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A experiência urbana

Nos últimos séculos da Idade Média, a cidade tornou-se no centro mundano. Ao contrário do
campo, esta tornou-se um uma porta aberta para o futuro, com inovações, um mundo de
negócios que fazem com que a organização social, a vivência da religião, a cultura e arte
sofram profundas reformas. Desta forma, são alterados valores e vivências quotidianas, que
afectaram, claramente, o declínio da época medieval.

Uma nova sensibilidade artística:


O Gótico
A burguesia era orgulhosa de si própria e da sua cidade, a qual dependia bastante de si, devido
aos negócios, portanto, existia uma espécie de “patriotismo local”, em que esta classe faz
todos os esforços por tornar a sua cidade a mais bela, comparativamente às cidades vizinhas.
Os burgueses contribuíam com quantias avultadas (com o intuito de receber algum mérito ou
honras) para as construções urbanas: muralhas, portas monumentais, palácios, igrejas.
Então é criado um novo estilo artístico: o Gótico. Uma combinação engenhosa de
componentes arquitecturais que fazem com que estas construções sejam elevadas, com
torres muito altas. Desta forma, as torres podem ser vistas ao longe, mostrando, assim, a
importância daquele povo.
Embora este estilo tenha sido utilizado em diversas construções artísticas e civis, são as igrejas
a quem está intimamente ligado, e as catedrais foram a sua melhor expressão.

A catedral, expoente do Gótico


De acordo com a finalidade espiritual procurada no estilo gótico, as catedrais deveriam
possuir: uma elevada altitude e uma grande verticalidade (procurando atingir o Céu),
luminosidade e uma plena continuidade entre o início de seus pilares e o cume de suas
abóbadas, o que lhes confere um exterior imponente e extremamente decorado, como a
Catedral de Notre-Dame [ver Doc.2]. As igrejas góticas têm, também, um interior vasto,
elevado e luminoso, com formas arquitectónicas suaves, comparadas com os interiores
robustos romanos. São compostas por grandes janelas, com vitrais, defendendo, assim, a
divisa “Deus é luz”, como é visível, por exemplo, na capela gótica, Sainte-Chapelle, em Paris
[Doc.3].
Os elementos construtivos
As características do estilo gótico estão ligadas aos seus marcantes elementos construtivos,
como o arco quebrado, a abóbada de cruzamento de ogivas e o arcobotante:

• arco quebrado: também podendo chamar-se arco gótico ou em ogiva, é alto,


independentemente da largura da sua base; usado em entradas e portais para lhes
conferir verticalidade [Doc.4];
• abóbada de cruzamento de ogivas: derivada da abóbada de aresta românica, tem
função decorativa e caracteriza-se pelos arcos de suporte (ogivas). Estas abóbadas são
articuladas, compostas por tramos (secções independentes) unidos. Estes suportam o
peso da abóbada em quatro ângulos [Doc.4];
• arcobotante: este é composto por duas partes: o estribo (espécie de contraforte, às
vezes encimado por um pináculo) e um ou mais arcos, que apoiam as paredes da nave
central, para que estas tivessem pouca espessura e fossem cobertas por vitrais
[Doc.4].
Todas estas componentes decorativas conferem às catedrais góticas a sua magnificência e
conformidade.

O “livro de imagens” da Cristandade


Durante o século XIII, a relação entre a escultura e a arquitectura é muito forte. Assim,
decorando edifícios, fachadas, portais e telhados, eram visíveis imagens.
Estas não demonstravam dinamismo e eram naturalistas; eram ordenadas e simétricas,
destacando-se dos edifícios aos quais se encontravam unidas. Revelam perfeição e qualidade
nos modelos de rostos e vestes, que não eram vistas no Ocidente desde o decrescimento da
arte romana, como é visível no Doc.5.
A escultura é, então, o “livro de imagens” da Cristandade. Para além do valor decorativo, as
esculturas contavam ao povo analfabeto da Idade Média a vida de Cristo e dos Santos,
enquanto as gárgulas [Doc.6] alertavam para a possibilidade de condenação do pecado.
Os vitrais também serviam de ensinamento àqueles que não sabia ler, pois retratavam os
ensinamentos que deviam seguir e aquilo em que deviam acreditar.

As mutações da religiosidade: ordens


mendicantes e confrarias
A cidade era um lugar de muitos contrastes. Com as actividades económicas a melhorarem,
os ricos adquiriam cada vez mais riqueza e, consequentemente, havia rivalidade de poderes.
Em contraste a tamanha abundância, assistia-se a uma extrema miséria. Ao chegarem à cidade,
os camponeses nem sempre encontravam trabalho e assim, sozinhos, viviam em condições de
pobreza iguais ou piores às que tinham quando chegaram à cidade.
Para acabar com a miséria, desenvolveram-se organismos de interdependência dirigidos à
ajuda mútua e à prática da caridade. Muitas destas organizações devem-se às ordens
mendicantes.

O papel das obras mendicantes


O clero, contrariando os dogmas primitivos de renúncia a bens materiais, de humildade, vivia
ostentosamente, o que fez com que muitos crentes aderissem a heresias. Movimentos de
refutação à vida eclesiástica de luxo, de retorno à humildade e pobreza originais, pregadas
pelo cristianismo, nasceram dentro da própria Igreja. As ordens mendicantes que mais
influenciaram estes movimentos foram as de S. Francisco e S. Domingos.
S. Francisco [Doc.7], natural de Assis (Itália), fundou a Ordem dos Frades Menores, uma
ordem humilde que vivia em pobreza absoluta. Sobreviviam diariamente graças ao seu
trabalho e às esmolas (daí o termo mendicantes). Esta ordem dedicava-se à pregação e à
ajuda de quem mais necessitava.
Os primeiros conventos Franciscanos fundaram-se desde muito cedo em Portugal. Primeiro
em Alenquer e Guimarães e logo depois em Lisboa e Coimbra. Salienta-se o de Leiria que
servia de albergue a peregrinos e mendigos.
S. Domingos de Gusmão, natural de Espanha, fundou, por sua vez, os Dominicanos e
partilhava os mesmos ideais de S. Francisco. Dando ênfase à pregação e tentando combater
a heresia, dedicavam-se ao estudo da Teologia.
As ordens mendicantes contribuíram assim para a renovação da fé cristã e para que os
sentimentos de fraternidade e entreajuda fizessem parte da comunidade medieval. Assim,
foram criadas as confrarias e outras associações de socorro mútuo.
As confrarias
As confrarias eram associações de socorro mútuo, de carácter religioso e que se organizavam
sob a protecção de um santo. Mesmo em pequenas cidades podiam existir dezenas, pois
ligavam vizinhos, pessoas com devoção ao mesmo santo, homens com a mesma ocupação
profissional (os grupos profissionais organizavam-se em corporações), ou apenas pessoas que
desejavam praticar a caridade. Dedicavam-se, portanto, à generosidade, como meio de
minimizar a pobreza urbana.
Cada confraria tinha os seus estatutos, ou seja, definiam que tipo de ajuda deveria ser
prestado: distribuição de esmolas, manutenção dos hospitais, etc. Para estas actividades, os
fundos provinham das quotas anuais obrigatórias de cada confrade, os mais ricos faziam
também doações. Do dinheiro angariado era retirado uma parte para celebrações religiosas,
como, por exemplo, procissões e festas ao santo padroeiro.

A expansão do ensino elementar; a


fundação de universidades
As primeiras escolas urbanas
Até ao séc. XI, a leitura e a escrita eram privilégios quase exclusivos aos clérigos. Os mosteiros
tinham vastas bibliotecas e escolas monacais. Estas escolas foram diminuindo devido ao
êxodo rural, pois estas inseriam-se em áreas rurais.
No séc. XI criaram-se as primeiras escolas urbanas, no centro das cidades, que, ainda sob a
alçada da Igreja, se destinavam, além de clérigos, à população leiga.
Com o desenvolvimento citadino, são necessários homens instruídos em letras para ocuparem
cargos de juristas, notários e escrivães. Formavam-se novos médicos, legistas, futuros
funcionários régios, ou seja, funcionários reais que sejam capazes de planear e executar e de
fazer novas tarefas em cidades que estavam em crescimento. Para registos mais rigorosos
necessários na expansão das grandes companhias comerciais, foram criadas nas cidades
mercantis, como em Londres, Lubeque, Veneza ou Florença, uma espécie de “escolas
secundárias” que, além de Lógica e Gramática, ensinavam também Aritmética.

As universidades
Durante o século XII, algumas escolas catedralícias obtiveram fama internacional, o que atraía
estudantes de Teologia, Medicina ou Direito. Porque era necessária uma organização mais
rígida devido ao ensino ter-se tornado mais complexo, criaram-se as universidades[7], que
definiam objectivamente as matérias a estudar, os graus académicos e defendiam os seus
membros. Duas das primeiras escolas catedrais a assumir este sistema de organização foram
a Bolonha (1088) e a de Notre-Dame (1158). Em 1231, Gregório IX determinou que as
universidades estabeleceriam as suas próprias leis e regras, no que dizia respeito a cursos,
estados e graus (existiam os graus de bacharel, licenciado e doutor), desta forma, ficaram sob
influência do Papa.
A universidade de Bolonha centralizou-se no ensino de Direito e a de Notre-Dame, em Paris,
em Teologia.
Os estudos organizavam-se em faculdades, cada uma correspondente a um ramo de ensino;
todas tinham a de Artes que era a base dos estudos universitários. Depois de um curso de seis
anos em Artes, iniciado entre os 14 e os 16 anos, atingia-se o grau de licenciado. Depois, era
possível a especialização em Teologia (que poderia durar até mais quinze anos), Medicina ou
Direito (estes dois últimos exigiam mais seis anos de estudos). O ensino era baseado em leitura
e comentário, pelo mestre, dos escritos das autoridades no assunto frequentado.

A primeira universidade portuguesa


Em Portugal, D. Dinis apoiou alguns pedidos dos clérigos ao Papa para que criasse um Estudo
Geral, futura universidade [como é possível ver no Doc. 8]. Em 1290, foi fundada a primeira
universidade portuguesa, O Estudo Geral de Lisboa. Este funcionou com as faculdades de
Artes, Direito Canónico, Leis e Medicina; o ensino da Teologia continuou a ser proporcionado
nas escolas dos mosteiros da Santa Cruz de Coimbra e Alcobaça.
Em 1308, o rei transferiu o Estudo Geral para Coimbra, pois esta ocupava já uma posição de
destaque no panorama cultural português. Embora tenha sido transferida novamente para
Lisboa, em 1537, a universidade portuguesa fixou-se definitivamente em Coimbra, o que
alterou a vida académica coimbrã até aos nossos dias.

A cultura leiga e profana nas cortes régias e senhoriais


Com um clima de prosperidade e paz, as cidades renasceram e com elas, a cultura. O gosto
por uma cultura erudita proliferou nas cidades (com as escolas e as universidades) mas
também nas cortes régias e senhoriais. A rudeza dá lugar à cortesia e os nobres tornam-se
cavaleiros ideais: bons e corajosos, defendem a causa da justiça e cortejam as damas de
acordo com o amor cortês. Nesta cultura, a literatura assume um papel central, pois assim se
espalharam os ideais cavaleirescos, cantaram-se sentimentos e honraram-se as memórias de
antepassados e de grandes feitos praticados.

O ideal de cavalaria
Nasce o ideal do perfeito cavaleiro, com que toda a nobreza se identificava.
Para atingir esse estatuto, era necessário ser filho de um nobre e ser honrado, corajoso e leal
para com o seu senhor; piedoso e justo. O cavaleiro tem como fundador o arcanjo S. Miguel
e por isso lutam por Cristo. Seguiam, portanto, modelos espirituais, mas também humanos,
como grandes figuras da Antiguidade ou o lendário Rei Artur.
Os serões das cortes eram ocupados com a leitura de narrativas de cavalaria. As novelas
arturianas foram as mais importantes na formação de narrativas deste género.
Antes de ser armado cavaleiro, um jovem tinha de ter uma educação rigorosa, prestar provas
da sua coragem e destreza e só depois possuía a honra de um cavaleiro, pertencendo, então,
a uma das muitas ordens de cavalaria que cresciam na Europa.

A educação cavaleiresca
Nos primeiros anos de vida, o rapaz era cuidado pela mãe e depois seguia para uma “casa
grande”, a casa de um senhor, onde servia, durante sete anos, como pajem, iniciando-se na
equitação e no manuseamento de armas; na adolescência, já conhecia a arte de cavalgar e
tornava-se escudeiro, ou seja, durante mais sete anos, servia um cavaleiro nas suas
expedições, tratava do seu cavalo e das armas. Durante estes anos, o jovem treinava para, no
futuro, se tornar cavaleiro.
Como treino físico eram praticados desportos como a caça, os torneios e as justas. A caça,
sobretudo a montaria, em que perseguiam grandes animais, obrigava a cavalgadas nos
bosques; no entanto os torneios eram bastante mais apreciados, simulando combates
amigáveis entre dois grupos de cavaleiros.
Após cerca de 14 anos de aprendizagem o jovem proferia os votos de cavalaria: sagrados e
de grande valor espiritual. O jovem passava por um ritual solene que incluía uma noite de
vigília na igreja, uma missa e comunhão, para que pudesse purificar a alma. Para purificar o
corpo, tomava um banho simbólico. Após este ritual, recebia as esporas de cavaleiro e a
espada, símbolo de direito e dever de combater, ingressando, assim, numa ordem de cavalaria.

O amor cortês
O código da cavalaria integrava também um código de amor: conjunto de normas que explica
como deve ser o amor e define-o como uma parte importante na vida de um cavaleiro que é
um herói que serve por amor.
O conceito do amor cortês foi desenvolvido entre os aristocratas franceses durante o ano
1100. No amor cortês, um homem devota uma grande paixão a dama. Por causa do costume
medieval, onde quase todos os casamentos eram feitos por interesse, o amor cortês
funcionava como o único e verdadeiro sentimento na vida da maioria das pessoas. Conforme
mostra no Doc.9, autores medievais, artistas, e trovadores inspiravam-se no amor cortês
como tema principal na maior parte de seus trabalhos. É um amor essencialmente espiritual.
O homem mantém uma atitude de veneração perante a Dama; é educado e requintado. A
mulher, por sua vez, corresponde aos ideais de perfeição a nível físico e espiritual.

A influência da literatura
Nas cortes, assistiam-se a espectáculos de jograis que recitavam e cantavam poemas dos
trovadores que pertenciam, na maioria, à nobreza. Este tipo de poesia amorosa chamava-se
poesia trovadoresca (de influência provençal, francesa, espalhou-se pela Europa), foi a
primeira manifestação literária portuguesa.
O Romance da Rosa, alegoria ao amor, é também um documento sobre o tema do amor; nele,
a rosa simboliza a mulher, que só pode ser «colhida» depois de duas provas prestadas pelo
cavaleiro. Este romance foi popular durante dois séculos e serviu de culto (apesar de muita
polémica) entre os homens mais enobrecidos da época.
Na Península Ibérica, D. Afonso X, o Sábio (1221-1284), rei de Castela e avô de D. Dinis,
iniciou a literatura galaico-portuguesa com as cantigas de amigos e as cantigas de amor [ver
Doc.10].
É possível concluir que o amor foi, portanto, um elemento fundamental na cultura erudita da
Idade Média: foi, para muitos, um código de vida e, até um ideal de vida.

O culto da memória dos antepassados


Nos Livros de Linhagens, os antepassados nobres eram recordados pelas famílias suas
famílias, assim como os grandiosos feitos que praticaram e isso enaltecia aquela linhagem,
aquela família.
Esta literatura genealógica difundiu-se pela nobreza europeia nos séculos XIII e XIV. Em
Portugal, D. Pedro, Conde de Barcelos, filho ilegítimo de D. Dinis, foi quem deu autoria a um
dos mais importantes livros de linhagens: O Livro de Linhagens do Conde D. Pedro. Neste
livro, inserem-se narrativas históricas como batalhas importantes, mas também lendas de
tradição oral, com personagens fantásticas, o que lhe confere um carácter literário [Doc.11].

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