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Ficha Técnica

Título: O Casamento
Título original: The Wedding
Autor: Julie Garwood
Tradução: Luís Filipe Silva
Revisão: Carlos Santana
Capa: Alexandra Costa/Oficina do Livro, Lda.
ISBN: 9789896609078

QUINTA ESSÊNCIA
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1.ª edição: setembro de 2020


© Julie Garwood, 1996
e Oficina do Livro – Sociedade Editorial, Lda.
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Esta edição segue a grafia do novo acordo ortográfico.


Julie Garwood

O CASAMENTO

Tradução
Luís Filipe Silva
Para a minha irmã e querida amiga,
Mary Kathleen Murphy McGuire
Prólogo

Terras Altas, Escócia, 1103

D onalWd MacAlister não morria facilmente. O velho lutava pela


vida com toda a teimosia e forças que lhe restavam. Embora
preferisse acolher a morte como o ponto final do tormento e da dor,
não se renderia ainda ao sofrimento, faltava-lhe transmitir o seu
legado mais importante, e só depois fecharia os olhos e dormiria
para sempre.
Esse legado era o ódio. O Senhor consumia-se de ódio pelo
inimigo. Precisava de ver o filho fervilhar com igual vontade de
vingança, e até o rapaz compreender como era importante corrigir o
mal perpetrado naquele funesto dia, repudiaria a morte. Agarrou-se
assim à vida e à mão do filho, tão pequena e frágil na sua manápula
áspera, olhos escuros adentrando a vista do seu único herdeiro vivo,
transmitindo-lhe o dever sagrado.
– Vinga-me, Connor MacAlister. Recebe o meu ódio no teu
coração, protege-o, alimenta-o, e quando tiveres crescido e fores
mais forte, pega na minha espada e abate os meus inimigos. Não
morrerei descansado, enquanto não me deres a tua palavra de que
vingarás todo o mal que me fizeram, e aos meus. Promete-me,
rapaz.
– Sim, pai – jurou Connor com fervor. – Hei de vingá-lo.
– Ardes com a febre da vingança?
– Ardo.
Donald anuiu de contentamento. Sentia-se finalmente em paz.
Teria sido bom viver o suficiente para orientar o futuro do rapaz, mas
se a próxima inspiração fosse a última da sua vida, também
aceitaria esse destino, sabendo que o filho encontraria forma de
cumprir o prometido. Connor já demonstrara ser bastante
inteligente, e o pai tinha plena fé nele.
Era uma pena que Donald MacAlister não visse o filho tornar-se
homem adulto, mas com uma perna partida e um buraco aberto em
plena barriga, tinha consciência que era tolice pedir o impossível. E,
no entanto, Deus mostrava-se misericordioso. A dor amansara
consideravelmente nos últimos minutos, e um bendito torpor subia
dos pés até aos joelhos.
– Pai, diga-me os nomes de quem o atacou.
– Foram os Kaerns. Desceram do norte e de lugares remotos para
tomarem a nossa terra. Mas têm laços de sangue com os
MacNares, e desconfio que o Senhor destes esteja por detrás do
feito. O MacNare sempre foi ganancioso. Não é de se contentar.
Convém que o mates antes que te cause problemas, ou ainda te
aparece à porta com a avidez de mais terras. Mas não mates
ninguém já – avisou. – Nem os Kaerns nem os MacNares têm
manha suficiente para tanta ousadia. De certeza que agiram a
mando de outro. Não sei quem seja o traidor, mas tu hás de
descobrir. Cheira-me que o inimigo está entre nós.
– Um dos nossos traiu-o? – Connor ficou aturdido pela
possibilidade.
– Desde o ataque de ontem que pondero nessa hipótese. Os
Kaerns entraram por passagens só conhecidas dos meus
seguidores. Jamais as teriam descoberto sem orientação. Sim, o
traidor anda por aqui, e será teu dever incentivá-lo a sair da toca. É
um dos nossos, Connor, disso estou certo. Se Deus quiser, poderá
estar a morrer no campo de batalha. Vai com calma até identificares
todos eles. E depois, matas sem piedade os que ainda estiverem de
pé. Talvez tenhas de lhe matar os filhos também, rapaz.
– Assim farei, pai. Hei de destruí-los todos.
Donald apertou com mais força a mão do filho.
– Esta é a última lição que te dou. Vê-me morrer e aprende a viver
como um guerreiro. Agora, quando partires, segue o caminho na
floresta. O Angus aguarda-te para te instruir sobre o teu futuro
imediato.
O Senhor aguardou até o filho indicar a sua concordância. Só
depois perguntou:
– Olha em volta e diz-me o que vês. Perdemos tudo?
Connor fitou a destruição que o rodeava, chorando
silenciosamente de angústia. O fedor da madeira em chamas e do
sangue fresco revirava-lhe o estômago.
– A torre de menagem está em ruínas, mas hei de reerguê-la.
– Assim farás. A tua fortaleza tem de ficar invencível. Aprende
com os meus erros, filho.
– A minha torre será mais forte.
– E os meus homens leais?
– Mortos, na grande maioria.
O desespero na voz do rapaz abalou o Senhor, e ele
imediatamente procurou tranquilizá-lo.
– Os filhos deles regressarão. Usarão as tuas cores e confirmarão
o teu nome. Seguir-te-ão tal como os pais deles me seguiram.
Aproxima-se a hora de partires. Envolve a tua ferida com uma faixa
de tecido e dá várias voltas bem apertadas, para estancares o
sangue antes de te pores de pé, ou irás sangrando mais pelo
caminho. Fá-lo já, enquanto descanso a teu lado.
Connor apressou-se a obedecer à ordem do pai, embora não
acreditasse ter uma ferida profunda e merecedora destes cuidados.
Grande parte do sangue que o cobria provinha do pai, e não de si.
– Vais ficar com uma cicatriz, que para sempre te recordará deste
dia funesto – previu Donald.
– Não preciso de sinais, pois jamais esquecerei.
– Isso é verdade. Dói-te?
– Não.
Donald soltou um resmungo de aprovação. O rapaz nunca foi de
se queixar, um facto que agradava ao pai. Tinha as características
de um soldado valente.
– Que idade tens, rapaz?
– Nove ou dez anos – respondeu.
– Pensava que fosses mais novo ou mais crescido. O teu tamanho
diz-me que ainda és um rapaz, mas os teus olhos já são os de um
homem. Vejo neles as chamas da ira, e isso faz-me feliz.
– Podia transportá-lo.
– Seria um fardo para ti, carregares um morto.
– As vossas feridas causam-lhe sofrimento, pai?
– A verdade é que já não sinto nada. Apenas um torpor geral. Não
deixa de ser uma bênção na morte. Outros não seriam tão
afortunados.
– Podia ficar consigo se…
– Partirás quando eu assim disser – ordenou o pai. – Para ficares
a salvo e manteres as promessas que me fizeste. O inimigo
ausentou-se por agora, mas não tenhas ilusões, há de voltar para
terminar o que começou.
– Pai, ainda há tempo. O sol vai alto no céu e o inimigo levou os
barris de vinho. Só quando chegar a manhã é que os homens
conseguirão pensar com clareza novamente
– Então fica mais um pouco – concedeu o pai.
– O Angus mandar-me-á falar com a Euphemia, para lhe contar o
que aconteceu?
– Não. Não contarás nada a essa mulher.
– Mas é a vossa esposa.
– Segunda esposa – corrigiu ele. – Nunca confies numa mulher,
Connor. É muito insensato. A Euphemia logo tomará conhecimento
do que aconteceu quando regressar com o filho, Raen. E quando
isso acontecer, quero-te bem longe daqui. Para que a família dela
não te eduque. São um bando de sanguessugas.
Connor anuiu, indicando ao pai que tinha compreendido, e depois
perguntou:
– Confiava na minha mãe?
Donald notou a preocupação na voz do filho e ocorreu-lhe que
seria seu dever deixar-lhe uma boa recordação da mãe. Mas o
rapaz devia conhecer a verdade, e portanto, não suavizou a
resposta, sendo sincero.
– Confiei nela mas só me trouxe angústias. Amei a tua mãe. Era a
minha doce e ossuda Isabelle, mas o que recebi em troca de tanta
generosidade? Deixou-se morrer, e eu fiquei destroçado e
abandonado. Que a minha insensatez te sirva de lição e te poupe
tanta mágoa. Não devia ter voltado a casar, só agora percebo, mas
há que ser pragmático e precisava de herdeiros que me
sucedessem, caso te acontecesse algum mal. Foi um erro. A
Euphemia já tinha um filho do casamento anterior, e não me deu
outros. Embora tentasse.
Donald fez uma pausa, recompondo-se, antes de continuar.
– Não fui capaz de amar a Euphemia, nem nenhuma outra mulher.
Seria lá capaz, no estado em que a minha doce Isabelle me deixou?
Mas não devia ter ignorado a tua madrasta. Não foi sua culpa o
facto de não gostar dela. Tens de compensar a minha falha. Procura
honrá-la e aturar aquele filho mimado. Mas lembra-te que deves a
tua lealdade antes de mais aos teus.
– Não me esquecerei disso. Para onde irá o Angus enviar-me?
Pode dizer-me, ainda há tempo – insistiu o rapaz. Estava a protelar
para permanecer mais uns minutos ao lado do pai. – Se calhar, o
Angus foi morto antes de chegar à floresta.
– Não importa. Julgas que confiaria ordens tão importantes a um
só homem? Não sou tolo. Disse a outros o que haviam de fazer.
– Quero ouvir a ordem da boca do meu Senhor.
Donald cedeu.
– Só confio num homem, é com ele que tens de ficar. Conta-lhe o
que aconteceu aqui hoje.
– Conto-lhe tudo o que o pai me disse?
– Sim.
– Devo confiar nele?
– Sim – respondeu. – Ele saberá o que fazer. Primeiro, pedes-lhe
proteção, e depois, que te eduque à sua imagem. Exige o teu
direito, rapaz. Jura que serás irmão dele até ao dia da tua morte.
Não te abandonará. Vai. Vai ter com o Alec Kincaid.
Connor ficou estupefacto com a ordem.
– Mas é seu inimigo. Odeia-o. Não acredito que queira que me
junte a ele.
– Sim, quero – respondeu o pai, num tom inflexível. – O Alec
Kincaid tornou-se a força mais poderosa das Terras Altas. É também
um homem bom e honrado, e precisas da sua força.
Connor continuava a ter dificuldade em aceitar o dever imposto
pelo pai. Não evitou outro protesto.
– Mas lutaram os dois.
Donald sorriu, o que espantou o rapaz.
– Pois é verdade. Mas eu não lutei com convicção e o Kincaid
percebeu isso. Testei-o com acutilância, e orgulha-me dizer que
representei, para ele, um incómodo. As nossas terras faziam
fronteira a este, e foi minha natural inclinação querer uma parte das
suas. Claro que ele não permitiria, mas compreendeu o meu estado
de espírito. Se assim não fosse, estaríamos hoje mortos, todos nós.
– É assim tão poderoso?
– É. Não te esqueças de lhe mostrares a minha espada. E a
lâmina tem de conter sangue, para que o Kincaid perceba.
– Pai, nenhum dos MacAllisters me seguirá se pedir ajuda ao
inimigo deles.
– Farás como te ordeno – disse o pai. – És demasiado novo para
compreender e portanto deves confiar no meu juízo. Quero a tua
promessa que irás ter com o Kincaid.
– Prometo, pai.
Donald anuiu.
– Chegou a hora de te despedires. Já adiámos muito, e não ouso
atrasar mais a minha morte. Já me sinto mergulhar no sono final.
Connor tentou, mas não conseguia largar a mão do pai.
– Sentirei a sua falta – murmurou.
– E eu, a tua.
– Adoro-o, pai.
– Os guerreiros não manifestam esses sentimentos. Também te
adoro, filho, mas jamais te direi.
Apertou a mão de Connor como forma de suavizar a reprimenda,
e cerrou as pálpebras, por fim. Estava preparado para a morte o
levar, pois vira o fogo arder com força no olhar de Connor, e sabia
que seria vingado. Que mais necessitaria um pai de saber?
Donald MacAlister morreu poucos minutos depois, ainda agarrado
à mão do filho. Morreu tal como vivera, com honra, dignidade e de
acordo com a sua teimosa vontade.
Connor atreveu-se a ficar ao lado do pai, até ouvir alguém a
murmurar nas costas. Virou-se e viu um jovem soldado, tentando
levantar-se a custo. Connor não se lembrava do nome dele, e à
distância, não foi capaz de perceber se estava gravemente ferido.
Indicou ao soldado que se mantivesse quieto, e virou-se para o pai.
Agarrou na espada pousada no peito do homem, curvou-se numa
vénia, rezando pela alma dele e afastou-se, apertando a espada
contra o coração. Cruzou cinzas ardentes, que deixaram bolhas nos
seus braços, e passou pelos despojos sangrentos dos amigos, que
lhe encheram a vista de lágrimas.
Finalmente alcançou o homem que o chamara, descobrindo que
afinal o soldado ainda não era um homem adulto.
Ora, devia ter apenas mais dois ou três anos do que Connor.
Felizmente, recordou-se do nome do soldado antes de o alcançar.
– Crispin, julguei-te morto. Vira-te de costas, para limpar as tuas
feridas, ou morrerás.
– Não há tempo. Vieram para matar-vos, a ti e ao teu pai, Connor.
Sim, era o que queriam. Ouvi um daqueles filhos da mãe vangloriar-
se a outro. Parte, antes que regressem e percebam que falharam.
– O inimigo está a descansar. Não voltarão até que passe o efeito
do vinho. Faz como peço.
Crispin virou-se lentamente, a soltar um esgar visível por causa da
dor causada pelo movimento.
– O teu pai morreu?
– Sim – respondeu Connor. – Viveu o tempo suficiente para me
dizer o que farei a seguir. Morreu em paz.
Crispin começou a chorar.
– Morreu o meu Senhor.
– Não, Crispin. O teu Senhor ajoelha-se diante de ti.
Connor não permitiu que discutisse com ele, nem que se risse
desta ostentação, mas transmitiu-lhe vários deveres enquanto lhe
atava as feridas. Disse ao soldado que retribuiria ao inimigo esta
atrocidade, e quando Connor acabou de lhe atar as feridas, tinha-lhe
dado algo mais poderoso do que a angústia para ocupar a mente e
o coração. Dera-lhe esperança.
Embora fosse difícil por causa do seu tamanho, Connor acabou
por arrastar Crispin para um lugar mais resguardado. Escondeu-o
na floresta, sob a proteção das grossas ramagens, e regressou duas
vezes ao local da devastação para trazer mais dois homens. Um
deles, Angus, o leal soldado a quem o pai confiara o dever de
educar o filho. O outro era um rapaz da idade de Connor, chamado
Quinlan, que começara o treino apenas na semana anterior. Tinha
feridas graves, e sofria tanto que pediu para o deixarem em paz.
Connor não quis saber.
– Quem decide quando morrerás, sou eu, Quinlan, e não tu.
O rapaz parou de debater-se e até procurou ajudá-lo.
Connor quis desesperadamente voltar ao terreno e procurar mais
sobreviventes, mas o inimigo decidira regressar antes do anoitecer,
e já lhes discernia as sombras que os cavalos traçavam no monte.
Não podia arriscar a ser descoberto. Precisava de algum tempo
para apagar o rasto. Foi o que fez prontamente, e mal se assegurou
que os três homens escondidos não seriam descobertos, prometeu-
lhes procurar ajuda e ordenou-lhes que se mantivessem vivos.
Estava finalmente pronto para cumprir as ordens do pai. Seguiu,
no fiel cavalo, até metade do caminho para as terras de Kincaid,
mas quando alcançou as saliências íngremes, abandonou o animal
e galgou as pedras, para encurtar caminho.
Mal se encontrou de novo em terra plana, desatou a correr.
Transpôs a terra com a velocidade de um jovem veado e quando o
cansaço lhe venceu as pernas e travou o ritmo penoso, usou a
espada do pai embainhada como bengala, caminhando mais
devagar para recuperar o fôlego. Não era ainda suficientemente
forte, mas tinha uma determinação de adulto. Não desapontaria o
pai.
Connor nada sentia agora, nem o frio nem a dor nem a terrível
perda. Tinha a mente concentrada numa única ideia. Encontrar Alec
Kincaid. E jurar-lhe lealdade era o primeiro passo para cumprir a
vontade do pai, e Connor não deixaria que nada nem ninguém o
impedisse.
Perdeu a noção do tempo, e as trevas aproximavam-se
rapidamente. O céu brilhava com as centenas de pinceladas laranja
originadas pela queda rápida do sol atrás dos picos gémeos à
distância. Faltavam poucos minutos para estes estandartes
brilhantes também desaparecerem. O desespero crescia a cada
passo. Tinha de alcançar Kincaid antes de a noite o envolver, pois
então seria impossível encontrar o caminho. Se caminhasse no
escuro, arriscava-se a andar às voltas, ou pior ainda, regressar ao
ponto de partida.
Não falharia. Começou a correr novamente. Pensou estar perto da
fronteira entre a terra do pai e a de Kincaid, mas não tinha a certeza.
E então ouviu gritos de soldados que corriam para ele, dizendo-lhe
para parar, mas na sua confusão, julgou que o inimigo o caçava,
que tentariam matá-lo e impedi-lo de cumprir as ordens do pai.
Avançou aos tropeções até não conseguir dar mais nenhum passo.
Santo Deus, falhara. Ainda nem tinha começado, e já falhara.
Kincaid era o começo do seu futuro, mas Connor nem tinha sequer
forças para o alcançar.
– Consegues falar, rapaz? Conta-nos o que te aconteceu. Estás
coberto de sangue.
Os soldados que o cercavam envergavam as cores de Kincaid. A
observação entrou no espírito de Connor, mas as pernas cederam
então e ele soçobrou no solo. Apetecia-lhe fechar os olhos, mas não
se atreveu. Ainda não. Não podia adormecer até falar com Kincaid.
Precisava de contar-lhe o que acontecera… Podia confiar nele…
Tinha de…
Abanou a cabeça, procurando desanuviá-la. Respirou fundo,
esticou o pescoço e berrou:
– Levai-me ao encontro do meu irmão.
– Quem é o teu irmão, rapaz? – perguntou um dos sentinelas.
– Por ordem do meu pai, deste dia em diante, o meu irmão é o
Alec Kincaid. Ele não me rejeitará.
Já podia fechar os olhos. Cumprira a ordem do pai. Mal falasse
com Kincaid, o resto desenrolar-se-ia como esperado. Dir-lhe-ia
onde escondera os soldados feridos, dando instruções para
recuperar outros… e diria tanto mais ao irmão…
O último pensamento de Connor antes de perder a consciência
trouxe-lhe a paz. O pai seria vingado.
E começou assim.
Capítulo 1

Inglaterra, 1108

N ão foi amor à primeira vista.


Lady Brenna não quis ser apresentada a ninguém. Tinha
coisas mais importantes com que ocupar o dia. Mas a ama, uma
mulher de expressão amarga com modos amedrontadores e dentes
frontais protuberantes e encavalitados, ignorou os seus protestos.
Com a determinação de um porco-espinho, encurralou Brenna no
fundo das cavalariças e depois lançou-se em diante. Não era
pessoa para deixar passar uma boa oportunidade nem uma menina
por ela, e assim foi pregando-lhe um sermão enquanto subiam o
monte e atravessavam o pátio enlameado.
– Para de te contorceres, Brenna. Sou mais forte do que tu, e não
te largo. Voltaste a perder os sapatos? Não te atrevas a mentir. Bem
vejo a tua meia a espreitar. Porque é que arrastas essas rédeas
contigo?
Brenna encolheu os ombros.
– Esqueci-me de as colocar no sitio.
– Larga-as aqui mesmo. És uma esquecida. Sabes porquê?
– Não presto atenção ao que faço, como tu me dizes, Elspeth.
– Não prestas atenção a nada que te diga, e isso é um facto. Dás
mais trabalho do que todos os outros juntos. Os teus irmãos mais
velhos nunca me arreliaram. Até a mais nova sabe comportar-se, e
ainda chucha no dedo e faz chichi na fralda. Estou a avisar-te,
Brenna, se não mudares os teus modos de maneira a dares aos
teus pais algum sossego, Deus vai ter de largar o seu importante
trabalho, e vir cá abaixo para te dar uma palavrinha. E depois, como
é que te vais sentir? Não gostas nada que o teu pai te sente no
joelho e te pregue um raspanete quando te portas mal, pois não?
– Não, Elspeth, não gosto mesmo nada. Eu tento portar-me bem,
a sério.
Lançou uma espreitadela pelo canto do olho, para perceber se a
ama-seca acreditava no seu ar penitente. Claro que não era
verdade, pois não julgava ter-se portado mal, mas Elspeth não
queria entender.
– Não me lances esses olhares grandes e azuis com ar choroso,
minha menina, pois não acredito nem um pouco na tua sinceridade.
Céus, lanças cá um pivete! Onde andaste metida?
Brenna baixou a cabeça e manteve-se calada. Andara a correr
atrás dos leitões há uma hora, até o curtidor ter devolvido a mãe-
porca à pocilga, e o fedor peculiar de Brenna era um pequeno preço
a pagar por tanta diversão.
A sua tortura mal começara. Embora tivesse tomado banho na
semana passada, foi obrigada a tomar novamente, e a meio do dia,
veja-se bem. Esfregaram-na da cabeça aos dedos dos pés, e com
tanta força que protestou. Elspeth não fez muito caso dos seus
queixumes, e Brenna acabou por cansar-se de gritar. Mal deu luta
quando Elspeth lhe enfiou um vestido azul e sapatinhos a condizer
que lhe apertavam os pés. Beliscaram-lhe as bochechas para
ganharem cor, o cabelo louro foi desemaranhado e penteado em
caracóis, e viu-se arrastada de volta ao salão. Teria de passar na
inspeção maternal antes de a deixarem em paz.
A irmã mais velha, Matilda, já estava sentada à mesa com a mãe.
A cozinheira também se encontrava presente, revendo o conteúdo
da ceia com a governanta da casa
– Não quero conhecer ninguém hoje, Mamã. Isso é muito
enfadonho.
Elspeth aproximou-se pelas costas e deu-lhe um empurrão no
ombro.
– Cala-te. Não te queixes. Deus não gosta de mulheres
queixinhas.
– O papá está sempre a queixar-se, e Deus gosta muito dele –
anunciou Brenna. – É por isso que o papá é tão grande. Só Deus é
maior do que ele.
– Quem te disse tamanha parvoíce?
– Foi o papá. Quero ir para a rua. Não volto a correr atrás dos
leitões, prometo.
– Daqui não sais, para te manter debaixo de olho. Vais ter de
portar-te bem hoje. Se não, sabes o que te acontece, não sabes?
Brenna apontou para o chão.
– Terei de ir lá para baixo – repetiu, obediente, a ameaça que
ouvira vezes sem conta.
A menina não fazia ideia do que haveria «lá em baixo»; sabia
apenas que era terrível e que não queria ir. De acordo com Elspeth,
se Brenna não mudasse o seu triste comportamento, jamais entraria
no paraíso, que era o destino pretendido de todos, incluindo da sua
família,
Sabia perfeitamente onde ficava o paraíso, porque o pai indicara-o
com precisão. Ficava justamente do outro lado do céu.
Pensava que gostaria de ir, mas, a bem dizer, não se importava
muito. Só lhe importava uma coisa hoje em dia. Não queria ficar
novamente esquecida. Ainda tinha pesadelos, uma vez por semana
ou mais, com os «infelizes» incidentes – nas palavras da mamã. As
aterrorizadoras memórias continuavam a assombrar as profundezas
do seu espírito, local em que as meninas escondiam os temores, de
onde emergiam no momento certo, a meio da noite, para lhes
pregarem um susto. Os berros acordavam a irmã, naturalmente.
Enquanto Elspeth tentava calar a bebé Faith, Brenna arrastaria a
manta até aos aposentos dos pais. Quando o pai se ausentava de
casa porque recebera trabalho importante que o rei só entregava a
alguém tão leal e fiável como ele, ela fugia para o leito enorme da
mãe e aninhava-se junto a ela, e quando o pai estava em casa,
dormia no chão frio ao lado da Coragem, a bela espada com cabo
de prata que – jurara a Mamã – ele adorava quase tanto como os
filhos. Brenna sentia-se mais segura com o pai ao lado, pois
deixava-se embalar pelo ressonar forte. Nenhum demónio entraria
pela janela nem seria assolada por pesadelos de abandono quando
se encontrava com o pai. Os horrores nem se atreveriam.
– Por favor, mãe, dizei à Brenna para calar a boca quando
aparecerem os convidados – pediu Matilda. – Ela fala aos berros. E
é de propósito. Quando é que lhe passará este maldito hábito?
– Em breve, filha, em breve – respondeu a mãe, distraída.
Brenna foi-se aproximando da irmã. Matilda era mandona por
feitio, mas agora que os irmãos se tinham ausentado para
aprenderem a ser tão prestáveis ao rei como o papá, esta
característica exacerbara-se.
Começava a ser tão cansativa como Elspeth.
– És uma grande chata, Mattie.
A mãe ouviu o comentário.
– Brenna, não voltes a usar essa linguagem vulgar.
Compreendido?
– Sim, mamã, mas o papá costuma dizer que as pessoas são
chatas. E muito chatas.
A mãe cerrou as pálpebras.
– Não sejas insolente, filha.
Brenna deixou tombar os ombros e tentou fazer um ar condoído.
– Mamã, estou muito farta que toda a gente mande em mim.
Ninguém gosta de mim?
A mãe não se sentia disposta a apaziguar a filha. Abanou a mão,
apontando para o grupo de cadeiras no lado oposto do salão.
– Senta-te ali, Brenna. Não voltes a falar até te darem autorização.
Mexe-te.
A menina atravessou o salão a arrastar os pés.
– Não a obrigais a ficar sentada muito tempo, mãe. Ela ficou
embirrenta com aqueles acontecimentos infelizes. O papá diz que
vai levar tempo até recuperar.
Mattie defendia-a. Brenna não ficou espantada por esta mostra de
lealdade. Era dever da irmã zelar por ela na ausência dos irmãos.
Mas Brenna ficou zangada por Mattie ter evocado o que não podia
ser mencionado, pois sabia que a miúda odiava lembrar-se do que
lhe acontecera.
– Sim, querida – respondeu a mãe.
– Tempo e paciência.
Mattie soltou um suspiro audível.
– A serio, mãe, como podeis ficar tão calma? Não sentis culpa?
Mesmo eu compreendo que vos podíeis ter esquecido de um filho
uma vez, mas duas vezes? É espantoso que a miúda não tente
estar sempre convosco.
Elspeth avançou um passo e partilhou a sua opinião.
– Bem receio que aquela nunca apanhe marido, minha senhora –
Brenna tapou os ouvidos com as mãos. Odiava que a ama se
referisse a ela como «aquela». Afinal, não era uma leitoa.
– Hei de apanhar marido sem ajuda – berrou Brenna.
Joan entrou no salão a tempo de escutar a bazófia da irmã.
– O que foi que fizeste agora, Brenna?
– Nada.
– Então por que motivo estás sentada sem ninguém ao lado?
Normalmente estás encostada à mãe, a dar à língua sem parar. Diz-
me o que fizeste. Prometo que não te prego um sermão.
– Fui insolente com a mamã. O papá apanhou um marido para ti,
Joan?
– Apanhar um marido? – perguntou. Não se riu, com receio de
magoar os sentimentos frágeis de Brenna, mas não evitou sorrir. – É
bem possível – admitiu.
– Com a tua ajuda?
– Não. Conhecerei o meu marido no dia em que me casar com
ele.
– Não tens medo que seja feio? – murmurou Brenna.
– Não interessa o aspeto dele. O papá garantiu-me que é uma
aliança forte – murmurou Joan como resposta.
– E isso é bom?
– Ah, sim. O nosso rei deu a aprovação.
– A Rachel diz que deves amar o teu marido com todo o coração.
– Isso é um desejo parvo. Quando tiver idade, ela há de casar
com um tal de MacNare, que a Rachel nunca conheceu. Nem
sequer vive em Inglaterra, mas o pai não está preocupado com isso.
Foi convencido pelas promessas e dádivas do MacNare.
– A Elspeth diz que o papá nunca encontrará ninguém para mim.
Diz que o papá está demasiado ocupado para cuidar da minha
pessoa e que terei de apanhar um por minha conta. Vais ajudar-
me?
Joan sorriu.
– Estou a ver que o tema te preocupa. Claro que ajudarei.
– E como é que se apanham?
Joan fingiu ponderar na pergunta durante um tempo demorado
antes de responder.
– Desconfio que terás de escolher o homem que desejas e pedir-
lhe que case contigo. Se habitar longe, envias o pedido por
mensageiro. Sim, é uma solução. Sabes, Brenna, o papá ficaria
triste se nos ouvisse falar disto. É dever dele encontrar-nos um
marido. Porque sussurras?
– A mamã mandou-me ficar calada.
Joan desatou às gargalhadas. O ruído alertou Elspeth, que
prontamente lhes acorreu.
– Por favor, não a encorajeis, Lady Joan. Brenna, disseram-te
para estares calada. Não consegues dar descanso à tua boca?
– Desculpa, Elspeth.
A ama fungou de descrédito.
– Desculpas não sentidas – aproximou-se da menina, agitou o
dedo diante da cara de Brenna e disse: – Um dia destes, Deus em
pessoa há de entrar aqui e pregar-te uma descompostura, minha
menina. Ouve o que te digo. Aí terás mesmo de pedir desculpas. Ele
não gosta de meninas mal comportadas.
Elspeth deixou-a finalmente em paz, e Brenna adormeceu à
espera que chegasse a tal companhia. A irmã Rachel, acordou-a e
arrastou-a para junto das outras irmãs, que aguardavam já de pé.
Brenna escondeu-se atrás das costas de Rachel até ouvir o seu
nome e então foi arrastada para a frente. Sentiu-se subitamente
demasiado tímida para fitar a companhia, e mal o pai acabou de
gabar-se da filha, voltou a esconder-se atrás da irmã.
Nenhum dos estranhos lhe prestou atenção, e portanto decidiu
esgueirar-se para fora do salão antes que deixasse de ser ignorada.
Virou-se, deu um passo para a entrada e parou de repente.
Três gigantes entraram pela porta. Ficou demasiado aturdida para
se mexer. O do meio era mais alto que os restantes dois e prendeu-
lhe o interesse por mais tempo. Perscrutou-o democratamente
quando os pais se apressaram a saudar os recém-chegados e
observou que era ainda maior que o papá.
Ela agarrou a mão de Rachel e começou a puxá-la. A irmã
demorou até olhar para baixo.
– O que foi? – murmurou.
– Aquele não é Deus, pois não? – perguntou, apontado para o
convidado de cabelo escuro.
Rachel revirou os olhos.
– Não, de modo algum.
– Então o papá mentiu-me? Ele contou-me que só Deus era maior
do que ele, Rachel.
– O papá não te mentiu, só estava a brincar contigo. Nada mais.
Não precisas de ter medo.
Brenna ficou completamente aliviada. Nem o papá a enganara
nem Deus se incomodara a descer dos céus para a descompor.
Ainda havia tempo para corrigir o que Elspeth chamava de vida
pecadora.
O papá chamou-lhe a atenção ao soltar uma sonora gargalhada.
Ela sorriu porque ele se estava a divertir, e depois voltou a fitar o do
meio. Diziam-lhe sempre que era feio olhar especada para as
pessoas, mas ignorou a regra da mãe. O gigante era fascinante, e
ela queria recordá-lo ao pormenor.
Mas ele deve ter sentido aquela atenção enorme, porque se virou
subitamente e retribuiu-lhe o olhar.
Brenna decidiu comportar-se como uma jovem senhora condigna
e orgulhar o papá. Agarrou nas saias, levantou-as até aos joelhos e
fez uma vénia de cortesia. Mas perdeu de imediato o equilíbrio e
quase caiu de cabeça no chão, sendo no entanto rápida a inclinar-
se para trás, de modo a cair de rabo.
Voltou a endireitar-se, lembrando-se de soltar as saias e depois
espreitou para o estranho, procurando entender o que ele pensava
do seu dom recém-adquirido.
O gigante sorria-lhe.
Mal ele afastou o olhar, ela encostou-se novamente às costas de
Rachel.
– Vou casar com ele – murmurou ela.
Rachel sorriu.
– Ainda bem.
Brenna anuiu com confiança. Ainda bem, de facto.
Agora, só precisava de pedi-lo em casamento.
O papá deixou as filhas saírem do salão minutos depois. Brenna
aguardou até todos terem subido para o piso superior, antes de
correr para o exterior. Estava determinada a apanhar um dos
leitõezinhos hoje, para ter finalmente um animal de estimação só
seu. Um cachorro seria preferível, mas o papá dera-os todos aos
irmãos mais velhos e não restara nenhum para si, pelo que
tencionava corrigir este terrível erro e escolher um leitão.
Estava com sorte. A mamã dos leitões saíra novamente da pocilga
e adormecera na poça de lama ao fundo das cavalariças, a meio da
descida do monte. Brenna tentou não fazer ruído, mas escorregou e
pisou a lama com um ruído forte. Mas a mamã devia ter ficado
exausta com os filhotes, pois não levantou a cabeça nem abriu os
olhos. Brenna ouviu o ranger sonoro das portas da entrada sendo
abertas, mas ninguém lhe berrou, o que significava que não a
viram.
Os leitões facilitaram-lhe a tarefa, pois tinham-se enroscado em
forma de bolinhas e dormiam uns por cima dos outros. Brenna
apanhou um deles, prendeu-o na bainha das saias, envolveu-o com
força, e apertou-o contra o peito. Pensou em correr para as
cozinhas e esconder ali o troféu, e teria conseguido o seu intento se
o novo animal de estimação não tivesse começado a queixar-se.
Brenna não percebeu que se encontrava em perigo até ter saído
da pocilga e ouvir um barulho terrível a insurgir-se contra si. Os
porcos não voavam – exceto quando se tratava de uma mãe-porca
furiosa. Cabeça baixa, pés mais rápidos que um relâmpago,
intenção clara e acompanhada de um guincho avassalador, como se
o próprio diabo emergisse das entranhas do inferno para a apanhar.
Brenna abriu a boca e soltou um lamento tão forte quanto o da
predadora. Demasiado aterrada para raciocinar, correu em círculos
em volta da pocilga, cabelo esvoaçando em volta da cara,
projetando lama à sua volta, agarrada ao leitão enquanto berrava
sem parar pelo papá.
Os pais depararam-se com uma visão terrível. O anjinho deles
corria às voltas, qual galinha sem cabeça, completamente suja de
lama.
Começaram todos a correr ao mesmo tempo. O papá não a
salvou, pois não tinha velocidade nem passada larga; foi salva pelo
gigante que lhe sorrira. E mesmo a tempo.
O focinho da porca fê-la cair, e Brenna quase tocou no chão
quando se sentiu levantada em pleno ar. Cerrou as pálpebras,
lembrando-se de calar os gritos e olhou em volta novamente.
Continuava nos braços dele, mas já no lado oposto da cerca, a boa
distância da pocilga. Não conseguia imaginar como conseguira ele
saltar sobre o obstáculo.
O caos cercou-os. Todos corriam para ela. O papá foi a última
pessoa a alcançar a cerca. Ofegava ainda quando ela o ouviu
perguntar à sua companhia se sabia o que provocara aquele ataque
do animal à sua querida Faith.
Brenna não se sentiu ofendida. O papá estava sempre a
confundir-lhes os nomes. Havia de lembrar-se quando chegasse a
noite, e pelo seu olhar, ela percebeu o que então aconteceria.
Passaria uma hora sentada nos joelhos ossudos a levar uma
reprimenda. Nem queria pensar no castigo que a esperava, se ele
descobrisse o que escondera debaixo das saias. Oxalá jamais
descobrisse.
Mas o salvador dela conseguia sentir o pequeno animal contorcer-
se entre eles. Acabou por ganhar coragem e encará-lo, para
perceber qual a sua intenção. Ele estava espantado, e quando o
leitão soltou novo guincho, sorriu.
Brenna ficou tão contente por ele não se irritar que sorriu em
resposta antes de se lembrar que devia mostrar-se tímida.
Um dos amigos dele aproximou-se da cerca.
– Connor, está tudo bem?
Ele virou-se para responder, mas Brenna travou-o, colocando a
mão contra o rosto do rapaz e virando-o para si novamente. Foi
então que murmurou a sua súplica. Ele não terá percebido, porque
se inclinou mais, até as testas quase se unirem.
– Não contes.
O gigante subitamente atirou a cabeça para trás e soltou
gargalhadas vibrantes. Ela pediu-lhe para ficar calado, mas isso só
o fez rir-se ainda mais. Mas não a denunciou, e mal pousou a miúda
no chão, Brenna conseguiu fugir ao pai antes de ele conseguir
agarrá-la.
– Vem cá, Brenna.
Ela fingiu que não tinha escutado e continuou a correr. Foi só
quando se encontrou escondida e segura debaixo da mesa da
cozinha, com o novo bebé a dormir no colo, que se lembrou que não
pedira o homem em casamento. Não ficou desanimada. Amanhã
faria o pedido, e se ele recusasse, encontraria novo plano. De uma
forma ou outra, tencionava agarrá-lo e poupar trabalho ao papá.
Capítulo 2

Escócia, 1119

N o dia do seu casamento usou pinturas de guerra.


A disposição de Connor MacAlister encontrava-se tão lúgubre
como a tinta azul-escura espalhada pelo rosto e braços. O Senhor
não se sentia contente com o dever assumido, mas era um homem
honrado e faria o necessário para obter justiça.
A vingança morava no coração e no pensamento de Connor;
embora, a bem dizer, não se julgasse diferente de qualquer pessoa.
Quem vivia nas Terras Altas com um mínimo de dignidade trazia
uma vingança dentro de si. Era a lei da terra.
Cinco soldados acompanhavam o Senhor, cada um nas suas
montadas. Os homens estavam também aperaltados com o rigor da
batalha, mas a disposição coletiva era mais animada, pois nenhum
deles iria amarrar-se a uma noiva inglesa até ao fim dos seus dias.
Quinlan, o primeiro-comandante, acompanhava o Senhor. O
guerreiro praticamente alcançava Connor em altura mas não era tão
musculado ao nível dos ombros, antebraços e coxas, portanto, não
tinha a força de Connor. Mas não era esse o motivo pelo qual
Quinlan permanecera com o clã MacAlister. Era a inteligência de
Connor, a sua ânsia implacável por justiça, e as suas capacidades
inabaláveis de liderança que mantinham o guerreiro a seu lado.
Seguidor leal, Quinlan daria a vida para manter Connor a salvo.
Também este já o salvara uma vez, e Quinlan tinha a noção que o
Senhor voltaria a fazê-lo vezes sem conta, sem hesitar,
independente do risco. E quanto aos restantes homens, a postura
era idêntica à de Quinlan, pois o Senhor tratava os seguidores como
valiosos membros da família.
Quinlan não era apenas um seguidor leal, era também um amigo
próximo e tal como com os restantes MacAlisters, também ele sentia
os mesmos rancores, afagando-os como se fossem amantes
durante anos sem fim, se necessário, até encontrar uma forma de
corrigir o mal cometido contra si ou a família.
– Não é tarde de mais para mudares de ideias – comentou
Quinlan. – Há muitas outras formas de retaliar contra o MacNare em
nome do meu pai.
– Não. Já mandei mensagem à minha madrasta a informar do
casamento, e nada que possas dizer me fará mudar de ideias.
– Será que a Euphemia regressará, finalmente?
– Talvez não – respondeu Connor. – Tem sido complicado para
ela, regressar à nossa terra desde que perdeu o meu pai. Ainda hoje
chora a sua morte.
– E que tal o Alec? O teu irmão ordenou-te que terminasses o
feudo, e prometeste que assim farias.
– Sim, e este será o meu derradeiro insulto. Haverá de incomodar
o MacNare durante muito, muito tempo. Mas tenho de me contentar
com isso. Sabes como ávido está aquele porco de uma aliança com
os ingleses. Usaremos essa avidez a nosso favor. Lembra-te,
amigo, ele humilhou e envergonhou a tua família.
– E por causa dessa desfaçatez, estivemos em guerra.
– Não bastou – decretou Connor. – Quando eu terminar, o teu pai
poderá erguer novamente a cabeça. Será vingado.
Quinlan riu-se subitamente.
– Ocorreu-me que Deus pode ter tido mão nisto, Connor. Não
conhecíamos até hoje o nome da filha que tomarás como esposa.
Já te recordas dela?
– Não é fácil de esquecer. Além disso, agora tenho um melhor
motivo para dar ao Alec. Mais importante para mim.
– O teu irmão não ficará furioso, de qualquer modo.
– Não, ficará contente mal lhe conte que a inglesa me prometeu
casamento há muito tempo.
– E o que lhe dirás?
– A verdade. Foi ela quem me pediu em casamento. Não esqueci
esse facto. Tu riste-te durante uma semana inteira.
Quinlan anuiu.
– Ela pediu-te três vezes, mas deixa-me dizer-te que isso
aconteceu há anos. A rapariga já deve ter esquecido.
Connor sorriu.
– Mas que importância tem, que se lembre?

Lady Brenna foi subitamente assolada pela misteriosa sensação


de que alguém ou algo a observava. Ajoelhara-se na berma de um
ribeiro raso, para secar a cara e as mãos com um tecido bordado,
quando sentiu uma presença atrás de si.
Não fez quaisquer movimentos bruscos. Sabia que não devia
levantar-se e correr para o acampamento. Podia ser um javali
selvagem ou pior ainda, e quaisquer movimentos repentinos
atrairiam a atenção.
Libertou o punhal e virou-se lentamente enquanto se endireitava,
preparando-se para o que estaria à espreita na mata escura.
Não havia nada. Aguardou vários minutos pelo aparecimento da
ameaça, e mesmo assim nada se mexeu. Apenas ouvia a forte
batida do seu coração.
Fora tolice afastar-se tanto a pé do acampamento dos homens do
pai. Se algo acontecesse, seria culpa sua; mas teria pesado melhor
as consequências se não fosse a necessidade desesperada de ter
um momento a sós. Claro que teria procurado privacidade em todo o
caso, mas com as devidas precauções, trazendo o seu arco e
flecha.
Teria deixado os instintos em casa? Talvez, pois não deixava de
sentir-se observada, o que não fazia nenhum sentido.
Brenna decidiu que era apenas uma atitude tola, e nada mais. Se
algo ou alguém ali se encontrasse, já teria escutado a sua
aproximação há mais tempo. O papá costumava comentar que era
boa de ouvido, e vangloriava-se aos amigos que a filha era capaz de
notar a queda da primeira folha de outono num campo de batalha.
Bem, isso sim, era um exagero. E no entanto, não deixava de ter
uma ponta de verdade. Ela conseguia perceber o som mais ínfimo.
Mas agora não ouvia nada. Devia estar transtornada, e nada mais.
A viagem fora cansativa, e ela precisava de descansar. Exato, era
isso. A fadiga criava ameaças inexistentes.
Senhor MacNare. Deus a acuda. Gastava todos os minutos
disponíveis a pensar no futuro marido. Depois vomitava. Ainda bem
que não se alimentara hoje, pois caso contrário já estaria dobrada
de encontro ao chão. É verdade que não conhecia o homem e
talvez tivesse tirado conclusões precipitadas. Até podia ser
simpático, e todas as histórias que dele se contavam não
passassem de exageros. Céus, como esperava que assim fosse!
Não queria casar-se com um homem cruel, nem sequer imaginava
como seria e, oh, tanto que tentara dissuadir o pai de escolher por
ela. Mas ele não quis dar-lhe ouvidos – o costume.
A forma como lhe anunciara este facto também fora bastante fria.
Acordou-a a meio da noite, informou-a da sua decisão e depois
ordenou-lhe que ajudasse a mãe e as criadas a prepararem-lhe as
malas. Partiria para as Terras Baixas escocesas mal raiasse o dia. A
explicação que lhe deu ao sair do quarto também não a tranquilizou.
Aquele casamento ajudaria o pai a ter influência na Escócia, e uma
vez que o rei decidira que Rachel desposaria um dos seus barões
preferidos, Haynesworth teria de entregar Brenna a MacNare. A
mensagem implícita, mas não proferida, foi ainda mais difícil de
entender: que o pai a adorava, sim, mas não tanto como adorava o
poder e a influência.
Além de adorar prendas, pensou. MacNare tornara o negócio
irresistível ao acrescentar outros tesouros. É verdade que o rei nada
sabia da promessa de casamento e que se iria zangar, mas o pai
não ficara muito preocupado. A cobiça enchia-lhe o coração,
sobrando pouco espaço para cautela e medo.
Quando Brenna parou de chorar, a mãe deu-lhe conselhos. Disse
que Brenna não tinha de preocupar. Tudo acabaria bem, desde que
ela não resistisse e abandonasse os sonhos infantis.
Pensar nos pais trazia-lhe saudades de casa. O que não fazia
sentido, eram eles os culpados daquele casamento contra a sua
vontade. E, contudo, queria voltar. Tinha saudades de todos, mesmo
da ama velha e rabugenta, que ainda continuava a dar ordens a
torto e a direito.
Basta de sentires pena de ti mesma. Havia de chorar como um
bebé se não calasse aqueles pensamentos. Tinha o futuro
determinado, e só Deus poderia mudar-lhe o destino.
Os soldados do pai deviam estar ansiosos para retomarem
caminho. Já estavam seguramente nas terras de MacNare, mas
ainda passariam um dia inteiro a cavalo antes de alcançarem a
fortaleza do homem.
Brenna não refez a trança. Esta desatara-se quando se inclinara
sobre a água para lavar a cara. Ainda pensou em recompô-la mas
mudou de ideias. Que importava o seu aspeto quando conhecesse o
Senhor? Desatou o cordão, passou os dedos pelo cabelo, mas
deixou cair a fita e o punhal.
Tinha acabado de apanhar o punhal do chão quando surgiu um
grito abrupto. Era Harold, o soldado encarregado de escoltá-la.
Levantou as saias e desatou a correr de volta ao acampamento,
querendo descobrir o que se passava. A sua aia, Beatrice,
intercetou-a. A mulher pesadona bloqueou apressada o caminho
estreito, agarrou no braço de Brenna que tentou continuar a marcha.
O olhar de terror na vista de Beatrice despertou calafrios na espinha
de Brenna.
– Fugi, minha senhora – berrou a aia. – Fomos atacados por
demónios. Escondei-vos antes que seja tarde de mais. Os
selvagens vão matar os soldados, mas é a senhora que realmente
querem. Não podeis deixar que vos apanhem. Apressai-vos.
– Quem são? – perguntou Brenna num murmúrio amedrontado.
– Creio que são párias. Eram tantos que não consegui contá-los,
com as caras pintadas de azul e olhar demoníaco. Grandes como o
diabo em pessoa. Um jurou que mataria o Harold de imediato se ele
não revelasse o seu esconderijo.
– O Harold jamais dirá.
– Mas disse, ah pois – berrou esta, acenando com a cabeça para
dar ênfase. – Atirou a espada por terra e começou a explicar onde
vós estáveis. Aproveitei para escapar. Os homens do vosso pai vão
morrer na mesma, aqueles pagãos esperam apenas que o chefe
regresse, e hão de começar a chacina. Hão de beber-lhes o sangue
e comer-lhes a carne.
Beatrice arfava de histerismo. Procurando incitar a senhora,
apertou ainda mais o braço de Brenna, enterrando as unhas na
carne e fazendo sangue.
Brenna tentou sacudir a mulher.
– Os soldados ainda estavam vivos quando partiste? – perguntou.
– Sim, mas não demora muito até que os matem. Correi, por amor
de Deus.
– Não posso abandonar os soldados. Vai-te, salva-te.
– Sois louca?
– Se é a mim que querem, talvez escutem o meu apelo e deixem
os soldados do pai partirem. Uma vida em troco de doze. É loucura,
mas tentarei.
– Morrereis estupidamente – murmurou, empurrando Brenna para
o lado e enfiando-se na floresta.
Acometida pelo pânico, Brenna quis seguir a criada, mas não
pode. Precisou de toda a sua coragem para não ceder à tentação,
pois se a criada dizia a verdade, restar-lhe-iam minutos de vida.
Santo Deus, estava em pânico. Morrer requeria coragem, uma
nobre qualidade que subitamente temeu ter perdido, mas não
deixaria Harold e os restantes serem chacinados por cobardia sua.
Convencer os demónios a soltarem os soldados seria uma
possibilidade remota, mas tinha de tentar salvar os homens, por
muito assustada que estivesse.
Correu para a clareira, rezando pela última vez. Não perdeu tempo
precioso a pedir perdão por cada um dos seus pecados. Lembrar-se
deles e depois descrevê-los com pormenores demoraria uma
eternidade, portanto juntou os pecados num ramalhete e pediu
absolvição pelo todo. Terminou o suplício, pedindo que Ele lhe
conferisse astúcia para descobrir uma forma de continuar viva.
Depois começou a entoar.
– Oh, meu Deus. Oh, meu Deus. Oh, meu Deus.
Quando alcançou a curva do trilho junto ao acampamento, ela
tremia tão violentamente que mal conseguiu manter-se de pé.
Ocorreu-lhe que continuava a agarrar o punhal na mão direita,
escondeu-o atrás de uma dobra do vestido e obrigou-se a respirar
fundo.
Ia ser extremamente difícil convencer os selvagens a darem
ouvidos a uma mulher. Se gaguejasse ou mostrasse temor, perderia
a sua hipótese.
Teria de ser ousada, disse a si mesma.
Destemida.
Finalmente sentiu-se pronta. Continuou a cantar a Deus, por favor
livrai-me deste suplício, mas se Ele não estivesse disposto a deixá-
la viver, então que lhe desse uma morte rápida. Incluiu
repetidamente «sem dor», e todas as suas súplicas foram contidas
em «Oh, meu Deus, oh meu Deus, oh meu Deus». Convicta, no seu
íntimo, que Deus compreendia aquele pedido.
Aguardavam-na. Quando os viu, sentiu vontade de desmaiar.
Ouviu vários suspiros – longos, demorados –, percebeu que
provinham dos pagãos, e embora o aparecimento de Brenna os
tenha aparentemente atordoado – assim indicavam as expressões
naqueles rostos –, a reação fazia pouco sentido. Era evidente que
esperavam por si, pois todos se encontravam virados para ela
quando entrou na clareira.
Não era um grupo imenso. Beatrice exagerara tremendamente.
Uns meros cinco selvagens, formando um semicírculo atrás dos
soldados dos pais. E mesmo assim, em número suficiente para os
joelhos fraquejarem e o estômago revirar-se.
Ela nem lançou um devido olhar aos párias, pois os soldados
estavam em primeiro lugar na sua preocupação. Harold e restantes
ajoelhavam-se no centro da clareira. Cabeças dobradas e mãos
unidas nas costas, mas não atadas, como notou ao aproximar-se.
Perscrutou-os para entender a extensão das feridas e ficou
surpreendida, e aliviada, por não apresentarem qualquer ferimento.
Obrigou-se a encarar novamente os párias. Santo Deus, eram
uma visão de pesadelos vindouros. Mas não demónios. Eram meros
homens, pensou algo freneticamente. Homens corpulentos. Beatrice
chamara-os de selvagens, e Brenna concordava em pleno com essa
avaliação. Parecia ser a única coisa em que aquela maluca
acertara. Sim, selvagens. Uma descrição adequada, conferida pela
tinta azul espalhada nos rostos. Adornarem-se de forma tão bizarra
tinha de representar um ritual antigo. Talvez o sacrifício humano
fosse outro dos rituais, mas imediatamente afastou o terrível
pensamento.
Eram também primitivas as suas vestes, não obstante o aspeto
familiar. Usavam mantas escocesas de lã em tons castanhos baços,
amarelo e verdes. Os joelhos estavam expostos e os pés, cobertos
por botas de pele de alce atadas com cordões de couro.
Eram escoceses. Seriam inimigos do Senhor MacNare? Teriam
transgredido a fronteira das suas terras? Iriam matá-la como
retribuição pelos pecados do futuro marido?
Não lhe agradava a ideia de morrer por causa de um homem que
nunca vira. Embora a mera ideia de morrer fosse assustadora,
pensou. Que importância tinha o motivo?
Porque não diziam nada? Sentia-se observada há pelo menos
uma hora, mesmo que tivesse passado apenas um minuto ou dois.
Destemida, ordenou a si mesma. Tenho de ser destemida.
Oh, meu Deus. Oh meu Deus. Oh meu Deus.
– Sou a Lady Brenna.
Esperou que a atacassem mas ninguém se mexeu. Preparando-se
para lhes exigir que explicassem as suas intenções sem demoras,
ficou tão espantada com os escoceses que até susteve a
respiração. Em sintonia, os selvagens prostraram-se de joelhos,
pousaram a mão no coração e fizeram-lhe vénias. A demonstração
de respeito conjunta deixou-a atordoada. Não, não, respeito era
errado, pensou. Seria gozo? Santo Deus, não era capaz de
distinguir.
Aguardou até se endireitarem novamente e tentou identificar o
chefe, para o confrontar. Não encontrou indícios. A tinta azul só a
confundia mais. Os rostos pareciam máscaras com expressões
funestas.
Ela escolheu o maior de todos, um guerreiro de cabelo escuro
com olhos cinzentos. Fitou-o diretamente, incitando-o a falar, mas
ele manteve-se calado.
Oh, meu Deus. Oh, meu Deus...
– Porque não fala comigo?
Aquele que fitava sorriu-lhe de repente.
– Aguardávamos, minha senhora – explicou com uma voz
profunda de autoridade.
Ela franziu a testa perante a resposta incompleta. Já que o
homem se exprimira em gaélico, ela decidiu retribuir. Ela e as irmãs
tinham aprendido o idioma ante a insistência do pai, e ainda bem
que assim fora. O dialeto do pária era certamente diferente daquele
que conhecia, mas conseguiu acompanhar a fala.
– À espera do quê? – perguntou em gaélico.
O escocês mostrou-se espantado. Mas depressa escondeu a
reação, desviando a vista.
– Esperávamos que acabasse a sua oração.
– Oração? – perguntou ela, completamente perplexa.
– Creio que ficou parada logo ao inicio, menina. Não se lembrava
do resto? – perguntou outro escocês.
– Meu Deus, meu Deus…
– Lá começou ela outra vez – murmurou outro guerreiro.
Santo Deus, Todo-Poderoso, ela rezou em voz alta.
– Só pedia paciência – anunciou com tanta dignidade quanta
conseguiu reunir. – Quem sois?
– Os homens do MacAlister.
– O nome não me diz nada. Devia conhecê-lo?
Um guerreiro com uma cicatriz feia que descia da testa ao longo
do nariz adiantou-se.
– Conhece bem o nosso Senhor, minha senhora.
– Está equivocado, senhor.
– Trate-me pelo meu nome, minha senhora. É Owen e terei muita
honra se o usar.
Foi-lhe muito difícil compreender porque o pagão se mostrava tão
extraordinariamente educado, naquela situação terrível. Afinal,
pretendiam matá-la, certo?
– Muito bem, tratá-lo-ei por Owen.
O guerreiro ficou animado com a aceitação. Ela, pelo contrário,
teve vontade de lançar os braços ao alto, num desespero.
– Owen, quer matar-nos, a mim e aos soldados leais do meu pai?
O grupo pareceu espantar-se com esta pergunta. O dos olhos
cinzentos respondeu-lhe.
– Não, Lady Brenna. Jamais lhe faríamos mal. Cada um de nós
jurou protegê-la até à morte.
Os outros guerreiros anuíram de imediato.
Estão todos loucos, entendeu ela prontamente.
– Por amor de Deus, porque querem proteger-me?
– Por causa do nosso chefe – respondeu Owen.
Prontificaram-se a descrever o chefe, o que para ela pouco
interessava pois não prestou atenção a uma única palavra. Invadira-
a um enorme alivio. Se o Olhos Cinzentos lhe disse a verdade,
ninguém morreria e todos os seus medos perdiam o fundamento.
Obrigada, meu Deus.
Mas não pretendia celebrar para já, pois os intrusos não haviam
ainda explicado a finalidade da sua presença. Decerto que não seria
para mero convívio, e portanto, tinha de conhecer a verdadeira
intenção de modo a encontrar uma forma de fazê-los partir.
Era preferível não baixar a guarda, enquanto tentava arrancar-lhes
algumas respostas.
– Já percebi que são escoceses – começou, espantada pela sua
voz tão fraca. – Mas em que região da Escócia fica o vosso lar?
O Olhos Cinzentos ficou atónito.
– Chamo-me Quinlan, minha senhora, e não nos consideramos
escoceses. Somos das Terras Altas.
Os outros homens anuíram em concordância.
Acabara de aprender um facto interessante. As gentes das Terras
Altas não queriam largar os velhos costumes dos antepassados. A
forma primitiva como estes homens trajavam indicava-o bem, e se
não fosse o seu estado de perturbação, já teria notado aquele
pormenor antes de abrir a boca.
Não compreendia minimamente aquelas atitudes tão retrógradas,
mas não iria ofendê-los com esse comentário. Se queriam agir como
selvagens, a ela tanto se lhe dava.
– Vieram das Terras Altas. Obrigada, Quinlan, pelo incómodo de
me elucidar.
Ele inclinou a cabeça para ela.
– Senhora, eu é que vos agradeço por aceitar informações deste
humilde seguidor.
Ela soltou um suspiro audível de frustração.
– Por favor, não se ofenda, mas não pedi que me seguissem de
modo algum.
Ele sorriu-lhe.
– Não pensam partir em breve, pois não? – ela parecia
desconsolada.
O olhar dele brilhou com malícia.
– Não, senhora, não pensamos.
– É verdade que não se lembra do nosso chefe? – perguntou
Owen.
– E porque me havia de lembrar? Nunca conheci o homem.
– Pediu-o em casamento.
– Está seguramente equivocado, Owen. Isso não aconteceu.
– Mas, senhora, contaram-me que lhe pediu por três vezes.
– Três vezes? Eu pedi-lhe…
Ela calou-se subitamente. Três vezes.
Santo Deus, não podia referir-se ao… Incrédula, abanou a
cabeça. Não, não, aquilo acontecera há muitos anos, e o rapaz não
podia ter conhecimento daquela tolice.
Só Joan conhecia o seu plano de encontrar marido, e a irmã
jamais contaria a estranhos. Brenna não se lembrava realmente do
pedido – era muito nova, então – mas a irmã contara-lhe a história
tantas vezes, que estava fresca como de véspera. Tal como
qualquer boa irmã, Joan divertia-se a atormentar Brenna com
recordatórios do seu comportamento escandaloso. Em particular, a
escolha do leitão.
Por que razão quisera Brenna encontrar marido sem ajuda de
ninguém, ou ter um leitãozinho como animal de estimação, eram
mistérios insondáveis que a sua versão adulta só conseguia explicar
pela tenra idade.
– Aconteceu há muito tempo, minha senhora – disse Quinlan.
Eles sabiam. Como o sabiam, não fazia a mínima ideia, mas
perturbou Brenna a tal ponto que nem conseguiu raciocinar.
– O homem recusou o meu pedido… ou não?
Quinlan abanou a cabeça.
– Recusou por duas vezes, mas pelo que sabemos, a senhora
ainda aguarda a resposta dele ao último pedido.
– Não aguardo resposta nenhuma – disse Brenna com ênfase.
– Aguarda, sim – insistiu Owen.
Não parecia ser uma brincadeira. O ar de ambos era bastante
sério. E agora, como sairia daquela situação?
– Continuo à espera que ria, Quinlan, mas parece-me que isso
não vai acontecer.
Ele não se deu ao trabalho de contestar. A bem dizer, pareciam
todos bastante satisfeitos por se encontrarem ali, a conversar com
ela. Um comportamento assaz peculiar. Guerreiros daquela estirpe
dificilmente permaneceriam muito tempo quietos num determinado
local, e contudo não tencionavam partir. Aguardavam alguma coisa,
mas o quê?
Tinha de ter paciência, inevitavelmente, o que detestava. Só
quando lhes apetecesse é que revelariam os seus planos.
Era impossível que viessem de tão longe apenas para recordá-la
de um pedido de casamento feito há muitos anos, e decerto que não
esperavam que agora o honrasse. Também não acreditou naquela
tolice de serem seus humildes seguidores.
Era talvez uma atitude insensata, mas decidiu expor a natureza da
mentira.
– Disse que eram meus humildes seguidores. É verdade,
Quinlan?
O guerreiro olhou para a floresta atrás de Brenna, a um nível mais
alto que a sua cabeça, antes de responder. E sorriu.
– Encontro-me aqui para a proteger e servir, minha senhora. Tal
como todos nós.
Ela também sorriu.
– E farão o que vos pedir?
– Claro que sim.
– Muito bem. Peço que se vão embora.
Ele não se mexeu, para pouco espanto dela.
– Ainda aqui está, Quinlan. Não me terei feito explicar?
O gigante estava quase a rir-se. Abanou a cabeça e disse:
– Se nos formos embora, não conseguiremos servi-la. Sem dúvida
que compreende.
Mas ela, sem dúvida, não compreendia nada. Quis perguntar se
ela podia partir sem recear que a seguissem, mas Owen
interrompeu-a com outra lembrança
– Minha senhora, a respeito do seu pedido…
– Ainda não largámos o assunto?
Owen anuiu.
– Foi a senhora que perguntou – insistiu com teimosia.
– Pois perguntei, mas entretanto mudei de ideias. O homem ainda
é vivo? Já deve ser velho. Foi ele quem vos mandou?
Quinlan respondeu:
– Foi.
– Onde se encontra?
Quinlan sorriu-lhe. E os outros também arreganharam os beiços.
– Não me diga que está atrás de mim? – não o tinha notado por
causa dos nervos.
Todos os pagãos anuíram.
– Há bastante tempo? – murmurou ela.
– Só chegou agora – respondeu Quinlan.
Eis o motivo pelo qual ainda continuavam ali. Devia ter percebido.
Se não estivesse tão concentrada a descobrir uma forma de os
enxotar, já lhe teria ocorrido a possibilidade de haver um chefe.
Não lhe apetecia virar-se, obviamente, mas era demasiado
orgulhosa para tentar fugir. Agarrando o punhal, preparou-se para o
encontro, e por fim olhou para trás.
Ah, sim, ele estivera mesmo atrás dela, sim. Como é que ela não
tinha percebido? O guerreiro era alto como um pinheiro. Se
esticasse o braço, quase que o beliscaria. Encarou o peito maciço,
demasiado assustada para levantar a vista. O tamanho dele era
assombroso. Em altura, nem sequer alcançava o queixo do homem.
Manteve-se a um metro de distância, e quando ela deu um passo
atrás por instinto, ele avançou outro.
Acabaria por encará-lo, disse a si mesma. Caso contrário,
revelaria cobardia. Tentar fugir também seria uma indicação que
ficara intimidada pelo tamanho dele. Porque raio é que já não lhe
restavam energias? Há poucos minutos sentia-se muito vivaça.
Connor começou a ficar impaciente, mas então ela fitou-o
diretamente nos olhos. A sua própria reação surpreendeu-o. A força
da beleza da rapariga tirou-lhe a respiração. Enquanto a observara
junto ao ribeiro, sozinha, murmurando ao desatar a fita que prendia
a trança, julgara-a bonita mas não apreciara devidamente como era
linda. Não se encontrava perto nem curioso.
A mulher era um requinte. Não conseguiu desviar a vista. O poder
daquela beleza cativou-o, e subitamente percebeu que ele era igual
aos seus homens. Sentira-se furioso por ficarem tão embeiçados
com a presença feminina, mas agora, admitia, sentia o mesmo.
Como é que lhe passara ao lado tanta perfeição? Aquela pele
imaculada; aqueles olhos com um tom de azul límpido e reluzente,
aquela boca carnuda, cor-de-rosa, evocando todos os prazeres
eróticos que podia dar. Mal se apercebeu do que lhe estava a
acontecer, desviou o olhar para a testa da rapariga, recuperando
assim a sua concentração.
Demorou um pouco a lembrar-se de respirar. A sua disciplina
ajudou-o, e mesmo sabendo que ela seria um perigo irresistível para
a sua paz de espírito, ficou muito contente com a sua presença. A
rapariga era magra, o que representava outro ferrão no insulto ao
porco do MacNare. As mulheres lindas eram difíceis de encontrar na
Inglaterra, segundo constava, e este tesouro raro caíra-lhe no colo.
A conquista foi tão fácil que lhe deu raiva. Nenhum dos soldados
oferecera a mínima resistência. Nem teve de cerrar o punho,
limitando-se a entrar no acampamento e ordenar aos soldados que
se ajoelhassem, e por tudo o que é santo, assim o fizeram. Mansos
como cordeiros, e igualmente cobardes. Alguns dos mais fracos até
se tinham despojado das armas.
Só um soldado fizera uma tentativa, mas com pouca convicção, de
alertar a senhora. Connor ouvira o berro enquanto vigiava Lady
Brenna junto ao ribeiro para garantir que nenhum mal lhe acontecia,
mas um dos seus homens – Quinlan, sem dúvida – silenciara-o.
Lady Brenna também notara o ruído e nesse preciso instante largara
fita e tecido, regressando apressada para o acampamento. Intrigada
a início, mas depois a outra inglesa apanhou-a e encheu-lhe a
cabeça com histórias sobre demónios. E continuar após este ponto
requereu verdadeira coragem à rapariga.
Julgaria que avançava em direção à morte, pensou ele. Assim o
indicava a expressão fatídica. Uma vida em troca de doze. Foram as
suas palavras? Connor ficara perplexo com tal comportamento. Não
era a filha de Haynesworth? E, contudo, em nada se parecia com os
ingleses do seu passado. Em todos os seus anos de batalhas,
jamais presenciaram ato de coragem por parte de ingleses...
…até hoje. Ocorreu-lhe que podia apontar-lhe este facto notável
mas mudou de ideias. Não lhe pareceu boa ideia abrir a boca, para
já. Para que prestasse atenção, a mulher não podia sentir medo
dele. Sim, era preferível ficar calado.
Uniu as mãos atrás das costas e aguardou com paciência que ela
se recompusesse. Será que ainda o considerava um demónio?
Aquele olhar sugeria que sim, e teve de controlar-se com força para
evitar um sorriso ante a ideia absurda.
Havia de se habituar à presença dele, um dia. Raio, até queria
levá-la para a cama naquela mesma noite, mas não denunciaria a
intenção. Tornar-se-ia sua esposa, ainda que demorasse uma
eternidade até obter a concordância de Brenna diante do padre. Era
capaz de aguardar até ao final do dia que ela se acalmasse e lhe
desse ouvidos.
Brenna tentara disfarçar o medo e pensara ter conseguido, até
àquele instante. Enquanto demónio, não percebia se ele era dos
bonitos ou dos feios, com a cara tingida de azul. É certo que já
reparara nos olhos, mas apenas por causa do negrume que ali
encontrava, a sensação de amizade e paz de um punho em pleno
voo na sua direção. A estrutura óssea parecia estar intacta. Tinha
um nariz direito, maçãs do rosto vincadas e uma boca de traços
duros. O cabelo era bastante comprido, quase lhe dava pelos
ombros e tinha a cor da noite. Estranhamente, com aspeto limpo.
Brenna não fazia ideia de quanto tempo o observou, e não sentiu
nenhum movimento, mas subitamente a mão dele cobria a dela.
Estupidamente, olhou para baixo, enquanto ele lhe puxava a mão
atrás das costas e retirava o punhal dos dedos.
Presumiu que o homem guardaria a arma, ou se livraria dela para
mostrar a sua evidente superioridade física, mas ficou atónita
quando ele repôs a arma na bainha de couro atada ao cinto
enfeitado que lhe envolvia as ancas.
– Obrigada – soltou sem pensar.
Mas que raios se passava consigo? Porque lhe agradecera? Ele
amedrontava-a. Não lhe devia ralhar por causa do terror causado?
Santo Deus, era louca, querer repreendê-lo. Seria lá capaz de
berrar com ele, se perdera a voz? Além disso, o pequeno punhal
não teria causado nenhum mal ao gigante, e talvez por isso ele lhe
permitira mantê-lo. Transmitia tamanha força que possivelmente
nem procuraria esquivar-se se ela tentasse apunhalá-lo.
Por outro lado, o gigante nem era um deus nem um demónio.
Apenas um homem, muito primitivo e assustador. Qualquer pessoa
com um mínimo de juízo sabia que as mulheres eram mais espertas
que os homens. A mãe partilhara esta singela sabedoria com as
filhas repetidamente, embora nunca na presença do marido. Era
sempre sincera – e às vezes, em demasia. Também bondosa e
portanto nunca diria nada capaz de ferir os sentimentos masculinos.
Brenna não pretendia seguir o exemplo da mãe. Tentaria ser
bondosa mas não inteiramente sincera. Não se escaparia daquele
sarilho dizendo a verdade.
– Não me lembro de si.
Ele encolheu os ombros. Obviamente não lhe importava saber se
ela se lembrava dele, ou não.
– Talvez haja aqui um equívoco – recomeçou Brenna. – Não
esperava que respondesse ao meu pedido – a voz dela parecia
mais forte. – Era uma menina. Não deves ter pensado no meu
pedido, durante todos estes anos – o homem não tinha nada melhor
em que pensar. – Os teus homens estavam a meter-se comigo, não
era?
Ele abanou a cabeça. A garganta dela começou a doer-lhe,
tamanha era a vontade de berrar-lhe. Pelos vistos, era tão maluco
como os seus seguidores, mas menos falador.
Seria capaz de convencê-lo?
O pai até a mataria se descobrisse que ela tinha feito um pedido
de casamento. Pensamento que a deixou consternada durante uns
segundos, até perceber que era ridículo. O papá teria de colocar-se
na fila para a repreender, atrás do guerreiro calado como uma pedra
e dos seus seguidores… e de MacNare. Santo Deus, ela esquecera-
se dele. MacNare ficaria furioso ao descobrir a ousadia da noiva
prometida.
Brenna só via uma forma de se escapar a esta situação. Fazer o
bárbaro entender.
– Tenho de partir. O Senhor MacNare não entenderá se me
atrasar. Enviará uma escolta à minha procura. Não quero que
tenham problemas por causa de um mal-entendido.
O guerreiro subitamente esticou a mão e agarrou-a. As grandes
mãos apanharam-lhe os ombros num aperto firme, uma mensagem
calada, supôs ela, dizendo que não ia a partir alguma até ele decidir
soltá-la. Mas não pretendia magoá-la e, aliás, mostrou-se
extremamente gentil.
Ela lançou-lhe um olhar carrancudo, sem entender que loucura era
aquela.
– O vosso aparecimento não tem nada a ver com o pedido de
casamento que enviei, pois não? Há outro motivo.
Nada. Nem uma palavra nem um aceno, nem sequer um
pestanejar. Dirigia-se a uma árvore?
Sentia o rubor invadir-lhe as faces, fruto da frustração, e soltou um
suspiro muito alto, impróprio de uma dama, demasiado parecido
com um resmungo.
– Muito bem, vamos assumir que a sua presença se deve às
minhas propostas. Como expliquei há um minuto, não me recordo
de o ter conhecido. Uma das minhas irmãs estava a par desta minha
tolice. Disse-me que me preocupava demais com a eventualidade
de não encontrar marido, pois certamente que não entendia naquela
idade qual a função de um marido e, portanto, para acabar de vez
com a minha cisma, a Joan indicou-me o que havia de fazer. Claro
que nunca imaginou que eu fosse avante; agora que penso nisso,
culpo o meu pai por me ter dito que eu jamais encontraria um
homem capaz de aturar o meu feitio, e também culpa sua, Senhor,
por ter sorrido para mim. Não me lembro do que aconteceu no
nosso encontro; só do seu sorriso. Jamais me esquecerei. Em
Inglaterra, entende, as senhoras decentes não pedem os
cavalheiros em casamento. Isso nunca se faz – acrescentou quase
num berro. – Juro por Deus que não tenho forças suficientes se me
obrigar a repetir esta explicação.
– O que disse ao mensageiro, minha senhora? Lembra-se das
exatas palavras que colocou na sua última proposta? – ela
reconheceu a voz de Quinlan atrás de si.
Como é que raios ela conseguiria recordar? Mas ninguém a
escutava?
Não conseguiu virar-se para Quinlan pois ainda se encontrava
agarrada pelo homenzarrão, e este não parecia disposto a largá-la.
– Devo ter dito: «Queres casar comigo?»
Connor sorriu. Puxou-a para si, baixou a cabeça e beijou-a
demoradamente, a ponto de atordoá-la.
E então ergueu a cabeça, fitou-a nos olhos e finalmente disse:
– Sim, Brenna. Casarei contigo.
Capítulo 3

O homem era obviamente louco. Queria à força casar com ela. Por
sua vez, a opinião de Brenna a esse respeito em nada lhe
interessava. Só Deus sabe que ela se valeu de tudo, exceto de
ataques físicos, para lhe incutir alguma sensatez. Argumentou,
suplicou, rezou.
Mas em vão. Teve assim de recorrer a medidas impróprias para
uma senhora. Pisou-lhe o pé com força para sublinhar a sua
mensagem. Ele nem sequer reagiu. Brenna dobrou-se com a dor
lancinante que lhe subiu do peito do próprio pé, e teve de apoiar-se
ao braço dele para não cair no chão, o que seria uma completa
desgraça. Felizmente, conseguiu em poucos minutos recuperar os
tristes farrapos de dignidade que lhe restavam, e soltou-o. Depois
retomou o discurso. A bem dizer, estava bastante orgulhosa de si
mesma. Nunca ergueu a voz, enquanto listava pelo menos uma
centena de motivos válidos contra o casamento deles. Mais valia
discutir com o vento. O bárbaro não se mostrou minimamente
demovido. Nem parecia respirar. Limitou-se a ouvi-la com os braços
cruzados no peito e uma expressão a indicar que-grande-tédio, e
quando ela esgotou as consequências que ele sofreria como
resultado daquela insanidade, ele pegou-lhe na mão calmamente e
começou a arrastá-la consigo em direção aos cavalos.
Pela raiva dos santinhos, ela tinha de sair desta trapalhada.
Procurou tecer um plano, e, como é óbvio, suplicando
continuamente a Deus que lhe valesse. As suas preces e ideias
foram interrompidas pela chamada de Quinlan.
– Que se passa?
Quinlan apontou para os soldados ingleses.
O homem das Terras Altas não hesitou sequer. Não parou, limitou-
se a soltar a ordem obscena por cima do ombro.
– Mata-os.
– Não – berrou ela numa voz abalada pelo terror.
Ele ficou estupefacto com aquela reação.
– Não?
– Não – pediu ela novamente.
– Porque não?
Santo Deus, que tipo de homem faria tal pergunta?
Mas conquistara finalmente a atenção dele. Connor virou-se para
ela e esperou com ar paciente pela resposta.
Ela reparou que ele não lhe largara a mão.
– Estão indefesos – começou ela. – Tiraram-lhes as armas.
– Não. Não lhes tirámos as armas. Eles despojaram-se delas
quando entrámos no acampamento. Diz-me por que razão os
deixaria vivos – pediu ele num tom de voz que, dadas as
circunstâncias, era bastante afável. – Qual é o principal dever
deles? O único dever? O dever sagrado?
Ela notou a irritação crescente naquela voz, que endurecia a cada
pergunta. Ao mesmo tempo, apertou-lhe os dedos com força,
causando dor.
– O principal dever deles é defender.
Ele suavizou o aperto.
– E quem defendem eles? – perguntou.
– Antes de mais, o rei, e a seguir o barão a quem juraram
lealdade.
– E? – continuou ele.
Ela percebeu finalmente – demasiado tarde – aonde queria ele
chegar. Santo Deus, não iria encontrar uma forma rápida de mudar
o rumo das coisas.
– A mim.
– E defenderam?
– Se defenderam ou não, isso não é da sua conta.
– Claro que é – corrigiu ele. – Estes homens não têm honra, e
merecem morrer.
– Uma decisão que não lhe compete tomar.
– Claro que compete – respondeu ele. – Serás a minha esposa.
– Na sua opinião.
– Na minha certeza – retorquiu ele, a voz tão dura como granizo. –
Não posso permitir que estes cobardes vivam.
– Há mais um motivo para não os matar – gaguejou. Por favor,
meu Deus, ajudai-me a encontrar esse motivo. Ela baixou a cabeça
e fitou o chão, enquanto tentava encontrar um argumento inteligente
para o persuadir.
– Estou à espera.
Tal como ela, mas Deus aparentemente não queria ajudar.
– Não compreenderá – sussurrou ela.
– Não compreenderei, o quê?
– Se matar os soldados do meu pai, não poderei casar consigo.
– Ai, não?
Parecia estar divertido. Ela quis perceber se ele sorria, mas, para
seu agrado, estava errada, pois mantinha o ar sério e mau.
– Sim, é verdade. Disse-lhe que não compreenderá. Se não fosse
bárbaro…
– Não sou bárbaro.
Ela não acreditou nele. O homem estava coberto de tinta. Só os
pagãos é que seguiam aqueles rituais tão ímpios.
Connor já perdera demasiado tempo a discutir o assunto. Fitou
Quinlan, tencionando indicar-lhe que libertasse os soldados. Não
devido aos fracos protestos da rapariga. Não, foi o medo que
despertou nela a razão de mudar de ideias. Havia sempre uso para
o medo, em particular quando residia no coração dos inimigos, mas
uma mulher não devia temer o marido.
Ela não lhe deu tempo para se mostrar magnânimo.
– Espere – berrou. – Para si, é importante casar comigo?
Ele encolheu os ombros. Ela traduziu o gesto rude como um sim,
é importante.
– E não quer explicar porquê?
– Não sou obrigado a explicar-te seja o que for.
– Mas pode ser sensato que eu explique as minhas intenções –
respondeu ela. – E depois creio que compreenderá. Se não é
bárbaro, como pensa concretizar o casamento? Vai simplesmente
anunciar à sua família e amigos que agora tem uma esposa? Ou
haverá uma cerimónia com um padre para ouvir os nossos votos e
abençoar a nossa união?
– Haverá um padre.
Ela franziu a testa.
– Um padre aceite pela igreja?
Foi quando ele sorriu. Não conseguiu evitar. Céus, ela era muito
desconfiada.
– Um padre aceite pela igreja – prometeu ele.
A rapariga viu imediatamente uma forma de vencer. Soltou uma
rápida prece de agradecimento a Deus pela ajuda, prometeu que
depois se ajoelharia a pedir o Seu perdão por não ter acreditado que
Ele ouviria as suas súplicas e disse:
– Como é que tenciona fazer-me dizer os votos diante desse servo
de Deus?
– Irás fazê-lo.
– Irei?
Já o tinha apanhado. Brenna não fazia ideia de como era
importante que concordasse com o casamento. As posturas do
padre ou de Brenna durante a cerimónia não o preocupavam, pois
podia ser intimidante quando preciso. Foi Alec Kincaid quem o
travou. Connor já pisava terreno incerto com o irmão, e se Brenna
contasse a Alec que casara contrariada, a reação não seria
agradável. Claro que o assunto se resolveria, mas se Alec decidisse
entregá-la ao porco do MacNare, Connor seria obrigado a enfrentá-
lo.
A rapariga ficou contente ao ver que ele perdia o sorriso.
– Já compreende – disse ela. – Agradecia que deixasse os
soldados partirem ilesos. Que voltem para o meu pai ou sigam para
o Senhor MacNare.
A mulher ingénua pensava realmente que lhes salvava as vidas.
Connor não tinha dúvidas: MacNare torturaria os homens antes de
se desfazer deles, e o pai dela, mesmo se não aplicasse um castigo
tão cruel, decerto que também os mataria pela desonra causada.
– E se eu aceitar esta difícil troca? – perguntou Connor, tentando
não mostrar o seu contentamento. – Aceitarás casar comigo? Quero
tanto o teu acordo como a aceitação.
– Qual é a diferença?
– O tempo há de mostrar-te – disse ele.
– Espera que eu me comprometa com algo que desconheço?
– Esperas que deixe doze cobardes vivos quando envenenam o ar
que respiro?
Ele franzira a testa, o que podia indicar uma mudança de ideias.
Ela decidiu não arriscar a sorte. Não acabara de obter uma vitória
importante?
Embora sem qualquer vontade de celebrar.
– Concordo e aceito.
– Tens um bom coração.
Ela ficou atónita com aquele elogio.
– Obrigada.
– Não foi elogio – retorquiu ele. – É uma fraqueza, e quero que a
deixes de ter.
Ele deixou-a sem fala. Como poderia ela discutir com tais
opiniões?
Os seguidores dele eram tão estranhos como o chefe. Ficaram
visivelmente desiludidos com a ordem de libertação dos soldados.
Amuaram como bebés. Conduzida pelo líder, Brenna encarou
abertamente os homens das Terras Altas. Quinlan teve o desplante
de retribuir com um sorriso.
O homem que ela prometera aceitar não voltou a manifestar-se
até terem ganho distância do grupo.
– Brenna?
– Sim.
– Não serei sempre simpático como agora fui.
Ela percebeu que ele falava a sério, e ainda assim, apeteceu-lhe
chorar de riso. Era um sinal de que perdia o controlo, e portanto,
obrigou-se a continuar calma. Precisava de ter as ideias claras para
descobrir uma forma de fugir a este pesadelo.
Oh, meu Deus, em que se viera meter?
Raios partam, isto, não era culpa sua. Ela sabia que não, embora
duvidasse que as pessoas da sua família entendessem, em
particular o pai. Quando atravessou a porta, a caminho de MacNare,
não tinha ameaçado agir de forma insensata? O papá decerto
acreditaria que este acontecimento fora intencional.
– Se o meu pai me culpar deste casamento, vai ter de explicar-lhe
tudo bem explicado. Eu não planeei isto, e preciso que confirme.
Prometa-me.
Ele não respondeu, embora ela soubesse que ele a tinha ouvido,
pelo que levantou a voz desavergonhadamente.
– Prometa-me – pediu mais uma vez.
Ele ergueu-a do chão e pousou-a sobre o cavalo dela. Embora
fosse um gesto atencioso, ela não agradeceu.
Brenna agarrou-lhe a mão quando ele lhe soltou a cintura.
– Prometes-me? – pediu mais uma vez.
– É pouco provável que voltes a ver a tua família. Essa tua
preocupação é tola – uma resposta bastante razoável, na opinião
dele.
Na opinião dela, uma resposta deliberadamente cruel. Os olhos
encheram-se de lágrimas perante a mera possibilidade de não voltar
a ver a família.
Afastou-lhe a mão.
– Claro que os verei novamente. Não podes esperar que eu… A
tua mãe não te ensinou que é rude virares as costas enquanto a
pessoa não acabar de falar?
Connor nem acreditava nos seus ouvidos. Ela criticara-o. Ninguém
jamais se dirigira a ele com tanto desprezo, e uma mulher que
falasse assim com ele encontrava-se simplesmente além da sua
compreensão
A sério, não sabia como havia de reagir. Se fosse um homem, a
resposta seria inequívoca e óbvia, mas Brenna não era um homem,
o que complicava o seu dilema. Ela não era realmente como as
outras mulheres. A maioria evitava-o, e as mais corajosas
mantinham-se de cabeça baixa e postura humilde na sua presença.
E mesmo a sua reação a Brenna era desconcertante. Apetecia-lhe
sorrir, mesmo diante do ar carrancudo dela. A bem dizer, constituía
uma alternativa refrescante a todas as outras. Connor imaginava
que ela jamais se curvaria perante ele, e embora aquele
comportamento bizarro fosse divertido, seria um erro deixá-la crer
que tanta rebeldia não tinha um custo – um erro ou, no melhor dos
casos, um começo frágil. Ele seria o Senhor dela, e a rapariga tinha
de entender o verdadeiro sentido do termo. O apreço surgiria
depois.
Decidiu ser compreensivo, pousou a mão na perna dela com um
aperto gentil e fitou-a nos olhos.
– Ainda não compreendes, e por esse motivo serei paciente
contigo.
– Em que medida não compreendo?
– A tua posição no meu lar. Em breve saberás dar valor à grande
honra que te conferi ao casar contigo.
Os olhos dela assumiram um azul violeta profundo. Céus, era
mesmo bonita quando se zangava.
– Saberei? – perguntou ela.
– Saberás.
Ela pousou a mão sobre a dele e começou a apertar. Sem
qualquer gentileza.
– Talvez possas conferir esta grande honra a quem já sabe –
sugeriu ela.
Ele ignorou o comentário e prosseguiu:
– Até aprenderes a apreciar a oferta que te dei, espero que
manifestes as tuas opiniões só quando te pedirem. Não tolero
pessoas insolentes. Promete.
Ela nem ficou impressionada nem intimidada pelas suas
instruções bruscas. Uma mulher tem os limites, e ela atingira o seu.
Certamente, havia de despertar a qualquer momento daquele
pesadelo.
– Nunca vou poder manifestar as minhas opiniões? – perguntou
ela.
– Quando aqueles que me seguem estiverem presentes, não –
explicou ele. – Assim que estivermos a sós, poderás agir como bem
entenderes.
– Quero voltar para casa.
– Isso não é possível.
Ela suspirou. Voltar para casa implicava enfrentar o pai, e até
alguém lhe explicar o que acontecera, sinceramente não tinha
vontade de o ver.
– Prometo, mal tu prometas que explicarás a situação ao meu pai.
– Jamais me vergarei a ti.
– Nem eu a ti.
Ele ignorou o comentário chocante.
– Contudo, porque tens evidentemente medo de mim e temes pelo
teu futuro, decidi conceder-te uma exceção. Se eu um dia encontrar
o teu pai, hei de explicar-lhe o que aconteceu.
Ela queria mais clareza na promessa.
– Mas não contarás que te pedi em casamento várias vezes.
Mesmo tendo acontecido quando era criança, não sei se o pai
aprovaria.
– Não hei de referir esses pedidos.
O sorriso dela era radiante.
– Obrigada.
Ele fez questão de olhar para a mão que ela pousara na sua.
Grata, começara a fazer-lhe festas.
Não resistiu a brincar com ela.
– Não é adequado da tua parte mostrares afeto diante dos
soldados ingleses.
Ela recolheu a mão.
– Não era afeto.
– Era sim.
Ele gostava de ter a última palavra. Brenna viu-o afastar-se a
sorrir. O homem tinha mesmo um sentido de humor deturpado. Seria
toda a gente das Terras Altas assim tão estranha? Ela desejou
ardentemente que não. Como havia ela de lidar com pessoas tão
peculiares?
Santo Deus, já começara a imaginar um futuro ao lado do bárbaro.
O que se passava consigo? Tinha de encontrar uma forma de se
livrar dele e não de conceber numa vida conjunta.
Ficou intrigada com a sua reação ao homem: alívio e um genuíno
apreço, quando ele prometeu que falaria com o seu pai. Afinal, não
tinha motivo algum para confiar na palavra dele.
Só havia um motivo possível para aquele estranho comportamento
seu, pensou ela. Endoidecera.
– Estava maluca como a Beatrice… Santo Deus, a Beatrice…
Esquecera-se da aia. A pobre mulher estaria escondida algures na
vegetação, apavorada.
Brenna desmontou e acorreu para os soldados do pai. Já estavam
de pé a guardarem as armas em silêncio. Nenhum deles quis
encará-la quando se dirigiu a eles, e portanto, aproximou-se ainda
mais.
Quinlan intercetou-a, surgindo diante dela. Não lhe tocou, só lhe
bloqueou o caminho para ela não poder avançar. Os seus
companheiros também se tinham adiantado e formavam uma
barreira entre ela e os soldados.
Se não conhecesse a situação, quase diria que tentavam protegê-
la da sua própria escolta. Contudo, a ideia era demasiado ridícula, e
decidiu que representava mera rudeza.
– Quero falar com os soldados do meu pai.
Quinlan abanou a cabeça.
– O Senhor Connor não gostaria que isso acontecesse.
Mas não é o meu senhor, pois sou inglesa, por amor de Deus e do
rei. Mas não conseguiria levar a sua avante se o contrariasse.
Precisava de cooperação e não de irritação.
– Duvido que o seu Senhor se importe minimamente – disse ela. –
Não demorarei mais do que um minuto. Prometo.
Quinlan cedeu, mas com relutância. Desviou-se para o lado, uniu
as mãos atrás das costas e disse:
– Fale com eles sem sair do lugar.
Ela não perdeu tempo.
– Harold, por favor não te esqueças da Beatrice. Escondeu-se
junto ao ribeiro. Agradecia que a levasses para casa.
Apesar de Harold não a encarar nos olhos, indicou que tinha
ouvido.
– Podem dizer aos meus pais para não ficarem preocupados?
Harold murmurou algo em surdina que ela não conseguiu
perceber. Brenna tentou aproximar-se para conseguir ouvir o
sussurro mas Quinlan esticou o braço e impediu-a.
Ela lançou ao guerreiro das Terras Altas um intenso franzir de
cenho para o informar do que pensava sobre aquele comportamento
mal educado e virou-se novamente para Harold.
– O que disseste? – perguntou ela. – Não te consegui ouvir.
O soldado finalmente encarou-a.
– O teu pai vai entrar em guerra por causa desta atrocidade,
minha senhora. Foi o que eu disse.
Era como se o coração lhe tivesse caído aos pés.
– Não, não, ele não pode entrar em guerra por minha causa. Fá-lo
entender, Harold.
Ela calou-se quando escutou o pânico na voz, respirou fundo e
sussurrou:
– Não quero que ninguém lute por minha causa. Diz ao meu pai
que eu quis este casamento. Pedi ao guerreiro das Terras Altas para
me vir buscar.
– Queria casar com o MacNare? – perguntou Harold, sem
entender.
– Não, não, eu nunca quis o MacNare. Eu quis...
Santo Deus, ela sentia-se tão perturbada que nem se recordava
do nome do guerreiro.
– Eu queria...
Lançou a Quinlan um olhar frenético.
– Como se chama o vosso Senhor? – murmurou.
– Connor MacAlister.
– MacAlister – complementou em voz alta. – Queria o MacAlister.
Lembra ao meu pai que ele conheceu o meu futuro marido há
imenso tempo.
– Chegou a hora de partir, minha senhora – aconselhou Quinlan,
tendo visto Connor a observá-los do fundo da clareira.
O Senhor não estava muito contente com a situação.
– Um último pedido – suplicou ela.
Não deu tempo a Quinlan para discussões.
– Harold, diz ao meu pai que não me procure, mas que celebre a
minha…
– A sua, quê, minha senhora?
Ela mal conseguiu proferir as palavras sem se comover.
– A minha felicidade.
Correu para o cavalo e já assentara na sela quando Connor a
alcançou. Ele cavalgava um grande garanhão negro com ar tão
feroz como o dono.
Ela cometeu o erro de olhar para o homem e imediatamente
largou as rédeas, reagindo à raiva que encontrou naquele olhar.
Baixou imediatamente a cabeça e fingiu estar muito ocupada a
acomodar-se em cima do cavalo, de modo a esconder que tentava
apenas escudar-se do seu estado de espírito.
Ele não admitia que o ignorassem. Quereria ela realmente fazê-lo
crer que o protegia da ira do pai? O pensamento era tão insultuoso
quanto risível.
Obrigou-se a ficar calado até sentir a perna de Brenna contra a
sua, e depois exigiu-lhe a total atenção, pegando-lhe no queixo e
obrigando-a a encará-lo.
– Porquê?
Ela entendeu de imediato e nem tentou fingir o contrário.
– A guerra significa a morte – respondeu ela.
Ele encolheu os ombros.
– Para alguns homens, sim – concordou.
– Até a morte de um único homem seria um custo demasiado –
explicou ela. – Não quero que lutem por minha causa. O pai tem um
grande exército, mas sofreria um incómodo enorme vir atrás de
mim. Insistiria em liderar os soldados e eu ficaria preocupada com a
possibilidade de que o pudesses…
– Pudesse o quê?
– Matar.
Connor acalmou-se. Brenna desejou ter força suficiente para o
empurrar de cima do cavalo. Que homem orgulhoso e arrogante!
Percebendo estas duas fraquezas naquela personalidade, Brenna
usara-as em seu beneficio, convencendo-o que acreditava na sua
superioridade bélica. Sim, fisicamente era superior – por ser mais
novo, avantajado e nitidamente forte –, mas o pai compensaria
estas diferenças com uma maior quantidade de soldados. Seria uma
chacina, e Connor MacAlister provavelmente acabaria no fundo da
pilha dos feridos.
Então, porque teria mentido a Harold? Não sabia. Selara o seu
destino com o pai, pois mal o vassalo lhe entregasse a mensagem,
ele perderia as estribeiras. Não teria uma atitude nada razoável nem
lhe ocorreria que ela não conseguiria ter planeado uma artimanha
daquelas – quer pela falta de vontade quer pela falta de tempo.
O papá iria culpá-la, virar-lhe as costas e deixar de considerá-la
como filha. Mesmo que a odiasse, continuaria vivo. E ninguém teria
de morrer.
– Não irei incomodar o meu pai. Mas, pensando bem, o que eu
quero não tem importância. O Senhor MacNare enviará uma escolta
à minha procura e acredito que os homens dele acabarão contigo.
Devem estar a aparecer.
– Não, não virão à tua procura.
Ele mostrou-se terrivelmente convicto. Contrariá-lo representava
demasiado esforço, e ela sentia-se simplesmente desgastada para
se preocupar. As saudades da família eram tão intensas que mal
evitou desfazer-se em lágrimas.
Infelizmente, teria demasiado tempo para sentir pena de si
mesma. Abandonaram a clareira um minuto depois e ninguém
voltou a falar com ela até ao fim do dia. Viajou entalada entre dois
guerreiros de rosto empedernido que nem sequer lhe lançaram um
olhar. Gilly, a sua égua de temperamento manso, apreciava tanto
aquela proximidade quanto ela.
Não via Connor em parte alguma. Adiantara-se ao resto do grupo
há mais de uma hora e ainda não regressara.
Conversar teria quebrado a monotonia mas ninguém parecia
disposto a dar-lhe resposta. Observando-os demoradamente,
percebeu que se encontravam totalmente embrenhados na sua
proteção, perscrutando incessantemente a floresta contra possíveis
ameaças.
Embora fosse estranho admiti-lo, ela sentia-se reconfortada com
tanta vigilância. O traseiro doía-lhe do tempo passado sobre a égua,
e tentou seguir o conselho da mãe, oferecendo ao paraíso o seu
mal-estar, em nome das pobres almas penadas e confinadas ao
inferno. Não entendia de que modo a sua dor as ajudaria a
encontrarem o caminho, mas regras não se discutem, pelo que
tentava segui-las.
Sim, podia aguentar aquele desconforto. Penitenciar-se por
pecados cometidos faria bem à sua alma. Mas Gilly não tinha de
sofrer também. A égua começou a abrandar o passo quando
subiram os montes íngremes. O cavalo não fora nem criado nem
treinado para uma viagem vigorosa. O coitado estava exausto, ao
ser puxado além dos limites.
Brenna não percebeu a quem devia pedir para pararem. Connor
teria obviamente sido a primeira escolha mas não se encontrava
presente e para ser ouvida, precisaria de berrar a exigência.
Não seria boa ideia gritar naquele momento. As expressões sérias
e a tensão visível nos soldados indicavam que estavam em território
hostil. Começou a questionar-se se Connor teria algum amigo.
Depois de pensar no assunto durante vários minutos, chegou à
conclusão que não. Culpa dele e só dele, obviamente. Connor tinha
a postura jovial de um urso ferido ao ataque.
A comparação fê-la sorrir. Depois lembrou-se da pobre Gilly.
Decidiu abordar Quinlan com este assunto e levou a mão ao braço
dele para lhe chamar a atenção.
Ele reagiu como se tivesse sido beliscado. Afastou o braço
bruscamente e virou-lhe a cara com ar carrancudo pelo incómodo.
Antes de Brenna poder murmurar o que a preocupava, ele levou a
mão à boca a indicar que não falasse. Ela apontou rapidamente
para Gilly.
O guerreiro não era cego. Terá entendido o estado abatido e
esgotado do cavalo.
Mas Quinlan não deu mostras de perceber. Limitou-se a incitar o
seu corcel num passo mais rápido e adiantou-se ao grupo. Ela viu-o
desaparecer no meio das árvores.
Contudo, continuou protegida. Mal Quinlan abandonou a posição,
outro guerreiro avançou para ocupar a mesma posição.
E prosseguiram. Ela sentia-se no limite das forças. Assumiu que
Quinlan partira em busca de Connor, mas os dois homens
demoravam imenso tempo a regressarem. Fechou os olhos por um
minuto ou dois – ou assim pensou, pois quando os abriu, encontrou
Connor ao seu lado, erguendo-a para o seu colo. Demasiado
cansada para o afastar, no último pensamento antes de adormecer
quis garantir que não se recostaria nem apoiaria nele.
Brenna acordou a babar-se sobre o homem. Enquanto dormia,
virara-se contra ele, abraçando-o pela cintura até sentir os dedos
contra a pele quente, e conseguira até aninhar-se no seu colo.
Encostara a cara à base da garganta. O calor que emanava de
Connor aqueceu-a mais do que uma dúzia de cobertores de lã. Era
maravilhoso.
E também humilhante. A boca abrira-se ao encontro da pele
masculina, e o comportamento dela era, assim, mais repugnante.
Felizmente, lembrou-se de Gilly e foi capaz de afastar o seu
embaraço. Quanto mais aguentaria o cavalo até tombar de vez?
Brenna tentou afastar-se de Connor e exigir que parassem, antes
que a égua sofresse algum mal, mas ele limitou-se a abraçá-la pela
cintura e obrigá-la a ficar quieta.
Brenna beliscou-o para lhe chamar a atenção. Ele retaliou com um
aperto de cortar a respiração, uma ordem silenciosa para se portar
bem, sem dúvida, e se ela conseguisse ver-lhe o rosto, de certeza
que encontraria um esgar. O homem não conhecia outras
expressões.
Estava equivocada. Connor sorria, divertido com tanta ousadia.
Tinha consciência que a intimidava; vira preocupação naquele olhar,
infelizmente mais do que uma vez, e no entanto ela beliscara-o. Que
mulher tão complicada. Se ela o temia, porque tentava provocá-lo?
Tinha de lhe colocar essa pergunta, um dia, quando outros temas
mais importantes não lhe ocupassem o espírito.
Ela quis desatar aos gritos como uma louca mas foi salva da
desgraça no último instante. Connor finalmente decidiu parar porque
a noite se aproximava. Ela ficou tão agradecida, que se esqueceu
da reprimenda por causa da provação incutida à coitada da Gilly. A
mansa égua precisaria de uma semana de mimos para recuperar.
Connor desmontou e depois virou-se para ajudá-la. Agarrou-a
enquanto ela deslizava pelo dorso do garanhão.
– Não usas sela.
– Nenhum de nós usa.
Ela desviou-se dele e acorreu para o cavalo. As pernas doíam-lhe,
e nem conseguia imaginar o desconforto de Gilly. Reparou que a
sua sela desaparecera, assumiu que um dos homens a retirara e
ficou grata por esse gesto de simpatia.
Connor não a autorizou a cuidar do cavalo. Atribuiu esta tarefa a
Owen, o soldado com a cicatriz no rosto e um sorriso, afinal,
encantador. Ela encheu-o de recomendações sobre os cuidados a
ter com a égua, agradeceu-lhe pela ajuda e ficou a vigiar Owen
como uma mãe preocupada, enquanto levava Gilly para um local em
que o luar não estivesse tapado pela folhagem. O cavalo cooperou,
sinal de que estava prestes a portar-se mal, pois várias vezes no
passado mordera os tratadores mais distraídos. Brenna lançou um
aviso ao rapaz e foi em busca da sua bagagem.
O vale que Connor escolhera para descansarem encontrava-se
completamente cercado por uma floresta espessa. O chão e as
árvores vibravam com tons de castanho e verde, salpicados com
flores de pétalas púrpuras despertando do sono invernal. Uma
abóbada de ramagens espessas e verdes formava um arco no alto.
Feixes de luz evanescente jorravam das árvores, providenciando
iluminação suficiente ao curto trilho até ao lago que, explicara
Quinlan, conduzia à ponta mais a sul.
Deram privacidade a Brenna para cuidar das suas necessidades.
Passados dez minutos, Connor decidiu que estivera tempo
suficiente sozinha e foi à sua procura. Encontrou-a de joelhos diante
da sacola, murmurando para si mesma enquanto revistava os seus
pertences. Várias peças de roupa enchiam o chão à sua volta.
Brenna não se embrenhava na tarefa, pois tentava encontrar um
plano para fugir. Felizmente, teria tempo, pensou, pois mal
recuperasse a presença de espírito, havia de congeminar uma
saída.
Connor esperou que ela reparasse na sua enorme figura junto a
si. Após alguns minutos, desistiu e entregou-lhe a toalha que
apanhara do chão há horas.
– Procuravas isto?
– Sim, obrigada – respondeu ela quase distraidamente. – Devo tê-
la deixado cair há coisa de um segundo ou já teria sentido a falta.
Sou muito observadora.
Ele não a corrigiu. Não lhe entregou a fita azul que ficara junto ao
ribeiro há poucas horas, pois decidira guardar, por enquanto, aquele
pertence, recordatório de que tinha uma esposa. Um pormenor tão
irrisório que certamente se esqueceria.
– Lava a cara, Brenna. Tens a boca coberta de tinta.
Ela endireitou-se tão rapidamente que quase caiu para trás.
– Não pintei a cara – ela ficou horrorizada perante a ideia. Só as
mulheres que vão para o inferno cometiam tais paganismos.
– A tinta é minha.
– Como é que fiquei com tinta…? Agora lembro-me. Logo depois
de me teres levado a pedir-te novamente em casamento, aceitaste e
beijaste-me sem autorização.
– Sim – concordou, só para a fazer andar. Na sua opinião, o leve
toque da boca contra a dela não representava um beijo, mais um
gesto simbólico.
– O padre espera-nos. Despacha-te.
Ela não podia acreditar. Endireitou-se.
– Agora? O padre aguarda agora? Para quê?
Connor ficou completamente estupefacto com aquelas perguntas.
Era como se ela tivesse perdido todo o alento.
– Está aqui para despachar o assunto – explicou.
Ela quis saber mais.
– Que assunto?
– Não me digas que já esqueceste – respondeu ele, exasperado.
– O casamento.
– Agora? – exclamou ela novamente. – Queres casar comigo
agora?
Ela passou os dedos pelo cabelo, depois começou a contorcer as
mãos, e, santo Deus, sabia que lhe gritava mas não conseguia
parar. Connor mostrava uma calma de morte. Tinha de estar louco,
para admitir a possibilidade de se casarem, ali e agora.
– Que esperavas tu?
Ela fitou aturdida e não teve resposta a dar.
– O que esperava eu? Tempo!
– Tempo para quê?
Para encontrar uma forma de sair deste pesadelo, quis gritar.
– Tempo para que tu… me leves para casa. Sim, é o que
esperava. Preciso de tempo para organizar um casamento a sério.
– Bem, poupei-te o trabalho. Agradece-me depois.
– E tempo para tu ganhares juízo – soltou ela.
– Eu sei o que estou a fazer.
Ela sentiu-se subitamente tonta e percebeu que, pela primeira vez
na vida, ia desmaiar. Virou-se e encaminhou-se para a berma do
lago, sentando-se. Cerrou os olhos e procurou tecer um plano
enquanto o mundo girava descontrolado à sua volta. Sim, precisava
de um plano. Qualquer um. Estava em pânico e a mente não
cooperava consigo. Cumprimentaria o padre, sim, claro que o
cumprimentaria, e falaria com ele, explicando que teria o maior
gosto em partilhar a refeição esta noite e desejar-lhe uma noite de
descanso. Pela manhã havia de casá-los, a ela e ao urso. Ela iria
sugerir, inclusive suplicar se fosse preciso, que aguardasse mais um
tempinho, um mês ou dois ou dez, pois o sagrado matrimónio era
uma coisa séria, bem vistas as coisas, e se Connor ainda não
tivesse percebido o seu erro, ela começaria a tratar então do vestido
de noiva.
Connor perdia rapidamente a paciência. Onde estava ela agora?
Um homem tinha limites, e tanta resistência já incomodava. Ele
decidiu tomar conta da situação, e de Brenna. Pegou num pano,
mergulhou-o na água e agachou-se diante dela. Antes de a rapariga
se poder afastar, agarrou-lhe no queixo e esfregou-lhe a cara.
Não foi nada meigo. Ela ficou com a cara vermelha, deixando-o a
pensar se ele esfregara com demasiada força ou se ela corara.
– Vamos despachar isto – ordenou.
Endireitou-a e literalmente arrastou-a consigo.
– Já percebi. Morri, correto? Morri de susto quando te vi e agora
sofro pelos meus pecados. Deus, fui assim tão mal comportada?
Connor fingiu ignorar a verborreia, mas teve de disfarçar o sorriso.
Céus, era uma mulher emocional. Mas que não chorasse. O padre
julgaria que fora obrigada a casar com ele se desatasse a chorar
durante a cerimónia. É verdade que fora obrigada mas não queria
que o padre Sinclair descobrisse. Além disso Connor não tinha
grande apreço por mulheres que passavam a vida a chorar.
Punham-no nervoso, e se lhe dessem a escolher, preferia uma
mulher zangada a uma chorona.
Brenna não tinha vontade de chorar, mas de estraçalhar alguém, e
Connor era a óbvia escolha. Mas que pensamento pecador era este
no dia do seu casamento? Por amor de Deus, tratava-se do sagrado
matrimónio.
Matrimónio. Nada do que planeara para a sua vida, em momentos
sonhados durante as aulas de costura. Pensara casar na capela do
pai, rodeada por família e amigos. Pelo contrário, só iria ter um
grupo de guerreiros mal comportados e um padre demasiado jovem
para ter concluído a sua ordenação.
O orgulho impediu-a de fazer birra.
Sentindo-se observada pelo grupo, adiantou-se para seguir ao
lado de Connor, e mal alcançaram o padre, Brenna levantou as
saias e fez uma vénia formal.
– Podemos começar? – perguntou o padre, lançando um olhar
preocupado a Connor.
– Agora? – exclamou ela.
Connor suspirou profundamente.
– Podes parar de fazer essa pergunta?
– Há algum problema em que seja agora? – perguntou o padre,
obviamente confuso. Dirigiu a pergunta a Connor e até ousou franzir
o cenho. – Devo dizer-lhe, Senhor, desagrada-me vê-lo com
pinturas de guerra nesta cerimónia sagrada. Terei de descrever o
acontecimento aos meus superiores, bem como ao Alec Kincaid. O
que devo dizer-lhes?
– O que quiser, padre. O meu irmão compreenderá.
O padre anuiu.
– Muito bem. Minha senhora, encontra-se aqui de livre vontade?
Concorda em casar com o Senhor Connor MacAlister?
Os olhares viraram-se todos para ela, que ponderava na resposta.
Ela dera a sua palavra, Deus a salve, e os soldados do pai partiram
ilesos: Connor mantivera a sua parte do acordo. Era a vez dela.
O padre não ficou preocupado com a confusão da noiva,
acostumado como estava com noivas nervosas, pois já casara um
bom número de pessoas na sua curta experiência clerical e tudo
podia acontecer.
– O padre aguarda a tua resposta, Brenna – lembrou-lhe Connor
numa voz ligeiramente ameaçadora.
– Sim, moça, aguarda – soltou Quinlan, embora deliberadamente
usasse um tom de voz calmo, esperando assim apaziguá-la.
Ela cedeu por fim ao inevitável.
– Sim, padre, obviamente, mas…
– Tem de dizer as palavras, minha senhora. A igreja exige que eu
ouça a sua confirmação que casa com Connor MacAlister de sua
livre e espontânea vontade.
– Agora?
– Brenna, juro-te que se ouvir novamente essa palavra… –
começou Connor.
Frenética, Brenna recordou por fim o plano ínfimo e miserável que
concebera.
– Padre, não fomos devidamente apresentados. Nem sequer sei o
seu nome. E devia saber, não concorda? Pensei que podíamos
partilhar a mesma mesa na próxima ceia, de modo a conhecermo-
nos melhor, e depois poderá descansar à vontade, e amanhã vamos
à sua capela, e se não tiver uma capela podemos continuar a andar
até encontrarmos uma, e aí poderia ensinar-me para estar
preparada para este sacramento jovial, e eu…
Ficou subitamente hirta.
– Pintura de guerra, padre? Disse pintura de guerra? O Connor
MacAlister usará pinturas de guerra no meu casamento?
Ela não tencionava gritar ao padre mas, a sério, a sua paciência
esgotara-se. Já não aguentava mais. Não lhe interessava quem
vivia ou morria, mesmo se fosse ela o alvo. Apenas lhe importava
um assunto. Pintura de guerra.
Lançou a sua raiva contra Connor. Estava tão furiosa com ele, que
os olhos se encheram de lágrimas.
– Não admito isso.
O padre ficou boquiaberto.
Nunca ouvira ninguém dirigir-se ao Senhor MacAlistair naquele
tom de voz a não ser, claro, Alec Kincaid – mas este falaria com
Connor conforme lhe apetecesse – e para uma amostra de mulher
mostrar tamanha hostilidade era igualmente espantoso e corajoso.
Se sobrevivesse a esta provação, tinha de recordar todas as
palavras ditas para repetir a história aos amigos.
Connor pretendeu assustá-la de morte de modo a fazê-la acalmar-
se, mas as lágrimas demoveram-no. Não compreendia por que
motivo a pintura de guerra a perturbava tanto, mas ficara
incomodada e compreendeu que a cerimónia não se realizaria
enquanto não descobrisse uma forma de a fazer cooperar.
Santo Deus, era uma chata.
– Brenna, não me levantarás a voz – tentou mostrar-se razoável.
Mau, mas também razoável.
– Não usarás pinturas de guerra no nosso casamento.
A sério, ela tinha um ar tão mau quanto ele. Ficou impressionado.
– Quero levar isto até ao fim.
Ela soltou-o e cruzou os braços.
– Aguardaremos.
– Se julgas…
– Não volto a pedir-te mais nada.
Raios, ela tinha ar de quem começaria a chorar. Não percebia que
estava prestes a ser mulher dele? Era uma honra, não uma
sentença de morte.
Mas a noiva não quis entender. Um dos dois teria de ser sensato,
e aparentemente cabia-lhe a si essa tarefa.
– Isto, para ti, é mesmo importante?
Ficou atónita por ele ter colocado aquela pergunta. O sacramento
matrimonial era um acontecimento abençoado – todas as pessoas
sabiam – e aparecer diante do padre com pinturas de guerra era um
insulto a Deus, à igreja, ao padre e a ela.
– É muito importante para mim.
– Pronto, mas é a última vez que cedo às tuas exigências –
Connor fez uma pausa, fitando os seguidores e notando que todos
eles concordavam. Depois virou-se para a noiva relutante. – Fui
claro?
– Foste, e eu agradeço imenso.
Ela teve uma súbita vontade de sorrir, mas manteve a expressão
séria até Connor se afastar. O homem soltou um som que parecia
um grunhido profundo. E então Brenna esboçou um sorriso, pois
não conseguiu evitar. Pela primeira vez desde há muito, não sentiu
receio pelo seu futuro – embora, recordou-se, já tivesse
enlouquecido e não confiava na sua lucidez. Connor cooperava, e
portanto não era um bárbaro irredutível. Mesmo sendo muito pouco
para sustentar um casamento, ela teria de aturar o homem para o
resto da sua vida e afinal, era uma mulher desesperada. Aceitaria o
que houvesse, mesmo sendo uma mera réstia de esperança.
Continuou a sorrir até se lembrar dos pagãos de cara azul que
acompanhavam o noivo.
Franziu o cenho, indignada, quando se dirigiu a eles.
– Querem assistir à cerimónia?
Ela não teve de dizer mais nada. Quinlan e os restantes fizeram-
lhe uma vénia antes de correrem atrás do Senhor.
Não se afastaram com a mesma atitude contrariada de Connor.
Inclusive, vários olharam para trás e sorriram. Como se quisessem
fazer-lhe a vontade. Ela não ousava confiar em nenhum deles,
obviamente, pelo que os seguiu, só para garantir que não mudavam
de ideias no último instante. Julgou que isto acontecera, quando os
viu alinhados na margem do lago, em amena cavaqueira.
Porque se preocupava com temas mais importantes, não lhe
ocorreu que os homens se libertariam das roupas antes de entrarem
na água. Para ser sincera, vangloriava-se da sua insignificante
vitória e nem conseguia pensar em mais nada.
Os cintos foram os primeiros a cair. Ela estacou prontamente e
fechou os olhos. Mas acabou por ainda reparar nos traseiros nus
antes de mergulharem no lago.
Seguiram-se risos. Ela não se importou, embora tivesse a certeza
que estavam cientes da sua presença e se rissem dela.
O padre surgiu nas suas costas.
– Não fomos apresentados, minha senhora. Sou o padre Kevin
Sinclair, filho de Angus Sinclair dos Neatherhills.
– Muito gosto, padre. Sou a Brenna, filha do barão Haynesworth,
que eu duvido que conheça. Venho de Inglaterra.
– Já me constara.
– A minha roupa e a minha fala denunciam-me?
– Sim, perfeitamente – concordou ele com um sorriso que era tão
encantador como o seu sotaque.
Emanava do padre carinho e bondade, e pela primeira vez desde
há muito, sentiu-se calma.
– Tenho de elogiá-la, Lady Brenna. É notável que fale tão bem a
nossa língua para uma principiante.
– Mas, padre, estudo gaélico há anos.
Horrorizado, ele atrapalhou-se a pedir desculpas.
– Mil perdões, queria elogiá-la e não insultá-la.
– Não fiquei ofendida, apenas espantada – garantiu-lhe ela.
O sorriso dele regressou.
– Apercebeu-se que, quando fica zangada, alterna entre as duas
línguas?
– Não, não me tinha apercebido. Quando notou o padre esse
comportamento peculiar?
– Quando se irritou por causa das pinturas de guerra. Também me
zanguei, mas foi passageiro. A forma como enfrentou Connor
impressionou-me… e a ele também, aposto. Não creio que ninguém
se tenha dirigido a Connor com tal paixão e fúria. Foi digno de
assistir, a sério.
– Não foi difícil. Mas indigno de uma senhora. Eu sei comportar-
me. Acontece que o meu temperamento tomou conta de mim, uma
falta que eu procuro ultrapassar. Se houvesse tempo, rogar-lhe-ia
para me ouvir em confissão antes de me casar.
– Teria todo o gosto em encontrar tempo, minha senhora.
– Há uma capela nas proximidades?
– Temos poucas capelas na terra, mas desde que não fiquemos
frente a frente durante a confissão, aplicar-se-ão as regras da
igreja.
O padre já envergava a estola destinada a receber confissões. A
faixa com borlas caía-lhe em volta dos ombros. Mal entraram na
clareira, soltou as pontas do cordão atado à cintura da sua toga
castanha e procurou um lugar condigno.
Acabou por escolher um cepo, sentou-se e indicou a Brenna que
se ajoelhasse no chão a seu lado.
A rapariga baixou a cabeça e fechou os olhos. Ele virou-se para a
clareira, fez o sinal da cruz com um gesto largo da mão e indicou-lhe
que começasse.
Ela percorreu rapidamente as suas transgressões e quando
terminou, colocou ao padre várias questões, numa tentativa de adiar
o inevitável.
– É pecado ter receio do futuro? Não conheço bem o Connor. Ele
assusta-me, padre. Estarei a ser tola?
O padre não iria admitir que Connor também o aterrorizava. Não
que tivesse vergonha da sua reação, pois era generalizada entre as
pessoas, mas devia reconfortá-la e contar-lhe a verdade só a
assustaria mais.
– Também não o conheço muito bem, mas já me contaram o
suficiente do seu historial para compreender o que fez dele um
homem tão duro. O pai morreu quando era muito novo e foi criado
pelo Alec Kincaid, que concluiu a tarefa do pai. Os dois homens
consideram-se irmãos.
– Estou certa que gostarei do irmão dele – murmurou ela,
desejando que fosse verdade.
No entanto, o padre estava certo que Alec a aterrorizaria. Sabe
Deus que o aterrorizava a ele, embora admiti-lo perante a rapariga
só prejudicaria o seu estado de espírito.
– Nunca senti necessidade de conter as minhas palavras na sua
presença nem de andar vinte passos atrás dele. A idade ensinou a
Kincaid que tem de ouvir antes de retaliar… ou assim me consta… e
por esse motivo não me intimida da mesma forma…
– Da mesma forma que o Connor?
– Lady Brenna, não queira adivinhar as minhas palavras. A reação
dos homens que me acompanhavam fez-me… imitar-lhes a cautela.
Tente lembrar-se que Deus irá protegê-la. Os planos d’Ele
costumam ser demasiado complicados para a nossa compreensão.
Tentaria confortá-la com tais comentários? Se assim fosse, porque
sentia ela tanta necessidade de chorar?
– Ficarei só, padre – murmurou ela.
– Não, Lady Brenna, não estará só. Deus estará consigo e eu
andarei perto. Fui destacado para servir o lorde Kincaid, pois o seu
confessor faleceu há três meses, e a região tem grande
necessidade dos meus serviços. Nunca estarei demasiado ocupado
para a servir, minha senhora, e se alguma vez precisar de mim, só
tem de chamar.
A promessa dele deu-lhe conforto, e ela rapidamente lhe
assegurou que ficara agradecida pela amizade e conselhos.
Connor e os seus homens observavam a uma curta distância.
Quinlan não parava quieto. Connor encostou-se a uma árvore com
os braços cruzados ao peito e uma expressão dura no rosto.
– Não me parece que terminem tão cedo – comentou Quinlan.. –
Devíamos começar a comer. Foi um dia comprido.
– Aguardaremos o tempo que for preciso. Deus sabe que a minha
paciência se esgotou. Ninguém pode ter tantos pecados. Raios, e
nem a idade lhe permite.
– Talvez esteja a confessar alguns dos teus pecados – sugeriu
Quinlan com um sorriso. – Se for assim, vamos ficar aqui um mês.
O guerreiro ficou tão contente com a sua graça, que desatou a rir.
O som valeu-lhe um franzir de cenho desaprovador do padre
Sinclair.
– Senhor, será que a sua noiva está com dúvidas? – perguntou
Owen. – Talvez tente protelar de propósito.
Quinlan revirou os olhos.
– Claro que está a protelar.
Passados outros minutos, Sinclair terminou. Preparava-se para
absolver Brenna quando ela o interrompeu.
– Posso colocar uma pergunta?
Brenna esfregava as mãos à espera da resposta. Sinclair notou o
gesto e apressou-se a acalmá-la.
– Demore o tempo que for preciso. Não tenho pressa.
– Estão a observar-nos? Estão, não estão?
– Sim, observam-nos.
– Mantive os olhos fechados como me indicou, mas sei que o
Connor está com ar de mau. É verdade?
– Ora, ele mal nos presta atenção – mentiu o padre.
Ela suspirou.
– Farei o melhor que poder. Quero ser uma boa esposa. Obrigada,
padre, pelos ensinamentos. Agradeço o tempo despendido. Já
terminei.
O padre Sinclair voltou a enfiar as pontas da estola no cinto e por
fim levantou-se. Deu meia-volta para ajudar Brenna mas não era
preciso, pois Connor já se encontrava ao lado da noiva, puxando-a
para si.
– Deseja confessar os seus pecados, Senhor?
– Não.
Fez um ar carrancudo e o padre Sinclair retraiu-se. Connor
afastou-se rapidamente com a desculpa de saudar os homens.
Connor não percebeu que respondera com modos bruscos.
Manteve-se atento a Brenna, aguardando que ela reparasse em si.
Pensou que o susto incutiria alguma consideração na mulher. Sabe
Deus que se sentiria melhor, mal cedesse à ânsia infantil, e teria
seguido com o seu intento se, naquele instante, ela não levantasse
a vista com um olhar de estarrecido espanto.
– Connor, tu não és feio.
– Sou obrigado a ouvir essas coisas?
– Não, mas eu sou obrigada a dizê-las. Não interessa. Feio ou
não, eu casaria sempre contigo. Quando faço uma promessa, é para
manter. Gostava que também prometesses algo.
– Não.
O olhar dela abriu-se de incredulidade.
– Mas ainda nem ouviste o meu pedido. Dizes que não à partida?
– O padre aguarda-nos.
Ela forçou-se a encontrar paciência, pois havia temas mais
importantes para resolver.
– Mal o padre abençoe o nosso matrimónio, podes por favor
explicar porque motivo me escolheste como esposa, e não outra
qualquer?
Ele não viu problema em satisfazer-lhe a curiosidade, embora
considerasse bizarro o interesse dela nos seus motivos.
– Sim – concordou ele. – Irás ser eternamente casmurra e
caprichosa?
– Nem sabia que o era – ela mudou rapidamente de assunto,
antes que Connor encontrasse outros motivos de crítica da sua
pessoa. – Obrigado por permitires que o padre Sinclair escutasse a
minha confissão. Nós os dois agradecemos a tua paciência.
Ele ficou espantado com a gratidão demonstrada.
– Os nossos padres são os homens mais poderosos das Terras
Altas, Brenna. Não me atreveria a interrompê-lo, por muito que
quisesse.
Ela notou que o padre lhes acenava e pousou a mão no braço de
Connor.
– O padre quer dar início à cerimónia. Estás pronto? Confesso que
me sinto nervosa – acrescentou num murmúrio.
– Não é preciso estares nervosa. Irás parar com isso a partir deste
momento.
– Irei? – perguntou, não conseguindo imaginar como realizaria tal
façanha.
– Sim, irás, porque acabarás por perceber que ficas mais bem
servida com a minha pessoa. Nenhuma mulher com dois dedos de
testa quereria casar com o porco do MacNare.
Exprimia-se como se tivesse pleno conhecimento do assunto. Ela
decidiu acreditar nele; afinal, não tinha alternativa. Embora invejasse
um pouco daquela confiança e lhe apetecesse encostar-se a ele, só
para sentir aquela força. Mas não cedeu à vontade, pois pareceria
fraca, e não se considerava nada fraca. Apenas nervosa. Só isso.
Mal percebeu que era observada pelo grupo, desenhou um sorriso
no rosto e endireitou as costas.
– Espero não estragar os meus votos. Não pensei ainda sobre o
que quero dizer-te. Perguntava-me se…
– Não, não vamos esperar. Vai correr bem.
– Mas eu…
Respondendo à preocupação que lhe encontrava na voz, ele
voltou a tranquilizá-la antes de o incómodo da rapariga aumentar.
– Isto não demora nada.
Ele julgava que ela se referia à cerimónia, pensou Brenna, e não
tentou corrigi-lo. Preocupava-se com a possibilidade de se enganar
nos votos, mas havia de dizê-los, fosse como fosse. O futuro é que
lhe dava apreensões. Era tão irrevogável. Connor era um estranho.
E daí, MacNare também era, pensou ela. Não teria iguais reservas
com ele?
Brenna manteve o olhar fixo em frente e ficou parada durante um
minuto inteiro sem falar, enquanto reponderava as implicações da
sua intenção.
No final, decidiu que teria de colocar o seu destino nas mãos de
Deus.
– Não podemos voltar atrás, Connor MacAlister.
Ele anuiu, ouvindo a convicção na voz dela e percebeu que estava
determinada.
– Pois não, Brenna, não podemos.
Ela adiantou-se de cabeça erguida e convicta.
– Espero que isto seja simples.
Seria simples. Ele acreditava que ela finalmente caíra em si e que
se tornaria numa esposa razoável.
Devia ter pensado melhor.
Capítulo 4

C om aquela mulher nada era simples. Encontravam-se


finalmente casados, mas céus, demorara uma eternidade entre
o começo da cerimónia e a bênção do padre. Apenas por causa da
noiva, obviamente. Ficara tão nitidamente aflita durante a extensa
dissertação do padre dos méritos do bendito e sagrado matrimónio,
que não foi capaz de manter-se quieta. Connor obrigou-se a manter
a cabeça fria e não mostrar traço algum de irritação ou insatisfação.
Mas ficou tonto, tal como toda a gente. Dois dos homens tiveram
de fechar os olhos para manterem o equilíbrio. Sinclair encontrava-
se na mesma situação, e tudo por que cometera o erro de seguir a
noiva com a vista.
Começou de forma muito inócua. Quando o padre orientou o casal
para se juntar na sua frente, Brenna obedeceu com entusiasmo,
ansiosa por colaborar, e Connor naturalmente assumiu que ela teria
tanta vontade quanto ele de despachar o evento.
Já devia saber.
– Meu Senhor, se os seus seguidores formassem um semicírculo
atrás de si, poderão ser testemunhas deste acontecimento alegre.
– Pronto, já está – soltou ele, mal os homens se deslocaram para
o local indicado por ele.
– Lady Brenna, pronta para começar?
– Sim, padre.
O padre sorriu.
– Estás radiante, Brenna – sussurrou. Era incapaz de deixar
passar um pequeno elogio, mas reparou de imediato nas
expressões de desagrado dos homens, lembrou-se que os
habitantes das Terras Altas não gostavam que os outros homens
lhes elogiassem as mulheres e percebeu tarde de mais que a
peculiaridade também se aplicava aos clérigos.
Apressou-se a remediar o mal cometido.
– A vossa esposa entende a sorte que teve, meu Senhor, e por
esse motivo está radiante. Quis apenas ressalvar esse facto.
Connor não entendia porque motivo o padre ficara subitamente
tão agitado. Anuiu, concordando, só para o acalmar, de modo a
prosseguir o seu dever e abençoar a união.
Padre Sinclair pigarreou, fez o sinal da cruz, e deu inicio ao
sermão sobre as responsabilidades aplicáveis a cada cônjuge
quando se tornassem verdadeiramente marido e mulher.
Brenna, a início, mostrou um ar sereno e algo tranquilo, com os
braços caídos. Connor rapidamente se fartou de ouvir o padre. Ela
devorou todas as palavras do homem. Quando começou a apoiar-se
num pé e noutro, Connor julgou que se sentiria tão aborrecida
quanto ele. Depois ela começou a contorcer as mãos, indicio visível
de que se aproximavam sarilhos.
– Lady Brenna, por favor vire-se para o seu Senhor enquanto
declara os seus votos.
Cumpriu a indicação sem hesitar, mas quando Connor a fitou,
Brenna já entrara em pânico. Perdera a cor das faces, e ele pediu a
Deus que a rapariga não desmaiasse antes de o padre terminar.
Aguardou pela vez dela, mas decorreu um longo minuto de
silêncio até decidir avançar. Não perdeu tempo a desempenhar o
seu dever, prometendo rispidamente que a protegeria e honraria.
Vários dos seus homens soltaram resmungos de aprovação.
Ele não demorou nada. Ela precisou do resto da tarde.
– É a sua vez, moça – urgiu o padre quando ela se manteve
calada. – Tem de declarar os seus votos. O facto de hesitar faz-me
crer que mudou de ideias. Foi o que aconteceu?
Ela abanou a cabeça num frenesi.
– Eu desejo casar com ele, padre. Apenas tento encontrar as
palavras certas – explicou. – É importante que acerte.
Foram as últimas palavras coerentes que proferiu durante muito,
muito tempo. Começou a andar às voltas, enquanto media
preocupada tudo o que tinha de dizer. Traçou círculos em redor do
padre, inúmeras vezes, antes de expandir o volteio e abranger todos
os presentes. Ninguém tinha dúvidas sobre o que lhe passaria pela
cabeça, pois todo o seu raciocínio confuso era anunciado em voz
alta durante o percurso. Connor percebeu que a rapariga não tinha
consciência do que fazia, e desistiu de acompanhá-la com o olhar
para não ficar tonto.
Brenna continuou a dar incessantes voltas, até o padre rodar
como um carretel para chamar a atenção dela. Ela explicou, então,
que também pretendia proteger e honrar Connor, tal como ele
prometera, mas ao contrário do homem que desposava, sentia a
necessidade de descrever pormenorizadamente ambos os votos,
embora não conseguisse concluir um único raciocínio.
Aparentemente, não se decidiria até ter ponderado todos os
detalhes. Connor nem tentou intervir. Assumiu uma postura
descontraída, cruzou os braços ao peito e fechou os olhos.
O padre julgou que o Senhor estava entediado, mas
periodicamente via surgir nele um sorriso fugaz. Sinclair percebeu
então que Connor se divertia com as palavras da noiva.
Ela parou, por fim. Connor abriu os olhos e, sinceramente,
apeteceu-lhe rir. A sua mansa noiva encontrava-se ao lado do
padre, bastante satisfeita consigo própria.
O Padre Sinclair aproveitou a oportunidade. Susteve-se no braço
dela para não tombar, mas quando a tontura passou, continuou
agarrado, não fosse a rapariga dar mais voltas.
– Já terminou, senhora? – perguntou.
– Sim, padre.
Sinclair lançou ao noivo um olhar desnorteado.
– Ela já disse os votos?
– Quer que os repita, padre? – perguntou ela.
Todos, exceto Connor, berraram que não ao mesmo tempo. Ela
sobressaltou-se com a resposta entusiástica; os olhos
esbugalharam-se e deu um passo atrás.
O padre foi o único que sentiu necessidade de se desculpar.
– Perdoe-me por lhe ter levantado a voz, minha senhora. Não sei
onde tinha a cabeça. Estou certo que o seu Senhor responderá à
minha pergunta.
Connor não lhe deu tempo para protestar. Manteve o olhar fixo no
dela enquanto resumia as promessas ouvidas.
– Ela promete honrar-me, proteger-me, obedecer-me apenas
quando considerar que agi de forma razoável (embora eu não
acredite que esse dia chegue alguma vez), tentará amar-me antes
de ficar velha, e, para meu bem, eu devo entender que só me
respeitará até que, ou a não ser que, eu cometa algum ato que
prove que não a mereço, e se isso alguma vez acontecer, Deus me
socorra. Esqueci-me de alguma coisa, Brenna?
– Não, Connor – respondeu ela. – Foste mais claro nos meus
votos do que eu própria.
O padre fez uma pausa para limpar o suor da testa, pois a
incumbência de casar aqueles dois tornara-se extenuante. Tentou
perceber como poderia abençoá-los, estando a noiva a meio metro
atrás de si e o noivo a uma boa distância na sua frente. Acabou por
desistir do dilema, agitou a mão num arco amplo e abençoou todos
os presentes.
– Declaro-vos marido e mulher – anunciou.
Aguardou pelo fim dos vivas sonoros antes de sugerir o beijo da
praxe. Perguntou-se então qual deles tomaria a iniciativa. Era a
responsabilidade da noiva colocar-se ao lado do marido,
obviamente, mas ela continuava com um ar perdido, e o padre
duvidou que tivesse noção de qual o seu dever.
Mas ela surpreendeu-o. Pareceu recuperar a compostura e dirigiu-
se veloz para Connor.
O padre sentiu-se tão aliviado pelo fim da provação, e pelo facto
de Connor não se ter zangado e ferido os sentimentos da doce
moça, que lançou uma segunda bênção aos dois.
Connor debruçou-se para beijar devidamente a esposa,
agarrando-a pela cintura para que não fugisse.
Brenna não resistiu. Pelo contrário, envolveu-lhe o pescoço com
os braços e foi ao seu encontro. A expressão dele fê-la imaginar
anjos a sorrir, pois transbordava alegria. E ela, sentir-se-ia feliz
também? Connor fitou-lhe os olhos enquanto procurava descortinar
esta reviravolta dramática.
Ela preparava-se para lhe recordar o seu dever quando ele a
beijou. Brenna sentiu o calor daquela boca pousada na sua durante
meros segundos, antes de ele levantar a cabeça e anunciar aos
homens que podiam começar a comer.
O beijo foi suficientemente bom para ela querer outro, e uma vez
que Connor não a largara, julgou que ele corresponderia.
Mas estava equivocada. Ele prestou-lhe plena atenção por outro
motivo.
– Agora vai ser muito simples. Certo, Brenna?
Embora não entendesse exatamente o que ele perguntava,
concordou só para o fazer feliz.
– Certo. Vou ser uma boa esposa, Connor.
Ele não parecia convencido, mas ela não se sentiu ofendida. Com
o tempo, ele havia de perceber que tivera sorte em encontrar uma
mulher como ela.
– Acabaram-se as complicações, estou certo?
– Acabaram-se – concordou ela. – Tentarás ser um bom marido?
Ele encolheu os ombros em resposta. Ela decidiu interpretar o
gesto como sendo afirmativo, e agradeceu-lhe deliberadamente,
para que ele percebesse que concordara.
– E o que se faz agora? – perguntou ela.
– Tens fome?
– Sim.
– Então comamos.
Largou-a, por fim. Ela agradeceu ao padre e convidou-o para a
ceia. Este, escusou-se com a explicação que, dado o brilho intenso
da lua, era seu dever voltar para casa e passar lá a noite.
Ela tentou não deixar transparecer que se sentia como que
abandonada por um velho amigo. Susteve o sorriso, agradeceu-lhe
novamente e não saiu do seu lugar até ele partir.
Connor não se afastou dela. A rapariga virou-se para ele, só então
percebendo que lhe dera a mão. Libertou-a imediatamente,
seguindo atrás dele pela clareira.
Os homens dele não tinham esperado por eles. Lá se ia a
festança da boda, pensou ela. Os das Terras Altas nem sequer
comiam sentados, mas riam e conversavam e iam comendo
reunidos à volta de um pedregulho. Um deles pousara a comida
num pano grosseiro em cima da rocha.
Era uma cena deplorável, a bem dizer. Logo que a rapariga se
juntou a eles, tombou um silêncio espesso. Nenhum dos homens a
fitava diretamente, o que só contribuía para a sua atrapalhação.
Sentia-se como uma leprosa. Quem lhe dera poder voltar para
casa e juntar-se à ceia. Imaginou a família sentada na mesa
comprida, a sorrir e trocar ditos espirituosos entre si durante a
refeição. Haveria pombo e peixe e talvez restos do ensopado de
borrego, e as habituais tartes de frutas.
Brenna rapidamente se afundaria na auto-comiseração, caso não
parasse de recordar aqueles que adorava e estimava, para se
concentrar no presente. Estava esfaimada, disse para si própria; ou
aproveitava para comer agora ou não voltaria a ter oportunidade até
amanhã.
Infelizmente, não havia muita variedade por onde pudesse
escolher. Um pouco de queijo amarelado, pão castanho e bolos de
aveia. As gentes da Terras Altas não lhe reservaram lugar, pelo que
foi obrigada a abrir um espaço entre Connor e Quinlan. O marido
nem se dera ainda ao trabalho de apresentá-la aos homens. Por
ignorar se seria decente perguntar-lhes os nomes, seguiu o exemplo
demonstrado e não falou com ninguém. Manteve-se concentrada na
comida, tentando ignorar a tristeza que a invadia.
Os bolos de aveia eram amargos, franziu o nariz e bebeu água
abundantemente para limpar o sabor da boca. Depois, sendo
impróprio de uma senhora desfazer-se do resto ou devolvê-lo ao
prato, obrigou-se a comer até ao fim.
Estava tão nervosa, que pegou noutro bolo sem se aperceber.
Claro que teve de comê-lo. Estranhamente, o sabor melhorou
bastante, em particular quando lhe acrescentou uma fatia de pão
doce.
Brenna não notou que os outros já tinham terminado. Serviu-se
quatro vezes, com abundância, até ficar saciada. Quando olhou
para cima, procurando saber o que se seguiria, descobriu um
público a observá-la atentamente.
Ficou espantada com tanta atenção.
… e com tantos sorrisos.
– Que se passa?
Quinlan respondeu com um abanar rápido da cabeça.
– Quer o resto do pão? Também sobra um último bolo de aveia.
Pode comê-lo, minha Senhora.
Brenna anuiu.
– Se mais ninguém o quiser – aceitou. Pegou no pão e no bolo
que restavam, partiu-os ao meio e ofereceu primeiramente uma
parte a Connor, e perante a recusa dele, ofereceu aos outros
soldados.
Todos eles recusaram. Continuaram a fitá-la intensamente
enquanto ela devorava a comida. A rapariga percebeu que, tal como
não gostara de ser completamente ignorada, também não lhe
agradava agora ser o centro das atenções,.
– A quem devo agradecer pela comida? – perguntou ao terminar.
Ninguém lhe respondeu, mas vários homens encolheram os
ombros de indiferença. Sorriam de uma forma que começava a
incomodá-la. Era como se ela fosse a única excluída da anedota.
Pensou dizer aos homens que, maldição, era rude fitarem-na
assim tão fixamente, mas depressa mudou de ideias. Não devia
usar palavras como maldição, lembrou a si mesma, ou teria de
jejuar o dia inteiro em penitência. E a seu ver, nada seria mais
atroz.
– Digam-me por favor porque sorriem – pediu ela.
– Impressionaste os homens – respondeu Connor.
– Impressionei-os? Como? – perguntou ela, satisfeita por Connor
finalmente comunicar consigo.
Brenna endireitou os ombros e esperou um elogio. Notaram que
ela se encaixara perfeitamente no grupo e ficaram impressionados
por tentar ser como eles. Além disso, talvez apreciassem por fim os
seus modos educados. Sim, sem dúvida que notaram as suas boas
maneiras.
– Comeste mais do que o Quinlan. Aliás, comeste mais do que
metade dos homens.
Não foi a resposta que esperava. Dizer a uma dama que comera
mais do que um soldado não era um elogio, mas um insulto. Será
que ele não compreendia isso?
– O Quinlan e os restantes talvez não tivessem muita fome –
propôs em sua defesa. – Além disso, a quantidade que comi não
devia impressionar… nem ser comentada por ninguém.
Ele sorriu. Céus, ele era mesmo atraente quando não lhe lançava
olhares reprovadores.
– Temos uma opinião contrária.
Ela sentiu-se corar. Ponderou mentir para que não a julgassem
comilona mas preferiu a sinceridade. Teria de voltar a comer na
presença daqueles rudes bárbaros e denunciar-se-ia na próxima vez
em que devorasse a refeição.
– Não comi tanto como o habitual – admitiu.
– Costuma comer ainda mais, minha Senhora? – perguntou um
soldado.
Ele estava incrédulo. Brenna lançou-lhe um olhar de reprovação,
indicando o que pensava da sua atitude.
– É verdade que sim.
Quinlan foi o primeiro a rir-se. Os outros rapidamente
acompanharam aquele exemplo pecaminoso. O embaraço dela
cresceu, obviamente, e, desesperada, tentou pensar numa forma de
desviar a atenção dos homens dos seus hábitos alimentares.
Mas nenhum deles quis abandonar o tópico.
– Que bonita tarde de primavera – comentou ela.
– Come mais quando fica nervosa? – perguntou Quinlan.
Uma pergunta muito estranha.
– Não – respondeu ela.
Os homens rudes voltaram a rir-se. Ela esperou que se calassem
antes de tentar mudar de assunto novamente.
– Connor, apresentas-me os teus soldados?
– Eles que se apresentem a si mesmos.
Ela já conhecia Owen e Quinlan de nome. Fitou os três outros
homens, e eles, à vez, indicaram os nomes.
Aeden era o magricela do grupo, embora não pudesse ser
considerado débil pelos padrões ingleses, pensou ela, e Donald era
o nome do soldado com grandes olhos castanhos, como os de uma
corça.
Giric era o tímido. Mal conseguia fitá-la nos olhos quando se
apresentou.
– Muito gosto em conhecer-vos a todos – anunciou Brenna após o
último.
– Posso fazer uma pergunta, minha Senhora? – disse Quinlan.
– Sim – respondeu ela.
– Quando nos viu, ficou cheia de medo. Pode dizer-nos porquê?
– Pensava que lhe íamos fazer mal? – perguntou Aeden.
Juntando um sorriso à pergunta, indicando que a ideia o divertia. –
Pôs-se a rezar.
– Sim, rezei, e sim, julguei que me iam fazer mal.
– Mas a seguir, minha Senhora – disse Owen. – Depois de
perceber que não tínhamos tais intenções, estava ainda com medo?
Não percebi porquê.
Eles nunca se tinham visto ao espelho? Ou não havia tais luxos
nas suas casas?
Ela decidiu que não seria educado tecer comentários sobre o
aspeto deles, e portanto limitou-se a encolher os ombros e não
respondeu.
Mas eles não largavam o assunto.
– Foi as nossas pinturas de guerra que a desconcertou? –
perguntou Owen.
– Prefiro não responder, pois não desejo ferir os vossos
sentimentos – por algum motivo, a sinceridade fez os homens rirem-
se de novo. Ela decidiu que podia ser mais brusca. – Mas admito
que foi as vossas pinturas que me puseram desconfiada. Pois foi –
ela salientou com um aceno. – E o vosso tamanho, e os vossos
trajes e modos, e as vossas expressões intimidatórias e a forma
como os doze soldados do meu pai se encolheram diante de vós, os
cinco… devo continuar?
Ela percebeu que haviam acolhido aqueles comentários como se
fossem elogios. Pensou em corrigi-los, e explicar que não ficara
nada impressionada com a presença deles – nenhuma dama
inglesa sã de espírito ficaria – mas depois uma nova preocupação
surgiu na sua mente e olhou imediatamente para Connor.
– Eu não uso pinturas de guerra. É bom que compreendas desde
já este facto. É uma tradição bárbara, Connor, e não podes esperar
que eu…
As gargalhadas dos homens calaram-lhe o protesto. Connor não
se riu, obviamente: o homem nunca se ria, na experiência dela. Mas
sorriu. O coração dela notou e deu um pulo. Tinha dentes brancos e
lindos, tal como todos eles. Como eram eles capazes de usar
aquela pintura horrível na pele e cuidarem assim dos dentes? Que
gente bizarra. Conseguiria ela um dia compreendê-los ou encontrar
o seu lugar entre eles?
– As mulheres não têm tal honra.
Ela não percebeu a que se referia ele.
– Qual honra?
– Pintura – explicou ele. – A tradição pertence apenas aos
guerreiros.
Não parecia ser brincadeira, e ela não ousou rir. Mas o esforço foi
grande. A garganta dela ficou nitidamente magoada com o esforço
de tanta cortesia.
– Nunca conheceu ninguém das Terras Altas, minha Senhora?
Sabe alguma coisa a nosso respeito? – perguntou Giric num
murmúrio. Estava corado até às raízes das sardas, e na sua timidez,
dirigira a pergunta ao chão.
– Quando eu era mais nova, julguei saber tudo sobre vocês. Até
sabia onde viviam.
– Onde julgava que nós vivíamos? – perguntou Donald, sorrindo
perante o brilho que notara nos olhos da rapariga.
– Debaixo da minha cama. Saíam apenas durante a noite,
enquanto eu dormia. Claro que eu acordava aos berros, e corria
como um relâmpago para os aposentos dos meus pais.
Ela esperava que os homens se rissem da brincadeira, ou no
mínimo, sorrissem. Infelizmente nenhum deles pareceu
compreender que tentara espicaçá-los. Três mostraram-se
confusos, e os outros dois, horrorizados
– Isso foi um insulto? – perguntou Owen.
O tom de voz indicava que não acreditava ser possível tamanha
atrocidade.
– Foi só uma brincadeira. Por amor de Deus, Não sabem
distinguir?
Abanaram as cabeças. Quinlan foi o que teve mais dificuldade em
disfarçar o sorriso.
– Parece que a tua noiva sonha contigo há anos, Senhor – deixou
escapar.
– Parece que sim – concordou Connor.
Ela nem tentou esconder a sua exasperação. O esforço de tentar
manter uma conversa correta com eles provocara-lhe dor de
cabeça, e ser educada era fútil.
Desistiu de tentar.
– Connor, sou livre de ir?
Ela fez uma vénia aos homens e afastou-se. Já se encontrava a
caminho do lago com escova de cabelo, roupa limpa e uma manta
nos braços antes de Connor lhe dar autorização. Encontrou a
abertura nos pinheiros, parou e espreitou por cima do ombro.
– Quinlan?
– Sim, minha Senhora?
– Não eram sonhos, mas pesadelos.
Ele não se riu até ela desaparecer de vista, mas o som do
divertimento deles era tão forte que alcançava o outro lado do lago.
Não acreditava que os soldados tivessem finalmente percebido a
brincadeira dela; eram um tudo-nada simplórios para tanto. Assumiu
que Connor tivesse soltado um comentário atroz sobre um tema
mais bem disposto, como assassinato e devastação. Partilhavam
um sentido de humor retorcido. Ficara com essa ideia quando os viu
sorrir, quais pagãos, após a permissão de Connor para matarem os
soldados ingleses. E não amuaram como os putos quando a ordem
foi rescindida?
Brenna sentiu-se imediatamente corroída de culpa. Sabia que não
devia avaliar Connor com tanta dureza. Seria culpa dele ter sido
educado como um animal selvagem, nascer bárbaro? Claro que
não. Além disso, era seu marido. Se ia ficar amarrada a ele até ao
fim da vida, não devia tentar gostar do homem?
Contaria levá-la para a cama ao cair a noite? Tentou bloquear a
ideia assustadora, mal lhe ocorrera. Embora fosse mais fácil dizer
do que fazer. Deus me acuda, nem conseguia imaginar Connor,
tocar-lhe sem tremer de pânico. Tratava-se de uma reação pouco
razoável. Era uma mulher adulta e não uma criança, e portanto
sabia o que esperavam de si. A mãe explicara com paciência que
todos os maridos queriam ir para a cama com as esposas, assim
que terminavam as festividades da boda.
Não explicara nada em detalhe à filha, e embora Brenna
entendesse o essencial, ou assim julgasse, havia muitas questões
sem resposta. O assunto parecia-lhe demasiado constrangedor e
complicado.
Brenna não se preocuparia mais. Se Connor quisesse ir consigo
para a cama, talvez Deus tivesse piedade dela e a deixasse dormir
durante a provação.
Esta ideia fantasiosa fê-la sorrir, enquanto se despia. Correu para
a água antes que mudasse de ideias, rangeu os dentes por causa
do frio e banhou-se à pressa.
Ao sair, notou que alguém se aproximava. Recuou para dentro de
água, até estar mergulhada até ao queixo, e aguardou.
Minutos depois, Connor apareceu. Trazia uma manta escocesa
dobrada sobre o braço.
– Tens de sair.
– Preciso de privacidade.
– Porquê?
Mas era preciso explicar?
– Porque assim o peço.
– Vais morrer de frio. Sai, já – a sua ordem firme não deixava
margem para discussão.
– Não saio. Estou nua. Preciso mesmo de privacidade.
Connor fingiu não ter percebido que a sua esposa lhe respondera
aos gritos.
– Não está aqui ninguém – disse ele.
– Estás tu, e ao luar. Não posso sair até teres partido.
A noiva ousara gritar-lhe novamente. Ele abanou a cabeça
perante tamanha insolência.
– Não me levantes a voz.
Ele parecia ter esgotado a paciência. Brenna recordou que jurara
ser complacente. Se cedesse à vontade ele, Connor havia de
corresponder da mesma forma.
Os lábios dela já se encontravam dormentes por causa da água
gelada e até os dentes batiam. Mal conseguia falar.
– Está bem. Não grito. Podes partir?
– Não.
O marido não entendia o conceito de reciprocidade. Teria de
explicar-lho depois, mas não agora. Sentia a pele enrugar-se como
uma passa, e se não saísse em breve, morreria de frio.
O orgulho acabava com ela.
– Não posso sair.
– Porquê? Sentes-te envergonhada?
Connor parecia surpreso com esta admissão. Ela fechou os olhos,
rezou a pedir resistência e respondeu:
– Claro que me sinto.
– Mas entre nós não pode haver timidez. Queres que te tire da
água?
– Afogo-me se tentares.
A ameaça ridícula fê-lo sorrir.
– Ajudará se eu também me despir?
– Não.
Ela não percebeu que Connor tentava espicaçá-la. Se lhe gritasse
mais uma vez, havia de arrancá-la do lago à força.
– Connor, podes virar-te de costas, por favor, enquanto me visto?
A força do suspiro dele quase a enfiou debaixo de água.
– Estás a ser tola.
Ela não ligou à critica, pois conseguira o pretendido. Ele acabou
por dar meia-volta. Ela correu para a margem e secou-se o melhor
que pode com a pressa. Temendo que rapidamente o impaciente
marido se virasse, nem perdeu tempo a enfiar a camisa interior mas
colocou de imediato o vestido de algodão branco pela cabeça.
Fitas cor de rosa prendiam o tecido da cintura ao pescoço. Sentia
mil alfinetadas nos dedos, o que atrapalhou a tarefa imensamente, e
por muito que tentasse não conseguiu atar devidamente as
delicadas fitas.
Acabou por desistir da tarefa. A túnica pesada que planeara vestir
por cima da roupa ocultaria o suficiente do peito descoberto. O
problema estava em alcançar o objeto. Pendurara o traje num ramo
descaído para não se sujar, mas precisaria de contornar Connor
para obtê-lo. E não queria que a visse naquele estado indecente,
pelo que foi obrigada a pedir-lhe, por favor, que o passasse para as
suas mãos.
Ele optou por se virar. Ela tentou recuar, procurando aumentar a
distância entre ambos, mas escorregou no declive molhado. Teria
caído no chão ou mergulhado na água, mas Connor salvou-a da
desgraça, puxando-a para terreno seguro.
Se não tivesse um ar tão desconcertado, até lhe agradeceria a
ajuda.
Brenna apertou o vestido sobre os seios, e franziu a testa de
desaprovação.
– Quero que entendas que não deves temer-me. O meu dever é
cuidar de ti, não fazer-te mal.
– Não tenho medo de ti.
– Recuaste agora mesmo – lembrou-lhe Connor, secamente. –
Estavas obviamente assustada há um minuto.
Ela abanou a cabeça. A fita que prendia o cabelo num nó
enviesado no cocuruto voou para dentro de água, e a massa de
caracóis abriu-se sobre os ombros.
Aquele ar tão desmazelado despertou uma onda súbita de prazer
no homem. Era a criatura mais provocante que encontrara em toda
a sua vida. Um homem perder-se-ia na magia daqueles enormes
olhos azuis e esquecer-se-ia dos seus deveres, imobilizado de
admiração pela graça sensual dos seus gestos.
Mas o que se passava com ele? Brenna não lhe lançara nenhum
feitiço, e contudo comportava-se como se estivesse enfeitiçado.
Irritou-se. Não aceitaria que ela lhe retirasse a disciplina, mas era
um incómodo.
E uma tentação. Só queria pensar em beijá-la, afastar-lhe o ar
carrancudo e fazer amor ardente e intenso.
Ela provavelmente morreria de susto se suspeitasse do que
percorria a mente de Connor. Não teria consciência do seu aspeto,
nem como o corpo dele reagia ao encontrá-la quase desnuda. Nem
faria aquele ar indignado se soubesse o quão perto estava de se ver
atirada para o lençol mais próximo.
– Para de abanares a cabeça às minhas palavras – ordenou ele
numa voz rouca.
– Só queria que soubesses, muito enfaticamente, que não me
assustei. Só não esperava que te virasses para trás, e espantei-me.
Os teus modos preocupam-me sobremaneira.
Ele sorriu. O olhar dela abriu-se de incredulidade.
– Então os modos não são importantes para ti?
– Não.
– Não? Mas deviam ser.
– Porquê?
– Porquê? – repetiu ela. A mente ficou em branco. Deus a ajude,
ela não conseguiu encontrar um único motivo. A forma como Connor
olhava para si, com tanto carinho e ternura, fê-la esquecer o motivo
da discussão.
Aproximou-se um passo.
– Confundes-me muito – murmurou. – De modo a manter-me sã, é
melhor que tente entender-te. Tens de merecer todo este esforço,
Connor.
Quase como numa reflexão tardia, acrescentou:
– Já me podes largar.
Connor não queria largá-la e porque fazia sempre o que lhe
apetecia, ignorou a vontade dela. Aquela pele macia, suave como a
de um anjo e com a cor de ouro pálido ao luar, era agradável contra
as suas mãos ásperas e cheias de calosidades.
Como teria este tesouro passado despercebido aos outros
homens?
– Nunca te fizeram a corte?
– Estive prometida a um barão, mas ele morreu antes que eu
tivesse idade para casarmos. Nunca o conheci, nem a outros
pretendentes. O meu pai não autorizava homens à volta das filhas,
muito menos da Rachel – explicou. – Ela é a bonita da família.
– O barão a quem foste prometida morreu na guerra?
– Na cama.
– Morreu na cama?
– Foi trágico – retorquiu ela. – Não tem graça.
– Só um inglês morreria na cama.
Ela considerou que aquela opinião era demasiado ignorante para
merecer comentários.
– Podes parar de apertar os meus braços?
Ele afrouxou os dedos.
– Ainda estás com vergonha?
– Um pouco.
– Não quero que estejas constrangida. Para já com isso.
Ela desatou a rir antes de perceber que ele dera uma ordem
séria.
– Fazes ideia de como és arrogante? – e não esperou pela
resposta dele: – Estou novamente com frio. Larga-me, para que eu
acabe de me vestir.
– Não é preciso que te vistas. Vamos para a cama.
Não foi o que ele disse, mas a forma, que a pôs em pânico. Ele
transbordava de autoridade e estava tão tenso como um guerreiro
preparando-se para a luta.
Ela fingiu que não entendera.
– Juntos?
– Claro.
– Agora? Queres deitar-te agora?
Ele começava a odiar a palavra.
– Sim, agora.
– É melhor não.
– É melhor sim.
– Já percebeste que estou cheia de medo, Connor. Não quero ferir
os teus sentimentos mas tenho de ser sincera. Não deverás querer
forçar-te sobre uma relutante… o que estás a fazer?
– A vestir-te com a manta dos MacAlister. Podes parar de te
desviares sempre que tento alcançar-te? É muito irritante. Afasta o
cabelo.
– Deixa-me em paz.
– Estou a perder a paciência.
Porque não entendia ele? Tentou novamente explicar.
– Connor, eu não tenho qualquer experiência.
Decerto não precisava de entrar em detalhes. Decerto que ele
notaria a preocupação na voz dela, encontrá-la-ia no olhar e senti-
la-ia no seu tremor. Qualquer homem decente e carinhoso tentaria
imediatamente acalmá-la.
– Mas tenho eu.
– Só isso? – berrou. – É suposto ficar mais tranquila porque tu
tens experiência?
– Queres que te tranquilize? – ele ficou alarmado com a mera
ideia.
A reação dele não foi do agrado de Brenna. Sentiu a frustração
crescer até lhe apetecer gritar. Respirou fundo, lentamente, para
recuperar a calma.
Não surtiu efeito.
– Sim, quero mesmo que me tranquilizes.
Ele receava que ela fosse pedir isso. Pela primeira vez em muito
tempo, ficara sem palavras. Nenhuma outra mulher lhe fizera um
pedido tão estranho. No passado, as mulheres procuravam-no de
livre vontade, oferecendo os seus corpos, e se ele estava na
disposição de lhes fazer a vontade – e tinha de admitir que era
quase sempre –, aceitava-as. Era sua responsabilidade ser meigo,
obviamente, e sempre garantira que elas gostavam tanto quanto ele.
Mas nenhuma era virgem, e nem as levaria para a cama se fossem;
pensando bem, quase todas elas eram bem versadas nas artes de
dar prazer aos homens. A bem dizer, mais experientes do que ele.
Mas todas partiram a sorrir.
Esta dama mansa diante de si não era como elas. Era a sua
noiva, a mulher que carregaria o seu nome e os seus filhos. Devia
respeitá-la, amansando-lhe os temores, fosse como fosse.
Realmente, não estava habituado a satisfazer as necessidades
emocionais das mulheres, mas acreditava que, se se esforçasse,
retiraria exemplos de observações passadas. Não, não, estava
errado, percebeu Connor após ponderar no dilema por instantes.
Nunca perdera tempo a observar a forma como os outros homens
tratavam as suas esposas, nem sequer o irmão, Alec.
E agora? Não queria revelar que não podia ajudá-la. Ela iria
desfazer-se em lágrimas, sem dúvida, e Connor não saberia como a
impedir. Quando a esposa desatava num pranto, o irmão saía do
salão e só regressava quando ela se acalmasse e fosse capaz de
prestar novamente atenção. Não queria seguir agora o exemplo de
Alec. Se a abandonasse, jamais a levaria para a cama. Raios, ela
ainda julgaria que lhe teria dado uma lição.
Só via uma forma de sair daquela embrulhada. Teria de ajudá-la a
ultrapassar a preocupação tola, por muito que demorasse.
Rezou pelo impensável: compreensão.
– Decidi tranquilizar-te.
– Decidiste? – ela alegrou-se.
– Sim, decidi. Mas antes, explica-me que dever é esse, para que
eu saiba como agir. Podes começar.
– Não me apetece brincar.
– Não estou a brincar.
– O que disseste é realmente verdade?
O esgar na expressão dele indicou que não gostava que
duvidassem de si. Ela apressou-se a acalmá-lo.
– Sim, claro que disseste a verdade. És um Senhor, por amor de
Deus. Jamais mentirias.
– Queres despachar-te?
Ela anuiu, mas não disse mais nada.
– Brenna…
– Estou a pensar no assunto – exclamou. – Tanta impaciência faz-
me nervos. Tranquilizar uma pessoa é difícil de explicar. Não quero
estragar tudo.
Ela manteve-se calada durante uma hora – ou assim pareceu. Ele
não entendia porque razão demorava tanto tempo. Não lhe pedira a
resolução de uma adivinha impossível, santo Deus.
Porque se comportaria ela daquele modo? Sinceramente não
sabia quanto mais tempo se manteria ali parado, sem lhe tocar. Não
veria ela o turbilhão que provocava na sua alma? Não, claro que
não. Só se preocupava com ser tranquilizada. Até se esquecera de
falar. Também se esquecera do seu estado de seminudez, ao
contrário dele. Quando ela deixou de tapar o peito com o vestido, a
abertura deste abriu-se, revelando a suave forma dos seios.
Foi uma tortura desviar a vista. Subitamente, Connor percebeu
que, se ela não cobrisse a pele de imediato, perderia por completo a
sua capacidade de disciplina. Passaria os dedos por aquela pele
suave, sedutora, obviamente de mansinho, e depois arrancar-lhe-ia
o vestido fino como o ar.
Certamente que, nesse instante, ela já não quereria ser
tranquilizada, pois não?
Connor envolveu-a rapidamente com a manta escocesa,
pousando uma ponta sobre o ombro, esticando a manta para lhe
tapar os seios e prendendo a lã com o cordão que trouxera.
As costas das mãos rasparam deliberadamente a pele de Brenna,
Não uma vez, mas duas, enquanto a vestia. E maldito fosse se não
foi atingido por um relâmpago intenso.
Tapá-la não amansou a sua vontade primitiva. Agora só lhe
apetecia arrancar-lhe a manta e o vestido ao mesmo tempo.
No entanto, pôs-se a olhar ao longe.
– Fico contente por saber que pensarás no assunto.
O comentário dela chamou-lhe a atenção por completo.
– Ai, sim?
– Sim.
Ele lançou-lhe um olhar duro.
– Em que julgas que estou a pensar?
– Numa forma de me tranquilizares.
Ele não se riu. Ela não entenderia o que ele considerava divertido,
e talvez lhe dissesse isso.
– Ainda não me explicaste o que pretendes de mim.
– Quando eras mais nova, a tua mãe não…
– Já morreu.
– Lamento.
– Porquê?
– Porque está morta. E o teu pai? Nunca te consolou?
– Não.
– Porque não?
– Já morreu também. Eis o motivo.
– Connor, não havia ninguém a quem recorreres quando eras
miúdo?
Ele encolheu os ombros.
– O meu irmão Alec.
– Ele consolava-te?
– Nem pensar – a mera ideia dava-lhe repulsa.
– Não havia ninguém que gostasse de ti?
Ele encolheu os ombros.
– A minha madrasta Euphemia, mas ela não estava em condições
de consolar ninguém, nem a mim nem ao filho dela, o Raen. A morte
inesperada do meu pai destruiu-a e desde então que se encontra de
luto. Nem é capaz de voltar à minha terra, tamanha é a sua mágoa.
– Deve ter amado muito o teu pai.
– Claro que sim – respondeu ele, impaciente. – É coisa demorada,
isso de tranquilizar?
Como havia ela de saber a resposta a essa pergunta?
– Acho que não – decidiu responder. – Há maridos que dão
palmadas nos ombros às esposas para lhes indicarem que estão
atentos aos sentimentos delas. O meu pai estava sempre a fazer
isso, mas pensando bem, admito que não estou certa se ele
consolava a minha mãe ou lhe mostrava afeto.
Brenna encolheu os ombros num gesto frugal. Tentar fazê-lo
entender era mais complicado do que pensava. Procurou outro
exemplo para lhe dar.
– Talvez outros maridos passem o braço em volta dos ombros das
esposas e…
– E o que preferes tu?
– Desculpa?
Ele repetiu a pergunta num tom de voz ríspido e impaciente.
– Queres que te faça festas ou ponha o meu braço à tua volta?
Ele não tinha remédio. O consolo tinha de vir do coração e Connor
precisaria de senti-lo para demonstrá-lo. E talvez fosse uma arte
adquirida, que se aprendia após anos de ser-se amado e protegido
pelos familiares. Se ela não estivesse tão consternada com o lhe iria
acontecer ao cair a noite, talvez fosse capaz de explicar
devidamente.
Ela já nem se recordava de qual devia ser o seu novo nome.
– Isto não é uma lição de esgrima. Tens de ser sincero,
espontâneo… e…
Brenna não continuou porque não lhe ocorria nada mais para
dizer.
– Não sabes realmente o que estás a dizer, pois não?
A rapariga soltou um demorado suspiro.
– Não, a bem dizer, não.
Ele não estava divertido.
– Então, o que fazemos aqui parados, em nome de Deus?
– Não percebi que eras tão impaciente, e eu… O que estás a
fazer?
– A levantar o teu cabelo preso pela manta.
– Porquê?
– Porque me apetece.
– Fazes sempre o que te apetece? É verdade, não é?
– Já estarias na horizontal se eu fizesse sempre o que me
apetece.
Ela desistiu de afastar-lhe as mãos. Não havia grande motivo para
continuar a discutir com ele. A bem dizer, não podia impedi-lo de lhe
tocar – ele tinha o dobro do tamanho e da força dela – mas protegeu
os fragmentos do orgulho, fingindo que controlava o que lhe
acontecia.
Ele não perdeu tempo, e as suas mãos foram espantosamente
meigas quando lhe tocou no pescoço. Um tremor de prazer desceu
pelas costas de Brenna, e embora a sensação fosse agradável,
mais adorável e espantoso para si foi o facto de ele corrigir aquilo
que o incomodava, ao invés de criticar. Quando era pequena,
repreendiam-na constantemente por se portar mal – sabe Deus,
havia sempre algo a corrigir – e depois ordenavam-lhe que
corrigisse o defeito. Percebeu que Connor não seria diferente. Era
apenas uma questão de tempo até ele apanhar o jeito e adotar a
mesma rotina dos pais dela, dos irmãos e irmãs.
Connor não tencionava aguentar mais. Agarrou com firmeza a
mão de Brenna e começou a avançar para a cama que havia
preparado. Ela não se debateu desta vez, o que era de espantar.
– Se calhar devia avisar-te que eu raramente estou composta –
ela soltou de repente.
– O teu aspeto não me faz diferença.
– Não?
– Claro que não.
Ela ponderou na resposta antes de perceber que voltavam para o
acampamento.
– Onde vamos?
Ele notou o tom e pânico. Céus, ele odiava ter de esperar. Eram
todas as virgens assim impossíveis?
– O que posso fazer para terminar este temor ridículo da tua
parte?
– Começa por não gritares comigo. E não é ridículo.
– Responde.
– Podias dizer algo que eu julgasse… agradável de ouvir e cheio
de esperança sobre…
– O ato de acasalar?
Ele pensou em mil respostas para lhe dar, mas todas se
relacionavam com os seus sentimentos.
– A tua hesitação preocupa-me – murmurou ela.
– Isto não mata.
– Isto não mata? Só tens isso para me dizer?
Ele sorriu ao ouvir a resposta ultrajada.
– Hás de gostar. Um dia.
Ela lançou-lhe um olhar como se lhe dissesse que não acreditava
nele. Mas Brenna continuou a avançar, e só nada mais interessava
a Connor.
– É um pouco sujo, não é?
– Nada.
– Duvido que vá gostar – murmurou ela, pois aproximavam-se do
local das camas dos soldados e ela não queria que os ouvissem. –
Mas eu quero filhos.
– E como é que pensavas engravidar?
Ela ignorou o sarcasmo do comentário.
– Queres ter filhos?
– Claro. Porque pensas que casei contigo?
– Não faço ideia. Prometeste explicar-me quando fôssemos
casados.
– Depois – prometeu.
– Qualquer mulher te daria filhos. Porquê eu?
Calaram-se e encararam-se no centro da clareira. Ela olhou em
volta, notou os outros soldados a fingirem que dormiam debaixo das
mantas, e no meio do circulo de homens havia uma cama vazia,
feita com outra manta.
Ficou horrorizada. Esperava ele realmente que ela dormisse ali,
no meio dos outros? Sim, claro que sim, percebeu. A sério, ele não
fazia a mínima ideia das necessidades femininas, pois não?
Não iria fazer birra. Os homens escutariam, se gritasse com o
Senhor deles, e seria uma vergonha para ela e raiva para ele.
O que podia então fazer? Não ia deixá-lo tocar-lhe com os
homens num sono falso a poucos metros de distancia. E no entanto,
seria capaz de impedir? Duvidava que ele conseguisse manter-se
assim razoável. A sua postura era rígida, o franzir da testa intenso, e
agora que pensava nisso, não lhe dera tempo suficiente para ela se
acalmar? Até tentara consolá-la, ou no mínimo dar-lhe o que ela
pretendia, e não lhe ocorriam outros homens que se dessem a tanto
trabalho para acalmarem os nervos de uma mulher.
A verdade trouxe-lhe um sorriso. Santo Deus, afinal, ele
consolara-a, e ela nem tinha percebido. Suspirou. O seu marido não
era dos piores.
Agora, seria incorreto discutir com ele. Havia que ser diplomática.
Se agisse com manha, Connor nem sequer perceberia que não fora
sua vontade. Pegou-lhe na mão, quando ele procurava descalçar as
botas, e dobrou-se, agarrando na manta e sussurrando:
– Segue-me, por favor.
– O que foi, agora? – perguntou ele num quase berro.
– São as noivas que preparam o leito matrimonial. É uma tradição
inglesa.
Ele não acreditou naquela mentira. Brenna afastou-se antes que
ele a agarrasse, parou na orla da clareira, lançou-lhe um sorriso que
esperava ser convidativo, e prosseguiu.
Connor não se mexeu. Ficou ali, pernas esticadas e mãos à
cintura, observando-a, atento ao ondular ritmado das ancas que se
afastavam. Depois contou até dez. Ao terminar, ou deixaria aquela
mulher impossível partir ou segui-la-ia para fazerem amor intenso e
apaixonado.
– Não conheço essa tradição.
Quinlan lançou o comentário com voz arrastada. O soldado
sentava-se no chão encostado ao tronco de uma árvore com os
braços cruzados.
Connor descarregou em cima dele a sua frustração.
– Se dizes mais alguma coisa, juro que te mato.
Quinlan ignorou o aviso.
– Não devias deitar-te antes de ser hora de partirmos?
Connor deu um passo ameaçador para o amigo. Quinlan
endireitou-se de imediato.
– Ela só quer privacidade, Connor. É por isso que está a mexer
nos teus lençóis.
– Eu percebi – disse ele. Claro que não tinha percebido, mas não
o admitiria ao amigo.
Afastou-se sem dizer mais nada e apanhou Brenna junto ao lago.
Não estava muito feliz por ter dado uma volta completa, e voltar ao
ponto de partida.
– Planeavas preparar a nossa cama em Inglaterra?
Capítulo 5

–I sto há de servir – respondeu ela.


O local isolado que escolhera era uma abertura plana e
descaracterizada entre os pinheiros. Mal havia espaço para se
poder virar em cima dela. Mas ela pareceu gostar do sítio, e tendo
ele jurado que seria a última vez, deixou-a escolher à vontade. Ficou
atrás dela enquanto descalçava as botas, tentando não perder a
calma.
Brenna esticou a manta no chão, e embora ele desconfiasse que
tentaria demorar uma hora a realizar uma tarefa tão simples, ela
surpreendeu-o e foi eficiente e rápida.
Quando terminou, a rapariga descalçou as sandálias e levantou-
se, encarando-o. Aproximou-se então, até os dedos dos pés
tocarem nos dele, e fitou-o nos olhos, de respiração suspensa
enquanto aguardava pelo toque masculino.
Ele não se mexeu. A tensão encheu o ar entre os dois, a
ansiedade dela crescendo enquanto fitava aquele olhar escuro e
inescrutável, à procura do primeiro sinal de desagrado. Céus, ela
realmente não aguentava o silêncio.
– Pensei que devia ficar vestida. – Ele abanou a cabeça devagar.
– Mas depois pensei que devia tirar as roupas todas – murmurou
ela.
Connor aguardou. Ela disse a si mesma que chegara o momento
de decidir e que tinha de cumprir o prometido. Tremiam-lhe as mãos
ao desatar a faixa à cintura. A manta de lã com que ele a envolvera
caiu no chão como um murmúrio.
Ela ponderou virar-se de lado antes de tirar a camisa interior, pois
a ramagem tapava a lua e as sombras esconderiam a sua nudez,
mas decidiu abandonar a cobardia.
Devia dizer-lhe que debaixo da camisa interior não trazia nada
vestido? Não, decidiu, ele acabaria por perceber. O coração dela
batia freneticamente, mas a ansiedade acalmara-se um pouco –
talvez por ele não a atacar logo – e algures no fundo da sua
atrapalhação havia a consciência de que Connor não a magoaria de
propósito. Não sabia explicar o motivo daquele pressentimento, e
contudo, ali se encontrava, as mãos a tremerem cada vez menos.
Sentiu-se dominar a situação, e isso fazia toda a diferença.
Ele encarou-a com ar grave, vendo-a reunir coragem e retirar
lentamente a camisa de dormir. Brenna não o largou de vista, atenta
aos indícios de desagrado ou repulsa face ao seu corpo
terrivelmente imperfeito. Estava plenamente ciente das suas falhas.
Tinha peitos muito grandes, ancas muito estreitas, pernas muito
compridas para o resto do corpo. Decerto que ele notaria, pensou
ela, e caso mostrasse o mínimo traço de desagrado, ela cerraria os
olhos para morrer de vergonha.
Ele fitou-a demoradamente. O olhar permaneceu nos lábios
entreabertos, nos seios plenos, na cintura estreita, nos caracóis
louros que protegiam a sua virgindade, nas pernas compridas,
enquanto tentava recuperar o fôlego. Santo Deus, não antecipara
tanta beleza assim. Ela assoberbava-o, pois não imaginara que
existisse mulher assim, e se não fosse um homem prático, teria
julgado que via uma deusa, não uma vulgar inglesa – uma deusa
caída dos céus para o recompensar da vingança por ele procurada
em nome do santo pai.
Começava a sentir ânsia em tomá-la nos braços e penetrá-la
firmemente. Resistiu à exigência do corpo, mantendo-se quieto,
deixando-a tomar a iniciativa novamente. Por motivos que não
compreendia, ela teimava hoje em tomar as decisões. Connor
percebeu isto, hesitando quando pensou ordenar-lhe que se
despisse e não perdesse tempo – este instinto espantou-o. Abanara
a cabeça para que a rapariga percebesse que pouco lhe importava
que tivesse decidido manter-se vestida, mas antes de explicar o que
devia fazer, a rapariga mudara de ideias.
E ele obteve exatamente o que pretendia.
O rubor no rosto dela refletia o seu embaraço. Tentou assumir
rebeldia e não receio, mas sentia-se preocupada. Estava no olhar
dela, na forma como se mantinha direita, rígida como uma lança, e
nas mãos que abria e fechava junto ao corpo. Ah, sim, a perfeição
completa.
Deve ter assumido que agora ele se tornaria o agressor. Mas ele
não tentou agarrá-la e portanto, aos poucos, ela começou a
descontrair.
Porque não tirava ele as roupas? Foi a pergunta que a ocupou um
minuto completo antes de decidir oferecer a sua ajuda.
– Pensei que te despias sozinho, mas depois ocorreu-me que
talvez quisesses a minha ajuda. Por vezes as mulheres inglesas
ajudam os maridos a tirar a roupa.
Era óbvio que inventara aquela mentira no próprio instante. Mas
desde que aliviasse o temor dela, não se importou.
– Queres que te ajude a despir, Connor?
Ele ponderou responder-lhe mas optou por repetir o que
funcionara anteriormente, e limitou-se a anuir com a cabeça.
Ela inspirou bruscamente, sem dúvida preparando-se para o que
julgava encontrar, antes de reunir coragem suficiente para lhe
desatar o cinto. Os dedos dos seus pés, leves como as asas de uma
borboleta, rasparam nos dele, e assim que desatou o nó e o kilt caiu
no chão, Brenna deu um passo atrás.
Connor não usava roupa interior. Percebeu de imediato. Deus a
ajude, na sua imprudência não desviou logo a vista. Fixou
deliberadamente os olhos no queixo do homem até o coração se
acalmar. Só lançara um relance à zona inferior da cintura masculina
antes de forçar a vista a desviar-se. Só lhe apetecia desatar a correr
de volta para Inglaterra.
– Connor, de certeza que isto vai funcionar?
O espanto na voz dela divertiu-o. Céus, era mesmo inocente.
E jovem.
Ele puxou-a delicadamente para os seus braços e cingiu-a contra
si. Pousou a cabeça no cimo da dela.
– Sim – prometeu.
Ficou surpreso por ser capaz de articular palavras. A sensação
dos seios macios contra o peito dele despertava-lhe plenamente a
atenção, e, a bem dizer começava a crer que a espera insuportável
teria valido a pena.
Mas não podia esperar mais. Nem o corpo nem o espírito
aguentariam mais um minuto sem ceder à satisfação da sua ânsia.
Connor julgava que ficaria novamente surpreso, e assim foi, pois
mal a convencera a sair do esconderijo da dobra do seu pescoço e
a inclinar a cabeça para ele, beijou-a. Claro que ela não sabia como
agir. Fechou os lábios firmemente contra os dele, mas com alguma
persuasão gentil, começou a descontrair-se. Depois ele instruiu-a.
Ela não contestou, lançando-lhe com um olhar a indicação de que o
considerava louco por querer aquilo, mas ele repetiu a instrução e
ela finalmente aceitou e abriu a boca.
E depois ele beijou-a como imaginara fazer desde o primeiro
momento em que a vira naquele dia. A língua dele entrou na doçura
quente e feminina para explorar e afagar o interior. Era muito, muito
melhor do que ele imaginara poder ser. Céus, ele adorava beijá-la
assim.
Ela também gostou. Apertou os braços em volta do pescoço dele,
começando a acariciá-lo – com timidez de inicio, e depois com mais
ousadia, até parecer tão ansiosa como ele de experimentar aquele
prazer erótico.
Por fim, começou a gemer num tom profundo, e a esfregar-se,
incessante, contra ele.
A tentação foi a queda de Connor. Ele quis tê-la naquele instante,
mas obrigou-se a convocar toda a disciplina disponível para
controlar a resposta. Iria assustá-la de vez se a penetrasse com
força, magoando-a além do necessário, porque ela ainda não estava
preparada. Haveria de estar, prometeu a si mesmo, arrasado pela
agonia de abrandar.
Mexia-se com deliberação. Manteve o terno assédio a Brenna,
querendo prolongar a sua antecipação do que se seguiria. Só
quando cedesse às exigências do que crescia no seu íntimo,
conseguiria finalmente acolher a invasão masculina sem grande
desconforto. Tentou dominá-la, preencher-lhe os sentidos com o seu
toque, o seu sabor, o seu cheiro. A boca de Connor assolou a boca
dela, vezes sem conta, até a sua vontade desesperada de penetrá-
la subjugar todas as reservas. Foi perdendo o controlo a cada beijo
trocado, a cada gemido da rapariga.
A excitação dele aumentou a nível insustentável. Não lhe deu
tempo para protestar; manteve-a plenamente ocupada com beijos
enquanto a transportou nos braços para a cama. Tentou ser gentil,
ou pensou que tentava, e inclusive ocorreu-lhe apoiar o peso do
corpo com os braços para não a esmagar quando se deitasse sobre
ela. Cobriu com o corpo cada centímetro daquela pele, e, meu
Deus, cheirava tão bem, a rapariga, encaixava-se perfeitamente no
seu corpo. Ele colocou a cara no pescoço e inalou aquele odor
maravilhoso, soltando um gemido de puro êxtase.
Brenna deixou-se abater pela revolução íntima. Pensara que seria
um evento breve, que acabaria cheia de dores. Nunca esperara
gostar nem querer todas aquelas gloriosas sensações que lhe
percorriam o corpo. E contudo, ansiava por mais, vindas dele, como
seria isso possível? Não fazia ideia se retribuía o prazer – esperava
que sim – e queria pedir-lhe indicações de como agir, para também
Connor tremer com as suas carícias, tal como ela tremia com as
dele.
Quando o corpo de Connor se entrelaçou no dela, raciocinar
tornou-se difícil. O homem soltou palavras ardentes e sensuais,
murmurando-as ao seu ouvido, despertando ainda mais o anseio
que crescia no íntimo de Brenna.
As mãos dele viajaram pelo seu corpo. Não devia deixá-lo tocar-
lhe nos seios, quis dizer-lhe para parar, mesmo que o corpo se
arqueasse contra o dele numa exigência muda por mais e mais.
Tentou detê-lo quando a mão desceu para o íntimo entre as
pernas. Mas ele não parava. E foi tarde de mais. Ele tinha de saber
se a rapariga estava pronta para si, e Deus o ajudasse se não
estava, e assim que sentiu a abertura húmida que tanto queria
invadir, as exigências do corpo dominaram-no.
Tentou despachar a sua invasão. Intrometeu-se entre as pernas
dela e penetrou-a com um impulso poderoso. Ela berrou de agonia,
e o som ecoou por entre os pinheiros. Foi só quando se sentiu
completamente envolto no aperto feminino que se obrigou a parar e
permitir-lhe um intervalo para ultrapassar a dor. Não conseguiu no
entanto suprimir o gemido de satisfação masculina, ou terá sido um
grito? Por causa dela, ficou demasiado abalado para ter noção dos
seus atos. Só conseguia sentir, e santo Deus, estava certamente no
paraíso, pois cada sensação era perfeita. E nova. Pela primeira vez
desde que se deitava com mulheres, descobriu-se consumido pela
paixão.
Ela descobriu-se consumida pela dor. Debateu-se contra ele e
exigiu que parasse de imediato, sempre a gritar, mas depois ele
soltou um berro e ficou totalmente hirto, e ela não conseguiu
distinguir se era raiva ou uma desilusão igual à sua.
Connor notou finalmente que ela chorava. Parou de imediato e
tentou acalmá-la.
– Isso já passa. A dor há de desaparecer.
– Como sabes que vai desaparecer?
– Sei e pronto.
Parecia terrivelmente convicto. Ela quis acreditar nele, admitindo
que o latejar já não era tão intenso. Mesmo, representava um
incómodo, oxalá passasse depressa. Ia pedir-lhe que se
despachasse, mas depois ele beijou-a novamente e subitamente ela
ficou mais interessada no beijo do que na conversa.
Ele continuou a acariciá-la e a beijá-la, até a rapariga suavizar o
modo como o agarrava.
Depois Connor voltou a mexer-se – primeiramente devagar,
jurando que pararia ante o pedido dela, ainda que o matasse. Mas
ela não o contrariou nem fez pedidos impossíveis, apenas o abraçou
novamente pelo pescoço.
No entanto, ele procurava mais do que mera aceitação. Sentira a
paixão dela antes de a ter magoado, e ansiava por despertá-la de
novo. No intervalo dos beijos ardentes, foi sussurrando promessas
sensuais, elogios, palavras sem sentido que ela não se importou de
ouvir. Que recompensa abençoada para a sua paciência, notou que
ela começara a mexer-se ao encontro dele.
Connor apoiou-se nos braços, levantando-se para a fitar nos
olhos. Encontrou ali lágrimas mas também havia paixão, ou não?
Céus, bem queria. Não queria magoá-la mais, e voltou a jurar que,
caso Brenna continuasse com dores, terminaria rapidamente com
um impulso forte, de modo a despejar a semente, embora que não
soubesse onde encontraria a disciplina necessária para largar a
rapariga.
– Queres que pare? – a voz dele estava embargada de emoção.
Connor tinha um ar zangado. Brenna examinou-lhe o rosto e viu
que tinha o maxilar tenso e gotas de suor na esta. Teria ela agido
indevidamente? Nem sabia como, o latejar era insistente, mas
espantosamente agradável. Mudou de posição debaixo dele,
levantou os joelhos um pouco para ajudar a penetração e sentiu um
choque além de agradável. Foi obrigada a repetir o movimento.
Ele soltou um gemido surdo.
– Estás zangado por minha causa? – murmurou ele.
Connor abanou a cabeça antes de repetir a pergunta.
– Queres que pare?
– Não – disse ela.
Ele saiu levemente, sorrindo porque ela instintivamente apertou as
pernas, tentando mantê-lo dentro de si, mas depois Connor fez nova
investida, atento à expressão dela e a possíveis sinais de
desconforto.
Ela cerrou as pálpebras com força, soltou um gemido manso, e
ordenou-lhe que repetisse.
Ele não precisava de mais encorajamento. Voltou a mexer-se,
intensificando cada impulso, e, oh, como adorou o modo como
Brenna se colou ao seu corpo, produzindo aqueles sons eróticos no
fundo da garganta.
Connor acreditava ainda que controlava a situação. Tinha perfeita
noção do que acontecera à rapariga; havia de rapidamente ceder
tudo, o corpo, o espírito e o coração. O orgasmo havia de consumi-
la e enquanto se encontrasse imersa no clímax, ele despejaria a sua
semente.
Ficaria bem servido, obviamente. E satisfeito. Como era normal.
Manteve o ritmo até ela se contorcer nos seus braços e tentar
apressá-lo, meneando as ancas. Ele ficou ainda mais exigente.
A rapariga indicou-lhe que estava a gostar bastante dos seus
gestos, pois enterrou as unhas nas suas costas e exclamou de
prazer.
– Meu Deus.
– Não, Brenna. É o Connor.
Ela não compreendeu o comentário pois as sensações ardentes já
lhe consumiam os sentidos de uma forma terrivelmente maravilhosa;
quis explicar mas a voz perdeu-se nos berros que pediam mais.
A necessidade dela alimentou a do homem. Tornou-se
subitamente a agressora, ao contrário dele, enchendo-o de afagos e
carícias, tocando-lhe de formas que Connor desconhecia.
Ela puxou-o para baixo e aplicou-lhe um beijo longo, húmido, de
boca aberta, já selvagem, descontrolado e exigente, forçando-a a
render-se por completo com a sua resposta desinibida, impotente
para travar o que lhe acontecia. A paixão dela despertou a sua, e
até entregou de bom grado à mulher a parte do espírito que
resguardava sempre.
O mundo dele desfez-se. Entrou nela com força, profundamente,
sem parar, movimentos agora descontrolados, pois sentia-se
dominado por ela, e com um ímpeto final, despejou a semente,
gritando o nome da esposa, várias vezes, aceitando-a e rendendo-
se a ela. Nesse instante, quando os dois corações bateram como
um, e as almas se entrelaçaram, Brenna encontrou a sua plenitude.
Agarrou-se ao marido como se disso dependesse a vida,
aterrorizada com o acontecimento, e depois ouviu o seu nome,
sentiu-o contrair-se, e subitamente deixou de lutar contra a própria
rendição. Tremor após tremor de êxtase invadiram-na, e contudo
Connor manteve-se unido a si, cingindo-a com força, dizendo-lhe
que estava tudo bem, entoando o nome dela.
O clímax da rapariga pareceu durar uma eternidade, e contudo
desvaneceu-se rapidamente. Chorando mansamente ao encontro
do ombro dele, porque fora incrivelmente belo, sentiu-se exausta,
repleta, e muito orgulhosa de si mesma.
Demorou vários minutos para deixar de tremer e voltar a respirar.
Notou que Connor ainda inspirava com força e tremia. A experiência
fora mais exigente para ele do que para si, percebeu, antes de
reparar que também ela respirava de forma ofegante.
Connor continuou agarrado a ela até Brenna se descontrair nos
seus braços e baixar as pernas; depois ele tentou sair de cima dela
e deitar-se de lado, mas ela não o deixou. Ele ainda pensou em
afastar-lhe os braços e levantar-se, pois precisava de tempo a sós
para digerir o que acontecera, mas sentiu as lágrimas na sua pele e
decidiu aguardar outro minuto ou dois.
Ficara magoada, obviamente. Era virgem, fora difícil acolhê-lo, o
que era inevitável, mas teria continuado a magoá-la depois de ela se
ajustar debaixo dele? Raios, foi bem duro com a rapariga; devia ter-
se controlado, e tê-lo-ia conseguido, se ela não fosse tão quente e
apertada. O que queria ela? Entregara-se completamente a si.
Brenna fora perfeita. Connor percebeu subitamente o que estava
a acontecer, e abanou a cabeça perante os pensamentos. O que se
passava consigo? Tentava culpá-la por lhe ter quebrado a disciplina
e reivindicado o coração, Deus o acuda, pois ele entregara-os de
boa vontade.
Necessitaria de tempo para recuperar. Mas ela não tencionava
largá-lo, e Connor decidiu aguardar pela manhã de modo a
encontrar uma solução. Talvez já tivesse conseguido recuperar parte
do controlo – o qual também entregara. Não admirava que se
sentisse agora vulnerável, uma ideia absolutamente absurda. A sua
força desaparecera, e ele senta-se subitamente demasiado exausto
para pensar em temas importantes. Inalou aquele maravilhoso
aroma feminino, sentiu que se misturava com o seu, e pensou que
tinha de adormecer em breve, ou voltaria a endurecer e magoá-la de
novo.
Ela não queria dormir, mas que Connor lhe sussurrasse uma
palavra terna, indicando se também tinha gostado. Tinha
necessidade de reconforto, agora, mas quando ouviu a respiração
dele tornar-se profunda e espaçada, percebeu que não surgiria.
Afastou-se dele, sentou-se e abanou-o. Ele nem abriu os olhos.
Não desistiu. O orgulho daquele acontecimento evaporava-se
rapidamente, e raios o partam, queria continuar a sentir o
encantamento, e não pena. Não entenderia que ela precisava de
elogios e consolo para obter o consolo de que tanto necessitava?
Não, claro que não sabia. Aquele urso insensível não fazia a
mínima ideia do que significava consolo.
Decidiu dar-lhe uma última hipótese para se redimir e espetou-lhe
o dedo com força no ombro. Quando abrisse os olhos, iria
perguntar-lhe sem rodeios se ficara tão satisfeito com ela como
Brenna se sentia com ele. Receberia como resposta uma afirmativa
óbvia, para sua grande satisfação.
Connor não abriu os olhos, mas mexeu-se. Rodou na cama,
virando-lhe as costas.
Brenna notou as feridas que lhe causara e o coração quase lhe
parou. Os largos ombros e as costas dele estavam traçados a
vermelho. Os cortes das suas unhas não sangraram, mas as
marcas eram bem nítidas e durariam durante algum tempo.
Como fora capaz daquele ato? Como um animal selvagem, e não
a senhora polida que fora ensinada a ser. Não admira que Connor
lhe voltasse as costas. Terá ficado desiludido. E não podia culpá-lo.
Ignorava se conseguiria encará-lo novamente. Mas obviamente
que o teria de fazer, a não ser que morresse de embaraço antes de
chegar a manhã.
Primeiro o mais importante, disse a si própria. Dar um salto ao
ribeiro, lavar o cheiro dele e vestir-se.
Ter tarefas a cumprir melhorou-lhe a disposição. Tentou não fazer
muito ruído, embora desconfiasse que, mesmo pisando-o, ele não
despertaria. Mal se mexeu, Brenna soltou um queixume de dor. Fez
uma pausa, lançando um olhar a Connor, responsável pelo
desconforto dela, depois levou a mão à manta escocesa que ele lhe
oferecera. Viu de imediato as manchas de sangue. Não entrou em
pânico, e a bem dizer não ficou espantada, pois a mãe informara-lhe
que havia sangue e dor, mas a mulher exagerara ao dizer que seria
um ato rápido e despachado. Brenna teve de admitir que parte do
desconforto fora culpa sua. A mãe também lhe indicara que não se
devia mexer durante a provação, prometendo que assim não seria
menos terrível, mas Brenna não ficara quieta, pois não? Quando é
que começaria a dar atenção aos mais velhos?
Mas não tinha sido realmente horrível. Admitiu a verdade ao
regressar ao ribeiro. Continuou a ruminar no assunto enquanto
lavava todas as zonas da pele em que ele tocara, o que significava
outro banho completo, e então vestiu-se. Felizmente deixara as
roupas ali na margem, nomeadamente a roupa interior. Bocejando
de mero cansaço, dobrou a manta num quadrado perfeito, com a
intenção de devolvê-la pela manhã, depois envergou uma camisa
limpa, cor de pérola, que lhe dava pelos tornozelos e cobriu com o
brial de azul-noturno.
– Sou patética – murmurou ela com aversão.
Retirou o colar de madeira do interior do sapato direito, onde,
cautelosamente, o escondera, e segurou-o gentilmente na mão,
tratando-o com tanto cuidado como se fosse uma coroa real. O
medalhão redondo de madeira era uma prenda do pai, e embora
não tivesse valor para um ladrão, motivo pelo qual o pai mandara
fazê-lo em madeira, era mais precioso e valioso do que todas as
suas posses, por causa do que representava. O pai mandara fazer
medalhões de madeira para todos os filhos, inclusive para os
varões, e em cada um gravara uma inscrição diferente. O de Brenna
tinha a forma do sol. Todos os irmãos reconheciam os desenhos dos
outros, pois o pai insistira em que os memorizassem, e quando
entregou a Brenna o medalhão respetivo, dera-lhe igual indicação.
Se estivesse alguma vez em apuros, só precisaria de enviar o
medalhão a um dos irmãos a pedir ajuda imediata. Explicou-lhes
que a primeira lealdade de todos eles residia na família, querendo
garantir que, após os pais falecerem, os filhos cuidariam uns dos
outros.
Brenna admitiu, embora só para si, que tinha uma tendência para
ficar preocupada e esquecer-se de onde deixava os seus objetos.
Por esse motivo, guardava o medalhão no sapato quando se
deitava. Não ousaria ser descuidada com a prenda do pai.
Encarar aquele elo com a família despertou-lhe as saudades.
Sentiu-se sufocar, subitamente, ao contemplar a sua atual situação,
e desatou a soluçar de solidão. Tentou, mas não conseguiu parar.
Sentou-se na descida, rendendo-se ao inevitável, depois daquele
dia infernal, e segurou o tesouro entre as mãos até se esgotarem as
lágrimas. A linha de salvação com a família estava presa por um
colar de couro. Verificou que estava atado condignamente antes de
o colocar em volta do pescoço e escondê-lo debaixo da roupa. Ficou
entre os seios, diretamente em cima do coração, aonde pertencia.
Muito para seu espanto, chorar constituíra um bálsamo, e sentiu-
se realmente melhor a seguir, embora fosse peculiar. Também
conseguiu analisar a sua situação com mais pragmatismo e menos
emotividade. O disco de madeira representava o passado dela, mas
Connor fazia parte do seu futuro, certo?
Se calhar, devia aprender a ser-lhe leal, certo? O amor não era
realmente importante, pois não? Era o que a mãe dizia. Ora, ela não
amara a sério o pai delas durante anos e anos. Ao longo do tempo,
o coração dela acabara por aceitar os modos bruscos do marido até
se aceitarem mutuamente.
Connor já demonstrara ser capaz de a tratar com gentileza. A
forma como lhe tinha tocado, com tamanho carinho e cautela, era
prova suficiente. As mãos encaixavam-se no seu aspeto global,
pensou ela. Eram grandes, cheias de calos, fortes, duras e, contudo,
tão mansas quando a acariciaram.
A memória fê-la suspirar. Foi imediatamente seguida de um bocejo
sonoro. Não quis evitar Connor nem mais um minuto. Necessitava
de dormir e do calor masculino. As ternas palavras que a
tranquilizariam teriam de aguardar até que o homem obtuso
percebesse finalmente o valor da esposa. Brenna tinha de mostrar-
lhe do que era capaz, mas sentia-se preparada para o desafio e, se
Deus quisesse, tornar-se-ia uma boa esposa e mãe.
Ergueu-se ao ouvir Connor.
Ele mal fez ruído, mas reconheceu a origem. Limpou à pressa a
cara das lágrimas remanescentes, compôs-se o melhor que pode
sem escova nem espelho e dirigiu-se a ele.
Ele parou na abertura entre as árvores. Não ousava abordá-la
para já, pois a vontade de tomá-la nos braços e fazer novamente
amor com a rapariga tinha primeiro de ser dominada e depois
descartada, antes de dar mais passos. Embora não pudesse ignorar
o sentimento. Havia de dizer-lhe que fora atencioso da sua parte
afastar-se da cama dele durante tanto tempo, embora, claro, talvez
num escasso segundo antes de a sua boca beijar a dela, para
Brenna não desatar novamente com lamúrias. Ele adorava o sabor
da rapariga, a sua sensação.
Céus, Brenna era mesmo bonita. Não conseguia ultrapassar este
facto. E não se sentia apenas atraído pela aparência como um
rapaz embeiçado. Não, era mais do que isso. Era uma mulher
sensual. A forma graciosa como se mexia, o calor do seu sorriso
convidativo, o seu aspeto delicado, tudo nela era atraente, embora
se sentisse mais cativado pelo ar de dignidade e força na sua
postura. Fazendo-o crer que compreendia plenamente o poder que
podia ter como sua esposa.
E, caso ele fraquejasse, ficaria ela com o poder nas suas mãos? O
pensamento fê-lo franzir a testa.
Quando mais ela o fitava, mais rápido o coração lhe batia,
subjugada pela perfeita beleza diante de si. Connor encontrava-se
quase completamente envolto pela neblina espessa presa entre as
árvores. Brenna recordou-se subitamente dos gigantes de outras
eras que povoavam as historias de adormecer contadas pelo pai.
Connor era seguramente tão magnifico como os seus
antepassados, ou ainda mais. Não tinha um único pedaço de
gordura. Ela compreendia o motivo de Connor irradiar tanta força e
poder. O reluzir dos músculos nos antebraços e pernas era
evidência suficiente. Musculatura sob a superfície da pele que ficou
visível ao esticar o braço na direção ela.
Brenna imediatamente avançou e pousou a mão na sua.
– Julguei que dormias – murmurou.
– Não consigo dormir antes de ti.
– Porquê, Connor?
Ele gostava da forma como ela dizia o nome dele com aquela
intimidade. Céus, sentia-se mesmo cansado. Só podia ser a
exaustão que lhe trazia estes pensamentos tolos à mente.
– Sou responsável por ti, ora essa. O que fazias tu?
Desapareceste há algum tempo.
Ele sabia perfeitamente o que ela fazia, obviamente, a prova do
pranto ainda permanecia nos seus olhos, e o único motivo para ter
colocado a pergunta destinava-se a verificar se ela admitiria tal
fraqueza.
– Chorava como um bebé. É engraçado, para ti?
– Sorri por dizeres a verdade.
– Sempre digo a verdade. As mentiras tornam-se muito
complicadas. Costumas andar sem roupas?
A possibilidade preocupava-a.
– Apenas quando persigo esposas desatenciosas – respondeu.
Ele não quis ser intratável mas ela não notou. Tinha o espírito
algures. Mas Brenna logo partilhou a sua preocupação.
– Porque casaste comigo?
– Amanhã explico-te.
Ele tentou virar-se, querendo arrastá-la de volta para a cama, mas
ela travou-o, simplesmente puxando-lhe pela mão.
– Prometeste que me explicarias quando o nosso matrimónio
fosse abençoado. Não acreditas que gosto de saber a verdade, pois
não? Foi por isso que adiaste?
– Volta para a cama. Já explico.
– Vais adormecer antes de…
Ela desistiu de explicar ao sentir-se levantada ao colo. A pele dele
estava tão agradável e quente, que só quis aninhar-se contra ele.
Mas não cedeu à tentação, limitou-se a envolvê-lo pelo pescoço,
fitando olhos nos olhos.
– Choravas, porquê?
– Recordava a minha família.
– A tua família sou eu, agora.
A rouquidão da voz masculina acabou por tranquilizá-la, uma
reacção tão estranha que só podia dever-se ao cansaço. Não
tencionava revelar-lhe a sua preocupação, mas, Deus a ajude, a
forma como ele a olhava incitava-a a despejar todas as suas
pequenas arrelias.
– Desapontei-te – murmurou ela.
– Não.
– Não?
– Não me desapontaste.
Ela esperou que ele explicasse, mas ele não continuou, o que não
seria surpresa, pois ele não desenvolvia os comentários. Uma
fraqueza sem dúvida replicada nos elogios. Ela sentia-se agora
desmesuradamente satisfeita consigo mesma, e tudo porque não o
desiludira.
Ah, pois, hoje sentia-se cansado. Fora um dia comprido e difícil,
afinal, razão para se sentir tão emotivo.
Ele devolveu-a aos cobertores, pousando-a de pé. Ela tentou
afastar-se dele, mas Connor puxou-a de volta aos seus braços e
beijou-a, intensa e demoradamente.
Os joelhos dela cederam, e caiu graciosamente no leito quando
ele a largou.
Ela recuperou as forças um minuto depois. Ele esticou-se sobre as
mantas, e ela tentou ajoelhar-se sobre ele. Mas o homem não quis.
Puxou-a para baixo e fê-la deitar-se a seu lado, depois puxou-a
contra o peito e envolveu-a com os braços.
Não iria largá-la. Brenna não esquecera a promessa que ele lhe
fizera, em que lhe contaria a razão de ter sido escolhida para
esposa, receando de algum modo que ficasse descontente com a
explicação. Não lhe apetecia ser obrigado a levantar-se e persegui-
la novamente. Já descobrira que as mulheres tinham ideias
estranhas sobre temas supostamente fora do seu interesse. Era fácil
ferir-lhes os sentimentos; assim acontecia com a mulher de Alec, a
Jamie. Brenna parecia ser ainda mais emocional. Não só ficava com
os sentimentos feridos, como insistia que Connor soubesse.
Confessar que não o tinha desiludido foi prova suficiente.
Espantava-o que Brenna precisasse da sua garantia. Uma
vulnerabilidade que ela nem tentara esconder.
Sim, ela espantava-o, é verdade, mas também lhe dava mais
prazer do que ele imaginara ser possível.
– Connor, ias dizer…
– Quero ter filhos.
– E filhas – recordou ela.
– E filhas – concordou ele. – Já te disse os meus motivos.
Ela tentou virar-se para o encarar, mas ele apertou-a com força,
impossibilitando qualquer movimento.
Ela desistiu. Pousou a cara no antebraço masculino, sorrindo por
se encontrar duro e quente contra a bochecha, e depois bocejou
com força.
– Mas porque casaste comigo? Podias ter casado com qualquer
mulher das terras Altas.
– Tu pediste-me em casamento.
– Não uses essa desculpa, por favor. Ambos sabemos que jamais
me forçarias a cumprir uma promessa em criança.
– Claro que não.
– Lembras-te de alguma coisa desse pedido? Deves…
Obviamente que ele se lembrava de todos os pormenores da
conversa com o pai dela.
– Vais manter-me acordado durante toda a noite? – perguntou,
irritado.
– Não, claro que não. Não tencionava afastar-me do assunto.
Preocupa-me que o teu motivo para casares comigo se deva ao
meu pai. Isso é verdade?
– Não – respondeu ele. – Eu e o MacNare temos um feudo. Ele
perseguiu a família do Quinlan. Incendiou-lhes a casa, destruiu as
colheitas, matou-lhes o gado. Queria unir aquelas terras às suas.
Mal soube desta atrocidade quando surgiu outro dos meus
seguidores com o relato de um ato igualmente revoltoso.
– E porque os teus homens te são leais, começaste uma guerra
em nome deles.
– Sim.
– Tem de haver outro motivo, pois seguramente outros te
procuraram anteriormente com histórias de maus tratos. Se tivesses
casado de cada uma dessas vezes, terias agora dez esposas.
– Tenho outro motivo, que não quero explicar para já.
– Mas um dia?
– Sim.
– Está bem. Podes explicar como está relacionado o nosso
casamento com a tua guerra?
– É simples, Brenna. O MacNare queria-te.
– E portanto, antecipaste-te a ele. Podias ter-me matado.
– Não mato mulheres.
– Não quis insultar-te. Dizes-me que não matas mulheres, mas no
que toca a usá-las, não sentes remorsos.
– Às vezes, é preciso.
– Porque não continuaste a lutar contra ele? Sofreste perdas
substanciais?
– Se um homem das Terras Altas traz a vingança dentro de si,
nunca sofre perdas substanciais. Mas eu tive sorte. Houve feridos,
mas não perdi nenhum dos meus homens. O meu irmão ordenou-
me que findasse o feudo. O Alec tornou-se uma espécie de
mediador, nas nossas terras, e tem o poder de obrigar outros a
cumprirem com o que ele considera justo. Casar contigo foi o meu
último…
– Insulto?
– Só se o considerares.
– O que considerarias então como um insulto?
– Destruir a colheita de um homem, matar bons cavalos. Esses
são insultos. Matar um soldado é uma questão mais séria. Talvez
coloques demasiado valor ao matrimónio. Pensas como uma
mulher.
– Nunca me teria dado a tanto trabalho.
– Sou filho do meu pai. Também sou pragmático.
Ele dissera-lhe a verdade, Deus a ajude, pois pedira-lhe isso, e
subitamente teve vontade de chorar novamente.
Ela tentou ser pragmática e disse a si mesma que podia ter sido
pior. Embora ignorasse a alternativa. Não gostava de sentir-se
usada. Nenhuma mulher gostaria. Mas ele jamais entenderia isto.
– Aprenderei a ser pragmática, daqui em diante – murmurou ela.
Tremia-lhe a voz, e não disse mais nada, pois desataria a chorar.
Pensou que preferia morrer do que confessar-lhe o quanto lhe
arrasara as esperanças e os sonhos. Não deixaria que ele a
magoasse novamente, e, se o pragmatismo implicasse ignorar os
sentimentos e o coração, teria de ser mais pragmática do que ele.
Não demorou muito a perceber a sua parvoíce. Não queria viver
sem amor, e portanto só tinha uma opção: obrigar Connor a mudar
de atitude. Mas como alcançaria esse objetivo?
A tarefa era desanimadora e parecia ser tão impossível, como
forçar a chuva num dia de sol. Cerrou as pálpebras com força, mal
percebeu que o cansaço lhe despertava as lágrimas, tentando
concentrar-se na prece noturna para que o ritual lhe ocupasse o
pensamento.
Connor procurou bloquear o espírito contra a mágoa causada,
para que os pensamentos ridículos de culpa não o incomodassem.
Quando lhe disse um fragmento da verdade plena, sentiu-se uma
mulher tão emocional como Brenna. Ela não entenderia e ele não
queria explicar melhor.
O ódio por MacNare ainda o consumia por dentro, e embora, não
tivesse encontrado provas que culpassem aquele senhor da morte
de Donald MacAlister, Connor queria acreditar na suspeita do pai,
de que MacNare e o pai deste, bem como a sua família, tinham
estado envolvidos no ataque às terras dos MacAlister. Iria encontrar
a prova antes de matar todos os suspeitos da chacina, mesmo se a
verdade demorasse anos a surgir. Até então, teria de contentar-se
com ataques insignificantes que apenas serviam para os
enraivecer.
Mas Alec dificultava-lhe o dever. O irmão conhecia o teor da sua
promessa a Donald MacAlister no leito de morte, e também ele
tentara descobrir provas da traição de MacNare. Não encontrando
nada, Alec decidira que a suspeita não tinha fundamento. Agora só
queria impedir os ataques ao clã MacNare. Connor sabia que teria
de fazer a vontade do irmão, mas apenas durante algum tempo, até
Alec recuperar a razão. Nem a vingança seria esquecida nem o ódio
de Connor seria apaziguado, apenas intensificado. Afinal, era filho
do seu pai.
– Quando decidiste casar comigo?
A pergunta fê-lo regressar ao presente.
– Mal ouvi dizer que o MacNare casaria com uma das filhas do
Haynesworth.
Mas os insultos não tinham fim?
– Então nem sabias que eu era a destinada ao MacNare? Santo
Deus, não sabias, pois não? As propostas não se deveram à tua
decisão. Tu é que perdes, Connor. Eu não devia casar com o
MacNare, mas a Rachel. É a mais bonita da família – acrescentou
por instinto.
– E então porque não veio?
– O rei descobriu e travou o matrimónio. Queria que a Rachel
casasse com um barão da sua escolha.
– E o teu pai substituiu-te.
– Sim.
Ele ficou atónito pelos costumes ingleses, horrorizado ao ver um
pai tratar as filhas com tamanha desconsideração.
– E quando soubeste que ias casar com ele, Brenna?
– Isso não tem importância.
– Responde-me.
– No dia em que parti. O pai disse-me que era a minha obrigação,
e eu saí de casa poucas horas depois. Foi errado da tua parte
convenceres-me que me tinhas procurado por causa do meu pedido
de casamento.
– Não foi errado. Foi conveniente.
– Como?
– O meu irmão – respondeu ele. – Ele quererá saber porque
motivo casei contigo.
– E só pensas contar-lhe que eu te pedi em casamento? Mas…
Ele interrompeu-a.
– O meu irmão irá perguntar-te se realmente pediste.
– E se eu me recusar a responder?
A ideia era risível. Nenhum homem, e muito menos uma mulher,
recusaria um pedido de Kincaid e ficaria vivo para contar.
– Não recusarás – ele garantiu-lhe.
– Não tens muita compaixão por mim, Connor.
– E o teu pai teve compaixão quando trocou uma filha por outra?
Admite, Brenna. O comportamento dele é que foi pecaminoso, não o
meu. Não tratamos as nossas filhas com tanto desrespeito.
– O pai tinha os seus motivos. Seriam importantes.
– O rei deu autorização?
– Não houve tempo para pedir autorização. Mas terá ficado
contente.
– A meu ver, também poderá ficar descontente, com igual certeza.
Mulher, não me insultes nem chateies. Agora sou o teu marido e o
teu Senhor, e não deves esquecer-te disso. Salvei-te de um futuro
nefasto com um demónio.
Ela ficou subitamente demasiado irritada com ele para comer as
palavras.
– O teu plano foi avante. Agora ninguém mais me quererá. O
mínimo que podias fazer é deixar-me voltar para casa.
– Dá-me um filho. Depois podes partir.
Ele arrependeu-se da sua própria crueldade mal as palavras lhe
saíram da boca, mas não podia voltar atrás.
E jamais a deixaria partir.
Capítulo 6

E la detestou-o intensamente até ao meio-dia. Depois lembrou-se


que planeara ser pragmática. Tinha de dar-se bem com aquele
homem repugnante, certo? Além disso, o seu feitio não lhe permitia
afundar-se na tristeza durante muito tempo. Havia outros assuntos
muito mais interessantes em que pensar, embora, para ser sincera,
quando Connor lhe prometera que podia regressar a casa logo que
lhe desse um filho, ela ficara tão ultrajada que dificilmente o
perdoaria. Que tipo de monstro seria ele, para a julgar capaz de
abandonar um filho?
Contudo, não era um monstro, mas apenas um homem. Um
homem teimoso, completamente imprestável e ignorante.
Não decorrera ainda o tempo suficiente para sanar a grave
ofensa. Talvez, pela tarde, o encarasse menos hostilmente.
Fizera grandes progressos em pouquíssimo tempo. Já não tinha
pensamentos homicidas a respeito do marido, e notava que não era
totalmente cruel e insensível. Parecia preocupar-se com Gilly, tanto
quanto ela. Abrandou o passo para que a sua égua conseguisse
acompanhá-los, ficando ao lado de Brenna, e de vez em quando,
lançando um ar deveras preocupado.
Depois de atravessarem um extenso prado de trevos em tons de
verde e urze púrpura, demasiado precioso para pisar na opinião da
rapariga, Connor fê-los abrandar, e poucos minutos depois pararam
ao alcançarem a proteção da floresta.
– Quinlan, segue à frente com os outros. Espera por nós no cimo
do monte – Brenna reparou na expressão espantada do outro
homem. Como se quisesse discutir com o seu Senhor, mas acabou
por se afastar, lançando a Brenna um olhar que ela interpretou como
sendo de pena.
Ela rapidamente percebeu o motivo de Quinlan a ter fitado
daquela forma. Connor esperou que os homens se afastassem e
obrigou-a a olhar para si. Brenna imaginou pingentes de gelo nos
seus olhos, tamanha era a fúria.
– Muda esse ar carrancudo agora mesmo.
Ela esperou que ele a soltasse para responder.
– Não percebi que tinha esse ar. Foi por isso que parámos?
– Não – respondeu ele. – Queria perguntar-te uma coisa.
– Sim?
– Continuas com dores?
Ela imediatamente baixou a vista de perplexidade. Num piscar de
olhos, o rosto inundou-se de cor.
– Aguardo a tua resposta.
– Temos de falar nisso?
– Responde-me – ordenou ele novamente, embora num tom de
voz mais simpático.
– Não, já não estou com dores.
– Fui muito bruto? Terei rasgado…
– Estou bem, a sério. Não te preocupes mais.
– Brenna, quando é que vais perder a tua timidez na minha
presença?
– Em breve, oxalá.
Ele acabou por sorrir, apesar da irritação. Ela tinha um ar
desesperado.
Mas ainda não estava completamente convencido que a rapariga
dissesse a verdade sobre a sua condição, e portanto, não largou o
assunto.
– Se não estás com dores, porque não paras quieta na tua sela?
Ela espantou-se que ele tivesse reparado. Mal lhe tinha lançado
um olhar enquanto cavalgava ao lado dela.
– Não percebi que fosses tão observador.
– Reparo em tudo. Tal como os outros, ou não me
acompanhariam. É um dos motivos para continuarmos vivos.
– E reparaste no desgosto que me causaste?
Ele ficou exasperado.
– Não te causei nada.
– Discutimos e…
– Não discutimos.
– Então o que aconteceu?
– Colocaste perguntas, e eu respondi.
Ele não compreendia, a sério. A revelação atordoou-a, e foi um
raio de esperança no futuro deles.
Afinal, talvez Connor não fosse cruel nem insensível, mas apenas
ignorante. Sentiu-se extasiada e aliviada com esta descoberta.
– E que mais reparaste em mim? – perguntou ela.
Ele reparava em todos os pequenos pormenores da sua pessoa,
foi o que quis responder-lhe: a forma como ela susteve a respiração
quando lhe surgiu pela frente o prado coberto com as cores do arco-
íris, o sorriso radiante que soltou e a expressão carrancuda quando
ele a impediu de parar e explorar o sitio, para não atrasar os
homens.
– Reparo que fazes um ar carrancudo quando olhas para mim.
Ela suspirou.
– Não compreendi que não me tinhas causado um desgosto de
amor. Também julguei que havíamos discutido, mas explicaste que
não foi nada disso.
Ele anuiu.
– Porque não paras quieta na sela?
Ele obrigava-a a admitir o seu desconforto.
– Fiquei um pouco sensível – murmurou ela. – Procuro sentar-me
bem para não me doer.
Ele levantou-a do dorso de Gilly e pousou-a no colo, abraçando-a.
Pousou o queixo no cimo da cabeça dela.
– Assim está melhor?
– Sim, obrigada.
– Não vou poder tocar-te hoje à noite, pois não?
Parecia desapontado. Ela não acreditava nele, obviamente.
Depois pensou que seria uma brincadeira e olhou para cima, à
procura do sorriso. A expressão dele não denunciou os seus
pensamentos, e ela teve de perguntar:
– Mas queres voltar a tocar-me?
– Claro. Porque ficas tão espantada? Disse-te que não me
desiludiste, e quero filhos o mais depressa possível.
Ela reclinou-se para o fitar melhor.
– Mas depois de nós, mesmo depois de… Disseste-me que não
tinhas ficado desiludido, mas também não estavas contente.
– E porque pensas isso?
– Viraste-te, ignorando-me. Não tens de fingir agora para não me
magoares os sentimentos. Hei de melhorar.
– Oh, mulher, se melhorares, ainda me matas.
Ela ficou vermelha.
– Então ficaste contente… no fim?
Ele soltou um suspiro demorado. não compreendia porque motivo
ela precisava que o admitisse.
– Sim.
– Porque não me dizes como te sentiste?
– E para quê?
Ele desconhecia os sentimentos das mulheres, lembrou-se ela
para não se irritar.
– Podias ter-me feito alguns elogios.
Ele lançou um olhar de espanto, que ela prontamente reconheceu.
Era o mesmo olhar que recebera quando pedira ao marido que a
tranquilizasse.
– Não consigo adivinhar o que queres. Tens de me dizer, Brenna.
Ela abanou a cabeça.
– Deixa, já não preciso de elogios, por isso abandona esse ar
atónito. Aliás, eu também não os digo. Pelo menos, não fiquei
desiludida.
– Eu sei.
Ela ignorou o comentário arrogante.
– Acho que devíamos começar do inicio – anuiu para sublinhar a
sua conclusão antes de repeti-la. – Sim, devíamos fazer isso.
Vamos recomeçar, a partir deste minuto.
A que se referia ela? Recomeçar o quê? Se não se mostrasse tão
contente consigo mesma e tão feliz, talvez lhe tivesse pedido uma
explicação.
Brenna notou de súbito que fora muito atencioso da parte dele
procurar a privacidade antes de colocar a pergunta intima sobre a
sua condição.
– Agradeço que tenhas esperado até estarmos a sós para
falarmos do meu desconforto, e sinto-me melhor por te teres
preocupado.
– Não paramos por causa disso.
Ela ficou tão desapontada, que Connor decidiu suavizar a
verdade.
– Foi um dos motivos pelos quais parámos. Também queria falar
contigo sobre a égua.
– A Gilly? Está exausta.
– Precisamente – concordou ele. – Vamos ter de deixá-la para
trás. Não vai conseguir fazer a última subida – prosseguiu, apesar
de ela ter começado a abanar a cabeça impetuosamente. A mulher
ainda não percebera que não era educado discordar do marido.
Oxalá aprendesse depressa. – Mais um passo ou dois, e cai por
terra.
Brenna sabia que estava certo a respeito de Gilly, e contudo
queria que percebesse que lhe pedia o impossível.
– O meu irmão ofereceu-me a Gilly há anos. Gosto muito dela.
Deves perceber que não posso abandoná-la. Não pode ficar aqui
até recuperar alguma força?
– Não.
– Por favor, alguma sensatez.
– Estou a ser sensato. O cavalo não consegue recuperar o que
nunca teve. Não foi criado para ser resistente.
– Mas se ficássemos mais um pouco…
– É demasiado perigoso ficarmos aqui. Colocarias em risco a vida
dos meus homens por causa do teu animal?
Os ombros dela decaíram em derrota. Não parecia haver razão
para continuar a tentar demovê-lo, agora que lhe dera uma razão
tão válida.
– Sei que tens razão – murmurou ela. – Ficaria arrasada se
alguma coisa acontecesse aos teus soldados. A Gilly ainda se
lesiona se puxar mais por ela. Já percebi que estou a ser egoísta.
Onde vamos deixá-la?
– Pode ser aqui mesmo.
Ela ousou abanar novamente a cabeça em resposta. E novamente
Connor ficou espantado com tanto desafio. Ela tinha de aprender a
confiar nas suas decisões.
De facto, mudara desde o primeiro encontro. Uma reviravolta
completa. Quando o vira, mal conseguia proferir uma palavra
coerente, sem dúvida por causa do medo. Mas agora não se
mostrava minimamente intimidada. É verdade que ele não
lamentava a mudança, pois não teria apreciado uma esposa que
tremesse sempre que olhasse para si. Julgara que Brenna fosse
igual às outras mulheres que conhecia, percebendo agora o erro
deste pressuposto. Não era nada como as outras, mas única, de
uma forma maravilhosa e exasperante, demasiado bela para seu
próprio bem e para a paz de espírito dele, e ainda que a sua
ousadia fosse revigorante, não precisava de partilhar a sua vida com
tantos pormenores.
Como o exemplo de discutir consigo a respeito do cavalo;
infelizmente havia inúmeros exemplos iguais.
– A Gilly não é capaz de sobreviver sozinha. Presta atenção,
Connor. Quero que entendas. Tens um ar atordoado – acrescentou
com um aceno. – Disse alguma coisa que te incomodasse?
Ele contou até dez antes de responder, esperando acalmar a sua
ira crescente. A voz tinha no entanto ainda um ferrão audível
quando perguntou:
– Acabaste de dizer-me que prestasse atenção?
Ela ergueu os ombros num encolher de ombros caprichoso.
– Posso ter dito – admitiu ela. – Mas isso incomoda-te? É por isso
que tens os dentes cerrados? Se quiseres, peço desculpa.
– Ouve tu com atenção – ordenou ele numa voz mansa suspeita.
– Não mandas o teu marido prestar atenção – esperou que ela
anuísse antes de continuar. – Não estou zangado contigo, mas a
sério, pões a minha paciência à prova.
Porque Brenna pretendia fazê-lo mudar de ideias a respeito de
Gilly, não considerou boa ideia contradizê-lo neste ponto. Mas
manter-se calada era uma provação. Que homem casmurro,
querendo que as coisas fossem feitas apenas como queria. Mas era
o seu marido, e portanto tinham de dar-se bem. Se queria acreditar
que não ficara incomodado, ela far-lhe-ia a vontade, ainda que esse
incómodo estivesse à mostra. O músculo na face contorcia-se, por
amor de Deus, e se isso não indicasse explicitamente que se
encontrava incomodado, não sabia o que indicaria.
Lidar com aquele homem impossível seria a sua morte, decidiu.
Mas tanto orgulho seria a queda dele, até aprender a ser menos
arrogante.
– Obrigado pela explicação – disse ela. Sem grande sinceridade,
mas também não se engasgou nas palavras, e isso devia ser tido
em conta, certo? – Pensei que podias gostar de saber que Gilly está
habitada a muitos mimos e portanto não saberá procurar comida.
Agora é que ele estava completamente exasperado com ela.
Tratava-se de um animal e não de uma criança! Como se a mulher
não soubesse distingui-los.
Preparava-se para assumir uma postura mais firme, quando ela o
emboscou, tocando-lhe no rosto. Connor sentiu-se afagado pelas
asas de um anjo. Brenna também parecia um anjo, raios, com
aqueles encantadores olhos azuis e a expressão inocente. Sabendo
contudo que a carícia fora calculada para lhe interromper o
raciocínio, não pode evitar o resultado pretendido.
Ele pegou-lhe na mão para se poder concentrar. A esposa agia de
forma ridícula, obviamente, mas seria um erro dizer-lhe isso. Apenas
alimentaria tentativas de dissuadi-lo.
Era preciso usar diplomacia.
Infelizmente ele não a tinha.
– Ela vai ficar bem – retorquiu.
– Ela não vai ficar bem. Vai morrer.
– Para de discutir comigo, Brenna – disse ele, soltando a raiva.
Ela não se mostrou minimamente intimidada.
– Não estou a discutir. Só procuro fazer-te entender que a Gilly é
importante para mim. É como uma pessoa da família. Até lhe dei o
nome do meu irmão.
– Ele deve ter adorado – comentou ele com secura.
Brenna ignorou o sarcasmo.
– Não, o Gillian não gostava nada, mas acabou por se acostumar.
Não te ocorre alguém bondoso e simpático que possa cuidar dela?
– Pareço-te ser o género de pessoa que admitiria conhecer gente
bondosa e simpática?
Ela decidiu manter a calma, ante tantas provocações. Estava em
risco o bem-estar de Gilly e a égua era sua responsabilidade.
– Conheço uma pessoa que podia cuidar dela – adiantou Brenna.
– Não, não vamos levá-la de volta para Inglaterra. A família de
Quinlan não vive longe daqui, mas já substituí tudo o que perderam.
Não vais largar o assunto, pois não?
– Se me ordenares, tentarei. Ao menos, podes pensar um pouco
mais na tua decisão, antes de a tornares definitiva?
Connor concedeu, finalmente.
– Sou um homem razoável, e decidi pensar no assunto.
Menos de um minuto depois, admitiu que o pai de Quinlan estaria
disposto a aceitar a Gilly.
Ela ficou tão contente pela cooperação de Connor, que lhe
envolveu o pescoço com os braços e beijou-o. Tencionava dar-lhe
um curto beijo para demonstrar gratidão, mas entre intenção e
resultado houve um grande intervalo. Culpa dele, afinal, que lhe
tinha mostrado o encanto dos beijos. Deixou que Connor conduzisse
a situação, e antes de se poder afastar ou respirar devidamente, a
boca dele começou a mexer-se contra a sua num beijo prolongado e
profundo que imediatamente a fez ansiar por mais. Ele também
pedia mais e ela desinibiu-se, até a sua língua se tornar selvagem
na tentativa de o satisfazer. O sabor e textura masculinas misturou-
se ao cheiro, e Deus a ajude, não demorou muito a sentir o controlo
escorregar-lhe das mãos.
Esqueceu o mundo exterior. Podiam estar rodeados por um
exército de pagãos que não o teria notado ou mostrado interesse.
Nada lhe interessava a não ser o seu guerreiro nos braços.
Felizmente, Connor manteve a cabeça fria. Recuou abruptamente,
agarrou-lhe nas mãos e obrigou-a a soltá-lo e que não o puxasse
pelo cabelo.
Brenna não entendeu o quão abalado Connor ficara com o beijo.
O homem obrigou-se a desviar a vista daqueles lábios até recuperar
o controlo, mas raios o partam se não os voltou a observar. E a
tentação acabou obviamente por tomar conta dele, pois atacou a
boca da rapariga uma segunda vez, impedindo-a de tentá-lo a atos
mais íntimos, e quando por fim ele encontrou forças suficientes para
quebrar o beijo, enfureceu-se com ela.
– Até me esqueço de onde estou por tua causa, esposa.
Acreditando que ele apreciara o momento de ternura tanto quanto
ela, Brenna sorriu com gosto.
Ele perdeu a calma naquele instante.
– O que julgas que estás a fazer, em nome de Deus?
A mudança radical tirou a respiração à rapariga.
– Eu estava… – Deus a guarde, o que teria ela feito agora?
Connor não esperou que ela recuperasse a presença de espírito.
– Sim? – pediu ele.
– Só mostrava o meu apreço.
– Se é assim que mostras a tua gratidão, pergunto-me como
ficaste virgem até à noite do casamento.
Ela ficou atónita. A ousadia dele, estragar um beijo perfeito com
aquele comentário vil sobre o caráter dela!
A fúria de Brenna alcançou a intensidade da de Connor.
– É verdadeiramente um milagre. O meu pai passava a vida a
afastar-me dos homens que ataquei. Todos eles completamente
incapazes, obviamente, e tal como tu, nunca me beijavam de volta.
Era um comentário risível, visto estar tão tímida e aterrorizada na
noite da boda.
Embora ainda preferisse que ela se mostrasse mais recatada na
sua presença, tinha de admitir que continuava a ficar impressionado
com a ousadia com que o defrontava. Não compreenderia ela que
não devia opinar a não ser quando questionada? Era suposto que a
esposa lhe oferecesse eterna fé e lealdade ao marido em todas as
suas acções e palavras … certo?
Raios, nem sequer conhecia o comportamento correcto de uma
esposa. Nunca estivera casado e baseava as suas convicções na
observação e experiências passadas nas mulheres que levara para
a cama. Raios, mostravam-se agradecidas e dóceis. E rapidamente
se tornavam entediantes.
Brenna era uma alternativa refrescante, sem dúvida, mas não
fazia a mínima ideia de como a convenceria a obedecer.
Voltou a provocá-la sem motivo. Talvez apetecesse ouvir novo
comentário chocante.
– Ousas acalmar-me com uma refutação tão ignorante?
– Não, Connor, só tentava dar-te o que tu querias. Pareceu-me
que querias irritar-me de propósito. Deixei-te ganhar. Agradece-me
mais tarde.
O sorriso dele denunciou-o.
– Não percebes mesmo o que me irritou, pois não?
Desagradou-lhe tanto divertimento no marido.
– Não sei, mas desconfio que me vais contar.
– Não é correto que me beijes sem te ter dado autorização.
Ela sentiu a espinha retesar-se de raiva.
– Então não te irei beijar muito daqui para a frente.
– Ah, esposa, irás, sim.
Connor enfiou a cara dela contra o seu peito, calando
abruptamente a conversa.
– Paras de fazer isso? – pediu Brenna. – É um gesto rude.
Ele recusou o pedido, mas não voltou a dirigir-se a ela até ao final
do dia, quando finalmente pararam para descansar.
A qualquer momento, Brenna notaria que Gilly não se encontrava
amarrada ao lado dos outros cavalos. Desataria então numa birra,
acompanhada de lamúrias. Santo Deus, ele preparava-se para
interromper aquela manifestação antes de sequer começar.
Ela não lhe deu nenhuma resposta torta, mas quando viu a
expressão dela, teria preferido os berros. Incomodava-o muito mais
a tristeza daquele olhar.
Aguentou a desilusão que lhe causara durante a ceia, pois
decidira não dar explicações, mas uma hora depois mudou de
ideias. Disse a si mesmo que fazia uma exceção à regra por ela
gostar tanto da égua. Raios, tratava a criatura como um membro da
família.
Esperou até a encontrar sozinha junto à água, para abordar o
assunto.
– Brenna, não te traí, e quero que largues esse ar. Não tive tempo
de mandar ninguém entregar a Gilly à família do Quinlan.
– Entendo – a voz dela estava totalmente desprovida de emoções,
e respondeu ao chão para não ter de encará-lo.
– Não, não compreendes – murmurou ele. – O MacNare e vários
elementos do seu clã seguiam-nos, e embora adorasse uma boa
luta, não podia ceder à tentação por causa da tua presença. Não
quis colocar-te em tamanho perigo – levantou a mão quando ela
tentou interrompê-lo e prosseguiu. – Contudo, mal cheguemos a
casa, despacharei um dos meus soldados ao encontro da tua égua,
para que a dê ao pai do Quinlan.
– Obrigada, Connor. O nosso inimigo anda por perto?
– Demasiado – respondeu.
– Não ouvi nada.
– Não estavam assim tão perto.
Connor estava pronto para encerrar o assunto e virou-se para
partir.
Mas ela não.
– Connor?
– Sim.
Correu atrás dele mas parou subitamente. Tencionava beijá-lo na
cara com apreço por se ter incomodado a explicar-lhe as
circunstâncias, mas a reação do homem face à anterior
manifestação anterior de afeto ainda estava demasiado viva e
dolorosa na sua memória, e decidiu não o provocar novamente.
– Obrigado por me teres contado.
– Não te habitues. Não tenho por hábito explicar os meus atos a
ninguém. Duvido que se repita.
Ele estava determinado a estragar todos os momentos simpáticos
com um comentário viperino. Além de ter por hábito indelicado e
irritante afastar-se para concluir a conversa, forçando-a a correr
atrás de si.
– Já estamos a salvo?
– Sim.
Recusou-se a dar mais pormenores, nem explicou porque motivo,
ao contrário de anteriormente, agora já se encontrarem a salvo.
Lidar com o homem cansara-a sobremaneira e não tentou extorquir-
lhe mais informações.
Dirigiu-se ao ribeiro e lavou-se o mais depressa que conseguiu. A
água estava mais fria ali, do que no local em que se banhara na
noite passada. Quando finalmente trocou a roupa interior e meias
por peças lavadas, até o couro cabeludo entorpecera. Não
conseguira localizar o baú com os trajes, mas felizmente trazia dois
vestidos limpos, embora amarrotados, na sua sacola.
O ar frio da noite roubava-lhe rapidamente as poucas forças que
lhe restavam. Esticou a curta túnica sobre um arbusto, esperando
que a humidade do ar alisasse as rugas e sentou-se para escovar o
cabelo. Disse as preces noturnas à pressa, em jeito de despachar,
enquanto se penteava, e ao concluir, já nem tinha forças para calçar
novamente os sapatos e levantar-se.
Como seria bom adormecer numa cama quente, pensou, e
imediatamente sentiu-se culpada ao pensar na coitada da Gilly, que
não teria uma cavalariça quente naquela noite. Um ruído estranho
chamou-lhe a atenção. O som parecia um sussurro e chegava-lhe
do lado oposto da enseada, embora nada se visse de invulgar. As
árvores eram demasiado grossas, e a lua não lançava luz suficiente
sobre as ramagens, mas convenceu-se ter ouvido um ruído que não
pertencia àquele lugar.
Ela manteve-se completamente quieta, fechou os olhos e
aguardou vários minutos, paciente, até ouvir o som. Desta vez, foi
tão nítido como um grito, o som familiar de aço contra aço.
Avançavam homens com armas na sua direção. Santo Deus. Não
seriam aliados, pois os amigos não apareciam sorrateiramente,
certo? Não, claro que não, raciocinou. Anunciar-se-iam com berros.
Não conseguiu perceber quantos eram, mas teve a impressão que
não seriam poucos.
Tentou não deixar que o medo lhe controlasse as ações. Quis
correr o mais depressa que as pernas lho permitissem, para avisar
Connor do perigo imediato. Mas foi avançando aos poucos, para
não fazer ruído. Afinal, ouvira a aproximação deles, e qualquer som
denunciaria a sua posição exata.
Céus, estava apavorada. Chamou o marido numa voz suave, logo
que alcançou a clareira estreita, descobrindo-o junto a um grupo de
árvores, embrenhado numa profunda discussão com Quinlan.
Tinham nitidamente procurado privacidade para falar, pois
encontravam-se afastados dos outros guerreiros. Percebeu pelas
posturas hirtas que o tema era sério. Connor não gostava do que
Quinlan lhe dizia pois abanava a cabeça repetidamente num
desacordo óbvio.
Correu em diante e chamou por ele quando se aproximou, mas
Connor esticou a mão numa ordem silenciosa para não ser
interrompido, sem olhar para ela.
Obviamente, ela não podia esperar que a discussão terminasse –
ou morreriam todos – e portanto, preparando-se para uma
reprimenda, levantou o braço e puxou-lhe pela mão.
O gesto desafiador conquistou-lhe a plena atenção dele. A sua
irritação inicial desapareceu mal notou o ar assustado de Brenna.
– O que foi?
– Aproximam-se vários soldados, Connor. Não consegui perceber
quantos eram mas escutei-os. Tentam caminhar sem fazer ruído.
Para sua grande confusão, o anúncio surpreendente não obteve a
reação antecipada.
Connor sorriu.
– Conseguiste ouvi-los?
Aparentemente, ele não entendera as ramificações.
– Sim, ouvi-os. Não creio que sejam aliados. Pois se assim
fossem, não seriam sorrateiros, pois não? Devíamos partir o mais
depressa possível. Porque te ris? Não entendes o perigo em que
nos encontramos?
A falta de reacção imediata significava que não entendeu, supôs
ela. Até hoje, não o considerava lento de raciocínio, e infelizmente o
amigo padecia do mesmo problema. Ou pior ainda. Ria-se, sem
compreender a gravidade da situação.
Ela quis lançar os braços ao ar de desespero. Acabou por
entrelaçá-los.
– Connor, estou… desesperada.
– Não tens motivo nenhum para tal.
Connor normalmente não reparara nos aprumos femininos, mas
não conseguia desviar os olhos do cabelo da esposa. Não percebia
o que ela tentara fazer, e nunca vira nada como aquilo.
Mas considerava-se astuto e sabia que Brenna tinha sentimentos
muito frágeis, pelo que teve a cautela de se mostrar levemente
curioso, e nada crítico, quando lhe pediu uma explicação.
– Mas que raios fizeste ao teu cabelo, mulher? Querias encher a
cabeça de nós?
Ela nem acreditou que ele quisesse discutir a aparência dela.
– O meu penteado? Queres falar do meu penteado?
– Ah, então é um penteado – disse ele. – Não tinha percebido.
Ela começou a recuar. Abanou a cabeça várias vezes, e sempre
que o fazia, um dos nós abria-se.
– Não percebem que estou assustada? – exclamou.
Ele não entendia o motivo de tanta preocupação. Talvez não o
tivesse ouvido dizer que não se preocupasse. Ou decidira não
acreditar nele?
Não iria pregar-lhe uma lição, apesar destas provocações. Não,
iria apenas ajudá-la a chegar à conclusão certa. Ela uma mulher
inteligente, não demoraria muito tempo.
– Porque estás preocupada?
Ela sentiu-se subjugada perante tamanha incompreensão e, por
instantes, sentiu-se vazia de palavras. Ninguém poderia ser tão
obtuso, nem mesmo um senhor da guerra.
Quinlan não conseguiu ficar calado. Sentia-se mais astuto do que
o seu Senhor no que tocava às mulheres e, portanto, tentou
oferecer um conselho, antes de Connor magoar os sentimentos
delicados da dama.
– Creio que a tua esposa continua preocupada com os homens
que ouviu aproximarem-se. Deve pensar que corremos perigo.
Brenna abanava vigorosamente a cabeça em concordância
quando Connor negou a possibilidade.
– Não, a minha esposa não ousaria insultar-me dessa forma –
respondeu ele, mantendo no entanto o olhar fixo nela. – Ela sabe
que a protegerei de qualquer perigo. Não é verdade, Brenna?
Não, não era. Como havia ela de conhecer a capacidade de
Connor em proteger seja quem for? A aparência de guerreiro das
profundezas não implicava automaticamente capacidade de luta.
Mas não seria boa ideia confidenciar-lhe tais pensamentos. Aquela
expressão no rosto dele sugeria que a cautela seria uma resposta
mais sensata e anuiu, só para acalmá-lo.
Os restantes nós desataram-se nesse momento e o cabelo dela
voltou a ficar como Connor gostava, caindo em suaves caracóis
sobre os ombros.
Brenna preparava-se para partir quando a verdade lhe ocorreu.
– Sabias que os homens estavam a vir!
Connor observou-a sem responder.
– Há quanto tempo sabes? – perguntou.
– Desde que se juntaram a nós.
– Não são teus inimigos.
– Claro que não.
– Porque não me disseste? – perguntou. – Era a tua obrigação.
– Obrigação?
– Deves contar à tua mulher tudo o que seja importante.
Ele abanou a cabeça. Onde, em nome de Deus, arranjaria ela
estas ideias?
– Não me parece.
– Parece-me a mim.
Connor não quis acreditar que fora contrariado. Lançou-lhe um
olhar duro e cruzou os braços ao peito.
Quinlan sabia o que isso significava. O Senhor começava a irritar-
se. Era uma questão de tempo até Connor dizer algo do qual se
arrependeria mais tarde. Quinlan não podia deixar que isso
acontecesse ao amigo.
– Minha Senhora, posso sugerir que vista a sua manta? –
perguntou. – O seu marido não quer que apanhe frio.
Era como Brenna não notasse a sua presença, fixamente atenta
ao marido. A tensão entre os dois continuava a crescer, pois os
olhares entre eles não se desviavam. Connor lançava um desafio,
Brenna mostrava rebeldia, e nenhum deles parecia disposto a
ceder.
– O ar está muito húmido – Quinlan fez mais uma tentativa de
chamar a atenção da Senhora. – Aproxima-se uma forte tempestade
– o último comentário resultou. Quinlan quase suspirou de alívio
quando a Lady Brenna finalmente olhou para ele.
– Claro que vai chover – disse ela. – É um final perfeito para um
dia infernal. Viste o meu baú, Quinlan? Preciso do meu casaco
pesado.
– Usarás a minha manta – disse-lhe Connor.
Ele não levantara a voz, mas ela recuou como se o tivesse feito.
– O meu baú, Quinlan? – lembrou ao soldado.
– Deixámo-lo para trás, juntamente com a sua sela, minha
Senhora.
– Por favor, podes ir buscá-lo?
Quinlan virou-se para Connor, de modo a avaliar a sua reação
antes de responder.
O chefe abanou a cabeça mas manteve-se teimosamente calado,
para grande transtorno de Quinlan, que teria de se desenvencilhar
sem ajuda.
– Não posso ir buscá-lo. Abandonámo-lo há várias horas, e desde
então percorremos uma grande distância, através de terreno difícil,
se bem se lembra. Tivemos de abandoná-lo – acrescentou
rapidamente quando notou o olhar dela. – A carruagem não
conseguiria subir pela encosta.
– Porque o abandonaste, sem me pedires primeiramente
autorização?
– Foi ordem do seu marido – explicou, julgando que este facto
importante calaria de vez a discussão. Estava equivocado. Lady
Brenna não iria abandoná-la.
– Não ocorreu a nenhum de vocês que posso ter um motivo
importante para querer o baú?
Se ela lhe tivesse dado tempo para pensar, Quinlan teria
encontrado uma desculpa adequada, mas isso não aconteceu. O
ultraje da Senhora ganhava impulso à medida que explicava.
– A minha irmã Joan ofereceu-me o baú e eu tencionava guardar
nele a roupa dos meus filhos. É algo que estimo muito.
Quinlan subitamente sentiu-se miserável e inadequado, como um
inglês se sentiria quando se olhava ao espelho. Virou-se novamente
para Connor, indicando com um olhar fixo e uma leve cotovelada
que a batalha era sua. Raios, quem casou com aquela mulher
angustiada foi Connor, não Quinlan. Ele que sofresse com os efeitos
da desilusão feminina.
Connor manteve o silêncio de pedra.
– Minha Senhora, foi necessário – disse Quinlan. – Não é
verdade, chefe?
Brenna não tinha particular interesse pela resposta do marido.
Estava demasiado desanimada para dar ouvidos a opiniões alheias.
A injustiça sofrida nos últimos dias começava a surtir efeitos, e se
não se distanciasse do marido durante alguns minutos, desataria
aos berros.
Nem sequer pediu licença; partiu, simplesmente. Uma lembrança
súbita fê-la parar.
– A minha sela, Quinlan? Disseste que abandonaste também a
sela que a minha querida irmã Rachel me emprestou?
– Tinhas outra, Brenna? – perguntou Connor com secura.
Céus, odiava aquele tom condescendente que lhe pedia
sensatez.
– Não, não tinha – respondeu.
– Minha Senhora, foi também necessário abandonar a sela da sua
irmã – soltou Quinlan.
– Outro objeto de minha grande estima – murmurou.
Os ombros de Quinlan decaíram. É claro que ela responderia
daquele modo.
– Nem consigo entender por que motivo não me pediste
permissão primeiro.
Quinlan jurou que não responderia mais nada. Fitou Connor,
imitou a sua postura ameaçadora, cruzando os braços sobre o peito,
e aguardou.
Connor não percebeu a insinuação nem fez a vontade ao amigo.
– Podes por favor responder à tua esposa? – Quinlan parecia
completamente desesperado.
Connor mostrou a sua exasperação a Quinlan, antes de se virar
para Brenna.
– Não seria Senhor se tivesse de pedir autorização sempre que
tomo decisões, em particular as mais insignificantes. É mera
curiosidade da tua parte, certo? Jamais ficarias descontente com os
atos do teu marido diante dos seus seguidores. Não é verdade?
Ela concordou, para espanto de Connor.
– Sim, estava apenas curiosa, e não, jamais te criticaria diante dos
teus seguidores. Tens paciência para aturares mais uma pergunta,
marido?
– Qual?
– E a mim, quando me abandonarás?
A disposição de Connor turvou-se no espaço de um segundo. Deu
um passo ameaçador em frente e ordenou-lhe rispidamente que se
aproximasse. Quinlan recuou, olhou para os céus e rezou pela
intervenção divina. A Senhora nunca vira Connor perder as
estribeiras, e embora Quinlan soubesse que ele fisicamente jamais
lhe faria mal, podia causar estragos consideráveis ao seu coração.
Mas não seria cruel, e por esse motivo, Quinlan decidiu não
intervir. A fervura já era intensa, e foi atiçada pela provocação
deliberada da parte de Brenna com uma pergunta tão atroz. Sofreria
as consequências do seu ato, e, ao afastar-se um pouco do casal,
Quinlan esperava indicar desse modo a Brenna, que ele não podia,
nem iria, socorrê-la.
Connor não pretendia perder as estribeiras, pois via a exaustão da
noiva. As olheiras eram um claro indicio. Era totalmente responsável
pela condição dela, e acreditava que a única solução possível seria
obrigá-la a deitar-se. Precisava de se descontrair e adormecer, mas
isso passaria pela libertação da tensão acumulada. Talvez uma
discussão ajudasse. No rescaldo de uma boa luta ficava sempre
tranquilo, e embora nada soubesse sobre mulheres de boa
educação, como Brenna, nem da sua forma de reagir, duvidava que
uma discussão causasse problemas. Quando se encontrasse mais
repousada, Connor voltaria a ser sensato, ou assim esperava, e ela
havia de lhe pedir perdão.
– Estás a ser pouco razoável, Brenna.
– Penso que estou a ser bastante razoável.
– A sério? Então explica-me o motivo de tal pergunta. Os teus
santos pais esqueceram-se de ti? – esperava uma negação,
obviamente.
Mas ela disse-lhe a verdade.
– A bem dizer, sim – mal as palavras saíram da boca, ela
arrependeu-se. Agora Connor teria uma opinião ainda pior dos seus
queridos pais. – Não se esqueceram de propósito. Apenas
aconteceu. Deves ver a diferença.
– Esperas que acredite que se esqueceram de ti? Nenhum pai
deixaria uma filha para trás, nem mesmo um inglês.
– A tua mulher não está a brincar – intrometeu-se Quinlan. –
Deixaram-na em casa, minha Senhora?
Ele abanou a cabeça.
– Falei sem pensar.
– Então exageraste? – perguntou Connor, pensando que seria
atencioso não a conotar logo como mentirosa.
– Estás a fazer disto um caso maior do que realmente foi. Oxalá
não tivesse dito nada, porque vais ficar com má impressão dos
meus pais. Mas não compreendes. Aconteceu apenas duas vezes,
e no entanto eles eram bons pais. Tinham oito filhos e era normal
esquecerem-se deste e daquele de vez em quando. Foi culpa
minha, afinal. Devia ter ficado juntamente com os outros.
– Esqueceram-se de ti por duas vezes?
Ficou atónito com aquele pormenor.
– Entendo o porquê do teu ar furioso. Não se esqueceram de mim.
Eu é que fiquei para trás e garanto que não me incomodou.
– Claro que incomodou – contrapôs. – Esqueceram-se alguma vez
de outro filho?
– Não, mas eu costumava escapar-me…
Ele não queria desculpas.
– Onde se esqueceram os teus pais de ti?
O homem casmurro jamais entenderia, e ela sentiu-se
subitamente demasiado cansada para continuar a tentar. Céus, era
uma provação, e se não encontrasse paz e sossego em breve,
desataria aos gritos como uma louca.
Connor não tinha vontade de partir. Portanto, ela decidiu afastar-
se por si mesma.
A vontade dele era outra. Não a deixaria ir até satisfazer a sua
curiosidade.
– Quero respostas.
– Não discuto mais este assunto.
Lançou-lhe um olhar que fez a rapariga mudar de ideias.
– A sério, Connor, és como uma pulga atrás de um cão de caça.
Os meus pais deixaram-me no meio do campo. Contente? Ou
queres que admita mais alguma coisa embaraçosa?
Ela não ficou à espera da resposta, nem pediu autorização para
partir, embora lançasse vénias aos dois homens antes de se afastar.
Culpou a mãe pela cortesia, sempre implacável na educação das
filhas como verdadeiras damas.
Owen chamou a Senhora quando esta passou por ele.
– Minha Senhora, se procura o ribeiro, fica do outro lado.
Ela respondeu ao soldado, mas a voz não era suficientemente
forte para transpor a clareira.
– O que foi agora? – murmurou Connor, ao ver a expressão
alarmada de Owen. O soldado olhou para ele antes de correr atrás
da Senhora.
Quinlan não sorriu, embora lhe divertisse encontrar uma forte
resignação na voz de Connor.
– O Owen ficou assustado. A tua esposa deve ter-lhe dito alguma
coisa que o alarmou.
– Claro que disse – respondeu Connor. – Santo Deus, Quinlan, ela
é uma chata irritante.
No entender de Quinlan, continuava perfeita. Connor ainda não
entendera a dádiva recebida, mas Quinlan já tinha percebido, pela
forma como Connor olhava para a esposa com uma atenção
perplexa no rosto, que ela o cativava. Esta reação, contudo, podia
ser o motivo de se irritar tão frequentemente. E pelo que Quinlan
entretanto vira na Lady Brenna, chegara à conclusão que ela
passava pela mesma dificuldade, tentando entender o que sentia
em relação ao marido.
– Ela causará distúrbios quando chegarmos a casa.
– Não posso permitir que aconteça.
– Não sei se consegues evitá-lo – disse Quinlan. – Os homens
terão dificuldade em concentrarem-se nos deveres. Passarão os
dias a observar a tua esposa, e as mulheres deles não gostarão
disso. Fazes ideia de como é bela, ou ainda não reparaste?
– Não sou cego; claro que reparei. A aparência dela é mais uma
fraqueza com que terei de lidar.
– Não é assim que vejo as coisas.
– És um homem superficial. É por isso que não vês o mesmo que
eu.
Quinlan apreciou por completo o insulto e sorriu.
– Senhor? – berrou Owen. – Posso pedir-lhe um instante? É
importante.
Aguardou pela aprovação de Connor antes de se adiantar.
– A Senhora disse-me que não ia ao ribeiro mas tentaria recuperar
o baú. E depois, voltaria para Inglaterra a pé. Foram as suas
próprias palavras, e ditas com um sorriso, perceba. Tentei dissuadi-
la, mas ela não se mostrou sensata. Será que ela vai realmente
tentar?
Connor não respondeu ao soldado. Nem Owen conseguiria ouvi-
lo, pois o riso de Quinlan era bastante ruidoso. Pensou atirar o
amigo ao chão só porque lhe apetecia, mas a culpa não era dele.
Connor também reagiria à independência de Brenna com igual
humor se não fosse casado com aquela mulher impossível; mas era
sua esposa, e isso mudava tudo.
Mas não podia a rapariga ser mais cordata?
Tanta impulsividade iria acabar por distraí-lo. Ela surpreendia-o
sempre que Connor virava as coisas, e ele não apreciava tal facto. E
que tal ser mais previsível? Oh, devia ter desconfiado que ela seria
uma carga de trabalhos, quando a conheceu. Raios, a mulher era
totalmente única. Connor não era parvo e reconhecia a sua sorte.
Ainda assim, desejou que ela se habituasse rapidamente ao seu
feitio, para se conseguir acalmar e concentrar-se em temas mais
importantes.
Começava a pensar que jamais entenderia o funcionamento
daquela mente. Mas como seria isso possível, se ela não parava
quieta? Num minuto era mansa e disponível, no outro, teimosa e
difícil.
Não era suposto ser obrigado a dominar um remoinho. Outros
homens não teriam tanta paciência, mas agora tinha de pôr um fim.
Havia um limite para o que era capaz de aguentar num só dia, e já o
alcançara.
– Será que a Lady Brenna percebe que vai no sentido errado –
comentou Quinlan. – Há de bater à porta do Kincaid se continuar a
caminhar noite dentro.
– A Senhora sabe que se dirige para norte – comentou Owen. –
Disse-me que faria deliberadamente um circulo amplo para não
perturbar os soldados que patrulham o ribeiro.
Quinlan virou-se para Connor.
– Não devias ir atrás da tua mulher?
– Os soldados do meu irmão não deixarão que vá longe.
– Ela deve contar que a procures.
– Nem pensar – murmurou ele.
Contradisse a sua própria decisão um minuto depois, quando se
afastou dos dois homens e foi atrás da esposa.
Teve de caminhar mais do que pensara. Encontrou-a encostada a
uma árvore, a boa distância da clareira. Tinha um ar derrotado. Não
gostou de a ver assim, particularmente por ter noção da sua
responsabilidade. No entanto, felizmente, ela não chorava.
Brenna levantou a mão numa ordem silenciosa para impedi-lo de
se aproximar, a qual Connor ignorou por completo, e mal a
alcançou, levantou-a nos braços.
Esperava que ela se debatesse mas Brenna surpreendeu-o,
abraçando-o pelo pescoço e deitando a cabeça no ombro do
homem. Estava novamente mansa e disponível.
– O meu irmão disse-me que nenhuma mulher com dois dedos de
testa casaria comigo, e se queres realmente procurar o teu baú
terias apenas de dizer…?
– Que não tenho dois dedos de testa? – respondeu ela. – Se
estou maluca, a culpa é tua. Ultrapassei todos os limites por tua
causa, Connor.
Ele sorriu, contra a sua vontade. A mulher dizia-lhe coisas
absolutamente chocantes.
– Queres continuar a andar?
– Não. Só precisava de uns minutos a sós. Sabias disso, não
era?
Não, ele não sabia, mas decidiu fingir que sim.
– Claro – disse ele.
– Mas nunca estive a sós. Também sabes disso.
– Claro.
– Quem são os dois soldados que me seguem?
– Os sentinelas do meu irmão. Não te esqueças que te encontras
nas terras do Alec.
Ela não se lembrava desse pormenor. Bocejou e mudou de
assunto para algo mais preocupante.
– Devo ter perdido o sapato. Não sei o que lhe terá acontecido.
Ele imaginou facilmente o que teria acontecido. Ela largava as
suas coisas por todo o lado.
– Hei de encontrá-lo – prometeu. – Brenna, o que se passou ali,
realmente? Fazes ideia?
– Queres saber se eu tinha outro motivo para ficar incomodada?
Não foi essa a pergunta que eu te fiz, agora mesmo?
– Sim – disse.
Ela pôs-se a esfregar a nuca dele enquanto tentava encontrar
uma forma de explicar. Connor duvidava que ela estivesse ciente do
movimento, mas a carícia era muito agradável.
– Compreendo agora o que me incomodou. Mas antes não
compreendia.
Ele revirou os olhos. Obter uma resposta direta da rapariga era um
trabalho penoso.
– E? – sondou.
– O baú, a sela e a minha égua, foram prendas dos meus
familiares. Quando tentas tirá-las de mim, não posso aceitar. Não
estou preparada para os largar.
– Mas o que estou a tentar tirar-te?
– A minha família.
– Brenna…
Não o deixou prosseguir.
– Mas tentas tirá-la, certo? E se eu te deixar, o que me resta
então?
– Eu.
O impacto daquela resposta abalou-a, e contudo ela tentou resistir
à verdade. Não o queria, a ele; queria a família.
– Tens-me a mim – a voz dele era insistente, dura.
Brenna fitou-o, e a sua infantil insistência de manter o antigo e
familiar perdeu importância. Aquele olhar hipnotizava-a. Encontrava
neles tanta ternura e vulnerabilidade.
– És meu, Connor?
– Sim, mulher, sou teu.
Foi então que ela sorriu, seladas todas as dúvidas. Seguramente,
aquela resposta viera do coração, ou assim quis acreditar, e o
próprio coração dela ficou mais caloroso. Só vira aquela faceta de
Connor uma vez, na noite da boda, quanto a levou nos braços para
fazerem amor. O guerreiro desaparecera nesse instante, e ela
abraçara o homem. Uma prenda mágica que ele lhe voltava a dar.
Resistiria?
Anuiu em jeito de aceitação, apaziguada, pois finalmente
compreendia que os seus atos eram sagrados e corretos, assim
conferidos pela igreja e o próprio Senhor, unidos pelo padre Sinclair
como marido e mulher, e embora dissesse a si mesma
constantemente que devia aproveitar as circunstâncias, admitiu que
ainda não aceitara o casamento.
Tinha de parar de ter medo do futuro, largar o passado que
agarrava tão desesperadamente. Mal tomou esta decisão,
aconteceu-lhe algo maravilhoso. Entregou-se ao marido
plenamente.
– E agora sou tua, Connor MacAlister, pois decidi que merecias.
Ela selou a promessa com um beijo, não obstante a ordem
específica de nunca beijá-lo sem pedir autorização, e quando
terminou, encaixou a cabeça sob o queixo masculino e fechou os
olhos.
Não voltaria a espantar-se com as reações dela, pensou Connor.
Decidira? Sim, foram as suas exatas palavras.
– Tu e eu iremos recomeçar – murmurou ela.
Aqui vamos nós, pensou Connor mas não fez comentários.
Continuava sem entender a que se referia ela, mas se lhe pedisse
para concordar, ele assim faria, só para a ver feliz. A felicidade de
Brenna, ou a sua ausência, em nada lhe devia interessar, mas
afinal, interessava. Consolou-se com a esperança de que, quando a
rapariga se ajustasse à nova vida, deixaria de ter ideias tão
peculiares.
Connor reclinou-se contra a árvore e fitou a esposa. Parecia agora
mais serena. Será que ele teria por fim alguma paz e sossego, para
se concentrar no que amanhã diria ao irmão, e não era este assunto
o único importante que havia?
– Connor?
– Sim? – perguntou.
– Vou tomar conta de ti.
A promessa chocou-o, e embora devesse considerá-la um insulto,
pois aquele dever recaía sobre si e não o inverso, ela mostrou-se
tão sincera que nada disse, como forma de lhe agradar.
Adormeceu antes de poder corrigi-la. Brenna aninhou-se contra si
até a boca macia se encostar à base do pescoço. Apertou também o
abraço, e Connor percebeu que gostava daquela forma como a
esposa se encostava a ele. E a forma como ela suspirava enquanto
dormia. Quando não tinha as defesas levantadas para discutir
consigo constantemente, tornava-se uma pessoa doce e carinhosa.
No entender de Connor, já confiava um pouco no marido, ou não
teria adormecido com um sorriso, nos seus braços. Era afinal o que
ele mais apreciava.
Connor não fazia ideia de quando tempo permaneceu na floresta
agarrado à sua mulher. O som de trovões à distância obrigou-o a
dar atenção a assuntos práticos e ele pegou no sapato extraviado
de Brenna, regressando ao acampamento.
Juntou-se ao grupo com uma melhor disposição. Os homens
tinham montado uma tenda suficientemente grande para abrigar três
soldados, cobrindo-a com peles grossas de animais, oferecidas por
aliados leais na sua incursão inicial ao encontro de Brenna. A tenda
fora estrategicamente colocada no limite da clareira, com a entrada
virada para a floresta, dando à esposa alguma privacidade ao
acordar.
Num canto da tenda encontravam-se os pertences de Brenna
abandonados junto ao ribeiro. Connor juntou o sapato e meias à
pilha.
Ela dormia profundamente e nem sequer se mexeu enquanto ele
lhe retirava as roupas. Percebeu, demasiado tarde, que devia tê-la
deixado em paz. Mal desatou a fita que prendia o cimo da camisa
interior, o material abriu-se até à cintura, mostrando uma visão
generosa dos seios redondos. Foi impossível para Connor não
reagir fisicamente. Desde que acordara naquela manhã, que queria
possuí-la novamente; necessidade que agora o consumia. Debateu-
se nesta batalha privada durante algum tempo, mas a meio da noite,
em plena tempestade, ela gemeu enquanto dormia, rodou e atirou-
se para cima dele. Connor percebeu então que a guerra não
terminara, se nem a dormir ela tinha cuidado.
A mão deslizou para as coxas femininas e enquanto as afastava
com a intenção de penetrá-la sem perder mais tempo, percebeu o
que fazia e obrigou-se a parar.
Abanou-a para que acordasse e saísse de cima dele, para não a
magoar. Ela endireitou-se a seu lado, obviamente desorientada pelo
bater da chuva contra as peles, e murmurou o nome dele.
– Está tudo bem, Brenna. Volta a adormecer – parecia zangado.
Lamentava, mas raios o partam, só agora percebera que tinha a
disciplina de um porco. Contudo, ela também não o ajudava a
controlar-se. Um lado da camisa abrira-se até ao cotovelo, e Deus o
acuda, foi necessário usar toda a sua força para não lhe arrancar as
vestes. Sempre que relâmpagos cortavam os céus, entrava luz pela
abertura, delineando o lindo corpo.
Adormeceu sentada. Se não tivesse assistido, Connor jamais
acreditaria ser possível a uma pessoa adormecer tão rapidamente.
– Deita-te – ordenou com um puxão suave.
Devia ter sido mais especifico. Ela caiu novamente em cima dele,
batendo no peito com tanta força que Connor julgou que a rapariga
desmaiara.
– Sai de cima de mim.
A voz rouca de Connor acordou-a.
– Não – murmurou ela.
– Não?
– Não, obrigada – corrigiu. – Estou com frio. Não devias tratar
disso?
Deus o ajude, a mulher dava-lhe ordens, até semiacordada.
– O que queres que eu faça?
– Abraça-me.
Sentiu os arrepios dela. Obedeceu imediatamente.
– Acordei-te, Connor?
– Não.
– Tens frio?
– Não.
Brenna começou a afagar-lhe o peito, esperando que o toque
manso o acalmasse. Talvez então lhe pudesse explicar porque
motivo se sentia tão irascível.
– O que estás a fazer?
– Confortar-te.
Só podia ser brincadeira. Confortá-lo? Enlouquecia aos poucos
por causa dela, um gesto certamente intencional.
– Para de me provocares.
– O que se passa contigo? Pareces um urso.
Ele nem respondeu à comparação ridícula, preferindo concentrar-
se em explicar o efeito que ela despertava.
– Quero voltar a estar dentro de ti. Entendes porque raios tens de
sair de cima de mim?
Ela não se mexeu.
– Tenho uma palavra a dizer sobre o assunto?
– Sim.
– Queres dizer que, se eu não quisesse, honrarias a minha
vontade?
Não acabara de dizer que sim?
– Nunca te tocarei, se não quiseres.
Ela pôs-se a tamborilar os dedos no peito dele. Connor
prontamente pousou a mão sobre a dela para que parasse.
– É melhor que tenhas cautela, Brenna.
Ela não ligou às suas indicações.
– Em Inglaterra, as mulheres não se podem recusar aos maridos.
Disse-mo a minha mãe.
– Há homens que pensam como eu.
Ela ficou espantada. Subitamente, sentiu-se dona do próprio
corpo, o que era uma dádiva fabulosa, e imediatamente quis mais.
– Sobre outros assuntos, tenho também…
– Não.
– Porque não?
– Não podes recusar uma ordem dada pelo teu marido.
Já por várias vezes se recusara a seguir as ordens do seu Senhor,
sem sofrer quaisquer reprimenda, mas era esperta de mais para lhe
recordar. Mas teve de tentar desfazer aquele pensamento
enovelado.
– Não casei com um Senhor, mas com um homem.
– É a mesma coisa.
Não, não era a mesma coisa, pensou para consigo. Oh, ela bem
sabia que comportamento esperavam que tivesse na presença de
outros, mas a sós, ele era apenas o seu marido. Não lhe pareceu
oportuno corrigir este raciocínio retrógrado. Aguardaria até Connor
se encontrar de melhor humor.
– Se te dissesse que sim, que gostaria que me tocasses
novamente, o resultado seria o mesmo? Havias de te afastar sem
uma única palavra?
– Claro – respondeu ele.
– Então, deixa lá.
Ficou chocado com aquela recusa e não entendeu porque motivo
Brenna se zangara com um elogio.
Ela afastou-se dele, fechou os olhos e rezou a pedir paciência.
Ele rodou para cima dela, tendo o cuidado de sustentar o peso
nos braços, fitando-lhe os olhos.
– Disse-te que não fiquei desiludido.
– Mas também ficaste zangado, não foi?
Sim, ficara, mas não com a esposa. A fúria dirigira-se para si
próprio, e após refletir, percebeu que era igualmente propositada,
pois servia como escudo contra a sua própria vulnerabilidade. Ela
ousara tocar-lhe o coração, e sinceramente, não fazia ideia como
lhe permitira isso. Raios, ele nem sequer gostava dela.
O que era mentira, reconheceu Connor imediatamente. Soltou um
resmungo de frustração. Mas o que estava feito, feito estava, e
ficaria contente se, ao menos, controlasse o seu futuro.
– Terei resposta à pergunta?
Ele inclinou-se e começou a mordiscar-lhe o lóbulo da orelha,
sentindo-se arrogantemente satisfeito ao senti-la estremecer.
– Qual pergunta?
Ela não queria crer que ele tratasse as suas preocupações com
tamanha ligeireza. Repetiu a pergunta e juntou-lhe uma cotovelada
para que prestasse atenção.
– Não fiquei zangado contigo.
Connor percebeu que ela não acreditara. Era nítido que a esposa
precisava de contínuos elogios ao seu desempenho. Mas o que
havia ele de dizer para a contentar? Da sua parte, ficara satisfeito. E
bem servido, admitiu. Certamente que reparou que Connor não a
largara até ambos alcançarem a plenitude. Não estava habituado a
dar explicações, nem seria bom a fazê-lo, pensou. Mas tinha de dar
uma resposta, e portanto decidiu resumir as suas reações com uma
frase que certamente convenceria Brenna de que fora adequada:
– Até ao fim.
– Perdão?
– Fui até ao fim.
Por causa da proximidade ao resto do grupo, ele fora obviamente
atencioso e exprimira-se num tom baixo. A esposa não retribuiu. Ela
berrou o seu descontentamento ao ouvido dele.
– És o homem mais casmurro, insensível, bárbaro…
Tapou-lhe a boca com a mão antes que acabasse a frase. Brenna
havia de encontrar outra centena de adjetivos, se ele ficasse quieto
e a deixasse pensar, mas Connor interrompeu-lhe a concentração,
colocando-lhe a pergunta mais assustadora de todas, e ela
ponderou dar-lhe uma resposta capaz de arrasar com o orgulho dele
durante um mês.
– Queres que faça amor contigo novamente? – ele levantou a mão
da boca dela.
– Quando as galinhas tiverem dentes – ela não gritou mas falou
numa voz alta, para os homens dele ouvirem.
– Não voltas a gritar assim comigo, entendido?
– Sim – respondeu ela.
– Deixei de conseguir ouvir.
– Desculpa. Fiquei espantada com o que me disseste e eu… Já
acabaste, Connor? É assim que tencionas tranquilizar-me?
– Foi um elogio. Fiquei obviamente satisfeito contigo ou não teria
chegado ao fim. Não sou homem de muitas palavras, Brenna.
– Já percebi.
Ele dedicou-se então ao prazer recompensador de beijá-la.
– Não costumo ter muitas dúvidas – murmurou ela. – Mas foi a
minha primeira vez.
– Eu percebi.
Ele beijou-a pelo pescoço abaixo.
– Porque fazes isso?
– Gosto do teu sabor.
Ela mudou de posição para lhe dar melhor acesso ao ombro.
– E qual é o meu sabor?
– Sabes a mel.
Ele ouviu-a suspirar na escuridão. Teria sido fácil apanhá-la de
surpresa, mas jamais cometeria tal desonra. Precisava que Brenna
desse permissão. No entanto, se não autorizasse rapidamente, teria
de afastar-se, antes de perder a disciplina.
– Sabes o que penso? – murmurou ela.
– Não, mas vais dizer-me.
– Não quero que… esquece, só queria dizer… – mas foi incapaz
de continuar, pois Connor encontrou o vale entre os seios e perdeu
a concentração.
– És macia em toda a parte. Ardo de desejo por ti.
Ela considerou aquelas palavras imensamente românticas. Para
um homem de poucas palavras, até se estava a portar
excecionalmente bem, dizendo-lhe o que ela queria realmente
ouvir.
– Não há nada que detestes a meu respeito?
– Sim, pois há – murmurou ele. – Falas de mais.
– Dás-me a volta à cabeça com as tuas palavras floridas, marido.
Faz amor comigo já.
– Vou magoar-te.
Mas ele não estava verdadeiramente preocupado com o
desconforto dela, pois já lhe baixara a camisa interior ao nível das
ancas.
Fez uma pausa para beijar cada um dos joelhos antes de lhe
retirar a roupa interior por completo.
As mãos dele encontravam-se em todo o lado. Afagou-lhe as
pernas, as coxas, as ancas e os seios. O toque gentil era
enlouquecedor e fê-la ansiar por mais. Queria acariciá-lo com o
mesmo carinho que ele demonstrava e preparava-se para lhe pedir
que a soltasse, quando Connor lhe roubou a ideia, inclinando-se e
beijando-lhe os peitos. A língua tocou num mamilo, e ela julgou que
faleceria do tormento requintado, e então ele começou a chupar. Ela
cerrou as pálpebras e soltou um som que parecia um gemido.
O estômago revelou-se igualmente sensível ao seu toque, e então
ele desceu ainda mais. Ela não imaginava o que pretenderia, até
Connor alcançar a união das suas coxas. Manteve as pernas
unidas, procurando impedir o avanço. Ele afastou-as à força e
continuou aquilo que tencionava fazer, e rapidamente Brenna se viu
demasiado envolvida no êxtase que aquela boca e língua
despertavam em si para se sentir atemorizada.
Fez amor com ela de formas que Brenna nunca imaginou serem
possíveis. Brenna não conseguia parar de arquear-se ao seu
encontro. Levantou os joelhos e gritou enquanto o apertava.
Connor não aguentava mais, queria penetrá-la. Ajoelhou-se entre
as pernas dela, levantou-lhe as ancas e insurgiu-se com um impulso
forte. Tentou ser gentil mas, raios, o controlo abandonara-o
novamente e não podia travar os seus atos. Queria que durasse
toda a noite. Mas ela não o deixou abrandar. Incitou-o com gemidos
doces e beijos apaixonados. Não sabia se a magoava ou lhe dava
prazer. O clímax dela forçou o seu, e logo que libertou a semente,
Connor ficou sem forças e quase tombou sobre ela.
Ela encontrava-se na mesma condição. A respiração era irregular,
o coração pulsava freneticamente, e tremia da cabeça aos pés.
Demorou vários minutos até parar de suspirar e recuperar o
raciocínio. A seguir, desejou nem sequer ter de o recuperar. Pensar
implicava preocupar-se, e Santo Deus, seria ela capaz de voltar a
encará-lo depois de lhe ter suplicado para continuar e continuar?
Reagira como um animal com o cio. Sentiu-se subitamente
necessitada de conforto, antes da atrapalhação se transformar em
vergonha. Não suplicaria nem lhe pediria uma garantia de que
tinham agido corretamente, nem lhe revelaria o seu embaraço. Ele
diria qualquer coisa só para a apaziguar, palavras não sentidas. Era
preferível apanhá-la de surpresa, decidiu, para obter uma resposta
genuína.
– Connor? – Santo Deus, até a voz lhe tremia. – Estás morto?
Ele sorriu, encostado ao pescoço dela.
– Não.
– Magoaste-me?
Nem podia acreditar que lhe fizera uma pergunta tão absurda.
Pretendera dizer-lhe que não a magoara, pois não?
Connor julgou que Brenna ainda não recuperara do ato sexual.
Embora se sentisse satisfeito, de uma forma arrogante e óbvia, pela
sua responsabilidade daquela condição.
O calor dele dava sono a Brenna. Não queria adormecer antes de
se desfazer do constrangimento, e só fechou os olhos para se
concentrar.
– Sabes o que acabou de acontecer?
Ela sorriu em antecipação, pois iria consolá-la como ela queria.
Claro que já devia saber…
– Nasceram dentes às galinhas.
Capítulo 7

B renna sentia-se de bom humor na manhã seguinte. A chuva


terminara, o sol renascera e ninguém, nem sequer Connor,
estragaria a sua felicidade.
E foi melhorando. Embora os homens sorrissem ao vê-la devorar
a refeição matinal, não fizeram comentários sobre o seu apetite, e
ao regressar do ribeiro envergando a manta dos MacAlister, Quinlan
elogiou as dobras perfeitas do material de lã. Como se ela tivesse
adquirido aquele conhecimento recentemente.
Sentiu que seria seu dever corrigi-lo.
– O meu pai quis que a Rachel aprendesse como se prepara uma
manta, pois supostamente casaria com o MacNare, mas a mãe
pensou que seria boa ideia todas as filhas dominarem a técnica. Os
meus pais gostavam de tirar o maior partido do dinheiro gasto.
– A sua irmã foi prometida ao MacNare?
Ela anuiu.
– Foi, pois. O Connor talvez casasse com a Rachel. Da nossa
família, é a mais bonita – lembrou-se de acrescentar.
Quinlan não era capaz de imaginar outra mulher mais agradável à
vista do que a Brenna. Já notara que não era vaidosa e aquele
comentário confirmou a sua convicção.
– Vamos passar outro dia inteiro em cima dos cavalos?
– Não, minha Senhora. Estamos a chegar a casa.
A novidade encantou-a. O sorriso ela tornou-se contagiante, pois
Quinlan observou que os outros homens também sorriam.
Ela pediu licença para se afastar da sua presença mal discerniu
Connor a cavalo pela clareira. Correu para o marido, abraçou-o pelo
pescoço e aplicou-lhe um beijo matinal muito entusiástico, e só
então se lembrou que não devia mostrar afeto diante dos soldados.
Mas, para seu espanto, ele não a admoestou nem pregou um
raspanete. Aliás, beijou-lhe o pescoço.
Mais tarde, obviamente que a criticou. Parecia ser uma inclinação
natural dele, percebeu ela, não se sentindo incomodada.
– Não tens disciplina nenhuma – e a seguir, levantou-a para cima
do cavalo, montou atrás dela e sentou-a sobre as suas coxas.
– Não vais discutir comigo?
– O dia está desmaiado bonito para discussões. Estás errada,
obviamente. Tenho tanta disciplina quanto tu.
– Não vi ainda nenhuma. Para de te mexeres e encosta-te a mim.
– Tenho a corda torcida – depois de explicar o problema, ela
levantou o colar, endireitou o cordão e largou o disco de madeira
sobre a manta.
– Meu Deus, o que é isso?
– Só notaste agora?
– Não, só decidi perguntar-te agora.
– O colar é uma prenda do meu pai. Tem um desenho único, para
provar que é meu, e se me encontrar em apuros, poderei enviar o
disco a uma das minhas manas para assistência imediata. O pai
mandou fazer um para cada um dos filhos.
– Desfaz-te disso.
A exclamação dele conseguiu incomodar o garanhão. O animal
levantou a cabeça e soltou um resfolegar indignado. Ela dobrou-se e
fez-lhe festas.
– Não farei nada disso, Connor. Penso até mandar fazer outro
para ti.
– Nem pensar nisso.
– É tradição.
– É um insulto para mim, mulher.
– Falaremos disto em casa.
– O assunto está arrumado.
Ela não o contrariou. Também estava errado a esse respeito,
pensou para consigo. O homem ouviria a voz da razão e aceitaria os
métodos tradicionais, mesmo se tivesse de lhe encher os ouvidos
durante uma boa semana.
– Porque esperamos?
Ele percebeu que ela mudava deliberadamente de assunto, mas
não a contrariou, só para que ela deixasse de discutir com ele. Ia
conhecer Kincaid, facto suficiente para a perturbar. O irmão tinha um
modo próprio de aterrorizar aqueles que conhecia. Outro motivo
pelo qual Connor tanto o admirava.
– Owen foi ao ribeiro, trazer de volta o que deixámos ficar.
– Muito atencioso – respondeu ela. – Ainda assim, os teus
homens não deviam abandonar as coisas, que podem ser levadas
por qualquer pessoa.
Connor julgou que fosse brincadeira dela, e esperou que se risse.
Mas Brenna manteve-se séria, e ele percebeu que se tratava de
comentário sincero que não explicou. Um minuto depois, Owen
surgiu com os pertences da Senhora. Despejou-os na sacola da
rapariga, e atou a bagagem ao cavalo de Aeden. Ela nem sequer
notou. Não foi obviamente uma surpresa para Connor, pois a
esposa parecia andar de um lado para o outro com a cabeça nas
nuvens.
O pensamento de Connor regressou a Alec.
– Irás conhecer hoje o meu irmão. Ele não te fará mal.
Um comentário bastante peculiar, na opinião dela.
– Isso nunca me passaria pela ideia.
– Passará quando o conheceres. É melhor que arranjes a tal
disciplina que tanto afirmas ter, Brenna. Não me envergonhes com
choros nem desmaios.
Ela revirou os olhos para os céus.
– Gostarei dele porque é teu irmão, e é meu dever dar-me bem
com toda a tua família. Não me há de intimidar.
– Intimidará, sim. Não é tão simpático quanto eu.
Ela desatou às gargalhadas. Ele desistiu de avisá-la e dedicou a
sua atenção a temas mais importantes, tais como tentar ser
diplomático antes de chegar a hora de justificar os seus atos ao
homem que governava as Terras Altas.
Decorreu uma hora inteira de silêncio antes de ela voltar a falar.
– Connor?
– Sim?
– Já me viste chorar ou desmaiar?
– Não.
– Podes então explicar, o motivo de me insultares? Gostava
mesmo de saber.
Ele não respondeu.
Se ele não queria explicar, pelo menos que se desculpasse. Mas a
rapariga sabia que isso jamais aconteceria, pois o homem era
demasiado casmurro para sequer admitir que se enganara a seu
respeito.
Provando que estava errado seria o suficiente para compensar os
danos causados no orgulho dela. Algo fácil de alcançar, pois ela fora
devidamente ensinada e compreendia perfeitamente como se devia
comportar. Mostraria a Connor que não teria medo de saudar o
irmão. Iria gostar dele, seguramente. Afinal, agora fazia parte da
família e, Deus querendo, se conseguisse lembrar-se de ficar calada
até se dirigirem a ela e comportar-se com alguma humildade,
também ele gostaria dela.
Poucos minutos depois, surgiu a fortaleza diante deles. Ela sentiu
a respiração prender-se ante a vista daquela estrutura magnifica.
Uma muralha de pedra alta cercava o forte que teria demorado meio
século a erguer. Dois soldados, com expressões tão frias e
impenetráveis como a muralha que guardavam, observaram-nos do
outro lado da ponte levadiça.
Não abordaram Connor, o que ela considerou estranho até
perceber que aguardavam autorização da parte dele.
Havia outras centenas daqueles guerreiros assustadores dentro
da muralha inferior. Nenhum deles saudou Connor.
– Será algum destes homens que nos olham com cara feia o teu
irmão, por acaso?
– Não.
– Este lugar costuma estar assim silencioso?
– Não.
Connor não estava com disposição para desenvolver a resposta.
Ela decidiu seguir-lhe o exemplo e não dizer mais nada. E teria
cumprido a sua decisão se não fosse surpreendida ao alcançar o
pátio superior e descobrir as lindas flores que delineavam a fachada
do castelo.
– Isto é adorável – murmurou. – Quem plantou estas flores?
– Jamie.
Ela jurou que ficaria calada.
– Espero que ele tenha sido bem recompensado pelo esforço.
– Ele, não. Ela – corrigiu Connor. – Não as pises ou ela nunca
mais se calará.
– As criadas podem emitir opiniões?
– A Jamie não é criada, mas a Senhora.
Teria caído do cavalo se Connor não cingisse o aperto em volta da
sua cintura.
– Senhora?
– Vais gostar dela.
Ela nem sequer tentou rezar para ter paciência.
– Não vou gostar dela. Vais ter de lhe pedir para se ir embora,
Connor. Só pode haver uma Senhora na minha casa.
– A Jamie é Senhora da casa do Alec.
– Então porque plantou flores para ti? Foi bastante atencioso da
parte dela, mas não consigo imaginar por que motivo se deu a tanto
trabalho.
Ele finalmente percebeu a natureza do equivoco dela.
– Esta terra não é minha. Pertence ao Alec. Porque pensaste o
contrário?
Apeteceu-lhe berrar mas não se atreveu a falar acima de um
murmúrio porque o público observava-os como falcões.
– Vou dizer-te precisamente por que pensei que fosse a tua casa.
Disseram-me que íamos para casa, foi essa a razão, e uma vez que
ninguém se dignou informar-me que querias visitar o teu irmão,
deduzi naturalmente que isto fosse teu.
– Não é.
– Já percebi – concordou ela. – Teria sido simpático da tua parte
teres referido o nosso destino.
Connor não respondeu à critica velada.
O pátio enchia-se rapidamente de guerreiros. Todos eles vestidos
com mantas escocesas de cores suaves, tão parecidas com as de
Connor que ela de certeza as confundiria, incapaz de distinguir um
soldado Kincaid de um MacAlister.
Eles observavam Connor e Brenna. A rapariga endireitou as
costas até quase as sentir estalar, olhou em frente e procurou
mostrar-se serena. Era uma receção bastante desanimadora. Mas
quem vivia nas Terras Altas tinha de andar sempre mal disposto? Os
soldados, sem dúvida. A atitude deles também era intrigante.
Connor era o irmão de Alec, por amor de Deus, e não inimigo dele.
Esta distinção não interessava nada a estes pagãos?
O marido desmontou primeiro antes de a ajudar. Ela fitou-o nos
olhos, procurando um indicio que estaria tudo bem. Ele não
pestanejou nem mostrou minimamente o que lhe ia na mente. Ela
não se aninhou contra ele como queria, mas seguiu atrás do marido
com as mãos caídas, cabeça levantada e olhar fixado para o centro
das suas costas.
Quinlan e Aeden apareceram, um de cada lado, para a
acompanharem, enquanto Donald, Owen e Giric seguiam atrás. Ao
alcançarem os degraus que conduziam à entrada, Connor avançou,
mas Brenna e os restantes foram obrigados pelos soldados Kincaid
a ficarem para trás.
O irmão nitidamente pretendia falar com Connor em privado antes
de ela lhe ser apresentada. Esperava que demorassem muito, muito
tempo, pois agora temia a audiência com Alec Kincaid. A
possibilidade de um irmão poder magoar outro não lhe ocorrera.
Depois ouviu berros horríveis emanando das portas não
conseguindo pensar em mais nada.
Assumiu que Alec seria o primeiro a berrar, pois não reconheceu a
voz, mas Connor rapidamente se lhe juntou, e logo se tornou
impossível entender uma palavra sequer do que cada um deles
vociferava em delírios. Tentou concentrar-se. Se ao menos falassem
mais devagar ou soltassem as acusações em tom mais baixo, seria
capaz de traduzir o suficiente do gaélico confuso para compreender
o que deixara Alec tão furioso.
A discussão acesa demorou mais de quinze minutos. Quanto mais
tempo Brenna era obrigada a esperar, mais nervosa ficava. Só se
mexeu uma única vez naquele período. Ao se fecharem as portas
nas costas de Connor, Quinlan deliberadamente tocara-lhe no braço
quando se virou para encarar a multidão. Ela e Aeden rodaram ao
mesmo tempo que ele, o que ela lamentou de imediato, pois, como
é obvio, teve de suportar novo escrutínio detalhado dos soldados de
Kincaid.
Mas nenhum deles a fitava descaradamente. Brenna tentou
encará-lo como um bom sinal. Teve o cuidado de esconder deles o
medo que sentia, adivinhando que procurariam qualquer sinal, mas
o esforço era bastante cansativo.
A espera acabou por fim. Abriram-se as portas e ela foi convocada
para entrar. Quis abanar a cabeça, levantar as saias e desatar a
correr na direção oposta.
Mas acabou por entrar. Estava tão desconcertada que mal prestou
atenção à decoração. O grande salão ficava à esquerda. Parou
junto aos degraus de pedra que conduziam para o imenso espaço,
aguardando que a chamassem.
Nem Connor nem o irmão dele a tinham notado. Observou o
marido para se assegurar que continuava intacto. Não parecia mal,
pensou, e também não sangrava visivelmente. Claro que não estava
contente, mas a verdade é que essa era uma condição normal.
Também não estava zangado; talvez um pouco irritado.
Ela evitou encarar o irmão dele o mais que pode, e finalmente
reuniu coragem suficiente para se virar. Mas ainda não estava
preparada. Alec Kincaid era um guerreiro com ar feroz e olhos
cinzentos penetrantes e um esgar no rosto que faria o próprio Satã
tremer de meio.
– Isto não fica por aqui, Connor. Eu é que decido o que acontece
depois de falar com a mulher – a atitude era tão má quanto o
aspeto. Brenna uniu as mãos atrás das costas e tentou aguentar o
coração dentro do peito. Deus a ajudasse, ela não conseguiria
ultrapassar aquela reação inicial a respeito do homem. E continuou
a aterrorizá-la, mesmo quando desfez o esgar e a viu.
Ela fez uma vénia rápida para que ele não notasse o medo,
esperando que o gesto fosse encarado como boa educação. Sorrir
seria, contudo, impossível. E quanto a gritar, bem, ainda não
começara, e isso era importante.
Alec subitamente aproximou-se dela, com um andar tão arrogante
que ela percebeu quem inspirara Connor a ter um ar intimidatório: o
irmão.
– Brenna, venha cá – Connor ordenou-lhe com a voz tingida de
exasperação. Ela levantou imediatamente a cabeça, desceu as
escadas e correu para ele. Manteve o olhar em Alec Kincaid a cada
passo.
A não ser pelo tamanho de ambos, os guerreiros não pareciam
minimamente irmãos. Connor tinha cabelo castanho-escuro, Alec
uma boa porção de ruivo. O rosto de Connor era mais nobre,
embora Alec também tivesse um perfil elegante, admitiu com
relutância. As diferenças físicas não ficavam por ali, obviamente.
Quando Connor não estava carrancudo, o que era raro na opinião
dela, tornava-se bonito. Contudo, Alec jamais seria um homem
atraente.
E no entanto eram dois espinhos do mesmo cardo. Usavam as
mesmas táticas para aterrorizarem senhoras inocentes. Tinham um
comportamento explicitamente pecaminoso mas, pior era o facto de
nenhum dos guerreiros ter noção do efeito que causava nos outros.
Brenna interrogou-se se o cabelo dela estava a ficar grisalho.
Dizia-se que acontecera a algumas mulheres que passassem por
um grande terror. Tentou acalmar-se. Era apenas um homem e não
mais aterrorizador que Connor. Infelizmente, a simples verdade não
lhe trouxe conforto.
Nem ao marido. Ela conseguiu finalmente deixar de fitar o
pesadelo de Satã e encarou Connor, que a ignorou. Não podia ficar
pior, disse a si mesma. E a seguir, Connor puxou-a para trás de si.
Quis enchê-lo de pontapés.
Alec ficou desiludido com a noiva de Connor. Não a imaginava que
sobrevivesse ao casamento com Connor, se fosse o coelhinho
assustado que a considerava ser. Connor acabaria por espezinhá-la
em pouco tempo.
– Quero falar com ela, Connor. Sai-me da frente ou mando-te
retirar do salão – berrou Alec.
O marido nem sequer vacilou. Mas ela, sim. Também ficou furiosa,
pois era atroz que um irmão se dirigisse a outro num tom tão hostil.
– Claro que podes falar com ela, Alec, mas não erguerás a voz.
Não quero que a amedrontes.
A raiva de Brenna mudou de direção, subitamente. Dirigia a raiva
completamente ao marido. Teve realmente necessidade de dizer ao
irmão que se amedrontava com uma voz alta? Agora, Alec julgaria
que era fraca, e que raio de começo seria esse? Deu uma
cotovelada nas costas de Connor, para lhe indicar o que pensava
desse comentário. Ele voltou a colocá-la a seu lado, lançando-lhe
um olhar carrancudo. Só para o arreliar, ela sorriu.
Uma mulher junto à entrada anunciou Lady Kincaid. Connor não a
fitou. Brenna não conseguiu desviar a cara. A mulher era
espantosamente linda, e Brenna até piscou os olhos, julgando ser
uma aparição que a vinha confortar neste pesadelo. A mulher não
desapareceu. E não era apenas linda, ma também corajosa pois
atravessou o salão por sua própria vontade para falar com Alec.
A reação de Kincaid à visão foi um milagre. A voz parecia veludo,
quando autorizou a mulher a avançar. Até sorriu, ao inclinar-se para
lhe dar atenção. Santos sejam louvados, afinal era humano.
Infelizmente, o milagre não durou. Brenna encarou a visão, que
lhes fez uma vénia e saiu. Ela sabia que era rude, aquele olhar fixo,
mas não se conseguiu impedir, até se sentir tão atraente como um
pano velho. Alec devia pensar que Connor era maluco por ter
casado com Brenna, quando podia ter escolhido uma destas
beldades das Terras Altas. Provavelmente cresciam como urze nas
redondezas.
– Connor, a tua mulher é tímida?
– Talvez – concedeu este, intrigado com a intenção do irmão.
– Gostaria de colocar-lhe algumas perguntas, Lady Brenna.
Espero que seja sincera nas suas respostas. Não precisa de ter
medo de mim. Pediu o meu irmão em casamento?
Quis arrasar Connor. Como se atrevera a contar ao irmão aquela
vergonha infantil? É verdade, avisara-a antecipadamente, mas ela
não tinha acreditado por julgar que seria, também para ele, um
embaraço.
– Sim, meu Senhor. Pedi-o em casamento.
– Tem mais a contar-me? – perguntou, supondo que ela iria
explicar porque motivo fizera tal coisa.
– Tenho.
– Então, fale.
– Não sou tímida.
Ele quase sorriu. Havia um tom de desafio definitivo na voz dela
quando se defendia. Talvez não fosse um ratinho medroso.
– Julguei que fosse.
– Estava equivocado.
Ele anuiu.
– Pediu o Connor em casamento antes de ser prometida ao
MacNare?
– Sim.
– Alec, já passamos por isto – interrompeu Connor – Tal como
expliquei várias vezes, ela pediu-me três vezes a mão. Abandona
isso – acrescentou, puxando a esposa para trás de si novamente.
Três vezes? Ele tinha mesmo de contar tudo? Subitamente
imaginou que Alec não a julgaria tímida se esganasse o marido.
– Eu é que decido se largo o tema.
– Ela agora pertence-me – respondeu Connor.
– Mas pode ainda ser oferecida ao MacNare. Não me contraries,
irmão. Não será bom para ti.
– A nossa união foi abençoada. Brenna, não me empurres.
– Tudo pode ser desfeito – disse Alec.
– Não irás contra a nossa igreja.
– Não, isso não – concedeu Alec. – Há outra forma de oferecê-la
ao MacNare.
– Ela pode ter o meu filho na barriga. Raios, mulher, para de me
provocar!
– Ela pode ver-se livre de ti.
– Como?
– Se eu te matar.
Connor preparava-se para troçar da ameaça de Alec quando a
esposa lhe chamou a atenção. Pusera-se subitamente na sua
frente.
– Não irá matá-lo – berrou a Alec.
A raiva dela apanhou os homens desprevenidos.
– Por amor de Deus, Brenna – murmurou Connor, puxando-a para
trás de si. – Não te metas.
– Deixa a rapariga falar, Connor.
Ela já se encontrava diante do marido quando Alec terminou de
dar a ordem.
– Não o posso matar?
– É seu irmão.
– Dá-me uma razão válida.
Ela não conseguiu encontrá-la.
– Devia aproveitar ao máximo.
Alec reclinou-se contra a mesa, cruzou os braços ao peito e fitou-
a.
– Aproveitar o quê?
– O Connor. Entendo todas as razões pelas quais queira matá-lo.
Quem o conheça acaba por sentir o mesmo. Mas não deixa de ser
seu irmão, e se considerar as suas virtudes, há de deixá-lo viver.
– Quais virtudes?
– Já desconfiava que diria isso.
Ela percebeu que deixara escapar o pensamento pela boca, e
apressou-se a responder antes que Connor se ofendesse.
– São às centenas.
– Tais como?
– É leal.
– E?
Ela passou os dedos pelo cabelo, agitada, procurando descobrir
outra.
– Os homens parecem gostar dele.
– E você?
– Já chega, Alec. Brenna, se continuares a defender-me, o meu
irmão acabará por torturar-me antes de me matar.
– Estou a fazer o melhor que posso.
Alec terminou abruptamente o interrogatório antes de abandonar o
salão. Aparentemente, Connor aprendera os modos do irmão mais
velho.
– Qual é o teu problema, Brenna?
– O problema és tu – exclamou ela. – Tornaste-me numa parvinha
que não se cala. Quero voltar para casa já.
– Não podes partir antes de o Alec voltar.
– Ele não te matará, pois não?
– Não, não me vai matar. Nem sabia que te importavas.
O riso na voz dele despertou-a.
– E não me importo.
– Então porque tentaste defender-me? – teria de aplicar a lógica
com ela.
– Se alguém te matar, serei eu, e juro por Deus que se voltas a
esconder-me atrás das tuas costas, o faço. Tens alguma?
– Alguma, quê?
– Virtude.
– Sou mais ou menos simpático.
– Pediram-me para não mentir.
– Deixo-te opinar.
– Isso não é uma virtude.
Ele acabou por ter pena dela.
– Já acabou. Eu disse-te que não te magoaria.
– O aviso não foi suficiente – retorquiu ela. – Voltou – acrescentou
num sussurro.
Alec não vinha sozinho. A visão seguiu o Senhor dela para o salão
e aguardou ao seu lado quando ordenou a Brenna que se
aproximasse.
Connor teve de dar uma cotovelada a Brenna para acordá-la. Ela
avançou para Alec, baixou a cabeça e esperou que ele a
amedrontasse novamente.
– Seja bem vinda à família, Lady Brenna.
Capítulo 8

J amie insistiu em que ficassem para a ceia, para poder conversar


à vontade com Brenna. Connor insistiu em partirem. Mas Alec
não estava disposto a que a esposa ficasse desiludida. Terminou a
discussão ao transformar o convite numa ordem.
Ninguém se dignou perguntar a Brenna qual a sua opinião. Estava
esfomeada, obviamente – como sempre – mas não tencionava
comer nada diante de familiares que pretendia impressionar. Se
acontecesse algo horrível, como entornar a bebida, comer em
excesso, depois de começar, sabe Deus o que pensariam dela.
Acercara-se de Connor durante o debate demorado, mas só
percebeu que lhe agarrara na mão quando ele foi obrigado a soltar-
se para acompanhar o irmão ao exterior.
Inclinou-se para ela e Brenna assumiu que quereria beijá-la antes
de partir. Era costume do pai dela, quando abandonava a esposa, e
Brenna ficou tão agradecida pela cortesia inusitada que decidiu
antecipar-se.
Ele não esperava aquela reação. Antes de sequer desconfiar do
que ia acontecer, a boca da rapariga tocou na sua durante um par
de segundos, para imediatamente se afastar.
Ela ficou muito satisfeita com o seu ato.
Ele ficou arrasado.
Não se queixou do comportamento dela, e embora o intrigasse
que ela não fizesse ideia do que se considerava adequado, teve de
admitir que não foi assim tão mau.
– Podes largar a minha mão, por favor?
Ela acedeu ao pedido e uniu as mãos atrás das costas.
Alec já alcançara o cimo da escada e fitava a tapeçaria pendurada
sobre a cornija da lareira. Não parecia nada contente. Felizmente,
dirigiu a sua irritação à esposa.
– Pensavas que eu não iria notar, Jamie? – estava furioso.
Jamie não se deixou abalar. Fez um ar carrancudo e exclamou:
– Pensavas que eu não iria notar o meu adorado Guilherme junto
às cavalariças?
Connor deu uma cotovelada a Brenna para lhe chamar a atenção,
disse-lhe para não se meter em sarilhos e partiu atrás do irmão.
Jamie pediu licença um minuto depois, para se ausentar.
– Por favor, fiquem à vontade, enquanto falo com a cozinheira
sobre os preparativos. Comeremos uma hora mais cedo do que o
habitual, de modo a que possam regressar antes que escureça. Já
volto.
Mal Brenna se encontrou a sós, tentou freneticamente ficar mais
apresentável. Sacudiu o pó das roupas, ajustou as dobras da manta
escocesa, compôs o cabelo sobre os ombros e beliscou as
bochechas da cara para lhes dar cor. Infelizmente, ao acabar, ficou
desconfiada que não melhorara em nada.
Desejava não se sentir tão nervosa e insegura. Culpava Alec
Kincaid da sua condição. Ora, as mãos ainda lhe tremiam após ter
sido apresentada ao irmão de Connor – como conseguiria ela
aguentar-se sentada à mesma mesa que o homem?
Não queria atrair as atenções. Estava resoluta em não cometer
enganos, nem soltar comentários potencialmente ofensivos, e
portanto percorreu todo os assuntos que não devia referir. A
Inglaterra surgiu-lhe logo à mente. Alec e Jamie provavelmente
sentiam o mesmo que Connor a respeito do seu adorado país, ou
seja, detestavam-no, e mesmo ela considerando essa opinião
ignorante e tola, não pretendia discutir com eles.
A lista de tópicos a evitar prosseguiu infinitivamente, e não
demorou muito a perceber que seria o clima o único assunto seguro.
Queria ser perfeita, compenetrou-se desta impossibilidade e por fim
escolheu a sua única opção, manter a boca fechada, mãos
pousadas no regaço e falar apenas quando lhe colocasse uma
pergunta específica.
Também evitaria sentar-se ao lado de Jamie, ou ficar perto dela.
Connor e Alec notariam a sua banalidade, quando comparada com
a perfeição daquela mulher. Ora, a esposa de Alec era ainda mais
bela que Rachel, possibilidade que jamais ocorreria a Brenna.
Queria que os seus novos familiares a considerassem merecedora
de Connor. Não entendia porque era tão importante esta aceitação,
e se não se sentisse como uma tola nervosa naquele momento,
seguramente havia de determinar o motivo. Até entrar na casa de
Kincaid, diria que até um bode podia servir de esposa a Connor,
mas duvidava que Alec e Jamie apreciassem esta opinião. Deviam
gostar do irmão, e Brenna queria que eles gostassem de si.
Precisava de amigas com quem conviver, e havia tanta bondade e
carinho no olhar de Jamie que Brenna julgara encontrar uma boa
aliada.
Sentir-se inadequada pô-la triste. Brenna fora educada a
agradecer o que tinha, e não a lamentar-se do que lhe faltava;
portanto recordou todas as dádivas encantadoras que Deus lhe
concedera. Tinha dentes bons e direitos, costas fortes e pés que
não lhe davam problemas. Excelentes qualidades, mas mais
importante do que os atributos físicos eram os tesouros ocultos que
possuía. A mãe sempre lhe dissera que tinha um bom coração. Era
também uma trabalhadora esforçada. E tinha um espírito forte, pelo
menos até Connor aparecer e a tornar uma parvinha incapaz de se
exprimir.
Mas talvez não fosse completamente inútil. Além disso, agora
traçara um plano sensato e portanto teria um maior controlo da
situação. Desde que se lembrasse de ficar calada e recatada, havia
de correr bem.
Com sorte, ninguém notaria sequer na sua presença
Olhou em redor do salão com interesse. A atenção dela foi
imediatamente atraída pela tapeçaria enorme pendurada sobre a
cornija. Fitou-a durante imenso tempo, tentando imaginar o que nela
incomodara Alec. O elemento era adorável, com as bordas gastas
pela idade mas a tecelagem ainda vibrante e cheia de cor.
Mostrava um homem, que Alec designara de Guilherme, que
trajava uma túnica azul forte e ostentava uma coroa de joias na
cabeça, numa postura vigilante sobre o salão. Não sabia de quem
se tratava, mas teria vivido há muito tempo, pois em cima da cabeça
desenhava-se um halo dourado, sinal da sua santidade. Brenna
lamentou que não se tivesse dedicado a memorizar os nomes e os
factos pertinentes dos santos, tal como o confessor sugerira – para
regozijo do padre, sem dúvida, caso descobrisse este seu
arrependimento por não ter estado atenta às lições recebidas…
Embora se sentisse curiosa para descobrir a identidade de
Guilherme, não tencionava perguntar a Alec ou Jamie, passaria por
ignorante. Mais tarde, questionaria Connor. Fez o sinal da cruz para
demonstrar respeito pelo santo, antes de lhe virar as costas e
apreciar o resto do salão.
Ficou imediatamente cativada pelo arsenal exposto nas paredes,
de cada lado da entrada. A meio da parede mais larga encontravam-
se duas magnificas espadas com punhos dourados incrustados com
joias. Faltava uma joia, a maior destas, no meio do grupo de
gemas.
Era muito impressionante, na opinião dela, mas igualmente
estranho. Porque desejaria alguém expor as armas dentro de casa?
Uma porta abriu-se ao fundo da galeria, por cima da entrada
principal, e uma menina do tamanho de um murmúrio apareceu a
correr. A criança tinha nitidamente acabado de acordar da sesta,
pois esfregava ainda o sono dos olhos. Trazia um vestido cor de
marfim e uma manta a envolvê-la, que arrastava pelo chão. A miúda
estava com tanta pressa para descer as escadas que se esqueceu
de apanhar a manta, e já tropeçara uma vez antes de Brenna se
dirigir para ela, querendo ajudá-la.
Começou a correr quando a pequenina tropeçou segunda vez.
– Levanta a manta do chão e espera que eu te ajude a descer –
disse ela em voz alta.
Mas a miúda não entendeu o que Brenna lhe disse. Não mostrou
receio da mulher estranha, apenas curiosidade. Fitou Brenna
através do corrimão e sorriu, mas não parou.
Demasiado tarde, Brenna percebeu que fora um erro chamar a
criança, pois esta, agora, não tirava os olhos da rapariga e menos
atenção prestava ao caminhar. Seria um desastre certo. Brenna
começou a subir os degraus e tentou pará-la.
Não chegou a tempo. A menina alcançou a berma do degrau
superior, tropeçou na manta e catapultou-se pelo ar com a força de
uma pedra lançada de uma funda.
Brenna atirou-se em frente, apanhou-a nos braços e teve
presença de espírito para envolver a pequenina e apertá-la contra
si. A força do impacto fez Brenna perder o equilibro, e cair para trás,
procurando, entretanto, virar-se, de modo a embater na parede de
pedra com o ombro e não com a cabeça. Mas não conseguiu.
Mais tarde, Jamie dir-lhe-ia que batera com a testa duas outras
vezes, antes de cair no fundo das escadas, com a criança ainda
envolta no abraço protetor.
Brenna recuperou do contratempo antes da própria Jamie, mas o
corpo latejava da cabeça aos pés. O cimo da testa parecia arder,
mas confirmou que a miúda ficara ilesa, sorrindo perante a sua
condição deplorável. Jorrava sangue da testa; a orla do vestido
rasgara-se e as dobras que tanto se esforçara para compor já não
estavam direitas.
Jamie ficou tão perturbada com o susto que mal conseguia reagir.
Sentou-se nos degraus acima de Brenna, puxou o bebé para o colo
e abraçou-a com força.
– Santo Deus, julguei que ambas morreriam. Estás bem, Brenna?
Não te mexas até… O que te passou pela cabeça, Grace? Sabes
que não podes descer as escadas sem… Quantas vezes o teu pai
te disse para chamares um de nós? Sentes-te bem Brenna?
Responde-me.
Jamie não parava de soluçar, e Brenna convenceu-se que a
mulher não escutaria as suas respostas. Sentiu-se tola por se
espalhar pelo chão como um vaso partido, e forçou-se a ficar de pé
para se recompor.
– Brenna, não te mexas até eu garantir que não partiste nada.
– Estou bem, Jamie.
– Santo Deus, queres pôr-te de pé?
– Mamã, temos de dizer ao papá?
– Não, nós não temos de lhe dizer, mas tu tens.
Grace contorceu-se no colo da mãe.
– Quando estiver preparada, mamã? – suplicou. – E não antes?
Jamie anuiu.
– Quando estiveres preparada – aceitou. – Desde que lhe contes
antes de te deitares hoje.
– Porque não esquecemos o que aconteceu? Foi só um acidente.
Grace deve ter compreendido um pouco do que Brenna sugeriu
porque se aproximou dela e indicou que concordava.
– Fiquei tão aterrorizada que não conseguia mexer-me. Vi a minha
bebé voar pelos ares e o meu coração como que parou. Não
consegui apanhá-la antes de… – demasiado perturbada para
continuar, Jamie cobriu a cara com as mãos e desatou a soluçar
novamente.
Brenna deu-lhe palmadinhas no braço, procurando acalmá-la.
– Pronto, pronto. Já passou. A tua filha está sã como um pero,
Jamie. Nem sequer teve um arranhão.
Ajudou Jaime a endireitar-se, passou o braço em volta dos ombros
dela e conduziu-a para o salão.
Jamie ocupara entretanto o lugar à mesa, antes de se
compenetrar da sua reação. Voltou a levantar-se e colocou Brenna
num assento adjacente. Brenna aterrou com um baque, sentindo
uma pontada de dôr assolar a coxa direita, e precisou de muita
disciplina para não berrar.
Jamie notou finalmente a lesão na testa de Brenna.
– Santo Deus, estás a sangrar.
– É um cortezinho, só isso. Senta-te e recupera, Jamie. Apanhaste
um grande susto.
– Não, eu é que devia reconfortar-te. Juro por Deus, vou levar um
mês a recuperar. Tu aguentas tudo sem problemas? Vira a cabeça
para que eu veja melhor. Tens mais cortes? Céus, as mãos tremem-
me tanto que mal consigo afastar-te o cabelo. Grace?
– Sim, mamã? – a menina apareceu a correr pelo salão, a arrastar
a manta escocesa atrás de si. Parecia ansiosa por participar na
conversa, até a mãe lhe dizer o que tinha de fazer.
– Vai chamar o teu pai.
Grace deixou cair a manta, saltou para o colo de Brenna e
recostou-se a ela.
– Mamã? Posso ir chamar o papá quando estiver pronta?
Brenna desatou a rir. O som acalentou o coração de Jamie e
trouxe-lhe novas lágrimas aos olhos. Pegou na mão de Brenna e
apertou-a.
– Obrigado a Deus por existires. Se não fosse a tua destreza, a
minha filha teria partido o pescoço. Eu e o meu marido teremos uma
dívida para contigo até ao dia da nossa morte.
Brenna enrubesceu de embaraço.
– Não me devem nada. São família agora, e eu sempre estarei
disposta a ajudar-vos no que puder. Além disso, temos de cuidar
dos miúdos em conjunto. Não concordas?
– Bastante – disse Jamie. – Somos mais do que família, somos
irmãs. Não achas?
– Bastante – sussurrou ela. – E haverá sempre espaço para mais
uma irmã no meu coração.
Formou-se naquele instante o laço entre as duas mulheres. As
preocupações e inseguranças de Brenna desapareceram. Pois entre
irmãs não havia necessidade de se impressionarem.
– Mamã, não chores mais. Não gosto disso – pediu Grace com
uma vozinha trémula.
– Já parei – prometeu Jamie. Soltou a mão de Brenna, respirou
fundo e limpou as lágrimas da cara com as costas das mãos. –
Devia mandar alguém em busca do Connor. Quero que veja isto.
Brenna não queria que Connor se juntasse a elas, e nem Alec. O
marido pedir-lhe-ia explicações demoradas, e caso insinuasse
sequer que a culpava do incidente, Brenna desataria aos berros.
Embora, por outro lado, se se mostrasse piedoso, a rapariga sentir-
se-ia tão agradecida que desataria a chorar. A mais humilhante das
situações.
– Não estás a ser razoável. O teu marido vai exigir explicações
mal te ponha a vista em cima.
– Terei muito gosto em explicar-lhe tudo durante o regresso a
casa.
– Tens medo dele? – perguntou Jamie, aparentemente chocada
com a possibilidade.
Brenna abanou a cabeça.
– Claro que não. Acontece que dirá algo que me tire a calma, serei
obrigada a apresentar o meu ponto de vista sobre o assunto, e num
piscar de olhos, começamos a discutir diante do Alec. Não quero ser
mal educada. Tenciono impressionar o teu marido e não enfurecê-lo.
Além disso, jurei não chamar a atenção sobre a minha pessoa. Para
de me espetares o dedo…
– Salvaste a vida da minha filha. Julgas que o Alec não ficará
impressionado com este facto? Porque te incomodam tanto os
elogios, Brenna?
– Porque não fazem sentido. Fiz o que tinha de ser feito, e nada
mais.
– Ficas perturbada, já percebi. Por enquanto, não insisto mais.
Grace, querida, pede a uma das criadas que traga água fresca e
toalhas.
A menina estava com tanta vontade de ajudar, que saiu a correr,
esquecendo-se da manta.
O corte encontrava-se na testa de Brenna, por cima do olho
esquerdo. Jamie limpou devidamente a ferida e Brenna assumiu que
Jamie tinha terminado, pedindo-lhe que contasse a história de como
casara com Alec Kincaid. Jamie indicou que, antes disso, aplicariam
agulha e linha.
Brenna ficou imediatamente nervosa.
– Não julgues que não me sinto grata, mas preferia não te dar
mais trabalho. Sinto-me bem, a sério. Mal me afetou. A Grace é filha
única?
– Não, tenho quatro, ao todo. A Mary Kathleen é a mais velha. Já
casou e vive demasiado longe para o meu gosto, pois só a vejo
duas vezes ao ano. O Gideon nasceu há dez anos, e cinco anos
mais tarde, o Dillon. A Grace é a nossa bebé.
– É adorável. Tem a cara de um querubim.
– Pois tem – concordou Jamie. – As tuas perguntas não me
fizeram mudar de ideias, se era essa a tua esperança. O corte é
demasiado profundo para sarar de outra forma. Tem de levar
pontos, portanto é melhor que pares de armar-te em forte. Sabemos
ambas que estás a sofrer.
– Não me armava em forte. Estava a ser diplomática.
– Tentativa inútil.
– Talvez não tenha sido suficientemente específica. Se julgas que
te vou deixar aproximares-te de mim com uma agulha na mão
depois de me teres contado que não consegues parar de tremer,
estás maluca.
– Quando tenho uma ideia na cabeça, ninguém me demove,
Brenna.
– Estás louca, Jamie.
Os olhos de Grace foram-se abrindo durante a discussão. Voltou a
subir para o colo de Brenna e assistiu fascinada à troca de gritos
entre as duas mulheres.
Jamie acabou por vencer a batalha. Era mais velha e forte, e tinha
duas criadas do seu lado. Grace era a única aliada de Brenna. Não
foi de grande ajuda. Começava aos risinhos sempre que a mãe
erguia a voz e tapava os ouvidos quando era a vez de Brenna.
– Terminas antes de o Connor e o Alec chegarem?
– Sim.
Felizmente, Jamie cumpria as promessas. Brenna não soltou
qualquer queixume, enquanto Jamie limpava a ferida e a cosia.
– Ficarás com uma cicatriz na testa, mas consegues esconder
metade com o cabelo. Incomoda-te isso?
– Não – respondeu Brenna. – O que me incomoda é que pares
sempre que me queres dizer alguma coisa. Por favor, despacha-te.
Jamie suspirou fundo.
– Não sabia que eras assim difícil.
Ao concluir esta observação, humedeceu uma toalha limpa e
lavou o sangue do cabelo de Brenna. Acreditava ainda que Connor
exigiria explicações mal olhasse para Brenna.
– Concordo contigo que irá notar a minha ferida, mas de certeza
que nada dirá até estamos a caminho de casa. Se calhar, até
esperará por amanhã para mencionar o assunto. Se eu puxar o
cabelo para trás e apontar para os pontos, talvez consiga algum
comentário mais cedo.
A cozinheira juntara-se a elas minutos antes e agora pedia
autorização à Senhora para apresentar a sua ideia.
– Sim, Elyne? – perguntou Jamie.
– E se apostassem?
Brenna aceitou a sugestão de Elyne. Se Connor ignorasse a sua
ferida, então Jamie plantaria flores diante da casa dele, de modo a
torná-la tão convidativa como a sua. Se, pelo contrário, Connor
fizesse comentários, então Brenna prometeria visitar Jamie todas as
semanas, independentemente do clima e dos outros compromissos.
Estabeleceram-se regras para que nenhuma das damas
influenciasse o resultado a seu favor. Elyne foi incumbida da
importante tarefa de ficar escondida no corredor e salvaguardar o
uso de certos truques, como dar dicas.
Os irmãos, à entrada, no exterior, ouviam o riso das esposas e
sorriram instintivamente. Alec sentia-se satisfeito por Jamie gostar
da visitante, e Connor sentia-se aliviado por Brenna não ficar tão
nervosa na presença de Jamie como na de Alec.
Brenna ouviu as portas abrirem-se e imediatamente ajudou Grace
a sair-lhe do colo. Levantou-se, de costas para o marido, e fingiu
concentrar-se na dobra da manta que a miudinha desmanchara.
Assim que Grace viu o pai, encaminhando-se para a mesa com
largas passadas, desatou a correr em sentido contrário.
Alec ocupou o lugar à cabeça da mesa. Jamie ficou à sua
esquerda. Brenna deixou para Connor o banco diante de Jamie, e
escolheu o assento a seu lado. Grace foi a última a sentar-se. Ela e
o pai encararam-se mutuamente à distância de dezasseis bancos. A
miúda arrastou o banco para mais perto da mesa, deixou cair nesta
o queixo e encarou o pai.
Connor mal lançou um olhar a Brenna. É verdade que lhe
perguntou se estava tudo bem, mas ela assumiu que o marido só
queria garantir que se comportara corretamente, conforme instruíra
antes de sair, e lançou-lhe um aceno rápido como resposta.
– Onde estão os teus outros filhos? – perguntou Brenna a Jamie.
– O Alec autorizou-os a darem um passeio com o Gavin e a
esposa por mais uma hora – explicou Jamie antes de se virar para o
marido. – Já contaste as novidades ao Connor?
– Não, não contei – respondeu Alec com um sorriso.
– E são boas notícias? – perguntou Brenna.
– Oh, sim, Brenna – respondeu Jamie. – São mesmo boas
noticias.
– Acabei de saber, Connor, que a tua madrasta e o filho dela estão
a caminho das tuas terras. Devem alcançar as tuas terras no final do
dia, ou amanhã cedo.
Brenna reagiu antes do marido. Ficou tão atónita com este aviso,
que se pôs de pé, quase empurrando o banco.
– Agora? A tua mãe vem-nos visitar agora?
Connor puxou-a gentilmente para baixo, fazendo-a sentar-se.
– A minha madrasta – corrigiu.
– Sim, claro, a tua madrasta. Ela vem visitar-nos agora?
– Sim, agora, de acordo com o que o Alec nos acabou de contar.
Não vejo motivos para pânico. Esta novidade preocupa-te?
– Não, claro que não. Foi uma surpresa, descobrir que a tua
madrasta pode já estar à nossa espera.
– Talvez chegue só amanhã – sugeriu Alec.
Connor virou-se para a esposa.
– O que se passa? São boas noticias, não más.
– Sim, são boas notícias – concordou ela. – E farei o possível para
que se sinta acolhida.
– Há quanto tempo a Euphemia não regressa a casa? – perguntou
Jamie.
– Dezassete anos – respondeu Connor. – Acabara de partir ao
encontro da família para tomar conta de um tio doente, quando
mataram o meu pai. Ela não suportou a ideia de regressar quando
soube.
– E nunca mais a viste? – perguntou Brenna.
– Vi-a várias vezes desde esse dia. Há três anos, quando eu e o
Alec resolvíamos uma discórdia, junto aos picos, paramos no forte
para apresentarmos os nossos pêsames.
– Ainda se encontrava em luto – disse Alec.
– Que grande amor pelo teu pai – murmurou Brenna.
– Sem dúvida – respondeu ele.
– Devia ter seguido em frente, com a vida – disse Alec. – Chorar
pelos mortos não os traz de volta.
– Mas tu chorarias por mim, Alec? – perguntou Jamie.
– Claro que sim.
– Durante quanto tempo?
Alec não se deixaria entrar numa discussão com a mulher sobre a
duração do seu luto. Imaginar perdê-la causava-lhe agonia.
– Não podes morrer. Ouviste? – ordenou numa voz dura e
inflexível.
A esposa foi a única a notar o pânico naquele olhar e apressou-se
a tranquilizá-lo.
– Não, não vou morrer. Esqueceste-te de contar ao Connor as
outras novidades interessantes?
O marido fez-lhe a vontade com gosto. Virou-se para Connor e
explicou que também recebera noticias de um emissário enviado por
alguém das terras na fronteira. Connor mostrou-se interessado e
colocou várias perguntas. Um assunto conduziu ao próximo e a
outro, e rapidamente Brenna e Jamie foram esquecidas.
Brenna afastou temporariamente a preocupação de acolher a
madrasta de Connor, embora dissesse uma prece rápida para a
mulher não chegar antes dela. Brenna queria orientar-se na casa
nova.
Os seus pensamentos foram interrompidos quando ouviu Jamie
tentar convencer a filha pequena a juntar-se a eles. Brenna
rapidamente abanou a cabeça, pois temia que Grace soltasse
inocentemente um comentário que despertasse a curiosidade dos
homens, inclinando inadvertidamente o resultado a favor de Jamie.
Até agora, Brenna estava a ganhar a aposta, pois nenhum dos
irmãos comentara a sua ferida. Lançou a Jamie um olhar de regozijo
pecaminoso, antes de atacar toda a comida na sua frente.
Alec aguardou até que se levantarem os restos antes de abordar a
esposa.
– Tenho estado para perguntar porque motivo…
O riso dela calou-o. Esperou que Jamie recuperasse o controlo
antes de continuar.
– Porque é que a pergunta te dá vontade de rir, se ainda nem a
ouviste?
– Peço perdão, Alec. O que ias dizer?
– Porque motivo está a minha filha sentada ao fundo da mesa?
Mal a consigo ver daqui.
Todos se viraram para Grace. A miudinha não se mostrou
incomodada com tanta atenção. Sorriu, para agrado do pai, e
continuou a fitá-lo.
– Brenna, queres responder à pergunta do Alec?
– Não.
– Não podes dizer que não ao meu irmão – explicou Connor.
– Mas acabou de dizer – comentou Jamie, antes de se rir
novamente.
Brenna considerou o comportamento de Jamie como uma violação
direta das regras estabelecidas entre elas, ao provocar
deliberadamente a curiosidade dos homens com tantas
gargalhadas. Não ia deixá-la escapar impune.
– Jamie, penso que devias ir às cozinhas e agradecer à Elyne por
esta refeição.
– Se eu for, tu vens comigo.
– Nenhuma de vocês precisa de se levantar – intrometeu-se
Connor. – A Elyne e duas outras criadas observam-nos do corredor
do fundo. Podes agradecer daqui.
– Não consegues controlar-te? – pediu Alec quando a esposa se
viu dominada por novas risadas.
Brenna pôs-se de pé.
– Obrigada por esta maravilhosa refeição. Dão-me licença?
Não esperou pela autorização. Jamie pôs-se de pé logo a seguir e
correu atrás de Brenna.
Connor ouviu a esposa acusar Jamie de fazer batota e quase
deixou cair a taça. Esperava por todos os santos que Alec não
ouvisse os comentários. A seguir, Brenna parou diante da lareira e,
antes de prosseguir, benzeu-se. Alec ficou tão chocado que
emborcou a taça vazia.
Jamie considerou hilariante o sinal de respeito de Brenna. O riso
acompanhou-a pelas portas da frente.
Alec aguardou até as criadas passarem pela mesa e correrem
atrás dela, e depois virou-se para Connor.
– Devíamos ficar ofendidos.
– Concordo. Como terá a Brenna feito aquele corte, e em nome de
Deus, porque estão as duas a fingir que nada aconteceu?
– Só há uma forma rápida de descobrir.
– Como?
Alec sorriu.
– Grace?
– Sim, papá?
– Anda cá, senta-te ao colo do pai.
– Quando estiver pronta, posso sentar-me ao teu colo?
– Estás pronta agora, Grace.
A menina manteve-se cabisbaixa e avançou como se fosse para o
banho. Connor piscou-lhe o olho quando ela passou por ele.
Alec levantou-a nos braços, beijou-lhe a testa e sentou-a na ponta
da mesa. Depois ordenou-lhe que contasse o que acontecera.
– A dama gritou com a mamã.
– A dama chama-se Brenna, Grace. Conta-me a verdade.
– É possível que esta seja a verdade – intrometeu-se Connor.
– E a tua mãe, o que fez?
– Chorou.
Alec fitou Connor.
– Nada disto te espanta, pois não?
– Não.
– A mamã também gritou, papá.
– E tu, o que fizeste, Grace?
– Nada.
Alec não acreditou naquele disparate, nem por um minuto.
– E que mais tens para me dizeres?
– A dama riu-se quando a mãe voltou a chorar – sentia-se tão feliz
por se recordar, que encolheu os ombros de prazer.
– Connor, não posso ignorar a chocante falta de respeito da
Brenna pela minha esposa. Pretendo falar com ela.
– Não a ofenderás, Alec.
– A dama não chorou, papá.
– Foi? – disse Alec.
– A mamã enfiou a agulha na cabeça da dama.
– Como é que a Brenna se magoou? – perguntou Connor.
– Caiu das escadas.
– Mas que raios fazia ela nas escadas?
– Connor, gritares à minha filha não é a melhor forma de obteres
respostas – disse Alec. – Lembra-te da idade dela.
– Não tinhas dito que seria rápido?
– A dama Brenna disse à mamã que estava louca.
– Conta-me o que fazia ela nas escadas – ordenou Alec.
– Adoro-te, papá.
O ardil não surtiu efeito. Nem a tentativa da criança, quando se
contorceu para fugir aos braços do pai.
– Responde-me, Grace.
– Foi apanhar-me.
Alec imaginou precisamente o que teria acontecido. Connor
encontrava-se em desvantagem porque abandonara o lar de Alec há
bastante tempo, ainda Grace não era nascida, e portanto, não
conhecia o historial da criança para as traquinices.
– Mas ainda não entendi o que a fez cair – disse Connor.
– Grace, conta ao teu tio como te apanhou a Brenna – instruiu o
pai.
A miudinha ficou encantada por ter a atenção dos dois adultos.
Assentou os pés no colo do pai, esticou os braços bem acima da
cabeça e tentou saltar no ar para recriar o acontecimento.
Alec segurou a filha e obrigou-a gentilmente a voltar ao colo.
– Vais acabar comigo, Grace – murmurou com um abanar de
cabeça.
– Eu sei, papá. Já me disseste isso milhares de vezes.
– Também acabará com a sua cara esposa, meu Senhor –
comentou a cozinheira, voltando apressada das cozinhas.
Alec virou-se para a mulher mais velha.
– A minha filha lançou-se de catapulta do degrau superior, Elyne?
– Não assisti, meu Senhor, mas a Senhora disse que a Grace se
lançou pelas escadas com a rapidez de uma pedra lançada do cimo
da torre. A Lady Brenna foi obrigada a saltar para conseguir apanhá-
la.
– Podiam ter ambas partido os pescoços.
– Pois podiam, Connor – concordou Alec antes de se virar para a
criada leal. – Explica-me por que motivo as nossas esposas não
querem que saibamos o que aconteceu.
Elyne não podia recusar a ordem do Senhor e explicou-lhe
rapidamente a questão da aposta.
Os irmãos não ficaram nada contentes com a brincadeira das
esposas. Mas dispuseram-se a alinhar.
Jamie e Brenna entraram no salão pouco tempo depois. Ambos os
maridos se levantaram ante a presença delas, mas foram ignorados
durante vários minutos e voltaram a sentar-se. Alec encheu de vinho
as taças delas. Emborcou a sua num longo trago.
Brenna conquistara a lealdade de Alec ao casar com o irmão. A
devoção, recebeu-a no instante em que Alec descobriu que salvara
a sua preciosa filha de uma lesão séria, além de ganhar a sua
admiração e afeto quando indicou a Jamie que devia retirar
imediatamente a tapeçaria. Jamie recusou com veemência.
– Então ao menos retira os fios amarelos do halo, logo que
possas. Não podes santificar Guilherme, o Conquistador, só por que
o consideras santo. É um sacrilégio.
– O Guilherme será santificado quando a igreja se dispuser a
isso.
Brenna abanou a cabeça.
– Não admira que o teu marido reagisse como se tivesse visto o
diabo. Porque havias tu de pendurar o antigo rei de Inglaterra numa
casa das Terras Altas? Até eu sei que ele não pertence a este sítio.
Tens de tirá-lo, Jamie. Santo Deus, faço o sinal da cruz sempre que
passo por ele, e se isso não é blasfémia, ignoro o que possa ser. E
se pendurassem um dos vossos reis?
– Porque motivo?
– Porquê? Porque pertences às Terras Altas, ora essa.
– Não sabes, pois não? Brenna, eu nasci e cresci na Inglaterra.
A rapariga ficou prontamente atordoada com a revelação
espantosa. Jamie riu-se, ante a noticia assombrosa que acabara de
dar à nova irmã.
– Falas à maneira das Terras Altas e ninguém me disse que
eras… – Brenna fez uma pausa e lançou um olhar intenso ao
marido. – Podias ter-me contado.
– Não, duvido que o Connor te contasse. É melhor que aceites o
facto que os homens não contam nada sem serem espicaçados,
Brenna. Mas devias ficar contente com a minha revelação, e não
zangada.
Brenna parou finalmente de franzir o cenho ao marido.
– E estou contente. Não me admira que gostasse tanto de ti.
– Também gostarás da Mary. Alec, já viste como sou abençoada?
Agora tenho uma irmã de cada lado das minhas terras.
– É verdade – concordou Alec.
– Connor, a Brenna tem de conhecer a Mary logo que possa.
– Podemos visitá-la a caminho de casa? – perguntou Brenna.
– É demasiado tarde para outra paragem – respondeu Connor.
Determinada a impedir que o marido lhe refreasse o entusiasmo,
Brenna aproximou-se da mesa e pousou a mão no ombro dele.
– Fica para a próxima?
– Sim.
Ela deu-lhe uma palmada, indicando que agradecia a sua
cooperação. Levantando-se, Alec virou-se de lado para Brenna não
ver o sorriso imediato. Agradou-lhe testemunhar o afeto que a
rapariga nutria pelo irmão, mas o que lhe despertou o sorriso foi o
facto de Connor querer fingir o seu desagrado.
Connor abanou a cabeça ao irmão.
– Não vejas nisto mais do que é – comentou, lançando a mão
atrás de si para afastar a esposa, pois ainda a derrubaria quando se
levantasse.
Alec anuiu.
– Sugeria que não visses nisso, menos do que é.
Brenna não percebeu aquela troca de comentários entre os dois
homens. Alec abruptamente mudou de assunto, antes que ela
inquirisse.
– Mantém os olhos bem abertos ao voltarem para casa.
– O Connor nunca baixa a guarda – disse ela.
– Isso é verdade – concordou Alec antes de dar um segundo aviso
ao irmão. – Ele pode estar agora mesmo à vossa espera nas tuas
terras.
– Ah, Alec, quem me dera.
– A tua arrogância ainda te mata. Ambos sabemos que ele vai
querê-la de volta.
Brenna subitamente percebeu a quem se referiam os irmãos.
Soltou um arquejo, agarrou Connor pelo braço e murmurou:
– O porco do MacNare?
O marido sorriu. Graças a Deus, ela começava a perceber a sorte
de se ter casado consigo.
– Sim, o porco do MacNare.
– Não vais, pois não?
– Não vou o quê?
Ela inclinou-se contra ele para não ser ouvida.
– Dar-me de volta.
O sorriso dele desapareceu.
– O que julgas tu?
– Claro que não.
O aceno ríspido indicou-lhe que dera a resposta certa. Connor
passou os braços em volta dos ombros da esposa e apertou-a,
indicado que aprovava o comentário.
Brenna tentou ocultar a sua exasperação. Foi difícil, dado o facto
de o marido tentar defender este comportamento perante o irmão.
– A minha esposa não quis ofender-me. É inglesa, não te
esqueças, e portanto não compreende.
– Não compreendo o quê?
Alec respondeu-lhe.
– Guardamos o que nos pertence e protegemos as nossas
esposas. Ainda não percebeste o teu valor, pois não, Brenna?
– Ainda não percebeu – respondeu Connor.
– Os ingleses também protegem o que lhes pertence – disse a
rapariga, como era óbvio. – Os barões são igualmente possessivos.
– Então porque estás aqui, Brenna? – perguntou Alec. – O teu pai
protegeu-te quando te enviou ao MacNare para se casarem?
– As duas coisas não estão relacionadas, meu Senhor.
– E como é que são diferentes? – perguntou ele.
Se explicasse os motivos do pai, aqueles irmãos julgariam que
fora motivado pela ganância. Jamais os convenceria que o seu
querido pai adorava as filhas.
– Estou aqui porque é o meu desejo. Quando perguntei ao meu
marido se me daria de volta, só queria ouvir a resposta. Já sabia
que não – vangloriou-se.
– Por causa da aprovação da igreja com a bênção de um padre? –
perguntou Alec.
Ele começou logo a anuir quando ela disse que não.
– O Connor havia de encontrar um padre para nos abençoar.
Muitos casamentos começam sem esta bênção porque há tão
poucos padres disponíveis.
Connor sabia que se esforçava para ser diplomática, e sorriu.
Pouco lhe faltava para perder a paciência, e, pela forma como Alec
a interrogava, Connor sabia que o irmão tinha curiosidade em
observar a reação da rapariga.
Alec divertia-se. A cada olhar carrancudo e resposta hesitante, na
prática ia descobrindo mais a respeito de Brenna do que esta
percebia.
– Então como sabias tu que o Connor não te daria de volta? –
insistiu Alec. – Conhece-lo assim tão bem?
– Não, não sei nada a seu respeito. Mas já notei que é bastante
teimoso – acrescentou, recordando as discussões para convencer o
marido a mudar de ideias, e como este se recusara a ouvi-la. –
Contudo, os meus pais ensinaram todos os filhos a serem
autónomos. Sabe, a minha família…
Connor interrompeu-a.
– Agora somos nós a tua família.
– Sim, as minhas irmãs e irmãos…
Voltou a interrompê-la.
– A Jamie e o Alec são a tua irmã e irmão.
– E o Raen – interpelou Alec.
Connor anuiu.
– Sim, o Raen – concordou. – Já não o vejo há tanto tempo, que
me esqueço que existe.
– Connor, porque não me deixas falar da minha família?
– Somos a tua família, agora – corrigiu Connor com gentileza.
Alec percebia perfeitamente a intenção de Connor e dava-lhe
completo apoio. Era óbvio que Connor ajudava a mulher a
demonstrar lealdade a ele e aos seus seguidores, largando o
passado. Embora Alec considerasse que Connor tinha menos
subtileza do que ele, quando ajudou Jamie a ultrapassar as
saudades da família, não podia culpar o irmão. Subtilezas não eram
o forte de Connor.
Desconsolada, vendo que o marido tentava convencê-la a ignorar
a família, Brenna decidiu dar um passeio curto para se esquecer e
tentar perceber o motivo de tanta crueldade. Mas, obviamente, em
primeiro lugar teria de afastar o braço de Connor de cima dos
ombros. Tentou, percebendo que agarrava a manta de Kincaid,
dobrada sobre colo durante a ceia. Enfiou a manta debaixo do braço
com a intenção de a deixar num dos bancos, logo que Connor a
largasse, e depois quis
afastá-lo.
Ele agarrou-lhe a mão com força. Ela tentou libertar-se, mas
Connor limitou-se a apertá-la com mais força. Brenna ficara
indefesa, e ele sabia. Lançou um olhar de reprovação ao marido
para indicar o que pensava daquele comportamento.
Ele piscou-lhe o olho.
Alec esforçou-se para não se rir. Mas foi divertido ver a expressão
que ela lançou a Connor. Reconheceu-a, sendo igual ao ar espera-
até-te-apanhar-a-jeito que Jamie costumava fazer, quando estava
mortinha por emitir a sua opinião e sabia que não era o momento
apropriado.
– Ainda tens de satisfazer a minha curiosidade, Brenna – disse-lhe
Alec.
Ela fez um sorriso forçado a Alec e procurou recordar o tema da
conversa. Connor piscara-lhe o olho. O que se passava com ele?
– Brenna, responde ao meu irmão – instruiu Connor.
Deus a acuda, ele fez uma expressão tão maravilhosamente
calorosa. Porque havia um guerreiro tão elegante ter aquele feitio
tão difícil? Soltou um pequeno suspiro, matutando na pergunta.
– Terei todo o gosto em responder ao teu irmão.
Ambos os irmãos esperaram ainda algum tempo antes que ela
começasse. Alec teve pena dela antes de Connor e recordou-lhe o
tema.
– Ias explicar porque motivo sabias que o Connor não te
entregaria ao MacNare.
– Mas isso é simples. Eu não o permitiria.
– Claro que não – interpôs Jamie, só para mostrar que apoiava a
convicção de Brenna.
Alec riu-se. A reação dele deixou-a intrigada. Connor não se riu;
mas sorriu, e esta reação foi igualmente incompreensível para a
rapariga.
Connor continuou a sorrir enquanto a arrastou pelas portas, em
direção à saída. Teria eliminado o assunto do pensamento, mas
Brenna quis saber o motivo de tanto divertimento.
– Não estou divertido, apenas satisfeito.
– Muito bem – concordou ela. – E satisfeito porquê?
– Porque te julgas suficientemente forte para impores as tuas
decisões.
Jamie apareceu nas costas dos dois, e recebeu a plena atenção
de Connor quando comentou que estava errado.
– Ela não se julga suficiente forte para impor a sua vontade.
Acredito que ela perceba a sua inteligência e seja capaz de
encontrar outra forma para obter o que pretende.
– Os nossos pais não criaram filhas ignorantes, e se julgas o
contrário, estás equivocado – disse Brenna.
– Não é verdade? – perguntou Jamie ao marido, que se
encontrava atrás de si.
Alec era demasiado sensato para discordar da esposa, e o tema
parecia ser importante para ela.
– Sim, é verdade.
Connor segurou a porta aberta para a esposa passar. Jamie deu
um abraço de despedida a Brenna e envolveu Connor nos braços,
sussurrou-lhe algo ao ouvido que o fez sorrir e depositou-lhe um
beijo no rosto.
– Voltem mais vezes – ordenou-lhe, afastando-se da porta para os
deixar passar.
A vista de Quinlan arregalou-se de descrédito mal viu a Senhora.
Ela notou a preocupação do homem, abanou-lhe a cabeça e puxou
o cabelo para esconder os pontos. Quinlan não fez comentários.
Todos repararam no facto de favorecer o lado esquerdo ao descer
as escadas. Connor quis ser gentil, levantando-a para o dorso do
cavalo, mas a rapariga fez um esgar de dor.
O adeus de Connor ao irmão fê-la esquecer-se do seu
desconforto. Quase se riu jovialmente com os gestos divertidos, pois
ao invés de fazer uma vénia ou dar-lhe um aperto de mão, Connor
pousou a mão retesada, com força, no ombro de Alec. Por sua vez,
este retribuiu com outra palmada. Assim que terminou a bárbara
demonstração de afeto, Connor subiu para o cavalo, colocando-se
atrás de Brenna e envolvendo-lhe a cintura.
Debruçou-se contra o ouvido dela e murmurou:
– É um percurso curto até chegarmos a casa.
Alec aguardou pacientemente ao lado deles, até a esposa
terminar as despedidas e entrar em casa à procura de Grace. Logo
que a porta se fechou atrás deles, Alec virou-se para Brenna. Tinha
uma expressão engraçada.
– A minha filha gosta particularmente da sua manta escocesa.
– A sério? – perguntou, perguntando porque motivo quereria ele
falar da manta de Grace neste instante.
Alec anuiu.
– Ela consegue distingui-la pelo cheiro. Pelo menos, a minha
mulher acredita nisso. E a Jamie deve estar certa, pois a Grace
sabe quando são substituídas. Gosta de se enrolar na manta para
dormir. Ela vai precisar dela, esta noite, Brenna, ou a minha esposa
não pregará olho.
Connor percebeu, a notar pela expressão perplexa da esposa,
que não compreendia a intenção de Alec.
– Ele quer que tu a devolvas, Brenna – disse ele.
O rosto dela ficou da cor de um escaldão na rapidez do um piscar
de olhos. Quase deixou cair a manta, ao baixar o cotovelo e
entregá-la a Alec.
– Não sei porque me esqueci de a deixar no banco ao meu lado.
Tencionava fazê-lo, mas fiquei tão embrenhada na conversa e devo
ter…
Parou de tentar encontrar uma explicação lógica para o seu
comportamento quando Alec pousou a mão na dela.
Aparentemente, queria transmitir-lhe algo importante e Brenna ficou
instintivamente tensa de antecipação.
– A minha esposa passará pela vossa casa no inicio da semana
para plantar as flores, Brenna.
– Obrigada, meu Senhor.
– Alec acabou de te agradecer – disse-lhe Connor.
– Eu percebi. Eu quis agradecer a simpatia demonstrada.
– Se não estivesse tão grato pelo que fizeste pela minha filha,
teria de te dar uma reprimenda por julgares que nem eu nem o
Connor notaríamos algo de estranho. Notamos tudo.
– São duas mulheres inteligentes, e contudo, enganaram-se a
nosso respeito – disse Connor.
– Pois foi – concordou Alec. Retirou a mão e recuou um passo. –
Compreende que foi a nossa decisão que te permitiu ganhares a
aposta, mas não tens de agradecer a nossa consideração.
Ela riu-se novamente.
– Acredita que me deixou ganhar, meu Senhor? Diria que não.
Ele arqueou um sobrolho.
– Fingimos não ter reparado propositadamente.
– Não digo que não – concordou ela. – E seria correto julgar que
favoreceu o resultado, se notarem a minha ferida fosse o alvo da
nossa aposta. Mas, quer a Jamie quer eu, sabíamos que não
deixariam de notar.
– Então, sobre que versou a aposta? – perguntou Connor, o traço
de um sorriso na voz.
– A Jamie acreditava que não se aguentariam calados, e que, mal
me vissem, quereriam saber o que tinha acontecido. Eu apostei que
não diriam nada, e se bem me lembro, foi exatamente isso que
aconteceu.
– As duas apostas são exatamente iguais – contrapôs Connor.
– Acreditas nisso? – perguntou ela com um sorriso inocente e um
olhar indicador do contrário.
– Admite, Connor. A vitória pertence à Brenna – concedeu Alec.
– Pois pertence – concordou Connor.
– Irá a Jamie trazer consigo a Grace quando plantar as minhas
flores?
– Não. Não deixo os meus filhos saírem das minhas terras.
Connor, eu acompanharei a minha esposa. Conto que estejam em
casa.
Alec deu-lhe mais um empurrão a demonstrar afeto, antes de
voltar para a torre. Grace estaria à espera no interior, pois mal Alec
abriu a porta, a miúda correu para ele e retirou-lhe a manta das
mãos.
Já a caminho, Brenna tentou colocar-se numa posição mais
confortável, mexendo-se no colo de Connor e abraçando-o pela
cintura.
– Tenho pena de não me ter despedido da Grace.
– Deve estar ocupada a explicar a conduta ao pai.
– E como reagirá ele? Foi um acidente, Connor. O Alec não lhe
pode ferir os sentimentos tão tenros.
– Ela e o Dillon não estão autorizados a subirem ao piso superior
sem a companhia de um adulto. O Alec irá simplesmente lembrar à
Grace que tem de obedecer às suas ordens.
– Os outros filhos têm o mesmo à-vontade?
– Não. Os rapazes são tímidos e não gostam de gente estranha,
mas Deus te acuda assim que se habituem a ti. São mais traquinas
do que a Grace.
– Ela sempre será a minha preferida.
Connor tentava deliberadamente manter a conversa ligeira, para
que Brenna não notasse a quantidade de soldados que Kincaid
destacara para os escoltar. Não queria que se preocupasse com os
motivos de Alec. Presumiria que MacNare era responsável pelo
gesto exageradamente protetor do irmão.
Connor era obrigado a aturar a interferência do irmão. Não estava
particularmente contente com a postura dele. Nem Quinlan, mas ao
contrário dele, nem tentou disfarçar a sua irritação
– Eu nunca diria que tinha um filho preferido – garantiu ela.
Ele não fez comentários. Brenna quis continuar a conversa,
desejando que assim se esquecesse do seu mal-estar. Sentia a
cabeça latejar e a coxa a arder intensamente.
Connor entendeu quando a viu mudar de posição novamente no
seu colo.
– Já saíra de casa antes de o Dillon e a Grace nascerem –
comentou Connor. – Sou mais chegado à Mary Kathleen, que
conheço melhor que os outros. Ainda assim, não deixo de admitir
que tenho um apreço especial pela Grace, pois fez-me lembrar de
outra pessoa.
Ela procurou encará-lo, mas ele gentilmente puxou-lhe a cara
contra o peito, impedindo-a. Brenna beliscou-o, pois não apreciava
aquele gesto, mas quis saber quem era essa pessoa tão parecida
com Grace.
– Uma menina que tive em tempos nos braços.
Ele não desenvolveu a resposta, mas a memória da criança era
agradável. Estava patente o seu apreço no tom de voz.
– Estás feliz com o regresso da Euphemia?
– Sim. Mas tu não, pois não?
– Claro que sim – contrapôs ela. – Estou apenas… apreensiva por
ir conhecê-la. É muito importante conquistar a sua aprovação –
acrescentou. – Afinal, é tua mãe, e será muito complicado se não
gostar de mim.
– Porquê?
Nem acreditou que ele precisasse de perguntar.
– Porque tem de haver harmonia no teu lar, e cumpre-me a mim
satisfazer as vontades dela. Enquanto estiver na tua casa, a
Senhora é ela. Deves entender agora.
– Preocupas-te com qualquer coisinha. Claro que vai gostar de ti.
Ela estava menos certa do que Connor, mas jurou que havia de
conquistar o amor de Euphemia. Decorreram vários minutos em que
imaginou diferentes formas de agradar à mulher, mas finalmente pôs
a preocupação de parte e procurou usar as memórias do período
agradável na casa de Jamie para afastar o pensamento da coxa
latejante. Não funcionou.
– É um bom dia para um passeio, não é?
Ele não lhe respondeu. Brenna não se deu por vencida.
– Vou dar um curto passeio. Faz-me bem esticar as pernas.
– Não – ele suavizou a recusa ao passar o queixo pelo cocuruto
de Brenna. – Ajudará se te transportar com a cabeça para baixo no
meu colo?
A sugestão dele horrorizou-a. Ela imaginou-se deitada sobre os
joelhos dele, com a cabeça encostada ao dorso do garanhão e os
pés pendurados no outro lado. Morreria de humilhação nesse
preciso instante.
Mas que linda forma de conhecer os seguidores dele.
– Nem imagino o que te passa pela cabeça para teres dado essa
sugestão. Estou ótima, obrigada. Apenas supus que um passeio a
pé seria revigorante neste belo dia. Esquece o assunto.
Brenna dava mais importância ao orgulho do que ao conforto, tal
como ele esperava. Connor enfiou a mão dentro das saias da
rapariga, para determinar a gravidade da lesão. Ponderou pararem
para a examinar melhor, mas rapidamente descartou a ideia.
Convencê-la a ser cooperante demoraria pelo menos uma hora, e
dali a dez minutos, transporiam a fronteira da sua propriedade e
estariam por fim em casa.
O toque dele parecia uma carícia. E contudo, Brenna não gostou.
Ficou completamente hirta e murmurou:
– Retira a mão.
– Tens uma nódoa negra bem grande, certo? Dói-te?
– Absolutamente nada. Por favor retira a mão. É humilhante.
Connor concordou.
– Um inglês mostraria alguma compreensão – murmurou ela.
– Não sou inglês.
– Não, não és – concordou ela. – Posso fazer-te perguntas sobre
a tua casa?
– Sim.
– Informa-me assim que entrarmos na tua terra, para ser a
primeira a ver.
– Olha para a elevação acima de ti, e encontrarás os meus
sentinelas a observar-nos.
Ela imediatamente endireitou a aparência. Passou os dedos pelo
cabelo para o desemaranhar, embateu no ombro de Connor quando
puxou os caracóis na nuca, alisou as dobras da manta até ficar
satisfeita, e beliscou as faces para lhes dar cor.
– Em nome de Deus, o que fazes?
– Belisco-me.
Ele disse a si mesmo que não perguntaria, mas quis saber
porquê.
– Porque não quero ter um ar pálido.
Ele abanou a cabeça. Era a coisa mais absurda que alguma vez
ouvira.
– Quanto tempo até chegarmos à tua fortaleza? –perguntou ela.
– Em breve.
– Queres dizer-me que vivemos bastante perto do Alec e da
Jamie?
– Sim.
– Poderei visitá-los sempre que quiser?
– Sim.
O entusiasmo fê-la esquecer a dor. Ele explicou que não
construíra a casa no centro da propriedade, mas junto à fronteira
com as terras do irmão. Brenna presumiu que quisera agradar a
Alec, ao tomar aquela decisão.
Os soldados dos MacAlister soltaram vivas de entusiasmo quando
viram o chefe deles de mão erguida.
– Costumam reagir assim quando voltas para casa?
– Só quando as ausências são prolongadas.
– Quanto tempo estiveste fora?
– Quase três semanas.
O que fizera ele durante todo aquele tempo? Tencionava
perguntar-lhe, mas recordou-se entretanto da cara pintada de azul e
imediatamente mudou de ideias. Se descobrisse que ele realizara
saques, o seu bom humor ficaria arruinado. Tal como o dele, pois
sentir-se-ia compelida a manifestar a sua opinião sobre aquele
passatempo bárbaro.
Brenna reparou que os soldados a fitavam quando passou por
eles, e mesmo sorrindo-lhes, eles não sorriram em resposta.
Rapidamente ficou preocupada.
– Os teus seguidores poderão detestar-me porque ia casar com o
MacNare?
– Não.
– Nenhum dos teus soldados pelos quais passámos me sorriu de
volta.
– Claro que não.
– E porquê?
– Porque és minha esposa. Hão de honrar-te.
– E se não for digna da honra deles?
– Claro que és.
Ela pensou que era um comentário muito simpático e atencioso,
mas como Connor não era nada atencioso nem simpático, ficou
prontamente desconfiada.
– Porquê?
– Porque te escolhi.
– Quem te escolheu fui eu, lembras-te?
– Muito gostas de discutir comigo.
Não lhe pareceu que a resposta dele merecesse comentários.
– E gostarei da tua casa?
– Claro que sim.
– Mal posso esperar para a ver. É tão acolhedora como a do Alec?
Não ficarei desapontada se não for – apressou-se a acrescentar. –
Não tem de ser grandiosa. Mas é?
O entusiasmo dela fê-lo sorrir.
– Sim, é tão apelativa como a casa do meu irmão.
– Tens orgulho nela, não tens? Noto na tua voz.
– Imagino que sim.
– E o salão, é tão grande como o do Alex? Não me importo se não
for.
– Porque não precisas que seja tão grande.
– Sim.
– Não sei dizer ao certo se é do mesmo tamanho. Nunca me dei
ao trabalho de comparar.
– O que torna a tua casa tão apelativa?
– É segura.
Mas havia alguma relação entre segurança e aparência?
– Mas qual é o aspeto da casa?
– Invencível – respondeu ele.
Assim não ia lá. Era preferível esperar para ver com os seus
próprios olhos, decidiu Brenna.
Ele pensou ter-lhe dito tudo o que ela precisava de saber. Embora
sentisse que a casa dele era invencível, ainda precisava de reparos
na muralha. Pretendia reforçar a madeira com pedra, seguindo a
sugestão do irmão, e acrescentar outra plataforma no pico a norte.
O entusiasmo de Brenna foi crescendo à medida que avançavam,
e ficou tão animada que não parava de sorrir.
A disposição de Connor entristeceu mal avistaram as ruínas da
casa do pai.
– Quem viveu aqui? – murmurou ela ao fitar os restos ardidos da
vasta estrutura
– O meu pai.
– E morreu ali?
– Sim.
– Habitaste ali com ele?
– Sim.
A frieza das respostas indicou que Connor não queria falar do
passado. Brenna tencionava descobrir tudo o que pudesse sobre o
marido, para entender como se tornara um homem tão duro e rígido,
o que requeriria paciência e complacência, caso contrário o marido
jamais se abriria. Ela teria primeiramente de demonstrar ser digna
de confiança, e talvez ele serenasse a atitude e fizesse
confidências.
Brenna não se sentiu capaz de encarar aquela devastação.
Depois de passarem pelas ruínas, inclinou-se contra Connor para
examiná-las.
Já vira o resultado dos incêndios, mas havia algo de enigmático
nas ruínas dos MacAlister. Demorou vários minutos até perceber o
que faltava. A casa do camponês consumida pelas chamas que em
tempos tinha presenciado fora rapidamente coberta pelas ervas
daninhas. Mas estas ruínas, não. Rodeavam-nas árvores por todos
os lados, exceto num, e contudo, nem uma planta trepadeira entrara
no interior vazio do espaço. Obviamente que fora mantida com
preceito, o que podia estar na origem do aspeto tenebroso.
Porque não ordenara Connor o seu abatimento? Deixara-a ficar
como recordatório para si e para os seus seguidores? Paciência,
recordou a si mesma. O tempo havia de satisfazer-lhe a
curiosidade.
Endireitou-se e virou-se para trás. Enfiou a mão na dele, que se
encontrava livre, recostou-se contra o seu tronco e disse uma prece
pela alma do pai. Acrescentou outra pela mãe querida.
A sua nova casa surgiu diante de si um minuto depois. Foi então
que começou a rezar por si mesma. Também fechou os olhos,
esperando freneticamente que aquilo que acreditava ter visto não
fosse a realidade, mas reuniu coragem para olhar novamente e a
monstruosidade não desapareceu, erguendo-se altaneira do cimo
do monte como uma gárgula irada.
Deus devia estar furioso com Brenna, pois condenou-a a um lugar
horrendo. Deve ter causado mais arrelias aos pais, do que tinha
julgado, e o arrependimento não apaziguara a fúria de Deus.
Recompõe-te, ordenou a si mesma. O responsável por esta
fortaleza não foi Deus, mas Connor.
Ela respirou fundo e disse a si mesma que devia encontrar
palavras simpáticas para descrever a nova casa. Estudaria a
fortaleza de cima a baixo, e quando terminasse, havia de sorrir de
entusiasmo.
Era gigantesca. Mas isso era bom, certo? Claro que sim, se maior
significasse melhor, como era obviamente a opinião de Connor.
Também era alta. A fortaleza tinha pelo menos três andares de
altura, talvez quatro, embora fosse difícil de medir pois não se viam
janelas que servissem de referência.
E no entanto, era grande. E alta.
Descobriu as janelas, por fim. Aliviada por existirem, quase chorou
de alívio. Não teria de habitar num túmulo. As janelas estavam ali,
mas tinham sido cobertas com um tecido feio e castanho, que aliás
combinavam na perfeição com a cor da lama seca; embora não
compreendesse porque motivo havia alguém de escolher essa cor.
Haveria de retirá-las logo que possível, e o aspeto havia de
melhorar, certo?
Claro que sim. Mas não bastaria cultivar flores. Só um milagre
transformaria aquela coisa num lar.
Sentiu vergonha de si mesma. Não podia preocupar-se apenas
com as aparências e tinha de mudar de atitude imediatamente.
Começando por tratar aquela monstruosidade hedionda como a sua
casa.
– Brenna, que se passa?
– Porque havia de se passar alguma coisa?
– Estás ofegante, como se não conseguisses respirar.
Ela disse o primeiro pensamento que lhe ocorreu. Felizmente não
era mentira.
– A tua casa tirou-me a respiração.
Devia acrescentar alguns elogios, para que Connor percebesse
que apreciava a sua tentativa. Ele tinha orgulho da fortaleza, e uma
boa esposa teria de fazer um esforço nesse sentido.
– É muito grande.
Ele não tinha nada a comentar.
– Ora, penso que nunca vi nada tão grande. E alta, não é?
Também não tinha nada a comentar.
– Já está concluída?
– Queres saber se as traseiras da fortaleza estão terminadas?
Não, nem sequer lhe ocorrera a parte traseira. Queria saber se a
fachada da casa estava terminada.
– Está?
– Sim.
– Estou a ver – retorquiu, sem saber o que comentar. – As
muralhas são bastantes impressionantes.
– Talvez.
– Têm pelo menos cinco metros de altura. Mas é estranho que a
madeira apresente uma cor acastanhada, não te parece?
Ele apertou-lhe a cintura com mais força, puxou-a contra si, costas
encostadas ao seu peito, e inclinou-se de encontro ao ouvido dela.
– Brenna?
– Sim, Connor.
– Está tudo bem.
Demorou-lhe um minuto completo antes de ela anuir em
concordância. E juntou uma prece silenciosa para ter força e
resistência, jurando aproveitar ao máximo as presentes
circunstâncias. Nunca fugira de uma tarefa árdua e, embora a ideia
tivesse um certo apelo, não se renderia ao desespero. Nada seria
impossível de alcançar se se esforçasse e usasse a mente que
Deus lhe dera.
Sentiu-se melhor ao disciplinar a sua determinação, e quando
cruzaram a ponte levadiça, encarou a nova casa com interesse
renovado. Sorriu em prol dos seguidores. Tal como as sentinelas,
não sorriram em resposta. Mas também não fizeram mau ar nem lhe
viraram as costas. Ela teria de convencê-los com atos concretos que
merecia o respeito deles.
– Abarca meia montanha?
– Não é uma montanha, é um monte, esposa.
– Mas deve haver trinta cabanas dentro da muralha exterior, com
espaço para mais trinta. Os teus soldados treinam dentro das
muralhas?
– Às vezes – respondeu, conduzindo o grupo para a muralha
interior.
Brenna tentou abarcar tudo de uma só vez.
Pouco antes de alcançarem o pátio, Connor fê-los parar.
Desmontou e virou-se para ajudá-la, enquanto tentava responder às
perguntas dos homens.
Acabara de largar a mulher quando a multidão o cercou. Puxando
as rédeas do garanhão, Connor galgou o resto da encosta. Assumiu
que Brenna o seguia, e quando as rédeas lhe foram retiradas da
mão, ocorreu-lhe que Quinlan ou Owen teriam assumido o dever de
entregar o cavalo ao estribeiro, pois eram os dois únicos soldados
que o animal temperamental autorizava que lhe tocassem.
Homens e mulheres abriam caminho para falarem com o seu
Senhor. Brenna afastou-se para não ser espezinhada. Tal como ela,
o garanhão não gostou que a multidão se aglomerasse à sua volta e
empinou-se num protesto. Ela agarrou-lhe nas rédeas antes que ele
magoasse alguém, e obrigou o animal a afastar-se consigo. Quase
se viu levantada do chão um par de vezes, e empurrada para trás
quando o animal descontente tentou investir contra ela. Os
ensinamentos dos irmãos ajudou-a naquele momento. Recusou ser
controlada pelas manobras intimidatórias do animal e apertou as
rédeas com força, puxando-lhe a cabeça para baixo. Depois um
último instante de luta, o cavalo compreendeu que teria de lhe
obedecer.
Ela afagou-o, indicando-lhe que apreciava a sua cooperação e
conduziu-o para as cavalariças.
Um soldado encontrava-se nos degraus que conduziam para a
entrada, até o Senhor lhe indicar que avançasse.
– Não houve problemas nenhuns, Connor.
Um silencio imediato caiu sobre a multidão, enquanto escutavam a
conversa.
– Não esperava o contrário, Crispin. Foi por isso que te entreguei
o comando, na minha ausência.
Os dois guerreiros prostraram-se diante um do outro, no centro do
pátio.
– Tenho boas novas. A tua madrasta aguarda no salão grande
para te saudar.
Connor sorriu.
– São mesmo boas novas.
– Lady Euphemia teve curiosidade em conhecer a tua esposa, e
por fim regressou às terras dos MacAlister.
– Assim parece. Talvez ela encare isto como um recomeço,
embora, a bem dizer, pensei que a fortaleza nova já lhe tivesse
despertado a curiosidade. Encontra-se bem, Crispin?
– Diria que sim – respondeu.
– Connor, devo tratá-la por Lady Euphemia?
– Sim. Era a esposa do meu pai e não voltou a casar.
– Ainda está de luto por ele, pois veste-se de preto – disse-lhe
Crispin. – Há mais um assunto de que te quero falar.
– Não pode esperar?
– Vais querer ouvir isto já – insistiu. – O Senhor Hugh pretende
enviar-nos algo que foi deixado na fronteira das suas terras. Ele
insiste que quererás ver. Deve chegar daqui a uma hora.
– O Hugh envia-te uma prenda? – perguntou Quinlan ao Senhor.
Crispin respondeu.
– É mais uma mensagem do que uma prenda. Os soldados não
quiseram elaborar. Mas estavam preocupados e fartaram-se de
repetir que o Senhor deles não era o responsável. Que era
extremamente importante para o Hugh que o Connor entendesse
isso.
– Isso não faz sentido nenhum – murmurou Quinlan. – Porque não
disseram de quem vinha?
– Não queriam explicar – respondeu Crispin.
– Então aguardaremos – retorquiu Connor.
Ele sorriu ao amigo e deu-lhe uma palmada no ombro, quando
passou por ele a caminho de casa, indicando contentamento com o
seu desempenho. Quinlan empurrou Crispin, para que se
desequilibrasse. Crispin manteve-se firme e fingiu um ar neutro, mas
o brilho nos olhos castanhos denunciou-o.
– Perdeste um bom período, Crispin. Sim, devias ter estado
presente para me veres manejar a espada. Foi uma visão sem igual,
e até aprenderias umas coisinhas.
Crispin riu-se.
– Não precisaria de tocar na espada, pois as minhas mãos são
igualmente eficazes. Além disso, ensinei-te tudo o que hoje sabes.
Não é verdade, Connor? – exclamou.
– Não me envolvo em disputas mesquinhas, embora admita que
não compreendo as vossas gabarolices. Afinal, quem vos treinou fui
eu.
Crispin apreciou na íntegra a franqueza do Senhor. Observou
Connor enquanto atravessava lentamente o clã, dirigindo-se para a
parede da torre onde se encontravam as escadas. Ambos os
soldados deviam acompanhar o seu chefe, pois já se tornara um
ritual sentarem-se à mesa com Connor, enquanto ele se punha a par
das novidades no clã. Mas mantiveram-se recuados, dando aos
outros seguidores oportunidade para o cumprimentarem.
Quer Crispin quer Quinlan iam espreitando por cima do ombro de
tempos a tempos. Crispin estava perplexo, pois encontrava-se no
cimo da muralha quando Connor se aproximou da ponte levadiça e
notara que trazia companhia.
Porque estaria agora sozinho?
Quinlan não parava de sorrir. Sabia perfeitamente porque motivo
Connor se encontrava sozinho.
A curiosidade de Crispin levou a melhor, no final, quando Connor
galgou os degraus a caminho da torre.
– A sua viagem foi proveitosa, Senhor? – berrou.
– Foi – respondeu Connor com igual grito.
– Então casou?
– Casei.
– E onde estará a sua noiva?
Connor presumira que a esposa seguira atrás de si, apenas
distanciada por causa do clã. Santo Deus, não voltara a pensar nela
desde que falara com Crispin.
Perscrutou a multidão, à procura dela. Viu Owen a sorrir como um
tolo às mulheres que o cercavam.
Mas Brenna não se encontrava em parte alguma.
– Porque não te encontras nas cavalariças a cuidar do meu
cavalo, Owen? – Connor atravessou meio pátio enquanto berrava a
pergunta.
– Houve quem ficasse com o meu dever, senhor – explicou Owen,
com um relance nervoso na direção de Quinlan.
Connor virou-se para o amigo.
– Onde está a minha esposa, Quinlan?
– Creio que a deixaste na muralha exterior.
A multidão dispersou-se quando o Senhor galgou o trilho em
passadas largas. A expressão indicava que não queria obstáculos
pela frente. Crispin e Quinlan seguiram atrás, mas sem o ar
carrancudo, de Connor.
– Quinlan, como conseguiste cuidar do meu garanhão e voltares
para o pátio num tão curto espaço de tempo?
– Não fui eu quem cuidou do teu garanhão – respondeu.
– Foi o Davis? – perguntou Connor, só para garantir que o
estribeiro se oferecera para o dever.
– Não.
– Então quem…
– Uma pessoa mais capaz do que o Davis conseguiu levar o teu
animal teimoso.
Connor notou o riso da voz de Quinlan e sabia que a história não
ficava por ali. Não se preocupava com a possibilidade de Brenna ter
ficado sozinha com o garanhão, pois Quinlan não teria um ar tão
feliz se ela corresse perigo de vida.
– Esqueceste-te dela, Connor?
– Jamais faria uma coisa dessas, Quinlan. Quem é mais capaz do
que o Davis? Sem brincadeiras – avisou. – Não estou com
disposição.
– Não é brincadeira, mas não acreditarás em mim. A tua esposa
tomou conta do dever.
– Não acredito em ti.
Quinlan deu uma cotovelada a Crispin.
– Ele esqueceu-se dela – murmurou.
Mal alcançaram as cavalariças, Connor abriu as portas de par em
par, antes de os seus soldados terem oportunidade de se
adiantarem e cuidarem dos seus deveres.
O estribeiro apareceu a correr. Fez uma vénia ao Senhor e ia
saudá-lo pelo regresso quando Connor o interrompeu.
– Davis, o meu garanhão está na sua baia?
– Está, Senhor, e nunca o vi tão contente.
– Então não tiveste problemas em acalmá-lo desta vez?
– Fui poupado a essa tarefa pela sua Senhora. Ela tem jeito com
os animais, Senhor, mas claro que sabe disso. Apaziguou o animal
por completo de um momento para o outro. O seu garanhão estava
feliz quando ela o conduziu para o seu recanto.
Connor sabia que Davis dizia a verdade, ainda que fosse incrível.
– Onde se encontra agora a Lady MacAlister?
– Ela viu a mulher do Ewan, que passeava com o filho. Suponho
que terá querido conhecê-la.
Connor anuiu e afastou-se. Fez uma única pausa, quando Davis
gritou:
– Fez uma bela escolha, meu Senhor.
Mas Brenna já tinha saído da casa de Ewan. A mãe dele, toda
corada, mostrava o seu encanto com a atenção exclusiva da
Senhora, mais interessada em elogiar Brenna do que em informá-lo
do seu paradeiro.
– Ela insistiu em segurar o bebé nos braços e nem se importou
que não estivesse lavado. Ela tem jeito com as crianças, Senhor. O
meu pequenino é desconfiado com os estranhos, mas gostou
imediatamente dela. A sua mulher é um doce de rapariga, e vinda
de Inglaterra, imagine-se que lugar tão escandaloso. É muito
atenciosa. Foi ao encontro de Brocca quando a viu a espreitar pela
janela.
A paciência de Connor quase se esgotara quando alcançou
finalmente Brenna. Ela já tinha saído da casa de Brocca e
preparava-se para bater a outra porta quando ele a interrompeu.
Ela não ficou particularmente contente por o ver. Connor nem quis
acreditar na sua reação antipática, depois de tanto tempo à procura
dela.
– Esqueceste-te de mim, não foi? – ela cruzou os braços e
mostrou a irritação que sentia.
Connor não ficou impressionado com esta intimidação.
Aproximou-se dela, até ser obrigada a inclinar a cabeça para trás
para o fitar, e então disse:
– Não falarás comigo nesse tom de voz.
Ela não recuou como ele esperava, mas suavizou a voz.
– Posso falar à vontade, Connor?
– Não, não podes. Mas podes seguir-me imediatamente para a
torre.
Ele virou-se para partir. Ela não arredou pé.
– Desafias-me? – perguntou.
– Não, meu amor. Não te desafio. Aguardo.
– Aguardas o quê?
– Que admitas teres-te esquecido de mim.
– Isso não é verdade
– Então não tencionas pedir desculpas?
Ela assistiu ao ar incrédulo que lhe invadiu a mente, e percebeu
que a ideia jamais lhe passara pela cabeça. Por todos os santos,
tornar aquele bárbaro um marido atencioso iria solicitar toda a sua
paciência. Mas ela conseguira levá-lo além do limite, pelo que não
ousou acrescentar nem mais uma crítica até que ele recuperasse.
Um bom começo, na sua opinião.
Connor ponderava jogar a mulher por cima do ombro, de volta
para a torre, quando ela subitamente sorriu e lhe pegou na mão. Ele
não percebeu a causa da súbita mudança, mas não fez perguntas.
Hoje, já a conseguira levar além do limite. Ao ordenar que jamais
devia desafiá-lo nem contradizê-lo, acreditava ter feito um bom
começo. Sabia que demoraria muito tempo até conseguir discipliná-
la.
Mal ela regressou ao caminho, Brenna voltou a reparar no soldado
ao lado de Quinlan.
– Brenna, de hoje em diante, não me obrigues a ir à tua procura.
Ela indicou que sim, pois o marido parecia necessitar de tal
resposta, e fitou Quinlan.
– Ele esqueceu-me de mim, não foi?
Connor apertou-lhe a mão para indicar o que pensava dessa
pergunta.
– Parece-me que sim, minha Senhora.
– Obrigada por lhe teres lembrado.
– Não fui eu – disse Quinlan, apontando para a esquerda. – Foi o
Crispin.
Ela sorriu para o soldado.
– Obrigada, Crispin – ter-se-ia apresentado oficialmente ao
homem mas ele parecia alheado, talvez preocupado com um
assunto importante.
Quinlan riu-se ao ver a expressão de Crispin. O amigo ficara
aparvalhado.
– Ela tira-te o fôlego, não é, Crispin?
O soldado anuiu. Indicou a Quinlan que se atrasasse, para
seguirem a uma distância mais discreta.
– Nunca vi o Connor comportar-se desta forma. Não costuma
perder a paciência com uma mulher qualquer.
– Ela não é uma mulher qualquer. É a esposa dele. E desconfio
que gosta de a ter por perto.
Crispin sorriu.
– Também gostaria de a ter por perto, se fosse marido dela. É
linda, não é? Acho que nunca vi uma mulher tão magra.
– O Connor não repara nisso.
Os dois homens riram-se efusivamente. Brenna espreitou por cima
do ombro para lhes sorrir.
– A nossa Brennna não se deixa intimidar facilmente – havia
admiração na voz de Crispin.
– Se ela fosse um bocado tímida, o Connor acabaria por arrasá-la.
Lembras-te do que nos contou sobre a Isabelle?
– Contou muito pouco. Não se lembra da mãe.
– É verdade, mas lembra-se de tudo o que o pai lhe contou antes
de morrer.
Crispin anuiu.
– O Donald disse que ela era a sua doce Isabelle. Amava-a.
– Exatamente.
– Mas o Donald avisou o filho para não cometer o mesmo erro.
– O Connor sabe que foi apenas um aviso para ter cuidado. Se
visses a forma como ele e a Lady Brenna se entreolharam na
primeira vez, irias concluir o mesmo que eu.
– Então?
Quinlan fitou Brenna ao responder.
– Ela vai ser o amor de Connor.
Crispin uniu as mãos atrás das costas enquanto ponderava na
afirmação do amigo. Tal como Quinlan, também queria que o
Senhor encontrasse paz e felicidade. Mas amor? Não sabia se
Connor teria capacidade de sentir uma emoção assim.
– Nunca te ouvir falar desta forma.
– Nunca vi o Connor agir desta forma.
– Que forma?
Quinlan encolheu os ombros.
– Voaram faíscas entre os dois, desde o primeiro instante. Como
se o Connor fosse atingido por um raio. Há de entregar-se a ela de
alma e coração porque não será capaz de o impedir. Não faças essa
cara, ela é boa rapariga, Crispin.
Os dois soldados continuaram a seguir o casal com passo brando,
e Crispin aproveitou para por Quinlan a par das novidades. Brenna
não percebeu ser alvo da conversa entre os homens, e certamente
não desconfiava que a examinavam com tanta atenção. Connor
forçava-a a correr para acompanhar o seu passo, e logo decidiu que
bastava. Parou de repente. Connor teria de arrastá-la ou largá-la.
Uma escolha apenas dele.
– Porque paraste?
– Fiquei cansada de correr.
Um sorriso suavizou a expressão de Connor.
– Porque não me pediste para ir mais devagar?
– Quis acompanhar-te. Não percebi que estava exausta. Depois
da ceia já me sentirei melhor. Podemos sentar-nos um pouco?
Ele colocou-se ao lado dela.
– Já comemos a refeição do final do dia, lembras-te? Não podes
ter fome.
Ela encolheu os ombros. Não havia necessidade de fingir com o
marido de que tinha um apetite frugal.
– Até trincava alguma coisinha – admitiu. – Fiquei nervosa por
conhecer o Alec e quando nos sentamos à mesa, não fui capaz de
me concentrar na comida. Mal comi. Não percebo por que te ris,
Connor. Isto não é uma piada.
Mas ele obviamente não pediu desculpas. Brenna acreditou que
jamais pediria. No entanto, Connor parou de rir, para satisfação da
rapariga.
– Ajudaria se te carregasse ao colo?
Uma sugestão nada agradável.
– Para os teus seguidores julgarem que casaram com uma fraca?
Prefiro que me arrastes.
Endireitou os ombros, arrancou a mão do aperto dele, e tentou
adiantar-se. Mas não por muito tempo, pois ele agarrou-a pela
cintura e fê-la acompanhar o seu passo. Connor não teve de lhe
indicar que se encostasse a si. Brenna sentia-se demasiado
cansada para se debater. Deixou-se cair contra ele e soltou um
pequeno suspiro. Não ousou fechar os olhos nem por um segundo,
com medo de adormecer em pé. Afinal, não seria a primeira vez.
– Tiveste um dia difícil.
– Não, não tive.
– Tens de discordar de tudo o que eu diga?
– Só te dei a minha opinião. Ainda nunca discutimos, Connor. Hás
de notar a diferença quando isso acontecer. Por favor, larga-me
quando entrarmos no pátio. Não quero que os teus seguidores
julguem que não sou capaz de me aguentar em pé sem ajuda.
Frustrada, ela passou os dedos pelo cabelo, mas fez uma careta
ao tocar na ferida.
– Nunca sei o que devo responder-te. Aqui é tudo diferente. Não
gosto do caos e parece-me que a minha vida foi extremamente
caótica desde que te conheci. Quero viver em paz.
– Vai ser tudo mais fácil para ti, agora.
Ela não parecia acreditar.
– Prometes?
Ele sorriu.
– Prometo.
Brenna também acabou por sorrir e descontrair-se. Connor não
entendeu se esta calmaria se devia ao seu tom de voz ou à sua
promessa.
– Não gosto de surpresas – comentou ela, aproximando-se
novamente dele. – A não ser quando as conheça de antemão.
A leveza com que Brenna soltou este comentário indicava que não
se compenetrara da contradição inerente.
– Se as conheceres de antemão, não serão surpresas.
– Precisamente – deduziu ela. – Diz-me porque se tornará mais
fácil.
– Não te preocupes com tentares agradar-me. Raramente estou
em casa.
– Não é isso que me preocupa. Mas não entendo porque motivo
estás sempre ausente. Esta é a tua casa.
– Sim.
– E eu viverei aqui.
– Percebo. Ver-nos-emos de tempos a tempos.
Tinham finalmente alcançado o pátio propriamente dito.
Encontrava-se deserto.
– Referiste que só estarias aqui de tempos a tempos? – perguntou
ela, lamentando que a voz se encontrasse tão embargada.
O espírito dele concentrava-se noutro assunto bastante remoto. A
indicação de Crispin de que o aliado a sul queria informar Connor
sobre uma mensagem deixada na sua fronteira despertara-lhe a
curiosidade, e ele tentou adivinhar o que seria. Dada a sua
experiência de vida, ficara desconfiado, tendo concluído que não
seria uma surpresa agradável. Não se impacientava quando
questões importantes estavam em jogo, e mais uma vez preferiu
aguardar para ver, antes de pesar a sua reação.
A pergunta de Brenna despertou-o dos seus pensamentos.
– E com que periodicidade é «de tempos a tempos»?
– Uma ou duas vezes por mês.
– Falas a sério?
– A sério.
Quanto mais ele lhe contava, menos ela queria ouvir.
– Um marido devia estar em casa com a esposa mais do que duas
vezes por mês.
– Tenho deveres mais importantes.
Brenna sentiu-se abandonada. Pior ainda, acreditava que ele
desejava fortemente partir.
– E tens sequer algum motivo para voltares?
Connor decidiu ignorar a raiva na sua voz.
– Ocorrem-me vários. Tu és o mais importante de todos.
Parte da indignação dela desapareceu.
– Eu? – murmurou, esperando que ele se redimisse com um
elogio.
– Quero descendentes.
Brenna teve vontade de o esganar.
– Já tinhas referido.
– Fico contente por te lembrares.
– Lembro-me de tudo o que me disseste: casaste comigo para
insultares o MacNare, e terás o maior gosto em me devolveres a
Inglaterra, logo que tenhas um herdeiro. Duvido que me esqueça
desses dois factos importantes. As tuas razões fazem-me sentir
merecedora.
– Preferias que te tivesse mentido?
Ela abanou a cabeça.
– Preferia que nunca mais tocássemos nesse assunto. Explica-me
os teus deveres e expectativas da próxima vez que, passares por
aqui. Agora, se me dás licença, quero entrar.
– Vou mandar reunir os meus seguidores e apresentar-te a eles,
mal o Donald regresse com os mais jovens.
– Não te incomodes, Connor. Já tenho uma marca negra a meu
desfavor, posso bem ter outra.
– Que marca negra? – exclamou ele.
Ficou no meio do pátio, atenção totalmente dedicada à esposa.
O comportamento dele confundia-a. Ela caminhara mais depressa,
para se adiantar a ele, mas Connor não seguiu para os degraus
dentro da torre, escolhendo o centro da muralha e encontrava-se
agora a andar de um lado para o outro na frente da torre.
Era óbvio que ele a perturbara, e embora admitisse a sua plena
responsabilidade, Connor não discernia a origem daquela atitude.
Procurara acalmá-la, mas uma coisa conduzira a outra, e antes que
percebesse o resultado, ela ficara tristíssima. Pensou que seria
atencioso ter-lhe dito que não estaria em casa com frequência. E
contudo, ela reagiu como se fosse uma traição. Por Deus, quando é
que seria capaz de compreendê-la?
– Explica a marca negra – ordenou ele quando ela não lhe
respondeu prontamente.
– Sou inglesa, por amor de Deus e todos sabem que eu ia casar
com o MacNare. Entendes o que me espera? Oh, e também sou
desajeitada – disse ao marido. – Tinha-me esquecido disso. O que
fizeste com os teus degraus? Não os encontro.
– Encontram-se na parede lateral da torre – respondeu ele.
– Caí pelos degraus do Alec, lembras-te?
Crispin acabara de alcançar Connor e virou-se para o Senhor.
– A Senhora caiu pelos degraus?
– Parece que sim – retorquiu Connor.
Ele teria contado a história completa, se não tivesse visto a
esposa dirigir-se para o lado errado da torre.
– Os degraus ficam do outro lado, Brenna.
Ela virou-se imediatamente.
– Deviam estar no meio da parede frontal, diante do pátio. Toda a
gente sabe que hoje é prática comum. Quero dormir numa cama
hoje, Connor e não no chão. Há camas lá dentro?
Olhou finalmente para o marido com o ar carrancudo, para que
percebesse a sua falta de vontade de debater o futuro de ambos.
Saber que ele apareceria de vez em quando era mais do que
suficiente para ficar indisposta. Notou que Quinlan e Crispin se
encontravam ao lado do marido e imediatamente transformou a
carranca num sorriso. Não havia dúvida parecia uma víbora, mas a
culpa era de Connor. Sabe Deus se os soldados dele assistiram à
discussão, quando ela soltou impropérios como uma lunática.
Embora talvez demasiado tarde para mudar a opinião deles a
respeito da sua pessoa, decidiu fazer uma tentativa determinada.
– A noite vai ser agradável, não concordam? – perguntou à
distância, fingindo que tudo estava bem, como era suposto estar, e
que há segundos não parecia uma doida.
– Se assim diz, minha Senhora – respondeu Crispin. – O que se
passa com ela? – murmurou para Quinlan.
– A nossa presença – respondeu este. – Ela só deve ter reparado
na nossa presença agora, e não quer que percebamos a ofensa do
marido.
– Eu não a ofendi.
– A meu ver, diria que sim.
Connor empurrou o amigo para o lado para ir ao encontro da
esposa.
Ela continuou a sorrir, mesmo quando alcançou o cimo dos
degraus de pedra e reparou que não havia corrimão em que se
apoiar. Retrocedeu um passo e levou a mão para o puxador da
entrada
A porta não se queria abrir. Estava, ou trancada por dentro ou
reforçada com ferro e aço. Ela aplicou as duas mãos na tarefa,
juntou-lhe músculos e finalmente abriu-se uma nesga. Não era
contudo suficientemente ampla para se esgueirar sem ser
esmagada.
Connor apareceu para lhe dar ajuda. Ouviu-a murmurar para si
mesma, ao descer os degraus atrás de si. Passou o braço em volta
da cintura feminina, puxou-a contra ele e estendeu a mão por cima
do ombro, para abrir a porta com um gesto rápido do pulso.
Ela não deixou de se sentir impressionada pela sua força.
– Pensei que estivesse trancada e não tentei forçá-la – disse ela,
para que não a julgasse uma fraca.
– Já se abriu.
Ele ficou a aguardar que ela entrasse. Brenna encostou-se a ele.
– Não tens curiosidade de ver o interior?
– É tão grandioso quanto o exterior?
– Sim.
Ela receou que fosse essa a resposta.
– O que estás a fazer?
A preparar-me, admitiu para si mesma antes de lhe dar uma
resposta diferente.
– Deixo a minha antecipação crescer. Entramos?
Connor revirou os olhos em direção aos céus. Brenna atravessou
rapidamente a porta e acabou por estacar abruptamente no centro
da entrada para aguardar até a vista se ajustar à escuridão.
Encontrou um soldado diante das portas duplas à sua esquerda,
fez-lhe uma vénia e olhou em volta com interesse.
Era realmente mau, mas menos do que imaginara ser. Havia
degraus de pedra diante de si, uma parede de rocha à direita.
Assumiu que estaria no piso principal e os aposentos ficariam no
piso superior. Estava obviamente curiosa para ver o salão, mas
quando se virou para atravessar as portas duplas, Connor pegou-lhe
no braço e impediu-a.
– Nunca entrarás aí – explicou ele, ao guiá-la para os degraus.
– Porque não?
– Os soldados com a patente mais elevada estão ai dentro.
Queres que te transporte até ao piso de cima?
Não lhe deu tempo para decidir. Entretanto, já a levantara nos
braços, alcançando a porta no cimo antes de lhe poder responder.
Outro sentinela estava de guarda num patamar tão estreito que
teve de descer um degrau para abrir a porta.
Connor acenou ao soldado antes de entrar. Pousou-a à entrada e
explicou rapidamente a localização dos vários elementos.
O grande salão ficava à esquerda da entrada e diretamente por
cima dos aquartelamentos dos soldados. Era bastante grande,
embora não tão grande como o de Alec Kincaid, e modestamente
mobilado.
Do lado oposto à entrada, estava uma ampla lareira de pedra
encrustada na parede. Embora acesa para quebrar o ar gélido, o
resultado não era eficaz. Três janelas cobertas com o tecido
castanho e pavoroso dispunham-se ao longo de uma parede, e de
cada lado via-se uma mesa comprida com bancos iguais.
O salão era acolhedor como um caixão. Brenna sabia que teria de
realizar algumas alterações logo que possível. Começaria por
espaçar juncos nos pisos de madeira e pendurar vários estandartes
com cores vivas e tapeçarias nas paredes espartanas. Um pano
bonito taparia o tampo riscado da mesa e almofadões sobre os
bancos duros ficariam mais confortáveis.
Ela imaginou o salão após as alterações e sentiu-se subitamente
ansiosa para pôr mãos à obra.
– Posso fazer uns retoques aqui e acolá, Connor? – o entusiasmo
fê-la unir as mãos e sorrir para ele enquanto esperava ouvir a
autorização.
– A casa é tua, Brenna. Faz o que quiseres.
– Posso beijar-te?
A pergunta apanhou-o desprevenido.
– Esqueceste-te que estás irritada comigo?
– Não me esqueci, mas a minha irritação desapareceu. Sabes
porquê, não sabes?
A voz dela reduzira-se a um murmúrio. Ele respondeu da mesma
forma.
– Não, não sei porquê – retorquiu, um traço de sorriso no olhar.
– Porque estamos juntos pela primeira vez na nossa casa, e
percebi que este é o momento perfeito para recomeçarmos. Tens de
me beijar agora.
– Não podemos recomeçar sempre que te apeteça.
Ela levou as mãos à curva da nuca de Connor e puxou-o para o
beijar. Os lábios roçaram nos dele, numa carícia rápida e gentil,
destinada a atormentá-lo. Ela queria que correspondesse ao beijo,
obviamente, mas quando ele não cooperou, viu-se obrigada a roçar
novamente lábios contra lábios.
– É um novo começo – explicou num murmúrio.
Ele continuou a resistir, embora a bem dizer já nem prestasse
atenção ao que ela dizia. Apreciava os métodos excitantes da
mulher para lhe trocar as ideias.
A intenção dela não foi particularmente subtil, e Connor começava
a adorar a situação. Quando Brenna começou a mordiscar-lhe o
lábio inferior, tentando despertar uma reação, percebeu que
rapidamente a deixaria ganhar. Puxou-a para os seus braços,
encostou o corpo contra o seu e abanou a cabeça lentamente.
– Não, não podemos recomeçar.
O olhar dela faiscou, matreira.
– Ah, Connor, mas já recomeçamos.
O beijo que lhe deu foi muito diferente do anterior. Não procurava
brincar mas exigir, e quando ela abriu a boca e se pôs a incitá-lo
com a língua, Connor tomou posse absoluta.
Ter-se-á rido, talvez, pois não se lembrava, daquele primeiro teste
intencional de Brenna. A rapariga não entendia ainda o poder físico
que detinha sobre ele, e desejava por Deus que jamais descobrisse.
Apenas procurava tentá-lo para conquistar o que estava ao seu
dispor, e na sua inocente sedução, mostrava-lhe o afeto que nutria
por ele.
Connor ouviu-a gemer de prazer em surdina, sentiu-a apertar os
braços em volta do seu pescoço, e ficou arrogantemente satisfeito
por saber que, estando ele no pleno controlo das suas emoções, a
esposa rapidamente se entregaria. Brenna era sincera e direta em
todas as suas ações, e num mundo repleto de enganos, em que o
não dito era mais importante do que o dito, sentiu-se atraído pela
visão simplista da rapariga.
Connor não se deixava envolver conscientemente na situação,
mas acabava por suceder. De repente, a paixão ardia dentro de si, e
um beijo já não o satisfazia. Queria tudo.
Preparado para levá-la para o piso superior e para a cama, ela
cortou abruptamente o beijo, desviando a cara. A voz da rapariga
surgiu como um sussurro entrecortado ao ouvido dele, que
explicou:
– Não estamos a sós.
– Ninguém ousaria entrar sem pedir permissão – disse-lhe ao
tentar beijá-la de novo.
– Alguém nos observa, Connor. Solta-me, por favor.
Ele assim fez, e virou-se para enfrentar o intruso.
Euphemia encontrava-se no patamar, no cimo da escadaria que
conduzia aos quartos. A expressão de Connor mudou num piscar de
olhos. Sorriu de pura alegria, e Brenna descobriu-se a sorrir também
por reação.
– Que bom vê-la novamente, Euphemia – exclamou, o grande
afeto pela mulher aparente na sua voz.
Os joelhos de Brenna quase cederam. Nem acreditava nos seus
ouvidos. Euphemia não podia encontrar-se aqui. Supostamente só
chegaria amanhã, não hoje, mas afinal ei-la diante de si, tendo visto
a esposa repulsivamente indisciplinada atirar-se ao enteado.
Brenna pensou dar um pontapé no marido por não se ter
incomodado em avisá-la da chegada de Euphemia, mas não cedeu
à tentação, querendo que a mulher gostasse dela e não que a
desprezasse.
As primeiras impressões eram normalmente enganadoras. Brenna
procurou ter o ditado em mente ao observar a madrasta de Connor.
Euphemia parecia ser tão velha como os pinheiros. Qual corvo,
assim vestida de preto, encavalitada no alto das escadas, com os
ombros curvados para diante e o olhar intenso, penetrante, quase
trespassando Connor, enquanto este se aproximava dela.
Brenna ficou instintivamente desconfiada da mulher, mas antes de
conseguir admoestar-se pelos seus receios e pensamentos
insensíveis sobre a aparência da mulher mais velha, presenciou
uma transformação espantosa em Euphemia. A mulher subitamente
endireitou-se, crescendo de tamanho e ficando quase tão alta como
Connor. Esticou os ombros para trás e deslizou pelos degraus com
a graça e elegância próprias de uma rainha. O sorriso que lançou a
Connor suavizou as rugas em redor dos olhos e ninguém teria então
notado o labirinto de vincos profundos que lhe marcavam a cara.
Brenna ficou então cativada pela sinceridade que encontrou no olhar
da mulher.
A mudança também a espantou. Euphemia mantinha-se velha,
obviamente, mas não mais do que a sua querida mãe. O luto
deixara, sem dúvida, marcas cruéis na mulher, envelhecendo-a mais
do que a verdadeira idade. Como deve ter adorado o pai de Connor
para ficar tão devastada com a sua morte. Quer o cabelo grisalho
quer as rugas na pele eram testemunho da mágoa sofrida pela
mulher.
Brenna ficou cheia de pena. Quis aliviar-lhe a mágoa, de qualquer
modo. Connor chamou-a e ela acorreu para ele. Mal foi
apresentada, fez uma vénia pronunciada a Euphemia e disse que
estava contente por conhecê-la. O sorriso de Euphemia foi algo
resguardado, notou Brenna, mas sentiu que foi considerada
aceitável.
– O prazer é meu – disse Euphemia, de novo espantando Brenna,
pois a voz parecia a de uma jovem, e agora que Brenna a
examinava de perto, verificou que a madrasta dele fora outrora
lindíssima. Mas já não.
– És a razão do meu regresso, passado tanto tempo – continuou
Euphemia. – Estava muito interessada em conhecer a mulher que
finalmente conseguiu caçar o Connor. Há anos que o chateio para
se casar – virou-se novamente para Connor. – Agora tenho de
convencer o Raen. Tem sido mais resistente à ideia de se casar do
que tu. Ainda chega a velho antes de encontrar noiva.
Brenna manteve-se ao lado do marido, ouvindo a conversa entre
os dois sobre a saúde e felicidade de Raen. Connor perguntou
quem era o atual chefe de Raen, pois soubera que já não se
encontrava às ordens do Senhor Ferson, mas Euphemia esquivou-
se, sugerindo que discutisse ele tais assuntos com o filho.
– E o Raen já chegou? – perguntou Brenna.
– Não – respondeu Euphemia. – O meu filho juntar-se-á a mim,
amanhã.
Connor propôs que continuassem a conversa à mesa. Brenna
seguiu atrás do marido, apreciando a forma como Euphemia pousou
a mão no braço de Connor e lhe sorriu com tamanha adoração.
Euphemia continuou a falar sobre Raen por mais minutos, e
depois olhou para Brenna, obviamente esperando que fizesse
comentários. Esta soltou a primeira coisa que lhe apareceu em
mente.
– Estou muito ansiosa para conhecer um homem tão perfeito.
Percebeu que se exprimia com tom de gozo e ficou horrorizada.
– Parece a minha mãe, Lady Euphemia. Também julga que os
filhos são maravilhosos. E está certa, tal como a Senhora.
Euphemia anuiu.
– Estou com imensa vontade de ver o Raen – disse ela. –
Passaram-se seis meses desde que me fez a última visita. Anda
muito atarefado, e eu tento não me meter nos seus assuntos.
– Foi difícil a viagem para si, madame? – perguntou Connor.
– Não vou mentir e dizer que foi fácil – respondeu ela. – Mas não
foi pior do que eu previ – acrescentou, olhar fixo em Brenna, agora.
Esta pensou que era simpático da parte de Euphemia incluí-la na
conversa.
– Há quanto tempo não regressava à fortaleza? – perguntou.
– Dezasseis anos e três meses – respondeu ela. – Há dias em
que fico abalada com a dor e sinto que o meu Donald desapareceu
na véspera.
Connor anuiu com ar de entendedor. Notou as lágrimas na vista
de Euphemia e gentilmente desviou a conversa para temas mais
leves.
Brenna gostou de ficar ao lado do marido e ouvir a conversa. Um
tópico conduziu a outro, e antes de Brenna reparar, passara-se uma
hora.
E teria ficado contente ficar ali até ao final da noite, pois a
expressão de paz no rosto do marido era uma recompensa
merecida. Nunca o vira tão descontraído e contente. Obviamente
que amava esta mulher, e de certeza que a honrava e tivera terríveis
saudades dela.
Os pensamentos dela viraram-se para a querida mãe, imaginando
que se haviam de juntar no futuro, o que lhe trouxe lágrimas aos
olhos. Para deter a melancolia, parou de pensar na família e
concentrou-se nos pratos que queria comer.
Euphemia trouxe-a de volta à presente conversa, chamando-a
pelo nome.
– Peço desculpa mas a viagem deixou-me exausta. Já não sou
nova e até um percurso curto me cansa. Se me permitirem, gostaria
de me retirar para os meus aposentos, e agradecia que uma criada
me levasse uma bandeja com pouca comida.
Connor levantou-se prontamente para ajudar a madrasta.
– Posso ajudá-la a preparar a cama, Lady MacAlister? –
perguntou Brenna.
– Uma das criadas do Connor já tratou desse dever, criança.
Brenna fez-lhe uma vénia e deu-lhe as boas noites. Connor
acompanharia Euphemia até ao quarto e sugeriu que Brenna
aguardasse no salão pelo seu regresso. Brenna compreendeu que
Connor precisava de ter um momento a sós com a madrasta e não
se importou de ficar para trás.
Ele demorou imenso tempo. Quando finalmente voltou para o
salão, o estômago dela rugia de fome e sentia-se tão sonolenta que
mal mantinha a cabeça em pé.
Os modos do marido tornaram-se bruscos, e a rapariga notou que,
embora não apresentasse nenhuma reserva para se manter afável
diante da madrasta, à mulher não mostrou nem metade da
consideração.
– Há quatro aposentos no piso superior, Brenna. As cozinhas
ficam num edifício separado atrás do salão, caso precises de as
encontrar.
Ele agarrou-lhe na mão e conduziu-a escadas acima. Felizmente
para ela, os degraus eram menos íngremes do que os dos
aquartelamentos dos soldados.
– Porque está aqui um corrimão e não mais em baixo? Havia
motivos para não ter sido construído?
– Sim – respondeu ele. – Estás mesmo com fome?
– Até comia alguma coisa. Continuo à espera que me digas
porque motivo não há corrimão.
– É mais fácil empurrar os soldados para o fundo.
Ela pensou que era brincadeira. Mas ele não sorriu e ela mudou
de ideias.
– Mas isso é pouco educado, não é?
Ele não entendeu que Brenna queria espicaçá-lo, e portanto não
sentiu necessidade de responder.
Quando alcançaram o patamar, ele apontou para o corredor
escuro atrás de si.
– Ali ficam três quartos. O nosso é aquele ali em frente, do outro
lado do patamar.
Ela não marchava ao ritmo que ele queria. Connor puxou-a e
parou apenas quando entraram nos aposentos. A porta fechou-se
com estrondo. Estava completamente escuro. Connor atravessou o
quarto e abriu a proteção da janela, deixando penetrar a luz.
Brenna soltou um suspiro de alivio porque o quarto não era tão
mau quanto julgara. Havia uma lareira de razoável dimensão num
extremo do espaço e uma cama no extremo oposto. Dois baús
baixos ladeavam-nos, com várias velas dispostas por cima. Além de
ganchos espetados na parede ao lado da porta, nada mais havia
digno de referência.
Ela acorreu para a janela, procurando apreciar a vista e
imediatamente percebeu que era escusado. Diante dela ficava o
pátio e ao fundo as ruínas, um cenário macabro, a bem dizer, e uma
vez que não lhe apetecia pensar no passado, deitou-se para
perceber se a cama era macia ou cheia de grumos.
– É um leito muito agradável – comentou. – Tal como o quarto. É
verdade que vives como um camponês, Connor, sem luxos
desnecessários?
– Isso incomoda-te?
– Não – respondeu ela. – Posso tomar um banho?
– Amanhã levo-te ao lago.
– Pode ser esta noite?
Ele acedeu.
– Pedirei que te preparem um banho. Terás de esperar até que
aqueçam a água nas cozinhas e a tragam para cima.
Ela abanou a cabeça.
– Não vou dar tanto trabalho às tuas criadas. Não posso tomar
banho nas cozinhas?
Ele não ficou surpreso pela consideração dela, sabendo que
colocava o incómodo alheio acima do seu, mesmo que lhe causasse
inconveniência. Ou perigo, lembrou-se de acrescentar, pois também
colocara a segurança de Grace acima da sua.
– Sim, podes banhar-te nas cozinhas.
– E posso comer lá?
– Se assim quiseres.
Connor abriu a porta para sair, mas hesitou à ombreira, franzindo
o cenho ao notar as olheiras grandes da esposa, ainda mais
pronunciadas pela luz suave. Sentiu-se responsável pelo cansaço
dela, por ter exigido demasiado, e embora lamentasse expô-la a
tamanha provação, não tivera outra escolha. MacNare e os
soldados ganhavam caminho e colocá-la a salvo fora mais
importante do que deixá-la dormir.
– Quero que descanses.
– Ficas ao meu lado?
– Sim.
– Agora que a Euphemia está cá, ainda tencionas partir amanhã?
– Sim.
– Achas que ela gostou de mim?
– Claro que gostou de ti. Não precisas que eu te diga isso.
– E ficará em casa mais tempo.
– Espero que sim – respondeu ao sair pela porta. – Não
perguntei.
– Connor?
– Sim?
– Por favor, não te esqueças de enviar um dos teus homens à
procura da Gilly.
– Não me esquecerei. Mais perguntas?
Nem a sua atitude brusca nem o seu ar carrancudo a dissuadiram.
Acorreu para a entrada, pôs-se em bicos de pés e beijou-o. Foi
muito efusiva. Connor envolveu-lhe a cintura com o braço, puxou-a
contra si e beijou-a pela segunda vez, com mais paixão do que
tencionava mas durante menos tempo do que queria. Ela terminou o
beijo, afastando-se dele. Viu que o marido ficara espantado, virou-se
para não revelar o sorriso, e então pensou dizer-lhe que agora já se
podia ausentar.
Connor estava a meio das escadas quando percebeu que tinha
sido dispensado.
Quinlan teve de indicar-lhe que sorria. O soldado quis saber o
motivo de tanta felicidade do seu Senhor, e Connor não teve
alternativa, admitindo que não fazia a mínima ideia.
Apesar da impossibilidade física, as ruínas da casa do pai de
Connor pareciam mais próximas e visíveis a partir de qualquer canto
do quarto, e sempre que Brenna espreitava para o exterior, só via
destruição.
Era impossível ignorar o cenário deprimente. Sabia que o pai dele
falecera ali, mas teria Connor presenciado a sua morte? Esperava
que não, nem querendo imaginar assistir à morte do seu querido
pai.
Bateram à porta, intrusão oportuna para tais pensamentos tristes.
Um soldado entrou com a sua bagagem, e logo que voltou a estar
sozinha, tirou uma troca de roupa, a escova de cabelo e duas fitas,
e desceu as escadas.
Não havia vivalma no piso térreo, nem se ouviam sons vindos do
exterior. Desagradou-lhe o silêncio. Acostumara-se à companhia
dos familiares, criados e visitas, e sabia que ajustar-se à mudança
demoraria o seu tempo.
A cozinheira surgiu à sua procura, e abriu a porta das traseiras no
preciso instante em que Brenna lançava mão ao puxador. A mulher
demorou um instante a recuperar do espanto. Recuou alguns
degraus, fez uma vénia acentuada, e apresentou-se num tom de voz
tão baixo que era como se confessasse os pecados ao padre sem
querer que a ouvissem. Chamava-se Ada. Era duas vezes mais alta
do que Brenna, extremamente rechonchuda à volta da barriga e os
cabelos grisalhos da trança indicavam uma idade avançada.
Os modos gentis e a voz suave despertaram em Brenna
lembranças da mãe, e de imediato gostou da mulher. E Ada era tão
mandona como a mãe dela. Mal acabou de ajudá-la a entrar na
água fumegante, Ada recusou-se a entregar-lhe o sabão até Brenna
prometer que não lavaria o cabelo.
As duas mulheres conversaram, recorrendo a uma combinação de
gaélico e gestos. Ada exprimia-se com um sotaque tão espesso e
indecifrável, que Brenna só conseguia distinguir uma ou duas
palavras das suas explicações compridas e infindáveis. Por fim,
apontou para os pontos na testa de Brenna, franziu o cenho e
abanou a cabeça com veemência. Brenna concluiu que Ada não
queria que os molhasse.
Ada não reparou na nódoa na zona traseira da coxa até ter
ajudado Brenna a sair da banheira de madeira. A mulher mais velha
esvoaçava à sua volta como uma mãe-galinha, e ao querer mostrar
a sua empatia com a situação, deu uma palmada tão forte no ombro
de Brenna que quase lançou a rapariga para o outro canto da
cozinha.
Depois de embrulhar a nova esposa do Senhor numa manta, Ada
quis saber a história das nódoas negras de Brenna. Esta tentou
repetidamente explicar as circunstâncias, mas as únicas palavras
que a mulher entendeu foram as que descreviam o tombo pelas
escadas.
Brenna tentou vestir as roupas da sua bagagem, mas Ada não a
deixou. Arrancou-lhe as vestes das mãos e deu-lhe outras. Brenna
sabia que Connor era responsável por tanta consideração, pois Ada
não parava de fazer vénias e dizer «Lady MacAlister» sem parar.
Dez minutos depois, Brenna enfiava um vestido dourado pálido
com uma saia feita no padrão axadrezado dos MacAlister.
Ada insistiu em ajudá-la a avançar para a mesa da cozinha.
Indicar à mulher que não precisava de ajuda foi inútil. A mulher
estava determinada e era inútil contrariá-la.
Brenna não fazia ideia do que lhe foi dado a comer, mas o sabor e
o aroma eram tão bons que se serviu uma segunda vez. Quer a
comida quer a companhia de Ada revigoraram-na. Afinal, já não
queria ir para a cama e decidiu explorar as redondezas antes de o
dia terminar.
Mal pôs o pé de fora da cozinha ouviu homens aos berros. O
barulho parecia originar-se do pátio. Como uma multidão reunida,
em que todos queriam falar ao mesmo tempo. Brenna quis saber o
que se passava. Encontrou homens a correr pela subida em direção
à frente da torre, com expressões sombrias. Por instinto, avançou
com mais cautela.
Quando alcançou a zona lateral da torre, o pátio já se calara.
Julgara que os soldados estariam a caminho do cimo do monte, mas
ao virar a esquina, viu-os agrupados em circulo, e parou
abruptamente.
Em conjunto, os soldados fitavam o centro do círculo. Pareciam
hipnotizados. Brenna reparou que três dos homens usavam mantas
diferentes das dos MacAlister. Eram os únicos que se mexiam. Viu-
lhes as expressões de medo, ao encararem o seu marido. Connor
encontrava-se no extremo do circulo. Se tivesse olhado para cima,
tê-la-ia visto, atenta – mas, tal como os restantes, fitava o chão.
A disposição dos homens indicava-lhe a existência de problemas.
Manteve-se atenta ao marido, embora avançasse, desejando que
ele olhasse para cima e indicar-lhe para se aproximar ou afastar. A
sua postura rígida teria sido um aviso suficiente, mas ela não se
encontrava preparada para o que avistou.
Descobriu uma brecha entre dois soldados MacAlister, acercou-se
deles, e pôs-se de bicos dos pés para espreitar por cima dos
homens. Foi então que um deles se afastou para um lado, um
pouco, e subitamente ela conseguiu ver o chão e o alvo da atenção
do grupo.
Descobriu os restos sangrentos de um animal com uma corda
atada ao pescoço, e a princípio não entendeu a importância. Depois
reparou no que restava da crina entrançada e da fita cor de rosa,
atada num lacinho perfeito.
O impacto atingiu-a como uma bofetada.
A fel subiu-lhe à garganta, trazendo um gemido de desconsolo.
Era a sua Gilly adorada.
Capítulo 9

C onnor descobriu a esposa no círculo e aguardou que olhasse


para si. Não percebia o que fazia ela ali. Pediu a Deus que não
reconhecesse o cavalo, embora soubesse no íntimo que o contrário
era mais provável. Porque não teria ele perdido uns minutos para
retirar a maldita fita, mal a vira? Era o único indício de Gilly.
Teve pena dela. A dor que encontrou no olhar da rapariga, no
instante de reconhecimento, quase o fez perder o controlo. Recorreu
à sua força de vontade para ficar completamente imóvel. Ela emitiu
um som surdo. Connor julgou que os soldados de Hugh assumiram
tratar-se apenas do murmúrio do vento, pois um dos homens olhou
para o céu antes de se virar para si.
Brenna levou a mão à garganta, deu um passo atrás e procurou
Connor num frenesi.
Ele quis ir ao encontro da rapariga, mas não se mexeu e, de facto,
sabia que não lhe podia mostrar nenhuma compaixão até os
soldados partirem. Os homens de Hugh regressariam ao seu
Senhor com o relato da reação de MacAlister, e Connor preferia ser
amaldiçoado para todo o sempre antes de permitir que um intruso
conhecesse a sua opinião a respeito da mensagem de MacNare.
Preocupava-o a possibilidade de a esposa gritar ou ir-se abaixo
diante de testemunhas. Não a culparia, dado o seu grande afeto
pelo animal, mas rezou para que primeiramente, se afastasse.
Tentou ajudá-la, sustendo-lhe o olhar durante um momento
demorado, tentando com o seu silêncio e a sua máscara de fria
indiferença indicar que seguisse aquele exemplo. Connor sabia que
pedia demasiado dela e sinceramente não sabia se ela conseguiria
responder à altura. E contudo, já convencido que a ordenaria a
regressar para em casa, viu a mão dela cair e a cor inundar-lhe o
rosto.
Ela proporcionou-lhe mais do que Connor esperara. Brenna fitou
os soldados de Hugh, e até se notou um ligeiro sorriso no rosto,
como se desejasse recebê-los em casa mas sabendo-se impedida
até ser apresentada pelo dono da casa.
Santo Deus, o orgulho que ela lhe deu. Revelou uma mera
curiosidade, perscrutando os rostos dos homens, e ao concluir a
inspeção, lançou um derradeiro olhar a Connor, fez-lhe uma vénia e
então virou-se, afastando-se com a dignidade e porte real de uma
princesa.
Todos os presentes observaram a sua partida. Vários criados
aguardavam junto à torre pela Senhora, e um deles chamou-a ao
passar pelo grupo.
– Minha Senhora, o que estão os homens a ver?
– Só um cavalo morto – gritou em resposta. – Nada mais.
Continuou num passo descontraído, e os soldados de Hugh só se
viraram para Connor quando dobrou a esquina, admirados com o
sorriso estampado no rosto do MacAlister.
O mais graduado dos emissários dirigiu-se ao Senhor.
– O Hugh ficou preocupado com a possibilidade de que o Senhor
queira reagir a esta situação.
Crispin adiantou-se para responder pelo seu Senhor. Era mais alto
do que o soldado, e este foi obrigado a dar um passo atrás
rapidamente.
– O Hugh não tem motivos para estar preocupado. O nosso
Senhor sabe quem enviou a mensagem.
– Já concluíram a vossa missão – anunciou Quinlan. – Partam e
deixem-nos retomar assuntos mais importantes.
Vários dos guerreiros do MacAlister anuíram em concordância, e o
mensageiro percebeu que sorriam como o Senhor deles.
– Devo dizer que o vosso Senhor ficou apenas incomodado, mas
nada mais?
– Diga o que quiser – respondeu Connor. – Para mim, não faz
diferença.
– Pretende que levemos os restos do animal connosco?
– Deixe-os, os nossos cães tratam disso – sugeriu Crispin.
Connor anuiu antes de se afastar.
O mensageiro não se esqueceu do que presenciara, e quando se
encontrou diante de Hugh, indicou apenas que o Senhor MacAlister
se divertira imensamente com a mensagem do inimigo.

Brenna conseguiu entrar no quarto antes de começarem os


vómitos. Ainda assim, manteve a comida no estômago, respirando
fundo e obrigando-se a bloquear a imagem de Gilly.
Quando as náuseas lentamente se acalmaram, sentou-se no seu
lado da cama, uniu as mãos sobre o regaço e procurou entender o
motivo daquele horror. Não chorou, pois acreditava que o luto se
devia reservar para as pessoas e não para os animais, e foi uma
medida do seu controlo não ceder ao desejo.
Pobre Gilly. A sua fiel égua nunca fizera mal a ninguém. O animal
de estimação era dócil e obediente, dera tantas alegrias a Brenna
ao longo dos anos, e devia ter sido colocada num campo de trevos
para morrer quando chegasse a sua vez. Imaginá-la mutilada e
depois arrastada pela montanha acima era horrível de mais.
Rezou para o manso animal ter tido morte rápida antes de os
assassinos sádicos usarem facas e machados. Quem faria algo tão
vil e desprezível? Que tipo de monstro destruiria uma das mansas
criaturas de Deus com um propósito tão maléfico?
MacNare. Devia ser ele o perpetrador. Tentando caçá-los, a ela e
a Connor, enraivecido, deparara-se com Gilly, e aplicara a sua fúria
no cavalo. Até hoje, Brenna não sabia que os homens eram
capazes de uma crueldade tão horrenda. Quando o pai decretara o
seu casamento com MacNare, ela recordava-se de ter ficado
zangada e consternada, mas não verdadeiramente assustada com
aquele casamento.
Mas agora ele aterrorizava-a. Se era capaz daquele ato sobre um
animal, o que faria a um homem? O pensamento deu origem a
outro, ainda mais assustador. Se Connor não a tivesse raptado,
seria agora esposa daquele homem. A ideia despertou-lhe
novamente os vómitos.
Não sabia quando tempo ficou sentada na cama a pensar no
sucedido, mas o quarto escurecera quando Connor entrou. Ela não
olhou para ele nem se manifestou, e sentiu-se agradecida pelo
marido se manter calado, incapaz ainda de falar sobre Gilly.
Depois de lançar à rapariga um olhar rápido, assegurando-se de
que estava bem, Connor trancou a porta atrás de si, e dirigiu-se
para a lareira com a intenção de acendê-la. Esperava a qualquer
momento que Brenna desatasse a berrar consigo, mas ela
permaneceu calada, deixando-o ainda mais preocupado. Decerto
que Brenna estaria zangada consigo por ter insistido em
abandonarem Gilly. Ele não queria que essa raiva permanecesse
dentro da rapariga. Quanto mais depressa a extravasasse, mais
depressa poderia dormir.
As mulheres, nas palavras do irmão, tinham a capacidade única
de se livrarem da raiva através da fala. Os homens não eram
capazes de tal coisa. A raiva permanecia no coração dos guerreiros
durante anos e anos, até encontrarem uma forma de corrigirem o
mal sofrido. Connor não aceitaria outro desfecho.
– Estás a tremer. Aproxima-te da lareira.
Para seu espanto, ela obedeceu. Mal atravessou os aposentos,
Connor puxou-a para os seus braços, pediu-lhe que olhasse para
cima, e deu-lhe permissão para gritar com ele.
– Não quero gritar contigo – disse ela, perplexa.
– Sei que estás zangada comigo. Despeja tudo isso de uma só
vez.
– Não estou zangada contigo.
– Fui eu quem tomou a decisão de abandonar o teu cavalo.
– Sim, mas era necessária.
Afastou-se dele, encarando as labaredas.
– O responsável é o MacNare.
– Sim.
– Ele tirou prazer do que fez à Gilly. Não concordas?
– Não penses nisso.
– Responde-me – falou num tom de voz mais acutilante do que
pretendido, mas Connor não pareceu incomodar-se. A resposta dele
foi muito mansa ao concordar com ela.
– Sim, estou certo que tirou prazer em mutilar o cavalo.
– Espero que a Gilly tenha morrido rapidamente antes de… Será?
Ele fitou-a nos olhos e mentiu-lhe.
– Claro que sim.
– Como é que tens a certeza?
– Porque sei – colocou ênfase para que ela julgasse que dizia a
verdade.
– Não devia ter deixado as fitas atadas às tranças dela. Foi assim
que ele percebeu que pertencia a uma mulher?
– Haviam de descobrir de qualquer forma. Era mais pequena do
que os outros da nossa propriedade.
Connor estava a aceitar bem a situação. Ela desfez o abraço e
encarou-o, não encontrando nenhuma raiva.
– Estás muito calmo com a situação. Não te apetece gritar? –
perguntou ela.
– Porque havia de reagir assim, se não iria alterar o sucedido?
Ela abanou a cabeça. Connor tinha razão. Desatar aos gritos não
lhe devolveria a Gilly. Mesmo assim, a falta de emoções do marido
só aumentava a sua solidão, ao lado da raiva e do terror.
– Porque se deu o MacNare ao trabalho de nos enviar os restos
da Gilly?
– Queria que eu visse o que ele tinha feito. Deita-te. Precisas de
descansar.
– Foi uma mensagem para mim ou para ti?
– Para mim.
– A Gilly pertencia-me a mim.
– Mas tu pertences-me – disse ele.
– Foi uma mensagem do que está para vir?
– Os soldados do Hugh disseram que era uma prenda do
MacNare – indicou-lhe. Puxou-a para si e começou a despi-la.
Ela não resistiu até ele tentar tirar-lhe a camisa interior.
– Vou ter frio.
Ele não se deixaria desmotivar.
– Esta noite vou manter-te quente. Vejo que continuas a usar o
medalhão que o teu pai te ofereceu. Já te tinha dito para te livrares
disso – lembrou-lhe. Na prática, pouco lhe importava o destino que
ela desse ao disco de madeira, pois já a conhecia melhor e sabia
que não o usava para insultá-lo. Era um objeto inócuo.
– Mas não fiz isso.
– Não fizeste, o quê?
– Não me livrei dele.
– Bem vejo – disse ele, divertido. – Estás mesmo exausta hoje.
– Sim, não creio que consiga dormir. Estou demasiado zangada
e…
– E o quê?
Ela abanou a cabeça. Não estava preparada para admitir-lhe que
se sentia assustada.
– Vens para a cama comigo?
– Ainda não. Tenho de terminar mais um dever.
– É importante?
– Sim.
– Podes deitar-te a meu lado só durante alguns minutos, por
favor?
Ela não se deitou até ele concordar, portanto retirou as botas,
esticou-se de costas e apoiou a nuca nas mãos. Fitou o teto. Ela
fitou-o a ele.
Ele tinha ar de homem satisfeito e desprovido de preocupações, e
se não o tivesse visto diante de si no pátio, julgaria que desconhecia
a situação de Gilly. A reação dele não lhe deu conforto algum.
Brenna teria preferido dormir no lado próximo da porta, mas ele
obrigou-a a ocupar o lado da janela. Brenna não gostava de ver as
ruínas, mas também não tinha vontade de ver Connor, pois a sua
fria atitude era quase tão perturbadora como aquele cenário ao luar,
e portanto, deitou-se também de costas, concentrada no teto.
Não entendia a indiferença do marido. Ele contemplara Gilly com
absoluta indiferença, mas ela julgou tratar-se de fingimento,
negando aos mensageiros uma história para contar.
Agora já não se sentia tão segura. Talvez não fosse fingimento da
sua parte. Seria realmente uma pessoa desprovida de
sentimentos?
É verdade que se tratava do animal de estimação dela, e embora
o tivesse criado e estimado, não passava de um cavalo. Mas teria
Connor apresentado um comportamento diferente se fossem os
restos mortais de um dos seus soldados?
Ela esperava ardentemente que sim.
Vários minutos decorreram em silêncio ao ponderar no
comportamento do marido. Ocorreu-lhe colocar outra pergunta, e
olhou para ele, para confirmar que continuava desperto.
– De quem eram os soldados?
– Do Hugh.
– É aliado do MacNare?
– Aqueles soldados já teriam morrido há muito se o Senhor deles
fosse aliado do MacNare.
– Então é teu aliado?
– Quando lhe é conveniente – respondeu. – As terras do Hugh
fazem fronteira com as nossas a sul. Deixo-o em paz, desde que
não se intrometa na minha vida.
– Eu não confiaria nele.
– Também não confio.
Connor viu-a debater-se para continuar acordada. Mal conseguia
manter os olhos abertos e bocejava a cada dois minutos. No
entanto, ainda queria falar do que acontecera, ao invés de se render
ao inevitável. Ele decidiu ajudá-la a perder a batalha. Puxou-a para
si, abraçou-a com força e começou a afagar-lhe as costas. O calor
que emanava do seu corpo aqueceu-a e rapidamente ficou
sonolenta.
– O MacNare é um demónio, e os demónios não temem ninguém
– disse Brenna. – Por causa disso, são mais perigosos e
aterrorizadores.
Ele fechou os olhos e esperou que ela confessasse ter medo do
filho da mãe.
A forma como ela admitiu foi rebuscada.
– As mulheres em particular deviam ter medo.
– Mas tu não – disse ele. – Sabes que não permitirei que nada te
acontecera, Brenna?
– Sim – murmurou ela. – E tu sabes que eu não permitirei que
nada te aconteça, Connor?
Ele sorriu quando se inclinou e lhe beijou a testa.
– O MacNare não é imortal. Tem medo, como todos nós. Tem
medo de um homem em particular.
– Estás certo disso?
– Sim.
– E as mulheres também deviam temer este homem?
– Não.
– Quem é ele? – perguntou. E adormeceu à espera que o marido
lhe indicasse o nome do homem temido pelo demónio.
Brenna dormiu profundamente durante mais de uma hora, até ser
acordada pelo som metálico da ponte levadiça a descer.
Connor não se encontrava na cama. Ela soube, antes de pousar
os pés no chão, que ele abandonava a segurança da fortaleza.
Agarrou na manta, à qual se envolveu, ao avançar para a janela.
A vista era sinistra. Uma procissão de soldados a cavalo, cada
qual transportando uma tocha acesa numa mão e segurando uma
corda na outra, atravessava lentamente a ponte, arrastando uma
carcaça ossuda atrás deles. O baque dos cavalos não cobria os
ecos dos restos a embaterem nas tábuas de madeira.
Connor conduziu-os para as ruínas. Quando a procissão alcançou
o destino, todos desmontaram. Formaram um arco, e no meio,
quatro homens começaram a cavar. As silhuetas musculadas
brilhavam na luz trémula enquanto levantavam pazadas de terra e
as atiravam para o lado.
Cavaram um buraco profundo. Outro soldado adiantou-se, dobrou-
se e levantou os dois homens à vez. As tochas foram atiradas para
o chão e os soldados juntaram-se para puxar as cordas. A carcaça
foi arrastada lentamente. Balançou na berma do buraco negro
durante vários segundos antes de cair. As cordas, quais serpentes,
deslizaram para a cavidade, mal os soldados as soltaram.
Depois de encherem novamente o buraco com terra, uma tocha foi
deixada a arder no cimo do montículo, e as outras luzes avançaram
para os cavalos.
Minutos depois, a procissão apareceu intempestiva, cruzando a
ponte levadiça. Uma única luz ficou para trás, mantendo as ruínas
sob vigília. Ardeu fortemente durante mais minutos, tremeluziu duas
vezes e extinguiu-se.
Brenna ficou a espreitar pela janela, à procura do marido.
Quando Quinlan e Crispin regressaram à torre, dez minutos
depois, escondeu-se nas sombras para não ser vista. Os soldados
dirigiram-se para o lago com intenção de se lavarem, e ela presumiu
que o marido estaria entre eles.
Demorou quase uma hora completa até surgir no caminho. A
respiração prendeu-se no fundo da garganta de Brenna ao vê-lo. As
chamas da tocha ardiam à sua volta, e no brilho da luz, aquele
corpo magnifico parecia coberto de ouro. Ela não pressentiu o
perigo que o acompanhava até se aproximar mais, notando então a
mudança. Mexia-se como um predador. Passadas longas,
determinadas, músculos retesados nos ombros e braços a rolarem
com graça fluida sob a pele lustrosa e o olhar vigilante.
Estava pronto para atacar. O poder que irradiava fez disparar o
coração de Brenna. As mãos tremeram-lhe ao apertar a manta à
sua volta, afugentando um arrepio súbito. Sabia que estava a ser
caprichosa. Era o marido dela, não um estranho. E no entanto, os
instintos continuaram a avisá-la. Brenna compreendeu o motivo,
logo que entrou no pátio.
Sentiu a raiva de Connor, mesmo antes de a ver. Trazia a cabeça
baixa, acompanhando deliberadamente os sulcos no chão abertos
pela passagem de Gilly, e quando alcançou o lugar em que o animal
jazia, parou. Estremeceu uma vez, depois endireitou-se, atirou a
cabeça para trás e fitou o céu. Sob a agreste luz da tocha, os traços
do rosto estavam cinzentos, áridos, vincados de fúria. A veia no
maxilar cerrado latejava, e os ombros e pescoço ficaram rígidos.
Era consumido pela raiva. Ela fitou os olhos frios e letais de um
selvagem, dominado por uma fúria cega. Atirou a tocha ao ar,
ergueu a espada, e com ambas as mãos, enfiou-a com força no
terreno sangrento.
Era uma visão terrível. Não conseguiu mexer-se, respirar, chamar
por ele.
Tentou ver além das ruínas e subitamente entendeu a raiva de
Connor. Ele dissera-lhe que o pai morrera ali, mas ela não lhe
perguntou quem fora o responsável. E agora não lhe perguntaria,
pois, no seu coração, obtivera a resposta
Brenna respirou fundo e virou-se de novo para o marido. Ele
fitava-a intensamente. Os olhares mantiveram-se durante um minuto
antes de desviar a vista. Ele arrancou a espada do chão e retomou
o caminho.
Ela berrou o nome dele. A expressão de Connor manteve o ar letal
quando se virou novamente para ela. Capaz de incutir medo, mas
ela não temeu, esticou a mão na direção dele e ordenou-lhe que se
aproximasse.
Brenna aguardou no centro do espaço. O som dos passos foi
crescendo. Ela manteve o olhar na porta, coração a bater de
antecipação. Havia de acolhê-lo nos braços e apaziguar a raiva que
nele ardia com murmúrios mansos e suaves carícias.
Testemunhara a transformação do Senhor em selvagem. Soube,
sem quaisquer dúvidas, que Connor era o homem temido por
MacNare.
Ela não sentia pena alguma daquele porco.

Connor estava com dificuldade em concentrar-se nos seus


deveres. Lembranças da esposa e do que ele lhe tinha feito na noite
passada intrometiam-se continuamente.
Comportara-se como um animal. Devia ter permanecido no lago
até controlar a sua raiva, ou ficado ali a noite inteira, mas quando
ela o chamou e lhe pediu que viesse ter consigo, ele foi incapaz de
resistir ao seu apelo.
Brenna não devia tê-lo tocado. Teria inclusive ignorado a esposa,
caso ela se mantivesse no outro lado do quarto. Connor reconheceu
a mentira mal lhe surgiu no pensamento. Tencionara apoderar-se
dela desde o mero instante em que subira os degraus, mas não
como um selvagem.
Será que a magoou? Santo Deus, não fazia ideia. Mas ela não
ofereceu resistência, nem lhe pediu que parasse. Connor teria
ouvido, teria obedecido à sua vontade, disso estava convicto.
Lembrou-se que ela correra para si e passara os braços à volta
dele, sem o largar. Ignorando as intenções dele, obviamente. Raios,
se desconfiasse do que lhe ia no espírito, dessa vez, Brenna até se
teria atirado pela janela.
Jamais o perdoaria. E porque havia de perdoar? Connor
aproveitara-se dela desavergonhadamente, fizera-lhe atos capazes
de aterrorizá-la, tinha-a possuído duas vezes, não apenas uma, e de
formas que ela não compreenderia. Ele sabia exatamente porque
razão sentia tanta necessidade dela. Connor vivia com uma raiva
dentro de si há muito tempo, e ela era uma alma gentil e adorável.
– Connor, estás a estrangular o Peter – Crispin aproximou-se de
Connor pelas costas e pousou a mão no ombro do seu Senhor.
Connor empurrou o soldado. Peter recuou aos trambolhões,
respirou fundo várias vezes em golfadas de ar, e endireitou-se.
– Quase mataste um homem, Peter – disse Connor com a voz
ríspida. – Se não tivesse afastado a espada da tua mão, um dos
meus seguidores leais teria morrido. Não tolero a estupidez.
– Senhor, eu… – começou Peter.
Connor levantou a mão para calá-lo.
– Não quero desculpas. O Quinlan decidirá o teu destino.
Aguardou até o soldado se desculpar e partir, antes de discutir o
tema com os seus dois comandantes. Crispin e Quinlan
flanquearam-no.
Crispin considerava o soldado inepto sem redenção e devia ser
enviado para casa. Quinlan concordou, mas prometeu que esperaria
até a raiva desaparecer para tomar uma decisão.
Crispin mudou de assunto.
– Já decidiram como retaliaremos contra o MacNare?
– Já. Tu e eu partiremos ao final da tarde. Escolhe oito a dez
soldados para nos acompanharem.
– Pretendes falar primeiro com o Kincaid? Ele fez-te prometer que
não organizarias mais ataques.
– Devia consultar o meu irmão e explicar-lhe, mas não o farei.
Claro que ficará furioso, mas assim que souber a natureza da
mensagem do MacNare, decerto que entenderá a necessidade de
enviar uma resposta adequada ao filho da mãe.
– Não confrontes o MacNare nem o mates até ser o meu dever
acompanhar-te – pediu Quinlan.
– Fazes este pedido sempre que alternamos as responsabilidades
– lembrou Crispin. – Seguramente que o Connor já deve saber a tua
opinião sobre o nosso inimigo.
– E tu fazes o mesmo pedido ao Connor sempre que o
acompanho, Crispin.
Connor cessou a rivalidade, indicando aos soldados que iriam
ambos acompanhá-lo quando chegasse a hora.
– Não o matarei até descobrir as provas que procuro. A promessa
que fiz ao meu pai sobrepõe-se a tudo. Crispin, vai e escolhe os
teus homens e prepara-te para partires antes de cair a noite.
Quinlan, acompanha-me de volta para o pátio, para te indicar os
deveres dos homens na minha ausência.
Terminou de delinear as responsabilidades dos soldados antes de
alcançarem o destino, acrescentando um último pedido.
– Garante que a minha mulher seja transferida para outro quarto.
Ainda hoje.
– Tu e a Lady Brenna discordaram sobre as medidas que queres
aplicar ao MacNare?
– Não, não discuti o assunto com ela. Porque havia de o fazer?
– É tua esposa, Connor.
– Estou ciente desse facto.
– E foi o cavalo dela que estraçalharam.
– Sim – concordou Connor. – E por esses motivos, crês que eu
devia explicar-lhe as minhas intenções?
Quinlan riu-se perante o ar perplexo de Connor. Explicar qualquer
das suas intenções à esposa, obviamente, jamais lhe ocorreria.
– As mulheres normalmente gostam que os maridos falem dos
seus sentimentos.
– A sério?
– Então há um motivo totalmente diferente para a quereres
transferir para outros aposentos?
– O assunto não te diz respeito.
– Isso é verdade – concordou ele. – Mas enquanto teu amigo,
sinto que devia aconselhar-te que a tua mulher ficará magoada com
tal decisão. Não compreenderá. Deves ter notado que ela nutre
sentimentos a teu respeito.
– Claro que sim, e é precisamente por isso que a quero noutro
quarto. Garanto-te que ela ficará aliviada.
Connor recusou-se a falar mais no assunto. Ordenou a Quinlan
para se dedicar aos seus deveres e entrou no salão.
Netta, a criada de limpeza do primeiro piso, largou o pano com
que limpava a mesa, mal viu o Senhor. Saltou para trás, fez uma
vénia e cumprimentou-o, gaguejando.
Era uma mulher nervosa que tremia na presença dele. Connor não
entendia o motivo. A mulher já o servia há mais de um ano, e em
todo esse tempo, ele jamais lhe levantara a voz.
– Netta, sobe as escadas e diz à minha esposa que pretendo dar-
lhe uma palavrinha.
– Se estiver a dormir, devo acordá-la, meu Senhor?
Connor abanou a cabeça.
– Não, ainda é cedo. Se ela não responder logo, deixa-a em paz.
Tenta não fazeres barulho – acrescentou. – A viúva do meu pai
ainda deve estar a dormir.
A criada tropeçou duas vezes com a pressa de sair do salão.
Connor andou às voltas no espaço vazio enquanto aguardava, o
espírito concentrado na explicação que daria a Brenna. Talvez
devesse pedir desculpas pela sua conduta na noite anterior. Embora
jamais o fizesse, pois simplesmente não fazia sentido. Nunca,
jamais, pedira desculpas a ninguém e não se imaginava a começar
agora.
Connor acabara de atear o fogo na lareira quando Netta surgiu
com a indicação de que Lady MacAlister não se encontrava no
quarto. Ele ordenou-lhe que mandasse mais criados à sua procura e
voltou a calcorrear o salão. O comentário de Quinlan sobre a
partilha de detalhes com a esposa surpreendera-o, e ele até se
questionara se Alec trocaria ideias com Jamie sobre temas que o
preocupassem. Não, claro que não. Um homem jamais faria isso...
ou faria?
Abanou a cabeça. O casamento complicara-lhe a vida. Devia ter
percebido isso antes de dar o nó. Embora fosse tarde de mais para
arrependimentos, e agora que ela lhe pertencia, era obrigado a
admitir que não se queria desfazer da rapariga; inclusive, imaginá-la
com outro despertava-lhe fúria. Significaria então que ele gostava de
estar casado com ela? Quem tentava ele enganar? Ele gostava dela
a sério, mais do que julgara possível. Só de imaginá-la no salão
ficava tenso.
Esta admissão pessoal foi algo assombrosa para si. Parecia a
ansiedade de um jovem soldado ao tentar impressionar o
comandante. Já amansara a forma de lidar com a esposa, e se não
se cuidasse, ainda acabaria por se apaixonar. Tinha perfeita noção
do que aconteceria depois: ela havia de morrer e deixá-lo só.
Amar Brenna não valia a dor de cabeça implícita.
Crispin tinha entrado, para anunciar a chegada do Senhor Kincaid.
Embora tarde de mais, pois Alec já se encontrava a seu lado. Os
dois homens ficaram a observar Connor, que andava de um lado
para o ouro. Quando Quinlan se juntou a eles momentos depois, fez
uma vénia ao Senhor Kincaid antes de se dirigir a Connor. Foi
divertido notar que o seu Senhor nem notara a presença do irmão.
Não era típico de Connor mostrar-se tão embrenhado em
pensamentos, mas Quinlan estava convicto de que estava
relacionado com a Lady Brenna.
Alec não considerou engraçada a desatenção de Connor. Mas o
irmão redimiu-se aos seus olhos segundos depois.
– Afinal, vais anunciar o meu irmão, Crispin?
– Ele só aguardava que olhasses na nossa direção – retorquiu
Alec. – Virares as costas às pessoas é uma forma de seres morto.
– Virar as costas a uma pessoa da família é rude, Alec, mas não
perigoso – adiantou-se, fez uma vénia formal a Alec e disse: –
Honra-me com a sua presença, Senhor.
– Pois, os teus modos precisam de polimento.
– Tudo o que sei aprendi contigo. Alguém te enfureceu. Trazes a
espada.
– Estou zangado – retorquiu Alec. – Os meus homens aguardam
na muralha exterior. Vamos em busca daquele que ousou desafiar-
me, e quero que me acompanhes.
– Obviamente.
Alec anuiu, satisfeito por Connor concordar sem ter perguntado o
nome do homem que tentariam arrastar para fora da toca. O irmão
assumiu arrogantemente que a lealdade inquestionável de Connor
se devia, em grande medida, à forma como o educara.
Atravessando o salão em largas passadas, deu uma palmada no
ombro do irmão, encaminhou-se para mesa e sentou-se na única
cadeira de costas altas que estava livre. Gesticulou para Connor
ocupar o banco adjacente.
– O Dawson não quer entender que não brinco com temas sérios.
Rapariga, traz-me um copo de água – pediu à criada que pairava
junto à entrada.
A criada olhou em volta de si num frenesi. Connor julgou que
estaria à procura de um lugar para pousar os objetos que trazia nas
mãos. Antes de lhe indicar que os deixasse nos degraus, ela
transpôs o salão em passo de corrida, fez-lhe uma vénia e pousou-
os na mesa ao seu lado.
Ele percebeu o que representavam antes de ela explicar:
– Enviei três criadas das cozinhas à procura da senhora, meu
senhor, mas só encontraram até agora as coisas que ela foi
largando pelo caminho. Continuam atrás dela, Senhor, e depois de
eu servir o Senhor Kincaid, pode indicar-me o que devo fazer com
os pertences da Senhora?
Connor ficou nitidamente furioso com a esposa e abanou a
cabeça, atónito.
– Deixa-os ficar, Netta – instruiu.
Ela voltou a fazer uma vénia antes de servir o irmão. Connor notou
que as mãos da mulher lhe tremiam quando pousou a taça e o jarro
diante de Alec, mas não se espantou. As mulheres ficavam ainda
mais intimidadas pelo seu irmão.
– Não sabes do paradeiro da tua mulher? – perguntou Alec em
tom neutro.
– Claro que sei – respondeu ele.
Alec não perderia a oportunidade de espicaçar o irmão. Estendeu
a mão e pegou numa fita amarela.
– O que é isto?
– É óbvio que se trata de uma bolsa, uma fita e um punhal. A
sério, Alec, não entendo o feitio dela. É como se a Brenna nem
conseguisse manter os sapatos nos pés enquanto caminha. Está
sempre a descartar-se das suas coisas e a apanhar outras. Não
consigo convencê-la a ter mais cuidado – mas Alec ficou muito
divertido com os esquecimentos de Brenna. Riu-se às custas do
irmão, antes de sugerir que simplesmente colocasse um baú no
salão para os seus seguidores depositarem tudo aquilo que ela
deixava aqui e ali.
– Com a vossa permissão, vou tratar do assunto – informou
Crispin a partir da entrada.
– Queres que procure a tua esposa? – perguntou Quinlan.
– Preferia que ambos se juntassem a nós – ordenou Alec. – O que
tenho de discutir também se dirige a vocês.
Ele aguardou até os dois homens se sentarem em frente de
Connor antes de começar.
– Estaremos fora durante uma ou duas semanas. O Dawson e os
soldados deles escondem-se nas montanhas e vai demorar a tirá-lo
da toca.
– Não pareces com pressa de partir – comentou Connor.
– O Dawson não vai a parte alguma. O tolo pensa que está a
salvo de mim – acrescentou, abanando a cabeça. – Nem imagino de
onde tirou essa ideia.
– Quantos se encontram com ele? – perguntou Crispin.
– Não sei bem. Quinlan, é teu dever guardares a fortaleza na
ausência do teu Senhor?
– Sim, meu Senhor.
– Duplica o número de sentinelas ao longo do perímetro e nas
muralhas.
– Já dei essa ordem, Alec. Não tens de te preocupar – disse
Connor.
– Antecipa problemas? – perguntou Crispin.
Connor respondeu à pergunta.
– O Alec antecipa sempre problemas, tal como nós.
– Diz-se que o MacNare teve um ataque de fúria quando
descobriu que lhe tinhas raptado a esposa. Foi convencido pela
escolta dela que a Brenna te acompanhou de livre vontade, e agora
atribui-lhe tantas culpas como a ti.
– Ela não foi responsável – disse Connor.
Quinlan ficou incrédulo.
– Os soldados dela dirigiram-se para o MacNare em vez de
voltarem para o barão? Estou atónito por tanta estupidez.
– Tomaram essa decisão com uma ajuda – explicou Alec. –
Devem conseguir imaginar o dilema do MacNare. Havia pelo menos
cem familiares e convidados à espera da cerimónia. Contava com o
aparecimento da noiva na véspera, e quando isso não aconteceu,
enviou mais soldados à procura, para que se apressasse.
Contaram-me que sofreu uma humilhação diante de toda a gente.
Raios, Quinlan, não te atrevas a rir-te da situação.
– Rio da humilhação do MacNare – admitiu Quinlan.
– Também eu – disse Connor.
– E eu – disse Crispin.
A lealdade mútua daqueles dois era absoluta. Os três eram irmãos
de alma, e embora Alec compreendesse o elo que os unia, sabia
que devia castigá-los pela atitude assumida; e contudo, criticá-los
por tirarem prazer do embaraço de MacNare faria dele um hipócrita.
Também se rira com gosto às custas do outro, mas não iria admiti-lo
ao irmão. Queria esmagar um pouco do antagonismo existente entre
Connor e MacNare, e não encorajá-lo.
– Compreendo os vossos sentimentos em relação ao MacNare.
Também não tenho apreço nenhum pelo homem, admito, mas ainda
não me convenceste que ele e o pai dele estiveram envolvidos na
morte do teu pai, Connor.
Levantou a mão para impedir que Crispin o interrompesse antes
de continuar.
– Devo lembrar-te que até me dares uma prova adequada, a
espada do Donald MacAlister continuará fixa na minha parede onde
a coloquei no dia em que apareceste aqui em casa, e nenhum de
vós matará o MacNare. Fui claro?
– Claríssimo – respondeu Connor. – És o meu Senhor e
respeitarei sempre os teus desejos.
– Isso podes crer.
Connor estava com dificuldade em manter a raiva controlada.
Embora pudesse ter dado a sua opinião sem restrições, discordar
do irmão diante de Quinlan e Crispin seria uma atitude errada, pois
minaria a posição de Alec.
– Ainda não acabaste de nos recordares dos nossos deveres com
a tua pessoa? – perguntou.
Alec lançou-lhe um olhar duro.
– Prometi-vos há muito tempo que não mataria o MacNare, pois,
como e quando, descobrires o suficiente para provar que é culpado,
esse direito vos pertenceria. Mas não prometi que te deixaria viver,
Connor. Não me irrites.
Alec aguardou que Connor anuísse antes de prosseguir.
– Deus encarregou-me da impossível tarefa de manter-vos vivos,
aos três, e eu aceitei a responsabilidade no instante em que vos fiz
entrar na minha casa. Estavam todos semimortos, e mantive a
minha esposa acordada e preocupada convosco durante uma
semana. Ainda não me esqueci do trabalho que deram.
– Eu lembro-me – disse Connor. – Disseste-me que não me
deixarias morrer.
Alec riu-se.
– E tu mandaste-me salvar os restantes – soltou um suspiro
demorado e dramático. – Desde então, tentas dar-me ordens. Não
te lembras que me fizeste prometer que o Quinlan e o Crispin
também não morreriam? Não, claro que não. Não posso desfazer o
teu passado, Connor, mas posso ajudar-te no presente. Trago
informação que pode ser útil. Um dos soldados ingleses disse ao
MacNare que a Brenna antecipava a tua vinda. Não é verdade, pois
não?
– Não, não é.
– E disseste que não a obrigaste.
– Não, não a obriguei.
– Deixaste de fora informação importante quando disseste que
tinhas casado com ela.
– Tal como? – perguntou Connor.
Alec não respondeu imediatamente à pergunta.
– Dois dos homens do MacNare partiram na companhia de três
soldados ingleses. Dirigem-se para as terras do barão
Haynesworth.
– Quem é o barão Haynesworth, Senhor Kincaid? – perguntou
Crispin.
– O pai da Brenna – respondeu este.
– Havia doze soldados na escolta da Senhora – disse Quinlan.
– Restam três. O MacNare não gosta de ouvir más noticias.
Considera o pai da Brenna responsável por ter educado uma filha
com manias de independência, e exige uma compensação imediata.
Não conheço o barão e portanto não sei prever como reagirá ao
saber que a sua aliança foi quebrada, mas sei o que eu faria se
esperasse que a minha filha casasse com um homem e ela
acabasse casada com outro. Iria atrás dela para ouvir a verdade da
sua boca.
– Por outras palavras, crês que o barão pode enviar para aqui as
suas tropas.
– É possível.
Connor encolheu os ombros.
– Se assim for, assim será.
– E o que farás, se o pai dela te desafiar?
– Ninguém a tira de mim. Ninguém – não levantou a voz, mas a
força incutida a cada palavra era igualmente nítida.
– E se tivesses de o matar? – perguntou Crispin numa voz
ligeiramente curiosa.
– A minha mulher ficaria provavelmente incomodada – disse
Connor.
– Provavelmente? – perguntou Alec. – Claro que ficaria
incomodada.
– Não deixaria a retaliação chegar a esse ponto. Mediria
primeiramente a reação do pai.
Alec anuiu, satisfeito por saber que o irmão não se precipitaria.
– Não vou referir o assunto à Brenna, pois não precisa de se
preocupar. Ainda que desconcertante, aprendi, ao observar a minha
esposa, que as mulheres são dadas a ficarem preocupadas por tudo
e por nada. A Jamie ficou bastante consternada quando soube o
que o MacNare fez ao cavalo da Brenna. A bem dizer, também
fiquei agoniado com aquele ato vil. Infelizmente, a Jamie pediu ao
Hugh que lhe contasse os detalhes.
– O senhor Hugh procurou-te? – perguntou Quinlan.
– Deve ter cavalgado durante a noite – comentou Crispin.
– Não, chegou ontem ao final do serão. Um dos meus sentinelas
anunciou-o. O Hugh apareceu bastante agitado, mas depois de
beber várias canecas de cerveja, acalmou-se por fim, e lá me
contou novidades interessantes. Como sabes, ele sempre resistiu a
uma união com o MacNare ou contigo. Há muito tempo, ele
abordou-me e pediu proteção, caso um de vós tentasse forçá-lo a
mudar de ideias. Garanti-lhe que o meu irmão jamais tomaria essa
atitude, e creio que o convenci. Não lhe podia dar a mesma garantia
no que tocava ao MacNare. O Hugh quer viver em paz. O avô e o
pai governaram também aquele pedacinho inútil de terra entre ti e o
teu inimigo, colocando-o numa posição complicada, pois não tem,
nem de perto, o número de soldados de vocês os dois. O Hugh
nunca ergueu a mão contra outro homem nem tratou ninguém
injustamente, e eu aceitei ajudá-lo. É um velho que não deseja o
mal a ninguém, Connor e não permitirei que o acossem.
– Eu ofereci-lhe a minha proteção, Alec.
– Eu sei, mas caso ele tivesse aceitado, os seguidores dele
seriam chacinados pelo MacNare, assim que virasses as costas. O
rei tem um apreço especial pelo velhote e também ficaria
desapontado se lhe acontecesse algum mal. Expliquei tudo isto ao
MacNare e disse-lhe, enquanto mediador do rei, que garantiria que
o Hugh se iria manter autónomo e intocável.
– E o MacNare tem-no pressionado?
– Sim – respondeu Alec. – O Hugh foi às terras do MacNare,
convidado para a celebração após o casamento, mas o velhote
chegou atrasado e presenciou os métodos nojentos do MacNare a
livrar-se de quem o irritava.
– Os soldados ingleses – foi Crispin quem salientou o óbvio. –
Mataram os nove homens da mesma forma que mataram o cavalo
da Senhora?
Alec fitou os olhos de Connor enquanto anuía devagar.
– É evidente que o Hugh ficou abalado pelo que viu. Espero que a
Brenna nunca saiba do que aconteceu aos soldados. Se Deus
quiser, jamais saberá.
O seu desejo acabou por não ser atendido, pois Brenna acabara
de escutar o que fora dito. Ela entrara pela porta dos fundos,
escutado a voz de Alec e imediatamente parara no corredor para
compor a sua figura antes de entrar e cumprimentá-lo. Não
tencionava escutar a conversa, até ouvir o nome dela. Manteve-se
deliberadamente quieta, porque queria perceber o motivo de ser
mencionada, sabendo que a conversa acabaria mal aparecesse.
Nem Connor nem Alec falavam em murmúrios, mas as vozes baixas
indicavam que o assunto era sério. Sabia que agia de forma
incorreta mas naquele instante não se importou.
Quase se denunciou quando Alec disse o que acontecera a nove
dos soldados do pai. Ficou tão agoniada com o horror da imagem na
sua mente, que se dobrou com dores no estômago. Rezar pelas
almas desses homens ajudou-a a recuperar um pouco do controlo, e
jurou que mais tarde, quando estivesse a sós no quarto, se
ajoelharia e pediria a Deus que os acolhesse. E no final, também
Lhe agradeceria por ter enviado Connor ao seu encontro. Se não
tivesse aparecido, agora seria esposa de Satã. O pensamento
enregelou-a a ponto de lhe dar agonias.
Impediu-se de gritar, concentrando-se apenas na conversa que
decorria no salão. Ficou atenta, prometendo a si mesma que
choraria o tempo necessário quando estivesse sozinha.
– Apesar de sobreviver durante tantos anos, o Hugh era
demasiado ingénuo – disse Alec. – Voltou para casa muito
perturbado, e na manhã seguinte, um dos homens informou-o que o
cavalo de Brenna fora despejado na fronteira com uma mensagem
do MacNare, pedindo que os restos fossem entregues a ti, Connor.
O Hugh convenceu-se que quererias ver a mensagem. Sabes que o
MacNare disse que se tratava de uma prenda?
– Sim – respondeu Connor.
– E depois o Hugh veio ter contigo diretamente – indicou Quinlan,
anuindo.
– Gostava de falar de outro assunto contigo, Connor. Não é tão
importante como o que temos discutido, mas não deixo de pensar
num comentário do Hugh.
– O que disse ele?
– O Hugh ouviu um dos soldados ingleses referir que a Brenna te
pediu em casamento quando ainda era criança. Não me contaste
essa parte, pois não? Agora, explica-me novamente de que modo
não desafiaste a minha ordem, de deixares o MacNare em paz.
Alec acabara de enfiar o punho no tampo da mesa quando Brenna
o saudou.
– Bom dia, Senhor Kincaid. Muito gosto em vê-lo novamente.
Rápido como um piscar de olhos, a expressão de Alec transitou de
um cenho carregado para um sorriso sincero. Quinlan e Crispin
ficaram aliviados por a verem. Dirigiu-se prontamente para Alec,
lançando um breve relance a Connor, que tinha um ar especulativo.
No seu entusiasmo, ela agarrou-lhe na mão para lhe indicar que
estava feliz por o ver, percebeu quase de imediato o engano e
largou-a.
Alec ficou espantado e contente pelo gesto de afeto. Pegou na
mão de Brenna.
– O prazer é todo meu, Brenna. Como te sentes hoje? –
perguntou, observando os pontos na testa.
– Muito bem, obrigada. E não devia? Está um dia tão bonito.
– Está a chover – lembrou-lhe Crispin.
– A chuva já parou – respondeu ela. – Volte a sentar-se, por favor.
Interrompi uma reunião importante? Se sim, peço desculpa. A Jamie
veio consigo, Senhor?
Alec largou-lhe a mão antes de responder.
– Ficou em casa.
– Lamento saber. Espero que possa acompanhá-lo na sua
próxima visita à nossa casa.
Depois de pedir pela segunda vez aos homens que se sentassem,
eles obedeceram. Ela aproximou-se de Connor, aguardou que ele
se acomodasse e pousou-lhe a mão no ombro. Não se destinava a
mostrar afeto mas lealdade pelo marido a Alec.
– A sua esposa encontra-se bem? – perguntou.
– Terei de assumir que sim – respondeu Alec, com os olhos
enternecidos pelas referencias a Jamie. – Ela agora não fala
comigo.
– Oh, céus – murmurou Brenna.
– A Jamie é tão casmurra como o marido – comentou Connor.
– É bem verdade, consegue sê-lo – admitiu Alec com um sorriso.
– Continua perturbada porque não a deixei sair, para cuidar da Mary
Kathleen. A minha filha está quase a dar à luz – explicou a Brenna.
– E porque esta criança será a sua primeira, a minha esposa julga
que estar presente aliviaria a provação.
– A Lady Kincaid tem fama de curandeira entre nós – informou
Quinlan.
– Senhor, não entendo porque não deixa a Jamie prestar
assistência à Mary Kathleen – indicou Brenna.
Connor ficou espantado porque a sua mulher acabara de pedir
explicações. Brenna não queria ser ousada mas apenas curiosa.
Mais tarde, explicaria ao irmão que ela não conseguia evitar estes
repentes, e decerto não tencionara questionar a decisão dele.
Mas Alec pareceu aceitar bem a pergunta.
– Foi precisamente o que a Jamie me perguntou. Não posso
afastar-me dos meus outros deveres e não permito que a minha
mulher vá sem mim. Claro que tentará desafiar as minhas ordens,
logo que perceba que não me demovo.
– A minha mulher jamais me desafiaria – anunciou Connor. –
Certo, Brenna?
– Estou certa que me deixarias ir – respondeu ela.
– Não, não deixaria.
– Então, para bem da nossa filha, estou certa que encontraria uma
forma de cumprir a minha obrigação sem te desafiar, Connor.
Alec ficou divertido com tanta convicção.
– És assim tão esperta?
– Gosto de pensar que sou, Senhor. Tendo vivido com mais sete
irmãos, aprendi que, ou era esperta ou nunca levaria a minha
avante. Julga que me gabo sem fundamento? – perguntou quando
Quinlan se riu. – Decidi casar-me com o Connor, e se pensarem
bem, agora sou esposa dele.
Todos se riram, menos Connor, que ficou exasperado.
A tensão suavizou-se e ela deixou-os prosseguirem a reunião,
mas quando ia pedir-lhes licença, Alec mudou de ideias.
– Conheci um amigo teu, Brenna. Ele ficou muito impressionado
contigo e considera-se teu defensor.
Quinlan sentiu-se insultado em nome de Connor, pois era um
insulto haver outro homem que se considerasse merecedor de
defender a sua Senhora.
– O protetor da Senhora é o marido dela, o Connor. Quem é este
homem que ousa desafiá-lo?
– Sim, o defensor da Senhora é o Connor – murmurou Crispin.
Brenna nem tentou disfarçar a sua vexação.
– Sou bem capaz de me tomar conta de mim mesma, obrigada –
mas os homens consideraram a sua opinião muito divertida. Ela
preferiu fingir que não se ofendera. – Quem é esse amigo?
– O padre Sinclair.
Quinlan ficou embaraçado.
– Se tivesse referido que era o padre, não teria considerado um
insulto, Senhor Kincaid.
Alec ignorou o soldado.
– Ele não se cansa de te elogiar, Brenna.
– E porque te procurou ele? – perguntou Connor.
– Recebeu ordens para substituir o Murdock. Claro que não
permitiria que ficasse, pois ainda estávamos de luto pelo falecimento
do homem. Ainda não lhe disse, pois tive pressa de partir, mas vou
garantir-lhe comida e cama até ao meu regresso, e depois mando-o
embora. É o mínimo que posso fazer – acrescentou com um
encolher de ombros.
– Como pode recusá-lo, Senhor? – perguntou ela.
Ele mostrou-se espantado com a pergunta.
– Não será difícil.
– Mas por que motivo quer mandá-lo embora?
– Motivo? Porque não o quero cá. A bem dizer, estou a ser
simpático. Ele não se sente à vontade comigo.
– Ele também fica nervoso na presença do Connor – comentou
Quinlan.
– Não acredito nos meus ouvidos – ela vociferou. – Os padres são
os homens mais poderosos das Terras Altas. Foi o que o Connor me
disse.
– Sim, desde que percebam o poder que têm – explicou Alec. –
Ele, tal como todos os outros padres, é protegido e deixado em paz.
– Então porquê mandá-lo embora?
– Porque não o quero cá – explicou Alec pela segunda vez.
– Eu quero o padre – soltou ela.
– Mas não o vais ter – retorquiu Connor.
– Queres mesmo um padre a viver aqui? – perguntou Alec.
– Não – respondeu Connor.
– Sim – disse Brenna ao mesmo tempo.
Alec sorriu.
– Concedo-te o desejo, Brenna. Enviarei o padre Sinclair.
– Alec – alertou Connor.
– Não posso negar isto à tua esposa – disse Alec.
Brenna fingiu não ter reparado no ar carrancudo do marido.
Agradeceu aos dois irmãos por lhe terem concedido o seu pedido e
apressou-se a sair antes que Connor resmungasse que, da parte
dele, não concedera nada.
– Podem retomar a vossa conversa importante – disse ela. – Com
as vossas permissões, vou tratar dos meus deveres.
– Não tens quaisquer deveres – disse Connor.
– Tenho sim – disse ela. – Tenho de encontrar o melhor lugar ali
fora.
– O melhor lugar, para quê? – perguntou o marido.
– A capela, obviamente. O padre precisará de uma capela.
Percebeu demasiado tarde que não devia ter ainda relevado o
plano. Connor ficou com vontade de esganá-los, a ela e ao irmão.
Não a impediria de avançar com a sua intenção, aliás, não voltou
a referi-la. Talvez não confiasse no controlo da voz, e oxalá, quando
a reunião chegasse ao fim, Connor já se tivesse esquecido do
assunto. Com sorte, a capela ficaria concluída antes de se recordar
novamente.
– Gostaste de exercer poder sobre mim, Alec?
O irmão sorriu.
– Imensamente.
– Podes partir, Brenna – disse-lhe Alec.
Brenna já se encontrava a meio do salão quando Alec lhe pediu
para parar.
– Foste uma criança esperta?
– Assim mo disseram.
– Eras criança quando pediste o meu irmão em casamento?
Ela entrelaçou as mãos enquanto fingia pensar no assunto.
– Não me lembro bem da idade que tinha.
– Adianta uma estimativa – ordenou ele.
– Era pouco mais velha do que a Grace. Creio que teria quase
cinco ou seis. Sim, foi com essa idade que pedi ao Connor pela
primeira vez para casar comigo, mas recorde-se que fiz três vezes o
pedido. Não sou apenas esperta, meu Senhor, mas também tenaz.
Admito que me intriga a sua curiosidade, pois creio que já tivemos
esta conversa quando fomos apresentados. Referi não ter sido
forçada. Estou feliz por estar casada com ele. Por que motivo não
estaria? Há muito que queria casar com ele. Céus, peço desculpa
pela minha falta de educação. Devia ter perguntado sobre o estado
de saúde da Grace.
– Ela está bem – respondeu Alec.
– Ontem passou por um grande susto, e espero que a menina não
tenha tido pesadelos. Sabe, é mesmo notável, agora que penso
nisto. Deus terá seguramente grandes planos para a vossa filha.
A curiosidade de Alec foi despertada. Era o que ela queria.
– Porque dizes isso?
– Porque sei – regozijou-se. – Deus garantiu que eu estava em
vossa casa para lhe acudir a tempo. Acredito que a Grace teria
sofrido lesões graves se não a tivesse agarrado. Ela caiu de cabeça
pelas escadas e teria partido o pescoço. Deve considerar uma tolice
pensar que Deus foi responsável, mas não deixo de acreditar nisso,
e acabo por perguntar-me o que aconteceria se eu tivesse casado
com o MacNare e não com o Connor. Hoje a Grace estaria de boa
saúde? Bem, eu não me calo, e vocês, cheios de assuntos para
tratarem. Considero assim plenamente exposto o contexto em que
pedi o seu irmão em casamento, e demais temas relacionados.
Ela fez uma vénia e afastou-se. Mas não resistiu soltar uma
derradeira observação, embora sem se incomodar em olhar para
trás.
– Deus escreve direito por linhas tortas. Eu jamais O questionaria.
Nenhum dos homens proferiu palavra depois de Lady Brenna se
ausentar, mas olharam para a entrada vazia, enquanto ponderavam
no que ela acabara de dizer.
Alec foi o primeiro a sorrir.
– A tua esposa acabou de colocar-me numa situação difícil, e
sabes que mais? Fê-lo de propósito. Quanto da nossa conversa terá
ela escutado?
Connor respondeu sem hesitar.
– Tudo.
– Ela não devia ter escutado.
– Pois não.
– Eu devia zangar-me com ela.
– Sim.
– Então porque me apetece tanto rir? Não discutiremos mais o teu
desafio, Connor, pois decidi aceitar a explicação da tua mulher.
Vocês foram claramente feitos um para o outro.
– Não te desafiei, Alec. Ordenaste-me que me deixasse de
incursões, e assim fiz. Não podes obrigar-me a manter a minha
palavra, agora que sabes o que aconteceu ao cavalo da Brenna.
– Claro que posso – contrapôs Alec. – Embora não o faça. Age
como quiseres para retribuíres, desde que equivalha ao que
aconteceu à égua.
Alec obteve a anuência do irmão antes de se ausentar.
– Casaste com uma mulher muito esperta. Não te esqueças
disso.
Connor não levou a sugestão a peito, e foi só mais tarde, quando
já não havia nada a fazer, que se arrependeu.
O erro havia de ser bastante penoso.
Capítulo 10

L ady Brenna não recebeu com bons modos a notícia de que fora
transferida para outro quarto. O marido nem se dignara avisá-la
atempadamente da decisão, e Quinlan desejou ardentemente que
tivesse caído sobre outro o desagradável dever de informá-la.
Desconfiando que ela ficaria magoada, tentara abordá-la a sós para
explicar, garantindo a privacidade caso a rapariga ficasse
humilhada, mas a preocupação dela sobre a roupa extraviada
estragou-lhe os planos, e portanto, ela soube da novidade na
presença da madrasta de Connor.
Lady Brenna não ficou zangada com a ordem de Connor...
mas sim, desconsolada. Quinlan ficou com pena da pobre Senhora,
obviamente e teve de recorrer a toda a sua disciplina para fingir não
reparar no seu incómodo. A atitude insensível do Senhor enfureceu-
o, a ponto de ponderar responder que preferiria a tortura do que
voltar a transmitir novidades tão dececionantes para a Lady Brenna.
A comiseração que Brenna encontrou no olhar dele aumentou a
humilhação causada. Euphemia desapareceu, desculpando-se
atenciosamente com a necessidade de passar pelos seus
aposentos. Brenna lá conseguiu, com esforço, recompor-se.
– Posso trazer-lhe alguma coisa, Lady MacAlister?
Ela assumiu que Euphemia não a escutara, pois não lhe
respondera de imediato, e portanto virou-se novamente para
Quinlan.
– Obrigado pela explicação.
Ansioso por encontrar uma forma de animá-la, ele despejou o
primeiro pensamento animado que lhe ocorreu.
– Como viu, Senhora os seus pertences não foram largados no
lixo, como temia. Espero que fique aliviada.
– Sim, claro que estou aliviada. O Connor explicou porque motivo
me transferiu de quarto?
– Não, senhora, não explicou.
– Onde se encontra agora?
– Foi caçar com o irmão.
– Há quanto tempo partiram?
– Os dois saíram do salão há coisa de um minuto.
– Então ainda conseguirei apanhá-lo?
– Se se apressar.
Ela correu para a porta, tentando abri-la, mas pesava demasiado
para conseguir sequer arredar pé sem ajuda de Quinlan, pelo que
este também correu a prestá-la.
Quinlan seguiu-a escadas abaixo, mas não a acompanhou pelo
pátio, assumindo que ela tentaria convencer o marido a mudar de
ideias.
Mas estava errado, pois Brenna não tinha qualquer intenção de
pedir ao marido que ficasse. Ia simplesmente manifestar-lhe o que
pensava a respeito daquela decisão. Correu até às cavalarias,
saudando:
– Bom dia, minhas senhoras – passando a correr pelas mães que
traziam os filhos a passear.
Avançou a um ritmo de cortar a respiração, e quando viu Alec em
cima do cavalo no fundo do monte, acenou-lhe, sem fôlego para o
chamar.
O interior das cavalariças estava mergulhado nas sombras.
Obrigou-se a fazer um sorriso ao ver o marido. Connor encontrava-
se junto ao cavalo que escolhera naquela manhã, ajustando as
rédeas ao seu gosto, enquanto o estribeiro tentava acalmar o
garanhão que o Senhor normalmente escolhia. O cavalo era
barulhento, enfiando os cascos contra o fundo da baia, que acabaria
por partir se não fosse refreado, mas o marido não se mostrava
disposto a resolver o assunto.
Brenna avançou lentamente, mantendo-se de propósito no
caminho da saída para não o deixar partir sem passar por ela.
– Posso ter um momento do seu tempo, senhor? – perguntou num
tom de voz tão doce como melaço e com um sorriso a condizer.
Ele nem sequer olhou para ela quando respondeu.
– Não pode esperar pelo meu regresso?
– Não creio. Voltará antes de anoitecer?
– Não.
Foi difícil continuar a sorrir, mas o estribeiro fitava-a com atenção
e ela não permitiria que lhe adivinhassem os pensamentos. Nem
sequer queria que Connor os conhecesse, até estar disposto a ouvi-
la sem distrações.
Não queria que ele perdesse pitada da conversa.
– Davis, qual é o problema com o meu garanhão? – perguntou
ele.
– Não sei o que se passa com ele. Estava calmo até o Senhor
aparecer.
– Parece-me perturbado – exclamou ela.
– Já notámos que está perturbado, Brenna.
Ela retesou-se perante a atitude condescendente.
– Sim, claro que já notaste – concordou dela. – Está perturbado
porque não lhe prestas atenção – uma reação, acrescentou sem
dizer, que também ela sentia naquele instante. – O teu garanhão
não quer ficar esquecido. Se te dirigires à baia do cavalo e lhe
pegares nas rédeas, seguramente que se acalma.
– Ficaria muito curioso em perceber se isso funciona, meu Senhor
– confessou Davis, lançando um sorriso a Brenna. – A Senhora
pode ter razão.
– Conto ter – respondeu ela num tom pouco agradável que quase
ficou agoniada.
– Brenna, estás a ficar doente? – perguntou Connor. – A tua voz
parece estranha.
– Estou bem, Connor, mas agradeço a preocupação.
O rosto dela começava a doer-lhe do esforço de manter o sorriso.
A sua única consolação estava em saber que, dali a minutos, valeria
a pena.
– Não tenho tempo para esta parvoíce – murmurou o marido dela,
embora fosse fanfarronice da sua parte, pois acabou por seguir a
sugestão dela, e tal como a rapariga tinha previsto, o garanhão
prontamente parou de se remexer e avançou, para dar um
encontrão na mão de Connor e receber um afago.
– Tens de levá-lo – disse ela. – Senão, vai sentir-se rejeitado
– Precisa de descansar. Além disso, os cavalos não têm
sentimentos.
Era mesmo necessário contrariá-la constantemente? Brenna
começou a rezar, para não desatar aos berros.
Connor substituiu os freios do suporte, indicou a Davis que
levasse o cavalo escolhido para o exterior, recostou-se contra a
baia, cruzou os braços ao peito e por fim dignou-se a dar-lhe
atenção.
Não disse uma única palavra até Davis sair da cavalariça.
– Que queres tu? – perguntou ele, sem paciência nenhuma.
– Não percebi porque não te despediste de mim. Tencionavas
fazê-lo?
O tremor na voz dela foi o primeiro indício de que ficara
incomodada. Ele julgou saber a razão. Ela esperava dele uma
desculpa, naquela manhã, e não a tendo recebido, porque era uma
mulher inteligente, já entendera que nunca a receberia. A conclusão
dela era correta, obviamente, pois ele não tinha ainda intenções de
pedir desculpas pela forma como a atacara selvaticamente na noite
passada. Transferi-la para outro quarto foi a sua forma de se
desculpar. Uma esposa esperta perceberia isso de imediato,
sentindo-se agradecida e aliviada.
Brenna não mostrava indícios destes sentimentos, e portanto,
pensou ele, ainda não fora informada do seu gesto magnânimo. Ele
não tinha tempo para lhe explicar, pois Alec aguardava por si. Se ela
queria uma explicação, ficava para o seu regresso, e então seria
obrigado a fazer-lhe a vontade.
– Não costumo despedir-me antes de partir.
– Mas agora és um homem casado e tens de te despedir sempre
da tua mulher.
– Mais alguma lição que me queiras ensinar?
– Tencionas regressar?
– É a minha casa, Brenna. Claro que tenciono regressar. Foi por
isto que me impediste de sair?
– Não, queria falar contigo de outro assunto. Agradecia que não
interrompesses até terminar.
– Podes dizê-lo, de uma vez por todas? – pediu, exasperado.
Ela rangeu os dentes, reagindo ao tom de voz «pára-de-me-
chatear».
– Só agora descobri que me tinhas mudado para ouro quarto, e
julguei que querias saber a minha opinião sobre o assunto. Mas
primeiro, preciso que me autorizes para falar sem reservas.
– Não tens de me pedir autorização para isso. Diz o que queres,
mas despacha-te.
– Sim, vou despachar-me – prometeu ela num murmúrio
roufenho.
– Não podes esperar pelo meu regresso para agradeceres? Que
se passa com a tua pálpebra? Está a contorcer-se.
Preferiu ignorar o marido por um instante. Espreitou por cima do
ombro uma última vez, medindo a distância para a entrada e a
segurança, viu que a entrada ficava mesmo atrás de si e inspirou
profundamente, pensando agora-é-que-vais-apanhar. Porque teria
de correr a toda a velocidade, apanhou a bainha das saias,
preparando-se, e só então dedicou ao marido toda a sua atenção…
e ira.
Já não sorria.
– Não tenho qualquer intenção de te agradecer, Connor. Mas
tenciono dizer-te o que penso da tua decisão de me transferires
para outro quarto. És mais do que desprezível. És um porco vil,
desprezível, arrogante, insensível e mau. Porque me magoas assim
de propósito? Depois da noite cheia de paixão e satisfação,
humilhares-me desta forma faz-me pensar que terei casado com um
bode. Bem, agora fizeste das boas, pois não vou esquecer este
insulto. Magoaste-me novamente e jamais o esquecerei.
Devia ter parado enquanto estava a ganhar. Pelo menos, devia ter
parado de o insultar mal notou a reação dele quando o chamou de
porco. Ele cerrara os dentes, um claro indicio de que não estava a
gostar dos comentários dela. Não se recordava dos outros nomes
que lhe terá chamado, pois quando começava, não conseguia calar-
se, embora estivesse quase convencida de que o chamara de rabo
de asno. A mágoa que ele lhe causara fê-la atacá-lo com raiva, e
embora fosse infantil da sua parte rebaixar-se ao nível dele, não se
envergonhava a ponto de parar.
Mas arrependimentos não a ajudariam em nada, e só a distância
lhe garantiria que viveria mais um dia completo, pois a vista de
Connor esbugalhara-se de incredulidade – sem mencionar o
«porco» que despoletara a reação – antes de se semicerrar com
fúria latente.
Ele nem sequer lhe deu uma vantagem. Brenna olhou em volta,
descobrindo que alguém se aproximara sorrateiramente pelas
costas e fechara as portas da cavalariça, estragando-lhe a
oportunidade. Largou as saias para conseguir abrir as portas, e a
seguir Connor agarrou-lhe pela mão e puxou-a para si. Não
entendia como a alcançara tão rapidamente. Num segundo,
encontrava-se ao lado da baia, como se estivesse amarrado, e logo
a seguir, arrastava-a atrás de si para o fundo das cavalariças.
Ela soltou um pedido sentido:
– Céus, tem dó.
– Se tens de rezar em voz alta, fá-lo numa só língua. Deus prefere
o gaélico.
Brenna percebeu que o marido não apreciou o fungar de
descrença que ela fez em resposta, pois apertou-lhe a mão com
mais força, arrastando-a para uma baia vazia na esquina das
restantes e fechando a porta atrás de si.
Ela não procurou escapar até ver o olhar dele. Parou, encostada
contra a parede. Devia parecer uma cobarde, pensou de imediato.
Nem sequer conseguia descolar-se da parede, mas lá conseguiu
entrelaçar os dedos e apresentar um ar sereno, enquanto
aguardava a reprimenda. Teria sido preferível fugir, mas ele
bloqueava a única saída.
Connor, entretanto, parecia ter-se acalmado. Mas ela não se
deixou enganar. Antes de deixá-la partir, levaria a sua avante. Ela
tinha mesmo de encontrar forças. O marido estava furioso, sem
sombra de dúvidas, mas mesmo naquele estado, não tocava nela.
Usaria palavras para a magoar, as quais, naquele instante,
revelavam-se ser ameaças igualmente terríveis.
– Importas-te de repetir o que me disseste? – disse ele de forma
arrastada num tom, enganadoramente calmo.
– Não, obrigada.
– Mas, Brenna, eu insisto. Quero ouvir novamente todas essas
palavras – fazendo-a saber que estava disposto a aguardar,
independentemente de quanto tempo levasse, encostado à baia e
passando um braço sobre a porta.
Ela não apreciou aquela intimidação, embora, dadas as
circunstâncias, fosse o menor dos seus problemas, e nem podia
realmente culpá-lo por se zangar com ela após as coisas
imperdoáveis que lhe chamara. Mas não tencionava pedir perdão;
pois embora não acreditasse na sua total frieza, Connor magoara-a
profundamente.
– Receio não poder satisfazer-te, pois esqueci quase tudo o que
disse. Lembro-me de referir que me desiludiste – acrescentou, com
um aceno para demonstrar sinceridade.
Ele não acreditou.
– Pois eu lembro-me que me chamaste de porco.
– Lembras-te?
– Sabes muito bem que me lembro. Chamaste-me de porco em
duas línguas.
– Chamei-te?
– Chamaste.
– Devo ter dito coisas sem pensar. Sim, é bem possível que isso
tenha acontecido.
– Estavas zangada.
– Autorizaste-me a falar sem reservas.
O tom de voz dele acutilou-se.
– Mas não a insultares-me. Não voltarás a falar comigo assim,
está bem?
– Vais voltar a magoar-me?
– Não é uma negociação, mulher.
Ela retraiu-se perante a fúria dele, tentando depois pensar numa
possível resposta para o apaziguar mas que não fosse mentira
descarada.
– Se me lembrasse de tudo o que disse, quereria retirar muito do
que…
Ele interrompeu-a.
– Lembro-me de tudo. Em que língua queres que repita as frases?
Na tua ou na minha? Não te ficaste apenas por uma, quando me
pregavas o sermão.
– A sério que não quero ouvir…
Parou de protestar com a sua récita, retraindo-se quando ele
repetiu ceras palavras como «porco», «bode» e «rabo de asno» e
quando terminou, ela baixou a cabeça de vergonha e embaraço.
– Não devia ter-te dito essas coisas.
– Não devias.
– Porque me expulsaste da tua cama?
– Querias ficar comigo depois do que te fiz ontem à noite?
– Porque não havia de querer?
– Podes parar de responder às minhas perguntas com outras
perguntas?
– Sim, quero ficar – exclamou. – Sou a tua mulher, não uma das
tuas seguidoras dos acampamentos.
– Magoei-te – ficou furioso consigo mesmo, novamente,
recordando-se de perder o controlo.
– Sim, magoaste-me. Já te disse várias vezes. Nunca me ouves?
Sei que a tua memória é forte porque repetiste todos os insultos que
te disse. Não havia de sentir-me magoada? Só então percebi o
quanto…
– O quanto o quê?
Ela abanou a cabeça. Não estava preparada para admitir que
começava a gostar dele, pelo que trocou aquele comentário por
outro quase exprimido.
– Fiquei humilhada por que foi o Quinlan quem me informou da tua
decisão.
– A que te referes? – perguntou ele, frustrado.
As mãos dela, caídas, fecharam-se em punhos. Que atrevimento o
dele, fingir que não compreendia. Julgaria que era ingénua e que se
deixaria enganar com tanta facilidade? Ou teria tão pouca
importância para ele que até se esquecera do seu ato?
– Queres provocar-me de propósito? Ah, agora sei a verdade. Já
percebeste que me apaixonei por ti e tentas impedir-me com
atitudes que me magoam. Mas não funciona. Seja lá como for, hei
de fazer com que gostes de mim. Sim, farei, a não ser que a tua
atitude fria me mate primeiro. É justo, Connor. Se vou ter uma vida
triste, Connor, também tu terás, juro por Deus. Não sou uma megera
qualquer, e não serei tratada como tal. A minha mãe choraria um
mês inteiro se lhe contassem a minha humilhação. Nem sequer te
dignaste a informar-me; foi o Quinlan quem o fez, e agora vais partir
e nem sequer me avisaste. Queria pedir que me gravassem um
novo medalhão para tu usares, para teres uma forma de me
avisares se corresses perigo. Mas tu nem sequer o usarias, pois
não? E tudo isto porque se enfiou na tua cabeça casmurra que
precisares de mim representaria um insulto. Sim, não me esqueço
do que disseste, quando te mostrei o meu medalhão e contei a
tradição da minha família. Ordenaste-me que o deitasse fora, pois
era um insulto para ti, e o que me condói é que deixaste bem claro
que tudo o que é importante para mim nada significa para ti.
Jurou calar-se de imediato, mas contradisse-se ao fim de dez
segundos, ou menos.
– Só tenho mais isto para dizer antes de voltar para o salão e fingir
que não te conheço. Os maridos despedem-se das esposas antes
de partirem, com beijos decentes.
Só quando sentiu as lágrimas no rosto é que percebeu que
chorava. Agoniava-a tanta falta de controlo, pois além da vergonha
pelas coisas horríveis que chamou ao marido – e Deus a perdoe,
chamara-o de porco –, desatara a chorar diante dele.
Como podia convencê-lo a gostar dela se agia como uma víbora
num minuto e uma fraca no minuto seguinte? Claro que não podia, e
já fizera estragos suficientes. Agora nada voltaria a estar bem.
Nada.
O berro de Alec salvou-a de mais desonra – se tal fosse possível.
O irmão mais velho dele cansara-se de esperar e ordenava que
Connor se despachasse.
– Retive-te demasiado tempo – murmurou ela.
Ele nem concordou nem discordou. Aliás, não disse
absolutamente nada. Também não partiu; ficou apenas ali, fitando-a.
A expressão dele fê-la pensar que lhe teriam nascido cornos
vermelhos do diabo na cabeça e que ele não sabia como reagir.
Santo Deus, Connor estava em transe. Procurou recordar todas as
palavras que lhe dissera. Sabia que se entusiasmara, mas estava
convicta, bem, praticamente convicta que não o chamara
novamente de porco nem bode. Teria sido algo mais ofensivo?
Desejava fortemente que não, mas se assim fosse, Deus ajudasse
os três irmãos, Gillian e William e Arthur, pois era culpa deles, e
quando os encontrasse novamente, iria pregar-lhes um sermão por
terem usado aquele tipo de linguagem diante de si. Faziam-no de
propósito, obviamente, e para seu divertimento, pois sabiam que era
novinha para entender, mas suficientemente crescida para repetir o
que ouvia. Enlouquecia, consternada com a sua possível
transgressão.
– Connor, se te disse alguma coisa obscena, terá saído do fundo
da minha mente onde ficou guardada dos tempos em que era
menina e os meus irmãos mais velhos… – calou-se assim que
percebeu que divagava e desistiu de tentar apaziguá-lo. – Porque
não partes? Parece que queres dar-me um murro, e se for essa a
tua vontade, por favor despacha-te. A espera faz de mim uma
imbecil.
– Não te lembras do que disseste?
A pergunta fê-la sentir-se pior.
– Lembro-me de coisas que disse, mas não de tudo. Sei que não
devia deixar que a raiva controlasse as minhas palavras, mas
aconteceu. Assume que eu disse coisas que não devia ter dito. Será
que disse?
Céus, que grande eufemismo. Desde que entrara nas cavalariças
e abrira a boca, só dissera inconveniências.
– Tenho de ir.
– Sim – concordou ela, com um suspiro de alívio muito sentido.
Após abrir os portões, ele indicou-lhe que avançasse à sua frente.
Sentiu o olhar dele pousado em si ao passar pelo homem, mas
manteve a cabeça baixa, deliberadamente, para não encontrar a
raiva que, desconfiava, arderia naqueles olhos. E a sua prudência.
O que ela deixara escapar no auge da discussão despertara aquela
reação especifica.
Ela não quis assistir à partida do marido, sabendo que perderia os
poucos fiapos de domínio que ainda tinha e choraria como uma
pecadora. Que bela forma de Connor se lembrar da esposa!
– Adeus – murmurou, detendo-se no centro das cavalariças. –
Deus te proteja.
Ele não tinha palavras de despedida para lhe deixar. Limitou-se a
passar por ela e ir-se embora. Espreitou uma vez por cima do
ombro, com uma expressão desconfiada. Percebera a sua condição
destroçada, talvez satisfeito por ser a causa de tanta tristeza
E então partiu. Ela permaneceu nas cavalariças enquanto ouvia o
ranger da ponte levadiça a descer. Seguiu-se o ruído estridente de
espadas a chorarem contra bainhas metálicas e cavalos a trote,
transpondo o passadiço de madeira. Imaginou o marido na frente,
ao lado do irmão, repleto de sorrisos e gargalhadas, embrenhado
em conversas mais agradáveis do que uma mulher chata e que
nunca sabia ficar calada.
Um minuto e uma prece, Deus, cuidai dele por favor enquanto
estiver longe de mim depois, verificando que não restavam lágrimas
coladas aos cantos dos olhos, Brenna estampou um sorriso no rosto
e saiu. Tentou mostrar um ar apressado, para que não a
interrompessem.
Estava já na suave encosta, a caminho do pátio, quando ouviu um
som de trovão atrás de si. Olhou para o céu, apressando o passo
em jeito de instinto, mas abrandou quase imediatamente porque não
viu nuvens escuras no alto.
Estava demasiado angustiada para prestar realmente atenção ao
que acontecia à sua volta, pois percebeu que acabara de arrasar a
sua hipótese de uma vida eternamente feliz com um marido que a
amava e adorava, e como conseguiria ela pensar, ou preocupar-se,
com outras coisas?
Os soldados berraram-lhe um aviso para se afastar do caminho,
enquanto aqueles que seguiam à frente se apressavam a desviar-se
por iniciativa própria. O trovão crescia atrás de si, agora mais perto
do chão, mais próximo. Se não soubesse que era uma
impossibilidade, teria imaginado o solo tremer sob os seus pés.
Brenna presumiu que os cavalos se tinham soltado do controlo de
Davis e galopavam descontrolados. Correu para o grupo de
pinheiros para se por a salvo, e mesmo a tempo, pois os animais
desenfreados estavam quase em cima dela.
Não alcançou o seu objetivo. Foi apanhada de surpresa e soltou
realmente um grito de espanto ao sentir que subia no ar.
Era Connor. Inclinou-se, agarrou com força a cintura da rapariga e
levantou-a para o seu colo sem abrandar a passada do cavalo.
Pregou-lhe um valente susto.
Ouviu-a gritar de pânico ao erguê-la do chão, mas no preciso
instante em que Brenna recuperou a compostura, Connor percebeu.
Foi quando pousou no colo dele e ela viu que se encontrava nos
seus braços. O medo esfumou-se. Nem sequer se apoiou nele. Com
os braços caídos, inclinou-se para trás, um olhar descuidado no
rosto tão encantador como a sua inocência. A mão dele apoiava-lhe
as costas. Se aliviasse o suporte, ela cairia no chão. A confiança
nele era absoluta, entregara a sua segurança ao cuidado do
marido.
A rapariga desinibida não quis saber. Arqueou-se para trás,
ergueu os braços e esticou-os o mais que pode. Com as palmas das
mãos viradas para o sol, atirou a cabeça para trás e fechou os
olhos, numa entrega sublime.
Connor ficou atónito. Ansiava por um abandono assim, tirar prazer
de cada instante vivido. Observando-a, sentiu a satisfação insurgir-
se dentro de si, apanhando-o de surpresa. Oh, como ela lhe dava
prazer. Abrandou o cavalo para um passo calmo e parou finalmente
no cimo da encosta.
Suavizando o aperto do braço à volta da cintura de Brenna,
Connor aguardou pela sua total atenção.
A esposa envolveu-lhe o pescoço com os braços, aninhando-se
contra ele. Murmurou o nome do marido, depositou um beijo na
base da garganta, lábios tão macios e doces como as asas de uma
borboleta. Ele ficou abalado por esta mostra de afeto. Desapareceu-
lhe o sorriso, e protegeu os pensamentos com uma expressão
resguardada, ao fitar aqueles encantadores olhos azuis.
Passou um minuto completo sem trocarem palavras. Irradiava dos
dois uma tensão e antecipação. O olhar dele desceu para a boca
dela, ali permanecendo enquanto lhe murmurava uma despedida. E
depois cingiu-a contra si, inclinou-lhe a cabeça para trás, beijando-a
demorada e intensamente. Um beijo para ficar na memória dela –
era a sua intenção – e que ele também não esquecesse. Como
fazer amor com aquela boca, revelando-lhe com a sua paixão que a
perdoara, e com o toque gentil que também precisava do perdão
dela.
Connor teve de recorrer a uma considerável disciplina para se
recordar que Alec estava à sua espera. Levantou a cabeça,
percebendo que se juntara público, interessado no comportamento
assombroso do Senhor deles.
Ninguém o vira antes exibir tanto afeto descarado. A maior parte
dos homens mostrava uma estupefação com o chefe, embora todas
as mulheres, à exceção de uma, se mostrassem deliciadas, porque
ele agia como um marido. A sua ação certamente mudaria as
atitudes dos esposos. Se o Senhor dava um beijo de despedida à
mulher, os homens casados a seu mando deviam seguramente
seguir-lhe o exemplo.
O olhar de Connor percorreu o público, e quando notou que
Donald e restantes soldados do grupo de caça já tinham voltado e
encaravam-nos com ridículas expressões de incredulidade, decidiu
que chegara a hora de apresentar Brenna ao clã.
Pediu silêncio, esticando a mão.
– A Lady MacAlister é a vossa Senhora. Irão acolhê-la nos vossos
corações, protegê-la com as vossas vidas e servi-la como me haveis
servido, pois é a minha esposa.
Baixou a mão, anuiu com satisfação os vivas de aceitação que
ecoaram da multidão e ajudou Brenna a descer do cavalo.
O beijo deixou a rapariga atordoada. Cambaleou para trás, e teria
caído se as mulheres não a amparassem.
Connor deixou que o visse partir, e parou apenas outra vez, para
se dirigir a Quinlan, que aguardava por ele ao lado das cavalariças,
sorrindo como um lunático.
Brenna não parava de suspirar. Pela primeira vez há muito tempo,
sentia-se contente.
Afinal, tudo acabaria bem.
Capítulo 11

A vida tornou-se um pesadelo acordado para Lady Brenna, e tudo


começou, tal como terminou, com Raen.
O menino dos olhos de Euphemia chegou ao forte, poucas horas
depois de Connor ter partido com Alec numa caçada.
Por se encontrar nas cozinhas, Brenna não ouviu a ponte levadiça
descer, sendo portanto a última pessoa a receber a notícia da
chegada de Raen.
Enquanto os criados andavam à sua procura, Brenna estava
sentada na mesa da cozinha com Ada, tentando comunicar.
Decidida a fazer da primeira refeição que partilhava com a madrasta
uma perfeição igual à dos manjares festivos preparados pela mãe,
Brenna passara meia hora, ou mais, a explicar – ou melhor, a tentar
explicar – o que devia ser servido e em que sequência. Tentava
impressionar Euphemia para que a mulher não duvidasse de modo
algum que Connor escolhera uma boa esposa. A discussão sobre o
menu foi árdua, pois, embora o sorriso da idosa mostrasse a
vontade de ser prestável, era visível que não compreendia mais do
que uma ou duas palavras das indicações de Lady Brenna, e se
Netta não tivesse aparecido, sabe Deus o que acabaria por
aparecer na mesa. Netta traduziu o gaélico de Brenna num dialeto
retorcido que só ela e Ada e Deus conseguiam entender.
Netta era obviamente um tesouro. Embora a criada fosse apenas
alguns anos mais velha que Brenna e tivesse servido na casa dos
MacAlister durante um curto ano, vivia nas terras deles há quase
tanto tempo que Connor e, conhecia tudo o que se passava nas
redondezas. E mais importante ainda era o facto de Netta saber
onde adquirir os artigos de que a sua Senhora necessitava.
Mal Brenna explicara as suas ideias para tornar o grande salão
mais acolhedor para os convidados em geral, e para o marido em
particular, a criada rogou para ficar com a organização dos criados
da casa e disponibilizou-se para passar a tarde a atar molhos de
juncos. Prometeu que o chão ficaria limpo e salpicado de juncos a
meio da manhã do dia seguinte.
– Preferia que os reservássemos até termos terminado de cozer
os almofadões para os bancos e reunido mais umas coisinhas do
salão. Quando tudo estiver pronto, realizamos as alterações de uma
só vez.
Quer Netta quer Ada ficaram logo arrebatadas pelo entusiasmo da
Senhora. Netta despejava sugestões.
– No que toca às cadeiras que pretende, Senhora, sei de fonte
segura que há duas bonitas e altas, próximas do tamanho preferido
que o Senhor prefere usar à mesa. Encontram-se na casa do
curtidor, tapadas – acrescentou. – O Lothar é famoso por trazer isto
e aquilo de casas desabitadas, embora espere um período de tempo
razoável, para não ser chamado de ladrão. Mas não tem uso para
as cadeiras, foi o que me disse, e ameaçou usá-las como lenha para
arranjar espaço. Ele terá o maior gosto e honra em oferecê-las, e
talvez possua outras coisas de que a Senhora precise. Mas aviso
desde já. O Lothar gosta de falar, e não vale a pena sequer referir
que está com pressa. Não ligará a isso, pois está sozinho desde que
a mulher faleceu, e gosta de companhia.
– Terei todo o gosto de fazer-lhe companhia durante o tempo que
lhe apetecer – indicou Brenna.
Entusiasmada com a notícia de poder realizar o plano para o salão
antes do previsto, pediu a Netta que lhe mostrasse a localização da
casa de Lothar, mas a criada lembrou-se então do principal motivo
pelo qual procurara a sua Senhora e despachou-se a dar-lhe a
novidade.
– O filho da Lady Euphemia já chegou.
O anuncio fez a Senhora sobressaltar-se e acorrer para a porta.
Se Ada não tivesse dado uma cotovelada a Netta, esta esqueceria
de colocar a pergunta que a amiga lhe pedira para fazer.
– Minha Senhora, tem mais um minuto, para tranquilizar a Ada?
Brenna parou à porta.
– A Ada julga que pensa substituí-la por causa do problema em
compreendê-la. Ela anda muito preo… – a criada interrompeu-se
quando Lady Brenna regressou apressada para junto da cozinheira
e lhe pegou na mão.
– Serás senhora das cozinhas durante o tempo que quiseres, Ada
– prometeu-lhe, e aguardou que Netta transmitisse a sua promessa,
antes de continuar. – Eu é que sou incapaz de me fazer entender,
mas se tiveres paciência comigo, acredito que melhorarei.
Convencida que a Senhora a manteria no cargo importante, Ada
apertou a mão de Brenna para lhe comunicar a sua gratidão e
abanou a cabeça para cima e para baixo, em sinal de entendimento.
Enxugou os cantos dos olhos com o pano que Netta lhe entregara
quando a Senhora saiu da cozinha.
Lá fora, nuvens cinzentas e pesadas escureciam o céu, uma visão
indesejável para Brenna, habituada a ficar retida em casa pela
família, sempre que caiam pingos de chuva. Teria sorte se
alcançasse a porta dos fundos antes de começar a chover a sério.
Tentou não fazer ruído ao fechar a porta com cuidado atrás de si.
Não queria perturbar a reunião entre mãe e filho, e considerou que
devia esperar junto à porta do salão até sentir um apaziguamento
satisfatório na conversa, e só depois entraria na divisão. Queria
apresentar-se rapidamente, garantir que Euphemia e Raen estavam
ambos confortáveis e tinham tudo ao seu dispor, e depois voltar a
sair, dando-lhes espaço para porem a conversa em dia.
Ouviu os comentários sussurrados de Euphemia e assumiu que se
dirigia a Raen.
– Não sei se o Connor casou bem ou não. A Brenna é bonitinha,
mas ainda é muito jovem e não deve conhecer o que é preciso para
gerir uma casa. Tem muita vontade de agradar, e pelo que vi,
tornou-se entretanto leal ao Connor. É uma pena que não tenha
uma mulher mais velha que a ensine, mas, por outro lado, daqui a
pouco tempo, que diferença fará? Só pode haver uma única
Senhora nesta local.
– Bonitinha, foi o que disse? Descreva-a – insistiu Raen.
– Por amor de Deus, colocas cada pergunta irrelevante –
admoestou Euphemia. – Faz o que tens a fazer com as seguidoras
do acampamento mas não te ponhas a desejar as mulheres dos
outros. Não aprendeste nada nos últimos anos? Ainda pões tudo a
perder se…
– Acalme-se, mãe – ordenou Raen, a voz ríspida de irritação. – Só
fiquei curioso. Sinto-me insultado por insinuar que eu pensaria em
deitar-me com uma mulher casada.
– Já o fizestes, Raen – lembrou-lhe ela. – E várias vezes, se bem
me lembro.
– Era novo e insensato – disse ele. – O Connor deve gostar muito
da mulher. Ele parece feliz?
– Pelo que vi, diria que Connor é bastante infeliz. Não passei
tempo suficiente com ela para perceber o que sente por ele.
– Se ela lhe dá prazer na cama, que mais pode ele querer? A mim
pouco interessariam outras capacidades numa esposa.
– Só queres saber do sexo?
– Aos homens pouco mais interessa. Eu não sou diferente, mãe,
escusa de fazer esse ar de desagrado.
– Claro que não sei, mas diria que ela também não lhe deve dar
grande prazer na cama. Afinal, ele tirou-a do quarto dele e mudou-a
para outro, hoje pela manhã. Ela terá falado com ele, para lhe
suplicar, ou talvez para lhe lembrar que, sem irem para a cama, não
lhe poderá dar um herdeiro.
– E convenceu-o?
– Sim – respondeu Euphemia. – Há coisa de uma hora, vi um dos
homens dele voltar a trazer a roupa dela para os aposentos do
Connor.
– Pela sua descrição, ele deve andar tristíssimo – comentou Raen
com uma gargalhada.
– Acredito que esteja – disse a mãe com convicção. – Não tenho
pena dele, obviamente. Casou com ela por despeito e só pode
culpar-se a si mesmo. Sabes que nem sequer roubou a mulher que
perseguiu?
– Que parvoíce é essa?
– É verdade. O pai da Brenna prometeu uma filha ao MacNare e
enviou-lhe outra.
– É mesmo à inglesa – murmurou Raen, a voz cáustica como
soda.
Brenna sentiu o rosto arder, perturbada pela conversa sobre a
satisfação física de Connor a seu respeito – ou melhor afirmando,
insatisfação. Os assuntos íntimos entre marido e mulher nunca
deviam ser tema de discussão alheia. Mas os parentes de Connor
não teriam educação nenhuma por viverem no Norte?
O embaraço dela ainda cresceu, o que podia ser uma
impossibilidade, quando Euphemia referiu logo a seguir que Connor
nem capturara sequer a mulher pretendida.
A madrasta enganara-se redondamente. Connor não visou a irmã
oferecida especificamente a MacNare; apenas quis roubar a noiva
ao homem e foi exatamente o que fez. Mas como descobrira
Euphemia o ato do pai de Brenna? Parecia perfeitamente plausível
à rapariga que a madrasta conhecesse bem o feudo existente entre
MacNares e MacAlisters – uma história contada pelo povo das
Terras Altas – e igualmente plausível que ela tivesse ouvido por
terceiros que MacNare tencionava casar com uma inglesa.
Menos plausível seria ter descoberto que a irmã prometida não
fora a enviada, a não ser que Connor lhe tivesse contado.
E porque o faria? Não era dele contar às pessoas os seus planos,
exceto a Alec e aos amigos chegados, Crispin e Quinlan,
obviamente, mas eram como ele. Não teriam contado a Euphemia
nenhum detalhe relevante.
Ela recostou-se contra a porta enquanto procurava encontrar uma
explicação razoável. Sentia-se humilhada e inútil, mas afinal, não
tinha razão para estar? O próprio pai tratara-a com desconsideração
quando a arrancou do leito quente e despachado para a entregar ao
MacNare sem sequer dizer adeus.
Teria Connor sido desleal para consigo? Abanou a cabeça perante
a possibilidade. É verdade que o marido tinha uma considerável lista
de defeitos capazes de embrutecê-la quando fosse velhinha, mas
também tinha imensas virtudes. Acima de tudo, era um homem
honrado, disso estava plenamente convicta, e homens honrados
não humilham deliberadamente as esposas.
Sabe Deus como teria Euphemia descoberto tudo aquilo. Um dia,
quando Brenna lhe conquistasse a aprovação e amizade, havia de
reunir coragem para lhe perguntar.
O problema imediato diante de si estava em provar a Euphemia
que, embora fosse jovem, Brenna era bastante capaz de gerir a
casa de Connor. A sua madrasta não dissera nada cruel a respeito
da nora, o que dava a Brenna a esperança necessária para
conseguir demonstrar rapidamente o seu valor.
Tinha de tratar bem a família de Connor; no fundo do espírito
sabia que, mal ele reparasse na forma como a esposa acolhia os
seus familiares, trataria a família dela com a mesma estima. No
mínimo, havia de mostrar interesse nas suas conversas a respeito
dos irmãos. Agora, ainda nem conhecia os nomes deles. Mas havia
de aprender, com o tempo, jurou ela.
Não seria fácil, mas ela nunca desistira de um desafio e agora não
seria a primeira vez. Tinha por derradeiro objetivo transformar um
guerreiro insensível e empedernido num marido adorável, e havia de
consegui-lo, custasse o que custasse. Talvez fosse mais simples
treinar um urso a ajoelhar-se do que ensinar Connor a ser
atencioso, mas não impossível, certo?
Ela afastou-se da porta, e com uma determinação renovada e um
plano firme em mente, respirou fundo e abriu a porta das traseiras.
Depois fechou-a com estrondo, para que Euphemia e Raen
ouvissem, estampou um sorriso forçado no rosto e entrou na
divisão.
– Bom dia, Lady MacAlister – saudou da entrada.
– Bom dia, Brenna. Estou muito feliz por estares aqui connosco.
Já estamos à tua espera há bastante tempo.
– Lamento ter-vos feito esperar. Encontrava-me nas cozinhas, a
rever a ceia desta noite.
– Avança, criança, para que possa apresentar-te o meu filho.
Sentiu um repente de raiva ao ser tratada por criança, suprimiu-o
sem demoras e obedeceu. Raen esperava junto à lareira. Ela quis
aproximar-se antes de fazer uma vénia, mas o filho de Euphemia
alcançou-a primeiramente. Para ser sincera, ele correu para si, mas
felizmente teve presença de espírito de travar antes de derrubá-la.
Um pouco desconcertada com tanto entusiasmo, Brenna recuou um
passo de modo a manter uma distância decente entre ambos.
– O meu filho chama-se Raen – disse Euphemia. – E pela reação
dele, deves tê-lo assustado. Filho, que modos são esses? –
acrescentou numa voz doce.
E mesmo assim, ele não abriu a boca. Escrutinava-a com tanto
pormenor que rapidamente ela se sentiu desconfortável. Qual era o
problema dele?
– Muito gosto em conhecê-lo – soltou ela, fitando-o, à espera que
ele deixasse de a devorar com os olhos e respondesse.
Ficou espantada por o homem diante de si pertencer à família de
Euphemia. Não tinham qualquer parecença. Raen obviamente devia
sair ao pai, para azar seu, certamente um lado da família com
aspeto muito banal.
Ele não era banal de uma forma desagradável, apenas
enfadonho, sem traços distintivos e um tom pálido e olhos
acastanhados, indecisos sem cor assumida. Era alto, quase tão alto
quanto Connor, a bem dizer, embora o peito contivesse gordura e
não músculo, ou seja, não realizava trabalho extenuante nas suas
terras.
A forma como ele a fitava era horrivelmente desconfortável. O
olhar concentrou-se na boca dela durante, seguramente, um minuto
completo e depois desceu para os seios, onde ainda se mantinha.
Não era um comportamento adequado, de modo algum. Mas o
homem vinha do Norte longínquo, lembrou-se e talvez não
soubesse comportar-se.
– É uma mulher lindíssima, Brenna – sussurrou, quando lhe
apertou a mão na sua. – Oxalá o Connor tenha noção do seu valor.
– Deve saber que o valor de uma mulher não se determina pela
sua aparência mas pelo que lhe vai no coração, e asseguro-lhe,
Raen, que o meu marido reconhece este valor. Agradeço-lhe pelo
elogio – acrescentou rapidamente, não fosse ele ofender-se por ter
recebido uma lição.
– Sim, obviamente – concordou ele. Fez-lhe uma vénia
pronunciada e enquanto dizia que queria conhecê-la esfregou o
polegar ao longo da palma da mão dela. Brenna não entendeu o
motivo daquele gesto. Não gostou que o fizesse, e tentando retirar a
mão, sentiu que ele a apertava com força. Decidiu então naquele
instante que seria educada com o homem mas jamais gostaria dele.
– Senta-te comigo à mesa. Estou a ficar com dores nas costas, de
estar virada para olhar para ti – chamou Euphemia.
Aproveitando a oportunidade, Brenna retraiu a mão antes de se
dirigir à mãe dele.
– Madame, não ficaria mais confortável sentada na cadeira alta?
– Quer que me sente à cabeceira da mesa na ausência do
Connor?
Euphemia não precisou que respondessem à sua própria
pergunta, pois apoderou-se do lugar de poder mais depressa do que
uma taça cairia da mesa para o chão.
– És muito atenciosa, criança.
Raen encostou-se às costas de Brenna, e quando ela tentou
afastar-se, ele pousou as mãos nos seus ombros para a manter
fixa.
– Mãe, a Brenna não é uma criança. Basta olhar para ela, e vê-se
que já é mulher.
– Ora, Raen, não critiques a tua mãe – pediu Euphemia.
O filho ignorou-a e inclinou-se para o ouvido de Brenna.
– Fique ao meu lado na mesa e conte-me tudo sobre o seu
casamento.
Se ela se virasse para lhe dar resposta, não seria capaz de ocultar
a sua repulsa, e portanto preferiu dirigir o comentário à mãe dele.
– Não devo intrometer-me na sua alegre reunião com a sua mãe.
– Parvoíce, só estivemos separados uma semana.
– Não sei porque presumi que fosse uma separação mais longa –
mentiu, lembrando-se perfeitamente que Euphemia insistira que não
via o filho há muito, muito tempo. – Mas uma semana não deixa de
ser muito tempo para uma mãe, estou certa, Lady MacAlister?
– Nem por isso – respondeu Euphemia. –Raen, estás demasiado
perto da Brenna. Não admito mais que me ignorem. Vem e senta-te
ao meu lado.
– Não acredito que estivesse demasiado perto – disse ele num
tom de espanto que a mãe terá considerado genuíno. No entanto,
Brenna não se deixava enganar com tanta facilidade. Resistiu à
vontade de suspirar de alivio quando ele a largou e se acercou da
mesa.
– Brenna, tens autorização para ires tratar dos seus afazeres.
Raen, trago novidades interessantes para ti.
Brenna acorreu para a entrada antes de Euphemia mudar de
ideias.
Raen impediu-a.
– Ouvimos trovões. Chovia quando entrou?
– Sim.
– Então porque não estão molhadas as suas roupas?
Ela não estava disposta a admitir a verdade, que se encontrava já
no interior vários minutos após o começo do aguaceiro, pois daria a
entender que escutara deliberadamente a conversa privada.
– Dois criados muito atenciosos seguraram capas por cima da
minha cabeça.
O aceno dele indicou que aceitara aquela mentira.
– Espero que a chuva acalme em breve. Odeio ficar retido em
casa.
Ela julgou ser muito estranho que a chuva o mantivesse no
interior. Os soldados de Connor cumpriam os seus deveres, fosse
qual fosse o tempo. Mas Raen não era igual aos outros homens. Foi
estragado e mimado pela mãe, e possivelmente nem sabia que
tinha uma imagem de fraco.
Seria capaz, em nome de Deus, de suportar o jantar até ao fim?
Esperava não ter de sentar-se ao lado do meio-irmão de Connor. A
mera possibilidade tirava-lhe a fome.
Evitou o salão durante o resto do dia, até ser hora de reunir-se aos
parentes para a ceia. Para sua surpresa, foi um serão agradável.
Não só Euphemia se mostrou menos agreste como Raen também
exerceu o seu charme. Sentou-se à frente dela na mesa,
entretendo-a e à mãe com historias divertidas do seu passado.
Quando Brenna subiu as escadas, sentiu-se, afinal, disposta a
partilhar a próxima refeição com Raen.
Depois de passar outro serão agradável na companhia dele, na
noite seguinte, começou a sentir-se culpada por o ter avaliado tão
duramente. Ficara com uma má opinião, e agora percebia o seu
grande equívoco. É verdade que Raen mostrara demasiado
entusiasmo no primeiro encontro, mas não com intenções lascivas.
Talvez não soubesse comportar-se. E talvez quisesse compensar a
atitude hesitante da mãe a respeito da esposa do enteado,
mostrando-lhe que conquistara a sua aprovação integral.
Deitou-se, convicta que reagira excessivamente e jurou que não
voltaria a acontecer. Todas as pessoas mereciam uma segunda
hipótese.
Na terceira manhã da ausência de Connor, Brenna despertou com
a luz do sol e o som de risos. Afastou as cobertas e dirigiu-se à
janela, absorvendo o dia glorioso. Passaram criados cheios de
pressa no pátio, e pela alegria estampada nos seus rostos descobriu
que adoravam o ar do dia, tal como ela.
Hoje teria de realizar umas cem tarefas. Embora não fosse correto
ignorar os seus deveres, foi o que lhe apeteceu fazer, de modo a
explorar os montes.
Sorrindo de antecipação, vestiu-se à pressa e desceu as escadas.
O salão encontrava-se deserto, e por muito que tentasse, não
conseguiu abrir a pesada porta e descer para o pátio. Não aceitou a
derrota, pois deu meia volta, com intenção de usar a porta das
traseiras.
– Bom dia, minha Senhora. Dormiu bem? – disse Netta ao fundo
do salão.
– Sim, obrigada – respondeu. – A Lady MacAlister já desceu?
– Não, minha Senhora, ainda não. O Raen já saiu das terras para
dar um passeio a cavalo, mas disse-me que só regressaria à hora
da ceia.
– Ele saiu das muralhas acompanhado de soldados do Connor?
– Não, saiu sozinho. É um risco, não acha?
– Ele talvez julgue que não – respondeu Brenna com um encolher
de ombros. – Onde será que ele vai – acrescentou.
– Não teria sido correto da minha parte perguntar-lhe – disse
Netta.
Brenna já não prestava atenção à criada, pois entretanto notara a
pilha de objetos amontoados em cima do baú da entrada. Netta
mostrou-lhe que os reconhecia por lhe pertencerem, e ajudou-a a
transportar tudo para o quarto de Brenna.
Nesse serão, Raen regressou à propriedade a tempo de partilhar
a refeição com a mãe e Brenna. Tinha um ar cansado da cavalgada
mas continuava bastante afável, e não se comportou novamente de
forma inadequada.
Ficou pronto a recolher-se aos aposentos ao mesmo tempo que
ela. Agarrou-lhe o cotovelo e acompanhou-a pelas escadas acima,
um gesto muito galante, contando uma historia divertida que os fez
rir a ambos. A mão tocou ao de leve nos seios dela quando
procurou o trinco, mas o ar inocente sugeria que ele nem se
apercebera desse acontecimento. Mas Brenna ficou intrigada, pois
as suspeitas tinham ressurgido imediatamente.
Qual era o problema dela, pensou ao preparar-se para dormir, e
acabou por concluir que o esforço de ganhar a aprovação de
Euphemia a tornara uma parvinha nervosa. Era verdade, a mulher
faria um santo perder a calma. Não admira que Brenna estivesse
sempre na defensiva. A madrasta de Connor era uma mulher muito
difícil de agradar, e conquistá-la revelava ser um desafio maior do
que Brenna julgara. Embora Euphemia jamais a criticasse
abertamente, não deixava de encontrar falhas em tudo o que fazia,
e de um modo condescendente, contra o qual Brenna rangia os
dentes.
Não iria desistir, obviamente, e decidiu simplesmente duplicar os
esforços.
Na manhã seguinte, Raen voltou a sair das terras num passeio a
sós antes de Brenna descer para o salão. A rapariga passou o dia a
satisfazer todos os pequenos desejos de Euphemia e ao serão já se
encontrava exausta.
Mas o pior ainda estava para vir. A ceia não foi nada encantadora,
muito pelo contrário. Tentou conversar com Raen, mas ele
encontrava-se com um humor impossível. Devia ter esgotado o
encanto, pois agora repudiava todas as hipóteses de mostrar
alguma educação.
Agia novamente como um devasso. Não tirou os olhos dela – ou
melhor, da boca dela – durante a refeição interminável, e pelo
sorriso trocista e olhar determinado, tinha plena consciência de
como a punha desconfortável.
Euphemia optou por ignorar o que se passava. E se Brenna lhe
pedisse, duvidava que a mulher resolvesse o assunto. A dedicação
ao filho cegava-a para as suas falhas. Considerava Raen perfeito,
evidente pela forma como cedia a todos os seus desejos.
Até àquela noite, Euphemia encontrara falhas em tudo e todos,
embora não na comida. Brenna julgara que a sogra apreciava a
comida; limpara o prato, tal como fizera nas refeições anteriores,
mas depois de se levantar da mesa e despachar os criados,
Euphemia deu voz à sua insatisfação.
– Brenna, entendo que não te sentisses preparada para receber
companhia nos últimos dias e demasiado atarefada para reveres
devidamente os preparativos da ceia com a tua cozinheira, e por
esse motivo tenho estado calada. Mas não posso continuar assim, e
devo insistir que substituas a mulher incompetente da cozinha por
alguém mais apto. Hoje foi o maior desastre de todos. Juro que comi
mais gordura que ave, e as tartes eram tão amargas e cheias de
nervos que mal consegui engoli-las. Há quanto tempo o Connor tem
sido obrigado a comer este tipo de coisas?
– Mãe, a Brenna não vive há tempo suficiente nesta casa para
saber isso – retorquiu Raen.
Euphemia manteve o olhar carrancudo para Brenna.
– Tens um ar congestionado, minha querida. Foi um dia longo?
– Sim, minha Senhora.
– Porque não te recolhes aos teus aposentos? O Raen
acompanha-te.
Ela não conseguiu encontrar uma desculpa rápida. Raen,
infelizmente, seguiu-a até à escadaria da entrada. Agarrou-a pelo
braço, disse-lhe que a acompanharia e encostou-se contra ela.
Brenna foi obrigada a inclinar-se sobre o corrimão para se distanciar
um pouco.
– Não é preciso subir comigo, Raen. Deve ter coisas mais
importantes para fazer.
– Mas já sofreu uma queda séria, e os degraus são perigosamente
íngremes – contrariou ele, levando-a consigo.
– Quem lhe contou da minha queda?
– Perguntei a uma das criadas como fez essa ferida na testa, e ela
disse-me que caiu pelas escadas. Faltaria no dever ao meu irmão
se não garantisse a sua segurança, estando ele ausente.
– Caí porque não prestei atenção por onde ia. Agora estou a
prestar.
Ele soltou-lhe o braço, permitindo-lhe alguns segundos de alivio
antes de a cingir pela cintura.
– Largue-me, por favor – pediu ela.
Ele ignorou-a.
– Sonhas com o regresso do Connor? Deves ter muitas saudades
dele, nomeadamente na cama, à noite, quando querias senti-lo
entre as pernas.
– Não se atreva a falar-me assim – ordenou. Sentia-se tão furiosa
que mal se conseguia controlar e intensificou os esforços para o
afastar.
Ele mudou o aperto, levantando a mão até o punho fechado
pousar sob o seio direito, o que a impossibilitou de se debater, para
não sentir os nós daqueles dedos roçarem em si.
Ele não olhou para ela nem mostrou qualquer reação à dor que
Brenna tentava causar no braço dele, enterrando-lhe firmemente as
unhas na carne.
– Eu podia tomar conta de ti na ausência dele – murmurou. – Sei
fazer desaparecer todas as mágoas. Deixa a porta do quarto
destrancada, Brenna.
Atordoada pelas obscenidades proferidas, ela mal foi capaz de
manter a compostura.
– Se não me soltar, juro que grito.
– Gritar, para quê, raios? – perguntou ele num espanto fingido,
enquanto os dedos lentamente se abriram e expandiram para lhe
apalpar o seio.
A raiva deu-lhe as forças de cinco homens. Enfiou o cotovelo nas
costelas do homem e obteve a abençoada reação que queria. Ele
grunhiu de dor e soltou-a. Ela recuou ao encontro da porta do quarto
e procurou o punhal. Sentiu um instante de pânico quando apalpou
a bolsa atada à cintura e não sentiu a pequena arma, mas Raen já
não a observava nem tentou agarrá-la novamente.
Ele abriu a porta, desejou-lhe boas noites e afastou-se. Desceu as
escadas a assobiar.
Tremendo de raiva e terror, ela correu para o interior do quarto,
aferrolhou a porta e desatou a soluçar.
A ideia de que ele tentaria voltar a tocar-lhe aterrorizava-a.
Naquela noite, adormeceu no lado da cama em que Connor se
deitava, e não desceu até ser manhã adiantada. Mas sentia-se
muito mais calma, pois Raen não ousaria agir de forma imprópria
diante de testemunhas, e desde que não se visse sozinha com ele,
estaria a salvo até Connor voltar.
Mal encontrasse o marido, iria contar-lhe exatamente o que
acontecera, mas até ao seu regresso e resultante expulsão de
Raen, era seu dever agir com cautela.
Connor devia ser o primeiro a saber. Afinal, Raen era o seu meio-
irmão e não seria correto contar a mais ninguém, a não ser em caso
de absoluta necessidade. Também não pretendia aturar sequer um
olhar obsceno daquele vil homem. Se a abordasse, havia de bani-lo
da torre imediatamente, desde que tivesse poder para tal, e se
Quinlan lhe dissesse que não o tinha, havia de contar-lhe o que
aconteceu ou fazer as malas e mudar-se para a casa dos Kincaids.
Alec dissera-lhe que nunca lhe negaria nada.
Ela passou a tarde de um lado para o outro envolta numa nuvem
de raiva, e na ceia seguinte ignorou Raen, incitando Euphemia para
lhe falar de si. A madrasta de Connor apreciou tornar-se o centro
das atenções e não se calou com elogios a si mesma na hora
seguinte. Brenna fingiu que bebia as palavras. Não abandonaria o
salão sem a companhia da madrasta – Raen acabou por entender
isto, pois finalmente saiu para esticar as pernas. Ainda ousou
perguntar a Brenna se desejava acompanhá-lo, num tom de gozo e
desdém, como se dissesse que entendia a manobra dela e que era
fútil.
– Não, obrigada – respondeu ela sem se dignar a olhá-lo. – Prefiro
ouvir a sua mãe. Lady Euphemia, que vida interessante a sua.
– Trágica, isso sim – corrigiu Euphemia.
Com o encorajamento de Brenna, começou então a falar-lhe da
mágoa de ter perdido os pais. Ninguém sofrera como Euphemia, e
ninguém tivera tantas desilusões arrasadoras.
Euphemia passou mais uma hora a falar de si. Brenna manteve-se
ao seu lado, fingindo-se fascinada, e quando, por fim, a mulher
anunciou que se ia deitar, Brenna tomou-lhe o braço e acompanhou-
a.
– Queria falar consigo sobre os repastos da tarde, madame.
– Também queria falar contigo. Desiludida mais uma vez, Brenna.
Não seguiste as minhas indicações e desfizeste-te da cozinheira?
– Sim, claro que sim – mentiu Brenna. – Arranjei um plano e
espero que aprove. Tem muito mais experiencia do que eu e preciso
do seu conselho.
– Não sejas tão dura contigo mesma. Não tens culpa da tua falta
de educação.
Brenna não rebateu, mas também não concordou.
– Pedi a cinco mulheres para se irem revezando e prepararem o
seu jantar. No final da semana, decidirei qual a mais adequada para
as suas necessidades.
Euphemia encolheu os ombros, indiferente.
– Eu trato disso.
– Obrigada.
Conseguindo alcançar o quarto sem ofender a mulher, Brenna
encostou-se à porta e soltou um suspiro profundo.
Netta manteve-se ao lado da lareira, aquecendo-se no calor do
fogo.
– A Lady Euphemia concordou com o seu plano de tentar cinco
cozinheiras diferentes?
Brenna sorriu.
– Sim, concordou. Não te esqueças de lembrar à Ada que não
pode ser vista pela Euphemia durante esta semana.
– Ela sabe, minha Senhora, e agradece os seus esforços. Mas
preocupa-se, pois a Lady Euphemia ainda descobre que foi ela
quem preparou todas as refeições da semana. Tem a certeza que
não preferia mais uma pessoa…
– Tenho a certeza – retorquiu Brenna. – A Ada é uma excelente
cozinheira. A madrasta do Senhor gosta de armar-se em difícil. É
uma pequena manha, não uma deslealdade ao nosso chefe –
acrescentou. – Apenas tentamos manter a sua família feliz, nada
mais.
– Nenhum de nós acredita que enganar a Lady Euphemia seja um
ato de deslealdade. Sabe quanto tempo tenciona ficar, mais o filho?
– Não, mas garanto que será a primeira pergunta que farei ao meu
marido.
– Há mais alguma coisa que a incomode? Notei que mal tocou na
comida, e quando entrei no quarto, estava assustadoramente
pálida.
Brenna não quis contar-lhe o que se passara com Raen, crendo
que competia a si resolver o problema, e não à criada. Condenar o
meio-irmão do Senhor teria ramificações graves. Ela própria se
sentiria revoltada se uma das esposas dos seus irmãos fizesse
queixas do cunhado.
Enquanto esposa de Connor, era seu temível dever contar-lhe – a
ele e mais ninguém.
– Não estava com muita fome – foi a resposta que deu a Netta.
A criada partiu poucos minutos depois. Aferrolhando a porta,
Brenna sentou-se na cama e dedicou-se ao bordado. Ada dera-lhe
um pano cor do açafrão para cobrir a mesa, e Brenna tentava
compor as cores da manta de Connor num quadrado ao centro do
material. Porque queria que fosse perfeito, trabalhou noite dentro,
garantido que os pontos ficavam bem colocados. Se continuasse
naquele ritmo, terminaria ao fim de poucos dias.
Ela não tencionava colocá-lo na mesa até coser em formas
quadradas as mantas escocesas que cortara e estofara com lã de
ovelha, o que implicava dedicar-se pelo menos uma hora todas as
manhãs ao bordado, mas se o clima fosse ameno, podia juntar-se
às outras mulheres no exterior e ficar a conhecê-las de uma
assentada.
Mas não ficaria sentada o dia inteiro, especialmente agora, que o
Sol voltara, e pensou reservar uma hora durante as tardes para sair
a cavalo. Aprender a montar sem sela intrigava-a, e como esposa
de Connor, não era suposto que soubesse?
Afinal, seria mesmo difícil?
Capítulo 12

Q uase se matou – aliás, em várias vezes, e todas na primeira


tarde em que experimentou montar sem sela.
Davis jurou a Quinlan que jamais permitiria que a Senhora olhasse
sequer para o garanhão do Senhor se desconfiasse das suas
intenções. Ela não entendia porque razão o marido não escolhera o
cavalo, e Davis explicou, com satisfação, que o garanhão fora
puxado ao limite e precisava de descansar e comer. Ela indicou que
o animal também precisava de ser mimado, e Davis não podia
discordar.
Quando lhe pediu para levar o garanhão num curto passeio, ele
fê-la jurar que apenas levaria o animal pela colina acima, de modo a
ter alguma atenção e exercício. O garanhão parecia gostar dela.
Brenna conduzira-o sozinha para a cavalariça no primeiro dia,
provou que o animal a aceitara, e não era visível a destreza com
que tratava dele?
Perante a forma dócil como o animal se pavoneava enquanto
subia a encosta garantiu a Davis ter tomado uma boa decisão.
Desconfiaria se a Lady Brenna tivesse pedido uma sela, mas ela
não pediu, pois não?
– Não disse que Lady Brenna me mentiu descaradamente,
Quinlan. Não foi isso que eu disse e, nem sequer desconfio. Apenas
acredito que terá mudado de ideias quando passou para o outro
lado do monte. Deve ter percebido que estava fora de vista e não
resistiu a tentar. Mas não te preocupes. Não serei tão facilmente
convencido, agora, embora nem sequer desconfie que ela tentará
mentir-me. Só digo que ela pode voltar a ter ideias, só isso.
Quinlan aceitara a explicação de Davis. Tal como o estribeiro, não
o preocupava a possibilidade de Lady Brenna arriscar novamente,
pois acreditava que ela acabaria por escutar a voz da razão, depois
do susto de ser atirada ao ar, como uma águia subitamente privada
de asas.
No dia seguinte, enquanto ele verificava o progresso dos soldados
que montavam a muralha, Brenna levou novamente o garanhão a
dar um passeio. Porque avançava com um passo rígido, Davis não
se preocupou minimamente.
Mas ele ainda não percebera que a Senhora era completamente
insensata. Pelo menos, foi esta a desculpa que sussurrou a Quinlan,
desfazendo-se em perdões pois sabia que não devia criticar a
querida esposa do Senhor.
– Ela enganou-me bem enganado – disse Davis ao comandante. –
Não digo com isto que ela me tivesse olhado nos olhos e mentido.
Não, não é o que eu quero dizer. Mas estou a pensar, pois desta vez
fiz questão de ser bem específico, firme como podia ser, e quando
lhe pedi que prometesse não se aproximar novamente do animal,
ela respondeu-me com um grande sorriso, e eu entendi que ela
concordava com as minhas regras, pois toda a gente com um pingo
de bom senso sabe que uma mulher não nos sorri quando recebe
uma ordem, a não ser que pretenda segui-la. Mas não te preocupes
nem mais um minuto, Quinlan. Agora já percebi como ela é. Não me
volta a enganar.
Na tarde seguinte, voltou a enganá-lo. Davis desapareceu
convenientemente mal foi informado que a Senhora pretendia
cavalgar outra vez o garanhão.
Mas não precisaria de se esconder, pois Quinlan percebeu, por
fim, que teria de resolver o problema por suas próprias mãos, antes
que a Senhora se matasse. Davis não era homem para tal.
Querendo impedir um desastre, o soldado tencionava proibir a
Lady Brenna de correr novamente aquele risco; contudo, ao abrir
caminho pela passagem entre os pinheiros no cimo do monte,
ouviu-a rir-se e começou a ficar apreensivo. Pouco depois, viu-a
sentada de costas direitas sobre o dorso do garanhão. A expressão
de alegria fê-lo sorrir, e manteve-se a observá-la, mesmo sabendo
que devia travar imediatamente aquelas palhaçadas perigosas.
Os santos sejam louvados – Lady Brenna conseguiu manter-se
direita durante vários minutos antes de ser atirada para o chão.
Quinlan aguardou que se levantasse. Mas ela não se mexeu.
Quinlan desatou a correr pela encosta, e jurou depois a Crispin que
o coração dele até tinha parado, pois, quando estava prestes a
alcançá-la, o garanhão surgiu em plena carga.
Estava convencido que o animal a espezinharia. Mas pelo
contrário, o grande cavalo preto deu-lhe um pequeno empurrão, e
rápida como um piscar de olhos, ela rolou, agarrou-se às rédeas e
desatou a rir.
Ele tirou-lhe as rédeas das mãos, assentou uma palmada no
quadril do animal para o afastar dela, e depois dobrou-se para lhe
oferecer a mão.
– Não se mexia. Pensei que estivesse morta.
– É um jogo nosso. Se eu ficar completamente quieta, o Willie
aproxima-se e eu agarro-lhe nas rédeas. Senão, ele obriga-me a
persegui-lo.
Quinlan estava demasiado aflito para prestar atenção ao que ela
dizia. Pedia a si mesmo que não levantasse a voz; era a sua
Senhora, por amor de Deus, e não uma irmã mais nova.
– Perdeu o juízo?
– Duvido.
– Se pretende matar-se, faça-o no turno do Crispin, não no meu.
Depois de lhe ter dado esta ordem, levantou-a do chão e recuou,
enquanto ela sacudia o pó da manta. Queria que prestasse
completa atenção para não haver mal-entendidos.
– Não correrá novamente esse risco. Quero que jure que nunca
montará sem sela, e garanto-lhe que não me contento com um
sorriso.
– Não, és mais esperto do que eu, Quinlan. Jamais me atreveria a
enganar-te.
Acalmando-se, ocorreu-lhe que ela ainda não prometera nada.
– Consegues parar com a gritaria? Começou a ficar com dores de
cabeça.
Quinlan ficou atónito com a sua própria conduta.
– Peço perdão, minha Senhora. Não sei o que me deu.
– Dei-te um susto, foi isso – lembrou-lhe ela. – Agora, conta-me o
que estou a fazer de errado. Porque não me aguento muito tempo
em cima do animal?
– Senta-se demasiado atrás no dorso – respondeu ele. – Quanto à
sua promessa…
Ela interrompeu-o.
– Teria feito bom uso desse conselho ontem. O meu controlo não
era firme, mas já corrigi esse problema. Pobre Willie. Durante um
tempo, ele não parava de virar a cabeça para mim, julgando-me
uma tola, sem duvida.
O cavalo tinha mais bom senso do que a dona, pensou Quinlan.
Continuava ainda demasiado perturbado para pensar na sua atitude
insensível.
– É espantoso não ter morrido espezinhada – murmurou. –
Willie… chamou Willie ao cavalo?
– Sim, mas primeiramente perguntei se o Connor já lhe dera um
nome. O Davis garantiu que não..
– Não, o Connor não deu um nome… – a voz extinguiu-se até se
calar.
– Então estou certo que não se importará que o chame de Willie.
A pálpebra de Quinlan começou a tremer.
– Porquê Willie? – perguntou.
– É diminutivo de William – explicou ela. Tirou as rédeas das mãos
de Quinlan e virou-se para regressar aos estábulos. Ele reparou que
um dos sapatos dela ficara no chão, apanhou-o e entregou-lho. Ela
agradeceu-lhe e apoiou-se no braço dele para se equilibrar
enquanto se calçava. – Willie é o nome do meu irmão. Se não
contares ao meu marido, ele não se incomodará. O Connor não
gosta que eu fale da minha família.
– Porque julga isso?
– Ele fica carrancudo e tenta mudar de assunto. Não sei bem
porque se sente assim. Não pode ter-lhes antipatia pois ainda não
os conhece. Talvez não se interesse. Talvez assuntos sobre a minha
família o aborreçam – acrescentou com um aceno.
– Tenho sérias duvidas, minha Senhora.
Ela encolheu os ombros.
– É possível – concordou, mas não por julgar que estivesse certo.
Apenas por educação. – Agradecia que não lhe referisses que dei
um nome ao cavalo. O Connor é esquisito em certos assuntos, e
embora esteja quase certa que não se importa, resta a possibilidade
pequena da alternativa.
– Minha Senhora, está a pedir-me que não lhe diga nada?
– Sim.
– Não farei questão em contar-lhe mas se ele perguntar, serei
obrigado a dizer. Promete-me que não volta a cavalgar sem sela?
– O que farias se eu prometesse e depois não cumprisse? Não
que fizesse tal coisa, mas estou curiosa por saber as
consequências.
– Teria de prendê-la nos seus aposentos até o seu marido
retornar.
– E farias tal coisa?
– Sem agrado, mas mantê-la a salvo seria mais importante do que
os seus sentimentos.
– Tens poder para banir alguém?
– Jamais a baniria – assegurou-lhe Quinlan.
– Mas tens autoridade para banir uma pessoa na ausência de
Connor?
– Sim, desde que haja motivos válidos que possa apresentar ao
meu Senhor.
– E também tenho essa autoridade? Não fiques tão espantado.
Não pensava em banir-te, mesmo se te atrevesses a trancar-me no
quarto… já agora, sei que nunca farias isso. Só me questionava se
podia mandar alguém embora.
– Se alguém lhe dá problemas, conte-me ou aguarde pelo
regresso do seu marido.
Interpretou a explicação dele como não tendo autoridade para tal.
Pelo menos, agora conhecia os seus limites, e não ameaçaria Raen
com aquela punição, sabendo ele que não teria efeito prático. Soltou
um suspiro cansado e fitou o chão por onde caminhava.
Suavizou a desilusão sentida com a lembrança de que apenas
recorreria à medida drástica se Raen voltasse a abordá-la.
Felizmente, ela tinha um plano para o manter afastado de si.
Quinlan não percebeu o motivo de tanto desalento na expressão
da sua senhora.
– Gostaria de ter uma posição de força, minha Senhora?
Ela não lhe respondeu e de facto, não disse mais nada durante
algum tempo.
– Se tiver um problema e não for capaz de resolvê-lo sem ajuda,
avise-me, que eu trato disso.
Ela abanou a cabeça.
– O problema é de natureza pessoal e envolve um familiar.
Quinlan ficou aliviado, e embora lhe apetecesse sorrir, evitou fazê-
lo, para não ferir os sentimentos dela nem deixá-la a pensar que não
se interessava com os seus problemas.
– São problemas com a Euphemia, certo? – ele não lhe deu tempo
para uma resposta, mas prosseguiu com uma sugestão que
certamente resolveria aquelas arrelias. – Seria adequado da sua
parte dar um toque ao Raen sobre a mãe. Estou certo que ele lhe
daria uma palavrinha.
Ela abanou novamente a cabeça, mas com mais veemência.
– Tenho de ser capaz de resolver o problema e quando Connor
voltar, eu discutirei com ele.
– Como desejar, minha Senhora.
Brenna mudou então de assunto.
– Sabes que, desde que aqui cheguei, tenho procurado entender
o comportamento das pessoas. Parece haver um conjunto de regras
que toda a gente entende, menos eu. Receio constantemente
ofender alguém só por desconhecer a forma de vida nas Terras
Altas, e sem dúvida, por contar com algumas indicações seria uma
imensa ajuda.
– Assistirei de bom grado naquilo que puder.
– Podes juntar-te à mesa, com outros dois homens à tua escolha,
durante a ceia? Continuaremos a nossa conversa e assim
conhecerei melhor os MacAlisters. Sou uma de vós agora e quero
encaixar-me.
– Terei a maior honra em juntar-me a si à mesa e decerto que os
dois homens da minha escolha sentirão o mesmo.
E eu ficarei muito aliviada, pensou ela para si mesma.
– Contudo, não quero mostrar favoritismos. Logo, enquanto
Connor estiver ausente, peço-te que vás rodando as tuas escolhas,
para que também fique a conhecer os seguidores do meu marido.
– Com certeza – respondeu ele.
– Quando voltará o Connor?
– Não sei dizer.
– Parece estar ausente durante muito tempo. Preciso de falar com
ele.
Ele notou o desespero na voz dela, acreditando que seria alvo de
reprimentas pela madrasta de Connor. Imaginou as duas mulheres
envolvidas numa pequena luta pelo poder e ficou algo espantado
que Lady Brenna se perturbasse tão facilmente. Talvez a saudade
do marido criasse ansiedades. Talvez até se sentisse abandonada.
Afinal, Connor arrancou-a à vida anterior e despejara-a no meio da
sua.
A sua Senhora só precisava de tempo para encontrar o rumo
certo. Pelo menos, assim esperava Quinlan que acontecesse. Mas
no final do dia, começou a considerar que o problema era mais sério
do que inicialmente estimado. Netta alcançou-o a caminho dos
aquartelamentos dos soldados, para informá-lo que a Lady Brenna
andava com um comportamento estranho.
– Não me ouviu bater à porta do quarto, e quando entrei, ela
soltou um berro e eu deu um pulo. A bem dizer, ela até levou a mão
ao punhal. Parecia aterrorizada, Quinlan.
Brocca, a amiga da cozinheira, escutou a conversa e juntou-lhe
rapidamente.
– A Ada anda preocupada com a possibilidade de a Senhora estar
doente. É demasiado cedo para ser um filho.
Era bem possível que as duas mulheres exagerassem. Quinlan
decidiu constatar com os seus próprios olhos. Depois de ver a forma
como debicava a comida, percebeu que a preocupação era válida.
Decidiu que chamaria a Lady Kincaid para falar com Brenna na
manhã seguinte, convicto de que a mulher acabaria por descobrir o
problema, e se esta, estivesse realmente doente, a Lady Kincaid
saberia curá-la.
Brenna não fazia ideia do nível de preocupação de Quinlan. Pela
primeira vez em vários dias, sentiu-se mais descontraída. Os dois
soldados que ele escolhera para terem a honra de cear à mesa
eram mais velhos e contaram à vez histórias dos tempos antigos.
Lady Euphemia manteve-se calada, o que foi uma bênção.
Manteve-se sempre atenta e satisfeita, e até soltou um risinho ou
um aceno quando um dos convidados referia um qualquer incidente
humorístico do passado.
Raen reagiu como uma criança mimada que não recebia atenção
suficiente. Fez beicinho do princípio ao fim, mantendo o olhar fixo na
mesa. Despachou-se a comer, e ao terminar, lançou um esgar duro
a Brenna, pousou a taça com força no tampo e saiu intempestivo do
salão.
Nenhum dos soldados se mostrou incomodado pela insolência de
Raen. Quinlan notou o ar exausto de Brenna e decidiu terminar o
serão. Uma boa noite de sono seria suficiente para recuperar o
apetite.
Um dos soldados mais velhos ofereceu-lhe o braço e
acompanhou-a pelas escadas. Aguardou no patamar até ela entrar
no quarto. Quando Brenna se despediu à porta, descobriu Raen à
espreita nas sombras, por cima do ombro do soldado, mas antes
que lhe perguntasse o que queria, ele virou-se e avançou para os
seus aposentos.
Netta aguardava por Brenna no interior do quarto, e saudou-a em
voz alta antes de a Senhora entrar para que não se assustasse
novamente. Antes de Brenna conseguir perguntar-lhe o que fazia ali,
a criada explicou que Euphemia a mandara acender as velas do
quarto dela todas as noites, e ajudá-la nos preparativos para se
deitar, e se Netta não se importava de servir a madrasta do Senhor,
certamente serviria a sua esposa.
– O teu marido não se importa que estejas aqui?
– É uma honra ter sido escolhida para servir nos aposentos do
nosso Senhor. O meu Deverick arma-se em rei, diz a quem se
atravessa no caminho que é uma pessoa importante, pois a esposa
ocupa este cargo na casa do nosso chefe.
Brenna sentiu-se abençoada por ter uma mulher tão sensata ao
seu serviço.
– Tens um bom coração, Netta.
– Ainda fico tonta de tantos elogios, minha Senhora. Quer ajuda a
preparar-se para a cama?
– Não, estou a salvo… quero dizer, capaz de tomar conta de mim
mesma. Mas antes que partas, responde-me a uma pergunta rápida.
A quem posso pedir que me faça um medalhão de madeira?.
– O Alan amanha-se bem com esse tipo de coisas. Amanhã posso
levá-la ao encontro dele, se quiser.
Brenna agradeceu-lhe novamente e mal Netta saiu, trancou a
porta com o ferrolho. Dedicou-se ao bordado durante mais uma hora
antes de se enfiar na cama. Acabara de soprar as velas e puxar os
cobertores para cima quando bateram à porta.
Não abriu.
Capítulo 13

C onnor retornou por fim às suas terras. Era como se tivesse


decorrido muito tempo. Foi quando transpôs a ponte levadiça e
sentiu desanuviar a tensão do pescoço e ombros que finalmente
reconheceu o porquê da sua ânsia em regressar.
Queria voltar para Brenna. Nem era preciso referir que ela não se
sentiria feliz com a sua possível falta de disciplina. Ficaria mais
agitado se admitisse que se deixara consumir por recordações da
rapariga. Que se passaria consigo?
Sempre que cerrava os olhos para descansar alguns minutos,
surgia a imagem da esposa. E não queria desaparecer.
Embora não fosse grande consolo, Alec estava na mesma
situação; mas ao contrário de Connor, não se limitava a pensar na
esposa, como também falava sobre ela.
Alec reparara na inquietude de Connor no último serão. Viu
Connor andar às voltas do acampamento durante uma boa hora,
antes de se afastar do grupo, junto à abertura da floresta. Alec
juntou-se a ele um minuto depois. Os dois irmãos descansaram as
costas contra os troncos das árvores para conseguirem finalmente
dormir, sempre com a mão pousada no punho da espada.
Alec entrou de rompante no assunto.
– Olho para ti e vejo-me a mim próprio quando casei com a
Jamie.
– E o que vês? Vais contar-me quer eu queira ouvir ou não,
certo?
– Claro – respondeu este. – Aprende com os meus erros e
poupas-te ao incómodo.
– Pareces o meu pai. Disse-me essas mesmas palavras.
– Quando falava sobre a tua mãe?
– Sim – respondeu. – Chamava-lhe a sua doce Isabelle.
Alec anuiu.
– Tem sido uma boa batalha para ti, mas chegou a hora de
parares de resistir. Já mete dó.
– Alec? A que raio te referes?
O irmão riu-se.
– Sabes muito bem a que me refiro. Esforças-te por não te
apaixonares pela tua mulher, não é? Mas eu entendo. É porque tens
medo.
– Santo Deus, tornaste-te uma velha metediça.
Alec fez de conta que não ouviu o insulto.
– Duvido que as palavras de despedida do teu pai sobre a Isabelle
te tenham tornado mais cauteloso do que qualquer um de nós.
Contaste-me o que ele disse, lembras-te?
– Lembro-me de cada palavrinha. Ele também sugeriu que eu
aprendesse com os seus erros. Adorava a sua doce Isabelle e
sentiu que ela o traíra, deixando-se morrer. E jurou nunca lhe
perdoar. Era tudo fanfarronice, Alec. O meu pai era um homem duro,
com dificuldade em exprimir emoções sem parecer irado. Tentou
consolar-me. Mesmo sendo ainda um miúdo, compreendi. Mas não
entendo a necessidade de termos esta conversa ridícula.
Alec não voltou a falar durante um longo período. Sabia que
Connor ponderava nos comentários do irmão, tentando convencer-
se de que não amava a mulher. Ah, a tolice dos homens que
acreditavam na possibilidade de enfraquecerem por causa do amor.
– Às vezes questiono-me: se não tivesse quase perdido a Jamie,
será que hoje admitiria que a amo? Espero que sim, pois estou mais
velho e talvez mais sábio. Antigamente, não sabia nada, Connor;
mas tu agora sabes, graças à minha explicação. Segue o meu
conselho e para de resistires. É menos desgastante.
– Temi apenas um homem na vida, Alec, e Deus me ajude que um
dia descubra ter medo de uma mulher. Ofendes-me com a
insinuação de que a minha esposa exerce poder sobre mim.
– Quem era o homem que temeste? – perguntou Alec, curioso
sobre o comentário anterior.
– Eras tu. Temia que não me ajudasses nem aos meus amigos.
– O teu pai sabia bem que te acolheria. Mas tu não estavas assim
tão certo, pois não? Já nessa época eras bastante cínico. Contudo,
a tua mulher não é. Fiquei surpreso quando ela se colocou na tua
frente. Até julguei que te queria proteger.
– Ela tentou proteger-me. A mulher não é temerosa. Se continuar
viva ao final de um ano, espantar-me-ia.
– É forte, Connor, e inteligente como a minha esposa. Há vezes
em que julgo que podem ser mais inteligentes do que nós.
Depreendo pela tua expressão que não acreditas em mim.
Responde-me a isto: onde dormirão hoje as nossas mulheres?
– Nas nossas camas.
– E nós, onde dormimos?
Connor riu-se.
– Na floresta húmida e fria. Aproveita para descansar, Alec, e para
de me incomodares com essa conversa parva.
O irmão não estava disposto a aceitar a sugestão.
– Uma última coisa – sussurrou Alec, após fechar os olhos e soltar
um bocejo sonoro. – Se contares a mais alguém esta conversa,
acabo contigo.
Crispin afastou o Senhor do pensamento e voltou ao presente
– Algo te incomoda? – perguntou, assim que viu o cenho franzido
de Connor.
– Estou apenas exausto como tu – respondeu.
– Também estás coberto de poeira e sangue seco como eu. Nem
imagino o nosso cheiro. Mal suba para o cavalo, pretendo dirigir-me
para o lago, e desconfio que farás o mesmo.
– Queres impressionar uma mulher em particular?
– Ocorrem-me várias, mas eu pensava em como reagirá a tua,
quando te vir. É bem capaz de correr no sentido oposto.
Quinlan prendeu a atenção de Connor, pois era costume aguardar
pelo Senhor diante da torre de menagem. Contudo, esperava-o em
frente às cavalariças. A expressão de Quinlan era diferente das que
Connor lhe conhecia, e se fosse um desconhecido, até pensaria que
o amigo ficara aliviado pelo seu regresso.
Crispin pensou o mesmo.
– Deve ter havido um problema realmente exasperante.
Quinlan aguardou que desmontassem ambos antes de se
adiantar.
– Não há problemas, Connor.
– Assim esperava.
– Pela tua expressão, pensei que alguma coisa estava mal –
comentou Crispin. – Como se ficasses aliviado por nos veres.
– Aliviado? Se não fosse homem, juro que ficaria aos pulos.
– Então houve problemas? – perguntou Crispin.
– Acabei de informar o Senhor de que não houve problemas, mas
sim inconveniências pequenas e frustrantes – acrescentou Quinlan,
antes de se dirigir novamente ao Senhor. – Connor, juro por Deus,
nunca irei casar-me.
– Devo entender que a minha esposa foi a causa dessas
inconveniências?
– A sua esposa jamais seria uma inconveniência – conseguiu
dizer sem se rir, um feito realmente espantoso, na opinião de
Quinlan.
Davis e outro jovem soldado saíram para recolher os cavalos. O
estribeiro aguardou até o assistente cumprimentar o Senhor e voltar
para o interior, para se adiantar.
– É bom tê-lo de volta, Senhor. O seu cavalo preto está na baia,
se quiser saber.
– Presumi que estivesse – respondeu, intrigado com o facto de o
velhote ter necessidade de dizer-lhe onde se encontrava o cavalo.
– Bem, eu deixei de presumir isso desde há uma semana – disse
o outro.
– Deu algum problema durante a minha ausência?
– Não, meu Senhor, nem me olhou nos olhos e me disse uma
mentira.
Antes que Connor lhe pedisse para explicar, Quinlan agarrou na
manta de Davis e abanou-o.
– A tua Senhora não mentiu. Ela sorriu-te. Reconhece a
diferença.
O estribeiro anuiu em concordância, antes que Quinlan o soltasse,
fez uma vénia ao Senhor e voltou apressado para dentro.
– Que se passou aqui? – perguntou Crispin. – O Davis ficou parvo
da cabeça?
– Ficaram todos parvos – respondeu Quinlan. – Eu, pelo contrário,
sou agora um homem mais sensato, pois não demorei a perceber a
intenção dela.
Crispin esforçava-se para não rir.
– Referes-te á mulher do nosso chefe?
– Sim. Contudo, está viva e sã como uma pera.
– Oxalá – interrompeu Connor.
Crispin perdeu a luta e desfez-se em gargalhadas.
Quinlan não apreciou o comportamento do amigo.
– Ri-te enquanto podes. Mas lembra-te, a Senhora não se matou
durante o meu turno.
Assumindo que o amigo exagerava os problemas causados por
Brenna, Connor abanou a cabeça, indicando a Quinlan que não
estava com disposição para aquelas graças e desatou a caminhar
trilho acima para a torre. Parecia determinado a ver Brenna
rapidamente, só para garantir que a rapariga se encontrava bem
antes de rumar para o lago.
– Não estou interessado nos problemas mesquinhos que uma
mera mulher te tenha causado – comentou. – Tens alguma coisa
importante para me comunicares?
– Não – respondeu Quinlan. – Tal como já disse, tratei das
inconveniências.
– Estou curioso em saber o que fez o nosso amigo choramingar
como uma mulher – comentou Crispin. – Podes contar-me tudo,
Quinlan, se te sentires melhor.
Quinlan riu-se.
– A Lady Brenna pediu-me para não contar ao marido, e se não
posso contar a ele, decerto não posso contar-te a ti.
– O que não quer a minha mulher que eu saiba?
– Várias surpresas. Estão à sua espera e não quer que eu as
estrague. Foram indicações dela, mas se insistir…
– Não, ela que me conte. Não vou gostar das surpresas, imagino?
– Talvez – mas Quinlan não disse mais nada.
– Onde está ela agora?
– Encontra-se a medir.
– O que significa isso?
– O padre Sinclair veio passar o dia. A sua mulher solicitou a
presença dele para poder aprovar as dimensões da capela.
Connor não reagiu durante um demorado minuto.
– O que está ela a medir, exatamente?
Quinlan sorriu ao responder.
– O pátio.
– Brincas.
– Não. Ela quer encostar a capela à torre.
Quer Connor quer Crispin ficaram incrédulos. Quinlan ficou
imensamente contente com a reação deles. Começavam por fim a
entender aquilo, a sua provação.
– Mas tu mandaste parar, certo? – perguntou Connor.
– Claro. Mal descobri o que ela queria fazer. Disse-lhe para
esperar e pedir-te autorização. Devia também referir que a ameacei
trancar nos seus aposentos.
– Por causa da capela – disse Connor com um aceno.
– A bem dizer, não, foi outro assunto que me fez recorrer a essa
ameaça.
– Como reagiu a Senhora a esse aviso? – perguntou Crispin.
– Ela percebeu que era um truque. São tantas as saudades do
Senhor, que se sobressalta facilmente. O mínimo som assusta-a.
Também não se tem alimentado devidamente. Fiquei tão
consternado que a levei à Lady Kincaid. Ela garantiu-me que a Lady
Brenna se encontrava bem de saúde. E devia ter razão, pois mal
Sinclair chegou, pediu para se confessar e ficou mais contente.
Contei-lhe que recebêramos mensagem do teu regresso a casa ao
final do dia, e ela ficou imensamente satisfeita com a novidade.
– A Jamie retirou-lhe os pontos?
– Não, a tua mulher deu conta disso por si mesma.
Connor anuiu antes de mudar de assunto.
– Reparei que voltaste a colocar o Ewan na muralha. Ele andava
satisfeito com a alternância dos deveres, pois melhorava os dons de
luta – lembrou ele a Quinlan.
– Tive um bom motivo.
– E qual foi?
– Confiei no Ewan para não ser influenciado pela tua esposa. Ela
queria ir ao lago.
– Mas não deixaste.
– Não deixei.
– E mesmo assim ela tentou ir? – perguntou Crispin. – Foi por isso
que ameaçaste trancá-la no quarto?
Quinlan suspirou.
– Não, não foi por isso.
– Então por que… – Connor perdeu o fio à meada ao alcançar o
cimo do trilho e observar o pátio da sua casa.
Havia buracos profundos dispersos por todo o lado. Ficou tão
atónico com o sacrilégio que a sua raiva se incendiou.
Infelizmente, a mulher responsável encontrava-se mesmo do outro
lado do pátio. A sua mulher.
Quanto mais tempo ficava a observá-la mais a sua garganta
começava a latejar com a necessidade de soltar um berro.
Felizmente, conseguiu suprimi-lo, cerrando o maxilar com força e
levando o olhar aos céus.
Ela não se apercebeu da presença do marido, pois estava virada
de costas e a boa distância. Dois soldados encostavam-se à parede
enquanto a viam andar de um lado para o outro. Puseram-se em
sentido mal discerniram o Senhor.
Pareciam aliviados por o verem.
Connor entendeu-os perfeitamente.
O músculo do maxilar começava a doer-lhe. Deus lhe acuda,
quando mais fitava os buracos no chão maior a sua fúria. Ela ficou
quieta durante alguns segundos. Depois deu meia-volta. Tinha o
punhal na mão.
Não gritou mas a sua expressão indicava que se preparava para o
fazer. Ele foi apanhado de surpresa pelo pavor contido naquele
olhar. Mas, assim que ela percebeu que Connor a observava, soltou
uma exclamação de alegria, largou o punhal e desatou a correr para
ele.
– Eu bem disse que ela andava com um comportamento estranho
– comentou Quinlan.
Connor anuiu mas ficou calado, observando a mulher contornar os
obstáculos em passo apressado. Esperava que ela passasse ao seu
lado, mas, para seu espanto, lançou-se para os seus braços e
beijou-o no pescoço.
Era um comportamento impróprio, pois eram observados, mas
Connor não conseguiu ficar zangado. Envolveu-a com os braços e
apertou-a contra si, sentindo que o seu desejo fora finalmente
concedido.
– Estou tão feliz por teres voltado para casa – murmurou ela
contra o ouvido dele.
Ele apertou-a um pouco e soltou-a, então. Ela manteve-se
agarrada alguns segundos antes de se deixar afastar.
– Tenho tanto para te contar.
– Já percebi – concordou ele. – Hás de explicar tudo durante o
serão. Vai lavar a cara. Está coberta da minha sujidade.
Quinlan e Crispin encararam o Senhor com curiosidade. A voz de
Connor estava tensa mas calma. Resguardava a esposa da raiva
que sentia, e Quinlan considerou admirável aquela atitude. Mas
Crispin já tinha percebido. Reservava o mau humor, para o soltar na
espada quando treinasse com os soldados.
– Onde vais agora? – perguntou ela.
– Ao lago.
– Posso ir contigo.
– Não, não podes.
– Mas eu…
– Haverá outros homens, Brenna.
– Podes entrar comigo por uns minutos, por favor. Tenho uma
surpresa para ti no salão.
– Não pode esperar?
– Sim, pode.
Ele pensou que ela se afastaria. Ela pensou que ele
reconsideraria.
– Pergunto-me até quando estarás ocupado.
Ele perguntou-se até quando conseguiria resguardá-la da sua
raiva.
– Até hoje à noite.
– Connor, estás feliz por me veres?
– Sim.
O ar carrancudo indicava precisamente o inverso. Ela fez-lhe uma
vénia, antes de atravessar o pátio.
– Se tiver caído a noite quando voltares, toma cuidado, pois o
terreno está coberto de buracos.
– Já percebi – respondeu ele em voz alta.
Os três mantiveram-se calados até Lady Brenna dobrar a esquina
na ida para as cozinhas.
– Ela não se esqueceu de apanhar o punhal – comentou Crispin.
– Ela nunca se esquece da faca e está constantemente a verificar
que a tem. Mas continua a esquecer-se do resto. Mereces um
elogio, Connor – disse ele. – Não perdeste as estribeiras.
– Isto não tem graça, Quinlan. O pátio tem mais de vinte buracos
profundos. Manda-os encher imediatamente – tendo dado esta
ordem, ele e Crispin regressaram às cavalariças à procura de
cavalos repousados. Connor esperava desfazer-se da raiva antes
de encontrar a esposa. Não queria perturbá-la, o que era bastante
atencioso perante a intenção louca de encostar uma capela à sua
moradia.
– Ela tenta agradar-me. Tenho de me lembrar desse facto quando
se discutir o tema da capela na minha presença.
– Senhor? – chamou Quinlan. – Tem uns minutos para falar com o
padre Sinclair antes de ele voltar para os Kincaid?
Connor indicou ao padre que se juntasse a eles. Adiantou-se a
Sinclair:
– Faz ideia do que teme a minha esposa?
– Não lhe sei dizer.
– Contaram-me que andava estranha, mas depois de falar
consigo, voltou a ficar feliz. Ela confidenciou-lhe alguma coisa?
O padre voltou a dar-lhe uma resposta insatisfatória.
– Não lhe sei dizer.
– Ela confessou-se?
– Sim.
– E contou-lhe o que a incomodava durante a confissão?
– Se o fez, não poderei admiti-lo, porque representaria quebrar a
minha jura solene de jamais repetir o que é dito em confissão.
Connor anuiu, aceitando, e não tentou pressionar Sinclair
novamente.
– O que queria dizer-me?
– Queria agradecer-lhe por me deixar permanecer aqui. Não
estorvarei – prometeu. – E não ficarei durante muito tempo. É meu
dever prestar assistência a uma área grande.
– Devia agradecer à minha esposa, padre, pois foi ela quem
intercedeu por si.
– Já lhe agradeci. Ficar-lhe-ei eternamente endividado. Ela
pretende que eu durma num dos aposentos da sua casa, e eu
aprecio a vossa consideração mas creio que devia ter aposentos
próprios caso algum dos seus seguidores queira falar comigo em
privado. É um pedido razoável para si?
– Sim – respondeu Connor. – Mandarei limparem e preparem uma
das casas desocupadas. Quando se juntará a nós?
– Assim que o Senhor Kincaid me dê autorização para partir.
Também devo referir outro assunto. Regresso a Inglaterra daqui a
poucos dias, para explicar esta mudança ao meu chefe. Não
demorarei mais que uma semana.
– Pedirei aos meus soldados que sirvam de escolta – disse
Connor.
– Não há necessidade, enquanto usar a batina preta, ninguém se
atreverá a atacar-me, mesmo aqueles cujas almas já foram
prometidas ao Diabo.
– Mas os animais selvagens não terão tais cautelas.
– Não sairei do caminho – insistiu o padre.
– Como queira.
– Pretende que leve alguma mensagem para Inglaterra?
Connor abanou a cabeça e aguardou até Sinclair partir, antes de
continuar. Pensava na esposa, obviamente. Fora muito bondosa
com o padre e estava certamente preocupada com o orgulho e os
sentimentos do homem.
Connor esperava que não tardasse o dia em que Brenna mostraria
a mesma consideração para consigo.
Começando por deixar de ter novas ideias para o pátio.
Céus, como era bom voltar para casa.
Capítulo 14

A s surpresas não cessavam. Connor sabia que algures nos


pensamentos retorcidos da esposa havia a intenção inocente
de lhe agradar – mas por que motivo imaginou ela que uma capela
no meio do pátio fazia parte dos seus sonhos? Ainda ponderou a
eventualidade deste ato tão monstruoso se dever a outro motivo
subjacente, mas jamais conseguiria descortiná-lo, se assim fosse.
Só uma verdade o confortava. Não podia ficar pior. Se houvesse
outras surpresas à sua espera, nada ultrapassaria a da capela.
Ele devia ter desconfiado.
Não entrou em casa para falar com Euphemia, conforme planeara,
porque teria de atravessar o pátio, o que implicava encontrar
caminho em volta dos buracos. Quinlan garantira que eram
suficientemente profundos para engolirem por inteiro um homem
alto, se tivesse a sorte de cair de pé. Aproximar-se assim da
destruição desencadearia nele um ataque de fúria,
indubitavelmente. Também podia ter entrado pelas traseiras, mas
não o fez, pois era preferível que se afastasse até ficar mais calmo.
Tencionava portanto evitar o pátio até ao final do dia, quando os
buracos estariam tapados e após o tempo suficiente para aceitar
esta terrível surpresa.
Depois de lavar a sujidade acumulada ao fim de duas semanas,
dirigiu-se a cavalo até à secção norte das muralhas, para apreciar o
progresso realizado na fortificação dos postes de madeira com
pedra. A descoberta de um problema levou a outro e a mais outro, e
não regressou à torre até ao final da tarde.
O sol já se punha quando entrou nas cavalariças, notando logo
duas coisas peculiares. A primeira era o facto de a baia do cavalo
preto estar vazia; a segunda, que Davis parecia tentar escapulir-se
pela porta das traseiras.
Lançou uma ordem que o fez estacar de espanto.
– Onde está o garanhão, Davis?
– Lá fora.
Uma resposta nada satisfatória. Ordenou ao estribeiro para se
aproximar e perguntou:
– Estavas a tentar fugir pelas traseiras?
– Sim.
– Porquê?
– Para sair daqui antes que desse pela falta do preto.
– Entendo – respondeu Connor, a voz calma e controlada. – E
onde se encontra agora o meu garanhão?
– A dar um passeio.
– A mando de quem?
Davis parecia ter medo de lhe dizer. Retrocedeu um passo brusco,
preparou-se e respondeu:
– Da sua esposa.
– Ela mandou-te tirares o meu cavalo da baia – perguntou,
tentando compreender o que se passava e porque motivo Davis
ficara assim nervoso.
– A bem dizer, ela não me mandou.
– Pediu ao Quinlan ou Crispin para tirarem o garanhão?
– Não, de certeza que não lhes pediu. O facto é que a mim
também não.
Connor teve de pedir a si mesmo muita paciência.
– Ajuda-me a compreender, Davis, e para quieto. Não vais a parte
alguma até me responderes às perguntas. A minha esposa está
acompanhada, ou ela tentou passear o cavalo sozinha?
– O Quinlan já deve ter alcançado a Brenna a esta hora. Como é
hábito. Mas não entendo o que quer dizer com passear. Pode
explicar-me? Não me parece que tenham ido de passeio, e muito
menos com o seu cavalo.
Uma possibilidade súbita fez o coração de Connor começar a
bater.
– Alguém o cavalgou?
– Sim.
– O Quinlan? – Connor resistiu à ânsia de agarrar Davis pelo
colarinho esquelético e abaná-lo até as respostas saírem. – Então
quem o cavalgou?
Davis soltou um esgar perante a ira na voz de Connor, e
respondeu:
– Bem, talvez a sua mulher. E daí, talvez não.
Ele pressentira que seria a resposta de Davis. Se não lhe tivesse
informado que Quinlan a acompanhava, Connor teria perdido as
estribeiras. Mas estavam presas por um fio.
O que teria passado pela cabeça de Quinlan para permitir que
Brenna corresse esse risco? O garanhão irritadiço era de si
complicado para a maioria dos homens, e Connor nem sequer
imaginava a sua gentil mulher a tentar dominá-lo.
– Se Quinlan perder o controlo do animal, a minha esposa será
espezinhada. Onde estão?
– Senhor, não me parece que entenda o que tento lhe dizer. O
cavalo não se escapará ao Quinlan porque este não está junto ao
cavalo. Só guarda a Senhora.
– Santo Deus… ela pode ficar…
– Nada de mal lhe aconteceu. Isso sei eu.
Connor já se encontrava perto da porta quando as palavras de
Davis o travaram.
– Como podes saber se ela está bem ou não? – perguntou.
– Alguém da multidão já teria vindo à sua procura se tivesse
acontecido algum mal à sua querida esposa.
– Multidão? Qual multidão?
– A multidão que observa a sua esposa. As pessoas começaram a
juntar-se, uma a uma, há coisa de seis ou sete dias. Mas ninguém
incomoda a Senhora, pode estar tranquilo. E o Quinlan está sempre
ao lado dela, protegendo-a. Não tenho de ver para saber o que se
passa. Só preciso de sair daqui e ouvir o barulho da multidão, e
entenderei imediatamente se está a portar-se bem. Quando ela cai,
gemem muito alto e quando se mantêm direita, bem, aclamam,
claro. Tenho notado que há mais do que gemidos. A Senhora está a
aprender, finalmente.
– Onde os encontro?
– No lado de lá da encosta, atrás das cozinhas. Basta seguir o
ruído – berrou quando Connor desatou a correr. – Consegue ouvir o
gemido? Só pode significar… – Davis não viu necessidade de
explicar mais, pois Connor já transpusera o topo da colina,
desaparecendo de vista
Quando Connor passou pelas cozinhas, ouviu a multidão soltar
um viva estrondoso, indicando que a esposa continuava a salvo...
por ora. Voltou a respirar, mas ficara tão abalado com as novidades
que era um milagre conseguir recordar-se deste ato.
Momentos depois, discerniu os MacAlisters reunidos no declive da
encosta. As mães sentavam-se no chão com os bebés ao colo,
enquanto pais se mantinham atrás delas, a conversarem entre si. As
mais velhas tinham até trazido os bordados, mas tal como os
restantes, encontravam-se demasiado embrenhadas na visão da
Lady MacAlister para dedicarem atenção a qualquer outra coisa.
Todos eles, dos mais novos aos mais velhos, encantavam-se com
aquela visão, como se hipnotizados.
Loucos, todos eles.
Connor alcançou finalmente a crista do monte, a uma boa
distancia do clã arrebatado, parou por completo e fitou incrédulo
perante o espetáculo diante de si.
Nada o teria preparado para o que via. Não só a esposa
cavalgava o garanhão como também o fazia sem sela, e santos a
ajudem, ela parecia estar a portar-se muito bem. Não, não, para ser
justo, percebeu, ela era realmente espantosa. Costas e ombros
direitos como um bastão; cabeça levantada, montando com a
perícia e sabedoria de um guerreiro MacAlister, apesar de montar
com a graça e elegância de uma deusa. O cabelo dourado
esvoaçava enquanto ela e animal deslizavam pelo terreno, e quando
escutou o riso dela, o coração encheu-se de orgulho ao ver o feito
espantoso. Foi quando percebeu a verdade; ele era tão maluco
como os demais.
Reparou nas medas de feno espalhadas, sabia que Quinlan
procurava evitar o desastre, espalhando almofadões para proteger
as quedas dela, e fosse uma manobra inteligente na opinião de
Connor, iria mesmo assim dizer-lhe das boas. A multidão instigava-
a, incitava-a, e só quando viu Quinlan a agitar as mãos
freneticamente a Brenna e abanar a cabeça com veemência que
Connor conseguiu sair do pasmo e pôr um fim a esta loucura, antes
que sucedesse o pior.
Não compreendeu, nem suspeitou, o que ela pretendia fazer até
ser tarde de mais. Connor começou a descer o monte, quando o
cavalo saltou por cima da primeira meda de feno. Brenna nem se
mostrou abalada pelo primeiro salto, mas quase caiu ao chão com o
segundo salto.
Mas Connor não conseguia aguentar mais. Parou, afastou as
pernas e soltou um assobio penetrante. A cabeça do animal
imediatamente se levantou. Ouvira a ordem por cima do berro
aprovador da multidão e mudou rapidamente de sentido.
Brenna não conseguia entender o que se passava com Willie. Por
muito que tentasse, não conseguia obrigar o cavalo a voltar para
trás. O animal contornou o monte a correr, virou-se e começou a
subir.
Percebeu a razão um minuto depois. Connor encontrava-se no
cimo do monte, mãos à cintura, pernas abertas, com uma expressão
que não deixava dúvidas sobre o que pensava daquele espetáculo.
Ela redobrou as tentativas de puxar o animal no caminho contrário.
Deus a ajude, até suplicou ao Willie para ter piedade dela.
O cavalo teimoso recusou-se a obedecer, por muito que lhe
rogasse e puxasse as rédeas. Parou saltitante diante do dono, no
instante em que ela se dobrava sobre a orelha do animal para lhe
dizer o que pensava do seu comportamento.
– Traidor.
Connor ouviu. Tinha a noção que era preferível não lhe dizer nada
naquele momento, pois no seu presente estado, se soltasse a
língua, não seria capaz de se calar até lhe abalar os sentimentos.
Brenna fitou o olhar inóspito do marido, compenetrando-se que o
assustara fortemente. Quis dizer-lhe que estava tudo bem. Mas não
se atreveu. Havia algo nele que sugeria ser preferível, por enquanto,
manter-se calada.
Decidiu fingir que não reparava na ira. Era um mau plano mas por
outro lado, não lhe ocorria nada melhor.
Endireitou-se e tentou parecer jovial.
– Ficaste contente com a minha surpresa? – perguntou ela,
sabendo bem demais que ele não estava nem um pouco contente,
mas sim furioso. E contudo, havia esperança, ainda que ténue, de
conseguir navegar pela tormenta que se insurgia no espírito do
marido.
Ela esperou que Connor a arrancasse do dorso de Willie, ou
desatasse aos berros. Mas nem sequer tocou nas rédeas. Limitou-
se a dar meia-volta, regressando às cavalariças.
Willie seguiu-o com ar humilde. Crispin apareceu subitamente à
sua direita, muito pálido, como se tivesse sido assombrado por um
espectro; se lhe tivesse dedicado um mínimo olhar, Brenna teria
perguntado o motivo. E depois Quinlan manifestou-se à sua
esquerda, a ofegar da corrida, mas com um ar muito presunçoso.
Também não lhe dedicou um olhar, pelo que a rapariga não pode
perguntar porque céus ficara tão complacente.
Foi só quando alcançaram as cavalariças que Connor se
pronunciou finalmente. Ordenou a Crispin que retirasse a esposa do
dorso do garanhão e aguardasse ao lado dela, enquanto ele dava
uma palavrinha a Quinlan no interior.
Mal as portas se fecharam atrás deles, Connor berrou para Davis.
– Não saias do teu lugar – ordenou.
– Quer que me ocupe do garanhão? – perguntou Davis. – Parece
ter ficado agitado pelo seu tom de voz.
Ele deixou que Davis pegasse nas rédeas antes de se virar para
Quinlan.
– Começa a explicar.
– Nada que eu diga justifica a minha conduta. Só tem uma
hipótese, meu Senhor. Retire-me imediatamente deste cargo.
– Estou zangado, mas não parvo – retorquiu Connor. – Não és
capaz de controlar uma mulher? Mais vale aprenderes desde já,
pois quando for a tua vez ficas tu responsável por ela. Agora diz-me,
és maluco, deixando que a minha mulher corresse tamanho risco?
Até parece que todos ficaram doidos. Como permitiste que isto
acontecesse?
– Permiti que acontecesse, Connor? Deves estar a brincar. Mais
depressa conseguiria travar a chuva do que levar a tua esposa a
cooperar. Passei o tempo a tentar antecipar os movimentos da tua
mulher e ultrapassá-la, mas foi em vão.
Connor levantou a mão para calar Quinlan, quando notou que
Davis tentava esgueirar-se novamente pelas traseiras.
– Davis – rugiu –, se saíres por essa porta, não terás uma morte
feliz. Vem cá.
O estribeiro obedeceu sem demoras.
– Só lhe queria dar alguma privacidade. Precisa de algo mais?
– Sim. Quero que respondas a umas perguntas.
– Eu não lhe perguntaria nada, no teu caso – indicou Quinlan. –
Só ficarás ainda mais zangado.
– Isso não é possível. Bem, Davis, como sabes, eu ouço antes de
agir.
– Eu sei disso, claro – ele concordou.
– A minha esposa entrou na baia do cavalo e colocou-lhe as
rédeas?
– Ela não fez isso.
– E quem fez então?
– Eu.
A pálpebra de Connor começou a descair.
– Estou a ver. Sabias que a minha esposa tencionava levá-lo com
ela?
– Sim – respondeu ele. – Foi por causa dela, afinal, que eu trouxe
as rédeas.
Connor reparou no sorriso de Quinlan, lançou-lhe um olhar duro
indicando o que pensava do assunto, e depois dirigiu a atenção para
Davis novamente.
Quinlan não conseguia parar de sorrir, pois sabia o que se
seguiria.
– Explica-me porque fizeste tal coisa, para que não pense que és
atrasado mental.
– O sorriso dela, e essa é a triste verdade.
Connor piscou os olhos.
– O sorriso dela?
Davis anuiu.
– Foi o sorriso dela o meu motivo, do inicio ao fim. Agora que
penso nisso, é um ardil mas nunca o diria em voz alta porque
parece desleal, e não sou nada desleal, só sincero. E o coração
dela – lembrou-se de acrescentar com um aceno.
– O coração dela?
– O coração dela é puro como o de um anjo, tal como o sorriso,
mas é a mente, entende, que me dá arrelias. Desconfio que tem um
problema qualquer, mas não posso simplesmente afirmá-lo. A minha
Senhora não é como as outras que conheço. Pensa como um
homem, um homem esperto, e como poderia eu saber? Ela nunca
me mentiu. Não, nunca mentiu.
– Então porque permitiste que ela levasse o cavalo?
– Por causa do sorriso dela.
– Só vais andar às voltas, quanto mais perguntares ao Davis. Fala
sempre do sorriso dela – disse Quinlan. – E o coração dela, claro,
porque quando ela sorri, vejo que é pura como um anjo…
Connor interrompeu-o.
– Davis, sugiro que abandones as cavalariças imediatamente.
Volta depois de eu ter saído, e não antes.
O velhote não precisou que repetisse. Mexeu-se com a rapidez de
quem tinha os fundilhos das calças em chamas.
– Devo ordenar à minha mulher que pare de sorrir?
– Ajudaria – disse Quinlan com ar sério. – Também terias de pedir-
lhe que pare de pensar como um homem.
– Mas que raio significa isso?
– É mais inteligente do que o Davis.
– É mais inteligente do que tu, Quinlan?
O soldado suspirou.
– Não sei dizer. Mas é mais esperta, sem dúvida.
– Pregou-me um susto de morte.
– Como bem entendo.
Nenhum dos homens sabia quem desatou a rir em primeiro lugar,
mas em poucos segundos viram-se dominados pelo riso. Connor
julgou que se riam de alivio por ter encontrado a mulher ainda viva.
Quinlan sabia qual a exata origem das gargalhadas. Crispin iria ficar
a braços com Brenna da próxima vez que Connor partisse em
viagem e mal podia esperar para assistir ao decorrer da vigia do
outro.
Brenna e Crispin ouviram ambos as gargalhadas. Julgaram de
imediato que seria ela a causa de tanta diversão, mas, quando
Crispin notou que ela ficara abatida, disse descontraidamente:
– Não se preocupe, minha Senhora. Nem o Connor nem o Quinlan
se ririam do Davis nem de mais ninguém. Seria mesquinho da parte
deles.
– Estás preocupado que se riam de mim? Eu estou – admitiu,
antes de ele poder responder-lhe. – Mas seria mesquinho da minha
parte julgar que o meu marido ou o amigo dele se comportariam
dessa forma. Aposto que conheço a razão de tanta alegria –
acrescentou.
– E o que poderá ser, minha Senhora?
– Mesmo que o Connor não me admita, desconfio que gostou da
minha surpresa. Ele que espere pelas próximas.
– Quais próximas? – perguntou Crispin, numa voz rouca.
– As próximas surpresas, claro.
Por um motivo qualquer que ela ignorava, Crispin considerou
hilariante aquele comentário. Ela deu-lhe palmadinhas no braço,
para garantir que não se importava, mas depois deduziu que as
gargalhadas tinham sido despoletadas por um riso acumulado.
De todos os homens, Connor foi o primeiro a recuperar o
controlo..
– Mais tarde, hei de dar uma palavra à minha esposa – prometeu
ao amigo. Responde-me a uma última pergunta antes de sairmos.
Há mais?
– Mais, quê?
– Surpresas.
– Apenas uma, que me lembre.
Connor parecia pronto a cair de joelhos. Quinlan explicou
rapidamente
– Não tens de te preocupar. Ela fez umas melhorias pequenas no
salão grande que são inócuas. Vi-as esta manhã – acrescentou com
um aceno.
– Oxalá estejas certo – murmurou o Senhor antes de levar a mão
ao puxador. – Vai demorar uma semana a habituar-me à ideia de ver
a minha mulher em cima do cavalo. Sempre que penso no assunto,
tremo como um velho. Imagino-a a voar pelo prado…
Não foi capaz de continuar. Abanou a cabeça para se livrar do
pensamento, percebeu que a mão continuava a tremer e soltou um
sonoro suspiro de frustração.
Quinlan também imaginou a Senhora em cima do garanhão, e
embora soubesse que demoraria algum tempo até recuperar,
reconheceu a maestria que ela demonstrara.
Connor acabava de abrir a porta quando murmurou a Quinlan:
– A verdade é que ela é boa naquilo.
Capítulo 15

E la estava tramada.
As primeiras palavras que jorraram da boca do marido
quando saiu das cavalariças indicavam que ela cruzara aquela
fronteira imaginária da mente masculina, que separava aquilo em
que a esposa podia tocar do que não podia. Aparentemente,
acreditava que o garanhão preto só a ele pertencia e a mais
ninguém
Obviamente, ela refutaria esta reivindicação, mas, esperta como
era, esperaria primeiramente pelo desvanecimento da fúria.
– Quero dar-te uma palavrinha em privado, Brenna.
– Com certeza – respondeu ela, tentando mostrar-se ligeiramente
interessada e curiosa e nada preocupada. Percebeu de imediato
que a abordagem não era a melhor, e mudou a atitude para
indignação.
– Ainda bem, Connor. Já está na hora de concederes um
momento privado à tua esposa. Quando é que seria conveniente
para ti falarmos?
O ardil não funcionou.
– Se não queres que se perceba que estás nervosa, não devias
afastar-te de mim. Também sugiro que pares de espreitar por cima
do ombro, à procura de uma forma de escapares.
Lançou um olhar a Crispin, tentando perceber como reagia ele à
tática intimidatória do seu Senhor, sentindo-se agradecida pelo
soldado não mostrar que ouvira. O olhar dele viajou para o fundo do
monte, como se estivesse totalmente fascinado pelo que ali via.
Pelo contrário, Quinlan escutava atentamente Connor. Não
perdera aquele certo ar complacente de que ela não gostava. Não
só sabia que ela seria o alvo da tormenta de Connor, como parecia
contente pelo facto. Não tinha o homem nada melhor para fazer do
que andar atrás dela e contar tudo o que fazia ao marido?
Aparentemente, não. Embora fosse talvez injusto da sua parte,
comparou o soldado à antiga ama, Elspeth, que também adorava
denunciar Brenna.
– Quero ter já o momento a sós contigo – anunciou Connor.
Esperou que ela concordasse antes de indicar a Crispin e Quinlan
que se juntassem a ele à ceia, e depois começou a subir o monte,
em direção à torre, com Brenna ao lado.
– A minha surpresa não te agradou?
O fungar de desdém foi a resposta que ela precisava de ouvir.
– Estás chateado porque o Willie te pertence e não queres que
mais ninguém o use?
– Quantas vezes caíste?
Porque Quinlan, seguramente, lhe terá contado tudo com
pormenores, ela decidiu ser totalmente sincera.
– Tantas vezes que perdi a conta.
– O que julgas que teria acontecido se estivesses grávida do meu
filho?
Ela ficou estupefacta, pois a possibilidade nunca lhe ocorrera.
– Mas não estou. Acabei de… não estou.
– Acabaste o quê?
– Acabei de perceber que não posso estar ainda grávida. Nunca
colocaria o nosso filho em perigo.
– E não voltarás a montar aquele cavalo, está bem?
– Nem com sela?
– O cavalo nunca teve uma sela colocada nele, e garanto-te que
não iria gostar. Está fora de questão.
– Muito bem. Há mais alguma coisa que queiras referir… ou
fazer?
– Não voltes a chamar-lhe Willie.
Brenna percebeu que ele não mudaria de ideias.
– Não o farei – prometeu, antes de desabafar: – Sabes que não
voltaste a beijar-me desde que regressaste? Pergunto-me se sequer
pensaste nisso.
Ele praticamente nem pensava noutra coisa, mas não iria admiti-
lo.
– Não estivemos ainda a sós. Pede-me esta noite e então beijo-
te.
Ela não percebeu se era brincadeira.
– Sou capaz de me esquecer – garantiu-lhe. – Tanto me faz, não
me interessa.
– Interessa, sim. Olha por onde vais. Alguns dos buracos ainda
não foram tapados.
– Falando em buracos…
– Ainda não.
– Desculpa?
– Não quero ouvir conversa nenhuma sobre capelas. Nem agora
nem nunca. Entendeste?
– Entendi que és bastante casmurro.
Ela sabia que ele continuava um pouco incomodado com o plano
de tapar a torre com a igreja. Mas não a impedira, pelo que ainda
restava a esperança que desse ouvidos à razão. E quando tal
acontecesse, decerto que Brenna já possuiria uma explicação mais
adequada do que a verdade crua. Admitir que, na opinião dela, a
fachada da casa era absolutamente medonha apenas o magoaria, e
por esse motivo, ela tinha de encontrar outra desculpa.
Avançou para outro tema mais importante.
– Quando subirmos para o quarto, hoje, tenho de te contar algo
muito sério. É extremamente importante – murmurou. – Não vais
gostar nada.
– Conta-me já.
– Prefiro esperar pela noite. Só queria adiantar-te o tema –
acrescentou. – O que tenho a dizer vai magoar-te.
O riso dele não foi a reação que ela previra.
– É sério – insistiu ela.
– Garanto que, por muito séria que seja a novidade, o meu
coração permanecerá intacto. Porque não me contas já e
despachas o assunto? Parece que te assusta.
– E assusta. Mas vou esperar pela noite para te contar. Vais ver a
tua surpresa agora e não quero estragar a tua felicidade com más
noticias.
Ela subitamente desejou não o ter avisado, pois agora sentia o
estômago às voltas. Não havia de ficar perturbada? Ia desencadear
uma guerra entre dois irmãos, Deus a perdoe, mas não tinha
alternativa, pois não?
Ela colocara ao padre Sinclair aquela mesma pergunta durante a
confissão, e embora o padre concordasse firmemente que precisava
de contar ao marido quando este voltasse, também indicara que
devia contar desde logo aos soldados dele. Demorara imenso tempo
a convencer o padre que era importante contar a Connor
primeiramente. O padre cedeu por fim, quando ela prometeu que
seria cuidadosa e não ficaria a sós com Raen.
O padre garantiu-lhe que regressaria no dia seguinte para
conhecer a reação de Connor. Mas Brenna desconfiou que ele só
queria garantir o seu estado de espírito, e ela esperava, desejava
poder contar-lhe que Raen já fora banido.
Connor trouxe-a de volta ao momento presente, dizendo-lhe que
prestasse atenção aonde pousava os pés.
– O marido da Brocca quer saber se desejarias ficar com uma das
crias do cão de caça – repetiu ele.
– Porque razão me quer oferecer uma cria?
– É o que tem para dar.
– Mas porque…
– É uma prenda, Brenna. Foste simpática com a mulher dele e ele
quer compensar-te.
– É muito atencioso da sua parte – respondeu ela. – Importar-te-
ias de teres um cão de caça dentro de casa?
Ele abanou a cabeça.
– Vou dizer-lhe então que aceitarás o cachorro. Tenta não o
perderes, está bem?
– Por amor de Deus – murmurou ela. – Queres mesmo irritar-me.
Ele não fez comentários, mas surpreendeu-a, puxando-a para si e
passando o braço por cima dos ombros dela.
– Não ficas desiludida por ser um cão de caça?
Ela lançou-lhe um olhar intrigado.
– Não, claro que não. Porque julgarias isso?
A voz dele encheu-se de riso ao responder-lhe.
– Porque não é um leitãozinho.
– Então lembras-te de me conheceres – exclamou ela.
Ele abriu-lhe a porta antes de explicar.
– Claro que me lembro. Também me lembro de te pegar ao colo.
Eras mais leve do que a minha manta. Talvez da idade da Grace.
– Não, era muito mais crescida.
– Cheiravas ao leitão escondido nas saias.
– Não pode ser. Acabara de tomar banho. Foi o que a minha irmã
me contou.
– Já em bebé quiseste mandar em mim. Eu devia ter percebido.
Era difícil prestar atenção à conversa, pois os olhos dele
encheram-se de tanto carinho que ela não conseguiu pensar em
mais nada. Céus, como era bonito.
– Percebido o quê? – perguntou-lhe num murmúrio calado.
– Que ias ser uma fonte de problemas.
Considerou que era a frase mais simpática que Connor alguma
vez lhe dissera, e só depois de ter suspirado em apreço e
agradecido, é que percebeu não se tratar realmente de um elogio.
Ele não se riu dela. Pelo contrário, puxou-a para os seus braços,
inclinou-se e murmurou:
– Não tens de quê.
Ela não percebeu que ele pretendia beijá-la até os lábios se
colarem aos seus. Sentiu-se esmagada contra o peito rijo, tão forte
e apertado era o abraço, embora a boca fosse espantosamente
tentadora. A língua dele entrou em Brenna para aprofundar o beijo,
despertando uma resposta que ela não esperava, nem
compreendeu, até terminar e ele se afastar um pouco.
Tudo mudara, de súbito.
Apeteceu-lhe agarrá-lo até ao fim da vida. Embora tentasse
acreditar que aquele sentimento se relacionava com a presença do
marido e o facto de representar um travão para as intenções de
Raen, também havia outro motivo.
Apaixonara-se por ele.
Descobrir esse facto não lhe trouxe felicidade, mas tristeza. Um
erro tão tolo, como é que caíra nele? Ele não a amava, apenas a
aturava e nada mais, para ter herdeiros.
Connor fitava-a com atenção, preocupado ao ver lágrimas nos
seus olhos.
– Podes contar-me por que motivo choras?
– Aconteceu demasiado cedo – ela gaguejou. – Eu devia saber,
Connor. Eu devia mesmo saber.
– Brenna, a que te referes? O que aconteceu demasiado cedo?
Ela finalmente caiu em si. Não estava disposta a admitir que o
amava e pensou que preferiria entrar nua numa igreja cheia de
estranhos a admitir o seu erro. Não bastava sentir-se vulnerável,
seria também horrível gabar-se desse sentimento.
Seja como for, Connor não compreenderia, mesmo se ela lhe
tentasse explicar. Duvidava que ele conseguisse alguma vez amá-
la. Tão agarrado ao passado, não tinha espaço no coração para
mais nada.
– Podes responder-me? – pediu ele.
– Tive saudades tuas – soltou ela. – Não quis ter mas tive.
Ausentaste-te durante muito tempo.
A resposta pareceu satisfazê-lo. Beijou-a novamente, brevemente
mas com paixão, e depois acompanhou-a para o interior, subindo as
escadas para o piso principal.
– Na tua ausência, reuni toda a informação disponível pelas
pessoas mais idosas do local e consegui juntar as peças.
– Que peças?
– As do teu passado – respondeu ela. – Sei o que aconteceu ao
teu pai. Só quero dizer-te que percebo porque não derrubaste as
ruínas. Queres mantê-las até alcançares a justiça que é devida ao
nome do teu pai.
– Se me tivesses perguntado, eu explicaria.
– Então, daqui em diante, perguntarei. Não faças essa cara,
Connor. Quero que estejas com bom humor quando vires a minha
surpresa.
Ele preparou-se mentalmente, fez-lhe um aceno abrupto para
indicar que tentaria ficar contente, e disse:
– O Quinlan garante-me que não fizeste nada que fosse…
reprovável.
– Reprovável? Por amor de Deus, porque pensarias tal coisa? –
perguntou ela antes de se lembrar da sua reação aos buracos no
pátio. – Tenciono tapar a porcaria que fiz lá fora – explicou então. –
Assim que os soldados montem os postes para suportar a estrutura
que pensei construir, e eu…
– Brenna?
O aviso encontrava-se no olhar e na voz dele.
– Sim?
– Não vamos falar desse assunto agora.
– Claro que não. Sorri, Connor. Estás a ser recebido em casa.
Além disso, a Euphemia pode estar ali dentro, e não quero que
julgue que temos um casamento infeliz.
O riso dele surpreendeu-a.
– Que interessa o que ela possa pensar?
Ele era mesmo burro.
– Preciso que ela goste de mim porque é tua madrasta. Pediste-
me que a honrasse.
– Pedi?
– Sim, ou então fui eu que prometi que o faria.
– Sim – concordou ele.
Connor abriu a porta e esperou que ela entrasse. Ela não se
mexeu.
– Tenho um favor a pedir-te. Hoje, quando nos sentarmos à
mesa…
– Sim? – ele tentava descobrir.
Ela corou por ter de dar esta indicação.
– Por favor, olha para mim repetidamente, e não faças ar de
reprovação. Tenta ficar atento ao que tenho para dizer, está bem? –
felizmente, não precisou de resposta, pois adiantou-se apressada
para a entrada. Os inúmeros soldados à espera do chefe fizeram-lhe
vénias quando a viram. Cumprimentou-os um a um pelos seus
nomes, gesto que deixou o marido satisfeito e contente, até
perceber que já se encontrava a olhar para ela, sorrindo e
aparentemente atento a tudo o que ela dizia.
– Brenna, espera por mim no salão enquanto trato de uns
assuntos.
Ela fez-lhe uma vénia, em beneficio dos seus seguidores, e
despachou-se a entrar. Apetecia-lhe ficar perto da lareira, de modo a
assistir à sua reação imediata quando visse os acrescentos.
Encontrava-se a meio caminho dos quartos antes de perceber que
estava tudo errado. Encarou incrédula o espaço em volta, tão
espartano e agourento como quando o vira pela primeira vez. Até os
juncos tinham desaparecido do chão.
O que teria acontecido? Onde estava o pano adorável que lhe
dera tanto trabalho a terminar antes do regresso de Connor?
– Minha Senhora? – sussurrou Netta, encostada ao arco que
conduzia à porta dos fundos.
Brenna lançou um relance rápido à entrada, viu que Connor
continuava totalmente ocupado a ouvir os pedidos dos soldados e
acorreu então à criada.
– O que aconteceu, Netta? Onde estão os almofadões?
– A Lady Euphemia teve um ataque de nervos quando se sentou
num deles. Decidiu que eram demasiado desconfortáveis, e depois
de experimentá-los um por um, ordenou que fossem retirados
imediatamente. Indicou-me que os queimasse, minha Senhora para
não passar vergonhas diante do seu marido.
– O pano… onde está o pano que colocámos na mesa.
Netta abanou a cabeça.
– Foi um acidente – murmurou. – Pelo menos foi o que a Lady
Euphemia me disse. Insistiu em acompanhar o almoço com vinho.
Tinto, está a ver, minha Senhora, mas quando ia pegar na taça,
entornou o conteúdo por todo o lado. Insistiu que a taça é que
derrubara o jarro. Oh, minha Senhora, ficou arruinado. Sei que
passava metade das noites acordada para terminar os bordados na
ausência do nosso chefe, e era perfeitamente adorável, minha
Senhora. Até o Quinlan fez esse comentário.
Tentando esconder a desilusão, ela deu uma palmadinha a Netta,
procurando consolá-la.
– Acontece… – disse ela. – Mas não tinha percebido que os
almofadões eram desconfortáveis. Experimentei-os a todos e pensei
que fossem… bons, mas se a Lady Euphemia…
– Ela disse que tinham partes duras.
– Estou a ver. Bem, então procurarei fazer melhor da próxima vez.
E os juncos? Esses não estavam bem? Imagino que davam ao
espaço um aroma agradável. Tal como as flores – acrescentou. –
Também desapareceram?
– A Lady Euphemia também considerou que os juncos fossem
bonitos mas tropeçou neles, ao ir para a mesa e quase caiu no
chão. Explicou-me que já não via tão bem como antigamente e
pediu-me para remover os juncos o mais depressa possível. Estava
certa que compreenderia.
– Obviamente.
– Mas admitiu que não gostava nada das flores.
– Explicou porquê?
– Disse que lhe faziam recordar os mortos porque são usadas nos
funerais.
Os ombros de Brenna descaíram. O que devia Euphemia pensar
de si agora?
– Foi insensível da minha parte colocar flores na cornija. Não
pensei bem, Netta. Nunca julguei que reagisse dessa forma. Tenho
de corrigir o meu erro – acrescentou com um aceno.
– Minha Senhora, não havia forma de saber. A cadeira que o
Lothar lhe ofereceu foi-lhe devolvida. Quem me dera que ele não
tivesse passado meio dia a esfregar a madeira até brilhar.
– Foi devolvida com que motivo?
– A Lady Euphemia confessou que tinha medo de se sentar nela
por ser instável. Tentei garantir-lhe que era totalmente segura, mas
não a demovi. Ficou aterrorizada com a ideia de cair. Julgo que se
deve à idade e saber que, se partir um osso, já não tem cura. Até
pensei se ela se preocupava com tais coisas quando era nova.
Afinal, os ossos nunca saram bem sejam velhos ou novos –
acrescentou com um aceno, indicativo de que falava com
conhecimento de causa.
– A idade deve tê-la tornado mais cautelosa, e devemos respeitar
isso.
– Uma última coisinha. Odeio mencionar o assunto, depois da
desilusão que sofreu.
Brenna tinha medo de descobrir o que mais Euphemia considera
insatisfatório, mas obrigou-se a perguntar:
– Sim?
– Ela perguntou-me se havia algo que quisesses acrescentar aos
aposentos. Mencionei que trabalhava num estandarte para pendurar
na parede. E disse que era muito bonito – ocorreu-lhe acrescentar. –
A Lady Euphemia obviamente quis vê-lo. Pareceu ficar agradada
quando lhe disse que a Senhora era muito jeitosa com agulha e
linha, e como se dedicara à sua tarefa ao longo de tantas horas.
– E mostraste-lhe?
Netta anuiu.
– Oh, minha Senhora, ela ficou tão desiludida com o seu trabalho.
Estalou a língua como uma galinha e abanou a cabeça.
Brenna sentia a cara a arder de embaraço.
– E o que te disse ela?
– Disse que os pontos estavam todos tortos, mas também garantiu
que entendia ser o melhor e que conseguiria mais tarde aprumá-
los.
– E onde se encontra agora a minha tapeçaria?
– A Lady Euphemia não quis que fosse humilhada em frente do
seu marido e dos seguidores dele – lágrimas de empatia
acumulavam-se na vista de Netta, o que tornou o embaraço de
Brenna ainda mais horrível.
Ela sentiu-se, não só um perfeito fracasso, como culpada por
nutrir tanta raiva. O comentário de «ser o melhor que sabia fazer»,
sempre que tentava agradar a Euphemia, era na prática um ataque
à sua mãe, por não ter educado devidamente a filha.
– Desapareceu, não foi? – murmurou, voz neutra com a derrota.
– Sim, minha Senhora. A Euphemia começou a desfazer os
pontos ao meio-dia, e quando foi hora de subir ao quarto para se
banhar antes do jantar, só restavam fios no chão.
Connor chamou-a pelo nome ao entrar no salão em grandes
passadas, olhando à volta com interesse.
Brenna soltou um suspiro cansado e virou-se para ir ao seu
encontro. Netta agarrou-lhe a mão.
– A meu ver, estava tudo adorável, minha Senhora – murmurou.
Brenna não precisava nada de comiseração. Sorriu para não ferir
os sentimentos de Netta e disse:
– Da próxima vez, farei muito melhor.
A criada fez uma vénia à Senhora e saiu para indicar aos criados
que preparassem a comida e a servissem.
– Já acabaste de falar com os soldados?
A pergunta da esposa fê-lo sorrir.
Todos os homens quiseram saber se podiam recuperar os
pertences. Connor não entendeu a que se referiam, até um deles
apontar para a pilha de objetos no baú, insinuando que um dos
punhais era muito similar ao usado pela mulher do Senhor. Não
ousaram acusá-la de os ter roubado deliberadamente, pois sabiam
que costumava esquecer-se quando estava com pressa ou
distraída. Aliás, cada um dos soldados defendera Brenna na sua
presença, razão pela qual não se ria.
Emmett explicara ao Senhor.
– Ela distrai-se e esquece-se – explicou. – Tal como o Senhor, ela
é muito atenciosa com as nossas esposas. Portanto, acabam por
gostar dela, e ficariam muito consternadas se a penalizasse por
causa deste problemazinho, quando se esquece de devolver as
coisas que lhe emprestamos. São quase tantas as coisas que deixa
ficar connosco, como as que leva – lembrou-se de acrescentar em
defesa de Brenna.
Connor prometeu que não criticaria a esposa e sugeriu que,
futuramente, sempre que faltasse algum objeto, eles ou as esposas
podiam entrar na torre e vasculharem na pilha do baú. Não
precisavam de pedir autorização novamente.
– Reparo, pelo teu sorriso, que a conversa correu bem –
comentou Brenna.
– Pois foi – garantiu ele – Resolvi o problema mas não a causa.
– Em breve também resolverás isso – respondeu ela.
O riso dele ecoou pelos aposentos.
– Duvido mas a verdade é que não quero.
– Não queres? Porquê?
– Porque até gosto da causa. Não me peças para explicar. Prefiro
ver a sua surpresa. Já te fiz esperar tempo suficiente.
– Não posso.
– Não podes esperar?
– Mostrar-te a surpresa.
– Porque não? Mudaste de ideias?
– Sim, foi isso – disse ela. – Mudei de ideias.
– Porquê?
– Porquê? – a mente tentou encontrar uma desculpa veloz para
impedi-lo de descobrir que havia falhas em todas as suas iniciativas,
caso contrário julgá-la-ia incompetente, algo que não se
considerava. Só não teve tempo suficiente.
Felizmente, lembrou-se que encomendara um medalhão para ele.
Tencionara deixá-lo para o fim, para lhe conferir importância.
– Encontra-se lá em cima no quarto. Gostarias de vê-lo agora?
Podia ir…
– O que preferes?
– Esperar – decidiu ela.
– Então esperarei.
– Obrigada – respondeu antes de lhe perguntar se já tinha visto a
madrasta.
– Não.
– Ela deve descer a qualquer instante. Já viste o Raen?
– Não, mas deve voltar daqui a um par de horas, de acordo com o
Quinlan, e depois fica só mais uma noite antes de se ir de vez –
disse Connor.
– Ele vai-se embora?
Ela não queria mostrar-se tão feliz pela partida de Raen, mas foi
impossível de evitar.
Connor arqueou o sobrolho perante aquela reação.
– Regressa amanhã para as suas terras.
– E onde ficam? – perguntou ela, assim por acaso, desejando que
o homem vivesse na outra ponta de Inglaterra.
– Muito longe daqui. Duvido que o voltemos a ver antes de se
passarem cinco ou dez anos. Brenna, passa-se alguma coisa?
– Não, não, claro que não.
– Então porque me agarraste de repente?
Ela pareceu espantada, e ele abanou a cabeça, perplexo. Os
braços dela envolviam-lhe a cintura, mas rapidamente o libertou. A
mera menção da madrasta fê-la instintivamente aproximar-se do
marido. Claro que não explicou, e só lhe disse que sentira
saudades.
– Já tinhas dito.
– Sim, mas quis reforçar. Dás-me licença enquanto corro para as
cozinhas e falo com a cozinheira?
Ele disse que sim e ela despediu-se com um beijo.
– O que aconteceu aqui, Connor? – entrando no salão, Quinlan
fez a pergunta em voz alta.
Crispin seguiu-o.
– O que aconteceu aqui? – perguntou.
– Os aposentos voltaram a estar como antes. O que aconteceu às
alterações que a Senhora fez?
Connor não percebeu a que se referia ele. Ficou com as mãos
unidas atrás das costas enquanto ouvia a explicação.
– A Senhora disse porque motivo voltara atrás com as
alterações?
Connor abanou a cabeça.
– Disse que a surpresa estava no piso de cima.
– Mas porque havia de levar os almofadões e o bordado e a
cadeira para o piso de cima? – perguntou Quinlan.
– Pode ter mudado de ideias – sugeriu Connor.
– Bem te disse que ela andava estranha. Terá também levado os
juncos para o piso de cima?
– Pelos vistos – respondeu Crispin.
– Mas isso é bastante peculiar… – começou Quinlan.
– Agradecia imenso que não voltasses a dizer isso – retorquiu
Connor. – Não há nada de errado com a minha esposa. Mudou de
ideias, e se não mudou, haverá outro motivo. Logo saberei quando
estiver disposta a contar-me.
A discussão terminou ali. Quinlan quis saber detalhes sobre a
captura de Dawson e enquanto Crispin explicava, Connor pensava
na esposa. Decidiu que havia de começar a prestar-lhe mais
atenção e aos acontecimentos da casa.
Euphemia juntou-se-lhes minutos depois. Connor fez uma vénia à
madrasta e aguardou à cabeça da mesa até ela se sentar antes de
puxar a sua própria cadeira. Ficou ao lado dela durante uma hora, a
ouvi-la falar do seu pai e do passado, enquanto Crispin e Quinlan
continuavam a conversar ao lado da lareira.
Raen apareceu quando os acepipes eram depositados na mesa.
Brenna e Netta entraram pela porta dos fundos ao mesmo tempo.
– Connor – exclamou Raen. – Até que enfim que te vejo. Há
quanto tempo.
– Foi mesmo muito tempo – concordou Connor.
Raen abraçou-o.
– Estás com bom aspeto. A vida de casado fez-te bem.
Depois de beijar a mãe, Raen sentou-se diante dela, do outro lado
da mesa.
Connor encontrava-se assim flanqueado de ambos dos lados
pelos seus parentes, e embora pensasse pedir ao meio-irmão para
trocar de cadeira, de modo a colocar a esposa perto de si, não
mencionou o assunto quando Brenna acorreu para o extremo
oposto da mesa, puxou um banco e sentou-se.
– Há muito tempo que aguardo pelo nosso encontro e agora é
como se a minha vida voltasse a ficar completa – anunciou
Euphemia. Sentia-se tão emocionada por ver os dois filhos juntos
que os olhos se encheram de lágrimas.
Brenna também se deixou comover. Não de alegria mas de
tristeza. Apeteceu-lhe chorar ao ver o afeto demonstrado pelos dois
irmãos. Aparentemente Connor estava feliz pela presença da
família, e agora como poderia ela contar-lhe o que o meio-irmão lhe
fizera? Só de pensar na mágoa que causaria incomodava-lhe o
estômago.
Connor pouco falou durante a refeição. Ficou satisfeito com os
seus comandantes pois escolheram flanqueá-la e incluí-la em todos
os aspetos da conversa.
Brenna apanhou o marido a observá-la e lançou-lhe um sorriso
fugaz, incitando-o com o olhar à reciprocidade.
Para Connor, o serão mostrou-se repleto de revelações. Notou
que Netta mostrava afeto por Brenna a cada oportunidade e ficava
radiante sempre que recebia um elogio da Senhora. Por outro lado,
mostrava-se pouco feliz quando servia Euphemia, sendo aparente
que não gostava da mulher.
Pensava ter percebido tudo e praticamente se riu por ser tão fácil.
Quinlan mencionara que Brenna parecia ter dificuldade a lidar com
Euphemia. As duas mulheres tinham-se envolvido numa espécie de
contenda, para determinarem quem é que mandava. O direito
obviamente que pertencia a Brenna, e embora se intrigasse porque
motivo ela não percebia isso, não pretendia interferir. Ela que
resolvesse o problema à sua maneira, e com o seu ritmo, pois sabia
que, por muitas explicações que desse, ela acabaria por julgar que o
marido não confiava nas suas capacidades.
Quinlan estivera correto sobre a falta de apetite dela. Mal Crispin
lhe entregou o punhal que ela tinha largado no pátio e que ele
limpara, Brenna agradeceu-lhe, remexeu na comida mas não comeu
nada.
Raen contava uma história divertida que fez todos rirem, à
exceção de Brenna. Antes de poder contar outra, Connor perguntou
à esposa se se sentia bem.
– Sim, obrigada, mas estou bastante cansada. Foi um dia
comprido.
Connor sugeriu que se recolhesse aos aposentos.
– Daqui a minutos já me junto a ti – prometeu.
Raen também se levantou.
– Terei todo o gosto em acompanhar a tua esposa pelas escadas
– ofereceu. – Soube que ela caiu das escadas do Kincaid –
acrescentou, caso Connor questionasse o motivo daquela oferta.
Brenna não berrou a sua recusa, mas esteve quase.
– Obrigada pela oferta mas eu queria dar uma palavrinha ao
Crispin – explicou, preferindo-o a Quinlan pois fora rápido a
levantar-se. – Se aguardar por amanhã, ainda me esqueço. Boa
noite – acrescentou, enquanto se agarrava ao braço do soldado
para o fazer mexer-se.
Crispin ficou honrado com aquele dever. Ele esperava que ela lhe
explicasse o assunto que pretendia falar consigo, e quando
alcançaram a porta da antecâmara do Senhor, lembrou-se
finalmente.
– Mencionou que queria dar-me uma palavrinha, minha Senhora?
– Pois, eu disse isso – comentou ela enquanto procurava
descobrir algo de importante para lhe dizer. Mas a mente
infelizmente continuou completamente branca, obrigando-lhe a
contar a verdade ou deixá-lo pensar que era uma parvinha.
– Foi invenção.
– Não pretendia dar-me uma palavrinha? – perguntou ele,
tentando entender.
– A bem dizer, o que não queria era que o Raen me
acompanhasse. Por isso te menti.
– Poderá explicar porque razão não quer que o meio-irmão de
Connor a ajude?
– Não preciso da ajuda de ninguém, mas como ele se ofereceu,
tive de pensar numa desculpa para o impedir. Compreendes agora?
Crispin abanou a cabeça, abrindo-lhe a porta.
– Ainda não me explicou o motivo.
O soldado era tão tenaz quanto Quinlan.
– Prometes-me que não repetirás ao Connor o que te quero
contar? Pretendo explicar-lhe a ele primeiramente. Posso demorar
um ou dois dias a ganhar coragem suficiente – disse ela. – Embora
espere contar-lhe esta noite.
– Contar-lhe o quê, minha Senhora?
– Que não gosto do irmão dele – ela suavizou a verdade. Raen
era tão mau como MacNare, astuto como um demónio e vil como
uma cobra que aguarda para saltar das sombras e atacar. – Sei que
o Connor tem o Raen em grande estima. E deves ter notado como
ele ficou feliz por ver o irmão.
– Sei que o Connor é muito bom a esconder os verdadeiros
sentimentos. Claro que honrarei os seus desejos e não direi nada.
– Obrigada, Crispin.
– Pode responder-me a uma pergunta?
Ela já entrara no quarto mas apanhou a porta antes de se fechar
por completo.
– Certamente – concordou.
– O Quinlan não percebeu porque motivo retirou todos os
acrescentos que tinha colocado no salão. Ficou bastante confuso.
– Afinal, não eram satisfatórios. Por isso foram retirados – ela não
lhe deu tempo para colocar mais perguntas, desejou-lhe novamente
boa noite, e rapidamente fechou a porta.
Havia muito para fazer antes de o marido se juntar a ela. Mal
aferrolhou a porta, despojou-se das roupas diante da lareira que
Netta entretanto acendera, lavou o corpo inteiro com sabão com
aroma de rosas e enfiou o roupão e chinelos. Enquanto aguardava
por Connor, tentou encontrar uma forma simples de lhe falar de
Raen sem o magoar.
Agora que a vil criatura se preparava para partir valeria a pena
que Connor soubesse? Brenna tentou convencer-se que não faria
mal se permanecesse calada, mas percebeu que precisava de
contar, por muita dor que lhe causasse. Ao ousar tocar-lhe, Raen
traíra o irmão, e seria incorreto da sua parte não informar Connor.
Infelizmente não conseguiu encontrar una forma de suavizar a
verdade, embora esperasse que o medalhão fosse prova para ele
de que teria sempre a lealdade dela.
A espera era uma tortura. Encostar-se à parede ajudou-a a
manter-se acordada, embora apenas em parte. Contudo, não ousou
entrar na cama, pois voltaria a adormecer. Sem duvida que se sentia
assim cansada de alivio pela presença do marido em casa. Por
andar preocupada com Raen, não descansara nada na sua
ausência. Tudo aquilo mudaria agora, obviamente.
Ouviu a voz ressonante de Connor e depois as passadas pesadas
a subirem as escadas. Destrancou a porta e afastou-se para a
janela, aguardando-o. Iria recebê-lo com um beijo, ajudá-lo a
preparar-se para a cama e depois dar-lhe a prenda.
Depois contar-lhe-ia a situação com Raen.
Mas acabou por acontecer de forma diferente. Mal o marido entrou
no quarto, correu para ele, agarrou-lhe as faces e beijou-o com todo
o amor e paixão dentro de si.
Subjugado pela mostra desenfreada de afeto, ele envolveu-a com
os braços e apertou-a contra si. Espantava-o saber que casara com
uma mulher tão gentil e adorável, e quando ela também o envolveu
pelo pescoço, murmurando timidamente que queria fazer amor ele
percebeu que o desejo nele mais do que equivalia ao dela.
Enquanto se encontravam longe, uma eternidade, no entender dele,
sentira a falta de tudo na rapariga, uma necessidade que se
intensificara até se tornar uma ânsia dolorosa durante as negras
horas da noite.
– Se eu prometer que não te abandono durante muito tempo,
deixas-me fechar a porta?
Ainda relutante em largá-lo sequer por um instante, beijou-lhe o
lado do pescoço e finalmente afastou-se.
– Tranca-a para os intrusos não entrarem – disse.
Subitamente sentindo-se hesitante e nervosa, ela recuou, parando
no meio do quarto à espera dele. Fitou com aprovação e admiração
o marido. Os ombros e o peito dele eram amplamente musculados,
e contudo, recordou como era terno o seu toque sempre que ele a
procurava.
Sentindo o próprio pulso acelerar de antecipação para o que havia
de vir, respirou de forma trémula e voltou a encará-lo. E descobriu
que ele sorria para ela.
– Já te esqueceste do meu aspeto? – perguntou ele, sobrolho
arqueado ligeiramente. Para deleite de Connor, o rosto dela banhou-
se de cor.
– Assim parece – respondeu ela.
– O teu cabelo está a pingar, o que significa que foste para o lago
sem mim, novamente. Vou buscar uma toalha.
Ela não era capaz de se obrigar a mexer. Connor encostou-se à
porta e aguardou até lhe passar o embaraço. Esperou ardentemente
que demorasse bastante, pois adorava observá-la assim. A rapariga
tinha as mãos unidas atrás das costas, oferecendo-lhe uma visão
sedutora do peito desnudo e da cintura estreita. O apreço dele
rapidamente se tornou desejo e ao final de alguns minutos,
começava a latejar com a necessidade de deslizar as palmas das
mãos cheias de cicatrizes ao longo da pele macia e imaculada de
Brenna.
Algo espantado pela sua própria perda de compostura, ela fitou
aqueles olhos cinzentos abrasadores, respirou novamente de forma
trémula e tento recordar o que devia fazer.
– Uma toalha – murmurou, sorrindo novamente por não ter
perdido por completo a razão. – É o que trarias.
O riso dela acompanhou-a da antecâmara até ao baú. Tendo
recuperado a fala, ela desfez-se em desculpas, explicações e
ordens, enquanto graciosamente se ajoelhava no chão e
cuidadosamente deslocava a vela acesa para abrir o baú.
Disposto a fazer de acordo com o que ela quisesse, ele dirigiu-se
para o seu lado da cama, como ela indicara, e sentou-se à espera
dela. Sabia perfeitamente o que ia acontecer mal ela se encontrasse
a jeito. Envolvê-la-ia com os braços, deitá-la-ia na cama e faria amor
apaixonadamente com ela.
Ela tinha outras ideias. De pé entre as pernas dele, tentou secar o
cabelo com a toalha, mas novamente não conseguiu concentrar-se
no que fazia, pois ele desatara o cinto do roupão dela e deslizava
agora lentamente as mãos pelo peito dela. Parou sobre os seios,
que agarrou com cada mão, polegares a acariciarem gentilmente os
mamilos, e depois inclinou-se contra ela, tentando enlouquecê-la
com beijos sôfregos.
Teve de lhe pedir que respirasse. Embora quisesse arrebatá-la
com prazer sensual antes de penetrar nela, a sua disciplina
desapareceu quando ela despiu o roupão e empurrou os ombros
dele para se deitar.
Nenhum deles aguentava mais, para se unirem como um só, e
enquanto ele se mexia entre as coxas dela, penetrando-a
lentamente, fitava os seus olhos para observar o prazer dominá-la,
embora também ele se perdesse na sexualidade que a reação
despertava em si..
Ela puxou-o para baixo e beijou-o, e quando a pressão dento de si
se intensificou, indicando-lhe que estava quase a desfazer-se do
esplendor, começou a entoar silenciosamente «amo-te» até se
tornar uma súplica desesperada dentro do coração, ouvir esta
promessa de amor.
Ele enterrou a cara no pescoço dela, ouviu aquele terno sussurro
jurar-lhe amor sem parar, e sentiu abalo e humildade pela aparição
deste requintado milagre. Só quando a sentiu apertar-se contra ele é
que apressou o ritmo para a satisfazer e reivindicar como sua.
Emoções que nunca admitira antes permaneceram inauditas.
No rescaldo da paixão, continuaram agarrados, esgotados e
satisfeitos. Agora calados, escutavam as pulsações fortes nos seus
peitos.
Como era seu hábito enternecedor, ela chorou por causa da
maravilha que era fazer amor com ele, e quando recuperou por fim o
controlo, enfiou os braços na cama novamente e sorriu-lhe.
– Parece que perdi muito na tua ausência.
Ele anuiu com satisfação arrogante.
– Assim parece – concordou. Debruçou-se, beijou-a e depois
virou-se para o seu lado. – Tens autorização para me dares esta
mesma surpresa amanhã.
Ficou contente por ela se rir.
– Então não seria surpresa, pois não? Além disso, não era isto.
Tenho outra coisa para ti.
Vários beijos depois, ela convenceu-o que a deixasse sair da
cama o tempo suficiente para ir buscar a prenda, e ao regressar,
envolveu a manta escocesa à sua volta e sentou-se, de frente para
ele à beira da cama.
Ele também decidira que, fosse qual fosse a prenda, ficaria feliz
por recebê-la, mesmo que fingisse. Tinha de considerar os
sentimentos da rapariga, e para Connor nada mais importava.
Brenna tinha-se dado obviamente a bastante trabalho para o
contentar, pelo que decidiu dar à prenda a importância merecida.
Sentou-se, encostou os ombros contra a parede atrás de si e dobrou
uma perna para nela descansar o braço.
– Aproxima-te – pediu ele.
Ela assim fez e dobrou as pernas debaixo de si antes de se
envolver novamente com a manta escocesa.
– Mais perto – disse ele numa voz roufenha.
Ela negou-lhe este pedido, abanando a cabeça.
– Eu conheço esse olhar, Connor. Se me aproximo, ainda me
agarras.
Admitindo que ela estava certa, ele anuiu em concordância.
– Nunca me tinham dado uma prenda, e duas em uma é mais do
que mereço.
– Duas? Que outra prenda recebeste tu?
– Não te lembras do que me disseste quando eu estava dentro de
ti?
Ela franziu a testa, concentrando-se ao procurar pensar.
– Despacha-te? – disse para espicaçá-lo.
– Além disso – comentou ele com um sorriso.
– Não me lembro. Disse mais alguma coisa?
Sim, disseste, pensou ele, disseste que me amavas.
Talvez fosse apenas do entusiasmo da situação, algo dito no ápice
do sexo, sem pensar nas palavras, tal como costumava rezar em
voz alta sem se aperceber naquele primeiro dia em que a viu. Mas
tinha dito aquela frase, e portanto pensara-a, e nada mais importava
a Connor.
– Porque sorris? Ainda não te dei a prenda.
– A forma como me quiseste esta noite foi a única prenda que eu
queria.
– Mas há mais.
– Haverá, se te aproximares de mim.
Ela abanou novamente a cabeça.
– Vais ter de esperar. Amanhã conto-te duas histórias.
– Apenas uma – disse ele.
– Duas – insistiu ela.
O suspiro dele foi deliberadamente exagerado.
– Está bem, mulher.
– A minha primeira história refere-se a uma coisa que me
aconteceu quando era pequenina. Era demasiado nova para me
recordar dos pormenores, além de me sentir muito assustada. O
meu pai sentou-me ao colo e contou-me o que acontecera, e não te
atrevas a fazer esse ar carrancudo; vais ouvir histórias da minha
família, quer querias quer não.
– Não fiz um ar carrancudo.
– Mas tencionavas fazer.
Ele riu-se.
– Não tencionava. Não faz mal que fales dos teus familiares
agora. Dantes é que fazia mal.
– Porquê?
Porque o teu coração e a tua lealdade agora pertencem-me,
pensou ele.
– Depois explico – disse ele. – Continua a contar a história.
– O meu pai disse-me que eu era o motivo de uma nova tradição
familiar. Estávamos a caminho das terras de um tio quando parámos
para merendar. Todos queriam esticar as pernas e quando foi hora
de partir, o meu pai esqueceu-se de fazer a contagem.
– Contagem?
– Éramos oito crianças, Connor. Ele contava-nos sempre para
garantir que estávamos todos.
– Mas desta vez não contou.
– Pois não. Pensou que eu estava com o meu irmão mais velho, o
Gillian, e o Gillian pensou que eu estava com o mano Arthur –
explicou. – Mas não estava. Como era meu costume na época, fui
dar uma volta, perdi-me e a família não descobriu que me tinha
deixado para trás até estarem todos a caminho.
Connor franzia a testa agora. Imaginou a esposa com a idade de
Grace e nem sequer podia imaginar o terror que ela deve ter
sentido.
– O Gillian descobriu-me antes dos outros, embora me tivessem
contado que o meu pranto era suficientemente alto para o rei de
Inglaterra o poder ouvir se esticasse a cabeça pela janela, e nesta
mesma noite, o meu pai inaugurou esta nova tradição.
– O medalhão.
Ela anuiu.
– Os outros irmãos mais velhos acolheram a ideia e prometeram
não perder de vista os medalhões. A mãe ficou preocupada com a
possibilidade de a bebé e eu podermos engasgar-nos com os fios
de couro ao pescoço, e portanto só podia usá-lo quando saísse das
suas terras.
Ela manteve o olhar fixo no dele durante um minuto demorado, e
depois pegou-lhe na mão e virou-lhe a palma para cima. Tocou com
os dedos nas cicatrizes que lhe marcavam a pele, mas encontrou
apenas tristeza naquele olhar, não repulsa nem pena.
– Deves ter ficado apavorada – disse ele, tentando fazê-la olhar
para si ao invés das marcas do seu passado. Ela apertou-lhe ainda
mais o pulso quando Connor tentou tirar a mão. O homem
concedeu-lhe aquele desejo e esperou que ela continuasse.
– Acabei por recuperar – murmurou ela. – Mas tu não, pois não,
Connor? – a tristeza entrara agora na sua voz.
– Porque ainda não terminou – explicou ele. – Queres que te
conte como arranjei estas cicatrizes?
– Não.
Ele sentiu uma mistura curiosa de alivio e desilusão.
Brenna ficou condoída pela dor que ele tinha sofrido e procurou
pensar no que lhe podia dizer que não parecesse um consolo, mas
um mero reconhecimento das terríveis injustiças do passado, para
que ele percebesse que ela compreendia.
– Estas cicatrizes marcam o teu passado – murmurou ela,
levantando-lhe a mão lentamente.
Ele tentou novamente puxar a mão e novamente ela resistiu.
– Sim – disse ele, agora zangado.
Brenna debruçou-se e beijou cada uma daquelas cicatrizes.
Connor sentiu as carícias intimamente, no coração e na alma.
Atordoado pela reação a ela, fechou os olhos. O toque da rapariga
destroçava-o, mas enchia-o de calor ao mesmo tempo. E sentiu-se
rejuvenescido. Não entendeu como, nem porque, mas o desgosto
inclemente desaparecera, e só restava o amor.
Ela não parou até ter beijado as palmas das duas mãos, e depois
levou a mão ao medalhão que nelas pousou.
Ele abriu novamente os olhos e fitou as gravuras na madeira.
– Há muito, muito tempo existiu um rapaz chamado David –
começou Brenna em voz baixa. – Vivia com a família numa terra
ameaçada por um gigante terrível chamado Golias. Um belo dia o
David teve de lutar contra este inimigo. Era demasiado novo para
usar espada. Poderia trazer a espada do pai, tal como tu, mas ao
contrário de ti, não foi obrigado a pisar cinzas ardentes. Mas vocês
os dois eram muito corajosos e ele também podia ter conduzido os
outros para um lugar seguro, tal como tu, pois era igualmente nobre,
como tu, Connor.
Abalada pelas palavras dela, Connor não foi capaz de responder.
Ela sabia de tudo e mesmo assim via-o como corajoso e nobre.
Claro que não compreendia. Ele ainda não tinha direito a receber
aqueles elogios, pois não alcançara a justiça depois de tantos anos
a tentar.
Abanou a cabeça para ela. Ela anuiu. E depois começou a
percorrer a figura de David com a ponta dos dedos.
– O rapaz só tinha uma fisga como arma, e quando foi a sua vez
de enfrentar o Golias, procurou uma pedra – disse ela, parando para
traçar o pequeno circulo na planta dos pés de David. – Acreditas
que a tua força vem da espada do teu pai, Connor?
Ele não lhe respondeu. Ela fitou-lhe o olhar, esperou no limite
alguns segundos e disse:
– Mas não vem. A tua força vem de dentro de ti. É a tua
determinação, a tua paciência, a tua capacidade, mas acima de
tudo, é a tua sede de justiça. David matou o gigante para salvar a
sua gente. Tu já salvaste quem te segue.
– Mas ainda tenho de matar o inimigo.
– Olha em volta. Vê o que alcançaste. O David representará
sempre o que foste e aquilo em que te tornaste. Merece-lo.
Ela ergueu o medalhão para ele poder observá-lo melhor.
– Eis o teu passado e o teu presente – e ele virou-o ao contrário. –
E este é o teu futuro.
Reconheceu o símbolo, pois era o mesmo do medalhão da sua
mulher.
– O Sol.
Ela oferecia-lhe o seu amor, rezando para que recebesse o dele
em troca.
Ele não disse nada, nem lhe deu indicação de que daria, ou
poderia dar, o que ela queria. Retraiu-se nesse momento,
assumindo um ar absorto e distante, e contudo ela notou a
humidade na vista e sabia que as palavras que ela desejava ouvir
habitavam dentro dele, trancadas com os sentimentos.
– Só tens de abrir o coração e acolher isto.
Ela pousou o medalhão de novo na mão dele, aproximou-se e
beijou-o.
Tentou recuar mas ele não a deixou. Envolveu-a com os braços e
beijou-a vezes sem conta, tomou-lhe desesperadamente a boca.
Não compreendia nem sabia se a beijava para demonstrar o seu
carinho, ou se deliberadamente colava a boca à dela para que ela
não lhe pedisse aquilo que ele era incapaz de dar.
Fizeram amor de forma selvagem, descontrolada, louca, e só
depois de a ter satisfeito duas outras vezes e ela tombar na cama
sem forças, adormecendo em cima dele, que ele admitiu a sua
maior fraqueza.
Ela aterrorizava-o.
Capítulo 16

C onnor partira. Brenna deixou-se dormir nessa manhã, e só


acordou quando Netta bateu à porta. Disse em voz alta que
esperasse um pouco, sentou-se na cama e procurou o roupão.
Debaixo deste encontrava-se o medalhão do marido. Ficou
momentaneamente desiludida, antes que o bom senso lhe
lembrasse que Connor não teria procurado o medalhão para não a
acordar, e portanto descera sem ele. Ela enfiou o medalhão no baú
ao lado da cama e correu para a porta, enquanto vestia o roupão.
Netta não entrou.
– O padre Sinclair acabou de chegar, mas não precisa de ir já ao
encontro dele. Está a receber confissões na muralha exterior e
ainda vai demorar mais uma hora a subir.
– Tens a certeza? – perguntou Brenna. – Não queria que ficasse à
minha espera.
– Certeza absoluta, se a Fionna quiser confessar-se, tal como
prometeu. A mulher peca tanto que o padre só se despacha ao final
do dia.
– Se continuares a falar assim ainda terás uma penitência longa,
Netta – respondeu com uma gargalhada.
– A verdade não é pecado. Precisa da minha ajuda para se
vestir?
– Não, obrigada.
Netta pareceu ficar desiludida.
– Então vou descer para o salão. Mas estou com algum receio,
pois sabe quem está sentada à mesa, a fingir-se rainha.
– Referes-te à Lady MacAlister?
Netta anuiu. Prontamente, Brenna pregou-lhe um raspanete.
– Deves honrá-la e respeitá-la – disse. – É a madrasta do teu
Senhor, não te esqueças.
– Às suas ordens, minha Senhora.
– São as minhas ordens. Por favor, tenta, Netta. Sei que ela pode
ser difícil.
– Pois é, difícil, e mais desde que retirou todos as suas melhorias.
Os almofadões não eram duros, Senhora, mas perfeitos.
Brenna agradeceu-lhe a opinião amável, e despachou-a para se
poder vestir. Enquanto se lavava, elaborou a lista do que tinha a
fazer. Acima de tudo, daria uma palavrinha ao marido sobre Raen.
Sim, era o dever mais imperativo da sua lista, mas havendo tempo e
oportunidade, também tinha de descobrir quanto tempo planeava a
Lady Euphemia fazer-se de convidada.
Como era hábito seu pela manhã antes de sair do quarto, disse
uma prece a pedir ajuda a Deus para Euphemia gostar dela.
Seria hoje, se Deus quisesse.
Mas primeiramente havia que falar com Connor, e embora
morresse de embaraço se fosse apanhada, esgueirou-se do local
para que as lamúrias de Euphemia não a atrasassem. Estava com
sorte; a mulher mais velha olhava para a entrada e não reparou
nela.
Brenna não ficou particularmente preocupada com a possibilidade
de esbarrar com Raen, sabendo que ele saía a cavalo todo o dia e
só voltava à noite.
E esta noite partiria… para sempre.
Onde se encontrava Connor? Procurou por todo o lado. Ele
prometera-lhe que não se iria embora, e claro que jamais quebrara
uma promessa. Ou teria ido passear ao lago, ou às ruínas, foi o que
pensou. Havia de perguntar a Crispin – que estava, felizmente, na
muralha exterior.
Aguardou junto ao trilho até o comandante acabar de falar com
dois soldados, e depois chamou-o.
– Posso interromper por um segundo, Crispin?
– Com certeza, minha Senhora – respondeu ele. Acorreu para
junto dela e fez uma vénia.
– Procurei o meu marido por todo o lado. Sabes onde se
encontra?
– Partiu, minha Senhora. Não sei quando voltará.
– Foi ao lago?
– Partiu para as terras do Hugh. Deve ausentar-se durante três a
quatro dias, se não mais.
A reação dela confundiu-o. Parecia estar pronta a desmaiar mas
quando lhe agarrou no braço com um aperto feroz, percebeu que
estava cheia de medo.
– Onde está o Raen? – perguntou. Olhou em redor, num frenesi.
– Partiu de manhã cedo, minha Senhora. Foi acompanhado por
três soldados das terras do senhor Finley. Quantos mais são, melhor
se protegem – acrescentou, caso ela não soubesse.
Apeteceu-lhe chorar de alivio.
– O Raen não pretende voltar, pois não?
– Não, minha Senhora, não pretende.
– Graças a Deus. Queria contar ao Connor, mas ele foi-se embora
antes disso, e eu… porque terá ido? Disse-me que ficaria.
Crispin deu-lhe uma palmadinha na mão, tentando soltar-se.
– O Hugh faleceu ontem à noite. O seu Senhor tinha de
apresentar os pêsames. E o Senhor Kincaid deverá fazer o mesmo.
Connor não lhe mentira. Ele apenas não previra a morte do
amigo.
– Os meus pêsames à família do Hugh. Oxalá tenha tido uma
morte tranquila.
– Contaram-nos que morreu durante o sono. Agradou-lhe esta
novidade, minha Senhora? Está a sorrir.
Ela sentiu-se parva.
– Fiquei contente porque o meu marido tinha motivos para partir.
Não me mentiu. Claro que não fiquei contente com o que aconteceu
ao Hugh. Vou procurar o padre e pedir-lhe que reze pelo Hugh.
– O Sinclair encontra-se a receber confissões. Mal termine,
mandá-lo-ei à sua procura.
Por fim, largou o soldado.
– Não sei o que me deu. Eu fiquei…
– Cheia de medo.
Ela anuiu lentamente.
– Sim, estava, mas já não.
Fez uma vénia a Crispin e começou a subir pela encosta.
– Minha Senhora? Estava com medo do Raen?
Ela fingiu não o ouvir mas ele seguiu-a e repetiu a pergunta. Ela
virou-se e disse:
– Não estava com medo.
Ele sentiu-se desapontado por ela não confiar em si e perguntou-
lhe a verdade.
– Estava aterrorizada.
Ele pestanejou.
– Porquê?
– Creio que devo primeiramente contar ao Connor quando ele
voltar, mas garanto-te, Crispin, que te conto tudo se houver a
mínima possibilidade de o Raen regressar antes disso.
Compreendes?
– Compreendo – respondeu ele. – O Raen é meio-irmão do
Connor e este deve ser a primeira pessoa a saber o que tem para
lhe contar. Apenas lamento que não lhe tenha contado antes.
– Também lamento – disse, admitindo para si mesma que não
teria mudado nada do que aconteceu na noite anterior.
Ela tentou afastar-se novamente.
– Minha Senhora, quais são os seus planos para hoje?
Não foi a pergunta que a fez rir-se mas o terror na voz dele.
– Não te preocupes. Hoje não vou montar a cavalo.
Ela manteve-se fora de casa mais tempo do que previa,
conhecendo várias senhoras que bordavam ao sol, e não regressou
à torre até meio da tarde. Entrando apresada, ensaiou o que diria
quando cumprimentasse Euphemia.
– É melhor que não me volte a chamar de criança – murmurou.
Mas a revolta não durou muito, e suspirando, admitiu que a mulher
podia tratá-la por criança sempre que quisesse, pois nada diria.
Criticá-la não ajudaria a conquistar o seu apreço.
Pelos santinhos, quanto tempo é que ela pretendia ficar? Brenna
procurou imaginar uma forma de perguntar a Euphemia mas por
muito que mudasse as palavras, não perderia a ansiedade.
Afastou o problema quando entrou no grande salão.
– Boa tarde, Lady Euphemia. Como se sente hoje?
– Brenna sei que já falei no assunto, mas parece que tenho de
falar novamente. Prefiro que me tratem por Lady MacAlister. Sei que
a menina é limitada, pois é uma mera criança, mas quero que se
esforce.
Ela inspirou com força.
– Sim, Lady MacAlister. Vou esforçar-me.
– Já soube do que aconteceu ao pobre do Hugh?
– Sim.
– Uma pena, não é? Que desperdício de vida. Nunca fez nada de
jeito nem nada que as pessoas se recordem.
– A família não deve pensar o mesmo – respondeu ela.
– Ele nunca se casou. Nenhuma mulher o aturava. Oh, céus,
oxalá me tivesse lembrado de dizer ao Connor o que o Raen me
contou no outro dia. Esqueci-me. E até ele voltar, vou esquecer-me
novamente. É o que faz a idade ao corpo, Brenna. Esquecemo-nos
das pequenas coisas.
– Se me contar, hei de lembrar-lhe, caso se esqueça –
voluntariou-se.
Ela uniu as mãos e ficou de pé, à espera que Euphemia a
convidasse para se juntar à mesa. Não ousou sentar-se sem ser
convidada, pois a madrasta de Connor já a censurara pelo mesmo
há meros dois dias.
Não cometeria novamente o mesmo erro. Dar-se bem com a
mulher representava naquele momento o seu maior desafio.
– Junte-se a mim, criança, não fique aí parada, obrigando-me a
levantar a vista. Tenho de lhe contar aquilo que o Raen ouviu
quando foi cavalgar ontem. Preocupa-me que ele dê aquelas voltas
sozinho, apesar de saber tomar conta de si. Mas não é seguro ir a
parte alguma desacompanhado. Mas hoje não é ele que me
preocupa. Havia outros três que pararam a caminho do norte. Ficará
a salvo com eles.
– O que ele ouviu? Como é que podia ouvir alguma coisa se foi
cavalgar sozinho?
Euphemia precisou de alguns minutos para pensar na pergunta,
antes de se recordar:
– Foi uma sorte ter encontrado uma unidade de soldados a
caminho do sul. O Raen conhecia dois dos homens, e obviamente
cumprimentaram-se.
Brenna recordou-se que, na vinda para casa, Connor evitara todos
os trilhos conhecidos e favorecera os percursos por entre a floresta,
para não esbarrar com ninguém.
– Pensei que o Connor pudesse estar interessado em saber que o
Senhor MacNare se vai casar, finalmente. Tenho pena da mulher.
– Também eu, minha Senhora – murmurou ela, condoída pelo
futuro da coitada.
– Duvido que a trate bem. Bem, há sempre esperança. Como é
que ela se chama? Sei que é de Inglaterra.
De onde ela era não importava a Brenna. Só lhe importava que a
pobre mulher sofreria um destino terrível se nada se fizesse.
– É tarde de mais? – perguntou.
– Queres com isso saber se ela já se encontra com o MacNare?
– Sim.
– Não acredito nisso. O casamento só acontecerá daqui a
semanas, segundo o que o Raen me disse. Claro que há sempre a
hipótese que o MacNare mude de ideias e a mandar buscar mais
cedo.
– Então haverá ainda tempo – disse Brenna. – E o MacNare
poderá mudar de ideias por completo e decidir não casar com ela –
acrescentou.
– Não devias acalentar muitas esperanças, criança. O MacNare
parece ser uma pessoa determinada.
– E o Raen descobriu quem é a mulher?
– Sim, mas já não me lembro. É da idade.
Brenna anuiu.
– Sim, claro.
– Era um nome invulgar. Lembro-me de pensar isso quando o
Raen me disse. Talvez ressurja – acrescentou com um encolher de
ombros indiferente. – É uma pena que o Raen tenha partido tão
cedo. Ele teria querido apresentar os seus pêsames. O meu filho é
extremamente atencioso. Haverá de saber, obviamente.
– E ele, faria meia-volta para regressar? – perguntou Brenna,
tentando afastar o pânico da voz.
– Talvez, dependendo de quando souber da novidade –
respondeu ela. – Sentiria que era seu dever estar junto à campa ao
lado dos outros senhores, mas pode ser tarde de mais. Se todos os
outros já regressaram, valerá a pena? Espero que ele saiba a
tempo, pois decerto que notarão a falta dele se não comparecer.
– Mas o Raen não é, pois não?
– Em breve, sê-lo-á – retorquiu ela.
– Sim – anuiu Brenna rapidamente para apaziguar a mulher. – Se
ele souber do que aconteceu ao Hugh a tempo, fará uma paragem
aqui em casa?
– Seria atencioso da parte dele – respondeu ela. – Antes do
enterro, não será possível, mas talvez arranje um tempo no
regresso para o norte. A possibilidade incomoda-a? Parece
incomodada.
– Pensava apenas quando é que o Connor voltará. Tenho de falar-
lhe de um problema.
– Se algo se passa, Brenna, não devias incomodar o teu marido.
Pedias o meu conselho. Não faz sentido?
Ela decidiu testar as águas.
– E se o problema dizer respeito ao seu filho?
– Nesse caso, serei a pessoa mais certa. Sou mãe dele por amor
de Deus, e conseguirei resolver esta… disputa… antes que piore.
– Minha Senhora, duvido que consiga ficar a sós com o Raen
novamente, pelo que o problema…
Euphemia interrompeu-a.
– A sós com o Raen? Explica a tua intenção, criança. Tens medo
do meu filho?
Brenna anuiu, hesitante.
– Ele tentou, ou seja, tentou aproveitar-se… agarrando-me e
passando a mão pelas… e quando lhe disse para me largar, ele não
quis. Disse coisas muito inadequadas...
– Basta – retorquiu Euphemia. O olhar ardia de fúria, e contudo,
Brenna não percebia se era dirigida a si ou ao filho.
Um momento depois, a atitude de Euphemia sofreu uma mudança
radical e até pareceu divertida. Brenna considerou o sorriso tão
perturbado como raiva.
– O meu filho tem uma atracão por ti, criança. É tão simples
quanto isso. O Raen sempre gostou de pobres infelizes. Quando era
rapaz, escolhia a cria mais fraca das ninhadas como animal de
estimação. Não digo que sejas infeliz, mas o Raen e eu já nos
apercebemos que o Connor é frio contigo. Acredito que, com o
tempo, logo que saibas comportar-te como uma boa esposa, o teu
marido amansará os seus modos. Notei que parecia contente por
partilhares a mesa com ele, ontem à noite.
Brenna pensou no que diria Euphemia se soubesse que ela tinha
pedido a Connor para se mostrar afetuoso. Entendia o motivo pelo
qual a madrasta julgaria que não estava feliz. Connor fora bastante
distante consigo no passado, mas entretanto mudara de atitude,
beijara-a várias vezes, a bem dizer, diante de todos os seus
seguidores. E contudo, Euphemia não presenciara a mudança de
atitude do enteado.
– E relativamente ao Raen? – perguntou ela.
Euphemia deu-lhe uma palmada na mão.
– Tens a certeza que não se trata de exagero da tua parte?
– Sim, não é exagero.
Euphemia ponderou no problema durante um demorado minuto
antes de dizer:
– Deves ter noção que, sendo o Raen irmão do teu marido, é um
homem igualmente importante. Sugiro que obedeças ao meu filho.
Como mulher, deves satisfazer todos os seus desejos, pois, na
ausência do Connor, é ele o Senhor da propriedade.
Brenna sentiu-se revoltada.
– Está a querer dizer que eu devia…
Euphemia interrompeu-a mais uma vez.
– Respeita sempre os desejos dele – anunciou com um aceno. –
Deves compreender o teu valor, pois é difícil crer que em Inglaterra
as mulheres sejam tratadas de forma diferente pelos homens.
Devias sentir-se honrada por teres a atenção do Raen. Se o rei de
Inglaterra te favorecesse, virar-lhe-ias as costas? Não, claro que
não. Entendo que seja confuso para ti. És demasiado nova e reages
em excesso. Mas eu não falaria disto ao Connor. Ele ficaria furioso
se dissesses essas coisas más do meu filho. Tem fé na… Mas este
é o nome daquela mulher. Faith. Eu comentei que era estranho… –
o olhar deslizou para Brenna e as pálpebras estreitaram-se. –
Acredito que a rapariga seja filha do barão Haynesworth.
– O MacNare tenciona casar com a Faith? Minha Senhora tem a
certeza que era a filha do barão Haynesworth? Porque é também
meu pai.
– Estou certa – respondeu ela.
Brenna abanou a cabeça com veemência.
– O meu pai já devia ter aprendido com o seu erro. Não mandaria
a filha mais nova para os braços de um demónio.
– Que interesse tem? – perguntou Euphemia. – Quando se
estabelece um acordo, não se pode desfazê-lo. O MacNare não
aceita recusas. É bastante inteligente da sua parte, não te parece?
Já deve ter um ódio por ti tão grande como ao Connor, e que melhor
forma de se vingar do que apoderar-se de algo tão precioso para ti?
Tomará a Faith à força, se for preciso – acrescentou com um aceno.
– Pelo menos, é o que espero que faça.
– Não – exclamou Brenna.
Euphemia deu-lhe palmadinhas na mão.
– É uma pena, mas não se pode fazer nada, pois não?
– Ela não pode casar com ele. Alguém tem de…
– Baixa a voz, Brenna. As damas não berram – disse ela, mas
logo a seguir, para chamar Netta, agiu precisamente contra esta
recomendação.
– Deve estar nas cozinhas – murmurou Brenna.
– Não, não está. Pedi-lhe para limpar o meu quarto. Ah, lá está
ela. Netta, quantas vezes tenho de te dizer? Quando estou no salão,
tens de aguardar junto à porta, caso eu precise de ti. Entendeste?
– Sim, minha Senhora – respondeu Netta, atenta à esposa do
Senhor. – Passa-se alguma coisa, Lady Brenna?
– Vês bem que sim. Traz um lenço para a tua Senhora enxaguar
as lágrimas. A sério, Brenna, não devias chorar diante da
criadagem. É impróprio. Não temos de falar mais do tema. Aceita a
inevitabilidade.
– O Connor porá um fim a esta loucura – murmurou Brenna.
– Duvido, criança. Como? Está totalmente ocupado a proteger os
seguidores do Hugh neste instante. Não consegue estar em dois
lugares ao mesmo tempo, e não podes esperar que ele vire as
costas às pessoas indefesas para ir a Inglaterra. Usa a cabeça.
– Ele foi apresentar as suas condolências, e não lutar – tentava
desesperadamente concentrar-se no que Euphemia lhe dizia, mas o
pânico pela segurança da irmãzinha era tão grande que não
conseguia pensar em mais nada.
– Parece que o MacNare não apresentará as suas condolências.
Começou uma guerra para se apoderar da terra de Hugh antes do
Connor. As terras dele situam-se entre os dois e quem a ocupar
ficará em vantagem.
– Como é que sabe tudo isto? – perguntou Brenna.
– Escutei a conversa dos soldados sobre o conflito. Todos os
MacAlisters sabem o que está a acontecer, até a criadagem, mas tu
ainda não foste aceite, pois não? Talvez por isso te mantenham na
ignorância. Onde está a Netta? Que demora, só para ir buscar um
lenço para ti. Se não tivesse de partir, havia de substituí-la.
– À Netta? – perguntou Brenna, tentando entender de que falava a
mulher.
– Presta atenção, Brenna. No que toca à tua irmã, creio que é
melhor que a esqueças. Não há nada que possas fazer a esse
respeito.
– Mas o Connor devia falar com o meu pai…
– Como queres que o Connor se dirija ao teu pai? Deves perceber
que um deles teria de matar o outro. Afinal, foi o teu marido quem
começou esta trapalhada, ao roubar-te ao MacNare. O destino da
tua irmã está selado, e nem tu nem o Connor conseguem parar o
casamento. Esquece-a – acrescentou. – Ou reza por ela, se te faz
sentir melhor.
– Sim, direi uma prece – respondeu Brenna..
Levantou-se, fez uma vénia à madrasta e virou-se para partir.
Netta surgiu a correr das traseiras com o lenço que Euphemia
ordenara.
– Espero que, quando regresses, já venhas recomposta – disse
Euphemia. – Notei ontem à noite que todos gostaram da comida.
Admites agora que eu tinha razão em mudar de cozinheira?
Brenna fitou a mulher, incrédula. Porque raios quereria ela falar
sobre comida numa situação destas?
Netta pensou que Brenna já não se lembrava do plano para fingir
que substituía a Ada e despachou-se a avivar a sua memória antes
que dissesse algo indevido.
– Substituiu a Ada, minha Senhora. Já se lembra?
– Sim, lembro-me – respondeu num sorriso forçado.
– Podes ir – ordenou Euphemia. – Fico perturbada quando te vejo
assim aflita.
Brenna apressou-se para o exterior, antes de perceber que devia
ter ido para o quarto de modo a ter privacidade completa. Não
pretendia voltar para o interior, pois sabia que, se Euphemia lhe
dissesse só mais uma palavra antes de controlar o pânico, ela
desataria a gritar sem fim.
Alcançou a privacidade das árvores, caiu de joelhos e desfez-se
em soluços de partir o coração.
Connor… Santo Deus, como precisava de Connor. Ele saberia o
que fazer, e era suficientemente forte e poderoso para defrontar o
próprio diabo.
Mas como lhe pediria tal coisa? Outros dependiam dele para a sua
sobrevivência. Sabia que Euphemia não exagerara a ameaça aos
seguidores de Hugh. Brenna recordou-se do que acontecera aos
soldados do pai e à sua doce Gilly e sabia, com toda a certeza, que
MacNare chacinaria o clã pacífico sem hesitações.
Se Connor pudesse ir, estaria a enviá-lo para a morte? Ou seria
obrigado a matar o pai dela?
Não, não podia enviar o marido. Quem mais podia enviar para
travar a loucura?
Ganância. Tudo começava e tudo terminava na ganância. O pai
fizera este acordo para obter uma aliança, tal como MacNare, e
nenhum dos homens ponderara sequer nas ramificações.
Consumidos com a vontade de poder, a sua ganância consumia-
lhes as mentes e corações, deixando os inocentes à mercê dos
predadores.
Mas não Faith. Brenna morreria antes de deixar MacNare tocar na
irmã. Por favor, meu Deus, ajuda-me a lembrar-me de alguém…
ajuda-me… ajuda-me.
Aos soluços, baixou a cabeça e uniu as mãos sobre o coração, e
naquele momento negro de desespero a sua prece foi ouvida.
Ela podia enviar outro, o homem que lhe pegou na mão e jurou
cumprir todos os seus pedidos, e que era ainda mais forte do que
Connor.
Não se recusaria.

A guerra começara.
Connor encontrava-se no alto da encosta sobre a propriedade de
Hugh, atento aos montes ao longe, pensamentos concentrados no
passado, pois voltava a procurar a resposta que o evadira durante
tantos anos.
Quinlan juntou-se-lhe minutos depois.
– O MacNare está a brincar connosco, Connor. O que quer ele,
realmente?
– Quer-nos ocupados a defender a fronteira entre a terra dele e a
do Hugh, até chegarem os seus aliados.
– Deve saber que fizeste o mesmo.
– E sabe. Está deliberadamente a sacrificar o pequeno número de
soldados que envia em cada ataque, sabendo perfeitamente que
morrerão, mas esta terra não é o seu objetivo imediato. É fácil
apoderar-se dela depois de me atacar.
– Crês que o soldado dizia a verdade a respeito da irmã da tua
mulher, ou seria mais um engodo para dividir as nossas forças?
– Os moribundos costumam dizer a verdade. Mas não tem
importância, a bem dizer. Tenho de garantir que a Faith não cai nas
garras do MacNare.
Quinlan concordou silenciosamente.
– Aguardaste muito por este dia. Sinto que poderás reclamar a
espada do teu pai de Kincaid e terminar o assunto de uma vez por
todas.
Connor virou-se para ele.
– Mas porquê agora? O que sabe o MacNare que eu não sei?
Podíamos acabar com eles e com os seus aliados. Não é parvo,
conhece a dimensão das nossas forças. Porque havia um cobarde
que ao longo de anos só me provocou com ataques insignificantes
de repente tornar-se tão agressivo?
– Não sei responder, mas sei que não podes estar em toda a
parte. Oxalá que amanhã se coloque um ponto final no assunto.
Atacar as terras dele antes que nos ataque ele.
– Paciência, Quinlan. Não porei em perigo nenhum MacAlister.
Entretanto, vamos precaver-nos. Queira Deus que rapidamente
descubramos quem são os outros, antes de ser obrigado a matar o
MacNare.
– Acreditas que alguém o controla?
– Sim – respondeu. – Quem for, é muito esperto.
– E a Faith? Não podes entrar agora na Inglaterra.
– Eu não, mas tu podes. Parte amanhã cedinho e leva dez
homens contigo. Talvez seja uma armadilha – avisou.
– Com certeza – concordou Quinlan. – E o que devo fazer com a
mulher, quando a alcançar?
– O que quiseres, desde que ela fique a salvo – respondeu.
O sorriso de Connor confundiu o amigo.
– Em que pensas? – perguntou.
– Devias pensar em casar-te, não achas?

***

Intensificaram-se os ataques fronteiriços, e mesmo sendo


necessário pouco esforço para manterem a posição, Connor foi
obrigado a permanecer longe das suas terras mais tempo do que
previra.
Dormia um punhado de horas por dia, e usava a proteção da noite
para deslocar os seguidores de Hugh para zonas seguras. Se o
plano decorresse nos conformes, todos os homens, mulheres e
crianças ficariam a salvo das garras de MacNare ao final de uns
meros dois dias. Encontrou resistência dos mais velhos, e só
conquistou a cooperação deles quando lhes jurou pela alma do pai
que poderiam regressar às suas terras logo que o conflito
terminasse.
O resto dependia do irmão Alec. Connor aguardaria o máximo
tempo que ousasse para o irmão conseguir descobrir o aliado de
MacNare; e contudo, à medida que os dias passaram e enchiam
uma semana completa, era evidente que a verdade continuaria a
escapar-se por entre os dedos.
E voltaria a acontecer. Quem estivesse a controlar o MacNare não
desistiria, e o maior pesadelo de Connor era o de morrer sem
conhecer a identidade do inimigo… tal como o pai.

Durante vários dias, Brenna procurou manter-se calma e


concentrar-se nas atividades normais da propriedade. Encontrava-
se a regressar de uma visita a Lothar quando Netta apareceu. A
criada imediatamente notou que a Senhora não usava o colar de
couro.
– Não trouxe o seu medalhão.
– Pois não.
– Mas usa-o sempre. Nem teria notado se não tivesse apanhado o
cabelo. Perdeu-o?
Brenna retirou a fita do cabeço, soltando os caracóis sobre os
ombros. Se Netta notara, também Crispin notaria, deduziu, e não
gostava da ideia de mentir ao amigo chegado de Connor.
– O medalhão há de aparecer um dia destes – disse ela. – Não é
motivo de preocupação.
Netta não tinha ainda acabado de discutir o assunto.
– Sei que não se encontra no seu quarto, pois acabei de limpá-lo
e tê-lo-ia encontrado se ali estivesse. O medalhão do Senhor está
no baú, no mesmo lugar de ontem. Nunca se esquece do seu,
minha Senhora. Procurou no baú que está no salão?
– Ainda não – respondeu antes de tentar mudar de assunto. –
Como é que te livraste da Lady Euphemia?
– Está a descansar. Mal acorde, vai querer que encha as malas de
roupa.
– Tenciona partir? – por todos os santos, não era capaz de conter
o sorriso.
Netta riu-se.
– Ela contou-me que decidira, não esperar pelo regresso do
enteado e quer partir de manhã cedo. Deve sentir-se ignorada pelo
nosso Senhor.
– Connor não a tem ignorado. Ela deve entender que se encontra
muito ocupado.
– Recebeu uma mensagem do Senhor, hoje?
– Sim, recebi. Assegura-me que tudo se encontra bem e que
voltará em breve para casa.
– Mas essa é a mesma mensagem que lhe envia todos os dias.
– Está a ser atencioso, Netta. É tudo o que me importa.
– Posso pedir-lhe um favor?
– Sim, obviamente.
– Depois de a Lady MacAlister partir, pode explicar-me por que
motivo a fez chorar na semana passada? Sei que não lhe devia
perguntar, mas preocupo-me consigo. Tal como a Ada. Temos
imenso apreço por si – acrescentou com um aceno.
– Também tenho grande apreço por ti, Netta. Logo que saiba que
o problema foi resolvido, hei de contar o que ela me disse.
– Obrigada, minha Senhora. Pretendia entrar?
– Sim.
– Tem alguns deveres para me atribuir?
– Nenhum que me ocorra. Aproveita também a tarde de folga. Eu
vou trocar de sapatos e passear a cavalo.
– Avisou o Crispin? – perguntou Netta com um sorriso.
– Está ocupado por agora, a verificar o trabalho na muralha
exterior ao forte. Não te preocupes, que não vou levar o garanhão.
O Davis escondeu-o de mim.
Netta desatou a rir.
– O Davis ainda tapa os olhos sempre que entra na cavalariça?
– Sim, mas recusa-se dizer-me porquê.
Brenna viu Netta atravessar o pátio a correr. Os seus próprios
pensamentos transitaram para a irmã, ao entrar e galgar os degraus
em direção ao quarto. Era extremamente difícil aquela espera por
noticias de Faith, e só foi capaz de adormecer quando deixou o
resultado nas mãos de Deus. Fizera os possíveis. O resto era com
Ele.
Abriu a porta de rompante e correu para dentro dos aposentos.
Discerniu o punhal sobre a arca ao lado da cama e abanou a
cabeça, admoestando-se por ser tão esquecida. Precisava
realmente de se forçar a ser mais ponderada, para não perder
continuamente os seus pertences. Pegou de imediato no punhal
para o guardar de novo na bainha.
Ouviu o guincho da porta ao ser fechada nas suas costas,
assumiu que se devia ao vento que entrava pelas janelas.
Preparava-se para se sentar na cama e descalçar os sapatos
quando ouviu o ferrolho entrar na tranca.
Soube, antes sequer de se virar, quem era a pessoa dentro do
quarto, consigo.
E depois viu-o. Raen tapava a porta com a sua figura, e enquanto
o grito dela se acumulava na sua garganta, ele despiu lentamente a
camisa.

Crispin foi informado da chegada de Raen pelo soldado


encarregado da ponte levadiça.
– Ele e outros três regressaram há poucos minutos. Mas só o
Raen é que cruzou a ponte, os companheiros aguardam acolá no
prado. Veem-se daqui – gritou para baixo. – O Raen disse-me que
voltava da casa do Hugh, aonde fora apresentar as suas
condolências, e queria apenas despedir-se da mãe antes de partir
novamente. Sugeriu que deixasse a ponte levadiça descida, mas eu
recusei-me, claro. O cavalo dele ainda tem a sela, Crispin, e
portanto deve querer partir de imediato.
Crispin deixou a montada com Davis e começou a subir o monte.
A Senhora dissera-lhe que tinha medo de Raen, pelo que Crispin
pretendia manter-se ao lado dela até a madrasta voltar a partir.
Ao aproximar-se da torre, começou a andar mais depressa. Não
conseguia explicar porque motivo sentia de repente que a Senhora
se encontrava em perigo, mas a sensação intensificou-se a ponto de
desatar a correr.
E então ouviu o grito dela. O coração começou a bater com força
no peito, ao levar a mão à espada.
– Filho da puta – da primeira vez, murmurou o palavrão, mas da
segunda, gritou-o.
As pessoas do clã corriam já para o pátio. O silêncio que se
seguiu a esse berro de angústia aterrorizou-os.
Crispin alcançou o alto do trilho, quando ouviu o grito de um
homem. Abalado, olhou para cima. Raen estava à janela, agarrando
o ombro, cambaleando, qual árvore que se rendia à força do
machado, depois tombando de costas pelo ar. Rodou numa tentativa
inútil de aterrar de pé, gritou de horror, e aterrou com força no chão,
de cabeça e com um baque surdo.
E Crispin continuou a correr. Meu Deus, fazei com que esteja
ainda viva, rezou. Saltou por cima de Raen, correu para a porta, e
abriu-a de rompante no mesmo segundo em que Brenna apareceu
contra ele.
Estacou de imediato. A expressão dela foi mais aterrorizadora que
o pedido de ajuda. Tinha o olhar vidrado, o rosto branco de cal, e
havia sangue por todo o lado – cobria-lhe o braço esquerdo, pois a
pele tinha sido cortada do ombro até ao fim do pulso. Mais sangue
cobriam-lhe ombros e pescoço, e a roupa estava rasgada como se
atacada por animais.
Ele nem percebeu como conseguia a rapariga manter-se de pé.
Lançou-lhe a mão, mas ela esquivou-se dele e correu pelas escadas
abaixo.
– Depressa, Crispin, tens de ajudar-me – soluçou. – Temos de
escondê-lo.
Um grupo de soldados cercava já o corpo. Recuaram ante a
aproximação dela. As expressões eram de choque e ultraje.
– Não o empurrei pela janela… Não, não, eu não… Prendeu os
pés na manta quando lhe enfiei o joelho nas partes baixas… sim.
Queria magoá-lo para que não se atrevesse… Ele forçou-me contra
o chão, mas eu tinha o punhal e… quando rodou…enfiou-se… e ele
deu um pulo, Crispin. Pois, foi, deu um pulo… e caiu.
Ela agarrou na mão de Crispin e tentou puxá-lo para a frente.
– Não entendes? Temos de escondê-lo… ela não pode encontrar
o filho neste estado. Deus, terei de contar ao Connor… não podia
permitir que ele… Tocou-me, beijava-me por toda a parte… não
podia permitir… Ela disse que eu devia mas eu não podia… não,
não podia – berrou.
– A Euphemia disse-lhe para se submeter ao filho dela? –
perguntou Crispin, revoltado.
– Sim, mas eu não podia… ele bem tentou, mas caiu antes que
pudesse…
Calou-se entretanto, soltou-lhe a mão, dobrou-se para pegar num
dos pés de Raen e tentou arrastá-lo.
– Minha Senhora, solte-o. Eu dou-lhe uma ajuda – disse Crispin.
– Sim, ajuda-me. Escondemo-lo antes que ela note que o filho
voltou. Está bem?
– Sim – prometeu ele, voz calma para a tranquilizar. –
Escondemo-lo.
– Minha Senhora, o seu punhal continua espetado nas costas dele
– murmurou Owen. – Quer que o tire para poder guardá-lo?
– Não, não – gritou ela.
Crispin abanou a cabeça a Owen, indicando-lhe sem palavras
para ficar calado.
– O Connor jamais me perdoará. Oh, meu Deus, o que fiz eu?
Matei o irmão dele… Não, ela não pode vê-lo. Ajuda-me, Crispin.
Por favor. Quero o Connor.
Ele esticou a mão para ela devagar. Brenna abanou
freneticamente a cabeça.
– Não, não estou limpa. Ele tocou-me com as mãos e a boca…
E depois atirou-se aos braços deles.
– Leva-me para o lago. Pode ser?
– Sim – mentiu. – Eu levo-a para o lago.
Ela deu-lhe uma palmadinha no braço.
– Obrigada. Estraguei tudo, não foi?
– Em que sentido?
– Matei-o.
– Não, ele destruiu-se sozinho. Merecia morrer. O Connor tê-lo-ia
matado por sua causa.
– Será que me vai odiar por isso?
Desmaiou nos braços dele antes que Crispin pudesse responder.
Donald avançou em diante, punhal na mão, retirou a manta do
ombro e cortou-a em duas compridas faixas até à cintura.
Crispin segurou Brenna, virando-se para Donald poder atar a
ferida com a manta. Deu as ordens numa voz baixa.
– Ficas de vigia durante a minha ausência. Eu vou levá-la à Lady
Kincaid. A ferida tem de ser cosida – acrescentou. – Giric, pede a
mais homens que te sigam e cerquem os três soldados que
aguardam este filho da mãe no prado. Tragam-nos para dentro da
torre e guardem-nos junto às cavalariças.
– E a madrasta do Connor?
– Donald, conta-lhe o que aconteceu. Se ela quiser levar o corpo
do filho para a sua casa, deixa-a ir, mas nenhum dos soldados do
Connor lhe dará escolta. Compreendido?
– Sim – respondeu Donald.
– Aeden, descobre o Connor e conta-lhe o que se passou.
Garante-lhe que a esposa ficará bem. Não tornes a história mais
tenebrosa do que já é.
– Ela vai morrer? – sussurrou Owen, aterrorizado com a
possibilidade.
– Não, não vai morrer. Donald, só os nossos é que podem entrar
na fortaleza até o Connor, o Alec, o Quinlan ou eu regressarmos.
– Vais deixá-la com os Kincaids? – perguntou Owen.
– Não, vou ficar com ela até o Connor aparecer.
– Os três soldados que acompanhavam o Raen têm de ficar,
mesmo se a Euphemia partir?
– Partem com ela.
Donald acabou de atar a ferida, fez um gesto a Crispin e entraram
na cavalariça para trazerem o cavalo do comandante. Deu as
ordens enquanto corria. Queria um contingente completo a
acompanhar a Senhora, e todos se aprumaram para partirem de
imediato.
– Deixa o punhal no ombro dele – ordenou Crispin. Sentia-se tão
furioso que a voz lhe tremia de raiva. – Ela disse à mulher de
Connor que se devia submeter ao filho. Deus a ajude quando
Connor descobrir.
– Queres que lhe conte? – perguntou Aeden.
– Conta-lhe tudo, mas garante que ele percebe que ela não vai
morrer. Gosta muito dela.
Crispin desatou a correr pelo pátio, parou, virou-se para Raen e
cuspiu-lhe.
Felizmente, Brenna só acordou quando já desmontavam dos
cavalos no pátio de Kincaid. Alec e Jamie encontravam-se à
entrada. Alec ficou pálido quando viu o estado de Brenna. Jamie
começou a chorar. Levou a mão à boca para calar um lamento.
Brenna pediu a Crispin que a deixasse andar. Apoiando-se no
braço dele, avançou lentamente para os degraus. Crispin reparou
que o olhar vidrado não a abandonara, e percebeu que demoraria
algum tempo até recuperar daquele horror.
Brenna interpôs-se diante de Alec.
– Matei o meio-irmão de Connor.
E depois virou-se para Jamie. Numa voz desnorteada, disse:
– Agora ela nunca vai gostar de mim.
Alec levantou-a nos braços e levou-a para dentro.
– Não faz mal, Brenna. O teu marido gosta de ti e nós também.
– Alec?
– Sim.
– Lamento imenso.
Capítulo 17

Q uinlan regressou de Inglaterra de mãos vazias. Completamente


frustrado e desnorteado, transmitiu o relato ao Senhor.
– O MacNare já tinha enviado tropas para a Inglaterra. Seguimos-
lhes o rasto desde as Terras Baixas, sabíamos quantos eram os
homens, e foram os mesmos que regressaram à fortaleza do barão
Haynesworth.
– Quantos eram?
– Vinte seis soldados completamente armados.
– Mas não traziam a Faith.
– Não.
– Tens a certeza.
– Vimo-los partir, Connor. Sim, tenho a certeza.
– E vocês, que lhes fizeram?
– Que julgas que fizemos?
Connor anuiu, aprovando.
– Quantos dos meus homens lutaram?
– Éramos onze.
– Uma luta justa, então. Algum se feriu?
– A coxa do Donovan foi cortada de um lado ao outro, mas esta foi
a ferida mais grave. Os outros escaparam com cortes irrisórios. Para
ser sincero, não me parece que o Donovan tivesse voltado se não
fosse…
– Se não fosse o quê?
– É neste aspeto que fica um pouco estranho – admitiu. – Os
soldados do barão observaram a luta a partir da torre, e acabava eu
de decidir entrar na fortaleza para encontrar a Faith quando a ponte
levadiça foi descida, e emergiu uma procissão. A mãe da tua esposa
comandava os soldados.
Quinlan fez uma pausa para sorrir antes de continuar.
– O gaélico dela é pior que o da Lady Brenna – disse. – Os
soldados vinham armados, claro, mas percebi de imediato que
tinham por única função proteger a Senhora. Percebi também de
onde veio a coragem da tua esposa. A mãe dela desmontou, exigiu
saber quem era o chefe, mas antes de eu conseguir responder, ela
viu o Donovan e dirigiu-se a ele. Obviamente, o teu soldado não
queria que ela lhe tocasse. Mas a Senhora não fez caso. Trazia os
utensílios consigo e limpou-lhe e cozeu-lhe a ferida.
– E o que fizeste tu?
– Respondia às perguntas dela a respeito da tua esposa. Assumi
que estivesse preocupada com ela, mas ela insistiu que não era
nada disso. Explicou que se a Brenna estivesse em apuros sérios,
teria enviado o medalhão a um dos irmãos. Não o tendo feito, era
indicação que se encontraria bem. Mas preocupava-se contigo, e
envia-te uma mensagem.
– E o que diz?
– Que tens de tratá-la bem, caso contrário responderás perante a
família dela. Todos souberam do que aconteceu, obviamente, e ela
garantiu-me que o barão não te considera um monstro. Ah, e vais
adorar isto. Ficou-te muito grato por salvares a filha.
Connor abanou a cabeça. A gratidão de um inglês? Que raios ia
ele fazer com isso?
– E no que toca à Faith?
– Desapareceu. A mãe estava preocupada até os soldados do
MacNare aparecerem. Explicou-lhes que não foram avisados a
tempo, e revistaram todos os recantos do torre à procura dela. A
mãe acredita que alguém a veio socorrer. E julga saber quem é o
salvador da filha.
– Quem?
– Tu.
– Não quis saber então porque te mandei em meu lugar?
– Não, aparentemente.
– O que vou dizer à minha esposa, Quinlan? Não posso continuar
a manter segredo sobre a irmã dela. Outra pessoa lhe há de contar.
Os boatos voam como o vento nas Terras Altas.
– Sobre isso, tens toda a razão. Aliás, é como se alguém
conhecesse a situação e contasse à Faith, antes de nós. Duvido que
fosse um dos irmãos dela. Ele não deixaria a mãe assim tão
preocupada, pois havia de lhe transmitir. Não te parece?
– É o que presumo. Só me ocorre outro homem que se daria a
tento trabalho por causa da Brenna.
– Quem?
– O meu irmão. Não te parece mão dele?
– Ele odeia a Inglaterra.
– Mas gosta da minha mulher – disse Connor. – Tenho de falar
com ele antes de contar seja o que for à Brenna. Queira Deus que
Alec tenha a irmã dela escondida algures. Tens mais alguma coisa a
relatar?
Ele encolheu os ombros.
– A mãe enviou prendas à filha e ela…
– E ela o quê? – perguntou o outro, intrigado pela hesitação.
– Deu-me um beijo na cara. Não quis afastá-la pois sempre se
trata da mãe da Senhora, mas… Não tem graça, Connor. Foi
constrangedor. Disse-me que o beijo destinava-se à filha e espera
que… lho dê.
– Ela quer que beijes a minha mulher? – Connor já não se ria.
– Sim.
– Nem pensar.
– Não, claro que não.
A conversa ficou por ali. Os dois guerreiros cavalgaram até ao
extremo sudoeste da fronteira onde o último ataque ocorrera.
Aeden apareceu uma hora depois. Berrando para Connor,
desmontou e aproximou-se em passo de corrida.
– A sua esposa encontra-se bem, Senhor – soltou. – Mas houve
problemas.
Connor ficou perfeitamente quieto e não se pronunciou até Aeden
contar tudo o que acontecera. O soldado também repetiu todas as
palavras de Brenna, e quando acabou, Connor encontrava-se tão
furioso que até tremia.
– Onde se encontra agora a minha esposa?
– Com os Kincaids. O Crispin acompanhou-a. Pôs o Donald a
cuidar da torre.
– E a Brenna, encontra-se bem?
– Sim.
– De certeza?
– De certeza.
Connor tentou pôr o medo de lado para se poder concentrar.
– E a Euphemia? – perguntou com uma calma de morte, pois à
superfície apresentava um perfeito controlo.
– O Crispin espera que ela leve o corpo do filho consigo para o
norte para o enterrar.
– E a Brenna…
– Está ótima – disse-lhe Aeden novamente. – Não te mentiria. Ela
precisa de uns pontos, e apanhou pancada, mas há de sobreviver.
As mulheres queriam acompanhá-la. O Donald não teve mãos a
medir, ao tentar convencê-las a ficarem na fortaleza.
Connor invocou todas as forças ao seu dispor para não se dobrar
e soltar um urro de angústia. Devia tê-la acompanhado. Devia ter
percebido a situação. Filho da mãe. Ele ousou tocar-lhe.
– Senhor, que quereis que eu faça? – perguntou Aeden.
Connor obrigou-se a pensar nos problemas imediatos. Aeden teve
de repetir a pergunta para que o Senhor lhe respondesse.
Chamou Douglas, o mais experiente entre os soldados que
vigiavam a fronteira, e indicou-lhe que ficaria a chefiar.
– Desloca o resto do clã do Hugh hoje à noite. Mal termines, todos
os MacAlisters devem voltar para casa. O Aeden vai ajudar-te.
– E o meu Senhor? – perguntou o soldado.
– Vou ter com a minha mulher. Quinlan, toma conta da guarda em
casa até eu voltar.
Quinlan ficou ao lado de Connor enquanto outro soldado acorreu
para responder à vontade deste.
Connor subitamente perguntou a Aeden:
– Ela disse à minha mulher que se devia submeter aos desejos
dele? – vociferou. Não aguardou uma segunda confirmação, mas
agarrou as rédeas do cavalo, saltou para o dorso e desatou a pleno
galope.
Quinlan seguiu-o. O plano dele era proteger o Senhor até
alcançarem o ponto em que teria de voltar para norte e seguir para
casa, enquanto Connor continuaria rumo aos Kincaids.
Connor optou pelo caminho mais rápido, cortando pela fronteira, e
quando se viu longe dos outros soldados, soltou um berro, qual
animal ferido.
Euphemia. Nem sequer era capaz de dizer o nome sem querer
desembainhar a espada. Não voltaria a apresentar-se como uma
MacAlister, não voltaria a usar a manta escocesa que desonrara, e
não voltaria a aproximar-se deles.
Quinlan esperava que o Connor virasse para leste, pois
avançavam já paralelos à sua fortaleza mas foi apanhado de
surpresa quando ele parou.
– Connor? – perguntou ao aproximar-se dele. – Até teres falado
com a tua esposa, terás de esquecer essa raiva. Percebo que sintas
que a abandonaste, mas ela compreenderá que não tiveste escolha.
Ela ama-te – acrescentou com um aceno. – Para de olhar para ao
chão e encara-me.
– Olha para baixo – retorquiu Connor.
Ele fez a vontade ao Senhor e assim procedeu. Depois soltou um
palavrão em voz baixa.
– São rastos recentes.
– Quatro cavalos… não, cinco – alterou Connor. – Em marcha
lenta, numa fila única. Quem…
– Quantos disse-nos o Aeden que regressaram com o Raen?
– Três – respondeu Connor. Endireitou-se. – A mãe daquele
sacana pode estar a caminho de casa. Uma pena, queria ter falado
com ela.
– Acabarias por matá-la – disse Quinlan.
Connor abanou a cabeça.
– Não, a morte seria bom de mais. Quero que sofra todos os anos
que lhe restem de vida.
– Se for a cerimonia fúnebre do Raen, porque iriam pelo caminho
oposto? Devem saber que vão na direção oposta.
– Não sei.
– O rasto é suficientemente recente e devemos conseguir alcançá-
los sem demoras. Há que descobrir para onde vão, concordas?
Connor anuiu.
– Seguiremos o rasto mas apenas durante alguns minutos. Tenho
de encontrar a Brenna.
– Sei que sim. Eu começaria já a praticar – disse ao incitarem
novamente as montadas a galope.
– Praticar o quê? – berrou Connor.
– Dizeres que a amas.
Connor avançou à frente, cortando por uma secção da floresta
para encurtar o caminho até ao cimo do monte diante de si, de
modo a avaliar a distância a que Euphemia se encontrava. Quando
saiu das árvores, desmontou e correu para observar a procissão em
baixo.
Quinlan alcançou-o um minuto depois.
Um prado extenso, mas estreito, espraiava-se ao longe. Era a
cerimonia fúnebre, sim, e Raen seguia, coberto, no último cavalo da
fila
A atenção de Connor foi atraída para as árvores. Convencera-se
que algo se mexera. Aguardou e poucos minutos mais tarde,
quando as cinco pessoas alcançaram a periferia da planície, uma
figura emergiu do esconderijo.
Quer ele quer Quinlan reconheceram MacNare de imediato.
Atordoados e enraivecidos, viram Euphemia desmontar e correr
para o aliado, abraçando-o.
Eis a traidora.

Connor galopou para o lar dos Kincaids numa velocidade


estonteante. Entrando no pátio, deslizou do cavalo e correu para o
interior.
Galgou as escadas dois degraus de cada vez, até alcançar a
galeria, num frenesi, só interessado em vê-la. Crispin estava de
guarda à porta do quarto. Connor correu por ele, abriu a porta de
rompante, e entrou intempestivamente.
Tinha noção de comportar-se como um louco mas não foi capaz
de evitá-lo. Precisava de pedir-lhe desculpa por não ter estado
presente e protegê-la. Se ela não o perdoasse, ele não sabia como
conseguiria continuar a viver.
Alcançou o centro do quarto antes de a descobrir à janela ao lado
de Jamie. E foi então que parou por completo.
Ninguém o teria preparado para a visão. A sua gentil esposa fora
espancada tão selvaticamente que nem compreendia como estava
viva. Qual vítima do ataque de uma fera. A cara estava marcada
com nódoas púrpuras, um braço atado com ligadura do ombro aos
dedos, e havia marcas de garras por todo o lado.
Mas sobrevivera. Connor repetiu as palavras no seu espírito para
se acalmar e ser capaz de falar com ela.
Não estava morta. Não estaria ali de pé.
– Não, não estou morta – disse Brenna, e só então percebeu ele
que pensara em voz alta.
No caminho para a saída, Jamie parou e murmurou para Connor.
– Ela não vai manter-se acordada durante muito tempo. Dei-lhe
uma coisa para adormecer. Mas parece que te quer pedir desculpas
primeiro. Tenta enfiá-la na cama.
Connor aproximou-se de Brenna para a poder agarrar, se caísse.
Não queria assustá-la. Sabia que tinha mau aspeto. Trazia a cara e
braços tingidos de marcas de guerra e uma fúria inclemente no
olhar, impossível de disfarçar.
Queria que ela viesse até ele, mas não conseguia imaginar que
Brenna desejasse essa proximidade depois do que ele fizera.
Enquanto defendia um terreno inútil, deixara-a sozinha e indefesa
contra os seus predadores.
– Queres que tire as marcas de guerra? Sei que não gostas disto
– disse ele, a voz embargada de emoções.
– Não me importo.
– Não?
– Tenho que te contar uma coisa, Connor.
– Mas antes, deita-te.
– A Jamie deitou algo na minha bebida para eu dormir. Disse-me
que só acordaria pela manhã.
– Eu sei – disse ele.
– Se eu me deitar…
– Está bem.
Ela não se mexeu.
– O Raen caiu da janela abaixo.
– Eu sei amor.
– Não o empurrei. Nem queria esfaqueá-lo. Caiu sobre a lâmina
dele, e se não me prendesse o pulso ao chão, nem isso teria
acontecido. Só tentei cortar-lhe a mão, pois tapava-me a boca e eu
tentava chamar por socorro. Acredita em mim, por favor. Não queria
matá-lo. Apenas que saísse de cima de mim.
– Desculpa não estar presente para te proteger.
– O que terias feito?
– Atirava-o da janela abaixo.
Confusa pelo que ele acabara de dizer, abanou a cabeça. O
movimento pô-la tonta.
– Tenho muito para te contar antes de adormecer. Tentei honrar e
respeitar a tua mãe mas não consigo mais. É errado da minha parte
intrometer-me entre ti e a tua família. Faz parte do teu passado e sei
como é importante para ti. Nunca voltará à tua casa enquanto eu
estiver aqui. Há de odiar-me, Connor, quando descobrir que o filho
morreu. O Crispin ia escondê-lo a meu pedido. A tua mãe disse-me
para obedecer ao Raen mas eu não fui capaz e não o lamento.
Estava enganada se julgava que me submeteria a ele.
– Sim, estava enganada. Deixa-me deitar-te na cama.
Ela agiu como se não o tivesse ouvido.
– Jamais me perdoará. Nem quero. Não gosto dela. Tens de
decidir qual de nós as duas é mais importante para ti. Sei que é
errado da minha parte fazer tal pedido mas…
– Brenna…
– Não, tenho de explicar – exclamou.
– Bem vejo que estás zangada, e eu…
Ela esforçava-se por não adormecer, pois a poção que Jamie lhe
dera já a deixara tonta, e mal era capaz de se concentrar no que lhe
dizia.
Quando a cabeça dela tombou sobre o peito, ele levantou-a
gentilmente nos braços e cingiu-a contra si. Adormecera. Inclinou-se
e beijou-lhe a testa. Não se mexeu durante uma hora, satisfeito por
sentir o calor dela contra o corpo.
Jamie regressou ao quarto para ficar ao lado de Brenna. Ao
reparar no tormento que percorria a expressão de Connor, quase
chorou.
– Ela precisa de descansar, Connor. Deita-a na cama.
Ele não queria mexer-se. Demorou algum tempo até que ela o
convencesse que a esposa ficaria bem.
Mesmo assim, hesitou antes de abandoná-la.
– Não quero que ela fique novamente sozinha.
– Não vai estar sozinha – prometeu Jamie. – Acabámos de
receber notícias das tuas terras que o padre Sinclair vem a caminho.
Oh, Connor, ele não pretende aplicar a extrema unção. A Brenna
não está a morrer. É amigo dela. Ficará também ao seu lado.
– Se ela precisar de mim ou o estado de saúde mudar, quero que
me mandes um mensageiro.
– Assim farei.
O fogo dentro dele estava descontrolado, e sabia que se não
saísse daquele quarto imediatamente, perderia o controlo por
completo.
Jamie seguiu-o até à porta.
– Onde vais?
– Acabar o assunto.
– O que digo à Brenna?
Ele abanou a cabeça. Não queria dar preocupações à esposa, e
sabia que se soubesse que iria à procura de MacNare, temeria pela
segurança dele. Por outro lado, não queria mentir-lhe.
E portanto, disse-lhe a verdade.
– Vou à procura da minha madrasta.
A sua máscara de compostura desapareceu mal entrou no salão.
Ido estava o marido adorável, e no seu lugar surgira o guerreiro
selvagem. Desembainhou a espada, entregou-a ao Crispin, e
desceu as escadas. Avançava com uma passada comprida e
determinada; uma expressão fria e fatal.
Ao fundo do salão, Alec observou-o, tenso de antecipação.
Connor não disse nada. A arder de fúria, entrou no salão de
rompante, esticou o braço e arrancou a espada do pai do encaixe na
parede.
Não foram precisas ordens. Quinlan e Crispin avançaram,
acompanhando a passada deste.
Alec não hesitou. Pegou na sua espada, expressão mortífera, e
seguiu o irmão.
Após tanto tempo, Donald MacAlister seria finalmente justiçado.

Não tiveram misericórdia. A batalha do cerco à torre de MacNare


travou-se durante horas, espadas cortando o ar vezes sem conta,
entrando metodicamente nas defesas do inimigo por todos os lados.
Os homens de Alec caíram sobre eles, vindos do sul num amplo
semicírculo, enquanto Connor e aliados atacavam pelo norte num
arco impenetrável que se uniu aos soldados de Alec, cerrando o
circulo.
O inimigo não teve hipótese de fugir à linha nem à vingança. O
elemento de surpresa estava do lado dos atacantes.
Até terem surgido, MacNare não desconfiara sequer que o seu
plano traiçoeiro fora descoberto. Havia indicado aos clãs do norte
para atacarem a fortaleza de Connor dali a dois dias, de madrugada,
mas por causa da estupidez da mulher, que tentou refugiar-se na
casa de MacNare antes do previsto, perderam a oportunidade.
MacNare não se envolveu na luta, trancando-se dentro da torre.
Cercado por todos os lados num túmulo incandescente, o cobarde
correu, frenético, a reunir o ouro que levaria pelas passagens
secretas. Como uma ratazana, com os dentes da frente salientes e
afilados, olhos estreitos a voarem freneticamente, correu pelo salão,
pegando noutra bolsa para recolher o seu tesouro, enquanto
Euphemia o perseguia, intempestiva.
– Entra na luta – insistiu ela. – Só tens de matar o Connor e o
Alec, e os seguidores dispersam-se.
– Cala-te, velha – exclamou ele. – Ou enfio a minha espada na tua
barriga. Foi a luxúria do teu filho que alertou o Connor.
– Ele não sabe que trouxe para cá o corpo do meu filho. Julga que
fui para norte.
– Então porque me ataca ele?
– Os teus assaltos às fronteiras do Hugh devem tê-lo provocado –
exclamou ela. – Fica e luta.
– Porque te interessa tanto o desfecho? O teu querido filho está
morto – desdenhou. – E um morto não pode tornar-se Senhor dos
MacAlisters. Já perdeste tudo.
As portas exteriores estavam a ser arrombadas. O som das
pancadas ressoava pelo salão, tão aterrorizante para MacNare
como o fogo usurpador. Fumo cinzento que deslizava sob a porta
enrolava-se já a seus pés.
– Ajuda-me a encher estes sacos – berrou. – Rápido, daqui a
pouco já terão entrado.
Um estrondo sonoro informou-o que a barricada fora transposta.
Vinham à sua procura. Ouviu o batuque de botas contra o chão de
pedra do outro lado da porta, cada vez mais perto…
As mãos tremiam-lhe tanto que deixou cair o último saco, gemeu
de lamúria ao ver tanto o ouro espalhado e sem tempo para o
apanhar, agarrou na espada e correu para a rota de fuga.
Euphemia atirou-se para a entrada da passagem, bloqueando-a.
– Não sejas parvo – urgiu. – Nem o Alec nem o Connor sabem
que os Buchanans se juntaram ao meu clã. Daqui a dois dias, irão
surgir pela passagem da montanha, para atacarem a fortaleza dos
MacAlister. Se ficares e lutares, terás direito à parte. Mata o Connor
por mim, ou juro-te que lhe conto onde estás.
Quatro guerreiros encontravam-se à porta, ouvindo a suplica
desesperada de Euphemia. Foi quando Alec ouviu o plano que
percebeu que um dos seus aliados, Buchanan, o filho da mãe,
estava em conluio contra si.
Connor alcançou a porta. Alec empurrou-o para o lado e atirou-se
de ombro contra o obstáculo. O ferrolho enfraqueceu da primeira
vez, partiu-se ao meio da segunda.
Recuou, aguardou que Connor tivesse retirado a espada
manchada de sangue do pai da sua bainha e depois pousou a mão
no ombro do irmão.
– Mostra-lhe a mesma compaixão, que ele e os seus mostraram
ao teu pai.
Quinlan e Crispin, com as espadas em riste, guardariam o Connor
quando entrasse no salão. Alec proteger-lhes-ia a retaguarda, e por
sua vez, ficaria protegido pelo seu exército.
– Sai-me da frente – guinchou MacNare a Euphemia, no interior.
Ela recusou-se a sair. MacNare julgava ainda ter tempo para
escapar. Recuou, levantou a espada e enfiou-a no tronco da mulher
quando Connor entrou na divisão.
Não reagiu ao berro horripilante da madrasta e assistiu sem
emoções enquanto MacNare arrancava a espada do corpo da
mulher e a empurrou para o lado. Euphemia dobrou-se sobre si
mesma e tombou no chão.
MacNare não notara ainda a presença de Connor. Empurrou
Euphemia da sua frente enquanto procurava, frenético, o painel que
escondia a saída.
– Vais a algum lado? – perguntou Connor.
MacNare rodopiou.
– Não tinhas qualquer justificação para me atacares, MacAlister.
Absolutamente nenhuma. O Kincaid ficará a saber.
– Eu sei tudo, imbecil – berrou Alec com raiva.
O rosto de MacNare empalideceu. Era como se presenciasse a
própria Morte a avançar contra si.
– Não participei. Não tive qualquer papel na morte do teu pai,
MacAlister. Era apenas um miúdo, como tu. Sim, apenas um miúdo.
– Tinhas mais de vinte anos – gritou Alec em resposta. – Claro
que participaste, usando a manta dos Kaernes, filho da mãe. O
Donald MacAlister era meu amigo.
Deu um toque nas costas de Connor.
– É uma desculpa fétida. Acaba com ele.
– Hei de matar-te antes – gabou-se MacNare. Saltou em frente,
agachou-se e lançou a espada na direção de Connor. Teria
alcançado o alvo, se este não a desviasse com a arma do pai.
– Ajuda-me, Connor – exclamou Euphemia, contorcendo-se de
agonia.
Connor não respondeu.
MacNare pulou e correu em direção à passagem oculta. Ao virar-
se, ouviu o assobio da espada que cortava o ar, e desviou-se para a
direita.
Connor antecipara a reação. A lâmina de Donald MacAlister
trespassou o pescoço de MacNare ao centro, enterrando-se na
parede. MacNare foi levantado pelo impacto, atirado para trás com a
força e espetado contra a porta da passagem – a qual se abriu,
estremecendo sem parar.
O único som que se ouvia era o guinchar da madeira e o gorgolejo
surdo do estertor de morte de MacNare.
– Ajuda-me, filho, por favor – voltou a pedir Euphemia. – Tem
piedade da tua mãe.
Nenhum dos guerreiros reagiu. Crispin perguntou a Connor se
pretendia recuperar a arma do pai, mas este abanou a cabeça.
– Está onde o meu pai a queria. Deixa-a ficar.
– Connor – berrou Euphemia. – Por favor… por favor…
Sem olhar para trás Connor abandonou o salão, os berros da
madrasta desvanecendo-se ao longe.
Capítulo 18

C onnor fizera a sua escolha. Quando Brenna recebeu a


mensagem do marido, sentiu-se esmagada pela derrota. Ele
pedira conselhos a Euphemia. Havia pouca esperança para um
futuro juntos, agora, pois ele continuava nitidamente preso ao
passado, e nada que ela fizesse mudaria isso.
Mal viu a reação dela, Jamie ficou arrependida de lhe ter contado.
Brenna recuperara rapidamente das suas feridas até ser informada
do paradeiro de Connor. Ficou então retraída, e ainda que Jamie
perguntasse porquê, Brenna recusou-se a responder.
Ficou agitada com a mera referência a Connor. Depois de tentar
durante três dias inteiros que Brenna lhe contasse o que se passava
de errado, Jamie decidiu que teria de esperar, até ambos os maridos
regressarem para descobrir a raiz do problema.
O tempo curara o corpo de Brenna. A aparência dela sofreu uma
alteração dramática num curto espaço de tempo. O inchaço quase
desaparecera do rosto e dos ombros; as nódoas negras já estavam
a desvanecer-se e o braço sarava sem problemas.
No quarto dia da reclusão, Brenna levantou-se e vestiu-se. Jamie
entrou, para conferir como se encontrava a rapariga após a refeição
do meio-dia, e ficou contente por encontrá-la sentada na cadeira ao
lado da janela.
– Como te sentes hoje? – perguntou.
– Muito melhor – disse-lhe Brenna. Procurou mostrar-se animada,
mas sabia ter falhado quando Jamie correu para junto de si e lhe
pousou a mão na testa.
– Não sinto febre – disse Brenna. – Estou bem, a sério.
– Estás a sarar rapidamente mas ambas sabemos que te dói a
alma. Mas trago uma surpresa que te despertará um sorriso. O
padre Sinclair tem insistido em falar contigo. Se me dissesse mais
cedo que trazia novidades da tua mãe, tê-lo-ia deixado subir –
acrescentou com uma gargalhada. – Ele não se lembrou de referir
esse facto até há poucos minutos.
Brenna ficou radiante de alegria.
– Ele encontra-se aqui?
– Ah, um sorriso, finalmente – disse Jamie. – Chegou ontem à
noite. Ficou sentado ao teu lado durante horas, ontem, enquanto
dormias. Queres que o mande subir?
– Sim, por favor.
Brenna pôs-se de pé num repente, mal o padre Sinclair entrou nos
aposentos.
– Estou tão contente por o ver – exclamou.
– Fica contente, mas sentada – ordenou Jamie, pairando sobre a
paciente como uma mãe-galinha.
Brenna assim fez, esperou que o padre puxasse uma segunda
cadeira para a janela de modo a observá-la, e disse:
– A sua viagem deu frutos?
– Está tudo bem – garantiu-lhe o padre com um aceno.
Brenna temeu acreditar nele. Agarrou com força a mão de Jamie.
– Tem a certeza?
Como resposta, ele levantou o medalhão e depositou-o na outra
mão da rapariga.
– Completa.
Ela desatou a chorar.
– Não são boas novas? – perguntou Jamie. – Tens dores? Por
favor, explica o que se passa.
– Ela chora de felicidade – disse o padre.
– Sim, estou feliz – gaguejou Brenna.
– Não sabia que ela tinha perdido o medalhão.
– Bem, não o perdeu – disse o padre.
Jamie sentiu-se confusa.
– Então porque…
– Não te preocupes comigo.
– Preocupo-me porque te adoro, mana, tal como o teu marido.
Bem, vou deixar-vos à-vontade. Padre, espero que consiga
convencê-la que o Connor não a abandonou.
Antes de o padre poder responder, Brenna abanou a cabeça.
– Junta-te a nós, e fica a conhecer as novidades de casa.
Jamie recusou o convite.
– Se deixar a porta aberta, acredito que possa descer para o piso
térreo sem preocupações. A Grace escondeu-se debaixo da mesa
para não dormir a sesta. A miúda não percebe que a consigo ver do
outro lado do salão. Aviso-te desde já, Brenna, que lhe prometi que
te podia fazer companhia depois da sesta. Ela deve julgar que lhe
pertences quando estás cá em casa.
– Adoraria estar com ela.
Depois de fazer uma vénia ao padre Sinclair, Jamie saiu do
quarto.
– Tem de me contar tudo, padre – pediu Brenna.
O padre anuiu.
– Acolheram-me de imediato na casa dos seus pais e levei uma
batina castanha para a Faith usar a caminho da fortaleza do Gillian.
Soube que também ele se encontrava fora de casa, e admito que
hesitei. Felizmente, lembrei-me da abadia. Sabia que os monges
tinham quartos disponíveis para viajantes cansados. A Faith
encontrou-se comigo no prado. Enfiou a batina quando entrámos na
floresta e evitámos o caminho principal durante a viagem.
– Como poderei recompensá-lo ? – perguntou Brenna.
– Não me deve nada. Deus cuidou de nós, e por causa disso não
nos deparámos com problemas. A sua irmã é uma jovem adorável.
Engracei com as suas opiniões sobre uma variedade de temas –
admitiu.
O padre contou-lhe então várias histórias sobre a irmã. Brenna riu-
se, deliciada, e, oh, aquele som encantou o coração do padre.
O fator surpresa estava novamente do lado de Connor, e
preparavam-se para atacar quando uma enchente de nortenhos
jorrou da passagem. Foi uma batalha sangrenta, até à morte, mas
derrotaram o inimigo ao fim de três dias. Cuidar dos feridos, para
que pudessem acompanhá-los no regresso, demorou mais tempo
que a própria batalha, e nem Connor nem Alec partiram até ser
despachado o último dos soldados.
Aqueles que precisavam de pontos foram conduzidos aos
cuidados de Jamie, ocupada de manhã à noite a mitigar os danos.
Continuou a entrar gente pela ponte levadiça ao longo dos três dias
seguintes, que também requeriam as atenções de Jamie.
Felizmente, nenhum dos homens precisou da extrema-unção, o
que foi bom, pois o padre Sinclair saíra da fortaleza Kincaid para
tratar de um assunto importante na abadia de Dunkady junto às
Terras Baixas, segundo informou a Jamie. Não esperava regressar à
torre dos MacAlister antes de duas semanas.
Perante uma situação tão caótica, em que os homens entravam e
saiam pela ponte levadiça a qualquer hora do dia e inicio da noite,
ninguém deu pela falta de Brenna, e Jamie só reparou que
desaparecera uma hora antes da chegada de Alec. Começaram
logo à sua procura por toda a parte, mas sem resultado.
Quando o marido entrou finalmente no salão, Jamie não se
continha, preocupada. Prevendo a reação de Connor, decidiu deixar
a Alec a tarefa de informá-lo.
Nem sequer deu ao marido tempo para a beijar. Atirou-se para os
braços dele, dizendo:
– Graças a Deus que chegaste a casa. Perdi a Brenna. Tens de
encontrá-la.
Alec recusou crer nessa possibilidade. Ninguém podia entrar ou
sair da fortaleza sem autorização. Uma honra depois, tinha vontade
de matar todos os homens que deixara a cargo da guarda da
família.
E contudo, apesar da fúria, a sua reação foi serena, quando
comparada com a de Connor. Este ficou totalmente enraivecido.
– Como foste capaz de perdê-la, Alec? – rugiu.
– Terá voltado para casa?
– Passei pela minha torre, para trazer uma coisa do agrado da
Brenna. Não ignoraria a presença dela se estivesse em casa.
– Lamento imenso, Connor – disse Jamie. Sentou-se à mesa e
enterrou a cara nas mãos. – Devia tê-la vigiado. Todas as manhãs
dava uma espreitadela, antes de descer, e pensei que estivesse
deitada. Era demasiado cedo para acordá-la, e só regressei à torre
ao final da noite. Espreitei para o quarto dela, julgando-a a dormir.
Se não fosse o meu cansaço teria reparado, e puxaria os cobertores
para confirmar.
– As criadas não entraram no quarto? – perguntou Connor.
– Pedi-lhes que não a incomodassem. Santo Deus, nem sei há
quanto tempo desapareceu. Lamento imenso.
– Alec, leva a tua esposa para a cama – ordenou Connor. Ele
seguiu o irmão até à mesa e puxou a cadeira para Jamie se sentar.
– Nada disto é culpa tua, Jamie.
Alec levantou-a nos braços.
– Não dormiste nada na passada semana, pois não?
– Tenho estado ocupada com o tratamento dos feridos, Alec.
Amanhã, logo durmo. Primeiro, tenho de encontrar a Brenna…
– Eu e o Connor iremos procurá-la. Tu vais para a cama.
Ela sentia-se demasiado cansada para discutir com ele, e não
serviria de muito na busca. Estava com dificuldade em manter mais
do que um pensamento na cabeça. Deitou a cabeça no ombro do
marido.
– Amo-te, Alec. O que farás para encontrá-la?
– Comecemos por revistar todos os cantos desta torre. Ainda não
me convenci que tenha desaparecido.
Alec deteve-se em frente a Quinlan e ordenou-lhe que mantivesse
Connor no salão até ele voltar, depois acompanhou a esposa para o
quarto.
– Não te esqueças de dizer às crianças que voltaste – disse
Jamie. – E, Alec? Preciso de ti na nossa cama. Acordas-me quando
entrares no quarto?
Adormeceu antes de ele conseguir responder-lhe. Alec retirou-lhe
as roupas, prendeu os cobertores em volta dela, depositou um beijo
na testa da esposa e desceu as escadas novamente.
Ele e Connor vasculharam pessoalmente todas as divisões da
torre. Ampliaram a busca, e quando chegaram por fim à ponte
levadiça, convenceram-se que Brenna não se encontrava dentro da
fortaleza.
Connor pensou que perdera tempo. A raiva tornou-se pânico
imediatamente.
– Sabes quais são as hipóteses de ela sobreviver lá fora – disse
Connor. – Nenhumas, se estiver sozinha. Ela…
– Ela há de sobreviver – retorquiu Alec. – E tu rapidamente
perderás o teu apoio, se continuares a pensar assim.
Quando regressaram ao salão, Connor sentia-se tão assustado
que nem era capaz de raciocinar. Irrompeu pela divisão, tentando
imaginar onde se encontraria a mulher.
– Interrogaste todos os homens deixados para trás?
– Foram interrogados, mas não por mim – respondeu Alec. –
Enviei um mensageiro com ordens para retirar dois homens do
dever de guarda, e deverão chegar amanhã, uma hora após o
nascer do sol.
– Diz-me onde estão – exigiu Connor. – Irei ter com eles agora
mesmo.
– Não.
Alec conhecia bem o irmão, e estava preparado quando Connor
tentou partir. Bloqueou-o com os braços.
– Vou colocar dez homens a guardarem as portas, caso tentes
partir durante a noite. Aceita o facto de que não vais a parte alguma
até percebermos onde ela realmente se encontra. A lua não
providencia luz suficiente esta noite, e ainda te matas e ao teu
cavalo se partires. Age com sensatez.
– Não entendes, tenho de encontrá-la. Ela não tem um destino em
mente.
– O que significa isso?
– A Brenna só quer distanciar-se de mim. Culpa-me por não a ter
protegido do Raen. Eu devia ter estado presente. Devia ter
percebido… se alguma coisa lhe acontecer, se não a conseguir
alcançar antes de…
– Havemos de encontrá-la – insistiu o irmão.
Ele e Quinlan mantiveram-se ao lado de Connor até meio da noite.
Alec subiu para o quarto, para repousar uma hora.
Connor queria começar a interrogar os homens, mas Quinlan
recusou.
– Poderá custar-nos pelo menos uma hora para os reunirmos, e
todos receberam ordem do comandante para se apresentarem ao
raiar do dia. Sei que não dormirás, Connor, mas ao menos senta-te.
Entendo o que estás a passar. No teu lugar, também estaria
consumido pela raiva, mas é importante que te mantenhas com a
cabeça limpa, para encontrá-la.
Connor sabia que ele tinha razão. Era impossível fechar os olhos,
mas acabou por se sentar. Quinlan adormeceu numa das cadeiras
junto à entrada. Connor ordenou-lhe que subisse e se deitasse num
dos quartos. O amigo não quis abandoná-lo, obviamente, mas mal a
sugestão foi apresentada na forma de uma ordem, teve de
obedecer.
Durante o resto da noite, Connor ficou sentado, sozinho à mesa,
nas trevas, à espera do novo dia. Imaginou todos os horrores
possíveis de acontecer à sua gentil esposa, até a mente se revoltar
e ele não conseguir aguentar mais.
Foi a noite mais comprida da sua vida.
O dia seguinte não prometia melhoras. Ele e Alec interrogaram
todos os soldados que tinham sido deixados a guardar atentamente
a fortaleza, revezando-se. Ninguém sabia de nada útil.
Connor pensou regressar a casa e interrogar os seus,
esperançoso que Brenna confidenciasse alguma informação aos
criados, mas, por muito impaciente que se sentisse, também queria
ouvir as respostas dos soldados de Kincaid.
Os homens encarregados da ponte levadiça entraram no salão, no
instante em que Quinlan se adiantou com uma ideia.
– Poderá ter ido para a casa de Faith?
Connor rejeitou a possibilidade.
– Ela não sabia que a irmã corria perigo. Aliás, onde escondeste a
Faith, Alec?
O irmão não sabia nada sobre o assunto. Quinlan explicou-lhe
enquanto Connor continuou a calcorrear o espaço.
Jamie entrou no salão e sentou-se à mesa, para ouvir o que os
soldados diziam ao marido.
– Claro que a Brenna sabia. Eu saberia se algo acontecesse à
minha irmã. A forma como o soube não interessa agora. Oh, meu
Deus, o medalhão – exclamou Jamie. Acorreu para Connor. –
Julguei que o tinha perdido, mas quando o padre lho entregou, ela
disse-me que não o tinha extraviado. Não entendem? A Brenna
deve ter enviado o padre Sinclair à casa da irmã. Deu-lhe o
medalhão para mostrar à Faith, para que esta soubesse que teria de
obedecer às instruções do padre. Já tinha notado a esperteza da
Brenna, mas isto espanta-me. A mim não teria ocorrido.
Alec interrogou os seus homens, então, uma tarefa extenuante por
causa dos repentes intempestivos de Connor, e rapidamente
descobriram o meio de saída tomado por Brenna.
Só um padre foi visto entrar na torre durante a vigília de Douglas,
mas dois padres saíram quando foi substituído por Niell.
Connor pesou a condenação da sua alma por toda a eternidade
contra o prazer fugaz de esganar um homem do clero.
– Com a sua permissão, meu Senhor? – perguntou Niell.
– O que foi?
– Não creio que o padre soubesse que ela o seguia. Ele saiu à
frente, no capão malhado, e puxando as rédeas de uma mula de
carga atrás de si. O segundo padre seguiu a pé, atrás dos cavalos.
– E não desconfiaste do comportamento estranho? – vociferou
Alec.
– Ele era baixo. Pensei que ainda não tinha recebido a ordenação
e que ir a pé fosse uma penitência.
– Agora só temos de descobrir para onde se dirigiu o padre –
disse Alec.
– A abadia de Dunkady – soltou Jamie.
– Tens a certeza? – perguntou Connor.
– Sim – respondeu ela.
– Se ele disse a verdade – indicou o marido.
– Por amor de Deus, Alec. É sacerdote. Claro que disse a
verdade.
– Partirei de imediato – indicou Connor.
– Vou contigo – anunciaram Alec e Jamie ao mesmo tempo.
Connor abanou a cabeça.
– Isto tem de ser feito só por mim.
– Sem os teus homens, nem pensar – avisou Alec.
Porque não lhe apetecia perder tempo em discussões com o
irmão, Connor indicou a Quinlan que fosse buscar os homens da
torre.
– Alcanças-me, entretanto.
O mosteiro ficava apenas a um curto dia de viagem, a seu ver. Se
Brenna seguia na mula de carga, só Deus sabe quanto tempo
demorava.
Forçou-se a bloquear todas as ideias, exceto uma. Tinha de
encontrar a sua doce Brenna. Sem ela, sentia-se perdido.

Brenna estava inconsolável. Não queria comer nem dormir nem


parar de chorar durante um intervalo suficiente para se explicar
perante a irmã.
Faith acabou por lançar os braços ao alto, desesperada. Depois
de ter entregue a Brenna um lenço seco para enxaguar as lágrimas,
largou o tecido encharcado no caixote da roupa suja, onde outros já
se encontravam, e sentou-se ao lado da irmã no catre estreito do
quarto. Jurando que seria pela última vez, tentou convencer Brenna
a ouvir a voz da razão.
– Tens de parar este luto. Já fomos expulsas da capela por causa
do teu barulho.
– Não fomos expulsas. Encorajaram-nos a voltar para os nossos
quartos.
– E aquele simpático padre Sinclair? Não consegue prestar
atenção às Vésperas por tua causa. Porque não nos dás ouvidos?
Já dissestes que amas o teu marido.
– Não compreendes? Ele fez uma escolha quando me
abandonou. Não me quer, nem ao meu amor. Nunca quis. Ela
pertence ao seu passado, e ele nunca se esquecerá do que
aconteceu. Não, não posso voltar. Iria doer de mais.
A necessidade de assoar o nariz calou os protestos. Faith, mesmo
assim, não entendia.
– Não costumavas chorar. Se amar causa esta infelicidade numa
mulher, juro que jamais me apaixonarei. E oxalá nunca tenha de me
casar. Por amor de Deus, paras de chorar? Talvez se voltasses para
mais uma tentativa… diz-lhe como te sentes…
– Ele sabe como me sinto, embora não lhe tenha feito nenhuma
declaração. Ele é inteligente, Faith. Tal como eu – acrescentou. –
Sei quando não me querem. Não consigo falar mais sobre isto.
– E se ele vier à tua procura?
Ela abanou a cabeça.
– Não virá.
– Mas, e se vier?
Ela soltou um suspiro.
– Pensaria que foi o orgulho que o obrigou a vir. Não regressaria
com ele. Podemos mudar de assunto?
Faith ignorou a sugestão.
– O Gillian pode não te deixar regressares connosco. Então o que
farás? Ficarás na abadia ate ao fim dos teus dias, dando cabo da
vida daqueles pobres monges?
– O meu irmão não se recusará a nada. Contei-te que o Connor
nem sequer sabe quantos irmãos tenho?
– Sim, já referiste esse facto pelo menos cem vezes. Queres
filhos? Se voltares…
– Quero, mas não tenciono deixá-los com o Connor.
– A que te referes agora? Volta para ele, Brenna. Por favor, antes
que seja tarde de mais. É teu marido.
– Tens mesmo de me chatear?
Faith decidiu que fizera pressão suficiente, por enquanto.
– Talvez um pouco de ar fresco te anime. Vamos passear nos
jardins.
– Se nos afastarmos do caminho, deixaremos de pisar solo
sagrado.
– Não entendo.
– O caminho em frente da abadia. Há uma cruz de madeira no
local em que termina no lado sul, e outra no lado norte. Se sairmos
do caminho, deixamos de estar a salvo. Acho que devíamos
permanecer aqui. Além disso, o Gillian deverá aparecer a qualquer
instante, se a estimativa do padre Sinclair se concretizar.
– Já que insistes em ficares escondida, então esconde-te. Pelo
menos afasta as peles das janelas para que a luz entre. Parece que
estamos no túmulo – Faith não esperou pela resposta positiva ou
negativa da irmã. Correu para a janela, retirou os laços de algodão
dos ganchos, e puxou a espessa pele.
Fechando as pálpebras por causa do sol brilhante, levou a mão à
nuca e levantou o cabelo.
– Este ventinho é maravilhoso – sussurrou, rosto iluminado de
prazer. Manteve-se contra a luz, uma silhueta cujos braços erguidos
acabaram por se queixar. Então, observou o cenário. – Oh… meu…
Deus… são… são… enormes.
– Há algum problema? – perguntou Brenna. Fascinada pelo que
via, Faith não conseguiu sequer anuir. No extremo setentrional da
abadia encontravam-se gigantes até perder de vista. Cerca de
quarenta homens, calculou Faith, acompanhavam o guerreiro de ar
feroz que se distanciara do grupo e se aproximava do caminho.
Cada um dos homens trazia os joelhos desnudos e o peito
destapado, se não fosse a faixa de material que se erguia da anca e
passava por cima do ombro oposto. Alguns tinham cicatrizes;
outros, não. Todos eles precisavam de uma boa limpeza, cortes de
cabelo e trajes decentes.
Por todos os santos, eram selvagens.
Faith rodopiou sobre si mesma.
– Não podes voltar de modo algum. Graças a Deus que caíste em
ti. Não, não, não voltas para o teu marido. Tens de viver com o
Gillian. Ele ficará contente por te acolher. Adora-te. Porque não me
contaste que eram… eram… oh, Brenna, como conseguiste manter-
te viva tanto tempo?
– De que estás tu a falar?
Preocupada com a possibilidade de Brenna se acercar da janela e
descobrir quem se encontrava no exterior, Faith abanou
freneticamente a cabeça. A irmã já tivera problemas suficientes para
uma vida inteira. A prova estava à vista de todos. Uma cicatriz na
testa e outra no braço.
Na sua pressa para se corrigir, porque não fazia ideia da provação
de Brenna, gaguejou um pedido de desculpas.
– Lamento imenso. Não sabia… até os ver, não sabia. Não, está
fora de questão.
– O que está fora de questão? – perguntou Brenna. Levantou-se e
juntou-se à irmã à janela.
Faith correu para ela e empurrou-a de novo para o catre. Depois
avançou para a porta e trancou-a.
– Está fora de questão ir... ir para o exterior, sim, fora de questão.
Céus, como ficou frio de repente. É melhor taparmos as janelas.
Ela voltou para a janela, espreitando para fora na esperança de
descobrir que os selvagens eram meros produtos da imaginação.
Não, estavam ali, realmente com ar tão assustador como
anteriormente.
As mãos tremiam ao repor os laços nos ganchos.
– Brenna, descreve-me o teu marido.
– Porquê?
– Mera curiosidade – respondeu. Fitou o líder do grupo, tentando
ao mesmo tempo rependurar a pele. Ele era deveras assustador.
– É bonito.
– Brincas.
– Não, pelo contrário. É bonito.
– Mas qual é o aspeto dele? Descreve-lo.
– Cabelo escuro, olhos também escuros, nariz retilíneo. Alto e
bastante forte. Satisfeita?
– Cabelo comprido?
– Todos os homens MacAlister têm cabelo comprido. Para onde
estás a olhar?
– Para o padre Sinclair – respondeu Faith, o que não era mentira,
pois o padre descia o caminho a correr, rumo ao guerreiro diante
dos outros selvagens. O padre não devia correr no sentido oposto?
Não reparou que estavam todos armados?
Brenna dirigiu-se à bacia para lavar cara e mãos.
– Se o padre está lá fora, então deve ser seguro sairmos. Ele não
nos deixará sair do caminho.
– Foi seguro para vocês os dois chegarem sem escolta?
– Não, mas foi necessário. Já não é. Além disso, eu vesti-me
como um monge, e o povo das Terras Altas respeitam as pessoas
do clero. Não lhes fariam mal. No entanto, é por ti que agora me
preocupo. Quando te convences a fazer seja o que for, nem medes
o risco, e se decidires apanhar flores no cimo do monte, sei que o
padre não te vai permitir.
– Ensinaste-me a medir os riscos – protestou Faith. – Oh mana, a
pele que servia de cortina caiu da janela.
Inclinando-se para fora, observou-a tombar com um murmúrio, até
pousar no trilho empedrado a um passo do padre. Sobressaltado
pela queda tão próxima, Sinclair levantou o olhar para a janela.
– Peço perdão, padre, escorregou – disse Faith em voz alta, antes
de recuar para não ser alvo de um sermão diante dos selvagens.
Além disso, desataria a rir e não queria ferir os sentimentos do
padre.
Ele ouviu-a, obviamente, tal como os MacAlister. Todos, a não
quer Quinlan – que sorriu com nítida aprovação – fingiram não
reparar.
Curioso, Crispin virou-se para ele.
– Ela é engraçada?
– É encantadora.
Crispin abanou a cabeça, indicando ao amigo que era maluco.
Quinlan anuiu e declarou a intenção.
– Pretendo ficar com ela.
– Há de fugir de ti.
– Espero que sim. Caso contrário, não teria graça. É magricela,
estou certo?
– Casamento?
– Talvez.
Connor ergueu a mão, subitamente. Os amigos julgaram que
pedia silêncio para ouvir o padre. Mas este fez o sinal de inimigo em
aproximação. Pousou simplesmente a mão no punho da espada.
Vira os ingleses.
Gillian e os seus soldados subiam a colina. Pelo ruído dos
cavalos, Connor estimou que se tratavam aproximadamente de
sessenta soldados, que escoltavam o barão. Crispin e Quinlan
imediatamente flanquearam Connor para protegê-lo de um ataque
lateral.
O padre Sinclair não notara que os MacAlister se tinham tornado
tensos, antecipando a luta. Explicava novamente que não ajudara
Brenna a sair das terras de Kincaid, não fazia a mínima ideia de que
ela tinha essa intenção, e só se apercebeu que ela seguia atrás de
si, quando entraram na floresta e ela o chamou pelo nome.
– Nunca olha para trás de si? – perguntou Connor.
– Não preciso de o fazer nas suas terras ou nas do Kincaid, pois
sinto-me seguro. Garanto-lhe que tomei todas as precauções, assim
que a sua esposa me avisou da presença dela. Tentei convencê-la a
regressar mas ela não me deu ouvidos. Não podia deixá-la viajar
sozinha, pois não?
Connor abanou a cabeça.
– Garantiu-me que ela se encontra bem e nada mais me importa.
Diga-lhe que venha ao meu encontro.
– Ela recusar-se-á – disse ele. – Mas claro que tentarei.
– Não se recusará a mim – tirou o punhal do cinto e cortou os fios
que Jamie usara para coser o medalhão à sua manta. – Entregue-
lhe isto.
O padre aceitou o medalhão, anuindo.
– E a sua mensagem?
– O medalhão é a minha mensagem. Ela compreenderá. Não
pode recusar-se a mim, padre.
– Se deixar a espada à porta, pode entrar – ofereceu Sinclair.
Como resposta, Connor sugeriu ao padre que olhasse para trás.
– Oh, santo Deus. O Gillian já chegou. Eu despacho-me –
murmurou ele. – Não façam nada precipitado antes do meu
regresso.
– Não faremos – garantiu-lhe Connor –, a não ser em caso de
provocação.
O padre levantou a batina e correu de volta à abadia.
– Mais vale parares de escovar o cabelo, Brenna. O padre está de
volta. Aliás, vem a correr. Será que... oh, não.
– Que foi?
– O Gillian chegou.
Brenna largou a escova e sentou-se no catre. Chegara a hora de
abandonar para sempre as Terras Altas. Oh, meu Deus, porque
motivo lhe era tão doloroso?
As lágrimas juntaram-se na sua vista. Ela baixou a cabeça,
rendida, começando a rezar.
– Porque é tão difícil? – queixou-se. Dobrou-se sobre si mesma,
começando a baloiçar, como se a dor da alma se tivesse tornado
física.
Faith não sabia o que dizer.
– Não sei, Brenna. Se conseguisse ajudar-te, assim faria. O teu
marido seria capaz de ajudar-te a sentires melhor.
– Não.
– Ele está cá, Brenna.
Além de se endireitar por completo até assumir uma postura
rígida, nada mais disse nem mostrou nenhuma outra reação.
– Mas isso deve implicar que…
– Veio, impelido pelo orgulho.
– Imaginei que dissesses isso – indicou Faith. Inclinou-se pela
janela e acenou ao irmão. Gillian e os seus homens tinham um ar
tão polido e jovial nas cotas de malha e capacetes. Ela virou-se para
fitar os MacAlister. Pareciam…
– Selvagens.
– Afasta-te da janela.
– Devia acenar ao teu marido. Seria rude ignorá-lo. Já acenei ao
Gilliam, e não devia desprezá-lo.
– Garanto-te que pouco se importa.
Seja como for, ela acenou.
– Ele não acenou em resposta mas o Gillian, sim.
– Afasta-te daí – exigiu Brenna.
– Anda ver.
– Não.
Bateram à porta, um som acompanhado de uma respiração
ofegante audível. O padre Sinclair subira as escadas que davam
para o quarto de Brenna em passo de corrida.
Faith deixou-o entrar.
– Ela não quer ir ao encontro dele, padre. Tentei convencê-la mas
recusa-se a falar com ele.
O padre anuiu antes de se aproximar do catre.
– O seu marido pediu-me para lhe dizer que tem de ir ao seu
encontro, minha Senhora. Ele julga que isto a convencerá –
acrescentou ao deixar cair o medalhão no colo dela.
Ela fitou o disco de madeira durante um demorado minuto sem
nada dizer. Faith quis examiná-lo de perto e esticou a mão, mas a
irmã agarrou-o antes que ela lho tirasse.
Levantou-se e correu para a janela num ímpeto. Apeteceu-lhe
atirar o medalhão contra ele, pela audácia de usá-lo naquela
situação, pois era tarde de mais e anteriormente recusara-se a usá-
lo por teimosia.
Então, viu-o.
– Tem ar cansado – murmurou.
– Tem de ir. É inevitável que aconteça uma luta, até que o seu
marido saiba se escolhe voltar com ele ou ficar com o Gillian.
Ela afastou-se da janela e dirigiu-se para a porta.
– O meu irmão não sabe que estou aqui.
– Isso não importa – contrapôs. Seguiu atrás dela, descendo
também as escadas. – O seu marido sabe que está. O Gillian pode
julgar que ele veio buscar a sua irmã.
– Tenho uma forma garantida de o enviar de volta para a sua
fortaleza – disse Brenna.
– Conta-me – pediu Faith, correndo para apanhar a irmã.
– Basta-me perguntar-lhe se me ama. Não vai conseguir dizer que
sim e portanto perceberá então que terei de voltar para Inglaterra.
– E se ele nem tiver percebido? – perguntou a irmã.
– Não fará nada que eu não queira, desde que lhe diga que não.
– Já te esqueceste que o teu marido é grande? Ele deve
conseguir o quer.
– Para ele, não significa não.
– Mas ama-lo, mulher – disse o padre.
– Sim, amo-o, mas não basta.
O padre levou a mão à porta mas não a abriu.
– Faith, saia antes de nós, por favor. Corra para o seu irmão e
fique com ele, para que perceba que os MacAlister não são uma
ameaça.
– Receia que os soldados do Gillian ataquem os das Terras
Altas?
– Não, mas acredito que os MacAlister conseguissem matá-los
sem dificuldades. São implacáveis quando é necessário, e sabe
Deus que facilmente dominariam os ingleses.
– Mas são quase o dobro…
– O número nada representa para eles. Já os vi lutar, e garanto-
lhe que sei do que falo.
– Farei como pede – prometeu a rapariga. Correu para o exterior,
rumo ao irmão, e abraçou-o. Demorou vários minutos a ouvi-lo
contar-lhe que o marido de Brenna enviara homens à casa da mãe,
para protegê-la de MacNare. Também acrescentou que a mãe
acabara por gostar do chefe do grupo, e agora até queria que
regressasse.
Faith prestou-lhe toda a sua atenção até Brenna surgir.
– Tens de contar-me mais, mas agora vou buscar as roupas –
disse ela, e embora fosse essa a sua intenção, acabou por seguir
Brenna. A irmã tinha um ar tão vulnerável e solitário. Faith apenas
queria protegê-la de mais mágoas, e Gillian só precisava de mais
um pouco de paciência.
Ele podia esperar mais alguns minutos, não podia?
– Estarei aqui, Gillian – avisou em voz alta. – Só quero conhecer
primeiramente o marido da Brenna.
Antes que o irmão lhe recusasse a vontade, levantou as saias e
correu ao encontro dos MacAlisters.
O padre Sinclair foi retido pelos monges que esticavam as
cabeças pelas janelas do primeiro piso, tendo de assegurá-los
individualmente que não se avizinhava uma batalha em terreno
sagrado e que podiam retomar os seus deveres sem problemas.
– É apenas uma reunião de família – explicou, e Deus o acuda,
disse a meia-verdade sem sequer se rir.
Faith não abordou nenhum dos monges, embora lhes acenasse. E
vários, incitados pelo entusiasmo da rapariga, acenaram também
em resposta. Ao aproximar-se do fim do trilho, um dos MacAlister
chamou-lhe a atenção. Teve a sensação peculiar de que ele
esperava que ela se manifestasse ou agisse, e embora sem sinais
nem gestos, a rapariga pressentiu que ele queria algo de si.
Todos os guerreiros estavam bastante atentos aos soldados do
irmão de Brenna, a qual tinha subitamente parado, notou Faith.
Hesitava se devia falar com o marido. A rapariga quis ajudá-la a
decidir. Alcançou-a, pegou-lhe na mão, deu-lhe um puxão para que
continuasse a andar.
Brenna não prestou atenção à irmã. Não largava o marido de
vista. Sentia-se em total agonia, assim tão próxima do homem que
amava, saber que não voltaria a estar com ele. Não percebeu o
tormento que representava a sua vinda? Era como se o coração se
desfizesse em mil pedaços.
Parou novamente antes de alcançar o fim do caminho. Faith
largou a mão dela e colocou-se atrás da irmã.
Decorreu um minuto completo sem que fosse dita uma única
palavra, enquanto marido e mulher se entreolhavam. Mais uma vez,
Faith decidiu dar uma ajuda, empurrando ligeiramente a irmã.
Brenna ignorou-a. Respirou fundo, esticou o medalhão e disse:
– Isto pertencia-te, Connor.
– Ainda me pertence, Brenna. Tal como tu me pertences. Agora e
para sempre.
Ela abanou a cabeça.
– É muito difícil – queixou-se.
Ele desembainhou a espada e entregou-a a Crispin antes de
desmontar, e avançou para ela.
– Vou facilitar-te as coisas. Não chores, por favor. Sei que te
magoei.
O padre adiantou-se para oferecer um lenço a Brenna. Mas um
olhar de Connor fê-lo mudar de ideias. Recuou, virou-se e caminhou
na direção de Gillian.
Brenna sentiu que o mundo se intrometia na sua vida. Quando
Connor lhe tomou a mão e a levou consigo rumo aos jardins, ela
não se esquivou. Manteve a cabeça baixa, aguardando até terem
privacidade para se despedir dele.
Ele não quis saber da falta de privacidade.
– Sei que te magoei, e devia ter-te protegido do Raen. Terás de
viver com este meu erro. Não espero que me perdoes, Brenna, mas
eu…
– Não és responsável pelo que aconteceu. Devia ter-te contado as
intenções dele. Tentei, mas tu partiste antes de eu reunir coragem.
Depois ele foi-se embora e julguei que não o voltaria a ver. Mas já
não importa. Fizeste a tua opção quando escolheste a Euphemia.
Ele ficou atónito.
– E ajudaria saberes que ela morreu?
– Santo Deus, claro que não.
– Muito bem – disse ele. – Mas percebeste ao menos, que só não
a bani como pretendia, por ter pensado nos teus sentimentos?
Ela virou-se para o encarar. Connor não sabia durante quando
tempo aguentaria sem a agarrar e prender nos braços. Preferia que
a rapariga o procurasse por iniciativa própria, mas se ele não se
afastasse, perderia esta guerra. Soltou-lhe a mão, sentou-se no
muro de pedra, e esperou que Brenna se aproximasse.
Ela avançou até se encontrar entre as pernas esticadas do
marido.
– O que aconteceu à Euphemia?
– Tenho de falar-te da herança do meu pai para que entendas,
mas é uma história comprida. Queres ouvi-la?
Havia uma tristeza tão avassaladora nele que ela ficou condoída.
E Connor ficou sem ânimo. Deixou cair a cabeça, ombros abatidos
do peso que sustentara durante tantos anos, uma vasta melancolia
que ela não pressentia.
– Queres contar-me?
– Sim – respondeu ele, desesperado.
Ela aproximou-se um passo.
– Conta-me então – murmurou.
Ele mostrou-se aliviado.
– Sei que o Lothar te falou das ruínas, e que seriam derrubadas
quando vingasse o meu pai. Quero descrever-te como morreu e o
que me disse.
– Contou-me que presenciaste o massacre e que eras apenas um
miúdo. Gostava que me descrevesses essa época, mas só se
quiseres. Queres?
Connor anuiu.
– Ele não morreu facilmente…
O passado jorrou dele em frases entrecortadas e hesitantes.
Recordou tudo, recordou o medo sentido, a impotência. Ela
imaginou-o miúdo, a rastejar por cinzas ardentes, segurando a
pesada espada do pai contra o peito, e sentiu reverência do marido,
pois tinha mais coragem e honra que uma centena de cavaleiros da
nobreza. Por isso o amava tanto.
– O pedido de vingança do meu pai tornou-se a minha obsessão –
concluiu.
Ela anuiu, mostrando assim que o compreendia.
– Tenho uma pergunta para te colocar.
– Sim?
– Exigirias do teu filho o que o teu pai exigiu de ti?
Ele não hesitou na resposta.
– Se houvesse hipótese que os assassinos voltassem, havia de
avisar o meu filho para se proteger, tal como lhe diria para descobrir
quem eram e assim conhecer a identidade do inimigo. Não morreria
descansado se ele e a família corressem risco, mas não lhe pediria
nem exigiria que me vingasse, Brenna. Não, jamais pediria isso ao
meu filho.
Ele não sabia que, com esta resposta, tomara posse do futuro
dela.
Connor esticou as mãos diante de si para que Brenna pudesse ver
as cicatrizes nos dedos e nas palmas.
– Eis a minha herança. Não consigo retirar estas marcas de mim,
tal como não posso mudar quem sou.
Ela pegou-lhe nas mãos e beijou cada palma.
– As tuas mãos são lindas. Sempre que te sentires preocupado ou
sobrecarregado, basta-te olhares para as mãos e saberás que és
homem de honra e coragem, pois é isso que as cicatrizes
representam.
– Uma esposa não foge de um homem honrado. Falhei-te.
Ela abanou a cabeça.
– Não me falhaste. Julguei que não conseguisses largar o
passado, e também receei que desses ao teu filho um fardo igual.
Não perdi a esperança até seguires atrás da Euphemia. Pensei que
a tinhas escolhido em vez de mim, e foi demais para conseguir
aceitar. Porque a mandaste embora?
– Porque ela te magoou. Não sabes o quanto representas para
mim? Quando me contaram as ações do Raen, tive um ataque de
fúria. Só quis livrar a nossa casa da escumalha, antes de nós os
dois regressarmos. Não era capaz de suportar a ideia de trazer uma
alma pura a uma presença tão macabra. Foi por isso que a mandei
embora. Até pensei matá-la.
– Os MacAlister não matam mulheres.
– Pois não – concordou ele. – Queria bani-la. Que nunca mais
usasse o nome MacAlister, ou ousasse sequer usar as minhas
cores. A Euphemia já tinha abandonado as minhas terras, mas não
há muito. Descobri-lhe o rasto e segui-a, para terminar com tudo.
Foi então que a vi abraçar o MacNare.
– A traidora foi ela – disse Brenna, arquejando.
– Sim.
– E o que aconteceu então?
– Mais tarde, conto tudo. Disseste-me que eu só precisava de
abrir o coração. Lembras-te?
– Lembro-me.
Ele agarrou-lhe a cintura com as duas mãos e puxou-a para si.
– Pedias-me para te amar, não é? Já te devia ter dito.
– Dizer-me o quê?
– Que te amo.
Ela abanou a cabeça.
– Não, apenas queres…
– Amo-te – disse novamente. Escorriam lágrimas pela cara dela.
Ele limpou-as gentilmente e cingiu-a contra si. – Sei que também me
amas. Porque não me disseste? Tinhas medo?
– Não te disse o que sentia porque sabia que não me amavas.
Sim, tive medo, mas tu não tiveste, pois não?
Ele debruçou-se sobre ela.
– Claro que tive. Brenna, deixaste-me apavorado. Se eu te
amasse, ficaria vulnerável. E o que seria de mim se morresses?
Mas foi tarde demais. Não fui capaz de me proteger de ti, mas mal
percebi que te amava, senti-me renascer. Um de nós vai morrer
antes do outro, mas as memórias acalentarão aquele que
sobreviver. E sabes que mais?
– O quê? – murmurou ela.
– Nunca te vou largar. Sei que mereces mais do que te consigo
dar, mas não importa. És minha.
Ela empurrou-lhe o peito.
– Não me vais beijar já. Primeiramente, tens de pedir desculpas.
– Porque fui incapaz de proteger-te – não era uma pergunta mas
uma constatação. Ele soltou-a, fitou-a nos olhos e tentou encontrar
as palavras que o redimiriam.
– Não, não foste incapaz. Mas feriste-me o coração. Como foste
capaz de dizer que me despacharias para Inglaterra quando te
desse um filho. Que coisa cruel, e ainda hoje não percebo porque
havias de me magoar assim.
– Choravas pela falta da tua família – explicou ele. – E eu quis
dar-te um objetivo para sonhares – acrescentou.
– E então eu…
– Tu o quê? – perguntou ela.
Ele ousou sorrir ao admitir-lhe o seu pecado.
– Menti.
Ela abriu muito os olhos de descrédito.
– Mentiste-me?
– Não acreditaste que eu te deixaria voltares para Inglaterra.
– Não te atrevas a rires-te de mim. Claro que acreditei em ti. Não
terias mentido. Isso não se faz – mas o cintilar dos seus olhos
traíram a tentativa de lhe incutir a culpa. – E mentiste sobre outras
coisas?
Ele encolheu os ombros.
– Quem sabe?
– Tens de parar com isso.
– Menti quando pedi à Jamie para te informar que ia à procura da
Euphemia. Bem, não menti, fui mesmo à procura dela, mas só
porque se encontrava com o MacNare.
Brenna lançou a mão à garganta, assombrada com aquele
comentário tão banal.
– Foste à procura…
– Falamos depois, amor. Agora, deixas-me beijar-te?
– Não – respondeu ela. – Tu é que vais deixar que te beije. As
coisas irão mudar. A partir de agora, sempre que saíres de casa,
terás a decência de me avisares primeiro. Se voltar a acordar e
descobrir que partiste, vou atrás de ti e Deus te acuda quando te
encontrar.
– Ah, mulher, gostas mesmo de mim, não é?
– E começarás a usar o teu medalhão. A sério.
– Não posso usá-lo em volta do pescoço, para que não seja usado
como arma – explicou. – Mas se o coseres na minha manta, posso
usá-lo. Satisfeita?
A esposa ficou radiante.
– Quero que troques as portas na nossa casa. Para ti, é seguro,
mas eu sou obrigada a sair pelas traseiras por não conseguir abri-
las.
– Muito bem, eu troco-as.
– Quero montar o garanhão.
– Não.
Ela abraçou-o pelo pescoço e encostou-se contra ele.
– Há hipótese de reconsiderares?
– Não.
Ela ria-se quando ele finalmente a ajudou a recordar-se que tinha
de beijá-lo. A boca dele possuiu-a por completo, e durante longos
minutos, mostrou-lhe o quanto a amava. Ela era muito mais
agressiva do que ele, e foi quando ele a obrigou a parar que se
lembrou onde estava.
Chorou contra o pescoço de Connor, enquanto ele lhe ia
murmurando palavras ternas e cheias de amor, e quando por fim
insistiu em voltarem para casa, o homem teve de aguardar até que
ela acabasse de chorar antes de dizer que sim.
Ele pousou o braço em volta dos ombros dela e conduziu-a de
regresso ao caminho principal.
– Dormiremos hoje ao relento?
– Não dormiremos nada – respondeu ele. – Mas se queres ficar ao
relento, podemos ficar.
– Sim. Tens um ar cansado.
– Tal como tu. Brenna, não me voltes a fazer passar por este
tormento. Promete-me que não me abandonarás, aconteça o que
acontecer.
– Prometo. Vem conhecer a minha irmã. Mas que andará ela a
fazer? Está demasiado próxima do fim do trilho. Nenhum dos
MacAlister se atreveria…
– A não ser o Quinlan.
– Como assim?
– Se ela sair do caminho, ele apanha-a. É isso.
– Pede-lhe que pare de olhá-la daquele modo.
– A tua irmã não parece importar-te. Devolve-lhe o mesmo olhar. E
até se aproxima aos poucos.
– Faith, vem cá – berrou Brenna.
A irmã ignorou-a.
– Connor, chama o Quinlan e o Crispin.
– Posso chamar, mas nenhum deles virá. Do seu ponto de vista,
sabem qual o dever a cumprir. Protegem-nos, amor. Devias
orgulhar-te de mostrarem tanta contenção.
– Orgulhar-me por quê?
– Porque querem matar os ingleses, como é óbvio.
Santo Deus, ela esquecera-se da presença de Gillian.
– Tens de conhecer o meu irmão.
– Não.
– Se ele vier até ti, concordas em conhecê-lo?
Ele encolheu os ombros antes de lhe indicar as suas condições.
– Se ele aparecer armado, serei obrigado a discutir com ele o
insulto.
Ela entendeu-o.
– Ele não virá armado – correu para o exterior. – Vou buscá-lo.
– Não.
A força naquela recusa indicou-lhe que ele não mudaria de ideias.
O padre Sinclair veio em seu socorro. Um momento depois, Gillian
juntou-se-lhes no centro do caminho. Tal como Connor, apareceu
desarmado.
O marido não tinha particular vontade de abraçar o irmão dela,
mas não se recusou.
Enquanto ela agradecia a Gillian por ter vindo em socorro de
Faith, o padre Sinclair foi chamar a rapariga. Alcançou-a mesmo a
tempo, percebeu depois, no momento em que Quinlan lhe piscava o
olho. O padre agarrou-a antes que saísse do caminho.
– Podes despedir-te dos MacAlister daqui a uns minutos, Faith. A
tua irmã agradecia que a ajudasses a obter a cooperação de
Gillian.
– E o marido da Brenna, pretende cooperar?
– Não, não, claro que não, mas quer a Brenna quer eu sabemos
que jamais cooperará com um inglês. Mas não o matou, e devemos
reconhecer o controlo demonstrado em prol da esposa.
Faith abanou a cabeça, mas apressou o passo até ser quase de
corrida.
– Desculpa a demora, Gillian.
A reação dele foi de puxá-la para ficar atrás de si. Ela irritou-se e
empurrou-o também. Depois acorreu para a irmã e sentou-se no
muro, ao lado desta.
Os dois homens continuaram a encarar-se como adversários.
Brenna perdeu a paciência.
– Gillian, não ficaste contente de me veres?
Ele parou finalmente de olhar para Connor e virou-se para ela.
– Claro que sim. Regressas comigo para casa?
– Não, vou para a minha casa com o meu marido. Casámos,
Gillian, e garanto-te que sou muito feliz. Diz ao pai que o perdoo por
querer entregar-me ao MacNare.
– Ele não sabia que o MacNare tinha aquele feitio. Também não
sabe que estás casada.
Faith explicou antes de Brenna conseguir fazer perguntas:
– Julga que vives em pecado – sussurrou ao ouvido da irmã para
que o cunhado não ouvisse.
O padre Sinclair deu um passo em frente.
– Foi uma cerimónia completa, Gillian, com a bênção da igreja.
– Celebrada por si? – perguntou Gillian.
– Sim.
O olhar azul penetrou o padre. Obviamente, procurava decidir se
devia acreditar nele.
– Gillian, informa a mãe por favor que senti a falta dos pais na
minha boda, e que lamento imenso.
O irmão voltou-se para ela.
– Casaste numa igreja?
– Casámos numa das capelas mais bonitas de Deus Nosso
Senhor. Imensas decorações. Flores por todo o lado, de muitas e
variadas cores. Entrei na capela sob uma abóbada de ramagens
verdes, tão novas e recém-colhidas que ainda tinham orvalho e
brilhavam como joias na iluminação das velas. O aroma da urze
envolvia-nos quando trocámos os nossos votos. Eu e o Connor
vestimos as nossas túnicas mais esplendorosas, e quando a
cerimónia terminou com as devidas bênçãos, dirigimo-nos para o
manjar.
O olhar dela turvou-se com a lembrança. A alegria que o irmão
encontrou naquela descrição e nos pormenores que só uma mulher
guardaria na memória convenceu-o que tivera um casamento
condigno. E parecia genuinamente feliz.
– Foi uma boda mágica, padre, não concorda?
O padre ficou assoberbado pela récita da rapariga. Enxugou os
cantos dos olhos com a ponta da manga, anuiu repetidamente e
disse:
– Ai, mulher, foi mágica, como tinha de ser. Barão, acredita que se
não fosse o Senhor MacAlister, talvez a sua irmã hoje não fosse
viva.
– Sim, acredito.
Mas não concedeu mais. Mesmo assim, Brenna considerou que
aquele reconhecimento era satisfatório. Connor, por sua vez, não se
deixou afetar, pois só queria apanhar a esposa a sós para lhe dizer
o quanto se orgulhava dela.
– Brenna, temos de voltar para casa.
– Sim, Connor.
Ela levantou-se, dirigiu-se ao irmão e deu-lhe um beijo na cara.
– Adoro-te, Gillian.
– Também te adoro, Brenna. Garante que ele toma conta de ti.
– Ele toma bem conta de mim. Ele ama-me, Gillian, tal como eu o
amo.
– Já tinha percebido.
Os dois homens fitaram-se mutuamente durante um momento
demorado. Brenna manteve-se entre eles, aguardando o
cumprimento.
Gillian cedeu, por fim. Fez uma vénia ao marido dela. Connor
então inclinou a cabeça para ele.
Não passaria dali, sabia-o bem, e mesmo sendo ambos
arrogantes e casmurros, ela adorava-os.
Connor envolveu a mulher com o braço e virou-se para sair.
– Só um minuto, Senhor – chamou Faith. Contornou o irmão para
ele não a deter e correu atrás de Brenna e Connor. – Senhor, sabe
quantos irmãos e irmãs tem a sua esposa?
Brenna deu-lhe uma cotovelada para ele responder.
– A minha esposa é a sétima de oito na família. És a mais nova?
– Sim. Sabe como se chamam?
– Faith, não é preciso…
– Sim, é preciso. Somos importantes para ti, e portanto devíamos
ser importantes para o teu marido, não achas?
– Vem cá, Faith.
Ela nem sequer pensou em recusar este pedido. Acorreu para
diante e encarou-o nos olhos.
– Sim?
– Sim, meu Senhor – corrigiu Brenna.
– Agora é meu irmão. Tenho de tratá-lo por Senhor?
– Sabes bem que sim, até que ele te autorize a omitires o título, e
devo relembrar que ainda não o fez. Tivemos a mesma educação.
Faith riu-se.
– Muito bem. Ainda não respondeu à minha pergunta, Senhor.
Gostaria de saber os nomes dos nossos irmãos e irmãs?
– Não é preciso. Temos o Gillian, o William, o Arthur, a Matilda, a
quem chamam de Mattie, a Joan, a Rachel, a minha esposa, e tu.
– Sabias… soubeste sempre quem eram? – perguntou Brenna.
– Sim.
– Então porque não me deixavas falar-te deles?
– Porque lamentavas a perda da tua família. Falares deles não te
traria alegria. Também quis a tua lealdade. Já te expliquei, se bem
me lembro.
Ela encostou-se a ele.
– Explicas novamente quando voltarmos para casa. Faith, temos
de dizer adeus. Vou ter saudades tuas.
A irmã abraçou-a.
– Vou ter mais. Senhor, esqueci-me de lhe agradecer. O Gillian
contou-me que enviou homens à minha casa para me proteger do
MacNare.
– Enviaste soldados para a casa dos meus pais? Entraram em
Inglaterra? – Brenna ficou atónita.
– É verdade – garantiu-lhe Faith. – A mãe gostou de ver os
soldados. O pai não se encontrava em casa, mas ficou satisfeito ao
saber o esforço considerável do teu marido para me proteger. Será
que …
– Sim? – perguntou Connor. Nem a esposa nem a sua irmã
perceberam que se aproximavam do final do santuário. Quinlan
notou, pois a boca abriu-se num sorriso. Conhecendo o amigo,
Connor estava convicto que ele já tinha contado o número de
degraus que Faith teria de descer para abandonar o santuário da
igreja e se tornar presa fácil.
– Os outros estão cá? Também queria agradecer a quem
comandava, mas não sei como se chama.
– Chama-se Quinlan. Em breve será Senhor do clã do tio, agora
que acabou o seu dever para comigo, e sim, ele está cá, Faith.
Observa-te neste preciso momento.
Ela imediatamente olhou para Quinlan e deu um passo na direção
dele.
– O meu irmão contou-me o que fez. O meu pai quererá
agradecer-lhe por ter vindo para me proteger. Também agradeço,
Quinlan, de todo o coração.
O gaélico da rapariga foi como música para os seus ouvidos. Ao
contrário da irmã, dominava notoriamente o idioma.
Ele não respondeu, mas baixou a cabeça em reconhecimento.
Santo Deus, quando ela sorria, nasciam covinhas na sua cara.
– Aparentemente, a minha mãe gostou muito de si. Quer saber
quando voltará,
Connor ouviu o comentário e fitou o amigo.
– Parece que está a abrir-te caminho, não achas?
Quinlan riu-se.
– Isso é verdade.
Nem Brenna nem Faith entenderam o significado da pergunta de
Connor.
Que caminho seria esse?
Faith preparava-se para partir quando Quinlan a abordou.
– Diga à sua mãe que voltarei. Ela tem algo que eu quero.
Ela quis saber de que se tratava, mas seria indelicado colocar
mais perguntas.
– Talvez o encontre novamente, então. Não penso casar nos
próximos dois anos, mesmo que desagrade ao meu pai. Já tenho
idade, claro está, mas também percebi que sou demasiado mimada,
e não tenho intenção de mudar, portanto preciso de arranjar um
barão que prometa fazer-me todas as vontades, e isso vai levar
tempo. Se já tiver casado antes de voltar, lembre-se sempre da
minha imensa gratidão. Adeus, Quinlan. Que Deus o proteja.
Ela curvou-se numa vénia perfeita em demonstração de respeito,
deu um beijo de despedidas a Brenna e ao marido, depois virou-se
e foi a correr para o irmão carrancudo.
– De todos eles, é da Faith que terei mais saudades – admitiu
Brenna.
– Hás de vê-la novamente – disse ele.
– Tenho sérias dúvidas – retorquiu. – Lamento que o Quinlan nos
vá deixar. Irá o Crispin assumir o comando nas tuas ausências?
– Não, ele partirá para as terras do Hugh. Pediram-me que lhe
indicasse um chefe. Precisam do Crispin, e vai ser bom para ele.
Montou a esposa no cavalo preto, depois colocou-se atrás dela,
inclinando-se contra o ouvido da rapariga, dizendo-lhe mais uma vez
o quanto a amava.
– Vamos recomeçar, não é?
– Se ficas feliz por pensares que sim, então não discutirei contigo.
Mas será mais fácil, porque me lembrarei de ser atencioso.
– Já és atencioso. Não admira que te ame. Pensava aqui
comigo…
– Sim?
– Gostava de voltar a cavalgar sem sela. Se me acompanhares,
posso levar um dos outros cavalos?
– Se concordares em manter-te no interior da fortaleza enquanto
montares sem sela, concedo-te este desejo. Vês como sou flexível,
esposa?
– Vejo, é verdade – concordou ela. – E já que te encontro tão bem
disposto…
– Sim?
– A respeito da capela…
Epílogo

O por do sol era um momento mágico. As crianças saiam de casa,


correndo descalças, subindo e descendo os trilhos, berrando de
riso enquanto a mãe vigiava de longe a mais nova, a menina ladina
e impetuosa com um bamboleio no andar e um brilho matreiro nos
olhos azuis, que se divertia a arrancar as flores do chão, mal eram
plantadas pela mamã.
Ele subia ao quarto para guardar a espada, antes de se juntar a
elas na brincadeira, mas primeiro passava diante da janela e
espreitava para além das muralhas.
O primeiro rebento de urze floresceu quando derrubaram as
ruínas, e agora o prado rejuvenescia em tons ricos e gloriosos, um
tributo adequado, na opinião da esposa, ao homem que ali vivera.
O aroma do mel misturava-se ao som do riso e, oh, era tão bom
estar em casa.
Índice
Capa
Ficha Técnica
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Epílogo

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