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ões
As r aízes dess a evolução são comp lexas. As relaç realizável o enfoque dos sistemas.
tância e
ntrc o h omem e a máquina passam a ter impor Bertalanffy, na década de 1920, ficou intrigado com ni;
financei
•nLram também em jo go inumeráveis problemas evidentes lacunas existentes na pesquisa e na teoria da biolo
ros, econômic os, sociais e políticos. gia. O enfoque mecanicista, então prevalecente, parnci
i
Essa evolução seria simplesmente mais uma das múlt desprezar ou negar de todo exatamente aquilo que é essen
tecno-
plas facetas da modificação que se passa na sociedade cial no s fenómenos da vida. Ele advogava uma concepção
um
1 ó gica c ontemp orânea, se não fosse a existência de organísmica na biologia, que acentuasse a consideraçã o do
te c mpre en
importante fator que pode não ser devidamen o
organismo como uma t otalidade ou um sistema e visse o
men
dido pelas técnicas altamente complicadas e necessaria principal objetivo das ciências biológicas na descoberta dos
engen haria
te especializadas da ciência dos computadores, da princípio s de organização em seus vários níveis. Os pri
as. Esse
dos sistemas e dos campos relacionados a essas últim meiros enunciados de Bertalanffy datam de 1925-1926.
olo gia
importante fator não é apenas a tendência da tecn Em co nexão com o trabalho experimental sobre o meta
de uma
em fazer as c o isas maiores e melhores, trata-se bolismo e o crescimento, de um lado, e o esforço para con
mento,
transformação nas características básicas de pensa cretizar o pro grama organísmico , do o utro, a teoria do s
l gia sã o ape
da qual as complexidades da moderna tecn o o
sistemas abertos foi proposta, baseada em um fato bastan
mani
Has uma - e possivelmente não a mais importante - te trivial de que o organismo é um sistema aberto, embora
é força do a
fostaçáo. De uma ou outra maneira, o h omem na época não existisse nenhuma teoria desse tipo.
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Maria Cecília Castro Gasparian
A Ps,copedagog,a Institucional
Sistémica
visa à sobrevivência do sistema e à manutenção de suas tra na descrição do que é observado, de tal sorte que a obje
variáveis essenciais em níveis adequados. tividade não é possível. Além disso, se o observador entra
A cibernética baseia-se no princípio da retroação ou dos naquilo que é observado, não há o que se poderia chamar
encadeamentos causais circulares, fornecendo mecanismos de sistema observado isolado.
para a procura de uma meta e o comportamento auto-regu F inalmente, uma vez que qualquer observador percebe
lador. Mas a organização dos mais complexos sistemás exis o mundo através das lentes da cultura, da família e da lin
tentes até agora, descobertos em nosso universo, continuava guagem, o produto resultante representa não algo privado
vedada para a cibernética, ou seja, permaneciam sem poder e autônomo, mas uma "observação comunitária".
responder às perguntas: Bateson (1986) contribuiu com o fragmento mais conhe
• qual é a organização do ser vivo? cido dessa idéia: ele suprime as linhas divisórias entre as
• qual é a organização do sistema nervoso? unidades de criação tipo observador e observado, sujeito e
• qual é a organização do sistema social? objeto, propondo que essas unidades e seus contextos re
Segundo Maturana e Varela (1995, p. 37): presentem uma circularidade maior denominada !11ente.
Ele está falando de circuitos integrados, nunca menos
A resposta que se buscava, mediante a aplicação do
enfoque cibernético, deveria mostrar então qual era, que dois: DNA na célula, célula no corpo, organismo no
ao tomar as moléculas como componente, a organiza ambiente. Essa visão descarta os cortes entre as partes ou
ção do ser vivo, qual era, ao substituir as moléculas o controle unilateral de uma parte por outra.
por neurônios, a organização do sistema nervoso, qual Essa Segunda Cibernética descreve uma visão que pode
era, ao substituir os neurônios por pessoas, a organi ser aplicada a qualquer assunto: ativismo social, ecologia,
zação de todo sistema social (ou relações comporta
trabalhos religiosos, educação, etc.
mentais geradoras das culturas).
A Primeira Cibernética retrata o sistema em crise, como
Ao estudo dos sistemas de nossa atividade cognitiva (de uma máquina homeostática. O modelo separava o terapeuta
observação), deu-se o nome de cibernética de primeira or do cliente. Os modelos da Segunda Cibernética conceituam a
dem ou cibernética dos sistemas observados, porque o obser unidade do tratamento como contendo ambos, observador e
vador "se põe" à margem de tais sistemas. Ao estudo dos observado, em um grande grupo. O psicopedagogo, então, não
sistemas, nos quais nossa própria atividade descritiva é diria que o sistema cria o problema, mas inverteria a frase:
parte constitutiva dele, deu-se o nome de cibernética de o problema cria o sistema. Em outras palavras, o problema
segunda ordem ou cibernética dos sistemas observadores não existe, independentemente dos "sistemas de observa
(MATURANA; VARELA, op. cit., p. 36-37). ção" que estão, reciproca e coletivamente, definindo o pro
blema.
A segunda cibernética Desse ponto de vista, o sintoma representa, em parte,
A diferença mais importante entre a primeira e a segunda um modo de bloquear ou conter as forças deixadas livres
cibernética é relativa à observação dos sistemas. Von Foerster por �ssas escaladas negativas e, portanto, pode ser dito que
(apud VASCONCELLOS, 1995) afirma que o observador en- elas agem, pelo menos parcialmente, em benefício do gru-
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.,
Ludwig von Bertalanffy nos anos 40, e na ramificação des Mudança de estrutura para processo
ta, a cibernética. Cada estrutura é vista como a manifestação de um pro
cesso subjacente. Toda a teia de relações é intrinsecamvn
1. 3. 2 - Pensamento sistêmico te dinâmica.
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Maria Cecília Castro Gasparian A Psicopedagog,a Institucional Sistémica
1. 3. 3 - Prindpios básicos: propriedades gerais (feedback), permitindo-lhe reajustar-se para corrigir even
do modelo sistêmico-cibernético tuais falhas.
As propriedade gerais são:
'om base na teoria de Von Bertalanffy (1975), ampliada · globalidade: o sistema ê uma totalidade
por BaLcson (1986) em terapia familiar, propõe-se qué a es · retroalimentação ou feedback: é a circularidade
r()I H possa ser considerada como um sistema aberto, devi · homeostase: todo sistema tem um processo de equili
do no movimento de seus membros dentro e fora, de uma bração
i 11 L(!raçao uns com os outros e com sistemas familiares e eqüifinalidade: comportamentos diferentes podem criar
i�xtraf'amiliares (como o meio ambiente e a comunidade), a mesma conseqüência
uum fluxo recíproco constante de informações, energia e A primeira propriedade é a globalidade, ou seja, toda e
rnaLerial. A escola e a família tendem a funcionar como um qualquer parte de um sistema está relacionada de tal mod
sistema total. As ações e os comportamentos de um dos com as demais partes que a mudança numa delas provoca
membros influenciam e simultaneamente são influencia rá mudança nas demais e, conseqüentemente, no sisLcrnn
dos pelos comportamentos de todos os outros. total. Isto é, um sistema comporta-se não como simpl<'H
O sistema aberto tem como característica essencial. a conjunto de elementos independentes, mas como um Lodo
sua organização, que é controlada pela informação e abas-. coeso, inseparável e interdependente. O todo não é igunl :i
Lccida pela energia. Esse conceito põe em relevo certas pro soma de suas partes. O psicopedagogo com essa idéia vcrn
priedades dos sistemas abertos, fundamentais para a a escola como um todo e observará como os elemcnLos in
compreensão da organização e o funcionamento da insti teragem. Ao entrarmos no sistema escolar, faremos parle
l ui ção escolar. dele e estaremos influenciando e sendo influenciados por
· sistema: conjunto de elementos materiais ou não que de ele. Portanto, devemos ficar atentos às nossas reações e às
pendem reciprocamente uns dos outros, de maneira a for reações do grupo.
mar um todo organizado. A segunda propriedade dos sistemas é o conceito de re
· cibernética: é uma teoria do sistema de controle, basea troalimentação ou feedback. As partes de um sistema unem
da na comunicação entre o sistema, o meio, o interior do se por meio de uma relação circular. A retroalimentação e a
próprio sistema e do controle da função nos sistemas, no circularidade são o modelo causal para uma teoria de siste
que diz respeito ao ambiente. mas interacionais, ao qual pertence o sistema institucional
· escola: é um sistema aberto em que existe um movimento escolar. Ou seja, a escola, do ponto de vista sistêmico, pode
de entrada e saída de elementos através das fronteiras. ser encarada como um circuito de retroalimentação, dado
sistema aberto: recebe do ambiente novos elementos, que o comportamento de cada indivíduo afeta e é afetado
matéria-prima, energia, informação (inpút) e devolve a pelo comportamento de cada uma das outras pessoas.
ele produto do sistema (output). Informações sobre os O conceito central dessa nova epistemologia é a idéia
produtos podem constituir novos inputs para o sistema de circularidade em oposição a de causalidade linear. O alu-
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Maria Cecília Castro Gasparian
A Psicopedagogia Institucio
nal Sistêmica
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Maria Cecília Castro Gasparian A Psicopedagogia Institucional Sistêmica
ampla influência sobre as investigações do sistema familiar A hipótese sistêmica precisa englobar todos os elemen
que se segu iram e que veremos mais adiante. tos de uma situação-problema e a forma como eles se ligam.
11
Umas das idéias centrais de seu pensamento é que a es Como para o psicopedagogo institucional sistêmico não há
tru Lura da natureza e a estrutura da mente são reflexos tentativa de ver a hipótese ·como falsa ou verdadeira, o que
11 in:1 da outra, que a mente e a natureza são necessai:ia- interessa é que ela possa ser útil no sentido de conduzir às
111c:11Lc LUna unidade. novas informações que levem o grupo à mudança.
l 1orl.a11Lo a epistemologia2 - "o estudo de como chega- O sistema escolar oferece resistência a mudanças além
111m; 11 conhecer algo", ou como ele às vezes diria, a tentati de um certo limite, mantendo, tanto quanto possível, os seus
vn d< Hnhcr "qual é a de tudo" - deixou de ser para ele a
1
padrões de interação, sua homeostasia.
!'t losofia abstrata e tornou-se um ramo da história natural A escola também pode equilibrar-se em torno de padrões
(Ci\PHA, 1987, p. 66). disfuncionais . Quando existem obstáculos à transformação,
Para Batcson (1986), a família poderia ser análoga a um ou seja, quando existe dificuldade em se reorganizar um nov
sisLcma homeostático ou cibernético. Cada família desen equilíbrio na escola, vê-se freqüentemente que as transações
volve formas básicas e específicas de transformações, ou existentes são disfuncionais. Por exemplo, a evasão escolar,
seja, uma seqüência padronizada de comportamento's, de a repetência, os distúrbios de aprendizagem, a questão du
caráter repetitivo, que garantem a organização familiar e indisciplina são apenas algu ns dos sintomas da disfunçã
que permitem um mínimo de possibilidade sobre a forma escolar. Caberia, aqui, ao psicopedagogo institucional apon
ele agir de seus membros. tar possibilidades profiláticas para que isso não ocorra.
O mesmo ocorre na instituição escolar em que se con Um sistema escolar disfuncional mantém rigidamente o
sidera que as formas padronizadas e repetitivas de se com seu status quo interacional, mesmo quando uma mudança
portar são governadas por regras, que na sua maioria não em suas regras é essencial para o desenvolvimento de seus
são verbalizadas, mas que podem ser inferidas a partir da membros ou para a adaptação a novas condições escolares.
observação das qualidades das transações no sistema es A homeostasia e transformação são os processos bá
colar. A escola pode ser vista, então, como um sistema que sicos de manutenção da instituição escolar e, por isso, é
se autogoverna por meio de regras, que definem o que é e o importante ressaltar brevemente o desenvolvimento de tais
que não é permitido. Nesses termos, caberia então ao psi conceitos, embora já explicados anteriormente.
copedagogo institucional observar essas regras, analisá O conceito de homeostasia foi cunhado pela primeira ge
las e a partir disso formular hipóteses para sua atuação. ração de teóricos da terapia familiar sistêmica, mediante a
observação de intensa obstinação em relação a mudanças
nos padrões da interação da família, mesmo quando isso signi
· Segundo Lalande (1953) o termo epistemologia é-,e1I1pre·gado'em língua inglesa ficava a melhora do ente amado . Além disso, foi observado
para designar conhecimento (gnoseologia), em francês é usado com a referên que se o membro sintomático apresentava melhoras, subse
cia à Filosofia das Ciências: estudo crítico dos princípios, hipóteses e resulta
dos das diferentes ciências, destinado a determinar sua origem lógica (não
qüentemente um outro membro. da família apresentava al
psicológica), seu valor e seu alcance objetivo. gum outro sintoma.
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Maria Cecília Castro Gasparian A Psicopedagogia Institucional Sistémica
Existem padrões alternativos disponíveis dentro do siste O conceito de transformação significa que o sistema deve
ma, mas qualquer desvio que vá além do seu limite de tole mudar sua estrutura e isso se faz possível por meio de feed
rância ocasiona mecanismos que restabelecem o padrão usual. back positivo, ou seja, na manutenção de um sistema (esco
O mecanismo utilizado para restabelecimento da homeosta lar ou familiar) está presente uma cadeia de feedbach negativa
sc 6 denominado retroalimentação negativa ou feedback ne que não promove mudanças. Por outro lado, na transforma
gaLivo. Por exemplo, a adolescência na escola desequilibra o ção de um sistema (escolar ou familiar) deverão existir se
sioLcma. qüências de feedback positivo, no sentido de ampliarem
Nessa fase de desenvolvimento, a escola terá que modifi desvios nos padrões rígidos e imutáveis de interação que a
car o que é e o que não é permitido em relação ao adolescente. escola (ou a família) quer manter.
Se, no entanto, a tolerância do sistema escolar às mudanças é Esse conceito envolve a noção de que somente quand
limitada, pode-se impor ao adolescente mais lealdade para com um elemento do sistema, ou algum evento, faz com que haja
as regras escolares, acarretando-lhe sentimentos de culpa ou um desvio das normas da escola, o sistema escolar pode prn
agressividade entre outros, graças à tentativa de manter inal duzir novas informações e evoluir para novas estruturas.
terados os usuais padrões de interação na escola. O feedback A quarta propriedade é a equifinalidade, ou seja, em quul
negativo terá, assim, a função de manter o equilfbrio -.:·a ho quer sistema, comportamentos diferentes podem levar 11
meostasia do sistema escolar. mesma conseqüência. A eqüifinalidade é a característica c!o11
Caberá ao psicopedagogo articular as relações entre os sistemas vivos, segundo a qual, num sistema automodific-1i
subgrupos (de alunos e professores, por exemplo) para que vel, como a família, os resultados são mais determinado�
não ocorram disfunções nos padrões de interação e para pela natureza do processo do que pelas condições iniciais do
que possa haver uma harmonia entre o ensinar e o apren sistema. Assim, os mesmos resultados podem derivar de con
der e conseqüentemente um avanço para transformações. dições iniciais diferentes e resultados diversos podem advir
Foi Don Jackson, em 1968, então supervisor clínico e con de circunstâncias semelhantes, o que indica que os parànw
sultor psiquiátrico do projeto sobre comunicação desenvol tros do sistema predominam sobre as condições iniciais .
vido por Bateson e seus colegas, quem primeiro utilizou o Estas são as propriedades desenvolvidas pelo modelo sis
termo homeostasia familiar. Servindo-se de conceitos utili témico e que são perfeitamente observáveis na instituiçao
zados na cibernética, Jackson descreveu a família como um escolar.
A partir das idéias de Bateson e outros, desenvolveram
sistema fechado de informações, no qual variações no com
se várias escolas, tais como: a Estrutural, a Estratégica Brcv
portamento de um membro provocaria, por meio de um pro
e a do Grupo de Milão.
cesso de feedback, modificação corretiva na resposta dada
Embora cada uma dessas abordagens enfatize diferen
pelo sistema. Em outras palavras, quando uma pessoa apre
tes aspectos de um mesmo material, elas possuem um mes
senta mudança em relação à outra, esta outra atuará sobre
mo princípio básico, ou seja, a teoria geral dos sistemas.
a primeira de forma a diminuir e modificar a mudança que
Todas essas abordagens, como já foi dito anteriormenL,
foi apresentada. Entretanto, a não-aplicação desse conceito
são utilizadas em terapia familiar. Foi feita uma adapta
a fenômenos de crescimento, mudança e criatividade na fa
ção das mesmas para a Psicopedagogia Institucional, por
mília levará à elaboração do conceito de transformação.
se considerar a escola como um organismo vivo.
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Maria Cecília Castro Gasparian A Psicopedagogia Institucional Sistémica
agens
Descrever-se-á brevemente cada uma dessas abord Partindo do estudo com esquizofrênicos, observou-se que
da
11am que o leitor possa ter uma visão mais abrangente os componentes da família usavam formas de comunica
utilizadas na
crnnp1cxiclade do tema e como elas podem ser ção especial. Consistia numa forma de comunicação deno
p111L1ca psicopedagógica. minada duplo vínculo, na qual há uma demanda expressa
em um nível e contraditória em um outro. Um exemplo é
1 . 3 .4 - Os vários enfoques sistêmicos quando alguém diz: "gosto de você", mas amarra a cara.
Para instalar a dupla vinculação esta deve ser repetida
A l.t'w·in geral dos sistemas, por oferecer referências teó-
exaustivamente.
11rns uLl 'is n compreensão das leis que regulam os sistemas
O Grupo de Palo Alto considerava que as seqüências
v1vm1, l.orna-se um modelo epistemológico cada vez mais
repetitivas de comportamento dos membros de uma famí
<·l"i caz parn os profissionais que, trabalhando com a escola
l' as f'amílias, não podem utilizar os modelos elaborados a lia.são mantidas durante longos períodos de tempo, por
parLir da observação do comportamento de apenas um in- regras que as determinam e, que na família disfuncional,
dividuo. se tornam ambíguas. Definiu, assim, que o objetivo da t0-
O foco da terapia sistêmica não é centrado nas perce.pções, rapia interacional é clarificar as regras que determinam
emoções e fantasias de um dos membros da família. Na te os componentes familiares disfuncionais.
rapia sistêmica, a atuação é voltada ao "comportamento Concomitante com sua expansão, o Grupo de Palo AlL
111LNaLivo", à estrutura, ao equilíbrio, à estabilidade e à· iniciou a sua diferenciação em outros grupos. Cada grupo
1nuclnnça do sistema como um todo. enfocando aspectos importantes no que se refere ao funcin
l'arLmdo desses pressupostos, o terapeuta sistêmico con- namento sistêmico da família (DESIDÉRIO, 1993).
s1tk ra que, qualquer que seja o problema comportamental
apresentado, cada componente da família contribui, a seu O enfoque estrutural
modo, para mantê-lo. Portanto, o comportamento sintomá
tico reflete a disfunção do sistema total, seja em suas rela
ções internas, seja nas relações com o ambiente externo. O fundador e o mais conhecido representante desse mo
delo é Salvador Minuchin. Ele também fez parte do projeto
O Grupo de Palo Alto "Aprendendo para Aprender", coordenado por Bateson.
A partir de reuniões, pesquisas e discussões, Minuchin
e outros esboçaram e elaboraram a terapia sistêmico-es
Lynn Hoffman (1987), em seu livro Fundamentos de la te
trutural. Esta é uma terapia de ação que visa a modificar a
rapia familiar, relata que a terapia familiar sistêmica tomou
estrutura familiar, sua dinâmica e as experiências objeti
impulso em Palo Alto (Califórnia, EUA), quanq.o Bateson se
vas de cada participante. Esse tipo de terapia enfoca inves
juntou a Watzlawick, Satir, Minuchin e outros; para desen
tigação da organização vigente na família, sem explorar-lhe
volver o projeto "Aprendendo para Aprender". Esse grupo clas
o passado, já que para o autor, a alteração do presente mo
sificou as comunicações em termos de níveis de significado,
de tipos lógicos e de aprendizagem. difica automaticamente o futuro.
,:;n 51
M,1!1,1 Cec\\,a Castro Gasparian
A Psicopedagogia Institucional Sistémica
Minuclwi ('l\ JHH), enLao, elaborou três princípios sobre Minuchin (1988) trabalha com um modelo estrutural bem
os quais basein sun conccpção de terapia familiar: delimitado, mas alerta, porém, para a relatividade dos pu
l. A vidR psíquica ele um indivíduo não é exclusivamente um drões transacionais, que mudam em cada cultura e em cada
processo interno; o indivíduo que vive numa família é fase do ciclo de vida familiar. Cria técnicas pelas quaiB o
membro de um sistema social ao qual deve se adaptar. terapeuta, unindo-se ao sistema, promove a mudança da CH
Suas ações são governadas pelas características p.o siste trutura deste sistema, levando-o a desenvolver padrões tn-t11-
ma e essas características incluem os efeitos de suas pró sacionais cada vez mais funcionais.
prias ações passadas. O indivíduo responde aos estresses Avalia a evolução do processo pela aptidão, por parLc dn
em outras partes do sistema, às quais se adapta e pode família, de se relacionar cada vez mais funcionalmenLc. J•;111
contribuir significativamente para estressar outros mem cada sessão, lida com tempo, e espaço, diagnostica, élp(m1,
bros do sistema. O indivíduo pode ser encarado como um usa técnicas de união e provoca desestruturação e rccsLr11 ·
subsistema ou como parte do sistema, mas o todo deve turações no sistema familiar (DESIDÉRIO, 1993).
ser levado em conta. Essas intervenções podem parecer simples, mas snu di
2. As mudanças numa estrutura familiar contribuem para fíceis de aprender. O processo terapêutico envolve pri11('1-
mudanças no comportamento e nos processos psíquicos palmente o trabalho com comportamentos analóg1rn:-i 1•
internos dos membros do sistema. muita prática é necessária para se reconhecer pacl ro<'H 111
3. Quando um terapeuta trabalha com um paciente ou com visíveis de interação que um terapeuta estrutural cxpc 11w11-
uma família, seu comportamento se torna parte do con te pode captar à primeira vista (CALIL, 1987).
texto. O terapeuta e a f amília associam-se para formar
um sistema terapêutico novo e esse sistema, então, passa O enfoque estratégico breve
a governar o comportamento de seus membros .
Essa modalidade terapêutica enfatiza a qualidade das
fronteiras que delimitam a família e seus subsistemas. A Essa abordagem, formulada por Watzlawick e seus col('
qualidade das fronteiras é determinada pelo padrão de inte gas do Mental Research Institute de Palo Alto, fundc1tnc'11
ração entre seus membros. Isto é, uma seqüência de com ta-se na premissa de que vários tipos de problemas Lrnzidos
portamentos padronizados, de caráter repetitivo, governados pelo paciente ao terapeuta só persistem se forem manLidm,
por regras que definem quem participa em cada subsistema pelo comportamento atual das pessoas que interagem com
e de que maneira se dá essa participação. o paciente e seus problemas. Se a cadeia de interações qut·
O sistema familiar está organizado em torno do apoio, mantém o problema foi eliminada, o problema desaparM·P
regulamentação, proteção e socialização de seus membros; rá, qualquer que seja sua natureza ou etiologia.
conseqüentemente o terapeuta se une à família, não para Esse Grupo apresenta alguns princípios gerais que fun
educá-la, ou socializá-la, mas para restamar ou modificar o damentam o corpo teórico e prático desta abordagem ter,, -
funcionamento da mesma, a fim de que possa desempenhar pêutica:
melhor essa tarefa. • os problemas são vistos como dificuldade de interação;
52 53
-,-
• os problemas são vistos como resultado de dificuldades cepção de seus clientes quanto
ao contexto de seus com
1:oLidianas não resolvidas, portanto, resultando em sin portamentos.
Lo1uas;
• 11H Lrnnsiçõcs de vida e o ciclo de vida familiar requerem O Grupo de Milão
w:111d1·s mudanças nos relacionamentos;
• nH prnhk1nas desenvolvem-se por meio da superênfase
1111 H1tl1(•11f'.u,e nas dificuldades de viver; O Centro per lo Studio della Famiglia foi fundado em
• 11 1·1111! 111t1a!;úo de um problema é resultante de um circui- 1967 por Mara Selvini Palazzoli e sua equipe, L uigi Bosco
1" dt· /i•1•1!/}((c/: positivo centrado nos comportamentos dos lo, Gianfranceso Cecchin e Giuliana Prata.
111<l1viduos que pretendem resolver a dificuldade; Essa equipe publicou livros e artigos nos quais apresen
• m; problemas de longa duração não são indicadores de ta sua filosofia e seu método terapêutico. O livro mais co
To11iciclade, mas de persistência de uma dificuldade mal nhecido é Paradox and conterparadox (infelizmente ainda
'nfrenLada; não traduzido para o português).
• c1s resoluções do problema requerem primeiramente a O propósito do Grupo era o tratamento de crianças s
substituição de padrões de comportamento; veramente transtornadas junto com suas famílias. Sua 01·ic11
• promover mudanças de forma que funcionem mesmo que tação era psicanalítica, mas desde o começo Live1·;.1m d,.
possam parecer ilógicos;
enfrentar dificuldades; como aplicar conceitos analíLicos
• lH'l\SHr pcriueno, ou seja, focalizar o sistema apresentado
no trabalho com famílias? A pergunta dos pioneiros (BaLrson,
pt·ln pacienLe e trabalhar em busca de alívio do mesmo;
Watzlawick e outros) era a seguinte: Se mudassem os pa
• 11 horclagcm terapêutica pragmática. Intervenção direta
drões de interação familiar, seria possível mudar o prob] ... -
110 sisLema em tratamento, tendo em vista:
• o que ocorre nos sistemas interacionais; ma de comportamento?
• como continuam funcionando e Com base no modelo Cibernético e da Pragmática da
• como podem ser modificados. comunicação humana de Watzlawick et al. (1993), o Grupo
É importante ressaltar que, ao contrário do enfoque es se empenhou em demonstrar a validade do seguinte con
lrutural que visa à alteração nos padrões de interação do ceito: a família é um sistema autocorretivo e autogoverna
sistema familiar durante a sessão, o enfoque estratégico do por regras de convivência construídas durante o tempo
breve enfatiza a alteração dos mesmos no intervalo entre por ensaio e erro.
as sessões, pela prescrição paradoxal. Essa abordagem sis Em 1971 o Grupo de Milão rompeu com o Grupo de Palo
têmica realça o sintoma como sendo a unidade a ser foca Alto e trabalhou exclusivamente dentro dos limites dos sis
lizada, não a família. Logo, ao contrário do enfoque estrutural, temas familiares ou, como diriam mais tarde, a estrutura
os terapeutas estratégicos breves não se preocupam em ver sistêmica.
todos os membros da família. Os terapeutas construíram a conotação positiva da si
Para os terapeutas estratégicos breves a chave para tuação-problema. A conotação positiva é uma mensagem
mudanças é a arte, pela qual poderão reformular a per- pela qual o terapeuta indica à família que o problema é, no
<;<;
Maria Cecília Castro Gasparian
A Psicopedagogia Institucional
Sistémica
contexto, lógico e significativo. Eles também construíram a
Ideologicamente, a neutralida
prescrição de um ritual que é um ordenamento do compor de pode ser definida com
a capacidade do terapeuta par
tamento da família seguindo dias determinados, relacionan a perceber, de maneira sis
mica, a situação total. Lê•
do com a situação-problema, cuja função era a introdução
O Método de Mi.lãa na.o é um
de mudanças. conjunto de procedimenLoH
que são repassados como rec
Introduziram-se, assim, três importantes cõnceitos te eitas. Esse mé todo inclLti 11
progTamação interna da hab
rapêuticos: ilidade de evolução para ío,·
mas novas e diferentes, con
• a elaboração de hipóteses, implicava um processo de ava stitui uma abordagem na q1u
se "aprende a aprender" no tl
liação; sentido batesoniano, ou Hc:11 1
sistemicamente. ,
• o questionamento circular em uma técnica de entrevista e
Segundo Cecchin, Boscolo e
• a neutralidade em uma postura básica terapêutica. Pallazoli (1978, p. a7):
O questionamento circular, ao mesmo tempo em que defi Esta abordagem desafia seus
adeptos a lrncl t1 i i1 11 IJ11
ne e classifica as idéias confusas e os comportamentos ques fase na epistemologia da Nov
a Biologia, 0111 1111111 l i11
guagem realística do trabalho
tionáveis, introduz, por meio de novas perguntas, outras clínico. PorL1u1fo1 11 q11"
.
está estimulando as pessoas
informações na família. Assim, o sistema terapêutico. e o não é apenas n pw111il 1il 1
dade de experimentar novas
idéias sobre lc- 1 ·11p 1 11, 1 1 111
sistema familiar, co-criam, pela linguagem, múltiplos signi a possibilidade de experiment
ar novas idri 11 :1 11nl 11 11 ,1
ficados que conduzem à consideração de um número maior mundo que os pesquisadores
das áreas clus <· 1 1 1 111 111
de alternativas (CECCHIN; BOSCOLO; PALLAZOLI, 1978). naturais estão nos oferecendo
.
O questionamento circular também pode ser definido -
baseando-se na definição dada por Bateson da informação: Teoria da comunicação
"comunicação sobre uma diferença" - como o método so
crático de indagação, e ampliando, "comunicação sobre uma Realizamos a nós mesmos em
mútuos ncopl 111 , 1 1J 1 1iu
lingüísticos, não porque a ling
diferença relacional" (CECCHIN; BOSCOLO; PALLAZOLI, uagem nos pcr1 1ii111 d 1
zer o que somos, mas porque
op. cit.). somos nn l 111 1111 11fl')r 11 ,
num contínuo existir nos mu
ndos lingü1HLic11:1 u 11,
A neutralidade - que acompanha o questionamento cir mânticos que produzimos com
os outros. 1•: it c:0 1 1!,1· 11
cular e a elaboração das hipóteses e se insere profundamen mos a nós mesmos nesse acoplam
ento, nflo t·o, 1 1 11 11
te em toda a teoria e metodologia da Equipe de Milão - pode origem de uma referência, nem
em refcrênc111 11 1111111
ser melhor apresentada por meio de seus resultados. Este origem, mas sim em contínua
transformaçao 1rn Vll',n,
ser do mundo lingüístico que
talvez seja o termo menos compreendido. Em um nível, constituímos 1· 0111 1 1
outros seres humanos. (MATUR
parece ser o modo de traduzir a idéia de Batesosn, segundo ANA; VAREI,/\, l!J!JI,,
p. 252-253).
a qual, se o sistema é visto sistemicamente, é preciso dar a
Ao considerar o ser humano com
todas as suas partes o mesmo peso. Isso quer dizer que o o aprendente e c11s1111 11 1
te, vamos encontrá-lo em consta
terapeuta deverá ter uma posição múltipla, sem tomar par ntes manifestações c111 1w11
meio, que podem ser observáveis
tido de ninguém. e que têm como vcículu 11
comuni cação.
56
57
1
omwúcação é um termo importante em Ciências Hu- vínculo se realiza por meio de um papel com seu papel com
1na nas. São comuns as referências à patologia da comuni plementar.
C'ilÇélO, da interação, da relação. Segundo esse
ponto de vista, Na descrição dos "tipos caracterológicos sociométricos"
111dn a ação psicopedagógica será uma ação sobre e por ·meio há uma intersecção da soé:iometria com a teoria da comu
tln ,·on111 nicação. nicação, importantes para a atuação do psicopedagogo, pois
'l'nl conccpção envolve três mudanças màrcantes: mostrará como cada indivíduo funciona no papel de emis
• 1\ p1·i 1llctra é uma mudança de questionam
ento: o "como" sor ou receptor de mensagens comunicacionais.
Rl1hsl.1Lu1 o "por quê" (pergunta-se "como acontece" em A mensagem é a unidade comunicacional isolada, enquan
v,•z de "por que acontece"); portanto, a descrição substi to a interação é uma série de mensagens que as pessoas tro
l u I a explicação. cam entre si. Durante a interação, as pessoas costumam
• A s!'gLrnda mudança é de método: a experimentação é subs comunicar atitudes e também dar informações, explícitas ou
LiLu(da pela observação. não, sobre seus sentimentos e pensamentos. A comunicaÇ
• 8 a terceira mudança é o objeto: o estudo dos desempenhos tem caráter circular, ou seja, constantemente se recebe e S''
dos casos particulares e das diferenças inter-individuais, fornece estímulos por um mecanismo de retroalimenLnc_:un
torna-se tão valioso quanto o estudo das competências, das (feedback), que tende a manter a homeostase (equilíbrio com;
leis gerais e dos car acteres universais. tante) entre as pessoas que convivem e se comunicarn dentro
Quem trabalha com os aspectos relacionais não ignora · de um determinado contexto.
;1s operações intrapsíquicas, mas acentua a importância Para um trabalho psicopedagógico institucional essa
do contexto interpessoal, considerando o homem como um abordagem é de grande utilidade, pois estará ajudando o psi
ser aLivo e reativo, inseparável da estrutura social na qual copedagogo a observar como os grupos se comunicam entre
t•sLá inserido. si e assim poder atuar. Usando técnicas verbais, corporais e
Duas importantes contribuições aos aspectos relacionais de ação como o psicodrama com utilização de desenho (psi
vêm do psicodrama de Moreno: a teoria dos papéis e a socio codrama) ou dos brinquedos, o grupo cria as cenas a serem
mcLria. trabalhadas.
Papel é uma forma de funcionamento que o indivíduo Acredito que a utilização de técnicas e jogos numa abor
assume no momento específico em que reage a uma situa dagem psicodramática poderá facilitar a atuação do psico
ção específica na qual estão implicadas outras pessoas ou pedagogo com professores e alunos para sensibilizá-los a
objetos (KAUFMAN, 1995). aprender novos conceitos e, com isso, provocar mudanças.
A Sociometria pode ser definida como a ciência das rela No livro Pragmática da comunicação humana dizem Paul
ções interpessoais. Sociometria signif.ica medida de rela Watzlawick e colaboradores (1993, p. 52) que "a comunica
ções sociais, no sentido mais amplo, todas· a� medidas de ção é fator primordial da vida humana e da ordem social".
todas as relações sociais. Para eles, desde o início da vida, o ser humano encontra-se
Vínculo, nesse contexto, é o resultado do encontro entre envolvido em processos de interação, nos quais aprende
um papel e seu papel complementar (ou contrapapel). Todo constantemente regras de comunicação.
"º
Maria Cecília Castro Gasparian A Psicopedagogia lnstituaional Sistémica
É na escola que se encontra a formalização desse con uma informação é conhecida como os aspectos de relato e a
ceito. Nela o professor que ensina deve estar preparado e imposição de um comportamento os aspectos de ordem.
nscientizado, por meio do psicopedagogo institucional, O aspecto relato de uma mensagem transmite informa
n111 como deve se comunicar e entender como ele se comu ção (dados), logo é sinônirrto, na comunicação humana, do
nica com o seu aluno. Cabe ao psicopedagogo, portanto, tarn conteúdo da mensagem.
!Jctn csLudar e entender a pragmática da comunicação O aspecto ordem, por outro lado, refere-se à espécie d
humana que é uma ciência ainda nova. mensagem e como deve ser considerada; portanto, refere
Toda comunicação tem uma característica: a de ser mo se às relações entre os comunicantes. Essas relações so
dificada por outra comunicação que a acompanhe, que res raramente são definidas de um modo deliberado e com ])lc
salta o aspecto dinâmico. na consciência. Ex.: "Isto é uma ordem" ou "Estou só bn11-
De acordo com a Pragmática da comunicação humana, cando", são exemplos verbais de tais comunicações sol l r,•
é necessário examinar algumas propriedades simples da co comunicação.
municação, que têm implicações interpessoais fundamen O terceiro axioma é a pontuação da seqüência de t·v1·11
tais: elas detêm a natureza dos axiomas. tos: "A natureza de uma relação está na contingênctn d 11
O primeiro axioma diz respeito à "impossibilidade de pontuação das seqüências comunicacionais entre os c·o11111
não comunicar" (WATZLAWICK et al., 1993, p. 44). O com nicantes." (WATZLAWICK et al., 1993, p. 54).
portamento não tem oposto, isto é, não existe um não-com A pontuação organiza os eventos comportamen tn i H •),
portamento ou, ainda em termos mais simples, um portanto, é vital para as interações em curso.
indivíduo não pode não se comunicar. Culturalmente, compartilha-se de muitas conve11çck11 d t •
Todo comportamento numa situação interacional tem pontuação que, embora nem mais nem menos rigorosnH do
valor de mensagem, isto é, é comunicação; segue-se que, por que outras concepções dos mesmos eventos, serve 111 p:1, 11
mais que.o indivíduo se esforce, é impossível não se comuni organizar comuns e importantes seqüências de inLrrnçt10
car. Atividade ou inatividade, palavras ou silêncio, tudo pos Por exemplo, a uma pessoa que se comporta de ccrLn 111,1
sui um valor de mensagem; influenciam outros e esses neira num grupo chamamos de líder e a uma outrn ad1 •11!n,
outros, por sua vez, não podem não responder a essas comu se bem que, ao se refletir, seja difícil dizer quem cl tl 'J-','"'
nicações e, portanto, também estão se comunicando . primeiro ou onde estaria um sem o outro.
O segundo axioma diz respeito ao conteúdo e aos níveis A discordância sobre como pontuar a seqüência de• c•v,•11
de relação da comunicação. tos está na raiz de incontestáveis lutas em torno cJ :.i s rel.1
Toda a comunicação tem um aspecto de conteúdo (da ções. A ssim, todas as pessoas, de uma maneira impl í cil,11
dos) e um aspecto de comunicação (ordem) tais que o ou explicita, tentam definir a natureza de suas rclaçuc•i,, 1·
segundo classifica o primeiro e é, portanto, uma meta isso é observável pela conduta comunicativa.
comunicação. (WATZLAWICK et al., op. cit. p. 50). O quarto axioma fala que: "Os seres humanos se co,1111-
Uma comunicação não só transmite informação, mas, ao nicam digital e analogicamente." (WATZLAWICK, op. c1t,
mesmo tempo, impõe um comportamento. A transmissão de p. 61).
60 61
7
Maria Cecília Castro Gasparian A Ps,copedagogia Institucional
Sistémica
fala primeiro sobre determinado assunto. O que notamos é do idealismo grego e que não se afina com a idéia de evolu
que, com isso, ocorre uma fragmentação da idéia em prejuí ção nem de dialética. Essa postura considera que todas
as
zo de todos. coisas foram criadas acabadas. O céu, a Terra e tudo o
que
Não é nossa intenção falar com profundidade sobre o neles há foi criado já acabado e independente.
·onstrutivismo, mas, nem por isso, sem seriedade. O espa Esse é o método metafísico de pensar: considera como
c;o é pcq ueno e o tema, complexo e seria leviano dq nossa verdadeiro o que está por trás além do concreto. Metafísi
parLc esgotar o assunto em poucas linhas. ca significa simplesmente "aquilo que vem depois da físi
Noss:..i intenção, ao colocar o tema construtivismo neste ca", da aparência externa. Ela busca o conhecimento da
:ap(Lulo, é de apenas pontuá-lo como parte integrante e essência das coisas, como dadas na natureza, isto é, "o cv
fundamental da filosofia e do pensamento sistêmico, toman nhecimento dó que são as coisas em si mesmas, por oposi
do como exemplo al gu ns autores mais conhecidos e discu ção às aparências que elas apresentam" (LALANDE, 19 ..., ,,,
tidos no plano pedagógico como Vigotsky, Wallon e Piaget. p. 37).
Muito embora Piaget seja lembrado no aspecto pedagógi Outra visão que nos ajuda a ter dificuldades para enLc·11
co, queremos enfatizar que a principal preocupação dele der e praticar o construtivismo é a ótica maniqueísLn qu(•
não eram os problemas de ensino e sim a psicogêne;e, ou separa os seres do mundo em bons e maus; para ela o 1><•111 11
seja, o estudo da origem da mente e do conhecimento. De • o mal são inerentes aos seres. Como os objetos süo e·, 111
um lado, é a gênese da psique humana (das representações ções inalteráveis, são bons ou maus por natureza.
mentais, da memória e do pensamento); de outro, a gênese Uma das manifestações mais comuns dessas duas v1N<Jt):
dos conhecimentos. Atualmente a psicogênese da alfabeti é a atitude de separar e de dividir os seres, excluindo t1111 d 11
zação é a mais conhecida. outro, isto é, ou eles são uma coisa ou outra, e nuncn u 11111
O construtivismo é, antes de tudo, uma nova visão da coisa e outra. Essa postura dicotômica da realidade H<JJ>II·
natureza e dos fenômenos que ocorrem nela e nos seres hu ra o bem do mal; na educação ela é responsável pela lit'!Ht
manos. Se não mudarmos o padrão de agir e de olhar o ração entre teoria e prática, fazendo, com isso, uma dissocinc;:10
mundo e os indivíduos, não estaremos atuando como cons do pensamento e do planejamento, do fazer e do agir. TeOl'i ! 'II
trutivistas, mas sim como tradicionais com pretensões de mente, essa postura está superada em virtude do dcsenvolv,
modernos, ou seja, estaremos usando conceitos construti menta científico e das rápidas transformações pela qmil pm1�11
vistas com atitudes antigas, como observamos em várias o mundo; entretanto, a educação ainda não conseguiu supt'
escolas. rar essa visão.
Constatamos, hoje, na área de educação, seja na docên A visão transformadora é o olhar do movimento. O u11i
cia, seja na administração organizácional, duas grandes verso todo está em movimento. Todo movimento é Lrn1it1
correntes sobre a visão de mundo que se opõem: a visão formação e a transformação tem um caráter de mudc111 çt1
tradicional e a visão transformadora. qualitativa, ou seja, as transformações não ocorrem SOU1< I1 1
O olhar tradicional vê o mundo, a sociedade e a vida te por acréscimo de quantidade, mas, principalmente, pot·
como algo parado, imutável. Trata-se de uma visão nascida saltos de qualidade.
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A Psicopedagogia Institucional Sistémica
Maria Cecília Castro Gasparian
F.7
Maria Cecília Castro Gasparian
A Psicopedagogia Institucional Sistémica
portantes para o novo modelo de Ciência que começará a dos três autores se completam: Pia
aparecer neste século. Sua contribuição para a Educação é get com os aspectos cogni
tivos, Vigostky com os aspectos sóc
importante, mas o seu trabalho não se resume a isso. io-históricos e Wallon
com os aspectos afetivos e de person
Voltemos nossa atenção para algumas descobertas de alidade.
Esses autores são dialéticos. O mo
Piaget que parecem ter importância especial para a Edu do dialético de pen
sar é sistêmico. As leis que comand
·uçüo. Ele identifica três tipos de conhecimento: o conh.eci- am a dialética, como
veremos a seguir, têm seus princípi
11u•nto físico, descoberto pela ação direta do sujeito sobre o os em concordância com
o modelo sistêmico:
c,bjcLo; o conhecimento lógico-matemático, criado pela ação, 1) Lei da interação universal ou Lei
rcílcLindo cm nível operatório (plano B) as informações do todo
2) Lei do movimento universal
coletadas no nível prático (plano A) e o conhecimento social 3) Lei da unidade dos contrários
arbitrário, construído em interação com os outros indiví 4) Lei da transformação da quantid
duos em sociedade. ade em qualidade
5) Lei do desenvolvimento em esp
A principal preocupação de Piaget não são os problemas iral
de ensino. No entanto, qualquer pessoa que o leia �asual O pensamento dialético realiza a inte
gração cio conslru
tivismo como corpo de teoria coerente p
mente não pode deixar de ficar impressionado com o poder ara ser aplicado
à educação. A visão que a intuição cons
que suas idéias têm com assuntos ligados à educação. trutivista fo riw
ce, é fundamentalmente dialética. (MAT
UI, 1996, p. 4:!).
O interacionismo é uma grande base para a interação
Dependendo de como vemos o mundo,
de Piaget, Vigotsky e Wallon. Esses autores concordam que as pessoas e a nós
mesmos é que atuaremos como profissio
o desenvolvimento e a aprendizagem não são resultantes nais.
Pergunto agora: como você se vê com
só dos estímulos externos (objetos), nem só da produção da o pessoa e como
profissional? Com que linha teórica
razão (sujeito), mas fruto da interação dos dois: sujeito e se identifica? Só após
respondidas essas e outras questões
objeto. é que poderemos nos
definir como profissionais.
No interacionismo, cada um dos pólos - sujeito e objeto
Como afirmamos no início desse item
- entra com sua parte: o sujeito entra com a "forma" de , não pretendíamos
nos estender demais no assunto. Nossa
pensamento e o objeto, com o "conteúdo" da matéria. A intenção é de apenas
provocar uma reflexão e ver o constru
síntese da ação dos dois é que produz, por construção, tan tivismo como parte
integrante da teoria sistêmica. Se você
to a mente como o conhecimento. Vemos, então, uma das quer ser sistêmico
conseqüentemente construtivista pense
propriedades da Teoria do Sistema: a circularidade, em que e reflita sobre o qu
está fazendo como profissional e como
A influencia B, que influencia A. indivíduo.
O interesse e o valor que esses autores têm para o ensi
no não são afetados pelas divergências que apresentam
entre si. O que interessa para a prática pedagógica é a po 5. Conclusão
sição interacionista construtuvista que os três mantêm.
Interessa ainda à educação o fato de que as contribuições Nunca me agradou a idéia de escrever, pois acredito que
uma experiência jamais pode ser registrada no papel; a le-
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69
Maria Cecília Castro Gasparian A Psicopedagogia lnslitucional Sistémica
70 71
Maria Cecília Castro Gasparian
A Psicopedagogia Institucional Sistêmica
72 73
li
PENSANDO AS DIFICULDADES
DE APRENDIZAGEM À LUZ
DAS RELAÇÕES FAMILIARES
Elizabeth Polity
2. 1 - Introdução
nica, há um outro fator implicado: suportar um movimen alguns conceitos introjetados. Com;idero que esse desejo
to psíquico, acompanhado de ansiedade, que pode estimu de realização é fundamental em qualquer processo relacio
lar o desenvolvimento mental ou limitar sua realização. nado à aprendizagem, pois entende-se que é o desejo qu
Em alguns, momentos fui beneficiada pelo meu não-saber. niobiliz-a a ação.
Em outros, senti-me insegura e despreparada. Em todos, No presente trabalho, parti da hipótese de que crianças
entretanto, senti-me movida pela força das relações. e jovens com Dificuldade de Aprendizagem podem ser bene
Pretendo, por meio do relato de alguns aten_dimentos, ficiados com uma intervenção familiar, que as permita sair
mosLrar a ligação da família com as dificuldades de apren da posição de portador do sintoma do grupo e receber aju
dizagem e, ainda, como o atendimento terapêutico/educa da de todo o sistema familiar, a fim de construir uma nova
·ional possibilita a flexibilização da dinâmica familiar, relação com o saber. Tinha ainda como hipótese que, scjH
abrindo novas possibilidades de vida. qual for a etiologia da Dificuldade de Aprendizagem (ncL1-
Minha atividade prática, trabalhando em uin estabele rológica, emocional, cognitiva, genética, etc.), o grupo ín
cimento que atende alunos com Dificuldade de Aprendiza miliar é um fator decisivo para a condução e/ou resoluç1io
gem, mostrou-me que é perfeitamente possível e pertinente dessa situação.
entrelaçar os campos da 'Psicopedagogia e da Terapia Fa Meu objetivo geral foi avaliar a dinâmica familiar pre
miliar, poi� um amplia e complementa o outro. sente nesses casos e como o sintoma era trabalhado na ru
. A Psicopedagogia pesquisa, estuda e analisa as questões mília. Tive como objetivos específicos, esclarecer a modalidade
relaci�n�das ao processo de aprendizagem e ao tratamento de aprendizagem do grupo familiar, nomear os vínculos, as
de seus problemas. Preocupa-se com as relações ensinen lealdades, as missões e os legados e, ainda, observar o mu
te-aprendente, com a forma como se ministra conteúdos mento do Ciclo Vital da família e o manejo utilizado, para
escolares, com processos de desenvolvimento cognitivo/emo lidar com o luto, por ter uma criança/jovem diferente no
cional da criança, aquisição da linguagem, etc. A Terapia grupo.
/ Familiar, tal como eu a· concebo, procura ressignificar as Utilizei como procedimento, minha experiência em aten
questões do grupo, dentro de uma Abordagem Sistêmica, dimentos psicopedagógicos clínicos e institucionais, bem
enfatizando os processos relacionais, entre eles, como o gru como meu trabalho com famílias, cuja queixa era a Difi
po lida· com a aprendizagem. culdade de Aprendizagem de um de seus membros. Acredi
Sendo a Psicopedagogia e a Terapia Familiar Sistêmica to que estamos sempre sujeitos a uma leitura de mundo
os dois campos em que atuo profissionalmente considerei subjetiva e calcada em nossos paradigmas internos. O qu
i.n tcressan Le e oportuno refletir e pesquisar sobre a rela não nos impede de tentar trazer os fatos observados, como
c.;flo da Dificuldade de Aprendizagem com o grupo familiar, integrantes do sistema, em acordo com o modelo cibernéti
na qual o sujeito está inserido. co de 2ª ordem (consulte o Capítulo 1, A psicopedagogia
Do ponto de vista interno, diria que este trabalho sur institucional sistêmica).
giu da ordem do desejo, dando corpo à emoção, e como num Os livros e os mestres muito contribuíram para meu
calidoscópio, formando diferentes imagens decorrentes de desenvolvimento, mas a parceria que desenvolvi com os
80 81
E\izabelh Polily Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares
nos, com os pacientes, de uma ajuda ps icopedagógica. Com disc iplina e muito trei
professores do colégio, com os alu
provocou em mim no, este proble m a s e resolverá." Afirma o pai, depois da
com as famílias, foi sem dúvida a que
foram construídas várias tentativas em escolas comuns.
mudanças mais significativas, pois elas
mentos e dos desejos
no encontto das emoções, dos senti
O que há de errado com Carolina, Laura e Sílvio? São
clm, partes envolvidas.
preguiçosos, obstinados, desobedientes? De modo algum.
Todos são crianças tolhidas por uma Dificuldade de Apren
1,·,.� n momento! Começando nesta porta, um longo_ camúiho
1111·r1.t11lha no passado: atrás de nós está uma eternidade! dizagem, que se manifesta no seu desempenho escolar. Al
N11r, s,•ro verdade que todos os que podem andar têm de já ter guns nom es técnicos poderi am ser empregados para
percorrido este caminho? descrever esses casos como: dislexia, disgrafia, discalcu
Nietzsche lia, etc., mas pouco importa rotular essas cri anças. Sabe
se que nunca há uma causa única para o fracasso escolar,
mas sim uma conjunção de fatores que interagem, uns so
bre os outros, que imobilizam o desenvolvimento do sujei
2. 2 - Desenvolvimento
to e do sistema familiar num determinado momenLo.
Algumas famílias manifestam sua decepção, sua desa
Para Carolina, de 7 anos, a melhor hora do dia é a hora
provação, sua própria cólera em vista dos maus rcsulLndos
'de ouvir histórias. Ela gosta muito quando a mãe lê para
escolares. Outros pais podem apresentar total inclifcrc'1H;n,
ela,· e· gtava com facilidade o que ouve. Mas Carolina, tem
um problema, Ainda não sabe ler. De fato, qualquer tarefa completa ausência de interesse pelas dificuldades cln cnm,
ça. Entretanto, o que se apresenta em comum a essas dua�
que exija perícia visual a desanima. "Não ac redito que isto
atitudes opostas é que ambas afetam o sujeito em sua tota
esteja acontecendo conosco", diz a mãe. "Meu pai (avô ma-
lidade, impedindo que ele cresça de forma natural e satis
' terno) é uni escritor de renome. Como posso ter uma filha
que não consegue ler ou escrever?"
fatória.
82 83
1 1
i\
1
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares
Elizabeth P olity
genérico que se
Dificuldade de Aprendizagem é um termo Essas manifestações podem ocorrer durante toda a vida
refe re a um grupo heterogê
neo de desordens, manifestadas do suje ito, afetando várias facetas: trabafaos escolares,
ção, fala, lei
por dificuldade na aquisição e no uso da audi rotina diária, vida familiar, ;3.mizades e diversões. Em al
tura, escrita, raciocínio ou
habilidades matemáticas. gumas pessoas as manifestações dessas desordens são apa
rentes. Em outras, aparecem apenas em um aspecto isolado
do problema, causando pequeno impacto em outras áreas
da v ida.
pensamento pós-mo de rno não se apóia num método qu e garanta a verdade,
mas exige que se desenvolvam mei os de c onhecimento qu e exponham a expe
Reconhecer quando uma criança ou jovem apresenta uma
riência como ela é vivida. S em ter inte resse e m l eis gerais, o pensado r c oloca Dificuldade de Aprendizagem já é um primeiro passo para
se aberto às diferenças, dando imp ortância aos c ontext os de temp o e espaç o, não rotulá-la de lenta ou preguiçosa. Esses rótulos exer
valorizando ao m e smo tempo o único e o complex o. Desta feita, a ênfase recai
sobr e a multiplicidade de significados e na descre nça de verdades a-históricas. cem um efeito negativo sobre as competências que estão
85
84
•
preservadas, uma vez que abalam sobremaneira a auto-es cent r ada na cri ança-prob lem
a organiza a família e
Lima do sujeito. O simples fato de reconhecer que existe paradoxalmente a acalma. Ma
s como a fam ília não está
capacidade e que algo pode ser feito já é de grande utilida avaliando bem a situação, o tipo
de atenção que despe
de. Quando ·os pais e a escola conseguem oferecer diagnósti ja na criança será tod o errado
, aumentando seu com
portamento difícil e tudo
co e ajuda adequados, muitas crianças demonstram melhora JOHNSON, 1997, p. 3).
vira aflição! (RATEY;
ttCr.nLuada e observa-se uma sensível redução nos ·conflitos
t•rnocionais resultantes do contínuo fracasso.
A Dificuldade de Aprendizagem, quando de origem or Ao avaliar as Difituldades de
Aprendizagem, dentro do
contexto familiar, não estaremo
�:n nica, pode ser bastante definida e clara, levando-nos a s responsabilizado o grupo
pela química cerebral, mas ten
1rnpor que a área emocional e o ambiente_ familiar tiveram tando entender como as si
poucn ou nenhuma participação no seu aparecimento e de tuações serão encaradas e adm
inistradas. Parafraseando
Ratey, se nascemos com algum
Lerminação. Boa parte dos problemas, em que esbarramos alelo (referindo-se ao gene
ncsLa área - lentidão de raciocínio, falta de atenção, desin que pode gerar um distúrbio cer
ebral), vamos acabar cain
teresse, etc. - encontram suas origens na biologia e, sobre do em algum lugar do espectro
desse problema (do mais
iudo, na biologia exposta ao meio ambiente. grave ao mais brando). Mas a form
a de desenvolvimento d
Mesmo as teorias mais organicistas, baseadas na neu nossos problemas - se seremos
atentos, hiperativos, Lcrr
i'opsicologia, como afirmam Ratey e Johnson (1997), admi mos dificuldades específicas de apr
endizagem - talvez scjn
Lem que·os distúrbios mentais, mesmo brandos, podem se determinada pela vida.
tornar muito piores em respostas a um ambiente cheio de Estudos realizados na Universid
ade da Califórnia (EUA),
niíclos, a uma família ruidosa. O nível de funcionamento por Jeffrey Scwartz, mostram
que pacientes com proble
cios pais sempre altera o problema - com base biológica ou mas na química cerebral - DOC,
Hiperativos - mudam in
11ao - do filho. A criança hiperativa tornar-se-á mais hipe teiramente essa química, mediante
o comportamento, pois,
raLiva, a deprimida mais deprimida, a autista mais autis segundo eles, o meio ambiente, e
aqui pode-se incluir a fa
La, quando a família funciona dessa forma. mília sem sombra de dúvida, afe
ta a biologia cerebral, a
Ratey e Johnson (op. cit.) consideram que não é difícil ponto de ser possível detectar mu
danças nas imagens cere
observar como o sintoma pode atuar na família, perturban brais, conseguidas por tomografia.
do o sistema mais amplo; entretanto, afirma que realmente Mesmo que os neurologistas pos
sam identificar alguma
existem crianças difíceis, cujos pais com pouco preparo para lesão, que determine Dificuldade na
Aprendizagem, não se
lidar com elas submetem-se a situações muito estressantes pode pensar que biologia é destino
. A estrutura e os pa
agravando sobremaneira o problema. Ele afirma: drões das atividades cerebrais refletem
também as experiên
cias e os estímulos, aos quais som
É mais fácil ver o que há de errado com os filhos de os submetidos e não
apenas as características biológic
outras famílias pois os filhos\ioi outros não geram as com que nascemos.
ruído em nós. Os filhos dos· �U:tros não prejudicam Um a criança, que tem dificuldade
em prestar atenção
nossa capacidade de processamento. Uma atenção con- nos estudos, pode ter "uma química
cerebral ruim". Mas
86
87
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações lamiliares
t t11 < 1t11•!11 J oilty
>
), essa química pode ser o resul Audrey Souza (1995) refere-se à Dificulda de de Aprendi
como advcrLe lkgl 1 •y ( 1 !l!lH
cnto com os pais, expectativas zagem (por ela denominado Inibição Intelectual), como sen
tado de um rnuu n•lac:ionnm r distúr do "um· impedimento de· um bom desempenho intelectual,
exc essivas da fam
ília ou um sintoma para encobri
r. Segundo esse autor, a nos vinculàdo a problemáticas emocionais assocíadas a confli
bios no funcionamento familia tos familiares não explicitados.
cérebro, m esmo no que se
sa experiência molda o nosso
atenção, comportaniento, dis- Segundo Cordié (1993), a inibição intelectual que ge ra
refere a traços básicos, como ., · a Dificuldade na Aprendizagem e, em decor rência, o fra
outros.
posição para aprender, entre
uma esperança para to casso escolar, pode ser classificada como inibição d e ordem
Esses da dos revolucionários são
de Aprendizagem, advindos neurótica e inibição de ordem psicótica.
dos aqueles com Dificuldades
ria terapêutica inclui uma De acordo com a autora, que adota uma &bordagem psi
de uma biologia alterada. A vitó
o paciente , quanto para sua canalítica, o sabe.r e o sucesso escolar são elementos compo
educação especial, tanto para o pro nentes do narcisismo e que mantêm estreita ligação com as
ente diagnosticado,
família, uma vez que, corretam
para a criança e para sua fa estruturas do ego. Na inibição intelectual como desorde m
blema torna-se mais simples neurótica, vamos encontrar conflitos na instância do ego,
rentes do dia-a-dia.
mília lidar com as situaçõ es dife Difi muitas vezes ligadas às identificações edipianas. Pod emos
es que se referem à
· Vejamos àgora, alguns autor
siderando outros fatores im- destacar aqueles conflitos do superego/ego, que bloqueiam o
culdade de Aprendizagem, con acesso ao saber (não posso conh ecer mais que minha mãe/
· plicados: pai), ou, num nível mais arcaico, quando o desejo de saber
ios momentos do seu li está intimamente ligado a angústias devastadoras (pulsão
Alícia Fer nández (1990), em vár
a, nos tr az uma visão mais sádico-anal, por exemplo). A pulsão empistemofílica é atin
vr o A inteligência aprisionad
ndizagem, em que existe a gida pelo interdito, pois ameaça o equilíbrio do sujeito. Nas
global das Dificul dades de Apre sin- desordens psicóticas o que se observa é que "ó sujeito não
esejo e entre família e
arti culação ent re int eligência e d
1 pode aceder à ordem simbólica em razão de uma falha estru
. Loma. Ela diz: tural que perturba profundamente o acesso ao saber" (COR
agem como só
Se pensarmos no problema de aprendiz DIÉ, op. cit., p. 95).
da inte ligên cia, para sua
derivado do organismo ou só Uma Dificuldade de Aprendizagem não significa neces
de reco rrer à família. Se,
cura não haveria necessidade
nder surg issem na sariamente uma deficiência �ental ou orgânica. Indica, ou
ao contrário, as patologias no apre
a part ir de sua função trossim, uma condição específica, na qual existem aspectos
criança ou adolescente somente os,
não nece ssita ríam
equilibradora do sistema familiar, que precisam ser trabalhados para se obter m elhor rendi
rrer ao sujei to sepa ra
para seu diagnóstico e cura, reco mento intelectual.
o sintoma como
damente de sua família. Ao considerar É também preciso considerar, os efeitos e mocionais que
iva do organismo, cor
resultante da articulação construt
dese jo , inclu ído no meio essas dificuldades acarretam, agravando o problema. S e seu
po, inteligência e a estrutura do
tem sent ido e funcionali rendime nto escolar for sofrível, a criança talvez se ja vista
familiar no qual seu sintoma
o poss ível "atr ape" da • como um fracasso pelos professores ou colegas e até pela
dade... é que podemos observar
inteligência. (FERNÁNDEZ, op. cit. , p. 98).
88 89
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares
Elizabeth Polity
•
Elizabeth Polity
Pensando as dificuldade
s de aprendizagem à
luz das relações famil
iares
Em resumo, considero a dificuldade de aprendizagem O mesmo pode se dar,
como um fenômeno delineado por meio de múltiplos con na situação de aprend
que o psicopedagogo u izagem, em
tornos, que inclui o biológico, o psicológico, o social, o cul tiliz a tt;lnto o tempo
quanto o emocional, p cronológico,
tural, o histórico, o político e o ideológico, e que para sua ara contextualiz ar as
tuações apresentadas diferentes si
compreensão demandam uma perspectivç1. complexa e em pelo aluno/paciente.
A colocação do indivíd
constante interação. uo no espaço familiar,
uma perspectiva geracio dentro de
nal (vertical) e de um c
(horizontal), permite a ontexto atual
2.2.2 - O modelo sistêmico formação de um quadro
para o entendimento das mais amplo
Dificuldades de Aprendi
Ao ser concebida, a cri zagem.
ança já é depositária de
O modelo sistêmico, baseado na Teoria Geral dos Siste de expectativas tanto do um a série
casal, quanto das fam
mas e por mim eleito para trabalhar no atendimento tera gem dos pais. Tudo isso ílias de ori
cria uma situação pro
pêutico familiar, postula a crença que o sujeito está inserido aparecimento do sintom pícia para o
a.
no mundo das relações e que ao mes�o tempo influencia e Quando um indivíduo
é influenciado'-por elas. (Maiores esclarecimentos sobre esse nasce, ele não vem ao
como uma tela em branc mundo
o, mas sim in3erido numa
modelo podem ser encontrados no Capítulo 1 deste livro.) tória familiar que compre his
ende várias gerações e
O mod�lo sistêmico propõe que todas as redes sociais be uma série de missõ rece
es e projeções dos pais,
nvolvidas nessa situação são co-responsáveis tanto pelos família extensiva. (BOWE avós e
N, 1978 apud GROISM
LOBO; CAVOUR, 1996, AN;
recurso� a serem utilizados, quanto pelos impasses que p. 29).
surgem ao longo do caminho. Trata-se de construir junto O conceito de missão est
á ligado aos conceitos
- paciente, família, escola, terapeutas - uma experiência do e lealdade desenvolvido de lega
s por Boszormen yi-Nagy
compartilhada, pela busca de alternativas de intervenção (1983), que evidenciam e Sparks
o quão forte e poderosa
para essa realidade. expectativa destinada po de ser a
,f. à criança, impedindo--a,
Trabalhar com o foco sistêmico é, segundo Groisman, zes, de se relacionar com mu itas ve
o conhecimento e com
Lobo e Cavour (1996, p. 59), "rastear todo o relacionamen Embora a família não o sa ber.
possa mudar seu passa
to daquela família nuclear que vem com o paciente referi danças no presente e no do, mu
futuro podem ocorrer em
do, indo às origens onde estariam o nó gerador do conflito" àquele passado. As fam relação
ílias precisam estar em
Prossegue o autor: to, encarando o passado movimen
como referencia histór
como luta para recuperá ica e não
No cenário terapêutico estão em cena diferentes tem -lo. Como mencionou um
te: "Nunca é tarde para pacien
pos que o terapeuta com suas lentes ilumina. O passa se ter uma infância foliz.
do, presente e futuro das famílias são vistos como numa 1996, p. 198). !" (KEHL,
busca de interação constante entre o tempo cronológi
Se escolhêssemos reduz
co e o tempo emociona. (GROISMAN; LOBO; CAVOUR, ir a problemática huma
uma só palavra, esta ser na a
op. cit., p. 52). ia separação [. .. ] Pois o
humano é gerado em um ser
a união, gestado em un
ião,
92
93
Elizabeth Polity
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares
94 95
Elizabeth Polity
Pensando as dificulda
des de aprendizagem
à luz das relaç:ões
No trabalho com as famílias, deparamo-nos familiares
então, com
algumas questões: qual a relação da família O mito familiar pode
na formação e ser definido como u
manutenção do sintoma? Qual a função. do construída pela família ma narrativa
sintoma para , que contém leitura
este grupo familiar? O que este sintoma quer que expressam convic s da realidade e
dizer? Quais çqes compartilhadas
as pessoas implicadas? E ainda com relação narrativa liga elemen pelo grupo. Essa
à aprendiza tos dispersos como c
gem: O que a família aprende? Como ela se tradições, tran sforma renças, valores,
relaciona com o ndo-se num conto
saber?,· como a família lida com as dificuldçi serve como matriz de org anizado que
des .qu-e sur conhecim ento. A par
gem no aprender? E sobretudo: Por que não ap,· triz, cada membro pod tir dessa m a
ender é signifi e construir sua ide
leitura, classificação e nti da de e ter uma
cat iuo para este grupo, em particular? interpretação de su
O mito familiar design as experiências.
Definir Dificuldade de Aprendizagem, a as posições de cad
como vimos, não grupo e fornece mode a um dentro do
é tarefa das mais fáceis. Muitas são as cau los de conduta, con
sas que concor existência. Pode-se be ferindo valor à
rem para seu aparecimento e outras tantas m avaliar o peso que
são as formas lacional desempenha e.ssa missão re
como se manifestam. No entanto, alguma em cada grupo, imp
s características fissionais, incum bên on do escolhas pro
normalmente são encontradas nas criança cias de ordem cog
s ou jovens com forma como cada suje nit iva e m esmo a
· este diagnostico: dificuldade ou lentidão ito pode se aproxim
de raciocínio, di do saber. É antes de tud ar ou se afasLar
ficuldade de simbolização, atraso no dese
tivo ·em compar açã o a cria nça s da me
nvolvimento cogni
sma faix a etária,
. tionada. O mito paralis
o uma missão que não
a o tempo e dá senti
pode ser ques
do ao vazio.
dificuldade de socialização, entre outros. Na maioria das vezes,
E o que aparece, o sujeito é levado a cu
datos, tarefas e respon mprir man
mais evidentemente, em decorrência des der a lealdades impost
ses fatores é o que familiar. Também po as pelo meio
denominamos de fracasso escolar. de, tentar se reb elar c
sempre terá como ref on tra eles, mas
Toda criança em idade escolar sabe que erencial o modelo da
precisa ter su gem. Comparações e ide fam ília de ori
cesso nos estudos. faso é exigido por seu ntificações também faz
s pais, familiares, processo de aprendizag em parte do
colegas, professores, pela sociedade em. É preciso correspo
como um todo. O su impostos, em que as lim nder a padrões
cesso opõe-se ao fracasso, e este implica itações, dificuldades o
um juízo de valor, ferências individuais, u mesmo pre
um julgamento que deve corresponder muito pouco, ou quase
a um ideal. vadas em conta na hor nada, são le
Esse ideal normalmente é ditado por a das cobranças fam
valores familiares Quando se atende uma ilia res.
transmitidos de geração em geração. família, cuja queixa
Há famílias de enge dade de Aprendizagem é a Dificul
nheiros, que espera que o filho mais velh de um de seus mem
o também o seja. um dos filhos, faz-se br os, em geral
Há famílias de advogados, de médicos mister uma avaliação
ou de negociantes, cos importantes para de alguns tópi
cujo destino da criança já está selado, nem que possamos observar
bem ela nasceu. um plano mais amplo o processo de
Pode-se observar aqui o papel dos mitos . Começamos por ide
familiares que ten A estrutura familiar, ist ntific ar:
tam a construção de uma realidade irre o é, qual a composiç
al, desejada para a lia, organização fratern ão da famí
continuação da história familiar. a (a ordem, o sexo, as
as pessoas significativ idades), qu ais
as par a o grupo, que
não na mesma casa. convive m ou
96
97
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações lamiliares
Elizabeth Polily
quais os eventos rela Parafraseando Freud, havendo conflito entre todas es
A adaptação ao Ciclo Vital, isto é,
grupo, como a família rea t as instâncias advém uma contradição nas aspirações do
cionados à evolução n atural do
enfrenta essas mudanças, sujeito. Tomemos, por exe mplo, um adolescent.e estudioso,
ge a eles, como cada membro
que têm alguma signifi- que com éça a fracassar em seus estudos, porque se sente
eventos externos e internos ao grupo
proibido de abandonar seus aspectos de criança, tão admi
r;u;flo.
grupo, quem é leal rados pela mãe. Observa-se nesse caso um conflito entre o
As alianças e coalizões existentes no
que m. ideal do ego e o superego, em que este último, co m seu peso
n q11t•111, quc1n se une com quem , contra
dete r in am a for mação e/ de culpabilidade e de interdito, barra o acesso a toda a rea
()s paci ro es de repetição que
m
o herdeir o do co mplexo de Éd
ipo. interna, co mo o grupo se estrutura num momento de es-
98 99
El,zabeth Polity
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares
tresse e, sobretudo, corno se pode auxiliá-los a destrancar O tempo presente e o tempo passado. Talvez estejam, ambos, presentes
o siste�a e permitir o movimento. À medida que funciona no tempo futuro. E o tempo futuro, contido no tempo passa.do.
como um sistema, a família supõe um movimento constan T. S. Ellliot
te; qua�do este cessa e começa a haver um padrão rígido,
com papéis e expectativas predeterminados, a situação tor
na-se patológica. Andolfi, Angelo e Nico-Corigliano (1989) 2.3.1 - O desejo e a demanda
observam que, nesse caso, as reações tornam-se estéreis, A criança ou jovem com Dificuldade de Aprendizagem
não permitindo o desenvolvi.menta e a diferenciação de cada está na maioria das vezes situada numa família cujo dis
membro. curso não encontra um sentido. A ela, muitas vezes, cabe a
O sujeito não aprende. Conseqüentemente, o sistema ao função de carregar o peso da história do grupo. Essa fun
qual pertence são prisioneiros de Cronos. E _o prisioneiro do ção pode ser demasiado difícil e ela não pode conseguir dar
tempo não pode aprender, porque não pode caminhar no tem conta.
po. Para eles, o agora é dramático: O tempo vivido será sem É quando surgem os sintomas: notas baixas, falta de
pre o futuro, que os aprisiona nos' grilhões dos rótulos e das atenção, dificuldade ou lentidão de raciocínio. "Ele fica nas
profecias auto-cumpridoras. Eles estão presos entre a ativi nuvens; nunca traz as lições, seus cadernos estão incom
dade r/a espera, que são fenômenos de ordem temporal, lo pletos." "Não faz nada durante as aulas, parece que eu falo
.calizados num mesmo plano. Mas, enquanto a "atividade com as paredes", comentam os professores.
ténde para o futuro, na espera, o futuro vem, de imediato, Cada grupo familiar introduz expectativas e valores so
com sua impetuosidade sobre nós" (QUELUZ, 1997, p. 37) . bre como o filho deve ser, como deve se comportar e passa,
Para esse sistema familiar, o futuro é paralisante pois mesmo sem o saber, os sonhos sobre a vida profissional
ele contém em si mesmo, um fator de brutal detenção que futura da criança. Desde seu nascimento, são comuns as
torna o indivíduo ansioso, como se o devir, concentrado profecias ("acho que ele será um grande economista, como
fora do indivíduo, viesse caindo sobre ele, aniquilando-o, o avô"), os mandatos ("somos uma família de advogados,
enchendo-o de terror, frente a essa massa desconhecida e gostaríamos que ele também fosse... "), as conparações ("ele
inesperada, prestes a engoli-lo. (QUELUZ, op. cit. p. 38).
deve se esforçar para tirar notas boas com,:, o irmão"), as
Essas famílias sofrem das patologias do tempo: a ansie lealdades ("meus pais são analfabetos e venceram na vida,
dade (quando ele vai aprender?) e o tédio (não adianta for para que eu preciso estudar tanto?"), os segredos ("achei
çar, ele não consegue mesmo). O sistema, assim como a melhor não lhe contar que é adotado").
·riança com dificuldade, Todas essas situações marcam profundamente o desen
apresenta transtornos na vivência temporal, evidencia volvimento futuro da criança, impondo-lhe tarefas que es
dos pelo declínio do impulso pessoal, pela dificuldade tão em desarmonia com suas capacidades, aptidões ou
em relação aos relatos do passado e do futuro, e, prin mesmo desejos.
cipalmente, pela quantidade de ausência de resposta e/ Para que uma criança aprenda é necessário que ela tenha
ou respostas inadequadas. (QUELUZ, op. cit., p. 42).
o desejo· de aprender. E que, sobretudo, o desejo dos pais a
100
101
Elizabeth Polity Pensando as diliculdades de aprendizagem à luz das relações familiares
26), numa belíssima triz que está em permanente reconstrução e sobre a qual
autorize . Como diz Mannoni (1981, p.
porque tem pernas, vão se incluindo as novas aprendizagens." (FERNÁNDEZ,
metáfora: "As crianças andam não só
item." 1990, p .. 116).
mas porque seus pais assim o perm
de uma criança No -sistema familiar, a capa cidade de proporcionar um
Bowby (1993) afirma que a existência
ura par a o s pais. As continente seguro para o desenvolvimento intelectual está
com problema repre senta uma rupt
normal tornam primariamente ligada à habilidade dos membros da famí
1·xpc•dntivas construídas em torno do filho
eção_ dos pais, es- lia (em especial os pais) de separarem seus próprios confli
,-;1• 111Huslentáveis. Vistos como uma proj
s e esperanças e a tos relativos às re alizações, das expectativas e conflitos
1-11'H !'ill t os representam a perda de sonho
s, fazem com que dos filhos . Essa capacidade, evidentemente, está intrinse
01>11gnl.or1cdadc em lidar com as limitaçõe
a a tarefa que de camente enraizada no grau de satisfação, ou pelo menos de
1nuit.os ptus se sintam despreparados par
adrão rígido de com resolução, nas questões intelectua is/profissionais que afe
vt•m assumir. i\.ssim, pode surgir um p
passar, d ando lugar tam os próprios pais.
porLamenLo, em que o tempo não pode
os , no intuito de man A reatividade dos pais à realização dos filhos também pod
a mecanismos constantes e repetitiv
que o grupo evolua rel acionar-se à ordem de nascimento do filho (TOMAN,
ter o sistema homeostático e impedir
1976), às realizações ou às dificuldades relativas cnconlrn
. de um estágio para outro.
age como uma das pelos outros filhos ou à clareza de seu próprio njw1Ln
Partip.do- se do conceito de que a família
líbrio e assim ten mento em sua família de origem. Para o s meninos, w1w
unidade, de modo a estabelecer um equi
ase), podemos obser exigência maior na área intelectual, normalmenlc, nrlv(•tn
tar: m.antê-lo a qualquer custo (homeost
lar o modo como de uma cobrança, quanto a ser bem- sucedido, profü;;sional
var p adrões de comunicação que podem reve
"doente" tem sua e financeiramente. Para as meninas , especialmcnlc pnrn
se instala o sintoma e como o membro
io. aquelas, cujas mães tradicionais não trabalham fora, exis
função na manutenção desse equilíbr
a é Dificul tem uma ambivalência extrema e expectativ as pessoais d
Quando se trata de uma criança , cujo sintom
além dos padrões serem capazes de conseguir "tudo" nas áreas profissional,
dade de Aprendizagem, tenta- se buscar,
alidade de ap rendi familiar e de relacionamento.
de interação do grupo familiar, a mod
Ao pesquisar e construir com a família sua história em
zagem que opera no sistema.
família tem relação ao saber, podemos permitir que cada membro re
Alícia Fernández (1990) observou que cada
a maneira pela conte sua trajetória, descrevendo os fatos à sua maneira , e
uma modalidade de ap rendizagem, que seria
se afasta ) do sa sobretudo a significação destes para a vida do sujeito. Sua
qual cada grupo familiar se aproxima (ou
ai p a ra filho, deter relação na estrutura familiar pode nos permitir resgatar
ber. Essa mod alidade seria passada de p
s nov a s vão s e um pouco da história do grupo, em que o sintoma passou a
minando assim, com o a s gera çõe s mai
de de aprendi fazer sentido nessa família.
relacionar com o conhecimento. A modalida
a sujeito, mas é
zagem faz parte da história pessoal de cad Minha proposta é a de mostrar que, embora a Dificulda
ecendo à dinâmica de de Ap;rendizagem possa ser uma condição ligada a múl
na família que ela vai se constitutr, obed
uma ma-
i.rnposta pelo grupo. "A modalidade opera como tiplos fatores internos do sujeito, ela está sobremaneira
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Elizabeth Polity
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares
tresse e, sobretudo, como se pode auxiliá-los a destrancar O tempo presente e o tempo passado. Talvez estejam, ambos, presentes
o sistema e permitir o movimento. À medida que funciona no tempo futuro. E o tempo futuro, contido no tempo passa.do.
como um sistema, a família supõe um movimento constan T. S. Ellliot
te; quahdo este cessa e começa a haver um padrão rígido,
com papéis e expectativas predeterminados, a situação tor
na-se patológica. Andolfi, Angelo e Nico-Corigliano ().989) 2.3.1 - O desejo e a demanda
observam que, nesse caso, as reações torn?,m-se estéreis, A criança ou jovem com Dificuldade de Aprendizagem
não permitindo o desenvolvimento e a diferenciação de cada está na maioria das vezes situada numa família cujo dis
membro. curso não encontra um sentido. A ela, muitas vezes, cabe a
sujeito não aprende. Conseqüentemente, o sistema ao função de carregar o peso da história do grupo. Essa fun
qual pertence são prisioneiros de Cronos. E _o prisioneiro do ção pode ser demasiado difícil e ela não pode conseguir dar
tempo não pode aprender, porque não pode caminhar no tem conta .
po. Para eles, o agora é dramático: O tempo vivido será sem É quando surgem os sintomas: notas baixas, falta cl
pre o futuro, que os aprisiona nos' grilhões dos rótulos e das atenção, dificuldade ou lentidão de raciocínio. "Ele fica nas
profecias auto-cumpridoras. Eles estão presos entre a ativi nuvens; nunca traz as lições, seus cadernos estão incon,
dade e··a espera, que são fenômenos de ordem temporal, lo pletos." "Não faz nada durante as aulas, parece que eu falo
.calizados num mesmo plano. Mas, enquanto a "atividade com as paredes", comentam os professores.
ténde para o futuro, na espera, o futuro vem, de imediato, Cada grupo familiar introduz expectativas e valores so
com sua impetuosidade sobre nós" (QUELUZ, 1997, p. 37). bre como o filho deve ser, como deve se comportar e passa,
Para esse sistema familiar, o futuro é paralisante pois mesmo sem o saber, os sonhos sobre a vida profissional
· ele contém em si mesmo, um fator de brutal detenção que futura da criança. Desde seu nascimento, são comuns as
torna o indivíduo ansioso, como se o devir, concentrado profecias ("acho que ele será um grande economista, como
fora do indivíduo, viesse caindo sobre ele, aniquilando-o, o avô"), os mandatos ("somos uma família de advogados,
enchendo-o de terror, frente a essa massa desconhecida e gostaríamos que ele também fosse..."), as con.parações ("ele
inesperada, prestes a engoli-lo. (QUELUZ, op. cit. p. 38).
deve se esforçar para tirar notas boas com,:, o irmão"), as
Essas famílias sofrem das patologias do tempo: a ansie lealdades ("meus pais são analfabetos e venceram na vida,
dade (quando ele vai aprender?) e o tédio (não adianta for para que eu preciso estuda,· tanto?"), os segredos ("achei
çar, ele não consegue mesmo). O sistema, assim como a melhor não lhe contar que é adotado").
riança com dificuldade, Todas essas situações marcam profundamente o desen
apresenta transtornos na vivência temporal, evidencia volvimento futuro da criança, impondo-lhe tarefas que es
dos pelo declínio do impulso pessoal, pela dificuldade tão em desarmonia com suas capacidades, aptidões ou
em relação aos relatos do passado e do futuro, e, prin mesmo desejos.
cipalmente, pela quantidade de ausência de resposta e/ Para que uma criança aprenda é necessário que ela tenha
ou respostas inadequadas. (QUELUZ, op. cit., p. 42). o desejo de aprender. E que, sobretudo, o desejo dos pais a
100
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Elizabeth Polity Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares
a belíssima
autorize. Como d(z Mannoni (1981, p. 26), num triz que está em permanente reconstrução e sobre a qual
e tem pernas,
metáfora: "As crianças andam não só porqu vão se incluindo as novas aprendizagens." (FERNÁNDEZ,
."
mas porque seus pais assim o permitem 1990, p. 116).
Bowby (1993) afirma que a exist ência de uma criança No -sistema familiar, a capacidade de proporcionar um
os pais. As
roin problema representa uma ruptura para continente seguro para o desenvolvimento intelectual está
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vem assumir. Assim, pode surgir um padrão resolução, nas questões intelectuais/profissionais que afe
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a mecanismos constantes e repetitivos, no intui A reatividade dos pais à realização dos filhos também pode
grupo evolua
ter o sistema homeostático e impedir que o relacionar-se à ordem de nascimento do filho (TOMAN,
. de um estágio para outro. 1976), às realizações ou às dificuldades relativas cnconLrn
uma
Partindo-se do conceito de que a família age como das pelos outros filhos ou à clareza de seu próprio ajuRL,1
íbrio e assim ten
unidade, de modo a estabelecer um equil mento em sua família de origem. Para os meninos, lt t1H1
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tar mantê-lo a qualquer custo (homeostase), pode exigência maior na área intelectual, normalmcnLc, oclv('.111
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var padrões de comunicação que podem revelar o modo de uma cobrança, quanto a ser bem-sucedido, profo,sionnl
tem sua
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Quando se trata de uma criança, cujo sintoma é Dífic tem uma ambivalência extrema e expectativas pessoais tl
padrões
cladc de Aprendizagem, tenta-se buscar, além dos serem capazes de conseguir "tudo" nas áreas profissional,
de ap rendi
de interação do grupo familiar, a modalidade familiar e de relacionamento.
zagem que opera no sistema. Ao pesquisar e construir com a família sua história em
ia tem relação ao saber, podemos permitir que cada membro re
Alícia Fernández (1990) observou que cada famíl
ira pela
uma modalidade de ap rendizagem, que seria a mane conte sua trajetória, descrevendo os fatos à sua maneira, e
a) do sa
qual cada grupo familiar se aproxima (ou se afast sobretudo a significação destes para a vida do sujeito. Sua
deter
ber. Essa modalidade seria passada de pai para filho, relação na estrutura familiar pode nos permitir resgatar
s vão se
minando assim , como as gera ções mais nova um pouco da história do grupo, em que o sintoma passou a
aprendi
relacionar com o conhecimento. A modalidade de fazer sentido nessa família.
sujeit o, mas é
zagem faz parte da história pessoal de cada Minha proposta é a de mostrar que, embora a Dificulda
ica
na família que e]a vai se constituir, 9be9-ecendo à dinâm de de Aprendizagem possa ser uma condição ligada a múl
imposta pelo grupo. "A modalidade opera como uma ma- tiplos fatores internos do sujeito, ela está sobremaneira
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['11111111111111 ,1•1 i111n:11ltl,1ue>� do oprend1zngcm à luz das re,ações familiares
105
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Elizabeth Polity Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares
relacional consiste na ampliação e na escalada da partici se separar da mãe e para se identificar com a figu ra mas
pação �o terapeuta. Devendo este trabalhar com todos os culina (CAT ). Apresenta dificuldades para enfrentar novas
membros ela família, numa rede de relações. situações e não se mostra rn.uito apto a crescer emocional
mente.
AI guns casos que ilustram a teoria Recebi a mãe e T., em duas sessões. Ela me colocou que
não se importaria que o pai também viesse. Convidado a
'l: - mm;c., 9 anos. Cursa a 3ª série do Ensino Fundamental. comparecer, ele pediu uma entrevista sozinho, na qual co
l<'illw unico de pais separados. T em dificuldade para ler e locou sua situação atual e falou um pouco de sua família
i 1 d.t•rprcLar tcxtoE; troca letras (d/t; p/b; a/o) e omite R e S de origem. Disse também que não está preparado para com
i 1 d1•1Talados; dificuldade para entender problemas de ma- parecer às sessões com o filho e a ex-mulher. Depois, convi
L1•mnLicr.. dei os avós maternos, que se dispuseram a vir e assim o
A mãe relata uma gravidez indesejada. É uma criança · fizeram por três vezes.
muiLo irrequieta e a mãe, sem se define como sem paciên Nesses encontros, pude perceber que o segredo familiar
cia para cuidar do bebê. Os pais :se separaram quando o era conhecido pelos adultos e sua manutenção cornpnrLi
menino tinha 4 anos. O pai assumiu sua identidade homos lhada por todos os membros. Nessa família, os scgrccloH
sexual e._ desde então constituiu outro núcleo familiar, com são uma constante: a) a irmã (solteira) ela mflc Lrv1• u111
um companheiro�\ A mãe não se casou mais e disse não ter aborto, que o pai não ficou sabendo; b) este por sun ve�.,
int�nção de fazê-lo. "Nunca deveria ter me casado, nem ter teve um relacionamento amoroso com a vizinha, do qttnl
tido filhos. Não fui feita para isso. Acho difícil criá-lo!" sua esposa não ficou sabendo. Em ambas as situações for-
A mãe recebe ajuda dos avós mateá10s que se revezam maram-se triângulos, cl
para levar T. às suas atividades ou para ficar com ele en qual um membro era ex
quanto ela trabalha. O pai contribui financeiramente com
e' g��o.,d}.v,� w,,, � R
I..J.JM\l\<no__ cluído. De T. era espera
uma quantia mensal. 'A avó paterna está morta e o menino do que ele nada visse ou
não tem nenhum contato com o avô paterno. Há dois anos
Ü.0- � �
r dissesse sobre a condi
<9«�
o pai entrou na justiça para poder ver T. nos fins de sema 4 cWi.o. ;.' t'f\J!ho.. ção de seu pai, poupan
(jo,_ r,J>J. � � n1 " �
na, ficando acertado que ele teria direito de pegá-lo em fins . do assim, sua mãe da
.'/lo-v,r
de semana alternados. Nesses dias T . dorme na casa do pai ��- crítica da família ("Não
e seu companheiro e não faz nenhuma referência sobre o
�- t ��<»f+<-o'-\¼ �º� ""°"F queríamos esse casa
Jl 0\
que acontece ou vê nesse período. A mãe e os avós mater mento.") e das explica
nos dizem que preferem nada comentar com T., "pois ele ções, que ela julgava
ainda é muito pequeno para entender essas coisas" dever sobre sua escolha
T. é uma criança com alto potencial cognitivo. Encon de parceiro.
tra-se na fase pré-operacional, condizente com sua faixa T. desempenhava com
etária. No aspecto emocional, apresenta dificuldade para \ bravura seu papel. Sem
106 107
1..
poder ver ou conhecer lhe era praticamente impossível Já cj_ue tenho que fazer que não sei o que os outros sa
aprender, discriminar, usar seu saber. Ele não podia dar bem, e fazem ver que não sabem, estendo esta atitude
para todo o conhecimento e não .posso aprender; trans
crédito àquilo que os órgãos dos sentidos lhe mostravam,
formo-me num oligotímico. (FERNÁNDEZ, 1990, p. 115).
nem tl;\mpouco fazer uso de sua experiência pessoal. Não
lhe fora autorizado conhecer. Qualquer segredo pode ter vários significados dentro de
Às vezes, um segredo refere-se nem tanto ao desconhe uma família. Os pais podem definir certo segredo como tendo
cido, mas à impossibilidade de citar ou come,ntar _um fato, um significado de proteção. Entretanto, para a criança, esse
n partir da impossibilidade de simbolizar·essa situação. mesmo segredo pode carregar em si um significado de trai
SegLLnclo Fernández (1990, p. 101): "O sujeito, que deve guar ção, pois distorce e mistifica os processos de comunicação.
dnr este segredo, pode construir um problema de aprendi Assim, a criança pode se tornar "cega", "surda", "muda",
zagem, da ordem do sintoma e as dificuldades, em tais casos com relação às informações, e conseqüentemente mostrar
se centrarão no mostrar." O segredo que cobra valor pato se inapta ao aprendizado sistematizado.
gênico é aquele em que uma pessoa se vê obrigada a escon . O trabalho terapêutico com essa família teve como meta
der ou que não decida guardar. trazer os vínculos de lealdade à luz, para, ao torná-los ex
Em algtJ.mas circunstâncias, uma criança pode ter obser plícitos, poder libertar os indivíduos neles atados. Ao S''
vado algo que era proibido, considerado como melhor não trabalhar o peso da desmentida e dos segredos, buscava-sC'
ver; logú, a família pode lhe dizer que imaginou e não viu que o saber circulasse livremente e que passasse a haver
aquilo que viu. Isso se relaciona com o desmentido (meca flexibilidade suficiente no sistema, para possibilitar que
�is:rn'of estudado por Freud como específico das psicoses). seus membros se desenvolvessem.
Signiica uma ruptura do eu: uma parte reconhece e aceita Atualmente T. vem apresentando progressos na área
a realidade, enquanto outra a desmente. É como se a crian pedagógica. Seus erros ortográficos estão menos freqüen
ça dissesse:. tes e ele tem obtido bons resultados em Matemática.
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Elizabeth Polity Pensando as d,llculdades de aprendizagem à luz das relações familiares
110 111
Elizabet11 Polity
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz elas relações familiares
O efeito do segTedo, para a criança adotada, fica também controle mútuo para
bastante implicado pela limitação que a lealdade familiar co impedir que qualquer
loca sobre a mesma, quando aquela demonstra curiosidade membro faça contri
sobre suas origens. Muitas vezes essa curiosidade é vista como buiçõ1: s diferentes
deslealdade à sua família adotiva. Bode-se entender como é daquelas ditadas pe
difícil estar q.isponível para o conhecimento, quando as in las regras da família.
cursões p_elo terreno da curiosidade são tão ameaçadoras! O objetivo desse con
Esse caso, interessante e desafiador, e que pelo menos trole é tentar fugir
por ora não tem um final feliz, fez-me pensar na afirmação das situações de fr us-
de Z'erlrn Moreno (apud HOLMES , 1995, p. 65): tração, ansiedade e conflito que podem surgir quando um
membro põe em desequilíbrio a relação familiar. Assim, as
Geralmente, os segredos não são apoiados na terapia
familiar, havendo uma crença de que a abertura possi
regras de lealdade servem ao grupo para poupá-los de situa
bilita melhor relação; constatamos que esta apregoa- ções estressantes e geradoras de conflito . Com isso, pode-se
/ da abertura pode, na realidade, ser perigosa e infligir observar que quanto maior a rigidez com que a lealdade se im
ferimentos permanentes e dificeis de cicatrizar. A avalia põe a um indivíduo, mais dano ela causará.
ção dessa abertura, com a família, faz parte da aliança É importante ainda perceber que, segundo Boszormenyi e
terapêutica e precisa de um cuidadoso manejo . Sparks (1983, p. 78): "A natureza dos balanços de obrigações
Penso que, quando há um conflito entre a família, como é intrinsecamente dialética, por quanto o fato de dar mais
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Elizabeth Polity Pensando as dil,culdades de aprendizagem à luz das relações familiares
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Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares
Elizabeth Polity
nessas famílias, entretanto, é a dificuldade em permitir me • o estudo da família, numa abordagem sistêmica, permite
canismos de avanço, que levem o indivíduo à autonomia, observar e destacar a modalidade de aprendizagem, que
criando vínculos mútuos de dependência e paralisação. é padrão nesse grupo, e sua relação com os vínculos exis
Também o desenvolvimento simbólico, base para o de tentes, considerando-se um enfoque trarisgeracional.
senvolvimento da vida psíquica e intelectual, está direta Vários autores, entre eles psicanalistas e terapeutas fa
mente ligado à formação das primeiras relaçoes vinculares miliares de abordagem sistêmica, têm estudado o papel da
t'ntrc a mãe e o bebê, edificando-se assim a relação do su família na enfermidade de uma criança, estudando o jogo
. das relações e seu significado para o aparecimento do sin
jciLo com a vida criativa e com o pensar. Quando essas pri
meirns experiências não são satisfatórias, seja por que. toma naquele sujeito nomeado como paciente identificado .
rnifw for, todo o desenvolvimento posterior do sujeito fica Muitos têm escrito sobre as primeiras relações mãe/bebê
omprometido. e como esse vínculo é determinante para o desenvolvimen
Entende-se por estudar as configuraçõés. vinculares, a to posterior do sujeito . Contribuições como as de Bion
abordagem que leva os indivíduos a evoluírem no que diz (1970), sobre a capacidade de a mãe conter as projeções e as
respeito ao conhecimento sobre si e sobre as pessoas, em angústias do bêbê, que ele denominou rêverie; como a rnúc'
. relação umas com as outras e sobre os grupos. Uma parte suficientemente boa de Winnicott e a capacidade de holdinf.{
. que essa mãe pode oferecer ao bebê, permitindo que ele s1'
do trabalhÔ com os dispositivos vinculares visa a aumen
tar a càpacidade para pensar. Isso pode ser realizado, ana desenvolva de uma forma sadia; as observações do "clescj
lisando-se e refletindo-se como fluem os vínculos numa materno" com relação a essa criança, estudadas por Dolto;
refação familiar. os mecanismos "depositários" e o "bode expiatório" na re
Pichon-Riviere (1980) define a família como a estrutura lação familiar, enfocados por Pichon-Riviere; sem nos es
social básica que se configura pelo jogo de papéis diferencia quecermos das importantes· contribuições de Bowby e de
dos (pai-mãe-filho) e pelo mecanismo de depositação, ele- sua ligação com a Etologia e com a teoria do Apego. Estes
gendo um membro para ser o "bode expiatório" do grupo. são alguns dos exemplos que podemos citar sobre o assunto.
Assim, esse paciente se torna o porta-voz da enfermidade Gostaria ainda de considerar que muitas crianças que
do grupo familiar. se mostram portadoras de Dificuldade de Aprendizagem,
Ao pesquisar as configurações vinculares, considerei decorrentes de uma causa emocional, esti'leram com fre
como pontos relevantes: qüência expostas a fortes influências patogênicas (violên
• o estudo da "psicopatologia da emoção" decorrente da cia, segredos, abusos, relações duplo-vinculares) dentro do
vinculação afetiva, o que faz com que os vínculos se de sistema familiar, enfatizando a importânóa dos vínculos
:-wnvolvam, para que existam especialmente as condições afetivos como estruturantes da formação E: do desenvolvi
que• nfcLnm seu desenvolvimento. Pois é sabido que indi mento da criança.
víduos com distúrbios emocionais manifestam, na maio Nas famílias, que foram alvo de minha observação, pude
ria das vezes, deterioração na capacidade para estabelecer perceber a inflexibilidade do grupo em lidar com as "per-
ou manter vínculos.
117
116
Elizabeth Polity Pensando as d1liculdades de aprendizagem à luz das relações familiares
das", que a situação de ter uma criança diferente impõe: Anamnese: Pai médico (neurologista), mãe dona de
expectativas frustradas, impossibilidade de realizar dese casa. Ainbos relatam que Cr. teve uma infância difícil, mas
jos destinados à criança, as "diferenças" vistas como hand- que foi uma criança muito dócil, procurando atender a to
·ap, cm relação aos filhos "normais", a carga que recai das -as expectativas dos pais. Cr. tem uma· irmã mais nova
Hobrc um dos pais, quando sozinho deve dar conta das fun (19 anos), que cursa o 2º ano da faculdade de Direito e que,
<;ot'H parcntais, etc. Enfim, são muitas as situaçêes de per- segundo os pais, é muito inteligente. O pai de Cr., médico de
1 ln qul' aparecem relacionadas nesses casos . renome, diz não aceitar a "deficiência" da filha e que está
_.°
G(/1110 enfaLiza Jerusalinsky (1989, p. 42) : disposto a voltar à escola, para fazer junto com ela, um cur
Ao nascer uma criança deficiente há um contraste en sinho que a possibilite ingressar na faculdade. (Cr. não apre
Lrc o filho esperado e o que acaba de nascer. Isto afeta senta mínimas condições de cursar uma universidade).
centralmente a função materna, já que a mãe debate Cr. chora muito, queixando-se de fortes dores na cabeça,
com o luto da perda do filho imaginado. diz que apanha regularmente dos pais e que, às vezes, sen
Passo a seguir a descrever alguns casos atendidos. te que sua situação em casa é insustentável. Pede para que
nada seja dito a eles, pois teme apanhar ainda mais.
Cr. - fem., 21 anos, cursando a 3ll série do Ensino Médio Atendimento Familiar: O casal parece muito inLrn�H
de uma escola especial. sado no desenvolvimento de Cr., mas exige que cln cu111prn
Queixa Escolar: Apresenta dificuldade de raciocínio, as expectativas e os padrões que impuseram a ela.
memória e concentração. Sempre cursou escolas para crian A família mostra dificuldade em aceitar o fato cl t • ter
ças especiais, pois desde pequena apresenta dificuldades de uma filha com limitações. A elaboração do luLo nf10 ocor
nprendizagem. Seu comportamento é infantilizado e seu reu, nem tampouco existe a condição de dar crócli Lo noH
desenvolvimento intelectual defasado de sua faixa etária. progressos observados ao longo dos anos de escolaridade
Avaliação Psicopedagógica: Inteligência abaixo da como uma tentativa de manter Cr. eternamente infantili
média (75 pontos no Wisc). Provas Operatórias de Piaget zada e dependente. Como as perdas não foram elaboradas,
indicando que a jovem encontra-se na fase operacional con os pais conservam para ela uma expectativa irreal de esco
laridade.
creta. Prontuário do Bender compatível com uma criança
de 9 anos de idade, indicando dano neurológico, o que foi
confirmado pelo pai na anamnese. Nas Provas Pedagógi
cas teve muita dificuldade para ler e interpretar o texto,
bem como operar problemas matemáticos, ao nível da 4ll
série do Ensino Fundamental. Nas provas projetivas (CAT),
aparecem como mecanismos de defesa a contrafobia e a ne
gação. As figura$ parentais são vistâs ·ora como ameaçado
ras, ora como superpoderosas e extremamente bondosas
(mecanismo de reparação constante).
118 119
\�
Elizabeth Polity
Pensando as dificuldades de aprendizagem à luz rias relações familiares
continue a ter, com. seus pais. Ou seja, a mãe trata o filho do grupo. Para essa família
foi importante perceber
como se. ele fosse uma réplica da sua própria mãe. conceitos de pertenéimento que os
e individuação não são
Nesse caso, observa-se, pela fala materna, a difícil rela nicos, mas que operam em an tagô
simetria e fortal�cem-se
çúo que ela teve com seus pais, quando menciona: "Preci mente. mutua
s,•r nrcar com toda responsabilidade pelo cuidado dos meus As crises de J. começaram
a melhorar e hoje ele con
11·111uos, pois minha mãe, por problemas pessoais·(depres gue permanecer um período se
mais longo na escola, sem
sentar sintomas de pânico. ap re
suo), ,•stcwa incapacitada para fazê-lo."
/\ H11Ht:CL1bilidade de um sujeito ao experimentar novas Parafraseando Boszorm
enyi, uma criança pode
da escola porque aceita um desistir
1'01 11111H de• conhecimento, quando enfrenta uma situação a responsabilidade emoci
encarregando-se do cuidado onal,
pol.Pt1cial111C't1Le alarmante, é determinada pelo tipo de pre de algu m membro da fam
Isso se produz, em resposta ília.
visHO que ele faz, quanto à probabilidade de se acharem a depressão da mãe e da
de disponibilidade emocional falta
•\ccssíveis as figuras de apego. No caso da fobia escolar, do pai, que de maneira inc
ciente, ratifica a necessidad ons
que impede o jov0m de se desenvolver intelectual, emocio e que tem a esposa de qu
filho cuide dela. Se fôssemos e seu
nal e socialmente, o mais temido é a ausência ou perda des estudar o problema de ma
ra individual, rotularíamos nei
sa figura 01i de alguma outra base segura, em direção à Normalmente, uma mãe des
a criança com fobia
qual o j"óvem possa caminhar. Nessa situação, a relação se tipo consegue asseg-ur1
u- HI'
de que pelo menos um dos
nLrc mãe e filho µiostra-se de extrema ambivalência, pas filhos não a deixe nnncn
HoY
nha. Os filhos dão provas de ,i
HnnL1o de muito carinho para forte rejeição, nos momentos lealdade incondicionnl t• nHH
I'
guram para si o papel de cu
c•rn que J. se rect.;-sa a ir à escola. Outro fato que aparece idadores, de um ou ele am
pais. Assim são os filhos par I.Jos O.Y
co11sLn11Lrmente é o alto grau de angústia apresentado por entalizados.
,J qunnclo sua máe diz que ficará doente, caso ele se recuse
11 f'n·q u c'n Lar a escola.
O LrnbaU,o com essa família consistiu em ampliar e nomear
os vínculos, reassegu
(f) ylV(lt,� '•\
� '-
rar a diferenciação de
cada membro da famí
.....> lia, permitindo que J._
'-..>. � Bi.'
se visse como um ser
1;1
�».:.
1rtJ'�'-, §
único, distinto dos de-
lfll
. .
2.,; ' i mais, e que o pai pu-
122
123
Fl1zabeth Polity
Pensando as dific
2.6 - O papel da esco uldades de aprendiz
agem à luz das rela
la e do professor nas ;,õcs familiares
dificuldades de apre
ndizagem: uma 2. 6. 1 -A família como
modelo parçi a insti
dificuldade de ensinag escolar· tuição
em?
Parece oportuno
. . . as dificuldades de apr traçar alguns par
tituiç ão e a fa míl alelos entre a ins-
/
128
129
Elizabeth Polity Pensando as clificuldades de aprendizagem à luz das relações familiares
Em conversas com a coordenação do colégio, S. reage Ao que ela respondeu não estar _pronta para mexer liessas
muito mal, dizendo-se perseguida por ter que atender uma feridas e por isso -havia decidido largar o trabalho. Alguns
Tiança como essa, muito embora seja uma escola especial, dias depois ela deixou_ o Colégio, sem conseguir ao menos,
ndequada a esses atendimentos. De uns tempos para cá, S. despedir-se de seus alunos. "Não posso mais ficar. Sinto-nie
vi n hn apresentando comportamento agressivo, para com perturbada a ponto de não poder realizar mais o trabalho."
H<'llS Galegas e disse estar pensan do em deixar
o colégio. Nesse caso, pude observar, que o fato de trazer à luz,
'l'11111IH'm não se mostrava disponível para um trabalho com alguns aspetos que estavam cristalizados na história de S.
li l'(Jlll!H'. não foi o suficiente para haver mobilização em seu trajeto
1 1 1'<>pus então conversar em particular com S. na tenta profissional. Esse seria um caso típico, de atendimento fa
L1víl cl<· auxiliá-la a entender o que estava se passando.
Na miliar, num enfoque terapêutico, no qual tentaríamos bus
primeira cntrevi.sta, S. chorou muito,quando perguntei pela car uma flexibilização do sistema como um todo. Não
sua família e c,)mo se processara seu aprendizado no nú obstante, considero importante que tenha sido reconheci
cleo familiar. · \ da, pela profissional, sua incapacidade em lidar com Lúcia
S. contou que sua mãe morrera de câncer, dois anos e que e, conseqüentemente, seu afastamento.
seu pai, àlcoolista, não tinha condições de suprir suas ne
cessidades emocionais e financeiras, o que a fazia sentir-se O fazer de um professor especializado mobiliza muiL,1s emo
muito só e desamparada. Perguntei a ela em que momentos ções e sentimentos que parecem estar adormecidos, mas (lll<',
· hílv.ia o "encontro" entre ela e Lúcia e por que Lúcia desper em sua prática diária, emergem como fantasmas a nssomlmll"
L11 va nela tanta raiva e descontrole. A princípio, ela negou seu trabalho. Em alguns casos, como o exposto antcliornwnL(',
que! houvesse algo de semelhante ou algum "encontro" nas o profissional não agüenta tanta pressão e só vê a saído nc,
duns hisLórias. Depois, aos poucos foi relatando sua dificul abandono daquela situação detonadora do confüLo.
dndc• pnra ser alfabetizada. Contou que fora diagnosticada Pesquisar a modalidade de aprendizagem do professor não
<·01110 disléxica aos 9 anos, o que lhe trouxe muitos proble- levanta apenas aspectos ligados à aquisição do conhecimen
111as na escola. Relatou também que não suportava ver Lú to, mas toda sua história pessoal, os mitos familiares, como
·in agredir as pessoas (essa aluna tem um históric o de a família lida com as doenças, com as crises, com os rótulos.
violência em casa, no qual apanha muito do pai)_ e disse que Essa aprendizagem desenvolvida no núcleo familiar vai
esse comportamento lhe lembrava seu próprio pai, quando acompanhar o sujeito em toda sua vida profissional, levan
estava alcoolizado. S. relatou ainda que ela própria teria tido do-o a poder compreender melhor seus alunos ou, em algu
o diagnóstico de epilética, quando criança, mas que, segundo mas situações, a perceber porque é tão difícil, e até mesmo
informa, teria sido um erro médico, ''pois pesquisei a doen impossível, trabalhar com determinadas crianças.
ça e tenho certeza que não a tenho. Tive apenas alguns epi- Questiona também sua condição de atender aqueles su
·'' ··
sódios de ausência". jeitos, que demandam um envolvimento mais intenso e,
Perguntei a ela de que maneira poderíamos ajudá-la a conseqüentemente, um melhor preparo interno, para su
superar essas dificuldades e então poder lidar com Lúcia. portar as dificuldades que aparecem ao longo do caminho.
130 131
Elizabet11 Polity
Pensando as dificuldades
de aprendizagem à luz das
relações familiares
Certamente, esses aspectos internos estarão presentes
e serão. atualizados, em maior ou menor escala, quando no através das gerações. As
sim como os va lor es (ét
rais, culturais), o legad icos, mo
contato com seus alunos, determinando suas escolhas pe o referente ao relacion
o saber vem inscrito na am en to com
dagógico/educacionais e norteando seus valores, que são história familiar e será
passados, explicita ou implicitamente, por. suas falas, seus fator determinante para sempre um
a aprendizagem (ou nã
comportamentos e suas posturas. membros. Podemos pens o) dos seus
ar em processos que no
Ao trabalhar os mitos, as crenças, os valores, os segre à formação de modelos s re metam
e identidade, numa vis
dos e as lealdades dentro do sistema familiar desses pro tica, em que as primeir ão psicanalí
as experiências emocion
Ccssores, foi possível trazer à luz algun s aspectos mais das nas relações com os ais vivencia
pais (inclusive as de ap
prof'undos que comandam o fazer educacional. Ressignifi serão responsáveis pela rendizagem)
formação da identidade
cá los 6 dar oportunidade de novas formas de expressão, Podemos ainda, numa do sujeito.
visão relacional sistêmica
que muito contribuem para o desenvolvimento da sua pes derar que é a partir do su , consi
rgimento da família com
Hon e, conseqüentemente, daqueles que o cercam. nista dessa história de vid o protago
a que o ser humano vai con
relações com o saber e com struindo
o conhecimento, em sin
com o padrão familiar ao cro11in
qual pertence.
2. 7·- - Algumas considerações possiveis Ao longo de seu Ciclo Vit
al, o ser humano traz clcnL
si muitas famílias: a da i-o d(•
sua infância, da sua adole
da sua fase adulta, com scêncin,
O· sintoma que a família expressa por um dos seus memb filhos e netos, e, em tod
ros não as elas, a
é real. Ele· está escondendo a verdadeira crise que herança familiar é seu leg
está latente e ado mais forte. Ser bem-
oculta. Essa crise latente representa a dificuldade da famíli do, do ponto de vista int su cedi
a em electual (poder aprende
passar para um outro nível de organização. uso do conhecimento com r e fazer
M. Bowen o uma apropriação legítim
/ intimamente ligado à for a), está
ma como o funcionamento
famílias internas e de su dessas
as ligações atuais permite
Ao longo da execução deste trabalho deparei-me com uma sujeito construa sua relaçã que o
o com a aprendizagem.
pergunta: seria o modelo de aprendizagem uma hera Para o meu trabalho, foi
nça importante perceber que
familiar? um processo de luto subjac existe
A questão das heranças psíquicamente transmitidas ente, quando do nascimento
tem desenvolvimento de uma e/ou
sido estudada por vários autores e vista sob diver criança disfuncional (seja
sos ân ca, emocional ou intelectu
al ou ainda a combinação
ela físi
gulos: o do inconsciente, do sociocultural, do ele t�,
ocupado pela dos esses aspectos). Esse
f11mília e pelas relações inter e transpessoais. luto nem sempre é bem-ela
pela família, agravando o qu borad
F'reucl (1969), em Introdução ao narcisismo, diz adro já existente. A criança
que o inscrita no desejo mater vem
indivíduo é o único herdeiro de uma cadeia inter no, afirma a psicanálise,
subjetiva que se vêem às voltas com e os pais
que o origina. Penso que, no tocante ao modelo a frustração de ter um filh
de aprendi rente podem ter dificulda o dife
agem, também podemos considerar como tran de em estabelecer vínculos
smissível • vos com essa criança, dif afeti-
icultando seu acesso ao sab
er.
132
133
,,
1
Elizabeth Polity Pensando as dificulclndes de aprenclizagern à luz das relações famiiiares
Algumas vezes, na tentativa de superproteger essa crian Não cabe dúvida acerca do impacto psicológico vivido
ça, encobrem sua raiva e frustração, outras coloca m-na pelo sistema familiar diante da situação de enfermidade ·t
de algum de seus membros. O sistema familiar pode
num. plano de menos-valia, determinando para ela, por meio chegar a viver à.lguns períodos de desordem, desorga
tk mitos, 'mandatos, lealdades, uma incompetência que está nização - de entropia - durante certos' momentos crí
1111iiLo longe de corresponder à realidade e, com isso,
man ticos da evolução da enfermidade, chegando inclusive
t f, 111 <'Ll'rnamente infantilizada, sem autorizaçáo pára de a situações excepcionais de verdadeiras passagens ao
tlt '1 t volv(�r o potencial que aprese
nta. Existe, atnda, aqueles · ato, tais como separação conjugal ou o abandono da
as criança com problemas. Sem dúvida, na maioria das
q111· rnlocnm expectativas inatingíveis, tendo em vista vezes, graças à informação significativa, introduzida
dtlll·uldmles da criança. pelo sistema terapêutico, com respeito à enfermidade,
1 1111I WaLziawick (1994, p. 71) coloca muito bem
) esse me instala-se progressivamente um efeito negantrópico,
('lll\ÍH1110 quando tlescreve "as profecias que_
Se autocum ou seja, a capacidade de conhecimento e de organiza
J)l'l'll1", que, segu ndo ele "são vaticínios que
se convertem ção do sistema família, suficiente para superar os mo
mentos críticos e manejar a situação adequadamente.
m realidade, somente por terem sido profetizados, e . dessa
forma
. .
confirmam sua própria exatidão". Assim agem alguns
pais, que parecem quere garantir que seu filho jamais apren-
Dentro de determinadas dinâmicas familiares, 6 interes
sante destacar, como o conflito interior dos pais aparcc<'u
derá, crescerá e se desenvolverá, reassegurando a inflexibi exteriorizado, em sua relação, com seu filho. No qual, pod l '
liclnclc do sistema e a paralisação do Ciclo Vital familiar. se observar a força da família agindo nas dificuldad ( 'H d 11
Sube-se ainda de pais que fazem uma verdadeira pere criança (inclusive de aprendizagem), por meio jogu das ro
g ri I1;1çno por consultórios de especialistas na esperança de lações, dos vínculos e de seu significado para o n1mr<•ci
c1J1tHt·guir algu m tipo de ajuda para essa criança, estando mento de um sintoma.
1•l1•H tlll!Smos engajados e dispostos a colaborar.
Entretan Ao trazer os ensinantes e suas relações familiares, sem
(.1), nn minha experiência, o que mais
percebo são aqueles pre tão presentes no cenário educacional, pretendi dar umu
p111H, que não consideram a relação vincular como
decisiva visão mais amplificada do contexto, co-responsabilizando
parn o processo de desenvolvimento, tentando colocar sem a escola e os professores.
pre 110 "outro" a causa do problema e não se permitindo O estudo da família e de sua importância no desenvolvi
mento de seus membros tem sido destacado pela intrinca
mxcrgar a possibilidade de progresso da famílià, enquan
da série de relações intersubjetivas, que estruturam uma
to sistema . Como �i.iz Sara Pain (1989, p. 39): "O absolutismo_
rede de fantasias e de significados e que só podem ser cor
parental transforma o transitório em definitivo, pois rara
retamente avaliados se forem incluídos em uma visão sis
mente a expectativa de cura está colocada na modificação do
têmica familiar.
vínculo."
A inclusão do atendimento familiar constitui um recur Pensando na Dificuldade de Aprendizagem e consideran
so valioso, que auxilia aqueles próprios encontrados pela do-a sob a perspectiva das Relações Familiares, constato
família. Concordo com Serrano (1992, p. 57) quando afir que muitas vezes, a compreensão desses problemas não tor
ma que: na a criança mais inteligentes mas permite que ela utilize
134 135
Elizabeth Polity
Pensando as dificuldades de apren
dizagem à luz das relações famili
ares
melhor seu potencial, pois tira do seu ombro, toda carga
de HOLMES, P O pap
responsabilidade e a distribui por todos aqueles envol el do terapeuta na cena. Reuista
vi Psicodrama, ano 1, v. 3, 1995. Brasileira de
dos: família , professores, comunidade escolar, meio JERUSALIN SKY, A Psicanálise e dese
social, nvolvimento infantil: um enfoque
etc. transdiciplin ar. Porto Alegrê: Artes Médicas, 198
No meu entender, o papel dos sistemas envolvidos KAES', R. et al. A institi.âção e as institi.â 9.
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136
137
Elizabeth Polily
138
Evelyn Rogozinsl<i
Aprenda mas não cresça:
uma missão impossí·1el
professora universitária, a quem ele também pede ajuda
observador" e Moisés Gr
quando ·vai ao banheiro. Mora com os pais e os avós ma oisman que insiste que
eu" é a que marca uma a "posição
ternos que não adm.item a possibilidade de ele refazer uma autonomia de pe nsame
Trabalhar para i ncluir nto.
série, embora venha apresentando, desde peque no, muita um paradigm a sistémico
sar sobre a apre ndizagem no pen
dificuldade para acompanhar o grupo de sua faixa etária. não significa excluir um
e um olhar voltados para a escuta
Este trabalho pretende ser um registro de algumas obsEtr a inter-relação ensinan
den te tão bem descrita po te- apren
vaçõcs que, como psicopedagoga e terapeuta df família, tem r Alicia Fernández. Prete
somente ampliar essa esc n de tão
me auxiliado na investigação desse sintoma tão complexo que uta e esse olhar para
maneira como a observa inc luir a
<' 1, sintoma na aprendizagem. A questão que me coloco é a ção do processo de apren
que é particular a cada um diz ag em,
H1•g11i11Lc: u 1:-1prendizagem que defi ne o humano (FERNÁNDEZ, dos membros de uma fam
modifica quando colocad ília, se
1 DSHJ) (•, como as outras experiências que garantem a nossa a no co ntexto da rede
namento formada pelas de rel acio
sobrc:vivência, sobretudo uma experiência prazeirosa. Pensan interações com as pesso
são mais próximas: em as que lhe
do cm crianças e adolescentes como André, para os quais a nossa cultura,
nascemos e nos dese n volvem a família na qual
escola parcc� tornar-se um fardo quase insuportável, per un os.
g A teoria sistêmica aplicad
to-me que m1steriosa força os impele a abdicar desse prazer e a à família procura o con
m�nto das transformaçõe hcci
colocar-s·e numa posição de marginalização em relação a seus s que ocorrem num grupo
num determinado fam iliar
pares? espa· ço e tempo, a partir da ob
que aco ntece entre as pesso ser vação do
Desejo esclarecer antes de mais nada que adoto um pon as. É, portanto, uma obser
fenomenológica, descritiv vação
to de vista construtivista, sig n ificando co n strutivista a a. Essa descrição, que est
ao processo de elaboração á sujeita
postura epistemológica comprometida com a desarruma individual da informação
nhecime n to em sab e do co
ção de idéias precon cebidas e que gera um espaço terapêu- er, só adquire um certo gra
dade quando é consensu u de objetivi
/ tico aberto à reflexão, em que terapeutas e clientes podem al a um grupo. As a n ota
transcrevo aqui são fruto ções que
alternar funções de ensinar e aprender. A tarefa de conciliar da minha elaboração pesso
psicopedagoga das conclusõe al como
L<'oricamente a teoria psicopedagógica e a teoria sistêmica s teóricas de vários terap
(BOWEN; KERR, 1988; AN eutas
nplicacln à terapia familiar parece-me por demais comple DOLFI, 1983; MINUCHIN
que têm se dedicado a est , 198 8)
x,1 pnl'll 8N empreendida n este trabalho, mas a referência udar a família de um po
vista sistêmico. Constitui nto de
c·o11Ht.rnLiviHL:1 serve a ambas e torn a-se assim um ponto de uma tentativa de ampliar
pequeno círculo de psicopeda um
11pnio <'pisLl'mológico para embasar uma prática que utili gogas e terapetitas de fam
que compartilham a experi ília
•,,11 <'<J1dwcimentos de uma e de outra. ência de descobrir uma ma
operatividade no tratamen ior
l•:scrcvo na primeira pessoa seguindo o e nsinamento de to psicopedagógico, a parti
uma pesquisa, que incluind r de
dois dos mais experientes terapeutas de família brasilei o o paradi gm a sistêmico,
cura pinçar o fio condutor do pro
rns: Gladis Brun, que fala de um "sistema determinado pelo processo de aprendizagem
complexa trama das relaçõ na
es i ndivíduo-família.
140
141
Evelyn Rogozinsl<i Aprenda mas nao cresça: uma missão impossível
,1
3. 2 - Ensinar e aprender: um processo No individuo, torna lento o desenvolvimento em menor
individual e familiar ou maior grau e garante uma posi�ão de destaque, uma certa
atenção.. Na família, evita o contato com determinadas in
fü,La pesquisa se estrutura em torno de algumas idéias formaç-ões, evidencia uma crise da operatividade, aumenta
hfü;icas: o nivel de ansiedade e reforça a interdependência de seus
membros.
n. O sintoma na aprendizagem é uma pro�ução indi
vidual e familiar. b. O sintoma na aprendizagem procura conciliar
mensagens paradoxais.
/\pn•11cl( 1 f' implica uma ação criativa. Tanto o individuo
1:111,H> 11 !'nmília, considerados como sistemas vivos em cons
Investigando a história das famílias que apresentam
l.1111t.( 1 111LcrnGilO com o meio que os cerca, encontram-se em
queixa de problemas na aprendizagem, observo que possuem
IH'l't1\i111cnLe estado de equilibração. (PIAGET, 1976 ), isto
em comum, um certo tipo de comunicação que implica uma
', pnHsnm por períodos de maior ou 'menor instabilidade na postura ambivalente em relação ao estudo e ao sucesso es
ln1Hcn de umà sempre melhor adaptação. O produto da ação colar de seus membros. Se, por um lado, expressam o dese
crinLi vn desses sistemas fica sujeito a essa instabilidade: jo de que a família tenha um representante bem-sucedido
11111 11 HiLunção de conflito, um momento de crise, pode, por academicamente, atestado socialmente valorizado d t • u111
_ bom funcionamento do sistema, por outro lado, o c.:011 i i <·<·1
r:x1•111plo, se constituir num desafio gerador de novas e sur
mento construído fora do âmbito familiar assusLn pt;ln cl 1
l'il'1·1·1HknLcs alternativas de ação ou provocar uma busca
ferença que introduz, diferença esta significada coll\o
rli• t>Hquc1 mas reforçadores de certezas. Um sistema criati
separação e abandono. É como se, em se tratando de 11111;1
vn i• u rn sistema capaz de construir uma grande variedade
criança, a ela fosse dito: estude, aprenda, cresça, rno.s 11Ctc
d1· nlLernaLivas que favorecem o crescimento.
pense diferente de nós, não saia de perto de sua fam tlia,
O Hi n Loma pode ser visto como a produção mais eficaz
ganhe autonomia somente onde nós a valorizamos.
d!' u111 indivíduo e sua família num dado momento. Aponta
Toda criança nasce com o potencial para desenvolver
p111·�1 umn limitação de recursos ao alcance do sistema, para
sua individualidade a partir de um estado inicial de indife
u 11111 valorização excessiva de certezas, para um esfumar
renciação. Depende para isso de uma relação ensino-apren
til- diferenças, para um medo de desorganização de um de dizagem que é inicialmente mediada pelos seus pais e pela
terminado funcion,amento. Possui, no entanto, a caracte família.
dsLica paradoxal de encobrir uma situação difícil de ser Mas como os filhos podem aprender se os pais não se
�nfrentada e, ao mesmo tempo, revelar a dificuldade do sis sentem autorizados a ensinar?
tema ele efetuar tr.,msformações produtoras de desenvolvi Padrões de interação familiar são passados através das
mento. Traz conseqüências diferentes para o indivíduo e gerações; pais que se sentem inseguros na relação com os
para a família. filhos são, em geral, pais que não foram autorizados por
142 143
Evelyn Rogozinski Aprenda mas não cresça: uma missão impossível
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Evelyn Rogozinsl<i Aprend� mas nao cresça: uma missão impossível
como as referentes a alimentação e a locomoção autôno e Angelo (1989, p. 77): "No mito co-existem elementos de
ma, que s.e constituem em referências organizadoras de toda realidade e fantasia que, juntos, contribuem para a cons
n história de aprendizagem ele um individuo. trução d.e uma realidade. adequàda a suprir determinadas
Ambos' os pontos de vista enfatizam a importância da necessidades afetivas do homem." As famílias constroem
i11Ll'ração individuo-família, desde seu nascimento, na cons por consenso explicações que as ajudam a vencer períodos
lrn<.;;10 cio forma como ele se conduzirá em futuras 1ntera de incerteza, situações de não-saber, que por repetição se
'tH'R com o meio. Acredito que este seja um fator.importante transformam em mitos, representam soluções ele compro
;1 ht'I' c:11111-;idcrado quando analisamos uma modalidade de misso. A família encontra a resposta possível para, num de
1111 t '. I 1gf:11cia de um paciente sintomático. Formas hiperas- terminado momento, lidar com questões que ameaçam a sua
i111il11l.ivns ou hiperacomodativas (PIAGET, 1976) são ge- sobrevivência. "Os homens são mais capazes do que as mu
1·:tl111v1\l,c• l'ncontradas em individuas pertencentes a famílias lheres" é um exemplo de mito antigo cuja desconstrução tem
w 111 pad roc8 de relacionamento excessivamente aglutinados desequilibrado vários sistemas, inclusive os familiares.
ou distanciados (MlNUCHIN, 1988) e expressam uma reati Uma família nuclear tem necessidade de separar-se o su
vidade elo individuo a comunicações do meio que encontram ficiente das duas famílias que constituem a geração mais
ressonância em es<ruemas deformantes construídos na in velha, para poder construir um ponto de vista próprio a p:1r
fância. tir das negociações entre os saberes herdados. MiLos r,1111ilin
Enquanto membros de uma família identificamos com res precisam ser descobertos para permitir que num pron.!HHt>
cc·rtn facilidade a forma de ensinar e de aprender de avós, de discriminação o novo casal, ao se tornarem pnis, ])OHHll
p:11H e• filhos tomados isoladamente. Dizemos que o pai é repensar suas histórias de aprendizagem e escolher o que tl<'
1::di1do, gosta mais de ouvir, que a mãe é autoritária, impõe sejam manter e o que precisa ser transformado.
1111Hl1·lrn,, qne a filha é estudiosa enquanto o filho só pensa Esse processo, que é lento e gradual, adquire uma maior
e111 l1n11car, etc. Dificilmente percebemos que os padrões de operatividade quando a nova família nuclear pode construir
11d.1!rn<.;no da família colocados num sistema de relações em uma autonomia sem perder o contato e a proximidade afe
11111• o ralar e o falar, o autoritarismo e a passividade, o tiva das respectivas famílias de origem. Algumas famílias,
1'RL11tlnr e o brincar representam_ complementariedades, si no entanto, precisam se afastar de suas famílias de origem
tuam-se num plano multigeracional e estão a serviço de para construir essa autonomia. O distanciamento pode ser
LIIIH\ organização familiar que se propõe cumprir funções emocional e/ou geográfico ou ter predominância de um des
ba8icas de cuidado e de crescimento. ses aspectos. Quando emocional, representa uma reação a
Um homem e uma mulher que decidem viver juntos tra um padrão de relacionamento familiar por demais fusio
,em para a sua união uma bagagem de conhecimentos, um nado. Se for geográfico, como no caso de famílias migran
dote em forma de um saber, consciente e inconsciente, que tes, implica muita tristeza pela separação e pelas perdas
1 be é transmitido por sua família de origem. Esse "saber" sofridas. Em ambos os casos, o sofrimento pode sobrecar
familiar é construido através das gerações por mitos que regar a criança que precisa compensar a dor da separação
buscam preencher lacunas de conhecimento. Segundo Andolfi e criar novas motivações ele vida para a sua família.
146 147
Evelyn Rogozinsl<i
Aprenda mas não cresça: uma
missão impossi1 .,1
A questão distanciamento/proximidade das famíl
ias de sendo incorporado sob forma
origem tem se constituído num dos fatores comu de conhecimento, também
ns a mui perde as demais alternativas se
tas famílias que apresentam queixa de dificuldade . Impossível aprender tudo
s na mesmo tempo. Ao escrever, ao
aprendizagem escolar. Famílias migrantes, por por exemplo, escolho e jun
exemplo, determinados símbolos que to
costumam ficar emocionalmente indefinidas com permitem a construção de
respeito texto possível de ser entend um
ú interação com o grupo social maior em que vivem ido por outrem . Para isso,
, têm necessário separar-me de tod é
diriculdade em se posicionar claramente em relaç os os outros que não dizem
ão-a cren
çns n vnlores, uma vez que ficam divididos entre respeito ao sentido que desejo
duas cul imprimir a este texto. Esco
l,111·ns. T '.sLão num lugar, mas desejam estar em lher e renunciar, juntar e sep
1
outro. A arar, ganhar e perder estão
111dl'l'i11içfto dificulta que a familia se recorte estreitamente relacionados.
como grupo Aprender implica, portanto,
1-1n<·11d; 11 f'nlLa de negociação afeta o padrão de suportar esses paradoxos, arr
relaciona- iscar-se a tomar uma deci
1n<·11Lo interno e com o meio externo. Essa inde são, viver uma incerteza que
finição pode só um "espaço de confiança"
Ht'r representada metaforicamente
por um dos membros da (WINNICOTT, 1975) torna viá
vel.
família que não consegue investir em tarefas que O sintoma na aprendizagem
são con fala de uma interferênci1-1
:.;ideradas ''obrigações sociais". A escola, como nesse processo vitalício de con
represen strução de limites organiza
tante da. sociedade, é um campo propício a dores da identidade de quem
esse tipo de aprende. Para escolher é ne
sintoma. A criança ou adolescente aprende cessário perceber diferenças;
bem, mas so mais do que isso, é necessário
mente fora da escola. sentir-se autorizado a perceb
er diferenças. Muitas dificu I
As dificuldades de aprendizagem que surgem dades de leitura e escrita, de
nas séries classificação e seriação, de
de passagem, (classe de alfabetização, 5ª série indiscriminação de tempo e esp
, Ensino Mé aço remetem a dificuldades
dio), remetem a dificuldades do processo de sepa de diferenciação que podem ser
ração pais relacionados a padrões fa
filhos. Tem-se mostrado muito produtivo, na miliares comprometidos com a
clínica, situar negação de diferenças.
o entendimento do significado dessas dificulda A família tem, em nossa cultur
des no con- a, de cumprir uma tarefa
texto de três gerações de pais e filhos. A esco paradoxal. Ao mesmo tempo que
la, como insti se propõe a ser um refúgio
tLlição que visa à aprendizagem e ao desenvol afetivo que cuida e protege seus
vimento, membros, precisa educá-los
nfoLiza o crescimento dos filhos, coloca uma "para a vida", isto é, tornar cad
exigência de a um de seus membros um
111nLuridndc aos pais e aproxima da velhice individuo autônomo e produtivo
os avós. Traz o
1 e111:1 de• sC'!Htrnção e morte para (MINUCHIN, 1988).
todo o sistema familiar. A forma como a família se incum
be dessa tarefa relacio
na-se com a forma como ela neg
1. Autonomia e diferenciação são obje ocia necessidades de dif,-
tivos da famí- renciação e de proximidade afetiva
1 ia (1 e.la aprendizagem. .
Bowen e Kerr (1988) considera
m a família como uma
unidade emocional na qual o
Aprender implica um processo constant pensamento, sentimento e
e de seleção e comportamento de cada memb
escolha no qual, no momento em que se ro contribuem e refletem o
ganha o que está que acontece na família como um
• todo. Quando a interde-
148
149
Evelyn Rogozinski Ap, enda rnas nao cresça: uma missão impossível
pendência afetiva é intensa demais resulta em complemen Alicia Fernández ( 1992) nos ensina que a autonomia de
Laridades muito polarizadas, de modo que um comporta pensamento indispensável à construção de um terreno fér
m 0 n to ativo demãis em um provoca o inverso no outro. til para a aprendizagem depende de uma articulação entre o
Penso que um bom exemplo poderia ser o par ensinante organismo, o corpo, a inteligência e o desejo de um indivi
(�xi bicionista/aprendente-i'
nibido tão bem descrito por Ali- duo na interação com outro individuo. Observamos que uma
t'l:t l•'c 1 rnández.
sobreposição excessiva de um desses componentes sobre os
M n n Ler a coesão, a identidade familiar e ao mesmo tempo demais impede uma expressão operativa dessa articulação.
pr1111wver autonomia são funções da família. Numa família Quando um individuo apresenta dificuldade para ler, escre
11111 il () i n cl irerenciada, coesão se transforma em dependência ver ou calcular, essa dificuldade não é só da ordem do cogni
quu dt•H11uLoriza a autonomia de pensamento.
tivo, envolve todos os demais aspectos inerentes à ação de
1 1 11 rn poder diferenciar-se de sua família de origem e tor-
conhecer que conferem significado a essa dificuldade.
1 >r11 Ht' 111n individuo original e criativo a criança necessita
É dessa forma que pensamento e emoção precisam ser
p111'Ltl'ipar de atividades dentro e fora da família, conviven
do rnni diversos grupos que lhe pe:rmitam efetuar escolhas diferenciados para um individuo, para que ele possa ter es
rn111 relação a crenças e valores. Se, no entanto, os pais colhas e não fique totalmente submetido à tirania de seus
t:1·11Lr�11n todas as suas expectativas no filho oti o sobrecar- • impulsos e afetos. Quando uma família _é cuidadorn demni1,;,
1·1:gn m de Larefas ou funções inadequadas a sua idade, a qualifica em excesso a interdependência de seus rnC'mbroH.
ct in11<.;tt, ao procurar corresponder ao que lhe é solicitado, A identidade familiar adquire um valor muito maior cio qu<·
\11i :tot4 poucos abdicando de um espaço próprio. AB necessi a individual e sufoca os ensaios de autonomia. É o que•, <'llt
d11d1•1-1 dn família se sobrepõem às suas e ela deixa de investir certa medida, ocorreu no caso de Rodrigo.
1111H rclnçõcs com amigos, nas atividades extrafamil iares.
1 1,•rd<· l'l1l oportunidades de afirmar e reconhecer sua pró
p1111 tcl<'nLidadc bem c·omo a dos outros. 3. 3 - História de Rodrigo
Como poderá, no futuro, se tornar um adulto respeitado
t' l'l'HpciLo.dor dos direitos dos outros? Como poderá desen Registro aqui a história de Rodrigo no intuito de exempli
vol vor um pensamento questionador e um senso crítico
ficar alguns dos aspectos discutidos neste trabalho. Impor
próprio se, na sua família, que constitui sua primeira ex
tante dizer que, por seu potencial criativo e pela cooperação
periência de socialização, foi ensinado a abrir mão de uma
de todos os envolvidos, este foi um trabalho muito prazeroso
coerência sua e ,�iver não em funç�o _de seus desejos e ne
que me parece constituir um bom exemplo de como o conheci
cessidades, mas em função da manutenção da identidade
mento pode circular e favorecer a aprendizagem de clientes e
grupal. Essa criança tende a se desenvolver não sabendo
terapeutas.
dizer do que gosta, não podendo se interessar profunda
Rodrigo tinha 9 anos quando o conheci. Moreno, magri
mente por alguma coisa, pensando muito mais em distra
ções do que em produzir algo que lhe possa dar a satisfação nho, pequeno para sua idade, tinha um olhar vivo e curio
de se sentir sujeito de seu próprio crescimento. so. Entrou na minha sala com a mãe e logo sentou-se no
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Evelyn Rogozinsl<i
Aprenda mas não cresça: uma missão impossível
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Evelyn Rogozinsl<i Aprenda mas não cresça: uma missão impossível
dos irmãos. Na família de J·orge, desde a geração de seus pecialmente dolorosas: Maria/Jorge, Maria/família de ori
::tvós, havia brigas por causa de heranças e Jorge já havia gem, Jorge/irmãos.-
RC desentendido com vários irmãos por esse motivo. Durante o ano e meio em que atendi Rodrigo, ocorreram
Os q'ue compartilhavam de seu ponto de vista freqüen sessões individuais, que após alguns meses ,passaram a ser
l.11v.1m assiduamente a casa de Jorge. Nessas ocasiões, era grupais, e sessões familiares mensais. Nas sessões indivi
Mmia que cuidava, sozinha, do conforto e bem:estar das duais e de grupo, trabalhei com ele a sua modalidade de
v11-nLns assumindo uma carga enorme de tral;>alhos domés aprendizagem, procurando facilitar uma negociação en
Lil·,1:-., nlém de continuar ajudando a Jorge rio seu trabalho tre (1) o seu ponto de vista e a resistência dos objetos que
profissional. Sua vida voltava-se para servir aos outros; não lhe "obedeciam" e (2) o seu ponto de vista e o de seus
pnrvcia esquecida da moça inteligente, estudiosa, rodeada ·. colegas.
de• umigos de sua época de estudante na faculdade. As sessões familiares foram, aos poucos, permitindo um
De acordo co1h o relato da família, esse padrão começa · entendimento do significado da aprendizagem para a famí
ra a delinear-se por volta dos dois anos de Rodrigo, época lia. Uma abertura importante ocorreu numa sessão em que
m que a invalidez da mãe de criação fez com que esta pas- Mônica e eu propusemos um jogo no qual a família, a nos
. sasse a morar com eles até falecer alguns anos depois. Ro so pedido, dividiu-se em dois grupos. Deram a esses grnpm;
drigo cresceu sob os mimos e cuidados de três mulheres os nomes de "grupo dos caseiros" e «grupo dos aLivos". O
que viviam dentro de casa: sua mãe, a mãe de criação de primeiro incluía Maria e Rodrigo, o segundo, Jor.rrc, /\11dn•
Mnria e a enfermeira desta. Enquanto os irmãos tinham e Jorgina.
111il o.Lividades e acompanhavam o pai em seus passeios, Refletindo sobre esses títulos, reconstruímos u 111 puucu
ltndrigo ficava entre a escola e a casa, brincava sozinho, só da história da família. Foi ficando evidente o quanLo 11 en
don111n depois que a mãe fosse dormir. Freqüentemente ia trada na adolescência de André e Jorgina ameaçava a orga
1111 rn II cama dos pais à noite: dizia que sentia dor (não nização familiar colocando-os diante de mais uma separação.
IIH'dO). Trabalhamos com a hipótese de que, diante de um momento
'l'odos os anos, os três irmãos passavam as férias de ve no ciclo evolutivo da família, em que a crescente autonomia
rno na fazenda da avó paterna e lá se encontravam com dos filhos exigia novos padrões de relacionamento que pu
uma grande quantidade de primos. Tinham assim uma con dessem garantir a todos uma postura mais diferenciada,
vivência grande com a família paterna e quase nenhuma Rodrigo cuidava da integridade familiar fazendo parceria
com a família de Maria. Este ficava restrio à visita anual com a mãe e "recusando-se" a mostrar seu verdadeiro nível
da avó materna que vinha do sitio para passar o Natal no de competência.
Rio de Janeiro. Há vários anos que não i�m visitá-la. Uma Aprender a acomodar-se às exigências escolares, tornar
das irmãs de Maria trabalhava como auxiliar no negócio se mais independente, significaria um crescimento que po
de Jorge mas não costumava freqüentar a casa. ria em risco o casamento dos pais e implicaria abandono
A situação da família apresentava-se cheia de conflitos de sua aliança com Maria. Seu sintoma denunciava a situa
não resolvidos, que remetiam a situações de separação es- ção de "esquecimento" da família de origem de Maria, os
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Evelyn Rogozinski Aprenda mas não cresça: uma missão ímpossi,ie,
caseiros que mal sabiam escrever e ocultava o conflito, já 3.4 - Considerações finais
que, por causa de sua dificuldade, todos se uniam para aju
dá-lo. Procurei enfocar neste trabalho alguns ;:ispectos da co
No de.correr do tratamento, a família pôde tomar cons municáção, organização e funcionamento da família que,
ciência dessa situação e efetuar algumas mudanças nos seus nó meu entender, estão relacionados com as possibilidades
padrões de relacionamento que fizeram com que os ativos de desenvolvimento de uma autoria de pensamento essen
pudessem ser um pouco caseiros e os caseiro_s se tornas- ciais a um processo de aprendizagem construtor de experiên
1-1c·111 mais ativos. Rodrigo sentindo-se liberado de ter de cias multiplicadoras de alternativas de vida. Acredito que
c•:-.rnlhrr cnLre ser "ativo" deixando de ser "caseiro" pode a inclusão do ponto de vista sistêmico no tratamento psi
inVC':-;Lir na escrita, atividade central da escola. Recomen copedagógico torne complexo sobremaneira a questão do
cl11mos uma aproximação da família dé origem de Maria, problema de aprendizagem visto da perspectiva do indiví
que não ocorreu, mas que a motivou a buscar uma terapia duo que não aprende, desarrumando questões teórico-prá
individual. ticas já bastante difíceis de serem elaboradas, como a d<
O crescimento de Rodrigo foi espantoso. Fisicamente especificidade da psicopedagogia, do papel do psicopedagn
d_eixou de SE\F um menino franzino. Passou a praticar es go, do sintoma na aprendizagem, etc.
portes, ganhou força e altura. Tornou-se um lider entre os Mesmo que didaticamente seja possível recortar a iníluên
colegas tanto do grupo de atendimento psicopedagógico, cia da família no comportamento de um de seus membros "
c01µ0 o da escola, resolvendo as confusões que surgiam de a influência deste na família, a ação e atua.ção psi.copeda
forma 'democrática. Apesar de não ter sido, em nenhum gógica, vista de uma perspectiva sistêmica, passa a sofrer
momento, focalizada, a escrita se desenvolveu o suficiente uma exigência de simultaneidade, de coordenação de fato
res associados entre si de diversas maneiras, que proble
para garantir sua passagem para a 3ª série, embora o texto
matiza o tratamento e põe em evidência a circularidade das
ainda necessitasse ser trabalhado.
múltiplas relações implícitas no ato de aprender. Nessa
/
ótica, as explicações do tipo "Joãzinho não aprende mate
mática porque é disperso" ou ''Joana tem nota baixa em
português porque não sabe interpretar o texto" aparecem
81 como muito simplificadas. Sem dúvida, descrevem o com
portamento observado, mas reduzem a problemática de
Joãozinho e Joana de tal maneira, como se da história de
Cinderela apontássemos somente o fato de ela não prestar
atenção na hora e se ver surpreendida pela meia-noite.
O trabalho com Rodrigo e sua família não só reforçou o
meu prazer em experimentar novas formas de atendimen
to, como. também me levou a refletir que reconquistar o
Jorgina ' prazer de aprender pode significar:
156 157
Evelyn Rogozinski
158
Mónica de V1q Silva Lobo Aprendendo em família
Quando volto atrás, buscando entender minha modali dos que escreveram em mim. Escrevo para todos aqueles
dade de aprendizagem familiar, vem à minha lembrança que tem curiosidade sobre si mesmos e sobre os seus. O
uma mãe exigente e um pai confiante. Exigente demais tal que está escrito é meu e de todos aqueles que permiti que
vez, na 'insegurança de querer certezas. Confiante demais, escrevessem em mim. Falo de mim e deles, -por mim e por
talvez na segurança de que não existem certezas. Não sei eles.
se esta dualidade, esta ambigüidade, minha pouca idade...
mas minha entrada na aprendizagem formal não trouxe
alegria nem prazer. Era difícil dar conta de tantas diferen 4. 2 - Aspectos teóricos da modalidade de
çns. Se cu relaxasse, caía se tentasse correr atrás... tam
h1•rn ncubava caindo. De tropeção em tropeção acabei repetindo
aprendizagem familiar
n nno e snindo do colégio!
Trabalhar com crianças com problemas de aprendiza
'olo ela vovó, laranjas, novelas... sabedoria ou ignorân
gem e suas famílias me chamou atenção porque tantas crian
cia? Não sei! O que sei é que comecei a aprender de novo,
nada de contas ou letras. Bordados, costuras, artes culiná ças escolhiam a área da aprendizagem para construir um
·rias. Olha que bem-feito você fez! Este não está bom, tente sintoma, principalmente aquelas que possuíam uma com
de novo] Precisa de ajuda? petência intelectual mais desenvolvida.
À noite, durante o jantar, as charadas do vovô excita O problema de aprendizagem a que estou me refcrind
vam o pensamento e faziam acreditar que pensar era algo não significa aqueles decorrentes de propostas pedagógi
que dava muito prazer. Acredito que nesta casa, a casa dos cas inadequadas ou causados por dificuldades funcionais,
meus avós, comecei meu primeiro tratamento psicopeda mas aqueles, como diz Alícia Fernández (1990), decorren
gógico. Pude inventar, criar, acertar e errar. Começar e re tes da superposição do afeto à inteligência de modo que esta
começar. Qual seria a modalidade familiar? perca sua operatividade e funcionalidade.
Hoje tento descobrir que forma é esta que algumas fa Para entender melhor esse caso, procurei pesquisar o con
mílias têm que facilitam ou dificultam o aprender? O que texto em que essa criança está incluída uma vez que o ser
seria essa modalidade de aprendizagem familiar? Existi humano é o único animal que para se constituir como tal
ria uma forma familiar de incorporação e apropriação? De depende de outro ser humano. Esta condição particular im
que se constitui? Seria um pano de fundo para a constru plica o paradoxo de pertencer à sua família e ao mesmo tem
çfw de uma modalidade individual? Que fatores concorrem po individualizar-se (GROISMAN; LOBO; CAVOUR, 1996).
para construção dessa modalidade? Assim a família é o espaço inicial no qual se desenvolvem as
Paro. Releio o que escrevi . Esta é a minha forma de mos primeiras experiências e aprendizagens.
trar? Ou será de incorporar? Qual a participação de uma Aprendi que no processo de aprendizagem, muito mais
modalidade familiar na minha forma de mostrar? do que o conteúdo a ser ensinado, está o modelo relacional
Gosto do que escrevi? Creio que sim . Escrevo para aju que se imprime sobre a subjetividade de quem aprende.
dar a orgànizar minhas idéias. Escrevo por gratidão a to- (FERNÁNDEZ, 1995) Nessa relação estão mseridas as ex-
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Mónica de Viq Silva Lobo Aprendendo em família
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Mónica de Viq Silva Lobo
Aprendendo em família
to há necessidade de descobrir e produzir um comportamento primeiro telefonema também pode ser incluído na observa
novo (LOBO; ROGOZINSIU, 1994). ção uma vez que o- membro da família que faz o contato é
Nas famílias com crianças com problemas de aprendiza representativo da dinâmica familiar e sua modalidade é ser
gem, temos observado que os membros encarregados de "cui um indicador do funcionamento dos demais . .Serão classifica
dar " da família, de manter a identidade e a coesão do gTupo dos a partir dos critérios escolhidos, isto é, a comunicação, a
familiar abrem mão da sua autonomia de pensamento, da organização e os esquemas de ação.
possibilidade de desenvolvimento de sua individualidade, de Por comunicação refiro-me ao tipo de informação e co
diferenciarem-se do gn.1po familiar (BOWEN;-1978), e uns tor nhecimento que é privilegiado e repetido dentro da família. O
nnm-sc pouco criativos e estereotipados e outros, fantasiosos· que falam, de que falam, como falam; como circula o conheci
l' com dificuldade de se ligar à realidade. A pesquisa das mo-·
mento dentro da família e com o mundo externo; como lidam
dalidaclcs familiares dessas crianças poderia ajudar a enten com o que não pode ser falado ou mostrado; como valorizam
clur de que maneira elas recebem e devolvem as informações, e desvalorizam o que sabem e o que não sabem.
faciliLando um trnbalho terapêutico que levasse em conta sua - Em termos de organização destacarei aspectos relativos
possibilidade de aprender. às funções que interferem na aprendizagem, mais especifica
É a pm,-tir dessas famílias e de seus filhos com dificuldades mente às de ensinante e aprendente, cuidador e promotor de
de aprenclizagem que fui pesquisar indicadores que me possi autonomia, observador e explorador; a flexibilidade ou rigi
bilitassem identificar e entender suas modalidades. Foram dez quanto à possibilidade de troca de papéis e o quanto essa
_inferidos a partir da dinâmica e das formas de organização organização se repete através de gerações e se reproduz no
fanÜliar, dos padrões de comunicação e dos esquemas de ação relacionamento com o meio externo.
decorrentes dos mesmos. Esses critérios foram escolhidos a Quanto aos esquemas de ação que englobam os itens
partir da minha observação e prática clínica e nas conversas
anteriores, observo a utilização de recursos existentes e a pro
que tenho tido com minha companheira de trabalho, de dúvi
babilidade de a família recorrer a recursos alternati vos (a
das e de questionamentos, Evelyn Rogozinski. Procuramos,
forma como buscam a terapia é um exemplo) e a forma como
por meio do levantamento e da descrição de situações em que
lidam com diferenças, se as incluem ou excluem, incorporam,
possamos observar esses indicadores, uma maior compreen
aceitam ou negam e que vão se refletir na construção de um
são das possibilidades de transformação e incorporação do
espaço para novas alternativas de pensamento, em termos de
conhecimento pelas famílias ou em outras palavras de seu
autonomia e autoria.
processo de aprendizagem.
Esses indicadores foram levantados a partir da avaliação
í'amiliar na situação de aprendizagem, que está incluída na
minha modalidade de trabalho. Essa avaliação consta de mo 4.3 - Aspectos clínicos da modalidade de
mentos individuais, em geral duas sessões, e de momentos aprendizagem familiar
familiares, que são as sessões que vou utilizar para observar
a modalidade familiar e que consistem na primeira entrevis Para concretizar passo agora a relatar, a partir de re
ta e na sessão de toda a família. É importante assinalar que o cortes de seções de avaliação de três famílias, exemplos obje-
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Mõnica de Viq Silva Lobo
Aprendendo em família
tivas, que permitem o levantamento de algu mas hipóteses Bruno é o segundo filho. Tem uma irm.ã dois anos mais
em relação à modalidade de aprendizagem familiar. velha que já aprese·ntou certa vez alguma dificuldade na
escola, mas conseguiu superar com a ajuda da mãe.
Família A
À primeira entrevista estão presentes Marta, seu mari
do Felipe e Bruno. Felipe começa a falar enquanto Marta e
Genograma Bruno mantêm-se calados quase o tempo todo, sem inter
romper nem contestar nada do que Felipe expõe. Fico sa
bendo que o casal demorou 15 anos para resolver ter filhos
com o objetivo de garantir as melhores condições de educa
ção e cuidado para ambos. Até o nascimento dos filhos Marta
havia trabalhado com Felipe, ambos dividiam um escritó
-rio de advocacia. Após o nascimento de Renata, Marta in
terrompeu o trabalho e, segundo Felipe, ainda não acreditam
Fi,lipc
Advogado
51 que as crianças possam dispensar sua presença em casa e
por isso não foi possível retornar à vida profissional. Felip
fala da sua irritação com a escola por não estar
Rcnata
do lidar com as dificuldades de Bruno. Do seu ponto ele v1Hl.11
o fato de uma criança tão inteligente não estar aprendc11do
a escrever corretamente só pode ser problema da escola. Mnr ·
ta nesse momento arrisca falar de sua preocupação com n
desorganização e dispersão de Bruno em casa, muitas vezes
M nrta telefona por indicação da escola, relatando que seu ele pára o que está fazendo pela metade, esquece de comple
filho Bruno, de 10 aiios, apesar do bom nível de inteligência tar o dever de casa e se ela não o ajuda esquece e perde suas
nprcsentado verbalmente, está com muitas dificuldades em coisas . Felipe interfere dizendo que isso é apenas o produto
m unicação e e:x:pressão, apresentando um desempenho da falta de disciplina que ela não consegue impor aos fi
condizente a pelo menos duas séries abaixo da sua idade cro lhos. Quando criança, ele também foi vítima de reclama
nológica. A escolà o havia aprovado nos outros anos em fun ções semelhantes e, só depois de freqüentar uma escola
ção do bom resultado apresentado em outras áreas, mas à suíça, conseguiu se organizar. No caso dos filhos sempre
defasagem na escrita e na leitura estava se acentuando e se pensou que isso não seria necessário, pois acredita que a
não fosse solucionada o impediria de prosseguir. Marta está escola o distanciou elos pais e não gostaria que o mesmo
muito preocupada com a possibilidade de reprovação princi acontecesse com seus filhos.
palmente pela reação do marido que não admite a hipótese. Quando pergunto o que ele espera dessa avaliação, diz
Apesar de a escola vir assinalando essa dificuldade há pelo que uma vez que a escola havia feito a indicação, ele acre
menos um ano, só agora resolve procurar ajuda. ditava que eu conseguiria ajudar Bruno a superar suas cli
ficuldades e a evitar que ele fosse reprovado.
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Mónica de Viq Silva Lobo Aprendendo em família
Nas sessões individuais percebo que Bruno tem ótimo acontecendo, está se retraindo cada vez mais de situações
funcionamento intelectual. Na escrita apresenta muitas em que seu baixo desempenho fique evidenciado, o que faz
trocas, junta palavras e na leitura é muito lento. com que. ele aprenda cada vez menos nessas áreas. A par
Na se'ssão conjunta com a presença de Bruno, Renata e tir da dificuldade quanto à questão de virem à primeira
seus pais, proponho que desenhem em conjunto a casa de- . devolução, pergunto o que os fez voltarem depois de tanto
les. Felipe toma a iniciativa e faz o contorno da casa divi tempo. Marta diz que a escola os chamou novamente, e en
dindo-a internamente e atribuindo a cada um dos membros tão Felipe ficou preocupadíssimo e queria resolver o pro
da família o espaço onde deveriam desenhar. Os demais blema imediatamente. Diz também que essa prepotência de
membros da família concordam e iniciam cada um sua par Felipe a incomoda muitas vezes, principalmente quando se
i.e, à cxceGãO de Renata que consegue negociar com o pai e volta para os filhos. Quando isso acontece, Bruno nunca
dc'srnhnr não apenas o que ele havia delimitado mas am argumenta e ela acaba ficando na interseção dos dois com
plirtr sua participação para a cozinha e a s·ala de visitas, medo que Felipe seja muito duro com Bruno. Levanto a hi
que originalmente havia sido determinado à Marta. Os pótese de que a aliança entre Marta e Bruno é alimentada
outros ficam restritos ao espaço delimitado pelo pai. Bru pela atitude autoritária de Felipe, mantendo Marta ocupn
no detalha 'minuciosamente o seu quarto e Marta aceita a da com o cuidado dos filhos, sem questionar a volta à vicln
entrada-de Renata sem contestar. A dimensão espacial uti profissional. Felipe diz que nunca tinha ·pensado sobre esHt'
lizada pelos pais e Renata é a mesma, desenham a casa vis aspecto, que não se sente bem com isso e que gostaria ele
ta de ,cima. Bruno parece não perceber o ponto de vista da estar mais próximo de Bruno. Indico atendimento indivi
família e desenha visto de frente. Ao final da sessão Felipe dual e familiar. Marta e Felipe concordam com a avaliação
mostra-se muito irritado com esse fato, enquanto Marta e aceitam a proposta de atendimento.
fala assustada do que ela chama de "as dificuldades" de A partir dessas três entrevistas, podemos levantar al
Bruno. gumas hipóteses em relação à modalidade de aprendizagem
Na entrevista de devolução, marcada para os pais e Bruno, da família de Felipe e Marta.
· eles não comparecem nem avisam. Três meses depois o casal
aparece no consultório sem hora marcada desculpando-se pela Em relação à comunicação
falta e pedindo, de forma bastante incisiva, que fossem aten
didos imediaLamente, pois estavam com urgência. Como isso As informações são trazidas a partir do ponto de visLa
nfto foi possível, aceitaram voltar dois dias depois. de um só. Dentro do ambiente familiar, o pai tem a preva
Na devolução, afirmo que eles têm uma avaliação real lência do saber. Os demais têm pouca autonomia para ex
:m relação à inteligência de Bruno. Ele é uma criança mui pressar suas próprias opiniões, com exceção de Renata que
Lo inteligente, mas que não está conseguindo mostrar sua está conseguindo negociar seu ponto de vista. Os conheci
capacidade principalmente em relação a conteúdos da es mentos adquiridos por Marta e Bruno ficam pouco valori
crita. Digo que esse aspecto está trazendo sofrimento a zados, não há conscientização de que cada um tem um saber,
Bruno, que por sua perspicácia em se dar conta do que está e conseqüentemente não há troca. À medida que Marta ten-
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Mônica de Viq Silva Lobo Aprendendo em família
La neutralizar a forma diretiva e autoritária de Felipe, mas depois ampliá-la. O mesmo esquema ocorre na entrevista
sem colocar sua opinião, há uma cristalização na circula de devolução, somente depois que reforço o ponto de vista
ção do conhecimento entre os membros da família. da família a respeito da competência de Bruno, é que surge
Em relação à escola, o padrão que funciona dentro do sis a possibilidade de entrada de informação nova no sistema
t.1• mn se repete. �ão há possibilidade de troca de conheci- de que existem dificuldades na dinâmica familiar que po
11w11Lo, ou é a família que sabe ou é a escola. Se o conhecimento dem estar interferindo no desempenho de Bruno.
dD outro 6 visto como ameaça ao próprio conheGimento, ele é De um modo geral, existe uma forma de pensar que deve
d1•Hq11nl1ficudo ou negado. ser compartilhada por todos sem questionamentos. A fa
lha está sempre no outro, na professora, responsabilizada
1,; m relação à organização pela falta de atenção de Bruno, na escola e em Marta, res
ponsabilizada pelo baixo rendimento nos deveres de casa.
As funções mantêm-se rígidas, dicotômicas, sem troca de
papéis, com permanência desse mesmo padrão na troca com
o meio externo. F1)ipe mantém-se ria função do quem sabe o Família B
que é melhor para todos, enquanto os outros assumem o
papel de.quem não sabe. Renata é quem demon·stra a possi Genograma
bilidade de mudança do sistema, enquanto Bruno com seu
sintoma é o porta-voz da família para comunicar sua for
mn ele guardar e expor sua dificuldades.
l•�1n relação à estrutura hierárquica familiar Marta fica
1111111 111 vc' 1 semelhante aos filhos em relação a Felipe, colo
c1111 do H<' como aquela que não sabe.
Angela
Em relação aos esquemas de ação do Lar
•
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Mónica de Viq Silva Lobo Aprendendo em tamilia
o último a acabar, ficando muitas vezes sem fazer as tarefas. nega, diz que o problema é dela, ele já tem os negócios dele
Em casa ela observa o mesmo comportamento desligado e para dar conta; ela é bagunceira, desorganizada e atrasada.
lento. O que a intriga é que o que ele consegue fazer é de óti Se Angela se organizar, as crianças certamente vão poder pro
ma qualidade, o que a faz supor que não é por dificuldade com duzir bem, é que não resolver as coisas que são dela. Enquan
a tarefa que ele demora a fazê-la. Marcos é o terceiro de qua to eles discutem Marcos deita-se no sofá e parece dormir. Antes
tro irmãos. Existe uma enorme diferença de idáde entre os disso, manteve-se aparentemente afastado do assunto, dese
dois primeiros, de 28 e 25 anos, e Marcos e o caçuJa que tem 4 nhando no quadro, olhando um livro e brincando com um jogo
anos. O pai, nas palavras de Angela, deixa a seu encargo a de construção, sem muito entusiasmo.
questão dos menores e se ocupa com os dois mais velhos que Na sessão da família vêm todos, Angela, Oscar, Pedro (28),
trabalham com ele. Roberto (25), Marcos e Fábio (4). Os irmãos mais velhos tra
Na primeira sessão comparecem Angela, seu marido Os tam os menores como filhos mandando-os a todo momento
car e Marcos. Marcos é uma criança grande, desajeitada e se comportarem-se e sentarem-se direito. Os pais não interrc
comporta como uma criança menor, mexe em tudo, fala tati rem. Pedro é da mesma opinião que Oscar culpabiliza a nia 11
bitate. A todo momento Angela manda-o se comportar dizen com a qual tem, segundo ele, muitos atritos. Roberto uchn
do: "Fica direitinho filhinho." Oscar não fala nada, limita-se graça nas "enrolações" de Angela, sempre atrasada, aLrnpn
a observa,r. Angela diz que a decisão de terem mais filhos de lhada e pensa que não adianta discutir por isso. MarcoH <'
pois de quase 20 anos foi do casal, diante da sensação de vita Fábio alheios à discussão, brincam juntos com bonecos cl i
lidaçle. e mocidade que os dois compartilhavam. A situação versos. Oscar e Angela não se colocam. Pedimos que junLmi
financeira muito boa os reforçou nesse projeto. Nesse mo desenhem a casa onde moram. Nesse momento Marcos e Fá
mento Oscar interrompe e diz que com o nascimento de Mar bio se animam, dirigem-se à mesa onde foram colocadas car
cos, acreditaram que deveriam ter mais um filho para fazer tolina e canetas coloridas e começam a desenh ar sem esperar
companhia a ele. Os dois pequenos, como diz ele, deram ale os outros. Angela tenta impedi-los, mas eles não obedecem.
/ gria a casa, Angela estava se sentindo muito só e ele cada vez Oscar e os dois mais velhos observam achando graça da sitl1a
mais envolvido com os negócios que não paravam de crescer. ção. Angela se exaspera e pede ajuda a Oscar, que diz ser pro
Angela diz que quando a escola a chamou, já havia percebido blema dela. Digo que a tarefa é de toda a família. Oscar íol:i
que algo não estava bem. Oscar acredita que não é nada dis com os meninos com firmeza, mas sem agressividade. A siLuu·
so, não concorda com a escola, diz que o problema é com a ção se acalma. Oscar então sügere que cada um escolha qual 11
f'nlL:-1 de organização da mãe e da professora. Marcos já fez· parte da casa gostariam de desenhar. Cada Úm escolhe urna
LrnLnmcnLo f'onoaudiológico durante mais de dois anos, se parte, sendo que os dois menores escolhem o próprio quar'Lo,
gLmdo Oscar, sem nenhum resultado, diz que os afazeres do pois dormem juntos. Pedro sugere que um deles desenhe o seu
mósticos estão estressando Angela e que ela não é muito quarto, pois ele prefere desenhar a sala de ielevisão. Fábio
organizada e se atrapalha. Angela discorda, para ela a culpa é aceita e deixa Marcos desenhar o quarto deles. Terminado o
de Oscar que não toma o mínimo conhecimento dos filhos desenho Roberto repara que esqueceram de desenhar o quar
menores, nem mesmo em questões disciplina ele ajuda. Oscar to dos pais. Angela e Oscar argumentam que estavam preo-
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,i
Mónica de Viq Silva Lobo Aprendendo em família
cupados em desenhar a sala e a cozinha e esqueceram-se do adultos e divididas entre as valorizadas e as desvalorizadas,
próprio quarto. Quando observam o trabalho que fizeram jun ficando cada subsistema com uma área. Há possibilidade de
tos, todos afirmam que está bastante parecido com a própria discordância, as diferenças são faladas e contestadas, mas
casa, apesar da mistura de pontos de vista. Os adultos, com não- há mudança. Cada um se sente competente na sua área
·
exceção de Angela, haviam desenhado visto de cima, enquan de saber e desqualifica a do outro. Esse padrão se repete
to ns crianças e a mãe desenharam de frente. em relação à escola e a outros profissionais que trabalhan,
Nn entrevista de devolução decidi chamar apenas o casal, ou trabalharam com Marcos. Oscar discorda do que foi fei
poiH me pareceu que haviam questões entre eles·que não deviam to e desvaloriza os profissionais enquanto Angela concor
Ht'r t.rnLmlas na frente dos filhos. Perguntei como se sentiram da e valoriza.
1111 última sessão. Ambos afirmam que perceberam que as di-
liru ldndcs de Marcos têm a ver com todos. Angela afirma que Quanto à organização
IH'nsava que os filhos sempre juntaram o casal, mas que só
agora percebeu que eles, durante esse tempo, têm se afastado As funções estão divididas entre os pais, mas cada um
com a desculpa de precisarem cuidar do trabalho e dos filhos. tem estabelecido sua área de saber e competência Não há
. Indico terapia de família justificando que acredito que juntos possibilidade de troca de papéis. Os filhos maiores est,.
eles ençontrarão recursos para solucionar não· só as dificul aliados ao pai e a atividade conjunta que exercem 01-1 1wr
dades escolares de Marcos, mas também as questões ligadas mite experimentar diferentes papéis na interaç5o con, o pnt
ao c3:sal e ao funcionamento familiar. Oscar concorda rapida- e entre si, ora tomam a iniciativa ora acaLam ns d ( •t:11-101••1
11wn Le dizendo que na sessão com a família toda, ele se deu do pai. Os menores estão aliados à mãe, têm muito pouco
con Ln de como estão divididos, ele com os maiores e a esposa contato com pai. Não tendo possibilidade de LrocAr de pn
<'<Hn OH menores, enquanto o casal não está encontrando es péis, ficam impossibilitados de assumir atitudes de maior
p11c;o para si. Angela concorda e diz que se sente muitas vezes autonomia e aproveitam-se dessa dependência que os pro
romo boba e inútil, pois para ela só sobram questões domesti tege de assumir maior responsabilidade. Como essa orga
t'IIH, quando ela também gostaria de participar das discussões nização mantém a família parada no tempo, nem eles
d(• negócios do marido e dos filhos mais velhos. crescem, nem a família envelhece; mas, em contrapartida,
A partir dessas entrevistas as seguintes hipóteses podem a família vive uma dicotomia em que Marcos representa o
ser levantadas em relação à modalidade da família de Angela que está paralisado no sistema, ficando a outra parte libe
e Oscar. rada.
·_,. "!;"... .\, .
As informações e conhecimentos são trazidos pelo casal As diferenças são vistas como defeitos e excluídas. Cada
e colocados para o terapeuta, mas não há troca de pontos segmento acusa o outro de incompetência. Marcos fica na
de vista. As áreas de conhecimento estão circunscritas aos interseção, e ao mesmo tempo que denuncia a paralisação,
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Mônica de Viq Silva Lobo
Aprendendo em família
favorece a imobilidade. À medida que não aprende,
man ida de, só brinca com crianças
tém Angela na sua função de cuidadora, o que justif menores e tem mania de bi
ica o chinhos de pelúcia, chegando
afastamento do casal. A rapidez da resposta diante a ter mais de cem. Além de
das in Jonas, Rosa tem outro filho
tervenções ·é indicador de uma flexibilidade Há uma Fábio, de 11 anos, que embor
modi não apresente dificuldades a
ficação do padrão à medida que a família vivencia na escola, é muito· dependent
uma emocionalmente dos pais, nun e
maior interação. Os papéis não ficam tão rígidos e ca sai sozinho e tem pouquís
aparece simos amigos. Seu marido Ra
uma maior operacionalidade do grupo familiar, A ul é empreiteiro, proprietá
partir rio de uma pequena firma de
dessa descoberta, cada um dos membros sente-se construção e muito envolvido
mais au com seu trabalho, ficando par
toriilldo assumir seu próprio pensamento e pode a ela os encargos da casa e
r sair do
1 ui{nr predeterminado. dos filhos.
À primeira sessão comparece tod
a a família. Jonas sen
Família C ta-se entre os pais e Fábio num
outro sofá sozinho. Rau 1
começa a falar muito tenso e
irritado. Questiona a di í' icu I
dad e de Jonas, que segundo
Genograma ele é malandragem. Ficnnn
muito aborrecido com a possib
ilidade de Jonas ser rcpro
v�do e ter que sair do colégio.
Para ele o colégio represc'n Ln
o que há de melhor em
termos de educação e a garanLi ri
sucesso para seus filhos. Acredi ele'
ta que a as notas baixns
são um reflexo da falta de empen
ho do filho e que a escola
está certa em não aceitar alunos
relapsos. O resto da famí
lia não se manifesta, aparen
Rnul
45 temente con cor dan do com
Empreiteiro Raul. Diz que Rosa, apesar de mã
e dedicada, está sendo mui
/ to condescendente com os filh
os, mais especialmente com
Jonas. Fala da união da família
e de quanto seu funciona
mento é harmônico estendendo
-se inclusive à sua mãe, ao
irmão e à cunhada, formando
o que ele chama um relacio
namento familiar ideal. Ao des
crever esse relacionamen Lo
11,o,c;n, 38 anos, é quem faz o contato telef diz que ele fala pelo menos três
ónico. A escola vezes por dia com a mil, ,
hnvin fciLo a indicação por causa de Jonas, filho trabalha com o irmão e Jonas par
caçula, 9 ece ter o mesmo "tcmp 1'
anos, que está com rendimento muito baixo e ramento afetivo", pois todos os
com risco de dias na hora do recreio li
ser reprova do. Rosa compartilha da preocupa para o pai e a mãe de um aparelh
ção da esco o público que fica no pátio
la, uma vez que sempre que estuda com ele, do colégio, comportamento que
percebe sua é reforçado e estimulado
dependência e suas dificuldades sem sua por ele na medida em que fornece
ajuda não conse semanalmente ao filho
gue realizar nenhuma tarefa. É muito infa fichas telefônicas. Diz que ele tam
ntil para sua bém não gostava de es
"tudar e sua mãe precisou sempre
mantê-lo na "rédea cur-
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Mônica de Viq Silva Lobo Aprendendo em família
La". Diante dessa afirmação pergunto a opinião de Rosa e Peço-lhes que eles façam uma eleição e escolham apenas
la diz que talvez Raul tenha razão, mas que ela já está sem um objeto para representar cada um deles Os objetos elei
forças. tos são o leão para Raul, a rainha para Rosa, o elefante
A sessão da família de Jonas estava marcada para às 6 para Fábio e o capitão América para Jonas. ·Quando per
l101·as. Na hora marcada chegam Jonas (9 anos), seu irmão gunto se eles acreditavam que esses objetos os sirnboliza
l•':d110 ( 11 anos) e Rosa, a mãe. Jonas está nervoso ·porque vam, Fábio protesta dizendo que havia um lado do leão que
"11,tl, seu pai, ainda não havia chegado. Tenta várias vezes ele acreditava que se assemelhava ao pai, o lado protetor,
l:1ln1· ll!'lo Lclefone celular mas sem resultado. Resolvo come- mas que o leão também era um animal muito feroz, e que
1;111· 11 Ht'HH:10. Jonas senta-se junto da mãe e Fábio em um sofá nesse sentido ele não concordava. Pergu nta o que os ou
�f·pnruclo. Peço que cada membro escolha numa caixa, com tros achavam. Jonas concorda com o irmão. Rosa diz que
dd'<'l'('llLcs objetos, um que represente cada um deles, come às vezes Raul parece bravo, mas por dentro é manso.
çando por Jonas. Rapidamente ele escolhe uni cavalo para Na entrevista de devolução chamo apenas o casal. Falo
representar o pai e um outro menor para a mãe, mas logo do meu desconforto durante a avaliação, pois algu mas ve
muda de idéia e es'.colhe um trono com uma rainha para a
zes me senti intimidada com a intransigência de Ruul
mãe. Escolhe·.um elefante para ser o irmão e o Capitão Amé
com dificuldade em expor meu ponto de vista, cnquanLo crn
rica para ele próprio.
outros momentos fiquei confusa com· as afirrnaLivrn, cfr
Fábio escolhe em seguida e depois Rosa. Até então Raul
Rosa e dos filhos que me pareceram contradiLórlrn·;. lloHa
ni1<'> ha,via chegado. Peço a Jonas que explique suas escolhas.
diz que para eles é muito difícil falar qualquer coisa q11<•
1:I<• diz então que escolheu o cavalo para o pai porque ele é
1
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Aprendendo em família
Môrnca de Viq Silva Lobo
guém precisou mandá-lo estudar nem trabalhar. Hoje ele é tempo nega a credibilidade do mesmo. Os p,mtos de vista
o responsável tanto por seus filhos e sua mulher quanto ficam rígidos, desqualificam-se. as opiniões de ambos os
por seu irmão e sua mãe. Nesse momento Rosa pergunta se subsistemas, desvalorizam-se a possibilidade de autonomia
será preciso Jonas viver a mesma insegurança do pai para de pensamento.
poder assumir suas responsabilidades. Pela primeira vez, Em relação ao meio externo mantém-se -o padrão. No
Raul parece perder sua postura rígida e irônica e fala de nível explícito a família, tendo como porta voz o pai, valo
q Ltanto essa experiência foi dolorosa para ele _e de qua�to riza e aceita a proposta pedagógica da escola sem discus
gosL,1rin que Jonas tivesse sucesso na escola, pois o fato de são. Tem como certo que o defeito certamente estaria em
111111<.:11 Ler 1;-;ido bom aluno e freqüentar escolas de nível in Jonas. Mas em outro nível, que está representado na pos
f't•1·ior t' n necessidade de ajudar a família precocemente, tura da mãe, tem como certo as dificuldades do filho e procu
liiniLnrnm seus horizontes profissionais e obrigou-o a acei ra escondê-las superprotegendo-o. Em relação ao terapeuta,
tar C'mpregos de segunda classe. Somente mais tarde con parecem concordar com o que era levantado e proposto, mas
seguiu fazer a faculdade de arquitetura e melhorar de vida. os movimentos que surgiram durante a terapia, por exemplo,
Devido à defasagem operatória de Jonas, indico atendimen colocarem em aula pàrticular contra a minha indicação,
to individual 'semanal para ele e proponho um atendimento fato de desmarcarem freqüentemente as sessões familiarcR,
familiar mensal. Falo da necessidade de todos participarem. desmentiam essa concordância.
· .Falo também da importância de integrar a escola no proces
so e levanto a possibilidade de Jonas talvez se adaptar me Em relação à organização
lhor a outro tipo de escola. Rosa se diz aliviada em dividir a
carga que está sendo o insucesso do filho. Raul pede que eu A história familiar nos fala que os papéis se repetem
entre em contato com a escola e diz que quer muito ajudar através de gerações. Há uma grande resistência a mudan
Jonas, mas que ficaria profundamente triste e decepcionado ças. Para que elas aconteçam é necessária a força de even
I tos externos. Diante das necessidades internas, ligadas à
se o filho precisasse mudar de escola.
Essas entrevistas me servem de ponto de partida para passagem do ciclo vital, a família mantém-se estática Como
as seguintes hipóteses quanto à modalidade de aprendiza exemplo temos Raul, que só assume suas responsabilida
gem da família de Jonas e Rosa. des após a morte do pai, e Jonas que não consegue crescer
e assumir as tarefas de acordo com sua idade.
Quanto à comunicação Quanto às funções mantém-se o mesmo padrão das gera
ções anteriores. Raul, assim como seu pai, detém suposta
As informações circulam em dois níveis, um que é expli- mente a função do que sabe, de quem define o que deve ser
iLado pelo pai e que aparentemente é aceito pelo resto da feito, mas é Rosa, tal como sua sogra, quem põe em prática e
família, e outro, implícito, que desmente o primeiro, com o faz segundo a sua forma de pensar. Na relação pai-filho
partilhado com os filhos e a mãe, no qual o pai é excluído. também ocorre uma repetição: Raul fica sendo o responsá-
Esse padrão impede a troca de conhecimento e ao mesmo • vel e o preocupado enquanto Jonas fica sendo o desligado e
181
180
Aprendendo em família
Mônica de Viq Silva Lobo
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182
M0111co de V1q Silva Lobo Aprendendo em família
uma possibilidade que vai lhe permitir uma nova visão e conviver com o outro respeitando suas particularidades e
novas formas de atuação. possibilitando a minha prática profissional.
A eles, dedico este trabalho.
4. 5 - Epilogo
Referências bibliog-ráficas
Chego ao fim deste trabalho. Mais de dois 3:nos se passa
ram desde que comecei a escrevê-lo. Muito mais tempo se ANDOLFI, M. et al. Por trás da máscara família,: Porto Alegre:
Ed. Artes Médicas, 1984.
passou desde as minhas primeiras experiências de apren
BOWEN, M. Family therapy in clinical practice. New York: Jason
dizagem. Aronson, 1978.
As cenas da minha infância voltam à minha mente: meu FERNÁNDEZ, A. A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artes
pai sofrendo com a ausência da minha mãe, falando do seu Médicas, 1990.
senLimento e nos fazendo rezar para minha mãe voltar para ___-. A mulher escondida na professora. Porto Alegre: J\rl<'H
casa. Minha mãe, na Europa, escrevendo para nós. Médicas, 1995.
GROISMAN, M.; LOBO, M.; CAVOUR, R. Histón.as d ra nuíti ( '(1.�
· Lindos cartões! Letras, palavras, frases! Pensamento não
terapia breve para famílias e terapeutas. Rio de Janeiro: Ro1-1a cl rn;
combina-.com sentimento. Quem pensa não sente: sai de Tempos, 1996.
casa, racionaliza, não sofre. Não sofre? Todos sofrem, to LOBO, M.; ROGOZINSKI, E. Contribuições da tr:,rapia fa,nilwr
dos sentem. Todos também pensam! Quem pensa fala; quem sistêmica ao tratamento de crianças e adolescentes· com proble111as
pensa escreve. Escreve o que pensa e sente. Quem pensa e de aprendizagem. Monografia. Núcleo-Pesquisas, 1994.
sente aprende. Posso aprender! MINUCHIN, S. E.; FISHMAN, H. Tecnicas de terapia familiar.
Buenos Aires: Paidós, 1984.
Enquanto escrevia este texto, escrevi um livro em par
STIERLIN, H. et al. Terapia de família: la primera entrevista.
ceria com dois amigos_ e colegas, Moisés Groisman e Regi Barcelona: Gedisa, 1981.
na Cavour. Não posso deixar de lembrar que minha queixa WATZLAWICK, P; BEAVIN, J. H.; JACKSON, D. D. P ragniática
no processo ele terapia psicopedagógica estava focada na da comunicação humana. São Paulo: Cultrix, 1981.
minha dificuldade de escrever teoricamente, enquanto sem
pre me pareceu fácil escrever sobre meus sentimentos e Referências complementares
emoções. Embora ainda me pareça mais fácil falar de sen
t.imcntos do que de pensamentos no livro assim como neste· CARTER, B.; MCGOLDRICK, M. (Orgs.). As mudanças no ciclo
de vida familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
Lrnbnl ho, busquei integrar ambos.
FERNÁNDEZ, A. A sexualidad atrapada de la sefiorita maestra.
Aqui escrevi o que aprendi, pensando e sentindo com as Buenos Aires: Ediciones Nueva Vision, 1992.
crianças que atendo e suas famílias. Sua forma de sentir e MINUCHIN, S. Famílias, funcionamento e tratamento. Porto Alegre:
pensar; sua forma de buscar o aprender. Artes Médicas, 1998.
Hoje, pensando e sentindo, reconheço que meu pai e mi PIAGET, J. A. A equilibração das estruturas cognitivas. Rio de
nha mãe com suas diferenças me ensinaram a descobrir e a • Janeiro: Zahar, 1976.
184 185
V
A FAMÍLIA NA ESCOLA
E A ESCOLA NA FAMÍLIA
Léa Chuster
- Qual a relação entre os problemas do meu filho ou, do linear. Todos os componentes de um ip:upo, ou seja, ele um
irmão, apontados pela escola e a necessidade de uma tera mesmo sistema, influenciam e são reciprocamente influen
pia para toda a família? ciados pelos outros.
Não temos a intenção de minimizar a influência das con Segundo Vera Calil (1987, p. 75):
dições internas necessárias à construção do processo de
No modelo sistêmico, o doente ou o membro sintomá
nprendizagem, mas, sim, ressaltar a importância· da 'ques tico, é apenas o representante circunstancial de algu
L 10 reJncional desde os primeiros momentos de vida .. ma disfunção no sistema familiar expressando padrões
N('SHC sentido Jean-Claude Benoit (1985, p. 62), psiquia- inadequados de interação no interior da família ou em
1.ra <• < 1 :-;Ludioso dos sistemas familiares, afirma que a Teo qualquer outro sistema.
r111 ( ]c•rnl dos Sistemas: De acordo com o princípio da globalidade, um dos pres
l ...] não aceita isolar o indivíduo do seu contexto soci supostos básicos da teoria sistêmica, toda e qualquer par
al imediato, particularmente daquelas pessoas às quais te de um sistema está relacionada de tal modo com as
ele está ligado por vínculos de sangue, de sexo ou de demais partes que, qualquer mudança em alguma delas, pro
conveniência habitual. A realidade humana básica e o
vocará mudança nas demais e conseqüentemente no siste
indiyíduo e seu meio ambiente.
ma total.
Várias são as escolas teóricas preocupadas em estudar A dificuldade de aprendizagem surge como um sin Lo ma,
as relações do indivíduo com o seu meio. Aqui refletiremos por meio de um membro pertencente a um sistema íamilinr
sobre D funcionamento familiar e institucional segundo o e apresenta um sentido específico neste contexto. Há uma
rnodelo sistêmico. inter-relação entre o sintoma e os outros componentes d
um grupo familiar.
Convém lembrar que um sintoma, caracterizado por uma
2. O modelo sistêmico dificuldade de aprendizagem, tem valorações diferenciadas
em cada sistema familiar. Muitos são os fatores que regem
A Teoria Sistêmica tem como objeto de estudo os aspectos essas diferenças: valores próprios de cada sistema, nível
1·<'irtcionais que acontecem nos espaços intra, inter e trans de flexibilização do grupo, contexto social em que a família
grupais. Oferece, portanto, subsídios teóricos para as ques esteja inserida e outros.
Lões que aqui nos propomos a refletir. Algumas instituições escolai·es preocupadas com o pro
O modelo sistêmico está fundamentado na Teoria Geral duto final (representado pelas notas ou conceitos) deixam
-p�;
i
dos Sistemas, desenvolvido inicial�ert� Ludwig Von para segundo plano o processo da criança na construção
Bertalanffy em meados dos anos 40 e posteriormente apli do saber. Ao sentir-se com dificuldades em aproximar os
cada à área da terapia familiar. seus resultados às metas atingidas pelo grupo, a criança
O conceito central dessa nova epistemologia considera portadora do sintoma torna-se mais uma vez impossibili
a idéia de circularidade em oposição à idéia de causalidade dade de diferenciar-se em suas competências e dificulda-
190 191
Léa Chuster
A família na escola e a escola na família
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193
A fam,ila na escola e a escola na família
Léa CJ1uster
Segundo Sara Pain (1989, p. 78): Não é nosso intuito, fazermos u_ma análise do sistema
institucional escolar; mas sim enfocarmos a escola como
[ ... ] O sujeito histórico exercita, assume e incorpora
um sistema. Vista dessa forma, ela representa um comple
, uma cultura particular, na medida em que fala, cum
primenta,, usa utensílios, fabrica e reza segundo a mo xo de elementos em interação (MIERMONT,.1994).
dalidade própria de seu grupo de pertencimen!º· A família, por sua vez, passa a ser um subsistema inserido
no sistema escolar, devendo cumprir uma série de normas e
/\ escola, por meio do processo das múltiplas aprendiza-
regras que a escola impõe, por meio do seu organograma, cons
1:1 •11H que oferece, objetiva de modo geral tanto-à conserva
tituído, assim, a sua hierarquia.
;no dm; valores culturais já estabelecidos, quanto promove
A participação da família na escola se faz tanto por meio
i r111u-d'ormações evolutivas e estruturais, visando à melhor
da criança, do filho e aluno, quanto de sua presença no gru
ndnpl.nçno do educando nos contextos social e familiar.
po de pais de alunos.
Nilo FichLner (1D96, p. 47), refere-se à escola como:
A escola é um local gerador de novas experiências rela
um dos mais importantes agentes de promoção da saúde cionais tanto para a criança, num ambiente distinto da fa
mental infantil, funcionando como matriz de desen mília, quanto para a família, possibilitando a ampliação
volyimento, proporcionando experiências, sociabilida
de sua rede de relações. Ao freqüentá-la o aluno será inicia
de, criatividade e aprendizagem.
do num conjunto de regras, normas, costumes e rituais,
Os órgãos competentes, presentes em cada contexto so que farão parte de seu cotidiano.
ciocultural, determinam os parâmetros e a viabilização do A escola passa a fazer parte da rede relacional familiar
processo de escolarização compatível com a valorização e em um determinado momento de seu ciclo de vida, marcan
n l'xpecLaLiva desse sistema social, com relação ao grau de do significativamente a sua presença, como veremos no
lvLrnmcnto de sua população. A escola representa um dos próximo tópico. Esse momento é precedido por um modus
:wgmcnLos responsáveis por esse processo. vivendi familiar, instituído e regido por valores, histórias
'ada instituição escolar é regida por uma dinâmica es e expectativas, presentes nas dinâmicas familiares e per
pcc[[ica que visa a colocar em prática os objetivos que se petuados intergeracionalmente.
p ropõc alcançar. Dessa forma, adquire um perfil próprio Esse somatório de fatores implica uma demanda explí
que a distingue e referencia. cita da família, para com a escola, que se processa de for
Bleger (K.AES et al., 1991) conceitua instituição como ma verbalizada e geralmente coerente, no que se refere às
um conjunto de normas, regras e atividades agrupadas em suas exigências, necessidades e possibilidades e uma outra
torno dos valores e das funções sociais, :Portanto, cada ins demanda implícita, não verbalizada.
tituição é portadora de uma organização específica, res Há todo um sistema internacional sendo permanente
ponsável pela sua disposição hierárquica e pelo exercício mente alimentado e retroalimentado pelos integrantes da
das funções que acontecem no interior de um espaço físico rede institucional. O processo de aprendizagem será alta
delimitado. É por meio dessa organização que se desenca mente beneficiado quando houver uma troca coerente e
deia o espaço relacional característico, tanto em nível in conjunta entre a família e a escola.
tragrupal quanto intergrupal.
•
195
194
Léa Cl1uster A larnilia na escola e a escola na larnilia
Os sistemas escolares que desenvolvem suas atividades tos, ampliar e construir grande parte de i;eu processo de
direcionaçlas aos alunos, tidos como "padrão", tornam-se desenvolvimento.
inflexíveis para acompanhar o processo de desenvolvimen Se, por um lado, o estudante é protagonista desse pro
to do aluno que apresenta dificuldade em enquadrar-se no cesso,, por outro, ele é parte integrante de �1m sistema fa
procedimento geral. Esse comportamento pode significar miliar, que existe num contexto histórico e temporal
uma repetição dos padrões familiares. Nesse caso, a escola marcado, de modo significativo, por valores socialmente
colabora na manutenção do sistema familiar. Como matriz determinados.
de desenvolvimento e foco das múltiplas aprendizagens, Os estudos nas áreas da história e da antropologia mos
ocnpa um lugar privilegiado no sistema social que a facili tram que a família nem sempre se configurou como a ve
Ln nn função de mediadora de processos de mudanças. mos nos dias de hoje. Sua constituição foi se modificando
S(' por um lr1do, a escola exerce uma síg11ificativa influên ao longo da história, alterando tanto as suas funções, quan
t:ia 1111 d111ftmica familiar, a família, por meio dá criança, do to as formas de relacionamento entre seus membros.
11lu110, Lambém exerce uma significativa influência na ins Mark Poster (1978), em seu livro Teoria crítica da famí
Li Luição escolar. lia, ao examinar criticamente as estruturas familiares,
· O aluno, com suas características específicas e com o desde o período moderno até a atualidade, argumenta qu
processo ele "estar" participante das propostas escolares, toda teoria sobre família deve levar erp. consideração à anü
· também oferece generosamente a oportunidade de a escola lise: a) no nível psicológico; b) no nível de vida cotidiana; e)
reflet�r ,sobre suas bases de funcionamento. na relação entre a família e a sociedade, constituídos den
tro de um contexto histórico específico, num momento his
tórico.
A ESCOLA NA FAMÍLIA A questão histórica da família estende-se aos principais
problemas da vida contemporânea, uma vez que traz implí
cito o movimento de constantes transformações dos papéis
desempenhados por todos os membros de um sistema social.
O futuro não posterior ao passado e este não éanterior ao A família moderna brasileira não teve como base parn
presente. A temporalidade se temporaliza como
constituição um modelo igualitário de relacionamen Lo co n
{ut U ro-que-uai-ao-pasSado-vindo-ao-presente.
Heidegger
jugal. Firmou-se numa dicotomia entre os papéis públicos
e privados, em que à mulher cabia as funções relativas aos
Sao mCilLiplas os interferências que ocorrem quando a
cuidados com os afazeres domésticos e com a criação cios
111:-;L1lu1<Jto t'Hcolnr passa integrar a rede relacional de um filhos e ao homem o trabalho remunerado.
grupo f'nmiliar. Por meio do processo de modernizaçto, industrializa
Como vimos anteriormente, a escola é o local no qual, ção e urbanização da sociedade brasileira, as mulheres re
LnnLo a criança quanto o adolescente, tem a oportunidade definiram sua posição na sociedade, abalando a dicotomia
de vivenciar novas experiências, estabelecer novos conta- estabelecida entre o público e o privado.
196 197
Léa Ciluster A família na escola e a escola na família
Em meados dos anos 60, com aumento da participação mudanças que aí ocorrem e pelas quais é subrn.etido o seu
da mulher na esfera pública e em diferentes áreas de atua usuário, o estudante.
ção, nota-se o início de um processo que começava a minar Não temos aqui a pretensão de nos aprofundar no estu
as bases da ·família conjugal moderna já citada. do das c;oi1.figurações familiares, mas sim de chamarmos a
Jeni Vaitsman (1994, p. 59), em seu livro Flexíveis e plu atenção para o sentido que estas possam ter, não só no con
rms, ao analisar questões relativas à identidade, ao casaínen- texto familiar, mas também na relação deste com os outros
1 o,. h família em circunstâncias pós-modernas, considera.que: subsistemas sociais.
Falar sobre a participação da escola na família significa
a família formada pelo pai provedor financeiro e a mãe
dona de casa, unidos pelo casamento indissolúvel é contextualizar essa relação num tempo preciso, seja ele no
lembrança do passado. A manutenção do casamento e âmbito social, na própria movimentação do grupo familiar
conseqüentemente da família, subordina-se à satisfa ou por meio das diferentes etapas do ciclo de vida familiar.
ção emocional, e passa a estimular as pessoas a recu Conforme Falicov (1991), em seu livro Transiciones de
sar relações íntimas, sentidas como insatisfatórias.
la família, o conceito central de um esquema de desenvol
Viver o momento da pós-modernidade significa viver vimento do grupo familiar baseia-se na noção de que uma
profundas modificações políticas, econômicas, tecnológi mesma família muda em sua forma e função ao longo do
cas e, por c�nseguinte, suas influências nos mais variados seu ciclo de vida.
campos das ·relações humanas. As transformações contem Carter e McGoldrick (1995), no livro As Mudanças n
porâneas_ trazem outras configurações familiares e com elas ciclo de vida faniiliar, referem-se a oito etapas pelas quais
a necessidade de redefinir as funções sociais dos sistemas, passa a família pelo seu ciclo de vital: jovens saindo de casa,
·om os quais a família mantém uma relação de apoio, para formação do novo casal, famílias com filhos pequenos, fa
() desenvolvimento de seus membros. mílias com filhos adolescentes, saída dos filhos, famílias
1 ndo ao encontro das novas necessidades, as institui no estágio tardio de vida.
<.;1><'8 escolares ampliaram as suas funções e mobilizaram É impossível precisarmos em que etapa do ciclo vital o
�(' para uma demand.a vinda, em sua grande maioria, de sistema escolar começa a fazer parte da vida de uma famí
nines que trabalham fora de casa. Foram assim criados os
lia, pois todos os que tiveram a oportunidade de vivenciar
lierç6.rios e os cursos maternais para exercerem funções
o processo de escolarização (e mesmo os que não tiveram,
anLes delegadas à mulher.
têm algu ma referência social) trazem recordações e vivên
Com uma certa freqüência, a escola depara-se com alu
cias que são, por sua vez, compartilhadas com seus con
nos cujas famílias são configuradas pQr.um só-çônjuge, fa
temporâneos e transmitidas para as gerações futuras.
mílias reconstituídas após a morte ou a separação do casal,
Essas experiências vão constituindo um sistema mítico
casais de homossexuais, etc. Novas configu rações familia
familiar, relativo à questão da escolaridade, contribuindo
res surgiram e a escola teve que ressignificar os conceitos
de "famílias disfuncionais". para as expectativas das famílias nuclear e de origem, com
Portanto, mais do que nunca, a escola, como parte do relação ao processo de aprendizagem e desenvolvimento
contexto social, não é, não pode e não deve estar alheia às individual.
198 199
Léa Chuster
A família na escola e a escola na família
Segundo Polity (1997, p. 51):
que se formam quando surgem as dificuldades de aprendi
. Há Mitos (com maiúsculas) que são representações cons
zagem.
. truídas por uma determinada cultura e também há mi
tos (com minúsculas) que são representações construídas O psicopedagogo tem como foc0 de trabalho a criança, o
por um grupo familiar ao longo de uma geração. estudan.:t,e. É ele quem transita pelos diferentes.sistemas aos
quais a criança pertence, quer seja para fins profiláticos,
É compartilhando dessa rede de histórias, mitos·e rituais,
quer seja para intervenções em momentos onde as dificulda
que os membros de uma família se unem e se diferenciam
des no processo do aprender já se encontram cristalizadas.
de outros grupos. Portanto, a presença da escola na famí
Essa dificil tarefa, cumpre mais uma vez lembrar, não se
J i.n pude trazer a atualização e a possibilidade de ressigni
restringe ao "aprendente" mas sim aos que o rodeiam mais
f'icaçüo elos mitos relativos ao processo de construção do
proximamente, mobilizando-os para a possibilidade de no
<'onlwcimcnto e da aprendizagem.
vas construções.
Estudo de caso
Conclusão
\
Gostaria de ilustrar as questões teóricas citadas ncss
Embora pmito rico em vivências, o campo das inter-re texto por meio do estudo de um caso clínico.
lações entre família e escola parece pouco explorado em Trata-se de uma família que aqui denominaremos d
seus a�p�ctos teóricos. "Família Pinheiro". Convém pontuarmos, que embora a
Ainda que seja este um espaço que convida para uma re família tivesse autorizado a publicação do caso para fins
flexão de caráter multidisciplinar, relevaremos as questões científicos, alguns cuidados foram tomados para preser
mais específicas referentes a atuação do psicopedagogo. var sua identidade. Portanto, os nomes de todos os familia
Nesse sentido acreditamos que o olhar sistêmico possa res foram trocados. Os demais dados são reais.
,trazer uma importante contribuição, à prática psicopeda A família Pinheiro nos foi encaminhada para tratamen
góg,ica, ao oferecer subsídios para uma leitura da criança e to clínico pelo médico neurologista que atendeu José, o fi
do adolescente inserido, tanto no contexto familiar quanto lho mais novo de um casal, com quatro filhos. Após um
no contexto escolar. O aluno é parte integrante desses dois exame minucioso, foi afastada a hipótese de um distúrbio
sistemas. O seu pertencimento a eles assim como a sua dife neurológico do qual os pais suspeitavam. Segundo o médi
rc nciação, segundo suas características individuais, signi co, havia algo "comprometedor na dinâmica da família im
íica um precioso material de apoio e auxílio no processo de pedindo que José se desse bem nos estudos".
aquisição do conhecimento. O casal trazia como queixa o sofrimento dos pais diante
É necessário então uma estreita relação entre escola e da impossibilidade de resolver as dificuldades escolares do
família, no desempenho de suas tarefas comuns voltadas filho, que, na época, estava com 5 anos de idade.
ao desenvolvimento da criança. Entretanto, nota-se que Essa era uma situação que atingia, em proporções dife
essa relação se torna comprometida pelas linhas de tensão • renciadas, todos os membros desse sistema familiar.
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Léa Chusler
A família na escola e a escola na família
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Léa Cl1uster A lamll1a na escola e a escola na família
mentas da gravidez de Inês. Desde o início, houve pouco es minância da autoridade materna. À mãe cabia a colocação
paço para o par conjugal viver a sua intimidade. de limites e a punição ·caso as regras familiares estipula
A presença constante da mãe de Luciano nessa família das não fossem cumpridas. O pai era o provedor financeiro
nuclear se fazia de diferentes formas. Uma delas refere-se di da família.
retamente ao nosso tema em questão: era ela quem contri Luciano tinha então 28 anos quando seu pai faleceu, ví
buía com o orçamento dessa família, arcando com as despesas tima de um acidente vascular cerebral, há 20 anos aproxi
escolares das filhas do casal, compartilhando de seus suces madamente. Desmotivou-se para com as suas atividades
sos escolares, com presentes, alguns bastante valiosos, mui escolares e abandonou os estudos. Sua história escolar foi
Lo n.16m dos recursos econômicos disponíveis do casal. Aos marcada por várias repetências e dificuldades em relacio
p:1 is cabia os encargos escolares de José. nar-se com seus colegas. A morte do pai trouxe mudanças
l)or sua vez, era a mãe de Inês, quem assumia os cuidados radicais na vida de Luciano. Distanciou-se dos poucos ami
:o 01 os afazeres domésticos desde o início do casamento. gos que tinha e passou a dedicar-se quase que exclusiva
Além disso, José sempre esteve entregue aos cuidados dessa mente aos cuidados para com sua mãe que, segundo suas
avó formando com ela uma aliança ba.stante forte. palavras, era sua "estrela guia".
A relação do_ casal, para com as famílias de origem, cola
bora va par� o seu distanciamento como par conjugal e para 2) Família de origem de Inês
a confirmação do mito presente em ambas as famílias de
origem: �nulheres dominadoras, muito competentes e ho Inês, a mãe de José, é filha única. Seus pais relacionavam
m ens doentes ou incompetentes, que precisam sempre ser se com muitas dificuldades. Seu pai era alcoolista e falecera
cuidados. quando Inês tinha 17 anos de idade. Quando bebia, tornava
Marcela, Marina e Ana Paula tinham um bom aproveita- se violento principalmente com sua esposa.
mento escolar, relacionavam-se muito bem entre si, mas ex
Inês foi sempre uma aluna muito dedicada. Cursou até o
/ cluíam José de um contato mais próximo, sob a alegação de
Segundo Grau e, posteriormente, ingressou na vida profis
qu� tratava de "um m�nino que, além de tudo, é pequeno". sional.
A mãe de Inês não exercia nenhuma atividade profissional
e) Famílias de origem que pudesse garantir o sustento de ambas. Assim, o ganho
através de seu trabalho significava a única renda da família.
1) Família de origem de Luciano
d) Atendimento terapêutico
Luciano, o pai de José, é filho mais novo de três filhos
do casal. SllaS irmãs têm dois anos de diferença de idade
A Família Pinheiro foi atendida durante um ano e meio
entre si e, respectivamente, oito e dez anos de diferença em
em consultório particular. O trabalho terapêutico desen
relação a Luciano.
volveu-se basicamente com a família nuclear, ou seja, o
Seus pais formavam um casal que, segundo o relato dos
�asal e seus quatro filhos. As famílias de origem foram
três filhos, tinha como característica marcante, a predo-
204 205
Léa Chuster
A família na escola e a escola na família
convidadas para algumas sessões. Foram feitos contatos A rigidez do sistema familiar era sentida pela inflexibi
com a escola e com o médico neurologista. lidade no desempenho das funções determinadas a cada
As preocupações da família centravam-se no desempe- membro, pela dificuldade no contato com outras pessoas
1\ ho escolar de José, pois as outras dificuldades, presentes
fora cto grupo familiar e pela desqualificaç�o dos homens
111•ssc sistema familiar, pareciam não serem percebigas pela da família.
f'íl1nília. A dificuldade desse sistema familiar para suportar as
Mnrcela a filha mais velha do casal, era m�ito "dócil" e diferenças individuais fazia com que a família se tornasse
''(uwzinha" e ótima aluna, não gostava de estar com outras fusionada e indiferenciada. As fronteiras que delimitam os
J)('ssocis, quer fossem crianças ou adultos. espaços de cada indivíduo eram confusas. As funções de
Marina, apresentava bom rendimento escolar, apesar da cada subsistema familiar, ou seja, subsistema parental e
bronquite crónica que a fazia "sofrer" muito. conjugal, eram indiferenciadas.
J\.na Paula era muito boa em tudo o que fazia. Nos es Assim como Luciano cuidara de sua mãe para que esta
portes, sobressaia em natação, judô e vôlei. Gostava de co "não sentisse a falta do pai" desde que este falecera, José
zinhar e já sabia fazer pratos deliciosos, segundo o relato também tornara-se muito cuidadoso para com sua mãe, não
de Inês, suii mãe. Telefonava para os avós todos os dias. permitindo que ela sentisse suas dificuldades relacionadas
Era tão· "boa" aluna que nunca aceitava tirar menos que com o seu marido. Ele os mantinha juntos na resolução de
"B" na escola. Quando isso acontecia, Ana Paula tranca seus problemas escolares.
và-se no quarto e recusava-se a conversar com outras pes Desde a primeira escola freqüentada por José, o sinto
soas por muitas horas. ma familiar cristalizado no mito dos homens incompeten
O casal tinha muitas dificuldades relacionais. Discutiam tes era reforçado. Durante as sessões realizadas, tivemos a
i
,nu Lo, geralmente por causa da sogra de Inês, que interfe possibilidade de caminhar pelas questões referentes à in
ri.i no relacionamento do casal, telefonando várias vezes tergeracionalidade e rigidez nos padrões de comportamen
por dia para seu filho, pedindo sua presença. to, principalmente no que se refere ao mito dos homens
O único ponto que mantinha ambos os cônjuges mais incompetentes que abandonam seus estudos e complemen
próximos era na função parental, resolvendo as dificulda tarmente mulheres muito competentes.
des de aprendizagem de José. O sistema familiar apresen Nessa época foi sugerido que José mudasse de escola para
tava uma dinâm_ica relacional inflexível, rígida, baseada uma outra que pudesse significar aprendizagem como um
na dicotomia con1petentes e incompetentes. processo, qualificando nesse percurso as conquistas con
Aos olhos da família, as mullíJr·ês'-�r�m- muito eficien seguidas. José respondeu de forma bastante favorável ao
tes e não davam, trabalho. Somente os homens eram com novo ambiente.
prometidos. O mito dos homens incompetentes presentes Um momento, especialmente importante, no processo
em ambas as famílias de origem era mantido trigeracio de tratamento, deu-se quando pudemos trabalhar com as
nalmente também por meio das dificuldades relacionais e questões do ciclo vital familiar relacionado ao crescimen
escolares de José. to das filhas. O processo de diferenciação entre os mem�
206 207
Léa Chuster A famflia na escola e a escola na família
bros da família começou a acontecer entre os membros da Dessa forma, a escola confirmava o mito familiar dos
família e, portanto, no subsistema filial, conjugal e frater homens incompetentes. Foi sugerida então uma mudança
no. As posições de cada um na família puderam ser ressigni de escola.. A nova escola trouxe as competências de José,
ficadas: cada filho passou a ser visto, conforme as suas suas conquistas passo a passo.
características pessoais dentro de suas possibilidades, li Podemos afirmar que, nesse caso, o sistema familiar
mitações e escolhas. Quando o sintoma - que significava o pode retomar o seu processo de desenvolvimento evoluti
motivo da procura para a terapia familiar - foi _ressignifi vo, José pode diferenciar-se de sua mãe, esforçando-se por
'éldo, ou seja, quando José retomou o seu processo de de expressar-se sozinho, ainda que com algumas dificuldades.
H(·n.volvirnento evolutivo, outras questões, que não eram Nesse percurso, a escola teve um papel importante na
m. c 1 ncionadas por uma demanda explícita e que também con sensibilização do sistema familiar para o processo de cres
Lavam corn as dificuldades relacionais do sistema familiar, cimento de José, que atualmente se encontra alfabetizado.
puderam ser igualmente ressign ificadas.
Não pretendo usar este espaço para detalhar os resulta BEN0IT, J. C. Angústia psicótica e sistema familia,: Tradução Jon::is
Pereira dos Santos. São Paulo: Psy, 1994.
dos do atendimento, mas sim fazer uma breve reflexão sobre CALIL, V. L. C. Terapia familiar e de casal. São Paulo: Summus,
o que·vem a ser o tema deste capítulo refletindo sobre a in 1987.
tersecção e as influências recíprocas entre família e escola. CARTER, B.; MCG0LDRICK, M. (0rgs.). As mudanças no ciclo
O referencial teórico para o desenvolvimento do trabalho de vida familiar. Tradução Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto
clínico apresentado esteve ancorado na teoria sistêmica. Alegre: Artes Médicas, 1995.
Após um ano de trabalho terapêutico, a família respon- FALICOV, C. F (Comp.). Transiciones de la família. Buenos Aires:
Amorrortu, 1991.
1deu de maneira bastante favorável ao tratamento. FICHTNER, N. A criança e o contexto sócio-familiar e escolar. In:
Nessa família, a dificuldade de aprendizagem significa PRADO, L. C. (Org). et al. Famílias e terapeutas. Porto Alegre:
va a "a porta de entrada" para o desenvolvimento de ou Artes Médicas, 1996.
tras dificuldades relacionais. O casal passou a relacionar-se KAES, R. E. et al. A instituição e as instituições. Tradução Joaquim
lc maneira bastante satisfatória. Pereira Neto. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1991.
Entretanto, a desqualificação das fi gu ras masculinas MIERMONT, J. Dicionário de terapias familiares. Porto AJci:,.rrc:
Artes Médicas, 1994.
•.tinda era um mito familiar que persistia, e José confirma PAIN, S. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem.
va por meio de seu baixo rendimento escolar. Tradução Ana Maria Netto Machado. Porto Alegre: Artes Médicas,
A escola, por sua vez, confirmava a desqualificação de 1989.
José e demonstrava isso avaliando somente o produto fi P0LITY, E. Ensinando a ensina,: São Paulo: Lemos, 1997.
nal do processo aquisição de conhecimento pelas notas no POSTER, M. Teoria crítica da família. Tradução Álvaro Cabral.
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boletim.
VAITSMAN, J. Flexíveis e plurais. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
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