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A nostalgia da infância

Pessoa sente a nostalgia perante o mundo perdido da infância. Isto funciona como uma forma
de evasão ao sofrimento, como fuga à “dor de pensar”. Contudo, o sonho não modifica a
realidade, e a evocação da infância provoca uma angustiada nostalgia, até porque evidencia o
caráter disfórico e negativo do ser presente.
Face à incapacidade de viver a vida, o poeta refugia-se numa infância mítica, uma idade de
inocência em que ainda não nos preocupamos nem “intelectualizamos” as nossas emoções
sendo, por isso, tudo possível. Esta felicidade que as crianças experimentam, devido à
inconsciência das suas ações contrasta com a infelicidade vivida pelo sujeito poético.
Em suma, Fernando Pessoa conclui que a criança que foi já não existe no presente, sendo
impossível voltar ao passado e voltar a ser feliz sem saber que era feliz. Desta forma, sente
uma nostalgia do bem perdido, do mundo fantástico da infância, único momento possível de
felicidade.

Fingimento Poético

Para Fernando Pessoa, um poema é um produto intelectual, não acontece no momento da


emoção, mas como reprodução da mesma, ou seja, tentativa de a reproduzir por meio da
linguagem, gerando uma imagem dela (uma imitação, porque a dor real nunca poderá ser
retirada do sujeito para o texto).
Deste modo, no poema "Autopsicografia", surge a referência a três dores: a real, que é aquela
que o sujeito conhece e terá experimentado, a dor sentida; a fingida, intelectualizada,
colocada em palavras através da imaginação / recordação, uma vez que é evocada, "a
posteriori", para ser reproduzida em palavras e nunca registada no momento do sentimento, e
a lida que é motivada pela empatia que os leitores vão sentir ao ler o texto, reconhecendo
aquele sentimento e experimentando um outro que parte do que a leitura suscita, mas nunca
será igual nem à dor real, nem à fingida, uma vez que ninguém sente do mesmo modo de que
outra pessoa.
Contudo, tendo sido mal entendido pelos críticos, Pessoa sentiu a necessidade de escrever um
poema, "Isto", que vem explicar a ideia de que a emoção é o produto que vai ser trabalhado
pela razão e do qual vai resultar o poema.
Deste modo, conclui-se que a dicotomia sinceridade/fingimento, relaciona-se com o facto de o
poeta precisar de se distanciar da emoção para poder ser mais lógico, coerente e expressar
melhor as suas emoções, "as dores sentidas".

Dor de pensar

Fernando Pessoa sente-se condenado a ser lúcido, a ter de pensar. Gostava, muitas vezes, de
ter a inconsciência das coisas ou de seres comuns que agem como uma pobre ceifeira ou que
cumprem apenas as leis do instinto como o gato que brinca na rua.
Pessoa olha para as pessoas à sua volta e vê que elas são mais felizes do que ele próprio, por
não terem a inteligência de intelectualizar os sentimentos. Assim Pessoa queria ser também,
mas gozando igualmente da sua inteligência. Ora, está criando, dentro de si, um par de ideias
paradoxais. Por um lado, viver a vida despreocupadamente, tendo emoções imediatas e, por
outro lado, ser inteligente e poeta que só é feliz se refletir sobre todos os seus sentimentos.
Por não conseguir ter as duas coisas ao mesmo tempo é que Fernando Pessoa sente que
«pensar» lhe permite escrever, mas lhe traz muita «dor».
Em suma, Fernando Pessoa não consegue fruir instintivamente a vida por ser consciente e pela
própria efemeridade sendo que, muitas vezes, a felicidade parece existir na ordem inversa do
pensamento e da consciência.

Sonho e realidade

Todos ansiamos por um paraíso, uma ilha do Sul onde a felicidade é possível. Fernando Pessoa
vive uma inquietação constante na procura pela felicidade. Desta forma, procura escapar da
realidade amarga através do sonho.
Pessoa procura fugir à dor de pensar através do sonho, que permite a inconsciência e o
vislumbre de uma outra realidade, ideal, onde existe, ou poderá existir, um outro «eu»,
havendo, porém, uma intransponível barreira que impossibilita a real existência do «eu» ideal,
sonhado.
Por outro lado, constituindo uma evasão, consciente ou racional, da realidade, o sonho torna
se também ele fonte de angústia e dor, dado que a própria realidade «já sonhada se
desvirtua», mesmo que apenas mentalmente, ganhou consistência.
Em suma, o sonho não altera a realidade, por vezes, nem sequer a transfigura, acentuando a
negatividade do presente e da realidade vivida.

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