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Título: O Casamento
Título original: The Wedding
Autor: Julie Garwood
Tradução: Luís Filipe Silva
Revisão: Carlos Santana
Capa: Alexandra Costa/Oficina do Livro, Lda.
ISBN: 9789896609078
QUINTA ESSÊNCIA
uma marca da Oficina do Livro – Sociedade Editorial, Lda
uma empresa do grupo LeYa
Rua Cidade de Córdova, n.º 2
2610-038 Alfragide – Portugal
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Fax. (+351) 21 427 22 01
O CASAMENTO
Tradução
Luís Filipe Silva
Para a minha irmã e querida amiga,
Mary Kathleen Murphy McGuire
Prólogo
Inglaterra, 1108
Escócia, 1119
O homem era obviamente louco. Queria à força casar com ela. Por
sua vez, a opinião de Brenna a esse respeito em nada lhe
interessava. Só Deus sabe que ela se valeu de tudo, exceto de
ataques físicos, para lhe incutir alguma sensatez. Argumentou,
suplicou, rezou.
Mas em vão. Teve assim de recorrer a medidas impróprias para
uma senhora. Pisou-lhe o pé com força para sublinhar a sua
mensagem. Ele nem sequer reagiu. Brenna dobrou-se com a dor
lancinante que lhe subiu do peito do próprio pé, e teve de apoiar-se
ao braço dele para não cair no chão, o que seria uma completa
desgraça. Felizmente, conseguiu em poucos minutos recuperar os
tristes farrapos de dignidade que lhe restavam, e soltou-o. Depois
retomou o discurso. A bem dizer, estava bastante orgulhosa de si
mesma. Nunca ergueu a voz, enquanto listava pelo menos uma
centena de motivos válidos contra o casamento deles. Mais valia
discutir com o vento. O bárbaro não se mostrou minimamente
demovido. Nem parecia respirar. Limitou-se a ouvi-la com os braços
cruzados no peito e uma expressão a indicar que-grande-tédio, e
quando ela esgotou as consequências que ele sofreria como
resultado daquela insanidade, ele pegou-lhe na mão calmamente e
começou a arrastá-la consigo em direção aos cavalos.
Pela raiva dos santinhos, ela tinha de sair desta trapalhada.
Procurou tecer um plano, e, como é óbvio, suplicando
continuamente a Deus que lhe valesse. As suas preces e ideias
foram interrompidas pela chamada de Quinlan.
– Que se passa?
Quinlan apontou para os soldados ingleses.
O homem das Terras Altas não hesitou sequer. Não parou, limitou-
se a soltar a ordem obscena por cima do ombro.
– Mata-os.
– Não – berrou ela numa voz abalada pelo terror.
Ele ficou estupefacto com aquela reação.
– Não?
– Não – pediu ela novamente.
– Porque não?
Santo Deus, que tipo de homem faria tal pergunta?
Mas conquistara finalmente a atenção dele. Connor virou-se para
ela e esperou com ar paciente pela resposta.
Ela reparou que ele não lhe largara a mão.
– Estão indefesos – começou ela. – Tiraram-lhes as armas.
– Não. Não lhes tirámos as armas. Eles despojaram-se delas
quando entrámos no acampamento. Diz-me por que razão os
deixaria vivos – pediu ele num tom de voz que, dadas as
circunstâncias, era bastante afável. – Qual é o principal dever
deles? O único dever? O dever sagrado?
Ela notou a irritação crescente naquela voz, que endurecia a cada
pergunta. Ao mesmo tempo, apertou-lhe os dedos com força,
causando dor.
– O principal dever deles é defender.
Ele suavizou o aperto.
– E quem defendem eles? – perguntou.
– Antes de mais, o rei, e a seguir o barão a quem juraram
lealdade.
– E? – continuou ele.
Ela percebeu finalmente – demasiado tarde – aonde queria ele
chegar. Santo Deus, não iria encontrar uma forma rápida de mudar
o rumo das coisas.
– A mim.
– E defenderam?
– Se defenderam ou não, isso não é da sua conta.
– Claro que é – corrigiu ele. – Estes homens não têm honra, e
merecem morrer.
– Uma decisão que não lhe compete tomar.
– Claro que compete – respondeu ele. – Serás a minha esposa.
– Na sua opinião.
– Na minha certeza – retorquiu ele, a voz tão dura como granizo. –
Não posso permitir que estes cobardes vivam.
– Há mais um motivo para não os matar – gaguejou. Por favor,
meu Deus, ajudai-me a encontrar esse motivo. Ela baixou a cabeça
e fitou o chão, enquanto tentava encontrar um argumento inteligente
para o persuadir.
– Estou à espera.
Tal como ela, mas Deus aparentemente não queria ajudar.
– Não compreenderá – sussurrou ela.
– Não compreenderei, o quê?
– Se matar os soldados do meu pai, não poderei casar consigo.
– Ai, não?
Parecia estar divertido. Ela quis perceber se ele sorria, mas, para
seu agrado, estava errada, pois mantinha o ar sério e mau.
– Sim, é verdade. Disse-lhe que não compreenderá. Se não fosse
bárbaro…
– Não sou bárbaro.
Ela não acreditou nele. O homem estava coberto de tinta. Só os
pagãos é que seguiam aqueles rituais tão ímpios.
Connor já perdera demasiado tempo a discutir o assunto. Fitou
Quinlan, tencionando indicar-lhe que libertasse os soldados. Não
devido aos fracos protestos da rapariga. Não, foi o medo que
despertou nela a razão de mudar de ideias. Havia sempre uso para
o medo, em particular quando residia no coração dos inimigos, mas
uma mulher não devia temer o marido.
Ela não lhe deu tempo para se mostrar magnânimo.
– Espere – berrou. – Para si, é importante casar comigo?
Ele encolheu os ombros. Ela traduziu o gesto rude como um sim,
é importante.
– E não quer explicar porquê?
– Não sou obrigado a explicar-te seja o que for.
– Mas pode ser sensato que eu explique as minhas intenções –
respondeu ela. – E depois creio que compreenderá. Se não é
bárbaro, como pensa concretizar o casamento? Vai simplesmente
anunciar à sua família e amigos que agora tem uma esposa? Ou
haverá uma cerimónia com um padre para ouvir os nossos votos e
abençoar a nossa união?
– Haverá um padre.
Ela franziu a testa.
– Um padre aceite pela igreja?
Foi quando ele sorriu. Não conseguiu evitar. Céus, ela era muito
desconfiada.
– Um padre aceite pela igreja – prometeu ele.
A rapariga viu imediatamente uma forma de vencer. Soltou uma
rápida prece de agradecimento a Deus pela ajuda, prometeu que
depois se ajoelharia a pedir o Seu perdão por não ter acreditado que
Ele ouviria as suas súplicas e disse:
– Como é que tenciona fazer-me dizer os votos diante desse servo
de Deus?
– Irás fazê-lo.
– Irei?
Já o tinha apanhado. Brenna não fazia ideia de como era
importante que concordasse com o casamento. As posturas do
padre ou de Brenna durante a cerimónia não o preocupavam, pois
podia ser intimidante quando preciso. Foi Alec Kincaid quem o
travou. Connor já pisava terreno incerto com o irmão, e se Brenna
contasse a Alec que casara contrariada, a reação não seria
agradável. Claro que o assunto se resolveria, mas se Alec decidisse
entregá-la ao porco do MacNare, Connor seria obrigado a enfrentá-
lo.
A rapariga ficou contente ao ver que ele perdia o sorriso.
– Já compreende – disse ela. – Agradecia que deixasse os
soldados partirem ilesos. Que voltem para o meu pai ou sigam para
o Senhor MacNare.
A mulher ingénua pensava realmente que lhes salvava as vidas.
Connor não tinha dúvidas: MacNare torturaria os homens antes de
se desfazer deles, e o pai dela, mesmo se não aplicasse um castigo
tão cruel, decerto que também os mataria pela desonra causada.
– E se eu aceitar esta difícil troca? – perguntou Connor, tentando
não mostrar o seu contentamento. – Aceitarás casar comigo? Quero
tanto o teu acordo como a aceitação.
– Qual é a diferença?
– O tempo há de mostrar-te – disse ele.
– Espera que eu me comprometa com algo que desconheço?
– Esperas que deixe doze cobardes vivos quando envenenam o ar
que respiro?
Ele franzira a testa, o que podia indicar uma mudança de ideias.
Ela decidiu não arriscar a sorte. Não acabara de obter uma vitória
importante?
Embora sem qualquer vontade de celebrar.
– Concordo e aceito.
– Tens um bom coração.
Ela ficou atónita com aquele elogio.
– Obrigada.
– Não foi elogio – retorquiu ele. – É uma fraqueza, e quero que a
deixes de ter.
Ele deixou-a sem fala. Como poderia ela discutir com tais
opiniões?
Os seguidores dele eram tão estranhos como o chefe. Ficaram
visivelmente desiludidos com a ordem de libertação dos soldados.
Amuaram como bebés. Conduzida pelo líder, Brenna encarou
abertamente os homens das Terras Altas. Quinlan teve o desplante
de retribuir com um sorriso.
O homem que ela prometera aceitar não voltou a manifestar-se
até terem ganho distância do grupo.
– Brenna?
– Sim.
– Não serei sempre simpático como agora fui.
Ela percebeu que ele falava a sério, e ainda assim, apeteceu-lhe
chorar de riso. Era um sinal de que perdia o controlo, e portanto,
obrigou-se a continuar calma. Precisava de ter as ideias claras para
descobrir uma forma de fugir a este pesadelo.
Oh, meu Deus, em que se viera meter?
Raios partam, isto, não era culpa sua. Ela sabia que não, embora
duvidasse que as pessoas da sua família entendessem, em
particular o pai. Quando atravessou a porta, a caminho de MacNare,
não tinha ameaçado agir de forma insensata? O papá decerto
acreditaria que este acontecimento fora intencional.
– Se o meu pai me culpar deste casamento, vai ter de explicar-lhe
tudo bem explicado. Eu não planeei isto, e preciso que confirme.
Prometa-me.
Ele não respondeu, embora ela soubesse que ele a tinha ouvido,
pelo que levantou a voz desavergonhadamente.
– Prometa-me – pediu mais uma vez.
Ele ergueu-a do chão e pousou-a sobre o cavalo dela. Embora
fosse um gesto atencioso, ela não agradeceu.
Brenna agarrou-lhe a mão quando ele lhe soltou a cintura.
– Prometes-me? – pediu mais uma vez.
– É pouco provável que voltes a ver a tua família. Essa tua
preocupação é tola – uma resposta bastante razoável, na opinião
dele.
Na opinião dela, uma resposta deliberadamente cruel. Os olhos
encheram-se de lágrimas perante a mera possibilidade de não voltar
a ver a família.
Afastou-lhe a mão.
– Claro que os verei novamente. Não podes esperar que eu… A
tua mãe não te ensinou que é rude virares as costas enquanto a
pessoa não acabar de falar?
Connor nem acreditava nos seus ouvidos. Ela criticara-o. Ninguém
jamais se dirigira a ele com tanto desprezo, e uma mulher que
falasse assim com ele encontrava-se simplesmente além da sua
compreensão
A sério, não sabia como havia de reagir. Se fosse um homem, a
resposta seria inequívoca e óbvia, mas Brenna não era um homem,
o que complicava o seu dilema. Ela não era realmente como as
outras mulheres. A maioria evitava-o, e as mais corajosas
mantinham-se de cabeça baixa e postura humilde na sua presença.
E mesmo a sua reação a Brenna era desconcertante. Apetecia-lhe
sorrir, mesmo diante do ar carrancudo dela. A bem dizer, constituía
uma alternativa refrescante a todas as outras. Connor imaginava
que ela jamais se curvaria perante ele, e embora aquele
comportamento bizarro fosse divertido, seria um erro deixá-la crer
que tanta rebeldia não tinha um custo – um erro ou, no melhor dos
casos, um começo frágil. Ele seria o Senhor dela, e a rapariga tinha
de entender o verdadeiro sentido do termo. O apreço surgiria
depois.
Decidiu ser compreensivo, pousou a mão na perna dela com um
aperto gentil e fitou-a nos olhos.
– Ainda não compreendes, e por esse motivo serei paciente
contigo.
– Em que medida não compreendo?
– A tua posição no meu lar. Em breve saberás dar valor à grande
honra que te conferi ao casar contigo.
Os olhos dela assumiram um azul violeta profundo. Céus, era
mesmo bonita quando se zangava.
– Saberei? – perguntou ela.
– Saberás.
Ela pousou a mão sobre a dele e começou a apertar. Sem
qualquer gentileza.
– Talvez possas conferir esta grande honra a quem já sabe –
sugeriu ela.
Ele ignorou o comentário e prosseguiu:
– Até aprenderes a apreciar a oferta que te dei, espero que
manifestes as tuas opiniões só quando te pedirem. Não tolero
pessoas insolentes. Promete.
Ela nem ficou impressionada nem intimidada pelas suas
instruções bruscas. Uma mulher tem os limites, e ela atingira o seu.
Certamente, havia de despertar a qualquer momento daquele
pesadelo.
– Nunca vou poder manifestar as minhas opiniões? – perguntou
ela.
– Quando aqueles que me seguem estiverem presentes, não –
explicou ele. – Assim que estivermos a sós, poderás agir como bem
entenderes.
– Quero voltar para casa.
– Isso não é possível.
Ela suspirou. Voltar para casa implicava enfrentar o pai, e até
alguém lhe explicar o que acontecera, sinceramente não tinha
vontade de o ver.
– Prometo, mal tu prometas que explicarás a situação ao meu pai.
– Jamais me vergarei a ti.
– Nem eu a ti.
Ele ignorou o comentário chocante.
– Contudo, porque tens evidentemente medo de mim e temes pelo
teu futuro, decidi conceder-te uma exceção. Se eu um dia encontrar
o teu pai, hei de explicar-lhe o que aconteceu.
Ela queria mais clareza na promessa.
– Mas não contarás que te pedi em casamento várias vezes.
Mesmo tendo acontecido quando era criança, não sei se o pai
aprovaria.
– Não hei de referir esses pedidos.
O sorriso dela era radiante.
– Obrigada.
Ele fez questão de olhar para a mão que ela pousara na sua.
Grata, começara a fazer-lhe festas.
Não resistiu a brincar com ela.
– Não é adequado da tua parte mostrares afeto diante dos
soldados ingleses.
Ela recolheu a mão.
– Não era afeto.
– Era sim.
Ele gostava de ter a última palavra. Brenna viu-o afastar-se a
sorrir. O homem tinha mesmo um sentido de humor deturpado. Seria
toda a gente das Terras Altas assim tão estranha? Ela desejou
ardentemente que não. Como havia ela de lidar com pessoas tão
peculiares?
Santo Deus, já começara a imaginar um futuro ao lado do bárbaro.
O que se passava consigo? Tinha de encontrar uma forma de se
livrar dele e não de conceber numa vida conjunta.
Ficou intrigada com a sua reação ao homem: alívio e um genuíno
apreço, quando ele prometeu que falaria com o seu pai. Afinal, não
tinha motivo algum para confiar na palavra dele.
Só havia um motivo possível para aquele estranho comportamento
seu, pensou ela. Endoidecera.
– Estava maluca como a Beatrice… Santo Deus, a Beatrice…
Esquecera-se da aia. A pobre mulher estaria escondida algures na
vegetação, apavorada.
Brenna desmontou e acorreu para os soldados do pai. Já estavam
de pé a guardarem as armas em silêncio. Nenhum deles quis
encará-la quando se dirigiu a eles, e portanto, aproximou-se ainda
mais.
Quinlan intercetou-a, surgindo diante dela. Não lhe tocou, só lhe
bloqueou o caminho para ela não poder avançar. Os seus
companheiros também se tinham adiantado e formavam uma
barreira entre ela e os soldados.
Se não conhecesse a situação, quase diria que tentavam protegê-
la da sua própria escolta. Contudo, a ideia era demasiado ridícula, e
decidiu que representava mera rudeza.
– Quero falar com os soldados do meu pai.
Quinlan abanou a cabeça.
– O Senhor Connor não gostaria que isso acontecesse.
Mas não é o meu senhor, pois sou inglesa, por amor de Deus e do
rei. Mas não conseguiria levar a sua avante se o contrariasse.
Precisava de cooperação e não de irritação.
– Duvido que o seu Senhor se importe minimamente – disse ela. –
Não demorarei mais do que um minuto. Prometo.
Quinlan cedeu, mas com relutância. Desviou-se para o lado, uniu
as mãos atrás das costas e disse:
– Fale com eles sem sair do lugar.
Ela não perdeu tempo.
– Harold, por favor não te esqueças da Beatrice. Escondeu-se
junto ao ribeiro. Agradecia que a levasses para casa.
Apesar de Harold não a encarar nos olhos, indicou que tinha
ouvido.
– Podem dizer aos meus pais para não ficarem preocupados?
Harold murmurou algo em surdina que ela não conseguiu
perceber. Brenna tentou aproximar-se para conseguir ouvir o
sussurro mas Quinlan esticou o braço e impediu-a.
Ela lançou ao guerreiro das Terras Altas um intenso franzir de
cenho para o informar do que pensava sobre aquele comportamento
mal educado e virou-se novamente para Harold.
– O que disseste? – perguntou ela. – Não te consegui ouvir.
O soldado finalmente encarou-a.
– O teu pai vai entrar em guerra por causa desta atrocidade,
minha senhora. Foi o que eu disse.
Era como se o coração lhe tivesse caído aos pés.
– Não, não, ele não pode entrar em guerra por minha causa. Fá-lo
entender, Harold.
Ela calou-se quando escutou o pânico na voz, respirou fundo e
sussurrou:
– Não quero que ninguém lute por minha causa. Diz ao meu pai
que eu quis este casamento. Pedi ao guerreiro das Terras Altas para
me vir buscar.
– Queria casar com o MacNare? – perguntou Harold, sem
entender.
– Não, não, eu nunca quis o MacNare. Eu quis...
Santo Deus, ela sentia-se tão perturbada que nem se recordava
do nome do guerreiro.
– Eu queria...
Lançou a Quinlan um olhar frenético.
– Como se chama o vosso Senhor? – murmurou.
– Connor MacAlister.
– MacAlister – complementou em voz alta. – Queria o MacAlister.
Lembra ao meu pai que ele conheceu o meu futuro marido há
imenso tempo.
– Chegou a hora de partir, minha senhora – aconselhou Quinlan,
tendo visto Connor a observá-los do fundo da clareira.
O Senhor não estava muito contente com a situação.
– Um último pedido – suplicou ela.
Não deu tempo a Quinlan para discussões.
– Harold, diz ao meu pai que não me procure, mas que celebre a
minha…
– A sua, quê, minha senhora?
Ela mal conseguiu proferir as palavras sem se comover.
– A minha felicidade.
Correu para o cavalo e já assentara na sela quando Connor a
alcançou. Ele cavalgava um grande garanhão negro com ar tão
feroz como o dono.
Ela cometeu o erro de olhar para o homem e imediatamente
largou as rédeas, reagindo à raiva que encontrou naquele olhar.
Baixou imediatamente a cabeça e fingiu estar muito ocupada a
acomodar-se em cima do cavalo, de modo a esconder que tentava
apenas escudar-se do seu estado de espírito.
Ele não admitia que o ignorassem. Quereria ela realmente fazê-lo
crer que o protegia da ira do pai? O pensamento era tão insultuoso
quanto risível.
Obrigou-se a ficar calado até sentir a perna de Brenna contra a
sua, e depois exigiu-lhe a total atenção, pegando-lhe no queixo e
obrigando-a a encará-lo.
– Porquê?
Ela entendeu de imediato e nem tentou fingir o contrário.
– A guerra significa a morte – respondeu ela.
Ele encolheu os ombros.
– Para alguns homens, sim – concordou.
– Até a morte de um único homem seria um custo demasiado –
explicou ela. – Não quero que lutem por minha causa. O pai tem um
grande exército, mas sofreria um incómodo enorme vir atrás de
mim. Insistiria em liderar os soldados e eu ficaria preocupada com a
possibilidade de que o pudesses…
– Pudesse o quê?
– Matar.
Connor acalmou-se. Brenna desejou ter força suficiente para o
empurrar de cima do cavalo. Que homem orgulhoso e arrogante!
Percebendo estas duas fraquezas naquela personalidade, Brenna
usara-as em seu beneficio, convencendo-o que acreditava na sua
superioridade bélica. Sim, fisicamente era superior – por ser mais
novo, avantajado e nitidamente forte –, mas o pai compensaria
estas diferenças com uma maior quantidade de soldados. Seria uma
chacina, e Connor MacAlister provavelmente acabaria no fundo da
pilha dos feridos.
Então, porque teria mentido a Harold? Não sabia. Selara o seu
destino com o pai, pois mal o vassalo lhe entregasse a mensagem,
ele perderia as estribeiras. Não teria uma atitude nada razoável nem
lhe ocorreria que ela não conseguiria ter planeado uma artimanha
daquelas – quer pela falta de vontade quer pela falta de tempo.
O papá iria culpá-la, virar-lhe as costas e deixar de considerá-la
como filha. Mesmo que a odiasse, continuaria vivo. E ninguém teria
de morrer.
– Não irei incomodar o meu pai. Mas, pensando bem, o que eu
quero não tem importância. O Senhor MacNare enviará uma escolta
à minha procura e acredito que os homens dele acabarão contigo.
Devem estar a aparecer.
– Não, não virão à tua procura.
Ele mostrou-se terrivelmente convicto. Contrariá-lo representava
demasiado esforço, e ela sentia-se simplesmente desgastada para
se preocupar. As saudades da família eram tão intensas que mal
evitou desfazer-se em lágrimas.
Infelizmente, teria demasiado tempo para sentir pena de si
mesma. Abandonaram a clareira um minuto depois e ninguém
voltou a falar com ela até ao fim do dia. Viajou entalada entre dois
guerreiros de rosto empedernido que nem sequer lhe lançaram um
olhar. Gilly, a sua égua de temperamento manso, apreciava tanto
aquela proximidade quanto ela.
Não via Connor em parte alguma. Adiantara-se ao resto do grupo
há mais de uma hora e ainda não regressara.
Conversar teria quebrado a monotonia mas ninguém parecia
disposto a dar-lhe resposta. Observando-os demoradamente,
percebeu que se encontravam totalmente embrenhados na sua
proteção, perscrutando incessantemente a floresta contra possíveis
ameaças.
Embora fosse estranho admiti-lo, ela sentia-se reconfortada com
tanta vigilância. O traseiro doía-lhe do tempo passado sobre a égua,
e tentou seguir o conselho da mãe, oferecendo ao paraíso o seu
mal-estar, em nome das pobres almas penadas e confinadas ao
inferno. Não entendia de que modo a sua dor as ajudaria a
encontrarem o caminho, mas regras não se discutem, pelo que
tentava segui-las.
Sim, podia aguentar aquele desconforto. Penitenciar-se por
pecados cometidos faria bem à sua alma. Mas Gilly não tinha de
sofrer também. A égua começou a abrandar o passo quando
subiram os montes íngremes. O cavalo não fora nem criado nem
treinado para uma viagem vigorosa. O coitado estava exausto, ao
ser puxado além dos limites.
Brenna não percebeu a quem devia pedir para pararem. Connor
teria obviamente sido a primeira escolha mas não se encontrava
presente e para ser ouvida, precisaria de berrar a exigência.
Não seria boa ideia gritar naquele momento. As expressões sérias
e a tensão visível nos soldados indicavam que estavam em território
hostil. Começou a questionar-se se Connor teria algum amigo.
Depois de pensar no assunto durante vários minutos, chegou à
conclusão que não. Culpa dele e só dele, obviamente. Connor tinha
a postura jovial de um urso ferido ao ataque.
A comparação fê-la sorrir. Depois lembrou-se da pobre Gilly.
Decidiu abordar Quinlan com este assunto e levou a mão ao braço
dele para lhe chamar a atenção.
Ele reagiu como se tivesse sido beliscado. Afastou o braço
bruscamente e virou-lhe a cara com ar carrancudo pelo incómodo.
Antes de Brenna poder murmurar o que a preocupava, ele levou a
mão à boca a indicar que não falasse. Ela apontou rapidamente
para Gilly.
O guerreiro não era cego. Terá entendido o estado abatido e
esgotado do cavalo.
Mas Quinlan não deu mostras de perceber. Limitou-se a incitar o
seu corcel num passo mais rápido e adiantou-se ao grupo. Ela viu-o
desaparecer no meio das árvores.
Contudo, continuou protegida. Mal Quinlan abandonou a posição,
outro guerreiro avançou para ocupar a mesma posição.
E prosseguiram. Ela sentia-se no limite das forças. Assumiu que
Quinlan partira em busca de Connor, mas os dois homens
demoravam imenso tempo a regressarem. Fechou os olhos por um
minuto ou dois – ou assim pensou, pois quando os abriu, encontrou
Connor ao seu lado, erguendo-a para o seu colo. Demasiado
cansada para o afastar, no último pensamento antes de adormecer
quis garantir que não se recostaria nem apoiaria nele.
Brenna acordou a babar-se sobre o homem. Enquanto dormia,
virara-se contra ele, abraçando-o pela cintura até sentir os dedos
contra a pele quente, e conseguira até aninhar-se no seu colo.
Encostara a cara à base da garganta. O calor que emanava de
Connor aqueceu-a mais do que uma dúzia de cobertores de lã. Era
maravilhoso.
E também humilhante. A boca abrira-se ao encontro da pele
masculina, e o comportamento dela era, assim, mais repugnante.
Felizmente, lembrou-se de Gilly e foi capaz de afastar o seu
embaraço. Quanto mais aguentaria o cavalo até tombar de vez?
Brenna tentou afastar-se de Connor e exigir que parassem, antes
que a égua sofresse algum mal, mas ele limitou-se a abraçá-la pela
cintura e obrigá-la a ficar quieta.
Brenna beliscou-o para lhe chamar a atenção. Ele retaliou com um
aperto de cortar a respiração, uma ordem silenciosa para se portar
bem, sem dúvida, e se ela conseguisse ver-lhe o rosto, de certeza
que encontraria um esgar. O homem não conhecia outras
expressões.
Estava equivocada. Connor sorria, divertido com tanta ousadia.
Tinha consciência que a intimidava; vira preocupação naquele olhar,
infelizmente mais do que uma vez, e no entanto ela beliscara-o. Que
mulher tão complicada. Se ela o temia, porque tentava provocá-lo?
Tinha de lhe colocar essa pergunta, um dia, quando outros temas
mais importantes não lhe ocupassem o espírito.
Ela quis desatar aos gritos como uma louca mas foi salva da
desgraça no último instante. Connor finalmente decidiu parar porque
a noite se aproximava. Ela ficou tão agradecida, que se esqueceu
da reprimenda por causa da provação incutida à coitada da Gilly. A
mansa égua precisaria de uma semana de mimos para recuperar.
Connor desmontou e depois virou-se para ajudá-la. Agarrou-a
enquanto ela deslizava pelo dorso do garanhão.
– Não usas sela.
– Nenhum de nós usa.
Ela desviou-se dele e acorreu para o cavalo. As pernas doíam-lhe,
e nem conseguia imaginar o desconforto de Gilly. Reparou que a
sua sela desaparecera, assumiu que um dos homens a retirara e
ficou grata por esse gesto de simpatia.
Connor não a autorizou a cuidar do cavalo. Atribuiu esta tarefa a
Owen, o soldado com a cicatriz no rosto e um sorriso, afinal,
encantador. Ela encheu-o de recomendações sobre os cuidados a
ter com a égua, agradeceu-lhe pela ajuda e ficou a vigiar Owen
como uma mãe preocupada, enquanto levava Gilly para um local em
que o luar não estivesse tapado pela folhagem. O cavalo cooperou,
sinal de que estava prestes a portar-se mal, pois várias vezes no
passado mordera os tratadores mais distraídos. Brenna lançou um
aviso ao rapaz e foi em busca da sua bagagem.
O vale que Connor escolhera para descansarem encontrava-se
completamente cercado por uma floresta espessa. O chão e as
árvores vibravam com tons de castanho e verde, salpicados com
flores de pétalas púrpuras despertando do sono invernal. Uma
abóbada de ramagens espessas e verdes formava um arco no alto.
Feixes de luz evanescente jorravam das árvores, providenciando
iluminação suficiente ao curto trilho até ao lago que, explicara
Quinlan, conduzia à ponta mais a sul.
Deram privacidade a Brenna para cuidar das suas necessidades.
Passados dez minutos, Connor decidiu que estivera tempo
suficiente sozinha e foi à sua procura. Encontrou-a de joelhos diante
da sacola, murmurando para si mesma enquanto revistava os seus
pertences. Várias peças de roupa enchiam o chão à sua volta.
Brenna não se embrenhava na tarefa, pois tentava encontrar um
plano para fugir. Felizmente, teria tempo, pensou, pois mal
recuperasse a presença de espírito, havia de congeminar uma
saída.
Connor esperou que ela reparasse na sua enorme figura junto a
si. Após alguns minutos, desistiu e entregou-lhe a toalha que
apanhara do chão há horas.
– Procuravas isto?
– Sim, obrigada – respondeu ela quase distraidamente. – Devo tê-
la deixado cair há coisa de um segundo ou já teria sentido a falta.
Sou muito observadora.
Ele não a corrigiu. Não lhe entregou a fita azul que ficara junto ao
ribeiro há poucas horas, pois decidira guardar, por enquanto, aquele
pertence, recordatório de que tinha uma esposa. Um pormenor tão
irrisório que certamente se esqueceria.
– Lava a cara, Brenna. Tens a boca coberta de tinta.
Ela endireitou-se tão rapidamente que quase caiu para trás.
– Não pintei a cara – ela ficou horrorizada perante a ideia. Só as
mulheres que vão para o inferno cometiam tais paganismos.
– A tinta é minha.
– Como é que fiquei com tinta…? Agora lembro-me. Logo depois
de me teres levado a pedir-te novamente em casamento, aceitaste e
beijaste-me sem autorização.
– Sim – concordou, só para a fazer andar. Na sua opinião, o leve
toque da boca contra a dela não representava um beijo, mais um
gesto simbólico.
– O padre espera-nos. Despacha-te.
Ela não podia acreditar. Endireitou-se.
– Agora? O padre aguarda agora? Para quê?
Connor ficou completamente estupefacto com aquelas perguntas.
Era como se ela tivesse perdido todo o alento.
– Está aqui para despachar o assunto – explicou.
Ela quis saber mais.
– Que assunto?
– Não me digas que já esqueceste – respondeu ele, exasperado.
– O casamento.
– Agora? – exclamou ela novamente. – Queres casar comigo
agora?
Ela passou os dedos pelo cabelo, depois começou a contorcer as
mãos, e, santo Deus, sabia que lhe gritava mas não conseguia
parar. Connor mostrava uma calma de morte. Tinha de estar louco,
para admitir a possibilidade de se casarem, ali e agora.
– Que esperavas tu?
Ela fitou aturdida e não teve resposta a dar.
– O que esperava eu? Tempo!
– Tempo para quê?
Para encontrar uma forma de sair deste pesadelo, quis gritar.
– Tempo para que tu… me leves para casa. Sim, é o que
esperava. Preciso de tempo para organizar um casamento a sério.
– Bem, poupei-te o trabalho. Agradece-me depois.
– E tempo para tu ganhares juízo – soltou ela.
– Eu sei o que estou a fazer.
Ela sentiu-se subitamente tonta e percebeu que, pela primeira vez
na vida, ia desmaiar. Virou-se e encaminhou-se para a berma do
lago, sentando-se. Cerrou os olhos e procurou tecer um plano
enquanto o mundo girava descontrolado à sua volta. Sim, precisava
de um plano. Qualquer um. Estava em pânico e a mente não
cooperava consigo. Cumprimentaria o padre, sim, claro que o
cumprimentaria, e falaria com ele, explicando que teria o maior
gosto em partilhar a refeição esta noite e desejar-lhe uma noite de
descanso. Pela manhã havia de casá-los, a ela e ao urso. Ela iria
sugerir, inclusive suplicar se fosse preciso, que aguardasse mais um
tempinho, um mês ou dois ou dez, pois o sagrado matrimónio era
uma coisa séria, bem vistas as coisas, e se Connor ainda não
tivesse percebido o seu erro, ela começaria a tratar então do vestido
de noiva.
Connor perdia rapidamente a paciência. Onde estava ela agora?
Um homem tinha limites, e tanta resistência já incomodava. Ele
decidiu tomar conta da situação, e de Brenna. Pegou num pano,
mergulhou-o na água e agachou-se diante dela. Antes de a rapariga
se poder afastar, agarrou-lhe no queixo e esfregou-lhe a cara.
Não foi nada meigo. Ela ficou com a cara vermelha, deixando-o a
pensar se ele esfregara com demasiada força ou se ela corara.
– Vamos despachar isto – ordenou.
Endireitou-a e literalmente arrastou-a consigo.
– Já percebi. Morri, correto? Morri de susto quando te vi e agora
sofro pelos meus pecados. Deus, fui assim tão mal comportada?
Connor fingiu ignorar a verborreia, mas teve de disfarçar o sorriso.
Céus, era uma mulher emocional. Mas que não chorasse. O padre
julgaria que fora obrigada a casar com ele se desatasse a chorar
durante a cerimónia. É verdade que fora obrigada mas não queria
que o padre Sinclair descobrisse. Além disso Connor não tinha
grande apreço por mulheres que passavam a vida a chorar.
Punham-no nervoso, e se lhe dessem a escolher, preferia uma
mulher zangada a uma chorona.
Brenna não tinha vontade de chorar, mas de estraçalhar alguém, e
Connor era a óbvia escolha. Mas que pensamento pecador era este
no dia do seu casamento? Por amor de Deus, tratava-se do sagrado
matrimónio.
Matrimónio. Nada do que planeara para a sua vida, em momentos
sonhados durante as aulas de costura. Pensara casar na capela do
pai, rodeada por família e amigos. Pelo contrário, só iria ter um
grupo de guerreiros mal comportados e um padre demasiado jovem
para ter concluído a sua ordenação.
O orgulho impediu-a de fazer birra.
Sentindo-se observada pelo grupo, adiantou-se para seguir ao
lado de Connor, e mal alcançaram o padre, Brenna levantou as
saias e fez uma vénia formal.
– Podemos começar? – perguntou o padre, lançando um olhar
preocupado a Connor.
– Agora? – exclamou ela.
Connor suspirou profundamente.
– Podes parar de fazer essa pergunta?
– Há algum problema em que seja agora? – perguntou o padre,
obviamente confuso. Dirigiu a pergunta a Connor e até ousou franzir
o cenho. – Devo dizer-lhe, Senhor, desagrada-me vê-lo com
pinturas de guerra nesta cerimónia sagrada. Terei de descrever o
acontecimento aos meus superiores, bem como ao Alec Kincaid. O
que devo dizer-lhes?
– O que quiser, padre. O meu irmão compreenderá.
O padre anuiu.
– Muito bem. Minha senhora, encontra-se aqui de livre vontade?
Concorda em casar com o Senhor Connor MacAlister?
Os olhares viraram-se todos para ela, que ponderava na resposta.
Ela dera a sua palavra, Deus a salve, e os soldados do pai partiram
ilesos: Connor mantivera a sua parte do acordo. Era a vez dela.
O padre não ficou preocupado com a confusão da noiva,
acostumado como estava com noivas nervosas, pois já casara um
bom número de pessoas na sua curta experiência clerical e tudo
podia acontecer.
– O padre aguarda a tua resposta, Brenna – lembrou-lhe Connor
numa voz ligeiramente ameaçadora.
– Sim, moça, aguarda – soltou Quinlan, embora deliberadamente
usasse um tom de voz calmo, esperando assim apaziguá-la.
Ela cedeu por fim ao inevitável.
– Sim, padre, obviamente, mas…
– Tem de dizer as palavras, minha senhora. A igreja exige que eu
ouça a sua confirmação que casa com Connor MacAlister de sua
livre e espontânea vontade.
– Agora?
– Brenna, juro-te que se ouvir novamente essa palavra… –
começou Connor.
Frenética, Brenna recordou por fim o plano ínfimo e miserável que
concebera.
– Padre, não fomos devidamente apresentados. Nem sequer sei o
seu nome. E devia saber, não concorda? Pensei que podíamos
partilhar a mesma mesa na próxima ceia, de modo a conhecermo-
nos melhor, e depois poderá descansar à vontade, e amanhã vamos
à sua capela, e se não tiver uma capela podemos continuar a andar
até encontrarmos uma, e aí poderia ensinar-me para estar
preparada para este sacramento jovial, e eu…
Ficou subitamente hirta.
– Pintura de guerra, padre? Disse pintura de guerra? O Connor
MacAlister usará pinturas de guerra no meu casamento?
Ela não tencionava gritar ao padre mas, a sério, a sua paciência
esgotara-se. Já não aguentava mais. Não lhe interessava quem
vivia ou morria, mesmo se fosse ela o alvo. Apenas lhe importava
um assunto. Pintura de guerra.
Lançou a sua raiva contra Connor. Estava tão furiosa com ele, que
os olhos se encheram de lágrimas.
– Não admito isso.
O padre ficou boquiaberto.
Nunca ouvira ninguém dirigir-se ao Senhor MacAlistair naquele
tom de voz a não ser, claro, Alec Kincaid – mas este falaria com
Connor conforme lhe apetecesse – e para uma amostra de mulher
mostrar tamanha hostilidade era igualmente espantoso e corajoso.
Se sobrevivesse a esta provação, tinha de recordar todas as
palavras ditas para repetir a história aos amigos.
Connor pretendeu assustá-la de morte de modo a fazê-la acalmar-
se, mas as lágrimas demoveram-no. Não compreendia por que
motivo a pintura de guerra a perturbava tanto, mas ficara
incomodada e compreendeu que a cerimónia não se realizaria
enquanto não descobrisse uma forma de a fazer cooperar.
Santo Deus, era uma chata.
– Brenna, não me levantarás a voz – tentou mostrar-se razoável.
Mau, mas também razoável.
– Não usarás pinturas de guerra no nosso casamento.
A sério, ela tinha um ar tão mau quanto ele. Ficou impressionado.
– Quero levar isto até ao fim.
Ela soltou-o e cruzou os braços.
– Aguardaremos.
– Se julgas…
– Não volto a pedir-te mais nada.
Raios, ela tinha ar de quem começaria a chorar. Não percebia que
estava prestes a ser mulher dele? Era uma honra, não uma
sentença de morte.
Mas a noiva não quis entender. Um dos dois teria de ser sensato,
e aparentemente cabia-lhe a si essa tarefa.
– Isto, para ti, é mesmo importante?
Ficou atónita por ele ter colocado aquela pergunta. O sacramento
matrimonial era um acontecimento abençoado – todas as pessoas
sabiam – e aparecer diante do padre com pinturas de guerra era um
insulto a Deus, à igreja, ao padre e a ela.
– É muito importante para mim.
– Pronto, mas é a última vez que cedo às tuas exigências –
Connor fez uma pausa, fitando os seguidores e notando que todos
eles concordavam. Depois virou-se para a noiva relutante. – Fui
claro?
– Foste, e eu agradeço imenso.
Ela teve uma súbita vontade de sorrir, mas manteve a expressão
séria até Connor se afastar. O homem soltou um som que parecia
um grunhido profundo. E então Brenna esboçou um sorriso, pois
não conseguiu evitar. Pela primeira vez desde há muito, não sentiu
receio pelo seu futuro – embora, recordou-se, já tivesse
enlouquecido e não confiava na sua lucidez. Connor cooperava, e
portanto não era um bárbaro irredutível. Mesmo sendo muito pouco
para sustentar um casamento, ela teria de aturar o homem para o
resto da sua vida e afinal, era uma mulher desesperada. Aceitaria o
que houvesse, mesmo sendo uma mera réstia de esperança.
Continuou a sorrir até se lembrar dos pagãos de cara azul que
acompanhavam o noivo.
Franziu o cenho, indignada, quando se dirigiu a eles.
– Querem assistir à cerimónia?
Ela não teve de dizer mais nada. Quinlan e os restantes fizeram-
lhe uma vénia antes de correrem atrás do Senhor.
Não se afastaram com a mesma atitude contrariada de Connor.
Inclusive, vários olharam para trás e sorriram. Como se quisessem
fazer-lhe a vontade. Ela não ousava confiar em nenhum deles,
obviamente, pelo que os seguiu, só para garantir que não mudavam
de ideias no último instante. Julgou que isto acontecera, quando os
viu alinhados na margem do lago, em amena cavaqueira.
Porque se preocupava com temas mais importantes, não lhe
ocorreu que os homens se libertariam das roupas antes de entrarem
na água. Para ser sincera, vangloriava-se da sua insignificante
vitória e nem conseguia pensar em mais nada.
Os cintos foram os primeiros a cair. Ela estacou prontamente e
fechou os olhos. Mas acabou por ainda reparar nos traseiros nus
antes de mergulharem no lago.
Seguiram-se risos. Ela não se importou, embora tivesse a certeza
que estavam cientes da sua presença e se rissem dela.
O padre surgiu nas suas costas.
– Não fomos apresentados, minha senhora. Sou o padre Kevin
Sinclair, filho de Angus Sinclair dos Neatherhills.
– Muito gosto, padre. Sou a Brenna, filha do barão Haynesworth,
que eu duvido que conheça. Venho de Inglaterra.
– Já me constara.
– A minha roupa e a minha fala denunciam-me?
– Sim, perfeitamente – concordou ele com um sorriso que era tão
encantador como o seu sotaque.
Emanava do padre carinho e bondade, e pela primeira vez desde
há muito, sentiu-se calma.
– Tenho de elogiá-la, Lady Brenna. É notável que fale tão bem a
nossa língua para uma principiante.
– Mas, padre, estudo gaélico há anos.
Horrorizado, ele atrapalhou-se a pedir desculpas.
– Mil perdões, queria elogiá-la e não insultá-la.
– Não fiquei ofendida, apenas espantada – garantiu-lhe ela.
O sorriso dele regressou.
– Apercebeu-se que, quando fica zangada, alterna entre as duas
línguas?
– Não, não me tinha apercebido. Quando notou o padre esse
comportamento peculiar?
– Quando se irritou por causa das pinturas de guerra. Também me
zanguei, mas foi passageiro. A forma como enfrentou Connor
impressionou-me… e a ele também, aposto. Não creio que ninguém
se tenha dirigido a Connor com tal paixão e fúria. Foi digno de
assistir, a sério.
– Não foi difícil. Mas indigno de uma senhora. Eu sei comportar-
me. Acontece que o meu temperamento tomou conta de mim, uma
falta que eu procuro ultrapassar. Se houvesse tempo, rogar-lhe-ia
para me ouvir em confissão antes de me casar.
– Teria todo o gosto em encontrar tempo, minha senhora.
– Há uma capela nas proximidades?
– Temos poucas capelas na terra, mas desde que não fiquemos
frente a frente durante a confissão, aplicar-se-ão as regras da
igreja.
O padre já envergava a estola destinada a receber confissões. A
faixa com borlas caía-lhe em volta dos ombros. Mal entraram na
clareira, soltou as pontas do cordão atado à cintura da sua toga
castanha e procurou um lugar condigno.
Acabou por escolher um cepo, sentou-se e indicou a Brenna que
se ajoelhasse no chão a seu lado.
A rapariga baixou a cabeça e fechou os olhos. Ele virou-se para a
clareira, fez o sinal da cruz com um gesto largo da mão e indicou-lhe
que começasse.
Ela percorreu rapidamente as suas transgressões e quando
terminou, colocou ao padre várias questões, numa tentativa de adiar
o inevitável.
– É pecado ter receio do futuro? Não conheço bem o Connor. Ele
assusta-me, padre. Estarei a ser tola?
O padre não iria admitir que Connor também o aterrorizava. Não
que tivesse vergonha da sua reação, pois era generalizada entre as
pessoas, mas devia reconfortá-la e contar-lhe a verdade só a
assustaria mais.
– Também não o conheço muito bem, mas já me contaram o
suficiente do seu historial para compreender o que fez dele um
homem tão duro. O pai morreu quando era muito novo e foi criado
pelo Alec Kincaid, que concluiu a tarefa do pai. Os dois homens
consideram-se irmãos.
– Estou certa que gostarei do irmão dele – murmurou ela,
desejando que fosse verdade.
No entanto, o padre estava certo que Alec a aterrorizaria. Sabe
Deus que o aterrorizava a ele, embora admiti-lo perante a rapariga
só prejudicaria o seu estado de espírito.
– Nunca senti necessidade de conter as minhas palavras na sua
presença nem de andar vinte passos atrás dele. A idade ensinou a
Kincaid que tem de ouvir antes de retaliar… ou assim me consta… e
por esse motivo não me intimida da mesma forma…
– Da mesma forma que o Connor?
– Lady Brenna, não queira adivinhar as minhas palavras. A reação
dos homens que me acompanhavam fez-me… imitar-lhes a cautela.
Tente lembrar-se que Deus irá protegê-la. Os planos d’Ele
costumam ser demasiado complicados para a nossa compreensão.
Tentaria confortá-la com tais comentários? Se assim fosse, porque
sentia ela tanta necessidade de chorar?
– Ficarei só, padre – murmurou ela.
– Não, Lady Brenna, não estará só. Deus estará consigo e eu
andarei perto. Fui destacado para servir o lorde Kincaid, pois o seu
confessor faleceu há três meses, e a região tem grande
necessidade dos meus serviços. Nunca estarei demasiado ocupado
para a servir, minha senhora, e se alguma vez precisar de mim, só
tem de chamar.
A promessa dele deu-lhe conforto, e ela rapidamente lhe
assegurou que ficara agradecida pela amizade e conselhos.
Connor e os seus homens observavam a uma curta distância.
Quinlan não parava quieto. Connor encostou-se a uma árvore com
os braços cruzados ao peito e uma expressão dura no rosto.
– Não me parece que terminem tão cedo – comentou Quinlan.. –
Devíamos começar a comer. Foi um dia comprido.
– Aguardaremos o tempo que for preciso. Deus sabe que a minha
paciência se esgotou. Ninguém pode ter tantos pecados. Raios, e
nem a idade lhe permite.
– Talvez esteja a confessar alguns dos teus pecados – sugeriu
Quinlan com um sorriso. – Se for assim, vamos ficar aqui um mês.
O guerreiro ficou tão contente com a sua graça, que desatou a rir.
O som valeu-lhe um franzir de cenho desaprovador do padre
Sinclair.
– Senhor, será que a sua noiva está com dúvidas? – perguntou
Owen. – Talvez tente protelar de propósito.
Quinlan revirou os olhos.
– Claro que está a protelar.
Passados outros minutos, Sinclair terminou. Preparava-se para
absolver Brenna quando ela o interrompeu.
– Posso colocar uma pergunta?
Brenna esfregava as mãos à espera da resposta. Sinclair notou o
gesto e apressou-se a acalmá-la.
– Demore o tempo que for preciso. Não tenho pressa.
– Estão a observar-nos? Estão, não estão?
– Sim, observam-nos.
– Mantive os olhos fechados como me indicou, mas sei que o
Connor está com ar de mau. É verdade?
– Ora, ele mal nos presta atenção – mentiu o padre.
Ela suspirou.
– Farei o melhor que poder. Quero ser uma boa esposa. Obrigada,
padre, pelos ensinamentos. Agradeço o tempo despendido. Já
terminei.
O padre Sinclair voltou a enfiar as pontas da estola no cinto e por
fim levantou-se. Deu meia-volta para ajudar Brenna mas não era
preciso, pois Connor já se encontrava ao lado da noiva, puxando-a
para si.
– Deseja confessar os seus pecados, Senhor?
– Não.
Fez um ar carrancudo e o padre Sinclair retraiu-se. Connor
afastou-se rapidamente com a desculpa de saudar os homens.
Connor não percebeu que respondera com modos bruscos.
Manteve-se atento a Brenna, aguardando que ela reparasse em si.
Pensou que o susto incutiria alguma consideração na mulher. Sabe
Deus que se sentiria melhor, mal cedesse à ânsia infantil, e teria
seguido com o seu intento se, naquele instante, ela não levantasse
a vista com um olhar de estarrecido espanto.
– Connor, tu não és feio.
– Sou obrigado a ouvir essas coisas?
– Não, mas eu sou obrigada a dizê-las. Não interessa. Feio ou
não, eu casaria sempre contigo. Quando faço uma promessa, é para
manter. Gostava que também prometesses algo.
– Não.
O olhar dela abriu-se de incredulidade.
– Mas ainda nem ouviste o meu pedido. Dizes que não à partida?
– O padre aguarda-nos.
Ela forçou-se a encontrar paciência, pois havia temas mais
importantes para resolver.
– Mal o padre abençoe o nosso matrimónio, podes por favor
explicar porque motivo me escolheste como esposa, e não outra
qualquer?
Ele não viu problema em satisfazer-lhe a curiosidade, embora
considerasse bizarro o interesse dela nos seus motivos.
– Sim – concordou ele. – Irás ser eternamente casmurra e
caprichosa?
– Nem sabia que o era – ela mudou rapidamente de assunto,
antes que Connor encontrasse outros motivos de crítica da sua
pessoa. – Obrigado por permitires que o padre Sinclair escutasse a
minha confissão. Nós os dois agradecemos a tua paciência.
Ele ficou espantado com a gratidão demonstrada.
– Os nossos padres são os homens mais poderosos das Terras
Altas, Brenna. Não me atreveria a interrompê-lo, por muito que
quisesse.
Ela notou que o padre lhes acenava e pousou a mão no braço de
Connor.
– O padre quer dar início à cerimónia. Estás pronto? Confesso que
me sinto nervosa – acrescentou num murmúrio.
– Não é preciso estares nervosa. Irás parar com isso a partir deste
momento.
– Irei? – perguntou, não conseguindo imaginar como realizaria tal
façanha.
– Sim, irás, porque acabarás por perceber que ficas mais bem
servida com a minha pessoa. Nenhuma mulher com dois dedos de
testa quereria casar com o porco do MacNare.
Exprimia-se como se tivesse pleno conhecimento do assunto. Ela
decidiu acreditar nele; afinal, não tinha alternativa. Embora invejasse
um pouco daquela confiança e lhe apetecesse encostar-se a ele, só
para sentir aquela força. Mas não cedeu à vontade, pois pareceria
fraca, e não se considerava nada fraca. Apenas nervosa. Só isso.
Mal percebeu que era observada pelo grupo, desenhou um sorriso
no rosto e endireitou as costas.
– Espero não estragar os meus votos. Não pensei ainda sobre o
que quero dizer-te. Perguntava-me se…
– Não, não vamos esperar. Vai correr bem.
– Mas eu…
Respondendo à preocupação que lhe encontrava na voz, ele
voltou a tranquilizá-la antes de o incómodo da rapariga aumentar.
– Isto não demora nada.
Ele julgava que ela se referia à cerimónia, pensou Brenna, e não
tentou corrigi-lo. Preocupava-se com a possibilidade de se enganar
nos votos, mas havia de dizê-los, fosse como fosse. O futuro é que
lhe dava apreensões. Era tão irrevogável. Connor era um estranho.
E daí, MacNare também era, pensou ela. Não teria iguais reservas
com ele?
Brenna manteve o olhar fixo em frente e ficou parada durante um
minuto inteiro sem falar, enquanto reponderava as implicações da
sua intenção.
No final, decidiu que teria de colocar o seu destino nas mãos de
Deus.
– Não podemos voltar atrás, Connor MacAlister.
Ele anuiu, ouvindo a convicção na voz dela e percebeu que estava
determinada.
– Pois não, Brenna, não podemos.
Ela adiantou-se de cabeça erguida e convicta.
– Espero que isto seja simples.
Seria simples. Ele acreditava que ela finalmente caíra em si e que
se tornaria numa esposa razoável.
Devia ter pensado melhor.
Capítulo 4
L ady Brenna não recebeu com bons modos a notícia de que fora
transferida para outro quarto. O marido nem se dignara avisá-la
atempadamente da decisão, e Quinlan desejou ardentemente que
tivesse caído sobre outro o desagradável dever de informá-la.
Desconfiando que ela ficaria magoada, tentara abordá-la a sós para
explicar, garantindo a privacidade caso a rapariga ficasse
humilhada, mas a preocupação dela sobre a roupa extraviada
estragou-lhe os planos, e portanto, ela soube da novidade na
presença da madrasta de Connor.
Lady Brenna não ficou zangada com a ordem de Connor...
mas sim, desconsolada. Quinlan ficou com pena da pobre Senhora,
obviamente e teve de recorrer a toda a sua disciplina para fingir não
reparar no seu incómodo. A atitude insensível do Senhor enfureceu-
o, a ponto de ponderar responder que preferiria a tortura do que
voltar a transmitir novidades tão dececionantes para a Lady Brenna.
A comiseração que Brenna encontrou no olhar dele aumentou a
humilhação causada. Euphemia desapareceu, desculpando-se
atenciosamente com a necessidade de passar pelos seus
aposentos. Brenna lá conseguiu, com esforço, recompor-se.
– Posso trazer-lhe alguma coisa, Lady MacAlister?
Ela assumiu que Euphemia não a escutara, pois não lhe
respondera de imediato, e portanto virou-se novamente para
Quinlan.
– Obrigado pela explicação.
Ansioso por encontrar uma forma de animá-la, ele despejou o
primeiro pensamento animado que lhe ocorreu.
– Como viu, Senhora os seus pertences não foram largados no
lixo, como temia. Espero que fique aliviada.
– Sim, claro que estou aliviada. O Connor explicou porque motivo
me transferiu de quarto?
– Não, senhora, não explicou.
– Onde se encontra agora?
– Foi caçar com o irmão.
– Há quanto tempo partiram?
– Os dois saíram do salão há coisa de um minuto.
– Então ainda conseguirei apanhá-lo?
– Se se apressar.
Ela correu para a porta, tentando abri-la, mas pesava demasiado
para conseguir sequer arredar pé sem ajuda de Quinlan, pelo que
este também correu a prestá-la.
Quinlan seguiu-a escadas abaixo, mas não a acompanhou pelo
pátio, assumindo que ela tentaria convencer o marido a mudar de
ideias.
Mas estava errado, pois Brenna não tinha qualquer intenção de
pedir ao marido que ficasse. Ia simplesmente manifestar-lhe o que
pensava a respeito daquela decisão. Correu até às cavalarias,
saudando:
– Bom dia, minhas senhoras – passando a correr pelas mães que
traziam os filhos a passear.
Avançou a um ritmo de cortar a respiração, e quando viu Alec em
cima do cavalo no fundo do monte, acenou-lhe, sem fôlego para o
chamar.
O interior das cavalariças estava mergulhado nas sombras.
Obrigou-se a fazer um sorriso ao ver o marido. Connor encontrava-
se junto ao cavalo que escolhera naquela manhã, ajustando as
rédeas ao seu gosto, enquanto o estribeiro tentava acalmar o
garanhão que o Senhor normalmente escolhia. O cavalo era
barulhento, enfiando os cascos contra o fundo da baia, que acabaria
por partir se não fosse refreado, mas o marido não se mostrava
disposto a resolver o assunto.
Brenna avançou lentamente, mantendo-se de propósito no
caminho da saída para não o deixar partir sem passar por ela.
– Posso ter um momento do seu tempo, senhor? – perguntou num
tom de voz tão doce como melaço e com um sorriso a condizer.
Ele nem sequer olhou para ela quando respondeu.
– Não pode esperar pelo meu regresso?
– Não creio. Voltará antes de anoitecer?
– Não.
Foi difícil continuar a sorrir, mas o estribeiro fitava-a com atenção
e ela não permitiria que lhe adivinhassem os pensamentos. Nem
sequer queria que Connor os conhecesse, até estar disposto a ouvi-
la sem distrações.
Não queria que ele perdesse pitada da conversa.
– Davis, qual é o problema com o meu garanhão? – perguntou
ele.
– Não sei o que se passa com ele. Estava calmo até o Senhor
aparecer.
– Parece-me perturbado – exclamou ela.
– Já notámos que está perturbado, Brenna.
Ela retesou-se perante a atitude condescendente.
– Sim, claro que já notaste – concordou dela. – Está perturbado
porque não lhe prestas atenção – uma reação, acrescentou sem
dizer, que também ela sentia naquele instante. – O teu garanhão
não quer ficar esquecido. Se te dirigires à baia do cavalo e lhe
pegares nas rédeas, seguramente que se acalma.
– Ficaria muito curioso em perceber se isso funciona, meu Senhor
– confessou Davis, lançando um sorriso a Brenna. – A Senhora
pode ter razão.
– Conto ter – respondeu ela num tom pouco agradável que quase
ficou agoniada.
– Brenna, estás a ficar doente? – perguntou Connor. – A tua voz
parece estranha.
– Estou bem, Connor, mas agradeço a preocupação.
O rosto dela começava a doer-lhe do esforço de manter o sorriso.
A sua única consolação estava em saber que, dali a minutos, valeria
a pena.
– Não tenho tempo para esta parvoíce – murmurou o marido dela,
embora fosse fanfarronice da sua parte, pois acabou por seguir a
sugestão dela, e tal como a rapariga tinha previsto, o garanhão
prontamente parou de se remexer e avançou, para dar um
encontrão na mão de Connor e receber um afago.
– Tens de levá-lo – disse ela. – Senão, vai sentir-se rejeitado
– Precisa de descansar. Além disso, os cavalos não têm
sentimentos.
Era mesmo necessário contrariá-la constantemente? Brenna
começou a rezar, para não desatar aos berros.
Connor substituiu os freios do suporte, indicou a Davis que
levasse o cavalo escolhido para o exterior, recostou-se contra a
baia, cruzou os braços ao peito e por fim dignou-se a dar-lhe
atenção.
Não disse uma única palavra até Davis sair da cavalariça.
– Que queres tu? – perguntou ele, sem paciência nenhuma.
– Não percebi porque não te despediste de mim. Tencionavas
fazê-lo?
O tremor na voz dela foi o primeiro indício de que ficara
incomodada. Ele julgou saber a razão. Ela esperava dele uma
desculpa, naquela manhã, e não a tendo recebido, porque era uma
mulher inteligente, já entendera que nunca a receberia. A conclusão
dela era correta, obviamente, pois ele não tinha ainda intenções de
pedir desculpas pela forma como a atacara selvaticamente na noite
passada. Transferi-la para outro quarto foi a sua forma de se
desculpar. Uma esposa esperta perceberia isso de imediato,
sentindo-se agradecida e aliviada.
Brenna não mostrava indícios destes sentimentos, e portanto,
pensou ele, ainda não fora informada do seu gesto magnânimo. Ele
não tinha tempo para lhe explicar, pois Alec aguardava por si. Se ela
queria uma explicação, ficava para o seu regresso, e então seria
obrigado a fazer-lhe a vontade.
– Não costumo despedir-me antes de partir.
– Mas agora és um homem casado e tens de te despedir sempre
da tua mulher.
– Mais alguma lição que me queiras ensinar?
– Tencionas regressar?
– É a minha casa, Brenna. Claro que tenciono regressar. Foi por
isto que me impediste de sair?
– Não, queria falar contigo de outro assunto. Agradecia que não
interrompesses até terminar.
– Podes dizê-lo, de uma vez por todas? – pediu, exasperado.
Ela rangeu os dentes, reagindo ao tom de voz «pára-de-me-
chatear».
– Só agora descobri que me tinhas mudado para ouro quarto, e
julguei que querias saber a minha opinião sobre o assunto. Mas
primeiro, preciso que me autorizes para falar sem reservas.
– Não tens de me pedir autorização para isso. Diz o que queres,
mas despacha-te.
– Sim, vou despachar-me – prometeu ela num murmúrio
roufenho.
– Não podes esperar pelo meu regresso para agradeceres? Que
se passa com a tua pálpebra? Está a contorcer-se.
Preferiu ignorar o marido por um instante. Espreitou por cima do
ombro uma última vez, medindo a distância para a entrada e a
segurança, viu que a entrada ficava mesmo atrás de si e inspirou
profundamente, pensando agora-é-que-vais-apanhar. Porque teria
de correr a toda a velocidade, apanhou a bainha das saias,
preparando-se, e só então dedicou ao marido toda a sua atenção…
e ira.
Já não sorria.
– Não tenho qualquer intenção de te agradecer, Connor. Mas
tenciono dizer-te o que penso da tua decisão de me transferires
para outro quarto. És mais do que desprezível. És um porco vil,
desprezível, arrogante, insensível e mau. Porque me magoas assim
de propósito? Depois da noite cheia de paixão e satisfação,
humilhares-me desta forma faz-me pensar que terei casado com um
bode. Bem, agora fizeste das boas, pois não vou esquecer este
insulto. Magoaste-me novamente e jamais o esquecerei.
Devia ter parado enquanto estava a ganhar. Pelo menos, devia ter
parado de o insultar mal notou a reação dele quando o chamou de
porco. Ele cerrara os dentes, um claro indicio de que não estava a
gostar dos comentários dela. Não se recordava dos outros nomes
que lhe terá chamado, pois quando começava, não conseguia calar-
se, embora estivesse quase convencida de que o chamara de rabo
de asno. A mágoa que ele lhe causara fê-la atacá-lo com raiva, e
embora fosse infantil da sua parte rebaixar-se ao nível dele, não se
envergonhava a ponto de parar.
Mas arrependimentos não a ajudariam em nada, e só a distância
lhe garantiria que viveria mais um dia completo, pois a vista de
Connor esbugalhara-se de incredulidade – sem mencionar o
«porco» que despoletara a reação – antes de se semicerrar com
fúria latente.
Ele nem sequer lhe deu uma vantagem. Brenna olhou em volta,
descobrindo que alguém se aproximara sorrateiramente pelas
costas e fechara as portas da cavalariça, estragando-lhe a
oportunidade. Largou as saias para conseguir abrir as portas, e a
seguir Connor agarrou-lhe pela mão e puxou-a para si. Não
entendia como a alcançara tão rapidamente. Num segundo,
encontrava-se ao lado da baia, como se estivesse amarrado, e logo
a seguir, arrastava-a atrás de si para o fundo das cavalariças.
Ela soltou um pedido sentido:
– Céus, tem dó.
– Se tens de rezar em voz alta, fá-lo numa só língua. Deus prefere
o gaélico.
Brenna percebeu que o marido não apreciou o fungar de
descrença que ela fez em resposta, pois apertou-lhe a mão com
mais força, arrastando-a para uma baia vazia na esquina das
restantes e fechando a porta atrás de si.
Ela não procurou escapar até ver o olhar dele. Parou, encostada
contra a parede. Devia parecer uma cobarde, pensou de imediato.
Nem sequer conseguia descolar-se da parede, mas lá conseguiu
entrelaçar os dedos e apresentar um ar sereno, enquanto
aguardava a reprimenda. Teria sido preferível fugir, mas ele
bloqueava a única saída.
Connor, entretanto, parecia ter-se acalmado. Mas ela não se
deixou enganar. Antes de deixá-la partir, levaria a sua avante. Ela
tinha mesmo de encontrar forças. O marido estava furioso, sem
sombra de dúvidas, mas mesmo naquele estado, não tocava nela.
Usaria palavras para a magoar, as quais, naquele instante,
revelavam-se ser ameaças igualmente terríveis.
– Importas-te de repetir o que me disseste? – disse ele de forma
arrastada num tom, enganadoramente calmo.
– Não, obrigada.
– Mas, Brenna, eu insisto. Quero ouvir novamente todas essas
palavras – fazendo-a saber que estava disposto a aguardar,
independentemente de quanto tempo levasse, encostado à baia e
passando um braço sobre a porta.
Ela não apreciou aquela intimidação, embora, dadas as
circunstâncias, fosse o menor dos seus problemas, e nem podia
realmente culpá-lo por se zangar com ela após as coisas
imperdoáveis que lhe chamara. Mas não tencionava pedir perdão;
pois embora não acreditasse na sua total frieza, Connor magoara-a
profundamente.
– Receio não poder satisfazer-te, pois esqueci quase tudo o que
disse. Lembro-me de referir que me desiludiste – acrescentou, com
um aceno para demonstrar sinceridade.
Ele não acreditou.
– Pois eu lembro-me que me chamaste de porco.
– Lembras-te?
– Sabes muito bem que me lembro. Chamaste-me de porco em
duas línguas.
– Chamei-te?
– Chamaste.
– Devo ter dito coisas sem pensar. Sim, é bem possível que isso
tenha acontecido.
– Estavas zangada.
– Autorizaste-me a falar sem reservas.
O tom de voz dele acutilou-se.
– Mas não a insultares-me. Não voltarás a falar comigo assim,
está bem?
– Vais voltar a magoar-me?
– Não é uma negociação, mulher.
Ela retraiu-se perante a fúria dele, tentando depois pensar numa
possível resposta para o apaziguar mas que não fosse mentira
descarada.
– Se me lembrasse de tudo o que disse, quereria retirar muito do
que…
Ele interrompeu-a.
– Lembro-me de tudo. Em que língua queres que repita as frases?
Na tua ou na minha? Não te ficaste apenas por uma, quando me
pregavas o sermão.
– A sério que não quero ouvir…
Parou de protestar com a sua récita, retraindo-se quando ele
repetiu ceras palavras como «porco», «bode» e «rabo de asno» e
quando terminou, ela baixou a cabeça de vergonha e embaraço.
– Não devia ter-te dito essas coisas.
– Não devias.
– Porque me expulsaste da tua cama?
– Querias ficar comigo depois do que te fiz ontem à noite?
– Porque não havia de querer?
– Podes parar de responder às minhas perguntas com outras
perguntas?
– Sim, quero ficar – exclamou. – Sou a tua mulher, não uma das
tuas seguidoras dos acampamentos.
– Magoei-te – ficou furioso consigo mesmo, novamente,
recordando-se de perder o controlo.
– Sim, magoaste-me. Já te disse várias vezes. Nunca me ouves?
Sei que a tua memória é forte porque repetiste todos os insultos que
te disse. Não havia de sentir-me magoada? Só então percebi o
quanto…
– O quanto o quê?
Ela abanou a cabeça. Não estava preparada para admitir que
começava a gostar dele, pelo que trocou aquele comentário por
outro quase exprimido.
– Fiquei humilhada por que foi o Quinlan quem me informou da tua
decisão.
– A que te referes? – perguntou ele, frustrado.
As mãos dela, caídas, fecharam-se em punhos. Que atrevimento o
dele, fingir que não compreendia. Julgaria que era ingénua e que se
deixaria enganar com tanta facilidade? Ou teria tão pouca
importância para ele que até se esquecera do seu ato?
– Queres provocar-me de propósito? Ah, agora sei a verdade. Já
percebeste que me apaixonei por ti e tentas impedir-me com
atitudes que me magoam. Mas não funciona. Seja lá como for, hei
de fazer com que gostes de mim. Sim, farei, a não ser que a tua
atitude fria me mate primeiro. É justo, Connor. Se vou ter uma vida
triste, Connor, também tu terás, juro por Deus. Não sou uma megera
qualquer, e não serei tratada como tal. A minha mãe choraria um
mês inteiro se lhe contassem a minha humilhação. Nem sequer te
dignaste a informar-me; foi o Quinlan quem o fez, e agora vais partir
e nem sequer me avisaste. Queria pedir que me gravassem um
novo medalhão para tu usares, para teres uma forma de me
avisares se corresses perigo. Mas tu nem sequer o usarias, pois
não? E tudo isto porque se enfiou na tua cabeça casmurra que
precisares de mim representaria um insulto. Sim, não me esqueço
do que disseste, quando te mostrei o meu medalhão e contei a
tradição da minha família. Ordenaste-me que o deitasse fora, pois
era um insulto para ti, e o que me condói é que deixaste bem claro
que tudo o que é importante para mim nada significa para ti.
Jurou calar-se de imediato, mas contradisse-se ao fim de dez
segundos, ou menos.
– Só tenho mais isto para dizer antes de voltar para o salão e fingir
que não te conheço. Os maridos despedem-se das esposas antes
de partirem, com beijos decentes.
Só quando sentiu as lágrimas no rosto é que percebeu que
chorava. Agoniava-a tanta falta de controlo, pois além da vergonha
pelas coisas horríveis que chamou ao marido – e Deus a perdoe,
chamara-o de porco –, desatara a chorar diante dele.
Como podia convencê-lo a gostar dela se agia como uma víbora
num minuto e uma fraca no minuto seguinte? Claro que não podia, e
já fizera estragos suficientes. Agora nada voltaria a estar bem.
Nada.
O berro de Alec salvou-a de mais desonra – se tal fosse possível.
O irmão mais velho dele cansara-se de esperar e ordenava que
Connor se despachasse.
– Retive-te demasiado tempo – murmurou ela.
Ele nem concordou nem discordou. Aliás, não disse
absolutamente nada. Também não partiu; ficou apenas ali, fitando-a.
A expressão dele fê-la pensar que lhe teriam nascido cornos
vermelhos do diabo na cabeça e que ele não sabia como reagir.
Santo Deus, Connor estava em transe. Procurou recordar todas as
palavras que lhe dissera. Sabia que se entusiasmara, mas estava
convicta, bem, praticamente convicta que não o chamara
novamente de porco nem bode. Teria sido algo mais ofensivo?
Desejava fortemente que não, mas se assim fosse, Deus ajudasse
os três irmãos, Gillian e William e Arthur, pois era culpa deles, e
quando os encontrasse novamente, iria pregar-lhes um sermão por
terem usado aquele tipo de linguagem diante de si. Faziam-no de
propósito, obviamente, e para seu divertimento, pois sabiam que era
novinha para entender, mas suficientemente crescida para repetir o
que ouvia. Enlouquecia, consternada com a sua possível
transgressão.
– Connor, se te disse alguma coisa obscena, terá saído do fundo
da minha mente onde ficou guardada dos tempos em que era
menina e os meus irmãos mais velhos… – calou-se assim que
percebeu que divagava e desistiu de tentar apaziguá-lo. – Porque
não partes? Parece que queres dar-me um murro, e se for essa a
tua vontade, por favor despacha-te. A espera faz de mim uma
imbecil.
– Não te lembras do que disseste?
A pergunta fê-la sentir-se pior.
– Lembro-me de coisas que disse, mas não de tudo. Sei que não
devia deixar que a raiva controlasse as minhas palavras, mas
aconteceu. Assume que eu disse coisas que não devia ter dito. Será
que disse?
Céus, que grande eufemismo. Desde que entrara nas cavalariças
e abrira a boca, só dissera inconveniências.
– Tenho de ir.
– Sim – concordou ela, com um suspiro de alívio muito sentido.
Após abrir os portões, ele indicou-lhe que avançasse à sua frente.
Sentiu o olhar dele pousado em si ao passar pelo homem, mas
manteve a cabeça baixa, deliberadamente, para não encontrar a
raiva que, desconfiava, arderia naqueles olhos. E a sua prudência.
O que ela deixara escapar no auge da discussão despertara aquela
reação especifica.
Ela não quis assistir à partida do marido, sabendo que perderia os
poucos fiapos de domínio que ainda tinha e choraria como uma
pecadora. Que bela forma de Connor se lembrar da esposa!
– Adeus – murmurou, detendo-se no centro das cavalariças. –
Deus te proteja.
Ele não tinha palavras de despedida para lhe deixar. Limitou-se a
passar por ela e ir-se embora. Espreitou uma vez por cima do
ombro, com uma expressão desconfiada. Percebera a sua condição
destroçada, talvez satisfeito por ser a causa de tanta tristeza
E então partiu. Ela permaneceu nas cavalariças enquanto ouvia o
ranger da ponte levadiça a descer. Seguiu-se o ruído estridente de
espadas a chorarem contra bainhas metálicas e cavalos a trote,
transpondo o passadiço de madeira. Imaginou o marido na frente,
ao lado do irmão, repleto de sorrisos e gargalhadas, embrenhado
em conversas mais agradáveis do que uma mulher chata e que
nunca sabia ficar calada.
Um minuto e uma prece, Deus, cuidai dele por favor enquanto
estiver longe de mim depois, verificando que não restavam lágrimas
coladas aos cantos dos olhos, Brenna estampou um sorriso no rosto
e saiu. Tentou mostrar um ar apressado, para que não a
interrompessem.
Estava já na suave encosta, a caminho do pátio, quando ouviu um
som de trovão atrás de si. Olhou para o céu, apressando o passo
em jeito de instinto, mas abrandou quase imediatamente porque não
viu nuvens escuras no alto.
Estava demasiado angustiada para prestar realmente atenção ao
que acontecia à sua volta, pois percebeu que acabara de arrasar a
sua hipótese de uma vida eternamente feliz com um marido que a
amava e adorava, e como conseguiria ela pensar, ou preocupar-se,
com outras coisas?
Os soldados berraram-lhe um aviso para se afastar do caminho,
enquanto aqueles que seguiam à frente se apressavam a desviar-se
por iniciativa própria. O trovão crescia atrás de si, agora mais perto
do chão, mais próximo. Se não soubesse que era uma
impossibilidade, teria imaginado o solo tremer sob os seus pés.
Brenna presumiu que os cavalos se tinham soltado do controlo de
Davis e galopavam descontrolados. Correu para o grupo de
pinheiros para se por a salvo, e mesmo a tempo, pois os animais
desenfreados estavam quase em cima dela.
Não alcançou o seu objetivo. Foi apanhada de surpresa e soltou
realmente um grito de espanto ao sentir que subia no ar.
Era Connor. Inclinou-se, agarrou com força a cintura da rapariga e
levantou-a para o seu colo sem abrandar a passada do cavalo.
Pregou-lhe um valente susto.
Ouviu-a gritar de pânico ao erguê-la do chão, mas no preciso
instante em que Brenna recuperou a compostura, Connor percebeu.
Foi quando pousou no colo dele e ela viu que se encontrava nos
seus braços. O medo esfumou-se. Nem sequer se apoiou nele. Com
os braços caídos, inclinou-se para trás, um olhar descuidado no
rosto tão encantador como a sua inocência. A mão dele apoiava-lhe
as costas. Se aliviasse o suporte, ela cairia no chão. A confiança
nele era absoluta, entregara a sua segurança ao cuidado do
marido.
A rapariga desinibida não quis saber. Arqueou-se para trás,
ergueu os braços e esticou-os o mais que pode. Com as palmas das
mãos viradas para o sol, atirou a cabeça para trás e fechou os
olhos, numa entrega sublime.
Connor ficou atónito. Ansiava por um abandono assim, tirar prazer
de cada instante vivido. Observando-a, sentiu a satisfação insurgir-
se dentro de si, apanhando-o de surpresa. Oh, como ela lhe dava
prazer. Abrandou o cavalo para um passo calmo e parou finalmente
no cimo da encosta.
Suavizando o aperto do braço à volta da cintura de Brenna,
Connor aguardou pela sua total atenção.
A esposa envolveu-lhe o pescoço com os braços, aninhando-se
contra ele. Murmurou o nome do marido, depositou um beijo na
base da garganta, lábios tão macios e doces como as asas de uma
borboleta. Ele ficou abalado por esta mostra de afeto. Desapareceu-
lhe o sorriso, e protegeu os pensamentos com uma expressão
resguardada, ao fitar aqueles encantadores olhos azuis.
Passou um minuto completo sem trocarem palavras. Irradiava dos
dois uma tensão e antecipação. O olhar dele desceu para a boca
dela, ali permanecendo enquanto lhe murmurava uma despedida. E
depois cingiu-a contra si, inclinou-lhe a cabeça para trás, beijando-a
demorada e intensamente. Um beijo para ficar na memória dela –
era a sua intenção – e que ele também não esquecesse. Como
fazer amor com aquela boca, revelando-lhe com a sua paixão que a
perdoara, e com o toque gentil que também precisava do perdão
dela.
Connor teve de recorrer a uma considerável disciplina para se
recordar que Alec estava à sua espera. Levantou a cabeça,
percebendo que se juntara público, interessado no comportamento
assombroso do Senhor deles.
Ninguém o vira antes exibir tanto afeto descarado. A maior parte
dos homens mostrava uma estupefação com o chefe, embora todas
as mulheres, à exceção de uma, se mostrassem deliciadas, porque
ele agia como um marido. A sua ação certamente mudaria as
atitudes dos esposos. Se o Senhor dava um beijo de despedida à
mulher, os homens casados a seu mando deviam seguramente
seguir-lhe o exemplo.
O olhar de Connor percorreu o público, e quando notou que
Donald e restantes soldados do grupo de caça já tinham voltado e
encaravam-nos com ridículas expressões de incredulidade, decidiu
que chegara a hora de apresentar Brenna ao clã.
Pediu silêncio, esticando a mão.
– A Lady MacAlister é a vossa Senhora. Irão acolhê-la nos vossos
corações, protegê-la com as vossas vidas e servi-la como me haveis
servido, pois é a minha esposa.
Baixou a mão, anuiu com satisfação os vivas de aceitação que
ecoaram da multidão e ajudou Brenna a descer do cavalo.
O beijo deixou a rapariga atordoada. Cambaleou para trás, e teria
caído se as mulheres não a amparassem.
Connor deixou que o visse partir, e parou apenas outra vez, para
se dirigir a Quinlan, que aguardava por ele ao lado das cavalariças,
sorrindo como um lunático.
Brenna não parava de suspirar. Pela primeira vez há muito tempo,
sentia-se contente.
Afinal, tudo acabaria bem.
Capítulo 11
E la estava tramada.
As primeiras palavras que jorraram da boca do marido
quando saiu das cavalariças indicavam que ela cruzara aquela
fronteira imaginária da mente masculina, que separava aquilo em
que a esposa podia tocar do que não podia. Aparentemente,
acreditava que o garanhão preto só a ele pertencia e a mais
ninguém
Obviamente, ela refutaria esta reivindicação, mas, esperta como
era, esperaria primeiramente pelo desvanecimento da fúria.
– Quero dar-te uma palavrinha em privado, Brenna.
– Com certeza – respondeu ela, tentando mostrar-se ligeiramente
interessada e curiosa e nada preocupada. Percebeu de imediato
que a abordagem não era a melhor, e mudou a atitude para
indignação.
– Ainda bem, Connor. Já está na hora de concederes um
momento privado à tua esposa. Quando é que seria conveniente
para ti falarmos?
O ardil não funcionou.
– Se não queres que se perceba que estás nervosa, não devias
afastar-te de mim. Também sugiro que pares de espreitar por cima
do ombro, à procura de uma forma de escapares.
Lançou um olhar a Crispin, tentando perceber como reagia ele à
tática intimidatória do seu Senhor, sentindo-se agradecida pelo
soldado não mostrar que ouvira. O olhar dele viajou para o fundo do
monte, como se estivesse totalmente fascinado pelo que ali via.
Pelo contrário, Quinlan escutava atentamente Connor. Não
perdera aquele certo ar complacente de que ela não gostava. Não
só sabia que ela seria o alvo da tormenta de Connor, como parecia
contente pelo facto. Não tinha o homem nada melhor para fazer do
que andar atrás dela e contar tudo o que fazia ao marido?
Aparentemente, não. Embora fosse talvez injusto da sua parte,
comparou o soldado à antiga ama, Elspeth, que também adorava
denunciar Brenna.
– Quero ter já o momento a sós contigo – anunciou Connor.
Esperou que ela concordasse antes de indicar a Crispin e Quinlan
que se juntassem a ele à ceia, e depois começou a subir o monte,
em direção à torre, com Brenna ao lado.
– A minha surpresa não te agradou?
O fungar de desdém foi a resposta que ela precisava de ouvir.
– Estás chateado porque o Willie te pertence e não queres que
mais ninguém o use?
– Quantas vezes caíste?
Porque Quinlan, seguramente, lhe terá contado tudo com
pormenores, ela decidiu ser totalmente sincera.
– Tantas vezes que perdi a conta.
– O que julgas que teria acontecido se estivesses grávida do meu
filho?
Ela ficou estupefacta, pois a possibilidade nunca lhe ocorrera.
– Mas não estou. Acabei de… não estou.
– Acabaste o quê?
– Acabei de perceber que não posso estar ainda grávida. Nunca
colocaria o nosso filho em perigo.
– E não voltarás a montar aquele cavalo, está bem?
– Nem com sela?
– O cavalo nunca teve uma sela colocada nele, e garanto-te que
não iria gostar. Está fora de questão.
– Muito bem. Há mais alguma coisa que queiras referir… ou
fazer?
– Não voltes a chamar-lhe Willie.
Brenna percebeu que ele não mudaria de ideias.
– Não o farei – prometeu, antes de desabafar: – Sabes que não
voltaste a beijar-me desde que regressaste? Pergunto-me se sequer
pensaste nisso.
Ele praticamente nem pensava noutra coisa, mas não iria admiti-
lo.
– Não estivemos ainda a sós. Pede-me esta noite e então beijo-
te.
Ela não percebeu se era brincadeira.
– Sou capaz de me esquecer – garantiu-lhe. – Tanto me faz, não
me interessa.
– Interessa, sim. Olha por onde vais. Alguns dos buracos ainda
não foram tapados.
– Falando em buracos…
– Ainda não.
– Desculpa?
– Não quero ouvir conversa nenhuma sobre capelas. Nem agora
nem nunca. Entendeste?
– Entendi que és bastante casmurro.
Ela sabia que ele continuava um pouco incomodado com o plano
de tapar a torre com a igreja. Mas não a impedira, pelo que ainda
restava a esperança que desse ouvidos à razão. E quando tal
acontecesse, decerto que Brenna já possuiria uma explicação mais
adequada do que a verdade crua. Admitir que, na opinião dela, a
fachada da casa era absolutamente medonha apenas o magoaria, e
por esse motivo, ela tinha de encontrar outra desculpa.
Avançou para outro tema mais importante.
– Quando subirmos para o quarto, hoje, tenho de te contar algo
muito sério. É extremamente importante – murmurou. – Não vais
gostar nada.
– Conta-me já.
– Prefiro esperar pela noite. Só queria adiantar-te o tema –
acrescentou. – O que tenho a dizer vai magoar-te.
O riso dele não foi a reação que ela previra.
– É sério – insistiu ela.
– Garanto que, por muito séria que seja a novidade, o meu
coração permanecerá intacto. Porque não me contas já e
despachas o assunto? Parece que te assusta.
– E assusta. Mas vou esperar pela noite para te contar. Vais ver a
tua surpresa agora e não quero estragar a tua felicidade com más
noticias.
Ela subitamente desejou não o ter avisado, pois agora sentia o
estômago às voltas. Não havia de ficar perturbada? Ia desencadear
uma guerra entre dois irmãos, Deus a perdoe, mas não tinha
alternativa, pois não?
Ela colocara ao padre Sinclair aquela mesma pergunta durante a
confissão, e embora o padre concordasse firmemente que precisava
de contar ao marido quando este voltasse, também indicara que
devia contar desde logo aos soldados dele. Demorara imenso tempo
a convencer o padre que era importante contar a Connor
primeiramente. O padre cedeu por fim, quando ela prometeu que
seria cuidadosa e não ficaria a sós com Raen.
O padre garantiu-lhe que regressaria no dia seguinte para
conhecer a reação de Connor. Mas Brenna desconfiou que ele só
queria garantir o seu estado de espírito, e ela esperava, desejava
poder contar-lhe que Raen já fora banido.
Connor trouxe-a de volta ao momento presente, dizendo-lhe que
prestasse atenção aonde pousava os pés.
– O marido da Brocca quer saber se desejarias ficar com uma das
crias do cão de caça – repetiu ele.
– Porque razão me quer oferecer uma cria?
– É o que tem para dar.
– Mas porque…
– É uma prenda, Brenna. Foste simpática com a mulher dele e ele
quer compensar-te.
– É muito atencioso da sua parte – respondeu ela. – Importar-te-
ias de teres um cão de caça dentro de casa?
Ele abanou a cabeça.
– Vou dizer-lhe então que aceitarás o cachorro. Tenta não o
perderes, está bem?
– Por amor de Deus – murmurou ela. – Queres mesmo irritar-me.
Ele não fez comentários, mas surpreendeu-a, puxando-a para si e
passando o braço por cima dos ombros dela.
– Não ficas desiludida por ser um cão de caça?
Ela lançou-lhe um olhar intrigado.
– Não, claro que não. Porque julgarias isso?
A voz dele encheu-se de riso ao responder-lhe.
– Porque não é um leitãozinho.
– Então lembras-te de me conheceres – exclamou ela.
Ele abriu-lhe a porta antes de explicar.
– Claro que me lembro. Também me lembro de te pegar ao colo.
Eras mais leve do que a minha manta. Talvez da idade da Grace.
– Não, era muito mais crescida.
– Cheiravas ao leitão escondido nas saias.
– Não pode ser. Acabara de tomar banho. Foi o que a minha irmã
me contou.
– Já em bebé quiseste mandar em mim. Eu devia ter percebido.
Era difícil prestar atenção à conversa, pois os olhos dele
encheram-se de tanto carinho que ela não conseguiu pensar em
mais nada. Céus, como era bonito.
– Percebido o quê? – perguntou-lhe num murmúrio calado.
– Que ias ser uma fonte de problemas.
Considerou que era a frase mais simpática que Connor alguma
vez lhe dissera, e só depois de ter suspirado em apreço e
agradecido, é que percebeu não se tratar realmente de um elogio.
Ele não se riu dela. Pelo contrário, puxou-a para os seus braços,
inclinou-se e murmurou:
– Não tens de quê.
Ela não percebeu que ele pretendia beijá-la até os lábios se
colarem aos seus. Sentiu-se esmagada contra o peito rijo, tão forte
e apertado era o abraço, embora a boca fosse espantosamente
tentadora. A língua dele entrou em Brenna para aprofundar o beijo,
despertando uma resposta que ela não esperava, nem
compreendeu, até terminar e ele se afastar um pouco.
Tudo mudara, de súbito.
Apeteceu-lhe agarrá-lo até ao fim da vida. Embora tentasse
acreditar que aquele sentimento se relacionava com a presença do
marido e o facto de representar um travão para as intenções de
Raen, também havia outro motivo.
Apaixonara-se por ele.
Descobrir esse facto não lhe trouxe felicidade, mas tristeza. Um
erro tão tolo, como é que caíra nele? Ele não a amava, apenas a
aturava e nada mais, para ter herdeiros.
Connor fitava-a com atenção, preocupado ao ver lágrimas nos
seus olhos.
– Podes contar-me por que motivo choras?
– Aconteceu demasiado cedo – ela gaguejou. – Eu devia saber,
Connor. Eu devia mesmo saber.
– Brenna, a que te referes? O que aconteceu demasiado cedo?
Ela finalmente caiu em si. Não estava disposta a admitir que o
amava e pensou que preferiria entrar nua numa igreja cheia de
estranhos a admitir o seu erro. Não bastava sentir-se vulnerável,
seria também horrível gabar-se desse sentimento.
Seja como for, Connor não compreenderia, mesmo se ela lhe
tentasse explicar. Duvidava que ele conseguisse alguma vez amá-
la. Tão agarrado ao passado, não tinha espaço no coração para
mais nada.
– Podes responder-me? – pediu ele.
– Tive saudades tuas – soltou ela. – Não quis ter mas tive.
Ausentaste-te durante muito tempo.
A resposta pareceu satisfazê-lo. Beijou-a novamente, brevemente
mas com paixão, e depois acompanhou-a para o interior, subindo as
escadas para o piso principal.
– Na tua ausência, reuni toda a informação disponível pelas
pessoas mais idosas do local e consegui juntar as peças.
– Que peças?
– As do teu passado – respondeu ela. – Sei o que aconteceu ao
teu pai. Só quero dizer-te que percebo porque não derrubaste as
ruínas. Queres mantê-las até alcançares a justiça que é devida ao
nome do teu pai.
– Se me tivesses perguntado, eu explicaria.
– Então, daqui em diante, perguntarei. Não faças essa cara,
Connor. Quero que estejas com bom humor quando vires a minha
surpresa.
Ele preparou-se mentalmente, fez-lhe um aceno abrupto para
indicar que tentaria ficar contente, e disse:
– O Quinlan garante-me que não fizeste nada que fosse…
reprovável.
– Reprovável? Por amor de Deus, porque pensarias tal coisa? –
perguntou ela antes de se lembrar da sua reação aos buracos no
pátio. – Tenciono tapar a porcaria que fiz lá fora – explicou então. –
Assim que os soldados montem os postes para suportar a estrutura
que pensei construir, e eu…
– Brenna?
O aviso encontrava-se no olhar e na voz dele.
– Sim?
– Não vamos falar desse assunto agora.
– Claro que não. Sorri, Connor. Estás a ser recebido em casa.
Além disso, a Euphemia pode estar ali dentro, e não quero que
julgue que temos um casamento infeliz.
O riso dele surpreendeu-a.
– Que interessa o que ela possa pensar?
Ele era mesmo burro.
– Preciso que ela goste de mim porque é tua madrasta. Pediste-
me que a honrasse.
– Pedi?
– Sim, ou então fui eu que prometi que o faria.
– Sim – concordou ele.
Connor abriu a porta e esperou que ela entrasse. Ela não se
mexeu.
– Tenho um favor a pedir-te. Hoje, quando nos sentarmos à
mesa…
– Sim? – ele tentava descobrir.
Ela corou por ter de dar esta indicação.
– Por favor, olha para mim repetidamente, e não faças ar de
reprovação. Tenta ficar atento ao que tenho para dizer, está bem? –
felizmente, não precisou de resposta, pois adiantou-se apressada
para a entrada. Os inúmeros soldados à espera do chefe fizeram-lhe
vénias quando a viram. Cumprimentou-os um a um pelos seus
nomes, gesto que deixou o marido satisfeito e contente, até
perceber que já se encontrava a olhar para ela, sorrindo e
aparentemente atento a tudo o que ela dizia.
– Brenna, espera por mim no salão enquanto trato de uns
assuntos.
Ela fez-lhe uma vénia, em beneficio dos seus seguidores, e
despachou-se a entrar. Apetecia-lhe ficar perto da lareira, de modo a
assistir à sua reação imediata quando visse os acrescentos.
Encontrava-se a meio caminho dos quartos antes de perceber que
estava tudo errado. Encarou incrédula o espaço em volta, tão
espartano e agourento como quando o vira pela primeira vez. Até os
juncos tinham desaparecido do chão.
O que teria acontecido? Onde estava o pano adorável que lhe
dera tanto trabalho a terminar antes do regresso de Connor?
– Minha Senhora? – sussurrou Netta, encostada ao arco que
conduzia à porta dos fundos.
Brenna lançou um relance rápido à entrada, viu que Connor
continuava totalmente ocupado a ouvir os pedidos dos soldados e
acorreu então à criada.
– O que aconteceu, Netta? Onde estão os almofadões?
– A Lady Euphemia teve um ataque de nervos quando se sentou
num deles. Decidiu que eram demasiado desconfortáveis, e depois
de experimentá-los um por um, ordenou que fossem retirados
imediatamente. Indicou-me que os queimasse, minha Senhora para
não passar vergonhas diante do seu marido.
– O pano… onde está o pano que colocámos na mesa.
Netta abanou a cabeça.
– Foi um acidente – murmurou. – Pelo menos foi o que a Lady
Euphemia me disse. Insistiu em acompanhar o almoço com vinho.
Tinto, está a ver, minha Senhora, mas quando ia pegar na taça,
entornou o conteúdo por todo o lado. Insistiu que a taça é que
derrubara o jarro. Oh, minha Senhora, ficou arruinado. Sei que
passava metade das noites acordada para terminar os bordados na
ausência do nosso chefe, e era perfeitamente adorável, minha
Senhora. Até o Quinlan fez esse comentário.
Tentando esconder a desilusão, ela deu uma palmadinha a Netta,
procurando consolá-la.
– Acontece… – disse ela. – Mas não tinha percebido que os
almofadões eram desconfortáveis. Experimentei-os a todos e pensei
que fossem… bons, mas se a Lady Euphemia…
– Ela disse que tinham partes duras.
– Estou a ver. Bem, então procurarei fazer melhor da próxima vez.
E os juncos? Esses não estavam bem? Imagino que davam ao
espaço um aroma agradável. Tal como as flores – acrescentou. –
Também desapareceram?
– A Lady Euphemia também considerou que os juncos fossem
bonitos mas tropeçou neles, ao ir para a mesa e quase caiu no
chão. Explicou-me que já não via tão bem como antigamente e
pediu-me para remover os juncos o mais depressa possível. Estava
certa que compreenderia.
– Obviamente.
– Mas admitiu que não gostava nada das flores.
– Explicou porquê?
– Disse que lhe faziam recordar os mortos porque são usadas nos
funerais.
Os ombros de Brenna descaíram. O que devia Euphemia pensar
de si agora?
– Foi insensível da minha parte colocar flores na cornija. Não
pensei bem, Netta. Nunca julguei que reagisse dessa forma. Tenho
de corrigir o meu erro – acrescentou com um aceno.
– Minha Senhora, não havia forma de saber. A cadeira que o
Lothar lhe ofereceu foi-lhe devolvida. Quem me dera que ele não
tivesse passado meio dia a esfregar a madeira até brilhar.
– Foi devolvida com que motivo?
– A Lady Euphemia confessou que tinha medo de se sentar nela
por ser instável. Tentei garantir-lhe que era totalmente segura, mas
não a demovi. Ficou aterrorizada com a ideia de cair. Julgo que se
deve à idade e saber que, se partir um osso, já não tem cura. Até
pensei se ela se preocupava com tais coisas quando era nova.
Afinal, os ossos nunca saram bem sejam velhos ou novos –
acrescentou com um aceno, indicativo de que falava com
conhecimento de causa.
– A idade deve tê-la tornado mais cautelosa, e devemos respeitar
isso.
– Uma última coisinha. Odeio mencionar o assunto, depois da
desilusão que sofreu.
Brenna tinha medo de descobrir o que mais Euphemia considera
insatisfatório, mas obrigou-se a perguntar:
– Sim?
– Ela perguntou-me se havia algo que quisesses acrescentar aos
aposentos. Mencionei que trabalhava num estandarte para pendurar
na parede. E disse que era muito bonito – ocorreu-lhe acrescentar. –
A Lady Euphemia obviamente quis vê-lo. Pareceu ficar agradada
quando lhe disse que a Senhora era muito jeitosa com agulha e
linha, e como se dedicara à sua tarefa ao longo de tantas horas.
– E mostraste-lhe?
Netta anuiu.
– Oh, minha Senhora, ela ficou tão desiludida com o seu trabalho.
Estalou a língua como uma galinha e abanou a cabeça.
Brenna sentia a cara a arder de embaraço.
– E o que te disse ela?
– Disse que os pontos estavam todos tortos, mas também garantiu
que entendia ser o melhor e que conseguiria mais tarde aprumá-
los.
– E onde se encontra agora a minha tapeçaria?
– A Lady Euphemia não quis que fosse humilhada em frente do
seu marido e dos seguidores dele – lágrimas de empatia
acumulavam-se na vista de Netta, o que tornou o embaraço de
Brenna ainda mais horrível.
Ela sentiu-se, não só um perfeito fracasso, como culpada por
nutrir tanta raiva. O comentário de «ser o melhor que sabia fazer»,
sempre que tentava agradar a Euphemia, era na prática um ataque
à sua mãe, por não ter educado devidamente a filha.
– Desapareceu, não foi? – murmurou, voz neutra com a derrota.
– Sim, minha Senhora. A Euphemia começou a desfazer os
pontos ao meio-dia, e quando foi hora de subir ao quarto para se
banhar antes do jantar, só restavam fios no chão.
Connor chamou-a pelo nome ao entrar no salão em grandes
passadas, olhando à volta com interesse.
Brenna soltou um suspiro cansado e virou-se para ir ao seu
encontro. Netta agarrou-lhe a mão.
– A meu ver, estava tudo adorável, minha Senhora – murmurou.
Brenna não precisava nada de comiseração. Sorriu para não ferir
os sentimentos de Netta e disse:
– Da próxima vez, farei muito melhor.
A criada fez uma vénia à Senhora e saiu para indicar aos criados
que preparassem a comida e a servissem.
– Já acabaste de falar com os soldados?
A pergunta da esposa fê-lo sorrir.
Todos os homens quiseram saber se podiam recuperar os
pertences. Connor não entendeu a que se referiam, até um deles
apontar para a pilha de objetos no baú, insinuando que um dos
punhais era muito similar ao usado pela mulher do Senhor. Não
ousaram acusá-la de os ter roubado deliberadamente, pois sabiam
que costumava esquecer-se quando estava com pressa ou
distraída. Aliás, cada um dos soldados defendera Brenna na sua
presença, razão pela qual não se ria.
Emmett explicara ao Senhor.
– Ela distrai-se e esquece-se – explicou. – Tal como o Senhor, ela
é muito atenciosa com as nossas esposas. Portanto, acabam por
gostar dela, e ficariam muito consternadas se a penalizasse por
causa deste problemazinho, quando se esquece de devolver as
coisas que lhe emprestamos. São quase tantas as coisas que deixa
ficar connosco, como as que leva – lembrou-se de acrescentar em
defesa de Brenna.
Connor prometeu que não criticaria a esposa e sugeriu que,
futuramente, sempre que faltasse algum objeto, eles ou as esposas
podiam entrar na torre e vasculharem na pilha do baú. Não
precisavam de pedir autorização novamente.
– Reparo, pelo teu sorriso, que a conversa correu bem –
comentou Brenna.
– Pois foi – garantiu ele – Resolvi o problema mas não a causa.
– Em breve também resolverás isso – respondeu ela.
O riso dele ecoou pelos aposentos.
– Duvido mas a verdade é que não quero.
– Não queres? Porquê?
– Porque até gosto da causa. Não me peças para explicar. Prefiro
ver a sua surpresa. Já te fiz esperar tempo suficiente.
– Não posso.
– Não podes esperar?
– Mostrar-te a surpresa.
– Porque não? Mudaste de ideias?
– Sim, foi isso – disse ela. – Mudei de ideias.
– Porquê?
– Porquê? – a mente tentou encontrar uma desculpa veloz para
impedi-lo de descobrir que havia falhas em todas as suas iniciativas,
caso contrário julgá-la-ia incompetente, algo que não se
considerava. Só não teve tempo suficiente.
Felizmente, lembrou-se que encomendara um medalhão para ele.
Tencionara deixá-lo para o fim, para lhe conferir importância.
– Encontra-se lá em cima no quarto. Gostarias de vê-lo agora?
Podia ir…
– O que preferes?
– Esperar – decidiu ela.
– Então esperarei.
– Obrigada – respondeu antes de lhe perguntar se já tinha visto a
madrasta.
– Não.
– Ela deve descer a qualquer instante. Já viste o Raen?
– Não, mas deve voltar daqui a um par de horas, de acordo com o
Quinlan, e depois fica só mais uma noite antes de se ir de vez –
disse Connor.
– Ele vai-se embora?
Ela não queria mostrar-se tão feliz pela partida de Raen, mas foi
impossível de evitar.
Connor arqueou o sobrolho perante aquela reação.
– Regressa amanhã para as suas terras.
– E onde ficam? – perguntou ela, assim por acaso, desejando que
o homem vivesse na outra ponta de Inglaterra.
– Muito longe daqui. Duvido que o voltemos a ver antes de se
passarem cinco ou dez anos. Brenna, passa-se alguma coisa?
– Não, não, claro que não.
– Então porque me agarraste de repente?
Ela pareceu espantada, e ele abanou a cabeça, perplexo. Os
braços dela envolviam-lhe a cintura, mas rapidamente o libertou. A
mera menção da madrasta fê-la instintivamente aproximar-se do
marido. Claro que não explicou, e só lhe disse que sentira
saudades.
– Já tinhas dito.
– Sim, mas quis reforçar. Dás-me licença enquanto corro para as
cozinhas e falo com a cozinheira?
Ele disse que sim e ela despediu-se com um beijo.
– O que aconteceu aqui, Connor? – entrando no salão, Quinlan
fez a pergunta em voz alta.
Crispin seguiu-o.
– O que aconteceu aqui? – perguntou.
– Os aposentos voltaram a estar como antes. O que aconteceu às
alterações que a Senhora fez?
Connor não percebeu a que se referia ele. Ficou com as mãos
unidas atrás das costas enquanto ouvia a explicação.
– A Senhora disse porque motivo voltara atrás com as
alterações?
Connor abanou a cabeça.
– Disse que a surpresa estava no piso de cima.
– Mas porque havia de levar os almofadões e o bordado e a
cadeira para o piso de cima? – perguntou Quinlan.
– Pode ter mudado de ideias – sugeriu Connor.
– Bem te disse que ela andava estranha. Terá também levado os
juncos para o piso de cima?
– Pelos vistos – respondeu Crispin.
– Mas isso é bastante peculiar… – começou Quinlan.
– Agradecia imenso que não voltasses a dizer isso – retorquiu
Connor. – Não há nada de errado com a minha esposa. Mudou de
ideias, e se não mudou, haverá outro motivo. Logo saberei quando
estiver disposta a contar-me.
A discussão terminou ali. Quinlan quis saber detalhes sobre a
captura de Dawson e enquanto Crispin explicava, Connor pensava
na esposa. Decidiu que havia de começar a prestar-lhe mais
atenção e aos acontecimentos da casa.
Euphemia juntou-se-lhes minutos depois. Connor fez uma vénia à
madrasta e aguardou à cabeça da mesa até ela se sentar antes de
puxar a sua própria cadeira. Ficou ao lado dela durante uma hora, a
ouvi-la falar do seu pai e do passado, enquanto Crispin e Quinlan
continuavam a conversar ao lado da lareira.
Raen apareceu quando os acepipes eram depositados na mesa.
Brenna e Netta entraram pela porta dos fundos ao mesmo tempo.
– Connor – exclamou Raen. – Até que enfim que te vejo. Há
quanto tempo.
– Foi mesmo muito tempo – concordou Connor.
Raen abraçou-o.
– Estás com bom aspeto. A vida de casado fez-te bem.
Depois de beijar a mãe, Raen sentou-se diante dela, do outro lado
da mesa.
Connor encontrava-se assim flanqueado de ambos dos lados
pelos seus parentes, e embora pensasse pedir ao meio-irmão para
trocar de cadeira, de modo a colocar a esposa perto de si, não
mencionou o assunto quando Brenna acorreu para o extremo
oposto da mesa, puxou um banco e sentou-se.
– Há muito tempo que aguardo pelo nosso encontro e agora é
como se a minha vida voltasse a ficar completa – anunciou
Euphemia. Sentia-se tão emocionada por ver os dois filhos juntos
que os olhos se encheram de lágrimas.
Brenna também se deixou comover. Não de alegria mas de
tristeza. Apeteceu-lhe chorar ao ver o afeto demonstrado pelos dois
irmãos. Aparentemente Connor estava feliz pela presença da
família, e agora como poderia ela contar-lhe o que o meio-irmão lhe
fizera? Só de pensar na mágoa que causaria incomodava-lhe o
estômago.
Connor pouco falou durante a refeição. Ficou satisfeito com os
seus comandantes pois escolheram flanqueá-la e incluí-la em todos
os aspetos da conversa.
Brenna apanhou o marido a observá-la e lançou-lhe um sorriso
fugaz, incitando-o com o olhar à reciprocidade.
Para Connor, o serão mostrou-se repleto de revelações. Notou
que Netta mostrava afeto por Brenna a cada oportunidade e ficava
radiante sempre que recebia um elogio da Senhora. Por outro lado,
mostrava-se pouco feliz quando servia Euphemia, sendo aparente
que não gostava da mulher.
Pensava ter percebido tudo e praticamente se riu por ser tão fácil.
Quinlan mencionara que Brenna parecia ter dificuldade a lidar com
Euphemia. As duas mulheres tinham-se envolvido numa espécie de
contenda, para determinarem quem é que mandava. O direito
obviamente que pertencia a Brenna, e embora se intrigasse porque
motivo ela não percebia isso, não pretendia interferir. Ela que
resolvesse o problema à sua maneira, e com o seu ritmo, pois sabia
que, por muitas explicações que desse, ela acabaria por julgar que o
marido não confiava nas suas capacidades.
Quinlan estivera correto sobre a falta de apetite dela. Mal Crispin
lhe entregou o punhal que ela tinha largado no pátio e que ele
limpara, Brenna agradeceu-lhe, remexeu na comida mas não comeu
nada.
Raen contava uma história divertida que fez todos rirem, à
exceção de Brenna. Antes de poder contar outra, Connor perguntou
à esposa se se sentia bem.
– Sim, obrigada, mas estou bastante cansada. Foi um dia
comprido.
Connor sugeriu que se recolhesse aos aposentos.
– Daqui a minutos já me junto a ti – prometeu.
Raen também se levantou.
– Terei todo o gosto em acompanhar a tua esposa pelas escadas
– ofereceu. – Soube que ela caiu das escadas do Kincaid –
acrescentou, caso Connor questionasse o motivo daquela oferta.
Brenna não berrou a sua recusa, mas esteve quase.
– Obrigada pela oferta mas eu queria dar uma palavrinha ao
Crispin – explicou, preferindo-o a Quinlan pois fora rápido a
levantar-se. – Se aguardar por amanhã, ainda me esqueço. Boa
noite – acrescentou, enquanto se agarrava ao braço do soldado
para o fazer mexer-se.
Crispin ficou honrado com aquele dever. Ele esperava que ela lhe
explicasse o assunto que pretendia falar consigo, e quando
alcançaram a porta da antecâmara do Senhor, lembrou-se
finalmente.
– Mencionou que queria dar-me uma palavrinha, minha Senhora?
– Pois, eu disse isso – comentou ela enquanto procurava
descobrir algo de importante para lhe dizer. Mas a mente
infelizmente continuou completamente branca, obrigando-lhe a
contar a verdade ou deixá-lo pensar que era uma parvinha.
– Foi invenção.
– Não pretendia dar-me uma palavrinha? – perguntou ele,
tentando entender.
– A bem dizer, o que não queria era que o Raen me
acompanhasse. Por isso te menti.
– Poderá explicar porque razão não quer que o meio-irmão de
Connor a ajude?
– Não preciso da ajuda de ninguém, mas como ele se ofereceu,
tive de pensar numa desculpa para o impedir. Compreendes agora?
Crispin abanou a cabeça, abrindo-lhe a porta.
– Ainda não me explicou o motivo.
O soldado era tão tenaz quanto Quinlan.
– Prometes-me que não repetirás ao Connor o que te quero
contar? Pretendo explicar-lhe a ele primeiramente. Posso demorar
um ou dois dias a ganhar coragem suficiente – disse ela. – Embora
espere contar-lhe esta noite.
– Contar-lhe o quê, minha Senhora?
– Que não gosto do irmão dele – ela suavizou a verdade. Raen
era tão mau como MacNare, astuto como um demónio e vil como
uma cobra que aguarda para saltar das sombras e atacar. – Sei que
o Connor tem o Raen em grande estima. E deves ter notado como
ele ficou feliz por ver o irmão.
– Sei que o Connor é muito bom a esconder os verdadeiros
sentimentos. Claro que honrarei os seus desejos e não direi nada.
– Obrigada, Crispin.
– Pode responder-me a uma pergunta?
Ela já entrara no quarto mas apanhou a porta antes de se fechar
por completo.
– Certamente – concordou.
– O Quinlan não percebeu porque motivo retirou todos os
acrescentos que tinha colocado no salão. Ficou bastante confuso.
– Afinal, não eram satisfatórios. Por isso foram retirados – ela não
lhe deu tempo para colocar mais perguntas, desejou-lhe novamente
boa noite, e rapidamente fechou a porta.
Havia muito para fazer antes de o marido se juntar a ela. Mal
aferrolhou a porta, despojou-se das roupas diante da lareira que
Netta entretanto acendera, lavou o corpo inteiro com sabão com
aroma de rosas e enfiou o roupão e chinelos. Enquanto aguardava
por Connor, tentou encontrar uma forma simples de lhe falar de
Raen sem o magoar.
Agora que a vil criatura se preparava para partir valeria a pena
que Connor soubesse? Brenna tentou convencer-se que não faria
mal se permanecesse calada, mas percebeu que precisava de
contar, por muita dor que lhe causasse. Ao ousar tocar-lhe, Raen
traíra o irmão, e seria incorreto da sua parte não informar Connor.
Infelizmente não conseguiu encontrar una forma de suavizar a
verdade, embora esperasse que o medalhão fosse prova para ele
de que teria sempre a lealdade dela.
A espera era uma tortura. Encostar-se à parede ajudou-a a
manter-se acordada, embora apenas em parte. Contudo, não ousou
entrar na cama, pois voltaria a adormecer. Sem duvida que se sentia
assim cansada de alivio pela presença do marido em casa. Por
andar preocupada com Raen, não descansara nada na sua
ausência. Tudo aquilo mudaria agora, obviamente.
Ouviu a voz ressonante de Connor e depois as passadas pesadas
a subirem as escadas. Destrancou a porta e afastou-se para a
janela, aguardando-o. Iria recebê-lo com um beijo, ajudá-lo a
preparar-se para a cama e depois dar-lhe a prenda.
Depois contar-lhe-ia a situação com Raen.
Mas acabou por acontecer de forma diferente. Mal o marido entrou
no quarto, correu para ele, agarrou-lhe as faces e beijou-o com todo
o amor e paixão dentro de si.
Subjugado pela mostra desenfreada de afeto, ele envolveu-a com
os braços e apertou-a contra si. Espantava-o saber que casara com
uma mulher tão gentil e adorável, e quando ela também o envolveu
pelo pescoço, murmurando timidamente que queria fazer amor ele
percebeu que o desejo nele mais do que equivalia ao dela.
Enquanto se encontravam longe, uma eternidade, no entender dele,
sentira a falta de tudo na rapariga, uma necessidade que se
intensificara até se tornar uma ânsia dolorosa durante as negras
horas da noite.
– Se eu prometer que não te abandono durante muito tempo,
deixas-me fechar a porta?
Ainda relutante em largá-lo sequer por um instante, beijou-lhe o
lado do pescoço e finalmente afastou-se.
– Tranca-a para os intrusos não entrarem – disse.
Subitamente sentindo-se hesitante e nervosa, ela recuou, parando
no meio do quarto à espera dele. Fitou com aprovação e admiração
o marido. Os ombros e o peito dele eram amplamente musculados,
e contudo, recordou como era terno o seu toque sempre que ele a
procurava.
Sentindo o próprio pulso acelerar de antecipação para o que havia
de vir, respirou de forma trémula e voltou a encará-lo. E descobriu
que ele sorria para ela.
– Já te esqueceste do meu aspeto? – perguntou ele, sobrolho
arqueado ligeiramente. Para deleite de Connor, o rosto dela banhou-
se de cor.
– Assim parece – respondeu ela.
– O teu cabelo está a pingar, o que significa que foste para o lago
sem mim, novamente. Vou buscar uma toalha.
Ela não era capaz de se obrigar a mexer. Connor encostou-se à
porta e aguardou até lhe passar o embaraço. Esperou ardentemente
que demorasse bastante, pois adorava observá-la assim. A rapariga
tinha as mãos unidas atrás das costas, oferecendo-lhe uma visão
sedutora do peito desnudo e da cintura estreita. O apreço dele
rapidamente se tornou desejo e ao final de alguns minutos,
começava a latejar com a necessidade de deslizar as palmas das
mãos cheias de cicatrizes ao longo da pele macia e imaculada de
Brenna.
Algo espantado pela sua própria perda de compostura, ela fitou
aqueles olhos cinzentos abrasadores, respirou novamente de forma
trémula e tento recordar o que devia fazer.
– Uma toalha – murmurou, sorrindo novamente por não ter
perdido por completo a razão. – É o que trarias.
O riso dela acompanhou-a da antecâmara até ao baú. Tendo
recuperado a fala, ela desfez-se em desculpas, explicações e
ordens, enquanto graciosamente se ajoelhava no chão e
cuidadosamente deslocava a vela acesa para abrir o baú.
Disposto a fazer de acordo com o que ela quisesse, ele dirigiu-se
para o seu lado da cama, como ela indicara, e sentou-se à espera
dela. Sabia perfeitamente o que ia acontecer mal ela se encontrasse
a jeito. Envolvê-la-ia com os braços, deitá-la-ia na cama e faria amor
apaixonadamente com ela.
Ela tinha outras ideias. De pé entre as pernas dele, tentou secar o
cabelo com a toalha, mas novamente não conseguiu concentrar-se
no que fazia, pois ele desatara o cinto do roupão dela e deslizava
agora lentamente as mãos pelo peito dela. Parou sobre os seios,
que agarrou com cada mão, polegares a acariciarem gentilmente os
mamilos, e depois inclinou-se contra ela, tentando enlouquecê-la
com beijos sôfregos.
Teve de lhe pedir que respirasse. Embora quisesse arrebatá-la
com prazer sensual antes de penetrar nela, a sua disciplina
desapareceu quando ela despiu o roupão e empurrou os ombros
dele para se deitar.
Nenhum deles aguentava mais, para se unirem como um só, e
enquanto ele se mexia entre as coxas dela, penetrando-a
lentamente, fitava os seus olhos para observar o prazer dominá-la,
embora também ele se perdesse na sexualidade que a reação
despertava em si..
Ela puxou-o para baixo e beijou-o, e quando a pressão dento de si
se intensificou, indicando-lhe que estava quase a desfazer-se do
esplendor, começou a entoar silenciosamente «amo-te» até se
tornar uma súplica desesperada dentro do coração, ouvir esta
promessa de amor.
Ele enterrou a cara no pescoço dela, ouviu aquele terno sussurro
jurar-lhe amor sem parar, e sentiu abalo e humildade pela aparição
deste requintado milagre. Só quando a sentiu apertar-se contra ele é
que apressou o ritmo para a satisfazer e reivindicar como sua.
Emoções que nunca admitira antes permaneceram inauditas.
No rescaldo da paixão, continuaram agarrados, esgotados e
satisfeitos. Agora calados, escutavam as pulsações fortes nos seus
peitos.
Como era seu hábito enternecedor, ela chorou por causa da
maravilha que era fazer amor com ele, e quando recuperou por fim o
controlo, enfiou os braços na cama novamente e sorriu-lhe.
– Parece que perdi muito na tua ausência.
Ele anuiu com satisfação arrogante.
– Assim parece – concordou. Debruçou-se, beijou-a e depois
virou-se para o seu lado. – Tens autorização para me dares esta
mesma surpresa amanhã.
Ficou contente por ela se rir.
– Então não seria surpresa, pois não? Além disso, não era isto.
Tenho outra coisa para ti.
Vários beijos depois, ela convenceu-o que a deixasse sair da
cama o tempo suficiente para ir buscar a prenda, e ao regressar,
envolveu a manta escocesa à sua volta e sentou-se, de frente para
ele à beira da cama.
Ele também decidira que, fosse qual fosse a prenda, ficaria feliz
por recebê-la, mesmo que fingisse. Tinha de considerar os
sentimentos da rapariga, e para Connor nada mais importava.
Brenna tinha-se dado obviamente a bastante trabalho para o
contentar, pelo que decidiu dar à prenda a importância merecida.
Sentou-se, encostou os ombros contra a parede atrás de si e dobrou
uma perna para nela descansar o braço.
– Aproxima-te – pediu ele.
Ela assim fez e dobrou as pernas debaixo de si antes de se
envolver novamente com a manta escocesa.
– Mais perto – disse ele numa voz roufenha.
Ela negou-lhe este pedido, abanando a cabeça.
– Eu conheço esse olhar, Connor. Se me aproximo, ainda me
agarras.
Admitindo que ela estava certa, ele anuiu em concordância.
– Nunca me tinham dado uma prenda, e duas em uma é mais do
que mereço.
– Duas? Que outra prenda recebeste tu?
– Não te lembras do que me disseste quando eu estava dentro de
ti?
Ela franziu a testa, concentrando-se ao procurar pensar.
– Despacha-te? – disse para espicaçá-lo.
– Além disso – comentou ele com um sorriso.
– Não me lembro. Disse mais alguma coisa?
Sim, disseste, pensou ele, disseste que me amavas.
Talvez fosse apenas do entusiasmo da situação, algo dito no ápice
do sexo, sem pensar nas palavras, tal como costumava rezar em
voz alta sem se aperceber naquele primeiro dia em que a viu. Mas
tinha dito aquela frase, e portanto pensara-a, e nada mais importava
a Connor.
– Porque sorris? Ainda não te dei a prenda.
– A forma como me quiseste esta noite foi a única prenda que eu
queria.
– Mas há mais.
– Haverá, se te aproximares de mim.
Ela abanou novamente a cabeça.
– Vais ter de esperar. Amanhã conto-te duas histórias.
– Apenas uma – disse ele.
– Duas – insistiu ela.
O suspiro dele foi deliberadamente exagerado.
– Está bem, mulher.
– A minha primeira história refere-se a uma coisa que me
aconteceu quando era pequenina. Era demasiado nova para me
recordar dos pormenores, além de me sentir muito assustada. O
meu pai sentou-me ao colo e contou-me o que acontecera, e não te
atrevas a fazer esse ar carrancudo; vais ouvir histórias da minha
família, quer querias quer não.
– Não fiz um ar carrancudo.
– Mas tencionavas fazer.
Ele riu-se.
– Não tencionava. Não faz mal que fales dos teus familiares
agora. Dantes é que fazia mal.
– Porquê?
Porque o teu coração e a tua lealdade agora pertencem-me,
pensou ele.
– Depois explico – disse ele. – Continua a contar a história.
– O meu pai disse-me que eu era o motivo de uma nova tradição
familiar. Estávamos a caminho das terras de um tio quando parámos
para merendar. Todos queriam esticar as pernas e quando foi hora
de partir, o meu pai esqueceu-se de fazer a contagem.
– Contagem?
– Éramos oito crianças, Connor. Ele contava-nos sempre para
garantir que estávamos todos.
– Mas desta vez não contou.
– Pois não. Pensou que eu estava com o meu irmão mais velho, o
Gillian, e o Gillian pensou que eu estava com o mano Arthur –
explicou. – Mas não estava. Como era meu costume na época, fui
dar uma volta, perdi-me e a família não descobriu que me tinha
deixado para trás até estarem todos a caminho.
Connor franzia a testa agora. Imaginou a esposa com a idade de
Grace e nem sequer podia imaginar o terror que ela deve ter
sentido.
– O Gillian descobriu-me antes dos outros, embora me tivessem
contado que o meu pranto era suficientemente alto para o rei de
Inglaterra o poder ouvir se esticasse a cabeça pela janela, e nesta
mesma noite, o meu pai inaugurou esta nova tradição.
– O medalhão.
Ela anuiu.
– Os outros irmãos mais velhos acolheram a ideia e prometeram
não perder de vista os medalhões. A mãe ficou preocupada com a
possibilidade de a bebé e eu podermos engasgar-nos com os fios
de couro ao pescoço, e portanto só podia usá-lo quando saísse das
suas terras.
Ela manteve o olhar fixo no dele durante um minuto demorado, e
depois pegou-lhe na mão e virou-lhe a palma para cima. Tocou com
os dedos nas cicatrizes que lhe marcavam a pele, mas encontrou
apenas tristeza naquele olhar, não repulsa nem pena.
– Deves ter ficado apavorada – disse ele, tentando fazê-la olhar
para si ao invés das marcas do seu passado. Ela apertou-lhe ainda
mais o pulso quando Connor tentou tirar a mão. O homem
concedeu-lhe aquele desejo e esperou que ela continuasse.
– Acabei por recuperar – murmurou ela. – Mas tu não, pois não,
Connor? – a tristeza entrara agora na sua voz.
– Porque ainda não terminou – explicou ele. – Queres que te
conte como arranjei estas cicatrizes?
– Não.
Ele sentiu uma mistura curiosa de alivio e desilusão.
Brenna ficou condoída pela dor que ele tinha sofrido e procurou
pensar no que lhe podia dizer que não parecesse um consolo, mas
um mero reconhecimento das terríveis injustiças do passado, para
que ele percebesse que ela compreendia.
– Estas cicatrizes marcam o teu passado – murmurou ela,
levantando-lhe a mão lentamente.
Ele tentou novamente puxar a mão e novamente ela resistiu.
– Sim – disse ele, agora zangado.
Brenna debruçou-se e beijou cada uma daquelas cicatrizes.
Connor sentiu as carícias intimamente, no coração e na alma.
Atordoado pela reação a ela, fechou os olhos. O toque da rapariga
destroçava-o, mas enchia-o de calor ao mesmo tempo. E sentiu-se
rejuvenescido. Não entendeu como, nem porque, mas o desgosto
inclemente desaparecera, e só restava o amor.
Ela não parou até ter beijado as palmas das duas mãos, e depois
levou a mão ao medalhão que nelas pousou.
Ele abriu novamente os olhos e fitou as gravuras na madeira.
– Há muito, muito tempo existiu um rapaz chamado David –
começou Brenna em voz baixa. – Vivia com a família numa terra
ameaçada por um gigante terrível chamado Golias. Um belo dia o
David teve de lutar contra este inimigo. Era demasiado novo para
usar espada. Poderia trazer a espada do pai, tal como tu, mas ao
contrário de ti, não foi obrigado a pisar cinzas ardentes. Mas vocês
os dois eram muito corajosos e ele também podia ter conduzido os
outros para um lugar seguro, tal como tu, pois era igualmente nobre,
como tu, Connor.
Abalada pelas palavras dela, Connor não foi capaz de responder.
Ela sabia de tudo e mesmo assim via-o como corajoso e nobre.
Claro que não compreendia. Ele ainda não tinha direito a receber
aqueles elogios, pois não alcançara a justiça depois de tantos anos
a tentar.
Abanou a cabeça para ela. Ela anuiu. E depois começou a
percorrer a figura de David com a ponta dos dedos.
– O rapaz só tinha uma fisga como arma, e quando foi a sua vez
de enfrentar o Golias, procurou uma pedra – disse ela, parando para
traçar o pequeno circulo na planta dos pés de David. – Acreditas
que a tua força vem da espada do teu pai, Connor?
Ele não lhe respondeu. Ela fitou-lhe o olhar, esperou no limite
alguns segundos e disse:
– Mas não vem. A tua força vem de dentro de ti. É a tua
determinação, a tua paciência, a tua capacidade, mas acima de
tudo, é a tua sede de justiça. David matou o gigante para salvar a
sua gente. Tu já salvaste quem te segue.
– Mas ainda tenho de matar o inimigo.
– Olha em volta. Vê o que alcançaste. O David representará
sempre o que foste e aquilo em que te tornaste. Merece-lo.
Ela ergueu o medalhão para ele poder observá-lo melhor.
– Eis o teu passado e o teu presente – e ele virou-o ao contrário. –
E este é o teu futuro.
Reconheceu o símbolo, pois era o mesmo do medalhão da sua
mulher.
– O Sol.
Ela oferecia-lhe o seu amor, rezando para que recebesse o dele
em troca.
Ele não disse nada, nem lhe deu indicação de que daria, ou
poderia dar, o que ela queria. Retraiu-se nesse momento,
assumindo um ar absorto e distante, e contudo ela notou a
humidade na vista e sabia que as palavras que ela desejava ouvir
habitavam dentro dele, trancadas com os sentimentos.
– Só tens de abrir o coração e acolher isto.
Ela pousou o medalhão de novo na mão dele, aproximou-se e
beijou-o.
Tentou recuar mas ele não a deixou. Envolveu-a com os braços e
beijou-a vezes sem conta, tomou-lhe desesperadamente a boca.
Não compreendia nem sabia se a beijava para demonstrar o seu
carinho, ou se deliberadamente colava a boca à dela para que ela
não lhe pedisse aquilo que ele era incapaz de dar.
Fizeram amor de forma selvagem, descontrolada, louca, e só
depois de a ter satisfeito duas outras vezes e ela tombar na cama
sem forças, adormecendo em cima dele, que ele admitiu a sua
maior fraqueza.
Ela aterrorizava-o.
Capítulo 16
A guerra começara.
Connor encontrava-se no alto da encosta sobre a propriedade de
Hugh, atento aos montes ao longe, pensamentos concentrados no
passado, pois voltava a procurar a resposta que o evadira durante
tantos anos.
Quinlan juntou-se-lhe minutos depois.
– O MacNare está a brincar connosco, Connor. O que quer ele,
realmente?
– Quer-nos ocupados a defender a fronteira entre a terra dele e a
do Hugh, até chegarem os seus aliados.
– Deve saber que fizeste o mesmo.
– E sabe. Está deliberadamente a sacrificar o pequeno número de
soldados que envia em cada ataque, sabendo perfeitamente que
morrerão, mas esta terra não é o seu objetivo imediato. É fácil
apoderar-se dela depois de me atacar.
– Crês que o soldado dizia a verdade a respeito da irmã da tua
mulher, ou seria mais um engodo para dividir as nossas forças?
– Os moribundos costumam dizer a verdade. Mas não tem
importância, a bem dizer. Tenho de garantir que a Faith não cai nas
garras do MacNare.
Quinlan concordou silenciosamente.
– Aguardaste muito por este dia. Sinto que poderás reclamar a
espada do teu pai de Kincaid e terminar o assunto de uma vez por
todas.
Connor virou-se para ele.
– Mas porquê agora? O que sabe o MacNare que eu não sei?
Podíamos acabar com eles e com os seus aliados. Não é parvo,
conhece a dimensão das nossas forças. Porque havia um cobarde
que ao longo de anos só me provocou com ataques insignificantes
de repente tornar-se tão agressivo?
– Não sei responder, mas sei que não podes estar em toda a
parte. Oxalá que amanhã se coloque um ponto final no assunto.
Atacar as terras dele antes que nos ataque ele.
– Paciência, Quinlan. Não porei em perigo nenhum MacAlister.
Entretanto, vamos precaver-nos. Queira Deus que rapidamente
descubramos quem são os outros, antes de ser obrigado a matar o
MacNare.
– Acreditas que alguém o controla?
– Sim – respondeu. – Quem for, é muito esperto.
– E a Faith? Não podes entrar agora na Inglaterra.
– Eu não, mas tu podes. Parte amanhã cedinho e leva dez
homens contigo. Talvez seja uma armadilha – avisou.
– Com certeza – concordou Quinlan. – E o que devo fazer com a
mulher, quando a alcançar?
– O que quiseres, desde que ela fique a salvo – respondeu.
O sorriso de Connor confundiu o amigo.
– Em que pensas? – perguntou.
– Devias pensar em casar-te, não achas?
***