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A Teoria do Fingimento Poético
“A composição de um poema lírico deve ser feita não no momento da emoção, mas
no momento da recordação dela”.
Para Fernando Pessoa ortónimo, o poeta necessita de ser fingidor. No entanto, é necessário
ter em mente que -Fingidor difere de Mentiroso.
Para o ortónimo a produção artística não deve ser imediata, pois, além do poema ter uma
estrutura formal desorganizada, iria transmitir sentimentos imediatos, o que acabaria por não
corresponder à realidade, posteriormente. Devido a isso, este aposta na ideia de que é
necessário que, por parte do poeta, haja uma racionalização dos sentimentos. Tomemos como
exemplo a ideia de um poeta que está magoado porque a sua amada partiu. Este não poderá
escrever imediatamente. Deve pensar a dor que sente e, sim, posteriormente, escrevê-la. Em
vez de dizer "Estou desolado, quero morrer!", por exemplo, poderá dizer "Estava desolado;
Ainda dói; No entanto, segui", apresentando uma estrutura a nível de abordagem do tema mais
cuidada. Origina-se, então, a dor fingida (pensada).
Existem três níveis de dor para Fernando Pessoa: a dor sentida, a dor vivida no imediato, dor
não racionalizada; a dor pensada: dor refletida, momentos mais tarde, após o acontecimento
que a originou. Perceção do leitor em relação à dor: Dor sentida por parte do leitor, ao ler o que
o poeta escreve, tendo em conta as suas vivências.
A dor sentida e pensada caracterizam a produção artística; e a perceção do leitor em relação à
dor transmitida no poema constitui a receção.
Conclui-se, então, que a poesia, para Pessoa ortónimo, é a intelectualização dos sentimentos e
emoções.
Fernando Pessoa apresenta o processo de fingimento artístico como a base da sua
arte poética. Ao defender que um poema é um produto intelectual, o poeta expõe o seu
conceito de poesia enquanto intelectualização da emoção. Este processo caracteriza-se
pela construção de sentidos que o labor poético implica, a partir de sentimentos criados
ou recriados. Assim, a sinceridade artística mais não é do que um fingimento, uma
transformação da emoção, sentimento pela razão/pensamento, para se atingir a
veracidade intelectual e a emoção artística.
Nos poemas que abordam esta temática, “Autopsicografia” e “Isto”, o verbo fingir não é
utilizado no sentido tradicional de mentir. No universo poético concebido por Pessoa,
fingir retoma o seu sentido clássico: modelar, transformar, recriar. Por isso, “o poeta é um
fingidor” e elabora mentalmente conceitos (“dor fingida”) que exprimem emoções (“dor
sentida”). Por outras palavras, o sujeito poético racionaliza e transforma o que sente.
Em conclusão, o trabalho poético é, segundo Pessoa, o resultado da
consciencialização da impossibilidade de o poeta fazer coincidir o que sente com o que
pensa que sente: o pensar domina o sentir, logo a poesia é um ato intelectual.