez
as coisas que fez, Georgiana. Mas eu não acho que ele estivesse
tentando arruiná-la no Almack’s. Você não viu o choque em seus
olhos? Acho que ele ficou tão atordoado quanto você. — Ela
balançou a cabeça para ela e os cachos dourados dançaram em
torno de seu rosto. — Eu acrredito que seja um bom homem,
Georgiana. A verdade é que o duque ia pedir a minha mão em
casamento. Oh, não parreça tão chocada, e ele não me amava, eu
prrometo a você, nem eu tinha afeição por ele. O duque sabia que
eu estava apaixonada por Alex. Mas ele também acrreditava, como
eu naquela época, que Alex não se importava comigo, que só me
querria como sua amante, não como esposa. Eu acho que Sindalton
querria me mostrar o tipo de homem que Alex erra, então, ele pagou
parra que uma das velhas amantes de Alex viesse aqui tarde da
noite e fizesse uma cena.
Georgiana arfou, horrorizada com a ideia de que ele quase
destruiu um dos casamentos mais felizes que ela já vira na vida.
Céleste sorriu para ela e deu de ombros.
— Eu fugi por causa disso — admitiu. — O que eu vejo agorra
que foi uma tolice. Nunca se deve fugir de um prroblema. Você deve
enfrentá-lo. Se o tivesse feito, poderria ter poupado nós dois de
muita dor. — Ela segurou a mão de Georgiana em sua bochecha e
sorriu. — Alors, entendeu agora? É por isso que Alex odeia tanto o
duque. Mas eu realmente acrredito que ele estava tentando me
prroteger. Você devia falar com ele, Georgiana, descobrir a verdade
primeirro, oui, antes de tomar uma decisão com base em coisas em
que acrredita... sem ter certeza alguma.
Georgiana soltou uma risada estrangulada, totalmente perplexa
agora. Ela não sabia no que deveria acreditar.
— É preciso ter absoluta certeza — insistiu Céleste, com os
olhos azuis mais sérios que Georgiana já tinha visto. — As pessoas
fazem coisas tolas, crruéis e estúpidas às vezes, chérie. Mas isso
não as faz monstros, faz delas humanas. Se ele cometeu um erro...
se se importa com você... acho que você gostarria de saber a
verdade, oui?
Capítulo 22
 
“No qual nossos pretendentes tomam seus lugares.”

Sebastian examinou o salão de baile e sentiu seu coração


contrair-se quando seus olhos imediatamente se fixaram em uma
explosão de cabelo ruivo flamejante. Ela se destacava como um
farol, uma linda chama de esplendor em um mar de palidez insípida.
Na sua opinião, todas as outras mulheres no salão empalideciam ao
lado dela. Ninguém poderia se comparar à sua beleza, ela brilhava
como um sol, deslumbrando-o e ferindo seu coração, tudo de uma
só vez.
Ele havia prometido a si mesmo que se aproximaria dela. Ele se
manteria calmo e educado, e tentaria encontrar um momento em
que pudesse chamá-la para explicar... explicar o quê? Como, em
nome de Deus, ele poderia explicar o tipo de loucura que o havia
tomado naquele dia fatídico?
Isso porque não havia mais dúvida. Até mesmo os amigos de
seu pai, as poucas pessoas verdadeiramente honradas e confiáveis
que se mantiveram firmes em sua amizade com sua família,
concordavam. Ela era a cópia da mãe. Esse era o rosto da mulher
por quem seu pai se apaixonara – a mulher que ele amara tão
desesperada e apaixonadamente que assassinou o marido dela
quando descobriu o caso e deixou Sebastian e sua mãe para
enfrentar as consequências sozinhos. Pela primeira vez na sua vida,
Sebastian sentiu que tinha algum vislumbre de compreensão de
como o seu pai tinha se sentido. Isso porque se aquela mulher
tivesse sido como Georgiana, ele se sentia compelido a admitir que
devia estar sentindo a mesma loucura que acometera o pai. E aquilo
era absolutamente aterrorizante, a realização perturbante... de que
ele estava disposto a fazer quase tudo para ficar com ela.
Desde a morte de seu pai, desde que ele se tornou o duque de
Sindalton e o homem da família, ele precisava de controle total e
absoluto. Conhecia todos os pormenores da gestão do seu
patrimônio, nunca deixando nenhuma decisão ser tomada sem que
passasse primeiro por ele. Cada aspecto de sua vida tinha sido
estritamente gerenciada por ele com total disciplina. Até sua decisão
de que era hora de escolher uma esposa. Listas haviam sido feitas.
Prós e contras considerados. Até que ela entrou na vida dele... e
tudo começou a sair do controle.
— Boa noite, Vossa Graça — interrompeu uma voz insinuante
ao pé de seu ouvido. — Espero que esteja gostando do nosso
pequeno sarau.
“Pequeno sarau?” Sebastian bufou interiormente com diversão.
O salão de baile de lady Ashton estava completamente lotado, havia
tantas velas acesas que o brilho estava lhe dando dor de cabeça, e
nenhuma extravagância concebível havia sido negligenciada.
Pequeno sarau, de fato. Infelizmente, não foi a presunção que levou
Sebastian a acreditar que um grande esforço e uma quantidade
obscena de dinheiro haviam sido gastos na possibilidade remota de
que ele pudesse olhar para a filha dela na esperança de um
casamento.
— É um grande sucesso, pela aparência das coisas —
respondeu ele, tentando forçar seu rosto relutante a algo
semelhante a um sorriso. — Acho que metade de Londres deve
estar aqui esta noite.
— Oh, Vossa Graça! — disse a mulher detestável com a voz
estridente, batendo com o leque em seu braço de brincadeira. — Só
a melhor metade, certamente — acrescentou, enquanto sua filha
dava uma gargalhada ensurdecedora ao ouvir a piada de mau gosto
de sua mãe. Ela ficou em silêncio de repente e uma mão familiar
deslizou sobre o antebraço dele. — Certamente eu teria rejeitado...
aquela mulher se eu tivesse sido capaz, Vossa Graça — disse ela,
com a voz diminuindo para um sussurro íntimo. — Mas é tão
terrivelmente estranho. Ninguém se atreveria a insultar o conde, ele
é um homem tão aterrorizante! — disse ela, estremecendo
visivelmente. — Ele me causa extremo frio na espinha. Mas eu sei
que vai me perdoar — sussurrou ela, com a mão gorda acariciando
o contorno impecável de sua manga. — Afinal, uma presença
indesejável na multidão como essa é realmente inevitável, não é? E
estamos todos do seu lado, é claro.
Tarde demais, ela olhou para cima e empalideceu ao ver a fúria
incandescente que ele sabia que deveria estar ardendo em seus
olhos.
Mas Sebastian não cresceu sendo um duque sem saber
exatamente como esmagar alguém que tinha causado seu
desagrado sem fazer uma cena. — Se você me der licença, senhora
— respondeu ele, com cada palavra destilando frieza e desdém
enquanto ele virava as costas para ela com indiferença e se
afastava. Não sentiu a mesma satisfação que torcer o pescoço da
maldita mulher poderia ter lhe proporcionado, mas ele deu aos
boatos assunto suficiente, por enquanto, sem assassinar sua
anfitriã. Não importava o quão atraente a ideia parecesse ser.
Sem que ele tivesse conscientemente movido os pés em sua
direção, ele se viu atravessando o salão. Quanto mais ele se
aproximava dela, mais forte seu coração parecia bater, e a
impossibilidade de que ela fosse dele parecia crescer. Será que
algum dia ela poderia perdoá-lo? Mesmo que o fizesse, será que ela
o escolheria em vez de Beau ou qualquer outro pretendente de
aparência deslumbrante que estava reunido em torno dela como
planetas circulando um sol? E se por algum milagre ela o quisesse,
será que ele poderia realmente se casar com ela, sabendo que sua
mãe nunca o perdoaria? Será que ele conseguiria ser tão cruel com
ela depois de tudo o que havia sofrido com o escândalo que seu pai
havia forjado? Ela havia sido destruída naquele dia e mal havia
saído de casa desde então, aterrorizada demais para enfrentar o
mundo exterior e os variados rostos de pena ou desdém da alta
sociedade. Será que ele poderia realmente trazer a senhorita Dalton
para a casa que a sua mãe, lady Dalton, tinha causado tanta
destruição? Isso certamente a mataria.
Mas ele não conseguia ficar longe dela.
Ela estava vestida de branco, seus ombros pálidos revelados
através do corte do vestido, que era adornado com uma recatada
fileira de pérolas em sua garganta delgada e com formato de gotas
em suas orelhas. Em qualquer outra das moças aqui, poderia ter
parecido insípido, mas o contraste com o brilho de seus cabelos
tornava-a deslumbrante. Ele sentiu uma onda de desejo tão
avassaladora que teve que parar por um momento para se
recompor antes de se aproximar.
Ela estava conversando com Percy Nibley, e o pobre bastardo
estava evidentemente tão fascinado quanto qualquer outro homem
que parecia estar rodeando-a. Ele se aproximou, e, de repente, ela
tomou conhecimento dele. Sua cabeça se levantou, o sorriso
desapareceu de seus lábios e seus ombros ficaram tensos. O pesar
tomou conta dele diante da ideia de que sua presença arrancava o
sorriso de seu rosto e a colocava na defensiva. Fazia pouco tempo
que ela se deitou em seus braços, riu e sussurrou segredos para
ele. Por que ele não tinha percebido o quão precioso isso tinha sido
antes que fosse tarde demais? Lorde Nibley deu um passo para
frente, protegendo-a dele, como se ele fosse algum tipo de inimigo
dela.
— Vossa Graça. — Nibley se curvou, mas havia um desafio em
seus olhos que Sebastian nunca tinha visto antes. Percy tinha sido
muito caçoado em Eton. Muito alto e desajeitado, estudioso e
péssimo nos esportes, ele nunca foi capaz de enfrentar ninguém e
tinha sido um alvo desde o primeiro dia. Na maior parte do tempo,
Sebastian estava envolto demais em seus próprios problemas para
notar, mas ele tinha visto Beau intervir e protegê-lo de vez em
quando e, portanto, Sebastian seguia o exemplo sem realmente
questioná-lo. Uma vez que todos souberam que ele estava sob sua
proteção, pararam de tirar sarro dele. Mas agora, aqui estava ele,
desafiando Sebastian, como se ele fosse o valentão e Georgiana
precisasse de defesa!
— Percy — respondeu ele, fazendo o possível para evitar
manter a sua voz e gestos ameaçadores, o que não foi fácil, pois ele
queria pegar o tolo e golpeá-lo. — Lady Georgiana — disse ele,
olhando para além de seu protetor espichado. — É um prazer vê-la
aqui.
Ela olhou de volta para ele, mas ele não podia ler nada naqueles
olhos amarelo-amarronzados, exceto suspeita. Ela o fazia lembrar
de uma raposa tomando cuidado com os cães de caça. Ele teve
uma imagem repentina e vívida de si mesmo com a pelagem
vermelha, indo destrui-la. Era isso que ela pensava dele? Era isso
que ela acreditava que ele queria? Quanto mais tempo ela ficava em
silêncio, mais ele acreditava que era.
— Espero que você me perdoe pelo meu comportamento na
outra noite — disse ele, esperando que ela pudesse ouvir a
sinceridade em sua voz. — Eu... fiquei extremamente surpreso e
isso fez com que esquecesse minhas maneiras. Garanto que não
quis desrespeitá-la.
Ela ainda não disse nada, mas será que aquilo tinha sido uma
ligeira inclinação da cabeça, um reconhecimento das suas palavras?
Ele não tinha certeza. Ele sabia que todos ao seu redor haviam
ficado em silêncio, que os olhares de todo o salão de baile estavam
queimando sua nuca.
Ele baixou a voz o máximo possível e deu mais um passo, e seu
coração afundou quando ela recuou. — Você... — começou ele, de
repente sentindo-se nervoso como um menino imaturo, buscando a
mão de uma mulher muito além de seu alcance. —, você me daria a
honra de uma dança?
Ela engoliu em seco e seus olhos se desviaram dele, como se
procurasse uma fuga. — A próxima dança já está tomada, Vossa
Graça — disse ela, com um tom tão frio que parte dele queria fugir
de vergonha.
Ele respirou, determinado a não ser contrariado. — Então me
coloque em outra — respondeu ele, sorrindo para ela e desejando
que ela lhe desse a chance.
Sua expressão não mudou, um olhar atento que parecia pesar a
soma das partes e vendo sua vontade em todos os aspectos. —
Isso pode ser um pouco estranho — respondeu ela.
— É mesmo? — Ele ouviu a decepção naquele som simples tão
claramente como se um sino tivesse tocado, mas ele suspeitava que
ela ainda não tivesse terminado. — Como assim?
Ela levantou uma sobrancelha elegante para ele. — Além disso,
como saberia que nome escrever? — perguntou ela, com o golpe
direcionado encontrando seu alvo com uma precisão mortal.
Pela primeira vez desde que era pequeno, sentiu um rubor de
vergonha colorir suas bochechas. Antes que ele pudesse exigir que
ela lhe permitisse explicar, ele ficou sem fôlego ao ver um sorriso
curvado sobre aquela linda boca e o prazer iluminar seus olhos. Mas
não era direcionado a ele.
— Lorde Beaumont — respondeu ela, estendendo a mão para
Beau enquanto o diabo bajulador a erguia até os lábios. Ele beijou
seus dedos, segurando seu olhar.
— Olá, Eva — respondeu ele, piscando para ela. — Ainda
acenando com aquela maçã debaixo do meu nariz, pelo que vejo.
Sua risada pareceu envolver o coração de Sebastian e apertá-lo
com força. Embora parecesse ser uma piada interna, o significado
era óbvio e a intimidade lhe roubou o fôlego. Ele olhou com cara feia
para Beau, querendo nada mais do que acertar o punho naquele
maldito rosto perfeito.
— Minha dança, acredito — disse Beau, dando uma olhada
superficial em Sebastian enquanto ajeitava a mão dela na dobra de
seu braço. — Sindalton — respondeu ele, acenando com a cabeça
enquanto passavam, o vislumbre de um sorriso em seus lábios. O
bastardo presunçoso.
Ele assistiu à cena com ciúme furioso correndo através de seu
corpo, com seus músculos tensos com o desejo de atravessar o
salão e separá-los quando viu Beau tomá-la em seus braços. Pior
do que tudo foi a imagem que formavam juntos. A natureza
deslumbrante de Beau, o estilo descuidado de seu cabelo dourado
que lhe dava a aparência de um anjo caído, em contraste com o
vermelho ardente de Georgiana e aquele vestido branco. Eles
pareciam divindades antigas que vieram se divertir por um tempo no
mundo humano antes de retornarem às suas vidas perfeitas.
Ele não podia deixar Beau tê-la. Ele não deixaria. Tinha que
recuperá-la.
***
— Você lhe deu um grande golpe, doce Eva — disse Beau a ela,
com diversão brilhando em seus lindos olhos azuis. — Vou ter que
proteger o meu coração, pelo visto. Se eu me atrever a alcançar
essa maçã, serei colocado em meu devido lugar.
Georgiana não sabia o que responder. Seu coração e mente
estavam uma confusão. Vê-lo ali, Sebastian, pedindo-lhe perdão,
tinha sido tudo o que ela mais queria, mas rapidamente percebeu
que não era suficiente. Ela confiara tanto nele, com todo o seu
coração, e ele traíra sua confiança, mentindo desde o início.
Como ela poderia acreditar em qualquer coisa que ele dissesse
agora, mesmo querendo muito? Mas ela pensou ter visto um
arrependimento real em seus olhos. Um desejo sincero de fazer as
pazes, de explicar. Céleste acreditava que deveria dar-lhe uma
chance depois de tudo, além disso... ela queria ouvir uma
explicação. Fora que se ele realmente a amasse, não a veria cair
nos braços de Beau e ir embora. Não se ele a amasse.
E ela tinha que admitir, os braços de Beau eram muito fortes.
Ela olhou para cima e admirou o belo perfil do homem que a
segurava. Ela se apaixonou por Sebastian, mas não havia como
negar que este homem fazia sua pulsação acelerar quando ele se
aproximava.
Ele era encantador e engraçado, a fazia rir, fora que o tempo
parecia voar em sua companhia, e a expressão em seus olhos,
aquele desejo evidente... era algo inebriante. Ele sentiu os olhos
dela sobre ele e voltou-se para ela, os olhos dele foram
escurecendo e suas mãos foram puxando-a um pouco mais perto.
Ele abaixou a cabeça, seu hálito quente tremulando sobre sua
pele e fazendo-a tremer. — Eu faria qualquer coisa para ficar a sós
com você.
Ela ficou sem fôlego e engoliu em seco, mas encarou-o de volta,
recusando-se a parecer uma garotinha perturbada. — Sinto muito,
milorde, mas isso é algo que eu não posso permitir que faça.
— Malditas sejam essas pessoas — xingou ele, embora sua voz
permanecesse suave. Seus olhos estavam atentos sobre ela. — Da
próxima vez, pretendo reivindicar todas as danças no seu maldito
cartão.
Ela riu e balançou a cabeça, divertindo-se com a veemência de
suas palavras. — Como é que é, milorde? Tem medo de ver o meu
saldo bancário escapar das suas mãos?
Por um momento, a raiva iluminou seus olhos e ele desviou o
olhar dela, mas quando fitou-a novamente, ela pensou que ele
parecia ferido. — Eu nunca minto, lady Georgiana. De todos os
meus defeitos, e garanto que tenho muitos, esse nunca foi um
deles. — Ela sentiu a tensão em seus braços e soube que estava
falando a verdade. Ele era alguém que sempre lhe dizia a verdade,
e ela entendia agora que isso era algo de grande valor. — Eu nunca
teria me permitido passar tanto tempo com você se não fosse uma
herdeira. Não tenho o objetivo de arruinar inocentes, e quando
casar-me, sim, será com uma mulher com dinheiro. Mas se pensa
que essa é a única coisa que me faz voltar para você, está muito
enganada.
Ela corou e desviou o olhar dele, envergonhada. Ele não
merecia esse tipo de comentário. Ele não tinha sido nada além de
gentil e honesto.
— Perdoe-me — murmurou ela.
A dança chegou ao fim, mas ele não a soltou por um momento.
Ela se atreveu a olhar de volta para ele e encontrou um sorriso
enigmático repuxando seus lábios.
— É só fazer um sinal, Eva — sussurrou ele. —, que eu virei
correndo.
Capítulo 23
 
“No qual um libertino revela ter um coração.”

Tem-se notado que o queridinho da alta sociedade M de B,


aquele belo diabo, tem prestado extraordinária atenção à
deslumbrante nova Sereia que está entre nós. Será que o nosso
solteiro mais encantador tem finalmente em mente o casamento?
Extraordinariamente, o D de S também se rendeu, mas suas
atenções não são recebidas com qualquer tipo de prazer visível. A
Sereia continua a atrair todos os homens mais elegíveis, mas quem
será seduzido dessa vez?
 
Os dez dias seguintes se passaram em um borrão. Danças e
festas e compras e piqueniques, e mais compras e mais danças.
Georgiana sentia-se tonta, como se o mundo estivesse girando
rápido demais e ela não pudesse manter o controle sobre a
realidade. Era como se estivesse em um sonho estranho em que
tudo era um pouco brilhante demais, um pouco colorido demais e
perfeito demais para ser real. Mas ela deixou que as cores, a
atenção e os elogios fossem oferecidos a ela, e observou o mundo
brilhante ao seu redor sem nunca se sentir verdadeiramente parte
dele.
O duque estava sempre lá, observando-a com aqueles olhos
sombrios. Ele era como uma tempestade formando-se no horizonte.
Todos sabiam que, mais cedo ou mais tarde, ele iria estourar, e o
raio provavelmente a queimaria até os ossos. Georgiana sentia que
seria ela a destinatária. Era difícil continuar a afastá-lo, continuar a
rejeitar seus avanços quando ela ainda podia ver o calor nos seus
olhos. Mas ela não seria o brinquedo dele desta vez. Ela não era um
brinquedo que ele poderia pegar de novo, simplesmente porque
outro garoto decidiu que a queria. Se Sebastian a quisesse, teria
que declarar seu interesse como Beau havia feito. Ele tinha que
deixar claro para o mundo que estava cortejando-a. Ele precisava
oferecer muito mais do que apenas um caso que pudesse arruiná-la
e destruir todos os seus sonhos. Ela ainda o queria, ainda o
amava... mas será que ele a amava o suficiente para deixar de lado
o passado escandaloso? Será que ele não a amava nem um pouco?
— Essa é lady Chartley — sussurrou Beau para ela, enquanto
eles davam uma volta no salão. — Ela está dormindo com Derby há
quase uma década, passa mais tempo lá do que em sua própria
casa.
Georgiana olhou para a morena elegante com uma sobrancelha
levantada. Ela não parecia estar na casa dos quarenta e ainda era
muito bela. — Mas lorde Derby é um velho bode gordo — sibilou
para ele, com repugnância. — Se ela queria tanto ter um amante,
poderia ter arranjado alguém muito melhor.
Beau sorriu maliciosamente e levantou uma sobrancelha. — Ah,
mas eu nunca disse que era lorde Derby, disse?
Georgiana sentiu sua boca fazer um “o” de surpresa, enquanto
Beau ria.
— Adoro abrir seus olhos, querida Eva. É um prazer educá-la.
Ela lançou-lhe um olhar torto. — Eu não estou chocada —
retrucou ela, embora soubesse que ele adorava fazê-la corar. Ele
parecia considerar isso uma espécie de esporte encantador. Ele era
muito bom nisso também. — Estou apenas surpresa, isso é tudo, é
só que eu... nunca tinha considerado... — Ela se afastou, irritada por
estar corando agora. — Quero dizer, eu sei que os homens às vezes
gostam de outros homens, então suponho que faça sentido —
respondeu ela, encolhendo os ombros, enquanto Beau começava a
gargalhar ao lado dela.
— Eu amo quando você tenta soar como se fosse muito
sofisticada e experiente em nosso mundo sombrio, doce e pequena
Eva.
Ela bufou e fez cara feia para ele. — Bem, não é como se eu
tivesse a chance de descobrir algo sobre isso sozinha, não é
mesmo? Tudo o que aprendo, aprendo com você. Eu nunca pensei
que você fosse tão desagradavelmente indiscreto.
Ele colocou a mão em seu coração com um gemido. — Oh, isso
doeu. Depois dos esforços que fiz para te manter entretida.
Indiscreto! É essa a única coisa que consegue dizer de mim depois
de todos os elogios extravagantes que lhe dei? Aqui estou eu,
atirado aos seus pés como sempre, seu cachorrinho obediente, e
você nem mesmo se presta a jogar um osso.
Agora, era a sua vez de rir de sua expressão ferida, ignorando
os olhares de desaprovação de algumas das pessoas que
passavam. — Oh, você é uma criatura odiosa e mimada. Sem
dúvida alguma.
— Oh, Eva — respondeu ele, soando tão abatido e lançando um
olhar pidão igual a um cachorrinho, fazendo-a realmente sentir pena
dele.
— Beau, você é um paquerador terrível e eu conheço bem o seu
jogo agora, mas você sabe que eu te adoro, então, pare de tentar
me fazer mimá-lo ainda mais. Homem terrível — acrescentou ela,
muxoxando enquanto seus olhos se iluminavam de apreço. Ela não
pôde deixar de retribuir seu sorriso, mas, então, ficou sem ar
quando ele parou e seus olhos ficaram sombrios.
Ele cobriu a mão dela com a dele e se inclinou em direção a ela.
— Case comigo e eu te ensinarei tudo o que você quiser saber, Eva.
Ela engoliu em seco, pouco à vontade diante da expressão em
seus olhos. Meu Deus, ela não podia negar que a ideia de dormir
com ele fazia sua pele pegar fogo. Ela tinha ouvido outras mulheres
cochicharem sobre ele, sobre sua destreza e habilidade na cama.
De alguma forma, ela não duvidava nem um pouco disso. Mas
mesmo que ele pudesse fazer seu corpo responder, seu coração já
estava comprometido, e ela não era tão volúvel a ponto de poder ser
tomada por outro homem com tamanha facilidade.
Ele estendeu a mão, e a parte de trás de um dedo tocou sua
bochecha por um momento.
— Eu vou fazer você esquecer dele, querida, eu prometo que
posso fazer isso.
Ela sorriu e balançou a cabeça. — E uma vez que você tenha
me ensinado tudo o que sabe, ficaria entediado e me largaria.
Voltaria a perseguir seus belos rabos de saia e a passar as noites
com suas amantes em vez de sua esposa sem graça.
Seu rosto ficou anuviado e ele franziu aqueles lindos olhos
azuis. — Quem disse que eu ficaria entediado? Não consigo pensar
mais nisso agora.
Georgiana não pôde deixar de rir, ele parecia um menino
repreendido após ter uma guloseima negada. — Isso porque
finalmente há algo que não pode ter, e quanto mais você não pode
ter, mais quer.
— Eu quero — retrucou ele, com a voz furiosa e tamanho ardor
em sua voz que ela ficou sem fôlego. — Eu quero você — disse ele,
e ela pôde ver a verdade em seus olhos. — Eu farei o que você
quiser, Eva. Basta você pedir. Faça com que eu tenha que lutar por
sua mão, se quiser, mas não me rejeite.
— Pare, Beau, por favor — implorou ela. — Aqui não.
Ele suspirou e balançou a cabeça, permitindo que eles
seguissem em frente mais uma vez. — Muito bem, meu doce
tormento. Puna-me se for preciso. Mas não vou ceder.
— Espero que não — respondeu ela, com um sorriso malicioso
que o fez rir.
— Megera.
Eles caminharam um pouco mais até se depararem com uma
multidão de pessoas reunidas exclamando. Havia alguma coisa,
não... alguém no chão.
— Oh, pobre mulher! — exclamou Georgiana. Isso porque
havia, de fato, uma pobre criatura no meio de algum tipo de ataque,
seus membros finos se sacudiam e se contorciam, enquanto as
pessoas observavam e exclamavam com horror.
— Saiam do caminho! — Sem nenhuma surpresa, ela viu Beau
dispersar a multidão com fúria brilhando em seus olhos azuis. —
Afastem-se dela, seus demônios! — Ele se abaixou e pegou a
mulher em seus braços como se ela não pesasse nada, e
Georgiana correu à sua frente, abrindo a porta, enquanto ele
caminhava, procurando um lugar tranquilo onde deitá-la.
— Aqui! — disse Georgiana para ele, abrindo uma porta da
biblioteca escura, iluminada apenas por uma lamparina a óleo.
O corpo da mulher estava rígido de tensão, seu braço direito se
contraía ferozmente, mas Beau a colocou cuidadosamente em um
sofá e se ajoelhou ao lado dela. Georgiana observou, espantada
quando ele desfez os botões no pescoço alto de seu vestido e, em
seguida, ele a segurou firme, para impedi-la de cair do sofá e,
restringiu, suavemente o movimento errático de seu braço. Ele falou
com ela com uma voz clara e calma, e começou a acariciar seus
cabelos com a mão; logo depois, os tremores começaram a
desaparecer.
Ele soltou um suspiro de alívio e ela notou com curiosidade o
quão pálido e exausto seu rosto estava. Ele esperou até que ela
estivesse quieta, sua respiração rápida e superficial, mas constante.
— Ela vai ficar bem agora — disse ele, soando um pouco abalado
quando se levantou. — Mas talvez você devesse afrouxar o
espartilho dela para que fique mais confortável.
— Sim, acho que meu tio diria para fazer isso mesmo — admitiu
ela, olhando para ele maravilhada. — Como... — começou ela, mas
Beau se virou de costas, enquanto ela tentava deixar a mulher mais
confortável.
— Alguém que conheci quando era criança — disse ele, com a
voz baixa. —, tinha convulsões semelhantes.
Ficou claro que ele não queria falar sobre isso, então ela voltou
sua atenção para a mulher. Ela era desesperadamente magra,
quase esquelética, e até Georgiana encontrou poucos problemas
em mover a coitada como uma boneca de pano molenga. Seu
vestido era gasto e muito desbotado, e Georgiana sentiu uma onda
de pena, percebendo o quão sortuda ela era.
— O que será que causou isso? — perguntou ela, baixinho. —
Lembro-me de um dos pacientes de meu tio ter algo do tipo.
— Estresse ou alguma perturbação costumava desencadear
os... os ataques do meu amigo — disse ele, antes de acrescentar:
— Talvez eu devesse buscar um pouco de água?
— Sim — respondeu ela, sorrindo para ele, encantada com sua
intervenção. Poucos homens, como pôde perceber, teriam intervindo
dessa forma. A loucura era uma coisa aterrorizante, e qualquer sinal
de algo parecido a ela deveria ser evitado e repreendido. Embora
seu tio estivesse convencido de que ataques e loucura não eram a
mesma coisa e muito menos contagiosos, de qualquer forma, nem
todos compartilhavam de sua opinião. — Você a conhece? —
indagou ela, perguntando-se se essa era a razão pela qual ele agira
tão rapidamente.
— Não, mas já a vi por aí antes. Conheço a reputação do
homem que a acompanhava, o maior bastardo que você vai
conhecer.
— Oh — respondeu ela, olhando para a figura adormecida com
pesar. — Talvez não devêssemos informá-lo, então.
— Não. — Ele balançou a cabeça. — Vamos ficar com ela até
que acorde e depois encontrar uma maneira de levá-la para casa.
Ela sorriu para ele, de repente percebendo que o havia
subestimado. Ela o julgara quando se enfurecera com aqueles os
quais já a tinham julgado.
— O que foi? — perguntou ele, obviamente perplexo com a
expressão em seus olhos.
— Eu estava apenas pensando em... como você é muito gentil.
Ele realmente parecia envergonhado por um momento antes de
dar um bufo de zombaria. — Não sou gentil — respondeu ele,
soando quase rude. — Eu simplesmente odeio ver esses corvos
carnívoros pegando os ossos de pessoas que não podem se
defender. Isso me enoja. — Ele caminhou até a porta e murmurou
sua intenção de ir pegar água para ela.
Quando ele voltou, a mulher estava começando a se mexer. Ela
tinha um rosto sem atrativos, magro e anguloso, e seu cabelo
escuro era repuxado para trás severamente em um estilo nada
atrativo. Ela usava um pequeno óculos em seu nariz, e Georgiana
observou como Beau o removia e a ajudava a sentar-se, utilizando
um braço forte para apoiar suas costas.
— Muito bem — disse ele, com a voz suave. — Beba um pouco
de água. Isso fará com que você se sinta melhor.
A mulher fez o que lhe foi pedido, embora estivesse claramente
desorientada e tenha demorado um momento até que seus olhos se
abrissem adequadamente e pudesse se concentrar.
Ela piscou, e Georgiana ficou assustada com o par de olhos
castanho-escuros mais largos que já tinha visto. Eles eram grandes
demais em seu rosto magro, e ficavam ainda maiores à medida que
se concentravam em Beau.
— Lorde Beaumont! — disse ela, ofegante, com o rosto cheio de
espanto e constrangimento horrorizado.
— Não fique tão horrorizada. Lady Georgiana está aqui. Está
tudo bem. Receio que tenha sofrido de um mal-estar. Existe alguma
coisa que possamos fazer por você, senhorita...
— Sparrow — disse ela, com a voz quase inaudível. — Millicent
Sparrow.
Georgiana pensou que nunca tinha ouvido um nome mais
apropriado para um pedacinho de mulher como ela, realmente
parecia com um pardal. A pobre coitada balançou a cabeça e olhou
para Beau como se ele fosse um anjo enviado para salvá-la. —
Você já foi tão gentil. Nunca poderei lhe agradecer o suficiente.
— Não se preocupe com isso — respondeu ele, com seu sorriso
caloroso e reconfortante. — Senhorita Dalton, você faria a gentileza
de levar a senhorita Sparrow em segurança para casa esta noite?
— Sim! — respondeu Georgiana, sorrindo. — Claro que sim.
— Como você é gentil — murmurou a senhorita Sparrow, ainda
olhando para Beau, e Georgiana descobriu que não podia culpá-la
por isso.
— Sim — respondeu Georgiana, olhando para Beau com novos
olhos. — Sim, ele é, não é mesmo?
Capítulo 24
 
“No qual o ar quente causa confusão por toda parte.”

— Eu não sei como você conseguiu me convencer a fazer isso


— observou Beau, enquanto eles passavam por famílias espalhadas
pelo gramado no Hyde Park e iam em direção à pista circular. O
grande círculo de árvores cercava um grande espaço onde a alta
sociedade ia para ver e ser vista, para passear e, às vezes, andar
ou exibir um novo curricle ou uma tilbury, que estava se tornando a
última moda, e assistir aos cavalos trotando com as patas
levantadas. Hoje, no entanto, uma multidão se reunia para o
espetáculo de uma ascensão de um balão. No entanto, o monte de
tecido sedoso azul e dourado ondulava, desconsoladamente, na
brisa quente da primavera e não dava sinais imediatos de subir aos
céus.
Georgiana olhou para Beau com diversão. — Convencer você?
Seu desgraçado! Você praticamente implorou para me escoltar.
Ele encolheu os ombros e apertou os lábios. — Talvez —
admitiu. — Mas é bastante indelicado da sua parte lembrar-se desse
fato. — Ele suspirou e olhou para suas botas empoeiradas com uma
expressão de profundo sofrimento. — Meu valete não vai falar
comigo por semanas, está bem?
— Que mortificante — disse ela, abaixando e balançando a
cabeça tristemente, enquanto ele estreitava os olhos para ela.
— Você pode zombar, doce Eva. Mas será inteiramente culpa
sua se ele me enviar com a gravata torta e o casaco da última
temporada, lembre-se disso. — Ele olhou-a com uma expressão de
dor diante da diversão no olhar dela. — Minha reputação pode
nunca mais se recuperar — queixou-se ele, balançando tristemente
a cabeça.
— Que chocante — murmurou ela, tentando não rir e
fracassando. Ele deu um largo sorriso para ela, satisfeito como
sempre por tê-la feito rir. — Ah, vamos lá — respondeu ela, com
pena dele. — Vamos para a Casa do Bolo tomar um sorvete. Está
realmente muito quente e empoeirado, não acha?
Concordando com evidente prazer, ele a acompanhou até uma
pequena e encantadora casa pintada de branco com uma infinidade
de vigas, belas janelas treliçadas e um telhado com gabletes. Era
uma imagem idílica e um cenário surpreendentemente arcadiano no
coração da capital; flores silvestres e arbustos de oleandro cresciam
em profusão e um pequeno riacho corria bem em frente à porta de
entrada. Uma tábua instável formando uma ponte rústica tinha que
ser atravessada para entrar no edifício. Beau foi na frente e
estendeu a mão para ajudar Georgiana a atravessar.
Sorrindo maliciosamente para ele, Georgiana recusou sua mão
e imediatamente se arrependeu quando a tábua se inclinou um
pouco para a esquerda e seu calcanhar escorregou na madeira
seca. Com um gritinho, ela se endireitou e tombou para a frente,
sendo puxada contra Beau antes que seu equilíbrio a abandonasse
pela segunda vez. Ela suspirou e olhou para cima, muito consciente
do corpo masculino e duro pressionado contra o dela. Por um
momento, seu aperto sobre ela tornou-se mais forte, e ela pôde
sentir o calor dele através do fino tafetá de seu vestido. Olhando
para cima, ela encontrou seus olhos azuis cheios de desejo e sabia,
sem sombra de dúvida, que ele estava desesperado para beijá-la.
Ela se perguntou como seria ser beijada por ele. Ele poderia
realmente fazê-la esquecer Sebastian?
Ele soltou seu aperto sobre ela antes que alguém pudesse ver,
mas havia relutância em seus olhos.
— Cuidado, Eva — sussurrou ele em seu ouvido. — Eu tenho
uma quantidade limitada de autocontrole, minha doce sedutora.
Ela bufou para ele e levantou uma sobrancelha. — Bem, não é
como se eu tivesse perdido o equilíbrio de propósito, não é mesmo?
— murmurou ela, alisando os vincos de seu vestido de passeio azul-
claro.
Ele estendeu a mão, com a intenção de remover um pedaço
imaginário de fiapo de seu spencer de veludo azul-escuro, mas em
vez disso enrolou o cacho vermelho que ele achava tão tentador em
torno de seu dedo e deu um pequeno puxão. Ela olhou para cima,
assustada com sua ousadia. Embora ele falasse com muita
liberdade com ela, nunca ultrapassava os limites do decoro. Na
verdade, ele parecia estar se comportando muito bem nesse
sentido, tão consciente quanto ela dos olhares sobre eles. Havia um
olhar intenso em seus olhos agora, à medida que ele puxava o
pequeno cacho novamente e o levava até os lábios.
— Eu não serei rejeitado, Eva — disse ele. — Você não pode
me manter na coleira para sempre com aquela tentadora maçã
vermelha tão perto da minha boca. Não sou o cãozinho mimado que
gostaria que eu fosse, não importa como me trate.
— Não o trato assim — respondeu ela, com as bochechas
ruborizando de indignação.
Ele bufou, e ela não conseguiu ler a expressão em seu rosto,
mas perguntou-se se o estaria machucando de alguma forma. —
Você acha que eu não vejo como olha para ele? Esperando para ver
o quão ciumento ele fica quando nos vê juntos?
— Eu... — Ela parou antes de começar a negar sua acusação,
muito consciente da autenticidade de tudo isso. Será que ela
realmente estava apenas usando-o todo esse tempo? Ela encarou-o
de volta, abalada e incapaz de formular uma resposta. Isso porque
ela se importava com ele, muito mesmo, e teria sido terrivelmente
fácil de se apaixonar por ele... se o coração dela já não pertencesse
a outro.
— Sinto muito, Beau, eu...
Ele largou o cacho e acenou com a mão parecendo irritado. —
Não se atreva a sentir pena de mim — vociferou ele, e ela ficou um
pouco espantada com a raiva em seus olhos. — Eu vou avisando
logo, minha linda Sereia, não vou mais jogar limpo. Está me
ouvindo?
Ela assentiu, inquieta com a expressão em seus olhos.
— Não — murmurou ele. — Acho que não entendeu. Mas você
entenderá. — Ele ofereceu-lhe o braço e eles entraram na pequena
loja. — Vamos — disse ele, sorrindo para ela novamente, com o
momento de raiva tendo, aparentemente, passado. — Vamos nos
refrescar com um sorvete, e então vamos andar em um dos barcos.
O que acha?
— Ótima ideia — respondeu ela, sorrindo de volta para ele,
aliviada por ele parecer ter superado qualquer ataque de ciúme que
o tivesse atingido.
No momento em que encontraram o caminho até à beira do lago
Serpentine e voltaram a reunir-se com Céleste e o grupo de amigos
– o sol da tarde já estava bastante quente. A condessa acenou para
eles, e foram encontrá-la.
— Querrem alguma coisa parra comer? Tem tanta comida! —
reclamou ela, com uma careta. — Estou tão cheia que acho que vou
explodir, e ninguém mais comeu nada!
Georgiana balançou a cabeça, totalmente consumida pela visão
da figura alta e sombria caminhando em direção a ela. Para sua
eterna gratidão, Céleste pegou o braço de Beau, insistindo que ele
deveria ajudá-la a fazer justiça à festa extravagante que havia sido
fornecida. Beau deve ter percebido que estava sendo manipulado,
mas era educado demais para protestar. Ele saiu como ordenado,
sentando-se ao lado de Céleste e suas amigas que o receberam
com sorrisos radiantes e piscavam os cílios.
Georgiana virou as costas para a figura que avançava e foi ficar
à beira do rio, onde o ar estava um pouco mais frio. Havia vários
pequenos píeres onde os barcos de passeio ficavam amarrados e
depois do almoço eles estariam cheios de pessoas comprando
ingressos para passearem ao longo do rio. Mas, no momento,
estava tudo tranquilo quando ela pisou na passarela de madeira, e
os únicos sons que ela ouvia eram o suave zumbido da conversa
em suas costas e o grasnado de um pato esperançoso nadando em
busca de uma generosa benfeitora.
— Boa tarde, lady Georgiana.
Ela virou-se sem surpresa, tendo tido tempo para se preparar a
ocasião. Ela encontrou aqueles olhos escuros com uma expressão
serena, curvando-se para a grande presença que havia fornecido
uma sombra muito necessária, bloqueando o sol.
— Vossa Graça. — Ela olhou para ele, em silêncio, recusando-
se a ajudá-lo a aliviar a tensão entre eles, enquanto ele olhava para
ela.
— Georgiana — sussurrou ele, e a saudade por trás de seu
nome tirou o seu fôlego. — Por favor, não continue me punindo,
meu bem. Vou enlouquecer se não falar comigo... me dê a chance
de explicar.
Ela olhou para ele, imaginando se poderia acreditar em suas
palavras, diante do desespero em seus olhos.
— Por favor, minha amada. Nada mudou, não consegue ver?
Seu coração parecia estar caindo de uma grande altura, ela
sentiu uma onda de alegria e medo tão profundo que mal conseguia
respirar. Ela ansiava tanto ouvir aquelas palavras, mas como
poderia depositar sua confiança em qualquer coisa que ele
dissesse?
— Você ainda tem meu coração — insistiu ele, aproximando-se
dela. — Você ainda usa o pequeno colar que eu te dei?
Ela estava dividida entre dizer-lhe um mordaz não, que ele tanto
merecia, e a verdade, que ela dormia com ele e o devolvia à sua
caixa de joias todas as manhãs.
— Como eu poderia? — respondeu ela, depois de uma pausa
que parecia mensurar os próprios batimentos cardíacos. — Quando
eu nem sei quem me deu.
— E eu não sabia que você era a filha de lady Dalton! — jogou
ele de volta para ela, com os olhos escuros acesos. — Eu pensei
que você fosse a doce Georgiana Bomford, a adorável e inocente
garota com quem perdi meu coração!
Ela respirou fundo, assustada com a fúria em sua voz e
perturbada pela percepção de que ele estava certo.
— Isso é porque eu mesma não sabia — disse ela, corando de
raiva. — Eu era a senhorita Bomford, a filha do médico. Eu fui ela
toda a minha vida, até que meu tio chegou à minha porta depois que
você me deixou sozinha e me disse a verdade. Ele falou que eu era
herdeira e chamou minha mãe de meretriz e disse que eu era como
ela.
Ele olhou para ela, com choque em seus olhos diante de sua
revelação.
— Eu nunca menti — disse ela, dizendo as palavras e
encarando seu olhar para que ele fosse forçado a ver a verdade em
suas palavras. — Você que mentiu, Vossa Graça.
Ele ficou em silêncio por um momento, claramente
desconcertado. — Deixe-me explicar, então — respondeu ele, com
a voz baixa e urgente e, obviamente, frustrada.
— Muito bem, explique-se — respondeu ela, desafiando-o a
contar tudo a ela.
Ele olhou ao redor do parque lotado, e ela percebeu que as
pessoas os observavam conversando, sussurrando sobre como o
duque de Sindalton, dentre todas as pessoas, havia ido atrás dela
sozinho. — Aqui não — respondeu ele. — Eu te encontro em algum
outro lugar, onde você quiser. Eu poderia ir à sua casa.
Ela sabia que ele estava certo sobre eles estarem sendo
observados e moveu-se cuidadosamente ao redor dele, de volta
para onde o píer entrava em contato com a terra. Ela teve que rir da
ideia de ele vir à casa do conde para visitá-la. — Bom Deus,
Falmouth mataria você se colocasse os pés na soleira da porta
depois do que fez para destruir seu relacionamento com Céleste.
Seu rosto ficou sombrio, e ela sabia que o tinha ferido. Sim,
Sebastian, eu sei tudo sobre os seus segredinhos sombrios, ela
pensou e depois se perguntou quantos outros havia que ela não
conhecia.
— Então eu sou culpado de todas as acusações, pelo visto —
respondeu ele, e ela podia ver o quanto custava para o seu orgulho
continuar perseguindo-a quando ele não recebia nada além de
rejeição em troca.
— Talvez não — respondeu ela, cedendo um pouco. — Mas eu
não tenho razão alguma para confiar em você, e encontrá-lo é algo
que não posso contemplar depois da maneira como seu pai arruinou
o nome da minha família.
Ele ficou paralisado com aquilo, com os olhos em fúria. — Meu
pai foi um dos melhores homens do mundo — disse ele, com a voz
ríspida e implacável, com seu porte de repente mostrando cada gota
de orgulho e poder que vinha acompanhada de seus muitos títulos.
— Ele foi levado ao vício e até muito recentemente nunca fui capaz
de entender como uma mulher poderia arruinar um homem tão bom
e honrado. Mas agora eu entendo.
Ela arquejou, chocada com suas palavras e mais magoada do
que ela teria acreditado ser possível. Como ele, de todas as
pessoas, usava isso contra ela? Ela deu um passo para trás, com os
olhos cheios de lágrimas.
— Então eu sugiro que você fique o mais longe possível de mim,
Vossa Graça — respondeu ela, com as palavras mordazes com a
dor da decepção. — Antes que eu lhe cause ainda mais
constrangimento. — Ela se virou e encontrou Beau logo atrás dela.
Ele deu uma olhada em seus olhos cheios de lágrimas e colocou
a mão dela na dobra de seu braço, virando-se para olhar para o
duque com fúria. — Fique longe dela — respondeu ele, com a voz
fria. — Juro por Deus que se você a machucar novamente, farei
você pagar por isso.
— Você é o único que está machucando-a, Beau — disparou
Sebastian em contrapartida. — Você é o único prejudicando suas
chances de encontrar um pretendente melhor, mas não se importa
com isso, não é? Quanto menos concorrência, mais chances de ela
se casar com você e, assim, conseguirá pôr as mãos gananciosas
em seu dinheiro.
Beau cerrou os punhos e foi dar um passo à frente, mas
Georgiana agarrou seu braço. — Não, por favor, Beau — implorou
Georgiana a ele. — Por favor, não faça uma cena. — Com evidente
relutância, Beau deu um passo para trás, mas os dois homens ainda
se encaravam, e a atmosfera era tão tensa que Georgiana mal
ousava respirar. — Você prometeu me levar em um passeio de
barco, certo?
Ele se virou para ela, com o rosto branco com fúria contida, mas
ele assentiu e começou a levá-la de volta para o píer.
— Você não deve andar sozinha no barco com ele, Georgiana
— disse Sebastian quando eles se aproximaram, com a voz cheia
de raiva. — Não vê, seu tolinha? Ele quer ver sua reputação
destruída para que ninguém mais a queira. A sua fortuna é uma
tentação suficientemente limitada em contraste com a sua posição
tênue tal como ela é.
A fúria penetrou através dela quando suas palavras a atingiram.
Como ele se atrevia a fingir se importar e dar conselhos enquanto a
caluniava na mesma frase? “Tentação suficientemente limitada!”
Como era arrogante, extremamente esnobe... Mas antes que ela
pudesse pensar em uma réplica apropriadamente cortante, o duque
se virou para se afastar deles, com o rosto sombrio de raiva.
Quando ele passou, no entanto, Beau deliberadamente virou um pé
elegantemente calçado, e Sebastian tropeçou. Desequilibrado
demais para se salvar, ele caiu da lateral do píer e acabou com o
traseiro no fundo do Serpentine.
— Oh, imploro seu perdão, Vossa graça — respondeu Beau,
com um brilho malicioso de satisfação em seus olhos azuis. Por um
momento, Georgiana se regozijou ao vê-lo recebendo seu castigo
merecido, mas, então, ela percebeu o que estava em jogo.
— Como se atreve, seu... — começou Sebastian, e Georgiana
olhou para ele horrorizada. Se ele causasse uma cena agora, todos
estariam falando sobre eles. Eles saberiam que ela se encontrava
entre o duque e seu melhor amigo, e todos diriam “tal mãe, tal filha”.
Ela nunca superaria isso. Ela olhou para ele e balançou levemente a
cabeça, implorando com seus olhos. Por favor, Sebastian, por favor,
não faça isso. Por um momento, tudo o que ela pôde ver no olhar
que a encarava era indignação justificada e orgulho ferido. Mas,
então, ele se acalmou e a tensão sumiu de sua postura. Aqueles
olhos escuros pareciam acolhedores quando olharam para ela, e a
gargalhada que ele emitiu era rouca e encantadora, o som mais
maravilhoso que ela já tinha ouvido.
— Beau — disse ele, com um sorriso irônico. —, você receberá
a conta do meu alfaiate, e eu desafio você a enfrentar meu valete
novamente.
— Certamente, Sebastian — respondeu Beau, com um sorriso
encantador. — Vou colocá-la em uma gaveta com todas as outras
contas que não pude pagar.
Eles observaram Sebastian sair do rio, o tecido de sua roupa
encharcado agarrado às suas coxas poderosas de uma maneira
muito desconcertante, enquanto suspiros de espanto eram emitidos
na margem.
Embora desesperadamente aliviada por ele não ter feito uma
cena, ela ainda estava totalmente furiosa com seus comentários
anteriores. Por causa disso, Georgiana permitiu que Beau a
ajudasse a entrar em um dos barcos, apesar de saber que
Sebastian provavelmente estava certo. Ela não deveria ir com o
notório marquês, mas já que o duque autoritário e arrogante fazia
tão pouco caso dela... Ah, mas ela estava enfurecida e magoada e
faria o que quisesse. Porém, ela não conseguia tirar os olhos de sua
figura pingando enquanto as pessoas se aglomeravam ao seu redor
para descobrir o que havia ocorrido.
— Isso não foi uma coisa muito cavalheiresca, Beau —
repreendeu ela, enquanto ele a conduzia ao barco. Embora em
particular ela pensasse que era exatamente isso o que o diabo
presunçoso merecia.
— Oh, chega de falar nisso — respondeu ele, bufando,
acomodando-se e pegando os remos. — Você adorou vê-lo cair
naquela água fria e lamacenta, e não finja o contrário.
Ela se sentou no barco com um suspiro e admirou o volume e o
deslizar de seus ombros poderosos sob o corte requintado de seu
casaco refinado. O sol brilhava em seus cabelos dourados, e ela
pensou que nunca tinha visto um homem mais bonito que aquele.
Mas, ainda assim, seus olhos se desviaram para a margem e a
grande figura escura de seu amigo desapareceu nas sombras.
Georgiana deslizou as pontas dos dedos na água gelada e
desejou que a vida não fosse tão complicada. Seu coração ainda
queria Sebastian, mas ela estava muito zangada e magoada com o
tratamento que ele prestou a ela e suas palavras cruéis. O fato de
ele pudesse culpar exclusivamente sua mãe pelo caso, como se seu
pai não tivesse possuído vontade própria, e, então, comparar as
duas de tal maneira... isso tinha sido extremamente doloroso para
ela.
Ele tinha a intenção de machucá-la também. Mas, então, a
maneira como ele falava de seu pai mostrava que claramente o
idolatrava. Nisso, ela supunha que tinha tido sorte. Ela nunca tinha
conhecido seus pais, para o bem ou para o mal, então, ela foi salva
do desgosto de perdê-los. A dela tinha sido uma perda mais suave,
embora igualmente duradoura. Isso porque, embora ela nunca
tivesse sentido a falta de amor através das atenções gentis de sua
tia e tio, sempre desejou ter conhecido seus verdadeiros pais. Ela
tinha visto a perda nos olhos de Sebastian, a fúria com a ideia de
que seu pai poderia ter sido de alguma forma responsável. Ele devia
ter onze ou doze anos, talvez, quando seu pai havia morrido. Uma
idade impressionável para qualquer jovem e devastadora para
perder o pai que claramente idolatrava. A ideia amoleceu um pouco
seu coração quando percebeu o quão terrivelmente irritado e
magoado ele tinha ficado, e claramente ainda estava.
— Você está muito quieta, Eva.
Ela olhou para cima e encontrou Beau observando-a. Sacudindo
a água de seus dedos, ela se sentou um pouco mais reta e voltou
sua atenção para ele.
— Apenas divagando — respondeu ela, sorrindo e sentindo-se
mal por não lhe dar atenção.
— Ah, sim — disse ele, com diversão repuxando os cantos
daquela boca sensual, uma boca feita para beijos e prazeres
indecentes, ela pensou, e depois se repreendeu por pensar nisso.
Ele sorriu maliciosamente, como se estivesse bem ciente de sua
linha de pensamento, antes de continuar. — Deve ser preciso
pensar muito, suponho, a questão de com quem se casar.
— Bem, é claro que sim — respondeu ela, muxoxando para ele.
— Mas que diabos faz você acreditar que eu estava pensando em
com quem vou me casar?
— Um chute — respondeu ele, com o tom seco.
Ela olhou para o outro lado da água, brilhando sob o sol da
primavera, enquanto mais pessoas pegavam os barcos e
passeavam pelas margens do rio.
— Oh, olhe! — exclamou ela, quando o enorme balão listrado de
azul e dourado começou a subir para os céus azuis.
Eles observaram por um tempo enquanto o balão subia cada
vez mais alto.
— Que vista maravilhosa eles devem ter lá de cima — disse ela,
protegendo os olhos do sol com uma das mãos. Ela desviou o olhar,
piscando, enquanto Beau fazia uma careta.
— Prefiro manter os pés no chão — murmurou ele.
— É mesmo? — perguntou ela, rindo dele. — Você não é do tipo
aventureiro? Que decepção.
Ele levantou uma sobrancelha para ela, a expressão em seus
olhos azuis fez sua pele formigar com o reconhecimento. — Ah, mas
eu sou extremamente aventureiro, querida, mais do que você possa
imaginar — respondeu ele, com a voz toda aveludada e um sorriso
lento curvando em sua boca.
Ela corou, sabendo muito bem do que ele estava se referindo e,
em seguida, arquejou quando pequenos galhos em cascata
resvalaram nos lados do barco, e eles desapareceram atrás da
cortina de um salgueiro.
— Beau! — exclamou ela. — Leve-nos de volta imediatamente,
as pessoas vão pensar...
— As pessoas vão pensar que estou aproveitando o momento
para te beijar — completou ele, ajeitando os remos nas toleteiras. —
E elas estariam certas.
Ele se deslocou, e ela gritou quando o barco tombou
violentamente para um lado antes de ele se sentar ao lado dela no
assento estreito e colocar os braços em volta dela.
— Beau! — disse ela, novamente, com um aviso em sua voz
enquanto o empurrava para trás, pressionando as duas mãos contra
o seu tórax. O cheiro de limpeza e linho engomado e um corpo
quente e muito masculino chegaram até ela enquanto olhava para
ele. — Sebastian estava certo? Você está querendo estragar minhas
chances com todos os outros?
Ele riu, emitindo um som acolhedor e carinhoso que parecia
deslizar sobre sua pele.
— Eu seria um tolo se não o fizesse, querida Eva — respondeu
ele. — Mas você não está considerando mais ninguém, exceto
Sebastian, e ele não pediu sua mão, não é?
Ela desviou o olhar dele, com o coração agitado; não, ele não
tinha pedido, embora ela não o tivesse dado muita oportunidade.
Mas, a partir de suas palavras anteriores, parecia improvável que
ele o fizesse. Parecia que ele pensava que amá-la era uma espécie
de loucura, do tipo que seu pai sofrera quando conhecera sua mãe.
— Ele não pode, Georgiana — disse Beau, e embora suas
palavras fossem duras, elas foram ditas gentilmente, como se ele
soubesse que iria doer e estivesse arrependido por isso. — Depois
de tudo o que a família dele sofreu, e eu não estou culpando
nenhuma das partes — acrescentou ele, antes que ela pudesse se
ofender. — Pelo que ouvi falar sobre isso, os dois estavam
loucamente apaixonados, e se ela era tão adorável quanto você,
querida, não me admira que tenha acontecido tudo isso. — Ela
engoliu em seco e se recusou a olhar para ele, mas esperou que ele
continuasse. — Mas o caso destruiu a mãe dele. Ela sempre foi uma
pessoa nervosa, eu acho, propensa à histeria, ou coisa parecida.
Mas desde então, ela tem vivido reclusa e usa sua saúde precária
para manipular o filho. Se ela suspeitasse só um pouquinho que ele
estava interessado em você, o choque provavelmente a mataria.
Então, ela olhou para cima, quando suas esperanças, escassas
como tinham sido, caíram por terra.
Beau a observava com simpatia em seus olhos.
— Veja bem, Georgiana — disse ele, estendendo a mão e
acariciando sua bochecha. — Eu sei que você não me ama. Mas
somos amigos. Gostamos da companhia um do outro, e, além
disso... acho que você me deseja.
Ela abriu a boca em estado de choque, mas não tinha certeza
se poderia negar que fosse verdade. Mas ele apenas deu uma
risada, divertido com o desconforto dela.
— Você ia me contradizer? — perguntou ele, com a voz suave
de diversão e, então, deslizou sua mão atrás do pescoço dela,
puxando-a para mais perto e pressionando os lábios contra os dela.
Ela começou a afastá-lo, mas seus lábios eram macios, quentes
e muito ternos, e seu coração estava uma confusão só. Ela sabia
que ele estava dizendo a verdade. Ela confiava nele nisso.
Sebastian nunca seria capaz de pedi-la em casamento. O máximo
que ele desejaria dela seria torná-la sua amante, e isso ela nunca
seria. Mas Beau estava aqui, ele era bonito e inteligente, engraçado
e inesperadamente gentil e, sim, ele estava certo, ela o desejava.
Não havia como negar isso à medida em que o beijo se tornava
mais insistente, explorando, e ela abria a boca para ele. A
expressão “você dá a mão que já quer o braço” surgiu com força em
sua mente enquanto ele possuía sua boca com um beijo arrebatador
que a fez tremer de medo. Bom Deus, ela pensou, enquanto as
mãos dele deslizavam sobre seu corpo e seus braços a puxavam
com mais força contra ele. Como ela poderia se sentir assim por um
homem que ela não amava? A ideia de que ela talvez fosse a filha
de sua mãe, afinal, infiltrou-se em sua mente, mas ela a afastou.
Ela, por sua vez, deslizou os braços ao redor dele, aproximando-se,
querendo esquecer outro homem e outro lugar, um idílio de outono
que só poderia ter sido um sonho.
Ele interrompeu o beijo e olhou para ela, com os olhos
satisfeitos e pesados de desejo. — Viu, doce Eva? — murmurou ele,
abaixando a cabeça para deslizar a boca ao longo da linha da
mandíbula dela, dando beijinhos quentes em seu pescoço enquanto
seus dedos habilidosos abriam os fechos de seu spencer. Ela
arquejou enquanto sua grande mão apertava seu seio e sua cabeça
se inclinava ainda mais para pressionar um beijo suave em seu colo,
logo acima do decote de seu vestido. Fechando os olhos enquanto o
desejo ganhava vida, ela sentiu seu polegar esfregar a
protuberância de seu mamilo sob o tecido macio de seu vestido,
reprimindo um gemido.
— Eu posso te dar prazer, Georgiana — sussurrou ele, trilhando
um caminho de beijos de um seio para o outro. — Eu poderia
mostrar-lhe esse prazer. Eu quero, querida... tanto.
Ela respirou fundo enquanto seus dedos beliscavam seu mamilo
e sua cabeça se levantava para acariciar a pele macia sob sua
orelha. — Não seria tão ruim assim, não é, ser casada comigo?
Amigos que se desejam, é mais do que muitas pessoas têm no
começo.
— Não é tão ruim assim, não — murmurou ela, com o corpo vivo
com sensação, a cabeça tonta de desejo e o pobre coração muito
machucado para permitir que ela pensasse com clareza.
Ele fez uma pausa e segurou o rosto dela entre as mãos. — Isso
é um sim? — perguntou ele, com a voz rouca de necessidade.
— E-eu — arquejou ela, e então balançou a cabeça. — Não,
sim... não sei! — exclamou ela. — Por favor, eu preciso de tempo
para pensar. Leve-me de volta agora, Beau, por favor. Eu preciso...
Ele a puxou para seus braços mais uma vez e a beijou
impiedosamente, deixando-a sem fôlego e perturbada; quando ele a
soltou, tomou seu lugar nos remos mais uma vez.
O seu olhar sobre ela era determinado quando ele remou para
fora da árvore, e ela rapidamente reapertou seu spencer. Ela não
duvidava que estava corada e parecia ter sido beijada, mesmo
assim, levantou o queixo em desafio aos olhares escandalizados de
outro casal que passou por perto enquanto remavam de volta para a
margem.
— É isso mesmo, querida — sussurrou Beau, com o olhar
brilhante caloroso e aprovador. — Quem dá a mínima para o que
eles pensam? Afinal, são todos mentirosos e hipócritas.
Capítulo 25
 
“No qual as propostas são feitas.”

— O que em nome de Deus você estava pensando?


Georgiana corou e olhou para os dedos dos pés de suas
sapatilhas de cetim. Ela não sabia como responder ao conde, que
obviamente não conseguia entender sua motivação.
— Oh, Alex, parre de castigar a pobrre garrota! — repreendeu-o
Céleste, vindo sentar-se ao lado de Georgiana para pegar a sua
mão. — É perfeitamente óbvio por que ela fez isso depois do que
lorde Sindalton disse. — Ela apertou os dedos de Georgiana de uma
maneira tranquilizadora e sorriu para ela. — Sinto muito, querrida,
de verdade. Mas Alex está certo, você deve prreservar-se.
— Ele quer se casar comigo — disse ela, interrompendo a
conversa de forma eficaz.
— Lorde Beaumont pediu a sua mão? — perguntou Alex,
surpreso, e, então, olhou de relance para sua esposa.
— Está tudo bem — respondeu Georgiana, sorrindo. — Estou
bem ciente de sua reputação e, sim, a única razão pela qual ele está
subitamente desesperado para se casar é porque seus credores
estão ficando impacientes, para dizer o mínimo. Ele foi muito
honesto comigo. Mas ele também é muito divertido e somos bons
amigos.
— Mas você está realmente considerrando isso? — indagou
Céleste, com a surpresa muito evidente em seus olhos.
Ela lançou um olhar significativo para sua amiga. — Que
escolha eu tenho senão considerá-la?
Céleste já tinha ouvido toda a lamentável história ontem à noite.
Ela desabafou sobre as palavras odiosas de Sebastian, da verdade
sobre sua mãe e por que ele nunca a pediria em casamento... e do
beijo de Beau.
— Você não o ama — disse Céleste, com a voz ecoando a
tristeza visível em seus olhos.
— Não — concordou Georgiana. —, mas não todas que têm a
mesma sorte que você, Céleste.
O rosto de sua amiga se entristeceu, ao passo que lorde
Falmouth colocou a mão no ombro de sua esposa e eles
compartilharam um olhar de tal intimidade que o estômago de
Georgiana se contraiu de inveja. Era isso que ela ansiava, aquela
conexão implícita, aquele laço profundo e inquebrável que não
precisava de palavras para provar a profundidade de seu amor e
consideração, e era isso que ela provavelmente nunca teria.
Eles olharam para cima quando ouviram o som do arranhar da
porta e o mordomo apareceu.
— Milorde, há um lorde Nibley querendo vê-lo.
Lorde Falmouth assentiu e saiu da sala, enquanto Céleste e
Georgiana se entreolhavam surpresas. Ela deu a Georgiana um
largo sorriso. — Acho que talvez Beau não seja o único com o
casamento em mente.
***
Vinte minutos depois, com um lorde Nibley de bochechas
escarlates andando de um lado para o outro, Céleste provou que
estava certa.
Lorde Falmouth, julgando que Georgiana não estava em perigo
imediato na presença de Percy Nibley, permitiu que o homem a
visitasse sozinho, fato pelo qual Georgiana queria estrangulá-lo. Ela
sentou-se devagar, demonstrando pelo menos calma externamente
enquanto repassava todas as maneiras possíveis de recusar o
homem gentilmente.
— Sinto muito, receio que esta não seja realmente a minha área
de especialização — disse ele, quebrando o silêncio constrangedor
que vinha sufocando os dois nos últimos cinco minutos
intermináveis. Pareciam mais horas. — Se eu fosse Beau, teria algo
espirituoso e encantador para dizer — acrescentou ele, com um
sorriso aborrecido que era realmente bastante cativante. — E se eu
fosse Sindalton... — Ele deu de ombros. — Bem, um duque não
precisa dizer muito para soar impressionante, não é?
Georgiana fez cara feia; isso não deveria ser verdade. Ela
certamente não ficou impressionada com Sua Graça. Ela amou
muito mais o marquês empobrecido que ele tinha afirmado ser. Ela
desejava que ele fosse um homem simples mais do que qualquer
coisa. Alguém que não tinha gerações de antepassados à espera de
um casamento perfeito.
— Oh, céus — suspirou ele, e sentou-se no assento ao lado
dela. — Estou elucubrando muito, não estou?
Ela lhe deu um sorriso que esperava ser gentil, mas não muito
encorajador.
— A questão é, lady Georgiana — começou ele, e quando ela
olhou para ele, descobriu que seus olhos estavam sérios. — Eu sei
que você não me ama, eu não sou tão tolo quanto pareço —
acrescentou ele com um sorriso bastante desarmante. — Mas eu
pensei que, talvez, se eu explicasse um pouco, você poderia
considerar minha proposta sincera, se não romântica.
Ela inclinou a cabeça, não tendo coragem de rejeitá-lo
imediatamente, sem que antes ele tivesse falado o que tinha para
falar. O mínimo que ela podia fazer era ouvir.
— A questão é... — disse ele. — é que eu tenho imensa afeição
por você. Você é uma jovem adorável que eu ficaria muito feliz de
ter como minha esposa. Mas tenho tentado pensar no que poderia
induzi-la a casar-se com um sujeito tão sem graça como eu.
— Oh, milorde! — exclamou ela, pois tudo isso era muito duro.
Sim, ele era certamente um homem estudioso e, sim, seus olhos
perderam o brilho quando ele ficou particularmente entusiasmado ao
explicar a diferença entre rochas ígneas sedimentares e
metamórficas. — Não posso permitir que diga isso. Quero dizer,
você é uma companhia maravilhosa.
Ele sorriu novamente, com uma sensação de profundo prazer
sendo vista em seus olhos castanhos enquanto ajustava seus
óculos emoldurados de arame. — Bem, você é muito gentil, gentil
até demais, talvez — acrescentou ele, olhando para suas botas
brilhantes. — Eu não estou prestes a fingir que posso reivindicar
qualquer um dos atrativos de Beau ou... ou de seus outros
pretendentes. Mas...
Ela aguardou, percebendo que queria saber o que aquele
cavalheiro curioso e um tanto desajeitado achava que eles poderiam
encontrar juntos. — Mas eu nunca a envergonharia, milady. Eu seria
fiel, confiável e sua felicidade seria sempre a minha principal
preocupação. Eu... eu acho que você sabe que eu tenho... bem,
boas condições — disse ele, obviamente achando desagradável o
assunto de suas finanças. — Então, você nunca precisaria se
preocupar que sua fortuna tenha qualquer atração para mim e, de
fato, eu deixaria você manter qualquer dinheiro que seja seu e não
teria nenhuma pretensão de reivindicá-lo. — Ele fez uma pausa e,
para seu espanto, ficou de joelho e segurou sua mão.
— Senhorita Dalton... Georgiana — emendou ele, com o rosto
magro corando um pouco, embora houvesse uma sinceridade em
seus olhos que deixou sua garganta apertada. — Eu a admiro e
respeito. Você é a mulher mais corajosa, encantadora e
perfeitamente adorável que eu já conheci. Eu conheço minhas
limitações muito bem, mas... se você se casar comigo, eu lhe
mostrarei o mundo. Vamos viajar e explorar e... e eu te darei tudo o
que estiver ao meu alcance para te fazer feliz. Dê-me a honra de se
tornar minha esposa.
Georgiana engoliu em seco. De alguma forma, esse sujeito
engraçado e desajeitado fez a proposta mais charmosa, deixando-a
completamente desconcertada. Ela deu uma boa olhada em suas
circunstâncias e escolhas. O homem que ela amava claramente
nunca poderia tolerar a ideia de um casamento entre eles com outro
sentimento senão o de aversão. Beau era sedutor, charmoso e
gentil e seria mais fácil de se apaixonar por ele, se ela conseguisse
curar seu coração partido o suficiente para fazer a tentativa. Mas
Beau provavelmente iria quebrá-lo em pedaços novamente, já que
ele era o pior candidato para marido que ela poderia considerar.
Ele nunca seria fiel a ela, e ela teria que aceitar que nunca seria
seu único amor; na verdade, o amor nunca tinha sido algo que ele
tinha oferecido ou ofereceria para ela. Ela sabia muito bem disso.
Graças também a ele, os jornais sensacionalistas estavam repletos
de notícias a respeito de seu chocante desaparecimento nas
árvores, no dia anterior. Muito pior do que isso, porém, eram as
apostas de que a história se repetiria, que os dois homens
poderosos que antes eram os amigos mais próximos eram agora
rivais, e o caso terminaria inevitavelmente com um assassinando o
outro.
— E-eu realmente não sei o que dizer, milorde — respondeu ela,
levando uma mão à bochecha e encontrando seu rosto quente. —
Estou mais honrada do que possa imaginar pela sua... sua proposta
maravilhosa. — Ela sorriu para ele, com um sorriso genuíno e
caloroso que cresceu quando ela viu a maneira como o rosto dele
se iluminava de prazer ao vê-lo. — Eu acho que você se subestima,
a propósito. Na verdade, você é terrivelmente romântico.
Ele deu uma gargalhada assustada e seus olhos estavam tão
cheios de esperança que ela sentiu muito medo. Ela não queria
machucar esse homem, aumentando suas esperanças, mas... mas
ele poderia ser muito melhor para ela do que qualquer outra oferta
que ela pudesse esperar receber, e ela precisava considerar sua
proposta. Neste ponto, ele era alguém leal e confiável, alguém que
não iria machucá-la... isso parecia uma coisa bastante maravilhosa.
Ela olhou para ele novamente e percebeu que nunca poderia sentir
paixão por ele. Ela nunca sentiria a necessidade ardente e
desesperada de rasgar suas roupas e perder-se em seu corpo, em
seu toque. Mas talvez tudo isso fosse para o melhor. Ela havia
experimentado a destruição que tais emoções furiosas poderiam
causar. Talvez fosse melhor evitá-las.
— Isso significa... — começou ele, como se mal ousasse sentir
esperança.
— Eu não posso dar uma resposta ainda, milorde — disse ela,
com a mão livre segurando a capa de tapeçaria do sofá em que
estava sentada.
— P-Percy — gaguejou ele, parecendo extremamente
atordoado. — Você pode me chamar de Percy.
Ela sorriu para ele e assentiu. — Percy. Deu-me muito em que
pensar. Mas tenho que lhe dizer que... a verdade é que... o meu
coração está...
— Eu sei — interrompeu ele, apertando a mão dela. — Eu sei
que seus afetos estão envolvidos de outra forma. Isto é... imaginava
que estivessem. Não precisa me dizer mais nada. Mas... espero que
você considere a minha proposta.
Georgiana respirou fundo e assentiu. — Eu prometo a você.
Considerarei sua oferta com toda a seriedade, e estou muito ciente
da grande honra que você me concedeu, Percy.
Ele soltou um suspiro, parecendo realmente bastante
sobrecarregado e, em seguida, com bastante ousadia, levantou a
mão dela até os lábios e beijou seus dedos. — Obrigado, Georgiana
— disse ele, com a voz muito suave. — Mas a honra é inteiramente
minha. Vou esperar até que você esteja pronta para me dar a sua
resposta, mas... posso visitá-la novamente?
— Mas é claro, Percy — respondeu ela, sorrindo para ele. — Eu
ficaria muito ofendida se não o fizesse.
Georgiana passou o resto da manhã andando em círculos
enquanto considerava suas opções. Se ela as olhasse
desapaixonadamente, então lorde Nibley era a solução perfeita para
sua situação. Ele havia prometido levá-la para viajar, algo que ela
desejava fazer, e ele disse que sua felicidade sempre seria sua
prioridade. Ela acreditava que ele também estivesse falando sério.
Mas sua natureza era apaixonada, algo que ela sem dúvida herdara
dos cabelos ruivos da mãe que ela nunca conhecera. Mas casar-se
com Percy significaria que ela nunca mais experimentaria a paixão
que sentira por Sebastian? Aquela necessidade desesperada de
união que tinha sido tão avassaladora. Ela imaginou como seria
deitar-se com um homem que a amasse ou, no mínimo, a desejasse
tanto quanto o desejasse.
— Oh, meu Deus — murmurou ela, e levou as mãos à cabeça.
Ela olhou para cima enquanto sua criada pessoal arranhava a porta
e aparecia com a cabeça atrás dela.
— Há um cavalheiro aqui para vê-la — sibilou ela, com os olhos
iluminados de excitação.
— É mesmo? Quem é, Sara? — perguntou Georgiana, mas pelo
rubor nas bochechas da garota ela apostaria dinheiro para adivinhar
qual seria a resposta.
— O marquês de Beaumont — respondeu ela, com um suspiro
sonhador que fez Georgiana bufar de diversão.
— Muito bem, eu já vou descer.
— Não desse jeito! — exclamou Sarah, de repente toda
preparada para pôr as mãos à obra. — Não o verá antes de mudar
de roupa, milady! Não pode vê-lo nesse vestido simplório. Meu
Deus, não quero nem pensar nisso. Além disso, ele está falando
com lorde Falmouth.
— É mesmo? — exclamou Georgiana, espantada.
— Sim, está — disse Sarah, tirando-a do vestido modesto que
tinha sido bom o suficiente para lorde Nibley, e voltando-se para seu
guarda-roupa com um gritinho de alegria. — Parece que serão duas
propostas em um dia, milady. Ah, que façanha!
— Graças ao meu saldo bancário, você quer dizer — disse
Georgiana, com um bufo enquanto entrava no elegante vestido de
musselina indiana que havia sido selecionado para ela.
— Bobagem — disparou sua criada para ela, enquanto fechava
a parte de trás de seu vestido. — Lorde Nibley é rico o suficiente
para comprar uma abadia, mas ele corre para se esconder sempre
que as mulheres tentam persegui-lo. Todo mundo sabe disso.
Tímido ele é, mas ele encontrou sua coragem por você, milady, não
é? — perguntou ela, mas Georgiana não tinha resposta que
pudesse dar.
Ela permitiu que Sarah a preparasse e paparicasse até que ela
teve um vislumbre de si mesma no espelho e deu um suspiro com a
quantidade de decote à mostra no vestido. — Meu Deus, Sarah!
Olha o que você me fez vestir! Já não estou com problemas
suficientes?
— Não tenho certeza se você poderia ter problemas suficientes
com Beau Beaumont, milady — retrucou a criada, com um sorriso.
— Dê-me esse fichu agora mesmo — exigiu ela, estreitando os
olhos para sua criada enquanto uma expressão rebelde cintilava nos
olhos da criada.
— Nem pensar — respondeu ela, segurando o lenço translúcido
atrás das suas costas e protegendo as gavetas onde tais itens eram
mantidos. — Eu tenho uma reputação a zelar e você não vai receber
uma proposta do marquês parecendo uma solteirona. E ponto final
— acrescentou ela, fungando.
— Ah, bem, desde que sua reputação não seja manchada! —
respondeu Georgiana com um sussurro, e deixou-se ser conduzida
para fora da porta.
— Oh, apresse-se, senhorita, você o manteve esperando tempo
suficiente!
— Eu o mantive esperando? Bem, eu até que gosto disso...
Mas no momento em que ela foi praticamente forçada a
atravessar a porta da sala de estar, estava claro que Beau
realmente tinha perdido a paciência já há algum tempo. Ele virou-se
e sorriu para ela, com uma sobrancelha levantada.
— Eu estava começando a pensar que você tinha escapado por
alguma porta dos fundos para me evitar — disse ele, com o habitual
brilho afetuoso em seus olhos azuis enquanto a olhava com apreço.
— Embora, se é esse o motivo de eu estar esperando, está
aprovado. Você pode dar à sua criada os meus mais profundos
cumprimentos.
— Irei certificar-me de assim o fazer, milorde — respondeu ela,
perguntando-se se a criatura miserável estava ouvindo do outro lado
da porta.
Ele atravessou a sala e levou a mão de Georgiana até os lábios,
beijando os dedos dela e, em seguida, deslizando lentamente as
mãos sobre sua pele enquanto ele virava seu braço e beijava o
interior de seu pulso. Seu coração imediatamente se acelerou e tudo
o que ela estava considerando anteriormente sobre a paixão ficou
mais claro diante de seus olhos; Percy nunca, mas nunca, poderia
fazê-la se sentir assim.
— Eu não pensei em mais nada além de você desde ontem —
murmurou ele, puxando o braço dela e prendendo-o em seu
pescoço enquanto seu outro braço serpenteava em torno de sua
cintura. De repente, seus corpos estavam colados, e ela suspirou.
— Se lorde Falmouth entrar...
— Ah, mas ele não vai — respondeu ele, sorrindo
maliciosamente. — Mesmo um canalha como eu deveria ter
permissão para fazer uma proposta formal em particular, não acha?
Ela ficou sem ar. Ele realmente estava falando sério agora. Ele
já a havia pedido em casamento antes, mas desta vez ele falou com
Falmouth e veio à casa dela. Ele estava anunciando à alta
sociedade que seu interesse era sério. Ele estava salvando sua
reputação.
— Você falou com lorde Falmouth? — perguntou ela, um pouco
insegura.
— Sim — disse ele, sorrindo para ela, enquanto uma mão
acariciava sua bochecha e seu polegar alisava seu lábio inferior com
uma carícia suave. — Ele não está tão encantado com a ideia, mas
melhor eu do que Sindalton, por razões óbvias — disse ele,
encolhendo os ombros enquanto sua outra mão deslizava para a
parte inferior de suas costas e a pressionava contra ele. — Mas
parece que eu não sou o único na corrida, afinal de contas. Quem
diria que o velho Percy tinha isso dentro dele... uma caixinha de
surpresas, de fato.
— São sempre os quietinhos que são os piores — respondeu
ela, chateada com o som ofegante de sua voz, mas ele a puxou
para muito perto e seu desejo por ela era óbvio demais.
— Você não deseja Percy — respondeu ele, abaixando a
cabeça e beijando a pele macia entre seu pescoço e o ombro. Ela
arquejou e, antes que pudesse pensar claramente sobre isso,
afundou uma mão no calor espesso de seus cabelos dourados
enquanto a outra se agarrava ao seu ombro. — Você é demais para
Percy, doce Eva — murmurou ele, mordiscando o lóbulo de sua
orelha enquanto a empurrava até suas costas serem pressionadas
contra a parede. — Você o assustaria se ele visse um vislumbre de
tudo o que deseja.
— E o que eu desejo? — perguntou ela, querendo saber o que
ele via nela.
Sua risada ressoou através de seu peito e ele olhou para ela
com compreensão em seus olhos. — Você quer experimentar a
vida, você quer sentir amor e paixão, desejo... — Ele mordeu seu
lábio inferior e depois a beijou, suas palavras sussurradas contra
sua boca. — Você quer ceder à luxúria e rasgar minhas roupas.
Você quer que eu a tome aqui e agora... está claro nos seus olhos,
querida, você sabia disso?
Suas mãos deslizaram para seus quadris e ele pressionou-se
contra ela, com o comprimento duro de sua coxa forte deslizando
entre suas pernas e pressionando infalivelmente contra a delicada
protuberância de carne que clamava por atenção. Ela gemeu e
depois enterrou o rosto no ombro dele enquanto a vergonha a
inundava.
— Oh, Georgiana — sussurrou ele, com a boca deslizando
sobre sua pele enquanto seu hálito quente tremulava sobre seu
pescoço. — Poderíamos incendiar o mundo, você e eu.
Ela balançou a cabeça, mas que tipo de resposta ela estava
dando, ela não sabia.
Ele deteve-se e segurou o rosto dela em suas mãos. — Como
você pode decidir se vai se casar comigo ou com Percy, se você
nem ao menos sabe o que isso significa? — disse ele, como se
estivesse lendo seus pensamentos e com os olhos sérios agora. —
Você nunca sentirá paixão pelo querido e velho Nibley. Nós dois
sabemos disso. Deixe-me te dar um gostinho do que estará
perdendo. Deixe-me mostrar como posso fazer você se sentir.
— M-mas nós não podemos fazer isso... aqui! — protestou ela,
mas Beau apenas sorriu, com malícia brilhando em seus olhos.
— Oh, querida, eu poderia fazer isso em qualquer lugar — disse
ele, com uma risadinha ressoando em seu peito. — Mas eu já te
disse, nos foi dado privacidade para a minha proposta. Ninguém vai
nos interromper, eu prometo.
Ele, então, a beijou, um beijo que aqueceu sua pele e a fez
tremer, ao mesmo tempo que ela percebeu a verdade de suas
palavras. Ela arquejou enquanto suas mãos grandes acariciavam
seus seios e seus polegares provocavam os mamilos através da
chemise que os cobria.
Georgiana deixou sua cabeça pender para trás contra a parede
enquanto o prazer aumentava através dela, com o calor da boca
dele contra seu pescoço. Seus pensamentos pareciam mais
confusos do que nunca. Beau era simplesmente a tentação
encarnada. Ela não podia negar sua atração por ele, não podia
negar que gostava dele, que tinha até mesmo afeição por ele, mas...
mas...
— Chega — disse ela, com a voz instável, afastando-o. — Você
mostrou o seu ponto.
Beau sorriu e roçou um último beijo em seus lábios.
— Eu não posso fingir ter riquezas para lhe conceder — disse
ele, um momento depois, com a voz baixa, e ela olhou para cima,
percebendo que ele havia atravessado a sala. Ele estava parado
olhando para a rua através da janela, com o rosto estranhamente
sério. — Eu não posso fingir que não preciso de seu dinheiro, e não
vou insultá-la fingindo que não é verdade. Mas se você acha que
sou indiferente a você, se acha que qualquer uma das minhas...
estratégias de sedução é de alguma forma forçada, está muito
enganada.
Ele se virou para olhar para ela, e ela pôde ver a verdade de seu
desejo ainda ardendo naqueles olhos geralmente frios. — Eu quero
você na minha cama, Georgiana, e se você concordar em ser minha
esposa, eu juro que não ficará desapontada. Não posso fingir que
sou o marido ideal. Nós dois sabemos que eu não sou e não farei
nenhuma promessa que esteja fadada ao fracasso. Mas... — Ele
aproximou-se dela, segurou sua mão e seus dedos fecharam-se em
torno dos dedos dela. — Mas você é minha amiga, minha amiga
muito querida e tem a minha palavra de que vou esforçar-me muito
para não a tornar infeliz. Eu posso até conseguir fazer você feliz —
acrescentou ele, com um sorriso levemente autodepreciativo. —
Prometo, pelo menos, que vou tentar. — Ele inclinou-se para ela e
beijou sua bochecha, perto o suficiente de sua boca para fazer seu
coração bater novamente. — Por favor, Georgiana, diga que você
vai se casar comigo.
Ela puxou a mão para fora de seu alcance e afastou-se. Oh,
Deus, o que ela deveria fazer? O único homem de quem ela
realmente queria uma proposta nem estava aqui, e os outros dois...
por quanto tempo ela poderia mantê-los esperando?
— Eu não sei — disse ela, sentindo-se desamparada e
impotente para tomar qualquer decisão sobre isso. — Não sei o que
devo fazer. Às vezes, acho que seria melhor não me casar com
ninguém e apenas me tornar uma solteirona excêntrica. Eu poderia
viajar pelo mundo sozinha ou cuidar de gatos ou... ou...
Ela levou um susto quando a mão dele se fechou em torno da
sua mais uma vez.
— Isso seria um desperdício terrível, Georgiana — sussurrou
ele. — Você precisa viver e precisa escolher como. Você pode viver
em segurança e, provavelmente, feliz o suficiente com o doce e
maçante Percy. Poderia permitir que Sindalton lhe oferecesse ser
seu protetor e estar perto do homem que você ama sem nunca
realmente ser uma parte de seu mundo. Ou pode se casar comigo,
e eu prometo a você pelo menos isso, que sempre terá a proteção
do meu nome, e sua vida nunca, nunca será monótona.
Ela deu uma risada trêmula de reconhecimento. Isso era algo
em que ela facilmente acreditava.
— Eu preciso de uma resposta em breve, querida — disse ele,
suavemente. — Você não sabe como me entristece admitir isso,
mas eu devo dinheiro a algumas pessoas que realmente prefiro não
cruzar, e se não me aceitar, minhas opções são terrivelmente
limitadas.
Ela olhou para ele alarmada. — Você está em apuros? —
perguntou ela, vendo a resposta em seus olhos.
Ele assentiu. — Eu estou, então, por favor, não demore. Se a
resposta for não, talvez eu precise fugir para o continente, ou passar
os próximos cinco anos ou mais em circunstâncias bastante
desagradáveis. — Isso foi dito com um tom leve e jovial que não a
convenceram nem um pouco. Ele beijou sua bochecha novamente,
com afeto em sua expressão. — Não me deixe sofrendo com o
suspense, doce Eva. Diga sim e liberte-nos desse sofrimento.
Capítulo 26
 
“No qual o amor tem a oportunidade de ter esperança...”

Lorde Falmouth ergueu o olhar surpreso quando ela entrou na


sala de café da manhã.
— Eu sei, é uma hora ridícula do dia para estar acordada —
disse ela, desculpando-se. — E imagino que ansiava por um café da
manhã tranquilo sozinho.
Ele riu e balançou a cabeça, dobrando o jornal que estava lendo
e deixando-o de lado. — De forma alguma — respondeu ele. —
Você sabe perfeitamente bem que eu costumo me juntar a Céleste
mais tarde, mas acontece que ela está se sentindo indisposta no
momento — respondeu ele, com preocupação em seus olhos
cinzentos. — Apenas um pouco de dor de cabeça, pelo que entendi.
Ela estará de pé em breve, tenho certeza. — Ele lançou-lhe um
olhar bastante inquisidor, e ela preparou-se para a sua próxima
pergunta. — Presumo que não tenha dormido bem.
— Não consegui pregar o olho — respondeu ela com um sorriso
sombrio enquanto servia-se de uma xícara de chocolate quente. Ela
estava extremamente cansada, tinha passado a noite inteira
virando-se na cama enquanto variações de seus possíveis futuros
desfilavam atrás de suas pálpebras e tornavam adormecer
impossível.
— Não estou nem um pouco surpreso. Não invejo suas
escolhas.
Ela riu e balançou a cabeça. Uma das coisas que ela achava
bastante intimidante sobre o homem à sua frente era sua natureza
bastante franca, mas ela passou a apreciá-la. Dava para saber o
que se podia esperar de um homem assim. — Bem, nesse ponto eu
também não! — respondeu ela, com certa aspereza.
Ele deu uma risadinha novamente e, em seguida, lançou-lhe um
olhar mais preocupado. — Sério agora, você tem alguma ideia se irá
aceitar qualquer um deles?
— Sim, não... não sei — respondeu ela, com uma careta. —
Está vendo como está o meu raciocínio?
— Hmmm — respondeu ele. — Eu serei obrigado a dizer que eu
prefiro que aceite Nibley. Ele é um homem decente, gentil e seria
um bom marido.
— Sim — disse ela — Eu sei disso. Mas... — acrescentou ela, e
havia um brilho em seus olhos que a fez acreditar que ele sabia
exatamente seu dilema. Dada a natureza apaixonada que ela
passou a descobrir que sua esposa possuía, sentiu que não era tão
embaraçoso quanto poderia ter sido. — Mas... — repetiu ela,
assentindo. — É basicamente isso.
Eles tomaram seu café da manhã em silêncio amigável por um
tempo, até que ele falou novamente.
— Vou ao Hatchard's esta manhã — disse ele, surpreendendo-
a. — Minha cunhada Henrietta está desesperada por alguns novos
títulos em inglês, ela mora na França, sabe. Então, eu prometi
enviar um pacote para ela, e eu preferia procurar pessoalmente.
Acho relaxante — acrescentou ele, sorrindo para ela. — Você
gostaria de me acompanhar?
— Que ideia maravilhosa — respondeu ela, grata por qualquer
coisa que distraísse sua mente de seus problemas por uma ou duas
horas.
— Também tem a atração adicional de estar praticamente vazia
a esta hora da manhã, já que todas as pessoas da alta sociedade
ainda estão dormindo.
— Está ficando cada vez melhor, milorde — disse ela, sorrindo
para ele.
Ele sorriu e assentiu. — Minha carruagem estará pronta em dez
minutos... oh, e Georgiana?
— Sim, milorde?
— Acho que talvez você deva me chamar de Alex.
Georgiana passou uma hora agradável navegando pelas
prateleiras e passeando sozinha. Alex tinha total razão, o lugar
estava deserto e era maravilhosamente pacífico para se estar. Ela
andava ao longo de um dos níveis superiores; uma fina balaustrada
dava para o andar abaixo e no final do longo cômodo havia uma
bela janela arqueada. Encostado no batente da janela, segurado um
livro em suas mãos, estava uma figura alta e sombria que fez o
coração de Georgiana saltar em seu peito.
Ela continuou andando, observando o olhar de concentração em
seu rosto. Uma leve carranca franzia a sua testa como se algo não
fizesse sentido para ele, embora ela estivesse igualmente
impressionada com a maneira como a luz do sol brilhava em seus
profundos cabelos castanhos, evidenciando reflexos castanhos e
bronzeados. De seu ponto de vista elevado, ela podia olhar para ele
sem ser observada; por isso, ela se inclinou um pouco sobre a
varanda, tentando observar o que estava lhe causando tanta
consternação. O título do poema que ele estava lendo ficou visível
para ela e a fez perder o fôlego. “O Corsário”.
— Eu pensei que você não gostasse desse poema... — As
palavras foram ditas antes que ela pudesse considerar a sabedoria
de falar com ele depois da cena no dia anterior.
Ele olhou em volta, assustado com a voz dela, e ao não ver
ninguém por perto, olhou para cima. O prazer em seus olhos em vê-
la afugentou qualquer dúvida que ela tivesse. Eles eram calorosos e
convidativos, e o sorriso que se abriu em sua boca era obviamente
genuíno.
— Georgiana! — exclamou ele, e depois ergueu o livro com um
sorriso pesaroso. — Temo que minha opinião permaneça a mesma.
Eu sou um terrível ignorante?
— Ah, sim, certamente — respondeu ela, balançando a cabeça
para ele. — Mas pelo menos você está fazendo o esforço de tentar
— acrescentou ela com o tom mais condescendente.
Ele riu disso e assentiu. — Estou me esforçando muito — disse
ele, brincando com ela, por sua vez.
Ela deu uma risada surpresa, encantada com sua piada boba.
— Mas por que, então, você está lendo-o? — pressionou ela,
olhando para aqueles olhos escuros e orando para que ela tivesse
adivinhado a resposta corretamente.
Ele deteve-se e o sorriso desapareceu de seu rosto. Alisando as
mãos sobre a elegante capa de couro, ele balançou a cabeça. — Eu
não sei, para falar a verdade, é só que... faz eu me lembrar de você,
de... nosso tempo juntos, e pensei que talvez se eu conseguisse
entender o que você amava tanto sobre ele, eu poderia... — Ele
parou e olhou para ela e o olhar suplicante em seus olhos que fez
seu peito doer de saudade.
— Você poderia o quê? — sussurrou ela, segurando o corrimão
da balaustrada com tanta força que seus dedos doeram.
Ele respirou fundo, e ela podia ver a tensão em seus ombros
largos, admirando o ajuste elegante de seu colete enquanto seu
peito se expandia. — Eu poderia encontrar uma maneira de fazer
você me perdoar — disse ele, apressadamente, com o desespero
em sua voz muito audível. — Para... para voltar no tempo e
recuperar tudo o que perdi.
Ela olhou para ele, com seu peito apertado demais para que
conseguisse respirar facilmente; na verdade, ela sentia que mal
conseguia respirar.
— Eu fui tão tolo, meu bem — sussurrou ele, olhando para ela
com angústia, enquanto ela sentia que lágrimas ameaçavam
escapar de seus olhos. — Eu estava indo até você, sabia? Na noite
anterior ao Almack’s. Eu não aguentava mais. Sentia muito a sua
falta.
— V-você estava indo para a Cornualha, para me ver? —
gaguejou ela, quando assimilou a ideia.
— Sim — disse ele, com tanta saudade naquela palavra que ela
não sabia se ria ou se chorava. — Eu não quis dizer as coisas que
disse. — Ela olhou para ele, impressionada pela expressão em seu
rosto e pela incerteza em seu comportamento. — Eu estava com
raiva que... — Ele fez uma pausa e passou a mão pelo cabelo
grosso, desarrumando seu penteado e deixando algo um pouco
mais suave em seu lugar. Ele parecia mais jovem de repente,
inseguro de si mesmo. — Eu idolatrava meu pai — admitiu ele. —
Eu sempre quis me lembrar dele como um... exemplo. — Ele deu
uma risada autodepreciativa e encolheu os ombros grandes. — Foi
só depois que... depois que Beau me atirou no lago — disse ele com
um sorriso. — que comecei a ver ele como um homem comum. —
Seu rosto ficou sério e ele se aproximou da balaustrada, encarando-
a. — Eu estava certo sobre uma coisa. Se sua mãe era tão adorável
quanto você, se ele sentia uma fração do que sinto... eu entendo
exatamente como ele se sentia. Eu entendo agora como ele pôde
ser tão imprudente, por que ele arriscou tudo. Isso porque se ele
fosse atormentado por sonhos com ela, por noites intermináveis e
dias vazios, nos quais tudo o que ele poderia fazer era esperar o
momento em que poderia vê-la novamente... eu entendo. De
verdade.
Ela arquejou e sentiu por um momento que estava vivendo em
um sonho. Parecia tão surreal e improvável que ele estivesse se
declarando, dentre todos os lugares possíveis, no meio de uma
livraria.
— Você se parece com Julieta — disse ele, sorrindo para ela. —
Só espero que tenhamos um final mais feliz — acrescentou ele, com
a voz baixa e cheia de ansiedade.
— Eu também — respondeu ela, com suas palavras pouco mais
do que um sussurro.
— Posso subir? — perguntou ele. Ela assentiu, enxugando uma
lágrima que havia caído apesar de seus melhores esforços
enquanto o observava quase correr para as escadas, e depois subir
duas de cada vez. Ela respirou fundo e tentou acalmar seus nervos
que estavam à flor da pele, e, então, lá estava ele na frente dela.
Ela olhou para ele e se perguntou se tinha esquecido o quão
impressionante ele era, pois ele roubou sua respiração novamente.
Seu refinado casaco azul-escuro era impecavelmente feito sob
medida e ajustava-se perfeitamente a ele, acentuando músculos
duros e braços poderosos. Ela se lembrou da sensação de ter
aqueles braços ao seu redor, o peso de seu corpo sobre o dela, o
toque de suas mãos em sua pele. Um rubor ardia em suas
bochechas e ela esperava que ele não conseguisse adivinhar seus
pensamentos.
— Eu queria matar Beau — disse ele com a voz áspera e ainda
hesitante. — Quando eu ouvi...
Ela desviou o olhar, envergonhada de que ele soubesse disso.
— Você estava certo — admitiu ela. — Eu nunca deveria ter ido no
barco com ele.
— Ele te beijou?
Ela olhou para ele horrorizada. Como ele poderia perguntar-lhe
isso? Será que ele realmente esperava uma resposta? Ficou claro
que ele entendeu o silêncio dela enquanto seus punhos se
fechavam e ele praguejava em voz baixa.
— Ele pediu a minha mão — disse ela, querendo que ele
entendesse o quão precária era sua posição. Ela teria que casar-se
com alguém, ela não seria amante de ninguém, presa em uma
meia-vida entre dois mundos. — O mesmo aconteceu com lorde
Nibley.
Ele arregalou os olhos e engoliu em seco enquanto parecia lutar
para encontrar as palavras para sua próxima pergunta: — Você...
você já...
— Não — respondeu ela com um sorriso triste. — Não, eu ainda
não dei uma resposta. Eu não podia enquanto...
Ela encarou-o, sem querer colocar em palavras o que deveria
ser descaradamente óbvio.
— Eu não posso... — exclamou ele, estendendo as mãos para
ela, com a frase inacabada, pairando no ar entre eles.
Ele não pode se casar com você, ela pensou. É isso que ele
está tentando dizer. Só que de repente suas mãos estavam
embalando seu rosto, seus lábios tão próximos que ela podia sentir
sua respiração em sua pele.
— Eu não posso deixar você se casar com outra pessoa! —
disse ele, com a voz ríspida e urgente e os olhos tão selvagens que
ela teve que inspirar. — Eu vou enlouquecer se você fizer isso,
Georgiana. Por favor, por favor, meu bem. Diga-me que você não irá
aceitá-los.
Ela sentiu sua respiração falhar, querendo tanto lhe dizer o que
ele queria ouvir, mas ele não tinha feito o pedido ainda. — Eu... eu
tenho que me casar, Vossa Graça. Você sabe que eu devo.
— Vossa Graça? — perguntou ele. — Não me chame de Vossa
Graça. Maldição, Georgiana. Sebastian. Diga o meu nome.
— Sebastian — sussurrou ela, e, então, percebeu que estava
tremendo, envolvida no fogo em seus olhos, aterrorizada que estava
suscetível a aceitar qualquer oferta indecente que ele lhe fizesse.
— Diga-me que você ainda me ama — pediu ele, e ela sentiu
como se ele realmente tivesse controle de seus pensamentos, de
sua língua, já que ela não conseguia disfarçar a necessidade em
sua expressão. Ela encarou a escuridão de suas íris, perdida
novamente no pequeno universo de manchas douradas que
queimavam em seus olhos.
— Eu te amo — sussurrou ela. — Eu te amo, Sebastian. 
Ela o ouviu recuperar o fôlego e sentiu o calor de seu polegar
enquanto acariciava sua bochecha.
— Você estará em casa amanhã de manhã se eu te visitar? —
perguntou ele, com uma nova nota de determinação em sua voz.
Ela assentiu, chocada demais para falar, com a esperança
ganhando vida como uma chama em seu peito, aquecendo o
coração que estava tão congelado de tristeza desde que ele a
deixara.
— Vou visitá-la — disse ele, tão seguro à sua maneira que ela
não podia duvidar dele. Havia uma expressão em seus olhos que
prometia tanto. — Tenho coisas para fazer, para considerar... coisas
que eu devo... organizar. Mas eu irei, eu juro.
Ela assentiu novamente, piscando enquanto sua visão ficava
turva.
Ele se aproximou, com seus corpos se tocando, na livraria, onde
qualquer um podia entrar e ver. — Espere por mim — implorou ele.
— Espere por mim, meu bem. Promete?
— P-prometo — gaguejou ela, meio rindo, meio chorando,
enquanto ele ria também, e beijou levemente seus lábios.
— Eu não vou te decepcionar, meu bem — disse ele, com o
sorriso largo e brilhante agora. — Até amanhã.
Ele deu um passo para trás e começou a afastar-se, mas depois
parou e virou de volta para ela, como se precisasse tranquilizar-se
de que ela estava realmente lá.
— Até amanhã — sussurrou ela, pressionando, maravilhada, os
dedos nos lábios. Até amanhã. Ela guardou as palavras em seu
coração, observando enquanto perdia-o de vista.
Capítulo 27
 
“No qual os ânimos estão exaltados e as fofocas encontram terreno
fértil.”

Sebastian andou pelas ruas atordoado, não vendo nada além de


seu futuro. Um futuro que ele poderia compartilhar com ela, com
Georgiana. Por um lado, estava em êxtase; ele a encontrara, a
mulher que seria sua esposa. Ele havia encontrado aquela criatura
impossível que não o queria por seu dinheiro ou seu título. A garota
que amava Byron e seu vira-lata feio e andava para cima e para
baixo durante todas as estações do ano. Ela o fazia sentir-se um
tolo e bobo como um estudante, e como o homem mais poderoso do
mundo quando sorria para ele.
O sentimento em seu peito cresceu e expandiu-se até fazê-lo
chegar a acreditar que tudo o que sentia por ela não poderia ser
contido nos frágeis limites de seu corpo. Era muito grande, muito
poderoso, muito voraz. De repente, Byron e Keats, e aqueles
sentimentos românticos exagerados que ele sempre achou bastante
tolos e um pouco embaraçosos fizeram todo o sentido. Eles
estavam tentando capturar a essência de algo que era de fato tolo e
fantástico e maior do que qualquer outra coisa na vida, através de
palavras em uma página. Ele queria rir e gritar que ele entendia
agora. Tudo fazia sentido agora.
Com um sorriso irônico, ele olhou em volta para os homens e
mulheres da alta sociedade que passeavam para cima e para baixo
enquanto se dirigia para a St. James' Street, alegremente
inconsciente de seus pensamentos turbulentos enquanto o outro
lado da moeda se apresentava a ele.
O que diabos diria à sua mãe?
Ele imaginou uma cena em que ele era corajoso o suficiente
para dizer a ela que tinha se apaixonado por uma garota que era a
cópia da mulher que arruinou sua vida. Essa garota era, de fato, a
filha da Sereia, a criatura que havia roubado seu marido, deixado
seu filho sem pai e transformado sua mão em uma pessoa muito
envergonhada e humilhada para enfrentar o mundo novamente.
Como poderia explicar a notícia de que lady Georgiana agora
tomaria o título que um dia fora dela? Que ela se tornaria a duquesa
de Sindalton. Ele poderia realmente ser assim tão cruel? Ele poderia
realmente deixar seu passado de lado em detrimento de seu futuro?
Seu rosto ficou anuviado à medida que o futuro se tornava
menos claro e o caminho, menos óbvio. Ele amava Georgiana e não
se importava com o que os boatos diziam dela. Eles causariam uma
agitação excitante e seriam o assunto da alta sociedade por alguns
meses. Mas, logo, outro escândalo, outro pobre coração partido ou
outro corno envergonhado subiria ao palco... e sua história seria
esquecida.
Mas o escândalo poderia destruir sua mãe, o choque disso
colocaria uma pressão muito grande sobre uma criatura nervosa
que passou tanto tempo perto da histeria, como era de se esperar.
Isso poderia realmente fritar seu cérebro para sempre... ou talvez
até mesmo matá-la. Ele poderia viver com essa culpa?
A impressionante fachada palladiana de seu clube despontou e
ele atravessou a rua. A pedra Portland branca brilhava ao sol
quando ele entrou no ambiente tranquilo e sofisticado do White's.
Passando pelo espaço vazio da janela saliente reservada ao duque
de Wellington – algo que o pobre Beau Brummel tinha ido atrás –
encontrou uma mesa num canto sossegado e esperava ser deixado
sozinho. Ele se perguntou se o outro Beau, seu conhecido,
compartilharia o mesmo destino, fugindo para a França para
escapar da prisão para devedores. Porque ele nunca permitiria que
ele se casasse com Georgiana para salvar-se. Ele ficaria feliz em
liquidar sua dívida, sem nunca exigir um centavo em troca, mas
mesmo por seu amigo mais próximo, não desistiria da mulher que
amava. Ele amava Beau como o irmão que nunca teve e faria quase
qualquer coisa por ele, mas não isso.
A ideia de que ele a beijara fez com que a raiva e o ciúme
ardessem brilhante e furiosamente por trás de seus olhos e ele
agarrou o decantador que havia sido colocado em silêncio diante
dele e derramou uma grande quantidade. Sebastian fechou os olhos
e soltou o ar enquanto o álcool movia-se vagarosamente através
dele, infiltrando-se em seu sangue e criando uma sensação quente
em seu estômago. Ele virou o copo e encheu outro, e em seguida,
sentou-se olhando para o líquido âmbar enquanto enchia e
reabastecia seu copo à medida que o dia passava. Seu cérebro
corria em círculos ansiosos, redondos e em torno dos mesmos
dilemas, dos mesmos argumentos, dos mesmos resultados. Ele
olhou para cima algum tempo depois e viu o pouco do conhaque
que restava no decantador, como foi atestado pela dor de cabeça
que sentia. A única coisa que permaneceu clara para ele durante
todo o tempo, a única constante que ele podia se agarrar, era que
ele amava Georgiana. O pensamento que perfurou a névoa de seu
cérebro emaranhado foi vívido, claro e irrefutável. Era a única coisa
que sabia.
Sua atenção foi atraída quando uma sombra cobriu a mesa e ele
se forçou a concentrar-se em seus arredores, em vez dos
pensamentos revolvendo em seu cérebro.
— Oh, meu Deus, agora não, Beau — resmungou ele,
balançando a cabeça. — Você não quer estar perto de mim agora,
eu juro.
— Talvez não, mas acho que você passou tempo suficiente com
isso em sua companhia — comentou seu amigo, gesticulando para
que um criado o removesse. — Traga uma bule de café —
acrescentou ele, observando Sebastian com cautela em seus olhos.
— Você está bêbado — observou ele com certa surpresa. — Você
deve estar de péssimo humor.
— Oh, eu estou — respondeu Sebastian, sem tirar os olhos do
homem que o observava. Para sua consternação, Beau não o
deixou sozinho como ele esperava que fizesse, mas sentou-se na
sua frente.
— Eu acho que você deveria ouvir isso de mim — disse ele,
encarando os olhos azuis apreensivos de Sebastian. — Eu pedi a
mão da senhorita Dalton em casamento. Eu sei que te disse que
iria, mas... bem, você é meu amigo e eu não vou fazer nada pelas
suas costas. Então está feito. Aguardo sua resposta.
— Eu sei — disse Sebastian, desejando que o bastardo não
tivesse removido o conhaque porque ele realmente precisava de
uma maldita bebida.
Beau estreitou os olhos, desconfiado. — Então, eu sei que os
boatos irão se espalhar rapidamente, mas isso é um trabalho rápido
demais até mesmo para essas pessoas... Como você sabe disso,
posso perguntar?
Sebastian sorriu para ele e sentou-se em sua cadeira, não se
importando que parecesse presunçoso. — Porque ela me disse.
Houve um aperto quase imperceptível da mandíbula de Beau e
seus olhos brilharam de uma maneira que Sebastian sabia que
significava problemas. — Ela te contou? — repetiu ele. — Quando?
— Esta manhã — respondeu Sebastian, encarando o olhar de
Beau. — Ela também me disse que não quer você ou Nibley. Ela
ainda me ama, Beau. Sou eu que ela quer.
Beau bufou e balançou a cabeça. — Eu sei que ela te ama, seu
tolo. Mas o que exatamente você está oferecendo a ela? Você
realmente vai enfrentar sua mãe e dizer a ela que está se casando
com lady Dalton? Porque, francamente, acho que vai precisar da
coragem que não tem.
Sebastian enrijeceu de fúria e inclinou-se sobre a mesa. — Não
se atreva a me insultar quando tudo o que quer é colocar as mãos
no dinheiro dela!
Beau fez cara feia para ele e seu rosto ficou branco de
indignação. — Ah, mas isso não é tudo em que eu quero colocar as
mãos — disse ele, com a voz baixa. — E ela pode não me amar,
mas eu garanto a você, ela não acha a ideia de forma alguma
repulsiva.
Antes que Sebastian pudesse pensar sobre o que estava
fazendo, sobre onde eles estavam e o estrago que isso causaria, ele
simplesmente reagiu. A ideia de Beau, o libertino mais notório da
alta sociedade, com as mãos em Georgiana fez com que a raiva,
abrasadora e irresistível, incendiasse seu cérebro embriagado. Ele
se jogou para a frente e derrubou Beau de sua cadeira, os dois
caindo no chão enquanto Sebastian movia punho para trás para dar
um soco.
Houve gritos de alarme e, para a frustração de Sebastian, ele foi
arrastado para longe de Beau antes que pudesse desferir um soco.
Beau também estava lutando com fúria, dois homens seguravam-no
enquanto olhavam um para o outro com a necessidade de violência
em seus olhos.
— Cavalheiros — disse uma voz chocada e culta ao lado deles,
e Sebastian se forçou a desviar o olhar de Beau e encontrou os
olhos surpreendentemente irritados de lorde Nibley. — Eu acho que
vocês deveriam ter vergonha de si mesmos — disse ele, em um tom
baixo. — Agora, vocês dois vão sentar e tomar uma bebida juntos.
Ambos olharam para Nibley como se tivesse duas cabeça, já
que a ideia de se sentar com Beau fazia Sebastian querer bater nele
novamente.
— Eu não vejo como eu posso ser considerado o culpado por
essa ceninha — respondeu Beau, rearrumando sua gravata e ainda
olhando para Sebastian. — Acho que me deve um pedido de
desculpas.
Sebastian bufou com a probabilidade de isso acontecer e Nibley
agarrou seu braço com uma violência surpreendente.
— Você fará isso e qualquer outra coisa necessária para tentar
reduzir os danos que já causou a uma certa jovem inocente —
sibilou Nibley, com sua estrutura magricela tensa de raiva.
Sebastian respirou fundo enquanto o sentido disso filtrava
através de seu cérebro encharcado de bebida alcoólica. Bom Deus,
o que ele estava pensando? De todos os lugares onde poderia
atacar Beau, logo aqui? Aborrecendo-se ainda mais, ele viu que
Beau já havia se sentado e estava pedindo uma bebida, parecendo
perfeitamente despreocupado. Pelo menos Sebastian pensou que
ele parecia despreocupado, até que ele se sentou e olhou
atentamente para aqueles olhos azuis e viu o brilho frio do
ressentimento ainda à espreita.
Os três homens sentaram-se juntos e beberam, embora, desta
vez, Sebastian tenha optado pelo café, e tentou apresentar uma
aparência calma. A atmosfera na mesa, no entanto, estava longe de
ser jovial, apesar dos melhores esforços de Nibley.
Eles se forçaram a permanecer por meia hora; nessa altura, os
três homens se levantaram, apertaram as mãos e forçaram um
sorriso em seus rostos antes de seguirem caminhos separados.
***
Parece que a Sereia atacou novamente, uma vez que a
violência irrompeu dentro das paredes sagradas do White's, de
todos os lugares em que poderia acontecer! Amigos desde a
infância chegaram às vias de fato e outro pretendente foi forçado a
intervir. Parece que foram feitas apostas sobre qual desses amantes
de sangue quente vencerá. A alta sociedade está impaciente
enquanto a cena se desenrola diante de nós. Haverá assassinato,
derramamento de sangue ou uma repetição do escândalo ultrajante
da década anterior? Embora o sempre encantador M de B e o rico
lorde N tenham declarado publicamente seu interesse pela mais
nova beleza ardente da sociedade, o D de S não pareceu ser
recebido com nenhum prazer ou ter aceitado o desafio. O que
exatamente o homem está oferecendo e por que ele está tão
enfurecido com a corte de seu melhor amigo a uma mulher que
certamente não pode trazer nada além de constrangimento para sua
distinta família?
 
Georgiana encarou o jornaleco sensacionalista com as
bochechas queimando. Como eles podiam ter feito aquilo? Como
eles poderiam lutar por ela em um lugar público como cães lutando
por um osso! Ela agradeceu a Deus por Alex ter sido convocado no
início desta manhã e Céleste ainda estar acamada. Ela não achava
que poderia enfrentar ninguém por um tempo. Como ela iria ser
capaz de participar, nas próximas semanas, de qualquer evento
dentre as dezenas de eventos formais com as quais estava
comprometida? Os constantes olhares e cochichos já eram bastante
irritantes antes, mas agora isso! Ela amassou o revoltante jornal e
jogou-o do outro lado da mesa antes de levar as mãos à cabeça.
O som do arranhar da porta indicava a presença do mordomo
antes de abri-la e entrar na sala.
— A Sua Graça, o duque de Sindalton, está aqui para vê-la,
milady.
Ela assentiu, sorrindo para o olhar ansioso nos olhos do velho.
O conde estava longe de casa, e todos os criados sabiam como ele
se sentia com relação ao duque. No entanto, mesmo que
conhecessem a fofoca, tão bem quanto a alta sociedade, e ela tinha
a sensação de que o velho não queria ficar no caminho de um caso
amoroso, se é que podia chamar aquilo disso.
— Está tudo bem — disse ela, oferecendo-lhe um sorriso
tranquilizador. — Por favor, pode trazê-lo.
— Devo solicitar à senhorita Sarah para acompanhá-la, milady?
— Não, obrigada. A Sua Graça é um cavalheiro, posso lhe
assegurar.
O mordomo não parecia totalmente convencido com essa
declaração, e ela sabia que ele estava certo. Ela não deveria
permitir que Sebastian ficasse sozinho com ela nas atuais
circunstâncias, mas o mordomo retirou-se e fez o que lhe foi
instruído.
Ela respirou fundo e alisou a seda de seu vestido de manhã azul
vibrante. Tinha sido enfeitado com renda branca e ela ficou mais do
que satisfeita com o efeito quando Sarah arrumou o cabelo e
acrescentou seu colar favorito de pérolas em volta do pescoço. Ela
havia se vestido com esmero, borbulhando de excitação com a
expectativa de sua visita. Mas, agora, ela não tinha certeza se
deveria ficar furiosa ou desapontada, ou tão ansiosa e feliz quanto
estava ao acordar.
Ela levantou-se e fez uma reverência quando ele entrou e ao
olhar para cima foi cativa pela expressão em seus olhos.
Ele deu uma gargalhada um pouco surpresa e balançou a
cabeça. — Sinto muito — disse ele, sorrindo. — Eu fico
impressionado toda vez que te vejo. Eu acho que cada vez que nos
separamos, confio cada detalhe do seu belo rosto à minha mente, e
toda vez que eu te vejo, te acho muito mais adorável do que me
lembro.
— Talvez você tenha apenas uma memória fraca — respondeu
ela um pouco bruscamente, embora, na verdade, estivesse
encantada com suas palavras. Mas seu comportamento, conforme
relatado nos jornais sensacionalistas, não poderia ser perdoado sem
comentários. Como ele poderia ter sido tão descuidado?
Seu sorriso sumiu e ele se aproximou um pouco mais dela. —
Não me surpreende que você esteja com raiva de mim — disse ele,
com a voz baixa. — Na verdade, você não pode ficar mais furiosa
do que eu estou comigo mesmo. Eu... infelizmente estava muito
embriagado, não que isso seja uma desculpa, mas Beau e eu
discutimos... Infelizmente estava com muito ciúme. A ideia de você
com ele... — Sua voz tornou-se ríspida e ele balançou a cabeça,
afastando-se dela. — Eu piorei tudo, eu sei. Mas eu estou aqui
agora e se acha que pode me perdoar pelo meu comportamento
terrível, há... há uma pergunta que gostaria de lhe fazer.
Sua respiração falhou e ela o observou virar-se para enfrentá-la
novamente.
— Pergunte — sussurrou ela.
Ele sorriu e atravessou a sala, com suas mãos encontrando sua
cintura e puxando-a para mais perto dele, seus corpos quase se
tocando.
— Georgiana — sussurrou ele. —, eu te amo desde o dia em
que você me repreendeu tão exaustivamente naquela caverna. Eu
te amo loucamente, a ponto de eu querer assassinar meu melhor
amigo por ousar considerar que poderia tomá-la para si. Você é
minha, querida. Pertencemos um ao outro. — A pressão em sua
cintura aumentou quando ela olhou para seus olhos, que estavam
sérios e mais sóbrios do que nunca. — Não vai ser fácil, meu bem,
minha... minha mãe vai tornar a vida difícil para nós, tenho medo,
mas... — Ele respirou fundo e ajoelhou-se, pegando as mãos dela
entre as dele. — Por favor, Georgiana, diga-me que você é corajosa
o suficiente para enfrentar tudo. Diga-me que podemos rir diante do
escândalo de nossos pais e fazer algo bom e certo com o caos em
que eles nos jogaram. Eu te amo de todo coração. Por favor, meu
amor, case-se comigo e faça de mim o homem mais feliz do mundo.
Ele olhou para ela, com ansiedade e expectativa em seus olhos
escuros enquanto ela dava uma risada um pouco engasgada e
balançava a cabeça e seus olhos ficavam embaçados.
— Sim — disse ela, com a voz rouca. — Sim, sim, claro que
sim!
Ele riu e ficou de pé, puxando-a para um abraço e beijando-a.
Seus lábios eram gentis, e ela sentiu o sorriso contra a boca quando
o ouviu rindo novamente.
— Graças a Deus — sussurrou ele. — Eu estava com tanto
medo de ter arruinado tudo.
Ela se agarrou a ele, com a cabeça em seu ombro enquanto a
enormidade do que eles enfrentavam caía sobre ela. — Sua mãe vai
ficar com muita raiva?
Ele ficou em silêncio por um momento, e ela soube, então, que
Beau estava certo. Ele estava com medo do que a notícia faria com
ela.
— Sim — disse ele, com a voz cheia de arrependimento. —
Embora eu não tenha certeza se raiva é a palavra certa. — Ele
olhou para ela e seu belo rosto estava perturbado. — Ela não é uma
mulher forte, Georgiana, e... tenho medo de contar a ela.
— Ajudaria se ela me conhecesse, você acha?
— Meu Deus, não! — exclamou ele, soltando-a e afastando-se.
— Ela terá que me conhecer, mais cedo ou mais tarde — disse
ela, consternada com a veemência de sua reação.
— Sim, é claro que ela vai — concordou ele. —, mas eu preciso
de tempo para falar com ela, para... para tentar fazê-la entender.
Havia tanta ansiedade, uma dúvida tão óbvia em sua voz que
ela sabia o quão improvável era a possibilidade de ela compreender.
— Você pode realmente fazer isso, Sebastian? — perguntou ela,
aterrorizada de que ele mudasse de ideia mesmo agora. Suas mãos
se agarraram, os dedos se contorcendo quando ela começou a
temer que ele não pudesse enfrentar machucar tanto sua mãe. —
Você pode realmente dizer a ela que faria da filha de lady Dalton
sua duquesa?
Ele virou-se rapidamente, e qualquer dúvida sumiu quando ele
diminuiu a distância entre eles e a beijou. Seu beijo aqueceu sua
pele e incendiou seus sentidos enquanto o desejo ganhava vida. Ela
ansiava por isso há tanto tempo. Era isso que ela precisava saber.
Nibley tinha oferecido a ela segurança e amizade; Beau, um mundo
sensual de prazer carnal desprovido de amor, mas isto... isto era
tudo. Sebastian era tudo o que eles ofereciam e muito mais. Ela
gostava dele tão plenamente quanto o amava. Ela se sentia segura
em seus braços e queria arrancar as roupas de suas costas com
uma paixão que nem mesmo Beau poderia ter despertado, porque
não havia nada mais inebriante do que a amizade entre eles.
Sua consciência nos braços de Sebastian parecia expandida e
entorpecida ao mesmo tempo. Ela estava agudamente consciente
dele, do calor de sua boca, do deslizar insistente de sua língua
enquanto ele envolvia seus braços em torno de seu corpo e a
puxava o mais perto possível sem tirar o ar de seus pulmões. Ela
estava ciente do peso dele, da disparidade de seu corpo, mais duro
e maior, esmagando sua própria estrutura, mais macia, e da
urgência de suas mãos enquanto deslizavam sobre ela. Assim, tudo
além dele e seu toque desapareceu. O som do mundo além das
paredes da sala, o tique-taque do relógio da lareira, a impropriedade
de beijá-lo com tanta paixão na casa de Falmouth... tudo isso se foi.
Ele a libertou com óbvia relutância, sua respiração tão irregular
quanto a dela.
— Meu Deus, Georgiana, devemos nos casar assim que isso
puder ser arranjado — disse ele, a frustração em seus olhos quase
cômica e, de fato, ela lutou para não rir.
Ele soltou uma risada envergonhada, já que ela evidentemente
não conseguia disfarçar sua diversão.
— Isso foi suficiente para responder à sua pergunta, meu bem?
— sussurrou ele. — Você vê que não podemos nos separar? Vou
enfrentar qualquer coisa por isso, qualquer coisa. Você não
enfrentaria?
— Sim! — exclamou ela, e depois se aquietou quando um
pensamento horrível lhe ocorreu e ela sentiu a cor esmaecer de seu
rosto.
— O que foi? — perguntou ele, tomando-a, de novo, em seus
braços, claramente chocado com sua súbita palidez. — No que você
está pensando?
— Era assim que eles se sentiam — sussurrou ela. — Seu pai,
minha mãe... foi isso que os impulsionou.
— Não — disse ele, com a voz implacável e o rosto forte cheio
de segurança. — Isso não vai acontecer com a gente. Nós dois
somos pessoas livres. Não estamos machucando ninguém, exceto
minha mãe, e farei tudo o que estiver ao meu alcance para facilitar
para ela, assim como para você, está bem? Não é a mesma coisa,
meu bem. Você sabe que não é.
Ela assentiu e sorriu para ele, tentando sentir-se tranquilizada
por suas palavras, mas a sensação de desconforto permaneceu e
só aumentou quando ele a deixou sozinha.
Capítulo 28
 
“No qual a loucura é inevitável.”

Enquanto Sebastian subia os degraus de casa na Grosvenor


Square, seu lacaio de aparência exaurida e peruca empoada torta,
emergiu das portas da frente. Ajeitando o chapéu enquanto fechava
as portas e vestindo seu casaco enquanto se apressava, ele
aparentava estar claramente envolvido em alguma tarefa urgente.
Seu rosto tranquilizou-se de uma maneira quase cômica quando
pousou os olhos em seu patrão.
— Oh, Vossa Graça! — disse ele, com um alívio tão óbvio que
Sebastian ficou impressionado com a sensação imediata de mau
presságio. Seus criados nunca falavam alto nem expressavam
curiosidade ou qualquer emoção imprópria a um membro de sua
casa. Assim, a falta de decoro do lacaio só poderia significar que
algo de natureza muito grave havia ocorrido. — Eu estava indo ao
seu encontro.
— O que foi, Benson? — perguntou ele, conduzindo o sujeito de
olhar abalado de volta para dentro da casa antes que algo pudesse
ser interpretado por qualquer outra pessoa.
Uma vez que a porta se fechou, Benson pareceu lembrar-se de
sua posição e endireitou-se.
— É a duquesa viúva, Vossa Graça. Mas garanto-lhe que não
tínhamos ideia de que ela iria... O que quero dizer, Vossa Graça...
Como sabe, é seu hábito ficar em seus aposentos até o meio-dia,
então os criados, nenhum de nós esperava... ou seja...
— Ou seja o quê? Você está com algum problema mental?
Nunca ouvi ninguém dizer tanto e tão pouco ao mesmo tempo! —
explodiu ele, temendo o pior.
Seus medos pareceram se confirmar com o olhar sério nos
olhos de seu criado. — Não sabíamos que a duquesa viúva
pretendia visitar a sala de café da manhã, Vossa Graça. Se
soubéssemos, é claro que teríamos nos esforçado para remover...
— Ela viu os jornais da manhã — completou Sebastian, com
uma expressão sombria.
O lacaio assentiu, e seu rosto possuía uma palidez aterrorizada.
— E-eu devo assumir total responsabilidade, Vossa Graça... Eu
deveria ter...
— Bobagem — respondeu Sebastian. — Posso ser exigente,
Benson, mas não acredito que alguma vez tenha exigido que minha
criadagem tivesse clarividência.
O alívio do homem à sua frente era palpável e marcante. —
Obrigado, Vossa Graça — respondeu o homem, com profunda
sinceridade.
— Não me agradeça ainda — disse Sebastian com o rosto
sombrio enquanto deixava seu casaco e chapéu aos cuidados do
segundo lacaio. — Isso significa que você ainda é um membro desta
família e está em uma situação que ainda pode ser nossa ruína.
Como está minha mãe agora?
Benson corou um pouco quando um estrondo de porcelana
sendo quebrada pôde ser ouvido vindo do andar de cima.
— Não importa — disse Sebastian, com o coração afundando, e
ele não tinha dúvida de que ela provavelmente permaneceria pelo
resto do dia desse jeito. Ele começou a correr para o andar de cima,
chamando novamente Benson. — E chame o doutor Alperton. Diga
a ele que é uma emergência. — Ele tinha acabado de chegar ao
topo quando escutou um grito, e lady Rush, a dama de companhia
de sua mãe, atravessou as portas como se estivesse sendo
perseguida pelo diabo. Ela correu pelo corredor até seus próprios
aposentos, chorando histericamente, enquanto Sebastian
praguejava e corria para a porta de sua mãe.
Ela estava andando e murmurando, e seus longos cabelos
grisalhos estavam soltos e desgrenhados em torno de seus ombros
e suas saias pretas de bombazina amarrotadas. Ao vê-lo entrar no
quarto, seu olhar febril se transformou em um de fúria, ela correu
para a lareira e pegou um cachorro de porcelana Staffordshire, um
de um par que estava em sua família há gerações. Não por muito
mais tempo, pois ela o tacou com força considerável para uma
mulher de pequena estrutura. Com uma precisão surpreendente
também, Sebastian foi forçado a se abaixar quando o cão sem
expressão passou por um triz pela sua cabeça e explodiu contra a
parede.
— Demônio — gritou ela, correndo para pegar seu par de
porcelana e jogá-lo da mesma forma. — Como se atreve? — Dessa
vez, o cão da porcelana partiu-se aos seus pés enquanto ela
procurava outra arma. — Como você se atreve a vir até mim depois
de encontrar a sua prostituta? Você nos arruinou por aquela bruxa
ruiva, aquela vagabunda... — Para seu espanto, ela desistiu de
procurar uma arma e atirou-se em sua direção, arranhando seu
rosto e tentando arranhar seus olhos enquanto ele era forçado a
segurá-la.
— Mãe! — gritou ele. — Pare com isso!
— Homem perverso... perverso... oh, Sindalton, Sindalton, como
você pôde... com aquela criatura... criatura maligna! Você não se
importa com o seu próprio filho?
Com o horror crescente, Sebastian percebeu que não era ele
que ela estava vendo, mas seu pai morto há tantos anos. Ela
acalmou-se enquanto ele segurava seus pulsos em um forte aperto
e colapsou no chão. Soluçando e delirando, ela xingou sua
prostituta ruiva com palavras cruéis e grosseiras que ele nunca
imaginava que sua mãe soubesse.
No momento em que o médico Alperton foi levado ao seu
escritório algumas horas depois, Sebastian conseguiu encontrar um
certo nível de tranquilidade tolerável. O comportamento da sua mãe
tinha se tornado cada vez mais errático e volátil com o passar dos
anos, mas isso chocou-o verdadeiramente. A essa altura, ele estava
controlado o suficiente para enfrentar o homem que o havia
entregado a este mundo e sabia tudo que tinha para saber do
escândalo de sua família. Ele era um homem baixo e bastante
corpulento, com um gosto terrível e banal para coletes, mesmo
sendo um médico, e Sebastian sempre o achou um sujeito bastante
frívolo. Mas ele sempre foi muito solícito e, quando Sebastian sentia
que preferia ceder aos ataques de ansiedade de sua mãe, ele era
extremamente grato por sua discrição e pela dignidade silenciosa
com que agora falava. Havia uma tristeza real em seus olhos
quando ele foi apertar a mão de Sebastian.
— Vossa Graça — disse ele, com a expressão séria. — Não tem
ideia do quanto lamento encontrar sua mãe nesse estado. Eu lhe dei
um sedativo, é claro, e voltarei logo pela manhã.
— Ela... ela vai se recuperar? — perguntou ele, mal se
atrevendo a ouvir a resposta.
O médico suspirou e deu-lhe um sorriso torto. — Sabe que eu
não posso lhe dar uma resposta com total certeza com relação a
isso, milorde, tanto quanto eu gostaria.
— Então o que a sua intuição lhe diz sobre o assunto? —
indagou Sebastian com evidente mau humor, sabendo que estava
sendo injusto; o homem não era Deus, afinal. — Porque, se ela não
se recuperar... temo ter feito muito pior do que matá-la com as
minhas próprias mãos! — Ele parou e foi servir uma bebida para ele
e para o médico. — A culpa é minha, sabe... Eu... Eu pedi a
senhorita Dalton em casamento... Eu não preciso pedir sua
discrição... depois de todos esses anos... mas minha mãe viu a
maldita fofoca em um daqueles malditos jornalecos esta manhã...
Ele parou de falar abruptamente e virou sua bebida em uma
grande gole antes de entregar o outro copo ao médico.
— Posso falar francamente, Vossa Graça? — perguntou o
médico, com a voz suave e uma quantidade surpreendente de
simpatia em seus olhos.
— Claro — respondeu Sebastian, sentando-se ao lado do fogo e
gesticulando para Alperton fazer o mesmo. — Você me conhece a
minha vida inteira e conheceu meus pais antes de tudo isso
acontecer. Não há ninguém em quem eu confie mais.
O médico sorriu para ele. — Você não tem ideia do quanto isso
me honra, Vossa Graça, sendo assim, vou tirar proveito dessa
intimidade, se me permite. — Ele alisou uma mão sobre sua barriga
bastante rechonchuda, que estava coberta por um colete
verdadeiramente berrante, enquanto reunia seus pensamentos. —
Eu conheci seus pais antes de se casarem, como bem sabe, e para
ser franco, nunca vi um casamento pior do que aquele. — Ele
deteve-se, e lançou um sorriso acolhedor e genuíno para Sebastian.
— Seu pai era um bom homem, mas ele foi prometido à sua mãe
quando eles eram pouco mais do que crianças. À medida que
cresciam, ficou evidente que sua mãe talvez fosse... nervosa, para
dizer o mínimo. Ela nunca teve a saúde inabalável e foi mimada por
pais excessivamente indulgentes. Ela era propensa a ataques de
raiva e... e à irracionalidade. Ela era, no entanto, uma beleza em
sua juventude e, bem, para ser franco, seu pai tinha um coração
bom demais para desistir.
Sebastian sentiu um nó de tensão começar a se desfazer um
pouco com as palavras do médico.
— Eu não a levei à loucura? — perguntou ele, com a voz rouca.
— Não! — exclamou o médico, balançando a cabeça com vigor.
— A verdade é que sua mãe sempre teve um temperamento
nervoso e bastante instável. Com toda a honestidade, ela afastou
seu pai. Ele estava solitário, especialmente depois que você nasceu.
A experiência do parto... bem, não caiu bem à sua mãe. Ela amava
você cegamente, mas nunca mais deixou seu pai tocá-la.
Eles ficaram quietos por um tempo enquanto o médico lhe
permitia digerir essa informação nova e reveladora.
— Ele era um bom homem — disse Sebastian, com a voz baixa.
— Ele era, de fato — respondeu o médico, sorrindo. — E ele era
muito orgulhoso de você. Mais orgulhoso do que você talvez possa
imaginar.
Sebastian sentiu um nó na garganta e teve que desviar o olhar,
fitando o fogo enquanto o rosto sorridente de seu pai vinha à sua
mente.
— Ele te amava — disse o homem mais velho. — E ele amava
lady Dalton.
Sebastian olhou para cima e encontrou os olhos gentis do
homem nele. — Ele nunca teria feito isso se tivesse percebido o que
isso significaria para você, tenho certeza. Mas ele a amava, isso eu
sei. E ela o amava.
Sebastian fechou os olhos e soltou um suspiro. — Obrigado —
disse ele.
— Não há nada para me agradecer — respondeu Alperton. —
Afinal, são apenas as reminiscências de um homem velho. Mas
nada disso é culpa sua, nem da jovem lady. Não tenho como
assegurar-lhe se sua mãe vai recuperar a mente ou não, Vossa
Graça, mas eu vou dizer uma coisa. Não deixe que a tragédia deles
seja sua. Não deixe que a história se repita. Sua mãe viveu a vida
como bem entendeu, e esse é o resultado. Não mude sua vida para
tentar criar outra geração de sofrimento para apaziguar alguém que
nunca pôde ser verdadeiramente feliz, não importa o que você faça.
Capítulo 29
 
“No qual a farsa e a violência são discutidas.”

Georgiana deixou seu bordado de lado enquanto uivos e latidos


vinham do andar de baixo. Alex e Céleste tinham ido almoçar com
tia Seymour, mas a velha senhora tinha ficado adoentada enquanto
eles estavam lá, e eles tinham enviado uma mensagem para que ela
soubesse que eles não voltariam até o dia seguinte. Não era nada
grave, mas Alex queria esperar para ver o médico e se tranquilizar
de que sua tia estava em boas mãos. Eles deveriam participar de
um baile de máscaras esta noite, mas Alex havia combinado que
lorde Nibley e sua irmã deveriam levá-la, esse fato que a fez sorrir.
Ela se perguntou se Alex acreditava que estava dando uma de
cupido, embora essa fosse a oportunidade perfeita para dizer ao
pobre Percy que ela havia chegado à sua decisão. Mas a ausência
de seus anfitriões significava que ela havia sido deixada sozinha, o
que lhe convinha. Ela mal tinha conseguido fazer um ponto que não
ficasse torto, mas ela não se importava nem um pouco. Sebastian
lhe havia pedido em casamento! As deliciosas palavras de seu
pedido, a maneira apaixonada com que ele a beijara, tudo isso foi
examinado e repetido em detalhes em sua mente, em detrimento de
sua costura. Ela esperava ter notícias dele hoje, ou até mesmo vê-lo
pessoalmente, mas sabia que ele deveria estar passando um tempo
com a mãe, tentando ajudá-la a chegar a um acordo com suas
núpcias iminentes com uma mulher que ela não podia evitar
desprezar. Ela o veria esta noite, no baile, e a ideia fez a ansiedade
queimar de forma agradável em suas veias.
Os latidos tornaram-se cada vez mais estridentes, e sua
curiosidade agora atingiu o auge, e Georgiana decidiu investigar.
Abrindo a porta, ela olhou para o corredor e viu o mordomo correndo
para baixo e os gritos ficando cada vez mais intensos. Imaginando
que tipo de travessura seu terrível cão havia iniciado agora, ela
decidiu que era melhor seguir o som; assim, pegou suas saias e
correu pelas escadas em direção à cozinha enquanto um grito fazia
as paredes tremerem.
A cena que a aguardava ao entrar no território sagrado que
pertencia unicamente à ditadura do chef Alphonse era uma cena
que só mesmo Bruegel poderia ter feito justiça. Na verdade,
lembrou-se imediatamente de “O Combate entre o Carnaval e a
Quaresma”, uma pintura que a divertia quando era muito jovem.
De pé sobre a mesa da cozinha, em toda a sua majestade
imponente, estava Alphonse. Em uma mão ele brandia uma concha
e na outra segurava um presunto Westfália chocantemente caro; em
torno da outra extremidade do presunto, estavam presas as
mandíbulas de um spaniel de expressão determinada.
— Oh, graças aos céus — murmurou Georgiana, bastante
aliviada que o perverso cachorrinho de Céleste, Bandit, era o
culpado, e não Conrad. Seu alívio durou pouco, no entanto, quando
um esquilo correu através de uma prateleira do armário, fazendo
com que porcelana caísse no chão por onde passasse, enquanto
Conrad latia com tanta empolgação e o perseguia em direção à
despensa.
— Santo Deus — exclamou ela, enquanto a governanta gritava
quando o esquilo de repente desviou de direção e voou pela
cozinha, com a cauda batendo, a um palmo de seu rosto. Em
choque, a mulher cercada deixou cair um pote cheio de picles. O
vidro quebrou espirrando o líquido em conserva na bainha das saias
de Georgiana e enchendo a cozinha com o aroma pungente de
vinagre. O esquilo saltou novamente e pendurou-se na lamparina a
óleo sobre suas cabeças, furioso quando Conrad pulou na mesa ao
lado de Alphonse para se aproximar. Isso era demais para
Alphonse, que deu um golpe em Conrad com a concha, errou e
perdeu o equilíbrio. Para dar ao mordomo idoso o seu devido
crédito, ele tentou se mover rapidamente para interceptar o chef
bastante pesado antes que caísse no chão, mas só conseguiu
amortecer sua queda.
Com o coração afundando à medida que a cena ficava ainda
mais caótica, Georgiana decidiu que bastava. Ela ajudou o
mordomo ofegante a levantar-se, enquanto Alphonse saía de cima
dele, e então correu pela passagem que levava à área de serviço.
Lá, ela encontrou duas criadas trêmulas escondidas.
Repreendendo-as profundamente por serem tão covardes, ela as
enviou para a briga armadas com vassouras e cestos.
Depois de uma boa quantidade de exclamações, gritos e
correria para cima e para baixo, o esquilo – que infelizmente era
responsabilidade de Conrad depois de ter trazido a coisa miserável
e deixá-lo fugir – foi confinado em segurança em uma cesta de
piquenique. Ela foi entregue aos cuidados do segundo lacaio para
ser levada ao Hyde Park, sem demora. Georgiana teve dificuldade
de decidir qual das criaturas atrevidas estava mais chateada com
esse arranjo. O esquilo furioso começou a rosnar com ferocidade
inquietante dos confins de sua prisão, enquanto o segundo lacaio
dava um bufo revoltado de desdém e pegava a cesta como se
contivesse uma cabeça sangrenta em vez de um pequeno roedor
descontente.
Com um problema a menos, Georgiana retirou o presunto das
mãos de Alphonse com uma severa exigência de saber quem
exatamente ele achava que iria querer comer a maldita coisa agora?
Alphonse, que estava estatelado no chão da cozinha e mantendo
um Bandit continuamente gritando à distância com a concha,
finalmente viu o sentido nisso. Ele largou o presunto, mas não a
concha, e Georgiana o jogou no jardim. Depois disso, foi fácil tirar os
dois danadinhos que haviam causado tantos problemas, já que
seguiram o presunto como uma recompensa injusta por sua
travessura.
Com um suspiro, Georgiana voltou sua atenção para a cozinha.
A governanta sentou-se no canto soluçando em seu avental;
Alphonse serviu-se do melhor conhaque do conde e ameaçava pedir
demissão em um inglês apaixonado e capenga; e uma cena de
devastação estava diante dela, não importava para onde ela
olhasse.
Uma hora depois, ela havia enviado o mordomo, Alphonse e a
governanta para tomar chá e bolo na área de serviço, enquanto as
empregadas deixavam a cozinha em perfeito estado. Ela havia
prometido a Alphonse dois presuntos Westfália, que seriam
entregues pela Fortnum e Mason's no dia seguinte, às suas próprias
custas, e uma garrafa do melhor conhaque daquele estabelecimento
fino a cada um deles para acalmar seus nervos. Assim, deixando-os
adequadamente apaziguados, ela voltou para a cozinha e encontrou
as criadas colocando tudo em seu lugar e subiu as escadas com um
suspiro, imaginando se ela conseguiria algum dia remover o fedor
de vinagre de seu vestido favorito de musselina estampado floral. A
visão que a saudou em seguida não foi, portanto, uma visão com a
qual pudesse encontrar tranquilidade. O barão Dalton, claramente
encontrando a porta destrancada e nenhum lacaio ou mordomo para
negar-lhe o acesso, havia entrado na casa e estava esperando por
ela.
Ela parou no corredor, olhando para ele com um olhar de
desaprovação. — Lamento que ninguém estivesse aqui para
recebê-lo, tio — respondeu ela, mantendo o tom educado, embora
frio. — Houve uma comoção na cozinha que precisou de nossa
atenção. Receio que lorde Falmouth não possa falar-lhe neste
momento. Se quiser retornar mais tarde, talvez...
— Eu sei muito bem que Falmouth não está aqui, garota —
respondeu ele com um escárnio, com os lábios finos tão cruéis e
maliciosos quanto ela se lembrava. — Esperei até que seu cão de
guarda tivesse deixado o local, embora nunca esperasse ter tanta
sorte a ponto de escapar do mordomo e de seu séquito também. —
Ele abriu um sorriso cruel e gesticulou em direção à sala de estar. —
Vamos...
— Eu não tenho pretensão alguma de conhecê-lo melhor,
senhor — respondeu Georgiana, com o coração martelando de
desconforto. — Por isso, peço-lhe que saia imediatamente.
O barão bufou e, para seu horror, atravessou o corredor,
agarrando-a pelo pulso e arrastando-a atrás dele para a sala de
estar, onde ele fechou a porta.
— Se você ainda não percebeu que não dou a mínima para o
que quer, então tem ainda menos cérebro do que eu lhe creditei —
disse ele, com o rosto cheio de ódio, enquanto ela arrancava a mão
de seu alcance e cambaleava.
— Diga o que tem para dizer, seu bruto, e depois saia antes que
Falmouth retorne. Ele não gosta de valentões — disse ela,
zombando dele. Antes que ela tivesse tempo de sequer considerar
que suas palavras não eram apropriadas diante de um homem que
ela sabia ser inclinado à violência, sua mão surgiu repentinamente e
atingiu seu rosto, e o golpe pungente a fez cambalear para trás. Ela
caiu no sofá atrás dela, lágrimas de choque e dor borraram seus
olhos, mas antes que pudesse berrar ou gritar por ajuda, ele a
segurou pela garganta, com sua grande mão apertando apenas o
suficiente para tornar a respiração muito difícil.
— Escute bem, sua putinha. Eu vi a maneira como faz os
homens correrem atrás de você como se fosse uma cadela no cio, e
se acha que vou abandonar a minha casa por uma meretriz com
menos classe do que prostituta barata, está bastante enganada. —
Ele apertou um pouco mais forte enquanto Georgiana agarrava sua
mão sem sucesso. — Você vai fazer o seguinte: vou enviar-lhe uma
mensagem dentro de dois dias, dizendo onde e quando, e então virá
como uma boa menina e se casará com o senhor Rufford.
Ele a soltou e ela caiu de joelhos, ofegante quando lágrimas
escaparam de seus olhos. Ela inspirou o ar e se afastou dele,
observando enquanto ele olhava para ela como se ela não valesse
nada.
— E se eu não o fizer? — quis saber ela, recuando de volta para
o sofá, determinada a não deixar que a visse tremer, mesmo que
fosse improvável que seus joelhos a ajudassem a fugir da sala se
tentasse escapar dele.
Ele enfiou a mão no bolso e, por um segundo chocante e
horripilante, ela viu o brilho de uma faca e pensou que ele
pretendesse matá-la. Em vez disso, ele segurou seus cabelos,
puxando sua cabeça cruelmente para trás, e cortou um cacho
grosso, segurando-o na frente de seu rosto com triunfo em seus
olhos.
— Se não o fizer, garantirei que todos os homens da cidade
recebam uma parte desta lembrancinha e oferecerei um preço justo
para demonstrar a qualquer um que quiser ouvir como passaram as
noites aproveitando-se de você.
Georgiana arquejou e balançou a cabeça. — Por favor, não!
Você pode ficar com a casa e o dinheiro, eu não os quero. Deixa-me
em paz, eu só peço isso.
— Não — respondeu ele. — Você não é o tipo de mulher para
ser deixada em paz. Olhe só para você... intimidada o suficiente por
enquanto com o meu punho à vista — disse ele, com o rosto tão
malicioso que ela sentiu realmente medo. — Mas não quero que
ache que pode tirar proveito de mim e recuperar o que acredita ser
seu. Não, você fará o que eu digo agora ou vou terminar a tarefa de
te arruinar, que a sua mãe desmazelada começou. — Ele caminhou
até a porta, antes de parar e voltar. — Você receberá minha
mensagem e fará o que eu mandar ou enfrentará as consequências.
— Eu nunca farei o que você quer — explodiu ela, com a raiva
superando o medo quando a injustiça tomou conta dela e fez seu
sangue ferver. — Você vem até aqui, acusando-me de ser
imprestável sendo que não passa de um valentão vil que usa os
punhos para impor sua força sobre aqueles que não podem se
defender. Eu nunca vou me colocar ainda mais em seu poder,
nunca!
Ele nem piscou; seus olhos ardilosos apenas a fitaram com nojo
e indiferença. — Então eu vou te arruinar — respondeu ele, antes
de bater a porta na cara dela.
Georgiana sentou-se tremendo, sem saber o que fazer, a quem
recorrer. O seu primeiro pensamento foi dirigir-se a lorde Falmouth,
mas ele já tinha tido tantos problemas por causa dela e com sua tia
Seymour também doente... Ela teria de esperar até amanhã para
falar com ele. Mas Sebastian certamente saberia o que fazer. Em
qualquer caso, ela devia contar-lhe antes que histórias tão terríveis
pudessem chegar aos seus ouvidos por outros meios.
Mas seria muito impróprio da sua parte chegar sozinha à sua
porta; teria de enviar uma mensagem para pedir-lhe que a visitasse
imediatamente. No entanto, ao olhar para o relógio da lareira, viu
como já estava tarde. Era quase hora de se preparar para o baile de
máscaras, onde ela o veria, de qualquer maneira. Ela teria que
tentar falar com ele em particular lá e eles pensariam em algo.
Tinham que conseguir pensar em algo.
Capítulo 30
 
“No qual... a trama se complica.”

Lorde Nibley e sua irmã, para imensa alegria e surpresa de


Georgiana, estavam vestidos como um par de dançarinos
espanhóis. Ela exclamou encantada, supondo injustamente que
Percy desprezasse tais diversões agitadas. Ele corou um pouco
com a exclamação dela e, então, sorriu.
— Admito que tive sérias dúvidas sobre esta noite — disse ele,
parecendo um pouco envergonhado. — Covardia, eu sei, mas você
encontra pessoas tão estranhas e diferentes nesses eventos. Eu
sempre sinto que não é uma coisa adequada para moças, mas
Florrie estava determinada a vir e, bem... você sabe que é bastante
libertador ser outra pessoa por uma noite e ninguém saber.
Georgiana riu, embora seus próprios pensamentos estivessem
muito confusos para entrar na diversão dele tão plenamente quanto
gostaria. Particularmente, ela também achava que qualquer um que
conhecesse lorde Nibley nunca seria enganado, não importava a
quantidade de cores berrantes que ele vestisse em seus longos
membros. Sua irmã, Florence, também era alta e magra, embora
felizmente não na mesma medida de seu irmão. Ela tinha os
mesmos olhos castanhos gentis que ele e era uma companhia
alegre, muito inclinada a se divertir e ver tudo o que havia para ser
visto.
— Mas ainda não lhe disse como você está linda — acrescentou
Nibley, corajosamente, e corando um pouco, sendo salvo por sua
irmã, que assentiu vigorosamente.
— Oh, sim — sussurrou ela, parecendo lisonjeiramente
impressionada ao ver o traje de Georgiana. — A própria imagem de
uma deusa. Você realmente é muito bonita; Ártemis com seu arco e
flecha de prata é ideal para sua adorável aparência.
— A própria imagem de uma deusa, de fato — disse Nibley,
baixinho, dessa vez fazendo Georgiana corar.
Parecendo adequadamente desajeitada, Florence se acomodou
entre as almofadas e eles tiveram uma conversa agradável,
enquanto a carruagem os conduzia pela rota menos elegante, mas
mais enfadonha, ao longo da Ponte de Westminster, em vez de
fretarem um barco para Kennington.
Eles levaram meia hora para chegarem aos Jardins de Vauxhall,
em Lambeth, e parecia uma terra encantada brilhando na escuridão.
Milhares de lanternas chinesas de vidro estavam penduradas em
todas as avenidas largas e extensas, brilhando como ouro, e o lago
ornamental estava iluminado com velas flutuantes. A grande rotunda
rococó também estava toda iluminada, e em todos os lugares os
olhos eram bombardeados por trajes coloridos e o turbilhão de
mantos pretos enquanto figuras mascaradas riam mais alto e com
mais ousadia do que o normal. Durante a primeira hora, Georgiana
se desesperou com a possibilidade de encontrar Sebastian no meio
da multidão, mas ela estava certa sobre o corpo singularmente
magricela de lorde Nibley. Ela sentiu um alívio quando uma voz
familiar deslizou sobre sua pele, enviando arrepios de antecipação
por sua coluna.
— Boa noite, adorável Ártemis — sussurrou ele em seu ouvido,
e ela se virou, deparando-se com um homem vestido de manto de
seda preta com forro escarlate e uma máscara preta. No entanto,
ela conhecia os olhos escuros que brilhavam por trás da máscara e
sentiu sua tensão diminuir um pouco. Sebastian certamente saberia
o que fazer. — Eu teria medo que uma deusa tão poderosa
roubasse meu coração — disse ele, com a voz ainda baixa e séria.
— Mas, infelizmente, você deve encontrar outro porque o meu já foi
reivindicado.
— É mesmo — respondeu ela, sorrindo para ele, apesar do
medo em seu coração dos problemas que os aguardavam. — Não
sou do seu agrado, Vossa Graça?
— Oh, como não poderia ser? — exclamou ele, balançando a
cabeça. — Mas eu perdi meu coração para uma mulher mortal e
prometi não ter outra.
— Foi o que imaginei! — disse ela, com um olhar malicioso,
fazendo-o rir.
— Você está tão bonita, meu bem — sussurrou ele; em seguida,
recuou um pouco quando lorde Nibley e sua irmã se juntaram a
eles.
— Vossa Graça — disse Nibley, acenando com a cabeça,
embora Georgiana achasse que detectou um olhar frio no rosto de
Percy que a surpreendeu.
Eles caminharam ao longo da avenida de cascalho, enquanto os
acordes da música se emaranhavam no ar da noite. Em cada
arvoredo, templo e cabana por onde passavam, ouvia-se música,
sentia-se o cheiro de comida e o som do tilintar de copos enquanto
toda variedade de refresco e de entretenimento eram oferecidos e
as multidões se animavam cada vez mais. Passaram por pequenas
tendas de cores vivas onde os ciganos se ofereciam para ler cartas
e a sorte, e as estruturas das grandes tendas turcas brilhavam com
luz dourada. A música ficou mais alta à medida que se aproximavam
do abrigo da Sala de Música, já que a dança era o entretenimento lá
dentro, e Georgiana pensou que sua chance de falar com Sebastian
em particular só poderia ser encontrada aqui.
Ela deu um pequeno puxão urgente em seu braço e gesticulou
em direção à rotunda. Sua boca se curvou em um sorriso e ele fez
uma pausa para se curvar a ela com um ar muito formal.
— Você me daria a honra, lady Dalton, de dançar comigo?
— Ora, Vossa Graça, que ideia encantadora.
Com a promessa de encontrar lorde Nibley e Florence no
camarote que ele havia reservado para o jantar em quinze minutos,
Sebastian conduziu-a à pista de dança.
Um grande candelabro de mais de três metros de largura estava
pendurado no teto abobadado enorme e extravagantemente
pintado, e o barulho da música e de risadas aumentava e ecoava ao
redor deles. Uma atmosfera contagiante pairava entre os dançarinos
que se moviam com mais efervescência do que o normal, enquanto
as sedas coloridas das saias e mantos giravam como borboletas
embriagadas. Por um momento, Georgiana se permitiu ser
arrastada junto com eles nos braços fortes de seu parceiro, mas a
terrível promessa de seu tio não pôde ser afastada de sua mente
por mais do que alguns momentos. Ela olhou para cima e percebeu
Sebastian olhando para os olhos dela, perturbados.
— Nós dois temos muito em nossas mentes, pelo que vejo.
Ela assentiu e lançou-lhe um olhar suplicante. — Oh, Sebastian,
tenho que falar com você a sós. Estou em apuros.
— Apuros? — repetiu, com a voz mordaz. — Como assim?
Não se podia distinguir a voz dele em meio ao volume do
barulho ao redor deles, e ela balançou a cabeça.
— Não podemos discutir isso aqui. Mal consigo ouvir meus
pensamentos.
Com habilidosa facilidade, ele os guiou através da multidão para
longe da dança e a conduziu de volta às passarelas.
— É melhor voltarmos para Nibley — disse ele, com a voz baixa.
— Nenhum de nós pode permitir um escândalo agora. Tive um dia
terrível, persuadindo a dama de companhia de minha mãe a não ir
tagarelar para sua família sobre como ela foi maltratada. Sem
mencionar que minha mãe recentemente enlouqueceu e tentou
matá-la!
— O quê? — exclamou Georgiana. — Está falando sério?
— Muito sério, meu bem — respondeu ele com o rosto sombrio.
— Oh! Isso é tudo culpa minha, não é?
Ele parou e agarrou as mãos dela. — Não! Nunca pense isso! —
Ele apertou os dedos dela, e seus olhos mostravam-se acolhedores
por detrás da máscara. — Eu me culpei por grande parte da doença
dela. Mas falei com o seu médico e... e ele explicou muita coisa que
eu não entendia. Georgiana, nada disso é nossa culpa. Você era
apenas um bebê na época em que tudo começou, e não permitirei
que nosso futuro seja destruído por conta dos erros deles.
— M-mas ela sabe... sobre nós?
Ele suspirou e colocou a mão dela de volta em seu braço. — Eu
não sei se ela sabe ou não, verdade seja dita, Georgiana. Ela... ela
perdeu a cabeça. Ela também me atacou, embora pensasse que eu
fosse meu pai. Ela vem lendo os jornalecos sensacionalistas e...
acho que foi demais para ela. Isso trouxe muito do passado de volta
à sua mente e... — Ele deu de ombros e ofereceu um sorriso torto
em resposta a sua expressão horrorizada. — Você acha que pode
realmente suportar isso, meu bem? É pedir muito de você, enfrentar
o escândalo novamente e fazer parte de uma família como essa?
— Oh, como pode pensar que eu mudaria de ideia por causa de
uma coisa dessas! — exclamou ela, balançando a cabeça. — Só
que... — Ela fez uma pausa, ouvindo sua voz tremer quando o
violento encontro com seu tio passou por sua cabeça novamente. —
Pode ser que você... você vá mudar de ideia, quando eu te disser...
— Impossível — respondeu ele, interrompendo-a, com a voz
confiante e austera. — Nada vai ficar entre nós, não agora. Mas é
melhor você me contar, e veremos o que podemos fazer.
A chance foi desperdiçada, no entanto, quando lorde Nibley se
aproximou deles.
— Eu vi vocês passeando na direção errada — disse ele, com a
voz leve, embora lançasse um olhar muito sombrio na direção de
Sebastian. — Então eu pensei que seria melhor vir resgatá-la antes
que se perdesse irremediavelmente. Estão prestes a servir o jantar,
sabe.
Georgiana murmurou que ele era muito gentil, e eles o seguiram
de volta ao camarote particular que ele reservou para a noite.
— Vou encontrar uma maneira de falar com você — sussurrou
Sebastian. — Devo voltar para meus próprios convidados agora,
mas vou pensar em algo. Até mais tarde, meu amor.
Ela assentiu, olhando para ele e rezando para que ele pensasse
em algo. Uma noite inteira insone sem o conforto de saber que seus
problemas eram compartilhados com ele não era algo que ela
pudesse enfrentar facilmente.
A refeição foi agradável e lorde Nibley e sua irmã eram uma
companhia amável, mas Georgiana havia perdido o apetite. O
famoso presunto de Vauxhall – tão fino quanto uma peça de
musselina – e uma vasta variedade de queijos e saladas foram
servidos, e geralmente a teriam agradado muito mais. Mas ela
dificilmente poderia fazer justiça, embora tentasse o seu melhor
para cobrir sua angústia. Foi uma provação dolorosa ter que sorrir e
fingir que se divertia quando seus pensamentos estavam confusos
em torno de seu tio perverso e seus planos desprezíveis para
controlá-la e arruiná-la.
Após o jantar, eles retornaram às passarelas para vagar de volta
ao Pavilhão Chinês para aguardar a queima dos fogos de artifício.
Florence parou por um momento com seu irmão em uma das
barracas para olhar alguns lindos leques de seda, mas perdida
demais em seus próprios pensamentos para ficar parada, Georgiana
continuou, embora em um ritmo lento o suficiente para que eles
pudessem alcançá-la com facilidade. Ela se assustou ao ser
abordada por um homem alto e corpulento muitos anos mais velho
que ela. Ele estava vestido de arlequim, mas os olhos por trás da
máscara colorida eram astutos. Ele tinha a aparência de um
libertino, outrora bonito e encantador, mas agora bastante velho e
um pouco maltrapilho.
— Milady Georgina — disse ele, curvando-se e dando-lhe um
sorriso que ela não achou nada reconfortante.
— Eu não o conheço, senhor — respondeu ela, e voltou para
lorde Nibley e sua irmã, mas seu caminho foi bloqueado quando o
homem se moveu para detê-la.
— Oh, mas eu a conheço, milady, e trago-lhe uma mensagem
de seu tio, o barão.
Ele ergueu a mão e, entre o indicador e o polegar, segurou uma
mecha de cabelo ruivo. — Apenas um pequeno lembrete para você
— disse ele com um sorriso de escárnio. — E você pode ter certeza,
eu me lembro de cada detalhe de nosso encontro íntimo, pois
sempre fui abençoado com uma imaginação notável.
Georgiana arquejou e deu um passo apressado para trás. —
Afaste-se de mim, sua vil criatura!
Ele fez uma reverência teatral e afastou-se. — Até a próxima,
lady Georgina — disse ele com a voz alta, enquanto misturava-se à
multidão.
Georgiana ficou tremendo. Oh, Deus, o que ela deveria fazer?
Ela olhou em volta, alarmada ao sentir uma mão fria tocar seu
braço. Um menino de rua de aparência desalinhada de uns onze
anos estava parado olhando para ela, com os olhos castanhos
sinceros.
— Você é lady Georgina? — indagou ele, coçando seu cabelo
grosso e sujo com uma mão.
— S-sim — respondeu ela, com tom cauteloso.
— Isto é para você então. — Ele colocou um pequeno cartão
branco na mão dela e saiu correndo antes que ela pudesse
perguntar mais alguma coisa.
Sua tensão a abandonou de repente quando leu: Sua Graça, o
duque de Sindalton, gravado em relevo no cartão branco. Ela o virou
para ler a mensagem: minha carruagem espera por você em
Kennington Lane. Vou compensar Nibley. Apresse-se. Beijos, S.
Lançando um último olhar para trás em direção a lorde Nibley e
sua irmã e esperando que Sebastian pudesse encontrar uma
maneira de que eles perdoassem sua grosseria, ela correu pelo
caminho de cascalho em direção a Kennington Lane.
Capítulo 31
 
“No qual o desespero desempenha o seu papel.”

Ela sentiu um alívio esmagador quando viu a figura alta de


manto de seda preta e máscara. Um dos lacaios vestindo o familiar
libré preto e dourado dos Sindalton estava parado na porta aberta
da carruagem, e ela não perdeu tempo em aceitar uma mão
enluvada preta para ajudá-la a entrar.
Uma vez dentro dos limites aveludados do coche, ela soltou um
suspiro de alívio quando Sebastian subiu atrás dela e não perdeu
tempo em puxá-la para um beijo apaixonado.
Georgiana derreteu-se nele, pois embora sua mente estivesse
um alvoroço, a chance de estar em seus braços novamente não
deveria ser levianamente negligenciada. No entanto, quando suas
mãos habilidosas roçaram seu flanco e a puxaram para mais perto,
ela sentiu um arrepio de inquietação. Seus lábios eram quentes e
macios, ternos e apaixonados, mas...
Ela se afastou dele, olhando para um rosto escondido nas
sombras.
— Sebastian? — questionou ela, sem saber por que havia
falado o nome dele como uma pergunta, apenas sentindo que algo
estava errado.
— Por favor, querida Eva — disse uma voz sedosa e familiar. —
Certamente você pode dizer a diferença entre o beijo dele e o meu.
Uma súbita inclinação do luar iluminou a carruagem e recaiu
sobre um par de olhos azuis brilhantes por trás da máscara.
— Beau! — Seu nome explodiu dela em horror ao mesmo tempo
em que ela dava um gritinho assustado e o empurrava para longe.
— O que está acontecendo? — indagou ela.
— Isto aqui é o desespero, minha doce sedutora — respondeu
ele, com um tom de desculpas em sua voz. — Não tenho outra
opção e não tenho para onde fugir, exceto a França, e nunca
aprendi o maldito idioma bem o suficiente para isso.
— Você enlouqueceu! — arfou ela, estendendo a mão e
tentando abrir a porta da carruagem, mas encontrando-a trancada.
— Que plano ridículo você bolou, seu desgraçado? Eu exijo que
você o repense bem antes que isso vá longe demais. Eu já estou
em uma tremenda enrascada sem você para piorar as coisas...
seu... seu demônio de coração sombrio!
— Oh, acalme-se, Eva — disse ele, com a voz reconfortante. —
Não sou tão sombrio assim. Prometo que não serei um marido cruel.
Você nunca precisará ter medo de mim ou recear que eu seja um
tirano, pois gostaria que você fosse feliz.
— Feliz? Meu Deus! Beau, você não entende. Sebastian me
pediu em casamento e eu aceitei. Se você fizer isso agora, ele
nunca vai te perdoar. Nem eu, para falar a verdade. — Ela estava
enfurecida enquanto sua mente girava em círculos, imaginando que
diabos ela poderia fazer. Ela não acreditava que Beau fosse
machucá-la, mas quando ele tirou a máscara havia de fato um brilho
de desespero naqueles olhos geralmente indiferentes.
No entanto, ele se acalmou com a notícia do pedido de
Sebastian.
— Bem, pelo visto, eu estava errado com relação a ele. Ele te
ama mais do que teme a morte ou a loucura de sua mãe. Estou
surpreso, admito. Mas isso não muda nada — replicou ele,
destruindo todas as esperanças que Georgiana tinha quando ele
começou a falar.
— Isso muda tudo! — gritou ela, implorando-lhe para entender.
— Beau, ele é seu melhor amigo, e eu o amo com todo o meu
coração. Só vou te fazer infeliz se nos casarmos, pois vou te odiar
por isso até o dia da minha morte.
Beau recostou-se no interior macio do que ela presumiu ser sua
carruagem. A porta já estava aberta quando ela se aproximou, por
isso não tinha notado que trazia o brasão do marquês de Beaumont,
não do duque de Sindalton. Ela presumiu que a aquisição de um
uniforme de lacaio também estava incluída nas suas maquinações.
— Você não vai me odiar, Eva — disse ele, com a voz sombria.
— Oh, não tenho dúvidas de que você vai me desprezar por um
bom tempo, e talvez nunca me ame. Mas seu coração é muito bom
e muito aberto para uma emoção tão sombria. O ódio requer muita
energia e o tipo de devoção obstinada que demanda mais maldade
do que isso para ser nutrida por qualquer período de tempo.
Acredite em mim, eu sei. Você não tem isso em você. Você vai se
acostumar comigo com o tempo, e eu prometo que farei o meu
melhor para que isso ocorra o mais rápido possível. Posso ser muito
charmoso, sabe, quando me concentro na tarefa.
— Ele vai te matar — disse ela, com a voz agora tremendo de
raiva, mas Beau apenas balançou a cabeça novamente e seus
longos dedos desataram o enganoso manto preto e escarlate
enquanto jogava o material sedoso para o lado.
— Acredita mesmo nisso? E jogá-la de cabeça em outro
escândalo? Acho que não.
— Ele certamente nunca vai te perdoar! — gritou ela, batendo
com fúria nas grossas almofadas da carruagem. — Como tem
coragem, Beau? Ele é seu amigo!
Ele deu uma risada amarga e fitou-a com os olhos azuis. — Ele
era meu amigo, até me atacar no White’s. Eu soube, naquele
momento, que as coisas tinham ido longe demais. Ele queria me
matar naquele dia, sem dúvida alguma. Mas eu disse a ele minhas
intenções. Eu fui claro desde o início, e ele não teve coragem de
agir. Preso demais nas tristezas e na vergonha de pessoas há muito
tempo mortas para seguir em frente e tomar o que queria. Para
fazer o que você precisava que ele fizesse! — respondeu ele, com a
voz igualmente zangada agora. — Estou farto de jogar limpo. É isso
ou fugir. Agora sei que nunca sobreviveria o suficiente para ver o
interior da prisão Marshalsea, mesmo que escolhesse suportar a
vergonha disso, e nunca fugi de nada na minha vida. E não
pretendo começar agora.
— Quanto você deve? — indagou ela, subitamente. — Que
valor quitaria suas dívidas?
— Vinte mil libras — respondeu ele, sem vacilar. — Uma
dinheirama, não acha? O suficiente para que cinco sujeitos muito
desagradáveis me encurralassem em um beco ontem e segurassem
uma faca em minha garganta. Eles foram muito claros, garanto.
Devo pagar nos próximos quatorze dias ou morrer.
— Ah, Beau! — exclamou ela, sentindo pena dele, apesar da
situação. — Eu vou te dar o dinheiro. Pare já com este absurdo.
Leve-me de volta para Vauxhall, e nunca direi uma palavra disso a
Sebastian. Eu juro que ele nunca saberá. Vou dar o dinheiro para
você.
Beau riu e balançou a cabeça. — Você não controla o dinheiro
até se casar, querida.
— Mas eu sou menor de idade! — gritou ela, subitamente
consciente de que tinha uma carta na manga. — Você precisa da
permissão do meu tio, e tendo em mente que ele está me
chantageando para me casar com o cunhado dele, duvido que ele
concorde!
— O que você disse? — indagou ele, sentando-se corretamente.
— Que sou menor de idade... — repetiu ela.
— Isso não — exclamou ele, descartando as palavras como se
não tivessem importância alguma. — Você disse que ele está te
chantageando?
Ela assentiu e sua mão moveu-se furtivamente para sua
garganta, um gesto involuntário que obviamente traiu seu medo,
pois, no momento seguinte, Beau aproximou-se novamente e pegou
sua mão.
— Georgiana, querida — disse ele, com a voz subitamente
cheia de preocupação. — O que o desgraçado fez? Diga-me.
Ela piscou para conter as lágrimas; o drama e o medo do dia
anterior estavam se tornando cansativos, sua cabeça doía e ela
desejava que tudo passasse, mas isso não ia acontecer. — O barão
Dalton, meu tio e guardião, quer o controle do meu dinheiro e
manter a própria casa para si. A casa que herdarei quando atingir a
maioridade ou me casar.
— Então ele quer que você se case com um homem que está
sob sua influência? — respondeu ele, com a voz sombria de raiva.
— Sim. — Ela assentiu. — E ontem ele esteve lá em casa, e
Falmouth já tinha ido embora e os criados estavam todos ocupados.
Eu estava sozinha e... — Para seu horror, ela percebeu que as
lágrimas brotavam de seus olhos e cobriu a boca com as mãos.
— Oh, Georgiana. Querida, sinto muito. — Ele tentou puxá-la
para ele, mas ela o empurrou, com raiva novamente.
— Bem, você não está ajudando! — vociferou ela. — Ele vai me
arruinar a menos que eu faça o que ele diga. Ele me atacou e cortou
meu cabelo, e deu um pedaço dele para cada libertino que
conseguiu encontrar para espalhar a história de que sou uma
vagabunda. E você sabe que as pessoas vão acreditar por causa do
terrível escândalo de minha mãe e... oh! — gritou ela, agora
completamente enfurecida. — E eu ia contar a Sebastian, e agora
você estragou tudo.
Beau bufou. — Garanto que eu teria mais sorte em lidar com
isso do que Sebastian. Ele é decente demais para conhecer o tipo
de pessoa que poderia acabar com uma situação como essa,
quando se tem o incentivo necessário, é claro.
Ela fungou e olhou para ele. — Você acha que conseguiria?
Ele assentiu, sorrindo para ela. — Eu sei que consigo... se eu
tivesse fundos para financiar tal esquema.
Georgiana xingou e balançou a cabeça. Estavam de volta à
estaca zero. A menos que... — Sebastian lhe daria o dinheiro que
você deve, você sabe que ele daria.
— Prefiro morrer.
Sua voz era ríspida, e quando ela olhou para cima, viu que seu
rosto estava preocupado, como nunca antes visto.
— Não se trata apenas de dinheiro, não é, Beau?
Ele olhou para fora da janela, sem contemplá-la e sem
responder. Ela respirou fundo.
— Você está sozinho.
Ele deu de ombros, um gesto negligente que traiu o fato de que
estava sentido tudo menos isso. — Sempre estive sozinho. Isso não
é nenhuma novidade.
— Você tinha Sebastian antes. Antes disso acontecer.
— Sim — concordou ele, virando-se para encará-la. — Ele é o
único que já me viu além da fachada. O único que percebeu que era
uma fachada. Nem mesmo eu tinha percebido isso — disse ele,
suavemente. — Mas ele me fez ver que eu não era irredimível. Até
acreditei nele durante algum tempo.
— Beau, você não é irredimível. Eu posso ver isso.
Ele riu e balançou a cabeça. — Boa tentativa, doce Eva. Mas
você está certa. Estou cansado de ficar sozinho, e Sebastian nunca
vai me perdoar. Mas somos amigos, você e eu, e você vai me
perdoar, com o tempo.
Georgiana engoliu em seco, ela sentia muito medo agora. Havia
um tom determinado em sua voz. Ele não ia mudar de ideia.
— Para onde você está me levando?
— Para onde você acha? — perguntou ele, com uma
sobrancelha levantada. — Receio que não seja muito original, mas
quando o diabo puxa, a gente não pode resistir.
— Bom Deus — respondeu ela com repulsa. — Um casamento
de bigorna em Gretna Green. De todos os clichês que poderiam
acontecer...
Ele riu da indignação dela. — Eu sei, Eva, eu sinto a mesma
coisa que você. Mas prometo que a noite de núpcias irá compensar.
— Eu vou te matar primeiro — sibilou ela para ele, mas os olhos
dele apenas brilharam com diversão.
— Veremos — respondeu ele, claramente divertido que ela
queria bater nele.
— Mas certamente não podemos ir até Gretna assim —
respondeu ela, percebendo que não havia malas ou qualquer coisa
que pudesse ser necessária para uma viagem tão longa.
— Vamos parar em Ware. Arranjei outra carruagem para nos
esperar lá com os suprimentos necessários.
— Ware? — repetiu ela, quando o nome lhe pareceu familiar. —
Em Hertfordshire? Mas é onde fica a propriedade de seu pai! Você
ousaria ir até lá?
Beau riu, com o tom zombeteiro. — Minha querida menina, será
o menor dos atos sombrios que foram testemunhados sob aquele
teto, eu garanto. Além disso, sei que meu estimado pai estará em
Brighton nas próximas seis semanas e terá fechado a casa e levado
a maior parte dos criados com ele. Então, como pode ver, você não
precisa temer conhecer seu sogro sórdido. Receio que ele tenha um
coração muito mais sombrio do que você jamais poderia me acusar
de ter, então se estava esperando por um salvador heroico, está
bem enganada. Esta pode ser a única vez na minha vida em que
faço algo que o agrada.
Havia tanta amargura e desgosto em seu tom de voz que
Georgiana não precisou mais pensar quem era a pessoa que ele
odiava há tanto tempo. Apesar de tudo, Beau estava certo, ele era
difícil de odiar. Mas ela só queria ver se ele conseguiria encontrar
uma maneira de forçá-la a se casar com ele.
— Eu não vou fazer isso — disse ela, com a voz calma, mas
determinada. — Você pode me levar para Gretna e me colocar
diante da maldita bigorna como altar, mas não vou dizer sim.
— Sim, você vai — respondeu ele, parecendo tão cansado e
revoltado quanto ela. Ele se virou e olhou para ela, aqueles olhos
azuis brilhantes cintilando com tristeza sob o luar. — Você vai ter
que fazer, querida. Que escolha você terá? Você estará fora do
alcance de Sindalton. Mesmo que ele suportasse a degradação de
seu próprio nome, duvido que você permitiria que ele se arruinasse
e a qualquer filho que possa ter. Você é uma criatura nobre e
corajosa demais para fazer isso com alguém que ama. Então, como
você pode ver... eu serei sua única opção.
Capítulo 32
 
“No qual o nosso herói descobre uma traição.”

Sebastian caminhou até lorde Nibley e encontrou o homem com


o rosto branco – um grande contraste com relação à sua fantasia
ridícula.
— Onde está lady Dalton?
— Como diabos eu deveria saber? — respondeu Nibley com
uma violência surpreendente em sua voz. — A última vez que a vi,
ela estava entrando em sua carruagem, seu patife.
— O quê? — exclamou Sebastian, muito alarmado para refutar
a acusação.
— Eu nunca pensei que você, de todas as pessoas, trataria uma
dama assim!
— Nibley, pense... se eu a tivesse levado para algum lugar, que
diabos eu estaria fazendo aqui, perguntando onde ela está?
Nibley fez uma pausa e respirou fundo, lançando a Sindalton um
olhar duro. — Você jura que não a vê desde antes do jantar? —
indagou ele.
— Pela minha honra! — enfureceu-se ele, agarrando Nibley pelo
braço e mal se contendo com a necessidade de sacudi-lo. — Onde
está ela?
— Eu não sei, mas há algo suspeito acontecendo aqui, sem
dúvida — respondeu ele, com a voz sombria com mau presságio.
— Você disse que ela entrou na minha carruagem?
O homem alto assentiu, com a testa franzida ao se lembrar. —
Sim, faz menos de meia hora. Achei muito estranho, mas ela não
parecia estar sendo forçada a ir embora. Havia um lacaio com a sua
libré e o homem ao lado dela tinha sua compleição física — disse
ele, olhando para Sebastian como se duvidasse que ele estivesse
sendo totalmente honesto. — E ele estava usando uma máscara
preta, embora o capuz estivesse levantado — acrescentou ele, após
refletir um pouco.
Sebastian cerrou os punhos e praguejou. — Ela estava
desesperada para falar comigo — disse ele, em voz baixa, sabendo
que podia contar com a discrição de Nibley. — Ela disse que estava
em apuros.
Nibley franziu a testa com mais força e assentiu. — Ela não
parecia a mesma esta noite, isso eu notei. Confesso que presumi...
— Ele suspirou e olhou diretamente para Sebastian. — Presumi que
ela havia decidido não aceitar minha proposta e se perguntava
como recusar-me com delicadeza.
Sebastian fez uma pausa, sabendo que não era o momento,
mas devia a verdade ao homem. — Eu também pedi sua mão,
Percy.
Nibley deu a ele um sorriso torto. — Ah — disse ele, assentindo.
— Bem, eu não posso fingir que não esteja desapontado pela minha
situação, mas... bem, estou feliz que você finalmente tenha
correspondido às expectativas. Estava claro que ela estava
apaixonada por você.
Nibley estendeu a mão, e Sebastian apertou-a calorosamente,
mas seu rosto estava sério. — Mas eu não acho que era isso que a
incomodava, Percy. Acho que era algo muito sério, e se você
acredita ter visto ela entrando na minha carruagem, então há
grandes chances de que ela também tenha acreditado.
— Céus! — exclamou Nibley, e, em seguida, baixou a voz,
afastando Sebastian ainda mais da multidão. — Você quer dizer que
acha que ela foi sequestrada, mas quem diabos...
— Espere — disse Sebastian, enquanto uma sensação ruim
percorria seu sangue. — Você disse que o homem era como eu,
mas o capuz estava levantado... para cobrir o cabelo.
— Sim, isso mesmo, mas... — As palavras de Nibley pararam de
repente quando seus olhos se arregalaram.
— Beau! — disseram os dois juntos.
Eles saíram correndo, enquanto Sebastian se dirigia para sua
carruagem.
— Eu irei para a casa dele na cidade — gritou Nibley. — Deixei
minha irmã com amigos para que ela seja levada para casa. Se ele
não estiver lá, vou atrás de Falmouth, ele parece conhecer todos os
assassinos de Londres, pelo que ouvi dizer. Ele terá uma ou duas
cartas na manga, tenho certeza. E você?
— Ele irá para Gretna — disse Sebastian, gritando para seu
cocheiro começar a mexer-se quando eles se aproximaram. — Ele
deve mudar de carruagem em Ware, e eu posso pelo menos extrair
informação de seus criados.
Ambos seguiram caminhos separados, e Sebastian prometeu a
si mesmo o prazer de espancar o rosto bonito de Beau quando
colocasse as mãos nele.
***
Georgiana podia ver pouco do exterior do vasto edifício que era
a propriedade do duque de Ware. Parecia ser uma extensa mansão
estilo Tudor, muito antiga e bastante assustadora quando a Lua
deslizou atrás de uma nuvem, e os mergulhou na escuridão. Ela
esperava que fosse menos assustador lá dentro, mas quando pôs
os pés na soleira da casa, achou-a fria, desolada e extremamente
hostil. Havia um ar desconfortável no lugar, e ela pôde muito bem
acreditar nas afirmações de Beau de que ações sombrias haviam
sido realizadas sob esse teto. Não havia criados para recebê-los,
exceto a escandalizada governanta que espiou pela porta, deu uma
olhada nela e em Beau e bateu a porta novamente, algo que fez
Beau rir.
Embora extravagante, ela imaginou que havia malevolência
forjada no próprio tecido das paredes. Isso a fez estremecer quando
fileiras de ancestrais de olhos escuros a encararam. Ela puxou mais
seu manto de seda branca em torno de si e estremeceu. A fantasia
que ela usava de repente parecia estúpida e frívola e certamente
não era quente o suficiente para suportar o frio que parecia estar se
infiltrando em seus ossos.
— Adorável, não é? — Beau deu uma risada, e sua voz ecoou
pelo espaço cavernoso enquanto ele fazia um gesto expansivo ao
seu redor. — Lar doce lar — disse ele, com seu tom claramente
zombeteiro. — E todos os meus amigos e parentes estão aqui para
nos receber, adorável Eva. — Ele encarou as pinturas de moldura
dourada com os olhos azuis quase febris de ódio. — A metade deles
era louca, a outra metade, assassina. Viemos de uma longa
linhagem de lunáticos perversos. Então, veja bem, eu não me saí
tão mal. Na verdade, ainda não matei ninguém. — Ele fez uma
pausa, e seus olhos assumiram um olhar mais sombrio que fez sua
pele formigar. — Não intencionalmente, de qualquer maneira —
murmurou ele.
Ele a conduziu escada acima até um grande quarto onde ela
hesitou entrar ficando do lado de fora da porta aberta.
— Não se preocupe, querida — disse ele, e ela ficou aliviada ao
ver que o brilho tinha sumido de seus olhos e ele estava no controle
de si mesmo novamente. — Eu não vou tocar em você antes de nos
casarmos. Vá em frente, você encontrará uma muda de roupa lá.
Acho que acertei — acrescentou, com um sorriso malicioso.
Ela entrou e, então, arfou, impressionada com uma pintura de
uma linda mulher loira. Ela era uma versão mais frágil e feminina do
homem de olhos azuis ao seu lado, mas a semelhança era óbvia e
inconfundível.
— Sua mãe? — perguntou ela, sem surpresa quando ele
assentiu. — Ela era muito adorável.
Ele deu de ombros, franzindo a testa, mas ela notou que ele não
fitava a pintura; na verdade, tinha desviado o olhar. — Se uma
pintura é algo para se usar para seguir em frente, certamente. Eu
não saberia dizer. — Ela olhou para ele, esperando por uma
explicação. — Ela morreu me parindo — disse ele, e, então,
caminhou até a porta. — Não demore, Eva, precisamos nos
apressar. — Fazendo uma pausa, ele agarrou a maçaneta antes de
fechar totalmente a porta. — E não pense em demorar muito, pois
irei carregá-la só de roupa de baixo se for preciso.
A porta fechou-se e ela ficou sozinha. Ela correu para as
janelas, mas o campo estava escuro e era muito amplo, fora que
não havia uma rota de fuga óbvia. Além disso, a grande casa
parecia estar a quilômetros do vilarejo mais próximo, e ela havia
perdido a noção de que direção haviam tomando.
Trocar aquela roupa ridícula tinha que ser sua prioridade, e com
alívio ela viu que os itens que Beau havia fornecido eram
perfeitamente respeitáveis. Ela, então, vestiu às pressas, um lindo
vestido de viagem branco com um pequeno padrão verde e,
reconhecidamente, mais decote aparecendo do que ela se sentia
confortável nas devidas circunstâncias. Era estranho sem uma
criada pessoal para ajudá-la com os fechos, mas ela preferia cortar
a própria língua a pedir ajuda.
Ela se sentiu um pouco menos furiosa com o vestido decotado
quando encontrou o spencer de seda verde combinando, enfeitado
com cetim verde-escuro e um xale de caxemira. O spencer foi
abotoado às pressas até o pescoço, e ela colocou o xale sobre os
ombros com alívio. Tinha sido uma noite quente para maio, mas
agora ela se sentia gelada até os ossos. Sua mente girava enquanto
seus dedos trêmulos se atrapalhavam com os cadarços das botas
de cano baixo de cetim que ele havia providenciado. Sebastian já
devia saber que algo aconteceu com ela. Ela disse a ele que estava
com problemas, e ele sabia que ela queria desesperadamente falar
com ele a sós. Em primeiro lugar, era uma bênção que ele ainda
não soubesse sobre as ameaças do barão, então, havia apenas
uma razão provável para o desaparecimento dela.
Em segundo lugar, ela pensou com o coração afundando... e se
ele pensasse que ela tinha ido voluntariamente? A ideia deixou-a
enjoada. Não. Certamente ele sabia o que ela sentia por ele. Depois
de tudo o que foi dito... Ela respirou fundo. Não, ele confiava nela
agora, e ela confiava nele. Eles tinham tido muitas largadas
queimadas e revelações, ela não perderia a fé agora. Ele viria atrás
dela, ela tinha certeza disso. O que significava que ela tinha que
tentar atrasar Beau o máximo possível.
Ela olhou para a pintura de sua mãe. Havia uma tristeza terrível
nos olhos da mulher e, ao olhar novamente, percebeu que era
pouco mais que uma menina na pintura. Ela deu um gritinho de
surpresa quando a porta se abriu e Beau entrou.
— Você poderia bater — disse ela, fazendo cara feia para ele.
Ele sorriu para ela, descaradamente. — Oh, vamos, Eva. Eu
sabia que você daria ouvidos à minha ameaça. Se eu quisesse ver
por baixo da sua chemise tão desesperadamente, teria insistido em
ficar aqui enquanto você se trocava.
— Oh, sua criatura odiosa! — exclamou ela. Respirando fundo,
ela tentou deixar de lado sua raiva. Ela duvidava que perder a
paciência a levasse a algum lugar. Ela tinha que pensar em como
lidar com ele. Beau não era um homem cruel. Ela sabia que ele
odiava ver as pessoas se aproveitando dos fracos. Ele havia
demonstrado isso claramente quando cuidou da senhorita Sparrow.
Baixando a voz, suas palavras eram suplicantes: — Beau, como
você pode me tratar assim? Você mesmo disse que éramos amigos.
Como você pode me deixar tão infeliz?
Ele olhou para a pintura de sua mãe e quando se virou para
falar, rapidamente desviou os olhos. Ela se perguntou quantas
vezes ele olhou para ela. Havia uma expressão em seu rosto que a
fazia acreditar que não era algo frequente.
— Talvez esteja no meu sangue — disse ele, com a voz sombria
e mais furiosa do que nunca.
Ela engoliu em seco, sentindo um súbito tremor de medo. — O
que quer dizer com isso?
— Nada — disse ele, emburrado, de repente. — Vamos,
devemos ir...
O pânico cresceu em seu peito. Não, não. Ela precisava dar
mais tempo a Sebastian. — Ela era muito jovem quando o quadro
foi pintado — disse ela, esperando que sua tentativa de adiar tudo
aquilo não fosse muito óbvia. Mas, novamente, seus olhos
relutantes pareciam ser arrastados de volta para os de sua mãe.
— Isso foi depois que meu pai a sequestrou e a estuprou —
disse ele, com a voz fria e sem emoção. — Ela não queria se casar
com ele. Não o queria de jeito nenhum. Então ele a tomou. — Ele se
virou e olhou para Georgiana, e ela sentiu o sangue gelar. — Ele
estuprou uma garota que mal tinha saído da sala de aula, e você vê
o resultado dessa união feliz diante de você. Tendo em mente que
ela morreu no parto, acho que a expressão lamentável em seus
olhos foi bem captada, não acha?
— Oh, meu Deus, Beau — sussurrou ela. — Sinto muito, muito
mesmo.
— Não tanto quanto ela, aposto. — Seu tom era suave, como se
estivesse discutindo um assunto muito diferente, de pouca
importância. Mas Georgiana não acreditava que sua indiferença
fosse nada do gênero.
— Ela teria amado você, Beau. Se ela tivesse tido a
oportunidade.
— Meu Deus, Georgiana! — explodiu ele, fazendo-a dar um
passo involuntário para trás. — Não me transforme em um herói
torturado quando não sou nada disso. Estou endividado e já destruí
minha amizade com Sindalton. Você é a única esperança que tenho
de sair dessa sem ter minha garganta cortada e meu corpo jogado
no Tâmisa. — Ele avançou em sua direção, com a raiva brilhando
no azul de seus olhos. — Eu não sou um estuprador, querida —
disse ele, enquanto agarrava seus pulsos e a segurava contra a
parede. Georgiana sentiu sua respiração falhar, seu peito arfando
enquanto seu coração trovejava atrás de suas costelas. — Eu não
vou repetir os passos do meu pai, eu juro. Nunca a tomaria à força,
tem a minha palavra sobre isso. Mas você me terá. — Ele recuou
abruptamente, mas puxou-a atrás dele e ao longo do patamar das
escadas. — Agora, pare com essa tentativa patética de nos atrasar,
e vamos logo para a carruagem.
— Não!
Ele estava parado no topo da escada, e com a mão livre
Georgiana o empurrou com força e puxou o pulso que ele segurava.
Ele xingou e tropeçou nos dois primeiros degraus antes de se
endireitar, mas perdeu o controle sobre ela no processo. Com um
suspiro, Georgiana se afastou um pouco dele e seus olhos olharam
ao redor das paredes com boiseries escuras para escapar e, então,
pegou suas saias e correu.
Ela não tinha a menor ideia de para onde estava indo, mas
mesmo que se trancasse em um quarto, levaria um tempo
considerável para ele chegar até ela. As solas finas de suas botas
de cetim escorregaram no piso parquet quando ela ouviu os passos
pesados dele se aproximando atrás dela. Com um grito, ela
mergulhou por um corredor escuro. Havia um pequeno console de
carvalho encostado na parede no final do corredor, e rapidamente
parou para derrubá-lo. Ela ouviu o estrondo da porcelana quando o
que quer que estivesse sobre ele se despedaçou e, então, correu
quando os xingamentos de Beau ecoaram na escuridão misteriosa
da mansão. Uma pequena escada de pedra em espiral apareceu,
mal-iluminada por um brilho de luar através das minúsculas vidraças
de uma janela, e ela subiu dois degraus de cada vez. Julgando mal
os degraus finais quando a escada fez uma curva errática para a
direita na parte inferior, ela tropeçou e caiu de joelhos no chão frio
de pedra.
— Georgiana, pare com este joguinho ridículo! — gritou Beau
atrás dela, enquanto ela soltava um ganido e se levantava. Atirando-
se para a frente no breu, ela correu por outro corredor mais extenso,
passando mais uma vez por paredes com boiseries e uma fileira de
portas. Escolhendo uma ao acaso, ela a abriu, fechando-a atrás de
si, rezando para que houvesse uma fechadura. A enorme chave de
ferro girou com um guincho de reclamação, mas trancou e ela
afastou-se, ofegante, enquanto Beau martelava a pesada porta de
carvalho.
— Abra a maldita porta, Georgiana!
— Não — disse ela, ofegante. — Sebastian virá atrás de mim,
você sabe que ele virá, Beau. Vou ficar bem aqui.
Ele ficou em silêncio, e ela se esforçou para ouvi-lo, pois tudo o
que podia escutar era seu próprio coração batendo e sangue
correndo em seus ouvidos.
— Então você prefere me ver morto. — Sua voz era sombria e,
apesar de tudo, ela sentia desesperadamente pena dele. Ele
parecia terrivelmente sozinho.
— Claro que não! — gritou ela, exasperada. — Eu ia ajudar
você; Sebastian o ajudaria. Eu sei que ele faria isso.
Houve um bufo de diversão. — Sebastian vai me matar
pessoalmente — respondeu ele, através da porta. — Ainda assim, é
melhor morrer nas mãos de um amante furioso do que morrer vítima
de um assassinato desonroso em um beco por algo tão sórdido
quanto dívidas não pagas.
— Meu Deus, Beau! — Ela bateu a mão contra a porta em
frustração. — Você tem que deixar que a gente pague as dívidas
para você.
— Não.
— Você pode nos pagar de volta! — gritou ela, extremamente
furiosa agora. — Vamos até cobrar juros se isso fizer você se sentir
melhor.
— Oh, muito — respondeu ele, com o tom irônico. — E tendo
em mente que meu pai é tão forte e vigoroso agora quanto um
homem com metade de sua idade, quando seus filhos já estiverem
grandes, estarei tão em dívida com você que será a dona da camisa
que estarei vestindo! — gritou ele. — Vou colocar uma arma na
minha cabeça antes que isso aconteça, querida.
Ele ficou em silêncio novamente, e ela esperava que ele tivesse
desistido desse plano ultrajante de levá-la para Gretna.
Aproximando-se na porta, ela encostou o ouvido na madeira e
escutou, mas não ouviu nada, até que uma tábua do assoalho
rangeu atrás dela.
Ela gritou quando notou que alguém estava no cômodo com ela.
— Oh, meu Deus, você me assustou — exclamou ela, vendo-o
parado no meio do cômodo, e colocando a mão sobre seu coração
ainda batendo com força.
Ele riu, embora não indelicadamente. — Não me surpreende.
Esta parte da casa é muito antiga e muito mal-assombrada. A
família era católica romana, antes da... degradação — disse ele,
com um sorriso malicioso. — O lugar está cheio de passagens
secretas e esconderijos dos padres. Nós éramos fanáticos naquela
época, tivemos muitos problemas para esconder as pessoas dos
caçadores de padres durante a Reforma.
— Há quanto tempo a sua família está aqui? — Sua voz tremeu
quando ela se esquivou dele.
Ele riu, sabendo muito bem que ela estava o estava enrolando.
Ele pegou a mão dela, embora com mais gentileza desta vez, e
destrancou a porta, encontrando seus olhos com propósito.
— Isto foi construído no início do século XVI, mas estamos aqui
há muito mais tempo. Somos uma das famílias mais antigas da
Inglaterra — disse ele, mas ela percebeu aquele, agora já familiar,
tom de zombaria novamente, em vez de orgulho do fato. Quando
Sebastian falava sobre seu pai, havia um orgulho feroz em seus
olhos. Tudo o que ela podia ver em Beau era repulsa. — Talvez seja
hora de morrermos — acrescentou ele, virando-se e dando um largo
sorriso para ela.
— Não diga isso, Beau — implorou ela, apertando a mão dele.
— Por que não? Sebastian estará aqui em breve, não tenho
dúvidas. O tempo sempre seria minha ruína, mas eu tinha tão pouco
tempo para me preparar, sabe. — Ele a conduziu por mais um
corredor, e ela perguntou-se como ele era capaz de encontrar o
caminho no escuro. — É meu primeiro sequestro, então você terá
que me perdoar — acrescentou ele.
— Oh, pare com isso, Beau! — gritou ela, desejando de todo o
coração que houvesse algo que ela pudesse fazer para resolver
toda essa confusão em que tinham se metido.
— Silêncio, Georgiana — disse ele, virando-se para sorrir para
ela. — Você desempenhou bem o seu papel, querida —
acrescentou ele, com a voz cheia de admiração.
Ela fez uma pausa, puxando a mão de seu aperto. — Deixe-me
falar com ele, deixe-me explicar...
Ele riu e balançou a cabeça. — Doce e adorável Eva. Você é
uma tremenda tentação. Mas não. Já fui vilão o suficiente por uma
noite. Não vou piorar tudo me escondendo atrás de suas saias.
Ambos se viraram para a janela quando o som de cavalos se
movendo rapidamente sobre o cascalho chegou aos seus ouvidos.
Sob o brilho do luar que resplandecia atrás de uma fina nuvem
cinza, uma carruagem conduzida por quatro cavalos cinza pôde ser
vista disparando em direção à casa.
— E lá vem nosso herói — disse ele, suavemente. — Bem na
hora.
Capítulo 33
 
“No qual o passado bate à porta.”

Sebastian não tinha certeza se era simplesmente alívio o que


sentiu ao ver a carruagem com os cavalos de Beau, abarrotada e
pronta para uma longa jornada. Embora ele tivesse certeza de que
ela estava lá, encontrá-la a tempo era sua primeira preocupação;
mas, acima de tudo, sentiu um alívio esmagador com a
possibilidade real de que ele poderia impedir que eles se casassem.
Mas Beau o havia traído tão profundamente... Uma raiva fria,
tenebrosa e monstruosa se espalhou por suas veias. Ele se abaixou
e agarrou a pistola do cocheiro, sempre mantida por perto, caso
surgissem salteadores. Não havia necessidade de verificar se
estava carregada e munida. Sua criadagem nunca ignoraria tal fato.
A arma parecia pesada, fria e tranquilizadora quando ele saltou da
carruagem e correu para as portas da mansão sombria.
Era estranho pensar que, em todos os seus anos de amizade
com Beau, ele nunca estivera aqui antes. Ele sabia que Beau odiava
o lugar, e, na verdade, o surpreendia que ele tivesse vindo aqui. Foi
apenas um pressentimento que o fez pensar que aquilo era
provável. Ele não poderia estar mais agradecido por estar certo.
Esmurrando as pesadas portas de carvalho da entrada com um
estrondo, ele se acalmou e apertou a arma quando Beau apareceu,
com a mão em volta do pulso de Georgiana.
— Ora, que surpresa! — exclamou seu amigo, parecendo jovial
e relaxado, embora houvesse um brilho febril em seus olhos que o
traía. — Você veio nos felicitar em nossas núpcias iminentes,
Sindalton?
— Solte-a — gritou Sebastian, furiosamente, enquanto travava
totalmente o cão na pistola e o levantava, apontando-a para seu
amigo.
Beau largou a mão de Georgiana, mas para sua surpresa ela
exclamou e correu para ficar na frente dele.
— Não! Sebastian, não! Você nunca se perdoaria. — Ele
observou com fúria como Beau lhe dava um forte empurrão,
fazendo-a tropeçar para frente, quase perdendo o equilíbrio.
— Desgraçado! — gritou ele, aliviado ao ver Georgiana
recuperar o equilíbrio, mas sem tirar os olhos de Beau enquanto ele
se aproximava. Seu amigo apenas riu dele.
— Eu sabia que não deveria ter demorado — disse ele, com os
olhos zombeteiros. — Mas ela era tão doce, tão inocente... Só tinha
de provar...
Ele não pensou duas vezes, não teve tempo enquanto a raiva
pura, fria e furiosa tomou conta dele e seu dedo acabou apertando o
gatilho.
— Não! — gritou Georgiana, e o som da arma disparando ecoou
em sua mente.
Dentro do espaço cavernoso o som foi amplificado e ecoou nas
paredes sombrias da velha casa enquanto os olhos julgadores das
gerações de Ware os encaravam. Sebastian respirou fundo, ciente
de que Georgiana o havia empurrado, mas antes ou depois de ele
atirar? De repente, rezando para não ter acertado, ele prendeu a
respiração. Mas Beau cambaleou para trás e caiu no chão.
— Não! — gritou Georgiana, correndo em direção ao amigo
caído. — Meu Deus, Sebastian, o que você fez?
— Ele te machucou! — enfureceu-se ele, paralisado demais
para dar um passo mais perto e ver o que exatamente havia feito.
— Ele não me machucou — gritou ela, caindo ao lado de Beau,
com o rosto branco de horror. — Ele nunca me tocou, Sebastian. Ele
queria te provocar para que você o matasse!
— Meu Deus.
Sebastian largou a arma, entorpecido de choque e aversão. Ele
repetiu o passado, assim como sua mãe havia previsto. Mas suas
ações foram piores do que as de seu pai... ele tinha matado um
homem desarmado, o seu amigo mais próximo, e agora os jornais
sensacionalistas colocariam toda a culpa em Georgiana, tal como
tinham condenado a sua mãe.
— Ele não está morto! — exclamou Georgiana. — Mas
precisamos de um médico. Ele está sangrando muito.
Ambos olharam para cima para uma comoção na porta da frente
quando Falmouth, lorde Nibley e um bando de homens de aparência
mais desordenada que Sebastian já tinha visto entraram no
corredor.
— Maldição, Sindalton! — disse Falmouth com repugnância,
caminhando para inspecionar a figura sangrando no chão. — Que
diabos você fez? — Ele se virou para um homem gigante que
parecia a cópia de um assassino saído dos livros favoritos de piratas
que Sebastian gostava de ler quando menino. — Mousy, vá buscar
o médico — ordenou ele. — Graças a Deus paramos para buscá-lo.
Sebastian preparou-se para se aproximar e olhar Beau, que
estava pálido e com a respiração irregular.
— Você sempre foi um péssimo atirador, Sin — murmurou ele,
e, então, mordeu o lábio quando Falmouth rasgou sua camisa. A
ferida em seu ombro era grave e sangrava profusamente.
— Seu bastardo — disse Sebastian, com a voz baixa. — Como
você pôde fazer isso, Beau? Você sabia que eu a amava.
Beau apenas o encarou de volta. — Eu destruí nossa amizade
— disse ele com um sorriso torto. Então, acrescentou apenas: —
Você deveria ter me matado. — E virou a cabeça.
Com alívio, Sebastian viu que o médico era ninguém menos que
Alperton. Pelo menos eles podiam contar com ele para manter a
boca fechada. Georgiana saiu do lado de Beau para deixar o médico
chegar até ele e, após um momento de hesitação, correu para seus
braços, soluçando.
— Oh, Sebastian, o que devemos fazer?
Ele passou os braços ao redor dela, segurando-a com força. —
Não sei, meu amor. Eu... — começou ele, e, então, parou,
agarrando-a com força. — Que Deus me perdoe, mas eu o queria
morto. Se ele tivesse tirado você de mim...
Georgiana agarrou-se a ele, balançando a cabeça. — Estou
aqui. Nunca estarei em outro lugar, mas não quero que ele morra.
Sebastian, ele estava desesperado. — Ela olhou para ele, com seu
lindo rosto manchado de lágrimas. — Os homens a quem ele deve
dinheiro vão matá-lo. É por isso que ele disse que iria... — Ela parou
e engoliu em seco, agarrando-se ao colete dele. — Ele disse que
preferia que você o matasse do que...
Ele a segurou enquanto ela soluçava contra seu peito. A
atenção deles foi atraída, porém, pelos homens levantando Beau e
levando-o para o andar de cima. Alperton virou-se e foi até eles,
com o rosto sério.
— Ele vai viver? — perguntou Sebastian, sentindo como se sua
voz viesse de uma grande distância.
O médico assentiu. — Por enquanto, certamente. A ferida em si
não é grave. Não acertou ossos e órgãos, mas é a infecção que
pode se seguir será a pior parte. Eu juro que farei o meu melhor,
Vossa Graça.
— Por favor — pediu Sebastian. — Por favor, faça tudo que
puder.
Alperton agarrou seu braço e apertou. — Farei tudo o que puder
para mantê-lo vivo, e você longe de outro escândalo.
Sebastian assentiu, exausto demais para explicar que não era
apenas o escândalo que temia. Beau tinha sido como o irmão que
nunca teve. Ele sabia que nunca poderia perdoá-lo pelo que tinha
feito ao raptar Georgiana, mas a ideia de que ele poderia ser o
responsável por matá-lo deixava seu coração apertado.
— Vamos. — Falmouth caminhou até eles e os conduziu a um
cômodo que revelou ser uma biblioteca. De alguma forma, o conde
assumiu o controle, a lareira foi acesa e ele colocou um copo de
conhaque na mão de todos.
— Precisamos levar vocês dois de volta para Londres — disse
ele, quando lorde Nibley entrou na sala, parecendo tão pálido
quanto Sebastian. — Nibley aqui vai jurar que vocês dois estiveram
na companhia dele a noite toda, se for o caso. O médico também
concordou que... se o pior acontecer, Beau contraiu uma doença de
algum tipo e agravou um problema cardíaco que ninguém sabia.
Não haverá um escândalo. Está me ouvindo?
— Oh, meu Deus — disse Sebastian, esfregando a mão no
rosto. — Eu rezo para que não chegue a esse ponto.
— Todos nós rezamos por isso — disparou Falmouth. — Você
mergulhou todos nós em um maldito emaranhado, Sindalton!
Aquilo já era demais. Sebastian lançou seu copo contra a
parede e investiu contra o conde, empurrando-o com força contra a
parede. — Ele a sequestrou, Falmouth. Ele iria forçá-la a se casar
com ele! — gritou ele. — Eu queria o bastardo morto! O que você
teria feito se fosse Céleste?
Como era de se esperar, o conde não vacilou e dispensou os
homens que entraram correndo pela porta enquanto Georgiana
exclamava horrorizada.
— Eu teria acertado — disse o conde com um sorriso sombrio,
quebrando a tensão. Sebastian bufou e soltou um suspiro antes de
permitir que suas mãos soltassem o pescoço de Falmouth.
O conde reajustou a gravata e mandou seus homens para fora
da biblioteca novamente.
— Eu entendo — acrescentou ele, oferecendo a Sebastian outro
copo e um olhar compreensivo. — Mais do que você imagina.
— Isso não é tudo — disse Georgiana, com a voz pouco mais
do que um sussurro.
Os três homens se viraram para olhar para ela. Seus braços
estavam agarrados ao redor de seu corpo trêmulo, e seu elegante
vestido de musselina branca estava manchado de vermelho com o
sangue de Beau. Ela olhou para Sebastian, com seus lindos olhos
tão cheios de medo que ele se odiou por tê-la arrastado para essa
confusão. Ele cruzou o aposento e pegou as mãos dela,
conduzindo-a para se sentar ao lado do fogo.
— E-eu disse que estava em apuros — disse ela, parecendo
miserável enquanto as lágrimas escorriam por seu rosto.
— Não era Beau ameaçando você? — indagou ele, imaginando
o que mais poderia estar entre eles. O destino já não tinha brincado
o suficiente? Todas as gerações de sua família teriam que sofrer
pelos casamentos infelizes de seus pais?
Ela balançou a cabeça. — Beau nunca teria me machucado,
Sebastian, você sabe disso. M-mas meu tio me machucaria. Ele me
machucou.
— O quê?
Com horror, eles ouviram-na revelar em uma voz hesitante seu
terrível encontro com o barão.
— Eu vou matá-lo — enfureceu-se Sebastian. — Como ele ousa
colocar as mãos em você, aquele desgraçado!
— Não — disse Falmouth, com seus olhos escuros. — Você não
vai matá-lo. Pode ser que precisemos de uma justificativa para
explicar um corpo. Não acrescentarei outra.
— Então você acha que devemos deixá-lo escapar impune? —
indagou Sebastian. Seus punhos cerraram com fúria impotente. O
que em nome de Deus ele tinha que fazer para manter essa mulher
segura?
— Claro que não, e você poderá bater nele até ele virar polpa,
eu garanto. Apenas não o mate — disse Falmouth, com um toque
de impaciência. — Mas você está certo sobre uma coisa, Sindalton.
Acho que é hora de fazermos uma visitinha ao barão.
— Sebastian! — Ele olhou em volta e viu Georgiana parecendo
apavorada e com os olhos arregalados de choque. — Ele é meu
guardião, não podemos nos casar sem o consentimento dele.
— Oh, não se preocupe, meu bem — disse ele, com um sorriso
sombrio. — Ele dará o seu consentimento.
A viagem de volta à luz do luar até Londres foi longa e tranquila
apenas pelo fato de ter Georgiana segura em seus braços. Ela
estava quieta e imóvel, chocada demais para dormir e cansada
demais para fazer qualquer coisa além de olhar pela janela e
observar a paisagem prateada com olhos que não viam
absolutamente nada.
Se ela estava vendo alguma coisa, ele suspeitava que a cena
fosse a mesma que ele estava relembrando: aquele momento
terrível quando a arma disparou e seu amigo de infância cambaleou
para trás quando a bala atingiu a sua carne. Sebastian fechou os
olhos e apertou a parte de cima do nariz. Ele não queria Beau
morto, embora o odiasse pelo que tinha feito. Mas ele também sabia
que, se estivesse, ali, novamente naquele momento, faria
exatamente a mesma coisa.
Capítulo 34
 
“No qual a vingança é comida com fria satisfação.”

Eles deixaram primeiro lorde Nibley em casa e depois


Georgiana, fazendo o mínimo de barulho e chamando o mínimo de
atenção possível. Céleste mandou todos os criados para a cama
como combinado e levou Georgiana para a cama pessoalmente,
concordando com a instrução de seu marido de queimar as roupas
ensanguentadas que ela usava, sem pestanejar.
Sindalton voltou para a carruagem com Falmouth depois de
prometer a Georgiana que não se machucaria e que a visitaria
assim que pudesse.
Ele encarou Falmouth do outro lado da carruagem e perguntou a
si mesmo como era possível que na mesma noite em que tinha
atirado em seu melhor amigo, havia se aliado a um homem que o
considerava seu inimigo.
— Eu nunca tive a chance de pedir desculpas — disse ele, com
a voz desconfortavelmente alta no confinamento da carruagem
escura. Os frios olhos cinzentos de Falmouth brilharam e seu rosto
estava desprovido de emoção. — Pelo que aconteceu com...
— Quando você mandou minha antiga amante à minha casa
para fazer uma cena e fez com que a mulher que eu amava fugisse,
você quer dizer? — disse o conde, com um sorriso que parecia
querer arrancar sua garganta com os dentes.
Sebastian limpou a garganta. — Sim. Por isso.
— Então, por favor, siga em frente.
Meu Deus, ele era um bastardo frio, Sebastian pensou, embora
não sem uma admiração relutante.
— Eu pensei que você a estivesse usando — admitiu ele. — Eu
não tinha ideia de que você estava pretendendo se casar com ela.
Sua reputação não era do tipo que me fazia considerar tal opção.
Ele viu algo na postura do homem mudar um pouco, a linha
tensa de sua mandíbula talvez tornando-se um pouco menos rígida.
— Eu nunca tinha me apaixonado — disse ele, com o tom
brusco.
Sebastian riu, assentindo. — Eu sei exatamente o que você quer
dizer... com Georgiana! — acrescentou, vendo o brilho assassino
retornar à expressão do conde. — De qualquer forma, sinto muito
por isso. Eu não tinha ideia do mal que a mulher causaria, mas ela
claramente tinha suas próprias intenções.
Falmouth resmungou. — E que intenções... — respondeu ele,
com o tom seco enquanto esticava suas longas pernas nos limites
da carruagem.
Eles ficaram em silêncio por um momento, o retumbar da
carruagem pelas ruas escuras da capital sendo o único som audível.
— Obrigado — disse Sebastian, precisando fazê-lo entender
que estava ciente de quão profundamente estava em dívida com o
homem. — Por esta noite, e por tudo que você fez ao... ao ajudar
Georgiana com seu début. Ela me contou como você tem sido gentil
e generoso.
— Só fiz isso para aborrecer você — respondeu Falmouth, e,
dessa vez, seu sorriso era genuíno.
Sebastian riu. — Bem, nisso eu acredito. — Ele franziu a testa,
subitamente mais do que curioso sobre o enigmático conde. Sua
reputação era de um personagem sombrio e violento e, a julgar pelo
bando diversificado que apareceu com ele esta noite, Sebastian
estava muito disposto a acreditar nisso. — Quem eram aqueles
homens? — indagou ele. — E por que a palavra pirata vem à minha
mente sempre que olho para eles?
O conde apenas ofereceu-lhe um sorriso inescrutável e deu de
ombros. — Eu não tenho ideia do que está falando, Vossa Graça.
***
A residência urbana do barão Dalton era uma elegante casa de
estuque na Upper Wimpole Street. Embora não fosse um endereço
de um membro da alta sociedade, era o lar dos mais ricos à margem
desse mundo exclusivo e dos novos ricos. A carruagem deixou-os
um pouco além da casa, parando silenciosamente e movendo-se
rapidamente quando Sebastian, o conde e seus homens que
cavalgavam do lado de fora, desceram.
Outra carruagem, um pouco mais atrás, também despejou
vários ocupantes de aparência bastante assustadora que, seguindo
um gesto do conde, desapareceram nos fundos da casa.
Movendo-se rapidamente e com uma discrição surpreendente, o
conde fez sinal para Mousy – um nome um tanto inesperado para
maior homem que Sebastian já tinha visto em sua vida – para ir até
a porta da frente. O grandalhão fez o que lhe foi dito e agachou-se,
com alguns grampos de ferro na mão. Para surpresa de Sebastian,
a porta da frente se abriu, sem o menor sinal de protesto, e ele e
Falmouth entraram com Mousy e dois outros homens armados atrás
deles. Houve um som silencioso de luta abaixo das escadas que foi
rapidamente controlado; e, em seguida, um homem grande
parecendo um barril enfiou seu braço tatuado ao redor da porta,
sinalizando para que eles entrassem, com um sorriso bastante
diabólico.
— Muito bem, Harry — disse Falmouth, acenando com a
cabeça. Os homens se espalharam, abrindo as portas e verificando
se os quartos do andar de baixo estavam vazios antes de subirem
as escadas.
Eles pararam atrás de uma porta, a única das quais mostrava
um vislumbre de luz no limiar.
— Nós já lidamu com a mulhé dele — sussurrou Mousy, quando
ele saiu de um dos outros quartos e, então, lançou a Sebastian um
olhar de reprovação diante de sua expressão horrorizada. —
Sossega o facho, Vossa Graça, nós num mexemu com ninguém.
Apenas a amarrei e disse pra ela ficá quietinha, só isso.
A partir disso, Sebastian deduziu com alguma dificuldade que a
mulher estava viva, mas contida e amordaçada, e ele voltou a
atenção para a porta do barão.
— Depois de você — disse Falmouth, com um gesto educado.
Sebastian bufou e tentou avançar, mas o braço do conde o
deteve. — Não mate o bastardo — advertiu ele. — Eu simpatizo
consideravelmente com a sua causa, mas Londres vai acordar em
breve e é um momento difícil para se livrar de um barão.
Sebastian abriu a boca para perguntar como sabia disso e,
então, fechou-a abruptamente. Ele não queria saber.
O barão se sentou na cama sobressaltado quando Sebastian
entrou em seu quarto.
— Que diabos significa isso? — vociferou ele, com o rosto
ficando vermelho de fúria, enquanto o duque de Sindalton e o conde
de Falmouth se esgueiravam para dentro do quarto como se fossem
os donos do lugar.
Sebastian não perdeu tempo em agarrar o homem pela camisa
de dormir e puxá-lo para ficar de pé. Ele empurrou-o um pouco para
dentro do quarto e o barão cambaleou para trás, olhando para os
dois homens com raiva crescente. — Meu Deus, vou arrancar suas
cabeças por isso! — gritou ele.
Sebastian não esperou para ouvir mais, apenas recuou o punho
e deu um soco no rosto do homem. Houve um estalo bastante
satisfatório quando o nariz do homem quebrou, e ele deu um berro
de raiva quando caiu. — Isso foi por colocar suas mãos imundas em
lady Georgina, seu bastardo — resmungou, e levantou o homem
para repetir o processo. O barão se chocou contra a parede, com
sangue escorrendo de seu nariz.
— Não pense que seus títulos irão protegê-lo — balbuciou ele,
com as palavras um tanto distorcidas pelo sangue. — Sou um
homem poderoso... Tenho amigos...
Falmouth deu uma olhada exagerada ao redor da sala. —
Onde? — indagou ele, com uma sobrancelha preta levantada. —
Não vejo nenhum amigo, não é mesmo, Vossa Graça?
Sebastian pôs a mão na garganta do barão e começou a apertá-
la enquanto o homem agarrava seu pulso. — Não vejo uma viva
alma, Falmouth. Acho que o homem deve estar delirando.
— Provavelmente falta de oxigênio — comentou o conde,
observando com uma expressão serena enquanto Sebastian se
concentrava em dar cabo na desprezível criatura que havia
aterrorizado sua amada. — É melhor colocá-lo no chão agora,
Vossa Graça — disse Falmouth, obviamente se divertindo. — Você
não sabe onde ele esteve.
Com grande relutância, Sebastian soltou-o e observou o homem
deslizar para o chão, o rosto do barão estava levemente azul, quase
roxo de raiva e humilhação.
— E-eu vou te pegar... por... isso...
— Não — respondeu Sebastian, com o tom uniforme. — Você
não vai. A única razão pela qual ainda está respirando é porque
Falmouth acha que se livrar de você traria problema demais para
alguém que não merece. — Ele se agachou e colocou o rosto na
altura do barão. — Você é um bruto covarde que gosta de infligir
dor, só porque pode. Bem, seu bastardo, agora é a nossa vez, e
queremos ter nossa vingança.
O homem empalideceu, talvez finalmente percebendo o que era
a ameaça.
— O que é que vocês querem?
Sebastian bufou. — O que eu quero é matar você com as
próprias mãos, mas isso me foi negado — disse ele, lançando um
olhar desgostoso para o conde. — Então terei que me contentar em
me livrar de você.
— Ouvi dizer que a América é... agradável nesta época do ano
— respondeu Falmouth, fazendo questão de examinar as unhas.
— Vocês não podem sumir comigo! — explodiu o barão,
enfurecido. Falmouth estendeu a mão e deu uma batida silenciosa
na porta, recuando quando ela se abriu e o quarto se encheu de
homens. Subitamente silencioso, o barão olhou em volta com os
olhos arregalados para a tripulação de má reputação reunida em
seu elegante quarto. Ele encarou Falmouth.
— Quem diabos é você, afinal? — questionou ele.
— É realmente melhor que você não saiba — respondeu o
conde, com os olhos cruéis e firmes. — Ajude-o a fazer as malas,
Mousy. Isso mesmo, bom garoto.
— Sim, sim, capitão — disse o grandalhão, com um sorriso
maldoso quando o conde saiu do aposento.
Sebastian permaneceu por um momento, olhando para a
criatura desprezível e agora aterrorizada a seus pés.
— O que vai acontecer com o bom barão se algum boato
começar a espalhar-se sobre lady Georgiana, Mousy? — perguntou
ele, sem tirar os olhos do barão.
— Oh, num se preocupa com isso, milorde — disse o
grandalhão, dando uma risada que retumbou através de sua grande
estrutura. — Nós vamu explicar tudo pra ele quando já tivé seguro.
E também o que pode acontecê, se ele tivé vontade de voltá pra
Inglaterra, sabe. — Ele esfregou as mãos, parecendo mais pirata do
que Sebastian jamais vira em sua vida. — Parece que a tripulação
do Redenção tá a caminho duma viagem pra América, e eles vão tê
muito tempo pra fazê o barão entender exatamente o que tá
reservado pra ele, caso ele tente fazê alguma burrada, sabe.
Sebastian riu e deu um tapa no ombro de Mousy. — Muito bem,
então, vou só pegar um pouco de papel e tinta, tenho um último
trabalho para o homem antes que ele saia de viagem.
Capítulo 35
 
“No qual o perdão é negado, mas um dia alegre se inicia.”

Com todo o escândalo decorrente de seus antepassados,


Sebastian rejeitou a ideia de uma licença especial.
Georgiana fez beicinho e tentou persuadi-lo, mas sem sucesso.
— Bem, se você não quer se casar comigo... — disse ela,
bufando, e não pela primeira vez, enquanto caminhavam um pouco
atrás de Céleste e Alex pelo Hyde Park. Era um dia glorioso. As
flores da primavera estavam em profusão e tudo parecia verde e
fresco ao sol.
Sebastian riu e cobriu a mão dela com a sua.
— Só mais cinco dias, meu bem — murmurou ele, olhando para
ela com afeto em seus olhos escuros.
— Oh! — disse Georgiana, com raiva, enquanto levantava o
queixo e dava uma fungada de indignação. — Eu não acredito que
você me ame, seu miserável! Como você pode soar tão indiferente?
Cinco dias inteiros! — lamentou ela. — É uma eternidade.
Ele fez uma pausa e puxou-a o mais perto possível,
considerando o local público, mas a necessidade em seus olhos era
bastante franca e muito visível. — Se você acha que isso é fácil
para mim, então está muito, muito enganada — disse ele, em voz
baixa. — Eu estou perdendo lentamente a minha maldita cabeça.
Mas depois dos escândalos com os quais crescemos, vamos fazer
isso do jeito certo. Para que ninguém possa apontar o dedo e dizer
que havia algo um pouco suspeito nisso. — Ele engoliu em seco e
levou a mão dela aos lábios, beijando-lhe os dedos com um toque
suave. — Mas eu admito, isso está me matando também, meu bem.
Não consigo dormir. Não consigo pensar em nada além de você.
Georgiana soltou um pequeno suspiro de satisfação e apoiou a
cabeça no ombro dele enquanto caminhavam. — Bem, tudo bem
então. Contanto que esteja sofrendo tanto quanto eu.
Ele deu uma pequena gargalhada. — Ora, sua mulher
assanhada e sem coração!
Ela riu, parando por um momento para repreender Conrad, que
estava olhando para os patos do rio Serpentine com uma expressão
pensativa. Depois de repreendido, seu cão aventureiro disparou
atrás de Bandit, e Georgiana decidiu não se perguntar sobre o caos
que os dois cachorros idiotas trariam sobre eles em seguida.
— Bem, acho que é uma pena que o duque de Sindalton não
consiga marcar uma data mais cedo para o casamento — disse ela,
decidindo que ainda não o havia provocado o suficiente, afinal. —
Quero dizer, qual é a vantagem de ser uma duquesa se não posso
sempre fazer as coisas do meu jeito?
— Ah, é assim, é? — Sebastian olhou para ela, com uma
sobrancelha levantada e sua altiva expressão ducal no lugar. —
Quero que saiba que, se eu não fosse um duque, você teria que
esperar mais dois meses até que houvesse uma vaga disponível em
St. George's! Não fazia ideia de que o lugar estava tão lotado.
— Não me diga! Eu pensei que você sempre conseguisse o que
quisesse em tudo... Quero dizer, pensei que pelo menos isso
explicasse... — Ela teve a maior dificuldade em olhar para sua
expressão indignada e não permitir que seus lábios se contraíssem.
— Explicasse o quê? — indagou ele.
— Oh, você sabe... — disse ela, acenando com a mão de uma
forma despreocupada e contendo sua diversão com dificuldade. —
Seus modos arrogantes. — Ela foi incapaz de provocá-lo ainda
mais, pois foi contagiada pela alegria. — Sua cara! — exclamou ela,
rindo quando ele bufou para ela. — Oh, querido, você parecia tão
ofendido. — Inclinando-se para ele, ela olhou para cima e piscou. —
Sinto muito, Sebastian, mas você é tão encantadoramente fácil de
provocar.
Ele estreitou os olhos para ela, com uma expressão que a fez
estremecer de antecipação. — É mesmo, senhora? Bem, lembre-se
dessas palavras em nossa noite de núpcias.
Ela sentiu o rubor subir por seu pescoço e inundar suas
bochechas enquanto seu noivo dava uma risada satisfeita, contente
por seu comentário ter acertado em cheio.
Eles caminharam um pouco mais em silêncio, até que
Georgiana foi corajosa o suficiente para pedir a informação que ela
esperava que ele lhe oferecesse.
— Você teve notícias de Beau? — perguntou ela, sabendo que
era um assunto delicado, mas não querendo que fosse algo que
eles não pudessem discutir.
Ela viu o rosto dele entristecer-se. — Recebi uma carta de
Alperton esta manhã — admitiu ele. — A febre passou. Ele vai ficar
fraco por um tempo, mas... vai se recuperar.
— Oh, graças a Deus — sussurrou ela, fechando os olhos
quando o alívio a atingiu.
Sebastian olhou para ela, com os olhos apreensivos. — Você se
preocupa com ele. — Não era uma pergunta, e Georgiana revirou os
olhos para ele.
— Claro que sim, assim como você! — Ela apertou o braço dele
e suspirou. — Ele é meu amigo e sei que o que fez foi desprezível e
ainda estou furiosa com ele por isso, mas... Oh, Sebastian, ele está
tão sozinho e em apuros.
Ela podia sentir a tensão fervendo através de seu corpo, e o
braço que ela mantinha sob seus dedos, ficou retesado.
— Tentei ajudá-lo, mas ele era orgulhoso demais para aceitar.
Mas não, ele tinha que ir roubar a mulher que eu amo!
Georgiana suspirou, sabendo que era inútil. — Eu sei — disse
ela. — Mas não posso evitar sentir pena dele e de você. Você vai
sentir falta dele.
Sebastian não respondeu e continuaram a caminhada em
silêncio.
***
Apesar dos protestos de Georgiana, os cinco dias se passaram,
só que lentamente. A manhã do casamento estava clara e
ensolarada, um dia perfeito para o início do verão.
Céleste, deslumbrante num vestido de cetim cor de flor de
pessegueiro com gaze verde vibrante, enxugou os olhos e acenou o
lenço de renda com ansiedade.
— Mon Dieu! — exclamou ela, balançando a cabeça. — Oh,
você está tão bonita, Georgiana, mas gostarria que não estivesse,
pois agora vou chorrar e ficarrei horrível para o casamento.
Georgiana riu e estendeu as mãos para Céleste, que correu
para pegá-las, e seus lindos olhos azuis brilhavam com lágrimas.
— Oh, querrida, Georgie — disse ela, levando a mão ao seu
rosto. — Estou muito feliz por você.
Georgiana sorriu, mas o nó em sua garganta parecia apertado
demais para falar, então ela apenas assentiu, riu e rezou para não
chorar.
O design de madame Lisabeth era, nas próprias palavras de sua
criadora, uma obra-prima. O corpo do vestido era uma combinação
de cetim branco, ornamentado na bainha com babado de renda
larga e lírios de cetim por cima. Os caules dos lírios foram feitos em
cordão de seda e dispostos em ondas ao redor da borda. Georgiana
sorriu enquanto observava os detalhes intrincados e alisava o
vestido de tule de bolinhas que cobria o cetim em uma cauda aberta
que se unia logo abaixo do busto e caía em uma curva suave até o
chão.
Uma delicada coroa de rosas e lírios enfeitava a anágua e um
perfeito lírio branco estava preso em seu cabelo em contraste com
fundo elegante de folhas de samambaia. Parecia imaculado e
encantador em seu cabelo ruivo brilhante. Como sempre, ela havia
deixado um longo cacho cair sobre o ombro e estava muito satisfeita
com o efeito, apenas repetindo os pensamentos de sua criada
pessoal e sua amiga mais querida.
Uma voz um pouco cansada, questionando já pela enésima vez,
veio do patamar da porta e lorde Falmouth perguntou: — Você está
pronta agora?
— Oui! — disse Céleste, e correu para a porta, em direção ao
marido. — Ah, Alex! Apenas esperre até vê-la, temo que você não
olhe parra mim novamente o dia todo.
— Impossível, mignonne — respondeu o conde, com mais
honestidade do que galanteio.
Sentindo-se repentinamente um pouco tímida e oprimida,
Georgiana saiu do cômodo e ficou satisfeita com o olhar de
apreciação nos normalmente frios olhos cinzentos de lorde
Falmouth.
— Nossa, realmente — disse ele, sorrindo para ela. — Céleste,
como sempre, tem razão. Georgiana, você parece realmente uma
pintura.
— Obrigada, milorde — disse ela, sorrindo para ele.
— Ah, e pense só, em tão pouco tempo, ela serrá uma duquesa!
— Nesse ritmo ela não vai! — exclamou Falmouth, bufando. —
Agora, você precisa se apressar, ou Sindalton vai pensar que ele foi
abandonado, e por mais que isso possa me divertir, a ele não vai.
— Ah, pare de se preocupar, Alex — disse Céleste, pegando o
braço do marido e permitindo que ele a acompanhasse pela ampla
escadaria de sua casa. — E você sabe que disse que o perdoou e
que ele erra realmente um sujeito decente.
— Tenho certeza de que não poderia ter dito tal coisa — disse
Falmouth, piscando para Georgiana por cima da cabeça de Céleste.
— Você disse e sabe disso — insistiu Céleste, batendo no braço
dele com o leque em tom de repreensão.
— Devo ter me enganado — disse o conde, suavemente, e
escoltou as damas até sua carruagem.
***
Sindalton franziu a testa quando lorde Nibley perguntou se ele
se lembrava de tudo o que era necessário para o bom andamento
do casamento.
— Bem, estou aqui — respondeu ele com um sorriso,
acreditando que tudo estava bem-organizado para o café da manhã
do casamento que lorde Falmouth graciosamente se comprometeu
a oferecer em sua casa. A mãe de Sebastian ainda não estava em
seu juízo perfeito e permanecia confinada em sua própria ala da
casa. A ideia de realizar o café da manhã do casamento debaixo do
seu nariz, mesmo que ela não soubesse, deixou tanto ele quanto
Georgiana extremamente desconfortáveis e os colocou em um
dilema. Alex havia resolvido o assunto, no entanto, com sua maneira
autoritária de sempre. O café da manhã do casamento seria
oferecido por lorde e lady Falmouth, e não se falava mais nisso.
— E o anel? — perguntou Percy. Os olhos de seu amigo
reviraram quando Sebastian sentiu um choque de pânico e bateu no
teto da carruagem.
— Pare! — gritou ele. — Maldição, Percy, você não poderia ter
se lembrado disso antes de sairmos de casa?
Saltando da carruagem, ele correu de volta para sua casa em
Grosvenor Square, recebendo o olhar de desaprovação de algumas
viúvas de aparência severa que passavam.
Ele subiu as escadas de dois em dois degraus até a porta da
frente e disparou, parando ao encontrar um Beau de rosto pálido
parado no hall de entrada falando com seu mordomo. Biddle, ciente
de que seus serviços de repente não eram necessários, fez uma
retirada tática.
Os dois homens se entreolharam em silencioso choque, e
Sebastian teve que conter uma exclamação de surpresa ao ver seu
antigo amigo. Beau parecia exausto e pálido, seu semblante
geralmente angelical, estava acinzentado, e seus olhos, pesados.
Ele claramente havia perdido muito peso, e um de seus braços
estava pendurado contra o peito apoiado em uma tipoia. Sebastian
não pôde deixar de sentir uma pontada de tristeza ao vê-lo tão
diferente dele.
— E-eu pensei que você já tivesse saído — disse Beau,
parecendo estranho. — Caso contrário, nunca teria vindo.
— Esqueci o anel — disse Sebastian, e sua tristeza aprofundou-
se ao perceber que Beau nunca o deixaria fazer tal coisa se ele
estivesse aqui.
Beau deu uma risada suave e balançou a cabeça. — Por que
isso não me surpreende? — Os dois homens permaneceram juntos,
ambos muito conscientes de que a estreita amizade estava morta e
enterrada. — Eu só vim trazer isso para você. Um presente de
casamento — disse ele, com um sorriso desconfortável. — Vou
embora amanhã, mas... bem, pensei que talvez Georgiana pudesse
gostar.
Ele entregou um pequeno pacote que Sebastian pegou. Ele
desamarrou o barbante e abriu o papel pardo para revelar uma
pintura. Era uma pintura de uma paisagem delicada, lindamente
executada por um mestre da pintura. Uma cena idílica de uma
cabana de palha no outono e uma família passando o dia no campo.
— Isto era de sua mãe — disse Sebastian, olhando em estado
de choque. Ele a tinha visto pendurada no escritório da casa de
Beau. Era um dos poucos itens pessoais dela que ele possuía. —
Não podemos aceitar isso — disse ele, sentindo-se perdido. Ele
sabia que Beau estava tentando se desculpar, mas não estava
pronto para perdoá-lo. Mas... ele não queria rejeitar de imediato uma
demonstração tão óbvia de remorso, nem aceitar algo de tão grande
valor pessoal.
Beau deu de ombros, parecendo desconfortável. — Bem, não
posso levar tudo comigo e espero que os oficiais de justiça
esvaziem o lugar assim que eu for embora. — Sebastian ouviu o
familiar tom de indiferença, mas sabia que ele estava longe de se
sentir assim. A pintura era pequena o suficiente para ser facilmente
embalada. — Eu preferiria que você ficasse com ela — disse Beau,
implorando com os olhos.
Sebastian olhou para ele e não soube o que dizer. A raiva pelo
que Beau tinha feito ainda era muito recente, muito fresca, mas este
era um dos únicos itens que ele sabia que significava algo para seu
amigo, e ele sabia o que significava para ele deixar esse item para
trás.
— Você está indo para a França, então?
Beau assentiu. — Pelo menos o tempo lá é melhor do que na
Escócia, e se é bom o suficiente para Beau Brummel... — brincou
ele, tentando fazer pouco caso, mas Sebastian podia dizer que seu
coração não estava ali. — De qualquer forma, eu parto de manhã,
supondo que chegue ao barco inteiro — acrescentou ele, com um
sorriso torto. — Talvez você tenha sorte e alguém termine o trabalho
que começou.
Sebastian sentiu sua garganta apertar. — Não — disse ele,
muito confuso para saber o que queria dizer, mas sabendo que não
poderia deixar as coisas assim. — Eu não quero você morto —
disse ele, ouvindo sua voz tão ríspida e brusca soando como se ele
não quisesse dizer nada daquilo.
Beau sorriu para ele, mas havia tanta dor em seus olhos que
Sebastian teve que desviar o olhar. — Eu sei disso, Sin. Para ser
honesto, eu gostaria que você quisesse. Seria mais fácil, mas
então... bem, você sempre foi muito mais honrado do que eu.
Sebastian não o deteve enquanto se dirigia para a porta, mas
Beau parou na soleira. Ele não se virou, mas Sebastian não
precisava ver seu rosto para ver a sinceridade em seus olhos
enquanto falava.
— Sinto muito, Sebastian. De verdade. Eu sei que você nunca
vai me perdoar e... bem, claro que eu entendo isso. Mas desejo-lhe
toda a felicidade do mundo. Você é um homem de muita sorte.
Sebastian não o deteve quando saiu, embora houvesse uma
parte dele que desejava que o tivesse feito. Ele respirou fundo e
guardou a pintura em seu escritório com cuidado, antes de correr
para seu quarto e pegar o anel, que havia deixado sobre a lareira na
pressa de chegar a Hanover Square a tempo. Quando ele desceu
as escadas, a carruagem estava esperando por ele mais uma vez e
ele entrou, gritando para o cocheiro se apressar.
— Foi Beau que acabei de ver? — quis saber Nibley, quando
Sebastian se acomodou no assento almofadado mais uma vez.
Ele assentiu e passou a pequena caixa do anel para Percy para
mantê-la segura até que fosse necessário.
— Você falou com ele?
— Sim — respondeu Sebastian, esperando que Percy deixasse
o assunto de lado. Ele não sabia a quem pedir para acompanhá-lo
esta manhã. A ideia de Beau não ter sido convidado para o
casamento parecia inimaginável. Ele pensou que Percy também
recusaria, já que dificilmente era apropriado, pois ele também tinha
pedido Georgiana em casamento. Mas Percy parecia genuinamente
satisfeito por ter sido convidado, e Sebastian ficou grato por isso.
Ele tentou afastar o rosto infeliz de seu amigo de sua mente. Não
adiantava insistir nisso. Beau estava recebendo o que merecia.
Georgiana o amava, não a Beau. Isso ele sabia sem questionar
ou duvidar e o pensamento aliviou a tensão que tinha deixado seus
ombros tensos enquanto a carruagem estacionava do lado de fora
do grande pórtico da Igreja de St. George, em Hanover Square. A
torre da igreja erguia-se imponente contra um céu azul de verão
enquanto eles caminhavam para a escuridão fria lançada pelas seis
enormes colunas coríntias, e entravam. Era uma estrutura bastante
simples, embora impressionante, com uma nave ampla e dava a
impressão de luz e espaço. Com alívio, Sebastian notou que eles
haviam chegado a tempo e levou um momento para se recompor
antes que o dia, que esperava com tanta expectativa, começasse
para valer.
Ele sorriu e cumprimentou a tia e o tio de Georgiana, que
pareciam bastante assustados ao conhecê-lo. Eles não puderam vir
antes do casamento, pois um súbito surto de escarlatina manteve o
bom médico com as mãos ocupadas até aquela manhã. Felizmente,
eles logo relaxaram quando Sebastian se esforçou para deixar claro
que ele realmente não era tão arrogante quanto Georgiana havia
implicado que ele fosse.
Pela quinquagésima vez, Sebastian pegou a corrente do relógio
para verificar a hora, no momento em que Percy lhe deu uma
cotovelada no flanco. O doutor Bomford escapou discretamente
para encontrar sua sobrinha, e agora lorde e lady Falmouth
entravam na igreja. Céleste parecia encantadora em um tom de
pêssego pálido que realçava lindamente seus cabelos dourados, e
Falmouth, parecendo insuportavelmente presunçoso, deu a
Sebastian uma piscadela de encorajamento.
E, então, lá estava ela. Sebastian prendeu a respiração e a
conteve enquanto ela avançava pela nave nos braços de seu tio. O
doutor Bomford parecia cheio de orgulho, e Sebastian ficou bastante
surpreso com a força da emoção que o invadiu ao ver sua adorável
noiva se encaminhar para o altar.
Seu glorioso cabelo ruivo brilhava como cobre e ouro à luz do
sol e não era menos deslumbrante que seu sorriso e a luz em seus
olhos. Ela carregava um buquê simples de três lírios brancos
cercados por folhas de samambaia e se ela estava de alguma forma
tão nervosa quanto Sebastian de repente se sentiu, o buquê
escondia qualquer tremor perceptível em suas mãos. O vestido
requintado que ela usava grudava em seu corpo curvilíneo de tal
maneira que ele não queria nada mais do que dispensar a cerimônia
e o maldito café da manhã do casamento com toda a pressa e
encontrar sua noiva a sós para que ele pudesse livrá-la dele
rapidamente.
Pelo menos um pouco de sua impaciência deve ter sido visível
em seus olhos, pois sua noiva irresistível riu de uma maneira muito
deselegante e teve a ousadia de piscar para ele.
Sebastian bufou e prometeu a si mesmo o deleite de ter a sua
vingança em um futuro muito próximo, enquanto isso, a cerimônia
começou e todos ficaram quietos.
Capítulo 36
 
“No qual... há um casamento! E uma retribuição amorosa é dada
com alegria.”

O café da manhã do casamento foi um evento íntimo apenas


com a tia e o tio de Georgiana, lorde e lady Falmouth e com lorde
Nibley e sua irmã, Florence. O audacioso Conrad também estava
presente com seu parceiro no crime, Bandit. Os dois irremediáveis
malandrinhos examinavam o salão e lançavam olhares
esperançosos sobre o pessoal reunido. Eles acreditavam fielmente
que alguém lhes daria um dos ovos escoceses, que eles sabiam
estar em algum lugar em meio ao farto banquete fornecido pela
Fortnum and Mason's, por isso, continuaram a abanar os ávidos
rabos. Sebastian tinha sido inflexível que Conrad não iria com eles
na lua de mel para Paris, apesar dos protestos de Georgiana de que
ele iria sentir falta dela. Ao perguntar a lorde Falmouth se ele
poderia ficar com eles durante todo o período, para que pelo menos
seu querido companheiro Bandit pudesse estar por perto para lhe
fazer companhia, ele simplesmente respondeu: — Meu Deus, nem
pensar!
Então, Conrad voltaria para a Cornualha com tia Jane e tio Jo,
onde Georgiana tinha certeza de que ele passearia diariamente e
teria permissão para caçar coelhos à vontade.
Embora Georgiana tenha sentido que o prazer do grande dia de
seu novo marido foi diminuído pela ausência de seu melhor amigo,
ela guardou o pensamento para si mesma, mas decidiu que faria
tudo ao seu alcance para resolver a desavença assim que pudesse.
O café da manhã do casamento finalmente chegou ao fim
depois de muitos brindes e felicitações de seus parentes e amigos.
Uma despedida chorosa foi dispensada pelas damas, e tia Jane foi
obrigada a agarrar-se com força ao braço do marido enquanto o
indivíduo sem coração ria, embora não cruelmente, e implorava para
que ela não fosse tão boba. Georgiana apenas sorriu e decidiu que
seria grosseiro observar que havia notado tio Joseph enxugando os
olhos discretamente momentos antes.
A viagem até o Claridge's foi ridiculamente curta e Georgiana
caçoava de seu novo marido por ser muito orgulhoso e considerar-
se superior demais para caminhar a curta distância de Grosvenor
Square até Brook Street.
Sebastian apenas bufou e disse a ela para cuidar de seus
modos, pois estava merecendo uma punição, antes de beijá-la com
uma ferocidade, deixando-a aturdida e com as bochechas
vermelhas ao entrar no hotel.
Se os funcionários achavam estranho que Sua Graça iria passar
sua noite de núpcias a poucos metros de sua própria casa, não
deram motivos para que nenhum dos dois desconfiasse. Por sua
vez, Georgiana ficou encantada com o luxuoso hotel e mais do que
aliviada por não entrar no domínio da duquesa viúva de Sindalton,
cuja mera ideia a deixava nervosa. Sebastian rapidamente acabou
com seus medos, ao admitir que ele se sentia da mesma maneira.
Assim, decidiram passar uma noite no Claridge's antes de partirem
para a lua de mel em Paris, e depois de um período na França, iriam
à Itália. Lorde Falmouth insistiu que parassem na casa de seu irmão
perto de Bordeaux, pois tinha certeza de que Georgiana e sua
cunhada, Henri, se dariam maravilhosamente bem. Céleste
concordou com isso, apenas acrescentando, com um sorriso
travesso, que Sebastian também gostaria muito mais de Lawrence
do que de Alex.
Estar finalmente a sós com seu novo marido em um quarto
grande e elegante que tinha como principal foco uma ligeiramente
assustadora e enorme cama de casal, fez com que Georgiana se
sentisse inexplicavelmente nervosa. Especialmente porque havia
um brilho desafiador nos olhos de Sebastian que ela sabia que era
devido às suas provocações nos últimos dias. Recusando-se a
parecer muito a noiva tímida, ela ergueu o queixo e encarou seu
olhar de frente.
— Tem sido um dia adorável, Sebastian, e muito obrigada por
ser tão gentil com minha tia e meu tio. Eles adoraram você, é claro.
— É claro — disse ele, com um sorriso malicioso, despindo-se
com alguma dificuldade de seu casaco justo.
— Aqui, deixe-me ajudá-lo. — Georgiana ajudou-o a retirar o
artigo primorosamente feito sob medida por cima de seus largos
ombros sem enrugar demasiado a arte do incomparável senhor
Weston. — Oh, querido, seu valete teria um ataque se me visse
fazendo isso, não é?
— Oh, meu Deus do céu, nem me fale — disse Sebastian,
bufando com diversão. — Ele já vai ficar emburrado por semanas
porque está tendo uma noite de folga. Sem dúvida, ouvirei histórias
apócrifas sobre meia dúzia de jovens que alegremente me
apunhalariam pelas costas apenas para colocar as mãos nele como
vingança.
— Bem, foi ideia sua se livrar de todos os criados até amanhã.
Muito impróprio, de acordo com tia Jane, embora você tenha
conquistado a aprovação de Céleste, para dizer a verdade — disse
Georgiana, rindo, embora estivesse ciente de que era um som
bastante nervoso, enquanto Sebastian levava as mãos até os
botões de seu colete. Ela engoliu em seco, observando o progresso
daqueles dedos fortes enquanto eles desciam pela seda bordada de
forma extravagante em sua roupa impressionante. Sebastian jogou
a peça no chão displicentemente e aproximou-se de sua noiva com
um sorriso decididamente selvagem.
— Muito bem, então, Vossa Graça — disse ele, em voz baixa.
— Oh! — disse Georgiana, com surpresa, interrompendo-o. — É
a minha vez, não é? — Ela deu uma risadinha de surpresa. —
Vossa Graça! Como isso soa estranho.
— Sim, é verdade — disse Sebastian, parecendo bastante
impaciente. — Agora fique quieta, meu amor. Eu quero seduzi-la.
— Oh — disse ela, novamente, tentando e não conseguindo
conter uma risada. — Como é que é?
— É isso mesmo — respondeu ele, balançando a cabeça para
ela e, então, franzindo a testa para o vestido enquanto a virava e
descobria os trinta e três minúsculos botões de pérola que desciam
por suas costas. — Bom Deus! — exclamou ele. — Que tipo de
sádico foi esse que colocou todos esses malditos botões nessa
coisa miserável!
— Sebastian! — exclamou Georgiana, sufocando o riso com a
mão trêmula.
— Raios me partam, meu bem. Vou passar a noite toda fazendo
isso!
Tremendo de alegria silenciosa, Georgiana esperou enquanto
Sebastian desabotoava um botão complicado de cada vez, o tempo
todo reclamando e xingando veementemente as malditas
costureiras. Finalmente, chegou ao fim dos botões e de sua
paciência, e ela ouviu uma exalação audível quando o cetim pesado
deslizou para o chão. Tremendo de expectativa, ela saiu do vestido
e manteve-se de costas para ele enquanto removia os itens finais –
suas roupas íntimas. Ela deixou o espartilho e a chemise de lado,
com bem menos indiferença do que ele fez com o colete, e virou-se
para olhá-lo de frente vestindo apenas as meias de seda e ligas. Por
um momento ela teve dificuldade de olhar para ele, sentindo sua
pele quente com uma mistura de vergonha e antecipação. Mas ao
encontrar seu olhar, toda a apreensão foi deixada de lado com mais
facilidade do que qualquer roupa, ao ver o amor e o desejo
queimando em seus olhos escuros.
Sem hesitar, ele a envolveu em um abraço, com sua boca
reivindicando a dela com uma urgência impaciente que ela ficou
muito feliz em imitar. Ele parou, de repente, respirando fundo e de
maneira irregular enquanto voltava sua atenção para remover os
grampos de seu cabelo.
— Eu estava desesperado para ver todo ele solto sobre seus
ombros — disse ele, com a voz baixa enquanto seus dedos
deslizavam pelos seus grossos cabelos acobreados. Ele assistiu
com evidente fascínio enquanto as mechas reluzentes brilhavam
contra sua grande palma e caíam sobre sua pele pálida. — Tão
adorável — disse ele, com a voz reverente e rouca de necessidade.
Ela observou com interesse como seu rosto ficou um pouco
cauteloso e sua testa franzida.
— Meu bem, eu sei que nós... — Ele limpou a garganta e
pareceu estranhamente pouco à vontade antes de continuar: — É...
flertamos um pouco, quando estávamos juntos na Cornualha, mas...
— Outra pausa na qual ele franziu a testa um pouco mais. — Você...
você sabe o que vai acontecer? Quero dizer...
Georgiana soltou uma gargalhada, encantada ao descobrir que
seu marido estava tão nervoso quanto ela; apesar de sua reputação
de ser um chocante paquerador e galanteador.
— Oh, sim, querido. Afinal, eu sou uma garota do campo. A
gente vê coisas no campo, sabe, e, além disso, Céleste
complementou o que eu não sabia.
— Graças a Deus — disse ele, com evidente alívio. Ele sorriu
para ela, com tanta ternura em sua expressão que o coração dela
pareceu apertar no peito. — Então, você não está nervosa?
— Só um pouquinho — disse ela, retribuindo o sorriso dele. —
Eu sei que você vai cuidar de mim. — Ela mordeu o lábio e
acrescentou com mais ousadia do que estava realmente sentindo:
— Só sou uma pessoa extremamente impaciente. Pode continuar,
querido.
— Ora, sua miserável! — exclamou ele com raiva, levantando-a
e jogando-a na cama, onde ela quicou um pouco e inclinou a cabeça
para trás rindo enquanto ele a espreitava. — Pode continuar —
repetiu ele, com alegria brilhando em seus olhos escuros. — De
todas as coisas indecentes, impróprias e perversas para me dizer!
Ele agarrou suas mãos e as prendeu na cama acima de seus
ombros enquanto insinuava seu grande corpo entre suas pernas.
Ela arquejou, surpresa novamente com o peso e tamanho dele,
saboreando a sensação de seu corpo muito mais pesado contra o
dela. Ele se inclinou e mordiscou o lóbulo de sua orelha, arrastando
a língua até a borda, acariciando a carne macia de baixo e dando
beijinhos ao longo de sua mandíbula e pescoço. Georgiana suspirou
e contorceu-se, inclinando-se contra o corpo dele. Ele permitiu que
ela se inclinasse em sua direção por um momento, e seus olhos
escureceram enquanto ela ofegava e corava com desejo crescente.
Ele riu, o som baixo e íntimo enquanto se afastava dela.
— Aonde você está indo? — indagou ele, apoiada no cotovelo.
Ele se recostou e desfez a gravata com evidente e minucioso
cuidado, com um sorriso presunçoso pairando sobre sua boca. Com
um bufo ela se recostou, observando-o enquanto ele
cuidadosamente dobrava o longo comprimento de seda branca
imaculada e voltava para seus botões. Cada um foi desfeito com
muito cuidado e crescente diversão de sua parte, enquanto
Georgiana estreitava os olhos para ele.
— Você é muito cruel, marido — disse ela, fungando, mas foi
incapaz de desviar seu olhar fascinado quando ele tirou a camisa
para revelar uma estrutura forte e musculosa. Quanto mais suas
roupas primorosamente ajustadas e sofisticadas eram removidas,
mais ela ficava impressionada com o contraste da masculinidade
viril que estava escondida sob elas. Ele parecia ao mesmo tempo
muito menos civilizado e muito mais vigoroso. O pensamento fez
seu coração bater mais forte. Ela continuou a observar, sabendo
que ele estava bem ciente de seu escrutínio enquanto seus olhos se
detinham em um peito largo, levemente salpicado com pelos
escuros que seguiam em uma trilha tentadora sob a cinta de sua
calça. Ela prendeu a respiração, e o som pelo menos fez com que
ele se apressasse. Deixando de lado toda a pretensão de uma
considerada indiferença, Sebastian lançou suas botas nos recantos
mais distantes da quarto e tirou as peças de roupa restantes o mais
rápido que pôde.
Ela piscou quando ele voltou para a cama mais uma vez, mais
do que ligeiramente assustada quando as palavras encorajadoras
de Céleste retornaram à sua mente e se materializaram na figura
impressionante de seu marido.
— O que foi? Não tem nada a dizer, meu bem? — brincou ele,
com a boca levemente curvada quando uma mão deslizou pela
parte de trás da perna dela e puxou sua liga. Ela observou, com a
boca seca, enquanto ele tirava primeiro uma meia de seda e depois
a outra de suas pernas e suas mãos continuavam a acariciá-la. —
Bom Deus, não me diga que finalmente a deixei sem palavras?
— S-só... momentaneamente — arquejou ela, quando sua forma
nua finalmente pressionou sobre ela. A sensação do toque quente
de sua pele tão perto da dela foi o suficiente para que qualquer
vontade de provar que ele estava errado fosse expulsa de sua
mente. Sim, sim, de fato ela estava sem palavras. Ela sentiu-se
totalmente roubada de qualquer pensamento coerente ou domínio
do idioma enquanto era reduzida a um punhado incoerente de
nervos que não podia fazer nada mais complexo do que ofegar e
murmurar com prazer quando seus lábios e mãos começaram a
explorá-la.
— Oh! — Foi o som mais racional que ela foi capaz de emitir
quando ele traçou um caminho de beijos até seus seios e puxou um
mamilo dolorido para o calor ardente de sua boca. Ela choramingou
e arqueou-se em sua direção, afundando as mãos em seu cabelo
escuro e agarrando suas mechas grossas. Ela permitiu que suas
mãos deslizassem por seu pescoço, explorando a grande extensão
de pele sedosa que cobria suas largas costas e ombros.
Agarrando-se aos pesados músculos de seus braços, moveu-se
inquieta debaixo dele, consciente de uma crescente sensação de
vazio e de uma necessidade de unir-se a ele que a deixava
impaciente. Ele riu contra sua pele, claramente mais consciente do
que ela sobre o que ela precisava enquanto deslizava ao longo de
seu estômago, marcando sua pele com a língua enquanto descia
mais. Ela estremeceu, muito intrigada para ficar envergonhada pelo
caminho íntimo que ele estava seguindo. Com dedos delicados, ele
separou os cachos no ápice de suas coxas e com um último e
prolongado olhar de desafio em seus olhos levou a boca à sua pele
mais delicada.
Momentaneamente assustada, ela respirou fundo e, então, deu
um gemido perfeitamente chocante enquanto o prazer irradiava por
seu corpo. Georgiana nunca se sentiu tão completamente exposta,
e não apenas fisicamente. Havia tanta confiança no ato, tanto prazer
em saber que ele queria amá-la e agradá-la. Ela perdeu-se na
sensação de sua língua, deslizando sobre ela, às vezes
provocando, às vezes exigindo enquanto ele alternadamente a
lambia e a atormentava. Qualquer sensação de constrangimento
que ela pudesse ter sentido ao olhar para baixo e ver aquela cabeça
escura curvada entre suas coxas dissipou-se com o conhecimento
de que ela era amada.
Isso era muito diferente da única vez em que tiveram intimidade.
Naquela ocasião, ela ficou terrivelmente assustada, certa de que ele
estava brincando com ela e incapaz de entregar-se totalmente à
alegria de seu toque. Agora, ela se permitia ser dominada por ele,
sendo levada com ganancioso abandono para o ápice do prazer
enquanto ele continuava a provocar e satisfazer sua carne tenra
com sua boca e língua.
Ela respirou fundo quando sentiu o toque íntimo de seus dedos
enquanto eles deslizavam dentro dela, primeiro um, depois outro,
acariciando e afagando em sincronicidade com sua língua enquanto
sua boca se fechava sobre ela mais uma vez. Suas coxas se
abriram ainda mais com uma sensualidade devassa enquanto seus
quadris subiam em direção a ele, encorajando-o, enquanto ela
gritava e agarrava as roupas de cama quando o clímax a sacudiu e
ela caiu em um mar voluptuoso de êxtase.
Capítulo 37
 
“No qual nosso herói e heroína descobrem que o futuro é um lugar
maravilhoso.”

Levou mais do que alguns minutos antes que Sebastian


pudesse persuadir sua esposa a abrir os olhos novamente. Havia
um sorriso satisfeito nos lábios dela, e ele não pôde evitar sentir-se
um pouco presunçoso; sendo assim, permitiu que ela se
recuperasse por alguns momentos. Ele não pôde deixar de pensar
que isso era um gesto heroico, possivelmente até santo, já que seu
próprio corpo estava gritando por liberação e por sua adorável
Georgiana, que era uma tentação encarnada.
Acariciando com os dedos a pele acetinada de seu ventre, ele
deteve-se na curva suave de seu seio e colocou a mão em concha
ao redor do quente e convidativo montículo. Ela deu um profundo
suspiro de contentamento e se espreguiçou, arqueando-se ainda
mais na direção de suas mãos com um gesto suntuoso que deixou
seu corpo tenso e suas próprias necessidades se recusaram a ser
ignoradas por mais um momento. Movendo-se sobre ela, ele
empurrou suas pernas abertas e acomodou-se entre elas,
deslizando sua extensão dolorida sobre a pele lisa e inchada que
ele tinha recentemente saciado. Ela ofegou, e seus olhos se abriram
quando ele sorriu para ela.
— Eu esperava que isso pudesse chamar sua atenção.
Os olhos dela ficaram nebulosos novamente enquanto ele
continuava a deslizar contra ela, e ele sentiu uma onda possessiva
de desejo quando ela soltou um gemido suave e ergueu os quadris
para encontrá-lo.
— Oh, meu amor — sussurrou ele contra sua pele enquanto
baixava a cabeça para reivindicar sua boca. Ela foi de encontro a
ele, e suas línguas moveram-se juntas no ritmo de seus corpos, ao
passo que Sebastian se movia para penetrá-la. Ela era a perfeição
em todos os sentidos, e ele estava desesperado para estar dentro
dela. O fato de ela estar aqui parecia ao mesmo tempo
incrivelmente maravilhoso demais para ser verdade, mas também
surpreendentemente real; depois de tantos obstáculos terem sido
colocados em seu caminho, depois de ele ter tomado tantas
decisões idiotas, tê-la aqui, sua esposa, parecia nada menos que
milagroso.
Ele gemeu quando seu calor apertado o envolveu e ele deslizou
um pouco mais no prazer indecente de seu corpo. Consciente das
mãos dela agarrando-se a ele, e com a tensão repentina em seu
corpo, ele se forçou a ficar quieto, embora fosse necessário todo o
autocontrole para não simplesmente mergulhar nela e encontrar a
liberação que ele desejava há uma eternidade.
— Estou machucando você? — perguntou ele, com a voz rouca,
odiando-se pelo fato de que havia se esquecido de perguntá-la isso
antes.
Para sua surpresa, ela deu uma risadinha e balançou a cabeça.
— Não, não... — sussurrou ela. — É só tão...
Ele se moveu, apenas um pouquinho mais fundo dentro dela, e
ela prendeu a respiração, com os seus olhos se arregalando
enquanto sua cabeça se inclinava para trás, expondo sua garganta
a seus lábios perscrutadores. Ele beijou cada centímetro de pele
que pôde alcançar enquanto se movia mais profundamente, apenas
um pouquinho – isso estava levando-o à loucura. Cada músculo de
seu corpo estava rígido, travado com a necessidade de manter o
controle enquanto tentava desesperadamente evitar machucá-la.
Mas, então, ele sentiu as mãos dela deslizarem por suas costas
até os músculos tensos de suas nádegas, e ela aproximou-se dele,
levantando os quadris ao mesmo tempo, encorajando-o a ir mais
fundo. Qualquer resquício de autocontrole desapareceu diante de tal
necessidade desenfreada, e ele se afundou dentro dela com um
impulso profundo. Ela deu um grito assustado de surpresa, mas,
para seu contínuo alívio, ele sentiu-a relaxar debaixo dele enquanto
ele continuava a mover-se, com seu corpo encontrando o dele
enquanto sua respiração se tornava mais rápida e irregular. Ele
permitiu que seu peso caísse sobre ela, segurando seu corpo em
seus braços e abandonando qualquer pretensão de ter algum
controle sobre tudo isso. Ele estava perdido, além de sua
compreensão, além do prazer de ser encontrado na mulher que
amava, na necessidade de estar com ela, uma parte dela.
— Oh, Deus — sussurrou ele, com as palavras cheias de
surpresa e admiração ao tentar compreender como era possível
sentir-se desse jeito; aquilo era muito mais do que ele imaginava. A
ideia de que ele quase havia perdido isso, que se o destino tivesse
conspirado mais contra ele, ela poderia estar nos braços de Beau,
não dele, fez a emoção apertar seu coração. — Eu te amo — disse
ele, com palavras duras e verdadeiras quando investiu dentro nela e
o prazer roubou qualquer reserva que ele pudesse ter. — Oh, minha
doce menina, eu te amo tanto.
Ele ouviu as palavras suaves de sua resposta, mas elas se
perderam no grito franco de seu clímax. Estremecendo quando a
força de sua liberação o atravessou, ele acreditou que nada poderia
ser mais perfeito até que a sentiu agarrando-se a ele com mãos
desesperadas. Ele gemeu contra sua pele quente enquanto seu
corpo se apertava ao redor dele, fazendo-o ir de encontro com a luz
branca do êxtase enquanto seus gritos de euforia o levava mais
longe do que nunca.
Eles se deitaram juntos, em um emaranhado de pele e membros
saciados e suados enquanto sua respiração desacelerava e o
lânguido estupor de satisfação fazia seus ossos parecerem pesados
demais para se mover.
— Estou esmagando você? — questionou Sebastian,
perguntando-se se ele poderia encontrar energia suficiente para se
afastar do delicioso travesseiro de seu corpo.
— Sim — suspirou ela, esfregando o rosto contra o pescoço
dele. — É maravilhoso.
Uma risada ressoou pelo corpo dele, e ela começou a rir
também. — Oh, pare, isso... isso faz cócegas — disse ele.
Com um esforço supremo, ele moveu-se um pouco, saindo de
seu corpo e lamentando ao ver a pequena contração apertando os
olhos dela.
— Eu machuquei você? — perguntou ele, olhando para ela e
sentindo-se um bruto por não ter tomado mais cuidado.
— Oh, não! — exclamou ela, com os olhos arregalados ao
estender a mão e tocar no rosto dele, com tanto amor em seus
olhos que algo próximo à dor floresceu em seu peito diante da
sensação maravilhosa que sentiu. Ele nunca poderia perder isso. —
Foi... — Ela deteve-se, com a boca ainda aberta, mas as palavras
aparentemente a abandonaram.
— Foi? — perguntou ele, sentindo-se um pouco ansioso, no fim
das contas.
— Eu não tenho as palavras — disse ela, rindo, com uma
quantidade surpreendente de reticências em seus olhos até
encontrar o que queria dizer. — Foi perfeito.
Sebastian soltou um suspiro de alívio e pressionou sua boca
contra a dela. — Você é perfeita — murmurou ele, com absoluta
sinceridade.
Ela soltou uma gargalhada deliciosa que fez a felicidade
atravessá-lo. — Se essa é sua opinião, Vossa Graça — disse ela,
com travessura dançando em seus olhos. — Então, posso garantir
que está na aventura mais chocante de sua vida.
Ele sorriu para ela, segurando seu lindo rosto com as mãos. —
Enquanto eu for o único em seu coração ou em sua cama, acho que
posso lidar com isso.
— Oh, você diz isso agora... — respondeu ela, o olhar travesso
ficando mais brilhante. — Mas espere até que a Sereia chegue a
Paris. Consegue imaginar os estragos que posso causar à sua
reputação ducal em um lugar tão infame?
Ele permitiu que ela o empurrasse de costas enquanto montava
nele e se sentava com uma perna de cada lado em seus quadris.
Ele sentiu seu corpo endurecer novamente com a proximidade dela
e colocou as mãos em sua cintura.
— Oh, eu acho que sei como manter você na linha, menina
atrevida — disse ele, sorrindo e levantando seus quadris para
estimular seu corpo endurecido contra sua carne macia. Ela deu um
pequeno suspiro de surpresa e acariciou o peito dele com uma mão
e seu rosto foi ficando subitamente sério.
— Eu não preciso de nada nem de ninguém além de você.
Apenas me ame, Sebastian. Isso é tudo que precisa fazer.
— Tenho toda a intenção de fazer isso, querida.
Ela sorriu para ele, de repente parecendo um pouco tímida
enquanto se inclinava e beijava sua testa, suas pálpebras, suas
bochechas, nariz e, finalmente, sua boca. — Eu te amo —
murmurou ela, contra seus lábios. — Estou tão feliz que não sei se
rio, se choro ou... o que fazer comigo mesma.
Ele riu disso e a jogou de costas, enquanto seu corpo se abria
para recebê-lo com entusiasmo. — Bem, meu amor, nesse caso é
bom que seu marido enfadonho e arrogante tenha uma ideia bem
definida.
— Sim — murmurou ela, rindo contra a pele dele. — De fato, é
bom que ele tenha.
Fim
Continue lendo para uma prévia do livro 4, a história de Beau.
Ao Inferno com o Diabo
Patifes & Cavalheiros – Livro 4

Desonrado e envergonhado, o escandaloso queridinho da alta


sociedade, 'Beau', o marquês de Beaumont, é forçado a fugir da
Inglaterra para escapar da prisão para devedores depois que seu
pai cruel se recusa a ajudá-lo.
Depois de um encontro casual, parece que a única amiga
restante pode ser encontrada na improvável pessoa da senhorita
Millicent Sparrow.
A senhorita Sparrow faz jus ao próprio sobrenome.
Despedaçada e apavorada com o abuso violento de seu primo, Milly
está acostumada a ser negligenciada e prefere viver assim, até que
o desespero de seu mundo sombrio é colorido pela extraordinária
amizade com Beau.
Quando seu pai morre repentinamente e Beau herda o ducado,
ele procura a senhorita Sparrow, a autora das cartas animadas que
o ajudaram durante seu exílio. Para sua surpresa, ele encontra uma
mulher em desespero, e, movido pela pena, oferece a ela a
proteção de seu nome.
Mas Milly se torna impossível de ignorar, e quanto mais Beau
precisa de uma esposa, menos interessada ela parece em seu lindo
marido.
Para esse libertino, nunca foi tão difícil chamar a atenção de
uma mulher.
Capítulo 1
 
“No qual o passado é revisitado com pesar, mas uma nova amizade
é feita.”

2 de junho de 1817.
 
Beau observou seu amigo de infância, Sebastian Grenville, o
duque de Sindalton, descer correndo as escadas de sua grande
casa em Grosvenor Square. A figura alta e imponente entrou na
carruagem que o aguardava, e o transporte preto brilhante, puxado
por quatro cavalos baios igualmente lustrosos, afastaram-no dali. A
folha de ouro do brasão do duque nas portas da carruagem brilhava
atestando a qualidade de sua perfeição sob o sol do início do verão,
e Beau se esforçou para não sentir inveja da posição segura de seu
amigo: um homem rico, prestes a se casar com uma igualmente
senhorita rica e bonita que o amava loucamente. Vidas com as
quais a maioria das pessoas só poderia sonhar. Atingido por uma
forte pontada de tristeza quando a carruagem dobrou a esquina e
desapareceu de vista, ele respirou fundo e disse a si mesmo para
não ser tão covarde. Ele não tinha o direito de sentir pena de si
mesmo. Ele tinha sua própria notoriedade como Charles Stafford, o
marquês de Beaumont, embora todos o conhecessem simplesmente
como Beau. Mas ele trouxe essa tristeza sobre si mesmo. Isso
estava claro.
Beau mexeu o braço na tipoia enquanto seu ombro latejava
como se o lembrasse de sua própria loucura cruel. Levantando a
mão, esfregou o local com uma careta. Estava se recuperando bem
agora, mas ainda doía como o diabo. É isso que acontecia quando
seu melhor amigo colocava uma bala em você. Ele só podia estar
grato por Sebastian nunca ter sido um atirador tão bom quanto ele.
Para o bem de ambos. Ele duvidava que Sebastian aceitaria a ideia
de fugir para a França em desgraça com mais entusiasmo do que
ele próprio. Mas não havia outra escolha para ele agora.
Ele se virou e acenou com a cabeça para os dois homens
corpulentos e de aparência desonrosa que permaneciam na esquina
da rua. Eles eram sentinelas temporários, cortesia do conde de
Falmouth, que estava ansioso para que ele deixasse o país, pois
Beau devia muito dinheiro a alguns homens muito cruéis, e eles só
receberiam seu pagamento através da violência, se é que nada
mais estivesse por vir.
Perdido em seus próprios problemas, viu-se caminhando em
direção ao Hyde Park, as ruas ainda estavam silenciosas e desertas
nas primeiras horas da manhã. Ele devia ir para casa. Ainda havia
muitas coisas para resolver antes que pegasse o Paquete pela
manhã. A ideia de voltar deixava sua garganta desconcertantemente
apertada. Melhor seria postergar por um tempo.
Ele vagou pelos belos jardins, vagarosamente. A grama e as
árvores em tons de verde ácido vibrante de uma primavera úmida
com brilhantes faixas de plantas coloridas saltavam aos olhos
enquanto as novas cores do verão competiam por atenção. Pela
primeira vez, Beau não encontrou nenhum prazer nisso, seus
pensamentos estavam muito atolados em seu passado e na
escuridão de seu futuro imediato. Que diabos ele devia fazer?
Ele sentou-se em um banco, lançando um olhar compreensivo
aos dois homens que ainda o acompanhavam. Ele acenou para eles
irem embora com um ar impaciente e eles obedeceram com
relutante desconfiança.
Beau não tinha certeza de quanto tempo ficou sentado lá,
olhando para a água do Serpentine e considerando todas as coisas
mal concebidas e idiotas que ele tinha feito somente no ano
passado. Não era nada agradável perceber que você estava
desperdiçando sua vida, que não havia feito nada de que pudesse
se orgulhar. Ele passou seu tempo satisfazendo seus instintos mais
básicos e não dando a mínima para quem ele machucava no
processo. Ele estava cansado de cenas emotivas, de mulheres com
quem não se importava chorando e implorando para que ele ficasse.
Ele estava cansado de apostar o tempo todo para tentar manter-se
em atividade. Esfregando a mão no rosto com irritação, repreendeu-
se. Ele era melhor do que isso, não era? Mas a risada de seu pai
ainda ecoava em seus ouvidos.
Pedir ajuda ao pai quase o matara. Ele não tinha se
surpreendido ao ouvir o velho bastardo malvado se deliciado em
dizer que ele era um fracasso e uma desgraça e que não levantaria
um dedo para ajudá-lo. Nada tinha mudado. Então, ele engoliu seu
orgulho sem motivo.
Beau jurou que iria mostrar a ele um dia. Um dia ele seria bem-
sucedido em sua vida e olharia seu pai nos olhos e diria que ele
estava errado. Beau não era um fracassado, ele que era. O duque
de Ware que era um fracassado, pois mesmo planejando quebrar
seu próprio filho, ainda não havia conseguido.
Ele franziu a testa, interrompido de seus pensamentos por uma
voz suave e olhou ao seu redor. A princípio, não viu ninguém, mas
então a voz voltou, e ele se virou um pouco mais à direita e viu uma
mulher olhando para ele.
— Olá — disse ela, com a voz tensa com ansiedade. — E-eu
sinto muito, milorde. E-espero não estar incomodando...
Ele sorriu educadamente para a mulher, imaginando o que
diabos ela estava querendo, falando com um homem que ela não
conhecia no meio do parque. Mas, então, ele percebeu que havia
algo de familiar nela.
Ela não era um espécime glamoroso. Na verdade, Beau teria
passado por ela sem olhar duas vezes, mas de onde ele a conhecia,
não conseguia se lembrar. Malvestida, usava uma peliça marrom
gasta, seu cabelo igualmente castanho era severamente puxado
para trás de seu rosto em um coque apertado. Magra a ponto de
quase aparecer os ossos, Beau pensou que uma forte rajada de
vento provavelmente a derrubaria.
Ela corou, e dois pontos de cor vívida apareceram contra a
palidez de sua tez.
— Não, você não está me incomodando — disse ele, olhando
para ela com curiosidade. Se ela estivesse mais bem vestida e
fosse mais atraente, ele não teria ficado tão surpreso. Ele estava
acostumado com mulheres agindo de maneira inapropriada para se
aproximar dele. — Existe alguma coisa que possa fazer por você,
senhorita...
— Oh, senhorita Sparrow — disse ela, apressadamente, dando
alguns passos hesitantes em sua direção. — Não, absolutamente
nada, milorde, na verdade eu nunca teria ousado me aproximar de
você, apenas...
Ela parou de repente, e Beau foi atingido pelo medo em seus
olhos escuros. Era um olhar que ele reconhecia.
— Apenas? — perguntou ele, mantendo sua voz acolhedora e
tranquilizadora. Ela tinha o ar de uma mulher que tinha medo da
própria sombra, e ele sentiu a necessidade instintiva de deixá-la à
vontade. Ela usava óculos pequenos que a faziam parecer um
pouco mais velha do que talvez fosse e os empurrou um pouco para
cima do nariz antes de falar novamente.
— Apenas queria lhe agradecer muito.
Ele ergueu as sobrancelhas, imaginando o que poderia ter feito
para merecer a gratidão dela. — Sparrow? — repetiu ele, franzindo
a testa ao perceber que o nome era familiar. — Oh, o baile de lady
Derby!
Ela sorriu e soltou um suspiro. — Sim, isso mesmo. Receio ter
causado o mais terrível alvoroço. — Os pontos coloridos em suas
bochechas pareceram enrubescer ainda mais, e ele sentiu uma
onda de pena por seu constrangimento.
— De jeito nenhum — disse ele, sorrindo para ela. — E não há a
menor necessidade de me agradecer. Não fiz nada além do que
qualquer um teria feito.
Seu sorriso desapareceu e um olhar assombrado voltou àqueles
grandes olhos castanhos. — Não — disse ela, balançando a
cabeça. — Ambos sabemos que isso não é verdade. Eles teriam
parado e assistido enquanto eu sofria um... um ataque. Eles teriam
assistido e se sentido horrorizados e não teriam feito nada. Ninguém
mais teria me ajudado — disse ela, com a voz quase inaudível. —
Mas você ajudou.
Parecia ser a vez de Beau se sentir envergonhado. Ele
certamente não merecia o olhar de devoção aduladora em seus
olhos. — Bem, eu fiquei muito feliz em fazê-lo — disse ele, não
dando importância com um aceno de mão.
— Eu sei — disse ela, com a voz cheia de admiração. — E eu
simplesmente não consigo imaginar o porquê.
Ele franziu a testa, virando-se para ela com um pouco de
aborrecimento. — Não deveria ser tão fora do comum que eu possa
demonstrar boas maneiras a uma criatura semelhante. Certamente
minha reputação não é tão sombria assim. — As suas palavras
foram mordazes, e ela suspirou audivelmente de susto. Ele ficou
chocado ao ver aquela expressão de terror em seus olhos
novamente enquanto ela agarrava a pequena retícula marrom em
suas mãos.
— N-Não! Não quis dizer isso. Eu n-não estava falando de
você... Só que as p-pessoas não são gentis, sabe. N-normalmente
não são.
Ele sentiu uma onda de pena dessa pobre criatura morena e
esfarrapada e se perguntou como seria a vida dela. Ele conhecia o
primo dela, Spencer Brownlow. Ele estudou em Eton, era um ou dois
mais velho que Beau, e seria difícil encontrar um indivíduo mais
malvado que ele.
— Perdoe-me, senhorita Sparrow — disse ele, verdadeiramente
inquieto com o quão assustada ela parecia estar. — Eu não tinha
nenhum direito de falar com você assim. Na verdade, foi apenas
minha própria consciência pesada que me fez pensar que você
estava me acusando de ser geralmente uma pessoa desalmada.
— Oh, eu nunca acreditaria em tal coisa sobre você! — disse
ela, com tanto entusiasmo que Beau caiu na gargalhada.
— Nossa, quanto apoio — disse ele. — Bem, admito que
preciso disso agora, pois estou sentindo uma tremenda pena de
mim mesmo.
— É mesmo?
Ele olhou para cima, divertido com a curiosidade em seus olhos.
Olhando em volta, perguntou-se se ela estava sozinha no parque,
pois aquela situação, claramente para ele, não era apropriada. Ela
não deveria estar falando com ele sem um acompanhante. Ela não
deveria falar com ele, já que eles nunca haviam sido apresentados
formalmente, apesar das circunstâncias bizarra em que se
conheceram. Embora ninguém fosse acreditar que ela corria o risco
de ele fazer investidas amorosas contra ela, essa era uma
possibilidade francamente ridícula.
— Você está sozinha, senhorita Sparrow?
Os dois pontos coloridos enrubesceram mais uma vez, e ela
balançou a cabeça. — Minha dama de companhia, a senhora
Goodly, está comigo e, de fato, viemos com Hugo, o filho de meu
primo, o senhor Brownlow, e sua babá. Eles estão mais adiante no
parque, mas a senhora Goodly está sentada naquele banco ali. —
Ela gesticulou para outro banco idêntico a uma pequena distância
deles, e Beau viu uma senhora mais velha sentada lendo um livro.
— Bem, então, como temos companhia por perto, você me daria
a honra de sentar aqui comigo por um momento? — perguntou ele,
e foi recompensado com um olhar de verdadeiro prazer.
— Oh, sim. Na verdade, eu gostaria disso, milorde. Isto é... se
você tem certeza de que quer que eu sente. — Ela hesitou no local,
com seus dedos finos agarrando sua retícula e parecendo ansiosa
para que ele não mudasse de ideia.
— Eu não teria perguntado se não quisesse sua companhia,
senhorita Sparrow — respondeu ele, com um sorriso gentil, e
observou divertido enquanto ela se acomodava na beirada do
banco. Ela era muito parecida com um pequeno pardal marrom, ele
pensou, sua boca se contorcendo levemente com a ideia. Ela era
tão arisca, como se a menor perturbação pudesse fazê-la voar de
terror, mas havia inteligência e humor naqueles olhos castanho-
escuros.
— O que você quis dizer antes? — perguntou ela, olhando para
ele. — Quando você disse que estava sentindo pena de si mesmo?
É porque você está ferido? — Ela apontou para a tipoia que ele
usava, e ele hesitou, imaginando o que dizer a ela. A história que se
espalhou foi que ele havia sofrido uma lesão de esgrima. Ele era
bem conhecido por ser um entusiasta do esporte e, embora irritasse
as pessoas pensarem que alguém havia levado a melhor sobre ele,
obviamente era melhor que a verdade permanecesse oculta.
Ele assentiu. — Sim, em parte — respondeu ele, perguntando-
se se poderia confiar nela. Ele sentiu a necessidade repentina de
desabafar. De dizer a alguém que ele tinha sido um idiota, mas que
sentia muito por isso. Que ele queria ser melhor do que isso. — A
história... é que me machuquei enquanto praticava esgrima.
— Impossível! — exclamou ela, estalando a língua com irritação.
Ele riu, surpreso com a reação dela. — Impossível? — repetiu
ele.
— Oh, isso mesmo, impossível — disse ela novamente,
balançando a cabeça e parecendo muito irritada. — Você é
habilidoso demais com uma espada para tal lapso. Quem diabos
supostamente teria feito isso? Não, não. Eu nunca teria acreditado
em tal história, mesmo se você prometesse de pés juntos.
Ele fitou-a boquiaberto, espantado. — Mas... como diabos...? —
Era verdade que ele tinha uma boa reputação com a espada, e os
envolvidos no esporte sabiam disso. Mas o fato de uma dama saber
não apenas que ele esgrimia...
Ela abriu a boca e, em seguida, fechou-a de repente, com um
olhar cauteloso.
— Ah, que isso! Não direi uma palavra e estou curioso demais
para deixar por isso mesmo, é sério! — disse ele, com uma risada.
Ele observou, intrigado, a batalha acontecendo por trás
daqueles olhos assustados. Ele gostaria de saber o que a deixava
com tanto medo.
— Bem, tudo aconteceu há mais ou menos doze anos —
admitiu ela. — Eu era apenas uma garotinha e tinha saído com meu
primo. Ele tinha que encontrar alguém no Angelo's, algum contato
comercial. Ele disse que levaria apenas um momento e que eu
deveria sentar-me calmamente na cadeira do vestíbulo e esperar
por ele.
— Mas você não o fez, eu presumo — perguntou Beau,
observando-a.
Ela balançou a cabeça e olhou para ele, com um sorriso tímido
nos olhos. — Havia muito barulho e eu estava curiosa, então fui ver.
Estava acontecendo um combate de esgrima. Você estava lutando
contra... — Ela franziu a testa enquanto tentava se lembrar, seu
rosto magro virado para longe dele. — Oh, lorde Reece! —
exclamou ela, e, então, disse com prazer: — Foi a coisa mais
espetacular que eu já vi! Você estava realmente magnífico.
Ela suspirou e olhou para ele e, então, corou de fúria quando
aparentemente lembrou-se de suas palavras e da maneira como as
disse.
— Eu dei uma surra nele — respondeu Beau, incapaz de parar
de sorrir para ela.
— Sim — respondeu ela, com os olhos brilhando. — Isso é
verdade. Você o fez parecer um amador. E, desde então, bem, às
vezes meu primo tem negócios para resolver e nos deixa esperando
no vestíbulo, eu e a senhora Goodly, e às vezes a porta está um
pouco aberta e... consigo assistir.
Ele riu, imaginando-a espiando pela porta para ver os homens
lutando. Que criaturinha engraçada ela era. Ele se perguntou
quantos anos ela tinha. À primeira vista, ele pensou que ela era
muito mais velha, talvez na casa dos trinta. Mas, agora, ele percebia
que era apenas o vestido antiquado, o penteado e os óculos
terrivelmente severos. Olhando mais de perto, ele duvidou que ela
tivesse muito mais do que vinte anos. Ela disse que tinha visto a
partida com Reece quando criança, e ele tinha dezoito anos no ano
em que derrotou o atual campeão, lorde Reece.
— Então não foi um acidente de esgrima? — perguntou ela, e
ele viu uma expressão preocupada em seus olhos. — Não... não
foi... um duelo, foi?
Ele balançou a cabeça e bufou. — Não. Não foi um duelo. Pelo
menos, apenas um de nós estava armado.
Ela arfou em choque e agarrou seu pulso. — Mas quem? Quem
fez isso com você? — Ele franziu a testa para ela, surpreso com sua
preocupação. Ela retirou a mão de seu braço imediatamente. —
Peço perdão, milorde — disse ela, olhando para os próprios pés e
parecendo mortificada.
— Por favor, não seja tola. Estou muito grato pela sua
preocupação. Mas receio não merecer sua pena. Eu recebi foi
pouco, na verdade. Eu merecia o que estava por vir e se meu
destino tivesse sido abençoado com um tiro melhor, sem dúvida,
teria sido bem-merecido.
— Não acredito nisso. — Ela soava bastante revoltada, e ele
olhou para ela com crescente afeição. A estranha e pálida dama
tinha obviamente se afeiçoado a ele. Não era a primeira vez que
Beau era atormentado por mulheres que se imaginavam
apaixonadas por ele, acreditando que o conheciam simplesmente
porque se apaixonaram por seu belo rosto. Normalmente, ele se
livrava da presença delas com toda a pressa, mas achava que a
garota o divertia. Talvez fosse apenas porque seu ego estava ferido.
— Por que você foi baleado?
Ele olhou para ela, não vendo nenhum julgamento em seus
olhos. Ele hesitou, percebendo que queria contar a ela.
— Posso confiar em você, senhorita Sparrow? — perguntou ele,
com a voz calma.
Com mais ousadia do que ele imaginava que ela tivesse, ela
colocou a mão sobre a dele por um momento. — Qualquer coisa
que você me disser eu levarei para o túmulo, milorde — disse ela,
com a maior sinceridade. Então, um pequeno brilho de humor
aqueceu seus olhos e ela acrescentou. — Além disso, a quem
diabos eu contaria? Ninguém fala comigo!
Ela deu a ele um pequeno sorriso travesso que era terrivelmente
cativante. Mas isso era mais porque ela não ouvia a terrível solidão
por trás das palavras do que porque ela ter feito uma piada. Beau
descobriu que não podia sorrir com ela, tomado de pena por sua
situação. Que vida restava a uma mulher solteira sem fortuna nem
beleza? Dependente da caridade de seus parentes para ser usada
ou abusada por esses indivíduos considerados adequados. E Beau
tinha quase toda certeza de que alguém estava abusando da
senhorita Sparrow.
— Então o mundo é um lugar muito cruel e tolo, senhorita
Sparrow. Pois não consigo pensar em ninguém com quem eu
preferiria conversar.
Isso foi dito de maneira bonita, e ele ficou satisfeito com o brilho
de prazer que iluminou seus olhos diante de suas palavras. Mais do
que isso, ele percebeu que era verdade. Ele estava cercado de
conhecidos, havia substituído Beau Brummel como o homem mais
elegante da alta sociedade e, no entanto... estava totalmente
sozinho. Sebastian tinha sido sua pessoa mais chegada e seu único
amigo verdadeiro. Teria sido para ele que correria se estivesse em
apuros, mas agora aquela amizade havia acabado. E era
inteiramente culpa de Beau.
Ele deu um suspiro e se recostou no banco, estremecendo
quando seu ombro doeu com o movimento. — A verdade é que fui
baleado pelo meu melhor amigo porque raptei a noiva dele.
Planejava levá-la para Gretna Green e forçá-la a se casar comigo.
Ele olhou para ela, esperando ver condenação e repulsa
naqueles olhos assustados, mas, em vez disso, ela assentiu com a
expressão serena.
— Sim, imaginei que talvez fosse isso — meditou ela,
aparentemente imperturbável. — Lady Dalton era uma herdeira, é
claro, e você está atolado até o pescoço em dívidas e precisa
desesperadamente de fundos, então suponho que era a única coisa
que podia fazer. Ele encarou-a, piscando enquanto ela arquejava e
levava a mão à boca. — Oh, maldita língua miserável. Nunca
consigo mantê-la quieta. Peço desculpa! — disse ela, parecendo
mortificada.
Beau riu, bastante perplexo com essa jovem engraçada. Em um
momento ela estava gaguejando e parecendo estar com medo de
que ele batesse nela e, no seguinte, ela dizia algo perfeitamente
ultrajante.
— Sem problema, senhorita Sparrow. É basicamente isso... —
Ele se virou um pouco e olhou para ela, fitando-a com total atenção.
Era um olhar que fazia com que a maioria das mulheres lhe
dissesse o que quisesse, desde que ele as beijasse como
pagamento. — Mas por que você não está com nojo de mim,
senhorita Sparrow? Porque vejo que não está. Você deveria, sabe...
Eu estou com nojo de mim! Portanto, é muito estranho que você...
não esteja.
Ela corou um pouco de novo, mas não pareceu excessivamente
agitada diante de sua observação. Em vez disso, ela apenas deu de
ombros, o movimento destacando seus ombros esqueléticos. Beau
se perguntou quando ela havia comido pela última vez.
— Eu acho que talvez você esteja certo — disse ela, franzindo
levemente a testa. — Parece que nunca faço ou digo as coisas que
deveria. E é claro que sei que você simplesmente não pode sair por
aí sequestrando mulheres. Não que seja considerado um sequestro,
é claro, quando elas querem... — acrescentou ela, com uma
expressão pensativa. — E você nunca deveria ter feito isso, é claro,
eu sei disso, mas... — Ela fez uma pausa, aparentemente pensando
sobre o assunto.
— Mas? — incitou ele, sentindo-se absurdamente entretido por
suas palavras e a pequena carranca séria que enrugava sua testa.
— Mas eu entendo por que você achou que deveria — disse ela,
balançando a cabeça e olhando para ele com tanta tristeza em seus
olhos que ele ficou realmente comovido. — As coisas... as coisas
estão tão ruins assim?
Ele sorriu, não querendo que ela se preocupasse por sua causa.
Ele tinha a sensação de que ela já tinha problemas suficientes. —
Oh, não tão ruins. Afinal, se é bom o suficiente para Brummel, ouso
dizer que é bom o suficiente para mim.
— França! — exclamou ela, com a imagem do horror estampada
em seu rosto. — Oh, não! Não me diga que você está indo embora!
Ele ficou sem resposta por um momento, muito surpreso com a
verdadeira decepção em seus olhos. Bem, pelo menos alguém
sentiria falta dele, ele pensou com um sorriso irônico.
— Infelizmente, sim, senhorita Sparrow. As circunstâncias são
tais que... bem, a França deve se mostrar um pouco mais
confortável do que a prisão para devedores em todos os aspectos.
Mas eu prometo a você que voltarei. Eu vou voltar, mais cedo ou
mais tarde.
— Oh.
Ele observou enquanto ela olhava para longe dele, piscando
rapidamente.
— Por favor, não se aborreça por minha causa, senhorita
Sparrow. Vou ficar bem, prometo.
— Receio que não seja por sua causa — disse ela,
desconcertando-o mais uma vez. — É por minha causa.
— É mesmo? — respondeu ele, imaginando o que diabos ela
diria a seguir. Ela olhou para ele e riu, aparentemente divertida com
a expressão em seu rosto. Era um som surpreendentemente
profundo vindo de um corpo tão pequeno, e ele não pôde deixar de
sorrir em resposta.
— Eu fiz de novo, não foi? — disse ela, com uma expressão
pesarosa. — Maldita língua! Apenas... bem, tenho acompanhado
suas façanhas por tanto tempo e agora que o conheci e falei com
você... Oh, lorde Beaumont, a Inglaterra será um lugar muito sem
graça sem você. Será mesmo.
Ele olhou para a mulher à sua frente. Ela tinha tudo de sem
graça, marrom e normal, e, ainda assim, ela demonstrava tanto
humor assim que se livrava de seus medos.
— Bem, isso não pode acontecer — disse ele, com a voz suave.
Ele perguntou-se o que diabos estava fazendo, mas... se ele
pudesse pelo menos fazer uma pessoa feliz, talvez isso o ajudasse
um pouco a recomeçar. — Não posso deixá-la entediada até a
morte sem meus casos escandalosos para entretê-la, não é
verdade? Que tipo de cavalheiro faria uma coisa dessas?
— Milorde? — respondeu ela, parecendo perplexa.
— Senhorita Sparrow, permita-me escrever para você, e talvez
me dê a honra de escrever de volta. Eu ficaria feliz em saber de
tudo o que está acontecendo por aqui, e temo que não haja mais
ninguém que se dê ao trabalho de me atualizar.
Ele ficou satisfeito com a expressão em seus olhos. — A honra
seria inteiramente minha, milorde — disse ela, parecendo sem
fôlego. — E-eu ficaria muito feliz, mas... mas você tem certeza de
que é isso que gostaria de fazer?
— Eu prometo a você que é — respondeu Beau, descobrindo
que falava com verdadeira sinceridade. — E eu sei que... talvez não
devesse perguntar a você. Na verdade, sei que não devia. Uma
mulher solteira como você, escrevendo para mim, dentre todas as
pessoas possíveis...
— Por favor, não pense nisso! — disse ela, apressadamente,
balançando a cabeça, obviamente desesperada para tranquilizá-lo.
— Sou perfeitamente capaz de postar as cartas sem que ninguém
saiba e... e se você talvez pudesse endereçar as cartas para a
senhora Goodly... Ela tem uma tia idosa que mora perto, você
poderia enviar as cartas para o endereço dela e ninguém saberia.
Ela remexeu em sua retícula e retirou um pequeno caderno e
um lápis, anotando o endereço para ele.
Beau deu um largo sorriso para ela, balançando a cabeça. —
Senhorita Sparrow, sinto que seus talentos foram desperdiçados.
Você deveria ter trabalhado para Wellington durante a guerra. Você
tem uma mente bastante inclinada à intriga e sinto que seria uma
espiã muito talentosa.
Ela deu aquela risadinha profunda de novo quando lhe entregou
o endereço, e ele não pôde deixar de sorrir de volta.
— Bem, infelizmente, devo deixá-la agora. Lamento muito que
não voltemos a nos encontrar durante algum tempo. Mas espero
notícias suas em breve.
Ele se levantou e estendeu a mão para ela.
— Tem certeza? — disse ela, com o rosto subitamente sério
quando pegou a mão dele e a segurou entre as suas. Elas eram
minúsculas e frias contra sua mão maior e mais quente. — Tem
certeza de que... não está apenas sendo gentil comigo?
— Posso garantir que estou sendo totalmente egoísta — disse
ele, apertando um pouco os dedos dela antes de soltar a sua mão.
— Sabe, estou contando com você para me entreter, pois meu
francês é terrível e não tenho ideia de como devo seguir em frente.
Ela lançou-lhe um olhar travesso, furtivamente. — Oh, até
parece, milorde. Você não precisa de palavras para se divertir.
Tenho certeza disso!
Assustado mais uma vez e dando uma gargalhada indignada,
Beau balançou a cabeça.
— Cuidado com essa sua língua, a menos que esteja
escrevendo para mim, senhorita Sparrow, pois sinto que isso
causará problemas para você!
 
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Comecei essa incrível jornada em 2010 com A Chave Para


Erebus, mas não tive coragem de publicá-lo até outubro de 2012.
Para quem já passou por isso, sabe que publicar seu primeiro
trabalho é uma coisa terrivelmente assustadora. Eu ainda fico
nervosa quando um novo título é lançado, mas agora esse terror
diminuiu, finalmente. Agora o meu pavor é quando minhas filhas
tiverem idade suficiente para lê-los.
Que horror! (para ambas as partes, suponho).
No ano de 2017, fiz minha primeira incursão no Romance
Histórico e no mundo do Romance Regencial. Meu Deus, que ano!
Fiquei encantada com a resposta a esta série e mal posso esperar
para adicionar mais títulos. Os leitores de Romance Paranormal não
precisam se desesperar, pois há muito mais por vir também.
Escrever tornou-se um vício e, assim que um livro termina, fico
extremamente animada para começar o próximo. Por isso, vocês
podem contar com muito mais no futuro.
Como muitas das minhas obras refletem, sou muito influenciada
pela bela paisagem francesa em que vivo. Estou aqui no Sudoeste
desde 1998, embora tenha nascido e crescido na Inglaterra. Minhas
três lindas filhas são todas bilíngues, e eu, meu marido – Pat – e
nossos quatro gatos nos consideramos extremamente afortunados
por termos feito deste lugar tão lindo o nosso lar.
CONTINUE LENDO PARA DESCOBRIR MEUS OUTROS
LIVROS!
Outras obras de Emma V. Leech
(Para aqueles que leram a série A Lenda Francesa dos Fae,
lembre-se de que cronologicamente O Coração de Arima precede O
Príncipe das Trevas)
 
 
Patifes & Cavalheiros

 
A Série - Patifes & Cavalheiros
 
Damas Ousadas (disponível no Kindle Unlimited)

 
A Série - Damas Ousadas
 
 
Filhas Ousadas
 
A Série - Filhas Ousadas
 
Romances Regenciais de Mistério (em breve)

 
A Série - Romances Regenciais de Mistério
 
A Lenda Francesa dos Vampiros (em breve)

 
A Série - A Lenda Francesa dos Vampiros
 
A Lenda Francesa dos Fae (em breve)
 
A Série - A Lenda Francesa dos Fae
 
Livros Independentes (em breve)
A Amante de Livros (uma novela paranormal)
A Menina Não Está para o Natal (Romance Regencial)
Audiobooks (títulos disponíveis apenas em inglês)
Não tem tempo para ler, mas ainda precisa de uma dose de romance? A
espera acabou...
Depois de muitos pedidos, garanta alguns de seus livros favoritos de
Romance Regencial de Emma V. Leech em áudio, interpretados pelos
incomparáveis Philip Battley e Gerard Marzilli. Vários títulos disponíveis e
mais adicionados a cada mês!
Encontre-os na sua loja de audiobook favorita!
 
Damas Ousadas — A nova série emocionante de Emma V. Leech, a
multipremiada escritora de romances top 10 da Amazon, por trás da série
Patifes & Cavalheiros.
Dentro de cada jovem tímida e isolada, pulsa o coração de uma leoa,
uma pessoa apaixonada disposta a arriscar tudo pelo seu sonho, se puder
encontrar a coragem para começar. Quando essas jovens ignoradas fazem
um pacto para mudar suas vidas, tudo pode acontecer.
Dez Mulheres - Dez Desafios Inesperados. Quem Se Atreverá A
Arriscar Tudo?  
Desafiando um Duque
Damas Ousadas - Livro 1

Sonhos de amor verdadeiro e felizes para sempre.


Sonhos de amor são todos muito bons, mas tudo o que Prunella
Chuffington-Smythe quer é publicar seu romance. O casamento a
custo de sua independência é algo que ela não considerará. Tendo
experimentado o sucesso escrevendo sob um nome falso na revista
semanal The Ladies, seu alter ego está alcançando notoriedade e
fama e Prue gosta bastante disso. 
Um dever que deve ser suportado.
Robert Adolphus, o duque de Bedwin, não tinha pressa em se
casar, ele já fez isso uma vez e repetir esse desastre é a última
coisa que deseja. No entanto, um herdeiro é um mal necessário
para um duque e não pode se esquivar disso. Uma reputação
sombria o precede, visto que sua primeira esposa pode ter morrido
jovem, mas os escândalos que a bela, vivaz e rancorosa criatura
forneceu à sociedade não a acompanharam. Devia encontrar uma
esposa. Uma esposa que não seria nem bonita nem vivaz, mas
doce e sem graça, e que, com certeza, ficasse longe de problemas.
Desafiado a fazer algo drástico.
O súbito interesse de um certo duque desprezível é tão
desconcertante quanto indesejável. Ela não vai jogar suas ambições
de lado para se casar com um canalha agora que seus planos de
autossuficiência e liberdade estão se concretizando. Mostrar-se
claramente ao homem que ela não é a florzinha que ele procura,
será suficiente para dar fim às suas intenções? Quando Prue é
desafiada por suas amigas a fazer algo drástico, isso parece ser a
oportunidade perfeita para matar dois pássaros.
No entanto, Prue não pode deixar de ficar intrigada com o ladino
que inspirou muitos de seus romances. Normalmente, ele
desempenhava o papel de bonito libertino, destinado a destruir sua
corajosa heroína. Mas será realmente o vilão da trama desta vez, ou
poderia ser o herói?
Descobrir será perigoso, mas poderá inspirar sua melhor história
até hoje.
Desafiando um Duque
Da autora da série best-seller Damas Ousadas – Uma nova série
empolgante com as filhas das Damas Ousadas...
As histórias do Clube do Livro de Damas Peculiares e seus desafios se
tornaram lendas entre seus filhos. Quando o chapéu é redescoberto,
empoeirado e abandonado, as demais ousam desencadear uma série de
eventos que ecoarão por todas as famílias... e suas...
Filhas Ousadas
Ousando Seduzir (em breve) 
Filhas Ousadas - Livro Um 
 

 
Duas filhas ousadas...
Lady Elizabeth e lady Charlotte são filhas do duque e da duquesa de
Bedwin. Criadas por uma mãe nada convencional e um pai indulgente, um
tanto superprotetor, ambas se esforçam contra a rígida moralidade da época.
A imagem elegante de uma jovem mansa e fraca, propensa a desmaiar
na menor provocação, é aquela que as faz fervilhar com frustração. 
O belo amigo de infância...
Cassius Cadogen, visconde Oakley, é o único filho do conde e condessa
St. Clair. Amado e indulgente, ele é popular, gloriosamente bonito, e um artista
talentoso.   
Retornando de dois anos de estudo na França, sua amizade com as duas
irmãs fica tensa quando o ciúme aumenta. Uma situação não ajudada pelos
dois franceses misteriosos que o acompanharam até em casa.
E a rivalidade entre irmãs...
Paixão, arte e segredos provam ser uma combinação inflamável, e
alguém sem dúvida se queimará.
http://getbook.at/DaretobeWicked
Interessado em um Romance Regencial com reviravoltas?
Romance Regencial de Mistério - Livro 1
Morrendo por um Duque (em breve) 
 

Apropriado, imperioso e moralmente rígido, Benedict Rutland – o


belo e sombrio conde de Rothay – ganhou seu título muito jovem.
Responsável por uma grande família de irmãos mais novos que os
seus pais frívolos levaram à falência, a sua juventude foi gasta
tentando recuperar a fortuna da família.
Agora, já um homem em seu auge e financeiramente seguro,
torna-se noivo de uma mulher estrita, sensata e de cabeça fria que
nunca perturbará o equilíbrio de sua vida ou suas emoções… 
Mas, então, surge a senhorita Skeffington-Fox.
Criada apenas por seu padrasto libertino, Benedict vê-se
escandalizado com tudo relacionado à senhorita elegante.
Mas como os membros da família na fila para o ducado
começam a morrer a um ritmo alarmante, todos os dedos apontam
para Benedict, e Miss Skeffington-Fox pode ser a única que pode
salvá-lo.
 
Perca-se no mundo paranormal de Emma com a série A Lenda
Francesa dos Vampiros.
A Chave para Erebus
A Lenda Francesa dos Vampiros - Livro 1

A verdade pode matar você.


Quando criança, é levada para longe para uma vida em que os
vampiros, faes e outras criaturas míticas são reais e traiçoeiras. Ao
regressar à França rural, Jéhenne Corbeaux, a bela jovem bruxa,
está totalmente despreparada para viver com a sua excêntrica avó.
Lançada de cabeça em um mundo sobre o qual ela nada sabe,
procura descobrir a verdade sobre si mesma. Nessa jornada,
descobre segredos mais chocantes do que qualquer coisa que
jamais poderia ter imaginado e conclui que não é, de forma alguma,
impotente para proteger aqueles que ama.
No entanto, apesar das terríveis advertências de sua avó, é
inexoravelmente atraída pela figura sombria e aterrorizante de
Corvus, um antigo vampiro e mestre da vasta família Albinus.
Jéhenne está prestes a encontrar as respostas que buscava e a
descobrir que Corvus não só é muito mais perigoso do que ela
jamais poderia imaginar, mas também que ele detém muito mais do
que a chave do seu coração… 
Disponível no Kindle Unlimited
A Chave para Erebus
Confira a emocionante série de fantasia de Emma, aclamada
pelo Kirkus Reviews como “uma fantasia encantadora com uma
heroína simpática, intriga romântica, e floreios narrativos
inteligentes”. 
 
O Príncipe das Trevas (em breve) 
 
A Lenda Francesa dos Fae - Livro 1

Dois Príncipes Fae


Uma Mulher Humana
E um mundo pronto para separá-los.
Laen Braed é o príncipe das trevas fae, com um temperamento
e reputação que combinam com seus olhos negros, e um coração
que despreza a raça humana. Quando ele é enviado de volta
através dos portões proibidos entre reinos para recuperar um antigo
artefato dos fae, volta para casa com muito mais do que esperava. 
Corin Albrecht, o príncipe élfico mais poderoso que já existiu.
Dizem que seus olhos dourados são um presente dos deuses.
Agora, o destino está batendo a sua porta. Com um profundo amor
pelo mundo humano, a sua amizade com Laen está a ponto de ser
dilacerada pelos seus preconceitos.
Océane DeBeauvoir é uma artista e encadernadora de livros
que sempre confiou na sua imaginação viva para sobreviver a uma
vida infeliz e tranquila. Uma adaga enfeitada com joias e expostas
num museu próximo aparece nas manchetes levantando
especulações de uma outra raça, os fae. Mas a descoberta também
inspira Océane a criar uma obra de arte extraordinária que não pode
ser confinada às páginas de um livro.
Com dois homens poderosos disputando sua atenção, e a
amizade entre eles prestes a ponto de romper, a única questão que
permanece é… quem é realmente o Príncipe das Trevas?
O homem dos seus sonhos está chegando… ou são os seus
pesadelos que ele visita? Descubra no Livro Um da lenda Francesa
dos Fae.
Agradecimentos
 
Obrigada, como sempre, à minha maravilhosa editora por ser
paciente e amar meus personagens tanto quanto eu. Gemma, você
é a melhor!
Para Victoria Cooper, por todo o seu trabalho duro, sua obra de
arte é incrível e, acima de tudo, sua paciência sem fim!!! Muito
obrigada. Você é incrível!
À minha melhor amiga, assistente pessoal, torcedora de
carteirinha e provedora de chocolate, Varsi Appel, pelo apoio moral,
por aumentar minha confiança e por ler o meu trabalho, mais vezes
do que eu. Eu te amo muito!
Às minhas leitoras betas! Varsi, Alejandra Avila, Varsha Shurpali,
Veronique Glotin Phillips. Muito obrigada por toda a ajuda e
conselhos.
Eu fico sempre tão feliz em ouvi-los. Por isso, sintam-se à
vontade para enviar um e-mail ou uma mensagem :)
emmavleech@orange.fr
 
Ao meu marido Pat e à minha família... por sempre se
orgulharem de mim.
Não consegue se cansar de Romances Históricos?  Deseja
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[1] Indivíduo que corteja mulheres casadas; galanteador.

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