Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
17 de abril de 1809
Com doze anos de idade, havia poucas coisas no mundo que
Lucretia “Crecy” Holbrook tivesse mais dificuldades de suportar do
que uma festa de adultos.
Ela escapou assim que pôde, deixando sua irmã mais velha,
Belle, para ser a bem-comportada, e se infiltrou na sala onde um
bufê extravagante havia sido servido. Lá, ela escolheu o melhor de
tudo que pôde encontrar com dois dedos ligeiramente sujos e
terminou com uma variedade de bolos de creme. Dois deles foram
devorados na hora, outro foi cuidadosamente envolvido em um
lenço e escondido no bolso cada vez mais pegajoso sob suas saias
volumosas para mais tarde.
Crecy também bisbilhotou várias conversas. A maioria delas
parecia tratar das últimas fofocas sobre um tal de Visconde
DeMorte. As vozes que falavam sobre ele soavam alternadamente
irritadas, enojadas, intrigadas ou completamente escandalizadas.
Uma coisa, no entanto, parecia se repetir em todas essas vozes
sussurrantes.
— Ele é louco, é claro.
Crecy observou com interesse uma mulher excessivamente
maquiada em um vestido assustadoramente laranja. Estava quente
lá dentro, já que o sol da primavera brilhava sobre as convidadas, e
a maquiagem dela estava começando a escorrer. Crecy estreitou os
olhos, fazendo sua visão embaçar, e viu o rosto da mulher ficar
distorcido, com as cores se misturando e parecendo bastante
monstruosas.
— Sem dúvida — assentiu sua companheira, com os olhos
brilhando com um estranho prazer que Crecy não conseguia
entender completamente. Se falavam de um louco, por que
pareciam cães salivando por um osso? E como sabiam que ele era
louco?
Ela poderia ser jovem, mas Crecy já havia formado a opinião de
que a alta sociedade era uma espécie de loucura, todos
concordando e falando de nada com nada enquanto o que
realmente pensavam ficava escondido por detrás de uma expressão
vidrada de placidez. Ela suspeitava que o que a sociedade via como
loucura era apenas uma espécie de honestidade franca que os
outros não apreciavam nem entendiam, ou de que talvez até
tivessem medo. Na pior das hipóteses, ela achava provável que eles
simplesmente não entendessem nada e não tivessem nenhum
desejo de entender.
Ser educada era uma habilidade que ela ainda não havia
aprendido a cultivar, para grande angústia de Belle. Mas Crecy
achava o mundo desconcertante e não conseguia entender por que
as pessoas não enxergavam as coisas como ela.
Por que, por exemplo, aquela mulher havia gritado e desmaiado
quando Crecy mostrou para ela o rabo daquele lagarto morto?
Crecy tinha achado aquilo uma coisa fascinante. O gato estava
atormentando o lagarto e quase o tinha comido, mas o lagarto havia
escapado, distraindo o gato com seu rabo ainda se mexendo, que
ele deixou para trás. O rabo havia se mexido por muito tempo
depois, mesmo sem ninguém para movê-lo. Mas quando Crecy
explicou, todos a olharam como se ela estivesse louca.
Foi nesse momento que ela achou prudente desaparecer.
Agora, porém, ela queria ver o louco e ver o que achava dele. Ela
suspeitava que ia gostar muito dele.
Levou um bom tempo para encontrá-lo, mas ela sentiu que seus
instintos estavam corretos, pois ele também havia escapado da
multidão e ido se sentar, sozinho, contemplando um lago bastante
bonito. Havia flores da primavera por toda parte, narcisos
balançando suas cabeças alegres e um céu tão azul; isso a lembrou
do manto de Maria no vitral da igreja que elas haviam visitado.
Ela observou suas costas por um tempo, admirando seu cabelo
longo e amarrado frouxamente com uma fita preta de veludo, que
ameaçava cair, já que estava quase se soltando. Seu cabelo estava
bagunçado, na verdade, como se ele tivesse passado as mãos por
ele, e era tão preto que possuía um brilho azul, como a pena de um
corvo.
— Você tem um cabelo adorável — disse ela para a parte de
trás da cabeça dele, enquanto descia cuidadosamente ao longo da
margem onde ele estava sentado.
A cabeça escura virou-se para olhar para ela, e um par de olhos
intensos e brilhantes a assustou momentaneamente. De repente, o
céu não parecia mais tão azul, em comparação.
— Parece a pena de um corvo — acrescentou ela, agitando uma
mão em direção ao cabelo dele para explicar.
Sobrancelhas escuras e pesadas que combinavam com seu
cabelo se juntaram, e ele olhou para longe novamente. No entanto,
Crecy não foi desencorajada por isso. Ela gostava de ficar em
silêncio às vezes, então, a falta de resposta dele não a incomodou.
Ela se sentou ao lado dele e tirou o bolo de creme. Estava um
pouco derretido, e seu lenço estava meio sujo, mas, mesmo assim,
tratava-se de um bolo de creme. Ela começou a comê-lo, tentando
com dificuldade dar pequenas e delicadas mordidas, lembrando-se
de quando recentemente sua irmã a repreendeu sobre suas
maneiras à mesa.
Ela lhe lançou um olhar de soslaio. Ele era jovem, embora bem
mais velho do que ela, e tinha uma expressão bastante
ameaçadora. Seus ombros estavam curvados e sua carranca era
sombria e zangada.
— Estão todos falando sobre você lá dentro — disse ela,
imaginando se isso era o que o deixava zangado; ela não o culpava
se assim o fosse. Crecy também odiava quando as pessoas falavam
sobre ela. Lambendo cada um de seus dedos, agora que o bolo de
creme havia acabado, Crecy se levantou e se aproximou um pouco
mais da beira do lago para enxaguar as mãos e lavar o lenço.
— Você vai acabar caindo — observou ele, soando como se não
se importasse muito se isso acontecesse.
— Provavelmente — concordou ela, sorrindo para ele. Ela
agachou-se, sem se importar com suas saias na sujeira. Inclinando-
se um pouco mais para a frente, ela enxaguou seu lenço e o torceu
novamente. Levantando-se, ela foi virar, mas escorregou na lama e
começou a perder o equilíbrio, com os braços rodopiando. Com um
grito surpreso, ela teve um pensamento passageiro de que Belle a
mataria por isso, quando uma mão forte agarrou seu braço e a
puxou para frente, fazendo-a cair de joelhos.
— Obrigada — falou ela, ofegante, olhando para cima, através
dos cachos loiros que haviam caído em seu rosto, para o rapaz que
a havia salvado. Ele lhe lançou um olhar sombrio, carregado de
irritação, e nada disse.
Crecy voltou correndo para o lugar ao lado dele, estendendo
com cuidado o seu lenço no gramado para secar.
— Você não tem algum lugar para ir? — quis saber ele, e ela
sorriu ao ouvir o som de sua voz. Era uma boa voz, vigorosa e
profunda e rica. Embora soasse bastante aborrecida.
— Não — disse ela, inclinando-se para trás sobre as mãos e
inclinando a cabeça para o sol. — Você tem?
Houve um resmungo antes que ele respondesse. — Não. — A
palavra foi curta e abrupta.
— Por que eles acham que você é louco? — perguntou ela,
olhando ao redor para ele. — Você me parece bem.
Ele refletiu sobre isso, e se ela fosse uma garota diferente,
talvez tivesse recuado com a expressão em seus olhos.
— Isso — disse ele, soando como se a quisesse no inferno — é
porque você é uma tolinha de cabeça vazia. Agora, corra de volta
para sua mãe e me deixe em paz.
— Minha mãe já morreu — disse ela, como sempre direta.
— Suponho que você ache que eu deveria me arrepender das
minhas palavras e sentir pena de você agora — disse ele,
zombando dela. — Devo dizer que também sinto muito?
Crecy franziu o cenho para ele. — Não, por que você deveria?
— respondeu ela, sentando-se e olhando para ele, sua expressão
igualmente intensa. — Você não me conhece, nunca conheceu
minha mãe; então, por que se importaria? Você não é do tipo que se
importa com alguém a menos que o conheça, não é?
Ele a encarou, sua expressão um pouco perplexa, mas isso não
era algo a que Crecy não estivesse acostumada. — Não me importo
com ninguém — disse ele, após uma pequena pausa.
Ela assentiu, puxando os joelhos até o peito e apoiando o
queixo neles. — Eu entendo isso. É difícil gostar das pessoas.
Prefiro os animais. Bem, exceto Belle, é claro, ela é minha irmã.
Ela foi recompensada com outro resmungo, este um pouco
desgostoso e, ela suspeitava, um tanto incrédulo. No entanto, ela
tinha falado a verdade. Seu pai era um tolo beberrão, sua única
outra parente era uma tia vulgar, e ela sempre achou impossível
fazer amizade com meninas da sua idade. Elas eram tão...
entediantes.
— Está tudo bem, sabe? Eu também não tenho amigos — disse
ela, perguntando-se se o fato o incomodava, já que ele parecia
terrivelmente solitário ali fora. — Poderíamos ser amigos, se quiser
— acrescentou, animando-se com a ideia. — Assim, nós dois
teríamos a certeza de que há pelo menos uma pessoa no mundo
que pensa bem de nós.
Ele refletiu sobre isso, com olhos azuis indignados. — Você é
uma criança irritante, e eu não sou e nunca serei seu amigo. Vá
embora, pelo amor de Deus!
Crecy aceitou isso sem qualquer sentimento de mágoa. Ela
havia domesticado uma raposa uma vez, quando ainda moravam no
campo. Ela estava ferida e não podia mais caçar, e a fome a tornou
desesperada o suficiente para se aproximar dela e aceitar a comida
que ela oferecia. Ela quase tinha sido mordida uma dúzia de vezes
ou mais antes que a criatura a deixasse acariciar sua cabeça.
— Bem, tudo bem, mas serei sua amiga, pelo menos. Você não
pode me impedir, sabe — acrescentou ela, com um sorriso
simpático, como se soubesse muito bem que suas palavras apenas
o irritariam ainda mais.
— Ah, meu Deus — murmurou ele, soando como se qualquer
pequena quantidade de paciência que ele pudesse ter tido estivesse
desaparecendo rapidamente.
Eles ficaram em silêncio por um tempo, e ela o observava de
vez em quando, maravilhada com a raiva que podia ver nos olhos
azul-escuros dele enquanto ele olhava fixamente, sem ver, para a
água.
— Quando é o seu aniversário? — perguntou ela, um pouco
depois.
Ele deu um pulo e ela percebeu que ele tinha esquecido que ela
estava ali, de tão perdido que estava em seus pensamentos. O
jovem a encarou, incrédulo, e por um momento, ela pensou que ele
não responderia, e, então, ele franziu a testa.
— Hoje.
— Ah! — exclamou ela, ajoelhando-se e olhando para ele. —
Você recebeu algum presente?
Ele abriu a boca, olhando para ela antes de dar um bufo de
descrença.
— Sou considerado uma criatura malvada e implacável, de
coração negro e louca. Então, não, eu não recebi.
— Estão certos em pensar assim de você? — perguntou ela,
inclinando um pouco a cabeça enquanto tentava ver qualquer sinal
de loucura nele. Ele estava zangado, com certeza, e ela suspeitava
que ele fosse geralmente mal-humorado, mas, para falar a verdade,
criaturas em sofrimento geralmente eram.
— Sim — rosnou ele de volta para ela, os olhos estreitos e
intensos.
Crecy assentiu. — Bem, ainda é o seu aniversário, você deveria
ganhar pelo menos um presente de sua amiga. — Completamente
imperturbável diante da raiva dele, ela remexeu no bolso e tirou uma
bela pena. Tinha listras azuis e pretas, e era a coisa mais
encantadora que Crecy já tinha visto.
— Aqui — disse ela, estendendo-a para ele. — Feliz aniversário.
Sua expressão estava inescrutável agora, e ela se perguntou se
ele perderia completamente a paciência, mas ele nada disse. —
Não é bonita? — Ela girou a pena entre os dedos para que as cores
capturassem a luz do sol. — Mas não é tão azul quanto seus olhos.
Aqueles olhos reviraram, parecendo revoltados. — É uma pena
de gaio — disse ele, as palavras um pouco relutantes, mas depois
acrescentou com prazer — Garrulus glandarius. São aves
desagradáveis e vis que roubam os filhotes dos ninhos de outras
aves.
Crecy deu de ombros, impassível. — Bem, eles têm que se
alimentar — disse ela, ganhando um olhar de surpresa. —
Certamente são barulhentos, sempre gritando e com uma aparência
feroz, é isso que significa Garrulus, não é? Mas eles me parecem
tímidos.
Ela olhou para cima quando uma voz ligeiramente desesperada
chamou seu nome, ecoando pelos jardins.
— Eu tenho que ir — disse ela, com pesar. —, mas pegue seu
presente primeiro.
Ele a encarou, mas não se moveu, e ela muxoxou. — Eu não
vou embora até que você pegue.
Com um bufo de irritação, ele arrancou a pena da mão dela e
ela sorriu para ele.
— Vou escrever para você — disse ela, alisando suas saias e
vendo a lama na barra com o coração apertado; Belle ficaria
zangada. Percebendo que era uma causa perdida, ela olhou para
cima novamente. — Já que você é meu amigo agora — acrescentou
com um tom que não admitia argumentos. —, no próximo ano vou
lhe enviar um presente também.
— Ah, pelo amor de Deus, por favor, não faça isso — retrucou
ele. — Vou tacar todas as cartas direto no fogo sem olhar para elas
— rosnou, suas palavras duras.
Crecy o encarou, ponderando. — Não, você não vai — disse
ela, e seus olhos se arregalaram para ela.
Belle falou novamente, nesse momento um pouco histérica.
— Adeus — disse ela, pegando seu lenço ainda encharcado e
se afastando, e depois parou quando viu que a fita de veludo preto
que tinha prendido o cabelo dele havia caído no chão. Com um
sorriso, ela a pegou, apertando-a com força em uma das mãos
enquanto fugia, e com a outra, segurava até os joelhos suas saias
sujas enquanto caminhava.
Capítulo 1
“No qual... há um convite para Longwold.”
6 de dezembro de 1817
Dia de São Nicolau
Visconde DeMorte
Damerel House
Gloucestershire
— Eu deveria ir.
Gabriel franzia o cenho, não gostando nem um pouco da ideia
de Crecy deixar o calor de sua cama.
— Não.
Ela riu, o som de alguma forma se enraizando dentro dele,
fazendo-o se sentir mais leve. Eles estavam ali há horas, e Gabriel
mal podia acreditar no fato, mas ele não queria se mexer nunca
mais. Ele deu uma olhada na direção dela quando ela se virou em
seus braços. Uma de suas mãos subiu, o dedo traçando o contorno
de seus lábios enquanto ela suspirava.
— Eu não quero, acredite em mim. Mas eles enviarão uma
equipe de busca se eu me atrasar demais.
Gabriel abriu uma carranca ainda mais séria e apertou o abraço
em volta dela. A ideia de que ele poderia mantê-la ali se assim
escolhesse era um pensamento perturbador em sua mente. Se ele
se casasse com ela, ela pertenceria a ele. Ninguém jamais poderia
tirá-la dele. Ele inspirou profundamente quando a magnitude dessa
ideia o atingiu. A ideia de deixar uma pessoa de fora entrar em sua
vida, de encaixá-la no seu rigoroso mundo, era aterrorizante. Crecy
não era ordenada, ela era a coisa mais próxima do caos que ele já
conhecera. Sempre haveria livros, roupas, joias e qualquer coisa
estranha que ela tivesse encontrado recentemente espalhados por
seu quarto, pela casa. Ela se atrasaria para as refeições, tentaria
mudá-lo, provavelmente o faria falar com as pessoas. O
pensamento apertou seu peito, mas a ideia de deixá-la voltar para
Longwold e sair de sua vida deixou-o estranhamente vazio; sozinho
de uma maneira que ele nunca havia sentido antes.
Era como ser apresentado ao que você quer e dizer que está do
outro lado de uma cordilheira que parece praticamente
intransponível.
No entanto, ele queria que ela ficasse.
— Obrigada pelo que fizemos hoje — sussurrou ela, suas
palavras como um sopro suave acariciando sua pele enquanto seus
dedos passeavam pelo seu peito.
Ele resmungou, sentindo-se amargurado de repente. — Bem, eu
disse que você me agradeceria por arruinar você, parece que eu
estava certo.
Crecy sentou-se, olhando para ele, com o rosto de repente
sério.
— Pare com isso agora mesmo.
Ele olhou para ela, franzindo a testa. — Com o quê?
— Pare de transformar algo maravilhoso em algo sombrio e
doloroso. Sei que você vai fazer isso no momento em que eu for
embora, e que está fazendo isso agora. — Ela parecia realmente
zangada, e Gabriel observou-a com interesse, intrigado à luz de sua
fúria. Ninguém ficava bravo com ele, nunca. Eles não ousavam. —
Eu não posso impedir a forma que você vai processar isso na sua
mente, mas ouça-me agora. Você não me seduziu, você não me
arruinou, e eu não tirei nada de você que você não quisesse dar, só
se lembre disso. Nós gostamos um do outro, gostamos da
companhia um do outro, e está tudo bem. Não há proibição alguma.
Você tem permissão para ser feliz. Todo mundo tem direito a um
pouco de felicidade, Gabriel, até mesmo você.
Ele não disse nada, muito perplexo para saber que tipo de
resposta dar. O silêncio parecia mais seguro.
Crecy balançou a cabeça e suspirou antes de virar-se e sair da
cama alta. Ele observou-a enquanto ela se movia, reunindo suas
coisas. Ele se sentia desconfortável, inquieto. Crecy trazia
mudanças, ela trazia coisas que ele não queria, e, no entanto, vê-la
preparando-se para sair de sua casa o fazia querer arremessar
coisas. Não era culpa dela que ela tivesse que ir embora, ele se
lembrou, as palavras mordazes em sua mente.
Ela não olhou para ele, e a ideia de que ela estava magoada ou
com raiva dele era ainda pior. Era como formigas rastejando sob sua
pele, uma sensação desconfortável que fazia-o querer... dizer algo,
consertar, mas... Ele fechou a cara e saiu da cama, pegou um robe
e o vestiu com movimentos bruscos e zangados. Maldição.
Crecy se sentou na penteadeira de Gabriel, tentando criar
alguma ordem na bagunça de cachos rebeldes que haviam caído
sobre seu pescoço, e Gabriel a observou prendê-los no lugar com
pesar. Ele gostava do jeito que estavam, soltos e abandonados,
emoldurando seu lindo rosto. Uma vez satisfeita, ela estendeu as
mãos atrás do pescoço, tendo dificuldades para fechar os botões de
seu vestido. Gabriel se aproximou, evitando o olhar dela no espelho
enquanto chegava mais perto.
— Levante-se — disse ele, não soando nem um pouco como
alguém que precisava de perdão e querendo morder a língua por
isso.
Crecy fez o que ele pediu, e ele abotoou um botão por vez. Ele
terminou o último na cintura dela, e ela começou a afastar-se, mas
ele a deteve com uma mão em seu quadril. Ela se virou, olhando
para cima na direção dele, com uma expressão ansiosa nos olhos.
Gabriel soltou um suspiro pesado e abaixou a cabeça, evitando
aquele olhar que exigia algo dele.
— Eu não quero que você vá. — Oh, muito eloquente,
resmungou ele interiormente. Você não soa nem um pouco como
uma criança rabugenta de cinco anos.
Ele encarou-a e viu que o rosto dela havia se suavizado, e ela
sorriu para ele, e embora soubesse que não a merecia, com a
tensão em seu peito diminuindo um pouco. Ela puxou o cordão que
segurava o robe dele e ele se aproximou.
— Eu vou voltar — disse ela, sua voz tão cheia de certeza que
parecia impossível duvidar dela, pelo menos não neste momento.
Não neste momento. — Você sabe que eu vou voltar. Você tem o
meu coração, Gabriel, quer você queira ou não. Não posso
continuar vivendo sem ele, não é?
Ele encarou-a, palavras se acumulando em sua mente, o medo
apertando seu peito mais uma vez. Por que ela insistia em estragar
tudo, fazendo-o duvidar dela com tanta... tanta baboseira romântica.
Crecy ergueu-se nas pontas dos pés e o beijou. Apenas uma
vez, um breve toque de seus lábios que o fez sentir-se ao mesmo
tempo amado e repreendido. Ele queria mais. Muito mais.
— Agora eu preciso ir — disse ela, indo em direção à porta.
— Espere — exigiu ele, precisando atrasá-la, pelo menos um
pouco. — Eu vou me vestir e vou te encontrar do lado de fora, pelo
menos.
Ela lhe deu um sorriso, tão cheio de compreensão que ele se
sentiu meio atordoado. — Eu não tenho tempo, meu amor. Está tudo
bem. Eu consigo me virar perfeitamente bem.
Gabriel sentiu a mandíbula se contrair, sabendo quanto tempo
levaria para se vestir e totalmente incapaz de contradizê-la. — Você
virá amanhã?
Ela franziu a testa por um momento, suas sobrancelhas loiras
juntando-se enquanto seu semblante entristecia. — Ah, droga —
praguejou ela. Gabriel se divertiu ao ouvi-la praguejar, algo tão
pouco feminino, mas então percebeu que isso significava que ela
não viria, e ele sentiu vontade de dizer algo muito mais obsceno. —
Belle tem... quero dizer, devemos visitar alguém amanhã, eu acho.
Não tenho certeza se consigo vir. Mas no dia seguinte, eu prometo.
Assim que eu puder — acrescentou, ouvindo o relógio badalar lá
embaixo enquanto seus olhos se arregalavam. — Meu Deus, eu
tenho que correr. Adeus, Gabriel. — Ela soprou-lhe um beijo e
fechou a porta, os sons de seus passos descendo as escadas
ecoando pela casa silenciosa.
Gabriel permaneceu no meio de seu quarto, sentindo que tudo
parecia subitamente vazio, sem cor, sem vida... sem ela.
Ele se sentou na cama quando a percepção o atingiu: a menos
que ele fizesse algo, ela certamente o deixaria. Talvez não
imediatamente, e talvez não de boa vontade, mas alguém os
descobriria, alguém colocaria juízo na cabeça dela – Deus sabe que
alguém precisava. Uma jovem de uma beleza tão estonteante
vagando sozinha pelo campo, quem sabe o que poderia lhe
acontecer. Ele mal conseguia respirar só de pensar nisso, e, então,
deu uma risada amarga quando percebeu que o pior já havia
acontecido. Ele havia tirado dela algo que só seu marido tinha o
direito de tomar. A não ser que ele fosse o marido dela. A ideia
ecoou em sua mente novamente, mais alta, mais insistente,
exigindo ser ouvida.
Ele deveria se casar com ela.
Ele deveria.
Ele iria.
Gabriel segurou no balaústre da cama, sentindo o coração se
apertar de pânico, pensando que poderia realmente morrer. Não.
Não. Não. Ele repetiu a palavra seguidamente enquanto sua
respiração se estabilizava. Ele não morreria se casasse com ela...
mas poderia morrer se ela partisse.
Ele se vestiu para o jantar, demorando-se na esperança de que
seus rituais pudessem acalmá-lo um pouco, e conter o pânico que
sua decisão havia provocado. Ele ainda pairava ao seu redor, como
um monstro que ele podia ver de relance. Se ele não o
confrontasse, talvez não tomasse conta dele, no fim das contas.
Assim, ele ignorou essa sensação, fingindo que não havia tomado a
decisão mais importante de toda a sua vida, e seguiu adiante como
de costume.
Ele entrou na sala de jantar e sentou-se para a refeição
enquanto os criados entravam e saíam. Gabriel olhou para cima
quando Piper falou com ele.
— Isso é tudo, milorde?
Gabriel sabia que estava longe de ser a pessoa mais perspicaz
quando se tratava de emoções humanas, mas não era preciso ser
um gênio para perceber pelo tom ríspido de voz dele, que Piper
estava zangado com ele.
Ele assentiu, observando Piper enquanto o homem se virava e
saía, parecendo mais rígido e cheio de dignidade, como nunca
antes visto. Por um momento, ele se sentiu confuso, perguntando-se
qual era o problema do velho sujeito, e então ele entendeu.
Crecy.
Piper sabia. Ele sabia o que Gabriel tinha feito, droga, toda a
maldita criadagem provavelmente sabia. Uma sensação de calor se
espalhou por ele, acompanhada por uma onda de culpa, e por um
terrível momento, ele chegou a considerar chamar Piper de volta e
explicar.
Ele tomou um grande gole de vinho e se recompôs. Nem pensar
que ele iria explicar. Mas eles veriam. Amanhã, ele faria os
preparativos para o casamento. Uma licença especial seria
necessária, é claro; ele precisava resolver isso o mais rápido
possível, precisava restabelecer alguma espécie de normalidade em
sua vida o mais rápido que pudesse. A ideia de que ele também
precisava ter Crecy com ele o mais rápido possível era tão óbvia
que ele nem se preocupou em negá-la.
Ele terminou sua refeição, determinado a ir para seu escritório e
fazer uma lista de tudo o que precisava ser feito, as coisas de que
sua esposa precisaria... Ele parou no meio de sua ação de dobrar
seu guardanapo, isso porque a palavra soava tão estranha que ele
teve que pensar nela novamente.
Sua esposa.
Por um momento, ele não percebeu que estava sorrindo.
Gabriel se levantou, deixando a sala de jantar e indo para seu
escritório para começar sua lista, mas olhou para cima ao ouvir
vozes e percebeu que Piper estava falando com alguém na porta da
frente.
— Eu tenho notícias, milorde. — Paul Chambers, o homem que
costumava espionar Winterbourne aqui no campo, aproximou-se
dele, parecendo satisfeito consigo mesmo. Por um momento,
Gabriel franziu a testa; ele havia se esquecido completamente de
Edward, de sua vingança. — Eu sei quem ela é, a esposa de Lorde
Winterbourne.
Paul se encaminhou para entrar em seu escritório, e Gabriel
percebeu, para sua surpresa, que preferiria que ele voltasse outro
dia; ele tinha assuntos mais importantes para resolver, afinal.
— E então? — exigiu saber ele, sentindo-se tenso e impaciente
e querendo que o sujeito fosse logo embora.
— Bem, eu obtive a história da criada de Lady Scranford —
disse ele, dando um enorme sorriso na direção de Gabriel. —
Aparentemente, eles abafaram o escândalo na casa grande, mas
havia duas irmã nesta festa de Lorde Winterbourne, e ambas caça-
dotes. De acordo com todos os relatos, ambas tentaram conquistá
Winterbourne, mas a mais velha armou uma armadilha para ele.
Aparentemente, ela e o marquês foram pegos em uma situação
delicada na biblioteca do homem. Lady Scranford estava lá, viu com
seus próprio olho, já que fazia parte do grupo que os pegou em
flagrante. Ela afirmou que estava claro que o marquês havia sido
apanhado de jeito. Ela disse que era óbvio que o marquês não teve
outra opção senão pedi-la em casamento.
Gabriel bufou, divertido com a ideia. Edward sempre fora um
galanteador, um sujeito popular e querido que sabia exatamente o
que dizer para fazer uma mulher cair em seus braços. Você
pensaria que ele estaria atento a tais artimanhas. Que tolo.
— E quem são essas jovens empreendedoras? — perguntou
Gabriel.
Chambers vasculhou o bolso, tirando um pedaço de papel
amassado. — Ah, umas maria-ninguém, como eu disse. Num tem
um tostão em seus nomes, aparentemente, e uma tia vulgar tamém.
Deixe-me ver aqui. Ah, sim, aqui está: Belinda e Lucretia Holbrook.
Foi estranho como tudo ficou tão quieto quando aquele nome foi
dito, como a casa parecia tranquila, quando, na verdade, estava
desabando sobre sua cabeça. Ele ficou em silêncio por um
momento que pareceu se estender até que a fúria o atingiu, forte e
ardente e avassaladora.
— Você está mentindo.
As palavras foram ditas em voz baixa, mas com uma raiva tão
intensa que os olhos de Chambers se arregalaram, e o medo
drenando a cor de seu rosto em um instante.
— N-não, milorde, eu... por que eu faria isso? — Gabriel se
aproximou do homem, que recuou, estendendo a mão na frente
dele. — É a mais pura verdade, vá e pergunte à Lady Scranford, ela
mesma vai lhe dizê.
Antes que Gabriel pudesse considerar qualquer outra coisa, ele
se viu com as mãos agarrando o pescoço do homem, e o desejo de
tirar a vida dele, avassalador. Ele não ouviu, pensou ou sentiu mais
nada além do desejo de tirar a vida do homem que havia destruído
tudo.
Chambers não iria escapar. A porta do escritório se abriu
abruptamente, e, de repente, Piper estava lá com um dos lacaios de
baixo escalão, ambos gritando e tentando afastar as mãos de
Gabriel do homem. Os gritos atraíram outros criados, todos
implorando para que ele parasse antes que assassinasse o homem.
Gabriel soltou, apenas querendo que eles fossem embora
naquele instante, virando-se para eles e gritando para saírem, para
saírem e não voltarem.
Havia um zumbido terrível em sua cabeça, sua respiração
ofegante e difícil de conter, e dor, tanta dor que ele sentia que
morreria com ela, orava para que morresse.
Tolo, tolo, você é um maldito tolo patético.
Eu te disse.
A voz de seu pai ecoava em seus ouvidos, mais alta e forte e
mais estridente do que nunca. É isso que você ganha, Gabriel, é
isso que acontece quando você me ignora. Você não pode
sobreviver sem mim, é fraco demais, desesperado demais. Ela
enganou você, não foi?
Não. Não.
Ela te envolveu em suas artimanhas, fez com que você
acreditasse que se importava com você. Você? Quem em sã
consciência iria querer você? Ela quer o seu título, o seu dinheiro, é
isso que ela quer – não você, seu maldito fracassado. Ela quase te
pegou também, seu maldito imbecil. Ela fez um sinal com o dedo e
ergueu suas saias, e você realmente iria se casar com ela!
Gabriel soltou um berro de raiva, de dor, varrendo tudo de sua
escrivaninha com um único movimento furioso. A satisfação de ver
tudo cair no chão fez sua raiva crescer, e ele repetiu o gesto em
todas as superfícies, enviando tudo pelo ar até que estivesse tudo
espalhado. Ele cambaleou para trás, cercado pela destruição, pelas
ruínas de tudo o que tinha, pela vida miserável que tinha construído
para si mesmo destruída por um rosto bonito. Gabriel se apoiou na
parede, subitamente exausto, vazio, oco.
Ele deslizou até o chão enquanto uma emoção estranha
apertava sua garganta, obstruindo-a, dificultando sua respiração.
Gabriel inspirou profundamente, tentando conter aquilo, ele não...
não iria... Mas ele não conseguiu impedir as lágrimas, lágrimas que
ele nunca havia derramado pela perda de seus pais, que ele nunca
havia derramado por estar sozinho e não ser desejado nem amado,
muito menos digno de ser amado. Mas, agora, aquilo não podia
mais ser contido, e Gabriel levou as mãos à cabeça e chorou.
Capítulo 19
“No qual a tristeza e o desespero tomam conta.”
12 de abril de 1818
Crecy sentou-se no canto do salão, o mais longe possível da
vista de todos. Talvez se ficasse com as jovens tímidas, estaria a
salvo. O salão estava muito quente e ela estava exausta. Pensar em
sua cama era irresistível, e ela engoliu em seco quando uma onda
de tontura a dominou.
— Aqui está você — disse uma voz masculina bastante
satisfeita, assustando-a a ponto de fazê-la pular. — Escondendo sua
luz debaixo do alqueire, como sempre, né?
— Oh, August — disse ela, soando impaciente. — Graças a
Deus que é só você.
O homem ridiculamente bonito à sua frente respirou fundo antes
de repreendê-la. — Crecy, querida, você é extremamente
inclemente com o ego de um sujeito, sabia?
Crecy resmungou, fazendo cara feia para ele. — Oh, acho que
você vai se recuperar — disse ela, com um tom seco. August Bright,
Barão Marchmain, tinha sido um dos seus admiradores mais
fervorosos e a perseguira incansavelmente no primeiro mês de sua
temporada em Londres. No entanto, finalmente, ela conseguiu fazê-
lo entender que era a dona de um coração partido e que nunca se
casaria. Além disso, ela certamente não teria um affair com um dos
libertinos mais notórios de Londres. Desde então, ele desistira da
perseguição, tornando-se um aliado inesperado, protegendo-a,
sempre que possível, de seus piores admiradores. Isso
naturalmente causou boatos, mas havia pouco a ser feito a respeito.
August era incrivelmente charmoso e, apesar do desânimo de
Crecy, ele conseguia arrancar um sorriso verdadeiro dela, em vez
dos falsos que ela reservava para ocasiões como aquelas. Ele
parecia mais curioso do que surpreso com as coisas estranhas e
desinibidas que ela estava acostumada a dizer, embora mesmo
essas tenham se tornado menos frequentes, uma vez que ela se
isolava em seu próprio sofrimento. Ela estava mais calada e
desanimada do que nunca, sua natureza naturalmente extrovertida
de alguma forma sufocada pela tristeza. Nesse aspecto, pelo
menos, August era um sopro de ar fresco, impedindo-a de
mergulhar muito profundamente na depressão, embora, até mesmo
a amizade dele provavelmente diminuiria. Entretanto, por enquanto,
August era um amigo alegre e impossível de não gostar.
Diferentemente de um certo visconde mal-humorado,
emocionalmente instável, que nunca estava longe de seus
pensamentos.
Ela suspirou enquanto a saudade apertava seu peito. Já se
passaram quase quatro meses desde que ele partira, e ela ainda
não tinha tido notícias suas. Ela tinha dado a Piper seu endereço em
Londres, nutrindo a esperança, apesar das circunstâncias
desfavoráveis, e embora o velho amigo tivesse escrito para ela, até
agora não tinha dado notícia alguma sobre Gabriel.
— Uma moeda por seus pensamentos?
Ela olhou para cima e dirigiu a August um sorriso cansado. —
Você não deveria desperdiçar seu dinheiro.
August franziu a testa e estendeu a mão, dando umas
batidinhas reconfortantes na mão dela. — Ainda lamentando por
esse sujeito miserável que partiu seu coração, é?
— É — admitiu ela, desviando o olhar dele quando um novo
grupo de dançarinos se posicionou na pista de dança.
— Eu o mataria se algum dia pusesse as mãos nele —
murmurou August, cruzando os braços e franzindo ainda mais a
testa.
Crecy conteve um sorriso. Ela se perguntou se ele seria tão
confiante se soubesse por quem ela estava sofrendo. Não que ela
duvidasse da coragem de August, mas o Visconde DeMorte era
uma figura muito sombria e notória para ser enfrentada com pé de
igualdade.
Sua diversão desapareceu quando uma onda de náusea a
atingiu e Crecy inspirou profundamente.
— Caramba, Lucretia, você está bem? Você parece doente.
— Querido August, você é terrivelmente inclemente com o ego
de uma garota, sabia? — brincou ela, com uma tentativa de humor
meio que sem fôlego e sem graça, já que sentia que poderia
desmaiar a qualquer momento.
— Crecy, eu não estou brincando. Devo te tirar daqui? — exigiu
saber ele, seus olhos verdes cheios de preocupação por ela.
— O quê? E fazer com que todos os jornais de escândalo da
cidade falem sobre nossa partida repentina? Nem pensar. — Ela
recostou-se e fechou os olhos, tentando se concentrar em respirar.
Querido Deus, por favor, faça com que Belle tenha recebido sua
carta e permita que ela volte para casa. Ela não sabia quanto mais
poderia suportar tudo isso. — Seja um bom garoto e vá buscar um
copo de limonada para mim, por favor.
August não se moveu, olhando para ela com preocupação. —
Não tenho certeza se devo te deixar sozinha.
— Oh, pare de fazer alarde, August — esbravejou ela,
imediatamente se arrependendo ao ver a expressão magoada em
seus olhos. — Perdoe-me — disse ela, subitamente sentindo-se à
beira de um ataque de lágrimas. — Eu... não estou me sentindo
bem, se você quer mesmo saber, mas tenho certeza de que vou me
sentir melhor se você me trouxer uma bebida. Está muito quente e
barulhento aqui dentro.
Ele lançou-lhe um olhar direto, um tanto perturbador, mas
assentiu. — Eu volto já — disse ele, apressando-se em buscar sua
bebida.
Crecy suspirou aliviada e fechou os olhos. Uma de suas mãos
se moveu para proteger seu estômago, e ela se esforçou para
conter as lágrimas que viriam se permitisse pensar no futuro.
Gabriel voltaria. Ele tinha que voltar. Ela não podia ter trazido tanta
vergonha para Belle sem motivo. Mas não tinha sido sem motivo.
Apesar de ter sido curto, era tudo o que ela sabia que seria, e não
se arrependia. No entanto, ela precisava sair do olhar público, e
logo. Ela também percebeu que teria que manter August afastado,
para evitar que as pessoas especulassem que ele era responsável
por sua condição delicada. Para piorar, ela começara a temer que
Lady Russell suspeitasse de algo. Sua acompanhante era perspicaz
e conhecia todos os truques, apesar de sua idade avançada, e a
velha senhora tinha feito algumas perguntas sutis, mas,
ultimamente, inquisitivas, que fizeram o coração de Crecy disparar.
Ele estava disparado agora, e Crecy estava se esforçando para
acalmá-lo. Entrar em pânico não seria nada bom. Agora, tudo o que
ela podia fazer era suportar aquilo.
***
Gabriel fitou o salão de baile lotado, com todo o seu instinto
exigindo que ele se virasse e fosse embora, agora, neste minuto.
Ele detestava Londres, não suportava as multidões, a sujeira e as
malditas fofocas. Sua anfitriã parecia prestes a desmaiar quando viu
quem havia cruzado seu limiar, mas não havia ninguém corajoso o
suficiente para negar sua entrada, apesar de sua falta de convite.
Ele havia chegado dois dias atrás, causando um grande e
completo caos em sua casa em Londres, já que não havia dado
nenhum aviso, e suas visitas eram tão raras que ele mantinha o
mínimo de funcionários residindo na propriedade.
Deparar-se com o quarto não estando arrumado do jeito que
queria não era passível de reclamações dadas as circunstâncias,
mas pouco ajudou a acalmar seu temperamento ou seu estado de
espírito. Francamente, era um milagre que ele tivesse conseguido
sair de casa, ele pensou aborrecido. Mas ver Crecy novamente
havia se tornado uma obsessão tanto quanto qualquer uma de suas
outras compulsões, e esse desejo havia superado tudo o mais.
Ele ignorou os cochichos e os olhares de desgosto enquanto se
movia entre a nata da alta sociedade. Ele sempre se sentia como
um tubarão nesses eventos, com todos os olhos observando-o com
medo do que ele poderia fazer ou dizer. Estranho, na verdade, já
que ele nunca havia causado algum escândalo público em um
evento desse tipo, a menos que ser forçado a se encontrar com seu
supostamente falecido primo à vista de todos contasse. No entanto,
isso tinha sido obra de Edward, não sua. Na verdade, ele até
admirava o primo por aquela jogada.
Edward estava longe de seus pensamentos, no entanto,
enquanto ele vasculhava as multidões. Ele permaneceu nas
sombras, atrás das enormes colunas de mármore que se estendiam
deste lado do salão de baile. Daqui, ele conseguia ver os dançarinos
e...
Ele prendeu a respiração, com a dor apertando seu peito
quando a encontrou entre a multidão. Deus, como ela estava linda.
Ela estava dançando com um jovem oficial bonito, que parecia
elegante e heroico em seu uniforme regimental, e Gabriel reprimiu
um acesso de ciúmes antes de perder o controle de suas emoções
o suficiente para atravessar a sala e matar o tolo à vista de todos.
Crecy olhou para cima quando seu parceiro a abordou e sorriu com
as palavras dele.
Viu, eu te disse. Você foi esquecido há muito tempo. Ela seguiu
em frente, lançando suas iscas para outro tolo patético que poderia
ser seduzido por seus encantos.
Gabriel sentiu as palavras atingirem seu coração como uma
farpa, mas ele não se moveu, teimosamente permanecendo firme
quando seu pai teria preferido que ele simplesmente se virasse e
fosse embora.
Algo havia mudado – ela estava diferente.
Agora que ele realmente olhava, era óbvio. Ela dançava com
tanta elegância quanto ele havia imaginado, e ela sorria, claramente
encantando todos ao seu redor, mas ela não era a mesma. Toda a
vivacidade, a energia e a alegria que ela parecia carregar dentro
dela tinham desaparecido. Ela parecia pálida, com o rosto abatido, e
o sorriso que ela dava não alcançava seus olhos. Ela parecia...
triste.
Ele fitou o salão de baile, observando-a enquanto ela deixava
seu parceiro e se afastava rapidamente. Ele se moveu pelos cantos
da multidão, seguindo seus movimentos enquanto ela encontrava
um lugar tranquilo entre as jovens tímidas. Gabriel observou,
franzindo a testa, enquanto ela se sentava, fechava os olhos e
pressionava os dedos enluvados contra as têmporas. Ela estava
cansada e não queria estar ali. O desejo de cruzar o salão e levá-la
embora, levá-la para casa com ele, era tão avassalador que ele teve
que se forçar a ficar parado. Enquanto continuava a observá-la, sua
raiva aumentou quando percebeu o Barão Marchmain se aproximar
dela; ela parecia surpresa, mas não descontente em vê-lo. Maldito
bastardo. August Bright era tudo o que ele não era. Encantador,
bem-quisto... são. Meu Deus, eles não formariam um casal
deslumbrante? A ideia o fez querer vomitar. Ou ir lá e quebrar o
maldito nariz do belo lorde. Isso poderia arranhar um pouco aquela
aparência perfeita.
Para sua surpresa, no entanto, Crecy não parecia estar flertando
com ele, embora visse Marchmain estender a mão e dar um breve
aperto na mão dela, o que não o fez sentir a menor simpatia por ele.
Tire suas malditas mãos dela.
No entanto, estava claro que Marchmain havia percebido que
ela não estava se sentindo bem; ele a olhava com óbvia
preocupação, e Gabriel só pôde sorrir quando estava claro que
Crecy o havia afastado com impaciência. Ela odiava ser paparicada.
Marchmain se afastou e Gabriel hesitou.
Se ele se aproximasse dela à vista de todos, as línguas
começariam a tagarelar por toda Londres. Ele nunca escolhia jovens
senhoritas. Nunca. A frustração o corroía enquanto ele tentava
descobrir como ficar a sós com ela, quando a voz embriagada de
algum idiota alcançou seus ouvidos.
— Aposto cinquenta libras que posso tê-la antes do final da
temporada.
— Você é um tolo, Tony. Ela já recusou cerca de três pedidos de
casamento que eu saiba. Um deles era o Conde de Clayton. Se
você acha que ela vai aceitar ser sua protegida, está louco.
— Eu terei a senhorita Holbrook, deitada, antes do final da
temporada, Charlie — disse a voz odiosa, e uma onda de raiva
atingiu Gabriel, tão intensamente que ele sentiu que sua cabeça
explodiria. — Você aceita?
Gabriel não pensou. Ele não considerou que estava em um
salão de baile lotado, cercado pela nata da alta sociedade. Ele
simplesmente reagiu.
Antes mesmo de seu cérebro ter tido a chance de processar a
situação, ele se virou e socou o rosto de Tony sentindo um som
gratificante enquanto quebrava o nariz do tolo. Houve gritos e
confusão, mas não notou nada, ele estava totalmente focado em
sua vítima, que havia recuado e colidido com dois outros homens,
fazendo com que todos eles caíssem no chão em um emaranhado.
Gabriel não tinha terminado, no entanto, e avançou em direção ao
homem, que realmente gritou e tentou se afastar, mas Gabriel o
alcançou, levantando-o pela sua ridícula gravata e torcendo-a em
sua mão até o homem ofegar por ar.
— Como você se atreve a pronunciar o nome dela? — disse
Gabriel, com a voz tão baixa que apenas o rapaz trêmulo e
sufocando em seu domínio podia ouvi-lo. — Você nunca, nunca
mais vai pronunciá-lo. Você não dirá a ninguém o que ou quem
causou essa confusão, apenas que era uma questão de honra, e
você nomeará seus padrinhos.
Ele soltou o jovem, que desabou, caindo de joelhos e parecendo
completamente apavorado.
— M-mas, eu não quis insultar v-você, milorde — gaguejou o
jovem, que Gabriel agora vagamente reconheceu como um tal de
senhor Anthony Bellinger, cujo pai havia sido um tolo também.
Gabriel havia tomado do pai de uma quantia considerável cerca de
cinco anos atrás. Parecia que seu filho havia herdado seus maus
modos, estupidez e covardia.
— Não — retrucou Gabriel, com a voz tranquila, embora
estivesse bem ciente de que seu rosto parecia assassino, para dizer
o mínimo. — Você não quis me insultar, porque você não teria
coragem. Você reserva sua calúnia e desrespeito para aqueles que
não podem se defender, seu filhote covarde.
— Peço p-p-erdão... — gaguejou Bellinger, claramente fora de si
de terror. — N-nunca mais vou mencionar isso... e-ela...
— Não. Você não vai. — respondeu Gabriel, olhando-o com
desprezo. — Mas você vai se encontrar comigo. Hyde Park, na pista
circular, ao amanhecer.
Gabriel se virou e se afastou, e a multidão se abriu, todos
olhando-o como se um monstro tivesse aparecido no meio deles.
Ele não os olhou, nunca olhava. Quem se importava com o que
pensavam dele? Nada de novo, isso era certo. Ele não se
arrependia do que havia feito, nem um pouco, mas lamentava sair
sem olhar nos olhos de Crecy. Ele queria ver a reação dela à sua
chegada, julgar se algo do que ele acreditara sobre ela, antes que
suas esperanças fossem frustradas era verdade. Mas ela saberia
que ele esteva ali, pensou com um sorriso sombrio. As colunas de
fofocas ecoariam essa história por semanas. Ele só teria que ver o
que ela faria a respeito.
***
Crecy encarava o vazio, visões de um passado mais feliz e de
um futuro bastante sombrio competiam por espaço em sua mente
tumultuada. A ideia de nunca mais ver Gabriel e ter que voltar para
casa para confessar a Belle o que tinha feito era terrível demais. Se
ela já se sentia mal antes, essa ideia era o suficiente para fazê-la
tremer em seus sapatos de cetim.
No entanto, seus pensamentos atribulados foram interrompidos
por gritos e confusão, e ela se levantou, seus próprios problemas
momentaneamente deixados de lado pela curiosidade. Ao se
movimentar mais pelo salão de baile, ela viu a fonte do distúrbio à
medida que a multidão recuava, afastando-se da cena. Uma briga!
Meu Deus, que chocante, uma briga de verdade no meio de um
salão de baile. Crecy quase sorriu com as expressões de horror
absoluto nos rostos ao seu redor, com a ideia de que tal
comportamento nada cavalheiresco lhes tivesse sido imposto. E,
então, ela viu os dois homens envolvidos.
Um deles era Anthony Bellinger, que parecia ter levado a pior, já
que o sangue jorrava de seu nariz e ele parecia estar implorando
por sua vida. Ótimo. Ele era um homem repugnante, insinuante e
que tinha assustado Crecy. Ele havia feito alguns comentários
desagradáveis e completamente inadequados a ela e estava
sempre tentando ficar a sós com ela. Certo ou errado, ela não pôde
deixar de sentir um certo prazer ao vê-lo finalmente receber o que
merecia. O homem que o segurava com firmeza claramente estava
no controle da situação, era um homem grande e...
O coração de Crecy deu um salto, esperança e alegria e uma
terrível ansiedade crescendo em seu peito.
— DeMorte o desafiou — disse uma voz escandalizada, ao
passo que o sangue de Crecy gelava.
— Então Bellinger está morto — veio a resposta. — Ele matou
Lorde Aston na hora. Um tiro na cabeça. Bem no meio dos olhos,
ouvi falar.
— Oh, não, Gabriel — sussurrou Crecy. Não que ela se
importasse com Bellinger, mas não podia deixar Gabriel se tornar o
monstro que ele acreditava ser.
Ela avançou, esforçando-se para abrir caminho pela multidão,
que estava ansiosa para dar uma olhada na escandalosa cena que
manteria suas línguas ocupadas até o final da temporada. Crecy viu
Gabriel virar-se, afastando-se enquanto as pessoas se afastavam
para deixá-lo passar, e ela o seguiu apressadamente.
Felizmente, todos estavam muito ocupados discutindo o evento
monumental entre eles para observar as portas, e Crecy escapou do
salão de baile. Ele já estava quase chegando às portas externas
quando ela conseguiu alcançá-lo.
— Gabriel!
Crecy prendeu a respiração quando ele parou subitamente. Se
ele continuasse caminhando, ela saberia que estava por conta
própria, mas talvez, talvez se ele se virasse, talvez ainda houvesse
alguma esperança para eles.
O tempo pareceu se esticar e Crecy pôde ouvir seu sangue
pulsando em seus ouvidos.
— Gabriel — disse ela novamente, mais suavemente desta vez,
suplicando... e ele se virou.
Capítulo 22
“No qual... há um reencontro, de certa forma.”
Persuadindo Patience
Patifes & Cavalheiros – Livro 8
17 de maio de 1818
Lorde Marchmain, também conhecido como August Bright,
observou o homem que havia sido seu herói por muitos anos e
balançou a cabeça com pesar. O fato de que esse homem havia
sido reduzido a isso era chocante e, de certa forma, aterrorizante.
O objeto da compaixão do jovem não era outro senão o Duque
de Ware, conhecido como Beau por seus íntimos. Para ser justo,
August teve que admitir que Beau não parecia nem um pouco
arrependido pela perda de sua liberdade e estilo de vida decadente.
Para dizer a verdade, o sujeito parecia deleitar-se com seu novo
estilo de vida. Até se poderia dizer que parecia... feliz. No entanto,
enquanto August o observava tomar conta de um dos dois recém-
nascidos com uma facilidade e confiança surpreendentes, só
conseguia se perguntar como isso era possível. Sua duquesa, Milly,
também era uma boa pessoa, bastante divertida, na verdade, mas
era mais do que óbvio que o pobre Beau estava totalmente sob
domínio dela.
Esse era o homem que já teve metade das mulheres de Londres
a seus pés, e alguém que August tinha tentado copiar com afinco.
Para ser perfeitamente sincero, ele havia feito um trabalho
malditamente bom. Considerando que ele não era nem um duque
nem mesmo um marquês, como Beau havia sido no auge de sua
fama, mas sim um mero barão, August achava que tinha tido
admirável sucesso em assumir a coroa do homem como o
queridinho da alta sociedade e o libertino mais notório da cidade.
— Não vai funcionar, August — continuou Beau, entregando o
bebê chorando para sua esposa, que o repreendia sobre os horários
de alimentação. — Pelo que soube, sua mãe não sabe mais o que
fazer, e acredite em mim, eu sei, já que ela passou a tarde inteira de
segunda-feira aqui, muito obrigado. — retrucou Beau com o tom
ríspido agora, embora August não o culpasse; uma visita de sua
mãe era o suficiente para deixar qualquer um sentindo-se deprimido.
No entanto, August estava envergonhado, então, ele só fez uma
carranca e revirou os olhos para o teto enquanto Beau beijava a
esposa e parecia realmente arrependido ao vê-la levar os gêmeos
horrivelmente barulhentos para fora do cômodo. — Maldição, Beau,
você sabe que isso não foi obra minha. Estou envergonhado de que
ela tenha vindo até você.
— Não tanto quanto eu — respondeu Beau, seu tom seco,
quando finalmente ficaram a sós. — Eu ouvi muito sobre você e
seus casos escandalosos, mais do que precisava ouvir, garanto,
mas a única maneira de me livrar dela foi prometendo falar com
você. — Para ser justo, Beau parecia tão desgostoso com a guinada
dos acontecimentos quanto August, mas ambos sabiam que sua
mãe era uma mulher difícil e que não devia ser contrariada.
August continuou a revirar os olhos ainda mais. Sua mãe era
terrivelmente esnobe, e uma das únicas coisas que ele já havia feito
e que ela aprovou foi fazer amizade com o Duque de Ware. O fato
de ela ter tido a audácia de ir até Beau pessoalmente para discutir o
comportamento sórdido de seu filho...
August estremeceu de humilhação.
— Então diga a ela que cumpriu o seu dever e que me deixe em
paz — disse ele, cruzando os braços e sentindo-se cada vez mais
indignado. — Só porque você está feliz sendo um novo homem, não
vejo por que você tem que estragar a minha diversão —
acrescentou, mais do que um pouco ressentido com a interferência
do duque, considerando que a reputação do próprio homem era tão
manchada quanto a de August.
Beau bufou e balançou a cabeça. — É exatamente por isso, seu
tolo. Acredite em mim, tenho toda a simpatia por você por causa de
sua mãe. — August ficou vermelho, mortificado por Beau ter
percebido o quão terrível sua mãe realmente era. Só Deus sabia o
que ela havia dito a Beau sobre ele. O rosto de Beau se suavizou
com pena e August se sentiu mal, com seus piores medos
confirmados. — Mas ela está certa — continuou Beau —, e não
estou falando de prover o herdeiro que ela está desesperada para
ter. Você precisa repensar honestamente a sua vida, August, porque
eu sei que toda essa diversão que você está tendo vai começar a
enjoar em breve, se já não enjoou. — Os intensos olhos azuis de
Beau se voltaram para ele com uma força um tanto excessiva, e
August desviou o olhar. O diabo sempre parecia enxergar através
dele, e isso era perturbador.
August se levantou, determinado a encerrar esta entrevista o
mais rápido possível. — Olha, trouxe a maior parte do que lhe devo,
só preciso de algumas semanas para conseguir o resto, mas vou
conseguir, eu prometo. Então, não há necessidade de me punir
ainda mais com esse discurso paternal que você está fazendo. Você
pode dizer à minha mãe que fez tudo o que pôde com a consciência
limpa. — Ele pegou o grosso maço de notas em seu bolso,
resultado de uma vitória oportuna nas corridas de cavalos, e o
estendeu a Beau, com pesar. Era todo o dinheiro que tinha no
momento, e se sua mãe tinha vindo aqui reclamar dele, bem, um
adiantamento de sua mesada não parecia provável.
Beau balançou a cabeça. — Não.
August empalideceu, perguntando-se se Beau insistiria no
pagamento integral. Afinal, ele havia sido muito paciente, permitindo
que ele pagasse sua dívida ao longo de um ano, mas esta última
parcela já estava com um mês de atraso.
— Oh, não fique tão horrorizado — respondeu Beau,
balançando a cabeça e sorrindo. — Eu só decidi uma outra maneira
de você me pagar.
Os olhos de August se arregalaram e ele sabia que realmente
devia parecer horrorizado agora. Ele estava endividado com o
homem e atrasado no pagamento, e Beau o tinha onde queria. A
honra exigia que ele fizesse o que lhe era pedido. Ele esperou com
apreensão para descobrir o que diabos estava prestes a enfrentar.
Beau riu, aproveitando enormemente seu desconforto. — Você
se lembra do Lorde Nibley? Ele estudou com a gente em Eton, no
mesmo ano que eu, um ano mais velho que você.
Franzindo a testa enquanto lhe vinha à mente um homem alto e
magro com óculos, August assentiu. — O sujeito sem graça,
acadêmico, sempre falando sobre rochas ou algo assim? — Ele
assistiu Beau sorrir para ele.
— Esse mesmo. Bem, acontece que ele é um bom amigo meu e
precisa de ajuda, e você vai dá-la a ele.
— O quê? — quis saber August, perguntando-se se Beau havia
perdido o juízo. — Em que diabos eu poderia ajudá-lo?
Beau virou-se e serviu uma bebida para os dois, levando os
copos de cristal e entregando um com uma generosa dose para
August. Havia um brilho divertido em seus olhos azuis que não era
um bom sinal.
— Você, meu caro August, pode ajudar o homem a aprender
como conquistar as mulheres... e encontrar uma esposa para ele.
***
— Tem que estar aqui em algum lugar! — Patience atirou a
almofada de volta na poltrona como se ela a tivesse ofendido e pôs
as mãos na cintura. Sua jovem meia-irmã, Caro, encolheu-se um
pouco e mordeu o lábio.
— Bem, suponho que eu possa ter voltado para casa sem ele —
ofereceu ela, enquanto Patience revirava os olhos para o céu e
pedia para ter mais do que seu nome sugeria que ela tinha em
abundância. Era irônico, na verdade, já que encontrar uma mulher
mais impaciente seria uma tarefa difícil. Ela se perguntava se seus
pais já sabiam disso desde o início e apenas a nomearam assim
para lembrá-la diariamente do que lhe faltava.
— Caro, mesmo você não pode ser tão completamente distraída
a ponto de voltar para casa com apenas um sapato — retrucou
Patience, ficando de quatro e olhando embaixo do sofá. — Eu me
recuso a acreditar nisso.
— Bem, não sei por quê — respondeu Caro, desabando na
cadeira mais próxima com uma confusão de saias de musselina. —
Você tem que admitir que é o tipo de coisa que eu faria.
Patience resmungou e, então, deu um espirro vigoroso à medida
que a poeira debaixo do sofá subia até seu nariz; elas realmente
deveriam contratar outra criada, mas sua mãe – madrasta de
Patience – estava economizando novamente. Isso era risível, sua
querida madrasta tinha tanta ideia de economia quanto sabia como
contar uma mentira descarada. Era realmente demais quando você
não podia repreender a mulher por gastar a mesada de compras da
semana inteira em um par de luvas de pele porque a cor combinava
com seus olhos, quando ela era tão absolutamente ingênua.
— Embora eu esteja preparada para admitir que você faria uma
coisa dessas, com certeza se lembraria de ter voltado para casa na
sexta-feira à noite com um sapato, certo? — quis saber Patience,
enquanto tateava em busca do lenço. — Estava chovendo, pelo
amor de Deus. — Ela assoou o nariz com gosto e olhou para cima,
observando enquanto Caro franzia o nariz, absorta em seus próprios
pensamentos. Ela era realmente uma garota muito bonita. Cabelos
pretos caíam em grossos cachos ao redor de um rosto em forma de
coração, e seus olhos azuis eram perfeitamente angelicais. Sua
natureza era igualmente doce, e apesar de ser apenas meia-irmã,
era dedicada a Patience, assim como sua mãe. A própria mãe de
Patience morreu jovem, e seu pai logo se casou com Cecilia, ou
Cilly, como era conhecida por seus amigos. Era um nome
assustadoramente apropriado para ela. Nem Caro nem Cilly tinham
um pingo de bom senso, e Patience havia se tornado a quem ambas
recorriam. Seu próprio pai morreu logo depois de se casar com Cilly,
e a bondade inabalável de sua madrasta durante esse momento
difícil tornou tudo mais fácil de suportar com sua natureza um tanto
frívola.
Cilly havia se casado novamente, mas seu novo marido morreu
de tuberculose depois de apenas dois anos de casamento, deixando
Cilly para criar a pequena Caro sozinha. Cilly ficou arrasada, pois
realmente amava seu marido, e coube a Patience, com a tenra
idade de doze anos, assumir a administração da casa. Não era um
papel que ela se importasse exatamente; afinal, não suportava ver
as duas se meterem em situações tão ridículas e nada fazer, mas
ocasionalmente sentia uma pontada de arrependimento pelo que
sua juventude poderia ter sido se não fosse por elas. Agora, com a
idade avançada de vinte e oito anos, ela havia aceitado que
qualquer pensamento de casamento estava no passado, mas não
lamentava a perda disso tão profundamente quanto alguns
poderiam acreditar. Afinal, estava acostumada a estar no comando,
acostumada com sua independência, e jurava que nenhum homem
tiraria isso dela.
— Claro! — exclamou Caro, levantando-se em um salto. —
Deve estar na despensa.
Patience encarou a irmã e recusou-se a repreendê-la.
Realmente não havia sentido em perguntar como uma – não ambas,
só para deixar claro – mas uma de suas melhores sapatilhas de
dança de cetim havia parado na despensa. — Claro que está —
murmurou ela, levantando-se mais uma vez.
— Bem, Rufus estava tentando comer a roseta dele, entende —
continuou Caro, enquanto Patience a seguia até a cozinha. Rufus
era o pug desagradável de Cilly. Era mimado e mal-humorado, e
Patience o detestava. O sentimento era certamente mútuo. — Ele
não queria o da esquerda, por algum motivo, apenas o da direita, e
eu estava com fome depois daquela festa, então fui até a cozinha...
— Sim, sim — respondeu Patience, levantando uma mão
cansada. — Já entendi.
Ela esperou enquanto Caro corria para recuperar seu sapato
perdido e olhou na sala de estar onde sua madrasta estava tomando
chá com um ar distraído.
— Está tudo pronto, mamãe? — perguntou Patience, embora
sempre lhe parecesse estranho chamar a mulher de mamãe. Sua
madrasta tinha apenas trinta e sete anos e parecia mais jovem. Ela
poderia facilmente ser considerada uma irmã mais velha e muito
mais adorável de Patience. Era bom para Patience não se importar
com coisas tão superficiais quanto aparência, ou ela poderia ter
ficado um pouco chateada. Atualmente, Patience estava
perfeitamente satisfeita por ter puxado o pai. Ele podia não ter sido
o homem mais bonito do mundo, mas tinha uma mente brilhante,
muito bom senso, e inteligência suficiente para educar suas filhas.
Como Caro rapidamente apontaria, isso só havia sido útil para
Patience, já que ela mesma era bastante estúpida. Este comentário
rapidamente se transformaria em uma discussão, já que Patience
sabia muito bem que Caro não era estúpida, apenas preguiçosa e
mais interessada em vestidos bonitos e festas do que em qualquer
coisa que desafiasse seu cérebro perfeitamente capaz.
— Mamãe! — repetiu Patience, quando a bela mulher diante
dela pulou e quase deixou cair sua xícara de chá.
— Oh, Patience, querida — disse ela, corando um pouco. — Eu
não a vi aí.
— Eu perguntei se você terminou de fazer as malas. Você sabe
que partiremos cedo amanhã de manhã.
Cilly mordeu o lábio e balançou a cabeça. — Não, ainda não
terminei. Eu... eu comecei, só que... oh, Patience, é tão cansativo.
Mary vai continuar me fazendo perguntas sobre se eu quero trazer
isso ou aquilo, e eu precisava de um momento para me afastar.
Patience cruzou os braços, estreitando os olhos. — Você só
começou depois do meio-dia, Cilly — disse ela, seu tom agora um
tanto severo. — Apesar de me prometer que faria isso de manhã, e
como agora são apenas duas horas, é difícil acreditar que você
tenha se exaurido.
Ela observou Cilly bufar e fazer beicinho, e, então, fez um som
de objeção quando Patience pegou sua xícara e pires e a ajudou a
levantar-se. — Apenas pense, Cilly, no que acontecerá se você não
supervisionar as coisas. Sabe, eu acho que vi Mary colocar no baú
aquele traje roxo vívido que você comprou em Londres que a faz
parecer uma velha, e aquela musselina estampada floral que você
usa no jardim para podar as rosas.
Isso, muito mais do que qualquer outra repreensão, teve o efeito
desejado, e Cilly deu um grito de alarme e subiu apressada as
escadas. Patience resmungou e balançou a cabeça, fazendo uma
nota mental de todas as outras coisas que ela precisava fazer antes
de partir pela manhã. Ela deveria reservar um momento para sentar
e pagar as últimas contas antes de partirem, dar instruções ao
jardineiro, ajudar Mary a colocar as capas Holland sobre os móveis
melhores, já que a pobre mulher estaria exausta depois de lidar com
Cilly e sua arrumação – ah, e certificar-se de que tinham uma cesta
de piquenique, já que Caro e Cilly atrairiam atenção indesejada se
parassem em uma pousada, não importava o quão respeitável ela
fosse. Ela só podia rezar para que o alojamento que encontrara
fosse tão elegante e bem localizado quanto esperava em sua
correspondência. Não que pudesse fazer algo a respeito agora. No
entanto, Patience foi arrancada de seus pensamentos quando Caro
apareceu vindo da cozinha.
— Encontrei! — exclamou ela, com seus cachos escuros
pulando enquanto corria em direção a Patience, triunfante ao
segurar bem alto o sapato de cetim azul.
— Ótimo — murmurou Patience, enquanto dava um longo
suspiro. — Menos uma coisa para se preocupar.
***
Para grande alívio de Patience, a casa de três andares em
Henrietta Street era tudo o que ela esperava. Uma das muitas casas
idênticas, construídas em pedra de Bath, era um exemplo de
elegância discreta. Talvez não estivesse no auge da moda, mas era
um endereço bom e muito respeitável que deveria falar bem delas
como família, e isso era o que importava.
Patience não tinha tempo para a alta sociedade e suas noções
do que era ou não de maior importância. No entanto, não havia
como negar que, para que Caro fizesse boas conexões e, se Deus
quisesse, arranjasse um casamento adequado, as aparências
precisavam ser mantidas. Na verdade, isso não deveria ser difícil.
Seu pai tinha deixado todas elas em uma situação financeira muito
confortável, se ao menos Cilly tentasse lembrar de que era viúva e
não podia gastar e jogar como fazia quando seu amado marido
estava vivo. Para falar a verdade, seu segundo marido tinha sido um
homem muito rico, e a maior parte de sua fortuna havia sido deixada
para Caro. Isso era uma bênção e uma maldição, uma vez que seu
début como uma bela jovem herdeira significava que todos os
caçadores de fortuna da cidade estariam bisbilhotando atrás dela
como burros atrás da última cenoura. Patience resmungou, satisfeita
com a imagem mental apropriada que isso evocava. Ainda assim,
era seu trabalho garantir que Caro não caísse nas mãos de
libertinos e patifes, mas que se casasse com um bom homem e que
a tratasse bem, sem sufocar seu entusiasmo pela vida.
Como Cilly estava tão mal preparada para lidar com esses
homens quanto Caro, coube a Patience ser a adulta e a domadora
de leões. Qualquer homem que fixasse os olhos em Caro deveria
ser digno dela ou enfrentaria as consequências.
Compre-o já na pré-venda!
Persuadindo Patience
Quer mais Emma?
Se você gostou deste livro, por favor, apoie esta autora
independente e reserve um momento para dizer algumas palavras
em uma avaliação. Obrigada!
Para manter-se informado sobre ofertas especiais e ofertas gratuitas
(o que faço regularmente), siga-me em
https://www.bookbub.com/authors/emma-v-leech
Para saber mais e receber notícias prévias do primeiro capítulo dos
meus próximos trabalhos, entre no meu site e inscreva-se na
newsletter.
http://www.emmavleech.com/
Me siga aqui...
http://viewauthor.at/EmmaVLeechAmazon
Sobre Mim!
Filhas Ousadas
Série – Filhas Ousadas
Desafiando um Duque
Damas Ousadas – Livro 1