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Domando um Coração Selvagem

Patifes e Cavalheiros Livro 7


por Emma V. Leech
Domando um Coração Selvagem
Patifes e Cavalheiros Livro 7
****
por Emma V. Leech
Publicado por: Emma V. Leech.
Arte da capa por: Victoria Cooper
Título original: To Tame a Savage Heart
Tradução: Inês Vanmuysen
Preparação de Texto/Revisão: Vânia Nunes
Direitos autorais (c) Emma V. Leech 2017
ASIN noº.:

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua
Portuguesa.
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer
parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou
intangível — sem o consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Nenhuma identificação com pessoas reais (vivas ou falecidas),
locais, edifícios e produtos é inferida.
Índice
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Epílogo
Persuadindo Pacience
Capítulo 1
Quer mais Emma?
Sobre Mim!
Outras obras de Emma V. Leech
Audiobooks (títulos disponíveis apenas em inglês)
Desafiando um Duque
Ousando Seduzir (em breve)
Morrendo por um Duque
A Chave para Erebus
O Príncipe das Trevas
Agradecimentos
Prólogo
“No qual Lucretia Holbrook, ainda jovem, força uma amizade e
desafia o destino.”

17 de abril de 1809
Com doze anos de idade, havia poucas coisas no mundo que
Lucretia “Crecy” Holbrook tivesse mais dificuldades de suportar do
que uma festa de adultos.
Ela escapou assim que pôde, deixando sua irmã mais velha,
Belle, para ser a bem-comportada, e se infiltrou na sala onde um
bufê extravagante havia sido servido. Lá, ela escolheu o melhor de
tudo que pôde encontrar com dois dedos ligeiramente sujos e
terminou com uma variedade de bolos de creme. Dois deles foram
devorados na hora, outro foi cuidadosamente envolvido em um
lenço e escondido no bolso cada vez mais pegajoso sob suas saias
volumosas para mais tarde.
Crecy também bisbilhotou várias conversas. A maioria delas
parecia tratar das últimas fofocas sobre um tal de Visconde
DeMorte. As vozes que falavam sobre ele soavam alternadamente
irritadas, enojadas, intrigadas ou completamente escandalizadas.
Uma coisa, no entanto, parecia se repetir em todas essas vozes
sussurrantes.
— Ele é louco, é claro.
Crecy observou com interesse uma mulher excessivamente
maquiada em um vestido assustadoramente laranja. Estava quente
lá dentro, já que o sol da primavera brilhava sobre as convidadas, e
a maquiagem dela estava começando a escorrer. Crecy estreitou os
olhos, fazendo sua visão embaçar, e viu o rosto da mulher ficar
distorcido, com as cores se misturando e parecendo bastante
monstruosas.
— Sem dúvida — assentiu sua companheira, com os olhos
brilhando com um estranho prazer que Crecy não conseguia
entender completamente. Se falavam de um louco, por que
pareciam cães salivando por um osso? E como sabiam que ele era
louco?
Ela poderia ser jovem, mas Crecy já havia formado a opinião de
que a alta sociedade era uma espécie de loucura, todos
concordando e falando de nada com nada enquanto o que
realmente pensavam ficava escondido por detrás de uma expressão
vidrada de placidez. Ela suspeitava que o que a sociedade via como
loucura era apenas uma espécie de honestidade franca que os
outros não apreciavam nem entendiam, ou de que talvez até
tivessem medo. Na pior das hipóteses, ela achava provável que eles
simplesmente não entendessem nada e não tivessem nenhum
desejo de entender.
Ser educada era uma habilidade que ela ainda não havia
aprendido a cultivar, para grande angústia de Belle. Mas Crecy
achava o mundo desconcertante e não conseguia entender por que
as pessoas não enxergavam as coisas como ela.
Por que, por exemplo, aquela mulher havia gritado e desmaiado
quando Crecy mostrou para ela o rabo daquele lagarto morto?
Crecy tinha achado aquilo uma coisa fascinante. O gato estava
atormentando o lagarto e quase o tinha comido, mas o lagarto havia
escapado, distraindo o gato com seu rabo ainda se mexendo, que
ele deixou para trás. O rabo havia se mexido por muito tempo
depois, mesmo sem ninguém para movê-lo. Mas quando Crecy
explicou, todos a olharam como se ela estivesse louca.
Foi nesse momento que ela achou prudente desaparecer.
Agora, porém, ela queria ver o louco e ver o que achava dele. Ela
suspeitava que ia gostar muito dele.
Levou um bom tempo para encontrá-lo, mas ela sentiu que seus
instintos estavam corretos, pois ele também havia escapado da
multidão e ido se sentar, sozinho, contemplando um lago bastante
bonito. Havia flores da primavera por toda parte, narcisos
balançando suas cabeças alegres e um céu tão azul; isso a lembrou
do manto de Maria no vitral da igreja que elas haviam visitado.
Ela observou suas costas por um tempo, admirando seu cabelo
longo e amarrado frouxamente com uma fita preta de veludo, que
ameaçava cair, já que estava quase se soltando. Seu cabelo estava
bagunçado, na verdade, como se ele tivesse passado as mãos por
ele, e era tão preto que possuía um brilho azul, como a pena de um
corvo.
— Você tem um cabelo adorável — disse ela para a parte de
trás da cabeça dele, enquanto descia cuidadosamente ao longo da
margem onde ele estava sentado.
A cabeça escura virou-se para olhar para ela, e um par de olhos
intensos e brilhantes a assustou momentaneamente. De repente, o
céu não parecia mais tão azul, em comparação.
— Parece a pena de um corvo — acrescentou ela, agitando uma
mão em direção ao cabelo dele para explicar.
Sobrancelhas escuras e pesadas que combinavam com seu
cabelo se juntaram, e ele olhou para longe novamente. No entanto,
Crecy não foi desencorajada por isso. Ela gostava de ficar em
silêncio às vezes, então, a falta de resposta dele não a incomodou.
Ela se sentou ao lado dele e tirou o bolo de creme. Estava um
pouco derretido, e seu lenço estava meio sujo, mas, mesmo assim,
tratava-se de um bolo de creme. Ela começou a comê-lo, tentando
com dificuldade dar pequenas e delicadas mordidas, lembrando-se
de quando recentemente sua irmã a repreendeu sobre suas
maneiras à mesa.
Ela lhe lançou um olhar de soslaio. Ele era jovem, embora bem
mais velho do que ela, e tinha uma expressão bastante
ameaçadora. Seus ombros estavam curvados e sua carranca era
sombria e zangada.
— Estão todos falando sobre você lá dentro — disse ela,
imaginando se isso era o que o deixava zangado; ela não o culpava
se assim o fosse. Crecy também odiava quando as pessoas falavam
sobre ela. Lambendo cada um de seus dedos, agora que o bolo de
creme havia acabado, Crecy se levantou e se aproximou um pouco
mais da beira do lago para enxaguar as mãos e lavar o lenço.
— Você vai acabar caindo — observou ele, soando como se não
se importasse muito se isso acontecesse.
— Provavelmente — concordou ela, sorrindo para ele. Ela
agachou-se, sem se importar com suas saias na sujeira. Inclinando-
se um pouco mais para a frente, ela enxaguou seu lenço e o torceu
novamente. Levantando-se, ela foi virar, mas escorregou na lama e
começou a perder o equilíbrio, com os braços rodopiando. Com um
grito surpreso, ela teve um pensamento passageiro de que Belle a
mataria por isso, quando uma mão forte agarrou seu braço e a
puxou para frente, fazendo-a cair de joelhos.
— Obrigada — falou ela, ofegante, olhando para cima, através
dos cachos loiros que haviam caído em seu rosto, para o rapaz que
a havia salvado. Ele lhe lançou um olhar sombrio, carregado de
irritação, e nada disse.
Crecy voltou correndo para o lugar ao lado dele, estendendo
com cuidado o seu lenço no gramado para secar.
— Você não tem algum lugar para ir? — quis saber ele, e ela
sorriu ao ouvir o som de sua voz. Era uma boa voz, vigorosa e
profunda e rica. Embora soasse bastante aborrecida.
— Não — disse ela, inclinando-se para trás sobre as mãos e
inclinando a cabeça para o sol. — Você tem?
Houve um resmungo antes que ele respondesse. — Não. — A
palavra foi curta e abrupta.
— Por que eles acham que você é louco? — perguntou ela,
olhando ao redor para ele. — Você me parece bem.
Ele refletiu sobre isso, e se ela fosse uma garota diferente,
talvez tivesse recuado com a expressão em seus olhos.
— Isso — disse ele, soando como se a quisesse no inferno — é
porque você é uma tolinha de cabeça vazia. Agora, corra de volta
para sua mãe e me deixe em paz.
— Minha mãe já morreu — disse ela, como sempre direta.
— Suponho que você ache que eu deveria me arrepender das
minhas palavras e sentir pena de você agora — disse ele,
zombando dela. — Devo dizer que também sinto muito?
Crecy franziu o cenho para ele. — Não, por que você deveria?
— respondeu ela, sentando-se e olhando para ele, sua expressão
igualmente intensa. — Você não me conhece, nunca conheceu
minha mãe; então, por que se importaria? Você não é do tipo que se
importa com alguém a menos que o conheça, não é?
Ele a encarou, sua expressão um pouco perplexa, mas isso não
era algo a que Crecy não estivesse acostumada. — Não me importo
com ninguém — disse ele, após uma pequena pausa.
Ela assentiu, puxando os joelhos até o peito e apoiando o
queixo neles. — Eu entendo isso. É difícil gostar das pessoas.
Prefiro os animais. Bem, exceto Belle, é claro, ela é minha irmã.
Ela foi recompensada com outro resmungo, este um pouco
desgostoso e, ela suspeitava, um tanto incrédulo. No entanto, ela
tinha falado a verdade. Seu pai era um tolo beberrão, sua única
outra parente era uma tia vulgar, e ela sempre achou impossível
fazer amizade com meninas da sua idade. Elas eram tão...
entediantes.
— Está tudo bem, sabe? Eu também não tenho amigos — disse
ela, perguntando-se se o fato o incomodava, já que ele parecia
terrivelmente solitário ali fora. — Poderíamos ser amigos, se quiser
— acrescentou, animando-se com a ideia. — Assim, nós dois
teríamos a certeza de que há pelo menos uma pessoa no mundo
que pensa bem de nós.
Ele refletiu sobre isso, com olhos azuis indignados. — Você é
uma criança irritante, e eu não sou e nunca serei seu amigo. Vá
embora, pelo amor de Deus!
Crecy aceitou isso sem qualquer sentimento de mágoa. Ela
havia domesticado uma raposa uma vez, quando ainda moravam no
campo. Ela estava ferida e não podia mais caçar, e a fome a tornou
desesperada o suficiente para se aproximar dela e aceitar a comida
que ela oferecia. Ela quase tinha sido mordida uma dúzia de vezes
ou mais antes que a criatura a deixasse acariciar sua cabeça.
— Bem, tudo bem, mas serei sua amiga, pelo menos. Você não
pode me impedir, sabe — acrescentou ela, com um sorriso
simpático, como se soubesse muito bem que suas palavras apenas
o irritariam ainda mais.
— Ah, meu Deus — murmurou ele, soando como se qualquer
pequena quantidade de paciência que ele pudesse ter tido estivesse
desaparecendo rapidamente.
Eles ficaram em silêncio por um tempo, e ela o observava de
vez em quando, maravilhada com a raiva que podia ver nos olhos
azul-escuros dele enquanto ele olhava fixamente, sem ver, para a
água.
— Quando é o seu aniversário? — perguntou ela, um pouco
depois.
Ele deu um pulo e ela percebeu que ele tinha esquecido que ela
estava ali, de tão perdido que estava em seus pensamentos. O
jovem a encarou, incrédulo, e por um momento, ela pensou que ele
não responderia, e, então, ele franziu a testa.
— Hoje.
— Ah! — exclamou ela, ajoelhando-se e olhando para ele. —
Você recebeu algum presente?
Ele abriu a boca, olhando para ela antes de dar um bufo de
descrença.
— Sou considerado uma criatura malvada e implacável, de
coração negro e louca. Então, não, eu não recebi.
— Estão certos em pensar assim de você? — perguntou ela,
inclinando um pouco a cabeça enquanto tentava ver qualquer sinal
de loucura nele. Ele estava zangado, com certeza, e ela suspeitava
que ele fosse geralmente mal-humorado, mas, para falar a verdade,
criaturas em sofrimento geralmente eram.
— Sim — rosnou ele de volta para ela, os olhos estreitos e
intensos.
Crecy assentiu. — Bem, ainda é o seu aniversário, você deveria
ganhar pelo menos um presente de sua amiga. — Completamente
imperturbável diante da raiva dele, ela remexeu no bolso e tirou uma
bela pena. Tinha listras azuis e pretas, e era a coisa mais
encantadora que Crecy já tinha visto.
— Aqui — disse ela, estendendo-a para ele. — Feliz aniversário.
Sua expressão estava inescrutável agora, e ela se perguntou se
ele perderia completamente a paciência, mas ele nada disse. —
Não é bonita? — Ela girou a pena entre os dedos para que as cores
capturassem a luz do sol. — Mas não é tão azul quanto seus olhos.
Aqueles olhos reviraram, parecendo revoltados. — É uma pena
de gaio — disse ele, as palavras um pouco relutantes, mas depois
acrescentou com prazer — Garrulus glandarius. São aves
desagradáveis e vis que roubam os filhotes dos ninhos de outras
aves.
Crecy deu de ombros, impassível. — Bem, eles têm que se
alimentar — disse ela, ganhando um olhar de surpresa. —
Certamente são barulhentos, sempre gritando e com uma aparência
feroz, é isso que significa Garrulus, não é? Mas eles me parecem
tímidos.
Ela olhou para cima quando uma voz ligeiramente desesperada
chamou seu nome, ecoando pelos jardins.
— Eu tenho que ir — disse ela, com pesar. —, mas pegue seu
presente primeiro.
Ele a encarou, mas não se moveu, e ela muxoxou. — Eu não
vou embora até que você pegue.
Com um bufo de irritação, ele arrancou a pena da mão dela e
ela sorriu para ele.
— Vou escrever para você — disse ela, alisando suas saias e
vendo a lama na barra com o coração apertado; Belle ficaria
zangada. Percebendo que era uma causa perdida, ela olhou para
cima novamente. — Já que você é meu amigo agora — acrescentou
com um tom que não admitia argumentos. —, no próximo ano vou
lhe enviar um presente também.
— Ah, pelo amor de Deus, por favor, não faça isso — retrucou
ele. — Vou tacar todas as cartas direto no fogo sem olhar para elas
— rosnou, suas palavras duras.
Crecy o encarou, ponderando. — Não, você não vai — disse
ela, e seus olhos se arregalaram para ela.
Belle falou novamente, nesse momento um pouco histérica.
— Adeus — disse ela, pegando seu lenço ainda encharcado e
se afastando, e depois parou quando viu que a fita de veludo preto
que tinha prendido o cabelo dele havia caído no chão. Com um
sorriso, ela a pegou, apertando-a com força em uma das mãos
enquanto fugia, e com a outra, segurava até os joelhos suas saias
sujas enquanto caminhava.
Capítulo 1
“No qual... há um convite para Longwold.”

6 de dezembro de 1817
Dia de São Nicolau
Visconde DeMorte
Damerel House
Gloucestershire

Meu querido amigo,


Serei sua vizinha!
Mas não precisa se desesperar; é apenas por alguns dias, eu
lhe asseguro. Por algum golpe de sorte (ou azar, dependendo do
seu ponto de vista), Belle conseguiu um convite para nós
participarmos da festa de Natal na casa do Marquês de
Winterbourne.
Sei que essa notícia o aborrecerá, já que seu primo claramente
não é um homem por quem você nutre qualquer afeição, se é que o
que leio nos jornais de escândalo for verdade. Será que você é
realmente tão perverso quanto eles insinuam? Gostaria que você
me contasse um dia. Você já deve saber que não acredito que seja
louco, embora eu suspeite fortemente que você não me retribuiria o
elogio, e, talvez, você esteja certo, afinal de contas.
Sinceramente, eu não sei.
Será que iremos nos encontrar finalmente este ano, já que sua
propriedade fica tão perto? Pretendo montar a cavalo e invadir sua
propriedade se tiver oportunidade, sabe. Rogo que não atire em
mim!
Pedirei, como faço a cada Natal, que você recompense minha
amizade leal respondendo a esta carta. Apenas uma respostazinha
significaria muito para mim. No entanto, após quase oito anos de
silêncio, sei que você não o fará; estranhamente, nem mesmo para
exigir que eu pare de escrever (sim, estou sorrindo um pouco com
um ar de superioridade aqui), então, não imagine que vou passar o
feriado com o coração partido, pois não vou. Não mesmo! Passarei
muito bem, desde que possa escapar das festas mortalmente
entediantes (sei que você sentiria o mesmo a respeito disso) e
preencher meu tempo caçando fantasmas. Um lugar como
Longwold deve estar cheio deles, certo?
Existem fantasmas em Damerel? Um dia eu mesma vou
descobrir.
Sua amiga, etc.
Senhorita Lucretia Holbrook
***
— Como é impressionante! — exclamou Crecy, sua excitação
aumentando à medida que o enorme e extenso castelo aparecia.
Um frágil raio de sol cintilava sobre a paisagem gelada, com uma
fina névoa envolvendo o solo e evocando todas as novelas góticas
que ela já havia lido. — Fico imaginando quantos fantasmas deve
haver aqui.
Sua irmã mais velha, Belle, lançou-lhe um olhar indulgente e
balançou a cabeça. Por mais que tentasse, Belle nunca conseguia
entender as coisas que despertavam o interesse de Crecy, mas, ao
menos, não a desprezava por isso como a maioria das pessoas
fazia. Crecy tentou lembrar-se de que deveria fazer o possível para
controlar a língua desta vez. Belle precisava de um marido, e esta
era a melhor oportunidade para elas. Se ela se casasse bem, elas
poderiam escapar da terrível tia e viver com conforto. Ela só rezava
para que Belle se apaixonasse de fato por um bom homem que
reconhecesse seu valor.
— Fico imaginando quanto vale um homem como o marquês —
murmurou a mesma tia terrível.
Crecy olhou para Belle e viu a expressão horrorizada de sua
irmã refletida nela. Oh, céus, se ao menos elas não precisassem de
uma acompanhante. Ela reprimiu um bufo de indignação. A ideia de
que tia Grimble as manteria no bom caminho e longe do pecado era
risível. O primeiro homem rico que se oferecesse para ser seu
protetor, ela sabia muito bem que a mulher estaria radiante de
alegria e as instigaria a aceitar.
Não que a ideia fosse tão preocupante para Crecy quanto talvez
devesse ser. Ela sabia muito bem que o Visconde DeMorte jamais
se casaria.
Era estranho como sua infantil oferta de amizade, que havia sido
sempre rejeitada, havia se transformado em algo muito mais sério,
pelo menos de sua parte. Ela tinha acompanhado as notícias sobre
ele o quanto pôde, devorando os jornais de escândalo em busca de
qualquer pedacinho de informação. Isso se tornou mais fácil depois
que se mudaram para a casa de tia Grimble após a morte de seu
pai. A mulher vivia e respirava escândalos, e por essa única razão,
Crecy achava que poderia aguentar a maldita mulher sem tacar
coisas nela. Tia Grimble parecia conhecer todos na alta sociedade
londrina, assim como todos os seus segredos obscuros, e ninguém
tinha segredos mais sombrios do que Lorde Gabriel Greyston, o
Visconde DeMorte.
Crecy ocasionalmente avistava-o quando ele estava na cidade,
e nos últimos anos seus sentimentos haviam se tornado mais
complexos. Sua oferta de amizade a uma criatura que ela sentia ser
tão solitária e mal compreendida quanto ela era genuína, e Crecy se
mantinha fiel a ela. Ela lhe enviava cartas uma vez por mês apenas,
apesar de desejar fazê-lo com mais frequência, pois vivia com o
medo de entediá-lo, e lhe enviava um presente de aniversário todos
os anos no dia dezoito de abril. Crecy sabia que isso era
completamente inadequado e terrivelmente escandaloso, mas não
se importava muito. Afinal, ela nunca comprava os presentes,
apenas enviava coisas tão estranhas que apelavam para sua
própria curiosidade, e ocasionalmente um pequeno desenho ou
pintura se ela fizesse algo que sentia que não envergonharia seus
escassos talentos.
De uma maneira estranha, ele havia se tornado uma espécie de
confidente, embora nunca tivesse respondido uma única vez e ela
não soubesse se ele sequer lia suas cartas, ou se as jogava ainda
seladas no fogo, como ele havia prometido. No entanto, ele era
alguém para quem ela só falava a verdade completa, e não tentava
esconder os caprichos de sua própria natureza. Se isso lhe causava
repulsa, ela não tinha como saber, mas seus instintos lhe diziam que
não. Ela esperava que ele ao menos estivesse um pouco curioso
sobre ela.
De fato, ela era uma criatura curiosa e sempre se sentia
deslocada e estranha entre os outros. Pela milésima vez, ela
desejou ter nascido homem, embora isso tornasse seus sentimentos
cada vez mais complexos em relação a DeMorte ainda mais
desconfortáveis. Crecy sufocou um riso, fingindo tossir enquanto
Belle a olhava com curiosidade.
— Você está resfriada? — perguntou Belle, seus olhos cheios
de preocupação.
Crecy sacudiu a cabeça e assegurou à sua irmã que estava
muito bem, ao passo que a imponente fachada do castelo se
aproximava. Se ela fosse um homem, poderia ter viajado, poderia
ter se tornado um médico de animais ou um cientista. Ninguém a
teria achado estranha ou mórbida por querer desenhar um esquilo
em decomposição ou ter fascinação pela complexa estrutura de
ossos, pele e tendões. No entanto, eles a achavam, e ela vivia com
medo do próximo momento em que abriria a boca e veria a
expressão horrorizada de sua irmã, quando percebesse tarde
demais que tinha sido completamente inadequada.
Novamente.
Crecy suspirou e afastou tais pensamentos. Longwold se
aproximava cada vez mais e era tão ampla e sombria quanto ela
havia imaginado. Os dias de conversa inconsequente que estavam
por vir poderiam ser um pouco assustadores de suportar, mas
buscar os segredos e fantasmas do castelo e cavalgar para explorar
a propriedade de Lorde DeMorte, talvez até mesmo ver e falar com
ele... essa era uma tentação à qual ela tinha toda a intenção de
ceder.
***
Crecy fez uma careta para a neve sob seus pés. Era tão
impressionante em sua pureza brilhante, à medida que o sol de
inverno brilhava sobre ela, que seus olhos lacrimejavam. Ela olhou
para cima, concentrando-se em um céu azul vívido e nas paredes
ameaçadoras do castelo. Belle avançava atrás dela, lutando para
acompanhá-la.
Não foi surpresa que Crecy estivesse em desgraça, mais uma
vez, como de costume. Apesar de ter sido tolice andar sozinha com
Lorde Lancaster, ela sabia disso, de verdade. Mas estava entediada
até a morte, e a ideia de sair e descobrir a ossada da cobra que ele
prometera mostrar a ela era um incentivo muito grande. Além disso,
a ideia de que ele parecia compartilhar sua curiosidade era
tentadora. Agora, ela podia ver que não passara de uma artimanha
para ficar sozinho com ela e beijá-la – o que ele fez, para seu
desgosto. Ela teve a satisfação de empurrá-lo com tanta força que
ele caiu na neve, ao menos, e, graças aos céus, Belle chegou.
Ainda assim, a decepção persistia. Além disso, Belle não deixaria
mesmo que ela levasse a ossada de volta para o castelo, então
tinha sido uma completa perda de tempo. Era algo lindo, também,
tão perfeito e delicado que ela havia ficado com medo de tocá-lo,
mas até Belle tinha feito uma careta e estremecido. Belle, que
tentava tanto entender sua irmã estranha e irritante.
Crecy suspirou com remorso. Se apenas pudesse ser uma
mulher comum, então Belle não se preocuparia tanto com ela. Belle
já tinha preocupações suficientes com sua própria situação sem que
Crecy tornasse tudo ainda pior. Ela decidiu duas coisas enquanto
caminhava: em primeiro lugar, iria se esforçar muito mais para não
envergonhar sua pobre irmã e dar motivo para preocupações, e, em
segundo lugar, mesmo que isso a destruísse, encontraria uma
oportunidade para cavalgar sozinha e chegar pelo menos às
fronteiras de Damerel.
Se havia alguma disparidade entre essas duas promessas,
Crecy se recusava a enxergar.
Ela estava tão absorta em seus pensamentos que a princípio
não notou a figura imponente de um homem avançando em direção
à sua carruagem que a aguardava. Ela olhou para a carruagem
preta brilhante e seus cavalos igualmente elegantes; quatro
criaturas orgulhosas e negras, balançando as cabeças com
impaciência. O brasão na porta era branco, ouro, azul e preto, e
Crecy sentiu o coração acelerar.
O brasão de armas era inconfundível: dois corvos pretos,
perfurados no pescoço por uma flecha.
Ela virou a cabeça bruscamente, e pela primeira vez desde
aquele dia junto ao rio, ela encontrou os olhos frios e azuis do
Visconde DeMorte.
A respiração de Crecy prendeu na garganta, e ela congelou sob
o poder do olhar dele, simplesmente encarando-o de volta, sem
piscar. Seu cabelo era tão preto como ela lembrava, ainda comprido
e fora de moda e amarrado com uma fita preta no estilo do século
passado. Suas sobrancelhas encontravam-se tensas e inflexíveis ao
se unirem, obviamente surpreendido pela audácia dela em olhar
diretamente para ele. Ela sabia que ele seria muito mais alto do que
ela, embora ainda estivesse a certa distância, mas o tamanho dele a
fez estremecer internamente com um arrepio de desejo. Era uma
sensação ardente e intensa, ameaçando consumi-la de dentro para
fora.
Ele parou também, respondendo o olhar franco dela com um
olhar próprio.
Ele talvez não fosse um homem bonito no sentido convencional,
pelo menos. Seus traços eram duros demais; seus olhos, embora de
um azul profundo e impressionante, eram frios e ameaçadores, mas,
oh, céus, Crecy pensou enquanto sua boca ficava seca... ele era
magnífico.
Ela teve a vaga percepção de Belle apressando-se ao seu lado
e segurando seu braço, mas Crecy estava tão enfeitiçada pelo
visconde que não conseguia desviar o olhar.
— Olá — disse ela, com a voz baixa, ofegante e íntima demais.
Aquelas sobrancelhas escuras se uniram ainda mais, e embora
sua expressão fosse ríspida e desdenhosa, ela viu curiosidade em
seus olhos.
— Estou em desvantagem, senhora — disse ele, sua voz cheia
de desdém.
Belle puxou o braço dela, arrastando-a à força em direção às
portas do castelo. — Perdoe-nos, senhor — disse ela, enquanto
dava a Crecy um beliscão que a fez arfar. — Não queríamos
incomodá-lo.
Crecy se afastou, ciente de que não podia revelar sua
identidade para ele na frente de Belle, mas virou a cabeça mesmo
assim, querendo absorver a visão dele pelo máximo de tempo
possível. Ele devolveu o olhar, observando-a com uma intensidade
em seus olhos escuros que fez o coração dela bater forte e rápido
contra sua caixa torácica como uma borboleta batendo numa janela.
Ele se virou enquanto elas entravam no castelo, adentrando em
sua carruagem e partindo, mas Crecy o tinha visto. Ela tinha olhado
nos olhos dele e visto tudo que havia sonhado e ansiado. Paixão e
perigo e uma alma tão escura e ferida que exigiria tudo o que ela
tinha para consertá-lo, e, ainda assim, ela poderia falhar. Ele era
tudo o que ela deveria temer e fugir, e, no entanto, tudo o que ela
sentia era alegria. Visconde DeMorte era o único homem que já
provocara sentimentos tão intensos nela, e ela não os deixaria
repousar sem serem ouvidos.
***
No momento em que Gabriel chegou à Damerel House, a neve
estava caindo novamente. Ele tirou o casaco, entregando-o a seu
mordomo, Piper, enquanto sacudia flocos brancos e gelados de seu
cabelo preto. Caminhando com passos largos pelo corredor escuro
da grande casa, ele se dirigiu ao refúgio de seu escritório. Ninguém
o perturbava ali, nunca. Não se soubessem o que era bom para
eles. Ali, um fogo ardia, as lamparinas estavam acesas, e ele se
aproximou da garrafa e serviu uma pequena dose, sorrindo consigo
mesmo. Para alguém a quem o mundo acreditava estar perdido na
devassidão e nos vícios, ele bebia muito pouco. A ideia de se perder
na bebida era abominável para ele, em grande parte devido à falta
de controle. Isso porque Gabriel controlava tudo com uma mão de
ferro, e se sua compreensão vacilasse, ele temia que o que restasse
de sua sanidade pudesse ruir.
Não, por mais tentador que pudesse ser se afogar em uma
garrafa, o que vinha a seguir à medida que perdia seu controle e os
fantasmas que forçavam passagem pelas paredes que ele
construíra... não valia o risco. Neste momento, estava achando mais
difícil mantê-los afastados, manter ele afastado.
Ele estremeceu, uma sensação úmida formigando sobre sua
pele. Recomponha-se, ele ordenou, você não é mais um garoto de
nariz escorrendo com medo do escuro. Respirando fundo, sentou-se
em frente à sua escrivaninha, dando pequenos goles em sua
bebida, saboreando a qualidade e o calor do álcool, resistindo à
vontade de servir-se de mais.
Lutando contra o desejo de beber, ele pegou o peso de papel
que mantinha alguns documentos recentes no lugar. Estava liso
devido ao desgaste, uma pedra natural, mas de formato estranho,
como um lobo uivando, com a cabeça erguida para a lua. Ele
esfregou o polegar ao longo da garganta de pedra, um gesto familiar
e um tanto reconfortante enquanto suas sobrancelhas se uniam.
Sua visita a Edward tinha sido, no mínimo, divertida. Embora
duvidasse que seu pai veria dessa forma. Ele deveria ter encerrado
isso há muito tempo, mas tinha sido fraco demais para desferir o
golpe final que teria lhe dado tudo o que tinha sido incumbido a
conquistar. Acusando-o de ser piedoso e inútil, um embaraço para o
antigo sobrenome da família, a voz de seu pai ecoava em seus
ouvidos, embora o homem já estivesse morto há muito tempo.
Da mesma forma que ele fez em vida.
Por um curto período, Gabriel tinha sido o Marquês de
Winterbourne, o Conde de Clarendon e meia dúzia de outros títulos
menores também... exatamente como seu pai havia ordenado que
ele fosse. Por um breve e bem-aventurado período, as vozes
começaram a diminuir, restando apenas uma que o incitava a dar o
passo final e se casar com a irmã de Edward.
Para completar a destruição da linhagem do odiado irmão de
seu pai.
Ele hesitou nesse ponto. Ela podia ser linda, mas não o atraía;
sua pele se arrepiava com a ideia da inocência dela. Dormir com
uma virgem não era algo que ele ansiava, casar menos ainda,
especialmente com alguém que o olhava como se ele fosse um
monstro. Não que ele acreditasse que ela estivesse errada, nem se
importasse com o que ela pensasse. Era verdade, e ele a aceitava,
saboreava isso de certa forma. No entanto, o desejo de encerrar a
linhagem com ele era tangível. A ideia trazia à sua alma um certo
alívio, mas apenas por um breve momento.
Ele ficou sem fôlego quando dedos esqueléticos agarraram seus
pulsos. Gabriel fechou os olhos à medida que a memória retornava
a ele, tão fria e implacável quanto seu pai gritando em seu rosto,
dando-lhe instruções, a serem seguidas ao pé da letra, ou seu pai
jurava que o assombraria até que ele encontrasse seu próprio
túmulo. Ele estremeceu, como sempre fazia, ao lembrar do som do
tiro que explodiu em sua mente, a bala rasgando o cérebro de seu
pai e cobrindo seu único filho de sangue enquanto o homem tirava
sua própria vida diante de seus olhos.
O copo vazio escapou dos dedos de Gabriel, batendo na
escrivaninha ao mesmo tempo em que sua respiração se tornava
irregular e intensa. Recomponha-se, seu idiota, ele praguejou,
agarrando as bordas da escrivaninha. Pense em outra coisa, ele
ordenou, enviando seus pensamentos erráticos em queda livre até
que eles se prendessem à jovem mulher do lado de fora do castelo.
Ele nunca tinha visto nada parecido com ela antes, pensou, à
medida que sua respiração começava a se estabilizar. Havia algo
em seus olhos que parecia chamar por ele, um olhar de desejo tão
intenso que ele foi surpreendido ao ponto do silêncio. Ele já tinha
sido desejado antes; havia aquelas que apreciavam seu tipo de
crueldade, afinal, e o perigo que ele trazia para suas vidas
monótonas. Mas ele nunca havia recebido um olhar de desejo tão
voraz de alguém tão evidentemente inocente. Que diabos a garota
estava aprontando? Sua companheira tinha percebido o perigo que
ela corria, apressando-a para longe dele o mais rápido que pôde. O
terror que ele viu nos olhos da mulher mais velha fez com que ele
risse.
Ela, pelo menos, estava certa.
Capítulo 2
“No qual um casamento é planejado... rapidamente.”

Crecy se escondeu nas sombras no salão de baile. Ela havia


acabado de conseguir escapar de Lorde Lancaster, cuja queda na
neve aparentemente não havia diminuído seu entusiasmo. Pior
ainda era um homem gloriosamente bonito, o Barão Marchmain, que
como todos sabiam, era também conhecido como August Bright.
Com cabelos da cor de um milho maduro e olhos verdes
bastante encantadores, ele realmente era algo digno de se
contemplar. No entanto, Crecy não queria contemplá-lo e, por mais
que tentasse, não conseguia parecer transmitir essa ideia, e ela
havia tentado. Belle a havia alertado de que ele era um notório
libertino e certamente não estava interessado em casamento. Como
Crecy definitivamente não estava interessada nele, via pouco
sentido em passar a noite flertando com ele, o que ela também não
sabia fazer bem. Então, aqui estava ela, escondendo-se atrás de
uma palmeira em um vaso.
Era realmente bastante deprimente.
Mordendo o lábio, mesmo sabendo que Belle ficaria furiosa com
ela, perguntou-se se talvez poderia escapar e encontrar refúgio na
biblioteca de Lorde Winterbourne. Se Belle descobrisse que ela
havia saído sozinha novamente, estaria em maus lençóis, mas
certamente era melhor do que brincar de esconde-esconde com o
maldito Lorde Marchmain. Crecy suspirou e ousou lançar um olhar
por entre as folhas da palmeira e viu algum tipo de confusão no final
do salão de baile. Com a testa franzida, ela se perguntou o que
estava acontecendo e sentiu um arrepio de inquietação.
Belle vinha agindo de maneira muito estranha esta noite. Crecy
havia atribuído isso ao fato de que esta era a última noite delas aqui
e provavelmente a única chance de encontrar um marido adequado.
Então, aqui estava ela, escondendo-se em um canto enquanto
Belle... Crecy sentiu uma desconfortável sensação como se
estivesse pegando fogo e, subitamente, levar um banho de água
fria.
Essa não, Belle!
Assim que ela conseguiu abrir caminho através da multidão
animada e encontrar um rosto familiar, o medo apertava seu
coração com garras afiadas. Por favor, não deixe Belle ter
sacrificada sua própria felicidade por causa dela. Crecy não
suportaria a ideia, mas conhecia Belle o suficiente para saber que
ela faria exatamente isso. Com o coração tão apertado que mal
conseguia falar, ela viu a figura familiar da Lady Seymour Russell. A
velha era uma espécie de tirana e uma figura imponente entre a alta
sociedade, apesar de ter se casado apenas com um simples barão.
Ela tinha uma língua afiada e um espírito mais afiado ainda e, por
razões que nenhuma delas conseguia entender, tinha acolhido Belle
e Crecy.
— Lady Russell! — exclamou ela, agora sem fôlego e ansiosa.
— Você viu Belle?
A grande dama sorriu, com uma expressão que não aliviou em
nada a ansiedade de Crecy.
— Eu diria que sim — disse ela, rindo um pouco e inclinando-se
para sussurrar em seu ouvido. — Sua irmã é realmente especial,
minha jovem. — Crecy olhou para ela, encontrando os olhos cinza
frios com confusão. — Sim, ela jogou muito bem, de fato, e acho
que eles vão se dar admiravelmente bem juntos.
— O quê? — gritou Crecy, alarmada. — Quem? Não me diga
que ela aceitou Lorde Nibley?
— Nibley? — repetiu Lady Russell, franzindo a testa por um
momento. — Oh — disse ela, seu rosto se iluminando enquanto
assentia, e Crecy sentia vontade de gritar com ela. — Você quer
dizer aquele acadêmico, sempre discorrendo sobre rochas?
Crecy concordou que era ele a quem ela estava se referindo,
ficando cada vez mais frenética e sentindo como se fosse chorar.
Onde estava Belle?
— Não, não foi ele — respondeu Lady Russell, balançando a
cabeça. — Ela vai se casar com Winterbourne.
Com incredulidade, Crecy fitou-a boquiaberta.
— Feche a boca, garota — repreendeu Lady Russell, parecendo
tão severa que Crecy obedeceu imediatamente. — Jovens
senhoritas não devem ficar de boca aberta.
— Winterbourne? — repetiu Crecy com a voz fraca. — O
marquês?
O primo odiado de Gabriel DeMorte.
Lady Russell assentiu, sorrindo para ela com grande satisfação.
— Agora, vá buscar um pouco de champanhe para mim, querida,
gostaria de comemorar.
***
Crecy hesitou perto da cama de Belle. Sua irmã parecia ter
sofrido um choque severo, mas Crecy não conseguia dizer se era
um choque feliz ou se a pobre garota estava aterrorizada.
Claramente, ela havia dormido pouco; o que não era uma surpresa
depois do furor que ocorreu na noite passada, e que Belle tinha
instigado... bem, Crecy admitiu estar um pouco chocada. Sua irmã
tão regrada planejando conquistar um marido... quem poderia
imaginar?
Ela avançou, recolhendo a bandeja de café da manhã que Belle
claramente estava muito distraída para tocar, e subiu na cama, com
as saias pesadas de seu traje de equitação dificultando seus
movimentos.
Ela simplesmente não conseguia dizer o que Belle estava
sentindo, e suas respostas murmuradas não ajudavam. Será que
ela estava apenas chocada?
— Você gosta dele, não gosta, Belle? — exigiu saber Crecy,
sentindo-se um pouco desesperada.
Belle olhou para ela, como se tivesse esquecido que a irmã
estava ali.
— Oh. É... Eu... tenho certeza de que nos daremos muito bem
— disse ela, depois de um tempo, parecendo bastante confiante e
muito mais com a Belle que ela conhecia.
Crecy mordeu o lábio, querendo ser tranquilizada, mas ainda se
sentindo insegura. — Mas eu pensei que você tinha a intenção de
casar com Lorde Nibley?
Belle assentiu, corando em um tom de vermelho bastante
violento. — Eu tinha — admitiu ela.
— Então o quê...?
Belle estendeu a mão, com uma expressão de desespero em
seus olhos. — Você se importa se discutirmos isso mais tarde?
Estou com uma terrível dor de cabeça.
Crecy concordou prontamente, embora tenha se certificado de
perguntar se Belle precisava de alguma coisa antes de sair. Mesmo
sabendo que estava sendo extremamente egoísta, se Belle não
precisasse dela, ela teria um dia inteiro livre.
E ela pretendia aproveitar ao máximo.
***
Foi fácil se livrar do cavalariço designado a acompanhá-la. Ela
sentiu uma certa apreensão e perguntou-se se talvez tinha perdido a
coragem para andar a cavalo, já que havia passado alguns anos
desde a última vez que teve a oportunidade. Mas Crecy sempre foi
uma amazona destemida, e, para sua alegria, nada havia mudado.
Andar a cavalo sempre fora um de seus maiores prazeres, e o
momento que ela desprezou mais o seu maldito pai foi quando ele
vendeu seu amado cavalo para pagar suas dívidas de jogo. Foi
nesse momento que Crecy soube que aqueles homens bons,
homens agradáveis como seu pai, aqueles homens encantadores
que sorriam na sua frente e diziam todas as coisas certas... não
eram dignos de confiança.
Era muito melhor um homem que você sabia que estava
determinado a te arruinar e era honesto sobre isso, já que você
poderia encarar isso de frente. Você sabia o que podia esperar e o
que tinha a perder. Era muito pior um homem que se arrastava para
dentro do seu coração com belas mentirinhas e doce desonestidade
e cujas promessas eram tão vazias quanto o vento.
A manhã e a paisagem se estendiam diante dela, cheias de
promessas e expectativas. Longwold estava situada no alto do
escarpamento de Cotswold, e uma vista de colinas ondulantes e
densas matas se espalhava, todas brilhando de branco sob um céu
azul nítido. Ela podia ver Mendips, aquelas colinas de calcário ao sul
de Bath, e se lembrou de Lorde Nibley em um jantar uma noite. Ele
quase parecia animado ao falar do calcário carbonífero que era
encontrado em abundância aqui. Ela tinha ficado brevemente
interessada quando ele tocou na variedade de montes da Idade
Neolítica, Idade do Ferro e Idade do Bronze que podiam ser
encontrados na área, mas infelizmente, esses lugares intrigantes
não tinham o apelo para ele que uma rocha sem vida claramente
tinha.
Inclinando-se para frente, ela instigou o cavalo, deleitando-se
com o vento frio em seu rosto, tão cortante que fazia seus olhos
lacrimejarem. Seu cabelo chicoteava ao vento e a estilosa pena
verde em seu chapéu dançava loucamente enquanto voavam sobre
a fina camada de neve. Ela precisaria se apressar se quisesse
chegar à Damerel House e voltar antes que alguém percebesse sua
ausência.
***
Gabriel levantou a cabeça quando Piper entrou no ambiente,
trazendo uma pequena bandeja de prata com uma carta em cima. A
chegada do correio era a única exceção à regra de “não perturbe”
que era seguida assim que a porta de seu escritório se fechava – a
menos que fosse uma terrível emergência.
— Isto chegou para você, milorde — disse ele, enquanto Gabriel
estendia a mão para a carta. — É cedo, não é? Espero que não haja
nada de errado com a jovem.
Gabriel lançou-lhe um olhar que encorajou fortemente o homem
a cuidar de seus próprios assuntos e rompeu o lacre com uma
carranca. Esperando até que seu mordomo, claramente
preocupado, tivesse fechado a porta, ele abriu a folha dobrada com
curiosidade. Piper estava certo, é claro, ela escrevia no primeiro dia
de todos os meses, geralmente, com exceção de seu aniversário.

Meu querido amigo,


Serei sua vizinha!
Gabriel deixou cair a carta como se o tivesse queimado,
encarando as palavras enquanto a irritação ganhava vida. Maldita
garota! O que ela queria ameaçando procurá-lo? Ela tinha perdido
completamente o decoro? Exceto que ela não era mais uma garota,
não é? Ele tinha notado há alguns meses uma sutil mudança no tom
daquelas cartas. Ela devia ter vinte anos agora, ou até mesmo vinte
e um. Ele olhou com raiva para a escrita extravagante e curvilínea,
pela primeira vez não comprimida para preencher e cruzar cada
centímetro da folha. Tinha sido escrita com pressa, o que
significava...
Ele se levantou, afastando-se apressadamente para longe da
carta, como se ela tivesse o poder de contaminá-lo de alguma
forma, de quebrar sua paz de espírito... e, então, ele fez a conexão.
Meu Deus, a loira do lado de fora de Longwold, a maneira como
ela o encarou – como se tivesse direito a isso...
Aquela era Lucretia Holbrook?
Gabriel engoliu em seco, com uma sensação de desconforto se
espalhando por sua pele. Não, não, não. A última coisa de que
precisava era de alguma bela tolinha com noções românticas
ridículas sobre ele tentando prendê-lo em um casamento. Embora,
neste ponto, ele tivesse que admitir que a jovem parecia
perfeitamente ciente de todos os seus vícios; afinal, ela nunca
hesitara em questioná-lo sobre eles. Às vezes, as coisas que ela
escrevia e perguntava o chocavam profundamente. Claramente, ela
não tinha um centímetro de vergonha, e ainda menos juízo. Mesmo
assim sua boca se curvou um pouco, involuntariamente, ao lembrar
como algumas daquelas perguntas imprudentes o faziam sorrir. No
entanto, o desconforto formigava por toda a sua pele.
— Piper! — gritou ele, dobrando a carta com cuidado e
colocando-a em uma grande caixa de madeira para examiná-la
novamente mais tarde, quando a barra estivesse limpa. Por
enquanto, ele precisava sair até que a maldita mulher tivesse ido
embora.
O mordomo apareceu à sua porta, com o rosto cheio de
curiosidade. Bem, o sujeito poderia manter o maldito nariz fora dos
assuntos de Gabriel.
— Houve uma espécie de festa em Longwold. Você sabe
quando os convidados irão embora? — perguntou ele, ignorando a
decepção do homem por não ter sido incluído no segredo e
recusando-se a deixá-lo saber por que a senhorita Holbrook havia
escrito uma carta extra para ele.
— Sim, milorde, acredito que partirão hoje.
— Hoje? — repetiu Gabriel, respirando aliviado. Portanto, ele só
precisava se afastar por algumas horas e estaria livre. — Faça com
que Typhon seja selado para mim, estou saindo.
O mordomo assentiu e se retirou, deixando Gabriel encarar o
fogo, tentando ignorar uma irracional onda de raiva em relação à
senhorita Holbrook. Ele não a queria aqui, não queria dar um rosto
às cartas excêntricas e estranhamente íntimas que chegavam sem
falta todos os meses. Era perturbador e... fora do comum, e isso era
inaceitável. Sua vida seguia cronogramas rigorosos, regras e rituais
que mantinham o fluxo dos dias e ele em equilíbrio. Muitas
variações à norma, e ele começava a se sentir à deriva, ansioso e...
fora de controle, e isso... isso o deixava com raiva.
Ele franziu o cenho para as chamas, o calor crescente e feroz
contra seu rosto. Bem, ela logo iria embora, talvez já tivesse partido,
e, então, ele poderia relaxar e se concentrar no que fazer a seguir
sobre Edward Greyston. Isso porque seu pai não o deixaria viver em
paz até que cumprisse sua promessa e o destruísse.
***
Crecy cavalgou com determinação, a poderosa besta sob ela
suando e baforando ao estacar, seu coração batendo com animação
e apreensão quando uma enorme casa surgiu à vista. Era
construída de pedra calcária talhada e polida, como muitas da
região, e dominava a paisagem. De sua posição na colina e olhando
para baixo, via uma estrutura principal em forma de “H”, com uma
varanda e um pórtico arredondado projetados no centro,
sustentados por colunas dóricas em pares. Demonstrava poder e
riqueza, mas Crecy não se importava com nada disso, tudo o que
importava era que pertencia a ele. Esta era a casa de Gabriel
Greyston, o Visconde DeMorte, aqui ele havia nascido e crescido
até se tornar um homem. Este lugar o havia moldado, para o bem e
para o mal, e ela queria desesperadamente descobrir seus
segredos. Todos eles.
Ignorando o arrepio de desconforto na parte de trás do pescoço
que lhe dizia que sua presença provavelmente era indesejada, ela
instigou o cavalo novamente, agora trotando em um ritmo constante
enquanto absorvia a cena abaixo dela, registrando-a na memória.
Um lampejo de movimento à sua direita chamou sua atenção e
ela se virou para longe da casa e ouviu seu próprio suspiro quando
viu um homem em um cavalo poderoso cavalgando mais adiante na
colina, indo na direção oposta. Pouco antes de virar e desaparecer,
o cavalo foi parado, a cabeça do homem se erguendo e olhando
para ela.
Era ele! E ele a tinha visto.
Capítulo 3
“No qual nossa heroína é imprudente.”

Crecy prendeu a respiração, imaginando o que aconteceria em


seguida. Certamente ele já havia recebido sua carta, não é mesmo?
Certamente ele deve ter suspeitado que era ela quem tinha sido tão
cativada por ele e o encarado de maneira tão chocante, certo? Se
ele se afastasse agora, todas as suas esperanças se
despedaçariam.
O momento parecia se estender, a distância entre eles
crescendo enquanto seu coração batia em seu peito, marcando os
momentos enquanto ele tomava sua decisão. Quando o cavalo foi
instigado a se mover novamente, desta vez em sua direção, Crecy
soltou um suspiro que não percebeu que estava segurando, embora
isso não a ajudasse muito. O ar gelado parecia de repente muito
escasso, e, não importava o quanto ela o inalasse, seu peito arfante
a fazia se sentir tonta e inquieta. Um senso inato de
autopreservação a instigou a se virar e fugir, mas ela o ignorou,
contemplando-o enquanto ele se aproximava.
Ele parou ao lado dela, com aqueles olhos azul-escuros frios e
zangados, como ela sabia que seriam.
— Bom dia, Lorde DeMorte — disse ela, aliviada por não
parecer tão sem fôlego quanto se sentia.
— Que diabos você está fazendo aqui? — exigiu saber ele, sua
voz ríspida enquanto a olhava com raiva, seu desprazer por vê-la ali
mais do que evidente. — Esta é uma propriedade privada, tenho
certeza de que está bem ciente disso.
— Claro que estou ciente — disse ela, sorrindo para ele e
sentindo uma onda de alegria por estar na presença dele e
conversando com ele, mesmo que ele estivesse claramente furioso.
— Eu te disse que ia invadi-la. Você não acreditou em mim?
Ele fez uma pausa, franzindo a testa como se não soubesse
bem o que dizer a ela em seguida e estivesse se perguntando por
que ela não sentia medo dele. Ela se perguntou a mesma coisa à
luz de sua raiva, mas descobriu que não tinha o menor medo, sentia
apenas um nervosismo. Aquele nervosismo estranho, exagerado,
que sempre acompanhava os pensamentos nele.
— Você vai atirar em mim? — perguntou ela, com um tom
inocente enquanto arqueava uma sobrancelha, sabendo que isso o
irritaria, e fazendo isso, de qualquer maneira.
— Não — respondeu ele, de forma curta e irritada, enquanto
reunia as rédeas de seu cavalo em mãos grandes e poderosas. —
Vou escoltá-la para fora das minhas terras e encorajá-la fortemente
a não retornar mais.
— E se eu voltar? — indagou ela, com um doce sorriso.
Ele a encarou com uma expressão de desagrado e ela sentiu o
desejo mais estranho de rir da crescente fúria e da indignação
ardente em seus olhos. — Então, sim, eu vou atirar em você —
murmurou ele, fazendo um gesto para que ela virasse seu cavalo.
Crecy suspirou e olhou para a grande casa com pesar. — Eu a
verei por dentro um dia, você sabe disso.
— Só por cima do meu cadáver — murmurou ele, sua
expressão próxima de um rosnado.
Ele trotou para longe e Crecy se apressou para acompanhá-lo.
— Oh, não — replicou ela, com calma quando ficou ao lado
dele, perfeitamente séria. — Assim não vale. Como descobrirei
todas aquelas escadarias escondidas e segredos sombrios se o
patrão não estiver lá para me mostrar?
Ele virou a cabeça e Crecy encarou-o, memorizando cada
detalhe: o espesso fio de cabelo preto que tinha caído para frente,
os olhos impenetráveis e sombrios, a boca cruel que mudaria
completamente sua expressão se ela conseguisse fazê-lo sorrir.
— Você realmente é louca, não é? — rosnou ele, parecendo
perplexo e realmente perturbado. Ele empurrou a mecha de cabelo
para fora de sua testa com uma mão, um gesto que ela suspeitava
que ele repetisse com frequência.
Ela deu de ombros diante da pergunta dele, olhando-o de
maneira franca, embora levemente arrependida.
— Eu não sei — admitiu ela, segurando seu olhar quando ele
não desviou o olhar dela. — Eu sei que... que eu sou... diferente...
estranha, suponho.
Ela o observou, imaginando o que ele diria sobre isso, enquanto
ele franzia a testa e suas sobrancelhas escuras pesavam sobre
seus olhos. — Você não espera que eu discorde, não é?
Ela riu e balançou a cabeça, com seus cachos loiros dançando
ao redor de seu rosto. — Não, eu não esperava que você
discordasse, prometo.
Ele estendeu a mão e segurou as rédeas de seu cavalo,
fazendo-o parar subitamente e a encarou, seus olhos brilhando
intensamente. — Se alguém descobrir que você esteve aqui,
sozinha, estará arruinada. Você entende isso? — exigiu saber ele,
seus olhos frios vasculhando os dela, claramente esperando que ela
parecesse chocada e ansiosa.
— Claro — respondeu ela, com expressão serena. — Eu posso
ser estranha, mas não sou burra.
Por um momento, ele a encarou boquiaberto, claramente não
acreditando fortemente nessa afirmação.
— Você não se importa? — enfureceu-se ele, soltando as
rédeas com desgosto. — Você nunca se casaria se fosse vista em
minha companhia.
— Eu não quero me casar — disse Crecy, vendo completa
descrença desta vez, e ele deu um resmungo, instigando seu cavalo
novamente.
— Maldita mentirosa — disparou ele, sobre o ombro.
— Não, eu não sou — disse ela, totalmente impassível diante da
acusação enquanto movia seu cavalo mais rápido para acompanhá-
lo. — Mas eu me casaria com você se você assim pedisse, eu
acho... — Ele parou o cavalo subitamente e Crecy fez o mesmo. Ela
manteve os olhos baixos por um momento, consciente do peso do
olhar dele sobre ela, mas não corajosa o suficiente para enfrentá-lo
ainda. Respirando fundo, ela continuou: — Mas estou bem ciente de
que você nunca faria isso, então não há necessidade de me encarar
assim. Não é como se eu estivesse esperando ou tentando
conseguir um pedido de casamento. — Ela então olhou para cima, e
a expressão em seu rosto era de tamanha repulsa que ela quase
riu. — Bem, você perguntou, então estou te contando — respondeu
ela, parecendo um pouco indignada. — Mas francamente, bem, não
há outro homem no mundo que me aguentaria.
Ele piscou, silencioso e completamente imóvel, e ela se
perguntou o que ele estava pensando. Tantas ideias pareciam
passar por trás daqueles olhos escuros que era impossível dizer.
Mas, então, eles voltaram a se irritar, isso era claro. — O que diabos
faz você pensar que eu faria isso? — exigiu saber ele, indignado,
tentando acalmar, magistralmente, seu cavalo agora nervoso com
mãos leves, apesar de sua raiva.
— Oh, nada — disse ela, com perfeita sinceridade. — Mas a
questão é que acho que eu poderia fazer você se sentir confortável,
se você me deixasse. Você poderia até mesmo ficar contente. Eu
acho que poderíamos nos dar muito bem, na verdade.
Ele partiu sem dizer mais nada e ela galopou atrás dele,
reservando um momento para admirar a largura de seus ombros, as
coxas poderosas e a forma como ele se movia em perfeita simetria
com o cavalo enorme cujos cascos pesados ecoavam sob ele.
Eles diminuíram a velocidade à medida que o terreno ficou mais
irregular, conscientes de seus animais escorregando no chão
congelado.
— Você já não deveria ter ido embora? — exigiu saber ele, após
dez minutos de silêncio sepulcral. — Todos os outros convidados já
foram embora, com certeza. — Ele se virou para olhá-la, e ela
achou que ele parecia desconfiado, provavelmente com medo de
que ela tentasse seduzi-lo em seguida, de alguma forma prendê-lo a
um casamento apesar das garantias que lhe dera. A ideia a fez
sorrir.
Como se ela tivesse a menor ideia de como fazer isso.
— Nós não estamos indo embora — disse ela, com um sorriso
satisfeito, vendo o horror aumentar nos olhos dele com diversão.
— Por que diabos não?
Ela deu uma risada surpresa diante da exasperação dele, o que
o fez parecer mais irritado do que nunca. — Porque, Belle... —
começou ela, e, então, parou abruptamente ao perceber que não
queria que ele soubesse que Belle estava se casando com o primo
dele. Pelo menos, ainda não. Ele descobriria logo, é claro. — Belle
se tornou boa amiga da senhora Violette Russell, e ela nos convidou
para passar o Natal também. — Não era uma mentira, afinal. —
Então, vou poder entregar seu presente de Natal pessoalmente este
ano — acrescentou ela, com um sorriso alegre antes de galopar
passando por ele.
Uma palavra grosseira queimou seus ouvidos, algo que nunca
deveria ser proferido na presença de uma dama e, certamente, não
com tanta veemência, mas isso só a fez rir ainda mais. Ela acelerou
para um galope quando o terreno se nivelou, depois se virou,
sorrindo loucamente, e viu-o fazer o mesmo com seu cavalo,
alcançando-a com facilidade.
Crecy deu um gritinho, seu coração batendo de empolgação
enquanto voavam pelos campos. O sol estava esquentando agora,
ardendo em suas costas, mesmo com o ar frio pinicando sua pele e
fazendo suas bochechas corarem. Ela nunca se sentiu tão radiante,
tão viva e cheia de vitalidade, e, apesar do fato de que ele
provavelmente queria torcer o pescoço dela, ela se sentia mais feliz
do que jamais havia se sentido.
***
Gabriel a observou atravessar os campos, tudo nela era vivo e
vibrante, com o sol em seus cabelos brilhando como ouro. No
entanto, tudo o que ele conseguia sentir era fúria. Maldita mulher!
Por que ela tinha que vir provocá-lo desse jeito? Ele suspeitava que
talvez ela realmente fosse instável. Meu Deus, essa era a última
coisa de que ele precisava. Ele era perfeitamente capaz de flertar
com o escândalo sem qualquer ajuda de alguma mulher estranha
que deveria estar trancada para sua própria segurança. Seus
pensamentos se voltaram para as cartas que ela lhe escrevera, para
as coisas que ele sabia serem verdadeiras sobre ela. Coisas que ela
não tinha o direito de confidenciar a um completo estranho,
certamente não a um homem solteiro. Elas haviam sido
suficientemente sensatas, apesar de um pouco... excêntricas, para
dizer o mínimo – certamente para uma jovem mulher.
Ele olhou para o relógio, sua raiva aumentando ao ver que já
passava do meio-dia. Ele nunca conseguiria voltar para a casa
antes de uma hora da tarde, o que significava que ele estaria
atrasado para o almoço. Ele rangeu os dentes enquanto os ombros
se tensionavam e sua pele ficava pegajosa com a ideia. Ele
precisava estar de volta à uma. Ele não permitiria que essa... essa
danadinha arruinasse todo o seu cronograma.
Estimulando seu cavalo, ele galopou atrás dela, com Typhon
devorando a distância entre eles com facilidade, embora ele não
conseguisse decidir o que pretendia fazer assim que a alcançasse.
Ele nunca havia levantado a mão com raiva para uma mulher e
nunca o faria. Ele já odiava seu pai por essa mesma razão, mesmo
antes de...
Maldita fosse! Ela estava atrapalhando tudo.
Ele expulsou as cenas horríveis de sua mente sem uma ideia
clara do que fazer em seguida. Ele só precisava tirá-la de suas
terras e assustá-la o suficiente para que ela não tivesse coragem de
voltar. Infelizmente, ele tinha a sensação de que a garota não se
assustava facilmente.
Eles estavam lado a lado agora, a criatura tola cavalgando
rápido demais, fazendo o máximo para superá-lo. Ele se virou e
olhou para ela, e ela gargalhou, a alegria e a pura diversão em sua
voz um som tão completamente estranho para ele que ele não pôde
deixar de olhar para ela. Mas de dentro das moitas, houve uma
explosão de pássaros quando uma dúzia ou mais de faisões alçou
voo, e seu cavalo assustou-se, empinando e dançando. Para seu
espanto, ela se segurou, tentando acalmar a besta que se recusou a
se acalmar e pinoteou duas vezes, finalmente derrubando-a.
Gabriel xingou; droga, se a garota tivesse se machucado em
suas terras...
Ele se jogou do cavalo, correndo para o lado dela e
encontrando-a caída de costas na neve, rindo histericamente.
— Oh, meu Deus — disse ela, enquanto seus olhos brilhavam
de alegria. — Eu não consigo me lembrar da última vez que me
diverti tanto! Não foi maravilhoso?
Gabriel a encarou.
— Não — ele disse, seu tom curto. — Você é um maldito
incômodo e merece ter o pescoço quebrado.
Ela mostrou a língua para ele. — Puff — disse ela, fungando
discretamente. — Você está apenas bravo porque eu cavalgo tão
bem quanto você.
— Eu não... — retorquiu Gabriel, apenas para perceber que
parecia uma criança de cinco anos, e fechou a boca com força.
Ela sorriu para ele, o que apenas aumentou seu desejo de jogá-
la sobre seus joelhos e dar-lhe uma bela palmada. Exceto que essa
imagem não ajudou em nada, e ele a afastou a um canto escuro de
sua mente. Havia muitas outras opções.
— Você vai ficar aí o dia inteiro me encarando, ou vai me dar
uma mãozinha para eu me levantar? — exigiu saber ela, cruzando
os braços e erguendo uma sobrancelha imperiosa para ele.
Gabriel conteve um palavrão, embora imaginasse que a
expressão em seu rosto já ilustrasse o suficiente, quando estendeu
a mão e agarrou seu braço, puxando-a para que ficasse de pé.
Em retrospecto, ele exagerou um pouco na força, considerando
o tamanho dela, e ela gritou, suas botas escorregando na neve
enquanto seus pés cediam sob ela.
— Maldição — murmurou ele, quando foi forçado a trazê-la para
mais perto, com suas mãos em sua cintura para estabilizá-la. Ela
tropeçou e colidiu com ele, suas mãos agarrando suas lapelas para
se manter de pé. A criatura horrorizada encarou-o, um olhar
chocante e íntimo por debaixo de suas densas e escuras pestanas,
revelando o par mais surpreendente de olhos que ele já havia visto.
Eles eram de um estranho cinza-violeta, como um céu de verão
tempestuoso.
Gabriel a empurrou para longe, dando mais um passo para trás,
com medo de que ela pudesse ter algum pensamento de que ele
estava interessado de alguma forma. Virando-se, ele viu que seu
cavalo finalmente havia se acalmado e estava mastigando os tufos
de grama congelada de maneira desinteressada, a uma boa
distância de três acres deles. Resmungando e praguejando sobre
mulheres ardilosas, ele foi atrás dele.
***
Crecy observou o visconde enquanto ele caminhava para pegar
seu cavalo. Sua respiração ainda estava rápida, em parte devido à
corrida que acabaram de fazer, em parte por se encontrar tão
próxima ao homem com quem ela havia sonhado por tanto tempo.
Ele era tudo o que ela esperava que fosse. Desconfiado e frágil,
com muros tão altos ao seu redor que ele não conseguia nem
conduzir uma simples conversa com ela sem se irritar. Mas, para ser
justa, ela tinha invadido a sua propriedade e se esforçado para
provocá-lo. De alguma forma, ela duvidava que ele fosse diferente
em qualquer outra circunstância. Ele era conhecido por ser rude,
brusco e francamente insultante, e ninguém ousava confrontá-lo
devido ao medo que ele causava.
Ele poderia desafiar qualquer um, já que sua reputação como
um excelente atirador era lendária.
Mas ele não podia desafiá-la, e ela não tinha o menor medo
dele. Embora ela não soubesse por que, exatamente. Exceto que de
forma alguma ele a fizera se sentir fisicamente vulnerável, pelo
contrário, na verdade.
Ela suspeitava que ele tivesse medo dela.
A ideia tornou-se mais plausível à medida que o observava
percorrer o campo. Ela sorriu, divertida, enquanto ele parecia cada
vez mais com uma grande nuvem negra com seu sobretudo girando
ao seu redor enquanto tentava se aproximar de seu relutante
cavalo. Coitadinho, ele não estava tendo um dia muito bom.
No momento em que ele finalmente conseguiu segurar seu
cavalo, tinha uma expressão fechada como uma tempestade, e ela
suspeitava que o tinha provocado tanto quanto ousaria por um dia.
— Obrigada — disse ela, parecendo bastante arrependida
enquanto ele voltava até ela. — Sinto muito por ter sido um
incômodo.
— Não, você não sente — resmungou ele, e ela não pôde evitar
a explosão de risos que deixou escapar. Ela cobriu a boca com a
mão e tentou contê-los enquanto balançava a cabeça.
— Não — admitiu ela. — Não sinto. Não estou nem um pouco
arrependida. — Ele a fulminou com o olhar, e ela mordeu o lábio. —
Eu me diverti muito.
— Você deveria ser trancafiada — murmurou ele, abaixando-se
e entrelaçando as mãos para que ela pudesse subir. — Pela
segurança do público em geral — acrescentou ele, com amargura.
Com a ajuda dele, Crecy saltou para a sela com destreza e
arrumou suas saias antes de pegar as rédeas.
— Oh, mas sinto muito por tê-lo aborrecido — disse ela, agora
com uma voz mais suave. — Mas você não precisa ir até os limites
da propriedade. Eu vou embora, eu prometo. Acho que você deve
querer voltar agora.
Ele franziu o cenho para ela, parecendo mais confuso do que
irritado de repente.
— Você vai embora? — repetiu ele, a desconfiança em sua voz
bastante evidente.
Crecy assentiu. — Eu vou, eu prometo.
Ele soltou um suspiro que parecia realmente sincero e assentiu,
virando-se para longe dela.
— Lorde DeMorte?
Ele congelou, seus ombros pesados caindo como se soubesse
que era bom demais para ser verdade. A figura infeliz se virou para
olhá-la com raiva.
— O quê? — vociferou ele, com suas sobrancelhas grossas
sobre aqueles olhos azuis como nuvens de tempestade em um céu
de verão.
— Te vejo amanhã à tarde — disse ela, sorrindo para ele antes
de partir com entusiasmo em seu cavalo, galopando para longe,
antes que ele pudesse soltar um palavrão que claramente estava na
ponta de sua língua.
Capítulo 4
“No qual é necessária uma ação evasiva.”

Eram vinte e um minutos após a uma quando ele retornou para


casa. A criadagem evitava perturbá-lo, suas vozes eram apenas um
sussurro, pois todos estavam bem cientes de como mudanças em
seus planos afetavam seu temperamento.
Gabriel sentou-se à mesa, levando um tempo para endireitar o
garfo e ajustar o guardanapo um pouco para a direita. No canto do
olho, ele viu um dos criados lançar um olhar de pânico na direção do
mordomo, mas Piper simplesmente deu um passo à frente.
— Devo mandar servir agora, milorde?
Gabriel assentiu brevemente, irritado demais para falar.
A comida foi colocada à sua frente, e a criadagem se retirou,
deixando-o sozinho. Ele pegou o guardanapo, desdobrando-o com
cuidado e colocou-o com precisão antes de pegar seu garfo e faca.
O prato era exatamente o mesmo todos os dias; uma refeição fria de
carnes: de boi, um presunto e um frango assado. Uma bandeja de
queijos estava à sua esquerda, uma cesta de pães à sua direita e,
ao lado de seu copo, uma jarra de vinho.
Ele começava com a carne bovina, depois o presunto e, por fim,
o frango, seguindo a mesma ordem todos os dias, antes de pegar os
queijos e cortar um único triângulo – preciso – em cada um, antes
de pegar três fatias de pão. Uma taça de vinho foi servida, enchida
exatamente até a extremidade da pequena ave gravada que voava
a uma polegada abaixo da borda.
O ritual familiar o acalmou um pouco, e ele tentou evitar olhar
para o relógio. Geralmente, saía de casa às duas em ponto, e agora
precisaria se apressar para recuperar o tempo perdido. Gabriel
mastigou, seu rosto um semblante carrancudo. Maldita miserável
por estragar seu dia, sem mencionar a audácia de dizer-lhe que
voltaria novamente amanhã. Bem, ele iria cuidar disso.
Sem ser convidada, a imagem dela caída de costas na neve,
gargalhando como uma tola, passou por sua mente. Seu lábio
tremeu, apenas um pouco, mas ele reprimiu seu divertimento com
um lembrete de sua raiva por ela tê-lo perturbado e arruinado seu
dia. O fato de que ela estaria à porta dele a qualquer oportunidade
entre agora e o Natal era suficientemente horrível para fazê-lo
ranger os dentes.
A garota era um perigo para si mesma e um maldito incômodo.
Ele só podia rezar para que seu primo tivesse o bom senso de
mandá-la embora o mais rápido possível.
***
O casamento entre Belinda Holbrook e Lorde Edward Greyston,
o Marquês de Winterbourne, foi naturalmente uma cerimônia breve,
mas Crecy ficou incomodada com a atmosfera tensa que pairava no
ar. O noivo parecia angustiado e Belle, resignada com seu destino.
Sua irmã parecia determinada a evitá-la, então, havia pouca
oportunidade de se assegurar de que tudo estava bem. Mas Crecy
sentia que Edward Greyston, seu novo cunhado, era um bom
homem por trás daquela aparência séria. Ele havia se provado um
herói na guerra, claramente era dedicado e muito protetor de sua
jovem irmã, e apesar de franzir a testa para todos e ser geralmente
antissocial, Crecy não detectava sinal algum de que ele seria um
marido cruel. Era óbvio que ele havia sido marcado pela guerra,
mas se alguém pudesse curar essas cicatrizes, esse alguém era
Belle. Ela era paciente e amorosa, e, na opinião de Crecy, mais
corajosa do que ela mesma percebia. Bem, talvez houvesse alguns
obstáculos a superar, mas seus instintos lhe diziam que Edward e
Belle teriam sucesso em seu casamento um tanto improvisado.
Portanto, suas próprias ambições estavam mais presentes em
sua mente.
Foi mais fácil do que ela poderia ter imaginado escapar
novamente naquela tarde, já que a atmosfera estranha fez com que
todos se tornassem invisíveis. No entanto, seu tempo era curto, pois
precisaria estar em casa para o jantar, e ela não queria que Belle se
preocupasse novamente, como aconteceu no dia anterior, quando
Crecy chegou em casa tão tarde, depois de se perder
completamente. Pelo menos, ela tinha uma desculpa válida para
seu desaparecimento, que não envolvia invasões nem incomodar o
vizinho de Winterbourne.
Estava mais frio hoje, com o sol menos confiante e dando
apenas vislumbres breves entre as nuvens espessas que se
moviam das colinas. O gosto da neve estava no ar à medida que a
temperatura caía, e Crecy cavalgou com determinação, querendo
manter o frio longe de seus ossos enquanto o ar gelado atingia seus
dedos das mãos e dos pés.
Ela percebeu que não o veria hoje. Ela imaginou que ele se
certificaria de estar fora durante a tarde, já que ela o havia
prevenido de sua visita. Embora ela estivesse muito mais atrasada
do que pretendia estar, já eram quase quatro horas quando ela
chegou a Damerel, e o campo já estava mergulhado na escuridão.
Um arrepio de apreensão a percorreu; talvez ela não devesse ter
vindo? Não que ela estivesse preocupada em ver Lorde DeMorte,
longe disso, mas estar perdida novamente e com esse tempo...
Mas, então, ela avistou a carruagem dele e aqueles quatro
cavalos negros lustrosos, seguindo seu elegante caminho de volta
para Damerel, e ela pressionou seu cavalo, galopando a toda
velocidade até alcançá-los. Cavalgando ao lado da carruagem por
um momento, ela conseguiu vislumbrar dentro dela tempo suficiente
para ver a expressão indignada de DeMorte, antes de cavalgar à
frente e esperar sua chegada na porta de sua casa.
Um mordomo um tanto idoso saiu para cumprimentá-la, seus
olhos cheios de curiosidade.
— Lamento, mas o visconde não está aqui neste momento... —
começou ele, com um sorriso caloroso, embora um pouco ansioso.
— Tudo bem, ele acabou de chegar — disse ela, soando um
pouco sem fôlego quando desmontou do cavalo. — E é senhorita
Holbrook — acrescentou, perguntando-se se tinha imaginado a
alegria em seus olhos ao ouvir seu nome.
— Certamente, senhorita — respondeu ele, com um lampejo de
travessura em sua expressão. — Bem, se Lorde DeMorte está
esperando por você, gostaria de entrar por um momento?
Um olhar de entendimento passou entre eles. Era bastante
óbvio que DeMorte não queria nem esperava por ela, afinal, e
ambos sabiam que provavelmente pagariam por esse pequeno ato
de rebelião por parte do mordomo, mas nenhum deles se importava
com isso.
Crecy sorriu para ele. — Estou com um pouco de frio, senhor...?
— Piper, senhorita Holbrook — respondeu ele, conduzindo-a
pelas grandiosas portas da frente. — Pode me chamar de Piper.
Crecy mal teve tempo de recuperar o fôlego e começar a
apreciar o magnífico hall de entrada quando o som de rodas sobre
cascalho pôde ser ouvido e Gabriel Greyston entrou, com os olhos
faiscando de raiva.
— Que diabos você pensa que está fazendo? — gritou ele,
parecendo tão furioso que até mesmo Crecy deu um passo
involuntário para trás. No entanto, ela ergueu o queixo.
— Eu te disse que estava vindo — retrucou ela, sentindo aquela
sensação familiar de euforia, que parecia bem normal na presença
dele, arrepiar sua pele.
— E eu te disse para ficar longe, maldição! — Ele se aproximou
mais dela, imponente, seus olhos azuis mais azuis do que nunca
enquanto brilhavam de raiva.
Se ele esperava assustá-la, no entanto, havia calculado mal,
pois quanto mais perto chegava, mais difícil Crecy achava suprimir o
desejo de estender a mão e tocá-lo. Ela queria colocar os braços ao
redor dele e descansar a cabeça em seu peito; o desejo de fazê-lo
era tão avassalador que ela corou um pouco.
Os olhos de DeMorte escureceram e ele olhou para cima,
fazendo um sutil aceno com a cabeça para Piper, indicando que ele
deveria sair, agora. O velho hesitou por apenas um momento, antes
de se retirar. DeMorte o viu partir, antes de voltar sua atenção para
ela. O coração de Crecy saltava no peito, seu estômago estava
tenso e, no entanto, sentia um desejo tão profundo sob sua pele que
ela se perguntou se ele podia perceber o quanto ela o desejava.
— Você quer que eu te arruíne? — perguntou ele. Sua voz era
baixa e perigosa, e seus olhos, semicerrados de raiva. Ele estendeu
o braço e ela deu um suspiro quando sua mão deslizou ao redor do
pescoço dela, sem apertá-la com força, mas havia claramente uma
ameaça implícita por trás de suas ações. Seu polegar inclinou a
cabeça dela para trás, forçando-a a olhar nos olhos dele. — É isso
então? É isso o que você deseja de mim?
Crecy estava tão ofegante que por um momento não conseguiu
encontrar as palavras, mas, logo, encontrou o olhar dele,
subitamente certa de que havia confusão em seus olhos e que, na
verdade, era ele quem estava mais assustado. Ele estava tentando
assustá-la, mas não havia violência na mão que segurava seu
pescoço; na verdade, seu toque era gentil e ela tinha certeza de que
ele a soltaria se ela aparentasse estar com medo dele. Era o fato de
que ela não estava com medo que o fazia agir assim. Ela se
perguntou se deveria estar mais horrorizada com suas palavras, se
o calor feroz que se desenrolava em sua barriga com a ideia de
permitir que isso acontecesse a tornava uma criatura vil e anormal.
— Eu quero ser sua amiga — disse ela com a voz suave e
sincera.
Ele resmungou, o sorriso de escárnio em seus lábios cruéis
ridicularizando essa ideia. — Eu não tenho amigos — disse ele,
como se a ideia fosse risível, como se estivesse em outro patamar,
além das interações comuns.
— Eu sei — disse ela, sua voz tremendo um pouco agora, mas
recusando-se a desviar o olhar. — É por isso que você precisa tanto
de mim.
Ele a encarou, e de perto, ela pôde ver pequenos pontinhos
dourados no azul de seus olhos, que seus cílios eram grossos e tão
longos quanto os de qualquer garota e, então, seus olhos desceram
para sua boca. Ela se perguntou o que ele faria, o quão zangado ele
ficaria... se ela tentasse beijá-lo.
Sua mão caiu do pescoço dela e ele deu um passo abrupto para
trás, colocando distância entre eles e virando as costas para ela.
— Vou mandar minha carruagem te levar de volta para
Longwold. Se você voltar aqui novamente, vou processá-la por
invasão de propriedade, e não pense que não farei isso só porque
você pode enganar qualquer outro tolo com esses olhos bonitos,
senhorita Holbrook, porque você logo descobrirá seu erro.
Apesar da seriedade em seu tom, Crecy sentiu um sorriso se
formar em seus lábios, e, embora soubesse que isso só serviria
para irritá-lo ainda mais, ela parecia incapaz de parar.
— Por que diabos você está sorrindo? — rosnou ele, recuando
enquanto ela se aproximava. Crecy parou, a cabeça inclinada para
um lado enquanto o observava e tudo o que havia aprendido sobre
ele até agora. — Você acha que seria engraçado ser processada e
ter seu nome nos jornais?
Sua expressão mudou com a ideia, agora que ela realmente a
considerava, e balançou a cabeça. — Na verdade, não — admitiu
ela, pensando em quão angustiada Belle ficaria se algo assim
acontecesse, e pela expressão em seus olhos, ele realmente estava
falando sério. Ela se sentiu repentinamente desanimada,
perguntando-se se toda a situação realmente não tinha jeito.
— O que foi então?
Crecy olhou para cima, percebendo que ele ainda estava
aguardando uma resposta. Ela sorriu para ele, mas suspeitava que
agora fosse uma expressão mais triste. — Você acha que tenho
olhos bonitos — disse ela, sua voz suave enquanto se afastava dele
e se dirigia para a porta da frente.
— Espere — disse ele, seu tom tão exigente como sempre. Ela
hesitou e se virou, vendo-o observando-a, parecendo confuso. —
Você não vai voltar, vai? — perguntou ele, parecendo ansioso de
que ela ainda o desobedeceria, embora a raiva tivesse sumido de
sua voz agora.
— Adeus, Lorde DeMorte — disse ela, fazendo uma reverência
e indo para a carruagem dele.
***
No dia seguinte, Crecy se manteve afastada, não sendo
corajosa o suficiente para arriscar sua sorte até esse ponto. Além
disso, sua irmã precisava de seu apoio. A noite de casamento de
Belle parecia ter sido algo insignificante, com seu marido preferindo
sair e se embriagar, e depois congelar do lado de fora até que Belle
conseguisse persuadi-lo a voltar para dentro.
No entanto, Belle parecia ter um novo senso de determinação
naquela manhã e não parecia precisar dos pedidos de Crecy para
não desistir. À medida que ela falava, no entanto, Crecy percebia
que precisava seguir seu próprio conselho.
— Não tenha medo. Se você não interagir com ele, mesmo que
não seja exatamente uma experiência positiva, bem, você já terá
perdido — disse ela, encorajando a si mesma tanto quanto a Belle.
Belle franziu a testa um pouco, mas parecia ver o sentido por
trás de suas palavras, e Crecy decidiu que não podia desistir. Ela
estava certa de que DeMorte era um homem profundamente
solitário e infeliz, ferido de alguma forma, mas de uma maneira
menos óbvia do que o pobre Edward. Ela precisava descobrir o que
o assombrava tanto e encontrar uma maneira de exorcizar qualquer
passado sombrio que parecia envolvê-lo com tanta dor. A certeza a
dominou, e embora soubesse bem que era o tipo de certeza que
deixaria a pobre Belle apavorada, ela decidiu agir com base nisso,
acontecesse o que acontecesse.
— Você terá que seduzi-lo, Belle — disse Crecy, ela própria
desejando ter a mínima ideia de como fazer tal coisa.
— Crecy! — exclamou sua irmã com óbvio horror, e Crecy não
pôde deixar de sorrir. Meu Deus, se ela soubesse o que ela
realmente estava pensando, provavelmente ficaria chocada a ponto
de desmaiar.
— Oh, Belle — respondeu Crecy, imitando o tom chocado dela.
— Deixe de ser tão boba. Eu sei o que acontece entre um homem e
uma mulher.
— Você sabe? — respondeu Belle alarmada, parecendo como
se todos os seus medos tivessem se concretizado de uma vez. —
Como?
— Oh, esquece! — disse Crecy, impaciente agora, e não prestes
a revelar que tia Grimble a tinha educado em vários pontos que ela
realmente não deveria. — A questão é que o que acontece é
poderoso. Se você conseguir levá-lo para a sua cama, terá uma
chance muito maior de entrar no coração dele! — acrescentou ela,
seu tom feroz, tanto para convencer a si mesma da verdade quanto
a Belle. Afinal, Belle estava casada; isso era certo e natural. Crecy
não estava e era improvável que se casasse, e ela não tinha
evidências para sugerir que DeMorte simplesmente não pegaria o
que ela lhe oferecesse e a deixaria em ruínas.
Mas alguma parte obstinada de seu coração havia decidido que
DeMorte era o único homem que ela queria, e Crecy era
extremamente determinada. Ela o teria ou... ou passaria seus dias
como uma solteirona. Qualquer uma das opções era preferível a
viver com um homem que nunca a entenderia e sempre a
consideraria uma estranha por suas fantasias estranhas e amor pelo
sombrio e mórbido. Ela sentia uma estranha espécie de certeza de
que, pelo menos, isso era algo que seu Gabriel nunca faria.
***
Na manhã seguinte, e para o desgosto de Crecy, elas partiram
para Bath. Pelo que Crecy pôde entender de sua irmã corada, na
noite anterior, Belle de fato havia seduzido seu marido, e tinha sido
uma espécie de triunfo. No entanto, esta manhã, ela se descobrira
sozinha ao acordar, e claramente estava infeliz com isso, e com
razão. Então, Belle estava deixando Winterbourne a sua própria
sorte para dar-lhe tempo para considerar suas ações, enquanto ela
se entregava a algumas compras um tanto atrasadas. Crecy ficou
satisfeita ao ver que ela estava sendo encorajada pela irmã de
Edward, Violette, que parecia determinada a gastar o máximo
possível do dinheiro de seu irmão.
Em circunstâncias normais, Crecy teria ficado encantada com
uma viagem assim. Bath significava livrarias e teatro, duas coisas
que ela gostava de fazer. No entanto, Violette estava olhando para o
guarda-roupa de Crecy com tanta desaprovação quanto havia feito
com o de Belle, e Crecy tinha certeza de que passaria os próximos
quatro dias sendo espetada com alfinetes. Não era um pensamento
feliz, mas talvez valesse a pena se isso a ajudasse a chamar a
atenção de DeMorte.
De alguma forma, ela achava que precisaria de mais do que um
vestido bonito para fazer isso. Afinal, ele era um visconde rico, e
apesar de sua reputação, certamente deve ter havido dezenas de
mulheres que tentaram conquistá-lo. Mas seu nome nunca havia
sido associado a qualquer dama elegível. Na verdade, era de
conhecimento geral que ele nunca se envolvia com inocentes ou
mesmo viúvas, preferindo se entreter em casas de má fama e com
damas menos respeitáveis.
Crecy olhou pela janela e se perguntou se estava se iludindo.
Afinal, ele não havia mostrado o menor interesse nela até agora. Ele
poderia tê-la beijado pelo menos duas vezes até agora, mas não
tinha tirado proveito disso quando qualquer outro homem teria
aproveitado a chance. Era realmente muito deprimente. Qual era o
sentido de ser tão bonita quanto todos lhe diziam que era se nem
mesmo conseguia fazer um homem como DeMorte tirar proveito
dela? Ele obviamente preferia mulheres mais experientes do que
inocentes e bobas, e ela mal podia culpá-lo por isso. Mas, de
alguma forma, ela precisava fazê-lo perceber que ela era muito mais
do que aparentava à primeira vista.
Capítulo 5
“No qual o destino entra em cena.”

Gabriel soltou um suspiro de alívio quando colocou o pé nas


pedras da calçada. Estava chovendo em Bath, e as ruas estavam
encharcadas e lamacentas, mas pelo menos ali ele estava livre da
presença inquietante da senhorita Holbrook e de sua estranha e
determinada perseguição a ele.
Por que ela o escolhera, ele simplesmente não conseguia
entender. Certamente, uma jovem com aparência como a dela
receberia inúmeras propostas. Gabriel tinha que admitir neste
momento que a senhorita Holbrook era incrivelmente encantadora.
Certamente, o suficiente para fazer com que qualquer homem
normal e cheio de vigor ignorasse sua falta de fortuna. Mas, então,
vieram à mente suas cartas, juntamente com todos os peculiares
presentes que ela lhe enviara ao longo dos anos, e ele
experimentou um certo desconforto. Aquele tipo de comportamento,
o conteúdo de suas conversas... nada disso seria bem recebido por
qualquer homem da alta sociedade em que ele conseguisse pensar.
Bem, tanto faz. Isso seria problema do futuro marido dela,
graças a Deus.
Então, ele se lembrou de sua surpreendente revelação de que
ela não tinha o desejo de se casar – com qualquer homem exceto
ele. Um homem mais convencido talvez se vangloriasse um pouco
disso, mas a ideia se alojou sob a pele de Gabriel e o incomodou
como formigas marchando sob sua carne. O que estava
acontecendo na cabeça da pobre garota para que ela desejasse um
homem como ele em vez de... qualquer outro?
Ele balançou a cabeça, recusando-se a pensar nela por mais
um segundo. Ele havia visitado a casa da senhora Wilkins e suas
damas exóticas ontem, como era sua rotina habitual, mas mesmo a
companhia de Mary não havia conseguido aliviar o sentimento
vagamente inquietante que o deixava tão agitado. A ideia de que a
senhorita Holbrook poderia aparecer em sua porta a qualquer
momento era perturbadora, e, embora estivesse determinado a
processá-la como havia ameaçado, não sentia prazer com a ideia.
Então, ele foi embora.
Em vez disso, ele voltou seus pensamentos para seu primo,
com quem ele estava realmente bastante desapontado. Edward
acreditava que Gabriel era o responsável pelo ataque ao marido de
sua irmã, Aubrey Russell, e, no entanto, não havia feito nada a
respeito até o momento. Pelo menos, Gabriel esperava ser
desafiado para um duelo, mas até agora... nada. Era sabido que
Edward estava sofrendo, que sua mente estava desequilibrada após
suas experiências na guerra, tudo isso era de conhecimento geral, e
Gabriel havia esperado que fosse o suficiente para garantir que o
homem agisse de forma impulsiva e buscasse vingança. Mas ele
havia ficado desapontado.
Não pela primeira vez, a ideia de ele e Edward enfrentando-se
em um duelo veio à mente. Gabriel era de longe o melhor atirador e
sabia que derrubaria seu primo, sem dificuldade e com menos
remorso ainda. No entanto, a ideia mais tentadora, aquela que o
mantinha acordado à noite, era permitir que seu tiro errasse o alvo e
rezar para que Edward fosse competente o suficiente para matá-lo
imediatamente. Era uma ideia tão tranquilizadora que Gabriel quase
ansiava por isso.
Então, tudo estaria terminado.
Ele poderia ter falhado, mas pelo menos não se importaria mais.
Afinal, os mortos não podiam ser assombrados.
Gabriel olhou para a imponente arquitetura da Abadia de Bath e
suspirou. Bem, agora ele estava aqui e longe das artimanhas de
uma certa mulher irritante, mas, e agora? Ele não tinha a menor
ideia do que fazer consigo mesmo. Sendo assim, ele fez o que
sempre fazia quando estava perdido e se dirigiu à livraria mais
próxima. Ele gastava mais em livros do que gostaria de admitir, mas
eles eram pelo menos uma fuga da vida real, e uma da qual ele não
precisava abrir mão do controle de seus sentidos para desfrutar. Por
esse prazer, ele pagaria qualquer preço, já que podia arcar com
isso.
Os olhos do dono da livraria, um tanto solícitos, iluminaram-se
ao ver DeMorte entrar pela porta. Gabriel afastou o homem como se
ele fosse uma mosca-varejeira irritante e se concentrou em
examinar as prateleiras. Ele havia reservado um quarto em seu
hotel habitual, onde a criadagem estava bem ciente de suas
peculiaridades. Sua exigência de pontualidade, sua necessidade de
absoluta ordem e das coisas exatamente como ele gostava eram
aceitas, pois ele pagava bem, e, assim, ele estava razoavelmente
contente de que uma noite tranquila o esperava. Seria muito mais
agradável, no entanto, com um bom livro para lhe fazer companhia.
Não era como se alguém mais fosse fazer.
Gabriel ficou um pouco surpreso pela amargura desse
pensamento e se perguntou de onde ele tinha vindo. Ele não teve
que pensar muito, já que o rosto adorável da senhorita Holbrook se
projetou em seus pensamentos junto com seu desejo ofegante de
ser sua amiga.
Embora ele não duvidasse da autenticidade de suas palavras,
Gabriel resmungou com nojo da ideia. Isso podia ser o que ela
achava que queria, ele murmurou interiormente, lembrando-se do
desejo que tinha visto em seus olhos. O que ela provavelmente
conseguiria se continuasse agindo assim era um homem que
aceitaria e mostraria a ela o que significava brincar com fogo.
Exceto que era apenas com ele que ela brincava.
As palavras eram veementes, e ele ficou um pouco surpreso
com a repulsa que sentiu com a ideia de que ela agiria dessa forma
com qualquer outra pessoa. Ele reprimiu a ideia. Ele a conhecia,
sabia que ela era genuína, um tanto peculiar, e, por alguma razão
que ele não conseguia entender, ela o tinha escolhido. Ele sentiu
uma estranha calma diante dessa ideia, o que era perturbador por si
só. Mais uma vez, ele afastou os pensamentos dela com irritação,
colocando um livro de volta na prateleira com um vigor um pouco
excessivo e ganhando um muxoxo de um sujeito com aparência de
dândi que estava ao seu lado.
Gabriel olhou feio e o homem se afastou às pressas.
Maldição.
Ele tinha vindo a Bath para escapar da maldita mulher e, ainda
assim, ela o atormentava.
Gabriel pegou outro livro e folheou as páginas, encontrando uma
descrição da heroína e seus “belos olhos”. Ele franziu a testa,
lembrando-se de outro par de olhos extremamente belos e tentando
lembrar se eles realmente tinham sido daquela estranha tonalidade
de lilás-acinzentado que pareciam em sua mente. Então, ele se
lembrou do calor que viu neles, da forma como o batimento cardíaco
dela havia palpitado sob seus dedos enquanto sua mão repousava
em seu pescoço esguio. Ele poderia tê-la beijado naquele momento,
poderia ter invadido sua boca e ela não teria resistido.
Ela o teria recebido de braços abertos.
Ele se perguntou se ela teria feito a menor objeção se ele a
tivesse levado para seu quarto ali mesmo. A ideia de que ela teria
aceitado seus avanços com entusiasmo, que ela enroscaria seus
adoráveis membros em torno dele e gritaria seu nome, foi repentina
e poderosa, e o deixou rígido de desejo.
Ele praguejou, envergonhado por estar tão excitado em uma
maldita livraria, dentre todos os lugares!
O que diabos havia de errado com ele? Virgens nunca haviam
tido o menor apelo para ele. Qual era o sentido de se envolver com
uma mulher que não tinha a menor ideia de como agradar a um
homem e provavelmente choraria sobre ele depois que o ato fosse
consumado?
Não, obrigado.
E, no entanto, a ideia de ensinar à senhorita Holbrook algumas
coisas fez sua boca ficar seca.
— Olá.
Gabriel deu um salto, horrorizado quando sua nêmesis parecia
materializar-se na sua frente. Oh, bom Deus. Ele tinha enlouquecido
completamente. Pois certamente ela não poderia estar em pé na
frente dele agora, aqui em Bath, em uma maldita livraria, e ele tão
excitado por ela quanto jamais estivera em toda a sua vida.
Por favor, Deus, que ele esteja louco. Seria mais fácil lidar com
isso.
Deus, no entanto – como era de se esperar – não estava do seu
lado.
— Você não pode me processar — disse ela apressadamente,
seus lindos olhos lilases – sim, lilases – apenas um pouco ansiosos.
— Eu não fazia ideia de que você estaria aqui, e este é um lugar
público.
Gabriel gemeu e agradeceu pelo sobretudo que usava, pois
escondia seu desconforto.
— Meu Deus, ajude-me — murmurou, olhando para ela e
encontrando sua raiva ganhando vida com o divertimento em seus
olhos.
— A minha companhia é um destino tão terrível de suportar,
milorde? — perguntou ela com um tom tão inocente em sua voz que
ele bufou.
— Sim.
Ele virou as costas para ela e se afastou, decidindo olhar os
livros de filosofia em vez disso, certamente uma jovem não se
interessaria por... Ele ousou olhar por cima do livro que segurava e
viu-a ao seu lado, com o nariz enfiado em “Fenomenologia do
Espírito”, de Hegel.
— Você não pode estar falando sério! — exclamou ele, tão
incrédulo com a escolha de título dela que não se sentiu provocado
pelo fato de ela tê-lo seguido.
Ela franziu o nariz em confusão, o que ele se recusou a achar
minimamente adorável, e depois pareceu realmente um pouco
incomodada.
— Eu já o li — declarou ela, com serena dignidade.
— Você não leu — retrucou ele, antes que o bom senso lhe
dissesse para manter a boca fechada e se afastar.
Ela o encarou, com um brilho desafiador nos olhos, enquanto
fechava o livro com um estalo e o entregava a ele.
— O prefácio diz... — Ela limpou a garganta e respirou fundo
enquanto começava a recitar. — “Colaborar para que a filosofia se
aproxime da forma da ciência – da meta em que deixe de chamar-se
amor ao saber para ser saber efetivo – é isto o que me proponho.”
Gabriel encarou-a, recusando-se a admitir que estava
impressionado.
— Vá em frente, então — disse ela, acenando com a mão no ar
e parecendo terrivelmente convencida. — Procure.
Ele estreitou os olhos para ela. — Você poderia ter lido essa
passagem há poucos instantes.
— Eu não li! — exclamou ela, parecendo que queria bater o pé.
Ele acreditava nela, é claro. Ela era estranha e irritante e
sempre malditamente presente, mas não era mentirosa. Gabriel riu
e imediatamente se alarmou com o deleite em seus olhos, com o
sorriso que se espalhou por sua doce boca como um sol nascente.
Sentindo-se bastante revoltado com seu súbito romantismo, Gabriel
empurrou o livro de volta para ela e se afastou novamente.
— Deixe-me em paz, senhorita Holbrook — resmungou ele, ao
descobrir que ela o havia seguido mais uma vez e observava sua
seleção de romances com interesse.
— Não, milorde — sussurrou ela, aproximando-se um pouco
mais dele.
Gabriel suspirou e decidiu ignorá-la. Tudo o que ele tinha que
fazer era escolher um livro, qualquer livro, mesmo que já o tivesse,
ele não se importava. Ele pegou um aleatoriamente e folheou a
primeira página. A senhorita Holbrook se aproximou e, para sua
surpresa, inclinou-se na sua direção, sua mão cobrindo a dele
enquanto o fazia abaixar o livro para que ela pudesse ver qual era.
— Oh, não — disse ela, sua voz baixa e íntima e um tanto
ofegante, como se soubesse que estava dançando ao redor das
chamas e desafiando-as a queimá-la. — Não leia esse. Você ficará
terrivelmente entediado. Eu fiquei — disse ela, olhando para ele por
baixo de seus cílios mais uma vez. — E... eu odiaria pensar em
você sentado sozinho esta noite, e... entediado.
Ele a encarou de volta.
Antes que ele realmente tivesse pensado nisso, antes que a
aceitação consciente da ideia sequer passasse por sua mente e
fosse completamente rejeitada porque era a senhorita Holbrook e
eles estavam em um local público, pelo amor de Deus... ele se
moveu.
O livro caiu no chão, completamente esquecido, enquanto ele a
agarrava pelos pulsos e a forçava contra as prateleiras de livros, seu
corpo pressionando contra o dela, firme e implacável contra sua
suavidade.
Ela deu um suspiro, mas não gritou, não pareceu chocada ou
horrorizada. Não. A pestinha levantou a boca e ficou nas pontas dos
pés.
Gabriel se recusou a beijá-la. Recusou-se a fazer parte desse
jogo com o qual ela estava tão determinada a jogar. Ele não
brincava com inocentes. Ele não tinha desejo por elas, nunca teve.
Exceto que a senhorita Holbrook já estava muito ciente de que isso
era uma mentira, então, não havia muito sentido em expressar sua
indignação. Ela podia sentir seu desejo, já que não havia um
centímetro de espaço entre eles, e era difícil não notar.
— Você pensa em mim à noite? — perguntou ele, as palavras
saindo antes que pudesse detê-las, querendo saber se ela era
apenas uma garota tola com sonhos românticos, ou uma mulher que
fantasiava sobre o que poderia realmente acontecer entre eles se
ele assim permitisse.
— Você sabe que eu penso — respondeu ela, sem hesitação ou
constrangimento, e sem traços do fingimento virginal ou timidez que
o teriam feito sair correndo. Ela o encarou, seu olhar ousado e
inquisitivo. Observando-o como se ela se perguntasse o que ele
faria em seguida.
Gabriel também se perguntava.
— Você quer que eu te beije — disse ele, as palavras
assertivas, não uma pergunta.
Ela sorriu para ele e assentiu. — Sim, por favor — respondeu
ela, toda disposta e ansiosa. Como se estivesse faminta e ele lhe
tivesse oferecido chá e bolos.
— Eu não vou fazer isso — rosnou ele, zangado com ela por
atormentá-lo, por perturbar sua vida e interferir em seus planos. Ele
não tinha tempo para ela, não tinha necessidade dela, nenhum
desejo...
— Tudo bem — disse ela com a voz suave e divertida. — Eu
vou beijar você em vez disso.
Antes que ele pudesse articular uma resposta, ou melhor ainda,
afastar-se, ela pressionou a boca contra a dele.
***
Crecy se perguntou brevemente se finalmente havia
enlouquecido. Belle estava em algum lugar na loja, e beijar o
Visconde DeMorte em um local público certamente estava na lista
de coisas pelas quais uma moça poderia ser internada, certo?
Deveria estar.
Mas, então, sua boca encontrou a dele e ela se surpreendeu
com a suavidade de seus lábios. De alguma forma, ela não
esperava por isso. Uma onda de calor percorreu seu corpo, fervor e
desejo desenrolando-se sob sua pele, e ela pressionou os lábios
contra os dele um pouco mais firmemente. Ela sentiu DeMorte
inspirar e forçou seus olhos a se abrirem, para olhar para cima e ver
o choque intenso em seus olhos quando ela recuou um pouco.
Ele não se moveu, nem falou. Na verdade, parecia bem
atordoado, pensou ela com um toque de desapontamento. Será que
isso era uma coisa boa? Ela desejava poder saber.
Ele se afastou repentinamente, da mesma forma que havia
segurado seus pulsos no início, e soltou-a, afastando-se, olhando
para ela como se ela fosse uma criatura alienígena que ele nunca
tinha visto.
— Você é louca — disse ele com a voz rouca e cavernosa, e
soando realmente bastante abalado.
— Está vendo — disse ela, mantendo o tom calmo, embora seu
coração parecesse que ia explodir ou parar se continuasse batendo
no ritmo errático atual. — Eu te disse que éramos um par perfeito.
Ele abriu a boca e ela esperou que ele falasse, mas nada
aconteceu. Fechando-a novamente com um estalo, ele se virou e
ela sabia que ele iria embora.
— Não vá — disse ela, o apelo em sua voz bastante claro. —
Por favor. — Crecy se agachou para pegar o livro que ele havia
deixado cair. — Você ainda não encontrou nada para ler —
acrescentou, as palavras apressadas, mas ditas com um sorriso
quando se levantou novamente. — Pelo menos deixe-me encontrar
algo para você. — Ela se virou de volta para as prateleiras, sabendo
que, quando se virasse de novo, ele provavelmente já teria ido
embora, e esperou ouvir o som de seus passos se afastando, mas
ele não veio.
Ela examinou as prateleiras, ignorando título após título até
encontrar um do qual achou que ele poderia gostar. Ela sorriu
quando encontrou “Tom Jones”, de Henry Fielding, virou-se e
ofereceu o livro a ele com um sorriso presunçoso.
Ele ainda estava parado ali, observando-a com uma expressão
de profunda desconfiança em seus olhos, como se estivesse
encurralado por um animal selvagem que poderia virar-se e mordê-
lo a qualquer momento.
— Você já leu este? — perguntou ela, enquanto seus olhos se
moviam relutantemente de seu rosto para o livro. Ele o tirou dela,
ainda mantendo-a à distância de um braço enquanto pegava o livro
e estudava o título.
Ele bufou, incrédulo. — Há muito tempo, sim, mas não me diga
que você também leu? — quis saber ele, seus olhos azul-índigo
agora cintilando de curiosidade.
Crecy corou um pouco, mas encarou seu olhar e assentiu. Ela
estava bem ciente de que o conto obsceno era chocante e
definitivamente não considerado um texto adequado para jovens
damas.
— Sim, li — disse ela, erguendo o queixo um pouco, desafiando-
o a repreendê-la. Se ele o fizesse, ela ficaria profundamente
desapontada com ele. — E... — Ela engoliu em seco, sabendo que,
se algo o chocaria, seria isso, já que os títulos faziam Tom Jones
parecer uma história para ninar para crianças. — Eu li Fanny Hill
também, e... e de Sade.
Os olhos dele se arregalaram com isso, e ela pôde ver que ele
estava chocado de fato, mas a curiosidade pareceu superar essa
resposta imediata.
— O que leu de Sade? — perguntou ele, franzindo a testa para
ela agora.
Crecy limpou a garganta, ciente de que suas bochechas
estavam queimando. — “Filosofia na Alcova”— disse ela, ciente de
que parecia desafiadora.
Ele soltou uma curta e surpresa gargalhada. — Meu Deus —
sussurrou ele. — E, ainda assim, você persegue um homem como
eu? A história não te deu motivo suficiente para ficar longe de mim?
E se eu for como o homem do livro? — Ele fez uma pausa, olhando
para ela, seus olhos agora duros. — E se você for como a garota?
Crecy corou ainda mais, mas se recusou a desviar o olhar ou
permitir que ele a intimidasse. — Eu não sou como aquela garota —
disse ela, sua voz tremendo um pouco. — E... bem, sim, está bem,
eu fiquei profundamente chocada, se você quer saber.
Um sorriso presunçoso se formou em seus lábios.
— Mas eu também aprendi muito — acrescentou ela, enquanto
DeMorte a encarava perplexo e, então, praguejou. Ele se virou,
murmurando entre dentes, e depois olhou de volta rapidamente. Sua
expressão sugeriu que ele não fazia a menor ideia do que pensar
dela. — E você não é nada como ele — acrescentou ela, rezando
para que isso fosse, de fato, verdade.
Ele soltou uma risada irônica. — Você não tem ideia se isso é
verdade. — disse, sua voz soava desdenhosa, sua expressão era
de escárnio, desafiando-a a acreditar que ele era algo menos que
um monstro devasso.
Crecy assentiu. — Eu sei — disse ela, percebendo que suas
mãos estavam cerradas, o tecido de suas saias avolumado e
amassado devido ao seu aperto ansioso. — Mas eu acredito que é,
e... e até que você me deixe conhecê-lo melhor, eu só posso ser
guiada pelos meus sentimentos por você.
DeMorte parecia ligeiramente nauseado com isso e fez uma
carranca. — E se... — indagou ele com desprezo, suas palavras se
tornando um sussurro ríspido enquanto abaixava a voz. — E se eu
permitir que você me conheça melhor? — disse, o tom de sua voz
implicava uma maneira muito física de conhecê-lo, e o fôlego de
Crecy ficou preso na garganta. — E se eu tirar proveito de seus
avanços escandalosos e a arruinar, como você claramente deseja...
e, então, você descobrir que sou tão sombrio e perverso quanto os
personagens do livro. E então? — falou, sua voz era baixa, dura e
zangada, e Crecy engoliu em seco, sabendo que ele a estava
alertando. Ela poderia muito bem estar errada, ela poderia se tornar
um motivo de fofocas, uma mulher infame, alvo do ridículo e da
vergonha para todos que a conheciam.
— Pelo menos vou saber — sussurrou ela, sentindo um nó na
garganta com a ideia de que talvez nunca ganhasse essa batalha
por sua alma, por seu coração, essa luta de vontades. Talvez ela
não fosse forte o suficiente, corajosa o suficiente. Talvez ela
simplesmente não fosse... suficiente? — Pelo menos eu terei feito
algo para assumir as rédeas do meu destino com minhas próprias
mãos — disse ela, sabendo que, nisso, pelo menos, estava certa. —
Em vez de me casar com um homem que vai me possuir e controlar,
e nunca, jamais me conhecer.
DeMorte sustentou seu olhar, e ela não tinha a menor ideia do
que ele estava pensando. Ele desviou o olhar dela, encarando o
livro em sua mão.
— Eu gostei deste, foi... divertido. Eu não tenho uma cópia,
aliás.
Crecy assentiu, fazendo um esforço para não sorrir, sentindo
como se tivesse vencido uma batalha, embora pequena. Ele olhou
para ela, seus olhos ainda cheios de suspeita.
— Como diabos conseguiu tais títulos? — perguntou ele, suas
sobrancelhas escuras unidas, embora sua expressão fosse mais
intrigada do que desaprovadora.
— Depois que meu pai morreu, tivemos que empacotar a
biblioteca dele. Muitos dos livros foram vendidos, já que não
podíamos mantê-los — acrescentou com verdadeiro pesar. Essa
tinha sido uma época muito sombria em sua vida. — Mas eu
encontrei esta caixa secreta, e esses livros estavam lá, e... bem, de
qualquer maneira, nunca poderíamos tê-los vendido — disse ela,
sentindo-se um pouco indignada com o brilho de riso em seus olhos.
— E-então eu fiz novas capas para eles e... e novos títulos e os
escondi no meu quarto.
Ela não tinha certeza, mas achava que viu seus ombros
tremerem um pouco.
— E qual... diga-me — perguntou ele, beliscando o nariz e
fechando os olhos como se temesse a resposta —, é o novo título
da pequena obra-prima de Sade?
Crecy deu um pequeno e dignificado suspiro e franziu os lábios.
— “Canções da Inocência e Experiência”, de William Blake.
Ela observou a luta interna por trás de seus olhos com
curiosidade até que ficou claramente demais para ele, e, para sua
alegria, ele começou a rir alto. Naquele momento, ele parecia
transformado, seu rosto iluminado com alegria, seus olhos de
repente azuis como o céu de verão quente em vez de um oceano
glacial. Crecy observou. Ela teve a sensação de que seu coração
havia sido de alguma forma exposto, parecia cru e vulnerável, e ela
soube naquele momento que estava certa sobre ele. O pensamento
lhe deu coragem, e ela decidiu que Gabriel Greyston seria dela. Não
importava o que ela tivesse que fazer, que riscos tivesse que correr.
Ela daria tudo pela chance de salvá-lo da escuridão na qual ele
obviamente habitava.
Capítulo 6
“No qual nossa heroína é suspeita de bruxaria.”

Gabriel parou abruptamente, o som estranho ecoando pelas


altas paredes da livraria. Ele não conseguia se lembrar da última
vez que havia rido. Uma risada verdadeira, aquela nascida do
genuíno entusiasmo e prazer, em vez do tipo que reservava para
aqueles que buscavam por sua piedade ou imploravam por sua
compreensão. Essa risada ele conhecia bem o suficiente. Era cruel,
dura e implacável, resumindo-o perfeitamente. Se ao menos essa
jovem tola abrisse os olhos para a verdade, veria isso em um
instante. No entanto, esses olhos lilases não pareciam ter
romantizado ele. Na verdade, quanto mais ela olhava, agora com
aquele olhar direto e perspicaz, mais desconfortável ele ficava. Ele
tinha a mais estranha sensação de que ela podia ver através dele.
Era perturbador.
— Você tem uma boa risada — disse ela, sorrindo para ele. —
Gostaria de ouvi-la com frequência.
Seu rosto voltou à sua expressão naturalmente taciturna, o olhar
carrancudo muito mais confortável do que a inversão forçada de
seus lábios, que lhe parecia estranha e falsa de alguma forma.
— Estou rindo de você, sua menina ridícula — disse ele,
sabendo que era mentira, mas precisando que ela o deixasse em
paz. Ele não queria a jovem irritante por perto, desestabilizando-o,
fazendo-o rir sem motivo aparente.
Crecy bufou, e ele se viu erguendo uma sobrancelha para o
escárnio que ela conseguia transmitir.
— Para um homem tão ruim, você é um péssimo mentiroso —
disse ela, parecendo divertida. — E acho que você pode perceber...
eu não sou nenhuma menina. — Isso foi acrescentado com um
olhar um tanto vaidoso que o desafiava a tentar fingir que suas
curvas obviamente femininas eram algo menos do que eram.
Gabriel sentiu sua irritação subir mais um patamar.
— Você não tem outro lugar para estar? — exigiu saber ele,
agora com a voz ríspida. Estava ficando impaciente, com uma
sensação estranha e inquietante sob a pele que o perturbava. —
Você não deveria estar nos salões de baile ou tomando chá com
amigos, fazendo compras ou qualquer outra coisa, maldição.
O semblante dela entristeceu, e por um momento ele esperou
ter conseguido ofendê-la. Mas ela só soltou um gemido e revirou os
olhos.
— Oh, nem me lembre — murmurou ela, parecendo realmente
desgostosa agora. — Tenho que fazer uma prova de roupas esta
tarde.
Gabriel franziu o cenho, curioso por descobrir que ela não
gostava dessas coisas. — A maioria das mulheres adora gastar
dinheiro em novos vestidos.
Ela devolveu-lhe um olhar mordaz, com uma sobrancelha loira
elegante arqueada para ele. — Acho que já ficou provado que eu
não sou como a “maioria” das mulheres.
Gabriel reprimiu o desejo de rir, mantendo os lábios firmes, com
dificuldade. Ela era divertida, essa criatura peculiar. Absurda e
irritante além da conta, mas divertida.
— Então, o que você está procurando aqui hoje? — perguntou
ele, fazendo um gesto para as prateleiras ao seu redor. — Eu não
acho que você vai encontrar nenhum de Sade nas prateleiras —
acrescentou, com um sorriso sarcástico. Para sua decepção, ela
não corou.
— Não, eu não acho que vá encontrar — respondeu ela, com a
voz firme e completamente desavergonhada. — Eu vou ter que
pegar emprestado o seu.
A franqueza de seu olhar, a maneira ousada de falar com ele –
Gabriel sabia que qualquer outra pessoa teria ficado chocada, talvez
até mesmo enojada. Mas ela era... intrigante.
— Na verdade, eu vim fazer um pedido de um livro — disse ela,
seus olhos de repente cheios de entusiasmo. — Ouvi falar sobre ele
através de uma amiga do autor, e parece bastante fascinante.
Gabriel a observou com interesse. A vivacidade parecia iluminá-
la por dentro, uma centelha de alegria à qual era difícil de resistir.
Ele extinguiria essa centelha em pouco tempo se ela continuasse
seguindo por esse caminho perigoso, embora quisesse ouvi-la
contar sobre o livro que tanto cativou sua imaginação.
— É uma reinterpretação da história de Prometeu — disse ela,
dando um passo para chegar mais perto dele. — Conta a história de
um cientista e como ele cria a vida. Ele pega pedaços de muitos
cadáveres diferentes, costura-os todos de volta e cria uma criatura
que, na verdade, vive, respira e pensa!
Gabriel piscou, encarando-a espantado.
— Imagine só isso — disse ela, quase sem fôlego, cheia de
entusiasmo. — Uma monstruosidade alta e horrenda que sai em
uma caçada ao seu criador quando o cientista o rejeita. Parece ser a
história da criação de um monstro, mas pelo que posso dizer, o
cientista é mais monstruoso do que sua criatura.
Embora odiasse admitir, a curiosidade de Gabriel foi realmente
aguçada por esse conto sobrenatural. — Quando será publicado? —
perguntou ele, odiando o fato de estar interessado, mas querendo
saber mesmo assim.
Seu semblante demonstrou decepção, e ela bufou de frustração.
— Só no Ano Novo — disse ela, parecendo tão profundamente
desapontada que Gabriel quase permitiu-se sorrir novamente. — O
único motivo de eu saber disso é que meu amigo é parente de Mary
Wollstonecraft. O livro está sendo publicado anonimamente, mas, na
verdade, é a filha dela quem o escreveu. — A senhorita Holbrook
parecia bastante entusiasmada naquele momento. — Apenas
imagine — disse ela, parecendo extremamente alegre. — Como
todos ficarão chocados quando descobrirem que uma obra como
essa – pois deve criar um alvoroço – foi escrita por uma mulher. —
Havia tanto triunfo em seus olhos que Gabriel riu com diversão.
— Da minha parte, não me surpreende nem um pouco que uma
mulher seja capaz de criar um conto tão macabro — disse ele, com
um tom seco, enquanto a observava desconfiado.
A senhorita Holbrook riu com alegria e pareceu se distrair, dando
um passo mais perto dele e segurando sua mão.
— Não, é claro que você não está surpreso. Você me conhece
muito bem para duvidar da possibilidade.
Gabriel congelou quando os dedos quentes dela se fecharam ao
redor dos seus, e ele puxou a mão rapidamente.
— Eu não te conheço nem um pouco, senhorita Holbrook —
disse ele, com a voz fria e indiferente.
Ele se virou um pouco, franzindo a testa para o livro que ainda
segurava nas mãos e evitando a franqueza de sua expressão. No
entanto, ele pôde sentir o ardor do olhar dela sobre ele, tão caloroso
quanto sua mão havia sido em sua pele.
— Sim, você conhece — disse ela com a voz baixa. — Se você
leu minhas cartas, você deve conhecer.
— Eu as queimei, todas elas — rosnou ele, virando-se
novamente para ela com uma explosão de raiva. Quem diabos ela
pensava que era, afinal? Que direito ela tinha de falar com ele de
maneira tão íntima?
Ela o encarou por um momento e ele se forçou a sustentar seu
olhar, sabendo que parecia zangado e vingativo. Para sua
consternação, depois de estudá-lo por mais um momento, ela soltou
um suspiro de alívio.
— Não — disse ela, balançando a cabeça e sorrindo para ele.
— Não o fez. Você leu todas elas.
Gabriel arregalou os olhos, um arrepio de ansiedade
percorrendo sua pele. A mulher era uma bruxa maldita. Como
diabos ela poderia saber disso?
— Eu conheço você, Gabriel — disse ela, respondendo à sua
pergunta não dita e confundindo-o ainda mais. O uso de seu nome
era chocante. O fato de ela ser tão ousada, em primeiro lugar, já era
surpreendente o suficiente, mas ouvi-la pronunciando-o com tanta
ternura... Ela estendeu a mão e colocou-a hesitantemente contra
seu peito, e Gabriel resistiu ao impulso de fugir. Ele estava muito
curioso para descobrir. Como ela poderia conhecê-lo? — Eu
conheço sua alma — sussurrou ela, aproximando-se. — Ela
pertence à minha.
Gabriel deu um passo para trás, todos os instintos lhe dizendo
para fugir dessa estranha criatura, dessa bela tentadora que
ameaçava conhecê-lo, que insinuava que já o conhecia.
— Está tudo bem — disse ela com a voz suave, enquanto tirava
a mão e se afastava, como se soubesse que o havia pressionado o
máximo que podia. — Eu preciso ir agora. Mas estarei em Sydney
Garden amanhã à tarde, às duas. Pelo menos, estarei se conseguir
escapar — disse, com um sorriso malicioso. — Você me encontraria
lá? Por favor?
— Não.
Ela não disse mais nada, seus olhos procurando seu rosto de
uma maneira que o deixava profundamente inquieto.
— Bem — disse ela, dando de ombros. — Eu estarei lá, perto da
ponte sobre o canal. Vou esperar por você. — Ela fez um gesto com
o livro em sua mão. — Espero que você goste. — Com isso, ela
deu-lhe um último sorriso deslumbrante e lançou-lhe um olhar que
indicava pesar, antes de se virar e deixá-lo sozinho.
Gabriel simplesmente permaneceu lá, parado e se perguntando
o que diabos tinha acontecido. Ele ainda estava lá, olhando para o
livro estúpido com uma expressão vazia quando o dono da loja o
encontrou e perguntou se poderia ajudar em algo. Gabriel lhe
entregou o livro sem dizer uma palavra, pagou o preço indicado e
voltou furiosamente para seu quarto de hotel, sentindo-se
completamente irritado.
***
Crecy tentou se comportar durante a prova de vestido e
demonstrar entusiasmo por todas as coisas adoráveis que lhe foram
mostradas. De fato, Violette, que insistia para gastar o dinheiro de
seu irmão o mais rapidamente possível, tinha um gosto requintado.
Sendo esse o caso, Crecy simplesmente se entregou às mãos de
Violette e permitiu que ela tomasse conta de suas compras. Isso lhe
deu tempo para voltar à conversa com Gabriel e sonhar com aquele
beijo.
Se Belle achou estranho que ela não reclamasse ou
resmungasse de impaciência nem uma vez, enquanto era cutucada
e beliscada, não disse nada. Na verdade, Crecy suspeitava que
nunca em sua vida tinha sido tão dócil e obediente, mas queria
estudar cada segundo que passou na companhia de Gabriel,
repassando-os com cuidado em sua mente, revivendo-os.
Meu Deus, como ele tinha medo. Crecy sabia que a maioria das
pessoas riria da ideia. Que o Visconde DeMorte, um homem temido
e odiado, tão poderoso pudesse temer alguma coisa pareceria uma
coisa ridícula de se dizer. Mas para Crecy, era óbvio. Ela conhecia
os rumores, sabia que ele usava de chantagem e dívidas de jogo
para forçar outros a fazer o que ele queria. Ela podia não aprovar
suas ações, mas conseguia entendê-las. Ele estava sozinho e
sempre havia estado, pelo que ela podia perceber. Ela sabia que
seus pais tinham morrido jovens. Sua mãe tinha cometido suicídio
no mesmo dia em que seu pai se matou, diante dos olhos de
Gabriel. O que isso deve ter feito a um jovem menino? As pessoas
que deveriam tê-lo amado e protegido fizeram isso com ele,
deixando-o completamente sozinho no mundo, e de maneira tão
violenta. Seu coração doía por ele.
O fato de que ele tinha medo de confiar, de esperar, de viver...
isso parecia uma reação perfeitamente razoável a tudo o que ele
tinha sofrido. No entanto, Crecy não era uma tola romântica. Ela
sabia muito bem que o caminho em que estava era cheio de
perigos. Ele era um homem adulto e seu caráter não era um que
acolheria mudanças. Além disso, ele não confiava nela o suficiente
para se abrir, bem, isso estava bastante evidente. No entanto, ela
havia sentido seu interesse, sua curiosidade, e tinha, certamente,
sentido seu desejo.
Ela inspirou profundamente, sentindo-se corar. A jovem que
estava ao redor dela, marcando com alfinetes um vestido de viagem
azul muito elegante, exclamou em angústia, acreditando que tinha
furado a pele dela em vez do vestido. Crecy corou ainda mais e
aceitou suas desculpas com um sorriso ansioso antes de voltar aos
seus pensamentos. Embora ela tivesse lido todo tipo de informações
e conhecimentos que uma jovem não deveria saber, ainda ficou um
pouco surpresa com a evidência física de seu desejo.
Principalmente, pela sua própria reação a isso. Ela se sentira como
se estivesse derretendo, como se um fogo tivesse sido aceso bem
no fundo dela e tudo ao seu redor estivesse liquefazendo,
aquecendo seu sangue, queimando-a por dentro. Ela ansiava que
ele retribuísse seu beijo, a puxasse para seus braços, a devorasse.
A força e urgência desse desejo eram bastante aterrorizantes, mas
Crecy estava determinada a abraçá-los. Ela teria Gabriel, em todos
os sentidos possíveis, e pelo menos então, se falhasse em
conquistar seu coração, ao menos teria vivido e experimentado o
que significava amá-lo por si mesma.
Naquela noite, eles foram ao Theatre Royal, na Beaufort
Square. Era um edifício suntuoso, e Crecy estava encantada que o
marido de Violette, Aubrey, tinha conseguido um camarote para
eles. Dali, ela podia ver tudo. As paredes eram ricamente forradas
com um tecido estampado de vermelho e um padrão egípcio com
franjas de listras douradas. Os assentos e as bordas dos camarotes
também eram cobertos de tecido, e Crecy alisou os dedos sobre a
sensação luxuosa, deleitando-se com a experiência. A parte frontal
de cada camarote estava pintada da mesma cor escura, com quatro
largas listras douradas e rolos dourados ao centro. Era realmente
um edifício magnífico.
Tanta opulência e a chance de desfrutar de uma apresentação
teatral realmente excelente normalmente teriam deixado Crecy em
êxtase. No entanto, nesta noite, uma vez que o drama inicial de seu
ambiente havia se dissipado, ela achou difícil se concentrar nos
atores ou em suas encenações. Sentia-se imersa em uma história
muito mais dramática em sua própria vida, e seus pensamentos
voltavam repetidamente para Gabriel, para o olhar surpreso em
seus olhos quando o beijou, para a expressão assombrada,
assustada que tinha visto, embora brevemente, piscando por trás da
máscara perpétua de escárnio e desdém que ele usava.
Crecy se perguntava se ele viria no dia seguinte ou se estava
perdendo seu tempo. Ela não deveria ficar desapontada se ele não
aparecesse, dizia a si mesma, mesmo sabendo que era inútil. Ela
estava desesperada para vê-lo novamente. Se ele viesse, então,
certamente havia esperança. Certamente ela havia causado
impressão suficiente para intrigá-lo um pouco? Uma vozinha em sua
cabeça a advertia de que Gabriel a usaria se ela assim permitisse e
a descartaria quando terminasse, mas ela se recusava a ouvi-la. Ela
tinha feito sua escolha, decidido se arriscar, por isso, agora, devia
jogar com as cartas que lhe foram dadas.
Capítulo 7
“No qual Gabriel é superado.”

— Espere! — vociferou Gabriel, quando seu criado bateu na


porta de seu quarto. Mal eram cinco da manhã, mas Gabriel havia
dormido pouco, recolhendo-se tarde e acordando cedo. O trabalho
como seu criado provavelmente não era de se invejar, embora ele
pagasse o suficiente para evitar perdê-lo, considerando tudo.
Mudanças em sua rotina deveriam ser evitadas a todo custo, e
treinar um novo criado era estressante demais para ser
contemplado.
Gabriel retirou da penteadeira os itens que o hotel havia
colocado para uso dos hóspedes, pegando cada item entre o dedo e
o polegar e deixando-o cair na cadeira ao seu lado com uma
expressão de desgosto. Ele achava a ideia de usar coisas que
talvez tivessem sido tocadas por qualquer pessoa antes dele
repulsiva ao extremo e tinha o cuidado de sempre ter suas próprias
coisas consigo. Nunca viajava repentinamente, sempre garantindo
que tudo o que precisava estivesse à sua disposição no momento
em que fosse necessário.
Uma vez que a superfície estava limpa, ele tirou um lenço e
limpou a parte superior da mesa com muito cuidado, garantindo que
cada centímetro da madeira estivesse limpo. O lenço foi, então,
retirado para ser colocado com suas roupas sujas para lavar. Em
seguida, ele se dirigiu à sua valise de viagem e começou a retirar da
mala os itens necessários para sua toalete matinal. Cada item foi
colocado, endireitado e arrumado três vezes, até que tudo estivesse
disposto com meticuloso cuidado. Ele não duvidava de que seu
criado tivesse se acomodado enquanto esperava, muito acostumado
ao que suspeitava que todos os seus criados consideravam os
pequenos caprichos de seu empregador excêntrico, que o interlúdio
não o surpreendeu. Somente quando Gabriel estava certo de que
tudo estava em seu lugar exato, ele chamou seu valete para entrar.
Embora sua atenção aos detalhes pudesse sugerir o contrário,
Gabriel não era vaidoso de forma alguma. Ele se importava pouco
com sua própria aparência, desde que estivesse arrumado e limpo,
e não tinha absolutamente nenhum interesse pela moda. Seu cabelo
estava muito comprido, o que era uma constante preocupação para
seu valete, que implorava para que o cortasse, sem sucesso. A ideia
de arrumar e modelar seu cabelo de maneira ridícula todas as
manhãs era horrível. Uma fina fita de veludo preto o mantinha fora
do caminho e razoavelmente arrumado, apesar de ser terrivelmente
antiquada. Afinal, quem se importava com o que os outros
pensavam dele?
Além disso, Gabriel estava muito consciente de que suas rotinas
um tanto compulsivas já ocupavam bastante de seu tempo, e,
embora se recusasse a torná-las mais complexas, elas acabavam
sendo uma batalha constante. Apesar de dizer a si mesmo
diariamente que o sentimento de pavor que o varria – se ele sequer
considerasse sair do quarto antes que cada item na penteadeira
fosse colocado em seu devido lugar e verificado três vezes – era
completamente ridículo, ele não conseguia se livrar do desejo de
fazê-lo. Se tentasse, e ele tinha tentado, sentiria uma sensação
muito estranha enquanto se afastava, um formigamento violento
percorrendo sua espinha enquanto sua boca ficava seca, com o
pânico subindo em sua garganta. Ele sabia, também, que se
permitisse, esse comportamento se espalharia para outras áreas de
sua vida, mas isso ele combatia, embora fosse uma guerra
contínua. Ele sabia que sua mente estava determinada a derrotá-lo,
constantemente enfraquecendo-o e dizendo-lhe que era inútil e um
tolo. Às vezes, ela vencia, e nesses momentos parecia que seu pai
estava rindo dele, sabendo que estava certo o tempo todo. Então,
Gabriel lutava. Ele se recusava a deixar sua mente vencer, mas
cada batalha era difícil e o deixava cada vez mais exausto.
Assim que se vestiu, com seus próprios itens cuidadosamente
guardados apesar do fato de que seriam necessários novamente, e
os itens do hotel recolocados exatamente como estavam; ele estava
pronto para sair. Ele tinha um compromisso a cumprir. A ideia de
que ele tinha outro compromisso naquela tarde passou
gradualmente por sua mente apenas para ser rejeitada. Se a
senhorita Holbrook achava que ele dançaria conforme a música
dela, ficaria tristemente desapontada.
***
O ar dentro da abadia estava gélido. No entanto, Gabriel
permaneceu imóvel, sem tentar assoprar as mãos ou bater os pés.
Ele observou o vitral na extremidade leste do edifício, admirando o
design à medida que o céu branco de inverno, além do vidro,
iluminava as cores. Seus pensamentos, diante de tamanha
vivacidade, involuntariamente tomaram um rumo em direção a uma
jovem irritante, e Gabriel muxoxou, verificando seu relógio. Ele não
suportava atrasos, e seu compromisso já estava dois minutos
atrasado.
Atrás dele, houve um baque abafado da porta da abadia que
ecoou um pouco no espaço cavernoso, e um momento depois,
ofegante, um homem ocupou o assento ao seu lado.
— Perdoe-me, milorde — disse o sujeito, suando profusamente
apesar da temperatura congelante. Ele tirou um lenço e enxugou o
rosto, fazendo uma pausa para ofegar e tossir antes de enfiá-lo de
volta no bolso. Gabriel se afastou com desgosto e se moveu ainda
mais para longe.
— Você o tem? — exigiu saber ele, sem olhar para o pequeno
homem repugnante que o fazia sentir-se arrepiado.
— A-ainda não, milorde — gaguejou o homem, e Gabriel lançou
um olhar mordaz na direção da criatura insalubre, com a pele
pegajosa e pálida, olhos vermelhos e cheios de sangue. — Se o
senhor pudesse me dar mais um ou dois dias.
— Nem mais um dia — respondeu Gabriel, levantando-se. —
Você sabia do acordo. Vou instruir meus advogados a continuar.
— Mas, Lorde DeMorte, por favor!
Tolamente, o homem estendeu a mão, agarrando o braço de
Gabriel, seu rosto suplicante. A expressão nos olhos de Gabriel fez
com que o homem soltasse seu aperto como se tivesse sido
queimado.
— Por favor, milorde — disse ele, sua respiração vindo rápida.
— É minha casa, é tudo o que me resta.
Gabriel bufou, sentindo nenhum remorso pela miserável criatura.
— Você deveria ter pensado nisso antes de apostar tudo, exceto a
camisa que está vestindo.
— Mas, qualquer dia desses a minha sorte vai mudar, é certo...
— insistiu o sujeito, seus olhos vidrados de desespero.
— Seu maldito tolo — disse Gabriel com desprezo, revoltado por
um homem que podia ser tão imprudente a ponto de perder tudo o
que possuía apostando na sorte com base na virada de uma carta.
— Mas minha mãe... — disse o homem, juntando as mãos em
súplica. — Pelo menos me dê um dia ou dois para fazer os
preparativos necessários. Para onde ela irá? Não posso custear
uma moradia para ela.
— Para o parente mais próximo dela e longe de você, eu
imagino — disse Gabriel, bufando. — Não tenho dúvidas de que
será um alívio para ela tê-lo fora de vista.
Com isso, ele se levantou e se afastou, deixando o homem
considerar suas ações perante Deus, se é que ele acreditava em
tais coisas.
Depois de uma visita ao seu advogado, que se estendeu muito
do que ele tinha previsto, só conseguiu voltar ao hotel à uma da
tarde. Conforme o combinado, um salão privado havia sido
preparado para ele, juntamente com um prato de carnes frias: carne
de boi, presunto e frango assado, um prato de queijos, uma cesta de
pães e um decantador com clarete.
Gabriel esperou até que a criadagem se retirasse e depois
reposicionou tudo na mesa, notando com irritação que havia quatro
fatias de carne em vez de três, como havia pedido. Ele pegou uma,
franzindo o cenho para ela, antes de jogá-la no fogo. Satisfeito de
que tudo estava como deveria, ele se sentou. Primeiro, comeu a
carne, depois o presunto e, em seguida, o frango, antes de pegar os
queijos e cortar um – preciso – triângulo em cada um, antes de
pegar três fatias de pão. Uma vez terminado, ele despejou um copo
de clarete – até um centímetro abaixo da borda.
***
O relógio sobre a lareira na sala bateu duas horas, e Gabriel
olhou para ele, irritado com o lembrete de que a senhorita Holbrook
estaria esperando por ele. A criadagem já havia feito a limpeza há
muito tempo, e Gabriel se acomodou para ler por uma ou duas
horas. Ele voltou sua atenção para a história, mas se deu conta,
cinco minutos depois, e para sua frustração, que ainda não havia
virado uma página. Por mais que tentasse, a ideia de que a
senhorita Holbrook estava sentada esperando por ele no frio,
enquanto ele estava aqui, o irritava. Era uma sensação incômoda e
desconfortável que parecia um pouco com culpa, e era
profundamente irritante. Gabriel não sentia culpa, nem remorso,
nem se importava minimamente com ninguém além de si mesmo.
Isso tornava a vida muito mais simples.
Furioso, Gabriel voltou seus olhos para o livro e decidiu ler até o
final da página, o que fez. Parecia uma conquista bastante
desanimadora, no entanto, quando tentou virar a página e não
conseguiu se lembrar de uma palavra do que acabara de ler.
Maldição.
Seria merecido para a garota se ele aparecesse, ele pensou,
cerrando os dentes. Se ela fosse vista em sua companhia, os
rumores começariam imediatamente, os cochichos sobre ela e o tipo
de jovem que ela devia ser. Ele contemplou a ideia. Talvez devesse
ir, pelo menos para ensinar-lhe uma lição. Talvez, se ela descobrisse
o quanto as pessoas eram vis e maliciosas de verdade,
reconsideraria e o deixaria em paz.
Ele ficou imóvel por mais cinco minutos, seus dedos batendo na
coxa enquanto a irritação subia por seu pescoço. Isso era
absolutamente ridículo. Como se ele já não tivesse obsessões
suficientes com as quais lidar, sem que alguma loira excêntrica de
olhos arregalados retribuísse o favor.
— Está bem — murmurou ele, levantando-se. Ótimo. A palavra
era selvagem, mas havia risos correndo por sua mente, uma voz
zombeteira e provocadora que o ridicularizava por ir atrás da garota
quando o chamava. Ele tentou bloquear a voz, assegurando-se de
que seria ríspido e desagradável e tão vil como só ele sabia ser, e
então, ela nunca mais o veria. Mas a voz zombeteira ainda ecoava
em sua mente, dizendo-lhe que era fraco, um tolo, um tolo
imprestável.
Quando Gabriel chegou a Sydney Gardens, já passava das
duas e meia. Ele havia caminhado rápido, com as passadas longas
consumindo a distância enquanto apressava-se por Great Pulteney
Street, mas com a certeza de que ela já tinha ido embora. Havia um
nó em seu estômago diante da ideia, e ele não conseguia decidir se
era alívio ou decepção. Com irritação, que parecia ser sua emoção
predominante sempre que pensava na senhorita Holbrook, ele notou
que ela havia especificado apenas a ponte sobre o canal como
ponto de encontro. A tola claramente nunca tinha estado lá, já que
havia várias pontes para escolher. Levou um tempo para que ele
verificasse cada ponte, mas finalmente a viu.
Ela estava inclinada sobre uma elegante ponte de ferro,
construída no estilo chinês, e Gabriel teve que parar por um
momento para admirar a imagem. Ela estava vestida com uma
peliça azul-escura, seu bonnet forrado com o mesmo material, e o
veludo escuro fazendo com que seu cabelo loiro brilhasse como
ouro em um dia que era desbotado, branco e desprovido de cor.
Gabriel só conseguia pensar novamente no vitral da abadia, suas
cores cantando contra o céu gélido de dezembro. Por nenhuma
razão aparente que ele pudesse pensar, seu coração se sentiu um
pouco mais leve. Ele observou enquanto a senhorita Holbrook batia
os pés, enterrando as mãos mais profundamente no regalo em volta
do pescoço, e sentiu novamente, aquela profundamente indesejada,
pontinha de remorso por tê-la feito esperar.
Ele engoliu em seco quando ela olhou para cima, a voz em sua
cabeça zombando dele ainda mais quando seu primeiro instinto foi
se virar e se afastar dela, o mais rápido que pudesse. Mas o sorriso
que iluminou seu adorável rosto o fez ficar parado, e quando ela
levantou a mão para acenar para ele, ele sentiu os dedos coçarem
com o ridículo desejo de retribuir o gesto. Ele cerrou os punhos,
recusando-se a ceder a tal comportamento idiota.
Gabriel assistiu enquanto ela corria pela ponte em sua direção e
olhou ao redor, aliviado ao ver que o clima congelante havia mantido
as pessoas mais sensatas em casa. Pareciam estar a sós.
— As jovens senhoritas não correm em público — repreendeu-a
quando ela se apressou em sua direção, tentando manter o bonnet
no lugar com uma mão enluvada. Suas bochechas estavam coradas
e seus olhos brilhavam de prazer, e ela deu uma risada de deleite.
— Oh, pare com isso, Gabriel. Belle tem tentado me corrigir há
anos, e se ela não conseguiu, você certamente não conseguirá.
Gabriel ficou tenso, enfurecido e perturbado como sempre pela
audácia dela.
— Você deve se dirigir a mim como Lorde DeMorte — rosnou
ele, recusando-se a encará-la nos olhos. Havia algo tão vivaz e
vibrante nela que o fazia sentir-se empoeirado e monótono em
comparação. Inútil, murmurava a voz em sua cabeça, e Gabriel a
afastava, apenas para ouvi-la ecoar repetidamente. Ele a olhou
novamente, precisando de algo mais em que pensar, e agradecido
por ela estar falando novamente.
— Eu não achava que você fosse vir — disse ela, sorrindo para
ele e parecendo tão agradecida que ele se sentiu positivamente
enjoado.
— Eu não ia — disse ele, as palavras concisas.
A senhorita Holbrook enlaçou o braço dele e Gabriel ficou tenso,
dividido entre a repulsa por sua audácia e o desejo de permitir que
ela mantivesse o braço ali.
— Eu sei — disse ela, agora sorrindo para ele, como se tivesse
vencido alguma batalha. Com relutância, ele teve que admitir que
ela estava certa. Afinal, ele estava ali. — Por que você mudou de
ideia?
Gabriel começou a andar, estava muito frio para ficar parado, e
a senhorita Holbrook estava claramente tremendo. — Porque me
ocorreu que você era tola o suficiente para congelar até a morte se
eu não viesse — disparou ele, soando profundamente irritado.
Houve uma risada surpreendentemente profunda, e ele olhou
para baixo na direção dela, mais uma vez impressionado pela cor
daqueles olhos incomuns. Hoje, pareciam mais cinza do que lilás, e
ele imaginou que podia ver as nuvens refletidas neles. Reprimindo-
se por ser excessivamente fantasioso, ele a puxou para frente.
— Estou com um pouco de frio — admitiu ela, enquanto
apressava seus passos para acompanhar os dele.
— Você vai ter o que merece se pegar pneumonia —
resmungou ele, puxando-a. Um vento frio atravessava seu casaco, e
se ela estava em pé naquela maldita ponte por quase uma hora,
devia estar congelando. Não havia um lugar fechado onde
pudessem se abrigar sem o risco de serem vistos, então ele seguiu
para a gruta, lançando olhares furtivos ao redor para ver se alguém
estava por perto.
— Não há ninguém aqui, então você não precisa se preocupar
com a minha reputação — disse ela, agarrada ao braço dele e
quase tendo que correr para acompanhar seus passos. — Ninguém
é louco o suficiente para andar nos jardins nesse tempo, exceto nós.
Gabriel lhe lançou um olhar desdenhoso antes de voltar sua
atenção para o caminho. — Eu lhe asseguro, eu não dou a mínima
para a sua reputação. Algo que você talvez devesse considerar,
senhorita Holbrook.
— Oh, por favor, pode me chamar de Crecy — disse ela,
parecendo um pouco impaciente agora, ou talvez estivesse apenas
sem fôlego por tentar acompanhar seu ritmo. — Afinal, se eu vou te
chamar de Gabriel...
— Eu nunca pedi para você assim o fazer, senhorita Holbrook —
rosnou ele, sentindo sua raiva aumentar. Maldição, se houvesse
alguma mulher mais irritante na face da Terra, ele ainda não a tinha
descoberto.
— Não, eu sei — respondeu ela com a voz tranquila, enquanto
ele a guiava ao redor de uma grande poça. — Mas vou fazer de
qualquer maneira, então é melhor me chamar de Crecy.
Gabriel levantou os olhos aos céus e rezou por paciência antes
que a umidade sombria da gruta os tragasse. Não estava mais
quente ali, ele percebeu com pesar, mas pelo menos estavam longe
do vento.
— Oh, que lugar perfeito — disse Crecy, olhando, com deleite,
ao redor das paredes cobertas de musgo.
Gabriel bufou e balançou a cabeça. — Sim, uma caverna fria e
úmida em um dia de inverno congelante. Eu deveria ter imaginado
que você ficaria encantada com isso.
O sorriso que ela lhe lançou com aquele comentário fez algo em
seu peito, e ele baixou o olhar, instantaneamente desejando não o
ter feito quando notou que um dos botões dela não estava
corretamente encaixado no buraco, e apenas metade estava visível.
Gabriel imediatamente estendeu a mão para corrigir isso para
que ficasse igual aos outros antes que seu cérebro processasse a
situação e detivesse sua mão. Ela estava falando de novo, mas
Gabriel não a ouvia, tudo o que conseguia ver era o botão e a
necessidade de consertá-lo zumbindo em sua cabeça como uma
mosca-varejeira enlouquecida. Ele respirou fundo, tentando suprimir
a sensação de alarme enquanto seu coração acelerava e ele
afastava o olhar, tentando se concentrar em alguma coisa, qualquer
coisa. Mas mesmo antes de ter se fixado em algo, seus olhos
estavam voltando para aquele maldito botão.
— O-o que você disse? — perguntou ele, ciente de que ela
estava esperando por uma resposta e tentando se concentrar.
— Eu disse, você já trouxe suas amantes aqui antes?
A pergunta foi quase suficiente para desviar sua atenção da
peliça dela, mas não completamente. Ele se perguntou o que ela
pensaria se soubesse a verdade sobre ele. Afinal, as pessoas
presumiam tantas coisas. Embora ela soubesse que ele não tinha
amantes, pelo menos não mais. Ele visitava prostitutas de vez em
quando, um intercâmbio impessoal com o qual ele se sentia capaz
de lidar. Em algum momento, ele tinha flertado com as experientes
senhoras viúvas da alta sociedade, aquelas que apreciavam sua
crueldade e despreocupação, mas havia tido muitos momentos
como com este maldito casaco. Momentos esses que faziam essas
mulheres olharem para ele com curiosidade – a princípio – mas ele
sabia que o desprezo e a zombaria logo se seguiam, então ele
parou. As prostitutas eram bem pagas, não apenas pelo que faziam,
mas por manterem a boca fechada.
— Não seja ridícula — resmungou ele, sentindo-se subitamente
ofegante à medida que seu olhar deslizava novamente para o botão.
O desejo de corrigi-lo, de recolocar o botão no buraco, estava
deixando-o agitado e completamente incapaz de se concentrar na
conversa.
Crecy estava olhando para ele agora, com o rosto curioso. Bom,
pelo menos agora ela saberia que ele realmente estava
completamente louco e correria na direção contrária. Então, ele não
seria mais incomodado por ela. Curiosamente, ele não encontrou
satisfação em tal pensamento. Ele não queria que ela soubesse
sobre suas... dificuldades, não queria que ela o ridicularizasse, mas
ela seguiu seu olhar, abaixando a cabeça para seus botões para ver
o que ele estava olhando.
— O que houve? — perguntou ela, claramente ciente de que ele
estava desconfortável e sem entender por quê.
Gabriel deu um suspiro, tentando manter sua respiração
constante. — Esse botão — disse ele, apontando para ele com a
mão e desejando que as palavras soassem razoáveis e não como
se estivesse perdendo a cabeça. Mas você está, uma voz sarcástica
sussurrou através de seu cérebro. Ele fechou os olhos, ignorando-a.
— Ele não está bem colocado. Você vai... pegar um resfriado —
acrescentou, fazendo uma carranca internamente porque soava
patético.
Ele abriu os olhos novamente, esperando que ela estivesse
olhando para ele com suspeita, no mínimo, mas ele encontrou
apenas curiosidade em sua expressão.
— Isso está te incomodando — disse ela, expressando o que
era óbvio, mesmo que ninguém mais no mundo o fizesse. Qualquer
outra pessoa o teria ignorado, educadamente, e, depois, zombado
dele por trás.
Ele assentiu brevemente e ela se aproximou um pouco mais
dele.
— Você poderia fechá-lo para mim, por favor? — pediu ela com
o tom suave.
Antes que seu cérebro pudesse processar a situação, ele já
havia estendido a mão e deslizado o botão pelo buraco. Ele soltou
um suspiro de alívio, sentindo-se subitamente mais leve, como se
pudesse relaxar e respirar facilmente agora. Seus dedos ainda
seguravam o botão, circulando a circunferência com o polegar.
Finalmente, capaz de desviar o olhar dele, ele se viu olhando nos
olhos da jovem diante dele.
— Você não deveria estar aqui — disse ele, as palavras duras
agora, desejando que ela fosse embora tanto quanto esperava que
ela ficasse. — Vou arruinar tudo. Vou fazer de propósito. — Seu
conselho foi direto e incisivo. No entanto, ele não deveria ter ficado
surpreso quando ela agarrou a lapela de seu casaco e ficou nas
pontas dos pés, pressionando sua boca contra a dele.
Capítulo 8
“No qual há... um beijo.”

Ele não deveria ter ficado surpreso, considerando tudo o que


sabia sobre ela, mas ficou, mesmo assim. Foi muito além de
qualquer beijo que ele já conhecera, a ponto de sentir como se
tivesse sido atirado em água quente sem aviso. Seus lábios eram
suaves, doces e gentis contra os dele, e muitas emoções o
atingiram de uma só vez. Ela não deveria estar ali. Ela não deveria
estar com ele.
Pedaço inútil de nada, desonra para o nome família, fraco, você
é fraco, Gabriel.
A raiva o atingiu de uma só vez, o desejo de chocá-la, de
assustá-la tanto que ela nunca mais o incomodaria. Ele tinha
encontrado uma maneira de lidar com sua vida, uma existência
monótona com um único objetivo em mente: destruir seu primo. Ele
podia viver com isso, lidar com isso, mas agora ela estava fazendo o
máximo para levá-lo à loucura. Bem, que se dane isso e que se
dane ela. Então, desta vez, ele a beijou de volta.
Seu beijo não era nem suave nem doce, e certamente não era
gentil. Ele a empurrou contra a parede da gruta, forçando sua boca
a se abrir como se fosse devorá-la. Suas mãos se moveram por ela,
deslizando para o suave contorno de suas nádegas, apertando e
pressionando com força enquanto a puxava para perto. Se ela
realmente queria ser arruinada, por que diabos ele não deveria
satisfazê-la, afinal de contas? Desejo e repulsa duelavam dentro
dele, o desejo ardente de levá-la ao chão frio e de pedra e perder-se
em seu calor, competindo contra a necessidade de deixá-la ir, de
deixá-la fugir dele... enquanto ainda podia.
Ele a soltou.
Gabriel se afastou dela, dando as costas e limpando a boca na
manga como se ela o enojasse, embora a única repulsa que
sentisse fosse consigo mesmo.
— Conseguiu o que queria, senhorita Holbrook — disse ele com
desprezo, soando cruel e zangado. — Sugiro que vá embora agora
antes que eu tome mais do que está disposta a me dar.
Ele esperou pelo choro, pelos gritos lastimosos jurando que ele
era um monstro e que ela o odiava, e ficou um pouco desorientado
quando uma voz perfeitamente calma falou com ele.
— Você gostou de “Tom Jones”?
Gabriel se virou, não tendo certeza se estava enfurecido por ela
não estar indignada ou... ou o quê?
— O quê? Não! Quero dizer... sim, mas só li um pouco —
começou ele, vendo o sorriso divertido em seus lábios e sentindo
sua raiva aumentar. — Maldição, esqueça o maldito livro! — Ele
passou a mão pelos cabelos, sentindo como se a senhorita
Holbrook estivesse propositalmente minando o pouco de sanidade
que lhe restava. — Por que você não está correndo de volta para a
sua maldita irmã, chorando rios de lágrimas? — exigiu saber ele,
soando ridiculamente indignado por ela não o ter feito. — Você não
se importou que eu acabei de te devorar em uma gruta úmida e
desagradável, dentre tantos lugares?
Crecy apertou os lábios como se estivesse dando à pergunta
sua total atenção antes de lhe dar um sorriso arrependido. — Na
verdade — disse ela, parecendo um pouco pesarosa. —, eu
esperava que você fizesse isso de novo.
Gabriel a encarou por um momento, enquanto o desejo de fazer
o que ela lhe havia pedido lutava contra seu instinto de
autopreservação. No final, ele jogou as mãos para o alto, virou-se e
começou a se afastar antes de mudar de ideia no último momento e
agarrá-la, suas mãos segurando seu rosto e levantando-o para
encontrar seus lábios.
Desta vez, ele foi um pouco menos grosseiro, embora não fosse
isso que ele tivesse em mente. Ele tinha a intenção de repetir seu
beijo violento e ir além. No entanto, no momento em que seus lábios
tocaram os dela novamente, a raiva o abandonou, e o desejo de
beijá-la adequada e profundamente, venceu sobre tudo o mais.
Ele sentiu as mãos pequenas dela deslizando pelo pescoço
dele, sentiu o suave volume dos seios dela pressionando contra seu
peito enquanto a puxava para mais perto. Ela estava repleta de
ansiedade ardente, maleável em seus braços, e pela primeira vez
ele considerou seriamente levá-la de volta para Damerel com ele e
ensinar a ela tudo o que aparentemente estava tão ansiosa para
aprender. Meu Deus, ela era irresistível, doce demais, inocente
demais... Que diabos ele estava pensando?
Ele a soltou, recusando-se a se arrepender, e tentou com força
não permitir que suas bochechas coradas e lábios inchados
tivessem algum efeito sobre ele. Ele olhou para longe, sabendo que
a visão dela corada e desalinhada por seu beijo o assombraria pelo
resto de seus dias, e se arrependeu de ter saído do hotel. Deveria
tê-la deixado congelar. Sua respiração tremulou contra sua boca, o
desejo queimando tão intensamente em seus olhos que o abalou.
— Vá para casa, senhorita Holbrook — disse ele, soando um
pouco instável e forçando-se a se afastar, sentindo como se tudo a
que ele já havia se apegado para manter a sanidade tivesse sido
abalado, as bases ainda tremendo com as consequências daquilo.
— Pelo amor de Deus, vá para casa e fique longe de mim.
— Não posso fazer isso, Gabriel.
Gabriel fechou os olhos. Havia algo em sua voz que dizia que
ela pretendia fazê-lo se importar, e se ele ficasse aqui mais um
momento, ele não tinha ideia do que aconteceria. Ele precisava se
afastar dela. Então, ele deu meia-volta e foi embora.
***
— Madame Chalon é realmente um gênio, sabia?
O tagarelar animado de Violette envolveu-a enquanto Belle
respondia com um sorriso, concordando completamente enquanto
observava Crecy com aprovação. Crecy ajustou levemente a grande
pena em seu bonnet e sorriu para ela antes de se recostar nos
estofados da carruagem.
— Com certeza, ela é — disse sua irmã, com uma risada, sua
voz calorosa, embora Crecy pudesse ver que havia preocupação em
seus olhos. Sem dúvida, perguntando-se como Edward reagiria à
sua fuga improvisada para Bath. Particularmente, Crecy achava que
havia sido para o próprio bem dele e que havia sido a coisa certa a
se fazer, mas não duvidava que Belle estava se sentindo um pouco
apreensiva com a ideia de enfrentá-lo novamente. Ela poderia muito
bem entendê-la.
Crecy quase havia perdido a coragem ao enfrentar um Gabriel
zangado naquela gruta escura em Sydney Gardens, mas não o fez.
Ela abriu um sorriso, virando a cabeça para evitar que Belle o
notasse enquanto olhava para fora da janela. O campo passava
pela janela enquanto a carruagem as levava de volta a Longwold e
ela observava pequenos e frágeis flocos de neve flutuando na brisa
gelada. Não estava frio o suficiente para se acumular, mas a pedra
quente sob seus pés já havia esfriado, e Crecy ansiava por uma
lareira quente para se aconchegar. Como isso ainda estava a uma
boa hora de distância, ela voltou sua atenção para Gabriel, e, mais
importante, para o beijo dele.
O calor a inundava até os dedos dos pés, e ela mordeu o lábio
para sufocar um sorriso, com medo de que sua irmã notasse e a
questionasse sobre isso. Meu Deus, porém... que beijo tinha sido.
Da primeira vez, ele estava com raiva dela, zangado por ela ter
pegado o que queria sem que lhe fosse concedido. Mulheres não
deveriam agir assim, afinal, era libertino e lascivo. Crecy deu de
ombros, perguntando-se por que as emoções das mulheres
deveriam ser tão distantes das que os homens sentiam. Por que
criar um corpo capaz de paixões e desejos tão intensos e passar
todos os momentos em estado acordado reprimindo-os?
Obviamente, era necessário algum decoro, nada seria feito se o
mundo se transformasse em algum tipo de orgia Bacanaliana – ela
foi forçada a tossir neste ponto para sufocar a gargalhada que
surgiu espontaneamente enquanto imaginava expressar a ideia a
Gabriel. Belle a olhou com curiosidade, mas continuou a falar com
Violette, tão acostumada que estava aos modos estranhos de Crecy
que não comentou. Mas, mesmo assim, por que esses sentimentos
deveriam ser ignorados e reprimidos, como se fosse de alguma
forma vergonhosos? Qual era a vergonha de amar outro ser
humano e desejar tocá-lo?
Crecy suspirou, sabendo que estava completamente fora de
sintonia, e que até mesmo Belle ficaria chocada se ela expressasse
tais opiniões. Em vez disso, ela fechou os olhos e reviveu os
momentos com Gabriel mais uma vez. Sua pegada nela havia sido
feroz, seus braços, muito mais duros e fortes do que ela havia
imaginado sob o sobretudo pesado que ele usava. Ela tinha
deslizado as mãos sobre seu peito, sentindo a curva e o contorno do
músculo poderoso sob seu toque. O desejo se acumulou
profundamente dentro dela, ardente e desesperado, enquanto ela se
perguntava como teria sido a sensação de sua pele como se ela
tivesse ousado deslizar suas mãos por baixo de suas roupas. Ah,
Deus, a ânsia de fazê-lo, de tocá-lo novamente, era uma dor sob
sua pele, um desejo tão profundo que ela conseguia saboreá-lo. Da
segunda vez em que ele a beijou, aquilo havia sido diferente. Ele
estava diferente. Ele queria fugir, queria estar com raiva, mas, no
final, ele não fez nem uma coisa nem outra. Ele cedeu e a beijou
porque queria, e ela estremeceu de prazer ao reviver o calor de sua
boca, o deslizar de sua língua sobre a dela. Crecy engoliu em seco,
sua boca estava seca, ansiando por vê-lo novamente.
Ela sabia que não o veria novamente em Bath. Embora tivesse
esperança e tivesse visitado tanto os jardins quanto a livraria, não
havia sinal dele. Mas tudo bem. Ele precisava de um pouco de
tempo para se acostumar com a ideia dela. Ela entendia isso e não
o forçaria. Pelo menos, ainda não.
***
Gabriel deslizou a mão sobre a pedra fria da cabeça do lobo,
seu polegar movendo-se para frente e para trás sobre a garganta,
erguida para uivar para alguma lua distante. De alguma forma, era
reconfortante, e ele lamentou não a ter levado para Bath com ele.
Se tivesse feito, talvez tivesse sido poupado de algumas das
decisões mais ridículas de toda a sua vida.
Ele rangeu os dentes e concentrou-se na sensação da pedra
fria, na verdade, era ardósia, há muito tempo desgastada e
suavizada pelo uso. Ela era pesada demais para caber no bolso,
infelizmente, mas tinha um peso satisfatório em sua mão, tátil.
Tornara-se uma espécie de talismã, e essa era uma rotina que o
acalmava quando sua raiva atingia níveis perigosos.
A ironia do fato de que a jovem que era a causa de grande parte
de sua ira havia lhe dado a pedra como presente de aniversário
alguns anos atrás não lhe escapou. Todos os anos, no dia
dezessete de abril, havia um presente, sem falta. Ele tinha recebido
um crânio de pássaro – com botões nos olhos e uma combinação
espalhafatosa de penas coloridas coladas de maneira um tanto
desajeitada, um pedaço de uma deslumbrante pirita ou “ouro de
tolo”, um desenho de um cachorro excepcionalmente feio com três
pernas, um poema bastante duvidoso sobre um papagaio morto e
todo tipo de coisas que qualquer outra pessoa consideraria
repugnantes e completamente bizarras. O fato de Gabriel ter
cuidadosamente guardado cada um deles em uma gaveta,
organizados por ano e dispostos com sua precisão habitual,
mostrava apenas a profundidade de sua própria idiotice.
No começo, as cartas e os presentes o irritavam profundamente.
O que diabos a estranha garota estava fazendo, escrevendo para
ele, em primeiro lugar? Mas ele imaginou que logo ela se cansaria
desse jogo unilateral e desistiria. Exceto que as cartas chegavam
todo mês, sem falhar, e pouco a pouco ele começou a se divertir
com elas e com sua mente brilhante, apesar de um tanto distorcida,
que as criava. Eram originais e engraçadas e tratavam de uma vida
que era claramente tudo, menos fácil.
Os anos se passaram e Gabriel descobriu uma admiração
relutante pela garota que não se deixaria transformar em uma doce
debutante. Em vez disso, ela era teimosa, obstinada e estranha e...
bem, francamente peculiar às vezes, mas, meu Deus, quem ele era
para julgar? À medida que os anos passavam, as cartas mudavam,
usando-o como uma espécie de confidente para todas as suas
irritações e frustrações. Ele sabia bem sobre seu desejo de estudar
Medicina para se tornar uma médica de animais, sabia que ela
odiava sua tia, não lamentava a morte de seu pai e amava sua irmã
com uma devoção que era positivamente nauseante, embora
louvável para alguém de seu sexo.
Ele sabia que ela queria aprender cada detalhe de todas as
coisas sombrias e terríveis que ele havia feito em sua vida. Quem
ele havia chantageado, se ele realmente havia levado o senhor Ruth
ao suicídio, se ele havia duelado e matado um homem, como
diziam. Ela estava muito curiosa sobre suas visitas às casas de má
reputação – as mulheres eram livres para viver como quisessem,
para dizer e fazer o que bem entendessem? – ela havia se
perguntado com um tom perturbadoramente nostálgico. Ela queria
saber se ele era realmente responsável por tentar atirar em seu
primo, mesmo que ele não tivesse apertado o gatilho. Nisso, ele
havia notado o primeiro sinal de repreensão e que ela não aprovava
suas ações, não importava o quanto ele odiasse seu primo. Isso
porque Aubrey Russell havia sido baleado por acidente e quase
morreu naquele incidente infeliz. Mas, no final, ela havia decidido
que ele não era culpado desse crime de jeito algum e havia se
convencido de sua inocência a ponto de implorar-lhe que dissesse
algo para conter os rumores de sua destreza assassina.
“Fico furiosa ao ouvi-los condenar você sem um pingo de prova,
sem testemunha ou exigir que você preste contas por suas ações.
Não, eles estão felizes em apontar o dedo para você, mas Deus me
livre eles confrontarem você com isso. Nenhum deles tem a
coragem de encará-lo, Gabriel.”
Ele resmungou, girando a ardósia fria em sua mão
repetidamente enquanto olhava para o relógio. Mais um minuto e o
sujeito estaria atrasado; sua raiva começou a aumentar novamente,
e ele girou mais rápido a cabeça de lobo em sua mão.
Gabriel se levantou, colocando a cadeira de volta para que
ficasse exatamente paralela à mesa, certificando-se de que a
lâmpada, sua caneta, o livro de contabilidade de couro preto, seu
diário e a pilha organizada de correspondência que esperava sua
atenção estivessem todos retos e paralelos entre si. Ele manteve o
lobo em sua mão, segurando-o firmemente enquanto caminhava até
a porta e a abria com força.
— Onde diabos ele está? — rosnou ele, no momento em que
Piper abriu a porta para o homem em questão. Paul Chambers era
um sujeito alto, corpulento, com ombros largos, mas empalideceu ao
som da raiva de Gabriel.
— Perdoe-me, milorde — disse ele, tirando o chapéu da cabeça
e parecendo suar. — Eu cavalguei como o diabo para chegá a
tempo. Tô apenas um ou dois minuto atrasado.
Gabriel abriu a porta de seu escritório sem dizer uma única
palavra, e o sujeito se apressou para dentro.
— E então? — disse ele com impaciência, fechando a porta e
entrando no escritório atrás dele.
Paul limpou a garganta, parecendo profundamente
desconfortável, e o estômago de Gabriel se contraiu.
— É verdade, Lorde DeMorte, Lorde Winterbourne se casô
cerca de uma semana.
Gabriel engoliu em seco, o pânico subindo em sua garganta. Se
Edward estava casado, então poderia haver uma criança, um
herdeiro do marquesado. Se isso acontecesse, tudo estaria perdido.
Não haveria paz para ele, nunca, não nesta vida. Ele estava pelo
menos um pouco aliviado ao descobrir que havia limites para sua
depravação e que nem mesmo ele se atreveria a matar um bebê.
Seu primo era um homem adulto e ele duelaria com ele se pudesse
provocá-lo o suficiente, mas assassinato a sangue frio, não. Nem
mesmo para silenciar a voz de seu pai.
— Quem é ela? — exigiu saber ele, ouvindo o tremor em sua
voz e limpando a garganta para que o sujeito não pensasse que ele
estava incomodado com a ideia.
— Eu num pude descobri isso, eles é bem reservado na grande
casa — disse ele, ganhando um olhar de desdém de Gabriel. — Ela
é uma maria-ninguém, isso eu sei.
Gabriel resmungou, indicando que, na sua opinião, o homem
não sabia absolutamente nada sobre nada.
— O que quero dizê é que... ela num é de nenhuma família
nobre. Num é de uma grande família. — O rosto do homem ficou
pensativo e ele balançou a cabeça. — Acho que algo tá seno
abafado, se qué sabê — acrescentou.
— Eu quero saber, droga! — gritou Gabriel, fazendo o homem
pular e corar, suas bochechas pálidas esquentando. — Eu pago por
informações e isso é tudo o que você me traz? Eu poderia ter
descoberto mais nos jornais sensacionalistas.
— Ah, ocê num poderia não, milorde — objetou o homem,
balançando a cabeça e imprudentemente estendendo a mão para
impedir que Gabriel dissesse mais alguma coisa. — Porque ainda
num foi anunciado e ninguém de lá vai dizê uma palavra sobre isso,
então...
— Saia! — Gabriel dirigiu-se à porta e a abriu com força
novamente. — Saia e não volte até ter algo de útil para dizer.
Ele bateu a porta atrás do sujeito e a chutou para ter certeza,
respirando com dificuldade à medida que a vontade de voltar e
estrangular o tolo o dominava. Ele segurava a cabeça de lobo com
força, respirando regularmente e tentando se acalmar. Murmurando
um xingamento, ele tentou conter a necessidade de voltar à sua
escrivaninha e verificar se tudo ainda estava como ele havia
deixado.
— Claro que está, claro que está — murmurou ele, sentindo a
ansiedade subindo e descendo por sua espinha mesmo assim. Meu
Deus, Edward estava casado. Ele estava casado e agora teria um
filho, e Gabriel estava perdido. Ele nunca teria um minuto de paz. A
paz e a calma pelas quais ele ansiava, esperava, estavam
escapando de suas mãos e não havia absolutamente nada que ele
pudesse fazer a respeito.
Inútil, verme patético. Você é uma vergonha, um
constrangimento; você nunca deveria ter nascido.
Incapaz de resistir por mais tempo, Gabriel voltou à
escrivaninha, verificando cada item em sequência antes de circular
pelo escritório, corrigindo tudo o que encontrava até que tudo
estivesse como ele precisava que estivesse. A cabeça de lobo ainda
estava firmemente segura em sua mão esquerda e seu polegar se
movia sobre a garganta, para cima e para baixo, para cima e para
baixo, à medida que sua respiração se estabilizava.
Meu Deus, ele precisava sair dali.
Capítulo 9
“No qual o nosso herói se arrisca.”

Gabriel cavalgou com intensidade, fazendo Typhon correr mais


rápido que nunca, instigando-o como se o próprio Diabo no seu
encalço. Isso não parecia estar muito longe da verdade. Tudo
estava desmoronando, e a voz de seu pai parecia mais alta do que
nunca, repreendendo-o, zombando dele. Qualquer chance de se
livrar dele, de se libertar daquela voz odiosa e zombeteira, parecia
escapar por entre seus dedos. Parte dele não se importava
totalmente; estava cansado de lutar, cansado de tentar manter uma
vida normal. Havia outras saídas, afinal, se as coisas ficassem ruins
demais.
Seu estômago se revirou com a ideia, mas ele se lembrou do
rosto de sua mãe, quase pacífico na morte, como nunca fora em
vida. Isso não parecia tão ruim assim.
Ele fez seu cavalo parar, ambos respirando pesadamente, e
Gabriel inspirou uma lufada de ar frio. Pelo menos estava mais claro
hoje, o céu azul e salpicado de nuvens brancas, embora o solo
estivesse coberto de geada.
Com consternação, olhou ao redor e percebeu que tinha
chegado aos limites de suas terras, onde elas se encontravam com
Longwold. Ele não tinha percebido em que direção estava indo,
apenas cavalgando pelo prazer de fazê-lo... não era?
A ideia de que a senhorita Holbrook poderia estar indo atrás
dele passou por sua mente, e ele a afastou. Não tinha desejo de vê-
la novamente, nenhum desejo de encontrar uma mulher que nada
fazia além de perturbá-lo e desequilibrá-lo. No entanto, examinou o
horizonte em busca dela.
Esperou por um tempo, caminhando de um lado para o outro
para que Typhon não ficasse com frio, já que estava coberto de
suor, antes de voltar para casa. Gabriel se recusou a admitir que a
sensação pesada em seu peito era decepção. Ele tinha fardos
suficientes com os quais lidar sem se entregar a sentimentalismos
tolos por uma jovem tola que faria bem em ouvir suas palavras e
ficar longe dele. Ele havia dito a ela para fazer isso, afinal, exigiu
que ela fosse para casa e o deixasse em paz.
“Não posso fazer isso, Gabriel.”
Algo ficou preso em sua garganta quando as palavras se
repetiram em sua mente. Pela primeira vez, palavras suaves, bem-
intencionadas dirigidas a ele com carinho. Um desejo de vê-la
novamente o dominou, pegando-o de surpresa e fazendo-o
perceber o quão sozinho estava. Se fosse honesto, as cartas que
ela escrevera para ele tinham sido as únicas coisas que o tinham
mantido vivo quando as coisas estavam em seu momento mais
sombrio.
“Poderíamos ser amigos, se quiser, assim, nós dois teríamos a
certeza de que há pelo menos uma pessoa no mundo que pensa
bem de nós.”
Era ridículo, além de patético, ela era apenas uma criança
quando proferiu essas palavras. Ela não tinha noção do que estava
dizendo. E, ainda assim... à medida que as cartas continuavam
chegando, à medida que ficava claro que ela o conhecia, ou, pelo
menos, havia adivinhado muito sobre ele, isso ajudou; saber que
havia uma pessoa no mundo que pensava bem dele,
independentemente de tudo o mais. Isso foi uma luz na escuridão
quando não havia mais nada para impedi-lo de cair no abismo.
Ele fez Typhon parar novamente, com um nó na garganta que
ameaçava sufocá-lo, e, apesar de saber que era um tolo, virou-se e
olhou novamente, e prendeu a respiração.
Ele soltou uma risada surpresa ao vê-la, galopando ao longo o
morro em sua direção como se a tivesse invocado. Talvez ele a
tivesse invocado? Talvez sua mente finalmente tivesse sucumbido e
ele a estivesse imaginando. Ele percebeu que não se importava
muito com isso.
— Olá, Gabriel — disse ela, soando tão vigorosa e cheia de vida
como sempre, um pouco sem fôlego por causa de seu passeio, suas
adoráveis bochechas coradas pelo frio e pelo esforço. Gabriel a
encarou, encontrando sua língua de repente paralisada, com
qualquer resposta perdida, enquanto se lembrava da última vez que
a tinha visto, corada e desgrenhada por um motivo completamente
diferente.
Ele fez Typhon seguir adiante, o grande cavalo seguindo um
ritmo sereno, com a senhorita Holbrook ao seu lado.
— Como você está? — perguntou ela, e, pela primeira vez em
sua vida, ele acreditou que ela realmente queria saber a resposta,
talvez até tenha se preocupado com ele.
Ele observou-a de relance e desviou o olhar, incerto sobre como
responder a uma pergunta desse tipo.
— Você parece cansado — disse ela, e ele sentiu o calor de seu
olhar em seu rosto. — Você não dorme?
Gabriel engoliu em seco. Ele não queria responder a perguntas.
Em vez disso, virou-se para ela e limpou a garganta.
— Você está com fome? — indagou ele, sua voz soando rude e
relutante por nenhum motivo aparente, exceto que ele não sabia ao
certo como mudar isso.
— Morrendo de fome — respondeu ela, com os olhos
iluminados enquanto sorria para ele.
Ele assentiu e instigou Typhon a andar a meio-galope, olhando
por cima do ombro para ter certeza de que ela o estava seguindo, e
a levou de volta a Damerel.
Gabriel fez uma carranca ao encarar os olhos de seu mordomo
enquanto conduzia a senhorita Holbrook através do limiar e para
dentro de sua casa.
— Senhorita Holbrook! — exclamou o sujeito, tão surpreso e
com os olhos tão arregalados que poderia muito bem estar vendo
Gabriel ter convidado a Rainha das Fadas para o almoço, em vez de
uma convidada de carne e osso.
— Você precisará colocar mais um lugar à mesa — disse
Gabriel, entregando seu casaco a Piper enquanto a senhorita
Holbrook retirava o chapéu e as luvas.
— Claro, milorde — respondeu Piper, praticamente irradiando
alegria.
Gabriel fez uma carranca; agora teria que suportar as fofocas
dos criados sobre ele. Ele já mantinha o mínimo de criados
atualmente; quanto menos pessoas soubessem de suas
peculiaridades, melhor.
Gabriel olhou para seu relógio e o comparou com o grande
relógio de pêndulo. Dez minutos para uma hora.
Ele guardou o relógio novamente e olhou para a sua visita,
completamente perdido quanto ao que fazer a seguir.
— Você me mostrará a casa, Gabriel? — perguntou ela, dando
um passo em sua direção. Gabriel fez uma carranca e balançou a
cabeça.
— Eu almoço à uma hora, não há tempo — disse ele com a voz
mordaz.
Seu semblante demonstrou decepção, claramente desapontada,
mas ele se recusou a sentir remorso por isso. Ele olhou novamente
para o ponteiro do relógio de pêndulo e desejou que as malditas
coisas se movessem mais rápido.
— Bem, depois, então? — disse ela com um tom esperançoso
na pergunta, que era difícil de ignorar.
Gabriel resmungou, indo em direção a seu escritório, relutante
em concordar ou discordar. Ela o seguiu de perto e ele não sabia
como impedi-la, mas precisava de uma bebida. Não era normal para
ele beber a essa hora, mas... ele tinha a sensação de que aquele
seria um dia incomum. Ele esperou que a ideia aumentasse sua
ansiedade, mas percebeu o olhar no rosto da senhorita Holbrook
quando ela entrou em seu escritório. Ela parecia fascinada, com os
olhos arregalados e encantados enquanto olhava ao redor.
— É exatamente como imaginei — disse ela, lançando-lhe um
sorriso tão deslumbrante que ele se sentiu subitamente sem fôlego.
Ela se moveu pelo escritório, inspecionando cada superfície, cada
gravura.
— Não toque em nada! — vociferou ele, o pânico subindo pela
nuca com a ideia de que ela poderia mover algo de lugar.
Ela se virou para olhá-lo, um pouco surpresa, talvez, mas não
tão assustada quanto ele poderia esperar.
— Tudo bem — disse ela, com um tom calmante, enquanto ele
se afastava e voltava sua atenção para sua escrivaninha. — Eu
posso ver que tudo está muito organizado. Você gosta de ordem,
não é? — observou ela, quando ele moveu sua caneta um milímetro
para a direita de seu diário. Ele olhou para cima, sem perceber que
ela estava observando.
— Sim.
Ele se afastou e serviu uma pequena dose de conhaque em um
copo.
— Pode me servir também, por favor? — pediu ela, movendo-se
para ficar ao seu lado.
Gabriel olhou para cima com uma carranca. — Jovens
senhoritas não bebem conhaque.
Ela ergueu uma sobrancelha para ele, com um olhar de diversão
espreitando naqueles belos olhos lilases.
Gabriel suspirou e serviu mais um copo. — Você está
decididamente disposta a causar um escândalo, não é, senhorita
Holbrook?
Ele estendeu o copo para ela enquanto ela ria baixinho.
— Vou ser a hóspede mais terrível se você não ceder e me
chamar de Crecy — alertou-o, com malícia escondida em sua
expressão. — Você nunca se livrará de mim.
Ela alcançou o copo, e Gabriel reprimiu um arrepio quando seus
dedos o tocaram. A ideia de mantê-la ali, com ele, subitamente não
era tão desagradável como costumava ser. O que diabos tinha
acontecido com ele?
— Muito bem, Lucretia — respondeu ele, com um tom relutante,
enquanto ela revirava os olhos e muxoxava.
— Crecy — disse ela, balançando a cabeça. — Repita comigo:
kuh-ress-see. — Ela soletrou seu nome como se ele fosse uma
criança particularmente lenta, e ele lutou contra o desejo de seus
lábios de se curvarem para cima.
Em vez disso, ele a fulminou com o olhar novamente. — Como
quiser, Crecy — repetiu ele, soando impaciente, mesmo quando
pronunciar a forma familiar de seu nome provocava um estranho
calor que se desenrolava em seu peito. Ele olhou para cima e viu
que faltavam dois minutos para a hora. Bebendo o conhaque de
uma só vez, ele voltou para sua escrivaninha, certificando-se de que
nada havia se movido.
Crecy o observou, claramente intrigada, antes de erguer seu
próprio copo e imitá-lo. Ele arqueou uma sobrancelha quando ela se
engasgou um pouco, acenando com a mão na frente do rosto, com
os olhos arregalados.
— Bem, isso me aqueceu — disse ela, com um suspiro.
Gabriel tentou parecer revoltado com tal comportamento
desajeitado, mas suspeitou que havia falhado quando ela
simplesmente riu e pegou seu braço.
— Vamos, milorde — instruiu ela, lançando-lhe um olhar tão
caloroso que ele foi forçado a desviar o próprio.
Ele a levou até a sala de jantar, onde as provisões para sua
visita obviamente haviam deixado sua criadagem em pânico. Ele
conseguia entender a agitação deles. Sua própria refeição simples
não era ideal para uma hóspede do sexo feminino, e eles não
queriam que a senhorita pensasse mal do que lhes seria oferecido.
No entanto, qualquer desvio da norma provocava em seu patrão
uma raiva incontrolável. Portanto, um lugar extra havia sido
colocado ao lado do dele, uma réplica exata do dele, e três criados
hesitaram, segurando pratos com os quais não tinham ideia do que
fazer.
— Só coloque as malditas coisas aqui e saiam — resmungou
ele. A tensão serpenteou ao longo de sua espinha, aumentando a
pressão, deslizando ao redor de sua garganta e comprimindo o ar
de seus pulmões. Pelo nome de tudo o que é mais sagrado, o que
ele estava pensando? Isso era um desastre, uma terrível ideia... Ele
respirou fundo, lutando para se acalmar. Era apenas uma refeição,
apenas comida nos pratos, ele poderia fazer isso. Controle-se,
Gabriel.
Os criados fizeram o que ele havia ordenado e praticamente
correram para fora da sala. No momento em que a porta foi fechada,
Gabriel avançou e reorganizou a mesa. Sua boca ficou seca, um
sentimento azedo subindo pela garganta até que cada item
estivesse disposto a seu gosto. Levou um pouco de tempo, já que
mover um item muitas vezes causava a necessidade de voltar e
mudar outro até que realmente estivesse perfeito, e seu peito
relaxou com alívio. Inalando uma respiração trêmula, ele olhou para
cima, esperando ver o escárnio nos olhos de Crecy, e não teve
certeza do que sentiu quando não viu nenhum.
— Ainda quer comer comigo? — perguntou ele, os punhos
cerrados enquanto esperava que ela zombasse dele. — Você não
imaginava que os “contos do visconde louco” fossem perfeitamente
precisos, talvez só um pouco menos romântico em carne e osso,
não é? — zombou dela, preparando-se para sua reação.
Crecy avançou, segurando seu braço e se aproximando, e
dando um beijo em sua bochecha. — Posso me sentar agora, por
favor, Gabriel?
Ele a encarou por um momento antes de lembrar o que restava
de suas maneiras e puxar uma cadeira.
Gabriel se sentou e a olhou. Ela estava olhando para a mesa
com um pouco de apreensão antes que a solução parecesse lhe
ocorrer. — Gostaria de me servir? — perguntou ela, com uma
expressão esperançosa nos olhos. — Gosto de tudo, então... o que
você estiver comendo está ótimo.
Algo dentro dele pareceu relaxar, a tensão torcida em torno de
sua espinha como uma trepadeira, desenrolando-se e libertando-o.
Ele se levantou novamente, colocando comida em seu prato até
ficasse igual ao prato dele, enchendo seu copo até a asa do
pequeno pássaro com uma precisão que havia sido aprimorada por
muitos anos de prática. Ele se sentou novamente, movendo um
pouco seu garfo e faca antes de pegar seu guardanapo e colocá-lo
no colo.
Eles comeram em silêncio, embora estranhamente não tenha
sido desconfortável, e embora soubesse que ela o observava, ele
não sentiu nenhum julgamento, nem desdém, apenas curiosidade,
talvez.
— O que aconteceria — perguntou ela, depois que ele dobrou
seu guardanapo com cuidado e o colocou de volta onde estava —
se eu jogasse meu guardanapo na mesa?
Não havia desafio em sua voz, o que era uma bênção, pois a
ideia fez a tensão estalar por sua espinha como um chicote.
— A casa cairia sobre a minha cabeça — disparou ele, sentindo-
se subitamente enfurecido. Ela achava que ele era um tolo?
Ela lançou-lhe um olhar impaciente e muxoxou. — Eu não
estava sugerindo que você pensasse tal coisa, eu quis dizer, o que
aconteceria com você, como você se sentiria?
Gabriel se levantou, sem fôlego e irritado. — Apenas dê-me isso
— disse ele, arrancando o guardanapo de suas mãos, dobrando-o e
colocando-o ao lado de seu prato vazio.
Ele se afastou, indo em direção à porta, e ouviu a cadeira dela
sendo empurrada para trás. Ele se virou, aliviado, ao ver que ela a
recolocou de volta no lugar. — Eu só quero entender você, Gabriel,
e não conseguirei se você não explicar. — Ela soou tão
perfeitamente razoável que ele se sentiu um idiota, mas não queria
explicar, não queria que ela soubesse tais coisas sobre ele, não
queria que ela o achasse fraco.
— Você queria ver a casa, certo? — disse ele, mudando de
assunto e segurando a porta para ela.
Ela deslizou sua mão na dele e apertou-a. — Sim, por favor,
mas não pense que não conseguirei uma resposta de você, porque
vou.
Gabriel resmungou e a levou de volta para o corredor.
— O que você quer ver? — perguntou ele, soando ressentido e
mal-humorado, mas não soltando sua mão. Ela era quente no toque,
muito menor e mais frágil do que a sua, e ele gostou da sensação.
Era... reconfortante, de alguma forma, um pouco como a cabeça do
lobo. Ele passou o polegar sobre a curva do polegar dela, a suave
inclinação lembrando-o do pescoço do lobo, mas muito mais suave
e lisa. Ele relaxou um pouco, repetindo o gesto enquanto
caminhavam.
— Não me importo — disse ela, soando um pouco ofegante. Ele
se virou para olhá-la e a encontrou observando suas mãos
entrelaçadas, para a maneira como seu polegar acariciava a pele
dela. Era a coisa mais gentil que ele já tinha feito com ela, ele
percebeu. Por um momento, a vontade de dizer-lhe que era apenas
um gesto repetitivo que o acalmava pairou em sua língua, mas foi
igualmente rechaçada. Ele nem estava certo se era verdade.
— Venha — murmurou ele, a voz agora rude. — Vou te mostrar
a casa.
Capítulo 10
“No qual os horrores do passado vêm à tona.”

Crecy seguiu Gabriel enquanto ele a conduzia pela casa, e, por


mais desesperada que estivesse para vê-la, tão encantada quanto
estava para se familiarizar com sua casa, nada conseguia tirar sua
atenção do jeito como o polegar dele acariciava sua mão.
Era um gesto tão terno e afetuoso que a emoção se acomodou
em sua garganta, tornando difícil falar com ele. Então, ela não disse
nada, sentindo que ele preferia o silêncio, de qualquer forma. De
alguma maneira, hoje, ele tinha feito um avanço significativo ao
permitir que ela almoçasse com ele, e estava ansiosa para não o
pressionar demais ou muito rápido.
Embora ela tenha sentido desde o início que ele era um homem
que precisava estar no controle, não tinha percebido a que ponto
esse controle chegava e tinha começado a controlá-lo. Ela já havia
lido artigos sobre a mente e seu funcionamento antes; alguns
pareciam razoáveis, outros, pura bobagem, mas ela tinha certeza de
que sua necessidade de controlar e verificar devia ter origem nos
horrores de sua infância.
O desejo de questioná-lo sobre isso era tangível, mas ela não
gostaria de magoá-lo, especialmente porque não tinha a intenção de
partir sem ser beijada. No entanto, o assunto surgiu por si só.
— O que há lá embaixo? — perguntou ela, quando ele a
apressou para passar por um corredor que eles não haviam
investigado no primeiro andar.
Ele parou, e ela notou que seus olhos não se desviaram naquela
direção.
— Esses eram os quartos dos meus pais — disse ele, puxando-
a, mas Crecy se manteve firme.
— Gostaria de vê-los, por favor — disse ela, soando um pouco
teimosa, mas estava intrigada em ver se poderia obter uma
compreensão mais profunda do filho a partir do que seus pais
haviam deixado para trás.
— Você quer ver a cena do crime, é isso? — disse ele, com um
tom acusador, os olhos estreitos de suspeita. Ele soltou a mão dela,
sua postura mudando à medida que ele ficava tenso, ficando cada
vez mais rígido diante dos olhos dela. — É por isso que você veio?
Crecy o encarou com horror antes de correr na direção dele e
pegar suas mãos. — Oh, Gabriel, não. Eu sinto muito... Eu... eu não
sabia. Eu juro que não sabia.
Ele franziu o cenho para ela, a suspeita ainda presente em seus
olhos azuis, embora não tenha retirado suas mãos. — Você não
sabia que eles se mataram? — retrucou ele, zombando da ideia.
— Sim, eu sabia, claro — disse ela, mantendo um tom
equilibrado e tranquilizador, aproximando-se mais e acariciando
suas mãos da mesma forma que ele tinha feito com as dela. — Mas
eu não conheço as circunstâncias ou... onde isso aconteceu. Eu
nunca teria pedido se soubesse, sinceramente, não teria. Não
precisamos entrar se você achar isso perturbador.
Ele ficou parado por um momento, e ela teve a sensação de que
ele estava travando uma espécie de batalha enquanto virava a
cabeça para olhar pelo corredor.
— Por que não? — disse ele, num tom de voz que a deixou
desconfortável, enquanto ela olhava para cima e notava um músculo
tenso em sua mandíbula. Ele se moveu de repente, soltando a mão
dela e agarrando uma das maçanetas da porta, abrindo-a com
violência.
Estava escuro lá dentro. Um cheiro de mofo e de algo guardado
tomou conta do nariz de Crecy, e ela tremeu com o frio. Este quarto
estava escuro há muito tempo. Para sua surpresa, Gabriel soltou
sua mão e avançou, agarrando as cortinas e puxando-as com uma
atitude feroz. A luz inundou o quarto, de repente muito brilhante
após a escuridão, iluminando um grande quarto decorado com uma
mão feminina e delicada.
Crecy olhou ao redor, lutando contra a vontade de espirrar
quando a poeira levantada pelas cortinas fez seu nariz coçar.
Gabriel estava em pé perto das janelas, olhando para fora, suas
mãos grandes apoiadas no peitoril. Crecy olhou ao redor e prendeu
a respiração diante do retrato em uma parede. Uma linda mulher
com cabelos pretos como a noite a encarava. Ela parecia frágil,
quase etérea, com um delicado rosto em forma de coração, mas um
olhar com uma inclinação tão familiar em seus olhos azul-escuros
que Crecy reprimiu um calafrio. Ela também parecia triste,
desesperada de alguma forma, algo em sua expressão que talvez o
pintor não tenha percebido que capturou, ou então ele teria mudado.
— Eu a encontrei aqui.
Crecy deu um pequeno salto, a atmosfera opressiva do quarto
trabalhando em seus nervos de tal maneira que a voz de Gabriel a
assustou.
— Ela estava no banho — continuou ele, as palavras soando tão
objetivas que os pelos de sua nuca se arrepiaram. — Nunca tinha
visto tanto sangue.
Crecy engoliu em seco, recuando para junto dele e deslizando a
mão na dele. Ela nada disse, não querendo dizer-lhe palavras que
pareceriam vazias. Em vez disso, esperou que ele falasse
novamente, se assim o desejasse.
— Meu pai estava viajando a negócios. Isso era incomum, pois
ele raramente a deixava sozinha. Ela aproveitou a oportunidade
para ter um caso com Lorde Winterbourne — disse ele, seus olhos
nunca deixando a vista pela janela, embora ela sentisse que ele
estava vendo algo completamente diferente. — O pai de Edward.
Crecy reprimiu um suspiro de espanto, pois tantas coisas que
ela se perguntava subitamente se tornaram muito mais claras. Ela
se aproximou dele, agora segurando sua mão entre as suas.
— Como era seu pai? — perguntou ela, e ele bufou.
— Ele alegava amar minha mãe, de uma forma que
ultrapassava a compreensão, que ia além da razão. Ele parecia
pensar em si mesmo como um grande herói romântico. — Ele ficou
quieto, e ela esperou, observando a subida e descida do peito dele.
— Levei muito tempo para entender que não era amor, era controle.
Ele não permitia que ela saísse de casa, não a deixava receber
visitas, amigos. Ele tinha ciúmes de qualquer um que passasse
tempo com ela. Ela estava completamente isolada.
Crecy olhou para o rosto dele, não vendo emoção alguma ali,
mas percebendo a turbulência que fervia por trás da fachada.
— E então você chegou — disse ela, adivinhando que isso teria
sido uma tensão em um relacionamento obviamente difícil.
Ele apertou mais a mão dela, e ela se perguntou se ele sabia
que havia feito isso, já que sua expressão não mudou.
— Ele me odiou desde o início. Ele começou a bater nela. Ele
tinha ciúmes, sabe, ciúmes de que ela me amasse mais do que a
ele. — Sua garganta se contraiu por um instante antes de ele
abaixar o olhar para ela. — Ela me amava — disse ele, as palavras
soando quase desafiadoras.
— Claro que ela te amava — disse ela, lutando contra a vontade
de chorar por ele, sentindo que ele não queria isso dela, que ele a
desprezaria por sua compaixão. — Como ela não poderia? Aposto
que você era um garotinho adorável.
Ele bufou, balançando a cabeça. — Eu a odiei por muito tempo
pelo que ela fez, por me deixar, mas... mas agora eu entendo. Ela
simplesmente não aguentava mais.
Havia algo em suas palavras que fez um calafrio de
pressentimento percorrer sua espinha, e ela segurou a mão dele. —
Você não está sozinho, Gabriel, não como ela estava.
— Ela também não estava sozinha — contestou ele. — Ela tinha
a mim.
Ele soltou a mão dela, movendo-se para colocar as cortinas de
volta no lugar, mexendo nelas até que ficassem uniformes, antes de
sair do quarto e fechar a porta atrás deles. Eles se dirigiram para a
próxima porta, e Gabriel hesitou, sua mão estendendo-se e caindo
novamente antes de tocar a maçaneta.
— Vamos a outro lugar — disse ela, mas ele balançou a cabeça,
teimoso agora.
A porta se abriu silenciosamente, sem o menor rangido de
protesto das dobradiças, e, desta vez, Crecy se apressou na frente
dele, abrindo as cortinas e permitindo que a luz do dia afastasse o
pior dos fantasmas, exceto que não funcionou. Ela podia vê-los
ainda, persistindo nos olhos de Gabriel.
— Meu pai descobriu sobre ela e Winterbourne, é claro — disse
ele, permanecendo na porta. Havia um retrato de seu pai nesta sala,
e ela sentiu que ele ficava onde não podia vê-lo. Ele era obviamente
um homem grande, como Gabriel, e aquele ar cruel em sua boca
era familiar, mas seus olhos não eram de Gabriel e seu cabelo era
loiro-areia.
— Você puxou sua mãe — disse ela, desviando o olhar de um
homem que ela havia odiado por princípio, mas, agora, detestava
por uma boa razão.
— Não tanto quanto você gostaria de pensar. — Seus olhos
cintilaram, como se a desafiassem a pensar nele como um bom
homem, um homem necessitado de amor ou compreensão. Ele
acreditava ser o monstro que seu pai havia sido, isso estava muito
claro. Mas era realmente? Ela sabia que ele tinha feito coisas
terríveis, mas isso era realmente ele? Esse era o único homem que
ele poderia ser, ou ele poderia mudar, se alguém lhe desse a
chance de ser algo mais?
Crecy olhou ao redor, as paredes escuras eram de alguma
forma agressivas, como se algo do ocupante anterior do quarto
ainda persistisse. Bem, ela tinha vindo a Longwold, desesperada
para ver um fantasma, mas os encontrara aqui em Damerel, e eles
estavam longe de ser silenciosos. Suas vozes ainda atravessavam
as décadas para atormentar seu único filho. Bem, ela resolveria
isso.
— O que aconteceu então? — perguntou ela, virando-se para
Gabriel. — Quando ele descobriu?
Gabriel deu de ombros, embora ela sentisse que ele estava
longe de ser indiferente ao responder.
— Ele a trouxe de volta. Eu... eu me lembro dos gritos dela
quando ele a arrastou escada acima pelos cabelos. Ele apenas
enlouqueceu — disse ele, encontrando o olhar dela. — Não há outra
palavra para descrever isso, eu acho. Ele ficou enfurecido e chorou
e gritou, espancando-a tão brutalmente que eu pensei... — Ele
parou quando as palavras se tornaram entrecortadas e, em seguida,
limpou a garganta. — Tentei impedi-lo, mas... acho que ele deve ter
me deixado inconsciente. Parece que, quando ele se cansou de
bater nela, voltou a Longwold para enfrentar Winterbourne, e o
homem o desafiou. — Gabriel riu, embora estivesse cheio de
amargura. — Acho que isso o chocou um pouco, que o amante dela
deveria se opor a ele espancar sua própria esposa até quase matá-
la. Ele não compreendeu isso, via-a apenas como propriedade. Ela
era propriedade dele. — Crecy ouviu a repulsa por trás das palavras
e soube, teve certeza de que estava certa em confiar nele. Não
importava o que acontecesse depois disso, não importava quanto
tempo levasse, ela lutaria por ele. — Meu pai concordou em
encontrá-lo, ao amanhecer, mas, quando voltou para casa, minha
mãe estava morta, ela tinha cortado os próprios pulsos.
— E você a encontrou?
Gabriel assentiu. — Quando acordei, lembro que... tudo estava
muito silencioso. Eu tinha medo disso, e, então, vi o quarto, o quarto
dela, estava uma bagunça devido à fúria de meu pai. Ele havia
destruído tudo, tudo estava espalhado, quebrado... — Ela sentiu a
agitação dele aumentar à medida que ele se lembrava da cena e
correu de volta para ele, segurando a mão dele entre as suas. —
Lembro-me de pensar que... que se eu pudesse apenas deixar tudo
de volta como era... — Ele engasgou, o som se transformando em
uma risada amarga quando afastou a mão da dela. Ele entrou no
quarto, sem olhar para a parede que exibia a imagem de seu pai, e
fechou as cortinas, seus movimentos rápidos e precisos, antes de
dar meia-volta e deixar o local. Ela correu na frente dele, e o som da
porta batendo ecoou pela casa quieta.
Como ele vivia assim? Sozinho neste grande mausoléu vazio?
Mesmo Longwold, embora fosse maior e mais grandioso, parecia ter
mais vida, mais receptividade do que este lugar. Era como se
Damerel nunca tivesse visto a luz do sol.
Ele percorreu a casa com passos decididos, apressando-se
pelas escadas, e ela percebeu que o tour tinha terminado, que ele
não revelaria mais nada, não agora, não hoje. Para ser honesta,
Crecy sentiu alívio com isso. Tudo o que ele lhe contara a tinha
chocado e feito seu coração doer pela criança que tinha vivido
aquilo. Meu Deus, não era de se admirar que sua visão de mundo
fosse tão... tão sombria.
— Você deveria ir — disse ele, chegando ao pé das escadas,
afastando-se dela e indo para o seu escritório sem olhar para trás.
— Piper trará seu cavalo.
Piper apareceu nesse momento, com simpatia nos olhos
enquanto a observava, parecendo um pouco perdido no amplo
corredor quando Gabriel fechou a porta de seu escritório com
violência.
— Vou pegar suas coisas, senhorita Holbrook — disse Piper,
preparando-se para se afastar.
— Não — respondeu Crecy, determinada, caminhando até a
porta do escritório. — Eu ainda não vou embora.
Ela se recompôs e ignorou o pânico na voz do mordomo quando
ele exclamou de trás dela.
— Senhorita Holbrook! Se eu fosse você não...
Mas Crecy já tinha passado pela porta, fechando-a atrás de si.
Capítulo 11
“No qual Crecy consegue o que quer.”

O coração de Crecy batia forte quando a porta fechou com um


clique, mas ela não tinha a intenção de sair. Pelo menos, ainda não.
Gabriel se virou, com uma expressão tão incrédula que ela
quase riu, embora tenha se contido a tempo. Ela suspeitava que ele
não acharia sua risada nem engraçada nem apropriada.
— Eu disse para você ir embora! — vociferou ele, com o corpo
rígido de tensão e as mãos cerradas. Ela notou que ele segurava
algo em uma das mãos e se aproximou, curiosa sobre o que era.
— Mas eu não quero ir ainda — retrucou ela, com um olhar
direto e ininterrupto enquanto ele abria a boca para brigar com ela.
— Você ainda não me beijou, Gabriel, e eu não vou embora até que
você o faça.
Isso pareceu ter o deixado sem palavras, ela pensou, satisfeita
com a nova luz que entrou em seus olhos. Uma luz mais intensa e
ardente.
— Oh, sim — disse ele, agora com um tom zombeteiro. — Eu
havia me esquecido de quão ansiosa você está para cair em
desgraça. Era esse o seu propósito em pedir para ver a casa?
Deveríamos ter demorado mais nos quartos? Você esperava ver o
meu quarto?
Crecy assentiu, divertida com o choque em seus olhos e
recusando-se a deixar-se se sentir perturbar por ele. — Por acaso,
eu esperava ver o seu quarto. É possível aprender muito sobre as
pessoas pelos seus quartos, na minha opinião. Embora eu não
estivesse considerando passar muito tempo lá com você — disse
ela, com total sinceridade. Afinal, ela não via razão para não ser
honesta com ele. — Eu vou — acrescentou ela, evitando seu olhar
agora, à medida que um rubor tingia suas bochechas. — Um dia,
em breve, espero, mas ainda não, eu quero conhecê-lo melhor
primeiro, mas... — Ela olhou para ele agora, encontrando seus olhos
e esperando que ele pudesse ler a sinceridade neles. — Mas eu
adoraria muito te beijar novamente, sentir seus braços ao meu
redor. Da última vez, foi realmente maravilhoso.
Ele agora parecia adoravelmente perplexo, sem saber se
deveria continuar indignado com ela ou simplesmente render-se e
beijá-la. Ela tinha certeza de que ele queria, não importava como
agisse em relação a ela.
Ela se aproximou dele, ciente da tensão que percorria aquele
corpo poderoso. Sua expressão não lhe mostrava nada além de
confusão, e ela não sabia se ele partiria furioso, a beijaria com a
mesma raiva e violência que na gruta, ou, simplesmente, ignoraria
seu pedido com um olhar de desprezo. Crecy estendeu as mãos,
colocando-as em seu peito por baixo do paletó, sentindo o calor de
seu corpo irradiar através de sua camisa e colete. Como era
estranho que um homem que todos os outros temiam e
desprezavam a fizesse sentir nada além de segurança. Ela
repousou a cabeça em seu peito, ouvindo o batimento constante de
seu coração. Ele não se moveu, não falou, e ela permaneceu onde
estava, ciente de que alguma espécie de guerra estava sendo
travada em sua mente, e esperando para ver quem venceria.
Pareceu que havia se passado muito tempo quando sua mão se
ergueu, tocando seu cabelo. Seu toque era hesitante, como se ele
não estivesse bem certo do que estava fazendo, e ela levantou a
cabeça para olhá-lo. Ele parecia tenso, imóvel e inquieto, mas sua
grande mão se moveu de seu cabelo para segurar seu rosto, o
polegar acariciando sua bochecha. Ela se entregou ao seu toque,
levantando sua própria mão para cobrir a dele e pressionando a
boca contra sua palma. Crecy ouviu sua respiração falhar e sorriu,
seus lábios se curvando contra a pele dele. Estendendo a mão, ela
segurou sua outra mão, pretendendo beijá-la também, mas seus
dedos estavam apertados ao redor de algo e seus olhos se
arregalaram de reconhecimento quando ela viu a cabeça de lobo.
— Eu lhe dei isso — disse ela, sorrindo para ele e sentindo seu
coração se encher de emoção. Ele o guardou, o que significava que
ele lia suas cartas. Só podia ser isso. — Você o guardou.
— Guardei — admitiu ele com a voz um tanto brusca.
Ele permitiu que ela o pegasse de sua mão, observando
enquanto ela deslizava os dedos sobre ele e o colocava com
cuidado em cima do lintel da lareira. Crecy ergueu a outra mão dele
até o rosto, aconchegando-se e beijando a palma. Ele se moveu
então, segurando seu rosto entre as duas mãos e olhando para ela
como se fosse um quebra-cabeça do qual ele não tinha ideia de
como montar.
— Pare de pensar tanto, Gabriel — disse ela com a voz suave e
íntima. — Beije-me.
Ela ficou sem ar quando a cabeça dele se abaixou, os lábios tão
macios quanto ela se recordava. Crecy abriu a boca para ele,
sabendo, agora, como funcionava, e imitando o lento deslizar de sua
língua sobre a dela. Suas mãos desceram para sua cintura e, em
seguida, ao redor dela, e ela fechou os olhos, perdida em seu beijo.
Havia uma parte dela que esperava que ele a beijasse com
brutalidade e a empurrasse para longe, mas não foi assim que
aconteceu. Ele estava sendo gentil com ela, beijando-a como se
realmente significasse algo, como se ele se importasse, e Crecy não
se conteve. Ela o queria muito, queria que ele confiasse nela, tinha
certeza de que esse homem amoroso estava lá, por baixo das
cicatrizes do seu passado. Ela sabia que faria qualquer coisa,
absolutamente qualquer coisa, para libertá-lo.
Os lábios dele deixaram a boca dela e ela suspirou quando eles
seguiram ao longo de seu maxilar, traçando um caminho delicado
por seu pescoço.
— Gabriel — sussurrou ela, o som de seu nome alegre e
reverente enquanto deslizava as mãos em seu cabelo. Ele parou por
um momento e ela viu ansiedade em seus olhos, mas ela
pressionou os lábios contra os dele mais uma vez.
— Não pare — implorou ela, as palavras sussurradas contra sua
boca.
Ele ficou imóvel por um momento e, em seguida, ela deu um
suspiro quando ele se inclinou, levantando-a com facilidade e a
carregando-a até a poltrona perto da lareira.
Ele se sentou com um baque quando o peso dela o
desequilibrou, e Crecy riu, encantada por estar ali, por ter chegado
tão longe, mas sua risada foi interrompida quando a boca dele
capturou a dela novamente. Ela sentiu a mudança nele, sentiu que
ele estava lutando para conter seu desejo e se perguntou sobre
isso. Se ele tivesse insistido, ela sabia que não resistiria a ele, ela o
queria e não se seguraria. Ele também sabia disso, ela tinha
certeza. Mas, na verdade, ainda estava nervosa e queria esperar
um pouco mais, queria entendê-lo um pouco melhor, conhecê-lo
mais completamente. No entanto, se ele fosse realmente um
homem tão indecente, tão perdido na imoralidade, por que ele não a
seduzia agora, quando a tinha em seus braços, por que não pegava
tudo o que pudesse ter?
A menos que ele se importasse com ela.
A ideia floresceu em seu peito, um calor que iluminou seu
coração e a fez sorrir mesmo quando ele a beijou. Ele recuou,
franzindo um pouco a testa.
— Por que você está sorrindo? — perguntou ele, ainda
parecendo bastante feroz, o que a fazia sorrir ainda mais.
Crecy estendeu a mão e acariciou sua bochecha, percebendo, à
medida que encarava aqueles profundos olhos azul-índigo, que
sentia que seu coração poderia explodir ao tentar conter isso. Ela,
no entanto, não podia dizer isso a ele, ainda não, sentindo que essa
confissão poderia ser o suficiente para assustá-lo e fazê-lo fugir.
— Estou sorrindo porque estou feliz, Gabriel, porque você me
faz feliz.
Ele parecia realmente perplexo agora e ela riu, avançando para
cobrir seu rosto com beijos.
— Oh, meu Deus, você é adorável quando está confuso, meu
bem. — O apelido escapou de seus lábios, apesar de suas
intenções, e ele estendeu a mão e segurou as dela, movendo-as
para longe de seu rosto. Ele parecia profundamente perturbado
agora, e ela percebeu que havia falado demais, avançado rápido
demais, mas não conseguia se arrepender disso.
— Você vai acabar mal — disse ele, sua voz agora brusca, mas
Crecy não permitiria que ele estragasse o momento. Ela apenas
assentiu, com uma expressão serena.
— Eu sei — disse ela, parecendo aceitar bem a ideia. — Outras
pessoas podem achar isso ruim, mas, desde que eu consiga o que
quero, o que preciso... então, estou feliz em aceitar as
consequências.
Ele bufou, levantou-se, e Crecy deslizou para o chão, mas se
recusou a se afastar dele, embora ele tivesse soltado suas mãos.
— Você não vai conseguir voltar para Longwold antes do
anoitecer se não se apressar — disse ele, e ela tinha certeza de que
ele estava tentando parecer como se não desse a mínima e falhava
miseravelmente.
Ela estendeu as mãos e as deslizou em volta de seu pescoço.
— Um último beijo e eu prometo que vou embora.
— Pelo amor de Deus, vá para casa — rosnou ele, mas ela
puxou seu pescoço e ele se aproximou, beijando-a inclementemente
e com ferocidade por um momento, com os braços envoltos ao
redor dela, antes de soltá-la tão rapidamente que ela tropeçou,
lamentando a perda de seu calor enquanto ele se afastava.
Ele se aproximou da lareira e pegou a cabeça do lobo,
segurando-a um pouco atrás de si e sem olhar nos olhos dela.
— Eu vou te ver de novo em breve — disse ela, sentindo-se
extremamente satisfeita.
Ele resmungou e caminhou até a escrivaninha, movendo cada
item lentamente, mantendo os olhos afastados dos dela.
Crecy caminhou até a porta e a abriu, parando na entrada, e
incapaz de evitar o sorriso bobo em seus lábios. — Adeus, Gabriel.
***
Como previsto, Crecy não o viu novamente por alguns dias. O
arrependimento por esse fato e um desejo desesperado por ele a
faziam sentir um aperto constante em seu peito, mas não havia
nada a ser feito a respeito. Belle precisava dela, e ela não podia
abandonar sua irmã.
Ela tinha esperanças de que o relacionamento de Belle com
Edward estivesse ficando mais próximo, e aos olhos dela, parecia
que estava. Na visão de Crecy, Edward estava claramente se
apaixonando por ela, mas Belle ainda parecia incerta sobre os
sentimentos dele e duvidava quando Crecy expressava sua opinião.
No entanto, algo aconteceu esta manhã que deixou Belle em
pânico, e o plano de Crecy de visitar Gabriel teve que ser
abandonado.
Crecy tremia, o frio penetrando em suas botas e fazendo seus
dedos já congelados doerem ainda mais. Havia nevado novamente,
e a paisagem ao redor estava coberta de geada, com a neve
congelada trincando sob seus pés.
— Edward! — A voz de Belle, desesperada e cheia de medo,
ecoou pelos campos mais uma vez, mas não houve resposta. Crecy
pegou o braço de sua irmã e apertou enquanto Belle tentava conter
as lágrimas. — Por que o homem idiota não pode ver que foi um
acidente? — disse ela, pela quinta vez em questão de minutos. —
Foi tudo minha culpa; eu nunca deveria tê-lo acordado quando ele
estava tendo um pesadelo tão terrível.
— Ele também verá isso, Belle, quando se acalmar. Ele está
simplesmente horrorizado por tê-la machucado. Isso mostra que ele
se importa, não é?
Belle assentiu, fungando, e elas seguiram em frente. O pobre
Edward era um homem atormentado, com suas experiências
durante a guerra tendo-o marcado profundamente, e ele era
propenso a flashbacks e pesadelos violentos. Ele havia atacado
Belle, talvez acreditando que ela fosse o inimigo enquanto ela
tentava acordá-lo de seu sonho, e ela havia caído da cama, batendo
a cabeça. Foi apenas um pequeno arranhão, na verdade. A visão do
sangue dela desencadeou uma espiral de escuridão em Edward,
fazendo com que ele desaparecesse.
Crecy suspirou. Era fácil demais para ela traçar paralelos entre
Edward e seu primo, pelo menos em sua mente. Mas Edward era
um herói, suas feridas foram infligidas pela guerra, e, portanto, sua
grosseria e, às vezes, comportamento chocante eram perdoados, e
desculpas eram feitas para ele. Isso era como deveria ser, é claro,
ele deveria ser tratado com paciência e compreensão. As pessoas
que se importavam com ele deveriam apoiá-lo e cuidar dele, e
garantir que ele soubesse que era amado e não estava sozinho.
Mas quem cuidava de Gabriel? Seu trauma não foi menos
devastador, e ele era apenas uma criança. Edward escolheu ir para
a guerra, a decisão de um homem adulto. Gabriel viu seus pais
morrerem de maneira brutal diante de seus próprios olhos e depois
foi deixado completamente sozinho. Pelo que Crecy pôde entender,
ele ficou sozinho desde então. Não havia nenhum membro da
família disposto a acolhê-lo, e, após o escândalo, era improvável
que seu tio, o falecido pai de Edward, o adotasse. Então, Gabriel foi
deixado para ser criado por quem? A criadagem, ela imaginou,
perguntando-se há quanto tempo Piper o servia e o que ele poderia
contar sobre seu patrão. E agora que o Visconde DeMorte era um
homem rico e poderoso, já crescido, ninguém se importava com o
que ele havia sofrido, com o que havia feito à sua alma e ao seu
coração. Eles viam apenas o homem que ele havia se tornado, não
por que ele havia se tornado aquele homem – porque ninguém tinha
se importado o suficiente para evitar que isso acontecesse.
Crecy engoliu em seco, lutando contra suas próprias lágrimas.
Bem, elas encontrariam Edward, e Belle continuaria a fazer sua
mágica. Era óbvio para Crecy que eles foram feitos um para o outro,
e ela sentia confiança de que dariam certo com o tempo. E quanto a
Gabriel...
Crecy suspirou, sorrindo ao lembrar de seu beijo, da expressão
perplexa em seus olhos quando descobriu que a deixou feliz, que
ele a havia feito feliz. Esperava que ele não estivesse muito
desapontado por ela não ter vindo hoje. Não que ele jamais
admitisse se estivesse. Mas ela começou a se perguntar se ele se
preocuparia, se acreditaria que ela não quis vir. Lentamente, ela
percebeu que era exatamente no que ele acreditaria. Franzindo a
testa, ela tentou descobrir como poderia enviar uma mensagem a
ele enquanto caminhava pela neve. Não seria fácil.
Uma hora depois, Crecy estava tremendo intensamente.
— Ocês duas devia voltá pra dentro, tá congelano – disse
Charlie, o valete um tanto incomum de Edward, com preocupação
nos olhos. Ele foi recebido com uma expressão previsivelmente
irritada de Belle, que o ouvia dizer a mesma coisa a cada meia hora
desde que começaram e o ignorava todas as vezes. — Olha aqui,
Lady Winterbourne, sua irmã tá congelano, leve-a pra casa pelo
menos.
— Estou bem! — retrucou Crecy, indignada por ser usada como
desculpa, embora, para ser sincera, estivesse congelada até os
ossos.
— Não está, não — respondeu Belle, embora não pudesse
esconder sua decepção. — Nunca vamos encontrá-lo, não é
mesmo? — Crecy segurou a mão de Belle quando a pobre Belle
soou tão desolada que a fez querer chorar.
Charlie deu de ombros, mas sua expressão não era
encorajadora. — O sujeito cresceu aqui, conhece cada centímetro
desta vasta propriedade. Acho que num vamu encontrá-lo se ele
num quiser ser encontrado.
Belle engoliu um soluço de desespero, e Crecy a abraçou. O
rosto de Charlie se suavizou. Ele se aproximou e colocou a mão em
seu braço. — Eu vô continuá procurano depois que ocê voltá pra
casa, então, num se preocupe. Ele é durão como um velho par de
botas, o Eddie. Um poco de frio num vai acabar com ele, eu lhe
prometo isso.
Belle assentiu, dando um sorriso que não enganava nenhum
deles. — Vamos lá, Crecy. Charlie está certo, é claro, e eu não
posso ser responsável por você adoecer.
— Eu disse que estou perfeitamente bem, Belle — resmungou
Crecy, embora sua afirmação tenha sido um pouco prejudicada pelo
jeito intenso com que os dentes estavam batendo.
— Faça-me esse favor — disse Belle com um sorriso, pegando
o braço da irmã. — Continuaremos procurando no caminho de volta.
Crecy mergulhou em suas próprias preocupações sobre Gabriel
enquanto voltavam para Longwold. Talvez ela pudesse subornar
uma das criadas para colocar uma carta no correio. A questão era
que todos eram tão devotos a Edward e odiavam tanto Gabriel; ela
se perguntava quem diabos aceitaria sua oferta e não contaria a
Edward ou à sua irmã. Talvez o jovem que deveria acompanhá-la
em seus passeios. Quando ele deveria estar com ela, escapava
para encontrar sua amada, então ele não tinha ideia de para onde
ela ia, e, assim como ela teria que confiar nele com seu segredo, ele
estava confiando nela com o dele. Era um risco, mas ela não tinha
muita escolha.
Um chiado agudo e aflito a fez pular, e ela olhou ao redor,
perguntando-se de onde tinha vindo. Soltando do braço de Belle,
sua irmã fez um som de protesto, mas não tentou impedi-la
enquanto ela se dirigia para a floresta.
Ela ouviu Charlie perguntando o que ela estava fazendo
enquanto abaixava a cabeça e puxava sua peliça, que estava presa
em uma silveira. O grito veio novamente, e Crecy continuou,
ignorando o dano a suas roupas à medida que via um grande
pássaro, pulando e inclinando-se para um lado enquanto tentava se
afastar.
— Shh, calma, shh, está tudo bem — disse ela, mantendo a voz
suave e tranquila enquanto se aproximava. A ave pega-rabuda piou
e tentou voar, mas os espinhos acima a impediram, e caiu no chão
novamente em uma exibição desajeitada de penas. Crecy correu
para a frente e a pegou, fazendo careta quando o pássaro bicou
seus dedos com o bico afiado. — Está tudo bem — acalmou ela,
segurando-a contra ela e acariciando o topo de sua cabeça. — Eu
não vou te machucar, eu prometo.
Se estava apenas admitindo a derrota e se entregando para ser
comida ou se realmente entendia que ela não representava perigo,
ela não sabia. Mas para seu alívio, as bicadas pararam. Ela emergiu
da vegetação com pedaços de galhos e folhas em seu cabelo, e
Belle a cumprimentou com uma expressão afetuosa, embora
paciente.
— É uma pega-rabuda — disse ela, sorrindo para Belle, que
revirou os olhos. — O pobrezinho quebrou as perninhas, eu acho.
— Pobre diabo — murmurou Charlie, dando uma olhada
suspeita no pássaro. — Dê aqui, senhorita Lucretia. Eu vô cuidá do
infeliz procê. Num podemo deixá-lo sofrê, né?
Crecy o encarou com fúria, revoltada com a ideia. — Não! —
exclamou ela, olhando para Charlie como se ele fosse culpado de
um assassinato. — Eu posso consertar a perna dele. Ele estará bem
em algumas semanas.
Charlie fez uma careta para ela e sacudiu a cabeça. — E o que
ocê vai fazê com o desgraçado até lá, desculpe-me pelo palavreado
— acrescentou ele, obviamente lembrando com quem estava
falando. — Deve tá cheio de pulgas e... argh!
— Eu não me importo! — retrucou Crecy.
— Seria mais misericordioso acabá com o sofrimento da criatura
— resmungou Charlie, enquanto Crecy se afastava um pouco mais,
apenas por precaução.
— Você faria o mesmo comigo tão rápido, Charlie?
Todos se surpreenderam quando Edward apareceu, com um
visual sujo e desalinhado, como se tivesse dormido em uma vala.
Crecy se afastou para dar a Belle um pouco de privacidade, mas
virou-se novamente quando a voz de Edward ecoou. — Não me
toque!
Belle deu um salto para longe dele, e o coração de Crecy
afundou. Ela assistiu enquanto Belle o chamava de volta, mas
Edward apenas se afastou dela. Crecy voltou para Belle,
encontrando Charlie com ela, conversando baixinho.
— Você é um bom amigo para ele, Charlie — disse Belle com a
voz tão triste e, no entanto, cheia de gratidão, que o coração de
Crecy apertou. Charlie corou um pouco com o elogio e tocou a aba
do chapéu antes de seguir à frente delas.
— Você não pode deixá-lo te afastar, Belle — disse Crecy, sua
voz baixa enquanto acariciava a cabeça do pássaro ferido.
Belle sorriu para a irmã e assentiu. — Eu sei disso, Crecy, e
acredite em mim, não tenho a intenção de deixá-lo fazer isso. —
Crecy assentiu, sorrindo para ela, e elas voltaram para a casa.
Ambas tinham desafios pela frente, com certeza, mas Crecy sentia
que Belle venceria sua batalha. Restava saber se suas próprias
investidas teriam algum significado e se havia esperança para ela
também.
Capítulo 12
“No qual a escuridão toma conta e uma faísca se acende.”

Gabriel direcionou Typhon na direção da sua casa. O sol estava


se pondo, e ele estava gelado até os ossos. Ela não iria vir. Isso
estava mais do que claro. Pior ainda, ele estava agindo como um
maldito tolo. O que raios ele esperava? Ela provavelmente
conseguiu o que queria, enfrentou o leão em sua cova e venceu.
Provavelmente estava se gabando. Neste momento, ela
provavelmente estava rindo até cair com sua maldita irmã e se
vangloriando de como tinha o aterrorizante Visconde DeMorte
comendo em sua mão.
Seu estômago se contraiu, uma dor desconhecida se
espalhando de seu coração que ele se recusava a reconhecer.
Você é um tolo, Gabriel, um fraco, um tolo patético. A garota te
usou, Edward provavelmente a enviou. Eles provavelmente estão
rindo de você agora. Você estragou tudo de novo, você é um
homem inútil. Você não sabe fazer nada direito?
Ele cavalgou com mais intensidade, Typhon disparando pelos
campos de volta a Damerel House. O vento zunia em seus ouvidos,
o frio ardia em sua pele e em seus olhos, mas nada podia abafar a
voz de seu pai.
Os dias seguintes foram difíceis. O pouco sono que ele estava
acostumado a ter não veio, pois pensamentos de Crecy invadiram
sua mente e se recusaram a ser afastados. Ele lembrava de cada
detalhe, cada toque, cada sensação familiar. Se ele fechasse os
olhos, podia sentir a seda de seus cabelos contra seus dedos, ver a
pequena sarda em sua bochecha direita, recordar o toque suave de
suas mãos em seu rosto. Ele lembrava da maneira como ela corria
para segurar sua mão quando ele lhe contava algo de seu passado,
apressando-se para confortá-lo como ninguém jamais fizera antes, e
da maneira como ela disse seu nome... como se realmente
significasse alguma coisa. Cada momento era revivido em detalhes
minuciosos, passando uma e outra vez em sua mente com precisão
obsessiva. Oh, meu Deus, como se ele precisasse de outra
obsessão.
Ele se agarrava à normalidade por um fio – ou à sua ideia do
que considerava isso, pelo menos. Levou o dobro do tempo para
sair de seu quarto naquela manhã, impelido a verificar e conferir
novamente os objetos em sua penteadeira até que quisesse gritar
de frustração, para se enfurecer e gritar com a jovem que se
intrometeu em sua vida quando ele não queria, não deu a ela o
menor incentivo. Por que diabos ela fez isso? O que, em nome de
Deus, ela poderia conseguir ao atormentá-lo?
“Estou sorrindo porque estou feliz, Gabriel, porque você me faz
feliz.”
Mentirosa.
Ele foi para seu escritório e sentou-se atrás de sua escrivaninha,
determinado a afastar os pensamentos dela. A pilha de
correspondência a seu lado o tentava, e ele se forçou a endireitar os
objetos em sua mesa – não mais do que de costume – antes de
pegar a primeira carta de seu advogado. Deveria tê-la respondido
antes, mas tinha estado muito distraído. A raiva o corroía, junto com
um rubor de vergonha por permitir que uma garota tão atrevida o
perturbasse. Examinando rapidamente a carta, pegou papel e
caneta e rabiscou uma resposta, sua caligrafia menos legível do que
o habitual. Sempre achou estranho como alguém como ele, que se
esforçava tanto pela perfeição e pela ordem, poderia ter uma
caligrafia tão descuidada. Uma das ironias de sua vida.
Gabriel.
O som de seu nome em seus lábios fez sua mão ficar parada no
ar e ele fechou os olhos. Ele pensou que o eco da voz de seu pai já
era tormento suficiente. De maneira tola, ele havia pensado que não
poderia haver nada no mundo que pudesse torturá-lo mais do que
isso.
— Ela estava apenas brincando com você, seu maldito tolo —
murmurou ele, assinando a carta com um movimento raivoso da
mão antes de pegar o areeiro e polvilhá-lo sobre a carta. Com o
maior cuidado para que nenhum pó fino se espalhasse pela mesa,
ele levantou a carta e peneirou o excesso de volta para o recipiente.
Satisfeito de que a tinta estivesse seca, ele a dobrou com sua
precisão habitual e derreteu um selo na junção, pressionando seu
anel de sinete na cera macia.
A próxima carta foi alcançada e o processo repetido, tudo
enquanto a voz suave de Crecy persistia em sua mente, com a voz
de seu pai zombando-o por isso.
Ele selou a próxima carta, adicionando-a à primeira, e
concentrou-se em respirar profundamente, apoiando os cotovelos
na mesa e cobrindo os ouvidos, como se isso pudesse fazê-lo parar.
Gabriel respirou fundo, tentando manter a respiração calma e não
permitir que as nuvens negras se acumulassem em sua mente para
devorá-lo.
Uma batida na porta fez sua cabeça se erguer, e ele pediu que
Piper entrasse. O maldito sujeito estava dando um largo sorriso –
dando um largo sorriso de verdade – enquanto se aproximava
rapidamente e entregava a bandeja a Gabriel. A carta estava
endereçada em uma caligrafia familiar e extravagante que fez sua
respiração falhar. Ele a pegou rapidamente, evitando os olhos do
homem. Levantando-se, virou as costas para Piper, ciente demais
de que sua reação era muito reveladora.
Para seu alívio, ouviu a porta se fechar quando Piper o deixou
sozinho, e rompeu o selo, recusando-se a admitir que seu coração
estava batendo mais forte do que o normal. Muito forte.
Meu querido amigo,
Sinto muito por não ter podido visitá-lo, mas minha irmã está um
tanto perturbada e tem precisado de minha companhia. Ela suportou
minhas maneiras estranhas com tanta devoção ao longo dos anos
que não posso abandoná-la, nem mesmo por você, embora seja
muito mais difícil do que você talvez perceba para eu ficar longe.
Sinto saudades. Sinto muita saudade, querido Gabriel, e conto
os minutos até poder vê-lo novamente. Você pensou o contrário?
Achou que o ludibriei e o fiz jogar algum jogo perverso?
Eu te conheço, Gabriel. Eu te conheço como conheço a minha
própria alma. Você pertence a mim, e eu não vou deixar você
escapar.
Se você não acredita em mais nada, acredite nisto: eu estou
pensando em você a cada momento de todos os dias, e não vou
poder respirar livremente novamente até estar com você.
Vou até você assim que puder.
Sua, sempre,
Crecy.
Gabriel sentou-se, a carta ainda em suas mãos, lendo-a
repetidamente. Havia um aperto em sua garganta à medida que as
palavras penetravam nele, deslizando sob sua pele e encontravam
um caminho nas profundezas frias e escuras de seu coração. Algo
acendeu ali, uma centelha na extensa escuridão que havia engolido
sua capacidade de sentir, de entender, de ter empatia. Era frágil e
indefinida, mas estava lá, algo vivo que ameaçava acender e
iluminar todos os cantos mais sombrios de sua alma.
Era aterrorizante.
Uma parte dele queria apagá-la, extingui-la antes que tivesse a
chance de tomar conta dele e pegar fogo como um incêndio
florestal, fora de controle. A voz de seu pai instigava-o, dizendo que
ela estava apenas enganando-o ainda mais, a fim de prendê-lo
ainda mais firme em suas garras, para que sua vitória fosse ainda
mais completa quando ela revelasse sua verdadeira natureza e risse
em seu rosto. Mas Gabriel não deixaria isso acontecer. Ele protegeu
a centelha que ela havia acendido, como uma chama de fósforo
contra a tempestade do ridículo de seu pai, contra sua própria
natureza autodestrutiva. Ela viria até ele novamente. Ela viria.
E talvez ele fosse o maior tolo do mundo, mas ele estaria
esperando.
***
Crecy olhou para o desenho em sua mão com um olhar crítico.
Ela não tinha grande confiança em sua habilidade com um lápis,
mas achou que talvez fosse um retrato razoável. De qualquer forma,
era o melhor que suas habilidades limitadas poderiam alcançar.
Virando-o, tentou pensar nas palavras que precisava, com o lápis
pairando sobre o papel com indecisão. Como dizer a ele tudo o que
queria sem assustá-lo estava se tornando um dilema. Ela
simplesmente não tinha certeza de até onde ele poderia ser
pressionado e com que rapidez. Quanto a ela, a impaciência era sua
própria cruz para carregar. Pensamentos de passar todos os dias
com ele e, mais significativamente, todas as suas noites, estavam
se tornando cada vez mais difíceis de ignorar.
Crecy havia feito o seu melhor para fazer companhia a Belle,
entregando-se à decoração da imensidão de Longwold para o Natal
com todo o entusiasmo que podia reunir. Mas seus pensamentos
nunca estavam longe de Gabriel, sozinho naquela grande e vazia
construção que ele chamava de lar. Ela não acreditava por um
momento sequer que haveria decorações de Natal lá, que alguém o
visitaria e lhe desejaria um “Feliz Natal”. Ela sentia como se seu
coração estivesse sangrando de uma ferida aberta sempre que
pensava nisso e sabia que agarraria a próxima chance que tivesse
de vê-lo, não importando o quão arriscada fosse.
Acabou que foi mais fácil do que ela esperava. Belle estava
ocupada com seus próprios problemas e vinha passando tempo
com sua convidada, Lady Falmouth, desde que ela e o marido
haviam retornado para o período de Natal. Portanto, ninguém
percebeu quando Crecy desapareceu para um longo passeio cedo
na véspera de Natal. Seu amor por cavalgar e estar ao ar livre, não
importando o clima, era bem conhecido agora, então, não parecia
estranho de forma alguma.
Ela acenou para Jack Crowther, o jovem do estábulo, quando se
separaram, ele para visitar sua amada, e Crecy para visitar o seu.
Ela o havia recompensado bem por entregar a carta a Gabriel, e ele
usou a recompensa para comprar um presente para sua garota. A
ideia agradou-lhe.
Crecy cavalgou com intensidade, sua ansiedade para estar com
Gabriel fazendo dela mais imprudente do que o habitual. Quando
ela cruzou os limites com o terreno dele, estava ruborizada e sem
fôlego, com o coração batendo descontroladamente, mas ele bateu
ainda mais forte quando ela parou seu cavalo.
Ele estava à espera dela.
Crecy prendeu a respiração, alegria se tornando uma coisa viva
sob sua pele enquanto ela observava-o, uma figura alta e sombria
contra o brilho do céu limpo de inverno. Ele parecia um anjo caído,
até mesmo um diabo, uma divindade vingativa, com aqueles olhos
azuis frios e seu longo cabelo preto preso para trás do rosto severo.
Seus lábios eram cruéis, e se alguém além de Crecy o visse,
encolheria diante da dureza de sua expressão. No entanto, Crecy só
conseguia sorrir.
Ela o observou desmontar, seu sobretudo rodopiando ao redor
dele enquanto ele deixava Typhon pastar na grama congelada, e se
aproximou dela. Crecy não conseguia ler sua expressão enquanto
permanecia ao lado de seu cavalo, olhando para cima em sua
direção. Seu semblante era muito cauteloso, muito fechado, mas ele
estava ali. Ele tinha vindo até ela. Parecia um presente.
Ela estendeu a mão, colocando-a contra sua bochecha, e sentiu
o coração apertar quando ele fechou os olhos e virou o rosto para
ela.
— Oh, Gabriel, senti tanto a sua falta.
Antes que ela soubesse o que estava acontecendo, um par de
mãos fortes a segurou pela cintura, puxando-a para baixo em
direção aos braços dele. Ela cambaleou, rindo enquanto se apoiava
nele. Crecy encarou os olhos azul-índigo que não revelavam nada.
Ela precisaria provocá-lo um pouco para descobrir o que queria
saber.
— Você deveria dizer que sentiu minha falta também — disse
ela, sua voz baixa enquanto ele a encarava. Ela franzia os lábios,
considerando sua expressão à luz de seu silêncio. — A menos que
você... — começou ela, apenas para ter as palavras devoradas
quando a boca dele capturou a dela.
Crecy se derreteu nele, uma mistura bizarra de frio e lava
enquanto se enroscava ao redor dele. Ela estava congelada até os
ossos por causa da corrida de manhã cedo, com os dedos e o rosto
congelados, mas Gabriel era sinônimo de fervor e calor. Sua boca
era quente contra a dela, e ela queimava sob a pele com a
sensação de estar em seus braços novamente. Ele a cercou,
envolveu-a, e ela nunca se sentiu tão contente, tão certa de que era
o certo. Durante toda a sua vida, ela esteve errada de alguma
forma, fora de sintonia, uma peça estranha do quebra-cabeça para o
qual não havia peça para se encaixar. Até agora.
Ele a soltou, e ela suspirou com profunda satisfação, mantendo
os olhos fechados, com medo de acordar de um sonho que não
queria interromper. No final, ela se forçou a espiar, a olhar para cima
para ele de baixo dos cílios.
— Isso significa que você sentiu minha falta? — perguntou ela,
sorrindo enquanto pronunciava as palavras. — Pelo menos só um
pouquinho.
Ele resmungou, um lampejo de diversão nos olhos que parecia
mais uma pequena vitória. — Talvez... um pouquinho. — As
palavras eram ríspidas e um pouco relutantes, mas Crecy não se
importava. Ela deu um enorme sorriso para ele.
— Ah, como eu queria que fosse verão e o solo não estivesse
tão frio e úmido — disse ela, com óbvia tristeza, e seu significado
ficou claro com o desejo em seus olhos.
Ele a soltou, o movimento um tanto abrupto.
— Pelo amor de Deus, mulher, não diga essas coisas. Você tem
ideia de como está perto de ser comprometida?
Ele parecia realmente irritado com ela, o que só a deixava mais
feliz. Ele se importava. Ele realmente se importava. Ela estava
quase certa disso.
— Certamente o terrível e malvado Visconde DeMorte não se
importa com a reputação de uma jovem tola — disse ela,
provocando-o gentilmente. Ela segurou sua mão, olhando para cima
na direção dele com um sorriso para garantir que ele soubesse que
não estava zombando dele de verdade.
Mas o olhar em seus olhos era sério e nada divertido.
— Você sabe realmente o que está fazendo? — perguntou ele,
as palavras duras agora. — Você realmente considerou? Você
espera me forçar a pedir sua mão? Você espera que eu me case
com você?
— Não — respondeu ela, a palavra facilmente dita, embora
tivesse perdido noites suficientes pensando na realidade do que isso
significaria.
— Você não quer mais do que isso? — vociferou ele, seus olhos
agora frios, e ela sabia que havia uma parte dele que estava irritada
por estar ali, irritada por se importar.
— Eu só quero você, Gabriel — disse ela, sussurrando as
palavras e orando para que ele pudesse ouvir a sinceridade por trás
delas. — De qualquer forma que aconteça, o que quer que
signifique.
— Você é uma maldita tola — retrucou ele, soltando sua mão.
— Talvez — disse ela, seu tom sereno enquanto pegava seus
dedos novamente, teimosa até o fim. — Não fique bravo. — As
palavras eram persuasivas e suaves, e ele relutantemente permitiu
que seus dedos se enrolassem nos dela mais uma vez, embora seu
rosto ainda fosse uma máscara de indiferença. — Afinal, é Véspera
de Natal, e eu tenho um presente para você.
Ela escondeu seu sorriso enquanto seus olhos voltavam para os
dela, um lampejo de interesse que a deixou encantada. Conversar
com Gabriel era como decifrar sinais de fumaça em um dia nublado.
Se você não prestasse muita atenção, as pistas sobre seus
sentimentos eram tão fugazes e bem camufladas que você poderia
perdê-las, mas cada uma que era capturada e registrada mostrava-
se ser uma revelação, um pequeno passo em direção a conhecê-lo
melhor.
Ele emitiu um som profundo na garganta, algo entre um
grunhido e uma risada, e a conduziu de volta ao seu cavalo,
entrelaçando as mãos para ajudá-la a montar no cavalo. Crecy
saltou com agilidade para a sela, admirando a destreza com que ele
montou o próprio cavalo. Sem esperar que ele desse qualquer
indicação de estar pronto, ou que a convidasse, ela partiu.
Ela deu um grito de alegria enquanto seu cavalo galopava para
longe dele, sabendo que ele a consideraria uma jovem imprudente,
mas não pensaria o pior dela por isso. Ela olhou para trás, certa de
que viu um sorriso cruzar seus lábios quando ele montou seu
próprio cavalo, Typhon, avançando em perseguição.
Crecy riu, o coração leve enquanto Gabriel disparava atrás dela,
sabendo que ele poderia alcançá-la com facilidade, mas ela não
tinha a menor intenção de escapar dele.
Capítulo 13
“No qual os jogos são jogados.”

A expressão de Piper era de tanta satisfação ao vê-la que ela


ficou admirada com isso. Gabriel também percebeu o olhar de Piper,
encarando-o com raiva. Piper rapidamente escondeu suas emoções
por trás de uma máscara impassível, mas ainda havia um brilho de
satisfação nos olhos do velho homem que era difícil de ignorar; que
tipo de relacionamento ele tinha com Gabriel? Certamente tratava-o
com deferência, como era normal para um mordomo, mas,
considerando a reputação de Gabriel como um bruto e um tirano,
parecia estranho que ele demonstrasse qualquer prazer pelo fato de
seu patrão finalmente ter uma visita. Ela suspeitava que o velho
homem conseguia enxergar através de Gabriel da mesma forma
que ela, e que ele estava contente que alguém finalmente estivesse
tentando romper as muralhas impenetráveis que o isolado visconde
havia construído ao seu redor.
Depois de entregarem casacos, chapéus e luvas, e Piper ter se
retirado, Gabriel hesitou. Ele parecia tenso, inseguro sobre o que
fazer agora, como tratar uma visita em sua casa.
— A sala de estar, talvez? — sugeriu Crecy com o tom gentil,
não querendo criar a impressão de que estava tentando dar ordens.
— E um chá seria bom — acrescentou.
Gabriel assentiu brevemente, e ela deu um pulo quando ele
bradou através do grande hall de entrada. — Piper!
Piper reapareceu, sem parecer nem um pouco surpreso por ser
chamado dessa forma, então, ela imaginou que ele estava
acostumado com isso.
— Chá. Na sala de estar — instruiu Gabriel.
Piper assentiu e estava prestes a se retirar, mas Crecy sentiu a
necessidade de acrescentar: “Obrigada, Piper”, lançando um olhar
de repreensão a Gabriel, que só franzia ainda mais o cenho.
— Por favor ou obrigado não custam nada, Gabriel — disse ela,
ciente de que estava repreendendo-o, mas sentindo que alguém
deveria fazê-lo.
Gabriel bufou, lançando-lhe um olhar de desprezo. — Você está
tentando domesticar a fera selvagem, é isso? Ensinar boas
maneiras ao monstro? Boa sorte com isso. — Ele se afastou dela
com passos firmes, e ela correu atrás dele, segurando seu braço e
impedindo-o de continuar.
— Você não é nem uma fera nem um monstro, Gabriel.
Ele olhou para baixo na direção dela, sua expressão tão fria e
indecifrável como sempre.
— Seja qual for o motivo de você estar aqui — disse ele, as
palavras de alguma forma sombrias, enquanto estendia a mão e
tocava seu rosto por um breve momento antes de retirá-la. — Não
se engane quanto a isso.
Ele se afastou novamente, puxando o braço de seu alcance e
segurando a porta da sala de estar aberta para ela. Crecy suspirou,
sabendo que essa seria uma longa batalha antes de entrar na sala.
Era uma sala encantadora, embora um tanto desbotada e um
pouco gasta nas extremidades. Ela suspeitava que sua mãe era a
responsável pela decoração aqui mais uma vez e se perguntou se
Gabriel havia feito alguma mudança em sua casa desde a morte de
seus pais. A resposta parecia óbvia, e a ideia a deixou inquieta,
como se os fantasmas de seu passado ainda estivessem entre eles,
observando-os. Como ele conseguia existir, nesse exílio
autoimposto com lembranças da vida e morte violentas de seus pais
cercando-o a cada passo? Mas, na verdade, era tudo o que ele
fazia, não era? – existir. Ele não tinha a menor ideia do que
significava ter amigos, falar sobre nada em particular apenas pelo
prazer de falar, divertir-se. Ela se perguntou se ele já havia se
divertido em toda a sua vida. Será que ele sequer sabia como?
Ela ergueu o olhar quando Piper voltou com uma bandeja com
as coisas do chá e um dourado bolo de libra, o que fez Crecy
perceber que estava realmente faminta. Piper colocou a bandeja
sobre a mesa e endireitou-se.
— Devo servir o chá, milorde? — indagou ele, aparentemente
lutando para evitar que sua boca se curvasse em um sorriso.
Gabriel balançou brevemente a cabeça e Crecy lançou-lhe um
olhar fulminante. Ele franziu ainda mais a testa.
— Não. Isso será tudo, Piper... — O silêncio se estendeu. —
Obrigado. — As palavras eram claramente relutantes e
pronunciadas de forma abrupta, mas foram ditas mesmo assim.
Crecy olhou em volta e viu Piper encarando o visconde com algo
próximo de espanto antes de voltar a si. Ele assentiu para Gabriel e
se retirou, ainda parecendo um tanto surpreso quando fechou a
porta diante deles.
— Viu? — disse Crecy, sabendo que parecia muito satisfeita
consigo mesma. — Isso não doeu nada, não é?
Gabriel resmungou, o que parecia ser sua resposta padrão para
qualquer coisa que ele não quisesse responder, e esperou até que
ela se sentasse perto da bandeja antes de ocupar uma cadeira à
sua esquerda. Pelo menos ele tinha alguns modos, ela notou com
diversão. Crecy voltou sua atenção para o chá.
— Com leite e açúcar? — perguntou ela, e, então, parou quando
ele assentiu, levantando uma sobrancelha apenas um pouco
enquanto ele não dava nenhuma resposta adicional.
Gabriel revirou os olhos. — Sim, por favor — murmurou ele.
Crecy voltou ao trabalho e sentiu os olhos dele sobre ela. Ela se
perguntou se ele a estava estudando, ou se simplesmente queria
arrumar novamente a bandeja do chá. Ela se iludiu pensando que,
desta vez, era por causa dela, mas não estava totalmente certa.
— Um ou dois cubos? — perguntou ela, com o pegador de
açúcar suspenso sobre a xícara dele.
— Três... por favor. — Ele sorriu para ela, embora fosse mais
um rosnado, na verdade, uma exposição sarcástica dos dentes.
Ela resmungou e balançou a cabeça. — Uma formiguinha, quem
diria? — murmurou ela. Ela lhe entregou a xícara antes de voltar
sua atenção para a bandeja.
— Bolo?
Ele balançou a cabeça e ela deu de ombros, cortando uma
generosa fatia para si mesma. Ela provou um pedaço e suspirou de
prazer. Molhadinho e amanteigado, derretia na boca, e ela se viu
aliviada que, pelo menos, ele se alimentava bem. Eles tomaram o
chá em silêncio, e Crecy não se esforçou para tentar se engajar em
uma conversa cortês. Gabriel odiaria isso, e ela estava contente
apenas em estar na companhia dele. Terminado o chá, Gabriel
recolocou sua xícara, e ela o observou com interesse enquanto ele
virava a chaleira, a jarra de leite e ambas as xícaras para que as
alças apontassem exatamente na mesma direção.
— Você tem algum jogo? — questionou ela, quando ele se
sentou novamente, ganhando um olhar de completa surpresa desta
vez.
— Jogo? — disse ele, soando tão chocado como se ela tivesse
perguntado se ele tinha chifres e um rabo.
— Sim — respondeu ela, assentindo, determinada a ensiná-lo a
se divertir. — Você sabe, diversões.
— Eu tenho cartas e dados — respondeu ele, com o tom seco.
Ela o olhou, seu grande corpo ocupando toda a cadeira em que
estava sentado. Exteriormente, ele parecia relaxado, uma perna
longa cruzada sobre a outra, os ombros largos inclinados para trás,
mas havia algo em seus olhos que lhe dizia que ele ainda estava
muito nervoso.
— Eu não estou falando de jogos de azar, Gabriel — disse ela,
repreendendo-o e parecendo um pouco zangada. — Quero dizer
jogos de salão... para se divertir.
— Divertir? — repetiu ele, parecendo um tanto revoltado. — Eu
sou um homem crescido, Crecy, você entende isso, não é?
— Oh, pelo amor de Deus, Gabriel, eu estou bem ciente, eu lhe
garanto — respondeu ela, com um tom perspicaz que de alguma
forma era bastante provocante e não exatamente o que ela tinha
pretendido. Os olhos de Gabriel escureceram um pouco e ela sentiu
uma agitação em resposta no fundo do estômago, mas se recusou a
se deixar distrair. — Você deve ter algo — insistiu ela.
Gabriel deu um suspiro impaciente, parecendo considerar a
pergunta por um momento antes de se levantar. Ele atravessou a
sala, abrindo as portas de um armário bastante elegante e
agachando-se, procurando através do conteúdo.
— Bem, diabos me levem!
Crecy se levantou com a exclamação suave e correu para ver a
caixa que ele havia buscado.
— Oh, perfeito! — disse ela, pulando nas pontas dos pés com
alegria.
— Não acredito que isto ainda esteja aqui — disse ele, olhando
para a caixa como se tivesse aparecido por mágica, ou talvez
bruxaria, a julgar pelo olhar inquieto que lançava a ela.
Crecy ignorou isso e pegou a caixa de suas mãos.
— Tire as coisas do chá, por favor, Gabriel — disse ela,
enquanto ele a seguia de volta à mesa.
Gabriel parecia estar segurando a língua contra qualquer
resposta que estivesse lutando para sair, mas fez o que ela pediu.
Crecy sentou-se no chão ao lado da mesa de café e abriu a caixa,
pegando o tabuleiro e comentando sobre a beleza da pintura e os
dados-piões de madeira esculpida, em vez de dados – isso estava
muito próximo dos jogos de azar para ser permitido nos jogos em
família. — Vamos lá — disse ela, olhando para ele com impaciência
enquanto ele a observava de perto.
Ele continuou fazendo cara feia, indignado e intimidante, um
grande homem zangado com uma carranca imponente. — Você não
pode estar falando sério.
— Estou falando muito sério, sente-se, por favor — instruiu ela,
ignorando sua antipatia óbvia pela ideia e batendo no espaço no
chão ao seu lado.
— No chão? — Ele parecia bastante indignado agora.
Crecy fez uma carranca para ele. — Nossa, sério, Gabriel? Não
me diga que você é muito superior para se sentar no chão com sua
amiga?
Gabriel abriu e fechou a boca antes de murmurar e ajoelhar-se.
Ele lançou a Crecy um olhar profundamente irritado enquanto
tentava manobrar seu grande corpo para se sentar ao lado dela. Ele
acabou sentado com as pernas cruzadas, os braços dobrados com
evidente irritação e uma expressão bastante revoltada.
Crecy leu as regras do Jogo do Ganso, enquanto Gabriel
murmurava: “Isso é ridículo”.
— Você está apenas preocupado que vou vencê-lo — disse ela,
com palavras ácidas enquanto fazia o primeiro giro do pião.
Gargalhando de alegria, Crecy tirou dois seis e moveu seu ganso
branco doze casas, caindo em um campo com um ganso. — Ha! —
exclamou ela, pegando seu ganso novamente. — Eu posso dobrar o
número. — Ela avançou para a vigésima quarta casa, que estava a
mais de um terço do caminho do tabuleiro. — Sua vez — disse ela,
virando-se para dar a ele um sorriso triunfante.
Gabriel respondeu com um olhar resignado, mas pegou o pião e
tirou os números um e três.
— Oh, que azar — disse ela, de maneira tão exagerada que
ficou claro que estava zombando dele.
Gabriel resmungou e pegou o ganso preto, movendo-o quatro
casas.
Crecy jogou na sua vez. Outra dupla de seis. Ela irrompeu em
risadas animadas e moveu seu ganso novamente. Gabriel estreitou
os olhos para ela e pegou o dado-pião mais uma vez. Um cinco e
um quatro o fez franzir o cenho um pouco, mas ele moveu sua peça,
olhando para Crecy enquanto ela fazia um som de reprovação e
balançava a cabeça.
— Oh, essa não — disse ela, com um suspiro. — Você pousou
na pousada.
— E daí? — exigiu saber ele, com tanta desconfiança que ela
teve que morder a língua para não rir.
— Bem, é uma pousada muito boa, entende? — explicou ela,
lutando para manter a seriedade à medida que sua explicação o
deixava cada vez mais indignado. — E toda aquela boa comida e
vinho o deixou sonolento, então, você perde uma rodada.
— Isso é ridículo — resmungou ele, olhando sério para ela. —
Tem certeza de que você não está inventando isso?
— Eu não estou trapaceando! — retrucou ela, pegando o papel
de instruções e o balançando sob o nariz dele. — Veja com seus
próprios olhos.
Gabriel pegou o papel dela, leu e o jogou de lado, indignado,
antes de voltar ao jogo, resmungando sobre as regras estúpidas o
tempo todo. Crecy girou o dado-pião novamente. Duplo seis. Ela
mordeu o lábio e se virou, olhando para Gabriel com apreensão.
— Você está trapaceando? — exigiu saber ele, parecendo
realmente zangado.
— Não! — Crecy corou, sentindo-se bastante indignada. Como
ele ousava? — Eu nunca faria uma coisa dessas. Além disso —
acrescentou ela, com um resmungo. —, não preciso disso.
Gabriel estreitou os olhos mais uma vez. — Nunca vi ninguém
girar três duplos seis seguidos — murmurou ele, ainda parecendo
suspeito.
— Bem, talvez seja bruxaria — provocou-o, abrindo os olhos e
balançando os dedos de maneira assustadora. — Ou talvez eu seja
o diabo disfarçado.
Gabriel bufou. — Nisso eu posso acreditar.
— Sim, eu sei — disse ela com perfeita seriedade, enquanto
movia o ganso pelo tabuleiro. — Não duvido que seja exatamente
isso que você diz sobre mim no momento em que estou fora do seu
campo de visão.
Ele ficou em silêncio, e ela sabia que tinha se aproximado muito
da verdade. Ele não tinha autoconfiança suficiente para entender
por que ela gostaria de conhece-lo. A única explicação que ele
chegaria era que ela estava tramando algo.
— Oh, droga.
Gabriel se sentou com seu tom desanimado e olhou para o
tabuleiro. — Ah! — exclamou ele, sem parecer cavalheiresco, ao
perceber que ela tinha caído no poço. — Você não joga por duas
rodadas.
Durante os próximos dez minutos, Crecy percebeu que Gabriel
era bastante competitivo. Ela olhou para ele, percebendo que ele
estava completamente absorvido em seu jogo bobo, e sentiu seu
coração doer por ele nunca ter tido alguém com quem ser bobo e
infantil antes.
— Sua vez — disse ele, e Crecy voltou sua atenção para o
tabuleiro. Agora, eles estavam empatados, cada um tendo que girar
um número exato para chegar à casa sessenta e três e ganhar o
jogo. Crecy mordeu o lábio quando os dados-piões atingiram o
tabuleiro.
— Maldição! — praguejou ela, batendo no tampo da mesa com
frustração.
Gabriel deu uma risada de triunfo. — Prisão para você, minha
garota. Eu disse que você não se daria bem.
— Bem, não há necessidade de se vangloriar — disse ela com
um resmungo, apenas para exclamar mais uma vez quando ele tirou
um dois e um quatro e caiu habilmente na última casa.
— Eu ganhei! — disse ele, com os olhos brilhando de triunfo.
— Nossa, Gabriel, sinceramente — disse ela, cruzando os
braços. — Acho que é absolutamente monstruoso de sua parte não
me deixar ganhar. Afinal, sou a visita — acrescentou, com um bico.
Ela não queria dizer isso de jeito nenhum, mas estava aproveitando
demais o prazer dele em sua vitória sobre ela.
— Isso é o que você ganha por trapacear — disse ele,
parecendo excessivamente convencido.
— Eu não fiz isso! — disse Crecy, caindo no joguinho dele,
embora soubesse que ele estava apenas provocando-a. — Retire o
que disse!
— Não — disse ele, dando um largo sorriso para ela de maneira
que seu coração deu um salto estranho, batendo de maneira
irregular.
— Está bem — disse ela, cruzando os braços e levantando o
queixo enquanto fazia bico para ele — Então, eu não vou deixar
você me beijar.
Ele ficou em silêncio por um momento, e ela se recusou a olhar
para ele, mantendo a cabeça virada em uma birra imperiosa.
— Sim, você vai — respondeu ele com um tom suave e sombrio,
que a fez sentir como se suas entranhas estivessem dissolvendo em
uma poça. Crecy soltou um pequeno resmungo e olhou novamente
para ele.
— O que te faz pensar assim? — exigiu saber ela, em seu tom
mais arrogante.
— Porque você está morrendo de vontade de que eu te beije
desde que chegou.
Ela corou um pouco, já que era a mais pura verdade, mas
manteve o olhar fixo nele, erguendo uma sobrancelha.
— Então, o que diabo você está esperando?
Capítulo 14
“No qual o vencedor leva seu prêmio.”

A expressão de Gabriel ficou indecifrável por um instante, e ela


se manteve imóvel, esperando a qualquer momento que ele se
aproximasse para pegar o beijo dele. Mas, então, ela viu um olhar
um tanto perverso se insinuar em seus olhos, o que a fez
estremecer de expectativa.
— Não — disse ele, encarando o seu olhar. — Eu venci. Sou o
vencedor. Você deveria me beijar.
Crecy sentiu o desejo emergir sob sua pele e desviou o olhar
dele, levando um momento para arrumar suas saias enquanto seu
coração martelava em seus ouvidos. — Para alguém que não queria
jogar, você está muito orgulhoso de si mesmo.
— E você é uma péssima perdedora.
Ela, então, olhou para ele, franzindo um pouco a testa. — Não
sou, não.
Gabriel deu de ombros.
— Venha aqui então — disse ela, esperando manter o controle,
pois estava sentindo-se pegando fogo, nervosa e um pouco como
se as coisas pudessem rapidamente sair de controle se ela não
fosse mais cuidadosa do que o normal. Mas ele apenas balançou a
cabeça, um movimento lento de um lado para o outro, enquanto
aqueles olhos índigo a estudavam.
— Você que quis jogar esse jogo — disse ele, e de repente ela
soube que ele não estava falando do Jogo do Ganso.
Ela deu uma inspiração trêmula e ajoelhou-se, avançando um
pouco em sua direção. Gabriel não tirava os olhos dos dela, e ela se
perguntou por que se sentia muito menos corajosa desta vez.
Gabriel permaneceu perfeitamente imóvel, observando, sem se
mover nem um centímetro. Não se inclinou em sua direção ou
facilitou de forma alguma. Ele ainda estava sentado de pernas
cruzadas, e ela se moveu até seus joelhos bateram nele. Ela se
inclinou para frente e pressionou um breve beijo em sua boca antes
de se afastar.
— Isso é tudo? — disse ele, com diversão brilhando naqueles
olhos frios e escuros. — Não me diga que você perdeu a coragem?
Crecy se perguntou se ele estava certo por um momento, mas
foi apenas um momento, pois sua mão se estendeu e agarrou a
parte de trás de seu pescoço, puxando-a de volta para ele. Ele a
beijou desta vez, e o calor que Crecy sentira derretendo-a por
dentro pareceu explodir em suas veias. Ela se inclinou para ele,
apoiando as mãos em seus ombros largos, enquanto as mãos dele
se firmavam em sua cintura. Gabriel se moveu, descruzando suas
pernas e puxando-a para frente, para o espaço entre elas. Crecy
tentou se mover como ele queria, mas como as suas saias a
atrapalhavam, desequilibrou-se para a frente contra ele, enquanto
elas ficavam presas debaixo dos joelhos, com uma exclamação
surpresa.
Gabriel a segurou contra ele, mas seu peso o empurrou para
trás, e ela caiu com ele, deitando entre as pernas dele de maneira
tão íntima que ela prendeu a respiração.
Ela o observou enquanto ele a observava de volta, talvez
esperando que seus sentimentos de donzela se manifestassem e
que ela gritasse de indignação. Naquele momento, ela ficou sem ar
quando sentiu a evidência do desejo dele, duro – e um pouco
intimidador, para dizer a verdade – pressionado contra a maciez de
sua barriga. Agindo de forma intuitiva, sem pensar demais, e sem
realmente considerar o que estava fazendo, Crecy moveu seu peso
um pouco, pressionando-se de volta contra ele. A respiração de
Gabriel falhou, e ela sentiu um sorriso um tanto perverso se formar
em seus lábios ao ver seus olhos escurecerem em resposta.
— Diabinha, de fato — rosnou ele, antes de se virar, movendo-a
com suavidade para que ficasse deitada de costas, fazendo com
que seu grande corpo pairasse sobre ela. Ele a olhou, observando-a
com uma mistura de curiosidade e inquietação. Ela percebeu que
ele estava esperando por permissão e estendeu a mão,
entrelaçando-as atrás de seu pescoço e puxando-o com
impaciência. Sua cabeça abaixou, então, e capturou sua boca, e
Crecy se perdeu no prazer disso. Beijar Gabriel estava muito além
de qualquer coisa que ela já conhecera, uma combinação de
contentamento, desejo ardente e êxtase absoluto que a fazia perder
a cabeça no momento em que seus lábios tocavam os dela. O
desejo de saber o que mais havia, o que mais poderia ser
experimentado com ele, era ao mesmo tempo uma necessidade
ardente e um terror silencioso em seu coração.
Sua boca deixou a dela, cobrindo sua mandíbula e pescoço com
beijos, como se ela tivesse expressado seu desejo de aprender
mais em voz alta. Uma grande mão deslizou sobre ela, subindo da
cintura até segurar seu seio. Crecy deu um suspiro de prazer
quando a sensação a atingiu, de alguma forma ligando o calor de
sua mão em seu seio a algum lugar ainda mais íntimo. Seu polegar
moveu-se ao redor o mamilo, beliscando-o um pouco enquanto
apertava-o através do tecido de seu vestido. Crecy ouviu um som
indecente de prazer em seus ouvidos, e levou um tempo para
perceber que tinha sido ela que o havia emitido. Ela olhou para
cima, sentindo-se de repente mais ousada ao ver a expressão
intensa de Gabriel, sabendo que ele estava tão excitado por isso
quanto ela. A necessidade em seus olhos apenas a fez arder ainda
mais, e ela se arqueou sob seu toque quando sua mão deslizou
mais uma vez para baixo. Ele se moveu devagar, devagar demais,
quando ela sentiu instintivamente que sabia qual era o objetivo dele.
— É isso que você tem desejado? — perguntou ele, sua voz
baixa e tão sedutora quanto seu toque. Ela fechou os olhos quando
sua mão deslizou entre suas pernas, a intimidade de seu toque ao
mesmo tempo surpreendente e exatamente o que ela sabia que
seria.
— Sim, Gabriel — disse ela, sua voz sussurrada em um longo
suspiro, à medida que o prazer a envolvia como uma onda. Ele a
beijou novamente, seu corpo um peso que a esmagaria se ele
permitisse, mas agora era apenas uma presença sólida e quente à
qual ela se apegava como uma âncora. Crecy se moveu sob seu
toque, um sentimento desconhecido e impaciente pulsando em seu
sangue. Sua respiração ficou mais rápida enquanto ele a acariciava,
lenta e uniformemente, embora a sensação que criava fosse
exigente, persuasiva e clamorosa em seu desejo por mais.
Um riso masculino e rouco ecoou por ela, através dela, à
medida que vibrava do peito dele. — Pare de ir atrás — repreendeu-
a, parecendo divertido, enquanto deixava pequenos beijos quentes
por seu rosto e pescoço, sobre a curva de seus seios, e seu peito
subia e descia com cada respiração.
— Eu não sei... — começou ela, sentindo-se realmente
desesperada e insegura sobre o que queria. — Eu não sei como...
— Sim, você sabe — respondeu ele, sua voz agora firme e
tranquilizadora, enquanto seus dedos habilidosos continuavam a
acariciá-la através do vestido. — Olhe para mim. — A voz era um
comando, mesmo que um gentil, e Crecy olhou para ele, sentindo a
estranha sensação de segurança enquanto aqueles olhos
normalmente frios encaravam-na com tanta ternura que ela a sentiu
em seu âmago. — Entregue-se, eu estou com você.
E ele estava.
Ela sabia que ele estava. Gabriel não a machucaria. Talvez isso
não fosse verdade para outras pessoas, mas era para ela, e ela
confiava nisso. Sua respiração acelerou enquanto aquela sensação
exigente a envolvia novamente; era a mais estranha mistura de
tensão e expectativa, a sensação de correr em direção a algum
destino invisível. Mas Gabriel estava com ela, o peso de seu olhar,
ao mesmo tempo, quente e reconfortante, e ela se entregou,
confiando nele para guiá-la, e gritando quando a força disso a
surpreendeu.
— Tão linda.
As palavras foram sussurradas contra sua pele, tão suaves, e
Crecy tão perdida que quase não as ouviu, quase não percebeu a
reverência com a qual foram pronunciadas antes de se perder no
prazer que a atingiu em ondas deliciosas, sacudindo seu corpo
como uma marionete, completamente fora de seu próprio controle.
Gabriel a acalmou, murmurando palavras que ela não conseguia
compreender, e ela sabia que se arrependeria por não conseguir,
enquanto sentia seu corpo derretendo no espesso tapete debaixo
dela. Ela se sentia letárgica, os ossos pesados e relutantes em se
mover, tão sonolenta quanto um gato ao sol, enquanto soltava um
suspiro de contentamento.
— Oh, meu Deus — sussurrou ela, bastante satisfeita por ter
conseguido dizer qualquer coisa coerente depois de tal experiência.
Ela abriu os olhos, sentindo-se um pouco tímida de repente ao
encontrar Gabriel ainda encarando-a. Agora sua expressão estava
um pouco mais cautelosa, ela sentiu, mas ela sorriu, estendendo a
mão para tocar sua bochecha. — Obrigada — murmurou ela,
sentindo que qualquer coisa além disso exigiria um esforço muito
grande.
Gabriel bufou e balançou a cabeça.
— Você vai me agradecer por tirar a sua virgindade também,
vai? — perguntou ele, e havia novamente um tom mais intenso em
sua voz.
Crecy suspirou interiormente, sabendo que seria assim com
Gabriel. Ela teria pequenas vitórias de vez em quando, mas a guerra
estava longe de terminar.
— Se for algo parecido com isso, estarei completamente rendida
aos seus pés — retrucou ela, satisfeita quando ele soltou uma
risada repentina. Era ainda mais agradável, pois claramente não era
algo que ele pretendia fazer. Ele não queria que ela o seduzisse,
não queria se importar, ela sabia disso, mas não podia deixá-lo
recuar.
— Você é uma criatura estranha — disse ele, parecendo
perplexo, mas suas palavras estavam mais acolhedoras desta vez.
Ela sorriu para ele, estendendo a mão para puxar sua boca de volta
para a dela mais uma vez, mas parou quando ouviu o relógio de
pêndulo badalar no hall de entrada.
— Oh, meu Deus! — exclamou ela. — Eu preciso voltar.
Gabriel franziu um pouco a testa, balançando a cabeça. —
Como eu sabia que você diria isso?
Ela o olhou com compaixão, puxando-o para um beijo e depois
afastando-o quando ficou claro que ele não estava inclinado a parar.
Ele resmungou um pouco, mas se afastou dela, levantando-se e
ajudando-a a se levantar.
— Desculpe-me — disse ela, esperando que ele pudesse ouvir
o arrependimento em sua voz. — Eu vou te recompensar.
Ele parou então, a tensão percorrendo-o.
— Você não deveria voltar — disse ele, e, pela primeira vez, as
palavras não foram gritadas com raiva. — Você sabe onde isso vai
parar.
Crecy se perguntou se ele percebia que não precisava mais ser
o homem que se tornara, não se quisesse, não se realmente
desejasse mudar. Mas ela sabia que era cedo demais para tentar
fazê-lo ver isso. Ela só podia esperar e orar e confiar em seus
instintos.
— Eu sei — disse ela, aproximando-se e passando as mãos em
seu peito. — Eu já disse antes. Não me importo. Quero estar com
você, Gabriel, nada mais.
O rosto dele ficou mais frio, os olhos cheios de zombaria. — E o
que acontece quando eu me cansar de você? O que acontece
quando eu me cansar de você e você não tiver para onde ir?
Crecy deu um salto, um pouco chocada com a franqueza de
suas palavras, que era, claro, o objetivo dele. Ele a estava
afastando, mostrando-lhe tudo o que ela estava arriscando,
tentando assustá-la como fazia com todo mundo. Mas Crecy viu
através de suas ameaças e sabia que, na verdade, era ele quem
estava com medo. Ele estava se protegendo porque ainda não
confiava nela. Era incompreensível para ele que poderia ser motivo
suficiente para que ela continuasse voltando. Mas se ela não
perseverasse, se não lhe ensinasse que valia a pena amá-lo, então
ninguém o faria. Ele ficaria sozinho para sempre, mas merecia algo
melhor do que isso.
Ela estendeu a mão, passando o polegar sobre seus lábios,
surpresa mais uma vez com o quão macios eram. — Então, eu terei
que garantir que você nunca se canse de mim, não é, Gabriel? —
As palavras tinham um tom de flerte, até mesmo de provocação,
mas ela achou que ele ouviu a determinação ali também. Ele a
encarou, os olhos escuros e atentos, e depois pegou sua mão,
pressionando a boca na palma e beijando-a, fechando os olhos
enquanto o fazia. Foi um gesto tão terno e revelador que Crecy ficou
sem fôlego.
— É melhor você ir — disse ele, soando como seu eu
habitualmente brusco, enquanto a soltava e virava-se, o momento
passando tão abruptamente quanto surgiu.
Crecy assentiu e se dirigiu para pegar sua retícula, e depois
lembrou-se de seu presente de Natal.
— Oh, eu quase esqueci — disse ela, puxando o pequeno
desenho e entregando-o a ele. Ela corou um pouco quando ele
pegou, com curiosidade em seus olhos. — Feliz Natal —
acrescentou ela. Ele olhou para o desenho e ela estudou seu rosto,
tentando decifrar sua reação, mas ele parecia manter-se
extraordinariamente imóvel.
— É um belo desenho — disse ele, depois de um tempo, ainda
olhando para o desenho e não para ela.
— Bem, é o melhor que eu pude fazer, de qualquer forma. Não é
muito, suponho, e talvez... um pouco presumido — gaguejou ela,
ciente de que estava divagando, mas se sentindo tola de repente. —
Eu escrevi atrás — acrescentou ela, como se isso tornasse a coisa
mais valiosa.
Ele virou o desenho e ela sentiu como se seu coração estivesse
em suas mãos enquanto ele lia as palavras. Ela observou,
perguntando-se se ele retribuiria da mesma forma, se ele lhe diria
alguma palavra de afeto ou incentivo, mas ele nada disse. No
entanto, seu polegar passou sobre as palavras, como se as
acariciasse, antes de franzir a testa, lembrando-se de que estava
sendo observado, e enfiou a pequena imagem em seu bolso interno.
— Obrigado — disse ele, parecendo um pouco desajeitado.
— De nada.
Era estranho como podiam ir de uma intimidade tão
surpreendente para uma distância educada em questão de
segundos. Bem, ele podia. Ela se aproximou dele e levantou os
braços, beijando-o nos lábios.
— Feliz Natal — disse ela de novo. — Voltarei assim que puder.
Ela se afastou dele antes que ele pudesse responder, ciente de
que estaria terrivelmente atrasada se ele devolvesse o beijo, já que
não tinha força de vontade para deixá-lo se ele pedisse para que ela
ficasse. Mas ele não disse nada, apenas seguiu-a enquanto ela
voltava para o corredor. Ele chamou por Piper e suas coisas foram
trazidas para ela. Ela agradeceu ao mordomo dele, que sorriu para
ela e desejou-lhe um bom-dia enquanto retirava-se e os deixava
sozinhos novamente.
Gabriel assistiu, sua expressão atenta enquanto ela amarrava o
bonnet e fechava os botões. Crecy ficou parada enquanto ele se
aproximava, sabendo que ele queria rearrumá-lo. Ela sorriu para ele
quando ele mexeu no laço embaixo do queixo e tocou cada botão,
franzindo um pouco a testa ao verificar se cada um estava
devidamente abotoado.
— Obrigada — disse ela, ciente do olhar perplexo em seus
olhos.
— Você virá amanhã? — quis saber ele, retornando seu olhar
para seus botões em vez de olhá-la nos olhos. Ela escondeu seu
sorriso, sabendo que ele queria que ela viesse, mas não queria
admitir isso de jeito nenhum.
— Amanhã não — disse ela com um verdadeiro pesar, que se
aprofundou ao ver seu rosto se fechar novamente, esperando ser
rejeitado. Ela estendeu a mão e pegou a dele antes que ele pudesse
se retirar completamente. — É Natal, Gabriel. Não vou conseguir
fugir, não importa o quanto eu queira.
Ele fez uma carranca, seu rosto ficando sombrio, mas depois
olhou para ela. — Eu... eu poderia encontrá-la. Se eu cavalgar até a
terra de Winterbourne às margens da floresta, onde encontra o lago
em Longwold. Levaria apenas uma hora para você chegar lá e
voltar.
Crecy sentiu um nó na garganta. Ele estava admitindo que
queria vê-la, tanto que estava disposto a invadir a terra de seu
odiado primo, e até mesmo a se incomodar para fazer isso.
— Eu não sei a que horas poderei sair — alertou-o, rezando
para que ele dissesse que não importava. — Mas eu vou dar um
jeito, se... se você não se importar de esperar um pouco.
Gabriel encolheu os ombros como se não importasse muito. —
Não tenho nenhum outro compromisso urgente amanhã — disse ele
com um desdém que só serviu para mostrar a Crecy o quão
desesperadamente sozinho ele estava. — Além disso —
acrescentou, soando como seu eu habitualmente brusco
novamente. —, agora eu te devo um presente, não é?
Ela sorriu para ele, absurdamente encantada apesar da
deselegância de suas palavras. — Você não me deve nada, Gabriel.
Eu não te dei o desenho para receber algo em troca. Eu só queria te
fazer sorrir, te fazer tão feliz quanto você me fez.
Ele resmungou, claramente acreditando que ela era mais doida
do que ele.
— É verdade — insistiu ela. Ela pôs a mão em seu ombro e
beijou sua bochecha. — Duvido muito que consiga antes das quatro
horas, mas vou sair assim que puder, eu prometo.
Ele assentiu e acompanhou-a até o lado de fora, até seu cavalo,
afastando o cavalariço à medida que ele se aproximava com a
banqueta escada, e a ajudou a subir.
— Cuide-se — disse ele, as palavras duras, como se tivessem
sido arrancadas dele relutantemente.
— Eu vou — disse ela, aceitando-as como o presente que ela
sabia que eram. — Você também. — Ela mandou-lhe um beijo com
as mãos, sem se importar que o cavalariço estivesse observando
com os olhos arregalados, e partiu, sentindo como se seu coração
estivesse flutuando com as nuvens, em algum lugar bem acima de
sua cabeça.
Capítulo 15
“No qual algo precioso é roubado.”

Naquela noite, Gabriel enfrentou um tipo diferente de tortura. Ele


estava deitado na cama, tão longe de pegar no sono que parecia
não haver motivo para permanecer ali. No entanto, ele fechou os
olhos, fingindo que estava tentando, quando, na verdade, estava se
entregando a uma fantasia. Não que ele tivesse pensado em
qualquer outra coisa durante o dia, desde o momento em que ela
havia partido, mandando-lhe um beijo enquanto partia.
Em sua mente, eles estavam juntos novamente, Crecy deitada
no chão, os olhos fixos nos dele, confiando nele enquanto ele lhe
dava o primeiro gosto do prazer a ser encontrado entre um homem
e uma mulher. Era humilhante, aquela confiança nele. Seu corpo se
retesou ao se lembrar do toque do corpo dela sob sua mão e dos
suaves sons de seu prazer. O desejo tomou conta dele, uma
necessidade tão avassaladora que o aterrorizou. Ele sabia que isso
não era simplesmente desejo, não era apenas um impulso para
satisfazer uma demanda física básica. Dizia respeito a ela e
somente ela. Ele a queria com um desejo ardente que ameaçava
dominá-lo, e ele não podia negá-lo, não podia afastá-lo ou relegá-lo
a algum canto escuro de sua mente. Era muito forte.
Ele sabia que poderia ter tido tudo naquele momento. Poderia
ter se entregado ao seu desejo e ela não o teria impedido. Mas ele
não o fez. Gabriel se recusou a pensar nisso, recusou-se a
raciocinar. Certamente, arruinar um dos convidados de Edward
deveria dar prazer a ele. Saber que alguém hospedado sob seu teto,
alguém cuja família talvez Edward se importasse, tinha sido
seduzido por ele... isso deveria ser um pequeno triunfo nessa guerra
que travavam. Mas ele não conseguiu sentir isso depois que ela
disse seu nome e se agarrou a ele, entregando-se em suas mãos.
Oh, meu Deus, isso era uma loucura por si só.
Embora ele tivesse prometido a si mesmo que não o faria,
começou a imaginar o que havia sob o vestido que ela usava,
imaginou tirar cada camada dela e deitá-la em sua cama, possuir o
corpo dela juntamente com tudo o mais que ela lhe oferecia.
Ele gemeu na escuridão, com tanta intensidade que doía. Já
fazia muito tempo desde que ele havia se tocado. O controle sobre
todos os aspectos de sua vida era a única coisa que o mantinha
relativamente são, e nenhuma parte de sua existência era imune a
essa compulsão. Mas essa necessidade era ainda mais intensa, o
desejo por ela era forte demais para ser ignorado.
Não demorou muito, não após passar todos os momentos desde
que ela o deixara, sentindo-se aflito e insatisfeito. Ele chegou ao
orgasmo com tanta intensidade que ficou chocado, e o medo se
revirou em seu estômago quando ele percebeu o poder que ela já
tinha sobre ele. Até onde ele iria para vê-la novamente?
O nojo de si mesmo o inundou, e ele se limpou com
repugnância. Ele era fraco. Uma criatura repugnante que não tinha o
direito de tocar em uma jovem como Crecy, muito menos se
entregar a fantasias doentias do que queria fazer com ela.
Mas ela me quer, ela se importa comigo.
A voz era tímida, mas esperançosa, mas ele a sufocou. Não
havia motivo para ter esperanças. Ela devia ter uma razão para
persegui-lo, e mais cedo ou mais tarde ele a descobriria. Ele seria
um tolo em acreditar o contrário, pois, o que raios ela poderia
possivelmente ver para se importar quando olhasse para ele?
Poder? Dinheiro?
Não.
Não.
Ele não acreditaria nisso sobre ela. Não era verdade.
Apesar de tudo, a frágil faísca que ela acendeu em seu coração
se recusava a se apagar, e Gabriel finalmente conseguiu dormir,
sonhando com coisas impossíveis.
***
A manhã seguinte passou tão lentamente que Gabriel pensou
que realmente poderia enlouquecer de vez. A cada meia hora, ele
se encontrava em frente ao grande relógio de pêndulo no hall de
entrada, comparando-o com seu próprio relógio. Isso, naturalmente,
o levou a verificar todos os relógios na maldita casa, chegando até
mesmo a entrar em quartos nos quais não punha os pés há anos,
para dar corda e ajustar relógios que há muito tempo haviam ficado
em silêncio; pelo menos isso o ajudou a passar o tempo, pensou
com uma risada irônica.
Naquele momento, por volta de uma hora, ele estava tão agitado
que mal conseguia comer, forçando-se a terminar sua refeição
movido pela compulsão e não pela fome. Às 13h20, e sem nada
mais para distraí-lo, ele não conseguia mais esperar e cavalgou até
Longwold, apesar de saber que ela o havia avisado que não poderia
sair antes das quatro e de que ele enfrentaria uma longa espera no
frio congelante.
Era uma sensação estranha, cavalgar pelas terras de Edward,
como se estivesse invadindo. Ele se perguntou o que o primo
pensaria se soubesse que Gabriel estava tão envolvido nas
artimanhas de Crecy que havia sido levado a se esgueirar de tal
maneira. O antigo Gabriel teria ostentado tal conquista, esfregado
na cara de seu primo. No entanto, ele não podia fazer isso com ela.
Então, em vez disso, ele se resignou a permanecer nas
sombras; pelo menos isso ele estava acostumado a fazer,
examinando o campo circundante e esperando que ela tivesse
entendido onde ele planejava esperá-la. Gabriel amarrou Typhon,
dando ao grande cavalo um torrão de açúcar como recompensa por
ter que ficar parado no frio para ele. Ele acariciou o pescoço robusto
do animal, percebendo que nunca antes havia sentido uma afeição
verdadeira por alguém ou alguma coisa, exceto Typhon. Pelo
menos, não até agora. E não importava quantas vezes ele dissesse
a si mesmo que era apenas um desejo masculino natural de levar
uma mulher para a cama, ontem havia provado que, seja lá o que
ele estivesse sentindo, era algo mais profundo do que isso.
Gabriel andou de um lado para o outro, o frio se tornando mais
inclemente à medida que o tempo avançava. Ficava ainda mais frio
nas sombras da floresta, mas ele se sentia deslocado sob o sol,
mesmo sabendo o quão improvável era que qualquer pessoa além
de Crecy passasse por ali. Todos estariam celebrando o dia com
suas famílias – visitando a igreja, comendo juntos, trocando
presentes.
Uma onda de calor subiu pelo pescoço dele quando alcançou o
pacotinho no bolso, o presente que ele daria a ela. Ele havia
passado muito tempo indeciso sobre o que dar a ela. Seu primeiro
instinto havia sido dar-lhe joias, algo caro e bonito, mas em cima da
hora, tudo o que ele tinha eram as joias de sua mãe, e por algum
motivo, isso não o deixava confortável. Quando ele lhe desse joias,
seriam exclusivas para ela. Não algo passado por uma mulher que
havia sido infeliz na vida. A ideia de que isso – seja lá o que fosse
que estivesse acontecendo entre eles – continuaria e de que ele
estava pensando em comprar-lhe joias no futuro era algo em que
ele se recusava a pensar. Em vez disso, ele se perguntou pela
centésima vez se havia sido tolo em sua escolha, se ela riria da
ideia. Ele não a culparia, mas... mas algum instinto o havia levado a
pensar que seria o que ela preferiria.
Eram quatro e meia quando ele avistou um movimento no
horizonte, e ficou surpreso com a forma como seu coração parecia
dar um pulo no peito. O sol estava se pondo, o dia já estava ficando
sombrio, e ele sabia que não teriam muito tempo. Pelo menos havia
um céu claro e uma lua cheia para ajudá-la a voltar para casa.
Gabriel a observou enquanto ela cavalgava em sua direção, o
cavalo galopando com tudo o que tinha e Crecy instigando o animal
a avançar. Ele sentiu um orgulho incomum por ela; ela era uma
excelente amazona e totalmente destemida. Ela teria que ser para
passar um tempo com ele, afinal. Ele sentiu o desejo mais estranho
de sorrir com a ideia, um impulso que só cresceu quando ela trouxe
seu cavalo para ficar na frente dele, lançando-se da sela em seus
braços.
— Gabriel! — exclamou ela, abraçando-o com força.
Gabriel a abraçou, encontrando-se incapaz de falar, pelo menos
por um momento, já que estava muito absorvido pela sensação dela
em seus braços.
— Eu tinha medo de que você tivesse ido embora — admitiu ela,
enquanto ele a observava, percebendo o rubor em suas bochechas,
o brilho em seus lindos olhos. Meu Deus, ela era linda.
— Eu disse que esperaria por você. — Ele sabia que as
palavras soavam ríspidas e rudes, mas ela não parecia se importar,
estendendo a mão e salpicando sua bochecha com beijos.
— Obrigada, obrigada, querido Gabriel — disse ela, enterrando
o rosto em seu peito e segurando-o com firmeza. — Eu não
suportava mais um momento sem te ver.
Ele estava sem fôlego apesar de seus melhores esforços. Como
ela dizia coisas desse tipo com tanta facilidade? Será que era
porque era mentira, talvez, ou era simplesmente algo natural para
ela, expressar seus sentimentos a outra pessoa sem pensar duas
vezes?
Gabriel teve o desejo repentino de dizer a ela que também
ansiava por vê-la, mas sabia que as palavras estavam além de sua
capacidade. Em vez disso, pegou-a nos braços, ganhando uma
risada surpresa como resposta enquanto a carregava e, em
seguida, deu outro beijo em sua bochecha quando ela envolveu os
braços ao redor de seu pescoço.
— Você vai me levar para sua toca e me devorar, senhor Lobo?
— disse ela com a voz baixa e ofegante em seu ouvido.
Gabriel bufou. — Não me tente — murmurou ele, perguntando-
se se ela tinha a menor ideia de quão perto ele estava de fazer
exatamente isso.
— Mas eu quero te seduzir. — As palavras o envolveram como
um abraço, deslizando sobre sua pele como um carinho e fazendo
com que seu corpo ficasse incrivelmente rígido.
Não. Ele não se aproveitaria dela no frio congelante, nas terras
de Winterbourne, pelo amor de Deus. Não. Não importava o quanto
ele a quisesse.
Em vez disso, ele a levou até o grande toco de uma árvore
derrubada e sentou-se, acomodando-a em seu colo e se deleitando
com a sensação de tê-la em seus braços.
Crecy suspirou, sorrindo para dele. — Eu desejei tanto que você
estivesse comigo hoje — disse ela, segurando o rosto dele entre as
mãos e acariciando suas bochechas. — Os atores vieram esta
manhã, e foi a coisa mais engraçada, Gabriel. Você teria rido muito.
Acho que o dragão tinha sido muito bem lubrificado pelos goles de
cidra anteriores — disse ela, a alegria em seus olhos ao contar sua
história claramente visível. — Ele mal conseguiu chegar ao final da
apresentação. Acho que desmaiou exatamente no momento em que
deveria ser morto, a cronometragem foi impecável. — Ela riu, tudo
nela vivaz e cheio de vida, tão cheia de alegria. Estar com ela era
como uma espécie de droga, uma sensação que ele só conseguia
experimentar em sua presença. Ele não fazia ideia de como se
sentir assim sozinho, mas com ela... ele sentia que talvez fosse
possível... saber o que era ser feliz.
— Parece que você teve um dia agradável — disse ele,
desejando que sua voz não tivesse soado tão repreensiva. Por que
ela não poderia se divertir sem ele? Deus sabia que ela não se
divertiria com ele.
Ela hesitou, acariciando sua bochecha novamente, olhando nos
olhos dele de uma maneira que o fazia se sentir exposto, como se
sua alma estivesse à disposição para a inspeção dela. Ele fechou os
olhos, virando o rosto na mão dela, e ela suspirou, puxando sua
cabeça contra o peito dela.
Gabriel conseguia ouvir o coração dela batendo sob a maciez de
seu peito, podia sentir as mãos dela acariciando seus cabelos, e
tinha o desejo absurdo de nunca querer sair dessa posição
novamente.
— Eu não pensei em mais nada desde o momento em que
acordei — disse ela. — Até sonhei com você. — Suas palavras
eram hipnóticas, envolvendo-o ainda mais sob seu feitiço, mesmo
quando a voz sombria em sua cabeça zombou da ideia, recusando-
se a acreditar que ela poderia estar tão desesperada por ele quanto
ele estava por ela. — Eu não conseguia pensar em mais nada além
de como era estar com você, como era quando você me tocava.
— Pare com isso — disse ele com a voz ríspida quando se
afastou dela com pesar. Meu Deus do céu, ela não sabia o que
estava fazendo com ele?
— Mas é verdade — insistiu ela, seu lindo rosto agora franzindo
enquanto falava. — Eu mal consegui me concentrar em qualquer
coisa, e... — Ele olhou com interesse agora, ciente de que ela
estava corando profundamente.
— E? — instigou ele, sentindo-se um pouco sem fôlego de
repente, precisando saber se ela estava tão frenética e fora de
controle quanto ele, querendo ouvir as palavras tão
desesperadamente que tinha vontade de arrancá-las dela.
— E... eu anseio, Gabriel — sussurrou ela, as palavras
hesitantes enquanto ele prendia a respiração, a estranha sensação
queimando em seu peito, expandindo-se e preenchendo-o,
enquanto o desejo ardia como uma chama sob sua pele. — Eu me
sinto... impaciente e... — Ela parou de novo, e ele a olhou, vendo a
confusão em seus olhos, o desejo de explicar para ele. — É como...
Ele sentiu como se pudesse morrer de impaciência, esperando
que as palavras saíssem. — É como...? — repetiu ele, a voz rouca e
soando desesperada, enquanto algo que poderia ter sido alegria se
desdobrava na paisagem árida de seu coração.
— Como se eu precisasse de você, precisasse te tocar para...
para ser inteira de novo — disse ela, as palavras cruas e honestas,
o maior presente que alguém já lhe deu.
— Sim — disse ele, a palavra tão crua quanto as palavras dela,
arrancada dele antes que ele pudesse considerar as implicações. —
Sim, exatamente isso.
Ele a beijou, então, e ela o encontrou com toda a paixão que ele
ouvira em suas palavras, agarrando-se a ele, querendo que
ficassem mais próximos do que o frio e camadas de roupas
permitiam. Uma sanidade de algum tipo foi recobrada antes que
Gabriel ficasse muito perdido no desejo, para que ele pensasse
sobre o fato de que em breve estaria escuro e que ela já estava
tremendo de frio.
— Você está congelando — disse ele, tirando o casaco e
colocando-o ao redor dela.
— Não — protestou ela, colocando o casaco de volta sobre seus
ombros, mas em seguida, escondendo-se sob as dobras dele. —
Não estou com frio — opôs-se ela, quando ele ergueu uma
sobrancelha para ela.
— Você está tremendo.
— Não é por causa do frio — disse ela, com um sorriso
travesso.
Gabriel gemeu, sem que a situação ajudasse quando ela se
mexeu em seu colo, tentando ficar mais perto dele. — Crecy, fique
quieta, sua danadinha, você está me matando.
Sua risada foi um som encantador e um tanto travesso que fez
seu coração se encher de alegria, e ele se sentiu de repente
absurdamente feliz. Ela agora havia colocado a cabeça em seu
ombro, seu bonnet há muito abandonado e seus cachos fazendo
cócegas em seu pescoço. Um braço estava atrás das costas dele,
debaixo de seu casaco, e o outro brincava com os botões de seu
colete.
— Eu volto amanhã cedo — disse ela, e ele voltou a atenção de
seus dedos em seu peito para seu rosto.
— Sério? — perguntou, incapaz de disfarçar sua impaciência
com a expectativa de vê-la novamente tão cedo.
Ela assentiu, sorrindo. — Vou passar o dia com você. Posso
fingir que fui longe demais e me perdi. Não seria a primeira vez —
acrescentou ela, com uma risadinha.
— Você já se perdeu? — exigiu saber ele, a ideia de ela
cavalgar por essas colinas na escuridão e nas temperaturas
congelantes da noite apertou seu coração e o inundou de medo. —
Quando?
Crecy hesitou, aparentemente ciente de sua preocupação pelo
calor que brilhou em seus olhos. — Na primeira vez que vim até
você — disse ela, sua voz tranquilizadora. — Não se preocupe,
agora eu conheço o caminho. Não vai acontecer de novo.
Gabriel olhou para cima e notou com pesar que o sol estava se
pondo rapidamente agora.
— Você precisa ir — disse ele, embora fosse a última coisa que
ele quisesse. Ele teria ficado com ela aqui, no frio e na escuridão a
noite toda se pudesse, e isso era muito ridículo.
— Eu não vou ainda — disse ela, balançando a cabeça e
parecendo bastante desafiadora.
— É mesmo? — resmungou ele, dividido entre a alegria de
perceber que talvez ela não quisesse deixá-lo também e o desejo de
que ela chegasse em Longwold antes que escurecesse.
Ela fez bico para ele, e ele ofegou quando uma mão fria deslizou
para dentro de sua camisa. Ele olhou para baixo, percebendo que
ela havia desabotoado os botões de seu colete enquanto
conversavam e encontrou uma abertura em sua camisa para
deslizar a mão.
— Crecy — disse ele, sua respiração irregular enquanto os
dedos dela deslizavam sobre seu peitoral e encontravam seu
mamilo. Ela acariciou e depois deu um pequeno beliscão
experimental, um pouco como ele tinha feito com ela. — Não! — Ele
puxou a mão dela, lamentando a raiva de seu desabafo quando ela
deu um pulo de susto, mas estava aterrorizado de que seu
autocontrole não durasse muito mais. — Você não pode me
provocar assim — disse ele, tentando evitar que as palavras
soassem tão duras. — A menos que queira se encontrar no chão
congelado com suas saias ao redor do pescoço. — As palavras
eram grosseiras, talvez, mas ele precisava que ela soubesse bem
com o que estava brincando, mas quando olhou para cima, tudo o
que viu era um desejo ardente que combinava com o dele.
— Oh, meu Deus.
Ele se levantou, deixando-a deslizar de seu colo.
— Vá para casa — instruiu ele, passando uma mão trêmula pelo
cabelo e imaginando o que aconteceria amanhã se eles realmente
passassem o dia juntos. Ele não achava que pudesse suportar
muito mais dessa tortura.
— Não, ainda não — disse ela, teimosa, aquela diabinha.
— Por quê? — exigiu saber ele, incapaz de resistir quando suas
mãos deslizaram em torno dele mais uma vez.
— Porque você me prometeu um presente de Natal — disse ela,
adotando um tom emburrado e olhando para cima com seus
grandes olhos.
Ele bufou, recusando-se a considerar como se sentia ao ter
alguém para provocá-lo, jogar esses jogos ridículos. — É verdade.
— Ele sentiu-se nervoso novamente, imaginando se deveria ter
trazido joias, algo caro. Afinal, era isso que as mulheres esperavam.
Será que era?
— E então? — instigou-o. — Se você não me der, vou ter que
revistar você. Eu sei que você trouxe alguma coisa. — Fiel à sua
palavra, suas mãos começaram a explorá-lo, entrando nos bolsos e
fazendo cócegas nele enquanto passavam. Gabriel deu uma
gargalhada, surpreso, quando sua mão deliberadamente procurou
em sua axila e ele a pegou, afastando-a cerca de 30 centímetros de
distância e estendendo a mão para impedi-la.
— Comporte-se — advertiu-a, franzindo o cenho para ela,
embora, de alguma forma, agora fosse um esforço fazê-lo. — Só
vou dar para você se ficar quieta.
Crecy cruzou os braços com um resmungo, mas fez o que ele
mandou, e Gabriel enfiou a mão no bolso. Ele retirou o pequeno
pacote, subitamente atormentado por dúvidas.
— Não é muito, quer dizer… — Antes que pudesse dizer mais
alguma coisa, ela o arrancou de suas mãos com um grito de alegria
e começou a abri-lo.
Gabriel parou quando ela olhou para dentro, esperando que ela
franzisse a testa e olhasse para ele com uma expressão indignada
pelo presente, que realmente era esquisito.
Em vez disso, ela sorriu para ele, os olhos brilhando um pouco
demais quando ela segurou a mecha de seu cabelo preto nos lábios
e a beijou.
— Obrigada — sussurrou ela, e depois correu até ele,
envolvendo os braços ao redor dele novamente.
— Deveria ter te dado joias, algo bonito — disse ele, sua voz
rude e repleta de arrependimento, mas ela balançou a cabeça.
— Eu não teria conseguido usá-las — disse ela, sem nenhum
traço de condenação, apesar de ele ter se encolhido por dentro, pois
a razão para isso era óbvia. — Mas isso... — Ela olhou para cima,
dando-lhe um sorriso que o atingiu em cheio no peito. — Vou manter
isso perto do meu coração. — Cumprindo com sua palavra, ela
desfez seu casaco, e Gabriel a observou com o coração martelando
em seus ouvidos enquanto ela o enfiava sob o corpete de seu
vestido, contra seu peito.
Gabriel a puxou de volta para si, querendo nada mais do que
deslizar a mão sob seu vestido e procurar seu presente novamente.
Foi necessário todo o seu autocontrole de ferro para impedir que
isso acontecesse.
Ele a soltou, saboreando seu suspiro de contentamento e o
olhar sonhador em seu semblante enquanto ela sorria para ele.
— Lindo — sussurrou ela. — Irei dormir com ele exatamente
onde o coloquei, sabe? — acrescentou, com um tom divertido em
sua voz que implicava que ela sabia muito bem que o estava
provocando.
Gabriel gemeu, enterrando o rosto em seu cabelo. — Não teste
a sua sorte — resmungou ele, enquanto ela dava uma risadinha. Ele
se ocupou fechando seus botões, tentando manter seus
pensamentos longe do lugar quente onde seu presente estava
escondido.
— Gabriel — disse ela, sua voz suave enquanto o observava
traçar um dedo sobre cada botão sucessivamente, verificando se
estavam bem presos. — Tenho uma confissão a fazer. — Embora o
bom senso dissesse a ele que ela ainda estava brincando, as
palavras fizeram seu sangue gelar. Ele olhou para cima, olhando
para ela com o coração martelando novamente, mas, desta vez, era
um sentimento angustiante.
— Oh? — A palavra saiu dura e suspeita, encobrindo o terror
que se aproximava, mas Crecy apenas assentiu.
— Sim — disse ela, com diversão persistindo em seus olhos. —
Receio ter roubado algo de você.
Gabriel deixou escapar um ar que não percebeu que estava
segurando. Ele não se importava com o que ela tinha tirado, ela
poderia pegar qualquer coisa que quisesse. Qualquer coisa.
Ele estendeu a mão, seus dedos agarrando o queixo dela,
tentando manter sua expressão séria e não conseguindo, tão
aliviado que fosse apenas um roubo e nada que o machucaria. — É
mesmo? E o que você roubou, minha vilãzinha?
— Uma fita de veludo preto. — Ela puxou o cabelo dele,
sorrindo para ele. — Eu roubei de você na primeira vez que nos
encontramos. Você se lembra, à beira do lago?
Por um momento, ele lutou para se lembrar, aquela estranha
criança e esta jovem extraordinária pareciam coisas completamente
diferentes em sua mente. Era bizarro pensar que era realmente a
mesma garota. — Eu me lembro — disse ele, maravilhado com o
quão diferente ele soava quando falava com ela agora.
— Eu sempre a guardei comigo. É meu marcador de livros —
admitiu ela, corando um pouco.
Gabriel percebeu que não havia palavras que ele pudesse dizer,
e, atrapalhado, simplesmente pressionou os lábios nos dela mais
uma vez.
— Vá para casa, ladrazinha — disse ele, com a testa
pressionada contra a dela. As palavras ainda eram ríspidas, mas
muito mais suaves do que tudo o que ele havia dito anteriormente.
— Vou estar esperando você voltar.
Capítulo 16
“No qual as oportunidades são exploradas de todos os ângulos.”

Crecy acordou a uma hora ridícula da manhã, a escuridão


envolvendo-a como um cobertor. Ela estava quente, com a pele
formigando e supersensível, e não demorou para perceber que
estava sonhando com Gabriel. Com um suspiro de desespero, ela
soube que qualquer chance de dormir havia desaparecido há muito
tempo. Alcançando o interior do decote de seu penhoar, ela retirou a
mecha de seu cabelo. Estava quente devido à sua posição próxima
ao seu coração, e ela deslizou as mechas sedosas para frente e
para trás contra seus lábios, provocando um arrepio de desejo.
A ideia de passar o dia com ele amanhã era tão deliciosa quanto
angustiante. Ela sabia que ambos estavam no limite do que
poderiam suportar. Ela o desejava tanto que mal conseguia pensar
em qualquer outra coisa além de como seria a sensação de se
deitar com ele, sentir sua pele contra a dela. A ideia trouxe uma
onda de calor e desejo sobre ela, e ela gemeu, abafando o som no
travesseiro com desespero.
Tentando afastar seus pensamentos ardentes, ela considerou
outros assuntos. No jantar de Natal da noite passada, Belle havia
interrogado todos sobre que amuletos haviam recebido no Pudim de
Natal. Para alegria de Crecy, Edward recebeu uma âncora. Parecia
o final perfeito para o Natal cheio de acontecimentos de sua irmã;
afinal, Edward havia encontrado seu porto seguro. A adoração que
agora era tão óbvia entre eles alegrava o coração de Crecy, mas só
a fazia ansiar ainda mais por Gabriel.
Ela deslizou a mão sob o travesseiro e retirou os amuletos que
havia encontrado no pudim. Um sapato para viagem e um dedal –
mais um ano solteira. Ela engoliu em seco, sabendo o que aquilo
estava lhe dizendo, mas dividida entre a empolgação desesperada e
o terror absoluto. Será que ela realmente poderia fazer isso? Será
que poderia fugir com ele, afastar-se para sempre da alta
sociedade... trazer desonra para sua irmã?
Sim.
Sim.
A resposta era terrível e chocante, mas tão inevitável que ela
não se preocupou em considerar nenhuma outra opção. Afinal de
contas, ela sempre soube que seria assim. Gabriel a alertava com
frequência, como se ela não tivesse descoberto por conta própria há
muito tempo. Se ela o quisesse, teria que provar que estava
disposta a abrir mão de tudo, que ele valia mais do que sua
reputação, mais do que um mundo onde as pessoas não fofocariam
sobre ela, mais do que sua própria família. Mas era a única maneira
de ele algum dia aceitar que tinha algum valor, que merecia ser
amado. Ela teria que confiar nele e arriscar tudo, ou perderia
qualquer chance que já tivesse tido.
A ideia de que havia uma mentira entre eles mesmo agora,
ameaçando tudo o que ela havia sonhado, fez um nó apertar seu
estômago e um calafrio intenso de frio percorrer seu corpo. Ela se
sentia quente e fria e pegajosa ao mesmo tempo, porque ainda não
havia admitido a ele que sua irmã havia se casado com o primo
dele, que agora era membro da família Winterbourne. Ela estava
com muito medo. Tudo entre eles era novo, recente e frágil demais,
e ela não ousava arriscar a raiva que sentia que surgiria quando ele
descobrisse. Mas ele descobriria, mais cedo ou mais tarde, e se ela
mesma não lhe dissesse, ele pensaria o pior dela. Ela precisava
contar a ele, antes que qualquer outra pessoa o fizesse.
***
Na manhã seguinte, Crecy saiu cedo, como havia prometido.
Gabriel a esperava, Typhon disparando ao lado dela enquanto
cavalgavam de volta para Damerel. Crecy soltou um grito de alegria
por estar viva, por cavalgar rápido e inclementemente ao lado do
homem que amava, ele lhe lançava olhares que a faziam sentir a
pele esquentar enquanto cavalgavam lado a lado.
Ele ria quando a ajudou a desmontar do cavalo, o som tão
extraordinário que Crecy sentiu os olhos se encherem de lágrimas
enquanto caía em seus braços.
— E o que você veio roubar hoje, sua ladrazinha? — exigiu
saber ele, as palavras duras e ríspidas, embora houvesse calor e
um brilho de diversão em seus olhos.
— Nada menos do que o seu coração, milorde — disse ela, as
palavras sussurradas de volta para ele. Ele parou, e ela sentiu a
tensão percorrendo seu corpo, perguntando-se se havia dito
demais. Ele se inclinou e a beijou brevemente, mas sua expressão
agora era séria.
— Você não pode roubar o que nunca existiu — disse ele,
pegando sua mão e a conduzindo para dentro.
Crecy sorriu apesar da tristeza que sentiu com suas palavras. A
ideia de que ele não tinha coração era tão ridícula para ela que
queria protestar contra isso, gritar com ele por pensar assim. Mas
ela não disse nada, pelo menos não por enquanto. Ela provaria a
ele, mais cedo ou mais tarde.
Piper os cumprimentou, e Crecy viu calor nos olhos do velho
enquanto ele tirava seu casaco, mas também havia algo mais,
preocupação – preocupação com ela. Ele conhecia os riscos que ela
estava correndo, assim como ela. Ela devolveu um sorriso,
perguntando-se se ele podia perceber o que ela tentava transmitir
com sua expressão. Talvez ele soubesse o que ela estava fazendo e
entendesse seu desejo de salvar Gabriel, de amá-lo, ou, pelo
menos, percebesse que ela estava assumindo esses riscos de olhos
bem abertos.
Gabriel a levou para a sala de estar e ela riu, encantada ao ver o
Jogo do Ganso montado e pronto para ser jogado.
— Ha! Eu sabia que você tinha gostado — provocou ela,
batendo palmas e pulando nas pontas dos pés.
Gabriel resmungou, balançando a cabeça. — Que mentira —
disse ele, negando o óbvio com um tom tranquilo. — Estou apenas
satisfazendo suas ideias tolas de entretenimento e dando a você a
chance de tentar me vencer de novo.
Crecy mostrou a língua para ele, mais satisfeita com a tentativa
de fazê-la feliz do que ousava expressar. Ela queria dizer a ele que
o amava, amava-o com todo o coração, que faria qualquer coisa que
ele quisesse se ele apenas a mantivesse perto dele. No entanto, ela
sabia que era melhor não dizer essas palavras.
Ele a observou enquanto ela se sentava no chão ao lado do
tabuleiro, em pé com as mãos atrás das costas e ainda parecendo
um pouco desajeitado, apesar de ter sido ideia dele. Crecy sorriu e
estendeu a mão para ele. Depois de um momento de hesitação, ele
se aproximou e pegou a mão dela, e ela deu um leve puxão em seu
braço. Com um suspiro, ele se sentou no chão ao lado dela, e Crecy
achou que seu coração pudesse derreter ao vê-lo fazer isso, apenas
para agradá-la.
Eles jogaram duas vezes, Crecy vencendo a primeira rodada e
Gabriel a segunda. Havia tensão entre eles, no entanto, e Crecy
podia sentir que ela crescia à medida que cada rodada progredia.
Ambos sabiam que isso era apenas um interlúdio e que o que viria a
seguir mudaria tudo. Expectativa e medo se misturavam em seu
sangue, fazendo-a corar com facilidade e gaguejar algumas
palavras, à medida que seus nervos se agitavam sob sua pele. Toda
vez que a mão dele tocava a dela ou ele lhe lançava um olhar com
aqueles olhos azul-escuros, um arrepio percorria seu corpo, e tudo o
que ela conseguia fazer era se concentrar no jogo.
Ambos olharam para cima quando houve uma batida na porta
da sala de estar, e Piper os informou que o almoço estava pronto.
Gabriel assentiu e começou a guardar o jogo, enquanto Crecy o
observava. Cada peça foi cuidadosamente colocada no lugar e
verificada várias vezes.
— Posso ajudar? — perguntou ela, curiosa sobre como essa
compulsão de verificar e conferir várias vezes o afetava.
— Não. — A palavra foi dura e um pouco mordaz, e ele pausou
com a mão sobre a caixa. Ele olhou para Crecy e depois voltou a
atenção para o jogo, colocando a peça no lugar. — Não, obrigado —
corrigiu-se ele, e o coração de Crecy se apertou em seu peito.
Gabriel guardou o jogo e, em seguida, sentou-se quando Crecy
se levantou, tirando o relógio do bolso. Crecy olhou para ele
surpresa, esperando que eles fossem almoçar agora. Ele lançou a
ela um olhar desconfortável, franzindo um pouco a testa. — Ainda
não é uma hora — disse ele, mostrando o relógio que marcava três
minutos para a hora. Ela achou que ele parecia levemente
envergonhado, apesar da carranca, que ela suspeitava que servisse
para esconder o desconforto.
Crecy estendeu a mão e ele a olhou com suspeita antes de
pegá-la. Ela deu um pequeno puxão e Gabriel se levantou,
parecendo relutante.
— Vamos lá — disse ela, com voz suave, mas firme, enquanto o
conduzia para fora do cômodo. Crecy podia sentir a relutância dele
em segui-la; a tensão praticamente vibrava por seu braço, e ela viu
os olhares ansiosos que ele lançava ao relógio de pêndulo enquanto
atravessava o hall de entrada em direção à sala de jantar. No
momento em que pararam no limiar, ele parecia que ia vomitar.
Crecy interveio, observando a urgência em seus olhos para removê-
la da sala. Crecy deu as mãos a ele. — Nada de ruim vai acontecer,
Gabriel, eu prometo.
Ele olhou para suas mãos, mas não se moveu, então, ela se
aproximou e segurou as dele, puxando um pouco, embora ele não
se movesse.
— Por favor — disse ela, encarando os olhos dele e desejando
que ele confiasse nela. — Por mim.
Com óbvia resistência e parecendo que ia passar mal a
qualquer momento, Gabriel entrou na sala. Crecy sorriu para ele,
envolvendo as mãos em volta do pescoço dele e beijando-o com
força.
— Viu? Nada de ruim — sussurrou ela. O relógio de pêndulo
soou logo em seguida e Gabriel expirou.
Depois de arrumar a mesa, Gabriel pareceu relaxar um pouco.
Crecy não o pressionou para parar ou para deixar as coisas como
estavam. Ela percebeu que ele já havia feito um grande esforço em
suas tentativas de agradá-la hoje, e não encarava isso de forma
leviana. Se ela o quisesse, se quisesse entendê-lo e ajudá-lo,
precisaria ser paciente. Então, ela sorriu quando ele lhe serviu
vinho, e começaram a refeição.
Depois de terminarem as carnes frias, Gabriel cortou três
pedaços de queijo para ela antes de colocar três pedaços idênticos
em seu próprio prato. Eles haviam comido em silêncio até agora,
fato que Crecy não se importava nem um pouco. Ela
frequentemente ficava em silêncio, perdida em seus próprios
pensamentos, então, nunca se importou com isso em mais ninguém.
Agora, porém, ela olhou para cima quando Gabriel limpou a
garganta.
— Você... teve um bom Natal? — perguntou ele, parecendo
levemente enjoado. Crecy reprimiu um sorriso com dificuldade e
estendeu a mão, cobrindo a mão dele.
— Você não precisa fazer isso — disse ela, entrelaçando os
dedos nos dele. — Eu sei que você não gosta de conversa fiada, e
eu não preciso disso. — Ela sorriu para ele, depois, apertando sua
mão um pouco. — Você pode me contar qualquer coisa, Gabriel,
falar sobre qualquer coisa que desejar, quando quiser. Mas você
não precisa falar se não quiser. Estou mais feliz em ficar em silêncio
com você a ficar conversando sobre qualquer coisa com qualquer
outra pessoa.
Ele soltou um suspiro, franzindo a testa para o prato. — Eu não
entendo você — disse ele, seu tom rouco soando tão
completamente perplexo que ela não pôde deixar de rir um pouco.
— Eu sei — disse ela quando ele a olhou. — Nós apenas
teremos que fazer o nosso melhor para nos entender e aprender a
fazer um ao outro feliz.
Ele resmungou, parecendo revoltado com a ideia, mas havia
curiosidade em seus olhos mesmo assim.
— Você fez um ótimo trabalho até agora — acrescentou ela,
observando aquela curiosidade se transformar em algo que poderia
ter sido prazer, mas ele desviou o olhar rápido demais para ter
certeza. Gabriel retirou a mão e terminaram a refeição em silêncio.
***
Uma carta chegou para Gabriel após o almoço, e Crecy o seguiu
até o escritório, olhando ao redor enquanto ele escrevia uma
resposta. Ela podia ouvir o som do arranhar de sua pena enquanto
ele escrevia, mas sentia seus olhos nela mesmo assim. Havia
muitas obras de arte no cômodo, a maioria pequenas peças, mas de
excelente qualidade. Esse escritório parecia o único local da casa
que realmente pertencia a ele, embora ela não tivesse visto seu
quarto ainda, é claro. O pensamento fez um choque percorrê-la e
um rubor subir às suas bochechas, e ela virou-se para longe dele
para estudar as prateleiras de livros, para que ele não pudesse ver.
— Não tem nenhuma obra do de Sade — disse ele, parecendo
divertido. Ela se virou, mas ele estava olhando para baixo, selando a
cera na carta com seu anel.
— Pelo menos não à vista de todos — retrucou ela, ganhando
um risinho baixo que fez algo estranho acontecer em seu interior.
— Verdade — disse ele, deixando a carta no centro exato de
sua escrivaninha antes de se levantar. — Gostaria que eu
mostrasse onde estão?
Ele se moveu em direção a ela, uma intensidade em seus olhos
que fez o coração dela parecer como se estivesse pulando em seu
peito. Crecy engoliu em seco e lembrou a si mesma de que tomara
sua decisão há muito tempo; não havia mais nada a considerar.
— Sim, por favor — respondeu ela, mantendo o olhar fixo nele.
Ele parou na frente dela, olhando para ela como se estivesse
pesando sua determinação, esperando o momento em que ela
fugisse dele. — Eu não vou a lugar algum, Gabriel. Ela se perguntou
se ele podia ver sua resposta refletida em seus olhos, mas, apenas
por precaução, ela pegou a mão dele e a levantou até os lábios.
Gabriel acariciou o rosto dela, com uma expressão perturbada.
— Você deveria fugir de mim. — Não havia inflexão em sua voz,
nenhum vigor, raiva ou julgamento, apenas afirmação simples dos
fatos.
— Eu não posso — disse ela, virando o rosto em sua mão e
beijando sua palma novamente enquanto mantinha o olhar fixo em
seu rosto. — Não vou. — Ela se moveu para frente até que seus
corpos se tocassem. — Não quero estar em nenhum outro lugar.
Ele se inclinou, pressionando um beijo suave contra sua boca,
tão doce e terno que ela só conseguia sorrir enquanto ele se
afastava, parecendo um pouco ansioso.
— Mostre-me esses livros escandalosos — encorajou ela,
sentindo como se tivesse conquistado uma grande vitória enquanto
um sorriso insinuava-se em um canto de sua boca.
— Você tem uma mente obsessiva, criatura terrível — disse ele.
Crecy assentiu, com uma expressão séria. — Eu sei — disse
ela, seguindo com um suspiro dramático enquanto ele a conduzia
para fora do cômodo.
Apesar de saber que isso era o que ela queria, o que sonhava e
ansiava, apesar de saber que não havia outra maneira... Crecy
ainda estava profundamente nervosa ao subir as escadas atrás de
Gabriel. Mas logo estavam diante de uma porta de um quarto, uma
que ela ainda não tinha visto.
— Esse é o seu quarto, Gabriel? — perguntou ela, ouvindo o
tom sem fôlego de sua própria voz.
— É.
Crecy engoliu em seco, olhando para a porta por um momento e
sabendo que estava prestes a deixar para trás qualquer
possibilidade de viver o tipo de vida que sua irmã havia sonhado
para ela. Ela olhou para Gabriel, percebendo que ele, por sua vez,
estava observando-a, com seu olhar cauteloso, atento.
— Bem, você vai me deixar entrar, afinal? — perguntou ela,
esperando que soasse tão confiante e determinada quanto
esperava, e não como se estivesse tremendo, o que estava muito
mais próximo da verdade.
Ele a observou por mais um momento antes de avançar e
permitir que a porta se abrisse. Ele, então, esperou, e ela sabia que
entrar no quarto seria inteiramente uma decisão dela, ele não a
encorajaria.
Então, Crecy deu um suspiro e entrou no quarto.
Capítulo 17
“No qual o amor é mencionado.”

Gabriel observou enquanto Crecy entrava em seu quarto,


tentando conter as emoções incontroláveis que o assaltavam. A
cada momento desde que ela chegara, ele esperava que ela
mudasse de ideia, que lhe dissesse que, se ele a quisesse,
deveriam se casar ou que ele deveria dar-lhe a quantia que ela
decidira que valia para ser sua protegida.
Um sentimento de repulsa o atingiu como uma onda quando ela
entrou no quarto, colocando-se totalmente sob seus cuidados.
Como ele poderia ter acreditado nisso sobre ela? No entanto, isso
era algo extraordinário. O que diabos ela via nele? Por que ela
estava aqui? Como se tivesse ouvido os pensamentos em sua
mente, ela olhou ao redor, com um olhar amoroso e cheio de
confiança, fazendo com que sua respiração falhasse. Era
impossível. Ridículo e impossível. No entanto, a centelha de
esperança que ela havia acendido dentro dele ardeu, um calor que
percorreu sua pele, como ele nunca tinha sentido antes.
Ela se aproximou da cama, uma mão passando pela madeira
ricamente esculpida de uma das quatro colunas.
— Eu não vejo livro algum — disse ela, com um tom provocativo
em sua voz que o fez querer sorrir.
Ele desviou o olhar, por algum motivo, não querendo admitir que
ela o fazia sentir vontade de sorrir. Isso porque, se ela soubesse
disso, talvez percebesse o quanto ele estava envolvido no feitiço
que ela lançara sobre ele. Ela poderia perceber que perdê-la se
tornara algo que ele temia mais do que qualquer outra sensação de
pavor que ele já conheceu, mesmo que sua inevitabilidade pairasse
sobre ele, roubando-lhe o fôlego.
Ele se dirigiu a um grande armário de vidro, que era forrado com
seda vermelha para proteger os livros do contato com a luz do dia.
Gabriel o destrancou e abriu as portas, que revelaram parte de sua
coleção. Na verdade, havia muitos mais, mas seus favoritos
estavam ali, juntamente com aqueles que eram chocantes o
suficiente para que ele preferisse que a criadagem não encontrasse
por acidente.
Ele não se virou, mas sabia que Crecy tinha vindo ficar ao seu
lado.
— Você achou que eu tinha mentido para te atrair até aqui? —
perguntou ele, imediatamente lamentando a acusação por trás das
palavras. Ele não tinha a intenção de parecer tão agressivo; era
apenas um hábito difícil de mudar.
— Claro que não. — Sua voz era reconfortante, suavizando
qualquer ansiedade, enquanto ela colocava a mão em seu braço. —
Eu realmente não quero ver os livros, de qualquer forma, Gabriel. —
Sua admissão foi feita com tranquilidade, sua voz tremendo um
pouco, e quaisquer suspeitas ou cinismo que restassem se
dissiparam quando ele percebeu o quanto ela estava nervosa.
Ele franziu a testa, virando um pouco para olhar para ela, mas
percebeu que não conseguia encontrar os olhos dela. — Você tem
medo de mim? — perguntou ele, mal ousando ouvir a resposta, mas
mantendo-se muito calmo. Ele forçou-se a olhá-la nos olhos, e o
sorriso que se espalhou em seu rosto fez com que perdesse seu
fôlego.
— Não seja bobo — disse ela, e mais uma vez a percepção de
que ela confiava nele o atingiu rápido e com força. Ele estava
prestes a dizer a ela que era uma tola, que não valia a pena, que ele
não valia a pena. Mas ele era um bastardo miserável e egoísta, e a
queria tão desesperadamente que não tinha certeza se não estava
tremendo de nervoso também.
Ele estendeu a mão, tocando o rosto dela.
— Eu não vou te machucar — disse ele, repreendendo-se
enquanto as palavras soavam grosseiras e impacientes em vez de
tranquilizadoras. Mas, mesmo assim, ela se aproximou mais dele.
— Eu sei disso.
Gabriel engoliu em seco, o pânico dominando-o ao perceber que
não sabia o que diabos fazer agora. Seu corpo estava muito
consciente do que viria a seguir e estava clamando para que ele
simplesmente prosseguisse, mas isso era diferente. Para começar,
ele nunca tinha estado com uma inocente antes. As mulheres de
sua preferência sabiam muito bem o que estavam fazendo e o que
ganhariam se brincassem com ele. Ele não era terno nem gentil. As
trocas eram ríspidas e grosseiras, o mais rápido que ele
conseguisse, e totalmente impessoais. Ele não queria nomes, não
queria saber nada sobre elas e, certamente, não ficava por perto
após o ato em si. A ideia de dormir abraçado a uma mulher após o
sexo sempre o apavorara. Ele nunca havia dormido abraçado com
ninguém em sua vida, pelo amor de Deus. Ele simplesmente não
era o tipo de homem por quem as jovens se apaixonavam, droga.
Mas essa era Crecy, e ela confiava nele.
Antes que ele pudesse repreender-se seriamente e exigir
controle-se, seu idiota, Crecy já tinha tomado a mão dele e estava
conduzindo-o para a cama.
Gabriel resistiu. Isso já era mais que o suficiente. Ele não iria ser
seduzido por uma virgem. Seu ego já estava frágil o suficiente sem
adicionar mais esse fracasso à sua lista. Ele conseguia ouvir a
risada zombeteira de seu pai e afastou-a com um esforço. Não. Não
aqui. Isso é meu.
— Gabriel? — A voz de Crecy era calma e incerta de si mesma,
e ele odiou ouvi-la assim. Crecy era nada além de vitalidade e
determinação e tudo que existia de bom na vida.
— Desculpe — disse ele, a palavra soando estranha e
enferrujada em seus lábios. — Eu... — Ele soltou um suspiro
acompanhado de um leve riso. — Isso é...
— Você normalmente não se envolve com virgens — disse ela,
indo direto ao ponto, como tantas vezes fazia.
Ele olhou para ela e viu apreensão em seus olhos, o medo de
que ele não a desejasse dessa maneira, e quis arrancar seu próprio
coração por ter plantado essa dúvida ali.
— Não — admitiu ele, tentando manter sua voz mais suave. Ele
puxou-a pela mão e ela aproximou-se dele. — Eu não sei como ser
o que você quer que eu seja. — A admissão foi honesta, pelo
menos, ele lhe devia isso. — Mas se você está pensando que eu
não te quero... — Ele colocou sua mão livre em sua cintura,
puxando-a para perto, pressionando seu corpo firmemente contra o
dele, de forma que sua excitação fosse flagrantemente óbvia para
ela. Ela olhou para cima, seus olhos escuros de desejo, e ele
capturou sua boca, seus braços segurando-a firme, provavelmente
muito firme, ele percebeu. Ele afrouxou um pouco o aperto,
recuando à medida que Crecy se agarrava a seus ombros.
— Você é exatamente o que eu quero que você seja, Gabriel —
disse ela, sua voz agora feroz, e qualquer vestígio de ansiedade ou
timidez desaparecendo de repente. — Por favor, eu te suplico, não
tente ser outra coisa.
Ele acreditou nela, muito desesperado para prová-la novamente
para se conter, de qualquer forma. Quando finalmente se sentiu
capaz de deixá-la ir, ela estava corada e ofegante. O volume
exuberante de seus seios pressionava contra as restrições de suas
roupas, e ele não podia mais esperar. Ele precisava dela nua e em
sua cama, e precisava disso agora.
Gabriel colocou as mãos em seus ombros, virando-a para que
os laços de seu vestido ficassem à sua frente. Ele puxou cada um
deles, tentando não ter pressa, não ser impaciente, mas
encontrando-se praguejando baixinho quando um deles deu um nó.
Ele estava todo atrapalhado, e quando o vestido escorregou para o
chão, estava sem fôlego de impaciência e desejo. Uma estranha e
nem um pouco bem-vinda onda de possessividade assolou-o,
surpreendendo-o um pouco, enquanto ela retirava a mecha de seu
cabelo de debaixo de seu corpete e entregava a ele para que
colocasse de lado. O restante de suas roupas íntimas foi
sumariamente descartado, sem um desfile sedutor, ele pensou com
uma carranca, e então ele olhou para o prêmio que finalmente
conseguiu desembrulhar.
Crecy voltou-se para ele, com os olhos abatidos, tremendo um
pouco, seus braços apertados ao redor de si mesma.
Gabriel prendeu a respiração, sentindo-se ao mesmo tempo o
pior tipo de monstro e o homem mais sortudo do planeta. Ele queria
dizer-lhe isso. Ele queria explicar que nunca tinha visto nada tão
bonito quanto ela, que estava humilhado, honrado, que se ajoelharia
a seus pés se ela exigisse, mas as palavras não vieram.
Em vez disso, ele estendeu a mão, passando um dedo ao longo
da suave curva de sua bochecha enquanto ela olhava para ele.
— Venha aqui. — Sua voz estava rouca e arranhada, tão tensa
de desejo que era uma maravilha ele ter conseguido dizer aquilo
tudo, e quando ela fez como ele havia pedido, qualquer
possibilidade de dizer mais desapareceu.
Ele a beijou, suas mãos deslizando sobre a pele, mais fina do
que qualquer seda, quente e macia e generosa e... sua. Foi mais
fácil do que ele tinha imaginado, afinal, tratá-la com reverência. Ele
não a machucaria, era impossível, ele não poderia. Seus lábios
roçaram sobre os dela, brincando um pouco com sua língua, os
movimentos suaves e delicados, enquanto ele continha seu próprio
desejo com uma vontade de ferro. Como era estranho, ele pensou,
pois nunca tinha gostado de beijar e evitava isso. Sempre pareceu
uma intimidade desagradável, muito complicada e sem recompensa,
mas não mais. Sua boca era tão doce, tão acolhedora, e os sons
suaves que ela fazia, enquanto suas mãos exploravam e
acariciavam, eram o suficiente para incendiá-lo.
Gabriel se afastou, sabendo que até mesmo sua grande
necessidade de controle não poderia conter seu próprio desejo por
muito mais tempo. Ele a levou para a cama, demorando um
momento para puxar as cobertas antes de beijá-la novamente.
— Deite-se — disse ele, as palavras sussurradas contra a boca
dela. Desta vez, pelo menos, as palavras tinham sido gentis. Ela fez
o que ele pediu, deitando-se sobre o algodão branco enquanto
Gabriel se livrava de sua jaqueta. Normalmente, tudo tinha que ser
cuidadosamente guardado, dobrado ou pendurado, mas seu desejo
superou sua necessidade de ordem neste momento, e ele se
contentou em pendurar sua jaqueta no encosto de uma cadeira e
jogar cada peça restante em cima dele.
Sua boca ficou seca quando Crecy se sentou, observando-o
com evidente interesse enquanto ele se despia. Para sua surpresa e
como um impulso para sua masculinidade, seus olhos se
arregalaram e se iluminaram com um lento sorriso se curvando
sobre seus lábios cheios.
— Oh, meu Deus — disse ela, olhando-o com desejo tão óbvio
que Gabriel se perguntou como diabos conseguiria esperar o tempo
suficiente para tornar sua primeira vez indolor. Ele não estava certo
se podia esperar. Ele queria apenas encontrar seu lugar dentro dela
e reivindicá-la como sua, sem ter para com ela ternura ou paciência.
Ele precisava e desejava como nunca antes, nunca chegara perto, e
não achava que conseguiria conter isso.
No entanto, enquanto ele se deitava ao lado dela e era recebido
em seus braços, sem hesitação, sem reserva ou rubores falsos, ele
sabia que ainda queria ser gentil.
Crecy estendeu a mão, tocando com hesitação em seu peitoral.
Seus dedos percorreram os pelos escuros e ásperos e, em seguida,
surpreendeu-o ao pressionar o rosto contra seu peito, beijando-o e
esfregando o rosto nele como um gato. Ele sorriu, com a sensação
do movimento de seus lábios tornando-se menos estranha do que o
normal. Para falar a verdade, ele poderia até se acostumar com
isso.
— Gabriel — disse ela, o sorriso por trás de seu nome quase
visível antes mesmo de olhar para ele. — Você é tão...
Gabriel arqueou uma sobrancelha, esperando o que diabos a
terrível criatura diria em seguida.
— Grande.
Uma gargalhada o pegou de surpresa, pois seus olhos
arregalados o fizeram rir até os ombros tremerem.
Crecy corou, embora seus olhos brilhassem de diversão. — Eu
não quis dizer lá — repreendeu-o com a voz amarga. — Eu quis
dizer... — Ela acenou com a mão para abranger o pacote todo
enquanto Gabriel tentava rearrumar seu rosto. — Em todos os
outros lugares.
— É mesmo? — disse ele, ouvindo o tom de brincadeira em sua
própria voz e não reconhecendo-o de jeito nenhum. — Essa parte
do pacote não corresponde às expectativas, então? — exigiu saber
ele, enquanto as bochechas dela ficavam em uma tonalidade
surpreendentemente escarlate.
— Agora você está sendo grosseiro — disse ela, franzindo os
lábios e parecendo um pouco indignada.
— Sim — murmurou ele, segurando a mão dela. — Eu sou, e
sempre serei. Você se importa?
— Claro que não — respondeu ela sem hesitação, com malícia
cintilando em seus olhos.
Gabriel observou, um sentimento estranho crescendo e
expandindo-se em seu peito enquanto a observava. — Ainda bem
— disse ele, com um sorriso enquanto guiava a mão dela para a
parte dele que mais desesperadamente ansiava por sua atenção.
Ele prendeu a respiração quando os dedos dela o envolveram e
guiou-a sobre como tocá-lo.
— Até agora, atendendo às expectativas — murmurou ela, com
olhos ainda mais arregalados, e Gabriel se viu sorrindo contra a pele
dela. Ele nunca tinha feito isso antes, nunca tinha desfrutado da
companhia de uma mulher por qualquer outro motivo além do óbvio,
e era algo novo e estranho. Ele não sabia o que esperar dela a
seguir. Ele a beijou, decidindo que estaria mais seguro se a
mantivesse quieta, de preferência sem palavras, já que agora seu
coração se sentia desprotegido e definitivamente em perigo. Ele
retirou a mão dela de sua carne, interrompendo suas carícias
íntimas com pesar, mas, de qualquer forma, era uma distração muito
grande. Isso o fazia querer buscar seu próprio prazer em vez de
cuidar do prazer dela, e ele não permitiria que ela deixasse sua
cama com a capacidade de andar em linha reta, quanto mais de
articular uma frase coerente.
Ele deu beijos ao longo de seu pescoço, maravilhado com sua
ousadia quando ela inclinou a cabeça para trás, suas mãos se
enredando em seu cabelo enquanto ele explorava o vale suave
entre seus seios. Uma mão continuou descendo, alisando as curvas
suaves de sua cintura e quadril, acariciando sua coxa enquanto sua
boca capturava um delicado mamilo empinado. Seu grito rouco
enviou uma onda de desejo por ele, seu corpo tenso e dolorido de
necessidade enquanto ela se arqueava sob ele.
Gabriel ousou dar uma olhada, capturando seus olhos e vendo
tanta emoção ali que ele foi forçado a olhar para longe. Ele não
podia acreditar nesse olhar, era demais... Isso era impossível. Não
era?
Ele voltou sua atenção ao físico; pelo menos, isso ele podia
controlar. No entanto, de alguma forma, o físico e o emocional
haviam se misturado e era impossível mantê-los separados. Quanto
mais ele tentava conter alguma parte de si mesmo e se concentrar
em arrancar esses suaves e femininos gemidos de seus lábios, mais
difícil se tornava não perceber que ele adorava essa mulher
estranha, maravilhosa e extraordinária.
Deslizando uma mão entre as coxas dela enquanto a acariciava,
ele se lembrou da primeira vez que fez isso, com roupas demais
entre eles. Isso não era um problema agora, à medida que ele
inseria um dedo dentro dela, ouvia seu suspiro de choque e se
perguntava se tinha ido rápido demais. Crecy sempre estava à
frente dele, no entanto, e simplesmente se abriu mais para ele
enquanto ele perdia o controle.
Incentivando suas pernas a se afastarem mais, ele assumiu seu
lugar lá, ele não podia fazer isso, não podia esperar mais. Ele se
perguntou se ela o odiaria por isso, por não ter mais cuidado, e
começou a se afastar novamente, mas ela envolveu as pernas ao
redor dele, puxando-o em sua direção.
— Sim, sim, por favor, Gabriel. Eu te quero... assim.
Ele olhou para ela, vendo sua própria necessidade refletida na
dela e perguntando-se sobre isso, mas ela o instigou, ofegando de
prazer quando ele penetrou nela.
Suas palavras murmuradas se tornaram mais rápidas e menos
compreensíveis à medida que ele ia mais fundo, sentindo suas
mãos agarrando seus ombros, segurando-o. Ele tentou diminuir a
velocidade, ciente de que estava prestes a machucá-la, depois de
prometer que não faria isso. Embora todo instinto exigisse que ele a
possuísse naquele momento, ele se segurou, entrando nela com
cuidado.
— Está tudo bem — disse ela, acariciando suas costas, e ele
olhou para baixo, surpreso por estar recebendo garantias. — Não
pare, Gabriel — implorou ela. — Eu quero você.
Não havia como negá-la, mesmo quando suas palavras
penetraram sob sua pele e ele percebeu o perigo em que se
encontrava. À medida que ele afundava nela, acalmando a sua
rápida inspiração ofegante enquanto tirava sua inocência, ele foi
recebido por seu calor. Ela deu-lhe tudo o que tinha sem exigências,
sem ultimatos, e ele percebeu que nunca haveria outra como ela.
Nunca haveria ninguém que o fizesse sentir-se assim, que o
aceitasse e o fizesse se sentir... completo. Ele ofegou, o desejo e a
emoção dominando-o. Em algum lugar à distância, o medo estava à
espreita na escuridão, esperando por ele, mas isso era muito
brilhante, muito deslumbrante para prestar atenção agora.
Pela primeira vez em sua vida, ele sentiu que alguém se
importava com ele, se importava o suficiente para arriscar tudo. Isso
tirou seu fôlego e fez seu peito doer, tornando-o mais atencioso em
seu amor, querendo dar a ela tudo o que podia em troca de sua
confiança nele. Crecy puxou seu pescoço, puxando sua cabeça
para baixo, exigindo que ele a beijasse mesmo quando sua
respiração ficou irregular e seu corpo tenso.
As palavras lotavam seu cérebro, palavras que ela merecia
ouvir, mas ele tinha medo demais de expressá-las, e, então, era
tarde demais. Ela gritou, seu corpo contraindo-se ao redor dele, e
Gabriel não conseguiu pensar em mais nada, considerar nada além
de seu próprio prazer, que o invadiu como uma onda, fazendo-o
tremer com a força dele. Um grito ríspido e gutural irrompeu de sua
garganta, tarde demais para considerar que os criados poderiam tê-
los ouvido enquanto seu corpo convulsionava, derramando-se
dentro dela.
Ele desabou, ciente de que provavelmente estava esmagando-
a, mas estava totalmente sem forças, satisfeito e exausto demais
para se mover um centímetro sequer. No entanto, aos poucos, sua
respiração se estabilizou, e o primeiro lampejo de recriminação o
atingiu. O nojo começou a dominá-lo, uma maré suja determinada a
destruir qualquer prazer que ele pudesse ter encontrado, e então...
Crecy começou a rir.
De algum lugar, ele encontrou forças suficientes para se apoiar
nos cotovelos e olhar para ela, dividido entre a surpresa e a
indignação.
— Por que diabos você está rindo? — exigiu saber ele, soando
ríspido e completamente desapaixonado.
Crecy mordeu o lábio, aparentemente tentando conter seu riso,
mas ele transbordou e ela riu, cobrindo a boca com a mão.
— E então? — pressionou ele, começando a sentir a ansiedade
subindo pelo seu pescoço.
— Oh, oh — ofegou ela, balançando a cabeça enquanto as
lágrimas rolavam por suas bochechas. — Eu... não sei, apenas...
— Apenas?
Ela suspirou profundamente, parecendo ter recuperado algum
controle e sorrindo para ele com tanta alegria que ele sentiu como
se suas emoções tivessem sido viradas do avesso e de cabeça para
baixo em questão de segundos.
— Apenas que eu estava tão nervosa, e foi tão... tão...
maravilhoso — disse ela, estendendo a mão e tocando seu rosto
com um suspiro. — Oh, Gabriel, eu te amo.
Gabriel congelou.
Ele não sabia o que fazer, o que dizer... o quê...
O semblante de Crecy se entristeceu.
— Desculpe-me — sussurrou ela, fazendo com que ele se
sentisse um verdadeiro cretino por ter afastado a felicidade de seus
olhos. — Eu... eu não quis dizer isso, não ainda... não... eu sei que
você não quer ouvir isso ainda — acrescentou, soando tão
arrependida que ele quis expressar sua raiva, mas não soube por
quê. Ele não sabia se estava com raiva dela ou não. Não sabia se
estava zangado porque ela havia dito, ou zangado porque não
acreditava, não podia acreditar. O que significava que ela estava
mentindo, que…
— Gabriel.
— Gabriel!
Ele olhou para baixo, surpreso pelo tom cortante de sua voz.
— Pare de pensar, Gabriel.
Ela puxou seu pescoço, trazendo-o de volta para um beijo, e,
pela primeira vez, Gabriel fez o que lhe foi mandado.
Capítulo 18
“No qual planos são feitos e desfeitos rapidamente.”

— Eu deveria ir.
Gabriel franzia o cenho, não gostando nem um pouco da ideia
de Crecy deixar o calor de sua cama.
— Não.
Ela riu, o som de alguma forma se enraizando dentro dele,
fazendo-o se sentir mais leve. Eles estavam ali há horas, e Gabriel
mal podia acreditar no fato, mas ele não queria se mexer nunca
mais. Ele deu uma olhada na direção dela quando ela se virou em
seus braços. Uma de suas mãos subiu, o dedo traçando o contorno
de seus lábios enquanto ela suspirava.
— Eu não quero, acredite em mim. Mas eles enviarão uma
equipe de busca se eu me atrasar demais.
Gabriel abriu uma carranca ainda mais séria e apertou o abraço
em volta dela. A ideia de que ele poderia mantê-la ali se assim
escolhesse era um pensamento perturbador em sua mente. Se ele
se casasse com ela, ela pertenceria a ele. Ninguém jamais poderia
tirá-la dele. Ele inspirou profundamente quando a magnitude dessa
ideia o atingiu. A ideia de deixar uma pessoa de fora entrar em sua
vida, de encaixá-la no seu rigoroso mundo, era aterrorizante. Crecy
não era ordenada, ela era a coisa mais próxima do caos que ele já
conhecera. Sempre haveria livros, roupas, joias e qualquer coisa
estranha que ela tivesse encontrado recentemente espalhados por
seu quarto, pela casa. Ela se atrasaria para as refeições, tentaria
mudá-lo, provavelmente o faria falar com as pessoas. O
pensamento apertou seu peito, mas a ideia de deixá-la voltar para
Longwold e sair de sua vida deixou-o estranhamente vazio; sozinho
de uma maneira que ele nunca havia sentido antes.
Era como ser apresentado ao que você quer e dizer que está do
outro lado de uma cordilheira que parece praticamente
intransponível.
No entanto, ele queria que ela ficasse.
— Obrigada pelo que fizemos hoje — sussurrou ela, suas
palavras como um sopro suave acariciando sua pele enquanto seus
dedos passeavam pelo seu peito.
Ele resmungou, sentindo-se amargurado de repente. — Bem, eu
disse que você me agradeceria por arruinar você, parece que eu
estava certo.
Crecy sentou-se, olhando para ele, com o rosto de repente
sério.
— Pare com isso agora mesmo.
Ele olhou para ela, franzindo a testa. — Com o quê?
— Pare de transformar algo maravilhoso em algo sombrio e
doloroso. Sei que você vai fazer isso no momento em que eu for
embora, e que está fazendo isso agora. — Ela parecia realmente
zangada, e Gabriel observou-a com interesse, intrigado à luz de sua
fúria. Ninguém ficava bravo com ele, nunca. Eles não ousavam. —
Eu não posso impedir a forma que você vai processar isso na sua
mente, mas ouça-me agora. Você não me seduziu, você não me
arruinou, e eu não tirei nada de você que você não quisesse dar, só
se lembre disso. Nós gostamos um do outro, gostamos da
companhia um do outro, e está tudo bem. Não há proibição alguma.
Você tem permissão para ser feliz. Todo mundo tem direito a um
pouco de felicidade, Gabriel, até mesmo você.
Ele não disse nada, muito perplexo para saber que tipo de
resposta dar. O silêncio parecia mais seguro.
Crecy balançou a cabeça e suspirou antes de virar-se e sair da
cama alta. Ele observou-a enquanto ela se movia, reunindo suas
coisas. Ele se sentia desconfortável, inquieto. Crecy trazia
mudanças, ela trazia coisas que ele não queria, e, no entanto, vê-la
preparando-se para sair de sua casa o fazia querer arremessar
coisas. Não era culpa dela que ela tivesse que ir embora, ele se
lembrou, as palavras mordazes em sua mente.
Ela não olhou para ele, e a ideia de que ela estava magoada ou
com raiva dele era ainda pior. Era como formigas rastejando sob sua
pele, uma sensação desconfortável que fazia-o querer... dizer algo,
consertar, mas... Ele fechou a cara e saiu da cama, pegou um robe
e o vestiu com movimentos bruscos e zangados. Maldição.
Crecy se sentou na penteadeira de Gabriel, tentando criar
alguma ordem na bagunça de cachos rebeldes que haviam caído
sobre seu pescoço, e Gabriel a observou prendê-los no lugar com
pesar. Ele gostava do jeito que estavam, soltos e abandonados,
emoldurando seu lindo rosto. Uma vez satisfeita, ela estendeu as
mãos atrás do pescoço, tendo dificuldades para fechar os botões de
seu vestido. Gabriel se aproximou, evitando o olhar dela no espelho
enquanto chegava mais perto.
— Levante-se — disse ele, não soando nem um pouco como
alguém que precisava de perdão e querendo morder a língua por
isso.
Crecy fez o que ele pediu, e ele abotoou um botão por vez. Ele
terminou o último na cintura dela, e ela começou a afastar-se, mas
ele a deteve com uma mão em seu quadril. Ela se virou, olhando
para cima na direção dele, com uma expressão ansiosa nos olhos.
Gabriel soltou um suspiro pesado e abaixou a cabeça, evitando
aquele olhar que exigia algo dele.
— Eu não quero que você vá. — Oh, muito eloquente,
resmungou ele interiormente. Você não soa nem um pouco como
uma criança rabugenta de cinco anos.
Ele encarou-a e viu que o rosto dela havia se suavizado, e ela
sorriu para ele, e embora soubesse que não a merecia, com a
tensão em seu peito diminuindo um pouco. Ela puxou o cordão que
segurava o robe dele e ele se aproximou.
— Eu vou voltar — disse ela, sua voz tão cheia de certeza que
parecia impossível duvidar dela, pelo menos não neste momento.
Não neste momento. — Você sabe que eu vou voltar. Você tem o
meu coração, Gabriel, quer você queira ou não. Não posso
continuar vivendo sem ele, não é?
Ele encarou-a, palavras se acumulando em sua mente, o medo
apertando seu peito mais uma vez. Por que ela insistia em estragar
tudo, fazendo-o duvidar dela com tanta... tanta baboseira romântica.
Crecy ergueu-se nas pontas dos pés e o beijou. Apenas uma
vez, um breve toque de seus lábios que o fez sentir-se ao mesmo
tempo amado e repreendido. Ele queria mais. Muito mais.
— Agora eu preciso ir — disse ela, indo em direção à porta.
— Espere — exigiu ele, precisando atrasá-la, pelo menos um
pouco. — Eu vou me vestir e vou te encontrar do lado de fora, pelo
menos.
Ela lhe deu um sorriso, tão cheio de compreensão que ele se
sentiu meio atordoado. — Eu não tenho tempo, meu amor. Está tudo
bem. Eu consigo me virar perfeitamente bem.
Gabriel sentiu a mandíbula se contrair, sabendo quanto tempo
levaria para se vestir e totalmente incapaz de contradizê-la. — Você
virá amanhã?
Ela franziu a testa por um momento, suas sobrancelhas loiras
juntando-se enquanto seu semblante entristecia. — Ah, droga —
praguejou ela. Gabriel se divertiu ao ouvi-la praguejar, algo tão
pouco feminino, mas então percebeu que isso significava que ela
não viria, e ele sentiu vontade de dizer algo muito mais obsceno. —
Belle tem... quero dizer, devemos visitar alguém amanhã, eu acho.
Não tenho certeza se consigo vir. Mas no dia seguinte, eu prometo.
Assim que eu puder — acrescentou, ouvindo o relógio badalar lá
embaixo enquanto seus olhos se arregalavam. — Meu Deus, eu
tenho que correr. Adeus, Gabriel. — Ela soprou-lhe um beijo e
fechou a porta, os sons de seus passos descendo as escadas
ecoando pela casa silenciosa.
Gabriel permaneceu no meio de seu quarto, sentindo que tudo
parecia subitamente vazio, sem cor, sem vida... sem ela.
Ele se sentou na cama quando a percepção o atingiu: a menos
que ele fizesse algo, ela certamente o deixaria. Talvez não
imediatamente, e talvez não de boa vontade, mas alguém os
descobriria, alguém colocaria juízo na cabeça dela – Deus sabe que
alguém precisava. Uma jovem de uma beleza tão estonteante
vagando sozinha pelo campo, quem sabe o que poderia lhe
acontecer. Ele mal conseguia respirar só de pensar nisso, e, então,
deu uma risada amarga quando percebeu que o pior já havia
acontecido. Ele havia tirado dela algo que só seu marido tinha o
direito de tomar. A não ser que ele fosse o marido dela. A ideia
ecoou em sua mente novamente, mais alta, mais insistente,
exigindo ser ouvida.
Ele deveria se casar com ela.
Ele deveria.
Ele iria.
Gabriel segurou no balaústre da cama, sentindo o coração se
apertar de pânico, pensando que poderia realmente morrer. Não.
Não. Não. Ele repetiu a palavra seguidamente enquanto sua
respiração se estabilizava. Ele não morreria se casasse com ela...
mas poderia morrer se ela partisse.
Ele se vestiu para o jantar, demorando-se na esperança de que
seus rituais pudessem acalmá-lo um pouco, e conter o pânico que
sua decisão havia provocado. Ele ainda pairava ao seu redor, como
um monstro que ele podia ver de relance. Se ele não o
confrontasse, talvez não tomasse conta dele, no fim das contas.
Assim, ele ignorou essa sensação, fingindo que não havia tomado a
decisão mais importante de toda a sua vida, e seguiu adiante como
de costume.
Ele entrou na sala de jantar e sentou-se para a refeição
enquanto os criados entravam e saíam. Gabriel olhou para cima
quando Piper falou com ele.
— Isso é tudo, milorde?
Gabriel sabia que estava longe de ser a pessoa mais perspicaz
quando se tratava de emoções humanas, mas não era preciso ser
um gênio para perceber pelo tom ríspido de voz dele, que Piper
estava zangado com ele.
Ele assentiu, observando Piper enquanto o homem se virava e
saía, parecendo mais rígido e cheio de dignidade, como nunca
antes visto. Por um momento, ele se sentiu confuso, perguntando-se
qual era o problema do velho sujeito, e então ele entendeu.
Crecy.
Piper sabia. Ele sabia o que Gabriel tinha feito, droga, toda a
maldita criadagem provavelmente sabia. Uma sensação de calor se
espalhou por ele, acompanhada por uma onda de culpa, e por um
terrível momento, ele chegou a considerar chamar Piper de volta e
explicar.
Ele tomou um grande gole de vinho e se recompôs. Nem pensar
que ele iria explicar. Mas eles veriam. Amanhã, ele faria os
preparativos para o casamento. Uma licença especial seria
necessária, é claro; ele precisava resolver isso o mais rápido
possível, precisava restabelecer alguma espécie de normalidade em
sua vida o mais rápido que pudesse. A ideia de que ele também
precisava ter Crecy com ele o mais rápido possível era tão óbvia
que ele nem se preocupou em negá-la.
Ele terminou sua refeição, determinado a ir para seu escritório e
fazer uma lista de tudo o que precisava ser feito, as coisas de que
sua esposa precisaria... Ele parou no meio de sua ação de dobrar
seu guardanapo, isso porque a palavra soava tão estranha que ele
teve que pensar nela novamente.
Sua esposa.
Por um momento, ele não percebeu que estava sorrindo.
Gabriel se levantou, deixando a sala de jantar e indo para seu
escritório para começar sua lista, mas olhou para cima ao ouvir
vozes e percebeu que Piper estava falando com alguém na porta da
frente.
— Eu tenho notícias, milorde. — Paul Chambers, o homem que
costumava espionar Winterbourne aqui no campo, aproximou-se
dele, parecendo satisfeito consigo mesmo. Por um momento,
Gabriel franziu a testa; ele havia se esquecido completamente de
Edward, de sua vingança. — Eu sei quem ela é, a esposa de Lorde
Winterbourne.
Paul se encaminhou para entrar em seu escritório, e Gabriel
percebeu, para sua surpresa, que preferiria que ele voltasse outro
dia; ele tinha assuntos mais importantes para resolver, afinal.
— E então? — exigiu saber ele, sentindo-se tenso e impaciente
e querendo que o sujeito fosse logo embora.
— Bem, eu obtive a história da criada de Lady Scranford —
disse ele, dando um enorme sorriso na direção de Gabriel. —
Aparentemente, eles abafaram o escândalo na casa grande, mas
havia duas irmã nesta festa de Lorde Winterbourne, e ambas caça-
dotes. De acordo com todos os relatos, ambas tentaram conquistá
Winterbourne, mas a mais velha armou uma armadilha para ele.
Aparentemente, ela e o marquês foram pegos em uma situação
delicada na biblioteca do homem. Lady Scranford estava lá, viu com
seus próprio olho, já que fazia parte do grupo que os pegou em
flagrante. Ela afirmou que estava claro que o marquês havia sido
apanhado de jeito. Ela disse que era óbvio que o marquês não teve
outra opção senão pedi-la em casamento.
Gabriel bufou, divertido com a ideia. Edward sempre fora um
galanteador, um sujeito popular e querido que sabia exatamente o
que dizer para fazer uma mulher cair em seus braços. Você
pensaria que ele estaria atento a tais artimanhas. Que tolo.
— E quem são essas jovens empreendedoras? — perguntou
Gabriel.
Chambers vasculhou o bolso, tirando um pedaço de papel
amassado. — Ah, umas maria-ninguém, como eu disse. Num tem
um tostão em seus nomes, aparentemente, e uma tia vulgar tamém.
Deixe-me ver aqui. Ah, sim, aqui está: Belinda e Lucretia Holbrook.
Foi estranho como tudo ficou tão quieto quando aquele nome foi
dito, como a casa parecia tranquila, quando, na verdade, estava
desabando sobre sua cabeça. Ele ficou em silêncio por um
momento que pareceu se estender até que a fúria o atingiu, forte e
ardente e avassaladora.
— Você está mentindo.
As palavras foram ditas em voz baixa, mas com uma raiva tão
intensa que os olhos de Chambers se arregalaram, e o medo
drenando a cor de seu rosto em um instante.
— N-não, milorde, eu... por que eu faria isso? — Gabriel se
aproximou do homem, que recuou, estendendo a mão na frente
dele. — É a mais pura verdade, vá e pergunte à Lady Scranford, ela
mesma vai lhe dizê.
Antes que Gabriel pudesse considerar qualquer outra coisa, ele
se viu com as mãos agarrando o pescoço do homem, e o desejo de
tirar a vida dele, avassalador. Ele não ouviu, pensou ou sentiu mais
nada além do desejo de tirar a vida do homem que havia destruído
tudo.
Chambers não iria escapar. A porta do escritório se abriu
abruptamente, e, de repente, Piper estava lá com um dos lacaios de
baixo escalão, ambos gritando e tentando afastar as mãos de
Gabriel do homem. Os gritos atraíram outros criados, todos
implorando para que ele parasse antes que assassinasse o homem.
Gabriel soltou, apenas querendo que eles fossem embora
naquele instante, virando-se para eles e gritando para saírem, para
saírem e não voltarem.
Havia um zumbido terrível em sua cabeça, sua respiração
ofegante e difícil de conter, e dor, tanta dor que ele sentia que
morreria com ela, orava para que morresse.
Tolo, tolo, você é um maldito tolo patético.
Eu te disse.
A voz de seu pai ecoava em seus ouvidos, mais alta e forte e
mais estridente do que nunca. É isso que você ganha, Gabriel, é
isso que acontece quando você me ignora. Você não pode
sobreviver sem mim, é fraco demais, desesperado demais. Ela
enganou você, não foi?
Não. Não.
Ela te envolveu em suas artimanhas, fez com que você
acreditasse que se importava com você. Você? Quem em sã
consciência iria querer você? Ela quer o seu título, o seu dinheiro, é
isso que ela quer – não você, seu maldito fracassado. Ela quase te
pegou também, seu maldito imbecil. Ela fez um sinal com o dedo e
ergueu suas saias, e você realmente iria se casar com ela!
Gabriel soltou um berro de raiva, de dor, varrendo tudo de sua
escrivaninha com um único movimento furioso. A satisfação de ver
tudo cair no chão fez sua raiva crescer, e ele repetiu o gesto em
todas as superfícies, enviando tudo pelo ar até que estivesse tudo
espalhado. Ele cambaleou para trás, cercado pela destruição, pelas
ruínas de tudo o que tinha, pela vida miserável que tinha construído
para si mesmo destruída por um rosto bonito. Gabriel se apoiou na
parede, subitamente exausto, vazio, oco.
Ele deslizou até o chão enquanto uma emoção estranha
apertava sua garganta, obstruindo-a, dificultando sua respiração.
Gabriel inspirou profundamente, tentando conter aquilo, ele não...
não iria... Mas ele não conseguiu impedir as lágrimas, lágrimas que
ele nunca havia derramado pela perda de seus pais, que ele nunca
havia derramado por estar sozinho e não ser desejado nem amado,
muito menos digno de ser amado. Mas, agora, aquilo não podia
mais ser contido, e Gabriel levou as mãos à cabeça e chorou.
Capítulo 19
“No qual a tristeza e o desespero tomam conta.”

Foram nas primeiras horas da manhã que Gabriel finalmente se


forçou a se mover. Ele olhou ao redor e viu com repulsa a destruição
que o cercava. Sentiu como se suas entranhas tivessem sido
arrancadas para fora dele. Ele não passava de uma casca oca e
ressecada. A voz de seu pai o repreendia, mas ele estava tão
entorpecido que mal conseguia reconhecê-la. Ver tudo tão
desordenado era o suficiente para fazê-lo querer vomitar, mas ele
sabia que precisava arrumar as coisas.
Memórias de outra noite voltaram a ele de uma só vez enquanto
ele se abaixava para recolher os cacos quebrados. Aquela também
tinha sido uma noite repleta de violência, terror e arrependimento.
Seu estômago revirou e ele se moveu mais rapidamente, sentindo
que as lembranças poderiam desaparecer se ele pudesse apenas
arrumar as coisas e devolvê-las ao estado anterior. Sua pele estava
pegajosa, tudo escapando por entre seus dedos, e um suor
arrepiante brotou sobre sua pele, e sua respiração veio rápida à
medida que sua ansiedade aumentava.
Era difícil deixar tudo perfeito, pois suas mãos tremiam, e,
repetidamente, ele recriminou-se por ser tão fraco. Ele pegou cada
caco quebrado, indiferente ao fato de ter se cortado e deixado o
sangue jorrar sobre as páginas de um livro, e foi forçado a jogá-lo no
lixo, juntamente com a evidência de sua chocante falta de controle.
Aquelas peças pareciam brilhar tão intensamente quanto uma dúzia
de velas, apesar da fraca iluminação do ambiente, e no final, ele foi
forçado a levar o lixo para a cozinha e jogá-lo no lixeira. Ele o
enterrou sob uma montanha de restos de comida, revoltado pela
sujeira em suas mãos, mas precisava enterrar a vergonha fora da
vista de todos. Ele limpou as mãos repetidamente, mas o sol já
estava começando a nascer antes que ficasse satisfeito, e ele
correu de volta para o seu escritório antes que a criadagem o visse
e percebesse que o patrão realmente havia enlouquecido de vez.
Não que eles já não soubessem. Se já não tivessem percebido
há muito tempo, qualquer dúvida teria sido dissipada pela atuação
da noite passada. Pelo menos ele os pagava bem o suficiente e
fazia-os temê-lo o suficiente para manter suas malditas bocas
fechadas. Ele não precisava se preocupar com sua humilhação
tornando-se a próxima história nos jornais de fofocas. Eles
simplesmente não ousariam. Eles sabiam muito bem do que ele era
capaz. Eles sabiam que ele era um monstro.
Gabriel fechou a porta do escritório atrás de si e foi pegar a
cabeça de lobo de ardósia, pausando antes que sua mão pudesse
fechar sobre ela. Ela o havia dado aquilo. Ele puxou a mão de volta
e afastou-se. Não havia ela, nem dela, não havia mulher. Ela havia
sido a criação de uma mente perturbada, nada mais. Ele havia visto
o que queria ver, não a verdade. A verdade era uma jovem
ambiciosa que havia esperado conseguir o que pudesse dele e
havia falhado.
Havia uma voz dentro dele que protestava, que lhe lembrava de
tudo o que aquela jovem havia dito e feito, mas ele a silenciou. Ele
não pensaria nela. De jeito nenhum.
Ele iria embora. Sua propriedade na França estava vazia por
tempo demais, e seus assuntos por lá há muito precisavam de sua
atenção. Ele iria embora e, quando voltasse, a mulher teria ido
embora, provavelmente já casada com algum outro tolo rico e com
um título e que havia se rendido a seus adoráveis e sedutores
encantos.
A ideia o atingiu no estômago como um soco, e ele engoliu uma
grande onda de tristeza. Não. Era uma mentira, uma miragem. Ela
não era o que ele pensou que fosse. Ela nunca tinha sido. Mas ele
iria sobreviver. Ele iria sobreviver e teria sua vingança.
Talvez você já a tenha tido. Aquela voz fria e odiosa ecoou em
sua mente. Mesmo agora, ela poderia estar carregando seu
bastardo. Não seria um fim apropriado para esse caso? Se
Winterbourne fosse forçado a criar seu filho bastardo. Eu até
poderia me orgulhar de você.
Gabriel fugiu do cômodo, abrindo a porta com força e correndo
pelo hall de entrada, mal conseguindo chegar do lado de fora antes
de vomitar, curvando-se repetidamente à medida que começava a
tremer.
Não. Não. Nada disso.
A ideia de que ele poderia ter lhe dado um filho era...
Ele se apoiou na parede, observando o sol nascer no horizonte.
Ele piscou enquanto o laranja vívido aumentava ainda mais e coloria
as nuvens dramáticas que haviam começado a se reunir e
penduravam-se baixas nos céus, prometendo tempestades em
breve.
Ele fechou os olhos diante da beleza, cheio de dor para
encontrar prazer em qualquer coisa. Ele precisava sair daqui. Ele
precisava ir embora agora.
Antes que provasse para todos o quanto era fraco e patético de
verdade.
***
Crecy viu Damerel House despontar no horizonte com uma onda
de felicidade e certo alívio. Haviam se passado dois dias, dois dias
inteiros desde que tinha visto Gabriel. Elas tinham visitado amigos
no dia seguinte à sua última visita, como havia dito a ele, mas o
tempo tinha piorado e elas foram forçadas a passar a noite no local.
Seus anfitriões os receberam com tanta hospitalidade e alegria que
havia sido impossível partir até depois do almoço no dia seguinte,
então, ela havia sido dissuadida de qualquer ávida ideia de visitar
Gabriel.
Ela esperava que ele não ficasse muito zangado com ela por
quebrar a promessa. Não tinha sido culpa dela, e ele precisava
entender isso, mas ela sentia que tinha começado a entender a
maneira como Gabriel minava a si mesmo, como sabotava qualquer
esperança de felicidade própria. Isso se devia a uma falta de
autoestima, disso ela estava certa. Ninguém jamais havia se dado
ao trabalho de conhecê-lo, de entendê-lo, e, portanto, ele achava
que não merecia o esforço. Era por isso que confiava tão pouco nela
e alimentar a ideia de que deixá-lo sozinho por um dia a mais seria
imediatamente acompanhada de pensamentos sombrios e
especulações sobre suas intenções. Ainda assim, ela atravessaria
essa ponte quando chegasse a ela.
Deixando seu cavalo com o cavalariço, ela se apressou até a
porta, um pouco surpresa por Gabriel não ter vindo ao seu encontro.
Claro, ele não poderia saber que ela estava vindo. Com pesar,
percebeu que ele talvez nem estivesse em casa. Talvez ele tivesse
negócios na cidade?
Seus medos cresceram quando Piper abriu a porta para ela.
Havia simpatia nos olhos do velho e um olhar que fez seu coração
gelar.
— Olá, Piper, Lorde DeMorte não está em casa hoje?
O rosto de Piper estava sério enquanto ela entrava na casa e
ele fechava a porta da frente.
— Você poderia me acompanhar até a sala de visitas, senhorita
Holbrook? — disse ele, sua voz tão gentil que a ansiedade envolveu
o coração dela e começou a apertá-lo.
— O que é, Piper? — perguntou ela, seguindo-o até a sala de
estar. Para sua surpresa, o mordomo fechou a porta, e ela percebeu
que ele estava tentando evitar que os outros criados ouvissem o que
ele tinha a dizer.
— Ele se foi, senhorita — disse ele, com tanto pesar em seus
olhos que Crecy não teve a privilégio de não o entender.
Ela ficou sem ar e sentou-se. Uma onda de frio parecia
derramar-se sobre ela e ela juntou as mãos, percebendo que
estavam suadas. — Para onde ele foi? — sussurrou ela.
Piper hesitou e, em seguida, seu rosto suavizou. — Para a
França, eu acredito.
Crecy engoliu em seco. A vontade de chorar era tão forte que
era quase avassaladora, mas ela não queria constranger o pobre
mordomo com tal cena. Ele sempre tinha sido gentil com ela, e não
era como se ela não tivesse conhecimento dos riscos.
— Você... você tem um endereço?
Piper balançou a cabeça. — O visconde sempre foi reservado
sobre sua propriedade no exterior. Acredito que ele considerou
sábio ter um esconderijo que mais ninguém conhecesse, caso... —
Ele hesitou e Crecy assentiu.
— Eu entendo, Piper, você não precisa explicar. — Ela sabia
muito bem que Gabriel se envolvia em muitos jogos perigosos. Se
as coisas dessem errado, seria típico dele ter um lugar seguro onde
se refugiar. — Há alguém que poderia ter o endereço? Alguém em
quem ele confie, talvez? — A ideia de que ele pudesse confiar em
alguém era pequena, mas ela precisava perguntar.
Piper pareceu dividido por um momento, com sua lealdade ao
seu patrão em conflito com seu desejo de ajudá-la. No final, ele se
sentou, sua voz confiante enquanto se inclinava em sua direção.
— Seu administrador, ele tem um escritório em Bath, mas...
Crecy deu uma risada e balançou a cabeça. — Sim, posso
imaginar a probabilidade de ele dar o endereço de Lorde DeMorte a
uma única mulher da minha condição social. — Ela olhou para baixo
na direção de seus pés, sabendo que não poderia ouvir a resposta
para sua próxima pergunta e conter suas lágrimas se Piper fosse
gentil com ela.
— Ele disse quando voltaria? — Pelo menos havia alguma
esperança de que ele tivesse ido se acalmar e voltaria em uma
semana ou algo assim, mas suas esperanças foram rapidamente
dissipadas quando Piper balançou a cabeça.
— Não, senhorita, mas... fui levado a crer que ele não voltaria
antes do verão.
— Ah. — Crecy se concentrou em respirar. Parecia uma tarefa
extraordinariamente difícil de realizar. A ideia de que ela precisaria
continuar fazendo isso, forçando-se a inspirar e expirar por seis
meses, pelo menos, antes de ter a oportunidade de tentar se
explicar. Era doloroso demais para contemplar. — Por quê?
Piper ficou em silêncio por um longo momento e ela olhou para
cima, perguntando-se se ele estava zangado com ela por perguntar.
— Um homem veio até ele. Lorde DeMorte o havia encarregado
de... descobrir quem era a pessoa com quem seu primo, o marquês,
havia se casado recentemente.
Crecy arfou, sabendo que esta era toda a explicação de que
precisava. Ela cobriu a boca com a mão, tentando tão arduamente
manter sua dignidade, mas uma lágrima escorreu apesar de seus
melhores esforços, e foi rapidamente seguida por outra.
— Receio que a informação veio de Lady Scranford —
continuou Piper com uma voz grave.
— Oh, não. — Crecy não precisava que ele dissesse mais nada.
Lady Scranford a odiou no primeiro momento em que a viu, e as
coisas pioraram progressivamente durante o período em que foram
hóspedes em Longwold. A mulher esperava conquistar
Winterbourne e se envergonhara na tentativa. Crecy podia apenas
imaginar a história que tinham contado a Gabriel, mas duvidava que
fosse lisonjeira, e que ela e Belle tivessem sido pintadas como
caçadoras de dotes sem escrúpulos, disso ela não tinha dúvidas. —
Isso é culpa minha, pura estupidez — disse ela, enxugando as
lágrimas com as costas da mão. — Eu deveria ter dito a ele, eu
deveria ter explicado. Eu pretendia, sabe? — disse ela, olhando
para Piper, que deveria estar revoltado e escandalizado com ela,
mas que apenas parecia compassivo com a sua situação. — Eu ia
fazer isso, só que... — Ela corou, perguntando-se o que Piper sabia.
Ele não a tratou de maneira diferente quando desceu as escadas
depois... depois daquilo. Mas ela não duvidava de que ele tivesse
percebido que ela tinha sido comprometida. — Só que tinha sido um
dia perfeito, e... e eu estava com medo — admitiu ela. — Tive medo
de que ele não acreditasse em mim, e pensei, se eu pudesse ter
mais um ou dois dias para convencê-lo dos meus sentimentos...
Ela enterrou o rosto nas mãos e ficou surpresa quando Piper se
aproximou, colocando uma mão paternal em seu ombro.
— Talvez... talvez seja o mais adequado, senhorita — disse ele
com a voz grave, mas cheia de bondade. — Conheço o visconde
desde que ele tinha doze anos e... bem, tentei guiá-lo, ser um tipo
de figura paterna, suponho, mas... bem, nunca tive sucesso,
digamos. — O velho balançou a cabeça e lhe deu um sorriso triste.
— Talvez se o tivesse conhecido antes de seus pais fazerem o que
fizeram, mas ele ficou sozinho nesta maldita casa dois anos antes
de eu chegar, e não acho que alguém realmente tenha feito algo
mais do que alimentá-lo e vesti-lo, e garantir que ele fosse educado
de acordo com a sua posição. Não acho que ele tenha recebido
uma palavra gentil de ninguém antes de eu chegar, e, até então,
bem, ele era distante, para dizer o mínimo.
Crecy chorou mais, balançando a cabeça. Não era o mais
adequado. Não podia ser. Ouvir tudo o que sempre suspeitara
colocado em palavras a dilacerou. Saber que Gabriel estava agora
mais sozinho do que nunca e que acreditava que ela mentiu para
ele por pura avareza... ela não suportaria. Com seus melhores
esforços, ela lutou para convencê-lo de sua lealdade, de seu amor
por ele, mas com alguém envenenando seus ouvidos... ela não tinha
chance.
— Posso escrever uma carta para ele, por favor, Piper?
— Claro, senhorita — disse ele, levantando-se novamente. —
Mas, bem, eu sei que o visconde passou algum tempo informando
todos os seus parceiros de negócios que estaria fora por vários
meses e que deveriam se corresponder com o seu administrador.
Normalmente, ele enviaria alguém a cada poucas semanas para
pegar qualquer correspondência e entregá-la a ele, mas... nas
circunstâncias atuais...
Crecy assentiu, mas ela precisava de cada chance possível de
alcançá-lo.
— Bem, certamente ele enviará alguém mais cedo ou mais
tarde, não é? — disse ela, tentando sorrir e parecer esperançosa
para que Piper não a olhasse como se estivesse extremamente
preocupado com ela. Ela era forte, ela sabia disso. Sempre tinha
sido determinada e focada, e agora precisava ser forte por ela e por
Gabriel. Mais cedo ou mais tarde, ela o veria novamente, e quando
o fizesse... Ela respirou fundo e se recompôs antes que as lágrimas
a dominassem novamente.
— Eu vou trazer papel e caneta para você, senhorita Holbrook.
— Oh, não, Piper, eu sei que não deveria pedir, mas... mas
posso escrevê-la no escritório dele? Eu... — Ela respirou
profundamente e deu um sorriso que sabia que devia parecer
patético, de fato. — Eu sei que é tolice da minha parte, mas... eu
gostaria de sentar-me em seu escritório, só por um momento.
Piper lhe deu um sorriso de tanta compreensão que quase fez
com que ela desabasse, mas ele assentiu. — Vamos lá, então,
senhorita. Vou levá-la até lá.
Capítulo 20
“No qual a vida continua, independentemente dos corações
partidos.”

Piper conduziu Crecy ao escritório de Gabriel e mostrou-lhe


onde ela poderia encontrar tinta e material de escrever.
— Há mais alguma coisa que possa fazer por você, senhorita
Holbrook?
Crecy balançou a cabeça, esperando conseguir se segurar até
que ele fechasse a porta antes que as lágrimas começassem a
escorrer novamente. Piper se virou para sair quando percebeu que
não podia deixá-lo ir embora sem saber mais uma coisa.
— Piper?
— Sim, senhorita?
— O que... o que aconteceu quando ele descobriu?
O rosto de Piper ficou sério, e ele voltou a andar na direção
dela, abaixando o tom de voz.
— Foi terrível, senhorita. Já o vi perder a cabeça muitas e
muitas vezes. Sabemos quando é melhor andar com cuidado perto
dele, entende? Mas... bem, acho que nenhum de nós viu nada
parecido.
Crecy engoliu em seco enquanto seus olhos ardiam.
— Ele tentou matar o senhor Chambers, o homem que lhe
trouxe as notícias. Cinco de nós tivemos que impedir, e, então... ele
ficou fora de controle. Destruiu este escritório todinho.
Ela cobriu a boca com a mão, reprimindo um soluço. Olhando ao
redor, percebeu que muitos objetos pequenos haviam desaparecido
da sala, coisas que ela notara em sua visita anterior.
— Deve ter sido um trabalho árduo limpar tudo — disse ela,
horrorizada com a devastação que havia causado ao não ser
honesta com Gabriel mais cedo.
Piper pareceu triste e balançou a cabeça. — Oh, não, senhorita.
O visconde sempre arruma a própria bagunça. Não é bom negócio
tentar ajudá-lo nessas horas, acredite em mim, sei do que estou
falando. — Ele fez uma pausa, soltando um suspiro, com uma
expressão pensativa agora. — Sempre achei que ele faz isso como
uma espécie de penitência. Punindo-se, em primeiro lugar, por ter
perdido o controle.
Crecy deu-lhe um sorriso frágil. — Acho que você é muito
perspicaz — disse ela, sentindo que a vida havia sido tirada dela.
Ela queria se sentar no escuro e se encolher até que Gabriel
voltasse para ela. Mas isso não resolveria nada. Ela não se
permitiria afundar na autopiedade quando a situação era de sua
própria autoria. Gabriel precisava que ela fosse forte, quer ele
soubesse disso ou não.
Piper a deixou sozinha e Crecy se sentou olhando para a folha
de papel com desespero. Como diabos ela conseguiria colocar em
palavras tudo o que sentia, tudo o que era verdade, em uma
linguagem que Gabriel escutaria? No final, ela não conseguiu fazer
mais do que dizer o que sentia.
Meu querido amigo,
Você não pode imaginar minha devastação ao escrever esta
carta. Sabendo que em grande parte é minha própria culpa só torna
tudo ainda pior.
Eu pretendia te contar, Gabriel. Você precisa acreditar nisso. Eu
pretendia te contar na última vez que estivemos juntos, só que eu
estava tão feliz e com medo de que minhas palavras estragassem
as coisas entre nós.
Eu não sei exatamente o que você ouviu, mas se os rumores
vieram via Lady Scranford, como me informaram, então, posso
muito bem imaginar. Oh, Gabriel, tenho certeza de que você sabe o
suficiente para perceber que essa mulher é vaidosa, egoísta e
frívola. Ela me odiou no primeiro momento em que me viu por ser
mais bonita do que ela! Consegue imaginar uma razão mais ridícula
para odiar alguém? Como se eu pudesse fazer alguma coisa a
respeito disso! Mas depois, ela tentou flertar com Winterbourne, e
ele a ignorou completamente, na frente de todos. Consegue
imaginar o que ela sente por Belle e por mim agora?
E quanto a isso, é absolutamente verdade, Winterbourne se viu
obrigado a casar-se. Na verdade, Belle pretendia armar uma
armadilha para lorde Nibley. Ele é um homem de natureza doce,
quase que entediante, e realmente precisa de alguém para cuidar
dele; então, não parecia ser uma coisa tão terrível. Mas
Winterbourne descobriu o plano de Belle e foi impedi-la, com os
resultados que você agora conhece. Mas, Gabriel, querido Gabriel,
você não deve pensar mal da minha irmã. Estávamos à beira da
ruína. Minha tia nos disse que, se não nos casássemos ou, ao
menos, encontrássemos um homem para nos sustentar, ela nos
expulsaria. Ela estava tentando me vender para o maior lance, e
Belle, minha querida irmã, estava disposta a sacrificar sua própria
felicidade para me salvar.
A coisa engraçada sobre isso tudo é que eles dois estão muito
apaixonados agora e tão felizes juntos. Não posso deixar de sentir
que talvez o destino estivesse olhando por eles, guiando-os um em
direção ao outro. Lamento apenas que não tenha sido mais
favorável para nós.
Gabriel, estou sentada aqui chorando desesperadamente, como
as manchas nesta carta certamente atestam, mas, na verdade,
também estou muito zangada com você. Como você pôde acreditar
em tal coisa de mim? Eu já lhe disse muitas vezes que não insistiria
no casamento. Se você, ao menos, desse-me seu endereço, eu iria
até você agora, neste instante. Deixaria tudo para trás e traria
escândalo e vergonha para a minha pobre irmã, se apenas me
desse a chance de provar minha lealdade a você. Belle tem planos
de enviar-me para Londres para participar da temporada e tem
ignorado cada objeção minha. Ela acredita que posso encontrar um
homem que me faça tão feliz quanto ela está, e não posso lhe dizer
que já encontrei. Se não mandar me buscar, serei forçada a ir com a
Lady Russell e a enfrentar intermináveis bailes e socializar-me, e
Gabriel, juro que vou morrer. Não posso fazer isso. E não ouse
pensar que é minha oportunidade perfeita para fisgar um marido
rico, porque se o fizer, juro que vou jogar alguma coisa em você na
próxima vez que nos encontrarmos.
Nunca, nunca me casarei, disso eu lhe juro. Terei você, meu
amor, ou morrerei solteirona. A decisão é sua. Vou esperar por você,
Gabriel. Por favor, não deixe que seja para sempre.
Eu te amo.
Sua amiga,
Crecy.

Ela estava soluçando de verdade quando terminou a carta.


Enxugando os olhos, ela a dobrou com cuidado e olhou ao redor da
escrivaninha, procurando a cera para lacrá-la. Não achando-a, ela
puxou uma das gavetas da mesa aberta e ficou sem ar com o que
descobriu. A próxima foi aberta por sua vez, e ela deu uma risada
instável enquanto a esperança renascia em seu coração. Em cada
gaveta, organizados por ordem de data e cuidadosamente dispostos
sobre um feltro verde grosso, estavam todos os presentes estranhos
e excêntricos que Crecy já havia enviado a ele. Na terceira gaveta, e
organizadas com igual atenção, cada uma de suas cartas.
— Oh, Gabriel — disse ela, sentindo seu coração se apertar no
peito. Ela se abaixou, arrastando os dedos sobre anos e anos de
correspondência de uma das partes apenas, todas elas abertas e
cuidadosamente guardadas no lugar onde ele passava a maior parte
do tempo, todos os dias. Ela fechou cada gaveta por vez,
percebendo ao fechar a segunda que havia um espaço. A cabeça
de lobo. Com um súbito lampejo de esperança, ela se perguntou se
ele a havia levado, sabendo que muitas vezes a pegava em
momentos de estresse. Ela se moveu até a lareira e suas
esperanças se dissiparam quando a encontrou lá. Pegando-a, ela a
segurou nos lábios e decidiu mantê-la com ela. Ela a devolveria a
ele pessoalmente.
Uma busca adicional no escritório revelou a cera e ela lacrou
sua carta, deixando-a em sua escrivaninha e rezando para que ele a
recebesse em breve. Depois de dar uma última olhada no escritório
que guardava tantos segredos sobre o homem a quem entregara
seu coração, Crecy se virou e foi embora.
***
1º de abril de 1818
Gabriel olhou para o relógio e levou as mãos à cabeça. Uma
hora. Ele estava pronto há uma hora e ainda não conseguira sair do
maldito quarto. A ansiedade apertava sua garganta, e ele olhou para
a penteadeira. Está tudo bem. Está tudo bem. Apenas deixe para lá,
seu maldito louco. Ele cerrou os punhos, um tremor percorrendo sua
espinha enquanto a náusea revirava seu estômago. Fazia muito
tempo desde que as coisas tinham ficado tão ruins.
Maldita seja ela.
Maldita seja ela.
Não pense nela. Você não deve pensar nela. Mas era uma
esperança vã. Ele pensou um pouco mais. Cada conversa que
tiveram, cada toque que compartilharam. Tudo era examinado e
revisto e visto à luz de uma nova maneira, ou melhor, sem nenhuma
luz. Ele estava lançado na escuridão e não via saída.
A viagem à sua propriedade na França tinha sido um pesadelo
absoluto, e ele se perguntava como seu valete, John Allen, não o
havia abandonado por completo, pois com certeza, mesmo após
quinze anos de comportamento estranho de Gabriel, o homem tinha
sido testado até o limite de sua paciência. Gabriel o compensou
generosamente por seus problemas, e, para ser justo, John nunca
proferiu uma única palavra de reprovação. Provavelmente ele não
ousava, pensou Gabriel com um bufo. Quem sabia o que um louco
faria? Ele poderia tentar estrangular o pobre diabo até morrer, como
havia feito com Chambers.
Mas, até mesmo John, havia começado a tentar persuadi-lo a
sair do quarto, e por Deus, isso não era humilhante?
— Milorde não gostaria de descer agora? — disse John, sua
serena voz tão calma e inalterada quanto sempre, apesar de ter dito
a mesma coisa umas vinte vezes. — Acredito que o cavalheiro que
enviou para buscar sua correspondência chegou tarde na noite
passada. Ele chegou extremamente exausto, uma travessia terrível,
segundo todos os relatos. Mesmo assim, após esperar mais de uma
semana por uma travessia, acredito que ele tenha ficado bastante
contente em conseguir uma.
Gabriel olhou para cima, encontrando o olhar do sujeito e
xingando interiormente a si mesmo por ter esperança.
— Alguma correspondência?
— Sim, milorde. — Os olhos de John estavam repletos de
simpatia, e Gabriel desviou o olhar. Em hipótese alguma ele deixaria
que seus criados tivessem pena dele. Eles poderiam temê-lo, sem
dúvida, mas não teriam pena dele.
— Há muita? — Pare com isso, seu maldito tolo. Você não quer
ouvir falar dela.
— Não, milorde, eu acredito que não. Ele trouxe alguns
documentos importantes do seu advogado, creio eu, pois o senhor
Bainbridge não desejava confiá-los ao correio e esperou para deixá-
los em suas mãos. Acredito que há também uma carta. Essa veio de
Damerel House.
Gabriel ficou sem ar enquanto o suor surgia ao longo de sua
espinha. Esperança e raiva e medo, tudo isso misturando-se em seu
estômago, fazendo-o querer vomitar. Ele dispensou John, querendo
ficar sozinho por um momento. Ele não correria escada abaixo e
rasgaria a maldita carta. De jeito nenhum.
John foi até a porta, mas hesitou, voltando-se para ele.
— Posso falar francamente, milorde?
Gabriel olhou-o surpreso. John raramente falava. Era uma das
coisas que ele mais apreciava no sujeito. Ele era calado e discreto,
e nunca parecia estar julgando-o, embora não duvidasse que seu
valete, que o aturava há muito tempo, achasse-o totalmente louco.
Ele assentiu, curioso demais para dizer a John que não.
— Eu estive noivo uma vez, há muito tempo — disse John, um
rubor atípico tingindo as bochechas do sujeito. — Era uma garota
adorável, doce e bonita como uma margarida. Mas então, alguém
me disse algo sobre a minha noiva... ele fez alegações.
Gabriel sentiu sua humilhação aumentar à medida que o homem
falava. Pelo amor de tudo o que é mais sagrado, já era ruim o
suficiente que todos o considerassem louco, mas pensar que eles
sabiam que uma mulher o tinha levado ao limite. Isso era demais.
— Bem, milorde, acabou que o sujeito estava com ciúmes. Ele a
queria para si, e acabou ficando com ela — disse ele, sua voz
tornando-se amarga. — Quando percebi o que diabos eu tinha sido,
já era tarde demais. — John limpou a garganta, parecendo
extremamente desconfortável. — Lamento por isso há muito tempo,
milorde. — Com um aceno de cabeça desajeitado, ele se desculpou
e deixou o cômodo.
Gabriel se sentou, considerando as palavras de John. Será que
o sujeito estava realmente tentando defender a mulher – ele não
diria o nome dela – depois de tudo o que ela tinha tramado?
Se é que ela tinha tramado.
Não baseie suas esperanças patéticas em mais mentiras,
Gabriel. Pelo amor de Deus, o que uma mulher como essa quer com
você? Ela é linda, poderia ter qualquer um. Provavelmente já tem.
Ela estará caçando peixes maiores agora, abrindo as pernas para
perspectivas mais convidativas. Talvez ela tenha agarrado um
duque?
Não. Pare com isso. Cale a boca.
Embora continuasse dizendo a si mesmo para queimar a maldita
carta, ele esticou a mão para o bolso de dentro da jaqueta e retirou
o pequeno desenho que ela lhe havia dado. Por mais que tentasse,
não tinha conseguido renegar a maldita coisa às chamas. Seu belo
rosto o encarava, fazendo a saudade tomar conta dele. Por que ele
continuava se torturando assim? Apenas queime a maldita coisa.
Ele olhou para as chamas, sabendo que não tinha forças para fazê-
lo, e ocultou a imagem, afastando-a de sua visão, enquanto seu pai
zombava dele por causa disso. Ele levantou-se, precisando
bloquear a voz de seu pai. A carta. Ele desceria e leria a carta.
***
Quando finalmente dispensou o sujeito que trouxera a
correspondência, depois de ouvir longas e desnecessárias histórias
sobre a viagem terrível do homem, ele estava perto de desmoronar.
Finalmente, no entanto, ele ficou sozinho e pegou os papéis,
jogando-os de lado com pouco cuidado e menos paciência ainda,
enquanto procurava a carta.
Lá estava ela. A visão de sua caligrafia familiar e elegante
causou-lhe falta de ar.
Queime-a. Queime-a.
Gabriel olhou para ela, com desespero, e uma dor lancinante em
seu peito. Ele se levantou, derrubando a cadeira com pressa,
arrebatando a carta enquanto avançava. Caminhando rapidamente
até a lareira, ele segurou a carta sobre as chamas, mas, por mais
que tentasse, não conseguia soltá-la. Se não conseguia queimar o
desenho dela, que esperança havia para a carta que tanto ansiava
quanto temia?
— Faça logo isso — murmurou ele, sabendo que falar consigo
mesmo provavelmente não era um bom sinal. — Acabe logo com
isso.
Ele não conseguia fazer isso.
Sentando-se com dificuldade ao lado do fogo, ele olhou para a
carta por um momento antes de romper o selo.
Meu querido amigo,
Você não pode imaginar minha devastação ao escrever esta
carta.
Gabriel leu com o coração na garganta. A voz de seu pai o
repreendia, censurando-o por ser um idiota, um verme patético que
queria se arrastar sob as saias da mulher. Mas as palavras dela o
envolveram, e ele lembrou novamente das coisas que ela havia dito,
da maneira como havia dito, da sensação de estar perto dela. Por
mais que não conseguisse acreditar que ela o amava, que não
pudesse confiar nela... ele ainda tinha esperança, ainda desejava.
Seu pai estava certo – ele era patético... mas ele tinha que vê-la
novamente, tinha que tê-la de volta.
Capítulo 21
“No qual um tubarão assusta os peixes bonitos.”

12 de abril de 1818
Crecy sentou-se no canto do salão, o mais longe possível da
vista de todos. Talvez se ficasse com as jovens tímidas, estaria a
salvo. O salão estava muito quente e ela estava exausta. Pensar em
sua cama era irresistível, e ela engoliu em seco quando uma onda
de tontura a dominou.
— Aqui está você — disse uma voz masculina bastante
satisfeita, assustando-a a ponto de fazê-la pular. — Escondendo sua
luz debaixo do alqueire, como sempre, né?
— Oh, August — disse ela, soando impaciente. — Graças a
Deus que é só você.
O homem ridiculamente bonito à sua frente respirou fundo antes
de repreendê-la. — Crecy, querida, você é extremamente
inclemente com o ego de um sujeito, sabia?
Crecy resmungou, fazendo cara feia para ele. — Oh, acho que
você vai se recuperar — disse ela, com um tom seco. August Bright,
Barão Marchmain, tinha sido um dos seus admiradores mais
fervorosos e a perseguira incansavelmente no primeiro mês de sua
temporada em Londres. No entanto, finalmente, ela conseguiu fazê-
lo entender que era a dona de um coração partido e que nunca se
casaria. Além disso, ela certamente não teria um affair com um dos
libertinos mais notórios de Londres. Desde então, ele desistira da
perseguição, tornando-se um aliado inesperado, protegendo-a,
sempre que possível, de seus piores admiradores. Isso
naturalmente causou boatos, mas havia pouco a ser feito a respeito.
August era incrivelmente charmoso e, apesar do desânimo de
Crecy, ele conseguia arrancar um sorriso verdadeiro dela, em vez
dos falsos que ela reservava para ocasiões como aquelas. Ele
parecia mais curioso do que surpreso com as coisas estranhas e
desinibidas que ela estava acostumada a dizer, embora mesmo
essas tenham se tornado menos frequentes, uma vez que ela se
isolava em seu próprio sofrimento. Ela estava mais calada e
desanimada do que nunca, sua natureza naturalmente extrovertida
de alguma forma sufocada pela tristeza. Nesse aspecto, pelo
menos, August era um sopro de ar fresco, impedindo-a de
mergulhar muito profundamente na depressão, embora, até mesmo
a amizade dele provavelmente diminuiria. Entretanto, por enquanto,
August era um amigo alegre e impossível de não gostar.
Diferentemente de um certo visconde mal-humorado,
emocionalmente instável, que nunca estava longe de seus
pensamentos.
Ela suspirou enquanto a saudade apertava seu peito. Já se
passaram quase quatro meses desde que ele partira, e ela ainda
não tinha tido notícias suas. Ela tinha dado a Piper seu endereço em
Londres, nutrindo a esperança, apesar das circunstâncias
desfavoráveis, e embora o velho amigo tivesse escrito para ela, até
agora não tinha dado notícia alguma sobre Gabriel.
— Uma moeda por seus pensamentos?
Ela olhou para cima e dirigiu a August um sorriso cansado. —
Você não deveria desperdiçar seu dinheiro.
August franziu a testa e estendeu a mão, dando umas
batidinhas reconfortantes na mão dela. — Ainda lamentando por
esse sujeito miserável que partiu seu coração, é?
— É — admitiu ela, desviando o olhar dele quando um novo
grupo de dançarinos se posicionou na pista de dança.
— Eu o mataria se algum dia pusesse as mãos nele —
murmurou August, cruzando os braços e franzindo ainda mais a
testa.
Crecy conteve um sorriso. Ela se perguntou se ele seria tão
confiante se soubesse por quem ela estava sofrendo. Não que ela
duvidasse da coragem de August, mas o Visconde DeMorte era
uma figura muito sombria e notória para ser enfrentada com pé de
igualdade.
Sua diversão desapareceu quando uma onda de náusea a
atingiu e Crecy inspirou profundamente.
— Caramba, Lucretia, você está bem? Você parece doente.
— Querido August, você é terrivelmente inclemente com o ego
de uma garota, sabia? — brincou ela, com uma tentativa de humor
meio que sem fôlego e sem graça, já que sentia que poderia
desmaiar a qualquer momento.
— Crecy, eu não estou brincando. Devo te tirar daqui? — exigiu
saber ele, seus olhos verdes cheios de preocupação por ela.
— O quê? E fazer com que todos os jornais de escândalo da
cidade falem sobre nossa partida repentina? Nem pensar. — Ela
recostou-se e fechou os olhos, tentando se concentrar em respirar.
Querido Deus, por favor, faça com que Belle tenha recebido sua
carta e permita que ela volte para casa. Ela não sabia quanto mais
poderia suportar tudo isso. — Seja um bom garoto e vá buscar um
copo de limonada para mim, por favor.
August não se moveu, olhando para ela com preocupação. —
Não tenho certeza se devo te deixar sozinha.
— Oh, pare de fazer alarde, August — esbravejou ela,
imediatamente se arrependendo ao ver a expressão magoada em
seus olhos. — Perdoe-me — disse ela, subitamente sentindo-se à
beira de um ataque de lágrimas. — Eu... não estou me sentindo
bem, se você quer mesmo saber, mas tenho certeza de que vou me
sentir melhor se você me trouxer uma bebida. Está muito quente e
barulhento aqui dentro.
Ele lançou-lhe um olhar direto, um tanto perturbador, mas
assentiu. — Eu volto já — disse ele, apressando-se em buscar sua
bebida.
Crecy suspirou aliviada e fechou os olhos. Uma de suas mãos
se moveu para proteger seu estômago, e ela se esforçou para
conter as lágrimas que viriam se permitisse pensar no futuro.
Gabriel voltaria. Ele tinha que voltar. Ela não podia ter trazido tanta
vergonha para Belle sem motivo. Mas não tinha sido sem motivo.
Apesar de ter sido curto, era tudo o que ela sabia que seria, e não
se arrependia. No entanto, ela precisava sair do olhar público, e
logo. Ela também percebeu que teria que manter August afastado,
para evitar que as pessoas especulassem que ele era responsável
por sua condição delicada. Para piorar, ela começara a temer que
Lady Russell suspeitasse de algo. Sua acompanhante era perspicaz
e conhecia todos os truques, apesar de sua idade avançada, e a
velha senhora tinha feito algumas perguntas sutis, mas,
ultimamente, inquisitivas, que fizeram o coração de Crecy disparar.
Ele estava disparado agora, e Crecy estava se esforçando para
acalmá-lo. Entrar em pânico não seria nada bom. Agora, tudo o que
ela podia fazer era suportar aquilo.
***
Gabriel fitou o salão de baile lotado, com todo o seu instinto
exigindo que ele se virasse e fosse embora, agora, neste minuto.
Ele detestava Londres, não suportava as multidões, a sujeira e as
malditas fofocas. Sua anfitriã parecia prestes a desmaiar quando viu
quem havia cruzado seu limiar, mas não havia ninguém corajoso o
suficiente para negar sua entrada, apesar de sua falta de convite.
Ele havia chegado dois dias atrás, causando um grande e
completo caos em sua casa em Londres, já que não havia dado
nenhum aviso, e suas visitas eram tão raras que ele mantinha o
mínimo de funcionários residindo na propriedade.
Deparar-se com o quarto não estando arrumado do jeito que
queria não era passível de reclamações dadas as circunstâncias,
mas pouco ajudou a acalmar seu temperamento ou seu estado de
espírito. Francamente, era um milagre que ele tivesse conseguido
sair de casa, ele pensou aborrecido. Mas ver Crecy novamente
havia se tornado uma obsessão tanto quanto qualquer uma de suas
outras compulsões, e esse desejo havia superado tudo o mais.
Ele ignorou os cochichos e os olhares de desgosto enquanto se
movia entre a nata da alta sociedade. Ele sempre se sentia como
um tubarão nesses eventos, com todos os olhos observando-o com
medo do que ele poderia fazer ou dizer. Estranho, na verdade, já
que ele nunca havia causado algum escândalo público em um
evento desse tipo, a menos que ser forçado a se encontrar com seu
supostamente falecido primo à vista de todos contasse. No entanto,
isso tinha sido obra de Edward, não sua. Na verdade, ele até
admirava o primo por aquela jogada.
Edward estava longe de seus pensamentos, no entanto,
enquanto ele vasculhava as multidões. Ele permaneceu nas
sombras, atrás das enormes colunas de mármore que se estendiam
deste lado do salão de baile. Daqui, ele conseguia ver os dançarinos
e...
Ele prendeu a respiração, com a dor apertando seu peito
quando a encontrou entre a multidão. Deus, como ela estava linda.
Ela estava dançando com um jovem oficial bonito, que parecia
elegante e heroico em seu uniforme regimental, e Gabriel reprimiu
um acesso de ciúmes antes de perder o controle de suas emoções
o suficiente para atravessar a sala e matar o tolo à vista de todos.
Crecy olhou para cima quando seu parceiro a abordou e sorriu com
as palavras dele.
Viu, eu te disse. Você foi esquecido há muito tempo. Ela seguiu
em frente, lançando suas iscas para outro tolo patético que poderia
ser seduzido por seus encantos.
Gabriel sentiu as palavras atingirem seu coração como uma
farpa, mas ele não se moveu, teimosamente permanecendo firme
quando seu pai teria preferido que ele simplesmente se virasse e
fosse embora.
Algo havia mudado – ela estava diferente.
Agora que ele realmente olhava, era óbvio. Ela dançava com
tanta elegância quanto ele havia imaginado, e ela sorria, claramente
encantando todos ao seu redor, mas ela não era a mesma. Toda a
vivacidade, a energia e a alegria que ela parecia carregar dentro
dela tinham desaparecido. Ela parecia pálida, com o rosto abatido, e
o sorriso que ela dava não alcançava seus olhos. Ela parecia...
triste.
Ele fitou o salão de baile, observando-a enquanto ela deixava
seu parceiro e se afastava rapidamente. Ele se moveu pelos cantos
da multidão, seguindo seus movimentos enquanto ela encontrava
um lugar tranquilo entre as jovens tímidas. Gabriel observou,
franzindo a testa, enquanto ela se sentava, fechava os olhos e
pressionava os dedos enluvados contra as têmporas. Ela estava
cansada e não queria estar ali. O desejo de cruzar o salão e levá-la
embora, levá-la para casa com ele, era tão avassalador que ele teve
que se forçar a ficar parado. Enquanto continuava a observá-la, sua
raiva aumentou quando percebeu o Barão Marchmain se aproximar
dela; ela parecia surpresa, mas não descontente em vê-lo. Maldito
bastardo. August Bright era tudo o que ele não era. Encantador,
bem-quisto... são. Meu Deus, eles não formariam um casal
deslumbrante? A ideia o fez querer vomitar. Ou ir lá e quebrar o
maldito nariz do belo lorde. Isso poderia arranhar um pouco aquela
aparência perfeita.
Para sua surpresa, no entanto, Crecy não parecia estar flertando
com ele, embora visse Marchmain estender a mão e dar um breve
aperto na mão dela, o que não o fez sentir a menor simpatia por ele.
Tire suas malditas mãos dela.
No entanto, estava claro que Marchmain havia percebido que
ela não estava se sentindo bem; ele a olhava com óbvia
preocupação, e Gabriel só pôde sorrir quando estava claro que
Crecy o havia afastado com impaciência. Ela odiava ser paparicada.
Marchmain se afastou e Gabriel hesitou.
Se ele se aproximasse dela à vista de todos, as línguas
começariam a tagarelar por toda Londres. Ele nunca escolhia jovens
senhoritas. Nunca. A frustração o corroía enquanto ele tentava
descobrir como ficar a sós com ela, quando a voz embriagada de
algum idiota alcançou seus ouvidos.
— Aposto cinquenta libras que posso tê-la antes do final da
temporada.
— Você é um tolo, Tony. Ela já recusou cerca de três pedidos de
casamento que eu saiba. Um deles era o Conde de Clayton. Se
você acha que ela vai aceitar ser sua protegida, está louco.
— Eu terei a senhorita Holbrook, deitada, antes do final da
temporada, Charlie — disse a voz odiosa, e uma onda de raiva
atingiu Gabriel, tão intensamente que ele sentiu que sua cabeça
explodiria. — Você aceita?
Gabriel não pensou. Ele não considerou que estava em um
salão de baile lotado, cercado pela nata da alta sociedade. Ele
simplesmente reagiu.
Antes mesmo de seu cérebro ter tido a chance de processar a
situação, ele se virou e socou o rosto de Tony sentindo um som
gratificante enquanto quebrava o nariz do tolo. Houve gritos e
confusão, mas não notou nada, ele estava totalmente focado em
sua vítima, que havia recuado e colidido com dois outros homens,
fazendo com que todos eles caíssem no chão em um emaranhado.
Gabriel não tinha terminado, no entanto, e avançou em direção ao
homem, que realmente gritou e tentou se afastar, mas Gabriel o
alcançou, levantando-o pela sua ridícula gravata e torcendo-a em
sua mão até o homem ofegar por ar.
— Como você se atreve a pronunciar o nome dela? — disse
Gabriel, com a voz tão baixa que apenas o rapaz trêmulo e
sufocando em seu domínio podia ouvi-lo. — Você nunca, nunca
mais vai pronunciá-lo. Você não dirá a ninguém o que ou quem
causou essa confusão, apenas que era uma questão de honra, e
você nomeará seus padrinhos.
Ele soltou o jovem, que desabou, caindo de joelhos e parecendo
completamente apavorado.
— M-mas, eu não quis insultar v-você, milorde — gaguejou o
jovem, que Gabriel agora vagamente reconheceu como um tal de
senhor Anthony Bellinger, cujo pai havia sido um tolo também.
Gabriel havia tomado do pai de uma quantia considerável cerca de
cinco anos atrás. Parecia que seu filho havia herdado seus maus
modos, estupidez e covardia.
— Não — retrucou Gabriel, com a voz tranquila, embora
estivesse bem ciente de que seu rosto parecia assassino, para dizer
o mínimo. — Você não quis me insultar, porque você não teria
coragem. Você reserva sua calúnia e desrespeito para aqueles que
não podem se defender, seu filhote covarde.
— Peço p-p-erdão... — gaguejou Bellinger, claramente fora de si
de terror. — N-nunca mais vou mencionar isso... e-ela...
— Não. Você não vai. — respondeu Gabriel, olhando-o com
desprezo. — Mas você vai se encontrar comigo. Hyde Park, na pista
circular, ao amanhecer.
Gabriel se virou e se afastou, e a multidão se abriu, todos
olhando-o como se um monstro tivesse aparecido no meio deles.
Ele não os olhou, nunca olhava. Quem se importava com o que
pensavam dele? Nada de novo, isso era certo. Ele não se
arrependia do que havia feito, nem um pouco, mas lamentava sair
sem olhar nos olhos de Crecy. Ele queria ver a reação dela à sua
chegada, julgar se algo do que ele acreditara sobre ela, antes que
suas esperanças fossem frustradas era verdade. Mas ela saberia
que ele esteva ali, pensou com um sorriso sombrio. As colunas de
fofocas ecoariam essa história por semanas. Ele só teria que ver o
que ela faria a respeito.
***
Crecy encarava o vazio, visões de um passado mais feliz e de
um futuro bastante sombrio competiam por espaço em sua mente
tumultuada. A ideia de nunca mais ver Gabriel e ter que voltar para
casa para confessar a Belle o que tinha feito era terrível demais. Se
ela já se sentia mal antes, essa ideia era o suficiente para fazê-la
tremer em seus sapatos de cetim.
No entanto, seus pensamentos atribulados foram interrompidos
por gritos e confusão, e ela se levantou, seus próprios problemas
momentaneamente deixados de lado pela curiosidade. Ao se
movimentar mais pelo salão de baile, ela viu a fonte do distúrbio à
medida que a multidão recuava, afastando-se da cena. Uma briga!
Meu Deus, que chocante, uma briga de verdade no meio de um
salão de baile. Crecy quase sorriu com as expressões de horror
absoluto nos rostos ao seu redor, com a ideia de que tal
comportamento nada cavalheiresco lhes tivesse sido imposto. E,
então, ela viu os dois homens envolvidos.
Um deles era Anthony Bellinger, que parecia ter levado a pior, já
que o sangue jorrava de seu nariz e ele parecia estar implorando
por sua vida. Ótimo. Ele era um homem repugnante, insinuante e
que tinha assustado Crecy. Ele havia feito alguns comentários
desagradáveis e completamente inadequados a ela e estava
sempre tentando ficar a sós com ela. Certo ou errado, ela não pôde
deixar de sentir um certo prazer ao vê-lo finalmente receber o que
merecia. O homem que o segurava com firmeza claramente estava
no controle da situação, era um homem grande e...
O coração de Crecy deu um salto, esperança e alegria e uma
terrível ansiedade crescendo em seu peito.
— DeMorte o desafiou — disse uma voz escandalizada, ao
passo que o sangue de Crecy gelava.
— Então Bellinger está morto — veio a resposta. — Ele matou
Lorde Aston na hora. Um tiro na cabeça. Bem no meio dos olhos,
ouvi falar.
— Oh, não, Gabriel — sussurrou Crecy. Não que ela se
importasse com Bellinger, mas não podia deixar Gabriel se tornar o
monstro que ele acreditava ser.
Ela avançou, esforçando-se para abrir caminho pela multidão,
que estava ansiosa para dar uma olhada na escandalosa cena que
manteria suas línguas ocupadas até o final da temporada. Crecy viu
Gabriel virar-se, afastando-se enquanto as pessoas se afastavam
para deixá-lo passar, e ela o seguiu apressadamente.
Felizmente, todos estavam muito ocupados discutindo o evento
monumental entre eles para observar as portas, e Crecy escapou do
salão de baile. Ele já estava quase chegando às portas externas
quando ela conseguiu alcançá-lo.
— Gabriel!
Crecy prendeu a respiração quando ele parou subitamente. Se
ele continuasse caminhando, ela saberia que estava por conta
própria, mas talvez, talvez se ele se virasse, talvez ainda houvesse
alguma esperança para eles.
O tempo pareceu se esticar e Crecy pôde ouvir seu sangue
pulsando em seus ouvidos.
— Gabriel — disse ela novamente, mais suavemente desta vez,
suplicando... e ele se virou.
Capítulo 22
“No qual... há um reencontro, de certa forma.”

Crecy correu na direção dele, desejando nada mais do que


abraçá-lo, mas hesitou quando viu sua postura enrijecida. Ele ficou
olhando para ela, perfeitamente rígido, com o rosto impassível.
— Olá — disse ela, indecisa se queria chorar e se enfurecer
com ele ou apenas se jogar a seus pés. Ela estava sorrindo, no
entanto, com o coração cheio de esperança. Certamente, havia
esperança, não é? Tinha que haver.
Gabriel não disse nada, seus olhos agora desconfiados.
— Você não deveria estar aqui fora — disse ele, com a voz firme
e brusca. — Se você quiser ter alguma chance de conseguir um
marido, vai se arrepender de ser pega aqui comigo.
O sorriso de Crecy desapareceu, mas ela não conseguia ficar
com raiva dele. Agora, ele a olhava como se ela fosse uma ameaça,
como se representasse um perigo para ele, e ela sabia o quanto ele
tinha sido ferido.
Ela se aproximou, lentamente, como se estivesse se
aproximando de um animal ferido e selvagem, e sorriu um pouco ao
perceber que era exatamente isso.
— Vou lhe dizer agora o que já disse antes, Gabriel — disse ela,
mantendo a voz suave. — E vou continuar dizendo até você
acreditar. Eu nunca vou me casar. Vou ficar com você ou com
ninguém, e se você quiser voltar para aquele salão de baile agora
mesmo comigo a seu lado, estou pronta para fazer isso.
A expressão de Gabriel permaneceu feroz por um momento e
depois ele desviou o olhar, cruzando os braços. — Venha para cá
antes que alguém te veja — disse ele, com a voz rouca e um tanto
relutante, enquanto indicava um canto mais isolado. Pelo menos ele
ainda parecia se importar com ela.
— Por que você atacou Bellinger? — perguntou Crecy,
perguntando-se o que o tinha irritado tanto para tal explosão
violenta.
— Por quê? — perguntou ele, com evidente sarcasmo em sua
voz. — Ele era um dos seus pretendentes?
Crecy sentiu uma explosão de raiva e lutou para controlá-la. —
Não — disse ela, a palavra soando ríspida e irritada ao mesmo
tempo. — Ele é um libertino repugnante e mal-educado, e nunca
fiquei tão feliz em ver alguém ser humilhado. Eu queria aplaudir
você, se quer saber — acrescentou ela, cruzando os braços para
imitar a postura defensiva dele.
Gabriel pareceu um pouco surpreso e, em seguida, seu
semblante ficou ainda mais sombrio.
— Ele te tocou? — exigiu saber ele, relaxando os braços ao lado
do corpo enquanto se aproximava dela. — Ele te machucou?
Crecy ficou instantaneamente tocada, completamente abalada
pela preocupação e pelo medo em seus olhos.
— Não — disse ela, sorrindo para ele e desejando tanto
alcançar e tocar seu rosto querido que isso causava uma dor sob
sua pele. — Não. Ele me deixou muito desconfortável e eu o detesto
intensamente, mas nada além disso.
Ele pareceu soltar um suspiro de alívio, mas aquela expressão
rígida e fria o envolveu novamente.
— Não o encontre, Gabriel — disse ela, sua voz suplicante
enquanto ousava dar mais um passo à frente. — Por favor, não.
— Por quê? — exigiu saber ele, seus olhos brilhando agora de
raiva.
Ela estendeu a mão hesitante e pousou no braço dele, sentindo
o músculo sob o fino tecido, perfeitamente rígido de tensão.
— Porque estou assustada, Gabriel. — Ela ousou dar mais um
passo à frente, olhando para cima na direção dele e sentindo as
lágrimas ameaçando escapar em seus olhos. — Mesmo um tolo
como Bellinger pode ter sorte, e mesmo que ele não tenha, isso vai
machucar você, Gabriel. Matar um homem simplesmente por causa
de palavras raivosas é tolo e deixará uma marca em sua alma. Por
favor, meu amor, não faça isso.
Uma expressão incerta fixou-se em seus olhos e ele encarou o
chão, longe de seu olhar.
— Eu já o desafiei, agora, não há como recuar. — Seu rosto
ficou frio mais uma vez e ele lhe deu um sorriso um tanto
desagradável. — É uma questão de honra.
Crecy engoliu em seco, sabendo que sua voz iria tremer, mas
precisava dizer as palavras. — Você tem mais honra do que
imagina, Gabriel, certamente muito mais do que a maioria das
pessoas naquele salão.
Ele bufou, incrédulo. — Você dizendo isso? — zombou ele,
balançando a cabeça e afastando o braço de sua mão.
— Eu sabia o que estava fazendo — disse Crecy, sentindo-se,
de repente, cansada e exausta. Ela não tinha mais energia para
lutar tão intensamente com ele, para lutar contra os fantasmas de
seu passado que sussurravam constantemente palavras vis em sua
mente. — Não tenho arrependimentos.
Ele olhou ao redor, talvez ouvindo a mudança em seu
comportamento. De repente, ele pareceu preocupado e, pelo
menos, isso aqueceu o coração dela.
— O que está acontecendo? — As palavras foram uma
indagação imperiosa. Ele sabia que alguma coisa estava errada. Ela
sorriu ao ouvir isso, sabendo que o tom severo escondia ansiedade,
mas apenas balançou a cabeça. Ela choraria se dissesse mais. —
Diga-me — insistiu ele, quando se aproximou dela. Ele tocou seu
rosto, um dedo levantando seu queixo para que ele pudesse olhar
para ela. — Você está pálida — disse ele, escondendo sua
crescente preocupação com uma voz rude. — Você não está
dormindo direito?
Ela balançou a cabeça, o que só piorou as coisas, pois uma
onda de tontura a atingiu e ela foi forçada a se segurar nele.
— Crecy! — exclamou ele, com uma verdadeira preocupação
audível agora. — Você está doente?
Crecy engoliu em seco, o que restava de sua autodisciplina
desapareceu na presença dele. — N-não doente — sussurrou ela,
quando seus olhos começaram a se encher, mas se forçou a
encarar o seu olhar.
Gabriel a encarou, sem compreender a princípio, mas ela viu o
momento em que suas palavras foram assimiladas.
Ele arfou e recuou, e ela se perguntou se havia cometido um
terrível erro, e, então, contraiu a mandíbula.
— De quem é?
Por apenas um momento, a dor de suas palavras a deixou sem
fala, ou qualquer capacidade de reagir, mas não por muito tempo.
Ela o esbofeteou. Crecy colocou tudo o que tinha naquele único
golpe e a dor ardente assolou a palma de sua mão, fazendo seus
olhos lacrimejarem e as lágrimas transbordarem.
— Como pôde? — disse ela, embora estivesse mais magoada
do que brava agora. Era demais. Ela não podia enfrentar mais da
raiva e da dor dele, não agora. Então Crecy começou a se afastar.
— Crecy! — Ela foi impedida por uma grande mão em seu
braço, embora o aperto fosse gentil. Ela parou, olhando para ele
com lágrimas escorrendo pelo rosto. — Eu... eu não deveria ter dito
isso.
— Não! — disse ela, com toda a dignidade que pôde reunir
enquanto tentava enxugar as lágrimas com sua mão enluvada. —
Você não deveria.
Ele ficou em silêncio por um longo momento, sua mão ainda
segurando seu braço, mas agora sua presença era reconfortante,
esperançosa.
— Você tem certeza? — perguntou ele, sua voz baixa e uma
expressão em seus olhos que ela não conseguia ler completamente,
mas achou que ele parecia estar com medo.
Crecy assentiu, sabendo que simplesmente desmoronaria se
tentasse falar. Gabriel soltou o ar, passando uma mão pelo cabelo.
— Não podemos discutir isso aqui — disse ele, franzindo a testa
agora, e ela sentiu sua frustração. — Você pode sair escondida?
— Sim — disse ela, embora na verdade fosse difícil. Ela tinha
certeza de que Lady Russell não confiava nela nem um pouco.
Gabriel assentiu. — Vá até o Hatchard's. Eu mandarei uma
carruagem buscá-la do lado de fora e trazê-la até mim, amanhã de
manhã, às dez.
Crecy assentiu, sorrindo novamente agora, e as lágrimas que
ela estava tentando desesperadamente conter eram agora de
felicidade, já que sentia que sua fé nele havia sido justificada. Ela
ainda não estava fora de perigo, mas se ele conversasse com ela,
com certeza poderia conquistá-lo, certo?
— Sim — conseguiu dizer ela, sua voz um pouco incerta. —
Mas, e quanto a Bellinger?
Gabriel emitiu um som de irritação, parecendo zangado e
indignado naquele instante. — Ah, pelo amor de Deus. Tudo bem!
Eu não vou matar o maldito idiota, se isso vai fazer você ficar
chorando pelas tabelas.
Crecy riu, um som surpreendente, já que fazia tanto tempo
desde que ela mesma tinha ouvido. — Oh, Gabriel, eu te amo, quer
você queira ou acredite.
Por um momento, houve um lampejo de algo em seus olhos,
algo acolhedor e esperançoso, mas logo foi omitido. Ele resmungou,
mas não disse nada, e Crecy estendeu o braço, segurando sua mão
e levando-a ao rosto.
— Prometa-me que será cuidadoso.
Ele franziu um pouco a testa, mas assentiu bruscamente.
— Dez horas amanhã — repetiu ele, evitando o olhar dela.
— Eu estarei lá, Gabriel.
***
Gabriel esperava na névoa úmida de uma manhã de abril na
pista circular, no Hyde Park. Estava frio e nublado, e ele preferia
muito mais estar em sua própria cama, mas estava decidido a não
deixar um sacana de quinta categoria como Bellinger sair impune.
Especialmente depois das palavras de Crecy. A vontade de acertar
uma bala no sujeito era tentadora. Felizmente, não havia uma alma
à vista além de seu oponente, que havia ido vomitar atrás de uma
árvore, e os amigos idiotas do sujeito. A última coisa que ele
precisava era que a Polícia ficasse sabendo disso.
Gabriel olhou quando o padrinho de Bellinger se aproximou
dele, claramente parecendo que queria usar a árvore do amigo o
mais rápido possível.
— Milorde — disse o homem, mal conseguindo encontrar os
olhos de Gabriel. Havia alguma satisfação em ser considerado um
monstro, afinal de contas, refletiu Gabriel, sorrindo interiormente. —
O senhor Bellinger está realmente arrependido por ter insultado a
jovem daquela maneira abominável e gostaria de oferecer suas
sinceras desculpas.
— Estou bastante certo de que ele gostaria — disse Gabriel,
com o que sabia perfeitamente bem ser um sorriso bastante
desagradável. — Eu, no entanto, não aceito. Marque os pontos e
vamos acabar logo com isso.
O amigo dele empalideceu, concordando com rigidez, e Gabriel
observou atentamente enquanto o terreno era medido e uma
espada cravada no chão para marcar as posições de tiro para
ambas as partes. Uma vez que isso foi feito, Gabriel bateu na porta
da carruagem para indicar ao médico que seus serviços poderiam
ser necessários. Ele também chantageou um indignado senhor
Rufford – que lhe devia uma grande quantia – para ser seu
padrinho, e este senhor agora levava as pistolas de Gabriel para
Bellinger, para que o sujeito pudesse inspecioná-las e fazer sua
escolha.
Feito isso, Rufford apresentou o estojo a Gabriel, que pegou a
pistola restante. Com um sorriso irônico, ele percebeu que Bellinger
havia pegado a que seu pai tinha usado para dar um tiro na própria
cabeça. Dava para ver, pois havia um pequeno entalhe na madeira
polida da coronha. Não seria irônico se Bellinger tivesse sorte, como
Crecy temia, e Gabriel fosse morto com a mesma arma? Quase
poético. Se não fosse pela revelação de Crecy na noite anterior, ele
provavelmente teria torcido por isso. Mas seus pensamentos sobre
o assunto ainda estavam muito confusos e ele precisava de tempo
para decidir o que fazer.
Rufford indicou para ele se aproximar, e ele encarou Bellinger,
que se dirigiu para a sua posição, pálido como a morte e parecendo
que iria chorar a qualquer momento. Eles ficaram de costas um para
o outro e, em seguida, quando o sinal foi dado, eles se afastaram
para suas posições de tiro. Gabriel alcançou sua arma e começava
a girar quando o som de um tiro ricocheteou no parque vazio.
Gabriel girou e viu que Bellinger tinha atirado nele, enquanto ele
ainda estava de costas, e tinha errado feio. O sujeito parecia prestes
a fugir, seu padrinho obviamente sentindo o mesmo, gritando com
Bellinger para que esperasse.
Gabriel levou o tempo necessário, erguendo a pistola e mirando.
Seria fácil, livrar-se desse sujeito desagradável, mas Crecy não
ficaria satisfeita com ele – para dizer o mínimo. Ele atirou no chão
antes de entregá-la a Rufford e lançar a Bellinger mais um olhar de
desprezo.
— Sugiro que fique fora do meu caminho no futuro, Bellinger —
disse ele, observando com desprezo enquanto o homem se sentava
com dificuldade no chão úmido e colocava a cabeça entre as mãos.
Após levar Rufford de volta à sua casa, Gabriel retornou à sua
própria para passar as intermináveis horas até ser hora de enviar
uma carruagem para Crecy. Ele não enviaria sua própria carruagem,
pois seu brasão era muito distinto, então, uma carruagem alugada
teria que ser arranjada. Pelo menos ele tinha tempo suficiente para
se vestir e se preparar, começando a essa hora pavorosa.
Ele começou a se lavar com os pensamentos emaranhados. A
ideia de Crecy carregar seu filho trouxe uma gama de emoções
aterrorizantes com as quais ele simplesmente não sabia como lidar,
e o tempo todo podia ouvir as instruções de seu pai para ele.
Expulse-a, mande-a de volta para Edward, deixe-o criar um
bastardo DeMorte. Isso é quase tão bom quanto destruí-lo, Gabriel,
arruinará sua reputação, o tornará motivo de riso quando uma parte
de você morar em sua própria casa. É nossa vingança!
— Sua vingança, não a minha, pai.
Ele teria que te desafiar por isso... finalmente podemos acabar
com isso.
Oh, Deus, a ideia de um fim para esse tormento, para esse
pesadelo que ele vivia, era realmente adorável. Mas ele poderia
fazer isso com Crecy? Ele realmente poderia afastá-la?
Seu peito apertou, a dor irradiando de seu coração. Ele poderia
fazer isso com seu próprio filho? Ele quebrou a cabeça, tentando
pensar em uma maneira de ter tudo.
— Edward pode se livrar do filho, ela pode não receber os
cuidados adequados, ela pode perdê-lo. Eu não posso arriscar isso
— argumentou ele, sabendo que era apenas uma desculpa, mas
agarrando-se a ela, de qualquer maneira. — Melhor mantê-la por
perto, pelo menos até o nascimento da criança. Então, a levarei de
volta, com o bebê em seus braços. Então, Edward não terá escolha.
Seu pai permaneceu em silêncio sobre o assunto e Gabriel
considerou isso uma vitória, ou, ao menos... um adiamento
temporário.
Capítulo 23
“No qual Crecy deve seguir seu próprio conselho.”

Por volta de dez e quinze, Gabriel estava andando de um lado


para o outro na sala de estar de sua casa em Londres, com um nó
no estômago. A voz de seu pai ainda ecoava em seus ouvidos e
todas as suas ansiedades simplesmente se acumulavam até que ele
sentisse que poderia ceder sob o peso delas. E se a criança fosse
como ele, como seu próprio pai? E se crescesse louca, maligna e
perigosa?
E então, ele ouviu vozes na porta, e lá estava ela.
Gabriel ficou sem ar enquanto ela era conduzida à sala de estar,
e dispensou o mordomo com um aceno de cabeça. O homem, que
Gabriel havia decidido que desgostava intensamente, fez uma
carranca desaprovadora por ele estar sozinho com uma jovem
senhorita, mas se moveu um pouco mais rápido quando a
expressão de Gabriel superou a sua.
A porta foi fechada e Gabriel se perguntou o que Crecy faria. Ela
correria até ele? Ela havia querido na noite passada. Ele tinha
certeza disso. Ele queria que ela o fizesse. Mas agora ela hesitava
no limiar, parecendo um pouco ansiosa e estranhamente insegura.
Ele não gostou de ver isso.
— Estou tão feliz que você está a salvo — disse ela, a
sinceridade em sua voz combinada com sua expressão, embora
seus olhos estivessem preocupados, e ela deu um passo à frente.
— Você não está machucado, está?
Gabriel balançou a cabeça, recusando-se a admitir que estava
tocado por sua preocupação. Ela soltou um suspiro. Os dois ficaram
parados, olhando um para o outro, mas é claro que foi Crecy quem
falou primeiro.
— Estou voltando para Longwold esta tarde — disse ela,
olhando para cima na direção dele e depois desviando o olhar
novamente. — Eu não contei a Belle sobre... sobre nada — disse
ela, a voz baixa. — Mas eu não vou poder esconder por muito mais
tempo, então, eu pedi se poderia voltar... voltar para casa.
Quase quatro meses, ele percebeu, ela estava perto dos quatro
meses de gravidez.
Gabriel assentiu à medida que os planos começaram a se
formar em sua mente. Seria muito mais fácil em Longwold. Ele havia
se perguntado como afastá-la de todos sem ser vista. Embora não
demorasse muito para a história se espalhar se ela fugisse com ele.
A ideia das pessoas falando mal de Crecy despertou nele um
sentimento de proteção desconhecido. Eles se arrependeriam se o
fizessem.
Mas não era isso que ele queria, envergonhar e desacreditar a
família Winterbourne, manchar seu bom nome como o dele havia
sido manchado por eles? Para fazer isso, Crecy teria que ser
sacrificada. Ele fechou a cara.
— Não se importa nem um pouco, Gabriel? — A voz de Crecy
era fraca e hesitante, e Gabriel se preparou para a enxurrada de
emoções que o atingiu. Ele não queria isso, não podia fazer isso.
Ele não queria machucá-la, mas também não podia ajudá-la, não da
forma como ela merecia ser ajudada. Droga, por que ela tinha se
lançado em sua vida?
— Você quis dizer o que disse? — perguntou ele, sentindo-se
muito vulnerável para responder a essa pergunta específica.
— Eu quis dizer tudo o que já disse a você — respondeu ela,
movendo-se para sentar-se enquanto Gabriel percebia que deveria
tê-la convidado a fazer isso há dez minutos. Ela parecia cansada e
frágil, e um sentimento desconhecido em seu peito fez seu coração
se contrair. — Mas algo em particular?
Gabriel assentiu. — Você disse... você disse que iria embora
comigo.
Ele observou, curioso e surpreso, enquanto um peso parecia
sair dos ombros dela. Por apenas um breve momento, ela fechou os
olhos e, em seguida, sorriu para ele, um sorriso verdadeiro,
apropriado que iluminou seu rosto e fez com que se lembrasse
exatamente como os dias com ela tinham sido, o que parecia uma
eternidade atrás.
— Sim, Gabriel. Estava falando sério.
Gabriel sentiu o mesmo alívio passar por ele e lutou para mantê-
lo escondido, mas os olhos de Crecy estavam pregados nele. Por
que ele sentia que ela enxergava diretamente através dele? Gabriel
virou-se de costas para ela, sentindo-se muito exposto, e foi ficar ao
lado da lareira. Ele se distraiu rearranjando os itens no lintel da
lareira.
— Iremos embora no dia dezesseis. Vou trazer a carruagem até
o final da entrada em Longwold para encontrá-la.
— Posso cavalgar até Damerel — ofereceu ela, mas Gabriel
balançou a cabeça.
— Não. — Se ela caísse em sua condição... Ele se sentiu frio e
em pânico só de pensar nisso. — Você não poderá trazer nada, mas
eu fornecerei tudo o que você precisar — disse ele, odiando-se por
soar como se estivesse negociando um acordo comercial em vez de
fugir com sua amada.
— Está bem — disse ela, e ele pôde sentir o peso de seu olhar
nas suas costas. Ele deveria se virar, ele deveria dizer... alguma
coisa. Ele deveria dizer que sentia muito, que... que sentiu saudade
dela. Ele tinha sentido saudade dela.
Ele apertou a mandíbula. Não, ele não tinha sentido saudade
dela, pensou com um rompante de raiva. Sentir falta dela implicava
um desejo saudoso de ver alguém novamente, e não tinha sido
assim. Tinha sentido como se alguém tivesse arrancado seu
coração com uma lâmina cega e preenchido o vazio com sal. Tinha
sentido como se estivesse perdendo o controle do mundo – de si
mesmo. Parecia uma morte eterna sem esperança de paz no final
de todo o sofrimento.
— Não posso ficar muito tempo, Gabriel. — O arrependimento
por trás das palavras era óbvio, e ele se virou então. — Lady
Russell suspeita, eu acho — disse ela, colocando a mão sobre o
estômago. A visão desse gesto protetor despertou algo em Gabriel,
algum desejo há muito abandonado de saber o que era ter uma
família, um lugar ao qual pertencia, talvez até um lugar onde era
amado.
Não seja tão repugnantemente sentimental. Ninguém poderia
amar você.
Ele desviou o olhar, sentindo-se como se estivesse sendo
dividido em várias direções diferentes ao mesmo tempo. Ele não
sabia mais quem era, o que deveria fazer. Antes de Crecy ter
entrado em sua vida, tudo era bem simples. Ele era odiado e
desprezado, não tinha ninguém além de si mesmo, e era assim que
ele gostava. Mas agora...
— Eu sinto muito, Gabriel.
Ele foi surpreendido pelo pedido de desculpas, imaginando pelo
que diabos ela estava se desculpando.
— Por não ter contado a você. Deveria ter feito isso. Sei que
deveria. Desculpe tê-lo magoado.
Gabriel sentiu um rubor corar suas bochechas e virou-se, indo
em direção à janela. Estava na ponta da língua refutar isso, zombar
e dizer que não se importava nem um pouco, mas seria uma mentira
deslavada. Ela conseguiria enxergar através dele, e isso seria mais
humilhante do que ele poderia suportar.
— A que horas devo encontrá-lo? — Ele percebeu que ela
estava tentando poupá-lo de mais constrangimentos, mudando de
assunto, e ele respirou fundo, voltando-se para encará-la. Sim.
Melhor ater-se aos detalhes. Ele poderia fazer preparativos, pelo
menos nisso ele era bom.
— Quando você pode sair sem ser vista? — perguntou ele,
imaginando o que ela faria se ele fosse até ela e a tomasse em seus
braços. Estaria ela tão disposta como antes? Ela lhe daria um tapa,
ou seria fria e repreensiva? Ele mal podia culpá-la.
— Depois do café da manhã, acho, digamos, dez e meia, para
garantir. Eu não quero fazê-lo esperar se eu me atrasar.
Ele concordou com a cabeça, e Crecy se levantou. Ela hesitou
por um momento, e ele sentiu uma centelha de esperança de que
ela poderia se aproximar dele. A esperança cresceu à medida que
ela deu alguns passos para mais perto, mas ela estava tão hesitante
que ele sentiu remorso pelo estrago que havia feito. Gabriel reduziu
a distância, pensando que, pelo menos, devia a ela isso, e ela se
aproximou, dando-lhe um beijo suave na bochecha.
Gabriel fechou os olhos pelo breve momento em que seus lábios
tocaram sua pele, com lembranças de outros beijos apaixonados
fáceis de recordar.
— Adeus, então — disse ela, e, antes que ele pudesse formular
algo de significativo, algo que ele deveria dizer depois de tudo o que
havia feito... ela já tinha ido embora.
***
Crecy acenou para sua irmã, dando-lhe um sorriso brilhante e
desejando não se sentir como uma traidora. Depois de tudo o que
Belle tinha feito por ela, fazer isso com ela era tão injusto. Mas ela
não podia, não desistiria de Gabriel. Belle tinha Edward que a
protegeria de qualquer coisa que o mundo pudesse dizer ou fazer.
Aqui em Longwold, elas estavam protegidas do pior. Nenhuma das
duas se importava muito com o mundo do lado de fora dos portões
do enorme castelo, e, em breve, haveria uma distração alegre para
impedi-las de se preocupar com o comportamento terrível de Crecy.
Belle estava grávida. Crecy estava certa disso, e resistir ao
desejo de confidenciar para sua irmã havia sido uma tarefa difícil.
Belle tinha sido uma mãe para ela quando a própria mãe de Crecy
não se importava, e depois disso, nos anos após a morte da mulher.
O fato de compartilharem mães diferentes nunca importou para
nenhuma delas. Eram irmãs, e sempre cuidaram uma da outra. Mas,
se Belle descobrisse sobre a criança, iria querer que Crecy
aceitasse uma das propostas de casamento que havia recebido com
a máxima urgência, para garantir sua segurança – e isso ela não
podia fazer. Então, ela teria que enganar sua irmã e amiga mais
querida, e a ideia da dor de Belle quando descobrisse a verdade era
suficiente para fazê-la querer chorar inconsolavelmente. Por isso,
ela não pensou duas vezes. Ela não tinha mais opções. Ela havia
depositado sua fé, confiança e todas as suas esperanças em
Gabriel, e não duvidaria dele agora.
No entanto, ocorreu a ela que ele poderia duvidar dela. Então,
ela estava a caminho da vila sob o pretexto de enviar um pacote
para Lady Russell agradecendo por sua gentileza, mas, na verdade,
para enviar uma carta a Gabriel. Era apenas um bilhete,
assegurando a ele que estava pronta para partir e que o encontraria
como combinado. Amanhã, ela se entregaria inteiramente em suas
mãos. Crecy só podia rezar para que ele não a decepcionasse. Seu
último encontro com ele havia sido difícil. Ela havia desejado tanto
correr até ele, abraçá-lo e dizer que o perdoava, que nunca o
deixaria, mas sentia que ele não acreditaria em tais declarações. Ele
precisava vir até ela, em seu próprio tempo, e ela precisava dar a
ele o espaço para fazer isso, para aprender a confiar nela. Mas era
terrivelmente difícil de fazer.
Naquela noite, Crecy estava completamente tensa, com seus
nervos convencendo-a de que estava prestes a fazer algo terrível e
que a observavam a cada passo. No entanto, aconteceu de Belle ter
suas próprias preocupações, pois havia brigado com Edward, que
tinha outra vez saído repentinamente.
— Ele estará de volta em breve, Belle. Edward está muito
melhor do que antes, qualquer um pode ver isso. — Crecy sorriu
com simpatia para a sua irmã. — Ele só precisa se acalmar, você
sabe disso. Assim que ele se acalmar, voltará aqui pedindo perdão.
Belle sorriu para ela e assentiu, mas não parecia muito
confortada.
— Vamos lá — disse Crecy, vendo o quanto Belle parecia pálida
e sentindo-se bastante simpática. Ela fez um gesto na direção da
tigela de sopa intocada à sua frente. — Coma. Você precisa se
manter forte.
A boca de Crecy se contorceu um pouco enquanto falava,
sabendo o que estava insinuando, e Belle estreitou os olhos para
ela.
— O que você quer dizer com isso? — quis saber sua irmã.
Crecy sorriu, olhando para sua própria sopa e não tendo
vontade de comê-la, também. — Belle, eu te conheço melhor do que
a mim mesma. Você nunca teve uma queda por chá de hortelã, e
sempre adorou carne de porco e cordeiro assados. Especialmente,
os cortes gordurosos. — Crecy riu com diversão enquanto Belle
engolia com dificuldade. — Estou tão feliz por você — acrescentou,
com um amplo sorriso, embora a tristeza a atingisse. Ela veria o
filho de Belle? Seus filhos cresceriam juntos, brincariam juntos?
Claro que sim, repreendeu a si mesma. Não havia dúvida em sua
mente de que Belle não a abandonaria, acontecesse o que
acontecesse. O pensamento a animou um pouco. — Espero que
seja um menino — disse, com um brilho malicioso nos olhos. — Vou
ensiná-lo a brincar na terra, a distinguir um crânio de texugo de um
de raposa e como domar uma pega-rabuda.
— Tenha piedade, Crecy — disse Belle, parecendo um pouco
alarmada quando Crecy estendeu a mão e pegou na dela. — Além
disso — acrescentou sua irmã com um resmungo —, provavelmente
é uma menina.
Crecy franziu os lábios. — Na verdade, isso é ainda melhor —
acrescentou após um momento de reflexão. — Vou ensiná-la as
mesmas coisas, e ela será muito mais interessante do que todas as
outras debutantes que fazem pose quando crescer. — Crecy deu
uma risada sombria enquanto olhava para Belle. — No fundo, você
me ama — provocou, mostrando a língua para Belle até que ela
cedesse e risse. Ela soltou a mão de Belle e perguntou-se até que
ponto testaria esse amor. Ela precisava escrever uma carta e tentar
explicar, pelo menos um pouco, para que quando descobrissem que
tinha fugido, não se preocupassem demais.
Crecy tentou deixar de lado seus próprios problemas e dar
atenção para Belle.
— Edward sabe? — perguntou ela, sua voz mais suave agora.
Belle balançou a cabeça. — Eu queria contar a ele, mas tenho
medo de como ele vai reagir, e depois de hoje...
Embora os pensamentos mórbidos de Edward estivessem
diminuindo e tornando-se mais administráveis à medida que ele
aprendia a confiar em Belle e a deixava entrar, mais e mais deles
incluíam Belle e giravam em torno de seus medos por ela. Como se
os medos que surgiram de suas experiências na guerra tivessem se
transferido para seus medos por sua esposa à medida que ela se
tornava mais importante para ele. Crecy entendia bem que Belle
estava preocupada em revelar sua gravidez a ele.
— Você não deve dizer nada — disse a Crecy, que a encarou,
magoada por Belle sequer sugerir isso.
— Como se eu fosse fazer isso!
Belle suspirou e assentiu. — Perdoe-me — disse ela, parecendo
cansada e preocupada e bastante desgastada. Mais uma vez, Crecy
desejou poder confiar em Belle, dizer a ela que sabia exatamente
como ela se sentia, mas isso era impossível.
Uma batida na porta as assustou, ainda mais porque Garrett e
os outros funcionários costumavam fazer um som de arranhão, o
que Edward dizia ser mais reconfortante para os nervos.
Um momento depois, o mordomo de Edward, Garrett, entrou
pela porta, parecendo atipicamente desalinhado. — Perdoe a
intromissão, milady, mas devo pedir permissão para ir ajudar no
celeiro sul. Está pegando fogo, e com o vento soprando como está,
ele poderia atingir o castelo também, se não agirmos rápido.
— Minha nossa! — exclamou Belle, pousando a colher com um
barulho.
— Por favor, milady — implorou Garrett, parecendo horrorizado
por tê-la assustado. — Não há motivo para preocupação. Tomei a
liberdade de pedir ajuda para as pessoas do vilarejo, teremos isso
sob controle em pouco tempo.
— E Lorde Winterbourne? — exigiu saber Belle, enquanto Crecy
se levantava e atravessava a mesa para pegar na mão de sua irmã.
— Ainda não vimos o marquês — respondeu Garrett, mas
estava obviamente ansioso para partir, então Belle o dispensou com
um pedido para ter cuidado.
Crecy abraçou Belle, apertando-a com força. — Ele ficará bem,
Belle. Você sabe que ele estará escondido em algum lugar da
floresta como sempre faz.
Belle assentiu, concordando, mas Crecy podia ver que ela
estava aterrorizada.
— O celeiro sul está cheio de feno — disse Belle, seus olhos
fixos em Crecy. Nenhuma das duas disse nada. Ambas sabiam o
quão rápido aquilo poderia queimar se o fogo se alastrasse.
— Não posso ficar aqui imaginando o que está acontecendo! —
exclamou Belle, levantando-se. Crecy assentiu e as duas se
apressaram em pegar suas peliças antes de saírem às pressas.
Capítulo 24
“No qual ocorre um desastre e muita coisa é revelada.”

— Ai, meu Deus — exclamou Crecy enquanto contemplavam a


cena assustadora e segurava a mão de Belle.
O ar estava cheio de uma fumaça acre que prendia no fundo da
garganta, e Crecy se assustou com o barulho do fogo. As chamas
estalavam alto no céu noturno acima delas e faíscas saltavam para
o alto e fuligem caía em flocos macios e escuros ao redor delas.
Havia pessoas por toda parte e gritos enquanto as ordens eram
dadas. Os habitantes da vila compareceram em massa,
determinados a ajudar. Crecy não pôde deixar de perguntar-se se
teriam corrido para ajudar Gabriel tão rapidamente. Ela de alguma
forma duvidava disso. Baldes de água eram enchidos e lançados no
incêndio, todos trabalhando com afinco, homens com as mangas de
camisa dobradas e suor na testa, mas parecia uma tarefa
impossível, já que as chamas simplesmente cresciam cada vez
mais.
Elas procuraram na multidão, desesperadas para ver Edward e
saber que ele estava seguro.
— Você viu Lorde Winterbourne? — perguntava Belle
repetidamente, recebendo um desanimador balançar de cabeça de
um rosto cansado e sujo de fuligem mais uma vez.
Crecy virou-se quando uma voz chamou atrás dela. — Ele está
no celeiro.
Belle girou aterrorizada e Crecy apertou a mão dela com mais
força.
— O quê? — exclamou ela, enquanto o jovem apontava, com
sorte, para o celeiro menor, e não para o ao lado, que estava
pegando fogo como um inferno.
Crecy olhou para as chamas e sentiu seu coração gelar. O
celeiro menor pegaria fogo a qualquer momento.
— Por quê? — gritou Belle, avançando. — O que ele está
fazendo? — Crecy podia ouvir o medo em sua voz, e ambas
olharam em volta quando o mordomo de Edward, Garrett, correu até
elas, parecendo extraordinariamente desalinhado.
— Ele está serrando a viga, milady. Eles vão usar os cavalos
para derrubar o telhado para que o fogo não se alastre. — Belle
ofegou e Crecy se agarrou a ela, rezando para que tudo desse
certo. Belle tinha sacrificado demais, tentado demais fazer seu
casamento dar certo. Seria cruel demais, agora, perder o homem
que ela amava. — Agora você vai ficar aqui — ordenou Garrett,
soando surpreendentemente autoritário. — Ou milorde vai se
preocupar, e eu vou ser dispensado se deixar que dê mais um
passo — acrescentou, seu tom não aceitando argumentos.
— Mas, Garrett — suplicou Belle, olhando, com horror, para a
fumaça que saía do celeiro menor. Crecy podia sentir o quanto Belle
estava tremendo e só conseguia se agarrar a ela, oferecendo o
apoio que podia, mas Belle começou a avançar.
— Não, milady — disse Garrett, sua voz firme e seu aperto em
seu braço ainda mais firme. — Agora não é apenas você com que
nos preocupamos.
Ambas as irmãs encararam o mordomo com espanto, e Crecy
notou um olhar paternal em seus olhos.
Antes que pudessem comentar sobre o notável sexto sentido de
Garrett, um rugido ensurdecedor atingiu os ouvidos de Crecy, assim
como uma explosão de calor tão intensa que fez sua pele formigar e
ficar tensa. O celeiro sul desabou, lançando chamas, faíscas e
destroços alto no céu. Os cavalos relincharam em horror,
avançando. O homem robusto que os segurava estava sendo
arrastado, cavando os calcanhares e puxando com toda a sua força.
Mas os poderosos cavalos Shire eram muito fortes, mesmo para
alguém robusto como um boi, e avançaram, com as orelhas
abaixadas e os olhos arregalados de medo.
— Edward! Edward!
Os gritos de Belle eram horrorizados, e o coração de Crecy se
partiu por sua irmã, pois viu o terror de que o marido dela estivesse
dentro do edifício. O mordomo tentou contê-la, mas Garrett não
conseguiu impedi-la de correr em direção ao homem que ela amava,
pois o medo lhe deu força. Ela arrancou o braço de seu aperto,
enquanto Crecy gritava para ela parar, correndo atrás dela e depois
parando quando um som doentio cortou o ar como um tiro. Crecy
correu atrás dela e depois tropeçou, parando quando uma nuvem de
poeira, fumaça e estilhaços explodiu pelas portas abertas do celeiro
à medida que o telhado desabava – e no meio disso, uma figura
emergia das portas, arrastando-se sobre os paralelepípedos
molhados para se afastar enquanto o telhado desabava ao chão.
— Edward! — gritou Belle, enquanto Crecy se perguntava se
ambos conseguiriam respirar novamente.
Belle se lançou nos braços de seu marido, quase derrubando-o
contra os paralelepípedos quando ele caiu de joelhos. Ele estava
respirando com dificuldade, tossindo e engasgando, mas estava
vivo.
— Belle — disse ele, sorrindo para sua esposa como se tivesse
ganhado algum tipo de prêmio. — Belle.
Ele a abraçou com força, balançando os dois juntos enquanto
Belle soluçava em seu ombro, um minuto repreendendo-o e batendo
em seu peito com raiva por colocar a si mesmo em perigo, e, no
próximo, passando as mãos sobre ele, implorando para que ele lhe
assegurasse que estava ileso. Crecy suspirou, fechando os olhos
com alívio e afastando-se para dar-lhes um pouco de privacidade.
Ela se perguntou como se sentiria se soubesse que Gabriel
estivesse naquele celeiro e não pudesse mais sair de lá; ela
experimentou uma onda tão intensa de emoção que teve que se
apoiar em uma parede. Crecy afastou o pensamento de sua mente.
Ela não podia perdê-lo, isso era tudo o que havia para dizer. Ela
nunca se recuperaria.
— Eddie! — Crecy virou-se e viu que Charlie, o dedicado valete
de Edward, estava correndo pela fumaça, agitando o chapéu e
apressando-se em direção a seu patrão, seu peito estreito arfando.
— Pelas barba de Merlin — disse ele, ofegante e apoiando os
braços nas pernas para recuperar o fôlego. — Quando... quando vi
aquele prédio desmoronar e disseram que ocê ainda tava dentro...
Caramba, ocê me deu um susto danado.
Crecy sorriu e voltou na direção deles. Ela olhou para Edward
com admiração. — Como você é corajoso, Edward — disse ela,
sorrindo amplamente e sentindo-se muito orgulhosa dele. Ele era
realmente um homem bom e gentil, e tinha feito Belle tão feliz que
ela só podia olhá-lo com aprovação.
Edward parecia um pouco constrangido com tantos elogios e
limpou a garganta para evitar responder.
— Sim, bem, já basta de heroísmo do meu marido por uma vida
inteira — respondeu Belle, com a voz firme agora que seu terror
tinha passado. — Então, aproveite enquanto pode — acrescentou,
olhando furiosamente para Edward, que simplesmente sorriu para
ela.
— Alguma ideia de como começou? — perguntou Crecy,
indagando-se como um incêndio tão terrível poderia ter começado.
Todos se viraram para olhar a devastação, aliviados por ver que,
pelo menos, o incêndio estava sob controle agora.
— Provavelmente alguém fumando perto do celeiro, embora,
diabos, já os tivesse alertado até ficar rouco — resmungou Edward,
agora parecendo irritado. — Pensei que tivesse deixado claro, mas
talvez não.
— Tem certeza disso, milorde? — perguntou Charlie, com uma
expressão sombria nos olhos. — Foi por pouco que o castelo num
pegou fogo, né? Se a gente num tivesse notado tão rápido, e se ocê
num tivesse pensado em derrubá aquele telhado... poderia ter sido
muito pior, é tudo o que tô dizeno. — A voz do homem era tão
ameaçadora que Crecy o encarou alarmada.
— Você quer dizer que alguém fez isso de propósito? —
exclamou Belle, claramente horrorizada com a ideia.
Charlie lançou um olhar significativo a Edward e Crecy viu-o
franzir a testa. Ela sentiu um arrepio na espinha, com medo de que
sabia o que ele estava insinuando. — Ele quer dizer meu primo
Gabriel, Visconde DeMorte — disse Edward.
Crecy sentiu uma onda de raiva tão intensa que queria gritar.
— Por que as pessoas sempre fazem isso? — exigiu saber ela,
sabendo que deveria ficar calada, não deveria se entregar, mas não
podia permitir que difamassem Gabriel assim. Parecia que tudo de
ruim que acontecia podia ser atribuído a ele, sem nenhuma prova.
Belle, Edward e Charlie olharam para ela, surpresos com seu
desabafo, mas Crecy estava tão furiosa que não conseguia ser
prudente.
— Quando uma pessoa tem uma má reputação, não importa se
merece ou não, tudo sempre será usado contra ela, não? — gritou
ela, com os punhos tão cerrados que podia sentir suas unhas
cravando em suas palmas.
Belle fitou Crecy boquiaberta, claramente chocada e horrorizada
com seu desabafo.
— Mas, Crecy — disse ela, olhando para sua irmã como se
nunca a tivesse visto antes. —, DeMorte tentou matar Edward, ele
quase matou o pobre Aubrey quando ele interveio para salvá-lo.
Meu Deus. Se ela já estava irritada antes, isso foi a gota d'água.
Ela se sentiu tomada pela fúria, sua necessidade de proteger
Gabriel superando qualquer resquício de bom senso que lhe dizia
que ela precisava fechar a boca. Agora.
— E você tem provas disso? — exigiu saber ela, encarando
Edward com tanta fúria que ele parecia tão alarmado quanto Belle.
— Você o viu puxar o gatilho? — gritou ela, sentindo como se
estivesse à beira de fazer ou dizer algo realmente terrível e
revelador demais.
— Não — disse Edward, franzindo o cenho para Crecy. — Na
verdade, não foi ele quem puxou o gatilho. Mas Aubrey viu DeMorte
falar com o homem que fez o disparo contra mim antes de sair do
Almack's. Quem quer que tinha sido, estava me esperando lá fora.
Essa explicação não a acalmou nem um pouco, mas ela tentou
moderar o tom, percebendo que soava ainda mais furiosa enquanto
proferia as palavras.
— Então, agora um homem é culpado de tentativa de
assassinato porque falou com um homem que cometeu o crime? —
rebateu ela. Belle respirou fundo, espantada e horrorizada com o
desabafo de sua irmã.
— A história é um pouco mais complicada que isso — disse
Edward, seu tom cuidadoso, e Crecy pôde perceber que ele estava
tentando ser diplomático, tentando acalmar a mulher histérica. Isso
só a deixou mais furiosa.
— Por que você o defende tanto, Crecy? — exigiu saber Belle,
indo direto ao ponto, e Crecy ficou corada, sabendo que não poderia
dizer nada que não estragasse seus planos. — O que há entre você
e o Visconde DeMorte?
— Nada — disse ela, odiando a mentira, odiando o fato de estar
negando Gabriel, mas sabendo que nunca sairia da casa se eles
soubessem o que ela realmente sentia.
Belle vacilou um pouco, agarrando-se ao braço do marido, e
Crecy pôde ver que ela estava exausta com o drama das últimas
horas. Ela sentiu um acesso de remorso por ter piorado as coisas.
— Belle? — disse Edward, parecendo ansioso enquanto seu
braço a rodeava. — Venha. Vamos todos sair do frio e dessa fumaça
terrível. Acho que já houve emoção suficiente para um dia. — Ele
voltou sua atenção para Crecy, e ela tremeu um pouco sob aquele
olhar perscrutador. Um nó formou-se em sua garganta, e ela lutou
para conter as lágrimas. — Podemos conversar sobre isso depois —
acrescentou ele, não de forma desagradável, mas com um tom que
sugeria que Crecy teria perguntas a responder. Seu estômago
revirou, pois sabia que havia falado demais, revelado demais, mas,
pelo menos, estaria longe antes que pudessem descobrir a verdade.
***
Desde a última vez que vira Crecy, Gabriel vivia em uma espécie
de torpor. Sua escrivaninha estava empilhada com listas – embora
arrumadas, devidamente organizadas – e ele devia ter escrito uma
dúzia de cartas.
A quantidade de coisas que uma jovem mulher – especialmente
uma em condição delicada – precisava enfrentar em um dia era
surpreendentemente grande. Gabriel havia emitido ordens para
tudo, desde roupas até produtos de higiene pessoal, e coisas que
Crecy poderia preferir comer além de sua própria dieta bastante
limitada. Ele havia escrito para obter informações sobre o melhor
médico a ser encontrado na França, arrumado uma criada pessoal e
enviado instruções para sua casa na França de que preparativos
deveriam ser feitos, imediatamente, para a chegada deles.
Pelo menos isso tinha mantido sua mente ocupada, e a voz de
seu pai havia estado abençoadamente silenciada. Agora, ele estava
sentado, com uma caneta na mão, tentando forçar seu cérebro
cansado a repassar tudo de novo, caso tivesse esquecido alguma
coisa. Por mais que tentasse, não tinha a menor ideia do que seria
necessário para um recém-nascido, além de um berço, roupas,
toucas e fraldas de pano. No entanto, não tinha mais ideias, e
decidiu que teriam tempo suficiente para descobrir o que era
necessário quando o médico examinasse Crecy. Essa era a
prioridade e precisava ser tratada com urgência.
Pensamentos sobre a criança em si se insinuavam em sua
mente em momentos estranhos, e ele se pegava imaginando uma
menina de cabelos dourados e olhos violeta incomuns, como os de
sua bela mãe. Nesse ponto, ele experimentava uma onda de terror e
afastava a imagem o mais rápido que podia.
Concentre-se apenas no hoje, Gabriel. Ele colocou a cabeça
entre as mãos e tentou respirar enquanto a imagem da criança
continuava a se infiltrar por trás de seus olhos. Meu Deus, e se ela
fosse como ele? A ideia o fazia querer vomitar. A família Greyston
era conhecida por sua instabilidade. Havia inúmeros relatos de
antepassados que haviam sido estranhos no mínimo, alguns tão
perturbados que haviam sido trancafiados. Sem dúvida, eram fruto
de muitos anos de endogamia. Como ele poderia ter feito algo tão
perverso quanto gerar uma criança? De todas as coisas malignas
que ele havia feito em sua vida, isso tinha que ser a mais
repugnante.
Ele havia sido tão cuidadoso até Crecy e negara seu próprio
prazer antes de arriscar a possibilidade de deixar um bastardo para
trás. Mas com ela, todo o bom senso o havia abandonado, ele havia
estado tão enfeitiçado por ela, tão completamente perdido nela que
o pensamento nem passara por sua cabeça.
Pensamentos sobre seu próprio pai vieram à mente, e ele
tremeu de repulsa. Bem, pelo menos, essa criança não sofreria com
isso. Edward era um bom homem. Gabriel o havia odiado por tanto
tempo que era difícil admitir, mas ele sabia em seu íntimo que seu
filho estaria seguro e seria amado em Longwold. Era um pequeno
alívio, mas havia pouco o que o satisfizesse em sua vida. Uma coisa
era certa, Gabriel não estava apto para ser pai. Pensamentos sobre
o que poderia acontecer se ele perdesse a paciência ou se a criança
fizesse uma bagunça faziam o medo subir por sua garganta até que
ele sentisse que estava sufocando.
Não. Ele se certificaria de que Crecy e a criança estivessem
seguras, que tivessem tudo que precisassem, e então, nunca mais o
veriam.
Capítulo 25
“No qual Crecy foge.”

Crecy ficou aliviada ao descobrir que Edward e Belle tinham


dormido depois do drama da noite anterior. Assim, ela pôde tomar o
café da manhã sozinha, sem ter que responder a perguntas difíceis
ou se preocupar que alguém notasse o quão trêmulas estavam suas
mãos.
Na verdade, a vontade de comer a abandonou, e ela
simplesmente tomou um pouco de chá fraco e deu pequenas
mordidas na beirada de uma torrada seca na esperança de que a
náusea, que ela já aceitara como parte de sua gravidez, diminuísse.
Ela percebeu, ao olhar para o relógio, que nem sequer pensou em
perguntar a Gabriel para onde estavam indo. Não que isso
importasse. Contanto que estivessem juntos, ela realmente não se
importava com os detalhes, mas tinha que admitir que estava um
pouco curiosa.
Por um momento, permitiu-se sonhar com isso, sobre um lugar
onde poderia dormir nos braços de Gabriel e acordar com ele ao
seu lado. O pensamento trouxe um sorriso meio sonhador e
saudosista aos seus lábios. Apesar da ansiedade, da culpa por
deixar Belle de forma tão enganosa e de todos os seus medos sobre
o futuro, ela sentia esperança de que as coisas iriam dar certo. Ela
faria tudo o que pudesse para fazer Gabriel confiar nela.
Certamente, com todo o amor que tinha por ele em seu coração e
sua determinação incansável, poderia superar qualquer obstáculo.
Terminado o café da manhã, Crecy voltou para o seu quarto.
Pelo menos, não havia nada para empacotar, e embora lamentasse
ter que deixar algumas coisas para trás, esperava que não fosse
para sempre. Belle a amava demais para nunca mais vê-la, não
importava a vergonha que ela estava prestes a trazer sobre si
mesma e sua família. Ela afastou a tristeza que essa ideia lhe
causou e pegou a carta que havia escondido na gaveta da cômoda,
deixando-a disfarçadamente sobre a lareira. Estava endereçada a
Belle, e esperava que a encontrassem quando ela ainda estivesse
desaparecida até a hora do jantar. Após o rompante de ontem à
noite, ela duvidava que fosse uma surpresa, como poderia ter sido,
mas não duvidava que Belle ficaria horrorizada.
Na carta, ela tentou transmitir o quanto estavam errados sobre
Gabriel, mas sabia que, à luz do fato de que fugiria com ele sem um
pedido de casamento, provavelmente suas palavras não teriam
impacto algum. Ela nem mencionou o bebê. Pelo menos, ainda não.
Isso seria demais para Belle assimilar de uma só vez. Ela não
poderia ser tão cruel. Mas teria que contar a ela. Quando
estivessem estabelecidos, ela escreveria novamente e explicaria
tudo, pelo menos da melhor maneira possível.
Crecy deu uma última olhada ao redor de seu quarto antes de
vestir sua peliça e bonnet. Era sua favorita, que ela havia comprado
enquanto estava em Londres, e queria que Gabriel a visse, pois
sabia que combinava com ela. Ela era de um vibrante veludo azul-
céu, e fazia com que ela se sentisse esperançosa, pois a lembrava
de céus azuis e dias ensolarados. O vestido de viagem que estava
por baixo era da mesma cor, mas feito de musselina da Índia, e
Crecy tinha certeza de que Gabriel iria gostar. O fato de que ele não
diria isso era tão óbvio que ela nem o considerava. Gabriel dizia
muito pouco, mas ela sempre soube que ele sentia muita coisa. Era
apenas uma questão de entender o que estava acontecendo em sua
cabeça, e ela achava que talvez estivesse se acostumando mais a
isso.
Crecy estava adiantada enquanto caminhava pela longa e
sinuosa estrada de Longwold até o vilarejo. Ela tinha se forçado a
caminhar devagar ao sair de casa, para não levantar suspeitas, mas
agora que estava fora de vista, aumentou os passos, olhando por
cima do ombro com olhares ansiosos. Ela não falharia nesta última
etapa.
Para seu alívio, Gabriel já estava lá esperando por ela, com sua
lustrosa carruagem e cavalos negros brilhando sob o sol da
primavera. Ele desceu da carruagem, parecendo sério e nada como
um amante fugindo com sua amante, mas Crecy não se importou.
Seus cabelos negros brilhavam, meio azulados, e ele era uma figura
tão grande, séria e imponente como sempre, e ela teve que usar de
todo o controle para não pegar suas saias e correr até ele. Mas ela
havia prometido a si mesma que não apressaria as coisas, não o
pressionaria, então, apenas pegou a mão dele, sorrindo para ele
enquanto seu coração se alegrava. De repente, sua culpa e medos
desapareceram. Isso era certo. Ela sabia que era.
— Olá — disse ela, incapaz de esconder o sorriso de sua voz.
— Bom dia.
Gabriel parecia tenso, desconfortável, então, ela achou melhor
eles partirem o mais rápido possível.
— Vamos, então? — Ela sorriu para ele, fazendo um gesto em
direção à carruagem.
— Você está muito animada para uma jovem fugindo de casa —
resmungou ele, franzindo o cenho para ela.
Crecy permitiu que ele a ajudasse a subir na carruagem e
lançou-lhe um olhar irônico quando ele se sentou do outro lado dela.
— Se você ainda não descobriu que sou uma criatura estranha e
contraditória, eu desisto de você, Gabriel — disse ela, parecendo
meio azeda, embora seus olhos estivessem cheios de riso.
Gabriel resmungou e bateu no teto da carruagem, e o veículo
deu um pequeno tranco para frente, oscilando enquanto partiam.
Crecy prendeu a respiração quando percebeu que estava
realmente fazendo isso. Meu Deus, ela estava solteira, com quase
quatro meses de gravidez, e fugindo não se sabe para onde com
seu amante. Sendo tão contraditória quanto acabara de afirmar, não
pôde deixar de sorrir ao pensar nisso.
Ela olhou para cima e encontrou Gabriel observando-a, seus
olhos curiosos, e seu sorriso só aumentou.
— Você não deveria estar chorando em seu lenço ou algo
assim? — resmungou ele, parecendo perplexo. — Você percebe o
que estamos fazendo?
Crecy riu, achando-se completamente entretida com sua
contrariedade. — Claro. Desde o início, tenho dito que fugiria com
você. É você quem não acredita em uma palavra do que eu digo —
respondeu ela, sacudindo a cabeça enquanto tirava as luvas. Era
um lindo dia de primavera e estava realmente quente atrás do vidro
da janela da carruagem. Ela olhou diretamente para ele. — Você
preferiria que eu chorasse, Gabriel? Posso tentar, se quiser. —
Crecy lutou para manter o rosto sério, mas conseguiu fazer as
palavras parecerem perfeitamente sérias.
— Meu Deus, não — respondeu ele, parecendo absolutamente
revoltado com a ideia, mas, ao se virar para olhar pela janela, Crecy
achou que viu um sorriso puxar seus lábios e sentiu satisfação por
tê-lo divertido.
— Aonde estamos indo? — perguntou ela, chamando sua
atenção de volta para ela.
— Eu estava me perguntando quando você ia fazer essa
pergunta — disse ele com um tom seco. — Até onde você sabe, eu
posso estar te levando para o outro lado do mundo comigo.
Crecy deu de ombros. — Não me importo, contanto que eu
esteja com você.
Gabriel suspirou, parecendo exasperado. — Bem, você deveria
se importar — resmungou ele, cruzando os braços de uma forma
que parecia colocar seu casaco sob uma tensão notável, já que
seus poderosos braços se salientavam. — Você está carregando
meu filho.
Tirando seus olhos de sua impressionante musculatura com
dificuldade, Crecy apenas sorriu para ele. — Estou com a saúde
perfeita, Gabriel, por favor, não se preocupe.
— Você já se consultou com um médico, então? — exigiu saber
ele, seus olhos escuros e azul-índigo cintilando enquanto Crecy
percebia que ele realmente estava assustado por ela.
— Claro que não. — Ela tentou suavizar suas palavras quando
entendeu sua preocupação, mas com certeza ele sabia que ela não
tinha se consultado com um médico. Como ela poderia? Ele estava
apenas sendo sarcástico para provar seu ponto de vista.
— Como diabo você sabe que está com a saúde perfeita?
Crecy inspirou fundo e lembrou que tinha prometido ser paciente
com ele. — Porque a gravidez não é uma doença, fora as terríveis
náuseas matinais, eu me sinto perfeitamente bem.
— Você não parecia bem naquele baile — insistiu ele, com a voz
num rosnado de descontentamento. — Você estava pálida e doente,
parecia que poderia desmaiar a qualquer momento.
Ela suspirou e recostou-se no assento, olhando para ele com
uma expressão carinhosa. — Isso porque eu estava completamente
arrasada sem você — disse ela, incapaz de dizer-lhe qualquer coisa
que não fosse a verdade. — Agora, sinto-me muito melhor.
Ele franziu o cenho, lançando-lhe um olhar confuso por baixo de
suas sobrancelhas escuras antes de resmungar e olhar pela janela.
Crecy sorriu. Eu ainda vou te conquistar, Gabriel, espere só para
ver.
— Você ainda não me disse para onde estamos indo — disse
ela, observando enquanto ele olhava de volta para ela.
— França — disse ele, sem oferecer mais informações. —
Estamos indo para a França.
***
Eles chegaram a Bristol precisamente cinco minutos para a uma
da tarde, e Crecy só pôde sorrir diante das habilidades
organizacionais de Gabriel. O almoço os aguardava assim que
chegaram ao salão privativo de uma pequena estalagem. A refeição
era idêntica àquela que ele teria comido em casa, e ela se
perguntou o quão precisas tinham sido as instruções que ele enviara
com antecedência.
Quando Crecy se refrescou e voltou para junto dele, Gabriel já
havia organizado a mesa com precisão militar e estava olhando para
o relógio com irritação, que agora mostrava três minutos após a
hora.
— Perdoe-me — disse ela, inclinando-se e dando-lhe um beijo
impulsivo na bochecha antes de pegar o garfo e a faca. Gabriel a
olhou, mas não disse nada, voltando sua atenção para sua refeição.
Crecy descobriu que seu apetite havia retornado com força total e
que ela estava faminta. Ela devorou tudo na mesa com entusiasmo
e aceitou com prazer a oferta da garçonete de torta de maçã com
nata. Isso estava tão bom que ela pediu uma segunda porção. Ela
acabara de dar a primeira mordida, sentindo-se um tanto gulosa e
muito satisfeita, quando olhou para cima e viu Gabriel observando-a
com diversão.
Ela mastigou e engoliu, erguendo as sobrancelhas para ele. —
O que foi?
— Estava com fome, não estava? — perguntou ele, sua boca se
contorcendo um pouco.
Crecy deu um pequeno suspiro arrogante, alisando o
guardanapo de maneira digna antes de pegar a colher novamente e
saborear uma generosa colherada. — Estou comendo por dois,
sabia? — retrucou ela, antes de mergulhar no prato com gosto e um
brilho nos olhos. Ela voltou sua atenção para a tigela porque a
refeição estava realmente deliciosa e depois olhou surpresa quando
Gabriel riu. Ela não pôde evitar o sorriso sincero que se curvou
sobre seus lábios. Tudo ia dar certo.
Após a refeição, ela ficou um tanto surpresa quando houve uma
batida na porta e uma jovem de bochechas coradas e rechonchuda
entrou a convite de Gabriel.
— Bom dia, milorde. Sou Beth Dean. — Crecy olhou para ela
enquanto Gabriel se levantava e a garota fazia uma vênia.
— Obrigado por vir, senhorita Dean. — Ele se virou e fez um
gesto em direção a Crecy. — Essa é a senhorita Holbrook, para
quem você trabalhará. — A garota olhou Crecy de cima a baixo com
olhos arregalados, mal suprimindo o que parecia um “oh” de
espanto ao observar a elegante roupa londrina de Crecy.
Crecy piscou, surpresa. Quando Gabriel dissera que faria todos
os preparativos, nunca lhe ocorrera que ele faria absolutamente
todos os preparativos. Ela se perguntou que outras coisas ele havia
organizado, especialmente porque a senhorita Holbrook parecia ter
deixado a garota um tanto confusa.
Crecy se levantou e cumprimentou Beth com um sorriso. — Olá,
Beth, estou muito contente em conhecê-la.
Beth devolveu o sorriso, relaxando à medida que ficava óbvio
que Crecy não seria o tipo de patroa esnobe que mal reconheceria a
existência de uma criada.
— Fico muito feliz em tá aqui, senhorita Holbrook — disse ela,
parecendo sincera. — Espero que fique satisfeita com o meu
trabalho.
— Tenho certeza de que ficarei — Crecy respondeu com um
sorriso tranquilizador. Ela também achava que isso fosse verdade. A
garota tinha um rosto franco e agradável e olhos castanhos gentis, e
Crecy sentia que se dariam muito bem, desde que a garota não se
chocasse facilmente.
— Eles te mostraram o seu quarto? — perguntou Gabriel,
soando tão rude como sempre. Crecy escondeu um sorriso quando
Beth lançou um olhar um tanto ansioso na direção dele. Ela assentiu
e gaguejou uma resposta afirmativa. — Partimos às sete da manhã,
em ponto — continuou, fazendo a garota empalidecer ainda mais. —
A maré é às oito e quinze, e eu não tenho o desejo de me atrasar.
— Sim, milorde — disse ela, ainda olhando para ele e
encolhendo-se um pouco. — Vô garantir que tudo esteja pronto com
bastante antecedência.
Gabriel assentiu em aceitação de suas palavras e Beth fez uma
vênia novamente, depois saiu apressada do quarto.
— Você pensou em tudo, não é? — disse Crecy, olhando para
ele com evidente admiração. Gabriel parecia um pouco
desconfortável.
— Eu não gosto de desordem — disse ele, soando um tanto
carrancudo, como se tivesse sido pego cuidando dela e atendendo
às suas necessidades.
— Não — disse Crecy, fazendo um gesto sério e segurando o
sorriso. — Eu sei.
Eles deram um passeio por Bristol após o almoço, e Crecy
achou que nunca se sentira mais feliz, com a mão no braço de
Gabriel enquanto passeavam pelas lojas. Uma livraria era um ímã
óbvio para ambos, e Crecy surpreendeu bastante Gabriel ao dar um
grito de alegria ao colocar as mãos em uma cópia de “Frankenstein”.
— Eu pensei que você tivesse encomendado uma cópia —
disse ele, quando ela acenou com o livro sob o nariz dele com uma
expressão triunfante.
— Eu encomendei — disse ela, franzindo a testa. — Só que não
consegui ir a Bath para buscá-la. Acho que não deveria comprar
duas cópias — acrescentou, olhando o preço horrível do livro e
sabendo que estava sendo terrivelmente extravagante.
Gabriel muxoxou e revirou os olhos. — Ah, dê-me isso aqui —
murmurou ele, e acrescentou o livro à sua própria seleção, o que
deixou Crecy completamente satisfeita.
O único problema veio na hora de dormir. Crecy encarou a cama
com uma expressão de revolta antes de jogar para trás as cobertas
e tirar o aquecedor de cama. Ela esperava que Gabriel aquecesse
sua cama esta noite, mas, aparentemente, ele estava disposto a
fugir com ela, mas não a desonrá-la até chegarem em sua casa.
Então, com um suspiro frustrado, Crecy se jogou na cama e fez
beicinho até cair no sono.
Capítulo 26
“No qual se descobre uma longa viagem, uma chegada bem-vinda e
um lar.”

Crecy entrou na carruagem em Le Havre com um suspiro de


alívio. Os dois dias passados no mar haviam sido desgastantes,
para dizer o mínimo. Gabriel claramente não estava em seu estado
mais relaxado durante a viagem – para dizer o mínimo – e fazia o
possível para poupá-la disso, evitando-a completamente. Aconteceu
que Crecy não reclamou, já que o mar estava agitado, agravando
seu enjoo matinal até que ela sentisse que morreria por causa disso.
Mesmo agora, ela tinha certeza de que conseguia sentir o balanço e
o movimento das ondas sob ela, embora a carruagem nem
estivesse se movendo. Ela engoliu em seco e tentou ignorar a
sensação.
Eram apenas oito horas. O navio havia atracado nas primeiras
horas da manhã e Gabriel claramente estava ansioso para que
chegassem ao destino o mais rápido possível, pois ele insistiu que
todos se levantassem ao raiar do dia. Como alguém que
definitivamente não era uma pessoa matutina, isso não ajudou em
nada o seu estado de espírito. Crecy suspeitava fortemente que
Gabriel não havia dormido nada; caso contrário, no seu atual estado
de espírito, teriam que esperar por ele até a hora do almoço. Ele
provavelmente começou a se arrumar em vez de ir para a cama. A
ideia a entristeceu, mas ela estava determinada a ajudar a deixá-lo
à vontade assim que se instalassem.
Beth, pelo menos, foi um verdadeiro anjo e já havia conquistado
a gratidão eterna de Crecy. Ela havia sido simpática com o
sofrimento de sua patroa sem fazer alarde, e quando Crecy decidiu
que era melhor contar a ela sobre sua condição antes que ela a
adivinhasse, a garota mal tinha pestanejado.
— Está tudo bem, senhorita — disse ela, mal olhando para cima
enquanto desfazia um camisola muito bonita do
surpreendentemente abrangente baú de itens que Gabriel havia
providenciado para seu conforto. — Eu ajudei minha irmã mais
velha a dá à luz duas vezes. Eu sei o que é o quê.
Com esse pequeno drama superado sem sequer um pestanejar,
Crecy sentiu que seu último obstáculo havia sido superado com
sucesso. Mas isso foi antes do barco partir.
Crecy abriu os olhos quando Gabriel entrou na carruagem que
começou a se mover.
— Você está se sentindo melhor? — perguntou ele, soando
bastante ansioso. — A senhorita Dean me informou que você
passou muito mal.
— Oh, Gabriel, por favor, não fale sobre isso — disse Crecy,
balançando a cabeça e colocando as mãos no estômago à medida
que outra onda de náusea a atingia. Para sua surpresa, Gabriel se
moveu, sentando-se ao lado dela. Ele virou o rosto dela para olhá-la
mais de perto.
— Você está muito pálida — observou ele, soando mais
preocupado do que nunca.
Crecy suspirou, entendendo que era importante para ela ficar
bem, pois ele certamente a preocuparia excessivamente com suas
próprias inquietações se ela não estivesse.
— Estou bem agora, só estou cansada — mentiu ela, sorrindo
para ele. — Foi apenas aquele barco horrível. Eu não dormi muito.
— Bem, então, você deve tentar descansar agora — disse ele
com a voz firme e autoritária. — O doutor Marchand cuidará de você
durante a próxima semana para garantir que tudo esteja bem. Pelo
que entendi, ele é o melhor médico da França. Eu enviei alguém
para buscá-lo e trazê-lo até você. Ele ficará por perto até depois do
parto.
— Mas você não pode ter tido uma resposta dele ainda, com
certeza — disse ela, percebendo que Gabriel, à sua maneira
habitual, simplesmente exigiu que o médico a atendesse e esperava
que suas ordens fossem cumpridas. — E se ele não quiser? E se
ele tiver outros pacientes?
Gabriel a olhou de forma curiosa, como se a ideia nunca tivesse
passado por sua cabeça. — Ele virá — disse ele, parecendo
teimoso, e cruzou os braços. Crecy freou um palavrão, pois não
queria nenhum médico francês requintado, de qualquer maneira,
mas não pôde deixar de esperar que esse tal de Marchand fizesse o
que Gabriel queria, pelo próprio bem do médico.
Ela suspirou e decidiu que não tinha energia para discutir sobre
isso, e, na verdade, ficou profundamente comovida com seu cuidado
e até onde ele havia ido para garantir seu conforto, e, mais
importante, ela suspeitava, sua saúde. Crecy reprimiu um bocejo,
sentindo-se sonolenta de repente.
— Você deveria tentar descansar — disse ele com a voz
surpreendentemente suave.
Crecy assentiu e desamarrou seu bonnet, jogando-o no outro
lado da carruagem enquanto encolhia os pés no assento ao lado
dela. Gabriel a observava com uma expressão curiosa até que ela
puxou seu braço, indicando que ele deveria levantá-lo. O que ele
fez, franzindo a testa um pouco, e Crecy deitou-se, suspeitando que
ele ficaria completamente chocado quando ela apoiasse a cabeça
na superfície surpreendentemente dura de sua grande coxa. Ela se
moveu um pouco até que sua cabeça estivesse mais
confortavelmente posicionada em seu colo e arriscou um olhar para
cima e viu Gabriel olhando resolutamente para fora da janela.
Reprimindo um sorriso, ela trouxe os braços dele de volta ao redor
dela, suspirou de contentamento e adormeceu.
***
Quando a carruagem parou na frente do Manoir du Lierre, já era
final de tarde. Eles fizeram uma breve parada para o almoço, o que
deixou Gabriel de mau humor, também evidenciou o fato de que ele
falava um francês perfeito. Pelo menos, soava assim para o ouvido
destreinado dela, e ele certamente tinha a criadagem respondendo
rapidamente às suas ordens. No entanto, a refeição não encontrou
sua aprovação. Crecy mais uma vez comeu como uma porca
faminta e, depois, voltou à sua posição confortável no colo de
Gabriel, caindo em um sono profundo e tranquilo, enquanto ele
fervilhava e murmurava sobre as irritações das viagens
internacionais.
Crecy acordou com o som das rodas passando pelo cascalho e
olhou para cima, piscando sonolentamente para Gabriel, que ainda
parecia um pouco tenso.
— Chegamos — disse ele, quando a carruagem parou de
balançar, e Crecy se levantou de uma vez, colocando seu bonnet o
mais rápido que pôde e alisando suas roupas amarrotadas antes de
enfrentar a criadagem. Ela se perguntou se eles iriam desaprová-la
e ser antipáticos, não que ela entenderia uma palavra se fossem
rudes, já que não falava nada de francês além de bonjour e merci.
Gabriel desceu antes de se virar e oferecer-lhe a mão. Crecy
pôs a mão na dele e o pé no degrau e depois parou quando avistou
a propriedade.
— Bem-vinda à Manoir du Lierre — disse Gabriel, parecendo um
pouco nervoso.
— Oh, Gabriel — murmurou Crecy, enquanto seu coração se
enchia de alegria. — É linda.
Olhando de volta para ele enquanto descia da carruagem, ela
soube que tinha dito a coisa certa, já que ele parecia relaxar,
contente com seu comentário. Era importante para ele que ela
gostasse do lugar, e ela se sentiu aliviada por não precisar fingir. Era
encantadora.
Construída em granito com um telhado de ardósia cinza, era ao
mesmo tempo austera e imponente, mas a idade havia amaciado
suas bordas, e uma profusão de hera que subia pela parede da
frente dava-lhe uma sensação de conto de fadas. Era muito menor
que Damerel, mas ainda grandiosa, com uma torre de um lado do
prédio principal, que parecia ter começado como uma sala medieval.
— Foi construída no início do século XVI, embora partes dela
sejam mais antigas — disse Gabriel, e ela sorriu ao ouvir algo que
soava como entusiasmo colorindo sua voz. Ela também notou que
ele não havia soltado sua mão, o que a fez sentir um pequeno
prazer. — Eu a herdei há cerca de uma década. Pertencia a algum
tio-avô antigo de quem eu nem sabia da existência, mas só o vi
alguns anos atrás — disse ele, olhando para a casa com uma
expressão quase carinhosa. — Pensei que talvez Napoleão a
tivesse destruído irreparavelmente, mas os danos não foram muito
extensos.
Crecy o observou com interesse enquanto ele pousava sua mão
em seu braço e a levava em direção à porta da frente.
— Eu mandei consertar o telhado e uma das chaminés, mas, na
verdade, foi só o interior. Estava em um estado chocante — disse
ele, com uma carranca de tanta aversão que ela podia imaginar bem
como ele odiara vê-la tão arruinada e desorganizada. — Deu muito
trabalho deixá-la habitável novamente. Principalmente porque eu
não venho aqui com tanta frequência quanto gostaria.
Ela parou e ele a olhou, uma pergunta em seus olhos. — Esta é
a sua casa, não é, Gabriel? — disse ela, sabendo que era verdade
conforme um olhar ligeiramente cauteloso aparecia em seus olhos.
É por isso que ele a protegia com tanto cuidado, mantendo o
endereço em segredo e qualquer chance de alguém encontrá-lo
aqui praticamente nula. Ninguém o conhecia aqui. Ninguém sabia
da escandalosa e terrível reputação do Visconde DeMorte e, como
ele não se socializaria, ninguém provavelmente o faria. Ele estaria
livre. — Damerel é o lugar onde você nasceu e pertence a você,
assim como a casa em Londres, mas isto... isto é o seu lar.
Gabriel não respondeu, mas fez com que ela seguisse em frente
novamente.
— Vamos lá — disse ele, sem olhar para ela. — Vou te mostrar
a casa.
***
Na hora do jantar, ficou claro que os criados daqui estavam
acostumados aos modos bastante precisos de Gabriel, já que tudo
na casa funcionava como um relógio e a refeição era idêntica à que
costumava ser servida, com uma exceção notável: a refeição de
Crecy era diferente.
Ela olhou para Gabriel, surpresa, mas ele estava concentrado
em rearrumar a mesa com mais determinação do que o habitual, e a
estava ignorando.
— Gabriel? — disse ela, pousando a mão sobre a dele para
impedi-lo de continuar a rearrumar as coisas. — Obrigada.
Ele não a olhou, encarando a jarra de água, que havia sido a
próxima coisa em sua lista para rearrumar pelo menos pela quinta
vez. Crecy se perguntou quanto tempo levaria para que ele
relaxasse, mas estava determinada a começar a ajudá-lo da melhor
forma que pudesse.
Ele não respondeu, mas franziu a testa um pouco, ainda
olhando para a jarra e parecendo cada vez mais agitado.
— Por permitir que eu tenha uma refeição diferente —
acrescentou ela, para ter certeza de que ele entendesse a razão de
sua gratidão. Ela não duvidava de que isso perturbasse a
necessidade dele por simetria, então estava duplamente grata.
Ele franziu ainda mais a testa. — O médico disse que você
precisava de uma... uma dieta mais leve em sua condição.
Crecy abriu e fechou a boca de surpresa. — Que médico?
Gabriel parecia cada vez mais inquieto, com a mão cerrada sob
a dela. — Eu consultei um médico em Londres antes de voltar para
Damerel — resmungou ele, agora soando realmente impaciente.
Crecy piscou, surpresa. A ideia de Gabriel procurar um médico
para a sua gravidez... Ter um bom médico era uma coisa, mas ela
não conseguia pensar em nenhum outro homem no mundo que se
rebaixaria a fazer algo tão extravagante como se informar sobre o
assunto. Gravidez era algo para mulheres e médicos, e os homens
evitavam saber qualquer coisa a respeito. Mas não Gabriel. Ela
soltou a mão dele, e ele imediatamente se moveu para endireitar a
jarra novamente.
— Já chega, Gabriel — disse ela com firmeza, desejando falar
mais sobre o assunto com ele, mas não se sentindo capaz disso até
que pudesse focar a atenção dele de volta para ela.
Naturalmente, ele a ignorou.
— Eu disse, já chega — repetiu ela, não de forma desagradável,
mas com força suficiente para fazê-lo se virar e encará-la.
— Claro que já chega — rosnou ele, os olhos cintilando de raiva
e constrangimento. — Você acha que sou um imbecil? Eu sei que já
chega, maldição.
Crecy suspirou e se levantou, passou os braços ao redor de seu
pescoço e inclinou-se, beijando sua bochecha. — Eu acho... que
você é o homem mais atencioso e maravilhoso, e tão longe de ser
um imbecil quanto é possível. Mas também acho que você precisa
da minha ajuda para evitar que continue se comportando assim,
porque isso o faz infeliz. — Ela fez uma pausa, pressionando a
bochecha contra a dele enquanto ele permanecia rígido sob seu
toque. — Agora, por favor, pegue o garfo e a faca e coma o seu
jantar. A mesa está perfeita, como você bem sabe. — Crecy
respirou, não gostando de chantageá-lo, mas não encontrando outra
solução. — Se você não fizer isso, vou direto para a cama sem
comer um pedaço que seja.
— Você não pode fazer isso — vociferou ele, parecendo
realmente furioso ao se virar para encará-la. — É ruim para o bebê.
— Sim — concordou ela com um tom sereno. — Mas eu farei
isso, Gabriel, porque esse comportamento é ruim para você, isso o
faz infeliz, e isso é muito pior para o bebê.
Crecy se endireitou e voltou ao seu lugar, observando com
interesse enquanto ele franzia a testa de raiva para o seu prato e,
em seguida, pegava seu garfo e faca e começava a comer. Com um
sorriso silenciosamente satisfeito, Crecy comeu a sua própria
refeição com prazer.
O restante da noite passou de forma bastante agradável.
Aparentemente, a rotina usual de Gabriel era se sentar na biblioteca
e ler depois do jantar, e Crecy estava mais do que feliz em fazer o
mesmo. A biblioteca era um ambiente maravilhoso. Era um espaço
muito masculino, com estantes de mogno revestindo todas as
paredes disponíveis. Como era de se esperar, os livros de Gabriel
haviam sido arrumados com precisão, e Crecy só ficou desapontada
por muitos dos títulos estarem em francês. A lareira estava acesa e
as cortinas de brocado verde-escuro fechadas protegendo-os contra
o frio da noite. Com as lamparinas acesas, lançando um suave
brilho no ambiente, ela era aconchegante e acolhedora de uma
maneira que nenhuma das salas em Damerel era.
— Você fez um trabalho maravilhoso com este lugar, Gabriel —
disse ela, mais ou menos uma hora depois, quando pôs seu livro de
lado. Na verdade, mal havia lido uma palavra, pois estava ansiosa
demais para ler seu novo livro, já que seus pensamentos estavam
muito ocupados com o homem à sua frente e com a noite que se
aproximava. — Por que você nunca fez de Damerel seu da mesma
forma?
Ele não tirou os olhos do livro, mas dava para ver que ele estava
considerando a pergunta. Depois de um tempo, ele olhou para ela.
— Nunca senti que fosse meu, como... — Ele parou, e Crecy
esperou que encontrasse as palavras que queria. — Nunca me senti
capaz disso — admitiu ele.
Crecy assentiu e se levantou, indo se sentar no chão aos seus
pés.
— Talvez, quando voltarmos lá da próxima vez, eu possa ajudar
você — sugeriu ela, vendo uma expressão de interesse surgir em
seus olhos antes de ele virar-se.
— Talvez — murmurou ele, soando evasivo, embora Crecy
tivesse certeza de que ele tinha gostado da ideia. Ele se levantou e
estendeu a mão, ajudando-a a se levantar. — Está tarde e você teve
um longo dia, vou mostrar o seu quarto.
Crecy o encarou com horror. — Meu quarto? — repetiu ela, com
os olhos arregalados.
Gabriel parecia desconfortável, mas assentiu. — Seu quarto —
confirmou ele com a voz firme.
Com os braços cruzados, Crecy percebeu que essa era uma
briga que ela tinha que vencer. Se tinha alguma chance de
conquistar algum tipo de intimidade emocional com esse homem
teimoso, tinha que compartilhar sua cama.
— Gabriel, você tem demonstrado muita gentileza e
consideração — disse ela, suas palavras soando cuidadosas
enquanto tentava conter sua frustração. — E para vestir-me e fazer
preparativos dessa natureza, um quarto separado é uma boa ideia,
pois não quero correr o risco de perturbar suas coisas. No entanto
— acrescentou ela, sua voz ficando um pouco estridente apesar de
seus melhores esforços. —, se você acha que não vou compartilhar
sua cama à noite... bem, você está muito enganado!
Gabriel bufou, parecendo irritado. — O médico também disse
que... que a intimidade do... do ato não é boa para o bebê.
Crecy o encarou em completo horror. — O homem é um imbecil!
— explodiu ela, horrorizada com a ideia de não poder tocar nesse
homem incrivelmente irritante e lindo à sua frente por mais seis
meses. Ah, não. Isso não ia acontecer.
— O homem é um médico respeitado — retrucou Gabriel,
parecendo que queria que essa conversa acabasse ali e agora.
Crecy murmurou um comentário grosseiro, mas se absteve de
dizer mais. — Muito bem — disse ela, pensando que, se pudesse
apenas entrar em sua cama, poderia lidar com essa ideia tola em
seu próprio tempo. — Mas isso não é motivo para que não
possamos compartilhar uma cama juntos.
Um leve rubor tomou contas das bochechas de Gabriel quando
ele balançou a cabeça, e Crecy ficou aliviada ao descobrir que ele
achava que havia uma razão extremamente boa.
— Crecy, eu... se você estiver na minha cama... — começou ele,
deixando a frase inacabada e parecendo que preferiria morrer a
admitir o quanto a desejava.
Caminhando mais perto dele, ela pegou sua mão, olhando para
cima e sorrindo.
— Não consegue manter suas mãos longe de mim, hmmm? —
disse ela, provocando-o um pouco.
Gabriel resmungou, olhando para ela com um olhar sombrio e
cintilante que fez algo dentro dela se contrair de expectativa. — Foi
assim que chegamos a essa maldita situação, em primeiro lugar —
rosnou ele, com frustração. — Eu não costumo... — Gabriel fechou
a boca, mas Crecy podia adivinhar o resto.
— Você não costuma deixar sua semente para trás? —
perguntou ela, sem nem ao menos corar.
Gabriel soltou muxoxos. — Bom Deus, mulher, não há nada que
você não diga? — disse ele, com um resmungo, parecendo chocado
com a franqueza dela.
Crecy deu uma risadinha e balançou a cabeça. —
Provavelmente não, meu amor, então é melhor você se acostumar
com a ideia.
Ele fez um barulho que talvez tenha sido de diversão... ou
frustração, ou talvez ambos, ela não tinha certeza.
— Podemos ir para a cama agora, por favor?
Gabriel suspirou quando ela puxou sua mão e ele revirou os
olhos em derrota. — Vamos lá, então — resmungou ele, e conduziu-
a escada acima.
Capítulo 27
“No qual Crecy é teimosa e pega Gabriel pelas mãos.”

Gabriel a conduziu até seu quarto para que ela se preparasse


para dormir, e ela entrou com um sobressalto de surpresa ao ver o
quão bonito ele era. Tudo estava em tons de azul-escuro, o que a
fazia lembrar fortemente os olhos de Gabriel e, portanto, isso
naturalmente agradou-a. O resto era branco, com alguns toques de
um amarelo brilhante aqui e ali nos móveis, o que dava ao quarto
um toque alegre e ensolarado, mesmo em uma noite fria de
primavera. Descobrir que Gabriel era responsável por isso foi mais
uma revelação sobre o homem que ela estava conhecendo.
Beth estava esperando por ela no quarto de vestir adjacente,
desfazendo um grande baú que Crecy nunca tinha visto.
— Meu Deus, o que há aí dentro, a cidade perdida de Atlântida?
— disse Crecy, com uma risada quando Beth retribuiu o olhar
confuso.
— Não, senhorita — disse ela com toda a seriedade. — Mas
tem mais vestidos e coisas parecidas do que já vi em toda minha
vida, e isso é a mais pura verdade. — Ela apontou para as paredes
do quarto, que revelavam dezenas e dezenas de vestidos de todos
os tipos e cores imagináveis. Crecy fitou-os boquiaberta. Indo para
um grande guarda-roupa, ela o abriu e encontrou fileiras de sapatos
e botas, luvas, meias de seda... tantas coisas que fizeram sua
cabeça girar.
— Isso num é tudo, senhorita — disse Beth, com um sorriso. Ela
puxou a mão de Crecy, levando-a para o lado oposto do quarto; a
respiração de Crecy ficou presa na garganta e seus olhos se
encheram de lágrimas. Era um berço. Muito bem feito, era feito de
nogueira e projetado para balançar. Crecy o tocou, observando-o
balançar suavemente, e sentiu o peito apertar. Um baú menor ao
lado do berço estava aberto, mas ainda não tinha sido desfeito, e
Crecy se curvou para passar as mãos sobre os pequenos objetos. O
bonnet era delicado e ridiculamente pequeno, enfeitado com renda,
e ela teve que se esforçar para não soluçar.
— Foi o visconde que encomendô tudo isso? — perguntou Beth,
olhando para o baú cuidadosamente acondicionado com os itens em
miniatura, com a mesma reverência que Crecy estava
demonstrando.
Crecy assentiu, completamente incapaz de proferir uma palavra.
Beth suspirou sonhadoramente, sorrindo para ela. — Ele deve te
amá muito, senhorita. Se num se importa que eu diga.
Enxugando uma lágrima solitária que escapou apesar de seus
melhores esforços, Crecy deu uma risada sufocada. — Sim — disse
ela, assentindo. — Ele realmente deve.
Uma vez que Beth a deixou, Crecy deu uma última olhada em
sua imagem no espelho e se considerou satisfeita. A camisola de
dormir era tão fina que era praticamente transparente, e era
guarnecida no pescoço e nos punhos com uma bela renda, que lhe
dava uma aparência enganosamente virginal. Seus cabelos haviam
sido escovados e caíam em ondas douradas sobre os ombros, e
depois de uma boa refeição e uma noite tranquila, a cor voltara às
suas bochechas. Na verdade, ela achou que nunca estivera tão
bem, com uma aparência saudável, sadia que não via há meses.
Ela conteve um sorriso enquanto se perguntava o quão difícil
Gabriel tentaria resistir a ela e depois parou ao lembrar sua
promessa de deixá-lo vir até ela. Maldição. Bem, nada impedia que
ela não o seduzisse um pouco, pelo menos.
Crecy seguiu em direção à porta adjacente, que Gabriel havia
indicado que levava ao quarto dele, e bateu. Ela ouviu o som
abafado de Gabriel dispensando seu valete, e, um momento depois,
a porta se abriu.
Gabriel preencheu a entrada. Grande e masculino, Crecy teve
que se forçar a não se lançar sobre ele.
— Olá — disse ela em vez disso, incapaz de conter o sorriso
bobo em seu rosto.
Gabriel a encarou, sua expressão indecifrável enquanto a
observava, mas isso era revelador o suficiente. Quanto mais difícil
era ler seus sentimentos, mais ele tentava escondê-los. Crecy
decidiu que era o suficiente e passou por ele sem esperar por um
convite.
Ela observou o quarto com interesse. Era, de fato, um quarto
mais masculino do que o dela, decorado em um azul muito mais
escuro e com revestimento de madeira robusta cobrindo grande
parte das paredes onde as dela haviam sido pintadas de branco. O
espaço era dominado por uma cama enorme, com luxuosas cortinas
de brocado da mesma tonalidade de azul-escuro, entrelaçadas com
fios dourados e borlas douradas nas bordas. Era
surpreendentemente opulenta e indulgente. Crecy lançou a Gabriel
um olhar travesso, desfez o xale – jogando-o nele enquanto
passava – e depois correu para a cama, pulando nela com toda a
alegria de uma criança travessa de sete anos.
Gabriel sacudiu a cabeça e começou a dobrar o xale com seu
cuidado habitual. — Você está grávida, pelo amor de Deus, tenha
cuidado, Crecy.
— Oh, que bobagem — disse ela, mostrando a língua para ele.
— Isso não significa que vou me deixar embrulhar em algodão,
então, pode muito bem desistir da ideia. — Ela assistiu
impacientemente enquanto ele guardava seu xale e depois fez o
mesmo com o dele, antes de se voltar para a cama. — Vamos lá —
disse ela, retirando ainda mais as cobertas de seu lado e dando um
tapinha no espaço que era dele.
Gabriel suspirou com ar resignado. — Lembre-se do que eu
disse — resmungou ele, o aviso por trás das palavras era
inconfundível.
— Mmmmm.
Ele a olhou desconfiado, mas deitou-se ao lado dela, apenas
parando para apagar a vela. Crecy não perdeu tempo em se aninhar
sob o braço dele e deitar a cabeça em seu peito.
— Crecy — disse ele, parecendo irritado.
— Oh, vamos lá, você não pode negar à mãe do seu filho um
abraço, pelo menos — disse ela com um inconfundível tom de voz
agudo, com o qual ficou muito satisfeita.
Ela podia praticamente ouvi-lo ranger os dentes, mas ele não
disse mais nada, e ela considerou isso uma vitória. Satisfeita, por
enquanto, Crecy descobriu que estava realmente exausta e foi
dormir feliz.
***
Gabriel encarava a escuridão e se perguntava como diabos iria
sobreviver pelos próximos seis meses. Ele perguntava-se com um
toque de desespero: será que você poderia morrer de desejo? Ele
não pôde evitar esperar que sim. Isso facilitaria as coisas.
Crecy estava quente e macia, aninhada o mais perto possível
dele, com seus cabelos como uma cortina sedosa caindo sobre o
braço dele, enquanto o leve aroma de lírio-do-vale pairava no ar. O
suave som de sua respiração tremulava sobre seu peito, enviando
calafrios que percorriam sua pele, o que não ajudava em nada. Ele
poderia jogá-la de costas agora, neste momento, e ela ficaria mais
do que feliz em recebê-lo. A ideia era como uma caraminhola em
sua cabeça, contorcendo-se em sua mente consciente até o ponto
de ele perceber que não conseguiria pregar o olho.
Ele estava excitado e dolorido, e o objeto de seu desejo estava
tão perto e longe de estar desinteressado quanto era possível. Ele
suspirou, sufocando um gemido e resignando-se a uma noite de
tortura absoluta.
***
Crecy acordou, uma sensação de paz e felicidade apoderando-
se dela. Ela mexeu os dedos dos pés no calor da cama e percebeu
que a fonte de calor que a fazia se sentir tão aconchegada era
Gabriel. Sem abrir os olhos, ela notou a sensação dele sob sua
mão, a confusão dos pelos grossos em seu peito e a pele
surpreendentemente macia por baixo. Com um suspiro
enganosamente sonolento que talvez o fizesse acreditar que ela
ainda estava dormindo, ela se mexeu um pouco, permitindo que sua
mão deslizasse para baixo. O corpo já tenso ao seu lado pareceu
ficar ainda mais rígido, e ele prendeu a respiração quando sua mão
cobriu uma exibição impressionante de excitação.
— Crecy! — rosnou ele, embora sua voz soasse mais
desesperada do que irritada.
Ela o olhou, piscando e lançando-lhe um olhar que esperava ser
sedutor, enquanto sua mão se firmava um pouco, acariciando-o
através de seu camisolão.
— Sim, Gabriel? — respondeu ela, seu tom era de indagação
inocente.
Ela moveu a mão sobre ele, provocando um gemido profundo
que fez seu próprio corpo se animar em resposta. Para sua
consternação, Gabriel freou seu entusiasmo segurando seu pulso.
— Já disse que não — disse ele, erguendo a cabeça para
encará-la e soando como se estivesse falando com os dentes
cerrados.
Crecy fez beicinho e sacudiu a cabeça. — Você me disse que...
— hesitou ela, achando que até mesmo ela relutou um pouco em
ser muito expressiva. — Que o ato era proibido, mas... e eu sei que
não tenho experiência com essas coisas, Gabriel, mas suspeito que
isso não anula todos os aspectos de prazer, não é?
Gabriel a encarou com indignação por um momento e depois
rendeu-se. Sua cabeça atingiu o travesseiro com um baque e ele
soltou sua mão. — Tudo bem, tudo bem... apenas... por favor...
Crecy sorriu, sentindo-se bastante convencida. Isso tinha sido
mais fácil do que ela havia imaginado. Com todo o entusiasmo
possível, Crecy voltou ao trabalho, não perdendo tempo em tirar a
camisa irritante do caminho. Isso teria que sair. Ela tirou por cima,
revelando Gabriel em toda a sua glória, o que a fazia se sentir ainda
mais convencida e um tanto possessiva. Ele se sentou, tirando a
camisa e jogando-a no chão com impaciência. Crecy aproveitou o
momento para admirar aquele impressionante peitoral e a dispersão
de pelos escuros que se estendiam até um abdômen definido e
regiões com as quais ela tinha toda a intenção de se familiarizar
melhor. Ela hesitou, no entanto, olhando para a camisa no chão e
perguntando-se se ele insistiria em arrumá-la. Mas ele a olhava com
uma expressão bastante frenética e não parecia nem um pouco
preocupado com a camisa.
Intrigada, Crecy voltou ao trabalho ainda mais interessante de
se familiarizar com Gabriel. Ele prendeu a respiração quando sua
mão retornou a ele, e ela passou os dedos para cima e para baixo
pelo comprimento rígido, observando com interesse enquanto ele
tremia.
— Assim, lembra? — disse ele com a voz rouca, enquanto
tomava a mão dela e mostrava como proceder para lhe dar prazer.
Crecy repetiu suas instruções, observando atentamente enquanto
Gabriel fechava os olhos.
Crecy ajoelhou-se ao lado dele, usando sua mão livre para alisar
sua pele, e notou com interesse a umidade que se acumulava,
permitindo que sua mão deslizasse mais facilmente, enquanto sua
respiração ficava mais profunda e rápida. Ela se inclinou mais,
totalmente incapaz de resistir à vontade de beijar seu estômago,
satisfeita com o soluço de sua respiração quando seus lábios
tocaram sua pele. Ela se moveu um pouco, posicionando-se entre
suas pernas e se inclinou novamente, desta vez para esfregar o
rosto contra sua coxa. Seus lábios continuaram sua exploração,
mapeando os pelos grossos de suas coxas e a pele intrigantemente
macia na cabeça. Ela se perguntou se a pele que segurava em sua
mão era ainda mais macia, pois parecia ser, e ela parou com o que
estava fazendo por um momento. Gabriel levantou a cabeça,
parecendo um pouco indignado, justo a tempo de vê-la se abaixar e
pressionar os lábios na cabeça de seu desejo.
— Oh, meu Deus. — As palavras foram ditas de um só fôlego, e
Crecy percebeu que isso o agradou, e continuou, descobrindo que
passar a língua sobre sua carne tirava dele um som bastante
notável. Sem ter uma ideia real do que estava fazendo, mas
orientada pelos sons cada vez mais agoniados no extremo da cama,
Crecy alternou suas atenções entre boca, lábios e língua até que
Gabriel estivesse agarrando as cobertas da cama.
— Pare, pare — disse ele, e Crecy olhou para cima quando ele
pegou a própria extensão nas mãos e seu corpo ficou tenso, cada
músculo esticando-se com esforço à medida que o prazer o
dominava e ele encontrava seu alívio. Crecy assistiu a isso,
fascinada e ardendo de desejo por ele. Ela queria tanto que ele
fizesse amor com ela que pensou que ficaria louca se ele não o
fizesse, mas suspeitava que sua oportunidade de o persuadir essa
manhã havia sido perdida. Ainda assim, sabia que não era bom
pressionar Gabriel demais. Ela teria que ser paciente.
Ela suspirou interiormente, nunca tendo se sentido tão
impaciente em toda a sua vida. Ainda assim, ele já havia mostrado a
ela que havia outras maneiras de lhe dar prazer também. Sentando-
se, ela tirou o penhoar e usou-o para limpá-lo.
— Crecy — disse ele, ainda sem fôlego e um pouco atordoado,
pelo que parecia. — Pelo amor de Deus, você não precisa fazer
isso.
— Mas não me importo — disse ela, olhando-o com curiosidade.
— Eu quero. — Seus lábios se curvaram quando olhou para baixo
na direção dele, notando o momento em que ele percebeu sua
nudez. — Além disso — acrescentou ela. —, é a minha vez.
***
Gabriel não estava certo de que seu coração – ou qualquer
outra parte dele, para ser honesto – poderia aguentar muito mais.
Ele se sentia cru e exposto de mais maneiras do que
simplesmente estar nu diante dela. Ela estava cavando tão
profundamente em seu coração que era aterrorizante, e ele não
sabia como fazer isso parar de acontecer. E agora, lá estava ela,
exigindo que fosse a vez dela.
Ele não sabia se deveria agradecer a Deus ou xingar o diabo.
Antes que pudesse considerar as opções mais profundamente,
seu corpo havia decidido que não valia a pena o esforço de maiores
reflexões, e ele a tinha jogado para trás como ele sonhara a noite
toda. Embora nunca tivesse admitido a Crecy, ele xingou o maldito
médico que o aconselhara e decidiu que procuraria uma segunda
opinião – apenas para garantir. Por enquanto, porém, ele ia se dar
ao luxo de tomar o tempo necessário e oferecer um pouco de
retribuição.
Gabriel se moveu sobre ela, apoiando seu peso em seus
cotovelos e beijando-a, completamente incapaz de disfarçar seus
sentimentos. Com os braços de Crecy envoltos em seus ombros,
segurando-o com força, e seu corpo tão convidativo e acolhedor
como sempre, não havia maior felicidade do que essa. Ele não pôde
deixar de demonstrá-lo, beijando-a lenta e ternamente e com tanta
reverência quanto sentia por ela, essa mulher estranha e
maravilhosa que era louca o suficiente para se importar com ele.
Mas havia outras áreas convidativas para prestar atenção, e
Gabriel fez uma exploração minuciosa de todas elas, sorrindo
quando seus lábios se fecharam sobre o seio dela e ela ofegou,
agarrando seus cabelos, e lutando contra o desejo absurdo de rir
quando sua boca se arrastou por seu estômago e foi descendo, e
ela gritou e ofegou e se contorceu debaixo dele.
Quando finalmente chegou ao seu destino, os sons que ele tirou
dela foram ainda mais agradáveis. Ele decidiu que estava contente
com as paredes tão espessas, ou os criados não conseguiriam olhá-
los nos olhos pela manhã, já que Crecy não fazia nada pela metade.
Ouvir seu nome ser gritado de maneira tão desesperada enquanto
ela tinha um orgasmo, agarrando os lençóis da cama e contorcendo-
se debaixo dele, deixou-o duro e com o desejo violento de se
enterrar dentro dela. Ele, definitivamente, iria consultar o doutor
Marchand sobre o assunto. Assim que o homem chegasse. Meu
Deus, com certeza um francês seria sensato, certo?
Gabriel se ajoelhou, avaliando a devastação que causou com
satisfação. Crecy estava ofegante, seus braços espalhados, cabelos
emaranhados nos lençóis da cama, e sua pele profundamente
corada. Ela nunca parecera mais bonita, e Gabriel não podia mais
negar o sentimento que parecia pressionar seu peito, precisando de
mais espaço do que ele tinha fisicamente para conter. Era muito
vasto, muito avassalador... muito assustador, mas era real.
Ele a amava.
Capítulo 28
“No qual Crecy confronta o diabo.”

Os meses que se seguiram foram idílicos, pelo menos na


concepção de Crecy.
Talvez não tão perfeitos, já que o estúpido médico francês
confirmou as ideias de seu colega inglês sobre a relação íntima
durante a gravidez. Mas descobrir outras opções era uma maneira
bastante deliciosa de passar o tempo. Gabriel estava no auge
nesses momentos. Sua capacidade de amar e cuidar dela era algo
que continuava a surpreendê-la. O fato de um homem que havia
recebido tão pouco cuidado em sua vida ser capaz de tanta ternura
com ela era algo que a fazia sentir-se humilde e extremamente
afortunada por experimentar.
Isso não quer dizer que tudo tenha sido fácil. De modo algum. O
comportamento obsessivo de Gabriel não havia diminuído tanto
quanto ela esperava e, de fato, à medida que sua gravidez
avançava, ela sentia que piorava. Ela o ouvira no dia anterior, tendo
uma discussão inflamada com alguém, apenas para descobrir que
ele estava sozinho. O fato de que a voz de seu pai ainda o
atormentava era muito claro. Ela também ouviu escondido e
percebeu que, para Gabriel, isso era apenas um interlúdio feliz. Seu
trabalho era destruir a boa reputação de Edward, e entregar a irmã
de sua esposa em casa com o filho bastardo; isso se encaixava bem
nessa categoria.
Dizer que Crecy estava arrasada talvez fosse simplificar seus
sentimentos. No entanto, ela não culpava Gabriel, não podia. Seu
pai era o culpado por isso. Por tudo o que Gabriel havia se tornado,
aquele homem era o culpado, e ela nunca odiara alguém tanto
quanto ele. Isso porque ela sabia, sem sombra de dúvida, que
Gabriel a amava, que ele queria seu filho e temia por ambos... e
saber que ele não poderia mantê-los estava destruindo-o. Era por
isso que ele ficava cada vez mais inquieto à medida que o tempo
passava rápido demais, porque ele não queria deixá-la ir.
Agora era agosto e os dias estavam insuportavelmente quentes.
Eles passavam a maior parte do dia trancados no quarto e nos
braços um do outro, ou no santuário da biblioteca, que claramente
era o cômodo favorito de Gabriel. No entanto, depois do jantar
naquela noite, a temperatura estava mais amena e Crecy estava
desesperada por um pouco de ar, então, ela havia convencido
Gabriel a dar um passeio com ela.
Os jardins aqui eram exuberantes e isso era, é claro, mais uma
coisa que Gabriel controlava com precisão. O design era de sua
autoria, depois de estudar vários livros sobre o assunto, e Crecy
estava encantada e fascinada pelo fato de um jardim tão natural e
delicadamente belo ter saído de suas próprias mãos. Ela poderia ter
esperado labirintos e cercas vivas de buxo bem aparadas, mas não
a profusão de cores e variedade que podia ser encontrada ali.
Eles se acomodaram em um banco não muito longe de um
pequeno rio que serpenteava pela propriedade em direção ao final
dos terrenos em declive suave. Perto o suficiente para ouvirem o
murmúrio suave da água, mas não tão perto a ponto de serem
devorados pelos insetos. Crecy gostava de sentar e conversar com
Gabriel na escuridão. Fora de seus momentos íntimos, era o único
momento em que ele baixava um pouco a guarda e falava mais
livremente. Era como se a escuridão o protegesse de alguma forma.
— Por que isso não te incomoda? — começou Crecy,
expressando uma pergunta que há muito desejava fazer.
Gabriel virou a cabeça, o leve brilho de seus olhos visível à luz
da lua.
— Provavelmente me incomoda — respondeu ele, com um tom
seco. — Mas ao que, precisamente, você está se referindo?
— Quando fazemos amor — disse ela, sorrindo, sabendo que
ele ainda não estava acostumado com sua franqueza. — É
maravilhoso e prazeroso e... bem, simplesmente a melhor coisa do
mundo — acrescentou, sabendo que isso o divertiria, mesmo que
ele não dissesse nada. — Mas também é bagunçado e
desorganizado e fora de controle e... bem, todas as coisas que você
não suporta.
Ele ficou em silêncio por um bom tempo antes de balançar a
cabeça.
— Não, não é — disse ele com a voz tranquila. — É perfeito.
Crecy tinha certeza de que poderia derreter a seus pés naquele
momento, mas se contentou em levar a mão dele aos lábios e beijá-
la.
— Eu te amo — disse ela, sabendo que ele não responderia e
sentindo-se completamente à vontade com isso. Ela sabia como ele
se sentia. Isso era suficiente.
— Você estava certa — disse ele, sua voz um pouco tensa
agora.
— Isso parece improvável. — Ela riu, apertando a mão dele e
aninhando-se mais perto dele, apesar do calor.
Ele soltou uma risada, mas balançou a cabeça. — Sobre a noite
em que Aubrey Russell foi baleado. Não fui eu quem mandou fazer
isso.
Crecy sorriu na penumbra. Ela tinha certeza de que isso erro
que tinha ocorrido, mas simplesmente estava feliz que ele se
sentisse à vontade para contar a verdade.
— Eu sabia disso, Gabriel — disse ela, vendo quando ele virava
a cabeça.
— Por que você tem tanta fé em mim? — quis saber ele, soando
bravo de repente. — Eu não mereço isso, sabe. Eu posso não ter
dado a ordem para a morte de Edward, mas o homem que o fez
sabia que eu queria me livrar dele, e ele queria se livrar de sua
dívida comigo. Ele pensou que, se resolvesse o meu problema com
Edward, retornando e recuperando o título, eu ficaria devendo a ele
em vez disso.
Crecy apertou a mão dele com mais força, sabendo que ele se
afastaria se ela o deixasse.
— Mas você não deu a ordem para a morte dele, Gabriel. Eu sei
que você fez coisas ruins e não posso concordar com elas, e espero
que, com o tempo, você encontre uma maneira mais feliz de viver
sua vida. Mas eu te perdoo por elas e entendo por que você fez
essas coisas.
— Como? — disse ele, a palavra soando quase como um
rosnado de raiva. — Como você pode possivelmente entender? Eu
matei um homem em um duelo, você sabia disso?
Crecy respirou profundamente, mas assentiu. Ele estava
tentando afastá-la com suas palavras raivosas, como já tinha feito
muitas vezes. Ele tentaria afastá-la, esperando o momento em que
ela partiria, como ele acreditava que ela faria, ao mesmo tempo
rezando para que ela não o fizesse. Certamente, mais cedo ou mais
tarde, ele teria que acreditar que estava preso a ela para sempre,
não?
— Sim. Eu sabia disso, Gabriel. Embora eu não saiba por que
você o matou. Conte-me, por favor.
Ele ficou em silêncio então, e ela não precisava ver seu rosto
para imaginar a expressão raivosa que ele refletia agora.
— E então? — insistiu ela. Ela tinha certeza de que Gabriel
nunca fazia nada sem um bom motivo, não importava o quão
complicado fosse esse raciocínio. Mas ela sentia em seu coração
que ele não teria tirado a vida de um homem por nada.
— Não importa — disparou ele.
Crecy se sentou, virando-se para ele. — Oh, importa sim —
disse ela com voz firme. — Você quer que eu acredite que você é o
próprio diabo, Gabriel, então prove. Conte-me por que você o
matou, e não ouse mentir para mim, pois eu vou saber.
— Eu não gostei da cara dele — retrucou ele, soando muito
como um menino emburrado, e ela teve que morder o lábio para não
sorrir.
— Mentira — disse ela com a voz cortante, soltando sua mão e
cruzando os braços.
— Você sabia que eu sou dono de um bordel, também? — Essa
declaração tinha a intenção de deixá-la com ciúmes, mas Crecy não
caiu nessa. Ela o conhecia muito bem para acreditar que ele se
entregaria a uma mulher por quem não tivesse nenhum sentimento.
O que quer que ele tivesse feito antes de ela chegar seria por
necessidade física e talvez apenas um desejo por algum tipo de
contato humano, não importava quão sórdido fosse. Ela o
compadecia por isso e só poderia sentir gratidão às mulheres de lá
se elas o tivessem confortado nos anos antes de sua chegada.
— Eu sabia disso, sim — disse ela com voz tranquila. — As
moças são bonitas?
— Pelo amor de Deus! — explodiu ele, levantando-se, embora,
para seu alívio, não tenha se afastado.
— Gabriel — disse ela, levantando-se e indo ficar ao lado dele.
—, você não pode me chocar a ponto de não me amar e não pode
me afastar, então é melhor você me contar todos os seus segredos
mais sombrios. Vou mantê-los seguros para você, e você se sentirá
mais aliviado com isso.
Ele soltou um suspiro e encarou as estrelas no céu. Seu corpo
estava tenso, e ela sabia que ele estava travando uma guerra
mental. Ele queria contar tudo a ela, mas a voz de seu pai estava
determinada a miná-los. Se ela pudesse apenas fazê-lo ver que não
era seu pai que ele ouvia, apenas sua própria consciência, porque
ele não acreditava que merecia ser feliz. Ele sabotava todas as
oportunidades que tinha para ser feliz porque não ousava aproveitá-
las.
— Eu matei Lorde Aston porque ele quase matou uma das
garotas.
Crecy soltou um suspiro e sorriu na escuridão, mas não disse
nada, esperando que ele dissesse mais sem forçar as palavras da
boca dele.
— No começo eu não sabia, elas entraram em contato com as
autoridades, mas é claro que ninguém estava interessado em ajudar
uma mulher como essa. — A raiva em sua voz era óbvia e ela se
aproximou dele, segurando sua mão entre as suas. — Ele a
espancou, oh, Deus, tão gravemente, e então... ele cortou o rosto
dela. Antes disso ela era bonita, mas ela sabia que não poderia
trabalhar depois disso. O desgraçado parou pouco antes de matá-la,
mas tirou sua capacidade de se sustentar. Então eu o matei.
— Que bom.
Gabriel deu uma risada, mas ela soou quase como se quisesse
chorar.
— Você é mais louca do que eu — disse ele com a voz rouca,
cobrindo os olhos com a mão livre.
— Em primeiro lugar, você não é louco, Gabriel — disse ela,
olhando para cima na direção dele e desejando que ele acreditasse
nela. — Você tem uma alma linda. — Ela ignorou o som de deboche
que ele emitiu com o comentário e insistiu. — Você tem, mas você
também está machucado; e em tudo o que faz, está sempre lutando
contra o seu passado. Mas você se saiu vitorioso tantas vezes, meu
amor. Se ao menos você conseguisse ver isso.
Crecy desejou que a luz da lua fosse mais forte para que ela
pudesse ver o rosto dele claramente, mas ele não olhava para ela.
Ela puxou sua mão, trazendo-o de volta para o banco e sentando-se
em seu colo desta vez. Apoiando-se nele, ela colocou sua mão
grande na plenitude de seu estômago e a cobriu com a própria. —
Alguém que não podia se proteger foi gravemente ferido e você não
suportou. Então você agiu. Isso não é coisa de um homem mau,
mas de alguém compassivo.
— E você não se importa que o pai de seu filho seja um
devasso? — As palavras eram grosseiras e projetadas para chocá-
la, e Crecy suspirou.
— Quando foi a última vez que você as visitou?
— Pouco antes do Natal — disse ele, parecendo satisfeito com
o fato de que havia sido depois que se conheceram.
— E você... se deitou com alguém enquanto estava lá?
Ela viu a mandíbula dele tensionar, mesmo na fraca luz, e sabia
que sua suspeita estava correta.
— Dessa vez não — admitiu ele, mas insinuando que houve
muitas outras vezes.
— Quando foi a última vez? — pressionou ela, precisando que
ele visse que não se importava. Era o agora que importava, não o
passado.
Ele soltou um suspiro frustrado e ela soube que havia vencido.
O que quer que tivesse acontecido, foi antes de ela chegar. Muito
antes, pelos seus cálculos.
— Por que possuir um lugar assim, afinal? — perguntou ela, não
esperando realmente uma resposta e de forma alguma julgando-o,
simplesmente curiosa. Era isso, é claro. Um lugar onde ninguém o
julgava. Pois, certamente, se houvesse um lugar onde a natureza
mais básica do ser humano pudesse ser encontrada... era lá. —
Elas foram boas com você — adivinhou ela, e Gabriel abaixou a
cabeça, descansando-a contra ela, sua grande mão ainda
espalhada sobre seu estômago.
— Como você faz isso? — perguntou ele, soando dolorido e
infeliz e com medo. — É como se você entrasse em minha mente, e,
acredite em mim, Crecy, esse não é um lugar onde você quer estar.
Crecy acariciou seu cabelo, inclinando a cabeça sobre a dele.
— Não há nada aí dentro que me assuste, Gabriel.
— Oh, há — disse ele, uma ameaça sombria perpassando suas
palavras. — Acredite, Crecy, se você soubesse...
Ela levantou a cabeça e o olhou, colocando o dedo em seus
lábios antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa. — Eu sei.
— Não tem como!
De repente, ele estava tenso e zangado novamente, e começou
a retirar a mão de seu estômago. Crecy agarrou seu pulso,
segurando-o com firmeza.
— Seu pai quer que você me devolva a Edward assim que a
criança nascer, para que ele seja forçado a criar seu bastardo. Não
é isso, Gabriel?
Ele desviou o olhar dela, emitindo um som engasgado.
— Mas é aí que mora a questão, meu amor — disse ela com a
voz suave. — Eu te conheço, e sei que isso está te matando. Você
não quer fazer isso. — Crecy observou as emoções percorrerem
seu rosto, repulsa e autoaversão, culpa e tristeza, todas estavam lá.
— Por que você não me odeia? — indagou ele, e ela pôde ver o
brilho da angústia em seus olhos enquanto as palavras saíam,
ríspidas e desesperadas na escuridão. — Você não vê o quão vil ele
é? Ele está em mim, Crecy. Ele sou eu. Ele está na minha cabeça e
sob a minha pele. Às vezes, penso que consigo até ver o rosto dele
atrás do meu no espelho.
— Calma, meu amor, calma — disse ela, sentindo o coração
partido por sua agonia. — Está tudo bem. — Ela o abraçou,
balançando-o como uma criança, embora ele estivesse rígido,
zangado e inflexível, recusando se permitir sofrer. — Conte-me
sobre aquela noite — disse ela, percebendo que, se ela alguma vez
fosse realmente entendê-lo, precisava saber do horror que ele
vivenciou, precisava ouvir exatamente o que aconteceu.
— Eu já te contei — disse ele, e ela ouviu um tom cansado em
sua voz agora. Ele se isolaria e se afundaria em suas compulsões a
menos que ela conseguisse fazê-lo falar.
— Você me contou sobre encontrar sua mãe — disse ela
suavemente. — Você disse que nunca tinha visto tanto sangue. —
Ele estremeceu, e ela apoiou a cabeça contra a dele mais uma vez,
abraçando-o mais firmemente contra ela. — Você disse que seu pai
a tinha espancado e depois voltado para confrontar Winterbourne.
Quando ele voltou para casa, ela estava morta.
Ele assentiu, mas não disse nada.
— O que aconteceu então, Gabriel? — Ela manteve as palavras
suaves, mas firmes; ele lhe contaria, ele tinha que fazê-lo.
Ele respirou fundo, mas demorou um bom tempo antes que ele
falasse novamente.
— O luto dele foi... shakespeariano — disse ele, com um bufo
de nojo. — Acho que ele teria se saído bem no palco. Eu sempre
senti que ele estava atuando, sempre atuando, sempre mentindo,
professando o quanto a amava...“Só fico tão irritado porque te amo
tanto e você me machuca tanto”. — Ele balançou a cabeça. — Ele
não sabia o significado da palavra. Ele a punia por simplesmente
falar, por expressar uma opinião; meu Deus, se ela discordasse
dele, ele faria um escândalo.
Crecy esperou enquanto ele reunia seus pensamentos, sentindo
como se estivesse sangrando por dentro pela dor que ele estava
sentindo, desejando que pudesse tirá-la dele.
— Ele chorou e gritou e perdeu a cabeça por... eu não sei, um
longo tempo — disse ele, por fim, e ela pôde ouvir a tensão em sua
voz agora, enquanto tentava se manter calmo. — A camisa dele
estava encharcada com o sangue dela. Lembro disso. Lembro de
pensar o quão estranho era que meu pai estivesse usando uma
camisa vermelha e, depois, perceber que era o sangue dela. — Ele
engoliu em seco, e ela se agarrou a ele, só conseguindo imaginar o
horror disso. — Ele se voltou contra mim depois. Disse que era
minha culpa. Eles eram felizes antes de eu nascer, tudo era culpa
minha. Ele deveria ter me afogado, me jogado no lago antes que eu
tivesse a chance de separá-los.
Crecy soluçou, e Gabriel agora a abraçou com os dois braços,
puxando-a para si, cobrindo o estômago dela com seu corpo e seus
braços, como se estivesse protegendo a criança lá dentro das
palavras monstruosas. Ela conteve suas lágrimas o melhor que
pôde, sabendo que ele pararia se ela ficasse muito angustiada.
— Ele disse que a morte de minha mãe estava na minha
consciência, e a dele também, porque ele tinha que segui-la. Ele
não podia viver sem seu amor. A única maneira de eu fazer as
pazes era destruindo a linhagem dos Greyston. — Ele a olhou
então, seus olhos cheios de lágrimas e confusão. — Eu tinha dez
anos, Crecy. Eu não sabia como fazer o que ele queria e... e eu
concordei. — Sua voz falhou, e Crecy não pôde fazer nada além de
abraçá-lo, acariciar seu cabelo e sussurrar que o amava. — Ele
desceu as escadas profundamente furioso, e eu pensei que talvez
ele tivesse mudado de ideia, mas quando voltou, carregava uma
pistola. — Gabriel respirou fundo, e ela podia sentir seus ombros
grandes tremendo agora. — Ele a apontou para a minha cabeça.
Disse que eu tinha que jurar, sob minha vida, que destruiria o pai de
Edward e todos que o seguissem, ou ele me mataria antes de se
matar.
— Meu Deus! — De todas as coisas que Crecy tinha imaginado,
ela nunca percebeu o quanto era sombrio. O fato de Gabriel ter
sobrevivido, e se tornado um homem capaz de tanto amor e
compaixão, era nada menos que um milagre. — Oh, meu amor,
sinto muito. Eu desesperadamente sinto tanto.
— Eu aceitei — disse ele, as palavras sendo forçadas agora,
embora sua voz tremesse de emoção. — Eu jurei que faria isso, e
ele disse que me assombraria até o dia em que eu conseguisse, que
eu nunca estaria livre dele a menos que mantivesse minha palavra.
— Ele engoliu em seco, respirando fundo, as palavras que se
seguiram saindo truncadas e tão vis que ele, claramente, não tinha
a intenção de dizê-las em voz alta. — Ele... ele estava de pé bem na
minha frente, apontando a arma para o meu rosto, pressionando o
cano contra a minha testa, e então... e, então, ele se matou em vez
disso.
Crecy enterrou o rosto em seus cabelos, balançando os dois
agora, chorando pelo pobre e assustado menino e todo o horror que
ele havia vivido. Eles ficaram assim por um longo tempo, até que
Gabriel se recompôs um pouco.
— Ele não vai me deixar em paz, Crecy. Ele nunca me deixará
em paz. — As palavras partiram seu coração completamente, pois
ela ouvia o esgotamento por trás delas, a derrota. Ele estava tão
cansado de lutar.
Crecy respirou fundo e segurou a cabeça dele em suas mãos,
forçando-o a olhar para ela.
— Ouça-me bem, Gabriel Greyston. Eu não tenho medo do seu
maldito pai, e não vou deixá-lo te machucar mais. Nós vamos nos
livrar dele. Você e eu, de uma forma ou de outra. Você me entende,
seu bastardo? — gritou ela, elevando a voz para o céu, sabendo
que era ridículo, mas gritando na escuridão mesmo assim. — Eu
não vou deixar você tê-lo. Ele é meu agora, e eu vou lutar até que
você esteja queimando no inferno, que é onde você pertence!
Gabriel deu uma risada surpresa, olhando para ela com
admiração, e eles ficaram ali até o amanhecer, seguros nos braços
um do outro.
Capítulo 29
“No qual há uma surpresa e um retorno à Inglaterra.”

Se Crecy esperava que os eventos daquela noite marcassem


uma virada, ela ficou profundamente desapontada. Por um lado,
Gabriel estava diferente. Quando estavam juntos, ele era mais
atencioso e carinhoso do que jamais havia sido, demonstrava mais
afeto do que antes, como se tivesse desistido de lutar contra seus
sentimentos e os aceitado. Embora ele se recusasse a não seguir
as instruções do maldito médico – para grande frustração de Crecy
– fazer amor era uma alegria e um momento em que ela sabia que
ambos eram tão felizes quanto duas pessoas tinham o direito de ser.
No entanto, fora isso, havia momentos em que ela podia senti-lo
retirando-se para dentro de si mesmo. Com frequência cada vez
maior, parecia estar perdido na escuridão, repleto de tristeza e
desespero a ponto de ela achar difícil alcançá-lo. Ele passava
longos períodos sozinho em seu escritório, escrevendo cartas e
lidando com coisas sobre as quais não lhe contava. Havia um tom
quase febril em seu trabalho, seja lá o que fosse, e ele vivia
escrevendo notas em um pequeno livro encadernado em couro que
carregava no bolso da jaqueta. Por mais que ela tentasse, Crecy
não conseguia fazê-lo explicar para que servia o livro, e na única
vez em que ousou tentar dar uma olhada, sua raiva tinha sido algo
digno de se ver. Além disso, sua compulsão de arrumar e organizar
não estava melhorando, e ele tinha dificuldade em manter a calma
se Crecy tentasse convencê-lo a deixar as coisas como estavam.
Naquela manhã, ela suspirou enquanto se espreguiçava na
cama, imaginando se ousaria perguntar a ele novamente por que
estava preparando tantas coisas, pois certamente ele tinha algo em
mente. Ela suspeitava que fossem preparativos para o bebê, mas
ele já tinha feito tanto que ela não conseguia imaginar o que mais
poderia ser necessário. Do jeito que as coisas estavam indo, aquele
seria o bebê mais mimado da história da Inglaterra. Crecy sorriu
com a ideia, acariciando sua barriga e sentindo um leve chute de um
pezinho contra sua pele. Virando-se para o outro lado, ela estendeu
a mão para Gabriel e olhou para ele, piscando sob a luz da manhã
ao descobrir que ele não estava lá.
Gabriel dormia muito pouco, mas ele sempre estava ao lado
dela quando ela acordava. Jogando os lençóis para trás, Crecy
levantou-se da cama com um gemido, esfregando a lombar e
pegando seu xale, cuidadosamente dobrado e guardado, é claro.
O dia já estava quente, mas, pelo menos, não era o calor
pegajoso e sufocante da semana passada, que a fazia se sentir tão
desconfortável. Andando descalça, ela voltou ao seu próprio quarto
e descobriu que Beth estava agachada ao lado de um grande baú e
cercada por mais baús abertos enquanto colocava dentro deles as
coisas de Crecy. Crecy ficou olhando por um momento, um estranho
e inquietante pressentimento envolvendo-a.
— O que diabos está acontecendo? — exigiu saber de Beth. A
garota olhou para cima, soprando uma mecha escura de cabelo do
rosto, que já estava rosado e brilhando de suor. Julgando pela cena
ao seu redor, ela devia ter começado ao amanhecer.
— Ora essa, senhorita, você tá voltando para a Inglaterra. —
Beth sentou-se sobre os calcanhares e olhou para cima com o
cenho franzido. — Ele num disse nada a você?
— Não — respondeu Crecy, de repente sentindo-se fria e
assustada apesar do calor do dia. Ela se virou, precisando ver
Gabriel, descobrir o que diabos estava acontecendo. Descendo as
escadas o mais rápido que as suas agora generosas proporções
permitiam, ela olhou para Gabriel quando ele apareceu no corredor.
— Vá devagar — ordenou ele, parecendo furioso com ela. —
Quantas vezes tenho que dizer para você ter cuidado nas escadas?
— Gabriel! — exclamou ela, ignorando suas palavras
completamente e jogando-se em seus braços. — Diga-me que você
não está me mandando de volta — disse ela, com medo deixando
um gosto amargo em sua boca, enquanto se perguntava se o pai
dele tinha vencido, no fim das contas. Ela percebeu que estava
tremendo, seus olhos se enchiam de lágrimas enquanto agarrava
suas lapelas e as segurava de maneira firme. — Por favor, Gabriel.
Ela o encarou, vendo tristeza em seus olhos, mesmo enquanto
ele sorria e balançava a cabeça.
— Não seja tola. Claro que não estou te mandando de volta,
criatura ridícula. — Ele fez um gesto para que o seguisse até a
biblioteca, longe de olhares curiosos, onde a abraçou. — Crecy,
você está tremendo — exclamou ele, abraçando-a com força e
esfregando as mãos para cima e para baixo em suas costas. —
Venha aqui, pare com esse absurdo. Você vai perturbar o bebê.
Crecy deu uma risada soluçante, olhando para ele e não
sentindo-se tão tranquilizada quanto talvez devesse pelas palavras
dele.
— P-por que eles estão colocando minhas coisas no baú então,
e não as suas?
Gabriel sorriu para ela, uma de suas grandes mãos segurando
seu rosto. — Porque eu não queria que você fosse incomodada.
John fará as minhas agora que você está acordada. Temos uma
longa jornada pela frente e eu não quero que você fique cansada.
— Mas para onde estamos indo? — exigiu saber ela, sentindo-
se mais perplexa do que nunca. — Eu pensei que teria o bebê aqui!
Uma expressão de culpa passou pelo rosto dele e ele não
encontrou seus olhos. — Eu sei. Mas vou corrigir as coisas, Crecy.
Vou fazer o que deveria ter feito meses atrás.
Crecy o encarou, perplexa e ansiosa, enquanto ele também
parecia estar morrendo de medo.
— Eu não entendo — sussurrou ela, virando o rosto na mão
dele e cobrindo-a com a sua. Por que ela se sentia tão assustada?
— Bem — disse ele, sua voz de repente adquirindo um tom um
tanto ríspido que sempre significava que ele estava ansioso. —
Supondo... supondo que você me aceite, vou me casar com você.
Crecy piscou enquanto as palavras pareciam flutuar ao seu
redor, mas seu cérebro parecia não ser capaz de acompanhar. A
mão que ainda segurava sua lapela arruinada a segurou agora
ainda mais forte, enquanto ela se sentia subitamente um pouco
tonta.
— O-o quê? — gaguejou ela, precisando ter certeza de que
ouviu corretamente. — O que você disse?
Gabriel franziu a testa, seus olhos azuis agora preocupados. —
Maldição, Crecy, você ouviu — rosnou ele, parecendo tão tenso que
ela pensou que ele poderia fugir do local a qualquer momento. —
Você vai se casar comigo ou não?
Ela deu uma risada surpresa e jogou os braços em volta de seu
pescoço, chegando o mais perto que seu estômago permitiria, e
puxou sua cabeça para um beijo.
— Sim — disse ela contra a boca dele, sorrindo enquanto o
beijava. — Sim, sim, sim, sim, mil vezes sim, Gabriel.
Ele resmungou, mas parecia bastante satisfeito. — Bem —
disse ele, inclinando-se um pouco para que ela não precisasse se
esforçar para alcançar seus lábios. — Então está tudo certo.
Crecy suspirou aliviada, apoiando a cabeça em seu peito. —
Mas por que a Inglaterra? — disse ela, olhando para ele novamente.
— Poderíamos nos casar aqui.
Gabriel balançou a cabeça. — Eu quero me casar com você em
Damerel, e... — Ele deu um suspiro, parecendo um pouco evasivo.
Ela o encarou, estreitando os olhos. — Gabriel, o que você fez?
— perguntou ela, querendo saber o que ele estava escondendo.
Ele coçou a cabeça, sem olhá-la. — Eu... posso ter subornado o
reverendo lá para colocar uma data falsa no registro.
A boca de Crecy se abriu em choque. — Você não fez isso! —
exclamou ela, espantada com sua audácia. — Como você
conseguiu?
Ele resmungou, parecendo aliviado por ela não estar brava com
ele. — Acho que o sujeito acredita que fez um acordo com o diabo,
mas... bem, a igreja da vila terá um novo telhado antes do Natal,
digamos assim, e ninguém poderá dizer nada a você, Crecy —
acrescentou ele, sua voz ficando séria de repente. Ele acariciou o
rosto dela, encarando-a com um olhar que a fazia se sentir
absolutamente amada, e por alguma razão ainda muito assustada.
— O registro mostrará que eu me casei com você antes de
partirmos da Inglaterra. Você pode manter a cabeça erguida e nosso
filho será legítimo.
Ela piscou, perguntando-se por que algo parecia tão errado
quando ele estava se esforçando tanto para fazer tudo certo.
Ele franziu a testa para ela, talvez sentindo sua inquietação.
— Isso não te agrada? — perguntou ele, a ansiedade
retornando aos seus olhos.
— Sim — disse ela, tentando sorrir enquanto as lágrimas
escorriam por suas bochechas. — Sim, você me fez muito, muito
feliz, meu amor. — Engolindo em seco, ela segurou os braços dele,
olhando nos olhos dele. — Mas sinto que você está escondendo
algo de mim.
Gabriel desviou o olhar dela, e soltou-a.
— Não seja tola — disse ele, agora com a voz mais dura. —
Você só está sendo emotiva demais. Você sabe como vem se
comportando com essa criança. — Ele olhou ao redor, com uma
expressão um tanto carinhosa nos olhos. — Você se tornou uma
verdadeira chorona.
— Não, eu não me tornei — protestou Crecy, apesar de estar
enxugando o rosto com a manga de seu xale.
Ele resmungou, claramente discordando dela nesse ponto.
— Vá se vestir, querida — disse ele, soando mais suave de
repente. — Não quero que você se apresse. Vamos levar o tempo
necessário para voltar, para que você não precise passar tanto
tempo na carruagem, mas gostaria de partir até o meio da manhã.
— Está bem — disse ela, sorrindo com o uso não muito
frequente de um apelido para ela, apesar da sensação de
inquietação que não a deixava. Ela se dirigiu para a porta e depois
hesitou, voltando para ele. — Você realmente não está me
escondendo nada?
— Claro que não — disse ele, embora não tenha olhado nos
olhos dela, e ela sabia que ele estava mentindo. — Agora vá se
vestir. Você sabe como fico bravo quando as pessoas não seguem o
planejado.
Ela sorriu, ciente de que ele estava fazendo uma piada às
próprias custas, mas totalmente incapaz de afastar a sensação de
que estava deixando algo escapar.
Capítulo 30
“No qual há um regresso à casa e um casamento.”

A viagem de volta foi, pelo menos, muito melhor do que a ida.


Gabriel cumpriu sua palavra e apesar de sua aversão por se
hospedar em estalagens, a menos que isso fosse estritamente
indispensável, eles levaram o tempo necessário, pausando a
viagem frequentemente para que Crecy só estivesse na carruagem
por curtos períodos. No entanto, isso inevitavelmente deixava
Gabriel tenso, e houve quase um episódio muito desagradável
quando o proprietário do local onde pararam para comer percebeu
que tinham uma companhia de alta classe entre eles. Ele decidiu
retirar o vinho e os copos com gritos para a criadagem trazer as
melhores coisas da casa. Como Gabriel tinha passado mais tempo
do que Crecy gostaria de lembrar para preparar tudo a seu gosto,
sua demonstração de fúria foi inevitável. Foram necessárias todas
as habilidades persuasivas de Crecy para fazê-lo entender que o
homem estava agindo gentilmente e não com a única intenção de
levar Gabriel à loucura.
As águas estavam calmas e a travessia deles foi tranquila,
acompanhados por céu azul e uma brisa agradável que amenizava
o calor do sol. Apesar de todos os seus esforços, no entanto, Crecy
não conseguia evitar sentir que era a calmaria antes da tempestade.
Às vezes, Gabriel parecia mais tranquilo do que o habitual, como se
tivesse feito as pazes consigo mesmo, e em outros momentos mais
tenso e ansioso... e mais triste do que ela jamais o tinha visto.
Ela só podia esperar que fossem simplesmente suas
preocupações com o casamento e a chegada da criança que
estavam pesando em sua mente. Crecy sabia muito bem que o
bebê o aterrorizava. Ele havia dito pouco sobre o assunto, mas as
poucas observações que ele havia deixado escapar a levaram a
acreditar que ele estava apavorado. Ela conseguia adivinhar o
porquê. Era difícil trazer o assunto à tona com ele, mas ela tinha
tentado tranquilizá-lo de que não havia motivo para a criança ser
atormentada pelos mesmos problemas que ele tinha. Nesse
aspecto, não seria nada fora do comum. A menos que o pobre
coitado puxasse a ela, ela acrescentou, tentando aliviar o clima. O
olhar que passou pelo rosto dele, no entanto, a fez perceber que
tinha tocado em um ponto sensível. Sua autoestima estava tão
baixa que ela não duvidou por um momento sequer de que ele
achava que seria um péssimo pai, e ela sabia que devia fazer tudo
ao seu alcance para tranquilizá-lo.
À medida que a carruagem começava a avançar sobre um
território familiar, aproximando-os de Longwold e Damerel, Crecy
começava a sentir nervosismo. Como Belle e Edward os
receberiam? Ela deveria tentar vê-los sozinha antes de apresentá-
los a Gabriel, pois só podia imaginar a cena horrível que se seguiria.
Com Gabriel em um estado de espírito tão frágil, essa era a última
coisa que ele precisava. Portanto, ela tentaria ser corajosa e
enfrentá-los sozinha, e, então, tentaria explicar. A ideia não era
muito agradável, apesar de seu desejo de ver Belle. Ela se
perguntava se já tinha uma sobrinha ou sobrinho, e esperava que
sim. Então, Belle talvez pudesse a aconselhar sobre o parto
iminente, pois ela não tinha entendido uma única palavra do que o
médico francês havia dito. Um Gabriel muito desconfortável
traduzira para ela, mas ainda preferia ouvir isso de sua irmã.
Se é que Belle quisesse vê-la.
Ela veria, é claro que veria, repreendeu a si mesma. Mas,
embora Crecy tivesse escrito regularmente para Belle, a princípio
apenas para explicar um pouco e confessar sobre a criança, e
depois para tentar assegurar sua felicidade, ela não tinha ideia dos
sentimentos de sua irmã. Isso porque ninguém sabia onde estavam
e Crecy nunca tinha fornecido o endereço, consciente de que
Edward seria enviado imediatamente no momento em que o
paradeiro deles fosse revelado, para trazê-la de volta para casa.
Quanto mais perto de casa eles chegavam, mais sombrio ficava
o humor de Gabriel. Ele mal tinha falado uma única palavra desde o
café da manhã. Crecy se virou para ele, tentando manter sua
preocupação escondida. — Você está tão terrivelmente infeliz com a
perspectiva de se casar comigo? — indagou ela, mantendo a voz
leve e brincalhona enquanto sorria para ele. Mas Gabriel não sorriu
de volta.
Sua expressão era intensa quando olhou para ela, seus olhos
sérios e melancólicos.
— Nunca pense isso. Eu nunca quis nada mais, eu prometo. —
Ele estendeu a mão e tocou a bochecha dela com as costas dos
dedos. Ele parou por um momento e ela ficou aguardando, sentindo
que ele estava lutando para dizer algo. — Eu te amo.
Crecy sentiu o fôlego ser interrompido. Gabriel raramente dizia
algo de natureza romântica, mas mesmo quando o fazia, ele ainda
não tinha conseguido dizer as palavras em voz alta. Ela deu uma
risadinha, mas a garganta estava apertada de emoção. — Eu sei
disso, Gabriel — disse ela, rezando para que Belle e Edward
tentassem ver o homem maravilhoso que ele era e esquecessem
tudo o que havia acontecido antes. — Mas muito obrigada por dizer.
Isso... isso me deixou muito feliz.
Ele abriu os braços para ela e ela se aninhou no espaço
destinado a ela, sem hesitação.
— Isso é bom — disse ele com a voz baixa. — Quero que você
seja feliz, Crecy, quero tanto. Mais do que qualquer coisa. Você e a
criança.
Crecy pegou a mão dele e a beijou, olhando para ele e vendo
seu rosto ficar embaçado à medida que piscava com força. — Você
me faz feliz, Gabriel, e você fará nossa criança também. Você verá.
Ele ficou em silêncio, então, e ela só podia esperar que ele
ouvisse suas palavras.
***
Foi difícil se aproximar da capela privada em Damerel. Gabriel
respirou fundo e andou de um lado para o outro novamente,
sentindo-se um tolo. Crecy o esperava, tão paciente quanto sempre.
Pelo amor de Deus, homem, coloque um pé na frente do outro e vá
até a maldita capela.
Mas seus pais estavam enterrados lá embaixo. Não dentro da
propriedade, uma vez que, como suicidas, havia-lhe sido negados
esse direito, mas perto o suficiente para ver as sepulturas. Talvez
essa tenha sido uma má ideia. Ele engoliu em seco, a bile subindo
em sua garganta só de pensar em ver as sepulturas. Embora ele
tenha pagado para cuidar da capela e dos túmulos, ainda não havia
estado lá. Não desde o funeral tantos anos atrás.
Ele não conseguia fazer isso. Ele não conseguia fazer isso.
Gabriel olhou para Crecy, vendo a preocupação em seus olhos e
sentindo uma pontada de tristeza. Sim, você pode muito bem fazer
isso. Você vai fazer isso por ela. Deus sabe que você deu tão pouco
a ela. Cada chefe da linhagem DeMorte havia se casado aqui por
séculos. De jeito nenhum que com Crecy seria diferente. Ela seria
Lady DeMorte e, uma vez que os rumores tivessem se dissipado,
ela poderia se sentir orgulhosa disso. Não haveria mais dúvidas
sobre a ilegitimidade da criança. Ele respirou fundo e começou a
seguir o caminho que levava à igreja. Ele sentiu uma sensação
terrível e aguda de formigamento subindo e descendo sua espinha,
como se estivesse sendo cutucado repetidamente com uma vara
afiada, e estava suando também. Que maridão você é, ele
murmurou interiormente antes de afastar a ideia. Ele não pensaria
nisso. Era irrelevante.
Crecy sorriu quando ele finalmente conseguiu colocar os pés no
caminho que levava à capela, dando um enorme sorriso na direção
dele e segurando sua mão. Meu Deus, era tão fácil fazê-la feliz, ele
pensou desesperado. Ela merecia muito mais. Ele respirou fundo
mais uma vez, sentindo a náusea revirar seu estômago quando a
capela surgiu à vista. A mão de Crecy na sua era firme, com
certeza, e ele sabia que ela o estava encorajando. Gabriel olhou
para ela para se tranquilizar à medida que se aproximavam das
portas da capela. Seu coração se expandiu em seu peito, enchendo-
o e tornando-o desesperado para ser digno dela, mesmo que
apenas um pouco. Todo instinto estava gritando para que ele se
virasse e fugisse, mas ele tinha que fazer isso. Ele faria isso por ela.
Ele parou no limiar, imaginando com um sorriso irônico, se seria
atingido por um raio no momento em que entrasse. Ele não ficaria
nem um pouco surpreso. Recusando-se a pensar mais sobre isso,
ele entrou antes que perdesse a coragem, e de repente eles
estavam lá. O reverendo que servia à família DeMorte e nunca havia
visto Gabriel pessoalmente, apesar dos melhores esforços do pobre
homem, parecia tão ansioso quanto Gabriel. Com o rosto pálido e
suando, Gabriel tinha certeza de que o homem acreditava estar na
presença do mal. Tinha exigido uma boa quantia, muita persuasão
e, finalmente, um toque de chantagem para conseguir o que queria.
Piper, que o Senhor o abençoe, informou-o de que havia
rumores de que o sujeito tinha sido bastante indiscreto com uma
jovem de um pub local, n'O Cordeiro. Após investigar um pouco,
Piper retornou com a informação de que a jovem tinha um filho
pequeno, a viva imagem do reverendo. Então, em troca de Gabriel
não informar seus superiores sobre esse comportamento horrendo,
o reverendo Haley o casaria com Crecy, colocaria uma data falsa no
registro e juraria a qualquer um que lhe perguntasse que a
cerimônia havia ocorrido em janeiro. Ele também daria uma
generosa pensão mensal para a pobre mulher que havia largado
para se virar sozinha com seu filho, sem receber um tostão sequer
dele. No geral, Gabriel estava bastante satisfeito com o acordo.
Piper e seu criado, John, foram testemunhas, ambos dos quais
poderiam ser confiáveis para confirmar que o casal havia se casado
meses atrás. E, de repente, a cerimônia havia começado, unindo-o
à mulher ao seu lado.
Se a voz do reverendo tremia um pouco e ele tinha dificuldade
em olhar nos olhos da noiva extremamente corada, Gabriel não se
importava nem percebia. Ele se concentrava apenas nas palavras,
fazendo promessas diante de Deus que sabia que nunca poderia
cumprir. Mas se existisse algo como um Deus, ele devia saber que
Gabriel era um mentiroso, então, não haveria surpresas.
Piper, que estava entregando a noiva e parecia muito orgulhoso
disso, disse a sua parte, e, então, o reverendo se virou para Gabriel,
que repetiu as palavras, sentindo a garganta inexplicavelmente
apertada ao falar.
— Eu, Gabriel Rochester Francis Greyston, recebo-lhe, Lucretia
Jane Holbrook, para ser minha esposa, para te ter e guardar a partir
deste dia, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, na
alegria e na tristeza.
Gabriel parou, segurando a mão de Crecy com muita força.
— Até que a morte nos separe, de acordo com a santa
ordenança de Deus; e assim, eu te dou minha palavra.
***
Houve um pequeno café da manhã de casamento preparado
para eles, embora se assemelhasse muito ao que Gabriel
normalmente fazia. Gabriel fez o seu melhor para dizer as coisas
certas, sorrir mais do que jamais havia feito em sua vida, e então,
deu à criadagem o resto do dia de folga. Depois de terem suportado
as intermináveis felicitações, embora bem-intencionadas, estavam
finalmente sós.
Crecy suspirou e se sentou ao lado da bandeja de chá que Piper
havia insistido em trazer antes de partir.
— Você viu Piper durante a cerimônia, Gabriel? Acho que ele
estava chorando de verdade
Gabriel resmungou, balançando a cabeça. — As lágrimas eram
por você, eu te asseguro. O sujeito queria minha cabeça em uma
estaca depois... — Ele se interrompeu, sem ter certeza de como
colocar isso em palavras sem ser grosseiro, e então fez um gesto
para a barriga de Crecy.
Crecy riu dele como sempre fazia quando ele não conseguia ser
tão direto como ela frequentemente era. Ele só conseguia fazer isso
quando estava com raiva, e estava longe disso. Gabriel virou-se
para olhar pela janela. Ele queria isto. Ele queria Crecy e seu filho,
apesar do fato de que ele seria um pai horrível. Que Deus ajudasse
a criança, pois provavelmente ficaria tão louca quanto ele, e então, o
que seria dela? Crecy o odiaria por isso. E se houvesse mais deles,
todos tão estranhos e mal-intencionados quanto ele?
Ele estremeceu com o pensamento, o medo arrepiando-o.
Você sabe o que fazer.
Desta vez, não era seu pai que estava falando com ele. Gabriel
tinha tomado a sua decisão. Ele não mais cumpriria as ordens do
homem. Edward poderia viver sua vida em paz, Gabriel não se
importava mais com isso. Ele podia ouvir a raiva de seu pai,
condenando-o como um covarde, um fracassado, um louco, um
verme patético, mas não era nada que ele já não tivesse ouvido
antes, nada que ele já não soubesse. Crecy era tudo o que
importava para ele agora, ela e a criança. Não havia mais nada
além disso, nenhum outro pensamento em sua mente. Elas deviam
estar seguras. Deviam ser felizes. Duas coisas que ele não poderia
dar a elas.
Mas segurança, um futuro certo, um nome – ainda que
manchado – isso ele poderia dar.
— Vamos para a cama — disse Crecy, sorrindo para ele de uma
maneira que fazia seu coração parecer preso em uma armadilha, os
espinhos perfurando, rasgando a delicada carne.
— É o meio do dia — disse ele, cheio de vontade de esquecer
seus planos, de fazer o que ela dizia. Talvez ele pudesse tentar? Ele
podia tentar, não podia? Apenas por um curto período.
— E daí? — retrucou ela, soando indignada e fazendo-o sorrir;
embora quisesse chorar, queria que ela o abraçasse e lhe dissesse
que nada de ruim aconteceria. Tudo ficaria bem.
— Pensei que talvez você quisesse ver Belle — disse ele,
sabendo que, na verdade, ela queria ver a irmã mais do que
qualquer outra coisa.
O semblante de Crecy se entristeceu e ela olhou para ele. — Eu
quero, muito. Eu... eu só estou nervosa, acho. — Ela bufou e
balançou a cabeça. — Embora eu não saiba por que, já que Belle é
a pessoa mais amorosa e complacente do mundo, e uma vez que
ela vir o quão feliz estou... eu sei que ela vai te amar também,
Gabriel.
Gabriel se absteve de fazer comentários. Bem, havia outro
motivo. Crecy sempre estaria dividida entre ele e sua irmã. Belle
nunca o perdoaria, disso ele tinha certeza. Ele nem esperaria isso
dela, afinal, depois de tudo o que ele havia feito. Edward
provavelmente o desafiaria para um duelo. Ironicamente, depois de
tentar provocar o homem para isso por tantos anos, ele poderia
realmente conseguir o que desejava.
— Se você quiser vê-la, devia ir agora — disse Gabriel, ouvindo
as palavras emperrarem na garganta. — Também acho que você
deveria passar a noite lá.
— O quê? — Crecy olhou para ele com indignação. — Gabriel, é
a nossa noite de núpcias!
Gabriel se firmou contra a enxurrada de emoção que o dominou,
crescendo em seu peito e apertando seus pulmões tão forte que era
doloroso respirar. Ele virou as costas até que recuperou o controle,
sorrindo para ela o melhor que podia, com uma sobrancelha
erguida. — Eu acho que esse navio já zarpou.
Crecy fez beicinho para ele, parecendo tão adoravelmente
contrariada que ele teve que ir se sentar ao lado dela, beijá-la e
abraçá-la. Ele colocou a mão em seu ventre, ainda achando difícil
acreditar que tinha um filho, apesar das evidências avassaladoras.
Ele ofegou, surpreso quando a criança se mexeu, pressionando-se
contra sua palma.
— Ela reconhece o papai — disse Crecy, sua voz calma,
olhando para ele com tanto amor que ele não sabia como poderia
suportar. Ele a puxou para perto, sentindo-se sobrecarregado de
amor, da necessidade de fazer a coisa certa, e de uma tristeza
desesperada.
— Eu te amo — disse ele, ouvindo sua voz tremer de emoção,
mas totalmente incapaz de pará-la. — Nunca se esquecerá disso,
não é? Eu amo muito vocês dois. — Ele piscou os olhos com força,
sabendo que precisava se segurar um pouco mais, aproveitando a
sensação de sua esposa em seus braços, desejando tanto que
fosse para sempre.
— Claro que não vou esquecer — disse Crecy, apoiando a
cabeça em seu ombro. — Vamos estar juntos todos os dias, e eu
vou te perturbar para me dizer isso toda manhã e toda noite, então,
eu não poderia esquecer de jeito nenhum.
— Não acho que isso exigiria muita perturbação — disse ele,
sua voz agora suave, pois estava segurando suas emoções por um
fio. — Vamos, você teve um longo dia. Se você quiser ver sua irmã,
devia ir agora.
Crecy suspirou, mas não mostrou sinais de se mover. — Você
não vai comigo, Gabriel?
— Não acho que seja uma boa ideia, o que acha?
— Não — admitiu ela. — Eu não acho que seja. Mas quando eu
explicar... — Ela olhou para cima, então, seus olhos lindos brilhando
com tanta esperança que ele pensou que a dor disso iria matá-lo ali
mesmo. — Você virá, então, e eles vão ver, Gabriel, eles vão
entender. Não imediatamente, talvez, mas eles vão, você vai ver.
Ele forçou um sorriso nos lábios, retirando uma mecha de seu
lindo rosto. — Você é uma otimista incorrigível e tola, esposa.
Ela sorriu para ele, um olhar astuto em seus olhos. — Bem,
claro que sou. Caso contrário, eu teria desistido de você.
— Mas você nunca o fez — sussurrou ele, pensando por que
essa mulher, que o amava com tanta intensidade, havia sido tão
determinada em salvá-lo. Deus sabe que ele não merecia.
— Eu nunca vou — emendou ela.
Gabriel engasgou-se, disfarçando o som com uma risada. — Eu
tenho algo para você — disse ele, tentando desviar a atenção dela,
já que ela o olhava de forma um pouco estranha. — John estava
separando algumas roupas antigas e encontrou isso em um dos
bolsos. — Ele pegou a pena de gaio, ainda tão deslumbrante em
azul e preto como no dia em que ela a havia dado a ele.
— Oh, meu Deus — exclamou ela, encantada. — Que
engraçado, eu estava me perguntando onde estava isso, já que
você guardou tudo com tanto cuidado. — Gabriel levantou uma
sobrancelha e ela corou. — Oh. Bem, depois que você saiu daqui,
Piper me deixou entrar em seu escritório para escrever uma carta a
você. Eu... posso ter sido um pouco curiosa.
Gabriel sorriu e se inclinou para frente, beijando a testa dela. —
Não, você não foi. Agora, tudo é seu, então você pode ser tão
curiosa quanto quiser.
Ela devolveu o sorriso, mas depois seu rosto se entristeceu. —
Posso olhar naquele livrinho em que você esteve escrevendo?
O sangue de Gabriel gelou e ele balançou a cabeça. — Não. —
Percebendo que a tinha deixado desconfortável, ele soltou um
suspiro e se forçou a relaxar. — Sim, você pode, mas ainda não.
— Amanhã? Quando eu voltar para casa?
Gabriel engoliu em seco, a garganta tão apertada que não
conseguia falar, mas assentiu. Crecy relaxou, parecendo aliviada. —
Muito bem, então — disse ela, com um tom de uma esposa
resignada. — Se você está tão ansioso para se livrar de sua esposa,
suponho que devo ir.
Gabriel a ajudou a vestir a peliça, abotoando os botões para ela
e sorrindo ao notar como até mesmo a peliça mais nova que tinha
ficava apertado sobre a barriga dela. — Você está engordando,
esposa.
Crecy bufou. — E de quem é a culpa? — exigiu saber ela, sua
voz mordaz enquanto ele amarrava a fita embaixo do queixo e se
inclinava para beijá-la.
— Minha — sussurrou ele. — Toda minha.
Ela suspirou, um olhar melancólico em seus olhos. — Sabe, eu
vou sentir muito a sua falta. Você tem certeza de que não quer vir?
Gabriel balançou a cabeça. — Tenho que ir para Bath esta noite
a negócios. Bainbridge tem alguns documentos que preciso assinar
sem demora.
— Mas você vai voltar aqui esta noite, não vai? — Gabriel
assentiu quando ela segurou seu braço, e ele a acompanhou até a
carruagem. — Muito bem, então, eu te vejo amanhã — disse ela,
enquanto ele a ajudava a entrar.
Ela se sentou e Gabriel se inclinou, completamente incapaz de
resistir a um último beijo.
— Até amanhã — sussurrou ela.
Gabriel a beijou novamente, mas não disse nada, fechando a
porta da carruagem e observando até que ela desapareceu de vista.
Capítulo 31
“No qual Gabriel coloca seu plano final em ação.”

— Crecy! — Belle correu pelo corredor do grande castelo, seus


olhos cheios de alegria e angústia. — Oh, querida, oh, eu estava tão
preocupada.
Qualquer ansiedade que Crecy possa ter sentido de que seria
evitada ou, pelo menos, repreendida, desapareceu quando Belle a
abraçou. Ela foi abraçada, apertada e beijada até que foi forçada a
protestar, e, então, Belle colocou a mão em seu estômago.
— Oh, Crecy, querida — disse ela com a voz tão triste que
Crecy sentiu uma explosão de raiva.
— Não fale assim, Belle — disse ela, incapaz de conter a
irritação em sua voz.
— De que outra forma posso dizer isso, querida? — perguntou
Belle, segurando sua mão e parecendo tão completamente
desolada que Crecy emitiu um som de impaciência.
— Somos casados. Feliz agora? — disse ela, erguendo uma
sobrancelha. Para sua decepção, Belle não parecia muito mais feliz.
— Bem — disse ela, e Crecy podia dizer que Belle estava
escolhendo cuidadosamente suas palavras. — Estou feliz, é claro,
pelo bem do bebê, mas... — Ela aparentemente não conseguiu
conter seus pensamentos por mais tempo. — Mas com um homem
assim, Crecy? Por quê? Por que DeMorte, dentre todas as
pessoas?
Crecy cerrou os dentes. Ela deveria ter mais paciência, sabia
que deveria, mas havia algo sensível e frágil em Gabriel quando ela
o deixou, e quanto mais pensava nisso, mais preocupada ficava.
— O quê? Por que ficar com um homem que me bate e bebe e
joga e visita prostitutas? — disse ela, sentindo uma pontada de
satisfação quando Belle ficou pálida como a morte.
— Crecy! — exclamou Belle, obviamente levando suas palavras
ao pé da letra. — Bem, agora você está segura, querida. Ele não vai
mais te tocar, eu prometo. Você não precisa mais ter medo.
Crecy jogou as mãos para o alto e marchou para a sala de estar,
deixando Belle correr atrás dela. — Você realmente leu minhas
cartas, Belle? — exigiu saber ela, enquanto sua irmã fechava a
porta atrás dela.
— Claro que li — respondeu Belle, soando ofendida.
— E?
Belle abraçou-se, e Crecy de repente percebeu que Belle tinha
dado à luz. Ela devia ter uma sobrinha ou sobrinho em algum lugar
por ali. Ela sentiu uma onda de tristeza por não saber nem o nome
da criança, e seu coração amoleceu um pouco.
— E...? — Belle hesitou.
— Você achou que eu ia dizer tais coisas? Que Gabriel me
forçou a dizer que estava feliz, que fui com ele de livre e espontânea
vontade, é isso?
Belle não disse nada. Ela não precisava.
Crecy suspirou, de repente exausta. Ela se sentou e deu
tapinhas no assento ao seu lado. Belle se aproximou e Crecy
segurou sua mão.
— Essa é a verdade, Belle — disse Crecy, olhando diretamente
nos olhos da mulher que havia sido mais mãe do que irmã. —
Gabriel é o homem mais amoroso, mais gentil, mais maravilhoso
que eu já conheci. Ele não é quem você pensa que ele é, ele nunca
foi. — Crecy engoliu em seco, sentindo um nó na garganta. — Mas
ele está machucado, Belle. Ah, se você soubesse o que ele passou.
— Ela piscou, tentando frear as lágrimas e Belle apertou as mãos
com mais força.
— Não chore, querida. Você está de volta em casa agora e... e
se Gabriel for tudo o que você diz, então... bem, tenho certeza de
que podemos resolver as coisas. Juntos.
Crecy desatou a chorar e Belle a acolheu, balançando-a como
fazia quando era criança, quando ela tinha se machucado ou
quando algum animal de estimação feio que ela amava
profundamente tinha morrido. Ela sabia que Belle ainda não
acreditava nela, pelo menos não totalmente. Mas sabia que ela
tentaria, e mais cedo ou mais tarde perceberia que Gabriel era tudo
o que Crecy sabia que ele era.
***
Gabriel olhou para a elegante fachada da casa um tanto famosa
que ele possuía em um dos bairros mais escandalosos de Bath,
afastada das ruas mais elegantes. Ele entrou e foi recebido pela
senhora da casa, que sorriu para ele, estendendo ambas as mãos
em saudação.
— Milorde! — exclamou ela. — Que surpresa adorável.
Gabriel se curvou e beijou a mulher nas duas bochechas. —
Olá, Mary — disse ele. — Você está ótima.
A senhora Wilkins – embora nunca tivesse sido casada em toda
a sua vida – sorriu para ele. — Venha beber alguma coisa — disse
ela, liderando o caminho até o seu escritório. Gabriel passou por
algumas jovens vestidas de forma provocante, que riram e sopraram
beijos para ele.
— Olá, Lorde DeMorte — disseram em coro, adotando uma
aparência tímida que nenhuma delas realmente possuía.
Gabriel acenou para elas, fechando a porta de Mary atrás de si.
— Não vou ficar, Mary. Só tenho algo para te dar.
— Oh? — Ela olhou para ele, sua expressão curiosa. Gabriel
pensou que ela ainda era uma mulher bonita, apesar da cicatriz feia
que marcava sua bochecha esquerda, talvez até mesmo por causa
dela. Ela era uma mulher forte, uma guerreira, e usava suas
cicatrizes com o orgulho de alguém que olhou para o abismo e
sobreviveu. Gabriel a invejava.
— Aqui — disse ele, colocando um envelope grosso em cima da
mesa dela. Ela o olhou, franzindo a testa um pouco enquanto
estendia a mão para pegá-lo. — São os documentos deste lugar,
Mary. É seu.
A mulher diante dele encarou-o, respirou fundo e, então, sentou-
se pesadamente em sua cadeira, ainda encarando-o e, por uma
vez, sem palavras. Pelo menos isso era divertido.
— Também encontrará uma pensão em seu nome. Deve ser o
suficiente para que você viva confortavelmente e para ajudar as
garotas a arrumarem... bem, algo diferente que queiram fazer —
acrescentou ele. — Se é isso que elas desejam. Tenho certeza de
que você saberá o que fazer.
Os olhos de Mary se encheram de lágrimas, sua mão cobrindo a
boca enquanto soluçava, e Gabriel desviou o olhar, desconfortável
com tamanha demonstração de emoção.
— Por quê? — perguntou ela, agora com a voz embargada.
Gabriel deu de ombros. — Porque é a coisa certa a se fazer. —
Ele sorriu de maneira perversa ao olhar de relance para ela. — Eu
estava curioso para saber como era.
Mary se levantou e atravessou o cômodo, estendendo as mãos
para ele, e depois parou quando Gabriel não se moveu. — Em
primeiro lugar, você foi nada além de bondoso para nós, milorde.
Você nos deu um lugar seguro para viver, e quanto ao que você fez
por mim...
Gabriel acenou com a mão, um gesto impaciente que deixou
claro que não tinha o desejo de ouvir mais agradecimentos.
— Um empreendimento comercial, nada mais — disse ele,
balançando a cabeça. — Todo bom homem de negócios protege
seus ativos — acrescentou, sua voz agora dura.
Mary bufou. — Sou muito boa com números, milorde, e sei
muito bem que a maior parte dos lucros foi usada para melhorar o
prédio, pagar as contas do médico, aqueles dois grandalhões que
mantêm a ordem, aquecer esta enorme casa no inverno, vestir e
alimentar a todas nós, e enviar as crianças para a escola.
Gabriel franziu a testa e se perguntou como poderia sair dali
sem ofendê-la.
— Como está a criança de Sarah? — perguntou ele, esperando
mudar o assunto para que pudesse escapar ileso.
O rosto de Mary suavizou e ela sorriu para ele. — O médico
disse que ele se recuperaria completamente.
Gabriel assentiu. — Isso é bom. — Ele se virou, indo em direção
à porta.
— Ouvi dizer que você fugiu para a França com alguma loira
bonita — disse ela, e a cabeça de Gabriel virou rapidamente, a fúria
aumentando ao ouvir Crecy ser mencionada de tal maneira.
— Cuidado, Mary — disse ele, sua voz um rosnado. — Você
está falando da minha esposa.
A boca de Mary se abriu, seus olhos arregalados. — Ora, ora —
disse, a palavra pouco mais do que um sussurro. — Isso explica
muita coisa. — Ela sorriu para ele com tanto afeto que Gabriel
sentiu o desejo de simplesmente sair correndo do local e bater a
porta enquanto saía. A última coisa que ele queria agora era
gentileza ou gratidão. — Já estava na hora. Estou tão feliz por você.
— Ela inclinou a cabeça ao olhá-lo. — Ela é muito bonita?
Gabriel franziu a testa, não querendo discutir Crecy com ela,
mas totalmente incapaz de não responder. — Sim. Muito — disse
ele.
Um amplo sorriso se curvou sobre a generosa boca da mulher
agora, e seus olhos se iluminaram. — Você a ama.
Era mais uma acusação do que uma pergunta, e Gabriel
respirou fundo, a dor em seu coração tão intensa que mal conseguia
respirar.
— Sim — concordou ele, sua voz rouca. Ele se virou, fitando
Mary nos olhos. — Mais do que a própria vida.
***
Frederick Bainbridge tinha sido o administrador de Gabriel e
também do pai dele antes dele. Ele, agora, estava envelhecendo,
mas era um homem de aparência jovial – para um advogado – com
um rosto com uma papada e cabelos grisalhos finos. No entanto,
hoje, seu semblante ruborizado estava cheio de preocupação.
— Não entendo a pressa, milorde — disse ele, empurrando os
papéis na direção de Gabriel. — Posso perguntar se você está com
boa saúde? Você não recebeu nenhuma... notícia ruim ou
preocupante, não é?
— Minha saúde não é da sua conta — disse Gabriel, com um
tom afiado enquanto assinava os papéis. — Você tem certeza de
que isso é o suficiente para resolver as coisas? — exigiu saber ele,
sabendo que não poderia agir até ter certeza.
Bainbridge suspirou, obviamente sabendo o suficiente sobre
Gabriel para perceber que ele não responderia a nenhuma pergunta
que não quisesse responder.
— É um acordo muito incomum e tem me causado muitas
dificuldades, mas, sim, acredito que sim. Sua esposa herdará tudo
no caso de sua morte, e mesmo que ela se case novamente, a
riqueza e as propriedades permanecerão em suas mãos e, em
seguida, irão para seu filho, seja homem ou mulher.
Gabriel soltou um suspiro. Crecy e a criança estariam seguras.
Elas tinham tudo o que precisavam para viver uma vida boa e feliz,
sem sua presença tóxica para manchar tudo.
— Obrigado — disse ele, sua gratidão tão sinceramente sentida
que ele recebeu um olhar de surpresa do homem à sua frente.
Depois que todos os papéis foram assinados, ele se levantou.
Não havia motivo para postergar.
— Adeus, senhor Bainbridge.
Bainbridge se levantou, apressando-se em abrir a porta para
ele, mas parou, sua mão descansando na maçaneta da porta.
— Milorde? — disse ele, sua voz hesitante e cheia de
preocupação. — Eu o conheço há muito tempo, e tem sido um
privilégio servi-lo.
Ele ignorou o grunhido de divertimento de Gabriel diante disso.
Gabriel sabia muito bem que havia sido uma pedra no sapato do
homem em muitas ocasiões. Bainbridge balançou a cabeça e
continuou:
— Eu sei muito sobre você que a maioria das pessoas não sabe
— disse ele, aparentemente determinado a dizer alguma coisa, seja
lá o que for. — O bem que você fez além da...
— Perversidade? — completou Gabriel, sua voz impassível.
Bainbridge sorriu um pouco. — Não consigo deixar de pensar
que a maioria daqueles que cruzaram seu caminho receberam
exatamente o que mereciam, mas, mesmo assim, talvez depois de
tantos anos, você permita a um velho o privilégio de se intrometer
onde não é desejado. — Para horror de Gabriel, ele avançou e
apertou a mão dele entre as duas. — Não faça nada tolo, jovem. Eu
sei que sua vida tem sido difícil, mas você tem um filho agora, uma
esposa... Você realmente acha que todas as riquezas do mundo
podem substituir um pai e um marido?
Gabriel retirou a mão do aperto do homem, abalado pelo carinho
em sua voz, pela preocupação em seus olhos. — Você está certo,
Bainbridge, não é da sua conta, e quanto a isso... depende um
pouco do pai ou do marido. Falando por mim e por minha mãe,
teríamos enterrado meu pai felizmente e dançado em sua sepultura.
Agora, se me der licença, tenho coisas a resolver.
Gabriel partiu antes que o velho pudesse dizer mais alguma
coisa. Ocorreu-lhe que suas intenções poderiam ter sido suspeitas,
mas o fato de que o homem realmente se importaria de alguma
forma tinha sido uma surpresa. Ele voltou apressadamente para sua
carruagem, perdido em pensamentos, mentalmente conferindo
todos os itens que ele havia cuidadosamente anotado em um
pequeno caderno que estava guardando. Tudo o que restava era
escrever algumas cartas de explicação, da melhor maneira que
pudesse, pelo menos.
Gabriel estava tão absorto em seus pensamentos que quase
não ouviu a voz furiosa que ecoou pela rua.
— DeMorte!
Gabriel olhou ao redor, sem estar com disposição para ser
atrasado, e deu uma risada ao ver seu primo, Edward, avançando
em sua direção com um olhar assassino nos olhos. Ele também
havia herdado a estatura e a largura dos Greyston e parecia um
touro enfurecido enquanto avançava. Se realmente havia um Deus,
ele tinha um senso de humor terrivelmente perverso. Gabriel não
duvidava que o sujeito queria seu sangue e iria desafiá-lo agora.
Depois de tantos anos desejando isso, agora ele não podia permitir
que acontecesse. Com ele fora de cena, precisava que Edward
protegesse Crecy e a criança. Então, Gabriel não poderia matá-lo,
mesmo que quisesse, o que o surpreendeu ao descobrir que não
queria. Seria um jeito fácil, também, fazer com que Edward o
matasse. Bem limpo, mas então Crecy nunca perdoaria Edward.
Não. Ele não conseguia fazer isso.
— Seu bastardo! — resmungou Edward, dando um empurrão
em Gabriel. — Seu bastardo podre e miserável. Você simplesmente
tinha que tê-la, não é? Eu não me importo com o que você faz
comigo, mas usar uma inocente como Lucretia...
— Mantenha a maldita voz baixa — sibilou Gabriel, consciente
de que estavam chamando a atenção de curiosos que passavam.
Edward o encarou, seus olhos verdes incrédulos. — Agora você
pensa na reputação dela? Quando ela já estava despedaçada
meses atrás? As pessoas não fizeram nada além de salivar e
mastigar a história de como você seduziu e fugiu com minha
cunhada.
Gabriel estremeceu, mas não disse nada. Não havia tempo
agora. Havia muito a ser feito e pouco tempo para fazê-lo.
— Vá falar com Crecy — disse ele, de repente sentindo-se
exausto, como se todos os seus recursos tivessem sido esgotados.
Ele não tinha energia para lidar com Edward. Sua raiva o havia
deixado, e tudo o que restava era uma tristeza profunda que tinha
que enfrentar. Ele se afastou, mas a mão grande de Edward agarrou
seu braço com força.
— Não, você vai responder por isso — rosnou o primo, com fúria
pulsando através dele. Se não fosse pelas pessoas lotando as ruas
de Bath, Gabriel não tinha a menor dúvida de que ele tentaria matá-
lo com as próprias mãos. No entanto, sua alternativa não era uma
surpresa. — Escolha seus padrinhos.
Gabriel riu, mas era um som exausto. — Vá para casa ficar com
sua esposa, Edward.
— Seu maldito covarde! — rugiu Edward, seu rosto com o
máximo de ódio e fúria que Gabriel já tinha visto. Edward sempre
havia sido o filho de ouro, amado por todos, bom companheiro. Até
depois da guerra, é claro, mas, mesmo assim, todos amavam e
admiravam o sujeito, apesar de seu temperamento e olhares
carrancudos. Ele nunca tinha sido execrado, odiado ou evitado.
Gabriel o invejava por isso. — Você vai me encontrar, amanhã —
retrucou Edward. — No lago, ao amanhecer.
— Pelo amor de Deus, Edward — disse Gabriel, balançando a
cabeça. — Se você acha que tenho medo, então realmente não me
conhece, mas agora você tem uma esposa e um filho para pensar.
— Como se você se importasse! — disparou Edward, sua fúria
palpável; o homem estava cheio de tensão e raiva, e isso emanava
dele em ondas. Gabriel de repente se sentiu aliviado por isso. Esse
era um homem impulsionado pelo desejo desesperado de proteger
aqueles que amava. Ele faria o mesmo por Crecy e o bebê, pelas
únicas duas pessoas que Gabriel amara desde a morte de sua mãe.
Gabriel assentiu, sabendo que não fazia diferença agora. —
Você tem razão, Edward, é claro. Eu não me importo — disse ele,
ciente demais de que o tempo estava escorrendo de suas mãos. —
Muito bem. Amanhã, ao amanhecer.
Edward deu um aceno tenso antes de se virar e partir. Gabriel o
observou ir embora, sentindo um súbito arrependimento por não ter
conhecido Edward melhor. Ele se perguntou como teria sido sua
vida se Edward tivesse sido um amigo em vez de um inimigo, mas o
pai de Edward ensinara o filho a evitar o primo, assim como o
próprio pai havia chantageado Gabriel para destruir o primo.
Bem, era tarde demais agora, e seu tempo estava acabando.
Gabriel se virou e correu de volta para sua carruagem.
Capítulo 32
“No qual o nascer do sol traz terror e a ameaça de derramamento de
sangue.”

Crecy acordou no quarto que havia chamado de seu em


Longwold, sentindo-se desorientada. Após algumas horas emotivas
com Belle, ela estava exausta e tinha tirado uma soneca. Agora
estava escuro, exceto pela luz intensa da lua que inundava o quarto
pelas cortinas abertas. Ela acendeu a lamparina ao lado da cama e
ergueu o corpo pesado. Ela decidiu que estava com fome e que
Puddy, a maravilhosa cozinheira de Edward, provavelmente teria
algo delicioso na cozinha se ela procurasse.
Com um bocejo, ela saiu do quarto, percebendo que estava
mais tarde do que imaginava, já que o castelo estava um breu e
nenhum dos criados estava por perto. Parando no corredor, ela
sentiu uma pontada de alarme ao ouvir uma discussão furiosa vindo
do quarto de Belle. Sentindo-se como uma bisbilhoteira, mas
preocupada com Belle, ela se aproximou da porta a tempo de ouvir
o choro agudo de um bebê. Ah, devia ser Eli. O pequeno garoto
realmente tinha um ótimo par de pulmões, apesar de mais cedo ter
sorrido o tempo todo para sua tia.
— Agora você acordou o bebê! — reclamou a voz exasperada
de Belle.
— Eu não estava gritando — retrucou Edward, embora na visão
de Crecy ele soasse bastante repreendido, o que era bem
engraçado.
— Eu não teria gritado se você não tivesse arruinado tudo,
Edward. Você tem que ir vê-lo e cancelar tudo!
— Em hipótese alguma eu farei isso! — respondeu Edward. —
Depois do que ele fez? Além disso, agora é uma questão de honra.
— Que se dane a honra! Edward Greyston, se você matar o
marido de Crecy, ela nunca vai te perdoar, e se ele te matar... —
Nesse ponto, a voz de Belle se quebrou e ela começou a chorar
tanto quanto Eli.
Crecy não conseguia escutar mais nada além de um zumbido
alto nos ouvidos. Belle tinha dito que Edward tinha ido a Bath
naquele dia para encontrar um velho amigo do exército. Ele deve ter
se encontrado com Gabriel. Ah, não. Ah, não, não, não. Ela tinha
que impedir isso.
Ela ergueu o punho, prestes a bater na porta, quando a
campainha da porta da frente começou a tocar e não parou,
acompanhada por alguém martelando a porta.
— O que diabos é isso? — exclamou Edward, abrindo a porta e
quase esbarrando em Crecy.
Os dois deram um pulo de surpresa enquanto a campainha e as
batidas continuavam sem parar.
— Prometa-me que você não vai fazer isso! — disse Crecy, sem
importar-se com quem estava na porta, apenas que Gabriel
estivesse a salvo. — Prometa-me, Edward. Gabriel não é quem
você pensa. — As palavras saíram uma atrás da outra, tão rápido
que ela não sabia se estava fazendo o mínimo sentido. Edward
parecia um pouco surpreso com seu desabafo em meio ao tumulto
lá embaixo, mas ela continuou: — Ele é um homem maravilhoso e
gentil e me ama, Edward. Você precisa acreditar em mim. — Agora
ela estava chorando, e Belle saiu, ainda soluçando e segurando o
bebê que chorava.
Edward olhou para os três enquanto Garrett se apressava para
a porta da frente lá embaixo. — Meu Deus, isto é um hospício —
exclamou ele, levantando as mãos para o alto. — Tudo bem, tudo
bem, vou dar um jeito de cancelar, embora eu ainda não entenda
por que, mas deixe-me dizer uma coisa, se o sujeito me chamar de
covarde, vou me vingar de um jeito ou de outro.
— Ele não vai, eu prometo que não vai — disse Crecy em meio
a lágrimas. Embora a ideia de que Gabriel houvesse concordado
com isso fosse um sentimento gelado deslizando sob sua pele.
Claro, do jeito que funcionavam as ideias estúpidas dos homens
sobre orgulho e honra, ela supunha que ele não poderia
simplesmente ter dito não. No entanto, seus pensamentos foram
distraídos por uma voz de mulher lá embaixo e o tom indignado de
Garrett ao tentar expulsá-la da casa.
— Garrett, o que diabos está acontecendo?
Garrett olhou para cima quando todos eles desceram as
escadas. — Há uma... senhora que deseja falar com você, milorde.
Quando se aproximaram, Crecy viu uma mulher vestida de
maneira vulgar do lado de dentro da porta. Ela já fora bonita, mas
uma cicatriz feia marcava uma das bochechas.
— Oh — exclamou Crecy em surpresa, quando percebeu quem
era. — Você é a senhora Wilkins.
Os olhos da mulher se abriram em choque. — Lady DeMorte?
— disse ela, olhando para o ventre protuberante de Crecy. — Ele
falou sobre mim? — Ela parecia mais do que um pouco chocada, o
que, em outras circunstâncias, Crecy teria achado engraçado.
— Sim, claro — disse Crecy, sorrindo e estendendo as mãos
para a mulher. — E como ele travou um duelo por você. Nunca
estive mais orgulhosa dele. Como vai?
A senhora Wilkins parecia, agora, realmente atordoada e mal
conseguia articular uma resposta. — B-bem, obrigada.
— Travou um duelo por ela? — exclamou Edward, olhando para
a senhora Wilkins com suspeita.
— Sim — disse Crecy, assentindo. — Contra Lorde Aston, que
feriu gravemente esta senhora e... — Ela hesitou, sem querer ser
indelicada.
— Ele me deu isso — acrescentou a senhora Wilkins,
apontando para sua cicatriz.
Edward franziu a testa, claramente surpreso com isso. — Foi por
isso que ele matou Aston? Ouvi dizer que eram dívidas de jogo.
— Claro que ouviu — disse Crecy, aborrecida. — Porque
ninguém consideraria que Gabriel poderia fazer algo honroso. —
Suas palavras estavam tão cheias de acusação que Edward parou,
parecendo um pouco desconfortável.
— Isso não importa agora — disse Wilkins, parecendo
impaciente de repente. Ela segurou a mão de Crecy. — Por que
você está aqui? Por que você não está com ele?
— Porque ele sabia que eu queria ver minha irmã — disse
Crecy, sentindo uma sensação cada vez mais desconfortável
percorrendo sua espinha.
— Oh, Deus — disse ela, parecendo horrorizada. No entanto,
antes que a senhora Wilkins pudesse dizer mais alguma coisa, a
campainha tocou na porta da frente novamente.
— O que diabos...? — disse Edward quando Garrett se
aproximou novamente para revelar um homem de aparência idosa
na porta.
— Lorde Winterbourne — exclamou ele sem hesitação, entrando
apressadamente. — Diga-me que não cheguei tarde demais? —
ofegou ele, olhando em volta com olhos selvagens e ansiosos. —
Eu não sabia mais para onde ir.
A boca de Edward se abriu, sua expressão completamente
perplexa. — Tarde demais para o quê? — exigiu saber ele,
parecendo acreditar que o mundo inteiro tinha enlouquecido.
— Visconde DeMorte — começou ele, enquanto Crecy sentia
uma onda de terror atingi-la como um mar agitado.
— O quê? — disse ela, avançando rapidamente. — Oh, meu
Deus, o que ele fez?
— Você é Lady DeMorte? — perguntou Bainbridge, seu rosto
cheio de preocupação. — Sou o advogado de seu marido. Por favor,
desculpe-me por esta visita estranha. Sinto muito por causar-lhe
angústia, é que... o visconde esteve comigo hoje e ele... ele
resolveu seus assuntos de uma maneira que me levou a acreditar...
a suspeitar... — Ele parou quando os piores temores de Crecy se
tornaram realidade.
— Não! — ofegou ela, seu coração saltando pela garganta em
horror. — Oh, Gabriel. Eu devo ir até ele imediatamente.
Crecy seria eternamente grata a Edward, que podia não ter
entendido o que diabos estava acontecendo, mas percebeu que o
tempo era essencial. — Podemos usar a sua carruagem, senhor...?
— Bainbridge, milorde, e sim... oh, sim, logicamente.
***
Gabriel selou a última das cartas e colocou-a sobre a pilha em
sua mesa. Aquela era para Piper, pedindo perdão pela desagradável
tarefa que lhe estava pedindo. Ele não queria que Crecy
presenciasse a evidência de seu último ato. Não queria que ela se
lembrasse dele dessa maneira. Ele esperava que nas últimas
semanas tivesse trazido um pouco de felicidade para ela, pelo
menos. Ela parecia feliz, embora muitas das vezes ele achasse que
ela fingia o seu prazer em ter sua companhia apenas para fazê-lo se
sentir melhor. Ela era boa demais, muito generosa para uma alma
tão sombria quanto a dele. Mas agora ela teria um futuro mais
brilhante.
Esperançosamente, a verdade de sua morte seria enterrada, já
que ele deixara instruções detalhadas e dinheiro para os subornos
necessários que poderiam ser exigidos para fazê-lo. Depois que o
escândalo inicial se acalmasse, só poderia haver especulação, e
depois disso, ela estaria livre de sua influência. Uma jovem viúva
bonita com um filho sempre ganharia simpatia, e ela seria tão
popular quanto antes. Talvez se casasse outra vez? Ele afastou
esse pensamento o mais rápido que pôde, a dor disso sendo grande
demais para contemplar. Isso seria escolha dela.
Tão metódico como sempre, ele conferiu cada carta com a lista
em seu caderno, sua mão pairando sobre aquela que trazia o nome
de Crecy. Ele pensou que estaria em paz com a ideia de deixá-la
agora, sabendo que estava fazendo isso pelo bem de todos. A ideia
de suas obsessões e repugnante reputação causando danos ou
zombaria para seu filho no futuro era mais do que ele podia
suportar. E se eles escapassem da mancha que claramente corria
no sangue Greyston, apenas para serem contaminados por sua
presença? A criança seria zombada por ter um pai tão infame. Um
menino se veria condenado a seguir seus passos, já que nunca
seria aceito por seus pares, uma menina, seria uma pária, já que os
jovens temeriam seu pai ou temeriam que seus filhos trouxessem
outra geração de loucos ao mundo.
Mas se ele se fosse, a memória dele se desvaneceria ao longo
dos anos e eles poderiam recomeçar. As pessoas veriam apenas o
rosto sorridente e animado de Crecy, e com certeza isso encontraria
aceitação em qualquer lugar, certo?
Era certo. Era a coisa certa a se fazer. Ele tinha que fazer isso.
Mas, oh, Deus, ele não queria. Ele não queria deixá-la, não podia
suportar a ideia de que ela amasse outra pessoa, mesmo que lhe
dissesse que desejava apenas a felicidade dela. Ele queria ver o
seu filho nascer. Crecy tinha certeza de que era uma menina, e o
pensamento disso, o pensamento de alguma criança bonita com
cachos loiros, era o suficiente para fazê-lo colocar a cabeça entre as
mãos.
Pare com isso, pare com isso. Se você quiser ser um homem,
um bom homem, se você realmente quiser fazer algo decente uma
vez em sua vida miserável, faça isso.
Gabriel enxugou as lágrimas na manga. Ele colocou o pequeno
diário, que havia prometido a Crecy que ela poderia ler, ao lado de
sua carta para ela, esperando que ela pudesse ver o cuidado que
ele havia tomado para garantir que ela e seu filho estivessem
seguros e protegidos. Todos os seus negócios menos respeitáveis
foram vendidos e tudo o mais foi colocado em nome de Crecy. Ele
rezou para ter pensado em tudo. Por um momento o pânico o
dominou, mas, então, ele soltou um suspiro. Edward saberia o que
fazer; ele os protegeria. Gabriel sabia que isso era verdade.
Ele tirou um tempo para arrumar novamente os itens em sua
mesa, mesmo sabendo que isso era ridículo, mas, pelo menos,
achava que era mais fácil afastar-se agora. Piper sempre verificava
sua mesa com relação à correspondência a ser enviada na primeira
hora da manhã, sabendo que seu patrão frequentemente trabalhava
até altas horas da madrugada, então, ele encontraria a carta com
seu próprio nome muito antes de Crecy se programar a voltar para
casa. Com sorte, cedo o suficiente para enviar um recado para detê-
la e mantê-la em Longwold. Ela faria bem em vender Damerel; este
lugar amaldiçoado presenciou apenas tristeza – bem, exceto
quando ela estava aqui, corrigiu-se.
Ele se mexeu para abrir um grande armário embaixo de
algumas das estantes de livros, estendendo a mão e tirando uma
bela e ornamentada caixa de madeira. Gabriel a destrancou e olhou
para as pistolas de duelo de seu pai. Ele ainda conseguia ouvi-lo,
aquele homem desprezível, enfurecido dizendo que Gabriel era um
covarde e um fracassado, uma decepção e uma vergonha. A única
coisa que havia mudado era que Gabriel não se importava mais. Ele
sabia que havia verdade suficiente nas palavras, mas não porque
não havia destruído Edward, mas porque havia ouvido.
Gabriel carregou a pistola com cuidado, a mesma que seu pai
usara. Parecia apropriado, de alguma forma. Cuidadosamente, ele
tirou o casaco e o colete, achando inaceitável a ideia de cobrir o fino
tecido de sangue, e saiu de casa. Ele não sujeitaria nenhum dos
criados a arrumar a bagunça que seu pai havia deixado. Isso era
crueldade demais.
Os primeiros tênues raios de luz estavam se espalhando pelo
céu enquanto ele caminhava, o dia já estava quente. O ar estava
doce e Gabriel sobrecarregado com a percepção de que nunca
antes havia desejado tanto viver. Por tantos anos, ele ansiava por
alguém que o desafiasse e enfiasse uma bala em sua cabeça, para
salvá-lo da batalha constante que a vida se tornara, contra seu pai,
contra Edward, contra ele mesmo, e agora que ele estava se dando
permissão para desistir... ele não queria fazer isso.
Ele chegou a uma grande saliência de pedra que se projetava
sobre um campo íngreme. Dali, a terra se inclinava, uma vista ampla
estendendo-se por milhas e milhas de campos e florestas. Gabriel
costumava vir ali com frequência, quando as coisas eram piores. Ele
encontrava conforto na paz e na beleza do lugar, e na ideia de quão
pequeno e insignificante ele era no contexto mais amplo das coisas.
Se morresse, a Terra não pararia de girar, o sol ainda raiaria, e logo
seu corpo viraria pó, como tudo o mais. Havia uma sensação
estranha de serenidade nisso.
Gabriel se sentou, suas pernas compridas penduradas sobre a
borda da rocha e a pistola repousada em seu colo, enquanto
esperava o sol nascer. Ele havia prometido a si mesmo um último
amanhecer. Ele só podia esperar que fosse tempo suficiente para
encontrar a coragem de fazer o que precisava ser feito.
***
A viagem de carruagem para Damerel foi horrível. Crecy estava
à beira da loucura, tremendo e morrendo de medo, enquanto Belle
tentava confortá-la e segurá-la com firmeza, suplicando para que ela
se acalmasse pelo bem da criança. No entanto, Crecy não
conseguia se acalmar; se Gabriel assim fizesse aquilo, não sabia
como seguiria em frente. Ela não duvidava que seguiria com sua
vida, pois a criança dele seria amada e cuidada como nenhuma
outra, antes ou depois, mas como ela faria isso, simplesmente não
conseguia imaginar.
— Eu não entendo — resmungou Edward pela quinta vez,
enquanto a carruagem os sacudia pela estrada, os cavalos indo a
uma velocidade vertiginosa e proporcionando-lhes um passeio muito
acidentado. — Você está me dizendo que Gabriel está se matando
por sua causa?
— Sim, sim. — Crecy soluçou, desejando que Edward
simplesmente percebesse que seu primo estava muito mais
atormentado e quebrado do que ele seria capaz de entender. —
Edward, você não sabe o que o pai dele fez com ele?
Edward devolveu-lhe um olhar vazio. — Eu sei que ele o viu se
matar — disse ele, franzindo a testa um pouco.
Crecy resmungou aborrecida. — Você não faz ideia, não é? Ele
encontrou a mãe morta em uma poça de sangue e depois o pai
colocou uma arma na cabeça de Gabriel. Disse a Gabriel que tudo
era culpa dele, que ela tinha tido um caso com seu pai. Que ele
tinha se metido entre eles. Que eles eram felizes antes de ele
nascer, e que ele deveria ter sido afogado no lago. — Sua voz ficou
mais irritada e alta enquanto falava, vendo o rosto de Edward
empalidecer, percebendo que ele não fazia a menor ideia. — Ele
disse que Gabriel tinha que prometer destruir seu pai e você, ou
então ele o mataria na hora, e mesmo que ele concordasse, ele o
assombraria até conseguir o que queria... então ele virou a arma
contra si mesmo. — Crecy engasgou-se, seu coração cheio de
medo e tristeza. — Ele tinha dez anos, Edward. E se fosse Eli? Você
seria capaz de fazer uma coisa dessas com seu próprio filho?
— Não! — Edward parecia terrivelmente chocado, horrorizado
com a mera ideia. Ele balançou a cabeça. — Não, claro que não.
Você está certa, eu... simplesmente não tinha a menor ideia.
— Ele estava completamente sozinho, Edward, completamente
sozinho naquela casa grande, e seu pai, e você, a única família que
ele tinha, desprezou-o. Como você acha que ele se sentiu?
Belle estava chorando ao lado dela agora, enquanto Edward
apenas engolia em seco, seus olhos verdes perturbados.
— Não consigo imaginar — admitiu ele com a voz baixa e
preocupada.
Quando a carruagem parou em Damerel, o sol nascia no
horizonte. Crecy saiu da carruagem o mais rápido que pôde, apesar
dos protestos de Belle, enquanto Edward corria à frente deles, todos
gritando por Gabriel.
Piper saiu correndo do escritório, com o rosto pálido, segurando
uma folha de papel nas mãos. — Oh, milady — disse ele.
— Onde ele está? — gritou Crecy, sentindo que perderia a
cabeça a qualquer momento.
— Ele foi para as rochas... eu conheço o lugar — disse Piper. —
Mas talvez...
Crecy avançou e segurou seus braços, sacudindo-o com força,
completamente fora de si de terror. — Mostre-me!
Eles saíram apressados, seguindo Piper e reclamando de sua
lentidão, já que ele não conseguia andar muito rápido. — Lá
embaixo — ofegou ele, apontando para o sul. — Ele estará lá.
Edward correu à frente, mas no momento em que ela chegou ao
topo, viu Gabriel, recortado contra o sol, levantando a pistola para a
cabeça.
— Gabriel! — gritou ela, enquanto finalmente suas pernas
cediam sob ela. — Gabriel, não!
Capítulo 33
“No qual todos prendem a respiração e rezam pela libertação.”

Finalmente, o sol havia se deslocado além do horizonte, tingindo


os céus com uma gloriosa e opulenta varredura de cores que
deslumbraram seus olhos. Gabriel respirou fundo, lágrimas
escorrendo por seu rosto, chorando por si mesmo, por sua própria
perda, por tudo o que estava desistindo. Ele fechou os olhos,
bloqueando toda a beleza e cores, e levantou a pistola. O metal
estava frio contra sua têmpora, e de repente ele se lembrou do rosto
feroz de seu pai, ameaçando matá-lo... pelo menos ele não
precisaria presenciar aquilo novamente.
— Gabriel!
Gabriel deu um salto, seu dedo estava prestes a apertar o
gatilho, e ele mal conseguiu impedir que a ação se concretizasse.
Ele abaixou a arma, virando-se em horror e viu um grupo de
pessoas correndo em sua direção sobre o topo da colina e...
— Gabriel, não!
— Crecy?
Ela desabou, caindo de joelhos, e o coração de Gabriel pareceu
congelar em seu peito. Ele se levantou instantaneamente, jogando a
arma no chão e correndo até ela.
— Crecy, Crecy, querida, você está bem? — Ele caiu de joelhos
ao lado dela, envolvendo-a em seus braços enquanto ela se virava e
esbofeteava-o com força.
— Não! — gritou ela, chorando e tremendo tanto que ele não
sabia como acalmá-la. — Não estou bem, de jeito nenhum, nem um
pouco. — Ela o atingiu, então, uma e outra vez, chorando
histericamente até que Gabriel a segurou tão forte que ela não
conseguia mais se mexer, embalando-a e chorando também.
— Sinto muito, sinto muito — sussurrou ele. — Não era para
você ver, meu amor. Eu não queria que você visse.
— Como você pôde? — disse ela, soluçando enquanto erguia
as mãos e segurava seu rosto, parecendo tão magoada e
despedaçada que ele se sentiu o pior tipo de bruto. — Como você
pôde me deixar? — exigiu saber ela.
— Eu... eu não queria — disse ele, as palavras entrecortadas e
cheias de emoção, sabendo que precisava explicar, mas sem saber
como. — Nunca pense nisso, só que... eu não sou um tipo de pai
para o nosso filho, Crecy — disse ele de uma vez, desejando poder
colocar as palavras para fora, fazer com que ela visse o quanto suas
vidas seriam melhores sem ele. — Estou com medo — disse, sendo
difícil de admitir, mas sabendo que devia a ela a verdade.
— Por quê? — perguntou ela, tanta confusão em seus olhos
agora, e tanta tristeza que doía ainda mais a ele saber que a havia
colocado naquela situação.
— E se eu a machucar? — disse ele com a voz baixa. — E se...
se eu fizer uma besteira e ficar com raiva? E se eu sentir ciúmes? E
se eu for... como ele?
Crecy balançou a cabeça, lágrimas escorrendo por seu rosto. —
Oh, meu amor, você não poderia machucar nem a mim nem ao seu
filho mais do que ignorar um valentão. Quando você verá que não é
nada como seu pai, mas que é um homem bom e gentil?
Gabriel soltou uma risada desesperada, lágrimas cintilando em
seus olhos, e Crecy colocou a mão em seu rosto, fazendo-o virar a
cabeça. — Olhe para lá — disse ela com a voz ríspida. — Você vê
todas aquelas pessoas?
Ele piscou, aparentando estar confuso de repente. — Meu Deus,
é... a senhora Wilkins? E... Bainbridge?
— Sim, Gabriel — disse ela com tanta frustração em sua voz
que ele olhou de volta para ela. — E Piper, que está fora de si, e
olhe, John também está lá agora, e sabe por que a senhora Wilkins
e o senhor Bainbridge saíram de suas camas no meio da noite para
atravessar o campo atrás de Edward?
Gabriel franzia a testa, sem conseguir encontrar razão alguma
para eles terem agido assim, a menos que...
— Porque eles não conseguiram dormir, você os deixou tão
inquietos e eles estavam com medo do que você poderia estar
prestes a fazer, e eles queriam detê-lo, seu tolo! — repreendeu-o,
soando realmente zangada. De repente, no entanto, a luta pareceu
deixar seu corpo, e ela apenas acariciou sua bochecha, parecendo
tão triste que Gabriel soube que precisava garantir que tal olhar
nunca cruzasse seu rosto novamente. — Eles se importam com
você, meu amor — sussurrou ela, sorrindo para ele agora de uma
maneira que partiu seu coração. — Eles conhecem a verdade sobre
você, entende. Você tentou manter isso em segredo, mas alguns de
nós descobrimos. Você é um bom homem, Gabriel Greyston.
— Você estaria melhor sem mim — disse ele, teimoso até o fim.
— Não se atreva — sibilou ela, parecendo tão completamente
furiosa agora que ele olhou para ela com cautela. — Não se atreva
a me dizer o que é melhor para mim, Gabriel. Eu te amei a minha
vida toda e deu muito trabalho ficar com você. Eu abri mão de tudo
apenas pela chance de te amar. Você é tudo que eu sempre quis,
está me ouvindo? E se você tirar isso de mim, eu juro que nunca
vou te perdoar.
Alívio de que talvez... só talvez, ele pudesse ficar. Ele poderia
tentar ser um marido e um pai. Haveria tristeza por toda a dor que
ele tinha causado e provavelmente causaria no futuro, e alegria...
Ele viveria, viveria com a mulher que amava e que, por algum
motivo inexplicável, também o amava. Ele veria seu filho nascer e
estaria lá para protegê-lo de qualquer um que ousasse difamar o
nome DeMorte.
Ele colocaria medo em qualquer um que tentasse.
Gabriel enterrou a cabeça nos cabelos de Crecy, respirando o
cheiro familiar dela e finalmente deixando para trás tanto medo e dor
que carregara por tanto tempo. Pela primeira vez em sua vida, ele
tinha esperança... e algo pelo que ansiar.
***
Era uma manhã deslumbrante de final de verão quando eles
finalmente se levantaram e foram para dentro. Gabriel não queria
enfrentar a todos. Em sua opinião, teria poupado a todos de uma
grande dose de constrangimento se ele tivesse simplesmente
subido as escadas e Crecy tivesse se encarregado de levá-los até a
porta. Mas sua esposa não estava aceitando isso.
— Você irá até eles, Gabriel. E irá agradecê-los pessoalmente
pelo que fizeram por você, ou nunca terá coragem de vê-los
novamente, e, então, estaremos de volta ao ponto de partida. — Ela
cruzou os braços sobre sua grande barriga, com uma expressão tão
determinada em seus olhos que fez Gabriel ficar dividido entre o
divertimento e o desgosto.
— Se você vai intimidar nossos filhos desse jeito, eu vou... —
começou ele, vendo a indignação brilhar em seus olhos com
diversão.
— Você vai o quê? — exigiu saber ela, seus lindos olhos cheios
daquela preocupação e suspeita que ele sabia que levaria um bom
tempo para dissipar. Ele se inclinou e pressionou os lábios nos dela;
afinal, não havia tempo como o presente.
— Vou ter que me esforçar muito para mantê-la de bom humor e
feliz, eu suponho — disse ele, sorrindo para ela e sentindo seu
coração se encher de alegria quando ela retribuiu.
— Eu te amo tanto, Gabriel — disse ela, balançando a cabeça.
— Por favor, por favor, nunca me assuste assim de novo.
Gabriel balançou a cabeça. — Eu nunca vou. Juro. Eu não
queria, eu... eu apenas pensei...
— Eu sei o que você pensou — disse ela, indignada. — Mas
você estava mais errado do que pode imaginar, e vou provar isso a
você.
Eles entraram na sala para a qual todos os outros haviam se
retirado discretamente, e onde Piper estava servindo chá, como se
um marquês, uma cafetina e um advogado estivessem na casa
todos os dias. Para diversão de Gabriel, a senhora Wilkins e
Bainbridge, que era um solteirão convicto, estavam em uma
conversa profunda. Todos ficaram em silêncio quando Gabriel
entrou. Ele sentiu o calor e a ansiedade subindo pelo pescoço,
fazendo sua garganta parecer obstruída com um emaranhado de
nós à medida que todos os olhos se voltavam para ele. No entanto,
Crecy deslizou a mão na dele, e de repente não era tão ruim.
— Milorde! — A senhora Wilkins foi a primeira, lançando-se
sobre ele e chorando em sua camisa, o que era horrível e
perturbador e, realmente, tocante também. Parecia que ela não
tinha conseguido tirar suas palavras de despedida da cabeça e
havia se preocupado tanto a ponto de precisar fazer alguma coisa.
Mesmo que a animosidade entre ele e Edward fosse amplamente
conhecida, ela havia corretamente presumido que seu primo não
queria mais um suicídio manchando ainda mais o sobrenome
Greyston.
Bainbridge foi o próximo, claramente emocionado com o alívio
de terem chegado a tempo, de uma forma que até alguém cínico
como Gabriel teve que admitir que poderia ter sido mais do que a
decepção de perder seu melhor cliente. Piper levou um tempo para
apertar sua mão, sem dizer nada, mas com tanto calor em seus
olhos que Gabriel ficou sem saber como responder.
E, então, Edward se aproximou dele.
— Acho que talvez seja hora de eu pedir desculpas a você,
Gabriel. — As palavras foram um tanto ríspidas e truncadas, mas
Gabriel não pôde deixar de ouvir a sinceridade delas. Ele sentiu as
sobrancelhas se levantarem, totalmente surpreso, não apenas com
as palavras, mas por ser tratado pelo seu nome de batismo.
— Por que diabos? — conseguiu dizer ele, embora sua voz
estivesse rouca. Certamente ele é que deveria estar se
desculpando.
Edward limpou a garganta e olhou para o chão antes de lançar
um olhar suplicante para sua esposa, que o encarou com raiva. Ele
limpou a garganta novamente. — Eu não tinha ideia das...
circunstâncias da morte de seu pai, e eu... arrependo-me que nunca
tenhamos nos conhecido melhor — disse ele, finalmente olhando
para cima e encontrando os olhos de Gabriel. — Devo confessar
que tomei a opinião de meu pai sobre você e seu próprio pai como
verdade, e nunca me preocupei em descobrir se havia algum outro
lado da história.
— Não o culpo por isso — disse Gabriel, com um encolher de
ombros, falando a verdade. — Ele não estava tão longe da verdade.
— Gabriel — disse Crecy, repreendendo-o por suas palavras,
enquanto Gabriel soltava um suspiro.
— Vamos lá, querida. Não podemos fingir que não fiz nada de
errado em minha vida, mas... — Ele olhou para cima e encontrou os
olhos de Edward. — Eu pretendo mudar isso. Prometo que não
precisa mais temer por você nem por sua família. Não desejo mal a
vocês. Não mais.
— Uma trégua, então? — disse Edward, estendendo a mão.
Gabriel assentiu e apertou a mão dele, os dois homens
apertando as mãos por um futuro mais pacífico.
— Uma trégua — concordou Gabriel.
***
Assim que todos saíram, Gabriel levou sua esposa para a cama.
Ele gostaria de fazer amor com ela, mas ela estava claramente
exausta e desconfortável demais para isso, então, ele manteve a
ideia para si mesmo. Além disso, deitar-se com ela em seus braços
depois de tanta tristeza era o suficiente, ao lado das profundezas da
escuridão que ele havia enfrentado nas últimas horas.
Ela ficou paralisada em seus braços e ele sentiu seu estômago
se contrair enquanto prendia a respiração.
— O que é, querida? — perguntou ele, sentindo-se apavorado
de repente. — É o bebê?
Crecy sorriu e balançou a cabeça. — Ela está apenas treinando.
Belle disse que haverá muitas contrações como essa antes do parto
propriamente dito.
Gabriel soltou um suspiro de alívio. Agora que sua própria morte
tinha sido tirada de suas mãos, o perigo que sua esposa enfrentava
no parto estava nas profundezas de sua mente.
Crecy olhou para ele, interpretando corretamente a expressão
em seus olhos como terror.
— Eu vou ficar bem, Gabriel. Não se preocupe. Tudo vai ser
maravilhoso.
Gabriel engoliu em seco, querendo acreditar nela, mas sabendo
muito bem quantas mulheres morriam durante ou após um parto.
— Gabriel. — Sua voz era severa agora, e ela o encarava,
lançando-lhe aquele olhar que sempre o fazia sentir que sua alma
estava à mostra. — Você deve me prometer algo. Se algo
acontecer. Você deve cuidar de nosso bebê. Não permita que ele
fique sozinho como você ficou. Deixe-o saber o quanto é amado, o
quanto nós o desejávamos. Faça com que saiba que ele é tudo o
que sempre quisemos.
Gabriel balançou a cabeça, horrorizado com a ideia de uma vida
sem ela. — Eu não posso... — engasgou ele, pânico inundando seu
peito. — Eu não posso...
— Sim, você pode — retrucou ela. — Não tenho a menor
intenção de ir a lugar algum por um bom tempo, Gabriel, mas vou
me sentir muito mais feliz sabendo que posso contar com você para
isso. Você é o pai e fará o seu papel. — Ela fez uma pausa,
forçando-o a olhá-la nos olhos. — Prometa-me.
Gabriel fechou os olhos, as palavras não saíam, mesmo assim
assentiu. Rezando para que um dia desses nunca chegasse, pois
não tinha ideia de como sobreviveria a isso, ele deu a ela sua
promessa. Depois disso, eles apenas ficaram deitados juntos,
felizes por estarem vivos, por estarem juntos, até que Crecy decidiu
que estava inquieta e precisava de um pouco de ar fresco.
O calor do dia havia melhorado agora, e o campo tinha aquele
tom desbotado e familiar do final do verão. Havia uma brisa
agradável que mexia as folhas e os pássaros cantavam. Era bom
estar vivo, poder apreciar isso.
Demorou um pouco até que Gabriel percebesse que estavam
indo em direção à capela e aos túmulos de seus pais. — Para onde
estamos indo? — perguntou ele, sentindo seu peito apertar de
ansiedade.
— Vamos falar com seu pai — disse Crecy, sua voz bastante
calma.
— O quê? — Gabriel olhou para ela e começou a recuar. —
Não. Não, Crecy, não me peça isso.
— Gabriel, depois do que você me fez passar esta manhã, vou
pedir e você vai fazer — respondeu ela, com a voz suave, mas
firme. Ela o encarou, aqueles olhos lilases incomuns desafiando-o a
discordar mais.
Gabriel achou que mal podia discutir o ponto, mas ainda sentia
vontade de vomitar. — Por quê? — murmurou ele, perguntando-se
se isso era uma punição por tê-la assustado tanto.
— Para perdoá-lo.
Ele prendeu a respiração e Crecy sorriu para ele, avançando
para segurar suas mãos. — Não por causa dele, meu amor, mas por
causa de você. Você carregou tanta raiva e dor dentro de si por
tanto tempo que precisa fazer as pazes com isso, e não pode fazer
isso até que o perdoe.
Gabriel ficou imóvel, concentrando-se em respirar com
dificuldade. — Eu não consigo fazer isso.
— Não — respondeu Crecy, sua voz reconfortante. — Eu não
acredito que você possa. Pelo menos, ainda não. Mas
continuaremos vindo até você conseguir, e então, nunca mais
precisaremos vir. — Ela se moveu ao lado dele mais uma vez,
segurando seu braço. — Vamos lá.
Quando ele chegou ao lado do túmulo, Gabriel estava suando e
tenso, e queria se virar e correr para se trancar em seu escritório.
Mas Crecy o olhava com tanta expectativa que ele não podia fazer
isso. Ele não podia decepcioná-la.
Ele engoliu em seco, limpando a garganta e sentindo-se
extremamente bobo enquanto dirigia suas palavras à lápide
ornamentada.
— Olá, pai. Eu vim te dizer que... que estou casado. — Ele
cobriu a mão de Crecy com a sua, confortado pelo toque dela. Ele
olhou em volta, sabendo que qualquer pessoa que os observasse
acreditaria que ele finalmente enlouquecera. Não vendo ninguém,
ele se virou de volta para a sepultura. — Em breve serei pai, e eu
queria te dizer... farei de tudo ao meu alcance para garantir que eu
não seja nada como você. Você era um valentão e um homem
desprezível, e eu te odeio. Sempre te odiei. — As palavras raivosas
saíam mais rápido agora, mais facilmente, e embora sua fúria e ódio
fossem intensos e brutais, ele se sentia estranhamente liberto
enquanto falava com um homem morto que o assombrara por quase
duas décadas. Ele respirou fundo, tentando se acalmar, para dizer
as palavras que Crecy queria que ele dissesse ao homem. — Eu
não sei se consigo te perdoar por tudo que você fez comigo e com
minha mãe, mas... vou tentar. Vou te perdoar, e depois vou te
esquecer, e oro para que ninguém nesta família nunca mais
pronuncie seu nome.
Ele expirou, sentindo como se pudesse finalmente respirar.
Gabriel olhou ao redor e viu Crecy encarando-o, cheia de orgulho a
ponto de ele não conseguir fazer outra coisa senão sorrir.
— Eu te amo — disse ele, sentindo o sorriso mais ridículo se
curvar sobre seus lábios.
— Eu também te amo — sussurrou ela, antes de arquejar e
segurar a barriga. Gabriel a abraçou, segurando-a até que a dor
passasse. Ela se inclinou contra ele, respirando com dificuldade
enquanto ele fazia círculos em suas costas.
— Isso é outra contração de treinamento? — perguntou ele com
apreensão, de repente sentindo-se aterrorizado com o sofrimento
que ela enfrentaria para trazer seu filho ao mundo.
Crecy deu a ele um sorriso envergonhado enquanto observava-
o. — Na verdade, Gabriel... não tenho certeza se é.
Epílogo
“No qual a família Greyston prospera.”

Pouco mais de seis anos depois...


Crecy observou Gabriel acariciar o pequeno pacotinho em seus
braços, enquanto ele se sentava na cama ao lado dela, e sentiu o
coração se encher de alegria. Dessa vez, ela lhe deu um filho, e ele
parecia tão orgulhoso quanto qualquer homem poderia estar.
Embora, se alguém soubesse como a pequena filha deles, Hope,
conseguia manipular o homem, duvidava que fossem acreditar
nisso.
Ele havia provado ser um pai maravilhoso e um marido
dedicado, embora isso não significasse que tudo fosse sempre um
mar de rosas. Ele ainda lutava contra o desejo de se preocupar com
os detalhes, mas em sua maioria ele o mantinha sob controle o
suficiente para que não o dominasse completamente. Ele ainda era
um tanto autoritário, às vezes, e tendia a impor sua vontade em
coisas que o assustavam, como permitir que sua filha tivesse um
pônei para que ela pudesse aprender a cavalgar. Gabriel ficou
horrorizado com a ideia de que ela pudesse cair e se machucar,
então não cedeu nem um centímetro sequer. Assim, Crecy ainda
não havia vencido essa batalha, mas ela seguia tentando, sabendo
muito bem que seria uma verdadeira guerra. Ela esperava que até o
sétimo aniversário da garota, já o tivesse convencido.
— Como vamos chamá-lo? — perguntou Gabriel, olhando para
ela, seus olhos azul-índigo brilhando de felicidade.
Crecy franzia os lábios e fingiu pensar. — Frank? — sugeriu ela,
suspirando de felicidade enquanto admirava seu lindo homem
fazendo gracinhas com o bebê.
Gabriel franziu o cenho, olhando para o filho e fazendo um som
de reprovação. — Não vamos dar o nome do nosso filho em
homenagem a esse livro maldito — protestou ele. Crecy sorriu,
sabendo muito bem que tinha notado que ela estava lendo
“Frankenstein” novamente. Ela sempre chorava pelo monstro, o que
fazia Gabriel resmungar que isso explicava muito sobre seu
relacionamento. Crecy riu ao vê-lo perceber que ela estava apenas
brincando. Gabriel deu uma risada e balançou a cabeça.
— É a minha vez — lembrou-o, com um sorriso. — Eu te deixei
escolher o nome da Hope, não foi? — Gabriel assentiu, voltando
sua atenção para o filho, que, Crecy teve que admitir, era bonito,
assim como o pai. — Que tal Henry Edward Gabriel Greyston? —
sugeriu ela em vez disso, observando a ideia se firmar na mente de
seu marido.
— Henry é um nome bom e forte — disse ele, fazendo um gesto
afirmativo, enquanto o menino segurava seu dedo. — Ele gosta —
acrescentou, com um sorriso. — E Edward também gostaria disso,
acho.
— Ele será um companheiro de brincadeiras para Eli e Leo —
disse Crecy, radiante enquanto estendia a mão para acariciar a
cabeça macia de seu filho. — Pelo que ouvi, os meninos de Belle
estavam rezando para que não fosse outra menina.
Gabriel resmungou. — Bem, melhor ele do que Hope —
murmurou ele, o que fez Crecy rir. Sua filha havia herdado toda a
ousadia, curiosidade e amor por aventura de sua mãe e tudo o que
as meninas não deveriam gostar. A doce menina adorava seus dois
primos homens e constantemente causava-os problemas. Crecy
ainda se encolhia ao lembrar de Belle gritando com os sapos na
fruteira. Na verdade, a pequena Hope aterrorizava seu pobre pai
diariamente.
— Aqui — disse ele, entregando o filho de volta para os braços
dela com um olhar de arrependimento. — Belle estará aqui em
breve.
— Isso não significa que você tenha que ir, Gabriel — disse ela,
com um suspiro, embora soubesse que não faria diferença.
— Eu sei, mas você vai aproveitar mais sua visita se eu for —
disse ele, inclinando-se para beijá-la antes de sair da cama. — Bom
trabalho, minha linda e inteligente esposa, nunca estive tão
orgulhoso. — Ele se endireitou e parou para olhar a imagem dela
segurando seu filho com prazer evidente. — Além disso — disse
ele. —, eu tenho um compromisso com uma mocinha muito bonita.
— Ele a deixou com um sorriso e ela riu com diversão, sabendo
muito bem que ele havia prometido brincar com Hope.
Um momento depois, Belle entrou, fazendo carinhos e
encantada com o bebê Henry. Era estranho, realmente, como
Edward havia dado a Gabriel uma segunda chance, mas como Belle
estava achando isso mais difícil. Belle simplesmente não conseguia
perdoá-lo pelo sofrimento que ele causou à sua irmã, e embora
fosse sempre escrupulosamente educada, nunca havia mais do que
isso. Ela dizia que sentia muita pena dele por seu passado e lhe
desejava o melhor, mas não importava o quão feliz Crecy fosse,
Belle parecia não conseguir deixar de lado sua raiva.
Depois de permitir que sua irmã abraçasse generosamente seu
filho, Crecy decidiu que tinha um último trunfo na manga.
— Você deveria visitar Hope antes de ir, Belle — disse ela,
escondendo um sorriso astuto. — Você não quer que ela pense que
você ama mais Henry do que ela.
— Oh, não, claro que não — exclamou Belle, parecendo
horrorizada. — E como se eu fosse capaz de fazer isso —
acrescentou, com um tom um pouco convencido. — Eu tenho um
presente para ela.
Crecy assentiu, radiante. — Bem, é melhor correr e dar a ela,
então.
Com um sorriso, ela assistiu Belle sair do quarto. Se havia
alguma coisa que com certeza seria capaz de derreter o coração
mais duro, seria a figura intimidadora de Gabriel Greyston brincando
com sua filha de seis anos.
***
Hope sentou pacientemente ao lado dele enquanto Gabriel
organizava todas as xícaras, pires e pratos pequenos, garantindo
que cada um fosse colocado diretamente na frente das várias
bonecas e criaturas de madeira que ela havia convidado para o chá.
Ela nunca o interrompia quando ele estava arrumando ou
reorganizando, embora isso partisse seu coração, ela tentava
manter seus brinquedos arrumados quando brincava, de alguma
forma, ciente de que isso o angustiava, mesmo que ele tentasse
esconder. Crecy, é claro, estava determinada a ajudar ambos a
superar qualquer tendência à preocupação e encorajava sua filha a
brincar na terra, subir em árvores e fazer todo tipo de coisas que
faziam Gabriel ficar doente de preocupação do mesmo jeito.
— Está lindo, papai — disse Hope, radiante, enquanto ele
ajustava um pouco a chaleira.
Ele olhou por um momento, achando que ouviu um passo do
lado de fora da porta meio aberta, mas depois voltou-se para ela, já
que ninguém entrou.
— Desculpe por demorar tanto — disse ele, desejando superar
tal tolice. Ele estava melhor do que costumava ser, mas suas
compulsões eram difíceis de se livrar. Ele não ouvia a voz de seu
pai há mais de um ano e, finalmente, foi capaz de dizer ao homem
que o perdoava, com toda a sinceridade. Ele não tinha o desejo de
se lembrar dele ou visitar seu túmulo, mas, pelo menos, sentia que
sua raiva tinha sido enterrada naquele túmulo, junto com os ossos
de seu pai.
— Coisas boas valem a pena esperar, é o que a mamãe diz —
respondeu Hope, repetindo fielmente uma frase que ouvira Crecy
dizer em várias ocasiões. — Além disso, o papai de Sarah
Rotherford nunca brinca com ela. Ela não acreditou em mim quando
eu disse que você brincava, e nem quando eu disse que você
organiza os melhores chás da tarde.
Gabriel limpou a garganta, pensando se Sarah repetiria isso
para a mãe dela, que era a maior fofoqueira do condado. Com
pesar, ele descobriu que não se importava muito se ela assim o
fizesse.
— E o que você disse quando ela não acreditou em você? —
indagou Gabriel, com um pouco de apreensão.
— Eu dei um soco no nariz dela — respondeu Hope,
calmamente, enquanto erguia uma xícara de chá de brinquedo à
boca de sua boneca.
Oh, Senhor.
Gabriel limpou a garganta, endireitou-se e tentou olhar
severamente para sua filha. Era uma coisa difícil de fazer. — Você
realmente não deveria bater em outras crianças, Hope, não é bonito.
— Eu sei — respondeu ela, com seus cachos loiros balançando
quando assentiu para ele. Ele olhou para baixo na direção dela,
sentindo um grande amor e proteção encarar os olhos que eram
exatamente iguais aos dele, e que quase tiravam seu fôlego. — Mas
ela disse que eu era uma mentirosa, e isso também não é legal.
— Não — respondeu Gabriel, desejando que Crecy tivesse
descoberto essa pérola, pois ele não sabia o que dizer. — Mas
talvez seja um pouco difícil de acreditar. — Ele fez uma pausa,
observando enquanto Hope servia o jantar imaginário para as
bonecas. — Que tal convidarmos Sarah para um dos chás da tarde?
— sugeriu ele, perguntando-se se tinha perdido completamente a
cabeça. Só Deus sabia o que diriam sobre ele se isso vazasse. No
entanto, ele descobriu que isso não importava, já que Hope o olhava
radiante e jogava os braços ao redor de seu pescoço.
— Oh, sim, por favor, isso seria maravilhoso.
Gabriel a abraçou, fazendo um esforço para manter a voz
novamente firme. — Mas somente se você prometer que não vai
bater em mais ninguém.
Sua filha suspirou e fez um bico antes de dar de ombros. —
Tudo bem, então — murmurou ela, como se fosse uma barganha
muito injusta.
— Boa menina — disse Gabriel, com um suspiro, contente por
ter superado esse obstáculo. — No entanto, talvez seja melhor
preparar o chá antes que ela chegue — acrescentou, como reflexão.
— Sim, você preferiria que ela não te visse — disse Hope,
voltando a brincar com suas bonecas.
Gabriel sorriu, maravilhado e emocionado por sua filha, como
sempre ficava. — Eu te amo, macaquinha — disse ele, obtendo um
sorriso antes de ela fazer uma carranca para ele.
— Eu não sou uma macaquinha, eu sou uma lobinha, grrrr —
gritou ela, mostrando os dentes e transformando seus dedinhos em
garras. — E vou te devorar.
Ela se lançou contra Gabriel, que fingiu gritar de terror, enquanto
ela fazia cócegas neles até que ambos estivessem chorando de
tanto rir, e, então, ele percebeu que estavam sendo observados.
Gabriel olhou para cima e viu Belle olhando para eles, uma
sobrancelha levemente erguida.
— Tia Belle! — gritou Hope com alegria, correndo para abraçá-
la.
Gabriel limpou a garganta, uma sensação de calor subindo por
seu pescoço. — Olá, Belle — disse ele, sentindo-se um pouco
desconfortável quando se levantou. Ele olhou para Hope com pesar.
— É melhor eu ir, querida. Por que você não convida sua tia para o
chá? — sugeriu Gabriel.
Ele sentiu um aperto de culpa pela óbvia decepção de Hope,
mas sabia que Belle não gostava de tê-lo por perto. — Oh, mas,
papai, você prometeu ficar. — Hope puxou sua mão e fez beicinho,
fazendo-o se sentir dividido e incerto sobre o que fazer.
Gabriel olhou para Belle e ficou surpreso ao vê-la com um olhar
caloroso nos olhos. — Oh, tenho certeza de que papai vai ficar, se
pedirmos a ele com gentileza, certo, Gabriel?
Ele hesitou, perguntando-se se tinha interpretado mal o olhar ou
o tom dela, mas Belle estendeu a mão e segurou a dele, apertando-
o brevemente. — Acabei de conhecer seu filho — disse ela. — E
Crecy parece tão feliz.
Ele sorriu e assentiu, e Belle gesticulou para o chá da tarde,
enquanto Hope estava puxando impacientemente a mão dela,
também, agora. Então os dois foram para o chão enquanto Hope
lhes servia chá. Gabriel lançou à sua cunhada um olhar de vergonha
quando pegou a pequena xícara de chá e fingiu bebê-la, mas Belle
apenas sorriu de volta para ele. Nesse momento, ela o lembrou
muito de sua esposa, fazendo-o rir.
— Oh, Hope, eu quase esqueci, tenho um presente para você —
exclamou Belle, tirando um pequeno pacote embrulhado de sua
retícula. Hope pulou de empolgação enquanto abria
cuidadosamente o pacote, entregando o papel a Gabriel para
dobrar.
— Uma cobra! — exclamou ela, agitando a criatura de madeira
esculpida no ar como um prêmio. — Olhe, papai, não é
maravilhosa?
Gabriel olhou para a cobra esculpida e pintada, com olhos
negros e maliciosos e uma língua bifurcada vermelha pintada.
Particularmente, ele achava que parecia uma criatura repugnante.
— Maravilhosa, querida — concordou ele, com um aceno sério.
— Vou mostrar para a mamãe e o bebê — gritou ela,
segurando-a acima da cabeça e correndo fora da porta.
— Eu não pude resistir — admitiu Belle quando a menina partiu.
— É o tipo de coisa que Crecy teria adorado quando criança.
Gabriel assentiu, seus olhos de repente cheios de preocupação.
— Eu sei. Ela é tão parecida com a mãe. Às vezes, me preocupo
que... — Ele hesitou, voltando sua atenção para dobrar o papel em
um quadrado arrumado, sem querer expressar o fato de que estava
aterrorizado de que sua filha pudesse se sentir atraída por um
homem como ele um dia. Ele olhou surpreso quando Belle pôs a
mão em seu braço.
— Tenha fé nela, Gabriel. Se ela for um pouco parecida com
minha irmã, ficará bem. Mais do que bem — acrescentou, com um
sorriso e a voz calorosa. — Ela será feliz.
Gabriel suspirou, sabendo que finalmente fora perdoado e
sentindo que seu futuro era cheio de esperança em todos os
sentidos da palavra.
Continue lendo para dar uma olhada na próxima história
fascinante da série Patifes & Cavalheiros.

Persuadindo Patience
Patifes & Cavalheiros – Livro 8

Lorde Percy Nibley precisa de uma esposa, preferencialmente


antes que as reclamações constantes de sua mãe sobre o assunto o
enlouqueçam. Mas como se sente mais à vontade com sua coleção
de rochas do que com flertes, não está tendo muita sorte.
Desesperado, o nobre tímido pede a ajuda do Barão de
Marchmain – Lorde August Bright. August é nada menos que
deslumbrante. Charmoso, espirituoso e engraçado, ele é o
queridinho da alta sociedade, e um notório conquistador.
August seleciona uma jovem adequada para Lorde Nibley; a
senhorita Patience Pearson, uma mulher calma e sensata, que está
prestes a ser considerada fora do mercado e tem a reputação de ser
uma estudiosa, ao mesmo tempo que traça seus próprios planos
para conquistar o coração de sua vivaz irmã mais nova, Caroline.
Mas Patience não é facilmente cativada, protegendo sua irmã
com a tenacidade de uma leoa, e August precisa ser
irresistivelmente charmoso para ultrapassar suas defesas.
Tendo finalmente conseguido fazer isso, no entanto...
August não tem certeza se escolheu a irmã certa.
Capítulo 1
“No qual falamos de heróis caídos, sapatilhas perdidas e domadoras
de leões.”

17 de maio de 1818
Lorde Marchmain, também conhecido como August Bright,
observou o homem que havia sido seu herói por muitos anos e
balançou a cabeça com pesar. O fato de que esse homem havia
sido reduzido a isso era chocante e, de certa forma, aterrorizante.
O objeto da compaixão do jovem não era outro senão o Duque
de Ware, conhecido como Beau por seus íntimos. Para ser justo,
August teve que admitir que Beau não parecia nem um pouco
arrependido pela perda de sua liberdade e estilo de vida decadente.
Para dizer a verdade, o sujeito parecia deleitar-se com seu novo
estilo de vida. Até se poderia dizer que parecia... feliz. No entanto,
enquanto August o observava tomar conta de um dos dois recém-
nascidos com uma facilidade e confiança surpreendentes, só
conseguia se perguntar como isso era possível. Sua duquesa, Milly,
também era uma boa pessoa, bastante divertida, na verdade, mas
era mais do que óbvio que o pobre Beau estava totalmente sob
domínio dela.
Esse era o homem que já teve metade das mulheres de Londres
a seus pés, e alguém que August tinha tentado copiar com afinco.
Para ser perfeitamente sincero, ele havia feito um trabalho
malditamente bom. Considerando que ele não era nem um duque
nem mesmo um marquês, como Beau havia sido no auge de sua
fama, mas sim um mero barão, August achava que tinha tido
admirável sucesso em assumir a coroa do homem como o
queridinho da alta sociedade e o libertino mais notório da cidade.
— Não vai funcionar, August — continuou Beau, entregando o
bebê chorando para sua esposa, que o repreendia sobre os horários
de alimentação. — Pelo que soube, sua mãe não sabe mais o que
fazer, e acredite em mim, eu sei, já que ela passou a tarde inteira de
segunda-feira aqui, muito obrigado. — retrucou Beau com o tom
ríspido agora, embora August não o culpasse; uma visita de sua
mãe era o suficiente para deixar qualquer um sentindo-se deprimido.
No entanto, August estava envergonhado, então, ele só fez uma
carranca e revirou os olhos para o teto enquanto Beau beijava a
esposa e parecia realmente arrependido ao vê-la levar os gêmeos
horrivelmente barulhentos para fora do cômodo. — Maldição, Beau,
você sabe que isso não foi obra minha. Estou envergonhado de que
ela tenha vindo até você.
— Não tanto quanto eu — respondeu Beau, seu tom seco,
quando finalmente ficaram a sós. — Eu ouvi muito sobre você e
seus casos escandalosos, mais do que precisava ouvir, garanto,
mas a única maneira de me livrar dela foi prometendo falar com
você. — Para ser justo, Beau parecia tão desgostoso com a guinada
dos acontecimentos quanto August, mas ambos sabiam que sua
mãe era uma mulher difícil e que não devia ser contrariada.
August continuou a revirar os olhos ainda mais. Sua mãe era
terrivelmente esnobe, e uma das únicas coisas que ele já havia feito
e que ela aprovou foi fazer amizade com o Duque de Ware. O fato
de ela ter tido a audácia de ir até Beau pessoalmente para discutir o
comportamento sórdido de seu filho...
August estremeceu de humilhação.
— Então diga a ela que cumpriu o seu dever e que me deixe em
paz — disse ele, cruzando os braços e sentindo-se cada vez mais
indignado. — Só porque você está feliz sendo um novo homem, não
vejo por que você tem que estragar a minha diversão —
acrescentou, mais do que um pouco ressentido com a interferência
do duque, considerando que a reputação do próprio homem era tão
manchada quanto a de August.
Beau bufou e balançou a cabeça. — É exatamente por isso, seu
tolo. Acredite em mim, tenho toda a simpatia por você por causa de
sua mãe. — August ficou vermelho, mortificado por Beau ter
percebido o quão terrível sua mãe realmente era. Só Deus sabia o
que ela havia dito a Beau sobre ele. O rosto de Beau se suavizou
com pena e August se sentiu mal, com seus piores medos
confirmados. — Mas ela está certa — continuou Beau —, e não
estou falando de prover o herdeiro que ela está desesperada para
ter. Você precisa repensar honestamente a sua vida, August, porque
eu sei que toda essa diversão que você está tendo vai começar a
enjoar em breve, se já não enjoou. — Os intensos olhos azuis de
Beau se voltaram para ele com uma força um tanto excessiva, e
August desviou o olhar. O diabo sempre parecia enxergar através
dele, e isso era perturbador.
August se levantou, determinado a encerrar esta entrevista o
mais rápido possível. — Olha, trouxe a maior parte do que lhe devo,
só preciso de algumas semanas para conseguir o resto, mas vou
conseguir, eu prometo. Então, não há necessidade de me punir
ainda mais com esse discurso paternal que você está fazendo. Você
pode dizer à minha mãe que fez tudo o que pôde com a consciência
limpa. — Ele pegou o grosso maço de notas em seu bolso,
resultado de uma vitória oportuna nas corridas de cavalos, e o
estendeu a Beau, com pesar. Era todo o dinheiro que tinha no
momento, e se sua mãe tinha vindo aqui reclamar dele, bem, um
adiantamento de sua mesada não parecia provável.
Beau balançou a cabeça. — Não.
August empalideceu, perguntando-se se Beau insistiria no
pagamento integral. Afinal, ele havia sido muito paciente, permitindo
que ele pagasse sua dívida ao longo de um ano, mas esta última
parcela já estava com um mês de atraso.
— Oh, não fique tão horrorizado — respondeu Beau,
balançando a cabeça e sorrindo. — Eu só decidi uma outra maneira
de você me pagar.
Os olhos de August se arregalaram e ele sabia que realmente
devia parecer horrorizado agora. Ele estava endividado com o
homem e atrasado no pagamento, e Beau o tinha onde queria. A
honra exigia que ele fizesse o que lhe era pedido. Ele esperou com
apreensão para descobrir o que diabos estava prestes a enfrentar.
Beau riu, aproveitando enormemente seu desconforto. — Você
se lembra do Lorde Nibley? Ele estudou com a gente em Eton, no
mesmo ano que eu, um ano mais velho que você.
Franzindo a testa enquanto lhe vinha à mente um homem alto e
magro com óculos, August assentiu. — O sujeito sem graça,
acadêmico, sempre falando sobre rochas ou algo assim? — Ele
assistiu Beau sorrir para ele.
— Esse mesmo. Bem, acontece que ele é um bom amigo meu e
precisa de ajuda, e você vai dá-la a ele.
— O quê? — quis saber August, perguntando-se se Beau havia
perdido o juízo. — Em que diabos eu poderia ajudá-lo?
Beau virou-se e serviu uma bebida para os dois, levando os
copos de cristal e entregando um com uma generosa dose para
August. Havia um brilho divertido em seus olhos azuis que não era
um bom sinal.
— Você, meu caro August, pode ajudar o homem a aprender
como conquistar as mulheres... e encontrar uma esposa para ele.
***
— Tem que estar aqui em algum lugar! — Patience atirou a
almofada de volta na poltrona como se ela a tivesse ofendido e pôs
as mãos na cintura. Sua jovem meia-irmã, Caro, encolheu-se um
pouco e mordeu o lábio.
— Bem, suponho que eu possa ter voltado para casa sem ele —
ofereceu ela, enquanto Patience revirava os olhos para o céu e
pedia para ter mais do que seu nome sugeria que ela tinha em
abundância. Era irônico, na verdade, já que encontrar uma mulher
mais impaciente seria uma tarefa difícil. Ela se perguntava se seus
pais já sabiam disso desde o início e apenas a nomearam assim
para lembrá-la diariamente do que lhe faltava.
— Caro, mesmo você não pode ser tão completamente distraída
a ponto de voltar para casa com apenas um sapato — retrucou
Patience, ficando de quatro e olhando embaixo do sofá. — Eu me
recuso a acreditar nisso.
— Bem, não sei por quê — respondeu Caro, desabando na
cadeira mais próxima com uma confusão de saias de musselina. —
Você tem que admitir que é o tipo de coisa que eu faria.
Patience resmungou e, então, deu um espirro vigoroso à medida
que a poeira debaixo do sofá subia até seu nariz; elas realmente
deveriam contratar outra criada, mas sua mãe – madrasta de
Patience – estava economizando novamente. Isso era risível, sua
querida madrasta tinha tanta ideia de economia quanto sabia como
contar uma mentira descarada. Era realmente demais quando você
não podia repreender a mulher por gastar a mesada de compras da
semana inteira em um par de luvas de pele porque a cor combinava
com seus olhos, quando ela era tão absolutamente ingênua.
— Embora eu esteja preparada para admitir que você faria uma
coisa dessas, com certeza se lembraria de ter voltado para casa na
sexta-feira à noite com um sapato, certo? — quis saber Patience,
enquanto tateava em busca do lenço. — Estava chovendo, pelo
amor de Deus. — Ela assoou o nariz com gosto e olhou para cima,
observando enquanto Caro franzia o nariz, absorta em seus próprios
pensamentos. Ela era realmente uma garota muito bonita. Cabelos
pretos caíam em grossos cachos ao redor de um rosto em forma de
coração, e seus olhos azuis eram perfeitamente angelicais. Sua
natureza era igualmente doce, e apesar de ser apenas meia-irmã,
era dedicada a Patience, assim como sua mãe. A própria mãe de
Patience morreu jovem, e seu pai logo se casou com Cecilia, ou
Cilly, como era conhecida por seus amigos. Era um nome
assustadoramente apropriado para ela. Nem Caro nem Cilly tinham
um pingo de bom senso, e Patience havia se tornado a quem ambas
recorriam. Seu próprio pai morreu logo depois de se casar com Cilly,
e a bondade inabalável de sua madrasta durante esse momento
difícil tornou tudo mais fácil de suportar com sua natureza um tanto
frívola.
Cilly havia se casado novamente, mas seu novo marido morreu
de tuberculose depois de apenas dois anos de casamento, deixando
Cilly para criar a pequena Caro sozinha. Cilly ficou arrasada, pois
realmente amava seu marido, e coube a Patience, com a tenra
idade de doze anos, assumir a administração da casa. Não era um
papel que ela se importasse exatamente; afinal, não suportava ver
as duas se meterem em situações tão ridículas e nada fazer, mas
ocasionalmente sentia uma pontada de arrependimento pelo que
sua juventude poderia ter sido se não fosse por elas. Agora, com a
idade avançada de vinte e oito anos, ela havia aceitado que
qualquer pensamento de casamento estava no passado, mas não
lamentava a perda disso tão profundamente quanto alguns
poderiam acreditar. Afinal, estava acostumada a estar no comando,
acostumada com sua independência, e jurava que nenhum homem
tiraria isso dela.
— Claro! — exclamou Caro, levantando-se em um salto. —
Deve estar na despensa.
Patience encarou a irmã e recusou-se a repreendê-la.
Realmente não havia sentido em perguntar como uma – não ambas,
só para deixar claro – mas uma de suas melhores sapatilhas de
dança de cetim havia parado na despensa. — Claro que está —
murmurou ela, levantando-se mais uma vez.
— Bem, Rufus estava tentando comer a roseta dele, entende —
continuou Caro, enquanto Patience a seguia até a cozinha. Rufus
era o pug desagradável de Cilly. Era mimado e mal-humorado, e
Patience o detestava. O sentimento era certamente mútuo. — Ele
não queria o da esquerda, por algum motivo, apenas o da direita, e
eu estava com fome depois daquela festa, então fui até a cozinha...
— Sim, sim — respondeu Patience, levantando uma mão
cansada. — Já entendi.
Ela esperou enquanto Caro corria para recuperar seu sapato
perdido e olhou na sala de estar onde sua madrasta estava tomando
chá com um ar distraído.
— Está tudo pronto, mamãe? — perguntou Patience, embora
sempre lhe parecesse estranho chamar a mulher de mamãe. Sua
madrasta tinha apenas trinta e sete anos e parecia mais jovem. Ela
poderia facilmente ser considerada uma irmã mais velha e muito
mais adorável de Patience. Era bom para Patience não se importar
com coisas tão superficiais quanto aparência, ou ela poderia ter
ficado um pouco chateada. Atualmente, Patience estava
perfeitamente satisfeita por ter puxado o pai. Ele podia não ter sido
o homem mais bonito do mundo, mas tinha uma mente brilhante,
muito bom senso, e inteligência suficiente para educar suas filhas.
Como Caro rapidamente apontaria, isso só havia sido útil para
Patience, já que ela mesma era bastante estúpida. Este comentário
rapidamente se transformaria em uma discussão, já que Patience
sabia muito bem que Caro não era estúpida, apenas preguiçosa e
mais interessada em vestidos bonitos e festas do que em qualquer
coisa que desafiasse seu cérebro perfeitamente capaz.
— Mamãe! — repetiu Patience, quando a bela mulher diante
dela pulou e quase deixou cair sua xícara de chá.
— Oh, Patience, querida — disse ela, corando um pouco. — Eu
não a vi aí.
— Eu perguntei se você terminou de fazer as malas. Você sabe
que partiremos cedo amanhã de manhã.
Cilly mordeu o lábio e balançou a cabeça. — Não, ainda não
terminei. Eu... eu comecei, só que... oh, Patience, é tão cansativo.
Mary vai continuar me fazendo perguntas sobre se eu quero trazer
isso ou aquilo, e eu precisava de um momento para me afastar.
Patience cruzou os braços, estreitando os olhos. — Você só
começou depois do meio-dia, Cilly — disse ela, seu tom agora um
tanto severo. — Apesar de me prometer que faria isso de manhã, e
como agora são apenas duas horas, é difícil acreditar que você
tenha se exaurido.
Ela observou Cilly bufar e fazer beicinho, e, então, fez um som
de objeção quando Patience pegou sua xícara e pires e a ajudou a
levantar-se. — Apenas pense, Cilly, no que acontecerá se você não
supervisionar as coisas. Sabe, eu acho que vi Mary colocar no baú
aquele traje roxo vívido que você comprou em Londres que a faz
parecer uma velha, e aquela musselina estampada floral que você
usa no jardim para podar as rosas.
Isso, muito mais do que qualquer outra repreensão, teve o efeito
desejado, e Cilly deu um grito de alarme e subiu apressada as
escadas. Patience resmungou e balançou a cabeça, fazendo uma
nota mental de todas as outras coisas que ela precisava fazer antes
de partir pela manhã. Ela deveria reservar um momento para sentar
e pagar as últimas contas antes de partirem, dar instruções ao
jardineiro, ajudar Mary a colocar as capas Holland sobre os móveis
melhores, já que a pobre mulher estaria exausta depois de lidar com
Cilly e sua arrumação – ah, e certificar-se de que tinham uma cesta
de piquenique, já que Caro e Cilly atrairiam atenção indesejada se
parassem em uma pousada, não importava o quão respeitável ela
fosse. Ela só podia rezar para que o alojamento que encontrara
fosse tão elegante e bem localizado quanto esperava em sua
correspondência. Não que pudesse fazer algo a respeito agora. No
entanto, Patience foi arrancada de seus pensamentos quando Caro
apareceu vindo da cozinha.
— Encontrei! — exclamou ela, com seus cachos escuros
pulando enquanto corria em direção a Patience, triunfante ao
segurar bem alto o sapato de cetim azul.
— Ótimo — murmurou Patience, enquanto dava um longo
suspiro. — Menos uma coisa para se preocupar.
***
Para grande alívio de Patience, a casa de três andares em
Henrietta Street era tudo o que ela esperava. Uma das muitas casas
idênticas, construídas em pedra de Bath, era um exemplo de
elegância discreta. Talvez não estivesse no auge da moda, mas era
um endereço bom e muito respeitável que deveria falar bem delas
como família, e isso era o que importava.
Patience não tinha tempo para a alta sociedade e suas noções
do que era ou não de maior importância. No entanto, não havia
como negar que, para que Caro fizesse boas conexões e, se Deus
quisesse, arranjasse um casamento adequado, as aparências
precisavam ser mantidas. Na verdade, isso não deveria ser difícil.
Seu pai tinha deixado todas elas em uma situação financeira muito
confortável, se ao menos Cilly tentasse lembrar de que era viúva e
não podia gastar e jogar como fazia quando seu amado marido
estava vivo. Para falar a verdade, seu segundo marido tinha sido um
homem muito rico, e a maior parte de sua fortuna havia sido deixada
para Caro. Isso era uma bênção e uma maldição, uma vez que seu
début como uma bela jovem herdeira significava que todos os
caçadores de fortuna da cidade estariam bisbilhotando atrás dela
como burros atrás da última cenoura. Patience resmungou, satisfeita
com a imagem mental apropriada que isso evocava. Ainda assim,
era seu trabalho garantir que Caro não caísse nas mãos de
libertinos e patifes, mas que se casasse com um bom homem e que
a tratasse bem, sem sufocar seu entusiasmo pela vida.
Como Cilly estava tão mal preparada para lidar com esses
homens quanto Caro, coube a Patience ser a adulta e a domadora
de leões. Qualquer homem que fixasse os olhos em Caro deveria
ser digno dela ou enfrentaria as consequências.
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Sobre Mim!

Comecei essa incrível jornada em 2010 com A Chave Para


Erebus, mas não tive coragem de publicá-lo até outubro de 2012.
Para aqueles que já fizeram isso, saberão que publicar seu primeiro
título é uma coisa terrivelmente assustadora! Eu ainda fico nervosa
quando um novo título é lançado, mas agora esse terror diminuiu,
finalmente. Agora, o meu pavor é quando minhas filhas tiverem
idade suficiente para lê-los.
Que pesadelo! (Para ambas as partes, suponho).
No ano de 2017, fiz minha primeira incursão no Romance
Histórico e no mundo do Romance Regencial. Meu Deus, que ano!
Fiquei encantada com a resposta a esta série e mal posso esperar
para adicionar mais títulos. Os leitores de Romance Paranormal não
precisam se desesperar, pois há muito mais por vir também.
Escrever tornou-se um vício e, assim que um livro termina, fico
extremamente animada para começar o próximo.
Como muitas das minhas obras refletem, sou muito influenciada
pela bela paisagem francesa em que vivo... Vivo aqui no Sudoeste
desde 1998, embora tenha nascido e crescido na Inglaterra. Minhas
três lindas filhas são todas bilíngues, e eu, meu marido – Pat – e
nossos quatro gatos nos consideramos extremamente afortunados
por termos feito deste lugar tão lindo o nosso lar.
CONTINUE LENDO PARA DESCOBRIR MEUS OUTROS
LIVROS!
Outras obras de Emma V. Leech
(Para aqueles que leram a série A Lenda Francesa dos Fae,
lembre-se de que cronologicamente O Coração de Arima precede O
Príncipe das Trevas)

Patifes & Cavalheiros

Série – Patifes & Cavalheiros


Damas Ousadas

Série – Damas Ousadas

Filhas Ousadas
Série – Filhas Ousadas

Romances Regenciais de Mistério (em breve)

Série – Romances Regenciais de Mistério

A Lenda Francesa dos Vampiros (em breve)

Série – A Lenda Francesa dos Vampiros

A Lenda Francesa dos Fae (em breve)


Série - A Lenda Francesa dos Fae

Livros Independentes (em breve)


A Amante de Livros (uma novela paranormal)
A Menina Não Está para o Natal (romance regencial)
Audiobooks (títulos disponíveis apenas
em inglês)
Não tem tempo para ler, mas ainda precisa de uma dose de romance? A
espera acabou...
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Romance Regencial de Emma V. Leech em áudio, interpretados pelos
incomparáveis Philip Battley e Gerard Marzilli. Vários títulos disponíveis e mais
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Damas Ousadas — A nova série emocionante de Emma V. Leech, a
multipremiada escritora de romances top 10 da Amazon, por trás da série Patifes
& Cavalheiros.
Dentro de cada jovem tímida e isolada, pulsa o coração de uma leoa, uma
pessoa apaixonada disposta a arriscar tudo pelo seu sonho, se puder encontrar a
coragem para começar. Quando essas jovens ignoradas fazem um pacto para
mudar suas vidas, tudo pode acontecer.
Dez Mulheres – Dez Desafios Inesperados. Quem ousará arriscar tudo?

Desafiando um Duque
Damas Ousadas – Livro 1

Sonhos de amor verdadeiro e felizes para sempre.


Sonhos de amor são muito bons, mas tudo o que Prunella Chuffington-Smythe
quer é publicar o seu romance. O casamento a custo de sua independência é algo
que ela não considerará. Tendo experimentado o sucesso escrevendo sob um
nome falso na revista semanal The Ladies, seu alter ego está alcançando
notoriedade e fama e Prue gosta bastante disso.
Um dever que deve ser suportado.
Robert Adolphus, o Duque de Bedwin, não tinha pressa em se casar, ele já
fez isso uma vez e repetir esse desastre é a última coisa que deseja. No entanto,
um herdeiro é um mal necessário para um duque e não pode se esquivar disso.
Uma reputação sombria o precede, visto que sua primeira esposa pode ter
morrido jovem, mas os escândalos que a bela, vivaz e rancorosa criatura forneceu
à sociedade não a acompanharam. Uma esposa precisa ser encontrada. Uma
esposa que não seja nem bonita nem vivaz, mas doce e sem graça, e que com
certeza fique longe de problemas.
Desafiado a fazer algo drástico.
O súbito interesse de um certo duque covarde é tão desconcertante como
indesejável. Ela não vai jogar suas ambições de lado para se casar com um
canalha agora que seus planos de autossuficiência e liberdade estão se
concretizando. Mostrar claramente ao homem que ela não é a jovenzinha tímida
que ele procura, será suficiente para dar fim às suas intenções? Quando Prue é
desafiada por suas amigas a fazer algo drástico, parece ser a oportunidade
perfeita para resolver dois problemas com uma só solução.
No entanto, Prue não pode deixar de ficar intrigada com o patife que inspirou
muitos de seus romances. Normalmente, ele desempenhava o papel de belo
libertino, destinado a destruir sua corajosa heroína. Mas será realmente o vilão da
trama dessa vez, ou poderia ser o herói?
Descobrir será perigoso, mas poderá inspirar sua melhor história até hoje.
Desafiando um Duque
Da autora da série best-seller Damas Ousadas – Uma nova série
empolgante com as filhas das Damas Ousadas...
As histórias do Clube do Livro de Damas Peculiares e seus desafios se
tornaram lendas entre seus filhos. Quando o chapéu é redescoberto, empoeirado
e abandonado, as demais ousam desencadear uma série de eventos que ecoarão
por todas as famílias... e suas...
Filhas Ousadas

Ousando Seduzir (em breve)


Filhas Ousadas – Livro Um

Duas filhas ousadas...


Lady Elizabeth e Lady Charlotte são filhas do Duque e da Duquesa de
Bedwin. Criadas por uma mãe nada convencional e um pai indulgente, um tanto
superprotetor, ambas se esforçam contra a rígida moralidade da época.
A imagem da moda de uma jovem mansa e fraca, propensa a desmaiar pelo
menos por provocação, é aquela que a faz ferver de frustração.
O belo amigo de infância...
Cassius Cadogen, Visconde Oakley, é o único filho do Conde e Condessa St.
Clair. Amado e indulgente, ele é popular, gloriosamente bonito, e um artista
talentoso.
Retornando de dois anos de estudo na França, sua amizade com as duas
irmãs fica tensa quando o ciúme aumenta. Uma situação não ajudada pelos dois
misteriosos franceses que o acompanharam para casa.
E a rivalidade entre irmãs...
Paixão, arte e segredos provam ser uma combinação inflamável, e alguém
sem dúvida pegará fogo.
http://getbook.at/DaretobeWicked
Interessados em um Romance Regencial com reviravoltas?

Morrendo por um Duque


Romance Regencial de Mistério – Livro 1

Apropriado, imperioso e moralmente rígido, Benedict Rutland – o


belo e sombrio Conde de Rothay – herdou seu título muito jovem.
Responsável por uma grande família de irmãos mais novos que os
seus pais frívolos levaram à falência, a sua juventude foi gasta
tentando recuperar a fortuna da família.
Agora, já um homem em seu auge e financeiramente seguro,
torna-se noivo de uma mulher estrita, sensata e de cabeça fria que
nunca perturbará o equilíbrio de sua vida ou perturbará suas
emoções...
Mas, então, surge a senhorita Skeffington-Fox.
Criada apenas por seu padrasto libertino, Benedict vê-se
escandalizado com tudo relacionado à bela senhorita.
Mas como os membros da família na fila para o ducado
começam a morrer a um ritmo alarmante, todos os dedos apontam
para Benedict, e a senhorita Skeffington-Fox pode ser a única que
poderá salvá-lo.

Morrendo por um Duque


Perca-se no mundo paranormal de Emma com a série A Lenda
Francesa do Vampiro.

A Chave para Erebus


A Lenda Francesa do Vampiro – Livro 1

A verdade pode matar você.


Quando criança, é levada para longe para uma vida em que os
vampiros, faes e outras criaturas míticas são reais e traiçoeiras. Ao
regressar à França rural, Jéhenne Corbeaux, a bela jovem bruxa,
está totalmente despreparada para viver com a sua excêntrica avó.
Lançada de cabeça em um mundo sobre o qual ela nada sabe,
procura descobrir a verdade sobre si mesma. Nessa jornada,
descobre segredos mais chocantes do que qualquer coisa que
jamais poderia ter imaginado e conclui que não é, de forma alguma,
impotente para proteger aqueles que ama.
No entanto, apesar das terríveis advertências de sua avó, é
inexoravelmente atraída pela figura sombria e aterrorizante de
Corvus, um antigo vampiro e mestre da vasta família Albinus.
Jéhenne está prestes a encontrar as respostas que buscava e a
descobrir que Corvus não somente é muito mais perigoso do que
ela jamais poderia imaginar, mas também que ele detém muito mais
do que a chave do seu coração...
Disponível no Kindle Unlimited
A Chave para Erebus
Confira a emocionante série de fantasia de Emma, aclamada
pelo Kirkus Reviews como “uma fantasia encantadora com uma
heroína simpática, intriga romântica, e floreios narrativos
inteligentes”.

O Príncipe das Trevas


A Lenda Francesa dos Fae – Livro 1

Dois Príncipes Fae


Uma Mulher Humana
E um mundo pronto para separá-los.
Laen Braed é o príncipe das trevas fae, com um temperamento
e reputação que combinam com seus olhos negros, e um coração
que despreza a raça humana. Quando ele é enviado de volta
através dos portões proibidos entre reinos para recuperar um antigo
artefato fae, volta para casa com muito mais do que esperava.
Corin Albrecht, o Príncipe Élfico mais poderoso que já existiu.
Dizem que seus olhos dourados são um presente dos deuses.
Agora, o destino está batendo à sua porta. Com um profundo amor
pelo mundo humano, a sua amizade com Laen está a ponto de ser
dilacerada pelos seus preconceitos.
Océane DeBeauvoir é uma artista e encadernadora de livros
que sempre confiou na sua imaginação viva para sobreviver a uma
vida infeliz e tranquila. Uma adaga enfeitada com joias e expostas
num museu próximo aparece nas manchetes, levantando
especulações de uma outra raça, a fae. Mas a descoberta também
inspira Océane a criar uma obra de arte extraordinária que não pode
ser confinada às páginas de um livro.
Com dois homens poderosos disputando sua atenção, e a
amizade entre eles a ponto de romper, a única questão que
permanece é… quem é realmente o Príncipe das Trevas?
O homem dos seus sonhos está chegando... ou são os seus
pesadelos que ele visita? Descubra no Livro Um da Lenda Francesa
dos Fae.
O Príncipe das Trevas
Agradecimentos
Obrigada, em especial, à incrível sensibilidade da minha leitora
Amanda por ajudar a fazer de Gabriel um personagem real e
imperfeitamente perfeito. Obrigada, minha amiga. Eu não poderia ter
feito isso sem a sua percepção e generosidade em ilustrar todas as
inúmeras maneiras pelas quais o TOC e o TEPT afetam a vida das
pessoas todos os dias.
Obrigada, como sempre, à minha maravilhosa editora por ser
paciente e amar meus personagens tanto quanto eu. Gemma, você
é a melhor!
Para Victoria Cooper, por todo o seu trabalho duro, sua obra de
arte é incrível e, acima de tudo, sua paciência sem fim!!! Muito
obrigada. Você é incrível!
À minha melhor amiga, assistente pessoal, torcedora de
carteirinha e provedora de chocolate, Varsi Appel, pelo apoio moral,
por aumentar minha confiança e por ler o meu trabalho, mais vezes
do que eu. Eu te amo muito!
Eu fico sempre tão feliz em ouvi-los. Por isso, sintam-se à
vontade para enviar um e-mail ou uma mensagem :)
emmavleech@orange.fr

Ao meu marido Pat e à minha família... por sempre se


orgulharem de mim.

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