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Maria Cecília Castro Gasparian A Ps,copcuagog,a Institucional Sistémica

1. 3 - A abordagem relacional sistêmica tratar com complexos, "totalidades" ou "sistemas" em to­


dos os campos de conhecimento. Isso implica uma funda­
1. 3. 1 - Introdução histórica mental reorientação do pensamento científico.
A idéia de uma "teoria geral dos sistemas" foi pela pri­
meira vez introduzida por Ludwig von Bertalanffy, cientis­
tend'ências
Se• alguém se dispusesse a analisar as novas ta e biólo go . Tal co mo se dá com qualquer nova idéia na
". Esse
,,wt:11s, c•ncontraria bem no alto a palavra "sistemas ciência o u em o utra atividade, o co nceito de sistema tem
tr ou no
c:ow1•ilo 1twndiu Lodos os campos da ciência e pene uma lo nga história.
\H't1i;111nt•11Lu popular, na gíria e n o s
meio s de comunicação Entretanto, só recentemente, tornou-se visível a neces­
desempe­
de massa. O pensamento, em termos de sistemas, sidade da abordagem dos sistemas. A necessidade resulto u
a série de campos.
nha um papel dominante em uma ampl do fato de o esquema mecanicista das séries causais isolá­
egos des­
Apareceram, nos últimos anos, profissões e empr veis e o tratamento por partes terem se mostrado insuficien­
n mes de pro­
conhecidos até pouco tempo atrás, tendo os o
tes para atender aos problemas teóricos, especialmenLc nai;
nhar ia de
,i etos ele siste mas , anál ise de siste mas , enge ciências biassociais. A viabilidade resulto u em várias no
uma tecno -
sistemas e outros. São verdadeiros núcleos de vas criações - teóricas, epistemológicas, matemáticas, etc
lo gia e tecnocracia. que, embora ainda no começo , tornaram progressivarncnl 1 1

ões
As r aízes dess a evolução são comp lexas. As relaç realizável o enfoque dos sistemas.
tância e
ntrc o h omem e a máquina passam a ter impor Bertalanffy, na década de 1920, ficou intrigado com ni;
financei­
•nLram também em jo go inumeráveis problemas evidentes lacunas existentes na pesquisa e na teoria da biolo
ros, econômic os, sociais e políticos. gia. O enfoque mecanicista, então prevalecente, parnci

Essa evolução seria simplesmente mais uma das múlt desprezar ou negar de todo exatamente aquilo que é essen­
tecno-
plas facetas da modificação que se passa na sociedade cial no s fenómenos da vida. Ele advogava uma concepção
um
1 ó gica c ontemp orânea, se não fosse a existência de organísmica na biologia, que acentuasse a consideraçã o do
te c mpre en­
importante fator que pode não ser devidamen o
organismo como uma t otalidade ou um sistema e visse o
men­
dido pelas técnicas altamente complicadas e necessaria principal objetivo das ciências biológicas na descoberta dos
engen haria
te especializadas da ciência dos computadores, da princípio s de organização em seus vários níveis. Os pri­
as. Esse
dos sistemas e dos campos relacionados a essas últim meiros enunciados de Bertalanffy datam de 1925-1926.
olo gia
importante fator não é apenas a tendência da tecn Em co nexão com o trabalho experimental sobre o meta­
de uma
em fazer as c o isas maiores e melhores, trata-se bolismo e o crescimento, de um lado, e o esforço para con­
mento,
transformação nas características básicas de pensa cretizar o pro grama organísmico , do o utro, a teoria do s
l gia sã o ape­
da qual as complexidades da moderna tecn o o
sistemas abertos foi proposta, baseada em um fato bastan­
mani­
Has uma - e possivelmente não a mais importante - te trivial de que o organismo é um sistema aberto, embora
é força do a
fostaçáo. De uma ou outra maneira, o h omem na época não existisse nenhuma teoria desse tipo.

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Maria Cecília Castro Gasparian
A Ps,copedagog,a Institucional
Sistémica

Essa teoria sofreu grandes ataques da comunidade cien­


Ele considera a cibernética com
tífica da época, mas aos poucos foi se compreendendo que o a mais destacada ciên­
cia dos sistemas, mas que não
<·ssas objeções não atingiam o alvo no que diz respeito à deve ser confundida com a
teoria geral dos sistemas.
t1aLurcza da teoria dos sistemas, a saber, a tentativa de uma Vejamos agora o que vem a ser
i1tLcqJrcLação e uma teoria científica em assuntos que, an- cibernética e como pode­
mo s utilizá-la na nossa prátic
11:1·iorn1enLc, não existiam e chegar a uma generalidade a.
11 t n is ,t I La do que a das ciências especiais.
Cibernética
1<:nquanLo isso, outra linha de desenvolvimento teve lugar.
1•'01 ptililicado cm 1948 o livro Cybernetics, de Norbert Wiener, A palavra cibernética vem do gre
go Kybernettes (que sign i­
fica piloto) e Kybernetike (a art
rt)Sll I Lndo elas aquisições, então recentes, da tecnologia dos e de pilotar navios e a de
governar os homens).
·ornpLtLadores, da teoria da informação e das máquinas auto­
Maria José Esteves de Vasconcel
reguladoras. Ainda uma vez, foi uma dessas coincidências, los (1995, p. 76) diz que:
que ocorrem quando as idéias estão no ar, o fato de três con­ [A cibernética] interessa-se por todo
s os comportamcn
tribuições fundamentais terem aparecido aproximaqamente tos possíveis (um amplo conjunt
o de possibilidades),
no mesmo momento, a saber: Cybernetics de Wiener (1948) a de todas as maquinas possíveis
(mesmo que aindn 111(•
xistentes), propondo-se com um
teoria da informação, de Shannon e Weaver (1949) e a teoria quadro de refcrê 11 ci:1
para compreensão de todas as
dos jogos de Von Neumann e Morgenstern (1947). máquinas. A cibcrnN 1
ca pretende fornecer não só os
princípios parn n co111,
Wiencr levou os conceitos cibernéticas de retroação e trução de máquinas com grandes
poderes de rcgulaçao
i 11 formação muito além dos campos da tecnologia e gene­ (como o cérebro), como também
os princípios pura 1 cs
ralizou-os nos domínios biológicos e sociais. A teoria dos tauração das funções normais dos
sistemas de granc.le
complexidade. Interessa-se então
siRLcmas também é identificada com a cibernética e a teo­ pelas formas de com­
portamento e aspectos do sistema
ria do controle. Isso também é incorreto. A cibernética, que sejam determi­
náveis, que possam obedecer a
curs os regu lare s e
como teoria dos mecanismos de controle na tecnologia e reprodutíveis, ou seja, tem como
tema central a regu­
na natureza, fundada nos conceitos de informação e retro­ lação e o controle. Por isso, costuma
ser definida como
ação, é apenas parte da teoria geral dos sistemas. Os siste­ a arte do comando, como a arte
de tornar a ação efi­
caz, ou seja, a arte de maximizar
mas cibernéticas são um caso especial, embora importantes, a eficiência. Conside­
ra-se eficaz a ação racional guia
dos sistemas que apresentam auto-regulação (BERTALANFFY, da, isto é, controlada
em todas as suas etapas.
1975, p. 35).
Segundo esse autor: A cibernética se ocupa das transformações que de fato
ocorrem nos comportamentos do sistema e não de hipóte­
A cibernética é uma teoria dos sistemas de controle base­
ada na comunicação (transferência de informação) entre ses sobre as possíveis causas dessas mudanças.
o sistema e o meio e dentro do sistema, e do controle A principal característica das máquinas cibernéticas é
(retroação) da função nos sistemas com respeito ao am­ a capacidade de auto-regulação, ou seja, a capacidade de o
biente. (BERTALANFFY, op. cit., p. 41, grifo nosso). próprio sistema corrigir desvios em sua trajetória, de modo
a garantir o alcance de sua meta. A regulação, portanto,
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Maria Cecília Castro Gasparian ·A Psicopedagogia Institucional Sistêmica

visa à sobrevivência do sistema e à manutenção de suas tra na descrição do que é observado, de tal sorte que a obje­
variáveis essenciais em níveis adequados. tividade não é possível. Além disso, se o observador entra
A cibernética baseia-se no princípio da retroação ou dos naquilo que é observado, não há o que se poderia chamar
encadeamentos causais circulares, fornecendo mecanismos de sistema observado isolado.
para a procura de uma meta e o comportamento auto-regu­ F inalmente, uma vez que qualquer observador percebe
lador. Mas a organização dos mais complexos sistemás exis­ o mundo através das lentes da cultura, da família e da lin­
tentes até agora, descobertos em nosso universo, continuava guagem, o produto resultante representa não algo privado
vedada para a cibernética, ou seja, permaneciam sem poder e autônomo, mas uma "observação comunitária".
responder às perguntas: Bateson (1986) contribuiu com o fragmento mais conhe­
• qual é a organização do ser vivo? cido dessa idéia: ele suprime as linhas divisórias entre as
• qual é a organização do sistema nervoso? unidades de criação tipo observador e observado, sujeito e
• qual é a organização do sistema social? objeto, propondo que essas unidades e seus contextos re­
Segundo Maturana e Varela (1995, p. 37): presentem uma circularidade maior denominada !11ente.
Ele está falando de circuitos integrados, nunca menos
A resposta que se buscava, mediante a aplicação do
enfoque cibernético, deveria mostrar então qual era, que dois: DNA na célula, célula no corpo, organismo no
ao tomar as moléculas como componente, a organiza­ ambiente. Essa visão descarta os cortes entre as partes ou
ção do ser vivo, qual era, ao substituir as moléculas o controle unilateral de uma parte por outra.
por neurônios, a organização do sistema nervoso, qual Essa Segunda Cibernética descreve uma visão que pode
era, ao substituir os neurônios por pessoas, a organi­ ser aplicada a qualquer assunto: ativismo social, ecologia,
zação de todo sistema social (ou relações comporta­
trabalhos religiosos, educação, etc.
mentais geradoras das culturas).
A Primeira Cibernética retrata o sistema em crise, como
Ao estudo dos sistemas de nossa atividade cognitiva (de uma máquina homeostática. O modelo separava o terapeuta
observação), deu-se o nome de cibernética de primeira or­ do cliente. Os modelos da Segunda Cibernética conceituam a
dem ou cibernética dos sistemas observados, porque o obser­ unidade do tratamento como contendo ambos, observador e
vador "se põe" à margem de tais sistemas. Ao estudo dos observado, em um grande grupo. O psicopedagogo, então, não
sistemas, nos quais nossa própria atividade descritiva é diria que o sistema cria o problema, mas inverteria a frase:
parte constitutiva dele, deu-se o nome de cibernética de o problema cria o sistema. Em outras palavras, o problema
segunda ordem ou cibernética dos sistemas observadores não existe, independentemente dos "sistemas de observa­
(MATURANA; VARELA, op. cit., p. 36-37). ção" que estão, reciproca e coletivamente, definindo o pro­
blema.
A segunda cibernética Desse ponto de vista, o sintoma representa, em parte,
A diferença mais importante entre a primeira e a segunda um modo de bloquear ou conter as forças deixadas livres
cibernética é relativa à observação dos sistemas. Von Foerster por �ssas escaladas negativas e, portanto, pode ser dito que
(apud VASCONCELLOS, 1995) afirma que o observador en- elas agem, pelo menos parcialmente, em benefício do gru-

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.,

Maria Cecília Castro Gasparian


A Ps,copedagog,a lnstituc,onal s,stêmica

po como um todo. É por isso que o psicopedagogo deve sem­


Devido à grande complexidade e extensão do tema, res­
pre ter o cuidado de examinar os efeitos do impacto que
tringir-se-á a enunciar e conceitualizar as características
provoca - no impacto da informação no sentido ecológico -
e os princípios básicos do modelo relacional sistêmico, dei­
:111Lcs de concordar em ajudar uma mudança individual ou
xando em aberto para debate e posterior aprofundamento
�·,111pnl. do tema em outro trabalho.
No quadro abaixo, são mostradas as diferenças entre má- O objetivo deste estudo é contribuir para uma amplia­
q11, nas e organismos na cibernética, já que esse nome é po­
ção da visão Psicopedagógica Institucional e, dentro dessa
p1 tlarrnc n Lc confundido com computadores.
perspectiva, ver a função do psicopedagogo como um observa­
dor, coordenador e facilitador das relações entre os indiví­
DIFERENÇAS ENTRE MÁQUINAS duos na escola e das relações entre o ensinar e o aprender,
E ORGANISMOS NA CIBERNÉTICA em que seu papel de participante, também nesse sistema, vai
MÁQUINAS ORGANISMOS influir e ser influenciado pela sua observação, coordenaçã
1
atuação.
1
São construídas. Nascem, crescem, vivem e morrem, N áo existe ainda um estudo ou pesquisa nessa área "
portanto a compreensão deve ser este trabalho é apenas uma sugestão de possibilidade dcn
orientada para o processo. tro da Psicopedagogia Institucional, já que, no csLágio rei
2 2 to numa escola do sistema municipal de ensino houve mu iLn
Determinadas por sua estrutura. A estrutura orgânica é determinada dificuldade em capturar a essência e o objeto de atuação d
por processos. Psicopedagogo Institucional nas bases teóricas atuais.
As idéias aqui abordadas consubstanciam-se na Teoria
3 3
íuncionam de acordo com cadeias Funcionam por modelos cíclicos de Geral dos Sistemas, com bases na cibernética que, por sua
lineares de causa e efeito. fluxo de informações, conhecidos vez, é a base da Terapia Familiar Sistêmico-Cibernética,
por laços de realimentação ou Relacional Sistêmica, e a idéia central dessa escola é
(feedback).
ser o membro sintomático, apenas um representante cir­
4 4 cunstancial de alguma disfunção no sistema familiar (que
Quando sofrem uma avaria, em Quando sofrem uma avaria, esta no nosso caso seria a instituição escolar). Tradicionalmen­
geral, pode ser identificada uma geralmente é causada por múltiplos te, o distúrbio mental se introduz e se manifesta por força
única causa para tal defeito. fatores que podem ampliar-se
reciprocar:nente, por meio de laços de conflitos internos, tendo, portanto, sua origem no pró­
interdependentes de realimentação. prio indivíduo. O modelo sistêmico, por outro lado, enfatiza
o distúrbio mental como a expressão de padrões inadequa­
5 5
Mostrám um elevado grau de
dos de interação no interior de um sistema; no caso, a escola
São construídas reunindo-se e
mantendo-se um número bem flexibilidade e plasticidade internas. é vista também como um sistema aberto.
definido de peças de modo preciso Para justificar essa concepçáo, procurou-se uma funda­
e previamente estabelecido. mentação na Teoria Geral dos Sistemas, desenvolvida por
• ::18
�Q
Maria Cecília Castro Gasparian A Psicopedagogia Institucional Sistêmica

Ludwig von Bertalanffy nos anos 40, e na ramificação des­ Mudança de estrutura para processo
ta, a cibernética. Cada estrutura é vista como a manifestação de um pro
cesso subjacente. Toda a teia de relações é intrinsecamvn
1. 3. 2 - Pensamento sistêmico te dinâmica.

O pensamento sistêmico paradoxalmente é simples e


Mudança de ciência objetiva para ciência epistê in i ( :11
complexo ao mesmo tempo. Quero alertar o leitor para que
Acredita-se que a epistemologia - a compreensão do pro
não caia na simplificação e com isso na banalização e vul­ cesso de conhecimento - deve ser incluída expliciLaHw11C 1 •
;arização desse pensamento como aconteceu e ainda acon­ na descrição dos fenômenos naturais. A epistemologia cl 1 •vt_1
Lece com o construtivismo que, diga-se de passagem, está ser parte integrante de cada teoria científica.
inLimamcnte ligado ao pensamento sistêmico, como vere­
mos mais adiante. Para se pensar sistemicamente temos Mudança de construção para rede, como mct,lfo, 11
que mudar o nosso padrão de ver o mundo, o indivíduo, a do conhecimento
sociedade e a natureza. Para isso, temos de fazer uma pro­ À medida que a realidade é percebida como uma r<'cl t • du
funda reflexão sobre o que e como aprendemos até· agora, relações, as descrições de um indivíduo formam, ig-ualnH•11 l.1:,
rever a nossa formação, avaliar a nossa própria vida, en­ uma rede interconexa representando os fenômenos oh�H't v:i
fim, reelaborar o nosso pensamento, atos e atitudes com· dos. Não há hierarquias nem alicerces.
relação a nós mesmos e ao nosso fazer, senão cairemos no
lugar comum novamente e o nosso trabalho estará com­ Mudanças de descrições verdadeiras para desct·içoc:H
prometido apenas com a visão fixista do mundo. aproximadas
Com o Modelo Sistêmico haverá mais flexibilidade nas Reconhece-se que todos os conceitos, todas as Lconrn; ,,
ações e uma ampliação da visão psicopedagógica no que se todas as descobertas são limitados e aproximados . .A (·1(•11-
refere ao ensino e à aprendizagem, trabalhando-se com alu­ cia nunca poderá fornecer uma compreensão complc•L 1 1 ,,
nos e professores individualmente ou em grupo. definitiva da realidade.
Qual seria então o pensamento sistêmico para nortear No trabalho institucional relacional sistêmico a rn p I i 11
o fazer psicopedagógico? se a visão do psicopedagogo, dando-lhe maior flexibiliclnd t •
de atuação e compreensão do sistema ensino-aprendizé1gc•111
Mudança da parte para o todo dos alunos e dos professores.
A relação entre as partes e o todo. é invertida. As proprie­ Passa-se a ver a instituição como uma "célula viva" c,11
dades das partes só podem ser entendidas a partir da dinâ­ constante interação e inter-relação, num processo evolu Li v<
mica do todo. Em última análise, não há partes, em absoluto. Como podemos observar, se não mudarmos o modo d 1 •
Aquilo que se chama de parte é meramente um padrão numa ver os fenômenos e as suas relações, a nossa prática cair11
teia inseparável de relações. O sistema caminha como um na ação tradicional e todo o nosso trabalho institucional
bloco, agindo e interagindo para a sua evolução. estará seriamente comprometido.

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Maria Cecília Castro Gasparian A Psicopedagog,a Institucional Sistémica

1. 3. 3 - Prindpios básicos: propriedades gerais (feedback), permitindo-lhe reajustar-se para corrigir even­
do modelo sistêmico-cibernético tuais falhas.
As propriedade gerais são:
'om base na teoria de Von Bertalanffy (1975), ampliada · globalidade: o sistema ê uma totalidade
por BaLcson (1986) em terapia familiar, propõe-se qué a es­ · retroalimentação ou feedback: é a circularidade
r()I H possa ser considerada como um sistema aberto, devi­ · homeostase: todo sistema tem um processo de equili­
do no movimento de seus membros dentro e fora, de uma bração
i 11 L(!raçao uns com os outros e com sistemas familiares e eqüifinalidade: comportamentos diferentes podem criar
i�xtraf'amiliares (como o meio ambiente e a comunidade), a mesma conseqüência
uum fluxo recíproco constante de informações, energia e A primeira propriedade é a globalidade, ou seja, toda e
rnaLerial. A escola e a família tendem a funcionar como um qualquer parte de um sistema está relacionada de tal mod
sistema total. As ações e os comportamentos de um dos com as demais partes que a mudança numa delas provoca­
membros influenciam e simultaneamente são influencia­ rá mudança nas demais e, conseqüentemente, no sisLcrnn
dos pelos comportamentos de todos os outros. total. Isto é, um sistema comporta-se não como simpl<'H
O sistema aberto tem como característica essencial. a conjunto de elementos independentes, mas como um Lodo
sua organização, que é controlada pela informação e abas-. coeso, inseparável e interdependente. O todo não é igunl :i
Lccida pela energia. Esse conceito põe em relevo certas pro­ soma de suas partes. O psicopedagogo com essa idéia vcrn
priedades dos sistemas abertos, fundamentais para a a escola como um todo e observará como os elemcnLos in
compreensão da organização e o funcionamento da insti­ teragem. Ao entrarmos no sistema escolar, faremos parle
l ui ção escolar. dele e estaremos influenciando e sendo influenciados por
· sistema: conjunto de elementos materiais ou não que de­ ele. Portanto, devemos ficar atentos às nossas reações e às
pendem reciprocamente uns dos outros, de maneira a for­ reações do grupo.
mar um todo organizado. A segunda propriedade dos sistemas é o conceito de re­
· cibernética: é uma teoria do sistema de controle, basea­ troalimentação ou feedback. As partes de um sistema unem­
da na comunicação entre o sistema, o meio, o interior do se por meio de uma relação circular. A retroalimentação e a
próprio sistema e do controle da função nos sistemas, no circularidade são o modelo causal para uma teoria de siste­
que diz respeito ao ambiente. mas interacionais, ao qual pertence o sistema institucional
· escola: é um sistema aberto em que existe um movimento escolar. Ou seja, a escola, do ponto de vista sistêmico, pode
de entrada e saída de elementos através das fronteiras. ser encarada como um circuito de retroalimentação, dado
sistema aberto: recebe do ambiente novos elementos, que o comportamento de cada indivíduo afeta e é afetado
matéria-prima, energia, informação (inpút) e devolve a pelo comportamento de cada uma das outras pessoas.
ele produto do sistema (output). Informações sobre os O conceito central dessa nova epistemologia é a idéia
produtos podem constituir novos inputs para o sistema de circularidade em oposição a de causalidade linear. O alu-

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Maria Cecília Castro Gasparian
A Psicopedagogia Institucio
nal Sistêmica

no com distúrbios de aprendizagem ou problemas de com­ ção solicitada sobre relaci


onamento e, portanto, sob
portamento, que tradicionalmente é pensado em termos li­ ferenças, conduzirá o gTu re di­
po a uma nova visão do
neares, históricos e causais, passa a ser considerado, com como um todo, assim com gru p�,
o uma visão de cada eleme
base no modelo sistêmico, dentro da concepção de circula­ deste, impulsionando para nto
uma mudança.
ridade. Nessa concepção, todos os elementos de um dado No modelo clássico da ciênc
ia pura, a causalidade é con
processo, no caso da instituição escolar, os membrps em siderada linear. Causa e efe
ito são compreendidos quau
interação, movem-se juntos. A descrição do processo é, en­ as variáveis são alteradas do
gradualmente até que se
tão, feita em termos de relações, informações e organiza­ que produz um evento esp iso le' n
ecífico. Contrariamente él
ção entre esses membros. noção de causa e efeito, a essa
Teoria Geral dos Sistemas
Bateson (1986) observou que o conhecimento que temos mula que não se encontra Í<lr
essa ordem clara e nítida de
dos eventos externos é sempre adquirido por mecanismos sa e efeito, sem que haja cau­
uma im po siç ão artificial. 1
que procuram diferenças. exemplo, numa classe, a pro 1 n,
fessora pode considerar o
Pode-se propor, então, que se faça no encontro com gru­ túrbio de conduta de algun d i,-;
s alunos como causa dos pro
mas da classe, mas esse dis lilc. •
pos, uma série de per gu ntas em busca das diferenças. Essas túrbio pode ser uma rc.spw-
falta de autoridade da pro ,Ln 11
qucsLões compreendem uma série de elos de retroalimenta­ fessora, que, por sua vez,
• ser uma resposta à P"d1•
ções causais, criando um fragmento de circularidade com­ postura autoritária do direto
la em relação ao distúrbio r cl11 c•s1·r1
plexa e não linear. de conduta desses alunos.
Sen10 observadas, então, as coalizões, resistências, re­ O conceito de causalidade cir
cular afirma, portanLo, q111•
jciçoes que impedem ou dificultam os relacionamentos e um todo não possui começo
nem fim e qualquer Lc11tnt
por parte do psicopedagogo .1v;1
conseqüentemente bloqueiam a circulação do saber. As de transferir responsahi I icl,1
para onde o problema começo d(•
questões mais comumente levantadas entram em diversas u é tão inapropriado quw1Lu
atitude da classe de atirar sob 11
categorias: re os membros sintomaLicos 11
pa de ser a fonte dos proble <:til
• sobre diferentes percepções de relacionamento. Ex.: quem mas. Mas é a cibernética, c•11t
tanto, que oferece subsídios .rc•
é mais briguento em classe? para melhor entendem 10.-;
propriedades de retroaliment 111,
• sobre diferentes matizes. Ex.: numa escala de O a 10, quão ação e circularidade do s1sl 1•
ma escolar.
terrível foi a briga?
Deve-se, sobretudo, a Grego
• sobre diferenças temporais (antes/depois). Ex.: ele come­ ry Bateson, antropólogo c•
um dos pioneiros na compre
çou a ser agressivo antes ou depois de tirar nota baixa? ensão do funcionamenLo da
mília, a aplicação de alguns 1'11-
• sobre diferenças hipotéticas e futuras. Ex.: se ele não fre­ conceitos da cibernética 110
tendimento da comunicação c:,1
qüentasse essa classe como seria a dinâmica dessa classe? patológica e de sua manu Lc, 1c,:1i
no interior da família. Foi feit u
Para o psicopedagogo sistêmico, a circularidade, ou seja, a particularmente a adupl,n
ção de sua teoria para a ins ­
a capacidade de conduzir a sua investigação, tendo como tituição escolar.
Ele foi o escritor que se bas
base a retroalimentação do grupo em resposta à informa- eou de maneira majs bri­
lhante na analogia cibernéti
ca. Suas idéias tiveram uni
n

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45
Maria Cecília Castro Gasparian A Psicopedagogia Institucional Sistêmica

ampla influência sobre as investigações do sistema familiar A hipótese sistêmica precisa englobar todos os elemen­
que se segu iram e que veremos mais adiante. tos de uma situação-problema e a forma como eles se ligam.
11

Umas das idéias centrais de seu pensamento é que a es­ Como para o psicopedagogo institucional sistêmico não há
tru Lura da natureza e a estrutura da mente são reflexos tentativa de ver a hipótese ·como falsa ou verdadeira, o que
11 in:1 da outra, que a mente e a natureza são necessai:ia- interessa é que ela possa ser útil no sentido de conduzir às
111c:11Lc LUna unidade. novas informações que levem o grupo à mudança.
l 1orl.a11Lo a epistemologia2 - "o estudo de como chega- O sistema escolar oferece resistência a mudanças além
111m; 11 conhecer algo", ou como ele às vezes diria, a tentati­ de um certo limite, mantendo, tanto quanto possível, os seus
vn d< Hnhcr "qual é a de tudo" - deixou de ser para ele a
1
padrões de interação, sua homeostasia.
!'t losofia abstrata e tornou-se um ramo da história natural A escola também pode equilibrar-se em torno de padrões
(Ci\PHA, 1987, p. 66). disfuncionais . Quando existem obstáculos à transformação,
Para Batcson (1986), a família poderia ser análoga a um ou seja, quando existe dificuldade em se reorganizar um nov
sisLcma homeostático ou cibernético. Cada família desen­ equilíbrio na escola, vê-se freqüentemente que as transações
volve formas básicas e específicas de transformações, ou existentes são disfuncionais. Por exemplo, a evasão escolar,
seja, uma seqüência padronizada de comportamento's, de a repetência, os distúrbios de aprendizagem, a questão du
caráter repetitivo, que garantem a organização familiar e indisciplina são apenas algu ns dos sintomas da disfunçã
que permitem um mínimo de possibilidade sobre a forma escolar. Caberia, aqui, ao psicopedagogo institucional apon­
ele agir de seus membros. tar possibilidades profiláticas para que isso não ocorra.
O mesmo ocorre na instituição escolar em que se con­ Um sistema escolar disfuncional mantém rigidamente o
sidera que as formas padronizadas e repetitivas de se com­ seu status quo interacional, mesmo quando uma mudança
portar são governadas por regras, que na sua maioria não em suas regras é essencial para o desenvolvimento de seus
são verbalizadas, mas que podem ser inferidas a partir da membros ou para a adaptação a novas condições escolares.
observação das qualidades das transações no sistema es­ A homeostasia e transformação são os processos bá­
colar. A escola pode ser vista, então, como um sistema que sicos de manutenção da instituição escolar e, por isso, é
se autogoverna por meio de regras, que definem o que é e o importante ressaltar brevemente o desenvolvimento de tais
que não é permitido. Nesses termos, caberia então ao psi­ conceitos, embora já explicados anteriormente.
copedagogo institucional observar essas regras, analisá­ O conceito de homeostasia foi cunhado pela primeira ge­
las e a partir disso formular hipóteses para sua atuação. ração de teóricos da terapia familiar sistêmica, mediante a
observação de intensa obstinação em relação a mudanças
nos padrões da interação da família, mesmo quando isso signi­
· Segundo Lalande (1953) o termo epistemologia é-,e1I1pre·gado'em língua inglesa ficava a melhora do ente amado . Além disso, foi observado
para designar conhecimento (gnoseologia), em francês é usado com a referên­ que se o membro sintomático apresentava melhoras, subse­
cia à Filosofia das Ciências: estudo crítico dos princípios, hipóteses e resulta­
dos das diferentes ciências, destinado a determinar sua origem lógica (não
qüentemente um outro membro. da família apresentava al­
psicológica), seu valor e seu alcance objetivo. gum outro sintoma.

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Maria Cecília Castro Gasparian A Psicopedagogia Institucional Sistémica

Existem padrões alternativos disponíveis dentro do siste­ O conceito de transformação significa que o sistema deve
ma, mas qualquer desvio que vá além do seu limite de tole­ mudar sua estrutura e isso se faz possível por meio de feed­
rância ocasiona mecanismos que restabelecem o padrão usual. back positivo, ou seja, na manutenção de um sistema (esco­
O mecanismo utilizado para restabelecimento da homeosta­ lar ou familiar) está presente uma cadeia de feedbach negativa
sc 6 denominado retroalimentação negativa ou feedback ne­ que não promove mudanças. Por outro lado, na transforma­
gaLivo. Por exemplo, a adolescência na escola desequilibra o ção de um sistema (escolar ou familiar) deverão existir se­
sioLcma. qüências de feedback positivo, no sentido de ampliarem
Nessa fase de desenvolvimento, a escola terá que modifi­ desvios nos padrões rígidos e imutáveis de interação que a
car o que é e o que não é permitido em relação ao adolescente. escola (ou a família) quer manter.
Se, no entanto, a tolerância do sistema escolar às mudanças é Esse conceito envolve a noção de que somente quand
limitada, pode-se impor ao adolescente mais lealdade para com um elemento do sistema, ou algum evento, faz com que haja
as regras escolares, acarretando-lhe sentimentos de culpa ou um desvio das normas da escola, o sistema escolar pode prn­
agressividade entre outros, graças à tentativa de manter inal­ duzir novas informações e evoluir para novas estruturas.
terados os usuais padrões de interação na escola. O feedback A quarta propriedade é a equifinalidade, ou seja, em quul­
negativo terá, assim, a função de manter o equilfbrio -.:·a ho­ quer sistema, comportamentos diferentes podem levar 11
meostasia do sistema escolar. mesma conseqüência. A eqüifinalidade é a característica c!o11
Caberá ao psicopedagogo articular as relações entre os sistemas vivos, segundo a qual, num sistema automodific-1i
subgrupos (de alunos e professores, por exemplo) para que vel, como a família, os resultados são mais determinado�
não ocorram disfunções nos padrões de interação e para pela natureza do processo do que pelas condições iniciais do
que possa haver uma harmonia entre o ensinar e o apren­ sistema. Assim, os mesmos resultados podem derivar de con
der e conseqüentemente um avanço para transformações. dições iniciais diferentes e resultados diversos podem advir
Foi Don Jackson, em 1968, então supervisor clínico e con­ de circunstâncias semelhantes, o que indica que os parànw­
sultor psiquiátrico do projeto sobre comunicação desenvol­ tros do sistema predominam sobre as condições iniciais .
vido por Bateson e seus colegas, quem primeiro utilizou o Estas são as propriedades desenvolvidas pelo modelo sis­
termo homeostasia familiar. Servindo-se de conceitos utili­ témico e que são perfeitamente observáveis na instituiçao
zados na cibernética, Jackson descreveu a família como um escolar.
A partir das idéias de Bateson e outros, desenvolveram­
sistema fechado de informações, no qual variações no com­
se várias escolas, tais como: a Estrutural, a Estratégica Brcv
portamento de um membro provocaria, por meio de um pro­
e a do Grupo de Milão.
cesso de feedback, modificação corretiva na resposta dada
Embora cada uma dessas abordagens enfatize diferen­
pelo sistema. Em outras palavras, quando uma pessoa apre­
tes aspectos de um mesmo material, elas possuem um mes­
senta mudança em relação à outra, esta outra atuará sobre
mo princípio básico, ou seja, a teoria geral dos sistemas.
a primeira de forma a diminuir e modificar a mudança que
Todas essas abordagens, como já foi dito anteriormenL,
foi apresentada. Entretanto, a não-aplicação desse conceito
são utilizadas em terapia familiar. Foi feita uma adapta­
a fenômenos de crescimento, mudança e criatividade na fa­
ção das mesmas para a Psicopedagogia Institucional, por
mília levará à elaboração do conceito de transformação.
se considerar a escola como um organismo vivo.

48 49
Maria Cecília Castro Gasparian A Psicopedagogia Institucional Sistémica

agens
Descrever-se-á brevemente cada uma dessas abord Partindo do estudo com esquizofrênicos, observou-se que
da
11am que o leitor possa ter uma visão mais abrangente os componentes da família usavam formas de comunica­
utilizadas na
crnnp1cxiclade do tema e como elas podem ser ção especial. Consistia numa forma de comunicação deno­
p111L1ca psicopedagógica. minada duplo vínculo, na qual há uma demanda expressa
em um nível e contraditória em um outro. Um exemplo é
1 . 3 .4 - Os vários enfoques sistêmicos quando alguém diz: "gosto de você", mas amarra a cara.
Para instalar a dupla vinculação esta deve ser repetida
A l.t'w·in geral dos sistemas, por oferecer referências teó-
exaustivamente.
11rns uLl 'is n compreensão das leis que regulam os sistemas
O Grupo de Palo Alto considerava que as seqüências
v1vm1, l.orna-se um modelo epistemológico cada vez mais
repetitivas de comportamento dos membros de uma famí­
<·l"i caz parn os profissionais que, trabalhando com a escola
l' as f'amílias, não podem utilizar os modelos elaborados a lia.são mantidas durante longos períodos de tempo, por
parLir da observação do comportamento de apenas um in- regras que as determinam e, que na família disfuncional,
dividuo. se tornam ambíguas. Definiu, assim, que o objetivo da t0-
O foco da terapia sistêmica não é centrado nas perce.pções, rapia interacional é clarificar as regras que determinam
emoções e fantasias de um dos membros da família. Na te­ os componentes familiares disfuncionais.
rapia sistêmica, a atuação é voltada ao "comportamento Concomitante com sua expansão, o Grupo de Palo AlL
111LNaLivo", à estrutura, ao equilíbrio, à estabilidade e à· iniciou a sua diferenciação em outros grupos. Cada grupo
1nuclnnça do sistema como um todo. enfocando aspectos importantes no que se refere ao funcin­
l'arLmdo desses pressupostos, o terapeuta sistêmico con- namento sistêmico da família (DESIDÉRIO, 1993).
s1tk ra que, qualquer que seja o problema comportamental
apresentado, cada componente da família contribui, a seu O enfoque estrutural
modo, para mantê-lo. Portanto, o comportamento sintomá­
tico reflete a disfunção do sistema total, seja em suas rela­
ções internas, seja nas relações com o ambiente externo. O fundador e o mais conhecido representante desse mo­
delo é Salvador Minuchin. Ele também fez parte do projeto
O Grupo de Palo Alto "Aprendendo para Aprender", coordenado por Bateson.
A partir de reuniões, pesquisas e discussões, Minuchin
e outros esboçaram e elaboraram a terapia sistêmico-es­
Lynn Hoffman (1987), em seu livro Fundamentos de la te­
trutural. Esta é uma terapia de ação que visa a modificar a
rapia familiar, relata que a terapia familiar sistêmica tomou
estrutura familiar, sua dinâmica e as experiências objeti­
impulso em Palo Alto (Califórnia, EUA), quanq.o Bateson se
vas de cada participante. Esse tipo de terapia enfoca inves­
juntou a Watzlawick, Satir, Minuchin e outros; para desen­
tigação da organização vigente na família, sem explorar-lhe
volver o projeto "Aprendendo para Aprender". Esse grupo clas­
o passado, já que para o autor, a alteração do presente mo­
sificou as comunicações em termos de níveis de significado,
de tipos lógicos e de aprendizagem. difica automaticamente o futuro.

,:;n 51
M,1!1,1 Cec\\,a Castro Gasparian
A Psicopedagogia Institucional Sistémica

Minuclwi ('l\ JHH), enLao, elaborou três princípios sobre Minuchin (1988) trabalha com um modelo estrutural bem
os quais basein sun conccpção de terapia familiar: delimitado, mas alerta, porém, para a relatividade dos pu­
l. A vidR psíquica ele um indivíduo não é exclusivamente um drões transacionais, que mudam em cada cultura e em cada
processo interno; o indivíduo que vive numa família é fase do ciclo de vida familiar. Cria técnicas pelas quaiB o
membro de um sistema social ao qual deve se adaptar. terapeuta, unindo-se ao sistema, promove a mudança da CH
Suas ações são governadas pelas características p.o siste­ trutura deste sistema, levando-o a desenvolver padrões tn-t11-
ma e essas características incluem os efeitos de suas pró­ sacionais cada vez mais funcionais.
prias ações passadas. O indivíduo responde aos estresses Avalia a evolução do processo pela aptidão, por parLc dn
em outras partes do sistema, às quais se adapta e pode família, de se relacionar cada vez mais funcionalmenLc. J•;111
contribuir significativamente para estressar outros mem­ cada sessão, lida com tempo, e espaço, diagnostica, élp(m1,
bros do sistema. O indivíduo pode ser encarado como um usa técnicas de união e provoca desestruturação e rccsLr11 ·
subsistema ou como parte do sistema, mas o todo deve turações no sistema familiar (DESIDÉRIO, 1993).
ser levado em conta. Essas intervenções podem parecer simples, mas snu di­
2. As mudanças numa estrutura familiar contribuem para fíceis de aprender. O processo terapêutico envolve pri11('1-
mudanças no comportamento e nos processos psíquicos palmente o trabalho com comportamentos analóg1rn:-i 1•
internos dos membros do sistema. muita prática é necessária para se reconhecer pacl ro<'H 111
3. Quando um terapeuta trabalha com um paciente ou com visíveis de interação que um terapeuta estrutural cxpc 11w11-
uma família, seu comportamento se torna parte do con­ te pode captar à primeira vista (CALIL, 1987).
texto. O terapeuta e a f amília associam-se para formar
um sistema terapêutico novo e esse sistema, então, passa O enfoque estratégico breve
a governar o comportamento de seus membros .
Essa modalidade terapêutica enfatiza a qualidade das
fronteiras que delimitam a família e seus subsistemas. A Essa abordagem, formulada por Watzlawick e seus col('
qualidade das fronteiras é determinada pelo padrão de inte­ gas do Mental Research Institute de Palo Alto, fundc1tnc'11
ração entre seus membros. Isto é, uma seqüência de com­ ta-se na premissa de que vários tipos de problemas Lrnzidos
portamentos padronizados, de caráter repetitivo, governados pelo paciente ao terapeuta só persistem se forem manLidm,
por regras que definem quem participa em cada subsistema pelo comportamento atual das pessoas que interagem com
e de que maneira se dá essa participação. o paciente e seus problemas. Se a cadeia de interações qut·
O sistema familiar está organizado em torno do apoio, mantém o problema foi eliminada, o problema desaparM·P­
regulamentação, proteção e socialização de seus membros; rá, qualquer que seja sua natureza ou etiologia.
conseqüentemente o terapeuta se une à família, não para Esse Grupo apresenta alguns princípios gerais que fun­
educá-la, ou socializá-la, mas para restamar ou modificar o damentam o corpo teórico e prático desta abordagem ter,, -
funcionamento da mesma, a fim de que possa desempenhar pêutica:
melhor essa tarefa. • os problemas são vistos como dificuldade de interação;

52 53
-,-

Maria Cecília Castro Gasparian


A Psicopedagogia Institucional S,stêmica

• os problemas são vistos como resultado de dificuldades cepção de seus clientes quanto
ao contexto de seus com­
1:oLidianas não resolvidas, portanto, resultando em sin­ portamentos.
Lo1uas;
• 11H Lrnnsiçõcs de vida e o ciclo de vida familiar requerem O Grupo de Milão
w:111d1·s mudanças nos relacionamentos;
• nH prnhk1nas desenvolvem-se por meio da superênfase
1111 H1tl1(•11f'.u,e nas dificuldades de viver; O Centro per lo Studio della Famiglia foi fundado em
• 11 1·1111! 111t1a!;úo de um problema é resultante de um circui- 1967 por Mara Selvini Palazzoli e sua equipe, L uigi Bosco­
1" dt· /i•1•1!/}((c/: positivo centrado nos comportamentos dos lo, Gianfranceso Cecchin e Giuliana Prata.
111<l1viduos que pretendem resolver a dificuldade; Essa equipe publicou livros e artigos nos quais apresen­
• m; problemas de longa duração não são indicadores de ta sua filosofia e seu método terapêutico. O livro mais co­
To11iciclade, mas de persistência de uma dificuldade mal nhecido é Paradox and conterparadox (infelizmente ainda
'nfrenLada; não traduzido para o português).
• c1s resoluções do problema requerem primeiramente a O propósito do Grupo era o tratamento de crianças s
substituição de padrões de comportamento; veramente transtornadas junto com suas famílias. Sua 01·ic11
• promover mudanças de forma que funcionem mesmo que tação era psicanalítica, mas desde o começo Live1·;.1m d,.
possam parecer ilógicos;
enfrentar dificuldades; como aplicar conceitos analíLicos
• lH'l\SHr pcriueno, ou seja, focalizar o sistema apresentado
no trabalho com famílias? A pergunta dos pioneiros (BaLrson,
pt·ln pacienLe e trabalhar em busca de alívio do mesmo;
Watzlawick e outros) era a seguinte: Se mudassem os pa
• 11 horclagcm terapêutica pragmática. Intervenção direta
drões de interação familiar, seria possível mudar o prob] ... -
110 sisLema em tratamento, tendo em vista:
• o que ocorre nos sistemas interacionais; ma de comportamento?
• como continuam funcionando e Com base no modelo Cibernético e da Pragmática da
• como podem ser modificados. comunicação humana de Watzlawick et al. (1993), o Grupo
É importante ressaltar que, ao contrário do enfoque es­ se empenhou em demonstrar a validade do seguinte con­
lrutural que visa à alteração nos padrões de interação do ceito: a família é um sistema autocorretivo e autogoverna­
sistema familiar durante a sessão, o enfoque estratégico do por regras de convivência construídas durante o tempo
breve enfatiza a alteração dos mesmos no intervalo entre por ensaio e erro.
as sessões, pela prescrição paradoxal. Essa abordagem sis­ Em 1971 o Grupo de Milão rompeu com o Grupo de Palo
têmica realça o sintoma como sendo a unidade a ser foca­ Alto e trabalhou exclusivamente dentro dos limites dos sis­
lizada, não a família. Logo, ao contrário do enfoque estrutural, temas familiares ou, como diriam mais tarde, a estrutura
os terapeutas estratégicos breves não se preocupam em ver sistêmica.
todos os membros da família. Os terapeutas construíram a conotação positiva da si­
Para os terapeutas estratégicos breves a chave para tuação-problema. A conotação positiva é uma mensagem
mudanças é a arte, pela qual poderão reformular a per- pela qual o terapeuta indica à família que o problema é, no

<;<;
Maria Cecília Castro Gasparian
A Psicopedagogia Institucional
Sistémica
contexto, lógico e significativo. Eles também construíram a
Ideologicamente, a neutralida
prescrição de um ritual que é um ordenamento do compor­ de pode ser definida com
a capacidade do terapeuta par
tamento da família seguindo dias determinados, relacionan­ a perceber, de maneira sis
mica, a situação total. Lê•­
do com a situação-problema, cuja função era a introdução
O Método de Mi.lãa na.o é um
de mudanças. conjunto de procedimenLoH
que são repassados como rec
Introduziram-se, assim, três importantes cõnceitos te­ eitas. Esse mé todo inclLti 11
progTamação interna da hab
rapêuticos: ilidade de evolução para ío,·
mas novas e diferentes, con
• a elaboração de hipóteses, implicava um processo de ava­ stitui uma abordagem na q1u
se "aprende a aprender" no tl
liação; sentido batesoniano, ou Hc:11 1
sistemicamente. ,
• o questionamento circular em uma técnica de entrevista e
Segundo Cecchin, Boscolo e
• a neutralidade em uma postura básica terapêutica. Pallazoli (1978, p. a7):
O questionamento circular, ao mesmo tempo em que defi­ Esta abordagem desafia seus
adeptos a lrncl t1 i i1 11 IJ11
ne e classifica as idéias confusas e os comportamentos ques­ fase na epistemologia da Nov
a Biologia, 0111 1111111 l i11
guagem realística do trabalho
tionáveis, introduz, por meio de novas perguntas, outras clínico. PorL1u1fo1 11 q11"

.
está estimulando as pessoas
informações na família. Assim, o sistema terapêutico. e o não é apenas n pw111il 1il 1
dade de experimentar novas
idéias sobre lc- 1 ·11p 1 11, 1 1 111
sistema familiar, co-criam, pela linguagem, múltiplos signi­ a possibilidade de experiment
ar novas idri 11 :1 11nl 11 11 ,1
ficados que conduzem à consideração de um número maior mundo que os pesquisadores
das áreas clus <· 1 1 1 111 111
de alternativas (CECCHIN; BOSCOLO; PALLAZOLI, 1978). naturais estão nos oferecendo
.
O questionamento circular também pode ser definido -
baseando-se na definição dada por Bateson da informação: Teoria da comunicação
"comunicação sobre uma diferença" - como o método so­
crático de indagação, e ampliando, "comunicação sobre uma Realizamos a nós mesmos em
mútuos ncopl 111 , 1 1J 1 1iu
lingüísticos, não porque a ling
diferença relacional" (CECCHIN; BOSCOLO; PALLAZOLI, uagem nos pcr1 1ii111 d 1
zer o que somos, mas porque
op. cit.). somos nn l 111 1111 11fl')r 11 ,
num contínuo existir nos mu
ndos lingü1HLic11:1 u 11,
A neutralidade - que acompanha o questionamento cir­ mânticos que produzimos com
os outros. 1•: it c:0 1 1!,1· 11
cular e a elaboração das hipóteses e se insere profundamen­ mos a nós mesmos nesse acoplam
ento, nflo t·o, 1 1 11 11
te em toda a teoria e metodologia da Equipe de Milão - pode origem de uma referência, nem
em refcrênc111 11 1111111
ser melhor apresentada por meio de seus resultados. Este origem, mas sim em contínua
transformaçao 1rn Vll',n,
ser do mundo lingüístico que
talvez seja o termo menos compreendido. Em um nível, constituímos 1· 0111 1 1
outros seres humanos. (MATUR
parece ser o modo de traduzir a idéia de Batesosn, segundo ANA; VAREI,/\, l!J!JI,,
p. 252-253).
a qual, se o sistema é visto sistemicamente, é preciso dar a
Ao considerar o ser humano com
todas as suas partes o mesmo peso. Isso quer dizer que o o aprendente e c11s1111 11 1
te, vamos encontrá-lo em consta
terapeuta deverá ter uma posição múltipla, sem tomar par­ ntes manifestações c111 1w11
meio, que podem ser observáveis
tido de ninguém. e que têm como vcículu 11
comuni cação.
56
57
1

Maria Cecília Castro Gasparian A Psicopedagogia Institucional Sistémica

omwúcação é um termo importante em Ciências Hu- vínculo se realiza por meio de um papel com seu papel com­
1na nas. São comuns as referências à patologia da comuni­ plementar.
C'ilÇélO, da interação, da relação. Segundo esse
ponto de vista, Na descrição dos "tipos caracterológicos sociométricos"
111dn a ação psicopedagógica será uma ação sobre e por ·meio há uma intersecção da soé:iometria com a teoria da comu­
tln ,·on111 nicação. nicação, importantes para a atuação do psicopedagogo, pois
'l'nl conccpção envolve três mudanças màrcantes: mostrará como cada indivíduo funciona no papel de emis­
• 1\ p1·i 1llctra é uma mudança de questionam
ento: o "como" sor ou receptor de mensagens comunicacionais.
Rl1hsl.1Lu1 o "por quê" (pergunta-se "como acontece" em A mensagem é a unidade comunicacional isolada, enquan­
v,•z de "por que acontece"); portanto, a descrição substi­ to a interação é uma série de mensagens que as pessoas tro­
l u I a explicação. cam entre si. Durante a interação, as pessoas costumam
• A s!'gLrnda mudança é de método: a experimentação é subs­ comunicar atitudes e também dar informações, explícitas ou
LiLu(da pela observação. não, sobre seus sentimentos e pensamentos. A comunicaÇ
• 8 a terceira mudança é o objeto: o estudo dos desempenhos tem caráter circular, ou seja, constantemente se recebe e S''
dos casos particulares e das diferenças inter-individuais, fornece estímulos por um mecanismo de retroalimenLnc_:un
torna-se tão valioso quanto o estudo das competências, das (feedback), que tende a manter a homeostase (equilíbrio com;
leis gerais e dos car acteres universais. tante) entre as pessoas que convivem e se comunicarn dentro
Quem trabalha com os aspectos relacionais não ignora · de um determinado contexto.
;1s operações intrapsíquicas, mas acentua a importância Para um trabalho psicopedagógico institucional essa
do contexto interpessoal, considerando o homem como um abordagem é de grande utilidade, pois estará ajudando o psi­
ser aLivo e reativo, inseparável da estrutura social na qual copedagogo a observar como os grupos se comunicam entre
t•sLá inserido. si e assim poder atuar. Usando técnicas verbais, corporais e
Duas importantes contribuições aos aspectos relacionais de ação como o psicodrama com utilização de desenho (psi­
vêm do psicodrama de Moreno: a teoria dos papéis e a socio­ codrama) ou dos brinquedos, o grupo cria as cenas a serem
mcLria. trabalhadas.
Papel é uma forma de funcionamento que o indivíduo Acredito que a utilização de técnicas e jogos numa abor­
assume no momento específico em que reage a uma situa­ dagem psicodramática poderá facilitar a atuação do psico­
ção específica na qual estão implicadas outras pessoas ou pedagogo com professores e alunos para sensibilizá-los a
objetos (KAUFMAN, 1995). aprender novos conceitos e, com isso, provocar mudanças.
A Sociometria pode ser definida como a ciência das rela­ No livro Pragmática da comunicação humana dizem Paul
ções interpessoais. Sociometria signif.ica medida de rela­ Watzlawick e colaboradores (1993, p. 52) que "a comunica­
ções sociais, no sentido mais amplo, todas· a� medidas de ção é fator primordial da vida humana e da ordem social".
todas as relações sociais. Para eles, desde o início da vida, o ser humano encontra-se
Vínculo, nesse contexto, é o resultado do encontro entre envolvido em processos de interação, nos quais aprende
um papel e seu papel complementar (ou contrapapel). Todo constantemente regras de comunicação.


Maria Cecília Castro Gasparian A Psicopedagogia lnstituaional Sistémica

É na escola que se encontra a formalização desse con­ uma informação é conhecida como os aspectos de relato e a
ceito. Nela o professor que ensina deve estar preparado e imposição de um comportamento os aspectos de ordem.
nscientizado, por meio do psicopedagogo institucional, O aspecto relato de uma mensagem transmite informa­
n111 como deve se comunicar e entender como ele se comu­ ção (dados), logo é sinônirrto, na comunicação humana, do
nica com o seu aluno. Cabe ao psicopedagogo, portanto, tarn­ conteúdo da mensagem.
!Jctn csLudar e entender a pragmática da comunicação O aspecto ordem, por outro lado, refere-se à espécie d
humana que é uma ciência ainda nova. mensagem e como deve ser considerada; portanto, refere­
Toda comunicação tem uma característica: a de ser mo­ se às relações entre os comunicantes. Essas relações so
dificada por outra comunicação que a acompanhe, que res­ raramente são definidas de um modo deliberado e com ])lc
salta o aspecto dinâmico. na consciência. Ex.: "Isto é uma ordem" ou "Estou só bn11-
De acordo com a Pragmática da comunicação humana, cando", são exemplos verbais de tais comunicações sol l r,•
é necessário examinar algumas propriedades simples da co­ comunicação.
municação, que têm implicações interpessoais fundamen­ O terceiro axioma é a pontuação da seqüência de t·v1·11
tais: elas detêm a natureza dos axiomas. tos: "A natureza de uma relação está na contingênctn d 11
O primeiro axioma diz respeito à "impossibilidade de pontuação das seqüências comunicacionais entre os c·o11111
não comunicar" (WATZLAWICK et al., 1993, p. 44). O com­ nicantes." (WATZLAWICK et al., 1993, p. 54).
portamento não tem oposto, isto é, não existe um não-com­ A pontuação organiza os eventos comportamen tn i H •),
portamento ou, ainda em termos mais simples, um portanto, é vital para as interações em curso.
indivíduo não pode não se comunicar. Culturalmente, compartilha-se de muitas conve11çck11 d t •
Todo comportamento numa situação interacional tem pontuação que, embora nem mais nem menos rigorosnH do
valor de mensagem, isto é, é comunicação; segue-se que, por que outras concepções dos mesmos eventos, serve 111 p:1, 11
mais que.o indivíduo se esforce, é impossível não se comuni­ organizar comuns e importantes seqüências de inLrrnçt10
car. Atividade ou inatividade, palavras ou silêncio, tudo pos­ Por exemplo, a uma pessoa que se comporta de ccrLn 111,1
sui um valor de mensagem; influenciam outros e esses neira num grupo chamamos de líder e a uma outrn ad1 •11!n,
outros, por sua vez, não podem não responder a essas comu­ se bem que, ao se refletir, seja difícil dizer quem cl tl 'J-','"'
nicações e, portanto, também estão se comunicando . primeiro ou onde estaria um sem o outro.
O segundo axioma diz respeito ao conteúdo e aos níveis A discordância sobre como pontuar a seqüência de• c•v,•11
de relação da comunicação. tos está na raiz de incontestáveis lutas em torno cJ :.i s rel.1
Toda a comunicação tem um aspecto de conteúdo (da­ ções. A ssim, todas as pessoas, de uma maneira impl í cil,11
dos) e um aspecto de comunicação (ordem) tais que o ou explicita, tentam definir a natureza de suas rclaçuc•i,, 1·
segundo classifica o primeiro e é, portanto, uma meta isso é observável pela conduta comunicativa.
comunicação. (WATZLAWICK et al., op. cit. p. 50). O quarto axioma fala que: "Os seres humanos se co,1111-
Uma comunicação não só transmite informação, mas, ao nicam digital e analogicamente." (WATZLAWICK, op. c1t,
mesmo tempo, impõe um comportamento. A transmissão de p. 61).

60 61
7
Maria Cecília Castro Gasparian A Ps,copedagogia Institucional
Sistémica

/\ 1 inguagem digital é uma sintaxe lógica sumamente imperativamente e o outro


responde com submissão. As
t·11111pl<'xa e poderosa, mas carente de adequada semântica sim, a interação simétrica é ­
caracterizada pela i aldade
110 rnmpo das relações, ao passo que a linguagem analógi- a minimização da diferença; gu e
a interação complementar ba­
1·;1 possui n semântica, mas não tem uma sintaxe adequada seia-se na maximalização da
diferença.
pnt :1 n clc,[íniçáo não-ambígua da natureza das relações. É importante ressaltar que
além das modalidades bási­
/\ fonna digital é sempre utilizada para denominar algu- cas da comunicação, a simétr
ica e a complementar, existe
11 tn c!lisn, S('ndo essa relação entre o nome e a coisa arbitra- também uma terceira, a recípr
oca, em que numa interação
1·11t1111•11l.1· c•sLabclccida, pois apenas a convenção semântica simétrica e complementar sau
dável os parceiros são capa­
ti<· 11ossa linguagem é que estabelece essa correlação. zes de se aceitar mutuamente
, tais como são, levando ao
/\. comunicação analógica pode se referir mais facilmen­ respeito mútuo e à confiança
no respeito ao outro, o que
t t· a coisa que representa, tendo suas raízes em períodos equivale a uma confirmação
realista e recíproca de seu res
mais arcaicos da evolução e, por isso, é recente e muito pectivo Eu. ­
mais abstrato o modo digital de comunicação verbal. Ela Em outras palavras, uma mis
tura equilibrada das rela­
não somente abrange posturas, gestos, expressão facial, in­ ções simétrica e complementa
r, ou seja, uma interação r
ílexáo da voz, etc., mas também amor, socorro, dependên­ cíproca é preferível, permite ma
is flexibilidade. Essas d Ltas
cia, etc.; logo, trata-se do aspecto racional. Toda comunicação modalidades básicas de intera
ção devem, portanto, csLn.r
nf10-vcrbal pode ser considerada comunicação analógica. presentes em mútua alternação
ou operação em difcrcnLes
Toda a comunicação tem um conteúdo e uma relação, áreas.
1•nLao os dois modos de comunicação não só existem lado a Mas o que representam para
o psicopedagogo todos es­
IHdo, mas também complementam-se em todas as mensa­ ses axiomas? Responde-se que
como o psicopedagogo insti­
gens. Também os aspectos de conteúdo têm toda a probabi­ tucional esc olar trabalha pri
ncipalmente com o sujeito
lidade de serem transmitidos digitalmente, ao passo que o aprendente e com o sujeito ens
inante, a comunicação tem
aspccto relacional será predominantemente analógico em a sua expressão máxima e ela
vai ajudá-lo a resolver os
sua natureza. problemas comunicacionais que
decorrem dos distúrbios
O quinto axioma refere-se à interação simétrica e com­ de aprendizagem, assim como
dos problemas de comunica­
ção dos professores ao transm
plementar: "Todas as permutas comunicacionais ou são itirem o conteúdo de suas
simétricas ou complementares, segundo. se ,baseiam na disciplinas, a fim de que possam
-... .... . _,. "· ....._,. fazer com que seus alunos
capturem a essência do proces
igualdade ou na diferença." (WATZLAWICK, 1993, p. 64). so de aprender.
Na simétrica, os parceiros tendem a refletir o compor­
tamento um do outro, por exemplo, um é agressivo, o ou­
tro responde também com agressividade. 4. Construtivismo
Na complementaridade o comportamento de um com­
plementa o do outro, formando uma espécie diferente de O construtivismo hoje é moda e
é assunto de palestras e
Gestalt comportamental; por exemplo, um se comporta conferências. Existe uma verdad
eira corrida para ver quem
R:::>
63
Maria Cecília Castro Gasparian A Psicopedagogia Institucional Sistémica

fala primeiro sobre determinado assunto. O que notamos é do idealismo grego e que não se afina com a idéia de evolu
­
que, com isso, ocorre uma fragmentação da idéia em prejuí­ ção nem de dialética. Essa postura considera que todas
as
zo de todos. coisas foram criadas acabadas. O céu, a Terra e tudo o
que
Não é nossa intenção falar com profundidade sobre o neles há foi criado já acabado e independente.
·onstrutivismo, mas, nem por isso, sem seriedade. O espa­ Esse é o método metafísico de pensar: considera como
c;o é pcq ueno e o tema, complexo e seria leviano dq nossa verdadeiro o que está por trás além do concreto. Metafísi­
parLc esgotar o assunto em poucas linhas. ca significa simplesmente "aquilo que vem depois da físi­
Noss:..i intenção, ao colocar o tema construtivismo neste ca", da aparência externa. Ela busca o conhecimento da
:ap(Lulo, é de apenas pontuá-lo como parte integrante e essência das coisas, como dadas na natureza, isto é, "o cv­
fundamental da filosofia e do pensamento sistêmico, toman­ nhecimento dó que são as coisas em si mesmas, por oposi­
do como exemplo al gu ns autores mais conhecidos e discu­ ção às aparências que elas apresentam" (LALANDE, 19 ..., ,,,
tidos no plano pedagógico como Vigotsky, Wallon e Piaget. p. 37).
Muito embora Piaget seja lembrado no aspecto pedagógi­ Outra visão que nos ajuda a ter dificuldades para enLc·11
co, queremos enfatizar que a principal preocupação dele der e praticar o construtivismo é a ótica maniqueísLn qu(•
não eram os problemas de ensino e sim a psicogêne;e, ou separa os seres do mundo em bons e maus; para ela o 1><•111 11
seja, o estudo da origem da mente e do conhecimento. De • o mal são inerentes aos seres. Como os objetos süo e·, 111
um lado, é a gênese da psique humana (das representações ções inalteráveis, são bons ou maus por natureza.
mentais, da memória e do pensamento); de outro, a gênese Uma das manifestações mais comuns dessas duas v1N<Jt):
dos conhecimentos. Atualmente a psicogênese da alfabeti­ é a atitude de separar e de dividir os seres, excluindo t1111 d 11
zação é a mais conhecida. outro, isto é, ou eles são uma coisa ou outra, e nuncn u 11111
O construtivismo é, antes de tudo, uma nova visão da coisa e outra. Essa postura dicotômica da realidade H<JJ>II·
natureza e dos fenômenos que ocorrem nela e nos seres hu­ ra o bem do mal; na educação ela é responsável pela lit'!Ht
manos. Se não mudarmos o padrão de agir e de olhar o ração entre teoria e prática, fazendo, com isso, uma dissocinc;:10
mundo e os indivíduos, não estaremos atuando como cons­ do pensamento e do planejamento, do fazer e do agir. TeOl'i ! 'II
trutivistas, mas sim como tradicionais com pretensões de mente, essa postura está superada em virtude do dcsenvolv,
modernos, ou seja, estaremos usando conceitos construti­ menta científico e das rápidas transformações pela qmil pm1�11
vistas com atitudes antigas, como observamos em várias o mundo; entretanto, a educação ainda não conseguiu supt'
escolas. rar essa visão.
Constatamos, hoje, na área de educação, seja na docên­ A visão transformadora é o olhar do movimento. O u11i­
cia, seja na administração organizácional, duas grandes verso todo está em movimento. Todo movimento é Lrn1it1
correntes sobre a visão de mundo que se opõem: a visão formação e a transformação tem um caráter de mudc111 çt1
tradicional e a visão transformadora. qualitativa, ou seja, as transformações não ocorrem SOU1< I1 1

O olhar tradicional vê o mundo, a sociedade e a vida te por acréscimo de quantidade, mas, principalmente, pot·
como algo parado, imutável. Trata-se de uma visão nascida saltos de qualidade.

64 65
A Psicopedagogia Institucional Sistémica
Maria Cecília Castro Gasparian

o co nstrutivismo tem conheciment o pelo prisma da interação sujeito-objeto é a


Vem o s, portanto, nesse ponto que
ia sistêmica, ou seja, tudo grande descoberta de Kant.
os mesm o s pressupo sto s da teor
m um corpo teórico O construtivismo é interacionista. A epistemologia e
que [oi vist o n os itens anteriores cria
nta o psicopedagogo com ela a psico logia mantiveram a visão unilateral. Na
que se complementa e, com isso, orie realidade, elas não conseguiram enfocar co rretamente a
tivista. Mas isso não
de uma maneira sistêmica e constru questão da aprendizagem humana.
como sistêmico. Para
lini;t.H pnra que o psicopedagogo atue Segundo Jiron Matui (1995, p. 45), "o construtivista é
q111• 1•lt· pos sa atu ar efet
ivamente e não tenha um rótulo a
que passe esse viajante que deix o u o caminho do s inatistas e dos as­
o fissional se transforme,
11111 tH é· preciso que esse pr
e do seu fazer sociacionistas para chegar ao ponto de vista interacionis­
pnl' lllll processo de reflexão de si próprio ta e viu que, desse ponto de vista, tudo se ilumina [ ... ]"
opedagogo sistê­
pnra que, efetivamente, se t o rne um psic
doconstrutivis­
mico e não caia no lugar comum dos pseu
A contribuição de Vigotsky, Wallon e outros vem im­
alg o diferente com primir dimensão cultural ao objeto e história do sujei­
tas que acreditam que estão fazendo to. O objeto de conhecimento, na realidade, faz o seu
idéias e posturas antigas. desvelamento na teia de relações sociais, através de
trutivisrp. o tem
Além da visão de transformação, o cons símbolos e signos, sendo a palavra o seu signo princt
o utros pressupo stos fil o sófi
co s importantes. O pensamen­ pal. Todo objeto é cultural e se apresenta na socicdn
pelos pensamentos
to ocidental da modernidade é marcado de. E a maneira de captá-lo ou assimilá-lo é pelo diálogo.
ke (1632-1704) e
f'il o sóficos de Descartes (1596-1658), Loc
(MATUI, loc. cit.).
época no campo
KanL (1724-1804). O que o corria naquela O construtivismo afirma que nada está pro nto e acaba­
olo gias: o racio­
da fil o so fia era o conflito de duas epistem do; que o conhecimento não é algo terminado. A pessoa se
ocorre nas áreas
nalismo e o empirismo, tal conflito até hoje faz pela interação c om o meio físico e social, com o simbolis­
da psico logia e da pedagogia. mo, com o mundo das relações humanas.
cartes, a razão
Para o racionalismo, formulado por Des É por isso que se faz necessário o estudo da pragmática
condições neces­
e os pensamento s claros e lógicos são as da comunicação humana já citada. O psico pedagogo sistê­
da verdade. O co­
sárias e suficientes para o conhecimento mico observará como ocorre a co municação e a interação
nhecimento vem de dentro , está na razão. entre o indivíduo e o objeto, entre o indivíduo e o meio físico
ofos ingleses,
O empirismo, formulado por Locke e filós e social.
está nos objetos. Piaget é um capítulo à parte, deveríamos ter mais espaço
acredita que o conhecimento vem de fora,
o indivíduo ao nascer, a razão e a· ri'i'é�f"é na6ciascónt êm nada,
e as sensa­
para falar sobre ele. Muitos profissionais ligados à Educa­
ção conhecem o nome de Piaget, mas poucos conhecem a sua
são uma folha em branco . São as experiên
te. obra, exceto que ele acredita que as crianças passam por es­
ções que gravam as impressões em sua men
por meio da tágios de desenvolvimento mental e que elas têm habilida­
Para resolver então essa questão surge Kant
teórico do intera­ des diferentes, nesses diferentes estágios. Acredito que nos
filosofia de interação , sendo ele o primeir o
relação entre próximos anos sua obra, certamente, atrairá atenção ainda
cionismo. Para ele, o conhecimento só se dá na
ão. Ver o maior, porque suas descobertas estão cheias de idéias im-
o sujeito e o objeto e por meio dessa mesma relaç

F.7
Maria Cecília Castro Gasparian
A Psicopedagogia Institucional Sistémica

portantes para o novo modelo de Ciência que começará a dos três autores se completam: Pia
aparecer neste século. Sua contribuição para a Educação é get com os aspectos cogni­
tivos, Vigostky com os aspectos sóc
importante, mas o seu trabalho não se resume a isso. io-históricos e Wallon
com os aspectos afetivos e de person
Voltemos nossa atenção para algumas descobertas de alidade.
Esses autores são dialéticos. O mo
Piaget que parecem ter importância especial para a Edu­ do dialético de pen­
sar é sistêmico. As leis que comand
·uçüo. Ele identifica três tipos de conhecimento: o conh.eci- am a dialética, como
veremos a seguir, têm seus princípi
11u•nto físico, descoberto pela ação direta do sujeito sobre o os em concordância com
o modelo sistêmico:
c,bjcLo; o conhecimento lógico-matemático, criado pela ação, 1) Lei da interação universal ou Lei
rcílcLindo cm nível operatório (plano B) as informações do todo
2) Lei do movimento universal
coletadas no nível prático (plano A) e o conhecimento social­ 3) Lei da unidade dos contrários
arbitrário, construído em interação com os outros indiví­ 4) Lei da transformação da quantid
duos em sociedade. ade em qualidade
5) Lei do desenvolvimento em esp
A principal preocupação de Piaget não são os problemas iral
de ensino. No entanto, qualquer pessoa que o leia �asual­ O pensamento dialético realiza a inte
gração cio conslru
tivismo como corpo de teoria coerente p
mente não pode deixar de ficar impressionado com o poder ara ser aplicado
à educação. A visão que a intuição cons
que suas idéias têm com assuntos ligados à educação. trutivista fo riw
ce, é fundamentalmente dialética. (MAT
UI, 1996, p. 4:!).
O interacionismo é uma grande base para a interação
Dependendo de como vemos o mundo,
de Piaget, Vigotsky e Wallon. Esses autores concordam que as pessoas e a nós
mesmos é que atuaremos como profissio
o desenvolvimento e a aprendizagem não são resultantes nais.
Pergunto agora: como você se vê com
só dos estímulos externos (objetos), nem só da produção da o pessoa e como
profissional? Com que linha teórica
razão (sujeito), mas fruto da interação dos dois: sujeito e se identifica? Só após
respondidas essas e outras questões
objeto. é que poderemos nos
definir como profissionais.
No interacionismo, cada um dos pólos - sujeito e objeto
Como afirmamos no início desse item
- entra com sua parte: o sujeito entra com a "forma" de , não pretendíamos
nos estender demais no assunto. Nossa
pensamento e o objeto, com o "conteúdo" da matéria. A intenção é de apenas
provocar uma reflexão e ver o constru
síntese da ação dos dois é que produz, por construção, tan­ tivismo como parte
integrante da teoria sistêmica. Se você
to a mente como o conhecimento. Vemos, então, uma das quer ser sistêmico
conseqüentemente construtivista pense
propriedades da Teoria do Sistema: a circularidade, em que e reflita sobre o qu
está fazendo como profissional e como
A influencia B, que influencia A. indivíduo.
O interesse e o valor que esses autores têm para o ensi­
no não são afetados pelas divergências que apresentam
entre si. O que interessa para a prática pedagógica é a po­ 5. Conclusão
sição interacionista construtuvista que os três mantêm.
Interessa ainda à educação o fato de que as contribuições Nunca me agradou a idéia de escrever, pois acredito que
uma experiência jamais pode ser registrada no papel; a le-
68
69
Maria Cecília Castro Gasparian A Psicopedagogia lnslitucional Sistémica

conjunto de fór- Este tr abalho é uma proposta par a se pensar a Psicope­


t 1·;1 rnaLa, enquanto o espírito vivifica . Um
devem ser segui­ dagogi a Institucional Escolar com uma visão sistêmica. O
1rn ilns pareceria um estatuto, regras que
todos em cujas mãos tema está lançado. Na minha vivência, pude constatar que
das nbcrLas a mal-entendidos e abuso de
ssidade de re- ao us ar os p rincípios sistêinicos na escola e em sa la de a ula ,
l'<>m:it parar. Mas, por outro lado, senti a nece
a experiência o ensinar e o aprender fluem mais facilmente. Qua ndo ·o
1·.i�,tn1r, ele uma forma muito primária, a minh
que queiram professor percebe a classe como um todo realmente e com­
u d 1 : nln1111rn forma poder auxiliar as pessoas
itucional. preende a teia de comunicações, a transmissão do conteú­
lt 111 1 :dl l nr uo campo da Psicopedagogi a Inst
/\11·1 l.u, no cnLanto, que
este foi um primeiro momento, e do fica mais significativa. Ele (o professor) passa a compreender
q11c 1111• l'llt:onLro atu almente
em outr a fase de desenvolvi- melhor por que (e como) algumas crianças têm mais dificulda­
como uma des que outras; por que (e como) algumas crianças apresentam
11\l:nLo pessoal e profissional. Este t rab alho foi
ra vejo como problemas de disciplina, por que (e como) existem crianças apá­
f'uLografia que tirei há al guns anos e que ago
experiência ticas, etc.
um instante vivido, m as isso não invalida a
que n a época foi o melhor que pude fazer. Não quero dizer com isso que o psicopedagogo institucio­
a p a�ticu­ nal deva ser sistêmico, mas essa é mais uma maneira d
Como coorden ador a pedagógica de uma escol
com minha dirigir o olhar psicopedagógico par a o problema de ensin
lar de São Paulo, que ajudei a mont ar junto
vivências fo e aprendizagem.
irmã há 30 anos, minhas idéias por meio das
0

do rumo, no Este foi o caminho que encontrei par a, dentro d a insti­


ram se modificando e tomando um determina
a. Foi en­ tuição, colocar o psicopedagogo, um articulador entre ou­
qual buscav a significados par a a ação pedagógic
morei por tras funções. Esta é mais uma a lternativa par a que o trabalho
Lao que, quando voltei dos Estados Unidos, onde
com a Teo­ psicopedagógico se diferencie das demais funções dos ele­
oiLo anos e entrei em cont ato, pela primeira vez,
Psicologia
ria Sistêmica, num curso de pós-gr aduação em mentos na (e da) instituição.
senti a que No momento que entramos em sal a de aula, com a pro­
da Mulher, que decidi fazer Psicopedagogia, pois
posta de tr abalhar o conceito mesmo, no contexto e não
falt ava algo n a ação pedagógica.
coloco
Ao concluir este trabalho, ao final de três anos, sua definição pronta e acabada dada para as crianças, tive
o da minha a nítida sens ação de estarmos no processo, ou seja , no pró­
no papel o caminho percorrido por mim ao long
ao p arar prio fazer, na construção, com a professora e com as crian­
vid a profissional. Foi um tr ab alho difícil, pois,
e comigo ças, do saber em dois níveis. No primeiro, d a const rução
para refletir sobre o tema escolhido, deparei-m
mesm a .
',i. >; : ,, -!·:' -.;; • ; :·,,_' '. tlt,:,.�
,.
do saber com as crianças e, no segundo, do meu próprio
ver.
O meu primeiro obstáculo foi a dificuldade de escre saber, vivido naqueles momentos psicopedagógicos.
do que
Como professora, o falar foi muito m ais exercitado Senti uma superposição de mim mesma, em dois momen­
a esco­
o escrever. A segund a dificuld ade foi o próprio tem tos vividos ao mesmo tempo: eu ensina va e aprendia, en­
ness a áre a .
lhido, pois não existe uma bibliografi a específica quanto construíamos com a classe os conceitos propostos.
o vejo
Mas o desafio foi lançado e agora, ao fin al deste estud Via-me dentro ( agindo) e fora (observando) do processo,
do tem a. num movimento entre o ato de fazer e o ato de refletir so-
que pouca coisa foi dit a perto da complexid ade

70 71
Maria Cecília Castro Gasparian
A Psicopedagogia Institucional Sistêmica

bre o mesmo. Pertencia ao grupo, agindo e interagindo com


seu papel profissional, como ajudante da transformação do
ele e, ao mesmo tempo, observava essa ação e interação.
indivíduo aprendente e não só como um formador de indi­
Foi um insight maravilhoso e gratificante!
víduos para exercerem funções na sociedade. O ensino se­
Foi nesse momento que percebi o que deveria ser um
psicopedagogo institucional sistêmico. Ele deve fazer par­ ria e teria maior significado, tanto para quem ensina, quanto
te do processo e também observá-lo para que, ao analisar para quem aprende. Nossa visão psicopedagógica estaria
esse caminhar dinâmico, possa detectar eventuais fratu- voltada para estrutura, organização, contexto e processo
. ras no processo de ensinar e aprender e corrigi-lo, a fim de de aprendizagem em todos os níveis dentro da instituição.
que o todo não fique fragmentado em partes disfuncionais A minha proposta explícita neste trabalho foi apenas a
nesse processo. Utilizando-me do referencial teórico dos de apontar uma possibilidade de se pensar a Psicopedago­
enfoques sistêmicos, o que para mim dava sentido ao meu gia em termos relacionais sistêmicos, já que tanto Aliei�
fazer psicopedagógico. Fernández, quanto Sara Pain, e outros incluem implicita­
Mas como responder às perguntas: mente essa possibilidade, eu só a explicito e a coloco como
• qual é a contribuição deste modelo para a Educação? possibilidade na prática Psicopedagógica Institucional
• como o modelo relacional-sistêmico ajudaria o professor Escolar.
a atuar em sala de aula? Como dizem Maturana e Varela (1995, p. 246):
A resposta é complexa e requer um aprofundamento·
O conhecimento do conhecimento compromete. Com­
maior, mas, num primeiro momento, seria a transforma­
promete-nos a tomar uma atitude de permanente vigi­
ção do profissional da educação no que se refere à sua vi­ lância contra a tentação da certeza, a reconhecer que
são de mundo, de indivíduo (e de si mesmo) e de sociedade. nossas certezas não são provas da verdade, como se o
Ele não mais veria o mundo, o indivíduo e a sociedade como mundo que cada um de nós vê fosse o mundo, e não
causa e efeito linear, mas sim por meio da globalidade, da um mundo, que produzimos com outros. Comprome­
te-nos porque, ao saber que sabemos, não podemos ne­
circularidade, da homeostase. A sua concepção de educa­
gar o que sabemos.
ção estaria voltada para a ecologia social, em que todos
somos responsáveis por nossos atos, individuais e coleti­ A minha proposta implícita neste trabalho foi a de con­
vos, nos quais a atitude de um influencia na do outro, e vidar o leitor a uma reflexão sobre o fazer psicopedagógico
para a conscientização da nossa posição como transforma­ que, automaticamente, remete-nos a uma reflexão sobre nós
dores sociais para uma sociedade glob_al. mesmos e conseqüentemente, uma reflexão sobre o nosso
Passaríamos a nos ver como indivíduos em constante trabalho.
mudança e o nosso aluno também. Passaríamos a ver o ato Temos muito a percorrer, muito a estudar, muito a des­
de aprender e de ensinar como um processo dinâmico e com­ cobrir sobre o mundo em que vivemos e que ajudamos a
plexo, no qual a interação e a comunicação exerçam gran­ construir, mas sobretudo temos muito a desvelar sobre nós
de influência. O professor estaria mais consciente sobre mesmos.

72 73
li

PENSANDO AS DIFICULDADES
DE APRENDIZAGEM À LUZ
DAS RELAÇÕES FAMILIARES
Elizabeth Polity

. . . (as imagens da família) podem asswnir muitas formas, dep cn


dendo do observador. Tornamo-nos também parte desta teia ao
olhá-la com atenção: selecionamos, completamos a.s lacunas
reconhecemos os modelos e os contextos pessoais.
Mesmo nos esforçando bastante para permanecer objetivos,
acabaremos incluídos nesta rede .
Nós também vivemos os papéis da mulher Otl do marido, da filha
ou do filho em nossos respectiuos contextos sociais, pois todos
nós temos uma família.
Contar ou ouvir a história de uma família significa sempre
confrontar-se com a própria.
Marianne Krül, Na rede dos magos

2. 1 - Introdução

Ao se pretender escrever um trabalho sobre alunos com


Dificuldade de Aprendizagem à luz das Relações Familia­
res, além de comunicar as idéias e alguma experiência clí-
Elizabeth Polity
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares

nica, há um outro fator implicado: suportar um movimen­ alguns conceitos introjetados. Com;idero que esse desejo
to psíquico, acompanhado de ansiedade, que pode estimu­ de realização é fundamental em qualquer processo relacio­
lar o desenvolvimento mental ou limitar sua realização. nado à aprendizagem, pois entende-se que é o desejo qu
Em alguns, momentos fui beneficiada pelo meu não-saber. niobiliz-a a ação.
Em outros, senti-me insegura e despreparada. Em todos, No presente trabalho, parti da hipótese de que crianças
entretanto, senti-me movida pela força das relações. e jovens com Dificuldade de Aprendizagem podem ser bene­
Pretendo, por meio do relato de alguns aten_dimentos, ficiados com uma intervenção familiar, que as permita sair
mosLrar a ligação da família com as dificuldades de apren­ da posição de portador do sintoma do grupo e receber aju­
dizagem e, ainda, como o atendimento terapêutico/educa­ da de todo o sistema familiar, a fim de construir uma nova
·ional possibilita a flexibilização da dinâmica familiar, relação com o saber. Tinha ainda como hipótese que, scjH
abrindo novas possibilidades de vida. qual for a etiologia da Dificuldade de Aprendizagem (ncL1-
Minha atividade prática, trabalhando em uin estabele­ rológica, emocional, cognitiva, genética, etc.), o grupo ín­
cimento que atende alunos com Dificuldade de Aprendiza­ miliar é um fator decisivo para a condução e/ou resoluç1io
gem, mostrou-me que é perfeitamente possível e pertinente dessa situação.
entrelaçar os campos da 'Psicopedagogia e da Terapia Fa­ Meu objetivo geral foi avaliar a dinâmica familiar pre­
miliar, poi� um amplia e complementa o outro. sente nesses casos e como o sintoma era trabalhado na ru­
. A Psicopedagogia pesquisa, estuda e analisa as questões mília. Tive como objetivos específicos, esclarecer a modalidade
relaci�n�das ao processo de aprendizagem e ao tratamento de aprendizagem do grupo familiar, nomear os vínculos, as
de seus problemas. Preocupa-se com as relações ensinen­ lealdades, as missões e os legados e, ainda, observar o mu­
te-aprendente, com a forma como se ministra conteúdos mento do Ciclo Vital da família e o manejo utilizado, para
escolares, com processos de desenvolvimento cognitivo/emo­ lidar com o luto, por ter uma criança/jovem diferente no
cional da criança, aquisição da linguagem, etc. A Terapia grupo.
/ Familiar, tal como eu a· concebo, procura ressignificar as Utilizei como procedimento, minha experiência em aten­
questões do grupo, dentro de uma Abordagem Sistêmica, dimentos psicopedagógicos clínicos e institucionais, bem
enfatizando os processos relacionais, entre eles, como o gru­ como meu trabalho com famílias, cuja queixa era a Difi­
po lida· com a aprendizagem. culdade de Aprendizagem de um de seus membros. Acredi­
Sendo a Psicopedagogia e a Terapia Familiar Sistêmica to que estamos sempre sujeitos a uma leitura de mundo
os dois campos em que atuo profissionalmente considerei subjetiva e calcada em nossos paradigmas internos. O qu
i.n tcressan Le e oportuno refletir e pesquisar sobre a rela­ não nos impede de tentar trazer os fatos observados, como
c.;flo da Dificuldade de Aprendizagem com o grupo familiar, integrantes do sistema, em acordo com o modelo cibernéti­
na qual o sujeito está inserido. co de 2ª ordem (consulte o Capítulo 1, A psicopedagogia
Do ponto de vista interno, diria que este trabalho sur­ institucional sistêmica).
giu da ordem do desejo, dando corpo à emoção, e como num Os livros e os mestres muito contribuíram para meu
calidoscópio, formando diferentes imagens decorrentes de desenvolvimento, mas a parceria que desenvolvi com os

80 81
E\izabelh Polily Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares

nos, com os pacientes, de uma ajuda ps icopedagógica. Com disc iplina e muito trei­
professores do colégio, com os alu
provocou em mim no, este proble m a s e resolverá." Afirma o pai, depois da
com as famílias, foi sem dúvida a que
foram construídas várias tentativas em escolas comuns.
mudanças mais significativas, pois elas
mentos e dos desejos
no encontto das emoções, dos senti
O que há de errado com Carolina, Laura e Sílvio? São
clm, partes envolvidas.
preguiçosos, obstinados, desobedientes? De modo algum.
Todos são crianças tolhidas por uma Dificuldade de Apren­
1,·,.� n momento! Começando nesta porta, um longo_ camúiho
1111·r1.t11lha no passado: atrás de nós está uma eternidade! dizagem, que se manifesta no seu desempenho escolar. Al­
N11r, s,•ro verdade que todos os que podem andar têm de já ter guns nom es técnicos poderi am ser empregados para
percorrido este caminho? descrever esses casos como: dislexia, disgrafia, discalcu­
Nietzsche lia, etc., mas pouco importa rotular essas cri anças. Sabe­
se que nunca há uma causa única para o fracasso escolar,
mas sim uma conjunção de fatores que interagem, uns so­
bre os outros, que imobilizam o desenvolvimento do sujei­
2. 2 - Desenvolvimento
to e do sistema familiar num determinado momenLo.
Algumas famílias manifestam sua decepção, sua desa­
Para Carolina, de 7 anos, a melhor hora do dia é a hora
provação, sua própria cólera em vista dos maus rcsulLndos
'de ouvir histórias. Ela gosta muito quando a mãe lê para
escolares. Outros pais podem apresentar total inclifcrc'1H;n,
ela,· e· gtava com facilidade o que ouve. Mas Carolina, tem
um problema, Ainda não sabe ler. De fato, qualquer tarefa completa ausência de interesse pelas dificuldades cln cnm,­
ça. Entretanto, o que se apresenta em comum a essas dua�
que exija perícia visual a desanima. "Não ac redito que isto
atitudes opostas é que ambas afetam o sujeito em sua tota­
esteja acontecendo conosco", diz a mãe. "Meu pai (avô ma-
lidade, impedindo que ele cresça de forma natural e satis­
' terno) é uni escritor de renome. Como posso ter uma filha
que não consegue ler ou escrever?"
fatória.

escrita é bem 2. 2.1 - Diferentes abordagens sobre Dificuldade


Laura está na terceira série, mas a sua de Aprendizagem
escreve algumas
desajeitada. Ela desenha mal as letras e
uito aflita. Não se
delas ao contrário. Sua mãe mostra- se m
extra nos estu­
conforma por Laura precisar de um auxílio Antes de dar prosseguimento a essa tarefa, considero con­
es cola ?" Indaga
dos. "Quando Laura poderá ir p ara outra veniente levantar algumas definições sobre dificuldade de
a mãe, quase às lágrimas... aprendizagem. Creio que essa busca veio ao encontro da mi­
nha necessidade interna de organizar e classificar informa­
Si1vio, de 12 anos, tem bom rendiirtentci e1n todas as dis­ ções, até como um respaldo para meu trabalho prático.
ciplinas, exceto em matemática. O conceito de valores nu­ Fiz uso das idéias e contribuições de muitos autores,
rn.éricos deixa-o confuso. "Não creio que meu filho precise pois ao estudar e tentar abordar as dificuldades de apren-

82 83
1 1
i\
1
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares
Elizabeth P olity

os que contribuem para Essas desordens são intrínsecas ao sujeit o, presumida­


dizagem, percebe-se que muitos são mente, de vido a uma disfunção no sistema nervoso central,
idéias nos permite ten­
o assunto, e o conhecimento de suas podendo ocorrer apenas por um período ha vida.
ente os casos que se
tar compreender e atender adequadam Problemas de controle de comportame 11to, p e rcepção
apresentam:. social e interação social podem existir com as dificuldad es
de Aprendiza-
É impor tante perceber a Dificuldade
ve ser considera­ de apr endizagem, mas elas não constituem por si só uma
gem como um fenômeno complexo, que de
níveis e p�rspectivtts desordem de aprendizagem.
lo com base na integração de diferentes
lvidos impõe a Embora dificuldades de aprendizagem possam ocorre r
análise. A multiplicidade de fatores envo
a de diferentes níveis epistemológi­ concomitant.emente a outras condições desfavoráveis (re­
2ecessidnde de focalizá-l
um a postura científi­ tardo mental, séria desordem emocion1tl, problemas sensó­
cos, o que nos é permitido por meio de
rnidade1 . . rios-motores) ou influências exte rnas (como difere nças
ca inserida no paradigma da pós-mode
fia, constatei que culturais, instrução insuficiente ou inapropriada), elas não
Depois de revisitar uma vasta bibliogra
ir o fenômeno. O são o resultado dessas influencias ou condições.
existem diversas m aneiras para se defin
onsável pelo sin- Segundo o National Institute of M ental Health (1998) -
que varia é a origem , apontada como Tesp
Instituto Nac ional de Saúde M ental - a Dificuldade de
toma.
em de or ig em Aprendizagem é uma desordem que afeta as habilidades pes ­
ssim temos Dificuldade de Aprendizag
e de o rigem emo­ soais do sujeito em interpretar o que é visto ou ouvido ou
'orgânica, de origem intelectual/cognitiva
O que se obser­ relacionar essas informações v indas de diferentes partes
cional- (incluindo-se a familiar/relacional).
m ento de sses do cérebro. Essas limitações podem aparecer de diferentes
va, na maior ia dos casos, é um entre laça
ar as relações fa- formas: dificuldades específicas no falar, no escreve r, coo r­
fatores, dentre os quais, pretendo destac
m iliar es.
denação motora, autocontr ole ou atenção. Essas dificul­
ng Disabilities (2004) dades abrangem os trabalhos escolares e pod em impeq.ir o
---"F>ara o National Center for Learni
e Apre ndizagem - a
'

, - Comi tê Nacional de Dificuldades d �rendizado da leitura da escrita ou da matemática.


I

genérico que se
Dificuldade de Aprendizagem é um termo Essas manifestações podem ocorrer durante toda a vida
refe re a um grupo heterogê
neo de desordens, manifestadas do suje ito, afetando várias facetas: trabafaos escolares,
ção, fala, lei­
por dificuldade na aquisição e no uso da audi rotina diária, vida familiar, ;3.mizades e diversões. Em al­
tura, escrita, raciocínio ou
habilidades matemáticas. gumas pessoas as manifestações dessas desordens são apa­
rentes. Em outras, aparecem apenas em um aspecto isolado
do problema, causando pequeno impacto em outras áreas
da v ida.
pensamento pós-mo de rno não se apóia num método qu e garanta a verdade,
mas exige que se desenvolvam mei os de c onhecimento qu e exponham a expe ­
Reconhecer quando uma criança ou jovem apresenta uma
riência como ela é vivida. S em ter inte resse e m l eis gerais, o pensado r c oloca­ Dificuldade de Aprendizagem já é um primeiro passo para
se aberto às diferenças, dando imp ortância aos c ontext os de temp o e espaç o, não rotulá-la de lenta ou preguiçosa. Esses rótulos exer­
valorizando ao m e smo tempo o único e o complex o. Desta feita, a ênfase recai
sobr e a multiplicidade de significados e na descre nça de verdades a-históricas. cem um efeito negativo sobre as competências que estão
85
84

Elizabeth Polity Pensando as dificuldades de


aprendizagem à luz das relaç
ões larniliares

preservadas, uma vez que abalam sobremaneira a auto-es­ cent r ada na cri ança-prob lem
a organiza a família e
Lima do sujeito. O simples fato de reconhecer que existe paradoxalmente a acalma. Ma
s como a fam ília não está
capacidade e que algo pode ser feito já é de grande utilida­ avaliando bem a situação, o tipo
de atenção que despe­
de. Quando ·os pais e a escola conseguem oferecer diagnósti­ ja na criança será tod o errado
, aumentando seu com­
portamento difícil e tudo
co e ajuda adequados, muitas crianças demonstram melhora JOHNSON, 1997, p. 3).
vira aflição! (RATEY;
ttCr.nLuada e observa-se uma sensível redução nos ·conflitos
t•rnocionais resultantes do contínuo fracasso.
A Dificuldade de Aprendizagem, quando de origem or­ Ao avaliar as Difituldades de
Aprendizagem, dentro do
contexto familiar, não estaremo
�:n nica, pode ser bastante definida e clara, levando-nos a s responsabilizado o grupo
pela química cerebral, mas ten
1rnpor que a área emocional e o ambiente_ familiar tiveram tando entender como as si­
poucn ou nenhuma participação no seu aparecimento e de­ tuações serão encaradas e adm
inistradas. Parafraseando
Ratey, se nascemos com algum
Lerminação. Boa parte dos problemas, em que esbarramos alelo (referindo-se ao gene
ncsLa área - lentidão de raciocínio, falta de atenção, desin­ que pode gerar um distúrbio cer
ebral), vamos acabar cain­
teresse, etc. - encontram suas origens na biologia e, sobre­ do em algum lugar do espectro
desse problema (do mais
iudo, na biologia exposta ao meio ambiente. grave ao mais brando). Mas a form
a de desenvolvimento d
Mesmo as teorias mais organicistas, baseadas na neu­ nossos problemas - se seremos
atentos, hiperativos, Lcrr­
i'opsicologia, como afirmam Ratey e Johnson (1997), admi­ mos dificuldades específicas de apr
endizagem - talvez scjn
Lem que·os distúrbios mentais, mesmo brandos, podem se determinada pela vida.
tornar muito piores em respostas a um ambiente cheio de Estudos realizados na Universid
ade da Califórnia (EUA),
niíclos, a uma família ruidosa. O nível de funcionamento por Jeffrey Scwartz, mostram
que pacientes com proble­
cios pais sempre altera o problema - com base biológica ou mas na química cerebral - DOC,
Hiperativos - mudam in­
11ao - do filho. A criança hiperativa tornar-se-á mais hipe­ teiramente essa química, mediante
o comportamento, pois,
raLiva, a deprimida mais deprimida, a autista mais autis­ segundo eles, o meio ambiente, e
aqui pode-se incluir a fa­
La, quando a família funciona dessa forma. mília sem sombra de dúvida, afe
ta a biologia cerebral, a
Ratey e Johnson (op. cit.) consideram que não é difícil ponto de ser possível detectar mu
danças nas imagens cere­
observar como o sintoma pode atuar na família, perturban­ brais, conseguidas por tomografia.
do o sistema mais amplo; entretanto, afirma que realmente Mesmo que os neurologistas pos
sam identificar alguma
existem crianças difíceis, cujos pais com pouco preparo para lesão, que determine Dificuldade na
Aprendizagem, não se
lidar com elas submetem-se a situações muito estressantes pode pensar que biologia é destino
. A estrutura e os pa­
agravando sobremaneira o problema. Ele afirma: drões das atividades cerebrais refletem
também as experiên­
cias e os estímulos, aos quais som
É mais fácil ver o que há de errado com os filhos de os submetidos e não
apenas as características biológic
outras famílias pois os filhos\ioi outros não geram as com que nascemos.
ruído em nós. Os filhos dos· �U:tros não prejudicam Um a criança, que tem dificuldade
em prestar atenção
nossa capacidade de processamento. Uma atenção con- nos estudos, pode ter "uma química
cerebral ruim". Mas

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87
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações lamiliares
t t11 < 1t11•!11 J oilty
>

), essa química pode ser o resul­ Audrey Souza (1995) refere-se à Dificulda de de Aprendi­
como advcrLe lkgl 1 •y ( 1 !l!lH
cnto com os pais, expectativas zagem (por ela denominado Inibição Intelectual), como sen­
tado de um rnuu n•lac:ionnm r distúr­ do "um· impedimento de· um bom desempenho intelectual,
exc essivas da fam
ília ou um sintoma para encobri
r. Segundo esse autor, a nos­ vinculàdo a problemáticas emocionais assocíadas a confli­
bios no funcionamento familia tos familiares não explicitados.
cérebro, m esmo no que se
sa experiência molda o nosso
atenção, comportaniento, dis- Segundo Cordié (1993), a inibição intelectual que ge ra
refere a traços básicos, como ., · a Dificuldade na Aprendizagem e, em decor rência, o fra­
outros.
posição para aprender, entre
uma esperança para to­ casso escolar, pode ser classificada como inibição d e ordem
Esses da dos revolucionários são
de Aprendizagem, advindos neurótica e inibição de ordem psicótica.
dos aqueles com Dificuldades
ria terapêutica inclui uma De acordo com a autora, que adota uma &bordagem psi­
de uma biologia alterada. A vitó
o paciente , quanto para sua canalítica, o sabe.r e o sucesso escolar são elementos compo­
educação especial, tanto para o pro­ nentes do narcisismo e que mantêm estreita ligação com as
ente diagnosticado,
família, uma vez que, corretam
para a criança e para sua fa­ estruturas do ego. Na inibição intelectual como desorde m
blema torna-se mais simples neurótica, vamos encontrar conflitos na instância do ego,
rentes do dia-a-dia.
mília lidar com as situaçõ es dife Difi­ muitas vezes ligadas às identificações edipianas. Pod emos
es que se referem à
· Vejamos àgora, alguns autor
siderando outros fatores im- destacar aqueles conflitos do superego/ego, que bloqueiam o
culdade de Aprendizagem, con acesso ao saber (não posso conh ecer mais que minha mãe/
· plicados: pai), ou, num nível mais arcaico, quando o desejo de saber
ios momentos do seu li­ está intimamente ligado a angústias devastadoras (pulsão
Alícia Fer nández (1990), em vár
a, nos tr az uma visão mais sádico-anal, por exemplo). A pulsão empistemofílica é atin­
vr o A inteligência aprisionad
ndizagem, em que existe a gida pelo interdito, pois ameaça o equilíbrio do sujeito. Nas
global das Dificul dades de Apre sin- desordens psicóticas o que se observa é que "ó sujeito não
esejo e entre família e
arti culação ent re int eligência e d
1 pode aceder à ordem simbólica em razão de uma falha estru­
. Loma. Ela diz: tural que perturba profundamente o acesso ao saber" (COR­
agem como só
Se pensarmos no problema de aprendiz DIÉ, op. cit., p. 95).
da inte ligên cia, para sua
derivado do organismo ou só Uma Dificuldade de Aprendizagem não significa neces­
de reco rrer à família. Se,
cura não haveria necessidade
nder surg issem na sariamente uma deficiência �ental ou orgânica. Indica, ou­
ao contrário, as patologias no apre
a part ir de sua função trossim, uma condição específica, na qual existem aspectos
criança ou adolescente somente os,
não nece ssita ríam
equilibradora do sistema familiar, que precisam ser trabalhados para se obter m elhor rendi­
rrer ao sujei to sepa ra­
para seu diagnóstico e cura, reco mento intelectual.
o sintoma como
damente de sua família. Ao considerar É também preciso considerar, os efeitos e mocionais que
iva do organismo, cor­
resultante da articulação construt
dese jo , inclu ído no meio essas dificuldades acarretam, agravando o problema. S e seu
po, inteligência e a estrutura do
tem sent ido e funcionali­ rendime nto escolar for sofrível, a criança talvez se ja vista
familiar no qual seu sintoma
o poss ível "atr ape" da • como um fracasso pelos professores ou colegas e até pela
dade... é que podemos observar
inteligência. (FERNÁNDEZ, op. cit. , p. 98).

88 89
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares
Elizabeth Polity

desen­ fracos na aquisição do conhecimento. Algumas têm grande


pri a fam ília. Infeli zm en te, muitas dessas crianças c ap a cidade de ouvir,· assimila m muitas informações sim­
pró muito a
negativa, que agrava em
volvem uma auto-estima da família plesme nte ouvindo. Outras têm mais facilidade com o vi­
iLu açã o, e, qu e po de ria ser evitada, com o auxílio sual, aprendem melho r lendo. As questões �e complicam
s as crianças rece­
l' e\<' uma escola
adequada. É essencial que qua ndo é oferecido pa ra a criança a penas uma forma de
emocio-
quando pais dão suporte
l>i\tn c1poio dos pais , pois so de aprendizagem, que às vezes é justamente aquela na qual
uma base sólida e um sen
11ill, n criança desenvolve f . ela tem dificuldad e.
a auto-estima sat
is ató ria
<'Ulllpl'lência qu e a leva a um us No meu entender, concebo Dificuldade de Ap rendizagem
pais precisam examinar se
M:1s, p:.,ra dar em apoi o, os d al­ como uma condição bastante abrangente, que se manife s­
sentem raiva, com
o se e
pi1'1prios scnLimentos. Alguns p la tua ção. Ou­
ta, sobretudo, pelo fracasso escolar (é muitas vezes condi­
g11111 1nodo a crian
ça fosse responsável e si
cionado por este). Essa condição tem um leque muito amplo
elo desafios
do-se esmagados p
s
lruH cnLrmn cm pânico, sentin os d e causas, mas sua forma evolutiva - o modo como será
eis . Elas im.obilizam
frc n Lc. Am ba as reações são inút trabalhado com/no/pelo aluno - está intimamente relacio­
à s
essária ajuda.
pais e privam a criança da nec - nada com o sistema familiar, educacional e social no qual o
il p ara os profiss i onais en
Em muitos ca sos fica difíc onal, pois
sujeito está inse rido.
da desordem emoci
volvidos distinguir a origem diagnósti-
Finalizando este tópico, queria apenas me referir a u111
em, dificultando um
muitos sintomas se s obr epõ outro aspecto, que por ser muito extenso não preLcnc.lo ck­
senvolver aqui, m as também não posso deixar de mrncio­
co mais preciso.
qüência na pratica, seja ela
Ei1.contram- se ain da, com fre ná-lo . T rata-se do que cha mo de Dificuldade de Ensina{.fem.
ças que foram obrigadas a
·\inica ou institucional, c ri an São aqueles problemas advindos de uma abordagem inade­
uma patologia grave de um
1•nfrcntar desde o nascimento ­
quada do professor, da falta de disponibilidade ou da iníle­
ranóicos, perv ertidos , deliran
ou de ambos os pais (pais pa bi te
xibilidade de al guns mes tres em perceber os caminhos mais
aderir à loucura do am en
Lcs, etc.) e que tiv eram que à
livres para se chegar ao sujeito. Muitos professo res são os
a está inti mamente li gada grandes contribuidores de rótulos e profecias auto-cum­
para sobreviver. E sta loucur a p en ­
ndo e sua relação com a r
fo rma de construção do mu pridoras, fazendo um coro com as vozes familiares, deixan­
apresentar comportamentos do a criança ou jovem sem nenhuma possibilida de ou saída
chzagem, pois o sujeito pode a l ingua­
to ra, di ficuldad e n para reverter a situação. Cabe ·a eles, muitas vezes, o agra­
aberrantes, agitação psicomo a­
impeçam de adquirir habilid vo do fr a casso escolar, a d es istência, a b a ixa estima e a
gem, na simbolização, que o
imento e conseqüentem e ent perpetuação das dificul dades de aprendizagem, que com bom
des básicas para seu desenvolv emelhem­
eitos que, embora ass s enso e conhecimento adequado da profissão, poderiam ser
para a aprendizagem. São suj
trutura p sicótica, pod
eriam ser classifi­ conduz idas de outra forma. Enfim, são situações conflitan­
se muito a uma es
ados (Cordié, 1993). tes, de ordem pessoal/familiar/relaciona l que se presentifi­
cados como sujeitos psicotiz
pode' sef uin 'desafio. Isso cam na prática educaciona l, levando ao que se poderia
Para muitos jovens, aprender
dificuldade de aprendizagem. chamar (emprestand o um termo da medicina) de iatroge­
não in dica, necessariamente, fortes e
a tem s eus pont os nia pedagógica.
Indica apena·s que toda crianç
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90


Elizabeth Polity
Pensando as dificuldade
s de aprendizagem à
luz das relações famil
iares
Em resumo, considero a dificuldade de aprendizagem O mesmo pode se dar,
como um fenômeno delineado por meio de múltiplos con­ na situação de aprend
que o psicopedagogo u izagem, em
tornos, que inclui o biológico, o psicológico, o social, o cul­ tiliz a tt;lnto o tempo
quanto o emocional, p cronológico,
tural, o histórico, o político e o ideológico, e que para sua ara contextualiz ar as
tuações apresentadas diferentes si­
compreensão demandam uma perspectivç1. complexa e em pelo aluno/paciente.
A colocação do indivíd
constante interação. uo no espaço familiar,
uma perspectiva geracio dentro de
nal (vertical) e de um c
(horizontal), permite a ontexto atual
2.2.2 - O modelo sistêmico formação de um quadro
para o entendimento das mais amplo
Dificuldades de Aprendi
Ao ser concebida, a cri zagem.
ança já é depositária de
O modelo sistêmico, baseado na Teoria Geral dos Siste­ de expectativas tanto do um a série
casal, quanto das fam
mas e por mim eleito para trabalhar no atendimento tera­ gem dos pais. Tudo isso ílias de ori­
cria uma situação pro
pêutico familiar, postula a crença que o sujeito está inserido aparecimento do sintom pícia para o
a.
no mundo das relações e que ao mes�o tempo influencia e Quando um indivíduo
é influenciado'-por elas. (Maiores esclarecimentos sobre esse nasce, ele não vem ao
como uma tela em branc mundo
o, mas sim in3erido numa
modelo podem ser encontrados no Capítulo 1 deste livro.) tória familiar que compre his­
ende várias gerações e
O mod�lo sistêmico propõe que todas as redes sociais be uma série de missõ rece­
es e projeções dos pais,
nvolvidas nessa situação são co-responsáveis tanto pelos família extensiva. (BOWE avós e
N, 1978 apud GROISM
LOBO; CAVOUR, 1996, AN;
recurso� a serem utilizados, quanto pelos impasses que p. 29).
surgem ao longo do caminho. Trata-se de construir junto O conceito de missão est
á ligado aos conceitos
- paciente, família, escola, terapeutas - uma experiência do e lealdade desenvolvido de lega­
s por Boszormen yi-Nagy
compartilhada, pela busca de alternativas de intervenção (1983), que evidenciam e Sparks
o quão forte e poderosa
para essa realidade. expectativa destinada po de ser a
,f. à criança, impedindo--a,
Trabalhar com o foco sistêmico é, segundo Groisman, zes, de se relacionar com mu itas ve­
o conhecimento e com
Lobo e Cavour (1996, p. 59), "rastear todo o relacionamen­ Embora a família não o sa ber.
possa mudar seu passa
to daquela família nuclear que vem com o paciente referi­ danças no presente e no do, mu­
futuro podem ocorrer em
do, indo às origens onde estariam o nó gerador do conflito" àquele passado. As fam relação
ílias precisam estar em
Prossegue o autor: to, encarando o passado movimen­
como referencia histór
como luta para recuperá ica e não
No cenário terapêutico estão em cena diferentes tem­ -lo. Como mencionou um
te: "Nunca é tarde para pacien­
pos que o terapeuta com suas lentes ilumina. O passa­ se ter uma infância foliz.
do, presente e futuro das famílias são vistos como numa 1996, p. 198). !" (KEHL,
busca de interação constante entre o tempo cronológi­
Se escolhêssemos reduz
co e o tempo emociona. (GROISMAN; LOBO; CAVOUR, ir a problemática huma
uma só palavra, esta ser na a
op. cit., p. 52). ia separação [. .. ] Pois o
humano é gerado em um ser
a união, gestado em un
ião,

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93
Elizabeth Polity
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares

mas para ser reconhecido em sua existência precisa se­


No modelo sistémico, segundo Kerr (apud GROISMAN;
parar-se. (GROISMAN; LOBO; CAVOUR, 1996, p. 149).
LOBO; CAVOUR; 1996), a atividade do sintoma não pode
Eu ousaria dizer, que além da separação; estamos falan­ ser explicada somente por um processo individual, mas por
do de ide'ntidade, que só pode ser conseguida por meio do um processo que transcende a pessoa do paciente e que,
1iertencimento e da separação. portanto, deve incluir ·a rede social que o abriga: pais, fa­
A necessidade de pertencer, de se sentir incluído num mília extensiva, escola, comunidade, etc.
grupo, é uma necessidade básica do ser humar-o. Minuchin
( 1 fHJ:!) diz que a família é o contexto natural para crescer e
n;cc:hcr nuxílio, no qual cumpre o seu papel de garantir a 2. 3 - Ressignificando o sintoma na família
pcr-Lcnçu e ao mesmo tempo promove a_ individualização do
sujciLo. Aprender requer que possamos nos separar, pelo
menos em parte, dos nossos pais e construir um saber pró­ ... e o fim de uossa uiagem será chegar ao lugar de onde partimos.
E conhecê-lo então pela primeira vez.
prio, que ao mesmo tempo que nos dá pertencimento, pois
T. S. Eliot
o compartilhamos com outros membros do grupo demanda
de nós um certo grau de autonomia e individualidade, que Desde bem cedo é colocado para a criança que se cspcrn
por sua vez, nos permitem elaborar nossa própria identi­ que ela seja bem-sucedida. Desde a pré-escola os pais Sl' in
dade. quietam com os desempenhos intelectuais de seLlS Cill 1 ns t'
· Segundo Groisman (op. cit., p. 127): suas possibilidades de sucesso. Quando o sujeito ntw rnr
A pouca diferenciação entre os membros da família leva
responde a esse panorama ele imposto, aparece o chnmndo
a uma confusão de papéis que provoca perturbações na sintoma. O traço do sintoma tem significações múJLiplnH ('
estrutura hierárquica da família, com inversões nas quais para ser bem compreendido deve ser avaliado s 1:s temi ca ­
os filhos tornam-se pais e os pais tornam-se filhos, ou mente, isto é, considerando-se o contexto mais amplo no
são todos irmãos, sem haver uma divisão nítida de pa­ qual está inserido e sua forma relacional de se expressar.
péis. A família nuclear não se separara o suficiente das
Sintoma pode ser definido como uma mensagem que
respectivas famílias de origem e não estabelecem, o que
Minuchin chama de fronteiras geracionais. emerge em determinada circunstância e que tem uma fun­
ção para aquele sistema. Em busca da homeostase, o sinto­
A Dificuldade de Aprendizagem, ao expressar-se em um
ma na família adquire um significado de funcionalidade no
dos membros do sistema, que se oferece como canal escoa-.
qual, segundo Alicia Fernández, a impossibilidade de sim­
dor, representa dialeticamente a tentativa de manutenção
bolizar é que opera na sua base.
daquele equilíbrio organizacional. Segundo Hoffman, (1981),
Procurar compreender o sintoma é, antes de tudo, ten­
a patologia surge quando se instala uma situação de duplo
vínculo numa etapa de necessária· transformação familiar. tar explicitar os significados que o aprender e não o apren­
Assim, o sintoma - a Dificuldade de Aprendizagem - ex­ der têm para a família e, mais ainda, buscar as relações
pressaria ao mesmo tempo a necessidade de mudar e a proi­ vinculares, os mitos, os segredos e as lealdades que muitas
bição de fazê-lo. vezes estão engajados no processo, dando-lhes sustentação.

94 95
Elizabeth Polity
Pensando as dificulda
des de aprendizagem
à luz das relaç:ões
No trabalho com as famílias, deparamo-nos familiares
então, com
algumas questões: qual a relação da família O mito familiar pode
na formação e ser definido como u
manutenção do sintoma? Qual a função. do construída pela família ma narrativa
sintoma para , que contém leitura
este grupo familiar? O que este sintoma quer que expressam convic s da realidade e
dizer? Quais çqes compartilhadas
as pessoas implicadas? E ainda com relação narrativa liga elemen pelo grupo. Essa
à aprendiza­ tos dispersos como c
gem: O que a família aprende? Como ela se tradições, tran sforma renças, valores,
relaciona com o ndo-se num conto
saber?,· como a família lida com as dificuldçi serve como matriz de org anizado que
des .qu-e sur­ conhecim ento. A par
gem no aprender? E sobretudo: Por que não ap,· triz, cada membro pod tir dessa m a­
ender é signifi­ e construir sua ide
leitura, classificação e nti da de e ter uma
cat iuo para este grupo, em particular? interpretação de su
O mito familiar design as experiências.
Definir Dificuldade de Aprendizagem, a as posições de cad
como vimos, não grupo e fornece mode a um dentro do
é tarefa das mais fáceis. Muitas são as cau los de conduta, con
sas que concor­ existência. Pode-se be ferindo valor à
rem para seu aparecimento e outras tantas m avaliar o peso que
são as formas lacional desempenha e.ssa missão re­
como se manifestam. No entanto, alguma em cada grupo, imp
s características fissionais, incum bên on do escolhas pro­
normalmente são encontradas nas criança cias de ordem cog
s ou jovens com forma como cada suje nit iva e m esmo a
· este diagnostico: dificuldade ou lentidão ito pode se aproxim
de raciocínio, di­ do saber. É antes de tud ar ou se afasLar
ficuldade de simbolização, atraso no dese
tivo ·em compar açã o a cria nça s da me
nvolvimento cogni­
sma faix a etária,
. tionada. O mito paralis
o uma missão que não
a o tempo e dá senti
pode ser ques­
do ao vazio.
dificuldade de socialização, entre outros. Na maioria das vezes,
E o que aparece, o sujeito é levado a cu
datos, tarefas e respon mprir man­
mais evidentemente, em decorrência des der a lealdades impost
ses fatores é o que familiar. Também po as pelo meio
denominamos de fracasso escolar. de, tentar se reb elar c
sempre terá como ref on tra eles, mas
Toda criança em idade escolar sabe que erencial o modelo da
precisa ter su­ gem. Comparações e ide fam ília de ori­
cesso nos estudos. faso é exigido por seu ntificações também faz
s pais, familiares, processo de aprendizag em parte do
colegas, professores, pela sociedade em. É preciso correspo
como um todo. O su­ impostos, em que as lim nder a padrões
cesso opõe-se ao fracasso, e este implica itações, dificuldades o
um juízo de valor, ferências individuais, u mesmo pre­
um julgamento que deve corresponder muito pouco, ou quase
a um ideal. vadas em conta na hor nada, são le­
Esse ideal normalmente é ditado por a das cobranças fam
valores familiares Quando se atende uma ilia res.
transmitidos de geração em geração. família, cuja queixa
Há famílias de enge­ dade de Aprendizagem é a Dificul­
nheiros, que espera que o filho mais velh de um de seus mem
o também o seja. um dos filhos, faz-se br os, em geral
Há famílias de advogados, de médicos mister uma avaliação
ou de negociantes, cos importantes para de alguns tópi­
cujo destino da criança já está selado, nem que possamos observar
bem ela nasceu. um plano mais amplo o processo de
Pode-se observar aqui o papel dos mitos . Começamos por ide
familiares que ten­ A estrutura familiar, ist ntific ar:
tam a construção de uma realidade irre o é, qual a composiç
al, desejada para a lia, organização fratern ão da famí­
continuação da história familiar. a (a ordem, o sexo, as
as pessoas significativ idades), qu ais
as par a o grupo, que
não na mesma casa. convive m ou

96
97
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações lamiliares
Elizabeth Polily

quais os eventos rela­ Parafraseando Freud, havendo conflito entre todas es­
A adaptação ao Ciclo Vital, isto é,
grupo, como a família rea­ t as instâncias advém uma contradição nas aspirações do
cionados à evolução n atural do
enfrenta essas mudanças, sujeito. Tomemos, por exe mplo, um adolescent.e estudioso,
ge a eles, como cada membro
que têm alguma signifi- que com éça a fracassar em seus estudos, porque se sente
eventos externos e internos ao grupo
proibido de abandonar seus aspectos de criança, tão admi­
r;u;flo.
grupo, quem é leal rados pela mãe. Observa-se nesse caso um conflito entre o
As alianças e coalizões existentes no
que m. ideal do ego e o superego, em que este último, co m seu peso
n q11t•111, quc1n se une com quem , contra
dete r in am a for mação e/ de culpabilidade e de interdito, barra o acesso a toda a rea­
()s paci ro es de repetição que
m

n11 r111npirncnto dos vínc


ulos afetivos , influenciando sobre- liz ação do ideal do ego.
1111111L•irn no funcion amento
e na hierarquia familiar. N a vis ão sistêmica, observamos que o grupo familiar
O <'quilí.brio e desequilíbrio considerando-
se seu funcio­ desloca-se através do seu Ciclo Vital, segundo p adrões re­
ativas p ara c ada
llttmcn to regu lar, ou seja, quais as expect lacionais que influenciam diretamente na relação com a
ionamento, pa­ aprendiz agem e nas expectativas que o grupo familiar dn­
um ele seus membros, papéis, estilo de func
que pertencem
drões de comunicação e temas recorr�ntes, posita nos membros mais novos. As crises, os grandes m, ,_
segredos, o que é
ao imaginário do grupo; como manejam os mentas da vida do grupo (casamentos, nascimentos, rnorLeH,
a diferenciação. adolescência, etc.) marc am especial mente o carninlinr do
visto como _ per mitido para o crescimento e
itos, que ge­
O signifícado que a fam ília confere aos m sujeito por esses estágios, paralisando-o ou oferecendo cnn
ram :mandatos relativos ao saber. dições para que ele atravesse esse processo como algo na­
s va-
Ao analisar mos a família como u m todo, estaremo tural e saudável. O significado que a fa mília atribui ao te1npo
que difere
lorizando o aspecto de glob alidade do sistema, e às transformações está intimamente ligado à possibilidad
Siste mas) e o de se adquirir novos conhecimentos, diferenciar-se do grupo
elo somatório das partes (Teoria Geral dos
influencia
11s1wcto de Reciproc idade, em que cada membro de origem, por meio do saber e adquirir assim uma identida­
Dessa for-
1� é- iníluenciado pelo comportamento dos outros. de própria. Por isso , atribuímos grande i mportância à for­
1nn, poderemos nos aproxima
r daquelas questões familiares . ma como a família permite que seus membros enfrentem as
nvolvimen­
que interferem de maneira contundente no dese mudanças ao longo do tempo.
. Pensar sobre o modo de funci_onamento de um grupo fa­
to da aprendizagem da criança ou do jovem
Psic analíti ca mente falando, p ar a cons truir seu ego, o miliar, dentro de uma estrutura de ciclo de vida ajuda a
tificação .
sujeito co loca em prática diferentes tipos de iden esclarecer os padrões de repetição, que indicam co mo as
Segundo Freud (1969), o ego ideal (que se fund a predomi­ famílias costumam lidar com novas aquisições (de conhe­
ego (que
nantemente nu m modelo humano) e o ideal do cimento) e co m eventuais p adrões disfunc ionais que sur­
tr ço or l, religio­ jam nesse momento.
tem origem na identificação com um a m a
s sociais,
so, etc.) encontram sua fonte em parte em modelo Ao av aliarmos como a fa míl ia lida co m o sinto ma que se
a , sendo
enquanto o superego está ligado à posição edipian apresenta, podemos observa r como é feita sua organi zação

o herdeir o do co mplexo de Éd
ipo. interna, co mo o grupo se estrutura num momento de es-

98 99
El,zabeth Polity
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares

tresse e, sobretudo, corno se pode auxiliá-los a destrancar O tempo presente e o tempo passado. Talvez estejam, ambos, presentes
o siste�a e permitir o movimento. À medida que funciona no tempo futuro. E o tempo futuro, contido no tempo passa.do.
como um sistema, a família supõe um movimento constan­ T. S. Ellliot
te; qua�do este cessa e começa a haver um padrão rígido,
com papéis e expectativas predeterminados, a situação tor­
na-se patológica. Andolfi, Angelo e Nico-Corigliano (1989) 2.3.1 - O desejo e a demanda
observam que, nesse caso, as reações tornam-se estéreis, A criança ou jovem com Dificuldade de Aprendizagem
não permitindo o desenvolvi.menta e a diferenciação de cada está na maioria das vezes situada numa família cujo dis­
membro. curso não encontra um sentido. A ela, muitas vezes, cabe a
O sujeito não aprende. Conseqüentemente, o sistema ao função de carregar o peso da história do grupo. Essa fun­
qual pertence são prisioneiros de Cronos. E _o prisioneiro do ção pode ser demasiado difícil e ela não pode conseguir dar
tempo não pode aprender, porque não pode caminhar no tem­ conta.
po. Para eles, o agora é dramático: O tempo vivido será sem­ É quando surgem os sintomas: notas baixas, falta de
pre o futuro, que os aprisiona nos' grilhões dos rótulos e das atenção, dificuldade ou lentidão de raciocínio. "Ele fica nas
profecias auto-cumpridoras. Eles estão presos entre a ativi­ nuvens; nunca traz as lições, seus cadernos estão incom­
dade r/a espera, que são fenômenos de ordem temporal, lo­ pletos." "Não faz nada durante as aulas, parece que eu falo
.calizados num mesmo plano. Mas, enquanto a "atividade com as paredes", comentam os professores.
ténde para o futuro, na espera, o futuro vem, de imediato, Cada grupo familiar introduz expectativas e valores so­
com sua impetuosidade sobre nós" (QUELUZ, 1997, p. 37) . bre como o filho deve ser, como deve se comportar e passa,
Para esse sistema familiar, o futuro é paralisante pois mesmo sem o saber, os sonhos sobre a vida profissional
ele contém em si mesmo, um fator de brutal detenção que futura da criança. Desde seu nascimento, são comuns as
torna o indivíduo ansioso, como se o devir, concentrado profecias ("acho que ele será um grande economista, como
fora do indivíduo, viesse caindo sobre ele, aniquilando-o, o avô"), os mandatos ("somos uma família de advogados,
enchendo-o de terror, frente a essa massa desconhecida e gostaríamos que ele também fosse... "), as conparações ("ele
inesperada, prestes a engoli-lo. (QUELUZ, op. cit. p. 38).
deve se esforçar para tirar notas boas com,:, o irmão"), as
Essas famílias sofrem das patologias do tempo: a ansie­ lealdades ("meus pais são analfabetos e venceram na vida,
dade (quando ele vai aprender?) e o tédio (não adianta for­ para que eu preciso estudar tanto?"), os segredos ("achei
çar, ele não consegue mesmo). O sistema, assim como a melhor não lhe contar que é adotado").
·riança com dificuldade, Todas essas situações marcam profundamente o desen­
apresenta transtornos na vivência temporal, evidencia­ volvimento futuro da criança, impondo-lhe tarefas que es­
dos pelo declínio do impulso pessoal, pela dificuldade tão em desarmonia com suas capacidades, aptidões ou
em relação aos relatos do passado e do futuro, e, prin­ mesmo desejos.
cipalmente, pela quantidade de ausência de resposta e/ Para que uma criança aprenda é necessário que ela tenha
ou respostas inadequadas. (QUELUZ, op. cit., p. 42).
o desejo· de aprender. E que, sobretudo, o desejo dos pais a

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Elizabeth Polity Pensando as diliculdades de aprendizagem à luz das relações familiares

26), numa belíssima triz que está em permanente reconstrução e sobre a qual
autorize . Como diz Mannoni (1981, p.
porque tem pernas, vão se incluindo as novas aprendizagens." (FERNÁNDEZ,
metáfora: "As crianças andam não só
item." 1990, p .. 116).
mas porque seus pais assim o perm
de uma criança No -sistema familiar, a capa cidade de proporcionar um
Bowby (1993) afirma que a existência
ura par a o s pais. As continente seguro para o desenvolvimento intelectual está
com problema repre senta uma rupt
normal tornam­ primariamente ligada à habilidade dos membros da famí­
1·xpc•dntivas construídas em torno do filho
eção_ dos pais, es- lia (em especial os pais) de separarem seus próprios confli­
,-;1• 111Huslentáveis. Vistos como uma proj
s e esperanças e a tos relativos às re alizações, das expectativas e conflitos
1-11'H !'ill t os representam a perda de sonho
s, fazem com que dos filhos . Essa capacidade, evidentemente, está intrinse­
01>11gnl.or1cdadc em lidar com as limitaçõe
a a tarefa que de­ camente enraizada no grau de satisfação, ou pelo menos de
1nuit.os ptus se sintam despreparados par
adrão rígido de com­ resolução, nas questões intelectua is/profissionais que afe­
vt•m assumir. i\.ssim, pode surgir um p
passar, d ando lugar tam os próprios pais.
porLamenLo, em que o tempo não pode
os , no intuito de man­ A reatividade dos pais à realização dos filhos também pod
a mecanismos constantes e repetitiv
que o grupo evolua rel acionar-se à ordem de nascimento do filho (TOMAN,
ter o sistema homeostático e impedir
1976), às realizações ou às dificuldades relativas cnconlrn
. de um estágio para outro.
age como uma das pelos outros filhos ou à clareza de seu próprio njw1Ln
Partip.do- se do conceito de que a família
líbrio e assim ten­ mento em sua família de origem. Para o s meninos, w1w
unidade, de modo a estabelecer um equi
ase), podemos obser­ exigência maior na área intelectual, normalmenlc, nrlv(•tn
tar: m.antê-lo a qualquer custo (homeost
lar o modo como de uma cobrança, quanto a ser bem- sucedido, profü;;sional
var p adrões de comunicação que podem reve
"doente" tem sua e financeiramente. Para as meninas , especialmcnlc pnrn
se instala o sintoma e como o membro
io. aquelas, cujas mães tradicionais não trabalham fora, exis­
função na manutenção desse equilíbr
a é Dificul­ tem uma ambivalência extrema e expectativ as pessoais d
Quando se trata de uma criança , cujo sintom
além dos padrões serem capazes de conseguir "tudo" nas áreas profissional,
dade de Aprendizagem, tenta- se buscar,
alidade de ap rendi­ familiar e de relacionamento.
de interação do grupo familiar, a mod
Ao pesquisar e construir com a família sua história em
zagem que opera no sistema.
família tem relação ao saber, podemos permitir que cada membro re­
Alícia Fernández (1990) observou que cada
a maneira pela conte sua trajetória, descrevendo os fatos à sua maneira , e
uma modalidade de ap rendizagem, que seria
se afasta ) do sa­ sobretudo a significação destes para a vida do sujeito. Sua
qual cada grupo familiar se aproxima (ou
ai p a ra filho, deter­ relação na estrutura familiar pode nos permitir resgatar
ber. Essa mod alidade seria passada de p
s nov a s vão s e um pouco da história do grupo, em que o sintoma passou a
minando assim, com o a s gera çõe s mai
de de aprendi­ fazer sentido nessa família.
relacionar com o conhecimento. A modalida
a sujeito, mas é
zagem faz parte da história pessoal de cad Minha proposta é a de mostrar que, embora a Dificulda­
ecendo à dinâmica de de Ap;rendizagem possa ser uma condição ligada a múl­
na família que ela vai se constitutr, obed
uma ma-
i.rnposta pelo grupo. "A modalidade opera como tiplos fatores internos do sujeito, ela está sobremaneira

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Elizabeth Polity
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares

tresse e, sobretudo, como se pode auxiliá-los a destrancar O tempo presente e o tempo passado. Talvez estejam, ambos, presentes
o sistema e permitir o movimento. À medida que funciona no tempo futuro. E o tempo futuro, contido no tempo passa.do.
como um sistema, a família supõe um movimento constan­ T. S. Ellliot
te; quahdo este cessa e começa a haver um padrão rígido,
com papéis e expectativas predeterminados, a situação tor­
na-se patológica. Andolfi, Angelo e Nico-Corigliano ().989) 2.3.1 - O desejo e a demanda
observam que, nesse caso, as reações torn?,m-se estéreis, A criança ou jovem com Dificuldade de Aprendizagem
não permitindo o desenvolvimento e a diferenciação de cada está na maioria das vezes situada numa família cujo dis­
membro. curso não encontra um sentido. A ela, muitas vezes, cabe a
sujeito não aprende. Conseqüentemente, o sistema ao função de carregar o peso da história do grupo. Essa fun­
qual pertence são prisioneiros de Cronos. E _o prisioneiro do ção pode ser demasiado difícil e ela não pode conseguir dar
tempo não pode aprender, porque não pode caminhar no tem­ conta .
po. Para eles, o agora é dramático: O tempo vivido será sem­ É quando surgem os sintomas: notas baixas, falta cl
pre o futuro, que os aprisiona nos' grilhões dos rótulos e das atenção, dificuldade ou lentidão de raciocínio. "Ele fica nas
profecias auto-cumpridoras. Eles estão presos entre a ativi­ nuvens; nunca traz as lições, seus cadernos estão incon,
dade e··a espera, que são fenômenos de ordem temporal, lo­ pletos." "Não faz nada durante as aulas, parece que eu falo
.calizados num mesmo plano. Mas, enquanto a "atividade com as paredes", comentam os professores.
ténde para o futuro, na espera, o futuro vem, de imediato, Cada grupo familiar introduz expectativas e valores so­
com sua impetuosidade sobre nós" (QUELUZ, 1997, p. 37). bre como o filho deve ser, como deve se comportar e passa,
Para esse sistema familiar, o futuro é paralisante pois mesmo sem o saber, os sonhos sobre a vida profissional
· ele contém em si mesmo, um fator de brutal detenção que futura da criança. Desde seu nascimento, são comuns as
torna o indivíduo ansioso, como se o devir, concentrado profecias ("acho que ele será um grande economista, como
fora do indivíduo, viesse caindo sobre ele, aniquilando-o, o avô"), os mandatos ("somos uma família de advogados,
enchendo-o de terror, frente a essa massa desconhecida e gostaríamos que ele também fosse..."), as con.parações ("ele
inesperada, prestes a engoli-lo. (QUELUZ, op. cit. p. 38).
deve se esforçar para tirar notas boas com,:, o irmão"), as
Essas famílias sofrem das patologias do tempo: a ansie­ lealdades ("meus pais são analfabetos e venceram na vida,
dade (quando ele vai aprender?) e o tédio (não adianta for­ para que eu preciso estuda,· tanto?"), os segredos ("achei
çar, ele não consegue mesmo). O sistema, assim como a melhor não lhe contar que é adotado").
riança com dificuldade, Todas essas situações marcam profundamente o desen­
apresenta transtornos na vivência temporal, evidencia­ volvimento futuro da criança, impondo-lhe tarefas que es­
dos pelo declínio do impulso pessoal, pela dificuldade tão em desarmonia com suas capacidades, aptidões ou
em relação aos relatos do passado e do futuro, e, prin­ mesmo desejos.
cipalmente, pela quantidade de ausência de resposta e/ Para que uma criança aprenda é necessário que ela tenha
ou respostas inadequadas. (QUELUZ, op. cit., p. 42). o desejo de aprender. E que, sobretudo, o desejo dos pais a

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a belíssima
autorize. Como d(z Mannoni (1981, p. 26), num triz que está em permanente reconstrução e sobre a qual
e tem pernas,
metáfora: "As crianças andam não só porqu vão se incluindo as novas aprendizagens." (FERNÁNDEZ,
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mas porque seus pais assim o permitem 1990, p. 116).
Bowby (1993) afirma que a exist ência de uma criança No -sistema familiar, a capacidade de proporcionar um
os pais. As
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. de um estágio para outro. 1976), às realizações ou às dificuldades relativas cnconLrn­
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ia tem relação ao saber, podemos permitir que cada membro re­
Alícia Fernández (1990) observou que cada famíl
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relacionar com o conhecimento. A modalidade de fazer sentido nessa família.
sujeit o, mas é
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na família que e]a vai se constituir, 9be9-ecendo à dinâm de de Aprendizagem possa ser uma condição ligada a múl­
imposta pelo grupo. "A modalidade opera como uma ma- tiplos fatores internos do sujeito, ela está sobremaneira

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J cqu iltbrio do sistema, por ter acesso ao proibido. Dentro


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:-111.11·d11 1 11-,t.1 111t:"11 1 1·id11 ,., ,ii11dn. qur a formo. como esses dife­
dessa perspectiva, o crescimento e o amadurecimento de
n•nll•H H111i 1 111111!':I, u in 1 1 Hp1•r1nl u família, lidam com essa difi­ qualquer membro implica um certo grau de perdas pessoais
culdnde, kd1 u 111 p11pl'l tlerisivo na condução e na evolução e desequilíbrio relacional.
do caso. Os aspectos da família, que provêem um terreno fértil
para o aparecimento da dificuldade de aprendizagem, rela­
ciónam-se com o tipo de circulação do conhecimento den­
tro do sistema familiar, com o significado que dão ao saber/
2.4 - A força das lealdades invisiveis
não saber, com o tipo de man�jo que utilizam para tratar
das perdas e dos segredos e, sobretudo, com a dificuldad
É a palavra verdadeira que pode restituir a estrutura simbólica, que seus membros apresentam em diferr:nciar-se e scpn­
na verdade da relação com quem lhe fale dele, daquilo rar-se.
que sofre, da sua história.
Françoise Dolto
Nessas famílias é difícil aceitar que algu ém pense ck 111odn
diverso, que é possível, e até saudável, existirem ponLo:,; cl1 1
vista divergentes sobre uma mesma experiência e nindn t1111•
Na ma':ioria das vezes, as crianças que apresentam Difi­ ser diferente não implica ser desleal com o grupo.
culdade de Aprendizagem são sensíveis, captam a situação A história, os mitos, as lealdades, os mandatos e os L<'
familiar e a explicitam. Isso as leva a optar pela renúncia à mas da família, interagindo no ciclo vital desse sistema
·curiosidade, como forma de evitar entrar em cantata com determinam padrões de funcionamento que vão dar origem.
segredos, frustrações e com o próprio conhecimento. Ao à Modalidade de Aprendizagem Familiar. Quanto mais rí­
renunciar à sua individualidade, submetem-se a uma orga­ gidos forem esses padrões, quanto mais cobrarem lealda­
nização familiar, por vezes disfuncional, exercem o papel de, mais possibilidades de se estabelecer uma modalidade
de porta voz do grupo familiar ou ainda do chamado "bode sintomática de aprendizagem em algum membro do grupo.
expiatório". Como Maud Mannoni (1981) muito adequadamente co­
Concordo com Fernández (1990, p. 67) quando afirma que: locou, os pais inconscientemente deixam a seu filho a car­
A aprendizagem é a apropriação do conhecimento do ga de refazer a sua história, mas refazê-la de tal maneira,
outro, a partir do saber pessoal. As diferentes fratu­ que nada deva ser mudado: O paradoxo em que a criança
ras e patologias nesse processo correspondem a un:ia está presa produz logo efeitos violentos, nos quais rara­
não coincidência entre conhecimento e saber.
mente há oportunidade de que o sujeito se realize em seu
E conhecer muitas vezes pode ser perigoso ou ameaça­ próprio nome.
dor para algumas famílias. Por isso a necessidade de man­ Segundo Boszormenyi e Sparks (1983), a real natureza
ter-se leal ao sistema e não poder aprender. Isso significa da lealdade reside na trama invisível de expectativas gru­
compartilhar os princípios e definições simbólicas do gru­ pais, m�s que nas leis manifestas. A experiência em terapia
po, no qual se espera que cada membro não ponha em risco familiar demonstra que o enfoque principal do tratamento

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Elizabeth Polity Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares

relacional consiste na ampliação e na escalada da partici­ se separar da mãe e para se identificar com a figu ra mas­
pação �o terapeuta. Devendo este trabalhar com todos os culina (CAT ). Apresenta dificuldades para enfrentar novas
membros ela família, numa rede de relações. situações e não se mostra rn.uito apto a crescer emocional­
mente.
AI guns casos que ilustram a teoria Recebi a mãe e T., em duas sessões. Ela me colocou que
não se importaria que o pai também viesse. Convidado a
'l: - mm;c., 9 anos. Cursa a 3ª série do Ensino Fundamental. comparecer, ele pediu uma entrevista sozinho, na qual co­
l<'illw unico de pais separados. T em dificuldade para ler e locou sua situação atual e falou um pouco de sua família
i 1 d.t•rprcLar tcxtoE; troca letras (d/t; p/b; a/o) e omite R e S de origem. Disse também que não está preparado para com­
i 1 d1•1Talados; dificuldade para entender problemas de ma- parecer às sessões com o filho e a ex-mulher. Depois, convi­
L1•mnLicr.. dei os avós maternos, que se dispuseram a vir e assim o
A mãe relata uma gravidez indesejada. É uma criança · fizeram por três vezes.
muiLo irrequieta e a mãe, sem se define como sem paciên­ Nesses encontros, pude perceber que o segredo familiar
cia para cuidar do bebê. Os pais :se separaram quando o era conhecido pelos adultos e sua manutenção cornpnrLi­
menino tinha 4 anos. O pai assumiu sua identidade homos­ lhada por todos os membros. Nessa família, os scgrccloH
sexual e._ desde então constituiu outro núcleo familiar, com são uma constante: a) a irmã (solteira) ela mflc Lrv1• u111
um companheiro�\ A mãe não se casou mais e disse não ter aborto, que o pai não ficou sabendo; b) este por sun ve�.,
int�nção de fazê-lo. "Nunca deveria ter me casado, nem ter teve um relacionamento amoroso com a vizinha, do qttnl
tido filhos. Não fui feita para isso. Acho difícil criá-lo!" sua esposa não ficou sabendo. Em ambas as situações for-
A mãe recebe ajuda dos avós mateá10s que se revezam maram-se triângulos, cl
para levar T. às suas atividades ou para ficar com ele en­ qual um membro era ex­
quanto ela trabalha. O pai contribui financeiramente com
e' g��o.,d}.v,� w,,, � R
I..J.JM\l\<no__ cluído. De T. era espera­
uma quantia mensal. 'A avó paterna está morta e o menino do que ele nada visse ou
não tem nenhum contato com o avô paterno. Há dois anos
Ü.0- � �
r dissesse sobre a condi­
<9«�

o pai entrou na justiça para poder ver T. nos fins de sema­ 4 cWi.o. ;.' t'f\J!ho.. ção de seu pai, poupan­
(jo,_ r,J>J. � � n1 " �
na, ficando acertado que ele teria direito de pegá-lo em fins . do assim, sua mãe da
.'/lo-v,r
de semana alternados. Nesses dias T . dorme na casa do pai ��- crítica da família ("Não
e seu companheiro e não faz nenhuma referência sobre o
�- t ��<»f+<-o'-\¼ �º� ""°"F queríamos esse casa­

Jl 0\
que acontece ou vê nesse período. A mãe e os avós mater­ mento.") e das explica­
nos dizem que preferem nada comentar com T., "pois ele ções, que ela julgava
ainda é muito pequeno para entender essas coisas" dever sobre sua escolha
T. é uma criança com alto potencial cognitivo. Encon­ de parceiro.
tra-se na fase pré-operacional, condizente com sua faixa T. desempenhava com
etária. No aspecto emocional, apresenta dificuldade para \ bravura seu papel. Sem

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1..

Etizabeth Polity Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares

poder ver ou conhecer lhe era praticamente impossível Já cj_ue tenho que fazer que não sei o que os outros sa­
aprender, discriminar, usar seu saber. Ele não podia dar bem, e fazem ver que não sabem, estendo esta atitude
para todo o conhecimento e não .posso aprender; trans­
crédito àquilo que os órgãos dos sentidos lhe mostravam,
formo-me num oligotímico. (FERNÁNDEZ, 1990, p. 115).
nem tl;\mpouco fazer uso de sua experiência pessoal. Não
lhe fora autorizado conhecer. Qualquer segredo pode ter vários significados dentro de
Às vezes, um segredo refere-se nem tanto ao desconhe­ uma família. Os pais podem definir certo segredo como tendo
cido, mas à impossibilidade de citar ou come,ntar _um fato, um significado de proteção. Entretanto, para a criança, esse
n partir da impossibilidade de simbolizar·essa situação. mesmo segredo pode carregar em si um significado de trai­
SegLLnclo Fernández (1990, p. 101): "O sujeito, que deve guar­ ção, pois distorce e mistifica os processos de comunicação.
dnr este segredo, pode construir um problema de aprendi­ Assim, a criança pode se tornar "cega", "surda", "muda",
zagem, da ordem do sintoma e as dificuldades, em tais casos com relação às informações, e conseqüentemente mostrar­
se centrarão no mostrar." O segredo que cobra valor pato­ se inapta ao aprendizado sistematizado.
gênico é aquele em que uma pessoa se vê obrigada a escon­ . O trabalho terapêutico com essa família teve como meta
der ou que não decida guardar. trazer os vínculos de lealdade à luz, para, ao torná-los ex­
Em algtJ.mas circunstâncias, uma criança pode ter obser­ plícitos, poder libertar os indivíduos neles atados. Ao S''
vado algo que era proibido, considerado como melhor não trabalhar o peso da desmentida e dos segredos, buscava-sC'
ver; logú, a família pode lhe dizer que imaginou e não viu que o saber circulasse livremente e que passasse a haver
aquilo que viu. Isso se relaciona com o desmentido (meca­ flexibilidade suficiente no sistema, para possibilitar que
�is:rn'of estudado por Freud como específico das psicoses). seus membros se desenvolvessem.
Signiica uma ruptura do eu: uma parte reconhece e aceita Atualmente T. vem apresentando progressos na área
a realidade, enquanto outra a desmente. É como se a crian­ pedagógica. Seus erros ortográficos estão menos freqüen­
ça dissesse:. tes e ele tem obtido bons resultados em Matemática.

C. - fem., 12 anos, 5 ª série do Ensino Fundamental. É filha


única, adotada quando ainda bebê. É muito dispersiva, não
completa as tarefas, parece não entender' as solicitações
dos professores, está sempre "no mundo da lua", apresen­
tando, por isso, um rendimento escolar baixo. C. tem inte­
ligência dentro dos parâmetros normais. Nas Provas
Solt.
Operatórias encontra-se na fase operacional concreta, com
algumas habilidades da fase operatória abstrata. Seu pro­
..____,,_ li gc
cesso de pensamento é na maioria das vezes estereotipado
e sincrético.
O pai de C. tinha 60 anos quando se casou com sua mãe.
Era desquitado e tinha três filhos do casamento anterior.

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Elizabeth Polity Pensando as d,llculdades de aprendizagem à luz das relações familiares

(36 , 34 e 33 anos) A mãe era solteira, com 48 anos à época do


,
C. ouviu o relato aparentemepte muito hanqüila e de­
casamento, o qve a impediu de ter seus próprios filhos. Re­ pois comentou com a mãe que sabia que um dia ela lhe cli­
solveram, então, adotar uma criança e assim o fizeram, por ria algo parecido. O pçii limitou-se a ouvir a conversa, sem
meio de uma vizinha, que conhecia uma mulher que tivera participar. Na sessão seguinte C. pergunt0u à mãe se esta
um bebê e queria dá-lo, por não ter condições de criá-lo. ficaria triste por C. desejar conhecer seus verdadeiros pais.
A mãe relata que C. fora um bebê tranqüilo, passando A mãe mostrou-se chocada e pediu um tempo para pensar.
varias horas no berço sem fazer qualquer ruído. _Teve uma Quando me encontrei novamente com a família, C. comu­
111f'i111cia normal, segundo palavras da mãe;- inas se mostra­ nicou-me que doravante chamar-se-ia '�ovana" (ela escre�
vn medrosa e desconfiada com pessoas ou situações que· veu seu nome numa folha de papel). Perguntei a ela o motivo
f'm,Ht'111 cHLranhas. Até o ano passado, não apresentava gran­ dessa troca de nome e ela respondeu-me que se fosse duas
dt•H diCiculdades na escola. Embora_ não fosse uma aluna pessoas distintas, também poderia ter duas casas e duas fa­
brillwnLe, conseguia acompanhar o conte4do. Em meados mílias (e ser leal a ambas?).
do ano passado, a escola chamou os pais, pedindo que en­ C. vem apresentando episódios de dissociação bastante
conLrassem outro lugar para C, pois esta se recusava a fa­ preocupantes. Encaminhei-a para um psiquiatra e estamos
zer as lições, permanecendo muito tempo em silêncio, como trabalhando com a família no sentido de tentar entender, a
se não estivesse presente no local. Essa atitude preocupou serviço de que se encontra esse sintoma e qual sua fu nçún
os professores que se julgaram sem condição de ajudá-la. para o sistema. Por enquanto, o que pude noLar é que IH'HK:L
Segundo a mãe, C. nunca fez perguntas sobre sua ori­ família, o segredo e sua lealdade para com ele Lêm u 111 pn
.ge1�, mesmo sendo muito diferente fisicamente dos pais. pel fundamental. Foi muito desestruturanLe Lraic''--lo it 111·
(ela é mulata e seus pais são brancos) e que estes também do conhecimento e, pelo menos por ora, C. não Lc•111 co11H>
preferiram nada falar. A mãe conta ainda, que o restante usar seu potencial cognitivo, pois ela ainda 8C cnco11 Lrn
du família nunca aceitou essa adoção, achando que o casal presa nas tramas das lealdades invisíveis.
não estava mais em idade de cuidar de crianças. A adoção costuma carregar consigo esti gm a e vergonha,
Recebi primeiramente o casal, que veio encaminhado pela precisando, dessa forma, ser tratado como segredo. O rela­
escola. Depois que eles relataram a situação, optei por vê­ cionamento recursivo entre segredo e esti gm a fica assim
los mais duas vezes sozinhos antes de ver C., para poder enunciado: uma pessoa estigmatizada é protegida pelo se­
definir com eles a manutenção desse segredo. F izemos o gredo, mas o segredo também promove a estigmatização.
genograma familiar e tentamos estabelecer o tipo de rela­ ''A existência do segredo. em si não é a causa da modalida­
ções que ocorriam na família. de sintomática da aprendizagem. O sintoma em geral gera-se
Quando C. foi trazida para a entrevista, ficou clara para em uma situação que não permite reconhecer a existência do
os pais a necessidade de "contar" a ela sua história. Mes­ segredo". (FERNÁNDEZ, 1995, p. 115). Pois, não há segre­
mo, a mais triste das história é melhor do que não ter uma. do de um só. O segredo age tanto na mente de quem comuni­
Acreditando nisso, fomos trabalhando com C . para poder ca, quanto na de quem recebe.
lhe contar sua origem. A mãe dis'se preferir falar com ela Em algumas famílias, ele funciona como elemento es­
em casa, decisão. que eu respeitei, pedindo que também o trutural. Trata-se de informações vinculadas com a
pai fosse incluído nessa conversa. história do grupo ou aspectos particulares de um dos

110 111
Elizabet11 Polity
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz elas relações familiares

seus membros, que em geral são ocultados parcialmen­


Acredito mesmo, que em se tratando de regras para o

Outro aspecto relevante diz respeito à dificuldade no es­


te. (FERNÁNDEZ, 1995, p. 115).
atendimento familiar,· sempre deveríamos ter em mente a
afirmação de Bateson (1986, p. 21), que "no trabalho práti­
tabelecirrrento da identidade, que fica comprometida quan­ co não éxiste uma só verdade e que nenhuma 'idéia é a cha­
do o segredo impede o adotado de saber sua origem, de ve única e certa".
construir sua história de vida ou mesmo de ver um rosto se­ Toda criança precisa ter o consentimento dos pais, ainda
melhanLe ao seu, como resumiu um jovem: "Algum. dia, terei
que inconsciente, para aprender. Segundo Bion (1994), o gru-
11/1/. bebê e então olharei para alguém com quem.estou biologi­
po famüiar exerce um
('(t.111('/l/e relacionado."

O efeito do segTedo, para a criança adotada, fica também controle mútuo para
bastante implicado pela limitação que a lealdade familiar co­ impedir que qualquer
loca sobre a mesma, quando aquela demonstra curiosidade membro faça contri­
sobre suas origens. Muitas vezes essa curiosidade é vista como buiçõ1: s diferentes
deslealdade à sua família adotiva. Bode-se entender como é daquelas ditadas pe­
difícil estar q.isponível para o conhecimento, quando as in­ las regras da família.
cursões p_elo terreno da curiosidade são tão ameaçadoras! O objetivo desse con­
Esse caso, interessante e desafiador, e que pelo menos trole é tentar fugir
por ora não tem um final feliz, fez-me pensar na afirmação das situações de fr us-
de Z'erlrn Moreno (apud HOLMES , 1995, p. 65): tração, ansiedade e conflito que podem surgir quando um
membro põe em desequilíbrio a relação familiar. Assim, as
Geralmente, os segredos não são apoiados na terapia
familiar, havendo uma crença de que a abertura possi­
regras de lealdade servem ao grupo para poupá-los de situa­
bilita melhor relação; constatamos que esta apregoa- ções estressantes e geradoras de conflito . Com isso, pode-se
/ da abertura pode, na realidade, ser perigosa e infligir observar que quanto maior a rigidez com que a lealdade se im­
ferimentos permanentes e dificeis de cicatrizar. A avalia­ põe a um indivíduo, mais dano ela causará.
ção dessa abertura, com a família, faz parte da aliança É importante ainda perceber que, segundo Boszormenyi e
terapêutica e precisa de um cuidadoso manejo . Sparks (1983, p. 78): "A natureza dos balanços de obrigações
Penso que, quando há um conflito entre a família, como é intrinsecamente dialética, por quanto o fato de dar mais

promisso de lealdade está ligado à necessidade de manter o


contar ou não um segredo, é comum que o terapeuta tente pode ser o caminho para receber mais." Na família, o com­
S(' manter sinLonizado com o processo que está ocorrendo,

famílias explicitam. Trazer à luz as tramas de lealdade, os


eviLando ser aprisionado pelo conteúdo manifesto que as grupo como tal, garantindo, assim, a homeostase do sistema.
Ao se trabalhar com T., observou-se que, quando as tra­
vínculos e os segredos que permeiam o sistema familiar é mas familiares deixaram de cobrar lealdade absoluta , a
sua tarefa. Entretanto, todas essas manobras devem ser criança viu-se livre para crescer e para aprender. Com C.,
cuidadosamente pensadas, com a família, a fim de que se pode-se perceber a existência da relação entre os vínculos
possa ponderar os benefícios para os membros do grupo. de lealdade e as dificuldades de aprendizagem; entretanto,

112 113
Elizabeth Polity Pensando as dil,culdades de aprendizagem à luz das relações familiares

quanto aos dados soniáticos e aos sintomas de distúrbio. Mas


antes de tudo, nossos -interesses se voltarão para as circunstâncias
familiares dos pacientes ....
Sigmund Freud

Um aspecto interessante a ser observado é o da relação


vincular entre a criança/jovem portador de Dificuldade de
Aprendizagem e sua família.
Realizei um estudo no qual pretendia identificar a for­
ma como essas famílias interagiam com o membro porta­
dor da Dificuldade de Aprendizagem. Para esse estudo, os
instrumentos utilizados foram: a) levantamento da Quei­
xa Escolar, b) Anamnese Familiar, c) Entrevistas semi-aber­
apenas explicitá-las não foi o sufjciente para permitir o tas e d) Orientação Familiar. Esses aspectos foram eleitos,
desenvolvim.ento ,�ognitivo e emocional da jovem. pois considero que um bom diagnóstico de Dificuldade cJ,,
Nos casos aqui apresentados, ficou claro, que quanto Aprendizagem deve incluir a verificação de fatores org:1111
mais perto da mãe mártir, mais forte é o vínculo de lealda­ cos, maturativos/evolutivos, cognitivos, emocio1rniH (', 1-10
de:, muitas vezes, ,;:arregado de culpa para o filho. O esforço bretudo, relacionais e familiares.
('n, manter O jove1� atado à família, por meio de uma leal­ Segundo Wallon (apud TAILLE, 1992), o produto ii!Li­
claclc, atrasa a maturação e conduz o sujeito à infantiliza­ mo da elaboração de uma inteligência concreta pessoal rnr
c;üo. É um recurso mágico de indiferenciação, que impede o porificada em alguém é uma pessoa. A construção da pc•ssoa
i mlivíduo de desenvolver suas próprias potencialidades e é uma autoconstrução.
ele se realizar como sujeito cognoscente. É interessante observar como os pais que sentem difi­
O atendimento familiar pode ajudar o sistema a identifi­ culdade em permitir o processo de individualização, ou por
car os aspectos paralisantes e permitir a mobilização destes, não se sentirem confiantes ou por julgarem que o filho não
para que o grupo possa garantir, então, o desenvolvimento e a tem condição de assim sê-lo, eternizam a ligação simbióti­
diferenciação de seus membros, sobretudo, da criança com
ca, num jogo de superproteção, no qual fica difícil saber
Dificuldade de Aprendizagem.
quem protege quem, dificultando ou mesmo impedindo, que
aspectos sadios da inteligência e/ou do desenvolvimento
socioemocional surjam.
2. 5 - O vinculo afetivo e a elaboração do O vínculo afetivo supre a insuficiência da inteligência
luto no início da vida, pois cria elos necessários à ação coletiva.
Com o passar do tempo, o sujeito deve ser levado a buscar a
... no histórico de nossos casos, devemos prestar tanta atenção às apreensão de si mesmo. O que, freqüentemente, se observa
condições puramente humanas e sociais de nossos pacientes,

114 115
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares
Elizabeth Polity

nessas famílias, entretanto, é a dificuldade em permitir me­ • o estudo da família, numa abordagem sistêmica, permite
canismos de avanço, que levem o indivíduo à autonomia, observar e destacar a modalidade de aprendizagem, que
criando vínculos mútuos de dependência e paralisação. é padrão nesse grupo, e sua relação com os vínculos exis­
Também o desenvolvimento simbólico, base para o de­ tentes, considerando-se um enfoque trarisgeracional.
senvolvimento da vida psíquica e intelectual, está direta­ Vários autores, entre eles psicanalistas e terapeutas fa­
mente ligado à formação das primeiras relaçoes vinculares miliares de abordagem sistêmica, têm estudado o papel da
t'ntrc a mãe e o bebê, edificando-se assim a relação do su­ família na enfermidade de uma criança, estudando o jogo
. das relações e seu significado para o aparecimento do sin­
jciLo com a vida criativa e com o pensar. Quando essas pri­
meirns experiências não são satisfatórias, seja por que. toma naquele sujeito nomeado como paciente identificado .
rnifw for, todo o desenvolvimento posterior do sujeito fica Muitos têm escrito sobre as primeiras relações mãe/bebê
omprometido. e como esse vínculo é determinante para o desenvolvimen­
Entende-se por estudar as configuraçõés. vinculares, a to posterior do sujeito . Contribuições como as de Bion
abordagem que leva os indivíduos a evoluírem no que diz (1970), sobre a capacidade de a mãe conter as projeções e as
respeito ao conhecimento sobre si e sobre as pessoas, em angústias do bêbê, que ele denominou rêverie; como a rnúc'
. relação umas com as outras e sobre os grupos. Uma parte suficientemente boa de Winnicott e a capacidade de holdinf.{
. que essa mãe pode oferecer ao bebê, permitindo que ele s1'
do trabalhÔ com os dispositivos vinculares visa a aumen­
tar a càpacidade para pensar. Isso pode ser realizado, ana­ desenvolva de uma forma sadia; as observações do "clescj
lisando-se e refletindo-se como fluem os vínculos numa materno" com relação a essa criança, estudadas por Dolto;
refação familiar. os mecanismos "depositários" e o "bode expiatório" na re­
Pichon-Riviere (1980) define a família como a estrutura lação familiar, enfocados por Pichon-Riviere; sem nos es­
social básica que se configura pelo jogo de papéis diferencia­ quecermos das importantes· contribuições de Bowby e de
dos (pai-mãe-filho) e pelo mecanismo de depositação, ele- sua ligação com a Etologia e com a teoria do Apego. Estes
gendo um membro para ser o "bode expiatório" do grupo. são alguns dos exemplos que podemos citar sobre o assunto.
Assim, esse paciente se torna o porta-voz da enfermidade Gostaria ainda de considerar que muitas crianças que
do grupo familiar. se mostram portadoras de Dificuldade de Aprendizagem,
Ao pesquisar as configurações vinculares, considerei decorrentes de uma causa emocional, esti'leram com fre­
como pontos relevantes: qüência expostas a fortes influências patogênicas (violên­
• o estudo da "psicopatologia da emoção" decorrente da cia, segredos, abusos, relações duplo-vinculares) dentro do
vinculação afetiva, o que faz com que os vínculos se de­ sistema familiar, enfatizando a importânóa dos vínculos
:-wnvolvam, para que existam especialmente as condições afetivos como estruturantes da formação E: do desenvolvi­
que• nfcLnm seu desenvolvimento. Pois é sabido que indi­ mento da criança.
víduos com distúrbios emocionais manifestam, na maio­ Nas famílias, que foram alvo de minha observação, pude
ria das vezes, deterioração na capacidade para estabelecer perceber a inflexibilidade do grupo em lidar com as "per-
ou manter vínculos.

117
116
Elizabeth Polity Pensando as d1liculdades de aprendizagem à luz das relações familiares

das", que a situação de ter uma criança diferente impõe: Anamnese: Pai médico (neurologista), mãe dona de
expectativas frustradas, impossibilidade de realizar dese­ casa. Ainbos relatam que Cr. teve uma infância difícil, mas
jos destinados à criança, as "diferenças" vistas como hand- que foi uma criança muito dócil, procurando atender a to­
·ap, cm relação aos filhos "normais", a carga que recai das -as expectativas dos pais. Cr. tem uma· irmã mais nova
Hobrc um dos pais, quando sozinho deve dar conta das fun­ (19 anos), que cursa o 2º ano da faculdade de Direito e que,
<;ot'H parcntais, etc. Enfim, são muitas as situaçêes de per- segundo os pais, é muito inteligente. O pai de Cr., médico de
1 ln qul' aparecem relacionadas nesses casos . renome, diz não aceitar a "deficiência" da filha e que está
_.°
G(/1110 enfaLiza Jerusalinsky (1989, p. 42) : disposto a voltar à escola, para fazer junto com ela, um cur­
Ao nascer uma criança deficiente há um contraste en­ sinho que a possibilite ingressar na faculdade. (Cr. não apre­
Lrc o filho esperado e o que acaba de nascer. Isto afeta senta mínimas condições de cursar uma universidade).
centralmente a função materna, já que a mãe debate Cr. chora muito, queixando-se de fortes dores na cabeça,
com o luto da perda do filho imaginado. diz que apanha regularmente dos pais e que, às vezes, sen­
Passo a seguir a descrever alguns casos atendidos. te que sua situação em casa é insustentável. Pede para que
nada seja dito a eles, pois teme apanhar ainda mais.
Cr. - fem., 21 anos, cursando a 3ll série do Ensino Médio Atendimento Familiar: O casal parece muito inLrn�H­
de uma escola especial. sado no desenvolvimento de Cr., mas exige que cln cu111prn
Queixa Escolar: Apresenta dificuldade de raciocínio, as expectativas e os padrões que impuseram a ela.
memória e concentração. Sempre cursou escolas para crian­ A família mostra dificuldade em aceitar o fato cl t • ter
ças especiais, pois desde pequena apresenta dificuldades de uma filha com limitações. A elaboração do luLo nf10 ocor
nprendizagem. Seu comportamento é infantilizado e seu reu, nem tampouco existe a condição de dar crócli Lo noH
desenvolvimento intelectual defasado de sua faixa etária. progressos observados ao longo dos anos de escolaridade
Avaliação Psicopedagógica: Inteligência abaixo da como uma tentativa de manter Cr. eternamente infantili­
média (75 pontos no Wisc). Provas Operatórias de Piaget zada e dependente. Como as perdas não foram elaboradas,
indicando que a jovem encontra-se na fase operacional con­ os pais conservam para ela uma expectativa irreal de esco­
laridade.
creta. Prontuário do Bender compatível com uma criança
de 9 anos de idade, indicando dano neurológico, o que foi
confirmado pelo pai na anamnese. Nas Provas Pedagógi­
cas teve muita dificuldade para ler e interpretar o texto,
bem como operar problemas matemáticos, ao nível da 4ll
série do Ensino Fundamental. Nas provas projetivas (CAT),
aparecem como mecanismos de defesa a contrafobia e a ne­
gação. As figura$ parentais são vistâs ·ora como ameaçado­
ras, ora como superpoderosas e extremamente bondosas
(mecanismo de reparação constante).

118 119
\�

Elizabeth Polity
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz rias relações familiares

J. - masc., 15 anos, interrompeu os estudos na 6ª série


vai até seu quarto e fica a seu lado até que adormeça. Se­
do Ensiµo Fundamental. Terceiro filho de uma família com
gu ndo ela informa, ele foi medicado por um psiquiatra, mas
quatro filhos homens (19, 18, e 14 anos). a mãe considerou melhor substituir a medicação pela mes­
Queixa Escolar: Dificuldade de atenção e concentra­ ma qúe ela toma, "por julgar mais adequado".
ção, fobia escolar, apresentando nessas ocasiões, sudorese Atendimento Familiar: Recebemos a mãe e J. na pri­
intensa, tremores, perda dos sentidos e choro compulsivo.
meira entrevista. Solicitamos que o pai e os irmãos, os
Esse quadro não permitia que o jovem permanecesse em acompanhassem da próxima vez, diante do que a mãe disse
sala por um período mais longo. ser ela quem se ocupava das dificuldades de J. Por nossa
Avaliação Psicopedagógica: Inteligência acima da mé­ insistência, o pai e o irmão mais jovem vieram nas sessões
dia (110 - escala Wechsler), ausência de comprometimento seguintes.
orgânico, funções psiconeurológicas preservadas, habilida­ O pai ficava calado boa parte do tempo e quando lhe era
des internas desenvolvidas de acordo com a fáixa etária. Boa dirigida alguma pergunta, a mãe se apressa.va em respon­
coordenação motora. Memória visual e auditiva intactas. der. J. dirigia-se ao pai, com pouco respeito, desdenhancl
!i CWisc, Bender, CAT, HTP, Provas Operatórias de Piaget, Pro­ das coisas que ele falava. Algumas vezes mandava-o se ca­
·vas Pedagó'gicas). lar. A díade mãe e J. parecia concordar em tudo e, quancl
Apresenta-se emocionalmente instável. Utiliza mecanis­ 'isso não acontecia, J. imediatamente fazia a vontade de sua
mos de defesa histéricos e reparadores na resolução ele confli­ mãe. Como no caso de uma história que ele deveria fazer
tos, Dificuldade em se separar da figura materna, recusando-se para a escola, cujo título ele elegera: "Histórias de Aman­
a viver papéis condizentes com a idade. Superego presente de tes". Poucas horas antes dele vir à sessão de psicopedago­
maneira bastante insistente, em contrapartida com um ego gia, sua mãe disse que esse título não era adequado e que
lábil e infantilizado. deveria ser substituído por "Histórias de Amores", que ele
Anamnese: Mãe relata forte depressão puerperal quando anuiu, dizendo realmente preferir o novo título.
.do nascimento de J. Criança franzina, não se alimentava bem, Pude perceber ao longo do trabalho, que a J. não era per­
apresentando episódios de vômitos constantes. Precisou de mitido ter sua própria identidade e que se encontrava pre­
cuidados intensivos, "pois estava sempre doente". so emocionalmente à fi gura materna. Seu pai tinha grande
Foi bom aluno, até dois anos atrás, quando começou a dificuldade para se interpor nessa relação e estava sendo
apresentar as queixas mencionadas. Recusou-se a freqüen­ muito difícil para J., poder desenvolver uma personalidade
Lar a escola no ano anterior e, neste, veio procurar ajuda, independente e diferenciada da figura materna.
pois diz gostar de estudar e querer voltar para a sala de Analisando-se os vínculos com a figura de apego, pode­
aula. se, muitas vezes, observar que o filho assume a figu ra do
A mãe diz ser esse seu filho favorito, com o qual ela mais genitor, enquanto este reserva para si a figu ra do filho.
se identifica. "Jovem sensível e muito religioso, como eu." Segundo Bowby (1993), repetidamente se comprova que esse
Muitas noites tem medo de dormir, quando então sua mãe comportamento patológico da mãe é reação contra uma re­
lação profundamente perturbadora que ela teve, e talvez
120
121
Elizabeth Polity Pensando as drf1cl1ldades
de aprendizagem à luz das
relações familiares

continue a ter, com. seus pais. Ou seja, a mãe trata o filho do grupo. Para essa família
foi importante perceber
como se. ele fosse uma réplica da sua própria mãe. conceitos de pertenéimento que os
e individuação não são
Nesse caso, observa-se, pela fala materna, a difícil rela­ nicos, mas que operam em an tagô­
simetria e fortal�cem-se
çúo que ela teve com seus pais, quando menciona: "Preci­ mente. mutua­
s,•r nrcar com toda responsabilidade pelo cuidado dos meus As crises de J. começaram
a melhorar e hoje ele con
11·111uos, pois minha mãe, por problemas pessoais·(depres­ gue permanecer um período se­
mais longo na escola, sem
sentar sintomas de pânico. ap re­
suo), ,•stcwa incapacitada para fazê-lo."
/\ H11Ht:CL1bilidade de um sujeito ao experimentar novas Parafraseando Boszorm
enyi, uma criança pode
da escola porque aceita um desistir
1'01 11111H de• conhecimento, quando enfrenta uma situação a responsabilidade emoci
encarregando-se do cuidado onal,
pol.Pt1cial111C't1Le alarmante, é determinada pelo tipo de pre­ de algu m membro da fam
Isso se produz, em resposta ília.
visHO que ele faz, quanto à probabilidade de se acharem a depressão da mãe e da
de disponibilidade emocional falta
•\ccssíveis as figuras de apego. No caso da fobia escolar, do pai, que de maneira inc
ciente, ratifica a necessidad ons­
que impede o jov0m de se desenvolver intelectual, emocio­ e que tem a esposa de qu
filho cuide dela. Se fôssemos e seu
nal e socialmente, o mais temido é a ausência ou perda des­ estudar o problema de ma
ra individual, rotularíamos nei­
sa figura 01i de alguma outra base segura, em direção à Normalmente, uma mãe des
a criança com fobia
qual o j"óvem possa caminhar. Nessa situação, a relação se tipo consegue asseg-ur1
u- HI'
de que pelo menos um dos
nLrc mãe e filho µiostra-se de extrema ambivalência, pas­ filhos não a deixe nnncn
HoY
nha. Os filhos dão provas de ,i
HnnL1o de muito carinho para forte rejeição, nos momentos lealdade incondicionnl t• nHH
I'
guram para si o papel de cu
c•rn que J. se rect.;-sa a ir à escola. Outro fato que aparece idadores, de um ou ele am
pais. Assim são os filhos par I.Jos O.Y
co11sLn11Lrmente é o alto grau de angústia apresentado por entalizados.
,J qunnclo sua máe diz que ficará doente, caso ele se recuse
11 f'n·q u c'n Lar a escola.
O LrnbaU,o com essa família consistiu em ampliar e nomear
os vínculos, reassegu­
(f) ylV(lt,� '•\
� '-
rar a diferenciação de
cada membro da famí­
.....> lia, permitindo que J._
'-..>. � Bi.'
se visse como um ser
1;1
�».:.
1rtJ'�'-, §
único, distinto dos de-

lfll
. .
2.,; ' i mais, e que o pai pu-

:(t'f7t - e. d�$Se assumir o lugar


,Yl'c'j,/;,,'-,<á>-
I
'11\::Y\ 71l�tt no casal, construindo,
@)
,SJ� com a mãe, o alicerce

122
123
Fl1zabeth Polity

Pensando as dific
2.6 - O papel da esco uldades de aprendiz
agem à luz das rela
la e do professor nas ;,õcs familiares
dificuldades de apre
ndizagem: uma 2. 6. 1 -A família como
modelo parçi a insti
dificuldade de ensinag escolar· tuição
em?
Parece oportuno
. . . as dificuldades de apr traçar alguns par
tituiç ão e a fa míl alelos entre a ins-
/

endizagem, são na sua ma


problemas no funcioname ioria ia, justificando; assi '
nto egóico, e portanto am
pla mente gem clínica e min m, min ha abor da-
determinadas pelas· relaçõ ha visão da escola,
es vividas pelas çriançds m odelo . ten do a família com
no interior da instituiçã o
o escola,: No texto de Peter
M. C. Kupfer Furstenau (apud �
existe uma clara ES et al., 1991),
referência entre o
entre Escola e F paren tesco exis ten
amília, no qual con te
Para ser consistente, não válido recorrer ao clui ser ple namen
poderia deixar de lado o q ue acontece na his te
do professor e da escola na papel sujeitos envolvid tória familiar do s
s Dificuldades de Aprendiz os, para explicar o
Já mencionei anteriorme agem. cola. Segundo ele que acontece numa e
nte os P;·oblemas de Ensin : s­
e suas repercussões para ag em2
o sistema ensino-aprendiz O encontro que a
Do ponto de vista sistém agem. atitu des, posições,
escola institui reativa
sentimentos,
ico, é importante pensar fant asias... mobilizado
terligações entre todos os na s in­ do conflito que opô s na oc asião
envolvidos (aluno-família s o pro fessor na sua p
fessor) e nas diversas tei -pro­ a: seus p ais, sendo
assim atu ali�ado nas
rópria infância
as sociais que são tranç os diversos atores relações entre
partir dessas relações. adas a institucionais: aqueles
o ensino, aqueles que ministram
Para isso, relatarei um que o recebem, aqueles
trabalho desenvolvido na lam. (FURSTENAU que o contro­
tuição, que tinha por fin insti­ apud KAES et al., op.
à
alidade observar a moda O processo que co cit., p. 67).
aprendizagem do sujeito lid ad e de nduz introdução de
ensinante e da sua relaçã tre instituição es um paralelo en­
grupo no qual estava inseri o com o colar e família advém
do. e do surgimento do reconhe�imento
Na visão sistémica, a fam da estrutura de rela
ília oferece um excelente bros de uma escola ções en tre os mem­
delo para a instituição, no 'mo­ e os de uma família.
tocante a propiciar um tra Se, no que concern
de Intervenção Breve, qu balho e à família, estamos
e enfoque o relacional e co nado pelo irracion num nível domi­
lize as dificuldades como ntextua­ al (dentro de uma
sendo circulares e reflex pelas forças das rel vis ão psicanalítica) e
ivas. ações (nu_ma visão sist
bém o caso da insti êmica), esse é tam­
tuição escolar, já que
supor um compor ela não pode pres­
tamento que seja
efeito acabado do apenas um resultado:
seu projeto. Na ver o
casos, lidamos com dade, em ambos os
processos a serem
tanto, não podem construídos e, por­
os definir no início
2
Para obter ruais esclarecimentos ocorrer no fim. aquílo que só pode
história é essa? (POLIT consulte: Dificuldade
de ensinagem: que
Y, 2002). Ainda sob o prism
a p sic analítico, pod
• rar a família e er-se-ia conside­
a instituiç ão escolar
124 co mo mecan ismo de
125
Elizabeth Polity
Pensando as d1íiculdn
des de aprendizagem
à luz das relações
familiares
defesa contra a angústia primária, depr
essiva e persecutó­ do professor, do educ
ria. Nesse sentido, ambas as instituições ador, do psicopedag
têm como função profissional que lida ogo, enfim daquele
essencial oferecer um continente seguro com os fazeres da
para seus agentes É importante reco aprendizagem.
usuários. Em qualquer grupo, em que nhecer qu� o ensinan
todos são confron­ ínserido num sistema te também está
Lados com ansiedade e com medo, surge familia r (de origem
a idéia de q1<1.e exis­ clear), que impõe esc e/ou família nu­
l <' rtlguma coisa ou alguém capaz de acal olhas profissionais,
mar a ansiedade, ordem cognitiva e ain in cumbências de
lc• aplucar o medo. Essa é a função do da determina a form
líder (professores, jeito pode se apro a como cada su­
1·oord<'nadorcs, diretores). Esta expecta ximar ou se afastar
tiva vindoura (ho­ Pretendo levantar algu do sab er.
t1H 1 111, iclóía, utopia) é vive mas questões rela
nciada como uma conseqüência tivas ao pro­
dt· l1tt1a união grupal, engendrada pela cesso familiar de apr
relação de seus mem­ endizagem desse pro
bros e Lida com produto idealizado meu ver, está intima fis sional que, a
dela (VIDAL, 1978). mente ligado à sua
nal e, ainda, destacar pra tic a educacio­
omo evidencia esse autor, muitas veze como os fatores est
s, ·a instituição mas familiares (mit udados nos siste­
scolar aparece descrita por meio de met os, crenças, valores,
áforas (como mãe também estão presen manda tos, etc.)
boa, como o pai todo-poderoso), das:qua tes na família do pro
is se pode estabele­ rindo desde a escolha fessor, interfe­
cr uma correspondência segura entr profissional até a m
e o sistema de paren­ an eira como ele
tesco e o .sistema institucional. olha seus alunos, com
o se relacion a co m
não-saber, quais os con o saber, coin
ceitos de vida que tr
2. 6.2 -A modalidade de aprendizagem de aula e que vão dete az para n snlu
do sujei­ rminar o tipo de re
to ensinante desenvolvida com seus lação que sc'ni
alunos.
Este trabalho foi feito
( 'omo já mencionei ant erio rme nte com um grupo de pro
, a mo dal ida de de uma escola especializad fessore� cio
11p1·1•11clizugcm se refere às condiçõ a em atender crianç
es e ao modo de aprender dade de Aprendizagem. as co m Dificul­
d1• l1111 determinado suje
ito. Nas palavras de Alícia Fernández Entendo que o profes
do, assi m como o ter sor especializa­
1
DDO, p. 45): apeuta, tem como in
trabalho a sua própri str ume nto de
a pessoa e, portanto,
t uma maneira pessoal para aproximar-se do conheci­ disposto a trabalhar co precisa estar
mento e para conformar o seu sab m as suas emoções e
er [... ] construído intelectual minimame com a parte
desde o nascimento, sendo através dela nte harmonizadas.
que nos depara­ Reuni-me com a equipe,
mos com a angústia inerente ao conh de_ntro da instituição,
ecer-desconhecer. a partir da construção e propus,
No trabalho em Terapia Familia do genograma da fam
r Sistêmica, pode-se sar: a missão familiar ília , pesqui­
folar cm modalidade de aprendizag (sua função no gru
em da família, que es­ recebeu, expectativas, po, nome que
taria ligada às condições de apr legados e lealdades) m
endizagem (ou não) daque­ (padrão de relação com atriz familiar
le sistema familiai-. o grupo, pertencime
de) co municação (me nto, identida­
Gostaria agora. de introduzir alg nsagens verbais, corp
umas observações so­ mensagens) diferenci orais, duplas
bre a modalidade de aprendizag ação (processos de sep
em do sujeito ensinante: ang ulações, alia nça s) aração, tri­
e o bviam ent e moda
lidade de
126
1?7
l::lizabeth Polity
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares

aprendizagem (aprendizagem através das gerações, m­


igual a ela, vindo em sua direção. A princípio julgou não
corporações e transmissão de conhecimento).
estar enxergando bem. Depois, julgou que estava "ficando
Para pôr em prática essa atividade, utilizei a "escuta
louca" e, finalmente, foi abordada pela- desconhecida, que
sistêmica". Isto é, uma maneira de escutar os relatos, em
se encontrava em estado de ch�que, tal qual T. Começaram
que se tenta integrar as partes, demonstrando que cada ele­
a conversar e com a ajuda da tia de T., reconstruíram a
mento só pode ser compreendido no conjunto de suas rela­
história da adoção das gêmeas, que havia sido um segredo
ções com outros. Pretendi resgatar, assim, as .sit1.1ações
até aquele momento.
críticas pelas quais o professor, agora contextualizado em
T. conta ainda que existem outros assuntos que são tra­
sua família de origem, havia passado, como: a) o desenro­
tados como segredo pela família e que ninguém tem a per­
lar do Ciclo Vital familiar, b) os aspectos que estavam pa-·
missão para discuti-los: é o caso da morte de sua irmã (aos
ralisados, c) o modo como se estabeleciam as relações,
30 anos, vítima de câncer), o aborto feito pela irmã mais
procurando enfatizar a ligação com a busca do conhecimen­
velha e um caso extraconjugal do pai.
Lo, com a autorização para o aprender.
T. relata também que ela própria foi uma criança com
Além do genograma, trabalhamos com fotos, com a li­
muita dificuldade para aprender, só conseguindo ser alfn­
nha do témpo, com as narrativas e com algumas técnicas
betizada aos 9 anos de idade.
(desen_hos, dramatizações, etc.), que possibilitavam o en­
Ao trazer sua história pessoal e recontá-la para o gru­
quadramento das relações entre os professores e suas fa­
po, foi possível construir uma nova dimensão de autoria.
'IX)..ílias e destes, com o aprender.
Trabalhar com fotos de sua infância, localizar as crises no
Passo a descrever dois casos, que acredito, possam mos-
ciclo vital familiar, observar as paralisações do tempo per­
trar o -processo desenvolvido.
mitiu ainda repensar sua relação com os alunos, com os
quais estava encontrando dificuldade.
T. - Tem 35 anos, é professora desde os 18. Atualmente
leciona na classe de alfabetização. Vem se queixando de di­
S. - 32 anos, professora da 2 ª série do Ensino Funda­
ficuldades para lidar com alguns alunos mais lentos que
mental. S. vem apresentando muita dificuldade em lidar
não conseguem obter êxito na leitura e na escrita.
especialmente com uma aluna, cujo diagnóstico é epilepsia,
T. é a filha mais nova de uma família de seis irmãos (três
com psicose decorrente. Essa aluna tem episódios de mui­
mulheres e dois homens). Seus pais, ainda vivos, estão com
ta agressividade, nos quais bate em seus colegas e joga Ludo
75 e 74 anos, casados há 48 anos e têm uma relação bastan­
o que tiver nas mãos. O quadro é bastante sério, mas 6 mui Lo
Le disLante entre eles, conforme afirma T.
curioso observarmos os diferentes comportamentos dos pro­
Nndn sabíamos de sua história pessoal, até que, a seu
fissionais que lidam com a menina.
1wcliclo, fizemos o genograma da família. Ela relatou então
Nos momentos em que ocorrem as crises de Lúcia (nom''
um f'nLo bastanLe curioso: a cerca de 15 anos, ela foi passar
fictício), S. começa a tremer, fica muito vermelha, queixa­
as férias na casa de sua tia, no interior de Minas. Numa
se de sensação de desmaio e precisa retirar Lúcia, imedia-
L11rdc, caminhando pela rua, vê uma pessoa absolutamente
• tamente, da sala, pois não suporta sua presença.

128
129
Elizabeth Polity Pensando as clificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares

Em conversas com a coordenação do colégio, S. reage Ao que ela respondeu não estar _pronta para mexer liessas
muito mal, dizendo-se perseguida por ter que atender uma feridas e por isso -havia decidido largar o trabalho. Alguns
Tiança como essa, muito embora seja uma escola especial, dias depois ela deixou_ o Colégio, sem conseguir ao menos,
ndequada a esses atendimentos. De uns tempos para cá, S. despedir-se de seus alunos. "Não posso mais ficar. Sinto-nie
vi n hn apresentando comportamento agressivo, para com perturbada a ponto de não poder realizar mais o trabalho."
H<'llS Galegas e disse estar pensan do em deixar
o colégio. Nesse caso, pude observar, que o fato de trazer à luz,
'l'11111IH'm não se mostrava disponível para um trabalho com alguns aspetos que estavam cristalizados na história de S.
li l'(Jlll!H'. não foi o suficiente para haver mobilização em seu trajeto
1 1 1'<>pus então conversar em particular com S. na tenta­ profissional. Esse seria um caso típico, de atendimento fa­
L1víl cl<· auxiliá-la a entender o que estava se passando.
Na miliar, num enfoque terapêutico, no qual tentaríamos bus­
primeira cntrevi.sta, S. chorou muito,quando perguntei pela car uma flexibilização do sistema como um todo. Não
sua família e c,)mo se processara seu aprendizado no nú­ obstante, considero importante que tenha sido reconheci­
cleo familiar. · \ da, pela profissional, sua incapacidade em lidar com Lúcia
S. contou que sua mãe morrera de câncer, dois anos e que e, conseqüentemente, seu afastamento.
seu pai, àlcoolista, não tinha condições de suprir suas ne­
cessidades emocionais e financeiras, o que a fazia sentir-se O fazer de um professor especializado mobiliza muiL,1s emo­
muito só e desamparada. Perguntei a ela em que momentos ções e sentimentos que parecem estar adormecidos, mas (lll<',
· hílv.ia o "encontro" entre ela e Lúcia e por que Lúcia desper­ em sua prática diária, emergem como fantasmas a nssomlmll"
L11 va nela tanta raiva e descontrole. A princípio, ela negou seu trabalho. Em alguns casos, como o exposto antcliornwnL(',
que! houvesse algo de semelhante ou algum "encontro" nas o profissional não agüenta tanta pressão e só vê a saído nc,
duns hisLórias. Depois, aos poucos foi relatando sua dificul­ abandono daquela situação detonadora do confüLo.
dndc• pnra ser alfabetizada. Contou que fora diagnosticada Pesquisar a modalidade de aprendizagem do professor não
<·01110 disléxica aos 9 anos, o que lhe trouxe muitos proble- levanta apenas aspectos ligados à aquisição do conhecimen­
111as na escola. Relatou também que não suportava ver Lú­ to, mas toda sua história pessoal, os mitos familiares, como
·in agredir as pessoas (essa aluna tem um históric o de a família lida com as doenças, com as crises, com os rótulos.
violência em casa, no qual apanha muito do pai)_ e disse que Essa aprendizagem desenvolvida no núcleo familiar vai
esse comportamento lhe lembrava seu próprio pai, quando acompanhar o sujeito em toda sua vida profissional, levan­
estava alcoolizado. S. relatou ainda que ela própria teria tido do-o a poder compreender melhor seus alunos ou, em algu ­
o diagnóstico de epilética, quando criança, mas que, segundo mas situações, a perceber porque é tão difícil, e até mesmo
informa, teria sido um erro médico, ''pois pesquisei a doen­ impossível, trabalhar com determinadas crianças.
ça e tenho certeza que não a tenho. Tive apenas alguns epi- Questiona também sua condição de atender aqueles su­
·'' ··
sódios de ausência". jeitos, que demandam um envolvimento mais intenso e,
Perguntei a ela de que maneira poderíamos ajudá-la a conseqüentemente, um melhor preparo interno, para su­
superar essas dificuldades e então poder lidar com Lúcia. portar as dificuldades que aparecem ao longo do caminho.

130 131
Elizabet11 Polity
Pensando as dificuldades
de aprendizagem à luz das
relações familiares
Certamente, esses aspectos internos estarão presentes
e serão. atualizados, em maior ou menor escala, quando no através das gerações. As
sim como os va lor es (ét
rais, culturais), o legad icos, mo­
contato com seus alunos, determinando suas escolhas pe­ o referente ao relacion
o saber vem inscrito na am en to com
dagógico/educacionais e norteando seus valores, que são história familiar e será
passados, explicita ou implicitamente, por. suas falas, seus fator determinante para sempre um
a aprendizagem (ou nã
comportamentos e suas posturas. membros. Podemos pens o) dos seus
ar em processos que no
Ao trabalhar os mitos, as crenças, os valores, os segre­ à formação de modelos s re metam
e identidade, numa vis
dos e as lealdades dentro do sistema familiar desses pro­ tica, em que as primeir ão psicanalí­
as experiências emocion
Ccssores, foi possível trazer à luz algun s aspectos mais das nas relações com os ais vivencia­
pais (inclusive as de ap
prof'undos que comandam o fazer educacional. Ressignifi­ serão responsáveis pela rendizagem)
formação da identidade
cá los 6 dar oportunidade de novas formas de expressão, Podemos ainda, numa do sujeito.
visão relacional sistêmica
que muito contribuem para o desenvolvimento da sua pes­ derar que é a partir do su , consi­
rgimento da família com
Hon e, conseqüentemente, daqueles que o cercam. nista dessa história de vid o protago­
a que o ser humano vai con
relações com o saber e com struindo
o conhecimento, em sin
com o padrão familiar ao cro11in
qual pertence.
2. 7·- - Algumas considerações possiveis Ao longo de seu Ciclo Vit
al, o ser humano traz clcnL
si muitas famílias: a da i-o d(•
sua infância, da sua adole
da sua fase adulta, com scêncin,
O· sintoma que a família expressa por um dos seus memb filhos e netos, e, em tod
ros não as elas, a
é real. Ele· está escondendo a verdadeira crise que herança familiar é seu leg
está latente e ado mais forte. Ser bem-
oculta. Essa crise latente representa a dificuldade da famíli do, do ponto de vista int su cedi­
a em electual (poder aprende
passar para um outro nível de organização. uso do conhecimento com r e fazer
M. Bowen o uma apropriação legítim
/ intimamente ligado à for a), está
ma como o funcionamento
famílias internas e de su dessas
as ligações atuais permite
Ao longo da execução deste trabalho deparei-me com uma sujeito construa sua relaçã que o
o com a aprendizagem.
pergunta: seria o modelo de aprendizagem uma hera Para o meu trabalho, foi
nça importante perceber que
familiar? um processo de luto subjac existe
A questão das heranças psíquicamente transmitidas ente, quando do nascimento
tem desenvolvimento de uma e/ou
sido estudada por vários autores e vista sob diver criança disfuncional (seja
sos ân­ ca, emocional ou intelectu
al ou ainda a combinação
ela físi­
gulos: o do inconsciente, do sociocultural, do ele t�,­
ocupado pela dos esses aspectos). Esse
f11mília e pelas relações inter e transpessoais. luto nem sempre é bem-ela
pela família, agravando o qu borad
F'reucl (1969), em Introdução ao narcisismo, diz adro já existente. A criança
que o inscrita no desejo mater vem
indivíduo é o único herdeiro de uma cadeia inter no, afirma a psicanálise,
subjetiva que se vêem às voltas com e os pais
que o origina. Penso que, no tocante ao modelo a frustração de ter um filh
de aprendi­ rente podem ter dificulda o dife­
agem, também podemos considerar como tran de em estabelecer vínculos
smissível • vos com essa criança, dif afeti-
icultando seu acesso ao sab
er.
132
133
,,
1
Elizabeth Polity Pensando as dificulclndes de aprenclizagern à luz das relações famiiiares

Algumas vezes, na tentativa de superproteger essa crian­ Não cabe dúvida acerca do impacto psicológico vivido
ça, encobrem sua raiva e frustração, outras coloca m-na pelo sistema familiar diante da situação de enfermidade ·t
de algum de seus membros. O sistema familiar pode
num. plano de menos-valia, determinando para ela, por meio chegar a viver à.lguns períodos de desordem, desorga­
tk mitos, 'mandatos, lealdades, uma incompetência que está nização - de entropia - durante certos' momentos crí­
1111iiLo longe de corresponder à realidade e, com isso,
man­ ticos da evolução da enfermidade, chegando inclusive
t f, 111 <'Ll'rnamente infantilizada, sem autorizaçáo pára de­ a situações excepcionais de verdadeiras passagens ao
tlt '1 t volv(�r o potencial que aprese
nta. Existe, atnda, aqueles · ato, tais como separação conjugal ou o abandono da
as criança com problemas. Sem dúvida, na maioria das
q111· rnlocnm expectativas inatingíveis, tendo em vista vezes, graças à informação significativa, introduzida
dtlll·uldmles da criança. pelo sistema terapêutico, com respeito à enfermidade,
1 1111I WaLziawick (1994, p. 71) coloca muito bem
) esse me­ instala-se progressivamente um efeito negantrópico,
('lll\ÍH1110 quando tlescreve "as profecias que_
Se autocum­ ou seja, a capacidade de conhecimento e de organiza­
J)l'l'll1", que, segu ndo ele "são vaticínios que
se convertem ção do sistema família, suficiente para superar os mo­
mentos críticos e manejar a situação adequadamente.
m realidade, somente por terem sido profetizados, e . dessa
forma
. .
confirmam sua própria exatidão". Assim agem alguns
pais, que parecem quere garantir que seu filho jamais apren-
Dentro de determinadas dinâmicas familiares, 6 interes­
sante destacar, como o conflito interior dos pais aparcc<'u
derá, crescerá e se desenvolverá, reassegurando a inflexibi­ exteriorizado, em sua relação, com seu filho. No qual, pod l '
liclnclc do sistema e a paralisação do Ciclo Vital familiar. se observar a força da família agindo nas dificuldad ( 'H d 11
Sube-se ainda de pais que fazem uma verdadeira pere­ criança (inclusive de aprendizagem), por meio jogu das ro­
g ri I1;1çno por consultórios de especialistas na esperança de lações, dos vínculos e de seu significado para o n1mr<•ci­
c1J1tHt·guir algu m tipo de ajuda para essa criança, estando mento de um sintoma.
1•l1•H tlll!Smos engajados e dispostos a colaborar.
Entretan­ Ao trazer os ensinantes e suas relações familiares, sem
(.1), nn minha experiência, o que mais
percebo são aqueles pre tão presentes no cenário educacional, pretendi dar umu
p111H, que não consideram a relação vincular como
decisiva visão mais amplificada do contexto, co-responsabilizando
parn o processo de desenvolvimento, tentando colocar sem­ a escola e os professores.
pre 110 "outro" a causa do problema e não se permitindo O estudo da família e de sua importância no desenvolvi­
mento de seus membros tem sido destacado pela intrinca­
mxcrgar a possibilidade de progresso da famílià, enquan­
da série de relações intersubjetivas, que estruturam uma
to sistema . Como �i.iz Sara Pain (1989, p. 39): "O absolutismo_
rede de fantasias e de significados e que só podem ser cor­
parental transforma o transitório em definitivo, pois rara­
retamente avaliados se forem incluídos em uma visão sis­
mente a expectativa de cura está colocada na modificação do
têmica familiar.
vínculo."
A inclusão do atendimento familiar constitui um recur­ Pensando na Dificuldade de Aprendizagem e consideran­
so valioso, que auxilia aqueles próprios encontrados pela do-a sob a perspectiva das Relações Familiares, constato
família. Concordo com Serrano (1992, p. 57) quando afir­ que muitas vezes, a compreensão desses problemas não tor­
ma que: na a criança mais inteligentes mas permite que ela utilize

134 135
Elizabeth Polity
Pensando as dificuldades de apren
dizagem à luz das relações famili
ares
melhor seu potencial, pois tira do seu ombro, toda carga
de HOLMES, P O pap
responsabilidade e a distribui por todos aqueles envol el do terapeuta na cena. Reuista
vi­ Psicodrama, ano 1, v. 3, 1995. Brasileira de
dos: família , professores, comunidade escolar, meio JERUSALIN SKY, A Psicanálise e dese
social, nvolvimento infantil: um enfoque
etc. transdiciplin ar. Porto Alegrê: Artes Médicas, 198
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l(,•u1slu lnsight, São Paulo, maio 1998. me permite fazer o que gosto. As falhas encontradas neste trab •..
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1982. 3. 1 - Introdução
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Geigy Corporation, 1994. André tem 12 anos. Seu estudo na 6ª série é acompanha­
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138
Evelyn Rogozinsl<i
Aprenda mas não cresça:
uma missão impossí·1el
professora universitária, a quem ele também pede ajuda
observador" e Moisés Gr
quando ·vai ao banheiro. Mora com os pais e os avós ma­ oisman que insiste que
eu" é a que marca uma a "posição
ternos que não adm.item a possibilidade de ele refazer uma autonomia de pe nsame
Trabalhar para i ncluir nto.
série, embora venha apresentando, desde peque no, muita um paradigm a sistémico
sar sobre a apre ndizagem no pen­
dificuldade para acompanhar o grupo de sua faixa etária. não significa excluir um
e um olhar voltados para a escuta
Este trabalho pretende ser um registro de algumas obsEtr­ a inter-relação ensinan
den te tão bem descrita po te- apren­
vaçõcs que, como psicopedagoga e terapeuta df família, tem r Alicia Fernández. Prete
somente ampliar essa esc n de tão­
me auxiliado na investigação desse sintoma tão complexo que uta e esse olhar para
maneira como a observa inc luir a
<' 1, sintoma na aprendizagem. A questão que me coloco é a ção do processo de apren
que é particular a cada um diz ag em,
H1•g11i11Lc: u 1:-1prendizagem que defi ne o humano (FERNÁNDEZ, dos membros de uma fam
modifica quando colocad ília, se
1 DSHJ) (•, como as outras experiências que garantem a nossa a no co ntexto da rede
namento formada pelas de rel acio­
sobrc:vivência, sobretudo uma experiência prazeirosa. Pensan­ interações com as pesso
são mais próximas: em as que lhe
do cm crianças e adolescentes como André, para os quais a nossa cultura,
nascemos e nos dese n volvem a família na qual
escola parcc� tornar-se um fardo quase insuportável, per un­ os.
g A teoria sistêmica aplicad
to-me que m1steriosa força os impele a abdicar desse prazer e a à família procura o con
m�nto das transformaçõe hcci­
colocar-s·e numa posição de marginalização em relação a seus s que ocorrem num grupo
num determinado fam iliar
pares? espa· ço e tempo, a partir da ob
que aco ntece entre as pesso ser vação do
Desejo esclarecer antes de mais nada que adoto um pon­ as. É, portanto, uma obser
fenomenológica, descritiv vação
to de vista construtivista, sig n ificando co n strutivista a a. Essa descrição, que est
ao processo de elaboração á sujeita
postura epistemológica comprometida com a desarruma­ individual da informação
nhecime n to em sab e do co­
ção de idéias precon cebidas e que gera um espaço terapêu- er, só adquire um certo gra
dade quando é consensu u de objetivi­
/ tico aberto à reflexão, em que terapeutas e clientes podem al a um grupo. As a n ota
transcrevo aqui são fruto ções que
alternar funções de ensinar e aprender. A tarefa de conciliar da minha elaboração pesso
psicopedagoga das conclusõe al como
L<'oricamente a teoria psicopedagógica e a teoria sistêmica s teóricas de vários terap
(BOWEN; KERR, 1988; AN eutas
nplicacln à terapia familiar parece-me por demais comple­ DOLFI, 1983; MINUCHIN
que têm se dedicado a est , 198 8)
x,1 pnl'll 8N empreendida n este trabalho, mas a referência udar a família de um po
vista sistêmico. Constitui nto de
c·o11Ht.rnLiviHL:1 serve a ambas e torn a-se assim um ponto de uma tentativa de ampliar
pequeno círculo de psicopeda um
11pnio <'pisLl'mológico para embasar uma prática que utili­ gogas e terapetitas de fam
que compartilham a experi ília
•,,11 <'<J1dwcimentos de uma e de outra. ência de descobrir uma ma
operatividade no tratamen ior
l•:scrcvo na primeira pessoa seguindo o e nsinamento de to psicopedagógico, a parti
uma pesquisa, que incluind r de
dois dos mais experientes terapeutas de família brasilei­ o o paradi gm a sistêmico,
cura pinçar o fio condutor do pro­
rns: Gladis Brun, que fala de um "sistema determinado pelo processo de aprendizagem
complexa trama das relaçõ na
es i ndivíduo-família.

140
141
Evelyn Rogozinsl<i Aprenda mas nao cresça: uma missão impossível
,1
3. 2 - Ensinar e aprender: um processo No individuo, torna lento o desenvolvimento em menor
individual e familiar ou maior grau e garante uma posi�ão de destaque, uma certa
atenção.. Na família, evita o contato com determinadas in­
fü,La pesquisa se estrutura em torno de algumas idéias formaç-ões, evidencia uma crise da operatividade, aumenta
hfü;icas: o nivel de ansiedade e reforça a interdependência de seus
membros.
n. O sintoma na aprendizagem é uma pro�ução indi­
vidual e familiar. b. O sintoma na aprendizagem procura conciliar
mensagens paradoxais.
/\pn•11cl( 1 f' implica uma ação criativa. Tanto o individuo
1:111,H> 11 !'nmília, considerados como sistemas vivos em cons­
Investigando a história das famílias que apresentam
l.1111t.( 1 111LcrnGilO com o meio que os cerca, encontram-se em
queixa de problemas na aprendizagem, observo que possuem
IH'l't1\i111cnLe estado de equilibração. (PIAGET, 1976 ), isto
em comum, um certo tipo de comunicação que implica uma
', pnHsnm por períodos de maior ou 'menor instabilidade na postura ambivalente em relação ao estudo e ao sucesso es­
ln1Hcn de umà sempre melhor adaptação. O produto da ação colar de seus membros. Se, por um lado, expressam o dese­
crinLi vn desses sistemas fica sujeito a essa instabilidade: jo de que a família tenha um representante bem-sucedido
11111 11 HiLunção de conflito, um momento de crise, pode, por academicamente, atestado socialmente valorizado d t • u111
_ bom funcionamento do sistema, por outro lado, o c.:011 i i <·<·1
r:x1•111plo, se constituir num desafio gerador de novas e sur­
mento construído fora do âmbito familiar assusLn pt;ln cl 1
l'il'1·1·1HknLcs alternativas de ação ou provocar uma busca
ferença que introduz, diferença esta significada coll\o
rli• t>Hquc1 mas reforçadores de certezas. Um sistema criati­
separação e abandono. É como se, em se tratando de 11111;1
vn i• u rn sistema capaz de construir uma grande variedade
criança, a ela fosse dito: estude, aprenda, cresça, rno.s 11Ctc
d1· nlLernaLivas que favorecem o crescimento.
pense diferente de nós, não saia de perto de sua fam tlia,
O Hi n Loma pode ser visto como a produção mais eficaz
ganhe autonomia somente onde nós a valorizamos.
d!' u111 indivíduo e sua família num dado momento. Aponta
Toda criança nasce com o potencial para desenvolver
p111·�1 umn limitação de recursos ao alcance do sistema, para
sua individualidade a partir de um estado inicial de indife­
u 11111 valorização excessiva de certezas, para um esfumar
renciação. Depende para isso de uma relação ensino-apren­
til- diferenças, para um medo de desorganização de um de­ dizagem que é inicialmente mediada pelos seus pais e pela
terminado funcion,amento. Possui, no entanto, a caracte­ família.
dsLica paradoxal de encobrir uma situação difícil de ser Mas como os filhos podem aprender se os pais não se
�nfrentada e, ao mesmo tempo, revelar a dificuldade do sis­ sentem autorizados a ensinar?
tema ele efetuar tr.,msformações produtoras de desenvolvi­ Padrões de interação familiar são passados através das
mento. Traz conseqüências diferentes para o indivíduo e gerações; pais que se sentem inseguros na relação com os
para a família. filhos são, em geral, pais que não foram autorizados por

142 143
Evelyn Rogozinski Aprenda mas não cresça: uma missão impossível

seus próprios pais a se separarem e constituirem uma nova - valoriza a originalidade;


família. - autoriza experiências e descobertas;
Groisman, Lobo e Cavour (1996, p. 90) desenvolvem o - possibilita a troca do papel de quem ensina e quem aprende;
conceito. de "missão familiar" em que afirmam que cada façam da troca amorosa a tônica do processo ensino-apren­
indivíduo tem "uma determinada inserção no script fami­ dizagem.
liar. Essa inserção lhe conferirá uma missão em relação à
sua família de procriação e, até mesmo, em relação às -res­ e. O processo de aprendizagem situa-se num contex·
pectivas famílias de origem do pai e da mâe". A missão, to trigeracional.
por ser individualizada, tanto pode significar um incenti­
vo ao desenvolvimento dos aspectos singulares de cada inte­ Situar o sintoma na aprendizagem num contexto fami­
grante do sistema familiar, como também pode potencializar liar que abranja pelo menos três gerações tem permitido a
uma patologia, se não puder ser realizada. observação da repetição ou não de determinados padrões
m exemplo pode ser a missão de "preservar a identida­ de ensino-aprendizagem. Em algumas famílias há uma al­
d(' cu!Lural da família", que na hi:Stória de S., 6 anos, fica ternância de funcionamento de uma geração para outra.
.representad.a por uma recusa em alfabetizar-se em inglês, Uma geração muito produtiva pode ser se�,uida de ouLrn
aprendi�agem signficada pela avó paterna como uma trai­ bem menos ativa, que por sua vez, apresenta filhos que rens­
ção à cultura familiar que mantinha todos os outros mem­ sumem o brilhantismo dos avós de uma outra forma. (M
bros �e sua geração em colégios judaicos. GOLDRICK; GERSON, 1985). Há casos em que o modo d
No entanto, D., 10 anos, nascida no Brasil, chorou mui­ neto aprender reproduz muito mais características do avô
to ao se ver obrigada a deixar a escola de língua inglesa, do que do pai.
que dominava perfeitamente. Ela era o elo de ligação com O nascimento de uma criança, principalmente de um pri­
o pai americano, morto quando D. tinha somente 3 anos. meiro filho, não transforma somente a relação de um casal.
/ Quando a relação dos pais com suas famílias de origem Exige uma reorganização que inclui as famílias de origem
está por demais carregada de débitos de lealdade, de mis­
de cada um dos pais dessa criança, já que acrescenta aos
sões não cumpridas, é possível que uma geração mais nova
papéis de pais e irmão, avós, tios, etc. Groisman, Lobo e
se encarregue de saldar dívidas deixadas pelos mais velhos.
Cavour (1996, p. 103) definem como matriz familiar uma
Desse modo confundem-se as fronteiras geracionais, per-
estrutura relacional construída a partir das diversas inte­
lc-sc a autoridade dos pais, estabelecem-se alianças que
rações ocorridas na família de origem e:
n.'to favorecem o crescimento daquele que se oferece como
"ruidndor" dn tradição familiar (veja a história de Rodri­ [...] representa o que foi impresso, carimbado no cor­
po e na mente, enfim no self, e que funcionará, en­
g()) /\s mensngcns relativas à produções que implicam cres­
quanto uma estrutura, como uma resposta interacional
cinwnLo e auLonomia tornam-se ambíguas e, muitas vezes, erri todas as relações presentes e futuras [ ... ].
conLradiLórias.
Uma comunicação clara e direta entre pais e filhos de­ Alicia Fernández (1990) recorta das experiências fami­
pende de padrões de relacionamento familiar que: • liares infantis, cenas paradigmáticas de aprendizagem,

144 145
Evelyn Rogozinsl<i Aprend� mas nao cresça: uma missão impossível

como as referentes a alimentação e a locomoção autôno­ e Angelo (1989, p. 77): "No mito co-existem elementos de
ma, que s.e constituem em referências organizadoras de toda realidade e fantasia que, juntos, contribuem para a cons­
n história de aprendizagem ele um individuo. trução d.e uma realidade. adequàda a suprir determinadas
Ambos' os pontos de vista enfatizam a importância da necessidades afetivas do homem." As famílias constroem
i11Ll'ração individuo-família, desde seu nascimento, na cons­ por consenso explicações que as ajudam a vencer períodos
lrn<.;;10 cio forma como ele se conduzirá em futuras 1ntera­ de incerteza, situações de não-saber, que por repetição se
'tH'R com o meio. Acredito que este seja um fator.importante transformam em mitos, representam soluções ele compro­
;1 ht'I' c:11111-;idcrado quando analisamos uma modalidade de misso. A família encontra a resposta possível para, num de­
1111 t '. I 1gf:11cia de um paciente sintomático. Formas hiperas- terminado momento, lidar com questões que ameaçam a sua
i111il11l.ivns ou hiperacomodativas (PIAGET, 1976) são ge- sobrevivência. "Os homens são mais capazes do que as mu­
1·:tl111v1\l,c• l'ncontradas em individuas pertencentes a famílias lheres" é um exemplo de mito antigo cuja desconstrução tem
w 111 pad roc8 de relacionamento excessivamente aglutinados desequilibrado vários sistemas, inclusive os familiares.
ou distanciados (MlNUCHIN, 1988) e expressam uma reati­ Uma família nuclear tem necessidade de separar-se o su­
vidade elo individuo a comunicações do meio que encontram ficiente das duas famílias que constituem a geração mais
ressonância em es<ruemas deformantes construídos na in­ velha, para poder construir um ponto de vista próprio a p:1r­
fância. tir das negociações entre os saberes herdados. MiLos r,1111ilin­
Enquanto membros de uma família identificamos com res precisam ser descobertos para permitir que num pron.!HHt>
cc·rtn facilidade a forma de ensinar e de aprender de avós, de discriminação o novo casal, ao se tornarem pnis, ])OHHll
p:11H e• filhos tomados isoladamente. Dizemos que o pai é repensar suas histórias de aprendizagem e escolher o que tl<'­
1::di1do, gosta mais de ouvir, que a mãe é autoritária, impõe sejam manter e o que precisa ser transformado.
1111Hl1·lrn,, qne a filha é estudiosa enquanto o filho só pensa Esse processo, que é lento e gradual, adquire uma maior
e111 l1n11car, etc. Dificilmente percebemos que os padrões de operatividade quando a nova família nuclear pode construir
11d.1!rn<.;no da família colocados num sistema de relações em uma autonomia sem perder o contato e a proximidade afe­
11111• o ralar e o falar, o autoritarismo e a passividade, o tiva das respectivas famílias de origem. Algumas famílias,
1'RL11tlnr e o brincar representam_ complementariedades, si­ no entanto, precisam se afastar de suas famílias de origem
tuam-se num plano multigeracional e estão a serviço de para construir essa autonomia. O distanciamento pode ser
LIIIH\ organização familiar que se propõe cumprir funções emocional e/ou geográfico ou ter predominância de um des­
ba8icas de cuidado e de crescimento. ses aspectos. Quando emocional, representa uma reação a
Um homem e uma mulher que decidem viver juntos tra­ um padrão de relacionamento familiar por demais fusio­
,em para a sua união uma bagagem de conhecimentos, um nado. Se for geográfico, como no caso de famílias migran­
dote em forma de um saber, consciente e inconsciente, que tes, implica muita tristeza pela separação e pelas perdas
1 be é transmitido por sua família de origem. Esse "saber" sofridas. Em ambos os casos, o sofrimento pode sobrecar­
familiar é construido através das gerações por mitos que regar a criança que precisa compensar a dor da separação
buscam preencher lacunas de conhecimento. Segundo Andolfi e criar novas motivações ele vida para a sua família.

146 147
Evelyn Rogozinsl<i
Aprenda mas não cresça: uma
missão impossi1 .,1
A questão distanciamento/proximidade das famíl
ias de sendo incorporado sob forma
origem tem se constituído num dos fatores comu de conhecimento, também
ns a mui­ perde as demais alternativas se
tas famílias que apresentam queixa de dificuldade . Impossível aprender tudo
s na mesmo tempo. Ao escrever, ao
aprendizagem escolar. Famílias migrantes, por por exemplo, escolho e jun
exemplo, determinados símbolos que to
costumam ficar emocionalmente indefinidas com permitem a construção de
respeito texto possível de ser entend um
ú interação com o grupo social maior em que vivem ido por outrem . Para isso,
, têm necessário separar-me de tod é
diriculdade em se posicionar claramente em relaç os os outros que não dizem
ão-a cren­
çns n vnlores, uma vez que ficam divididos entre respeito ao sentido que desejo
duas cul­ imprimir a este texto. Esco­
l,111·ns. T '.sLão num lugar, mas desejam estar em lher e renunciar, juntar e sep
1
outro. A arar, ganhar e perder estão
111dl'l'i11içfto dificulta que a familia se recorte estreitamente relacionados.
como grupo Aprender implica, portanto,
1-1n<·11d; 11 f'nlLa de negociação afeta o padrão de suportar esses paradoxos, arr
relaciona- iscar-se a tomar uma deci­
1n<·11Lo interno e com o meio externo. Essa inde são, viver uma incerteza que
finição pode só um "espaço de confiança"
Ht'r representada metaforicamente
por um dos membros da (WINNICOTT, 1975) torna viá
vel.
família que não consegue investir em tarefas que O sintoma na aprendizagem
são con­ fala de uma interferênci1-1
:.;ideradas ''obrigações sociais". A escola, como nesse processo vitalício de con
represen­ strução de limites organiza­
tante da. sociedade, é um campo propício a dores da identidade de quem
esse tipo de aprende. Para escolher é ne
sintoma. A criança ou adolescente aprende cessário perceber diferenças;
bem, mas so­ mais do que isso, é necessário
mente fora da escola. sentir-se autorizado a perceb
er diferenças. Muitas dificu I­
As dificuldades de aprendizagem que surgem dades de leitura e escrita, de
nas séries classificação e seriação, de
de passagem, (classe de alfabetização, 5ª série indiscriminação de tempo e esp
, Ensino Mé­ aço remetem a dificuldades
dio), remetem a dificuldades do processo de sepa de diferenciação que podem ser
ração pais­ relacionados a padrões fa­
filhos. Tem-se mostrado muito produtivo, na miliares comprometidos com a
clínica, situar negação de diferenças.
o entendimento do significado dessas dificulda A família tem, em nossa cultur
des no con- a, de cumprir uma tarefa
texto de três gerações de pais e filhos. A esco paradoxal. Ao mesmo tempo que
la, como insti­ se propõe a ser um refúgio
tLlição que visa à aprendizagem e ao desenvol afetivo que cuida e protege seus
vimento, membros, precisa educá-los
nfoLiza o crescimento dos filhos, coloca uma "para a vida", isto é, tornar cad
exigência de a um de seus membros um
111nLuridndc aos pais e aproxima da velhice individuo autônomo e produtivo
os avós. Traz o
1 e111:1 de• sC'!Htrnção e morte para (MINUCHIN, 1988).
todo o sistema familiar. A forma como a família se incum
be dessa tarefa relacio­
na-se com a forma como ela neg
1. Autonomia e diferenciação são obje ocia necessidades de dif,-­
tivos da famí- renciação e de proximidade afetiva
1 ia (1 e.la aprendizagem. .
Bowen e Kerr (1988) considera
m a família como uma
unidade emocional na qual o
Aprender implica um processo constant pensamento, sentimento e
e de seleção e comportamento de cada memb
escolha no qual, no momento em que se ro contribuem e refletem o
ganha o que está que acontece na família como um
• todo. Quando a interde-
148
149
Evelyn Rogozinski Ap, enda rnas nao cresça: uma missão impossível

pendência afetiva é intensa demais resulta em complemen­ Alicia Fernández ( 1992) nos ensina que a autonomia de
Laridades muito polarizadas, de modo que um comporta­ pensamento indispensável à construção de um terreno fér­
m 0 n to ativo demãis em um provoca o inverso no outro. til para a aprendizagem depende de uma articulação entre o
Penso que um bom exemplo poderia ser o par ensinante­ organismo, o corpo, a inteligência e o desejo de um indivi­
(�xi bicionista/aprendente-i'
nibido tão bem descrito por Ali- duo na interação com outro individuo. Observamos que uma
t'l:t l•'c 1 rnández.
sobreposição excessiva de um desses componentes sobre os
M n n Ler a coesão, a identidade familiar e ao mesmo tempo demais impede uma expressão operativa dessa articulação.
pr1111wver autonomia são funções da família. Numa família Quando um individuo apresenta dificuldade para ler, escre­
11111 il () i n cl irerenciada, coesão se transforma em dependência ver ou calcular, essa dificuldade não é só da ordem do cogni­
quu dt•H11uLoriza a autonomia de pensamento.
tivo, envolve todos os demais aspectos inerentes à ação de
1 1 11 rn poder diferenciar-se de sua família de origem e tor-
conhecer que conferem significado a essa dificuldade.
1 >r11 Ht' 111n individuo original e criativo a criança necessita
É dessa forma que pensamento e emoção precisam ser
p111'Ltl'ipar de atividades dentro e fora da família, conviven­
do rnni diversos grupos que lhe pe:rmitam efetuar escolhas diferenciados para um individuo, para que ele possa ter es­
rn111 relação a crenças e valores. Se, no entanto, os pais colhas e não fique totalmente submetido à tirania de seus
t:1·11Lr�11n todas as suas expectativas no filho oti o sobrecar- • impulsos e afetos. Quando uma família _é cuidadorn demni1,;,
1·1:gn m de Larefas ou funções inadequadas a sua idade, a qualifica em excesso a interdependência de seus rnC'mbroH.
ct in11<.;tt, ao procurar corresponder ao que lhe é solicitado, A identidade familiar adquire um valor muito maior cio qu<·
\11i :tot4 poucos abdicando de um espaço próprio. AB necessi­ a individual e sufoca os ensaios de autonomia. É o que•, <'llt
d11d1•1-1 dn família se sobrepõem às suas e ela deixa de investir certa medida, ocorreu no caso de Rodrigo.
1111H rclnçõcs com amigos, nas atividades extrafamil iares.
1 1,•rd<· l'l1l oportunidades de afirmar e reconhecer sua pró­
p1111 tcl<'nLidadc bem c·omo a dos outros. 3. 3 - História de Rodrigo
Como poderá, no futuro, se tornar um adulto respeitado
t' l'l'HpciLo.dor dos direitos dos outros? Como poderá desen­ Registro aqui a história de Rodrigo no intuito de exempli­
vol vor um pensamento questionador e um senso crítico
ficar alguns dos aspectos discutidos neste trabalho. Impor­
próprio se, na sua família, que constitui sua primeira ex­
tante dizer que, por seu potencial criativo e pela cooperação
periência de socialização, foi ensinado a abrir mão de uma
de todos os envolvidos, este foi um trabalho muito prazeroso
coerência sua e ,�iver não em funç�o _de seus desejos e ne­
que me parece constituir um bom exemplo de como o conheci­
cessidades, mas em função da manutenção da identidade
mento pode circular e favorecer a aprendizagem de clientes e
grupal. Essa criança tende a se desenvolver não sabendo
terapeutas.
dizer do que gosta, não podendo se interessar profunda­
Rodrigo tinha 9 anos quando o conheci. Moreno, magri­
mente por alguma coisa, pensando muito mais em distra­
ções do que em produzir algo que lhe possa dar a satisfação nho, pequeno para sua idade, tinha um olhar vivo e curio­
de se sentir sujeito de seu próprio crescimento. so. Entrou na minha sala com a mãe e logo sentou-se no

150 151
Evelyn Rogozinsl<i
Aprenda mas não cresça: uma missão impossível

sofá coladinho a ela. O pai ocupou uma cadeira um pouco


que ele era olhado e tratado pela família. Dos mais velhos
afastada da dupla. Vieram por indicação da escola, já que
Rodrigo estava ameaçado de repetir a 2-ª série porque não falava-se que eram bastante independentes, tanto no estu­
do corno na interação social com colegas e amigos. Não
consegu.ia acompanhar o trabalho de portugu ês, apesar de
preocupavam em nada, enquanto Rodrigo preocupava em
ter já repetido a 1n série e ter feito um tratamento fonoaudio­
quase tudo: estudo, hábitos de vida, relação com amigos.
lógico durante 2 anos. Mostrava-se excessivamente agressi­
Os pais mantinham sempre a maior distância possível,
vo no relacionamento com os colegas e a pr_ofessora dizia
entre eles e os filhos. Jorge, o pai, dominava a conversa,
LN esgotado seus recursos para lidar com ·ele em sala de
respondia por todos. Maria, que parecia sempre meio iso­
auln.
lada do grupo, a nosso pedido, relatou um pouco de sua
Na avaliação inicial de Rodrigo, aconteceram sessões ·
história de vida: quando tinha 3 anos, sua mãe saiu de casa
individuais e sessões com a família. Tive uma primeira
(interior de Minas Gerais) levando ela e dvàs irmãs maio­
bscrvação de sua escrita a partir de seu material escolar,
res. Do pai, só sabia o nome. Foram morar com a irmã da
pois ele se recusava a escrever qualquer coisa. Verifiquei
mãe,. que era caseira de uma casa de campo no Estado do
que trocava, repetia e omitia letras: pescascar (pescar), ci-
Rio de Janeiro. Eram muito pobres. Os donos da casa aju­
. cou (ficou)'.peu (deu). Percebia os erros e era capaz de corri­
daram-nas colocando as meninas na escola',!, como era tnn
gi-los oralmente. Os textos (redação com tema livre) eram
çasal de mais idade, com filhos criados, apegaram-::;o ú
muito pequenos, não mais do que 3 ou 4 frases, mas, con­
Maria, que era a caçula. Com o tempo, Maria foi sendo ado­
ve_rsando com ele, constatei que não eram só curtos, eram
tada pelos patrões a quem chamava de avós e acabou sendo
sintéticos: resumia corretamente histórias bastante ela­
educada num meio social completamente diferente do seu
boradas. Durante as primeiras sessões, pude verificar tam­
de origem. Formou-se em arquitetura, enquanto as irmãs
bém que seu nível de pensamento situava-se acima do
não conseguiram ir além do primeiro grau. Quando os pais
esperado para sua idade. Suas idéias eram muito criativas,
de criação adoeceram, foi ela quem cuidou deles. Com a
mas quando se propunha a colocá-las em prática, o resul-
morte destes, Maria perdeu o contato tanto com a sua fa­
. tado não correspondia à sua expectativa. Elaborava pouco
mília de origem (já que deixara de freqüentar a casa de cam­
qualquer tarefa, mostrava-se impaciente por terminar e,
po) como com a família adotiva que a rejeitava. Seu casamento
em geral, ficava frustrado.
com Jorge não ia bem, mas como pensar em separação se não
Nas entrevistas familiares, em que trabalhei em co-te­
tinha nenhum outro grupo de pertença, a não ser o de sua
rapin com Manica Lobo, observamos dados interessantes
família nuclear?
�obre n dinâmica familiar. Os irmãos mais velhos senta­
Por seu lado, a família de Jorge era uma verdadeira fa­
vnm-sc, cm geral, mais junto ao pai, enquanto Rodrigo os­
mília baiana: alegre, barulhenta, aglutinadora, que tinha
cilava: ora brincava perto da mãe, ora sentava-se junto aos
na mãe, avó de Rodrigo, a figura de autoridade. O pai, mé­
irmãos no sofá. Às vezes brincava sozinho numa mesa, um
dico, nunca se envolvera muito com nenhum dos nove fi­
pouco afastado de todos. A diferença de tamanho entre
lhos. Morrera cedo. Jorge, do grupo dos mais velhos, teve
Rodrigo e os irmãos era tão grande quanto a diferença com
que cuidar de si mesmo muito cedo e ainda ajudar a cuidar

152
153
Evelyn Rogozinsl<i Aprenda mas não cresça: uma missão impossível

dos irmãos. Na família de J·orge, desde a geração de seus pecialmente dolorosas: Maria/Jorge, Maria/família de ori­
::tvós, havia brigas por causa de heranças e Jorge já havia gem, Jorge/irmãos.-
RC desentendido com vários irmãos por esse motivo. Durante o ano e meio em que atendi Rodrigo, ocorreram
Os q'ue compartilhavam de seu ponto de vista freqüen­ sessões individuais, que após alguns meses ,passaram a ser
l.11v.1m assiduamente a casa de Jorge. Nessas ocasiões, era grupais, e sessões familiares mensais. Nas sessões indivi­
Mmia que cuidava, sozinha, do conforto e bem:estar das duais e de grupo, trabalhei com ele a sua modalidade de
v11-nLns assumindo uma carga enorme de tral;>alhos domés­ aprendizagem, procurando facilitar uma negociação en­
Lil·,1:-., nlém de continuar ajudando a Jorge rio seu trabalho tre (1) o seu ponto de vista e a resistência dos objetos que
profissional. Sua vida voltava-se para servir aos outros; não lhe "obedeciam" e (2) o seu ponto de vista e o de seus
pnrvcia esquecida da moça inteligente, estudiosa, rodeada ·. colegas.
de• umigos de sua época de estudante na faculdade. As sessões familiares foram, aos poucos, permitindo um
De acordo co1h o relato da família, esse padrão começa­ · entendimento do significado da aprendizagem para a famí­
ra a delinear-se por volta dos dois anos de Rodrigo, época lia. Uma abertura importante ocorreu numa sessão em que
m que a invalidez da mãe de criação fez com que esta pas- Mônica e eu propusemos um jogo no qual a família, a nos­
. sasse a morar com eles até falecer alguns anos depois. Ro­ so pedido, dividiu-se em dois grupos. Deram a esses grnpm;
drigo cresceu sob os mimos e cuidados de três mulheres os nomes de "grupo dos caseiros" e «grupo dos aLivos". O
que viviam dentro de casa: sua mãe, a mãe de criação de primeiro incluía Maria e Rodrigo, o segundo, Jor.rrc, /\11dn•
Mnria e a enfermeira desta. Enquanto os irmãos tinham e Jorgina.
111il o.Lividades e acompanhavam o pai em seus passeios, Refletindo sobre esses títulos, reconstruímos u 111 puucu
ltndrigo ficava entre a escola e a casa, brincava sozinho, só da história da família. Foi ficando evidente o quanLo 11 en­
don111n depois que a mãe fosse dormir. Freqüentemente ia trada na adolescência de André e Jorgina ameaçava a orga­
1111 rn II cama dos pais à noite: dizia que sentia dor (não nização familiar colocando-os diante de mais uma separação.
IIH'dO). Trabalhamos com a hipótese de que, diante de um momento
'l'odos os anos, os três irmãos passavam as férias de ve­ no ciclo evolutivo da família, em que a crescente autonomia
rno na fazenda da avó paterna e lá se encontravam com dos filhos exigia novos padrões de relacionamento que pu­
uma grande quantidade de primos. Tinham assim uma con­ dessem garantir a todos uma postura mais diferenciada,
vivência grande com a família paterna e quase nenhuma Rodrigo cuidava da integridade familiar fazendo parceria
com a família de Maria. Este ficava restrio à visita anual com a mãe e "recusando-se" a mostrar seu verdadeiro nível
da avó materna que vinha do sitio para passar o Natal no de competência.
Rio de Janeiro. Há vários anos que não i�m visitá-la. Uma Aprender a acomodar-se às exigências escolares, tornar­
das irmãs de Maria trabalhava como auxiliar no negócio se mais independente, significaria um crescimento que po­
de Jorge mas não costumava freqüentar a casa. ria em risco o casamento dos pais e implicaria abandono
A situação da família apresentava-se cheia de conflitos de sua aliança com Maria. Seu sintoma denunciava a situa­
não resolvidos, que remetiam a situações de separação es- ção de "esquecimento" da família de origem de Maria, os

154 155
Evelyn Rogozinski Aprenda mas não cresça: uma missão ímpossi,ie,

caseiros que mal sabiam escrever e ocultava o conflito, já 3.4 - Considerações finais
que, por causa de sua dificuldade, todos se uniam para aju­
dá-lo. Procurei enfocar neste trabalho alguns ;:ispectos da co­
No de.correr do tratamento, a família pôde tomar cons­ municáção, organização e funcionamento da família que,
ciência dessa situação e efetuar algumas mudanças nos seus nó meu entender, estão relacionados com as possibilidades
padrões de relacionamento que fizeram com que os ativos de desenvolvimento de uma autoria de pensamento essen­
pudessem ser um pouco caseiros e os caseiro_s se tornas- ciais a um processo de aprendizagem construtor de experiên­
1-1c·111 mais ativos. Rodrigo sentindo-se liberado de ter de cias multiplicadoras de alternativas de vida. Acredito que
c•:-.rnlhrr cnLre ser "ativo" deixando de ser "caseiro" pode a inclusão do ponto de vista sistêmico no tratamento psi­
inVC':-;Lir na escrita, atividade central da escola. Recomen­ copedagógico torne complexo sobremaneira a questão do
cl11mos uma aproximação da família dé origem de Maria, problema de aprendizagem visto da perspectiva do indiví­
que não ocorreu, mas que a motivou a buscar uma terapia duo que não aprende, desarrumando questões teórico-prá­
individual. ticas já bastante difíceis de serem elaboradas, como a d<
O crescimento de Rodrigo foi espantoso. Fisicamente especificidade da psicopedagogia, do papel do psicopedagn­
d_eixou de SE\F um menino franzino. Passou a praticar es­ go, do sintoma na aprendizagem, etc.
portes, ganhou força e altura. Tornou-se um lider entre os Mesmo que didaticamente seja possível recortar a iníluên­
colegas tanto do grupo de atendimento psicopedagógico, cia da família no comportamento de um de seus membros "
c01µ0 o da escola, resolvendo as confusões que surgiam de a influência deste na família, a ação e atua.ção psi.copeda­
forma 'democrática. Apesar de não ter sido, em nenhum gógica, vista de uma perspectiva sistêmica, passa a sofrer
momento, focalizada, a escrita se desenvolveu o suficiente uma exigência de simultaneidade, de coordenação de fato­
res associados entre si de diversas maneiras, que proble­
para garantir sua passagem para a 3ª série, embora o texto
matiza o tratamento e põe em evidência a circularidade das
ainda necessitasse ser trabalhado.
múltiplas relações implícitas no ato de aprender. Nessa
/
ótica, as explicações do tipo "Joãzinho não aprende mate­
mática porque é disperso" ou ''Joana tem nota baixa em
português porque não sabe interpretar o texto" aparecem
81 como muito simplificadas. Sem dúvida, descrevem o com­
portamento observado, mas reduzem a problemática de
Joãozinho e Joana de tal maneira, como se da história de
Cinderela apontássemos somente o fato de ela não prestar
atenção na hora e se ver surpreendida pela meia-noite.
O trabalho com Rodrigo e sua família não só reforçou o
meu prazer em experimentar novas formas de atendimen­
to, como. também me levou a refletir que reconquistar o
Jorgina ' prazer de aprender pode significar:

156 157
Evelyn Rogozinski

- incorporar antigas histórias de modo que elas possam


cmbasar a busca de novos objetivos de vida;
IV
onhccer a missão designada por sua família e sentir-se
no direito de reelaborá-la em termos próprios, livre de
1·1ilpns e conflitos de lealdade;
1:1H·:11·nr dificuldades e obstáculos como oportunidades en­
l'iqucrecloras da nossa modalidade de aprender;
• l'l'Lo111ar n Larefa de aprender e crescer desafi�ndo os limi­
APRENDENDO EM FAMÍLIA 1
l 1·H dn llOSSa liberdade de escolha.
Mônica de Viq Silva Lobo
Referências bibliográficas

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Por Lo Alegre: Artes Médicas, 1989.
J\N DOLFI, M.-et al. Por trás da máscara família,: Porto Alegre: 4.1 - Introdução
Artes Médicas, 1984.
BOWEN, M.; KERR, M. E. Family eualuation. New York: W W Por que escrever sobre este tema? Para mim mcsmn?
Norton & Company, 1988.
Para poder organizar meus pensamentos, me disLnncwr
l<'l•:RNÁNDEZ, A. A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artes
M1•d1c·118, 1990. deles, poder compartilhá-los para, então, novamente i 11c:or
<11<01�MAN, M.; LOBO , M. V.; CAVOUR, R. M. Histórias porá-los transformados e acrescidos de olhares e imagens'.
ti, 11111(1/i,·r,s. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos , 1996. Para as pessoas que como eu escolheram família e apren­
M< '( :C)l,DRICK, M.; GERSON, R. Genograms infamilyassessment. dizagem como prática e reflexão. Será que meus primeiros
NPw York: W W. Norton & Company, 1985. ensinantes marcaram de tal forma minha história de apren­
MI N l J C l llN, S. Famílias, funcionamento e tratamento. Porto Alegre: dizagem que não consigo dissociar família de aprendiza­
/\1fos Mcidicns, 1988.
l' IA(: l•�'J: J. A equilibração das estruturas cognitivas. Rio de Janeiro: gem?
Zall nr, 1976. Pensar em modalidade de aprendizagem é pensar em apren­
WlNNICOTT, D. W q brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, der junto? É pensar em·ouvir e calar? É pensar em esperar e
L975. falar, acertar e errar?
Pensar em aprender junto é se sentir bem errando ou
Referencias complemê:r'itàres acertando? Ouvindo ou falando? É poder brincar, arriscar
e descobrir?
FERNÁNDEZ, A. La};exualidad atrapada de la sefiorita maestra.
Buenos Aires: Ediciones Nueva Vision, 1992.
PIAGET, J. Psicologia da inteligência. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. 1
Este trabalho foi escrito originalmente como monografia para o curso de
RAPIZO, R. Terapia sistémica de família. Rio de Janeiro: Instituto Especialização em Psicopedagogia do EPSIBA, Buenos Aires, 1997.
Noos, 1996.

158
Mónica de V1q Silva Lobo Aprendendo em família

Quando volto atrás, buscando entender minha modali­ dos que escreveram em mim. Escrevo para todos aqueles
dade de aprendizagem familiar, vem à minha lembrança que tem curiosidade sobre si mesmos e sobre os seus. O
uma mãe exigente e um pai confiante. Exigente demais tal­ que está escrito é meu e de todos aqueles que permiti que
vez, na 'insegurança de querer certezas. Confiante demais, escrevessem em mim. Falo de mim e deles, -por mim e por
talvez na segurança de que não existem certezas. Não sei eles.
se esta dualidade, esta ambigüidade, minha pouca idade...
mas minha entrada na aprendizagem formal não trouxe
alegria nem prazer. Era difícil dar conta de tantas diferen­ 4. 2 - Aspectos teóricos da modalidade de
çns. Se cu relaxasse, caía se tentasse correr atrás... tam­
h1•rn ncubava caindo. De tropeção em tropeção acabei repetindo
aprendizagem familiar
n nno e snindo do colégio!
Trabalhar com crianças com problemas de aprendiza­
'olo ela vovó, laranjas, novelas... sabedoria ou ignorân­
gem e suas famílias me chamou atenção porque tantas crian­
cia? Não sei! O que sei é que comecei a aprender de novo,
nada de contas ou letras. Bordados, costuras, artes culiná­ ças escolhiam a área da aprendizagem para construir um
·rias. Olha que bem-feito você fez! Este não está bom, tente sintoma, principalmente aquelas que possuíam uma com­
de novo] Precisa de ajuda? petência intelectual mais desenvolvida.
À noite, durante o jantar, as charadas do vovô excita­ O problema de aprendizagem a que estou me refcrind
vam o pensamento e faziam acreditar que pensar era algo não significa aqueles decorrentes de propostas pedagógi­
que dava muito prazer. Acredito que nesta casa, a casa dos cas inadequadas ou causados por dificuldades funcionais,
meus avós, comecei meu primeiro tratamento psicopeda­ mas aqueles, como diz Alícia Fernández (1990), decorren­
gógico. Pude inventar, criar, acertar e errar. Começar e re­ tes da superposição do afeto à inteligência de modo que esta
começar. Qual seria a modalidade familiar? perca sua operatividade e funcionalidade.
Hoje tento descobrir que forma é esta que algumas fa­ Para entender melhor esse caso, procurei pesquisar o con­
mílias têm que facilitam ou dificultam o aprender? O que texto em que essa criança está incluída uma vez que o ser
seria essa modalidade de aprendizagem familiar? Existi­ humano é o único animal que para se constituir como tal
ria uma forma familiar de incorporação e apropriação? De depende de outro ser humano. Esta condição particular im­
que se constitui? Seria um pano de fundo para a constru­ plica o paradoxo de pertencer à sua família e ao mesmo tem­
çfw de uma modalidade individual? Que fatores concorrem po individualizar-se (GROISMAN; LOBO; CAVOUR, 1996).
para construção dessa modalidade? Assim a família é o espaço inicial no qual se desenvolvem as
Paro. Releio o que escrevi . Esta é a minha forma de mos­ primeiras experiências e aprendizagens.
trar? Ou será de incorporar? Qual a participação de uma Aprendi que no processo de aprendizagem, muito mais
modalidade familiar na minha forma de mostrar? do que o conteúdo a ser ensinado, está o modelo relacional
Gosto do que escrevi? Creio que sim . Escrevo para aju­ que se imprime sobre a subjetividade de quem aprende.
dar a orgànizar minhas idéias. Escrevo por gratidão a to- (FERNÁNDEZ, 1995) Nessa relação estão mseridas as ex-

160 161
Mónica de Viq Silva Lobo Aprendendo em família

ERLING et dade e possibilitar o crescimento individual de cada um de


pectativas e delegações de várias gerações (STI
(BOWEN,
ai., 1981) assim como as projeções dos pais e avós seus membros. A mobilidade dessas funções vai depender
1978) do grau .de diferenciação do grupo familiar (BOWEN, 1978),
as coi­
Esse modelo relacional, é responsável, entre outr isto é, da possibilidade de individuação de cada membro sem
de mod alida de de ameaça à identidade familiar. Consideramos um sistema fle­
Hns, pelo que Alicia Fernandez chama
operar de
:1pn•ndizngem individual, se refere à forma de xível quando ele pode alterar seu próprio equilíbrio· de modo
de da rela-
rnda indivíduo ao'buscar conhecimentos, depe_n que a relação entre suas funções e a individuação de seus
no posicio-
1;:io vn Lrc quem ensina e quem aprende e se reflete membros possa ser alterada diante das necessidades exter­
de seus pens amentos, nas ou internas (ANDOLFI et al., 1984). No seu processo
1111 nwn Lo do sujeitp diante da autoria
ficati­
n11Lorin esta que será facilitada por ensinantes signi de desenvolvimento a família vai lidar com duas tarefas
produzir o
voH e que é observada no modo de descobrir e em si mesmas paradoxais: manter-se coesa para garantir a
em que da
novo. Assim há um.a via de mão dupla na medida proteção de seus membros e ao mesmo tempo facilitar as
xto, ele
mesma forma que:a família insere o sujeito no conte diferenças individuais para permitir que os filhos um dia
buscar co-
também se insere, autorizando-se :a pensar e a possam desligar-se delas e constituírem suas próprias fa­
nhecimentos. 1,. mílias
a mos­
Essa :i:nodalidade vai depender de como quem ensin Enquanto um sistema, para dar conta dessas funço<'8, a
que quer
tra aquil� que sabe e como quem aprende olha o família desenvolve padrões particulares de funcionnnw11(,o
bili­
conhc,cer (FERNÁNDEZ, 1990). Nesse sentido a possi entre si e com o meio externo (MINUCHIN; F'l811Mt\N,
olhada,
clncle e as diferentes formas de a família olhar e ser 1984)_ Nesse sentido ela constrói uma forma particular (1,,
para a
111osLrnr e mostrar-se seriam aspectos relevantes se comunicar, de se apropriar do conhecimento e de se or­
iar
1·011Htruçáo de uma modalidade de aprendizagem famil ganizar construída a partir da sua história e dos mitos familia­
N :i construção dessa articulação entre a dificu ldade da res e da interação das matrizes familiares2 de cada um de
exem­
i:r 1:u1çn aprender e sua família procurei entender e seus membros (LOBO; ROGOZINSKI, 1994). Observamos
e famil iar,
pl 1f'icnr os aspectos relativos a essa modalidad que em relação à aprendizagem, precisamos dar especial aten­
iar,
1HL0 6, ela forma de incorporar e mostrar do sistema famil ção aos padrões que dizem respeito às possibilidades de
elece a pri­ acomodação ao meio externo. A forma de incorporar e trans­
uma vez que é a partir da família que se estab
de
meira relação ensino-aprendizagem, ponto de partida mitir, que estou chamando de modalidade de aprendizagem
todo ser humano para construir e construir-se. familiar, é observável nas situações que implicam um nível
Para falar de uma modalidade de aprendizagem familiar, novo de organização. Ela será a responsável pela busca de
parto do conceito de que a família funciona como um siste­ resolução de situações-problema, uma vez que nesse momen-

ma, uma totalidade, diferente da soma dos modos indiv 2
Conceito desenvolv.ido por Groisman, Lobo e Cavom· (1996), no livro História
cada um exerc e
duais de operar de seus membros, em que dramáticas, que significa urna estrutura que se organiza do momento do
.
uma função (WATZLAVICK, BEAVIN; JACKSON, 1981)
nascimento .até a adolescência, funciona corno uma resposta interacional em
todas as relações presentes e futuras e será responsável pela maneira particu­
garan tir a sua ident í-
Essas funções são distribuídas para lar de cada um decodificar o mundo.

162 163
Mónica de Viq Silva Lobo
Aprendendo em família

to há necessidade de descobrir e produzir um comportamento primeiro telefonema também pode ser incluído na observa­
novo (LOBO; ROGOZINSIU, 1994). ção uma vez que o- membro da família que faz o contato é
Nas famílias com crianças com problemas de aprendiza­ representativo da dinâmica familiar e sua modalidade é ser
gem, temos observado que os membros encarregados de "cui­ um indicador do funcionamento dos demais . .Serão classifica­
dar " da família, de manter a identidade e a coesão do gTupo dos a partir dos critérios escolhidos, isto é, a comunicação, a
familiar abrem mão da sua autonomia de pensamento, da organização e os esquemas de ação.
possibilidade de desenvolvimento de sua individualidade, de Por comunicação refiro-me ao tipo de informação e co­
diferenciarem-se do gn.1po familiar (BOWEN;-1978), e uns tor­ nhecimento que é privilegiado e repetido dentro da família. O
nnm-sc pouco criativos e estereotipados e outros, fantasiosos· que falam, de que falam, como falam; como circula o conheci­
l' com dificuldade de se ligar à realidade. A pesquisa das mo-·
mento dentro da família e com o mundo externo; como lidam
dalidaclcs familiares dessas crianças poderia ajudar a enten­ com o que não pode ser falado ou mostrado; como valorizam
clur de que maneira elas recebem e devolvem as informações, e desvalorizam o que sabem e o que não sabem.
faciliLando um trnbalho terapêutico que levasse em conta sua - Em termos de organização destacarei aspectos relativos
possibilidade de aprender. às funções que interferem na aprendizagem, mais especifica­
É a pm,-tir dessas famílias e de seus filhos com dificuldades mente às de ensinante e aprendente, cuidador e promotor de
de aprenclizagem que fui pesquisar indicadores que me possi­ autonomia, observador e explorador; a flexibilidade ou rigi­
bilitassem identificar e entender suas modalidades. Foram dez quanto à possibilidade de troca de papéis e o quanto essa
_inferidos a partir da dinâmica e das formas de organização organização se repete através de gerações e se reproduz no
fanÜliar, dos padrões de comunicação e dos esquemas de ação relacionamento com o meio externo.
decorrentes dos mesmos. Esses critérios foram escolhidos a Quanto aos esquemas de ação que englobam os itens
partir da minha observação e prática clínica e nas conversas
anteriores, observo a utilização de recursos existentes e a pro­
que tenho tido com minha companheira de trabalho, de dúvi­
babilidade de a família recorrer a recursos alternati vos (a
das e de questionamentos, Evelyn Rogozinski. Procuramos,
forma como buscam a terapia é um exemplo) e a forma como
por meio do levantamento e da descrição de situações em que
lidam com diferenças, se as incluem ou excluem, incorporam,
possamos observar esses indicadores, uma maior compreen­
aceitam ou negam e que vão se refletir na construção de um
são das possibilidades de transformação e incorporação do
espaço para novas alternativas de pensamento, em termos de
conhecimento pelas famílias ou em outras palavras de seu
autonomia e autoria.
processo de aprendizagem.
Esses indicadores foram levantados a partir da avaliação
í'amiliar na situação de aprendizagem, que está incluída na
minha modalidade de trabalho. Essa avaliação consta de mo­ 4.3 - Aspectos clínicos da modalidade de
mentos individuais, em geral duas sessões, e de momentos aprendizagem familiar
familiares, que são as sessões que vou utilizar para observar
a modalidade familiar e que consistem na primeira entrevis­ Para concretizar passo agora a relatar, a partir de re­
ta e na sessão de toda a família. É importante assinalar que o cortes de seções de avaliação de três famílias, exemplos obje-

164 165
Mõnica de Viq Silva Lobo
Aprendendo em família

tivas, que permitem o levantamento de algu mas hipóteses Bruno é o segundo filho. Tem uma irm.ã dois anos mais
em relação à modalidade de aprendizagem familiar. velha que já aprese·ntou certa vez alguma dificuldade na
escola, mas conseguiu superar com a ajuda da mãe.
Família A
À primeira entrevista estão presentes Marta, seu mari­
do Felipe e Bruno. Felipe começa a falar enquanto Marta e
Genograma Bruno mantêm-se calados quase o tempo todo, sem inter­
romper nem contestar nada do que Felipe expõe. Fico sa­
bendo que o casal demorou 15 anos para resolver ter filhos
com o objetivo de garantir as melhores condições de educa­
ção e cuidado para ambos. Até o nascimento dos filhos Marta
havia trabalhado com Felipe, ambos dividiam um escritó­
-rio de advocacia. Após o nascimento de Renata, Marta in­
terrompeu o trabalho e, segundo Felipe, ainda não acreditam
Fi,lipc
Advogado
51 que as crianças possam dispensar sua presença em casa e
por isso não foi possível retornar à vida profissional. Felip
fala da sua irritação com a escola por não estar
Rcnata
do lidar com as dificuldades de Bruno. Do seu ponto ele v1Hl.11
o fato de uma criança tão inteligente não estar aprendc11do
a escrever corretamente só pode ser problema da escola. Mnr ·
ta nesse momento arrisca falar de sua preocupação com n
desorganização e dispersão de Bruno em casa, muitas vezes
M nrta telefona por indicação da escola, relatando que seu ele pára o que está fazendo pela metade, esquece de comple­
filho Bruno, de 10 aiios, apesar do bom nível de inteligência tar o dever de casa e se ela não o ajuda esquece e perde suas
nprcsentado verbalmente, está com muitas dificuldades em coisas . Felipe interfere dizendo que isso é apenas o produto
m unicação e e:x:pressão, apresentando um desempenho da falta de disciplina que ela não consegue impor aos fi­
condizente a pelo menos duas séries abaixo da sua idade cro­ lhos. Quando criança, ele também foi vítima de reclama­
nológica. A escolà o havia aprovado nos outros anos em fun­ ções semelhantes e, só depois de freqüentar uma escola
ção do bom resultado apresentado em outras áreas, mas à suíça, conseguiu se organizar. No caso dos filhos sempre
defasagem na escrita e na leitura estava se acentuando e se pensou que isso não seria necessário, pois acredita que a
não fosse solucionada o impediria de prosseguir. Marta está escola o distanciou elos pais e não gostaria que o mesmo
muito preocupada com a possibilidade de reprovação princi­ acontecesse com seus filhos.
palmente pela reação do marido que não admite a hipótese. Quando pergunto o que ele espera dessa avaliação, diz
Apesar de a escola vir assinalando essa dificuldade há pelo que uma vez que a escola havia feito a indicação, ele acre­
menos um ano, só agora resolve procurar ajuda. ditava que eu conseguiria ajudar Bruno a superar suas cli­
ficuldades e a evitar que ele fosse reprovado.
166
167
Mónica de Viq Silva Lobo Aprendendo em família

Nas sessões individuais percebo que Bruno tem ótimo acontecendo, está se retraindo cada vez mais de situações
funcionamento intelectual. Na escrita apresenta muitas em que seu baixo desempenho fique evidenciado, o que faz
trocas, junta palavras e na leitura é muito lento. com que. ele aprenda cada vez menos nessas áreas. A par­
Na se'ssão conjunta com a presença de Bruno, Renata e tir da dificuldade quanto à questão de virem à primeira
seus pais, proponho que desenhem em conjunto a casa de- . devolução, pergunto o que os fez voltarem depois de tanto
les. Felipe toma a iniciativa e faz o contorno da casa divi­ tempo. Marta diz que a escola os chamou novamente, e en­
dindo-a internamente e atribuindo a cada um dos membros tão Felipe ficou preocupadíssimo e queria resolver o pro­
da família o espaço onde deveriam desenhar. Os demais blema imediatamente. Diz também que essa prepotência de
membros da família concordam e iniciam cada um sua par­ Felipe a incomoda muitas vezes, principalmente quando se
i.e, à cxceGãO de Renata que consegue negociar com o pai e volta para os filhos. Quando isso acontece, Bruno nunca
dc'srnhnr não apenas o que ele havia delimitado mas am­ argumenta e ela acaba ficando na interseção dos dois com
plirtr sua participação para a cozinha e a s·ala de visitas, medo que Felipe seja muito duro com Bruno. Levanto a hi­
que originalmente havia sido determinado à Marta. Os pótese de que a aliança entre Marta e Bruno é alimentada
outros ficam restritos ao espaço delimitado pelo pai. Bru­ pela atitude autoritária de Felipe, mantendo Marta ocupn­
no detalha 'minuciosamente o seu quarto e Marta aceita a da com o cuidado dos filhos, sem questionar a volta à vicln
entrada-de Renata sem contestar. A dimensão espacial uti­ profissional. Felipe diz que nunca tinha ·pensado sobre esHt'
lizada pelos pais e Renata é a mesma, desenham a casa vis­ aspecto, que não se sente bem com isso e que gostaria ele
ta de ,cima. Bruno parece não perceber o ponto de vista da estar mais próximo de Bruno. Indico atendimento indivi­
família e desenha visto de frente. Ao final da sessão Felipe dual e familiar. Marta e Felipe concordam com a avaliação
mostra-se muito irritado com esse fato, enquanto Marta e aceitam a proposta de atendimento.
fala assustada do que ela chama de "as dificuldades" de A partir dessas três entrevistas, podemos levantar al­
Bruno. gumas hipóteses em relação à modalidade de aprendizagem
Na entrevista de devolução, marcada para os pais e Bruno, da família de Felipe e Marta.
· eles não comparecem nem avisam. Três meses depois o casal
aparece no consultório sem hora marcada desculpando-se pela Em relação à comunicação
falta e pedindo, de forma bastante incisiva, que fossem aten­
didos imediaLamente, pois estavam com urgência. Como isso As informações são trazidas a partir do ponto de visLa
nfto foi possível, aceitaram voltar dois dias depois. de um só. Dentro do ambiente familiar, o pai tem a preva­
Na devolução, afirmo que eles têm uma avaliação real lência do saber. Os demais têm pouca autonomia para ex­
:m relação à inteligência de Bruno. Ele é uma criança mui­ pressar suas próprias opiniões, com exceção de Renata que
Lo inteligente, mas que não está conseguindo mostrar sua está conseguindo negociar seu ponto de vista. Os conheci­
capacidade principalmente em relação a conteúdos da es­ mentos adquiridos por Marta e Bruno ficam pouco valori­
crita. Digo que esse aspecto está trazendo sofrimento a zados, não há conscientização de que cada um tem um saber,
Bruno, que por sua perspicácia em se dar conta do que está e conseqüentemente não há troca. À medida que Marta ten-

168 169
Mônica de Viq Silva Lobo Aprendendo em família

La neutralizar a forma diretiva e autoritária de Felipe, mas depois ampliá-la. O mesmo esquema ocorre na entrevista
sem colocar sua opinião, há uma cristalização na circula­ de devolução, somente depois que reforço o ponto de vista
ção do conhecimento entre os membros da família. da família a respeito da competência de Bruno, é que surge
Em relação à escola, o padrão que funciona dentro do sis­ a possibilidade de entrada de informação nova no sistema
t.1• mn se repete. �ão há possibilidade de troca de conheci- de que existem dificuldades na dinâmica familiar que po­
11w11Lo, ou é a família que sabe ou é a escola. Se o conhecimento dem estar interferindo no desempenho de Bruno.
dD outro 6 visto como ameaça ao próprio conheGimento, ele é De um modo geral, existe uma forma de pensar que deve
d1•Hq11nl1ficudo ou negado. ser compartilhada por todos sem questionamentos. A fa­
lha está sempre no outro, na professora, responsabilizada
1,; m relação à organização pela falta de atenção de Bruno, na escola e em Marta, res­
ponsabilizada pelo baixo rendimento nos deveres de casa.
As funções mantêm-se rígidas, dicotômicas, sem troca de
papéis, com permanência desse mesmo padrão na troca com
o meio externo. F1)ipe mantém-se ria função do quem sabe o Família B
que é melhor para todos, enquanto os outros assumem o
papel de.quem não sabe. Renata é quem demon·stra a possi­ Genograma
bilidade de mudança do sistema, enquanto Bruno com seu
sintoma é o porta-voz da família para comunicar sua for­
mn ele guardar e expor sua dificuldades.
l•�1n relação à estrutura hierárquica familiar Marta fica
1111111 111 vc' 1 semelhante aos filhos em relação a Felipe, colo­
c1111 do H<' como aquela que não sabe.

Angela
Em relação aos esquemas de ação do Lar

Cada um dos membros da família só pode ter uma fun­


ção. Marta é dona de casa ou profissional, Felipe é advoga­
do ou pai.
Pedro Roberto Marcos Fábio
As diferenças são excluídas cõhi'o;i âÍÍiea'çadoras vistas
Economista Economista
c omo faltas, desqualificadas ou neutralizadas. A relação
entre Felipe e Bruno é intermediada por Marta por medo
de confronto. Para uma informação ser aceita é preciso que Angela pede uma avaliação psicopedagógica por suges­
se parta do ponto de vista da família, como no exemplo de tão da escola. Seu filho Marcos, de 6 anos de idade, não
Renata que aceita a determinação de tarefas do pai para está conseguindo acompanhar o ritmo da turma. É sempre


170 171
Mónica de Viq Silva Lobo Aprendendo em tamilia

o último a acabar, ficando muitas vezes sem fazer as tarefas. nega, diz que o problema é dela, ele já tem os negócios dele
Em casa ela observa o mesmo comportamento desligado e para dar conta; ela é bagunceira, desorganizada e atrasada.
lento. O que a intriga é que o que ele consegue fazer é de óti­ Se Angela se organizar, as crianças certamente vão poder pro­
ma qualidade, o que a faz supor que não é por dificuldade com duzir bem, é que não resolver as coisas que são dela. Enquan­
a tarefa que ele demora a fazê-la. Marcos é o terceiro de qua­ to eles discutem Marcos deita-se no sofá e parece dormir. Antes
tro irmãos. Existe uma enorme diferença de idáde entre os disso, manteve-se aparentemente afastado do assunto, dese­
dois primeiros, de 28 e 25 anos, e Marcos e o caçuJa que tem 4 nhando no quadro, olhando um livro e brincando com um jogo
anos. O pai, nas palavras de Angela, deixa a seu encargo a de construção, sem muito entusiasmo.
questão dos menores e se ocupa com os dois mais velhos que Na sessão da família vêm todos, Angela, Oscar, Pedro (28),
trabalham com ele. Roberto (25), Marcos e Fábio (4). Os irmãos mais velhos tra­
Na primeira sessão comparecem Angela, seu marido Os­ tam os menores como filhos mandando-os a todo momento
car e Marcos. Marcos é uma criança grande, desajeitada e se comportarem-se e sentarem-se direito. Os pais não interrc­
comporta como uma criança menor, mexe em tudo, fala tati­ rem. Pedro é da mesma opinião que Oscar culpabiliza a nia 11
bitate. A todo momento Angela manda-o se comportar dizen­ com a qual tem, segundo ele, muitos atritos. Roberto uchn
do: "Fica direitinho filhinho." Oscar não fala nada, limita-se graça nas "enrolações" de Angela, sempre atrasada, aLrnpn
a observa,r. Angela diz que a decisão de terem mais filhos de­ lhada e pensa que não adianta discutir por isso. MarcoH <'
pois de quase 20 anos foi do casal, diante da sensação de vita­ Fábio alheios à discussão, brincam juntos com bonecos cl i
lidaçle. e mocidade que os dois compartilhavam. A situação versos. Oscar e Angela não se colocam. Pedimos que junLmi
financeira muito boa os reforçou nesse projeto. Nesse mo­ desenhem a casa onde moram. Nesse momento Marcos e Fá­
mento Oscar interrompe e diz que com o nascimento de Mar­ bio se animam, dirigem-se à mesa onde foram colocadas car­
cos, acreditaram que deveriam ter mais um filho para fazer tolina e canetas coloridas e começam a desenh ar sem esperar
companhia a ele. Os dois pequenos, como diz ele, deram ale­ os outros. Angela tenta impedi-los, mas eles não obedecem.
/ gria a casa, Angela estava se sentindo muito só e ele cada vez Oscar e os dois mais velhos observam achando graça da sitl1a­
mais envolvido com os negócios que não paravam de crescer. ção. Angela se exaspera e pede ajuda a Oscar, que diz ser pro­
Angela diz que quando a escola a chamou, já havia percebido blema dela. Digo que a tarefa é de toda a família. Oscar íol:i
que algo não estava bem. Oscar acredita que não é nada dis­ com os meninos com firmeza, mas sem agressividade. A siLuu·
so, não concorda com a escola, diz que o problema é com a ção se acalma. Oscar então sügere que cada um escolha qual 11
f'nlL:-1 de organização da mãe e da professora. Marcos já fez· parte da casa gostariam de desenhar. Cada Úm escolhe urna
LrnLnmcnLo f'onoaudiológico durante mais de dois anos, se­ parte, sendo que os dois menores escolhem o próprio quar'Lo,
gLmdo Oscar, sem nenhum resultado, diz que os afazeres do­ pois dormem juntos. Pedro sugere que um deles desenhe o seu
mósticos estão estressando Angela e que ela não é muito quarto, pois ele prefere desenhar a sala de ielevisão. Fábio
organizada e se atrapalha. Angela discorda, para ela a culpa é aceita e deixa Marcos desenhar o quarto deles. Terminado o
de Oscar que não toma o mínimo conhecimento dos filhos desenho Roberto repara que esqueceram de desenhar o quar­
menores, nem mesmo em questões disciplina ele ajuda. Oscar to dos pais. Angela e Oscar argumentam que estavam preo-

172 173
,i
Mónica de Viq Silva Lobo Aprendendo em família

cupados em desenhar a sala e a cozinha e esqueceram-se do adultos e divididas entre as valorizadas e as desvalorizadas,
próprio quarto. Quando observam o trabalho que fizeram jun­ ficando cada subsistema com uma área. Há possibilidade de
tos, todos afirmam que está bastante parecido com a própria discordância, as diferenças são faladas e contestadas, mas
casa, apesar da mistura de pontos de vista. Os adultos, com não- há mudança. Cada um se sente competente na sua área
·
exceção de Angela, haviam desenhado visto de cima, enquan­ de saber e desqualifica a do outro. Esse padrão se repete
to ns crianças e a mãe desenharam de frente. em relação à escola e a outros profissionais que trabalhan,
Nn entrevista de devolução decidi chamar apenas o casal, ou trabalharam com Marcos. Oscar discorda do que foi fei­
poiH me pareceu que haviam questões entre eles·que não deviam to e desvaloriza os profissionais enquanto Angela concor­
Ht'r t.rnLmlas na frente dos filhos. Perguntei como se sentiram da e valoriza.
1111 última sessão. Ambos afirmam que perceberam que as di-

liru ldndcs de Marcos têm a ver com todos. Angela afirma que Quanto à organização
IH'nsava que os filhos sempre juntaram o casal, mas que só
agora percebeu que eles, durante esse tempo, têm se afastado As funções estão divididas entre os pais, mas cada um
com a desculpa de precisarem cuidar do trabalho e dos filhos. tem estabelecido sua área de saber e competência Não há
. Indico terapia de família justificando que acredito que juntos possibilidade de troca de papéis. Os filhos maiores est,.
eles ençontrarão recursos para solucionar não· só as dificul­ aliados ao pai e a atividade conjunta que exercem 01-1 1wr
dades escolares de Marcos, mas também as questões ligadas mite experimentar diferentes papéis na interaç5o con, o pnt
ao c3:sal e ao funcionamento familiar. Oscar concorda rapida- e entre si, ora tomam a iniciativa ora acaLam ns d ( •t:11-101••1
11wn Le dizendo que na sessão com a família toda, ele se deu do pai. Os menores estão aliados à mãe, têm muito pouco
con Ln de como estão divididos, ele com os maiores e a esposa contato com pai. Não tendo possibilidade de LrocAr de pn­
<'<Hn OH menores, enquanto o casal não está encontrando es­ péis, ficam impossibilitados de assumir atitudes de maior
p11c;o para si. Angela concorda e diz que se sente muitas vezes autonomia e aproveitam-se dessa dependência que os pro­
romo boba e inútil, pois para ela só sobram questões domesti­ tege de assumir maior responsabilidade. Como essa orga­
t'IIH, quando ela também gostaria de participar das discussões nização mantém a família parada no tempo, nem eles
d(• negócios do marido e dos filhos mais velhos. crescem, nem a família envelhece; mas, em contrapartida,
A partir dessas entrevistas as seguintes hipóteses podem a família vive uma dicotomia em que Marcos representa o
ser levantadas em relação à modalidade da família de Angela que está paralisado no sistema, ficando a outra parte libe­
e Oscar. rada.
·_,. "!;"... .\, .

Quanto às formas de comunicação Quanto aos esquemas de ação

As informações e conhecimentos são trazidos pelo casal As diferenças são vistas como defeitos e excluídas. Cada
e colocados para o terapeuta, mas não há troca de pontos segmento acusa o outro de incompetência. Marcos fica na
de vista. As áreas de conhecimento estão circunscritas aos interseção, e ao mesmo tempo que denuncia a paralisação,

174 175
Mônica de Viq Silva Lobo
Aprendendo em família
favorece a imobilidade. À medida que não aprende,
man­ ida de, só brinca com crianças
tém Angela na sua função de cuidadora, o que justif menores e tem mania de bi­
ica o chinhos de pelúcia, chegando
afastamento do casal. A rapidez da resposta diante a ter mais de cem. Além de
das in­ Jonas, Rosa tem outro filho
tervenções ·é indicador de uma flexibilidade Há uma Fábio, de 11 anos, que embor
modi­ não apresente dificuldades a
ficação do padrão à medida que a família vivencia na escola, é muito· dependent
uma emocionalmente dos pais, nun e
maior interação. Os papéis não ficam tão rígidos e ca sai sozinho e tem pouquís­
aparece simos amigos. Seu marido Ra
uma maior operacionalidade do grupo familiar, A ul é empreiteiro, proprietá­
partir rio de uma pequena firma de
dessa descoberta, cada um dos membros sente-se construção e muito envolvido
mais au­ com seu trabalho, ficando par
toriilldo assumir seu próprio pensamento e pode a ela os encargos da casa e
r sair do
1 ui{nr predeterminado. dos filhos.
À primeira sessão comparece tod
a a família. Jonas sen­
Família C ta-se entre os pais e Fábio num
outro sofá sozinho. Rau 1
começa a falar muito tenso e
irritado. Questiona a di í' icu I­
dad e de Jonas, que segundo
Genograma ele é malandragem. Ficnnn
muito aborrecido com a possib
ilidade de Jonas ser rcpro
v�do e ter que sair do colégio.
Para ele o colégio represc'n Ln
o que há de melhor em
termos de educação e a garanLi ri
sucesso para seus filhos. Acredi ele'
ta que a as notas baixns
são um reflexo da falta de empen
ho do filho e que a escola
está certa em não aceitar alunos
relapsos. O resto da famí­
lia não se manifesta, aparen
Rnul
45 temente con cor dan do com
Empreiteiro Raul. Diz que Rosa, apesar de mã
e dedicada, está sendo mui­
/ to condescendente com os filh
os, mais especialmente com
Jonas. Fala da união da família
e de quanto seu funciona­
mento é harmônico estendendo
-se inclusive à sua mãe, ao
irmão e à cunhada, formando
o que ele chama um relacio­
namento familiar ideal. Ao des
crever esse relacionamen Lo
11,o,c;n, 38 anos, é quem faz o contato telef diz que ele fala pelo menos três
ónico. A escola vezes por dia com a mil, ,
hnvin fciLo a indicação por causa de Jonas, filho trabalha com o irmão e Jonas par
caçula, 9 ece ter o mesmo "tcmp 1'­
anos, que está com rendimento muito baixo e ramento afetivo", pois todos os
com risco de dias na hora do recreio li
ser reprova do. Rosa compartilha da preocupa para o pai e a mãe de um aparelh
ção da esco­ o público que fica no pátio
la, uma vez que sempre que estuda com ele, do colégio, comportamento que
percebe sua é reforçado e estimulado
dependência e suas dificuldades sem sua por ele na medida em que fornece
ajuda não conse­ semanalmente ao filho
gue realizar nenhuma tarefa. É muito infa fichas telefônicas. Diz que ele tam
ntil para sua bém não gostava de es­
"tudar e sua mãe precisou sempre
mantê-lo na "rédea cur-
176
177
Mônica de Viq Silva Lobo Aprendendo em família

La". Diante dessa afirmação pergunto a opinião de Rosa e Peço-lhes que eles façam uma eleição e escolham apenas
la diz que talvez Raul tenha razão, mas que ela já está sem um objeto para representar cada um deles Os objetos elei­
forças. tos são o leão para Raul, a rainha para Rosa, o elefante
A sessão da família de Jonas estava marcada para às 6 para Fábio e o capitão América para Jonas. ·Quando per­
l101·as. Na hora marcada chegam Jonas (9 anos), seu irmão gunto se eles acreditavam que esses objetos os sirnboliza­
l•':d110 ( 11 anos) e Rosa, a mãe. Jonas está nervoso ·porque vam, Fábio protesta dizendo que havia um lado do leão que
"11,tl, seu pai, ainda não havia chegado. Tenta várias vezes ele acreditava que se assemelhava ao pai, o lado protetor,
l:1ln1· ll!'lo Lclefone celular mas sem resultado. Resolvo come- mas que o leão também era um animal muito feroz, e que
1;111· 11 Ht'HH:10. Jonas senta-se junto da mãe e Fábio em um sofá nesse sentido ele não concordava. Pergu nta o que os ou­
�f·pnruclo. Peço que cada membro escolha numa caixa, com tros achavam. Jonas concorda com o irmão. Rosa diz que
dd'<'l'('llLcs objetos, um que represente cada um deles, come­ às vezes Raul parece bravo, mas por dentro é manso.
çando por Jonas. Rapidamente ele escolhe uni cavalo para Na entrevista de devolução chamo apenas o casal. Falo
representar o pai e um outro menor para a mãe, mas logo do meu desconforto durante a avaliação, pois algu mas ve­
muda de idéia e es'.colhe um trono com uma rainha para a
zes me senti intimidada com a intransigência de Ruul
mãe. Escolhe·.um elefante para ser o irmão e o Capitão Amé­
com dificuldade em expor meu ponto de vista, cnquanLo crn
rica para ele próprio.
outros momentos fiquei confusa com· as afirrnaLivrn, cfr
Fábio escolhe em seguida e depois Rosa. Até então Raul
Rosa e dos filhos que me pareceram contradiLórlrn·;. lloHa
ni1<'> ha,via chegado. Peço a Jonas que explique suas escolhas.
diz que para eles é muito difícil falar qualquer coisa q11<•
1:I<• diz então que escolheu o cavalo para o pai porque ele é
1

desagrade Raul, pois ele reage com muita irritação. Qunn­


lll ut.o como um cavalo. Muitas vezes dá uma bronca tão gran­
do precisam contrariá-lo precisam fazê-lo com muiLo jciLo.
cl1• qu(' ele fica perdido, muito triste e assustado e que telefona
Afirmo que, na minha avaliação, percebo que as dificulda­
pn rn a nvó, mãe do pai, para desabafar e pedir ajuda. É co-
des de Jonas são reais, não compartilho do ponto de vista
11111111 de-pois dessas "brntalidades", como ele mesmo diz, o pai
H(' urrcpcndcr e pedir desculpas. Diz que escolheu a rainha
da malandragem, e que a sua insegu rança quanto à sua
pura mac é porque ela é muito "perua" e mimada por todos. capacidade de colocar suas opiniões e de tomar decisões
Nesse momento o pai chega. Peço-lhe que também escolha parece estar acarretando uma defasagem cognitiva, uma
um objeto para cada membro da família e depois retorno a vez que ele está com uma qualidade de pensamento abaixo
Jonas para que ele continue sua explicação. Ele começa uma de sua idade cronológica. Rosa então coloca a mesma afir­
explicação completamente diferente, da que havia feito. Diz mativa que havia feito ao telefone quanto à dependência e
que escolheu o cavalo para o pai porque ele é forte e protetor dificuldade de Jonas e fala de sua preocupação. Pergunto a
com ele. Rosa e Fábio não demonstram nenhuma surpresa, Raul como ele resolveu sua escolaridade, se a mãe sempre
como se ele tivesse realmente repetindo o que havia dito. Raul precisou mantê-lo "com rédeas curtas". Ele ri e diz que
havia escolhido para representar-se um leão e para Rosa uma quando seu pai morreu ela mudou, ficou frág-il e deprimida
leoa. Explica que a dupla simboliza pais presentes e muito e que ele, então com 18 anos assumiu o cuidado da família,
cuidadosos com sua prole. pois seu irmão era dez anos mais moço. Desde então nin-

178 179
Aprendendo em família
Môrnca de Viq Silva Lobo

guém precisou mandá-lo estudar nem trabalhar. Hoje ele é tempo nega a credibilidade do mesmo. Os p,mtos de vista
o responsável tanto por seus filhos e sua mulher quanto ficam rígidos, desqualificam-se. as opiniões de ambos os
por seu irmão e sua mãe. Nesse momento Rosa pergunta se subsistemas, desvalorizam-se a possibilidade de autonomia
será preciso Jonas viver a mesma insegurança do pai para de pensamento.
poder assumir suas responsabilidades. Pela primeira vez, Em relação ao meio externo mantém-se -o padrão. No
Raul parece perder sua postura rígida e irônica e fala de nível explícito a família, tendo como porta voz o pai, valo­
q Ltanto essa experiência foi dolorosa para ele _e de qua�to riza e aceita a proposta pedagógica da escola sem discus­
gosL,1rin que Jonas tivesse sucesso na escola, pois o fato de são. Tem como certo que o defeito certamente estaria em
111111<.:11 Ler 1;-;ido bom aluno e freqüentar escolas de nível in­ Jonas. Mas em outro nível, que está representado na pos­
f't•1·ior t' n necessidade de ajudar a família precocemente, tura da mãe, tem como certo as dificuldades do filho e procu­
liiniLnrnm seus horizontes profissionais e obrigou-o a acei­ ra escondê-las superprotegendo-o. Em relação ao terapeuta,
tar C'mpregos de segunda classe. Somente mais tarde con­ parecem concordar com o que era levantado e proposto, mas
seguiu fazer a faculdade de arquitetura e melhorar de vida. os movimentos que surgiram durante a terapia, por exemplo,
Devido à defasagem operatória de Jonas, indico atendimen­ colocarem em aula pàrticular contra a minha indicação,
to individual 'semanal para ele e proponho um atendimento fato de desmarcarem freqüentemente as sessões familiarcR,
familiar mensal. Falo da necessidade de todos participarem. desmentiam essa concordância.
· .Falo também da importância de integrar a escola no proces­
so e levanto a possibilidade de Jonas talvez se adaptar me­ Em relação à organização
lhor a outro tipo de escola. Rosa se diz aliviada em dividir a
carga que está sendo o insucesso do filho. Raul pede que eu A história familiar nos fala que os papéis se repetem
entre em contato com a escola e diz que quer muito ajudar através de gerações. Há uma grande resistência a mudan­
Jonas, mas que ficaria profundamente triste e decepcionado ças. Para que elas aconteçam é necessária a força de even­
I tos externos. Diante das necessidades internas, ligadas à
se o filho precisasse mudar de escola.
Essas entrevistas me servem de ponto de partida para passagem do ciclo vital, a família mantém-se estática Como
as seguintes hipóteses quanto à modalidade de aprendiza­ exemplo temos Raul, que só assume suas responsabilida­
gem da família de Jonas e Rosa. des após a morte do pai, e Jonas que não consegue crescer
e assumir as tarefas de acordo com sua idade.
Quanto à comunicação Quanto às funções mantém-se o mesmo padrão das gera­
ções anteriores. Raul, assim como seu pai, detém suposta­
As informações circulam em dois níveis, um que é expli- mente a função do que sabe, de quem define o que deve ser
iLado pelo pai e que aparentemente é aceito pelo resto da feito, mas é Rosa, tal como sua sogra, quem põe em prática e
família, e outro, implícito, que desmente o primeiro, com­ o faz segundo a sua forma de pensar. Na relação pai-filho
partilhado com os filhos e a mãe, no qual o pai é excluído. também ocorre uma repetição: Raul fica sendo o responsá-
Esse padrão impede a troca de conhecimento e ao mesmo • vel e o preocupado enquanto Jonas fica sendo o desligado e

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180
Aprendendo em família
Mônica de Viq Silva Lobo

to autônomo em um ou mais membros, enrijecendo sua mo­


irresponsável. A aliança mãe-filho também acontece seme­
dalidade de aprendizagem. A repetição de um mesmo pa­
lhante à geração anterior, com a exclusão do pai.
Em relação ao meio externo existe sob uma aparente drão através de gerações pode incidir sobre a modalidade
mlnpLação, uma organização familiar fechada com poucas de aprendizagem familiar, levando-a a cristalização.
1,rncas. Finalmente acredito que, em relação aos esquemas de
ação, os que mais interferem nas situações de aprendizagem
l•:m relação aos esquemas de ação têm a ver com os esquemas relativos a percepção das dife­
renças. As famílias cujas diferenças podem ser percebidas,
\s cl i l'erenças são negadas, isto é, a princípio parecem mesmo que desqualificadas, constroem uma modalidade de
Ht·r visL:.18 como semelhanças e incorporadas para, na prá­ aprendizagem mais operativa do que aquelas cujas diferen­
!.lrn, Hrrem ignoradas ou modificadas: Esse esquema põe ças são negadas. Nessas famílias aprender pode significar
em dúvida a capacidade de pensamento autôhomo e criati­ uma tentativa de diferenciação e chocar-se com o mandato
vo e csLimula a repetição de respostas já conhecidas e expe­ familiar de neutralizar as diferenças. Nessa situação a dife­
rimentadas. renciação será significada como exclusão.
No complexo universo do ser que aprende a f"amfli.
parte fundamental. Nesse universo o entendimenLo ela mo­
4.4 Considerações finais dalidade de aprendizagem familiar é necessário náo H(l pn rn
o entendimento das dificuldades de aprendizagem, mas pri n­
GosLaria de concluir estabelecendo algumas considera­ cipalmente para o entendimento de como se aprende.
c;ot's sobre características da modalidade familiar que in- A inclusão da família no atendimento psicopedagógico
1 ,,rrcrcm nas dificuldades de aprendizagem. resgata aos pais a função de ensinantes e cuidadores de seus
/\ primeira diz respeito às formas de comunicação que filhos. Esse aspecto não apenas abrevia o tempo de trata­
prc'vnlecem. Nas famíhas em que existe uma maior circu- mento como produz resultados mais efetivos e duradouros,
1:i<;no elo conhecimento, há um estímulo e uma autorização na medida em que possibilita a família desenvolver novos
nn busca do aprender. Outro aspecto importante tem a ver recursos para resolver seus impasses, liberando a criança
com a natureza das mensagens e os argumentos utilizados sintomática.
para expressar o que se deseja. Se um questionamento pu­ Assim como na criança que tem dificuldade em apren­
der ser feito mesmo que desagrade uma parte do sistema,· der encontramos uma modalidade de aprendizagem indivi­
haverá uma possibilidade de se cbrittapor, qúe estimula o dual enrijecida, que não incorpora novos conhecimentos,
pensamento criativo e autônomo. na família também sentimos ser necessário que sua moda­
A segunda característica que considero importante diz lidade de aprendizagem seja flexibilizada.
respeito à rigidez ou flexibilidade do sistema. Quando a
Ao propor um entendimento mais aprofundado do fun­
rigidez se reflete na a função de quem detém o saber dentro
cionamento familiar, estou estimulando o psicopedagogo
do sistema, ela impede o desenvolvimento de um pensamen-

183
182
M0111co de V1q Silva Lobo Aprendendo em família

uma possibilidade que vai lhe permitir uma nova visão e conviver com o outro respeitando suas particularidades e
novas formas de atuação. possibilitando a minha prática profissional.
A eles, dedico este trabalho.

4. 5 - Epilogo
Referências bibliog-ráficas
Chego ao fim deste trabalho. Mais de dois 3:nos se passa­
ram desde que comecei a escrevê-lo. Muito mais tempo se ANDOLFI, M. et al. Por trás da máscara família,: Porto Alegre:
Ed. Artes Médicas, 1984.
passou desde as minhas primeiras experiências de apren­
BOWEN, M. Family therapy in clinical practice. New York: Jason
dizagem. Aronson, 1978.
As cenas da minha infância voltam à minha mente: meu FERNÁNDEZ, A. A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artes
pai sofrendo com a ausência da minha mãe, falando do seu Médicas, 1990.
senLimento e nos fazendo rezar para minha mãe voltar para ___-. A mulher escondida na professora. Porto Alegre: J\rl<'H
casa. Minha mãe, na Europa, escrevendo para nós. Médicas, 1995.
GROISMAN, M.; LOBO, M.; CAVOUR, R. Histón.as d ra nuíti ( '(1.�
· Lindos cartões! Letras, palavras, frases! Pensamento não
terapia breve para famílias e terapeutas. Rio de Janeiro: Ro1-1a cl rn;
combina-.com sentimento. Quem pensa não sente: sai de Tempos, 1996.
casa, racionaliza, não sofre. Não sofre? Todos sofrem, to­ LOBO, M.; ROGOZINSKI, E. Contribuições da tr:,rapia fa,nilwr
dos sentem. Todos também pensam! Quem pensa fala; quem sistêmica ao tratamento de crianças e adolescentes· com proble111as
pensa escreve. Escreve o que pensa e sente. Quem pensa e de aprendizagem. Monografia. Núcleo-Pesquisas, 1994.
sente aprende. Posso aprender! MINUCHIN, S. E.; FISHMAN, H. Tecnicas de terapia familiar.
Buenos Aires: Paidós, 1984.
Enquanto escrevia este texto, escrevi um livro em par­
STIERLIN, H. et al. Terapia de família: la primera entrevista.
ceria com dois amigos_ e colegas, Moisés Groisman e Regi­ Barcelona: Gedisa, 1981.
na Cavour. Não posso deixar de lembrar que minha queixa WATZLAWICK, P; BEAVIN, J. H.; JACKSON, D. D. P ragniática
no processo ele terapia psicopedagógica estava focada na da comunicação humana. São Paulo: Cultrix, 1981.
minha dificuldade de escrever teoricamente, enquanto sem­
pre me pareceu fácil escrever sobre meus sentimentos e Referências complementares
emoções. Embora ainda me pareça mais fácil falar de sen­
t.imcntos do que de pensamentos no livro assim como neste· CARTER, B.; MCGOLDRICK, M. (Orgs.). As mudanças no ciclo
de vida familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
Lrnbnl ho, busquei integrar ambos.
FERNÁNDEZ, A. A sexualidad atrapada de la sefiorita maestra.
Aqui escrevi o que aprendi, pensando e sentindo com as Buenos Aires: Ediciones Nueva Vision, 1992.
crianças que atendo e suas famílias. Sua forma de sentir e MINUCHIN, S. Famílias, funcionamento e tratamento. Porto Alegre:
pensar; sua forma de buscar o aprender. Artes Médicas, 1998.
Hoje, pensando e sentindo, reconheço que meu pai e mi­ PIAGET, J. A. A equilibração das estruturas cognitivas. Rio de
nha mãe com suas diferenças me ensinaram a descobrir e a • Janeiro: Zahar, 1976.

184 185
V

A FAMÍLIA NA ESCOLA
E A ESCOLA NA FAMÍLIA
Léa Chuster

Do nosso nascimento à nossa morte somos um cortejo


de outros, ligados por um tênue fio.
Jean Cocteau

A prática profissional desenvolvida inicialmcnLc como


pedagoga, psicopedagoga e, posteriormente, terapeuta fa­
miliar, trouxe-me à reflexão algumas questões referentes à
inter-relação entre a família e a escola.
A proposta deste capítulo tem o objetivo de desencadear
a reflexão sobre as interferências recíprocas que aconte­
cem entre o sistema escolar e a dinâmica familiar.
Escola e família participam do processo de desenvolvi­
mento como matrizes de formação. Constitui-se então um
elo entre elas cuja figura de ligação é a criança, o filho, o
estudante.
Para que o aluno se torne estudante, é muito importan­
te o sentido que o professor lhe confere para existir como
tal e, assim , construir conjuntamente o seu processo do
saber formal.
Léa Ciluster
A família na escola e a escola na famili,

A criança torna-se filho quando seus pais lhe conferem e


legitimam o pertencimento ao seu grupo familiar. Pertencer • tempo presente nos movimentos da família, por meio de
significa compartilhar normas, mitos e mandatos determi­ seu ciclo vital.
nados transgeracionalmente e incorporados pelo sistema Finalizando, faremos um breve Estudo de caso.
familiar tornando-o singular, único.
A escola também confere, por meio de seus recursos (em
alguns casos limitados pela rigidez e preocup�ção em átingir 1 . Considerações gerais
o que considera como "bons resultados"), a· possibilidade d�
pertencimento. Quando isso não acontece, a criança vivencia Freqüentemente ouvimos pais referirem-se a
seus filhos
o seu processo de escolaridade marcado pelo sofrimento, pela dizendo:
i rnpossibilidade de ser aceita dentro ·ae suas limitações e de - Meu filho(a) é ótimo, vai muito bem na escola.
suas características pessoais que a diferencian1. Ou:
Diferenciar-se significa singularizar-se naquilo que lhe é -A única tarefa que meu filho(a) "tem" é a de
ir bem na
vital, ou seja, na sua própria maneira de existir: seu jeito de escola, mesmo assim, veja suas notas.
pedir, de ·chorar, de demonstrar suas alegrias, de negociar e Ou ainda:
obedeçer, de ouvir e ser ouvido. Pertencer e diferenciar-se - Onde foi que nós erramos?
constituem a arte de existir. Freqüentemente também ouvimos a escola rcCcr
i r-.-;c íl
_ �ste capítulo _não tem a pretensão de esgotar o amplo uni­ seus alunos dizendo:
verso que constitui o encontro entre o sistema escolar e o - Aquela criança é muito indisciplinac<.a, irrespons(t
vc l,
sistema familiar, mas sim o de pontuar algumas questões que não cumpre com as tarefas. Já convocamos os seus
pais
parecem ser essenciais, analisadas sob a luz da teoria sistê-. para uma reunião.
mica. Para tanto, na primeira parte, serão feitas algu mas Ou então:
Considerações gerais sobre o referencial teórico utilizado. - Esta aluna é ótima, não parece irmã do(a) ...
No item A família na escola, serão apresentadas as inter­ Não são raras as famílias que chegam aos consultório
s
ferências recíprocas que ocorrem, quando a escola, enquan­ dos terapeutas familiares encaminhadas pelas escolas,
tra­
to instituição, recebe a família. zendo a angústia causada pelo "insucesso escolar" de
um
Posteriormente, no item A escola na família, será anali­ ou mais membros do grupo familiar.
sado o momento em que a escola passa a fazer parte da rede Entretanto, muitas vezes, as "dificuldades de aprcncl

1·t•lncional da família, levando-se em conta a influência que zagem" são a porta de entrada para outras dificu Idade

as questões relativas ao tempo exercem na dinâmica familiar familiares, que por motivos específicos de cada sistema,
nüo
segundo os seguintes aspectos: podem ser explicitadas de outra forma.
• tempo cronológico, que demarca, no contexto social um Os membros da família, convocados para uma primeira
espaço, uma época, caracterizada por hábitos e costumes sessão, comparecem, freqüentemente, na condição de soli­
próprios; dariedade ao filho, ao irmão, que "está com problemas
" e,
não raramente, formulam a seguinte questão:
188
189
Léa Ciluster A família na escola e a escola na família

- Qual a relação entre os problemas do meu filho ou, do linear. Todos os componentes de um ip:upo, ou seja, ele um
irmão, apontados pela escola e a necessidade de uma tera­ mesmo sistema, influenciam e são reciprocamente influen­
pia para toda a família? ciados pelos outros.
Não temos a intenção de minimizar a influência das con­ Segundo Vera Calil (1987, p. 75):
dições internas necessárias à construção do processo de
No modelo sistêmico, o doente ou o membro sintomá­
nprendizagem, mas, sim, ressaltar a importância· da 'ques­ tico, é apenas o representante circunstancial de algu­
L 10 reJncional desde os primeiros momentos de vida .. ma disfunção no sistema familiar expressando padrões
N('SHC sentido Jean-Claude Benoit (1985, p. 62), psiquia- inadequados de interação no interior da família ou em
1.ra <• < 1 :-;Ludioso dos sistemas familiares, afirma que a Teo­ qualquer outro sistema.
r111 ( ]c•rnl dos Sistemas: De acordo com o princípio da globalidade, um dos pres­
l ...] não aceita isolar o indivíduo do seu contexto soci­ supostos básicos da teoria sistêmica, toda e qualquer par­
al imediato, particularmente daquelas pessoas às quais te de um sistema está relacionada de tal modo com as
ele está ligado por vínculos de sangue, de sexo ou de demais partes que, qualquer mudança em alguma delas, pro­
conveniência habitual. A realidade humana básica e o
vocará mudança nas demais e conseqüentemente no siste­
indiyíduo e seu meio ambiente.
ma total.
Várias são as escolas teóricas preocupadas em estudar A dificuldade de aprendizagem surge como um sin Lo ma,
as relações do indivíduo com o seu meio. Aqui refletiremos por meio de um membro pertencente a um sistema íamilinr
sobre D funcionamento familiar e institucional segundo o e apresenta um sentido específico neste contexto. Há uma
rnodelo sistêmico. inter-relação entre o sintoma e os outros componentes d
um grupo familiar.
Convém lembrar que um sintoma, caracterizado por uma
2. O modelo sistêmico dificuldade de aprendizagem, tem valorações diferenciadas
em cada sistema familiar. Muitos são os fatores que regem
A Teoria Sistêmica tem como objeto de estudo os aspectos essas diferenças: valores próprios de cada sistema, nível
1·<'irtcionais que acontecem nos espaços intra, inter e trans­ de flexibilização do grupo, contexto social em que a família
grupais. Oferece, portanto, subsídios teóricos para as ques­ esteja inserida e outros.
Lões que aqui nos propomos a refletir. Algumas instituições escolai·es preocupadas com o pro­
O modelo sistêmico está fundamentado na Teoria Geral duto final (representado pelas notas ou conceitos) deixam
-p�;
i
dos Sistemas, desenvolvido inicial�ert� Ludwig Von para segundo plano o processo da criança na construção
Bertalanffy em meados dos anos 40 e posteriormente apli­ do saber. Ao sentir-se com dificuldades em aproximar os
cada à área da terapia familiar. seus resultados às metas atingidas pelo grupo, a criança
O conceito central dessa nova epistemologia considera portadora do sintoma torna-se mais uma vez impossibili­
a idéia de circularidade em oposição à idéia de causalidade dade de diferenciar-se em suas competências e dificulda-

190 191
Léa Chuster
A família na escola e a escola na família

des, de ouvir e ser ouvida, e assim poder desenvolver as


A dificuldade de aprendizagem pode oferecer um cami­
suas pot�ncialidades individuais.
nho que nos leva ao encontro de uma porta de entrada, para
Compreendemos que a escola não deva abandonar a bus­
o desvelámento de outras dificuldades relacionadas, quer
ca dos obj•etivos que visa a alcançar e pelos quais justifica
no sistéma familiar, quer no sistema institucional escolar.
a sua existência, mas alertamos para uma situação na qual
Os referenciais, em que se ancora a Teoria Sistêmica,
a instituição pode ocupar a função de colaborad'ora par� a
oferecem-nos subsídios para respondermos às questões pro­
manutenção do sintoma familiar.
postas pelas famílias no início do texto, levando-se em con­
J. Miermont (1994, p. 508) no Dicionário de terapias fa­
miliares, define sistema como "um complexo de elementos sideração as influências recíprocas que ocorrem entre os
(!lll interação". E afirma que "os elementos que compõem
membros de um sistema. Considerando a possibilidade de
u tn sistema, são considerados subsistemas, ou seja, partes estarmos diante de um sistema no qual o "novo" ameaça,
de u1T1 sistema maior" (MIERMONT, loc. cit.) os mitos, os mandatos e as histórias trigeracionais são vi­
Poderemos considerar a escola e a família como subsis­ vidos de maneira inflexível, certamente nos deparamos com
temas inseridos num sistema maior,: ou seja, no macrossis­ sintomas que apontarão para dificuldades nos processos
tema social. 'Numa família, encontramos os subsistemas de transformação, crescimento e aprendizag,:!m.
fraterno, c_onjugal, parental, filial e das famílias de origem. Sistemas familiares mais flexíveis proporcionam a seus
Fazem parte do sistema escolar os subsistemas consti­ membros o sentimento de pertencimento, considerando m;
tuídqs pelo corpo docente, corpo discente, administração, necessidades e características individuais. Logo, podere­
manutenção, etc. Os subsistemas interagem entre si, de­ mos supor que essas famílias terão maiores possibilidades
terminando uma dinâmica bastante específica, que os ca­ de desenvolvimento.
racteriza de forma mais ou menos rígida em seu processo
de intercâmbio dos membros do sistema entre si e destes
para com a sociedade de maneira geral. A FAMÍLIA NA ESCOLA
· Uma outra propriedade dos sistemas refere-se à possi­
bilidade de intercâmbios de matéria, energia e informação
com o meio ambiente. Esses fatores classificam os siste­
mas como abertos e fechados. Nesse processo de intercâm­ Cultura, sob certo aspecto, é o que resta quando a pessoa esquece
tudo aquilo que aprendeu... por isso o ensino não pode
bio, podemos observar variações no grau de flexibilidade e se limitar a simples informações.
t"igiclc'z próprio de cada sistema. Montoro
O fttLo de o filho tornar-se aluno e freqüentador da insti­
Luiçao escolar traz implicitamente a possibilidade de mu­
danças num sistema e transformações que não se limitam A dimensão social elo processo de ensino-aprendizagem,
ao processo individual de um membro, mas atingem em refere-se principalmente à transmissão elos valores próprios
doses diferentes todos os membros do sistema familiar. • e significados de uma determinada cultura.

192
193
A fam,ila na escola e a escola na família
Léa CJ1uster

Segundo Sara Pain (1989, p. 78): Não é nosso intuito, fazermos u_ma análise do sistema
institucional escolar; mas sim enfocarmos a escola como
[ ... ] O sujeito histórico exercita, assume e incorpora
um sistema. Vista dessa forma, ela representa um comple­
, uma cultura particular, na medida em que fala, cum­
primenta,, usa utensílios, fabrica e reza segundo a mo­ xo de elementos em interação (MIERMONT,.1994).
dalidade própria de seu grupo de pertencimen!º· A família, por sua vez, passa a ser um subsistema inserido
no sistema escolar, devendo cumprir uma série de normas e
/\ escola, por meio do processo das múltiplas aprendiza-
regras que a escola impõe, por meio do seu organograma, cons­
1:1 •11H que oferece, objetiva de modo geral tanto-à conserva­
tituído, assim, a sua hierarquia.
;no dm; valores culturais já estabelecidos, quanto promove
A participação da família na escola se faz tanto por meio
i r111u-d'ormações evolutivas e estruturais, visando à melhor
da criança, do filho e aluno, quanto de sua presença no gru­
ndnpl.nçno do educando nos contextos social e familiar.
po de pais de alunos.
Nilo FichLner (1D96, p. 47), refere-se à escola como:
A escola é um local gerador de novas experiências rela­
um dos mais importantes agentes de promoção da saúde cionais tanto para a criança, num ambiente distinto da fa­
mental infantil, funcionando como matriz de desen­ mília, quanto para a família, possibilitando a ampliação
volyimento, proporcionando experiências, sociabilida­
de sua rede de relações. Ao freqüentá-la o aluno será inicia­
de, criatividade e aprendizagem.
do num conjunto de regras, normas, costumes e rituais,
Os órgãos competentes, presentes em cada contexto so­ que farão parte de seu cotidiano.
ciocultural, determinam os parâmetros e a viabilização do A escola passa a fazer parte da rede relacional familiar
processo de escolarização compatível com a valorização e em um determinado momento de seu ciclo de vida, marcan­
n l'xpecLaLiva desse sistema social, com relação ao grau de do significativamente a sua presença, como veremos no
lvLrnmcnto de sua população. A escola representa um dos próximo tópico. Esse momento é precedido por um modus
:wgmcnLos responsáveis por esse processo. vivendi familiar, instituído e regido por valores, histórias
'ada instituição escolar é regida por uma dinâmica es­ e expectativas, presentes nas dinâmicas familiares e per­
pcc[[ica que visa a colocar em prática os objetivos que se petuados intergeracionalmente.
p ropõc alcançar. Dessa forma, adquire um perfil próprio Esse somatório de fatores implica uma demanda explí­
que a distingue e referencia. cita da família, para com a escola, que se processa de for­
Bleger (K.AES et al., 1991) conceitua instituição como ma verbalizada e geralmente coerente, no que se refere às
um conjunto de normas, regras e atividades agrupadas em suas exigências, necessidades e possibilidades e uma outra
torno dos valores e das funções sociais, :Portanto, cada ins­ demanda implícita, não verbalizada.
tituição é portadora de uma organização específica, res­ Há todo um sistema internacional sendo permanente­
ponsável pela sua disposição hierárquica e pelo exercício mente alimentado e retroalimentado pelos integrantes da
das funções que acontecem no interior de um espaço físico rede institucional. O processo de aprendizagem será alta­
delimitado. É por meio dessa organização que se desenca­ mente beneficiado quando houver uma troca coerente e
deia o espaço relacional característico, tanto em nível in­ conjunta entre a família e a escola.
tragrupal quanto intergrupal.


195
194
Léa Cl1uster A larnilia na escola e a escola na larnilia

Os sistemas escolares que desenvolvem suas atividades tos, ampliar e construir grande parte de i;eu processo de
direcionaçlas aos alunos, tidos como "padrão", tornam-se desenvolvimento.
inflexíveis para acompanhar o processo de desenvolvimen­ Se, por um lado, o estudante é protagonista desse pro­
to do aluno que apresenta dificuldade em enquadrar-se no cesso,, por outro, ele é parte integrante de �1m sistema fa­
procedimento geral. Esse comportamento pode significar miliar, que existe num contexto histórico e temporal
uma repetição dos padrões familiares. Nesse caso, a escola marcado, de modo significativo, por valores socialmente
colabora na manutenção do sistema familiar. Como matriz determinados.
de desenvolvimento e foco das múltiplas aprendizagens, Os estudos nas áreas da história e da antropologia mos­
ocnpa um lugar privilegiado no sistema social que a facili­ tram que a família nem sempre se configurou como a ve­
Ln nn função de mediadora de processos de mudanças. mos nos dias de hoje. Sua constituição foi se modificando
S(' por um lr1do, a escola exerce uma síg11ificativa influên­ ao longo da história, alterando tanto as suas funções, quan­
t:ia 1111 d111ftmica familiar, a família, por meio dá criança, do to as formas de relacionamento entre seus membros.
11lu110, Lambém exerce uma significativa influência na ins­ Mark Poster (1978), em seu livro Teoria crítica da famí­
Li Luição escolar. lia, ao examinar criticamente as estruturas familiares,
· O aluno, com suas características específicas e com o desde o período moderno até a atualidade, argumenta qu
processo ele "estar" participante das propostas escolares, toda teoria sobre família deve levar erp. consideração à anü
· também oferece generosamente a oportunidade de a escola lise: a) no nível psicológico; b) no nível de vida cotidiana; e)
reflet�r ,sobre suas bases de funcionamento. na relação entre a família e a sociedade, constituídos den­
tro de um contexto histórico específico, num momento his­
tórico.
A ESCOLA NA FAMÍLIA A questão histórica da família estende-se aos principais
problemas da vida contemporânea, uma vez que traz implí­
cito o movimento de constantes transformações dos papéis
desempenhados por todos os membros de um sistema social.
O futuro não posterior ao passado e este não éanterior ao A família moderna brasileira não teve como base parn
presente. A temporalidade se temporaliza como
constituição um modelo igualitário de relacionamen Lo co n
{ut U ro-que-uai-ao-pasSado-vindo-ao-presente.
Heidegger
jugal. Firmou-se numa dicotomia entre os papéis públicos
e privados, em que à mulher cabia as funções relativas aos
Sao mCilLiplas os interferências que ocorrem quando a
cuidados com os afazeres domésticos e com a criação cios
111:-;L1lu1<Jto t'Hcolnr passa integrar a rede relacional de um filhos e ao homem o trabalho remunerado.
grupo f'nmiliar. Por meio do processo de modernizaçto, industrializa­
Como vimos anteriormente, a escola é o local no qual, ção e urbanização da sociedade brasileira, as mulheres re­
LnnLo a criança quanto o adolescente, tem a oportunidade definiram sua posição na sociedade, abalando a dicotomia
de vivenciar novas experiências, estabelecer novos conta- estabelecida entre o público e o privado.

196 197
Léa Ciluster A família na escola e a escola na família

Em meados dos anos 60, com aumento da participação mudanças que aí ocorrem e pelas quais é subrn.etido o seu
da mulher na esfera pública e em diferentes áreas de atua­ usuário, o estudante.
ção, nota-se o início de um processo que começava a minar Não temos aqui a pretensão de nos aprofundar no estu­
as bases da ·família conjugal moderna já citada. do das c;oi1.figurações familiares, mas sim de chamarmos a
Jeni Vaitsman (1994, p. 59), em seu livro Flexíveis e plu­ atenção para o sentido que estas possam ter, não só no con­
rms, ao analisar questões relativas à identidade, ao casaínen- texto familiar, mas também na relação deste com os outros
1 o,. h família em circunstâncias pós-modernas, considera.que: subsistemas sociais.
Falar sobre a participação da escola na família significa
a família formada pelo pai provedor financeiro e a mãe
dona de casa, unidos pelo casamento indissolúvel é contextualizar essa relação num tempo preciso, seja ele no
lembrança do passado. A manutenção do casamento e âmbito social, na própria movimentação do grupo familiar
conseqüentemente da família, subordina-se à satisfa­ ou por meio das diferentes etapas do ciclo de vida familiar.
ção emocional, e passa a estimular as pessoas a recu­ Conforme Falicov (1991), em seu livro Transiciones de
sar relações íntimas, sentidas como insatisfatórias.
la família, o conceito central de um esquema de desenvol­
Viver o momento da pós-modernidade significa viver vimento do grupo familiar baseia-se na noção de que uma
profundas modificações políticas, econômicas, tecnológi­ mesma família muda em sua forma e função ao longo do
cas e, por c�nseguinte, suas influências nos mais variados seu ciclo de vida.
campos das ·relações humanas. As transformações contem­ Carter e McGoldrick (1995), no livro As Mudanças n
porâneas_ trazem outras configurações familiares e com elas ciclo de vida faniiliar, referem-se a oito etapas pelas quais
a necessidade de redefinir as funções sociais dos sistemas, passa a família pelo seu ciclo de vital: jovens saindo de casa,
·om os quais a família mantém uma relação de apoio, para formação do novo casal, famílias com filhos pequenos, fa­
() desenvolvimento de seus membros. mílias com filhos adolescentes, saída dos filhos, famílias
1 ndo ao encontro das novas necessidades, as institui­ no estágio tardio de vida.
<.;1><'8 escolares ampliaram as suas funções e mobilizaram­ É impossível precisarmos em que etapa do ciclo vital o
�(' para uma demand.a vinda, em sua grande maioria, de sistema escolar começa a fazer parte da vida de uma famí­
nines que trabalham fora de casa. Foram assim criados os
lia, pois todos os que tiveram a oportunidade de vivenciar
lierç6.rios e os cursos maternais para exercerem funções
o processo de escolarização (e mesmo os que não tiveram,
anLes delegadas à mulher.
têm algu ma referência social) trazem recordações e vivên­
Com uma certa freqüência, a escola depara-se com alu­
cias que são, por sua vez, compartilhadas com seus con­
nos cujas famílias são configuradas pQr.um só-çônjuge, fa­
temporâneos e transmitidas para as gerações futuras.
mílias reconstituídas após a morte ou a separação do casal,
Essas experiências vão constituindo um sistema mítico
casais de homossexuais, etc. Novas configu rações familia­
familiar, relativo à questão da escolaridade, contribuindo
res surgiram e a escola teve que ressignificar os conceitos
de "famílias disfuncionais". para as expectativas das famílias nuclear e de origem, com
Portanto, mais do que nunca, a escola, como parte do relação ao processo de aprendizagem e desenvolvimento
contexto social, não é, não pode e não deve estar alheia às individual.

198 199
Léa Chuster
A família na escola e a escola na família
Segundo Polity (1997, p. 51):
que se formam quando surgem as dificuldades de aprendi­
. Há Mitos (com maiúsculas) que são representações cons­
zagem.
. truídas por uma determinada cultura e também há mi­
tos (com minúsculas) que são representações construídas O psicopedagogo tem como foc0 de trabalho a criança, o
por um grupo familiar ao longo de uma geração. estudan.:t,e. É ele quem transita pelos diferentes.sistemas aos
quais a criança pertence, quer seja para fins profiláticos,
É compartilhando dessa rede de histórias, mitos·e rituais,
quer seja para intervenções em momentos onde as dificulda­
que os membros de uma família se unem e se diferenciam
des no processo do aprender já se encontram cristalizadas.
de outros grupos. Portanto, a presença da escola na famí­
Essa dificil tarefa, cumpre mais uma vez lembrar, não se
J i.n pude trazer a atualização e a possibilidade de ressigni­
restringe ao "aprendente" mas sim aos que o rodeiam mais
f'icaçüo elos mitos relativos ao processo de construção do
proximamente, mobilizando-os para a possibilidade de no­
<'onlwcimcnto e da aprendizagem.
vas construções.

Estudo de caso
Conclusão
\
Gostaria de ilustrar as questões teóricas citadas ncss
Embora pmito rico em vivências, o campo das inter-re­ texto por meio do estudo de um caso clínico.
lações entre família e escola parece pouco explorado em Trata-se de uma família que aqui denominaremos d
seus a�p�ctos teóricos. "Família Pinheiro". Convém pontuarmos, que embora a
Ainda que seja este um espaço que convida para uma re­ família tivesse autorizado a publicação do caso para fins
flexão de caráter multidisciplinar, relevaremos as questões científicos, alguns cuidados foram tomados para preser­
mais específicas referentes a atuação do psicopedagogo. var sua identidade. Portanto, os nomes de todos os familia­
Nesse sentido acreditamos que o olhar sistêmico possa res foram trocados. Os demais dados são reais.
,trazer uma importante contribuição, à prática psicopeda­ A família Pinheiro nos foi encaminhada para tratamen­
góg,ica, ao oferecer subsídios para uma leitura da criança e to clínico pelo médico neurologista que atendeu José, o fi­
do adolescente inserido, tanto no contexto familiar quanto lho mais novo de um casal, com quatro filhos. Após um
no contexto escolar. O aluno é parte integrante desses dois exame minucioso, foi afastada a hipótese de um distúrbio
sistemas. O seu pertencimento a eles assim como a sua dife­ neurológico do qual os pais suspeitavam. Segundo o médi­
rc nciação, segundo suas características individuais, signi­ co, havia algo "comprometedor na dinâmica da família im­
íica um precioso material de apoio e auxílio no processo de pedindo que José se desse bem nos estudos".
aquisição do conhecimento. O casal trazia como queixa o sofrimento dos pais diante
É necessário então uma estreita relação entre escola e da impossibilidade de resolver as dificuldades escolares do
família, no desempenho de suas tarefas comuns voltadas filho, que, na época, estava com 5 anos de idade.
ao desenvolvimento da criança. Entretanto, nota-se que Essa era uma situação que atingia, em proporções dife­
essa relação se torna comprometida pelas linhas de tensão • renciadas, todos os membros desse sistema familiar.
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201
Léa Chusler
A família na escola e a escola na família

José era freqüentemente visto em sua família como "de­


contexto familiar, .o insucesso escolar confirmava o mito
sobediente1 impaciente, irritado e com poucos recursos para da incapacidade total _desse filho.
desenvolver as atividades tanto propostas pela escola, quan­ Somente a mãe comparecia à escola para ser comunica­
to as atividades mais simples da vida diária". José tam­ da e con;Únicar as queixas sobre seu filho. Num desses en­
bém tinha muitas dificuldades para articular com clareza contros, foi sugerido que a criança fosse atendida em
ns palavras e organizar suas idéias. psicoterapia e terapia fonoaudiólogica. Os pais preocupa­
Segundo o relato da família, a criança dificilmente obe­ vam-se muito com o seu rendimento escolar e tam.bém com
d t ·cia n seus pais, que, por sua vez, tinham muità dificulda­ o momento da alfabetização que se aproximava.
t k cm colocar limites claros .
Após dois anos, aproximadamente, de tratamento nas
terapias indicadas, a criança continuava a apresentar difi­
a) Histórico culdades para articular alguns fonemas e também para
coordenar suas idéias. Era muito difícil as pessoas conse­
Aos 3 anos de idade, José iniciou sua vida escolar. guirem entendê-lo.
Nessa época, seus pais optaram por uma escola bastan­ Inês, a mãe, preocupava-se sempre em atendê-lo em suas
te· rígida no processo de interação e avaliação de seus alu­ dificuldades. Sempre ao seu lado, passava uma dupla men­
nos. Pode:rp.os ressaltar que, nessa escola, o aproveitamento sagem: estou aqui a seu lado, cuidarei de você, falarei po:r
· escolar era visto exclusivamente por meio do produto final você, "pois você não tem competência para fazê-lo sozinho".
apreE\entado pela criança e transmitido aos pais somente Mediante esse quadro que se mantinha quase que inal­
por um boletim bimestral baseado, unicamente, em concei­ terado, os pais resolveram consultar um médico neurolo­
t.os como A, B, C, D. gista. Após uma avaliação específica, o médico recomendou
,José adaptou-se parcialmente à rotina escolar. Torna­ o trabalho em terapia familiar, paralelamente aos atendi­
ra S<' muito difícil para a criança manter-se concentrada mentos individuais que vinham sendo feitos.
1wrn.ntc as atividades pedagógicas propostas pela escola.
L{nramente, respeitava os limites impostos tanto por adul­ b) Família nuclear
Los quanto por crianças. Isolava-se e, por sua vez, também
c•ra isolado por seus colegas, estando a área social bastan­ A família Pinheiro é constituída pelo casal Luciano e
te prejudicada. Inês e pelos seus quatro filhos: Marcela, Marina, Ana Pau­
Sua mãe mantinha a função de interlocutora entre José e la e José.
os "outros" que o rodeavam. Era ela·'quem· tentava colocar Muito embora José tenha sido o foco mobilizador para a
limites à criança, por um processo cada vez mais intenso de busca de um trabalho terapêutico familiar, outras dificul­
agressão física chegando a machucá-lo profundamente. dades relacionais bastante significativas estavam presen­
A escola chamava a atenção para os resultados obtidos tes nesse sistema familiar.
por José, que eram avaliados como insatisfatórios. Nesse Luciano e Inês estavam casados há 12 anos. Casaram-se
após um namoro de seis meses, quando tiveram conheci-

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203
Léa Cl1uster A lamll1a na escola e a escola na família

mentas da gravidez de Inês. Desde o início, houve pouco es­ minância da autoridade materna. À mãe cabia a colocação
paço para o par conjugal viver a sua intimidade. de limites e a punição ·caso as regras familiares estipula­
A presença constante da mãe de Luciano nessa família das não fossem cumpridas. O pai era o provedor financeiro
nuclear se fazia de diferentes formas. Uma delas refere-se di­ da família.
retamente ao nosso tema em questão: era ela quem contri­ Luciano tinha então 28 anos quando seu pai faleceu, ví­
buía com o orçamento dessa família, arcando com as despesas tima de um acidente vascular cerebral, há 20 anos aproxi­
escolares das filhas do casal, compartilhando de seus suces­ madamente. Desmotivou-se para com as suas atividades
sos escolares, com presentes, alguns bastante valiosos, mui­ escolares e abandonou os estudos. Sua história escolar foi
Lo n.16m dos recursos econômicos disponíveis do casal. Aos marcada por várias repetências e dificuldades em relacio­
p:1 is cabia os encargos escolares de José. nar-se com seus colegas. A morte do pai trouxe mudanças
l)or sua vez, era a mãe de Inês, quem assumia os cuidados radicais na vida de Luciano. Distanciou-se dos poucos ami­
:o 01 os afazeres domésticos desde o início do casamento. gos que tinha e passou a dedicar-se quase que exclusiva­
Além disso, José sempre esteve entregue aos cuidados dessa mente aos cuidados para com sua mãe que, segundo suas
avó formando com ela uma aliança ba.stante forte. palavras, era sua "estrela guia".
A relação do_ casal, para com as famílias de origem, cola­
bora va par� o seu distanciamento como par conjugal e para 2) Família de origem de Inês
a confirmação do mito presente em ambas as famílias de
origem: �nulheres dominadoras, muito competentes e ho­ Inês, a mãe de José, é filha única. Seus pais relacionavam­
m ens doentes ou incompetentes, que precisam sempre ser se com muitas dificuldades. Seu pai era alcoolista e falecera
cuidados. quando Inês tinha 17 anos de idade. Quando bebia, tornava­
Marcela, Marina e Ana Paula tinham um bom aproveita- se violento principalmente com sua esposa.
mento escolar, relacionavam-se muito bem entre si, mas ex­
Inês foi sempre uma aluna muito dedicada. Cursou até o
/ cluíam José de um contato mais próximo, sob a alegação de
Segundo Grau e, posteriormente, ingressou na vida profis­
qu� tratava de "um m�nino que, além de tudo, é pequeno". sional.
A mãe de Inês não exercia nenhuma atividade profissional
e) Famílias de origem que pudesse garantir o sustento de ambas. Assim, o ganho
através de seu trabalho significava a única renda da família.
1) Família de origem de Luciano
d) Atendimento terapêutico
Luciano, o pai de José, é filho mais novo de três filhos
do casal. SllaS irmãs têm dois anos de diferença de idade
A Família Pinheiro foi atendida durante um ano e meio
entre si e, respectivamente, oito e dez anos de diferença em
em consultório particular. O trabalho terapêutico desen­
relação a Luciano.
volveu-se basicamente com a família nuclear, ou seja, o
Seus pais formavam um casal que, segundo o relato dos
�asal e seus quatro filhos. As famílias de origem foram
três filhos, tinha como característica marcante, a predo-
204 205
Léa Chuster
A família na escola e a escola na família

convidadas para algumas sessões. Foram feitos contatos A rigidez do sistema familiar era sentida pela inflexibi­
com a escola e com o médico neurologista. lidade no desempenho das funções determinadas a cada
As preocupações da família centravam-se no desempe- membro, pela dificuldade no contato com outras pessoas
1\ ho escolar de José, pois as outras dificuldades, presentes
fora cto grupo familiar e pela desqualificaç�o dos homens
111•ssc sistema familiar, pareciam não serem percebigas pela da família.
f'íl1nília. A dificuldade desse sistema familiar para suportar as
Mnrcela a filha mais velha do casal, era m�ito "dócil" e diferenças individuais fazia com que a família se tornasse
''(uwzinha" e ótima aluna, não gostava de estar com outras fusionada e indiferenciada. As fronteiras que delimitam os
J)('ssocis, quer fossem crianças ou adultos. espaços de cada indivíduo eram confusas. As funções de
Marina, apresentava bom rendimento escolar, apesar da cada subsistema familiar, ou seja, subsistema parental e
bronquite crónica que a fazia "sofrer" muito. conjugal, eram indiferenciadas.
J\.na Paula era muito boa em tudo o que fazia. Nos es­ Assim como Luciano cuidara de sua mãe para que esta
portes, sobressaia em natação, judô e vôlei. Gostava de co­ "não sentisse a falta do pai" desde que este falecera, José
zinhar e já sabia fazer pratos deliciosos, segundo o relato também tornara-se muito cuidadoso para com sua mãe, não
de Inês, suii mãe. Telefonava para os avós todos os dias. permitindo que ela sentisse suas dificuldades relacionadas
Era tão· "boa" aluna que nunca aceitava tirar menos que com o seu marido. Ele os mantinha juntos na resolução de
"B" na escola. Quando isso acontecia, Ana Paula tranca­ seus problemas escolares.
và-se no quarto e recusava-se a conversar com outras pes­ Desde a primeira escola freqüentada por José, o sinto­
soas por muitas horas. ma familiar cristalizado no mito dos homens incompeten­
O casal tinha muitas dificuldades relacionais. Discutiam tes era reforçado. Durante as sessões realizadas, tivemos a
i
,nu Lo, geralmente por causa da sogra de Inês, que interfe­ possibilidade de caminhar pelas questões referentes à in­
ri.i no relacionamento do casal, telefonando várias vezes tergeracionalidade e rigidez nos padrões de comportamen­
por dia para seu filho, pedindo sua presença. to, principalmente no que se refere ao mito dos homens
O único ponto que mantinha ambos os cônjuges mais incompetentes que abandonam seus estudos e complemen­
próximos era na função parental, resolvendo as dificulda­ tarmente mulheres muito competentes.
des de aprendizagem de José. O sistema familiar apresen­ Nessa época foi sugerido que José mudasse de escola para
tava uma dinâm_ica relacional inflexível, rígida, baseada uma outra que pudesse significar aprendizagem como um
na dicotomia con1petentes e incompetentes. processo, qualificando nesse percurso as conquistas con­
Aos olhos da família, as mullíJr·ês'-�r�m- muito eficien­ seguidas. José respondeu de forma bastante favorável ao
tes e não davam, trabalho. Somente os homens eram com­ novo ambiente.
prometidos. O mito dos homens incompetentes presentes Um momento, especialmente importante, no processo
em ambas as famílias de origem era mantido trigeracio­ de tratamento, deu-se quando pudemos trabalhar com as
nalmente também por meio das dificuldades relacionais e questões do ciclo vital familiar relacionado ao crescimen­
escolares de José. to das filhas. O processo de diferenciação entre os mem�

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Léa Chuster A famflia na escola e a escola na família

bros da família começou a acontecer entre os membros da Dessa forma, a escola confirmava o mito familiar dos
família e, portanto, no subsistema filial, conjugal e frater­ homens incompetentes. Foi sugerida então uma mudança
no. As posições de cada um na família puderam ser ressigni­ de escola.. A nova escola trouxe as competências de José,
ficadas: cada filho passou a ser visto, conforme as suas suas conquistas passo a passo.
características pessoais dentro de suas possibilidades, li­ Podemos afirmar que, nesse caso, o sistema familiar
mitações e escolhas. Quando o sintoma - que significava o pode retomar o seu processo de desenvolvimento evoluti­
motivo da procura para a terapia familiar - foi _ressignifi­ vo, José pode diferenciar-se de sua mãe, esforçando-se por
'éldo, ou seja, quando José retomou o seu processo de de­ expressar-se sozinho, ainda que com algumas dificuldades.
H(·n.volvirnento evolutivo, outras questões, que não eram Nesse percurso, a escola teve um papel importante na
m. c 1 ncionadas por uma demanda explícita e que também con­ sensibilização do sistema familiar para o processo de cres­
Lavam corn as dificuldades relacionais do sistema familiar, cimento de José, que atualmente se encontra alfabetizado.
puderam ser igualmente ressign ificadas.

e) Conclusões gerais do atendimento Referências bibliográficas


\

Não pretendo usar este espaço para detalhar os resulta­ BEN0IT, J. C. Angústia psicótica e sistema familia,: Tradução Jon::is
Pereira dos Santos. São Paulo: Psy, 1994.
dos do atendimento, mas sim fazer uma breve reflexão sobre CALIL, V. L. C. Terapia familiar e de casal. São Paulo: Summus,
o que·vem a ser o tema deste capítulo refletindo sobre a in­ 1987.
tersecção e as influências recíprocas entre família e escola. CARTER, B.; MCG0LDRICK, M. (0rgs.). As mudanças no ciclo
O referencial teórico para o desenvolvimento do trabalho de vida familiar. Tradução Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto
clínico apresentado esteve ancorado na teoria sistêmica. Alegre: Artes Médicas, 1995.
Após um ano de trabalho terapêutico, a família respon- FALICOV, C. F (Comp.). Transiciones de la família. Buenos Aires:
Amorrortu, 1991.
1deu de maneira bastante favorável ao tratamento. FICHTNER, N. A criança e o contexto sócio-familiar e escolar. In:
Nessa família, a dificuldade de aprendizagem significa­ PRADO, L. C. (Org). et al. Famílias e terapeutas. Porto Alegre:
va a "a porta de entrada" para o desenvolvimento de ou­ Artes Médicas, 1996.
tras dificuldades relacionais. O casal passou a relacionar-se KAES, R. E. et al. A instituição e as instituições. Tradução Joaquim
lc maneira bastante satisfatória. Pereira Neto. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1991.
Entretanto, a desqualificação das fi gu ras masculinas MIERMONT, J. Dicionário de terapias familiares. Porto AJci:,.rrc:
Artes Médicas, 1994.
•.tinda era um mito familiar que persistia, e José confirma­ PAIN, S. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem.
va por meio de seu baixo rendimento escolar. Tradução Ana Maria Netto Machado. Porto Alegre: Artes Médicas,
A escola, por sua vez, confirmava a desqualificação de 1989.
José e demonstrava isso avaliando somente o produto fi­ P0LITY, E. Ensinando a ensina,: São Paulo: Lemos, 1997.
nal do processo aquisição de conhecimento pelas notas no POSTER, M. Teoria crítica da família. Tradução Álvaro Cabral.
• Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
boletim.
VAITSMAN, J. Flexíveis e plurais. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
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