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VALORES, VIVÊNCIAS

E QUOTIDIANO
Nos últimos séculos da Idade Média, a cidade era já um mundo à parte, um mundo onde se
processavam as mais profundas mudanças sociais, religiosas, culturais, artísticas. Aí se desenvolveu um
modo de vida especificamente urbano, orientado por novos valores. Aí se afirmaram novas formas de
sociabilidade, novas expressões de religiosidade, uma nova sensibilidade artística. Por ação do mundo
urbano, a época medieval encaminhou-se para o seu fim.

A EXPERIÊNCIA URBANA
UMA NOVA SENSIBILIDADE ARTÍSTICA: O GÓTICO

Na baixa Idade Média, os burgueses são homens orgulhosos de si próprios, mas também das
suas cidades, não se poupando a esforços para as embelezar e engrandecer.

Uma espécie de patriotismo urbano leva-os a comparar a sua cidade com as vizinhas e a não
querer ficar atrás. Para alimentar essa rivalidade, ou competição regional, acabavam por contribuir
generosamente para as grandes construções citadinas: muralhas, palácios comunais, igrejas, etc.

Nasce então um novo estilo artístico, enquanto expressão desse orgulho citadino – o gótico. Ao
combinar um conjunto de elementos arquitetónicos inovadores, a arte gótica vai possibilitar a elevação
das construções a alturas inimagináveis, de modo a poderem ser vistas de muito longe (torres dos
palácios comunais, igrejas) e, por essa forma, anunciarem a importância do burgo e das suas gentes.
Embora também ligada à construção de muitos edifícios civis (palácios comunais, sedes de corporações),
e abarcando todas as vertentes artísticas (arquitetura, pintura, escultura, artes decorativas), a arte
gótica ficou sobretudo ligada à arquitetura religiosa, sendo a catedral a sua melhor expressão.

A catedral gótica tem como principais características a verticalidade e a luminosidade. O edifício


eleva-se em altura, como que simbolizando a elevação para Deus. O seu exterior é imponente e
profusamente decorado. O interior é amplo, elevado e luminoso. Quando comparadas com a solidez
maciça das formas românticas, as formas góticas transmitem a ideia de leveza. Grandes janelas
(rosáceas) com magníficos vitrais dão ao interior uma luminosidade que deslumbra e convida à
meditação e ascese (“Deus é Luz”).

O abade Sugger, responsável pela construção da primeira igreja gótica – Saint-Denis –


descreveu a miraculosa luz que através das janelas inundava a capela-mor, transformando-se em luz
divina, reveladora do espírito de Deus.
Arco quebrado. Este tipo de arco (em ogiva) pode ser estirado em altura, o que dá aos portais e
arcaturas interiores um aspeto de verticalidade e elevação.

Abóbada com cruzamento de ogivas. Identifica-se pelos arcos diagonais de suporte. Ao


contrário das abóbadas de berço românicas, que descarregam o peso de forma contínua sobre as
paredes, as abóbadas góticas são, em primeiro lugar, articuladas, compostas por secções independentes
justapostas, os tramos. Em segundo lugar, os arcos de cada tramo (paralelos e cruzados) desempenham
o papel de armação, suportando o peso da abóbada e descarregando-os nos quatro pilares. Esta
concentração do peso em pontos específicos permite prescindir do apoio de algumas paredes e
introduzir, no seu lugar, grandes aberturas preenchidas por vitrais.

Arcobotantes. Localizados no exterior, têm função reforçar os pontos de maior pressão.


Compõem-se de três partes: um contraforte ou estribo; um ou mais arcos que apoiam as paredes da
nave central e descarregam o seu peso no contraforte; o pináculo, que reforça o contraforte.

Se estes elementos juntarmos a profusão decorativa, resulta daqui um emaranhado de formas


que confere à catedral gótica grande parte da sua imponência e identidade.

No estilo gótico, é muito estreita a relação entre a arquitetura e a escultura. Uma sucessão de
imagens invade as fachadas, os portais e os telhados (ex: monstros diabólicos), destacando-se dos
elementos arquitetónicos a que se encontram unidas. Perfiladas de forma ordenada e simétrica,
revelam uma enorme qualidade de execução, há muito desconhecida do Ocidente.

Mas, para além do seu valor artístico, a decoração escultórica das catedrais tem um enorme
valor doutrinal, de resto já assumido no românico. É o “livro de imagens da cristandade”, com a função
de relatar a vida dos santos, mas sobretudo descrever os mais importantes passos do Antigo e Novo
Testamento (grande parte desta iconografia refere-se à Vida e à Paixão de Cristo). A lição das esculturas
completava-se com a do vitral. Ambas constituíam uma forma de ensinar à gente simples e analfabeta a
doutrina e os dogmas da religião cristã.

AS MUTAÇÕES NA EXPRESSÃO DA RELIGIOSIDADE: ORDENS MENDICANTES

No final da Idade Média, a cidade era um lugar de múltiplos contrastes. À medida que a
economia crescia, os ricos tornavam-se mais ricos, rivalizando entre si no luxo, na opulência (grandeza)
e na ostentação. Este cortejo de riqueza tornava mais evidente a miséria que se fora alojando nas
cidades. Atraída pela cidade, a gente pobre do campo ia chegando em cada vez maior número, nem
sempre encontrando trabalho; desta forma, viviam pobres, sem família ou amigos a quem pedir ajuda,
em virtude do corte dos laços de entreajuda próprios do mundo rural. Foram-se assim estabelecendo,
espontaneamente, novos laços de união/cooperação e estruturando organismos de solidariedade
destinados a ajuda mútua e à prática de caridade. O seu êxito muito se ficou a dever à renovação
espiritual encetada pelas ordens mendicantes, cujo exemplo deu origem a uma mentalidade mais
fraterna e mais preocupada com o sofrimento alheio.

A Igreja Católica, ao arrepio da mensagem cristã de pobreza e humildade, identificava-se com o


grupo dos ricos. Bispos e abades levavam uma vida luxuosa, semelhante à dos grandes senhores feudais,
mostrando-se pouco atentos às situações de pobreza e marginalidade emergentes.
Repudiando tal atitude, muitos crentes começam aos poucos a afastar-se do catolicismo e a
aderir a heresias/seitas, que a Igreja severamente reprimia.

Neste contexto de contestação ao luxo do clero e, simultaneamente, de luta pelo regresso à


humildade e pobreza originais, vão surgir, dentro da própria Igreja, vários movimentos que refletem
uma vontade moralizadora. Referimo-nos às ordens mendicantes.

1182. Assis, Itália. Francisco, filho de um dos mais ricos mercadores da cidade, que até então
levara uma vida boémia, adoeceu. A convalescença fá-lo renunciar aos bens terrenos e tomar a decisão
de, doravante, dedicar a sua vida ao auxilio dos pobres e à pregação da palavra de Deus.

Com o seu exemplo granjeou numerosos seguidores. Na ordem que fundou (Ordem
Franciscana), estabeleceu que os irmãos deveriam viver numa pobreza absoluta, trabalhando e pedindo
esmola para garantir o sustento diário (dai o nome mendicantes; de mendigar = mendigar). Deveriam
ainda dedicar-se à pregação e à ajuda dos mais infelizes e necessitados, através da caridade. Assim se
conseguiu a reconciliação dos mais pobres com a Igreja. 

A Ordem de S. Francisco cedo se estabeleceu em Portugal. Os primeiros conventos foram


construídos em Alenquer, Guimarães, Lisboa, Leiria (albergue para mendigos e peregrinos) em Coimbra.

A ordem fundada por Domingos de Gusmão (1170-1221) partilhar os mesmos ideais, embora os
dominicanos tenham dado maior ênfase à pregação como forma de combate às heresias. Alguns dos
seus membros dedicaram-se ao estudo da Teologia, atingindo fama internacional como teólogos ou
professores universitários (ex.: São Tomás de Aquino).

As ordens mendicantes contribuíram tanto para a renovação da vida religiosa medieval como
para alteração das vivências comunitárias, tornando efetivo o sentimento de solidariedade e amor para
com o próximo, o qual esteve na base da criação das confrarias e das associações de socorros mútuos.

UMA NOVA EXPRESSÃO DE RELIGIOSIDADE: AS CONFRARIAS


Com a ida para as cidades, os camponeses viam as suas solidariedades familiares e
comunitárias desintegrarem-se. A integração na cidade era efetuada no local de trabalho, pelos vizinhos,
ou em locais de sociabilidade como a taberna ou a paróquia. Mas a exclusão era uma realidade. 

Foi neste contexto de exclusão, solidão e carência que se procurou reforçar os laços de
cooperação, sendo desta altura o aparecimento das primeiras instituições de solidariedade social com
fins de socorro, beneficência, ajuda mútua e caridade, a maior parte delas de carácter religioso.

As confrarias eram associações de entreajuda e socorro mútuo, de cariz religioso, organizadas


sob a égide de um santo e que também se dedicavam à caridade como forma de minorar a pobreza
urbana.

Destacaram-se de todas as outras associações de solidariedade da época medieval, devido ao


seu elevado número e grau de organização. Agrupavam pessoas geralmente ligadas pela prática do
mesmo oficio, por laços de vizinhança ou, tão-somente, pela devoção ao mesmo santo, irmanadas no
desejo de praticar a caridade.

A maior parte das confrarias nasceu ligada aos ofícios, já que nas cidades medievais os vários
grupos profissionais se organizavam em corporações - associações profissionais que reuniam os
trabalhadores do mesmo ofício e regulamentavam todos os aspetos ligados ao exercício da profissão:
quem a podia exercer, salários, preços, qualidade dos produtos. Competia-lhes também promover a
solidariedade entre os seus membros, pelo que era vulgar associarem a si uma confraria onde, sob a
égide de um santo os colegas de profissão se ajudavam em situações difíceis.

Cada confraria tinha os seus estatutos, que os confrades se obrigavam a observar. Lá se definia
o tipo de ajuda e as ocasiões em que ela devia ser prestada e estabeleciam os atos de caridade pública a
desenvolver distribuição de esmolas, manutenção de hospitais, etc. O dinheiro para estas atividades
provinha de uma quotização anual obrigatória para todos os irmãos (confrades). Deste fundo se retirava
o dinheiro necessário à realização dos eventos religiosos, como missas pelos defuntos, procissões e
festas em honra do santo padroeiro. Estas atividades eram cuidadosamente organizadas na casa da
confraria onde os confrades periodicamente se reuniam para cumprimento das suas obrigações ou
simplesmente conviver.

A EXPANSÃO DO ENSINO ELEMENTAR; A FUNDAÇÃO DE UNIVERSIDADES

Até ao século XI, as populações europeias viveram praticamente absorvidas por duas
realidades: a guerra e a sua sobrevivência. As condições para uma grande vivência cultural eram
praticamente inexistentes.

A leitura e a escrita, aliás, eram competências quase exclusivas de clérigos monges. Os


mosteiros eram os mais celebrados centros do saber e as únicas instituições de cultura erudita, com as
suas livrarias e as suas escolas monacais (centros de ensino destinados à preparação dos noviços -
candidatos a monges).

Mas a revitalização das cidades no século XIX conduziu à decadência das escolas monacais, que
pela localização dos mosteiros se inseriam em áreas predominantemente rurais.

No século XI, organizam-se já as primeiras escolas urbanas. Mantém-se a tutela da Igreja, mas o
local e os destinatários destas novas escolas são já outros. Junto das sés (e por isso também chamadas
de escolas episcopais ou catedrais), situam-se no centro das cidades e dirigem-se a um público mais
alargado, admitindo, além de clérigos, muitos leigos.

 A multiplicação de escolas urbanas veio responder às novas necessidades administrativas e


comerciais das cidades: por um lado, à necessidade de mais juristas (tribunais), notários e escrivães
(repartições públicas), que constituíam o novo funcionalismo urbano, e cuja procura a reorganização da
Administração central veio estimular; por outro lado, à necessidade cada vez mais premente de um
registo minucioso da atividade empresarial. 

Mas a verdade é que, cada vez mais procuradas pelos burgueses, as escolas catedrais (muito
ligadas à Igreja) não satisfaziam as exigências dos estudantes laicos.

No decurso do século XII, algumas escolas catedrais obtiveram, pela qualidade dos seus
mestres, fama internacional. Atraiam numerosos estudantes e especializaram-se em áreas como o
Direito, a Teologia e a Medicina.

Mas, medida que a estrutura da escola se la tornando mais complexa, mestres e alunos
sentiram necessidade de uma organização mais rígida de tipo corporativo. que definisse as matérias a
estudar, o modo de obtenção dos graus académicos (licenciado, bacharel, doutor) e que defendesse os
seus membros de pressões externas, nomeadamente do bispo e da elite dirigente comunal. A esta nova
organização chamou-se Universitas.

As universidades ganharam então estátua próprio e adquiriram uma progressiva autonomia,


quer em relação ao poder eclesiástico (bispos) quer em relação ao poder laico (reis comunas). Nessa luta
tiveram o apolo dei papa, que ao subtrai-las influência das autoridades (laicas e eclesiásticas) as
instrumentalizou em função da politica centralizadora da Santa Sé.

Duas das escolas catedrais que primeiro se organizaram estes moldes foram a de Paris (Notre-
Dame) e a de Bolonha. Em Paris, o desejo de autonomia lançou professores e estudantes em acesas
lutas com as autoridades laicas e eclesiásticas, até que, em 1231, o Papa Gregório IX autorizou a
universidade a estabelecer as suas regras colocando-a sob a sua direta Jurisdição. Notabilizou-se pelo
ensino da Teologia ao passo que a de Bolinha se especializou no do Direito (a ambas afluíam todos os
anos milhares de estudantes, entre 3 a 4 mil).

Em Paris, por esta altura nascia um bairro exclusivamente estudantil – o Quartier Latin - em
virtude de esta ser a língua comum aos estudantes das várias nacionalidades. Mestres e alunos, aliás,
agrupavam-se por nações, correspondendo ao seu lugar de origem. O estudo organizava-se em
faculdades, termo que designa o grupo de professores e alunos ligados por um mesmo ramo do saber.
Todas as universidades tinham a Faculdade de Artes (Trivium: Gramática, Logica e Retórica; Quadrivium:
Aritmética, Geometria, Astronomia e Musica), o Estudo Geral, a base de qualquer curso. O curso de
Artes durava 6 anos; inicia-se em regra aos 14/16 anos e conferia o grau de licenciado (licencia
docendi). Só então o estudante se podia especializar em Medicina, Direito ou Teologia. Os dois
primeiros duravam mais 6 anos; o ultimo podia estender -se até aos 15! O ensino baseava-se na leitura e
comentário pelo mestre dos escritos das autoridades no assunto - método conhecido por Escolástica. Os
alunos escolhiam o reitor (rethor); tinham o direito de usar espada e traje de clérigo e só ser julgados
em tribunal eclesiástico; adquiriram fama de arruaceiros e boémios. A lição dos mestres no podia ser
posta em causa ("Magister dixit"). Na falta de acesso fácil aos livros, utilizavam-se sebentas.

A partir do século XIII, a criação de universidades ganha uma feição nacional, mais ligada ao
Estado, uma vez que era entre os legistas (estudantes de Direito) que os reis recrutavam os seus
colaboradores. Fundar universidades tornou-se uma tarefa régia, embora sempre dependente do aval
da Igreja. É neste contexto que se enquadra e nascimento da primeira universidade portuguesa, o
Estudo Geral de Lisboa, criado em 1290, em resultado de um esforço conjunto de vários prelados e do
rei D. Dinis. Funcionou com as Faculdades de Artes, Direito Canónico, Leis e Medicina. O ensino de
Teologia não foi autorizado e continuou a ser ministrado nas escolas dos Mosteiros de Sta. Cruz de
Coimbra e de Alcobaça. Em 1308, após vários incidentes entre os estudantes e os burgueses de Lisboa, o
rei transferiu o Estudo Geral para Coimbra, cidade destacada no panorama cultural português (por via
da Escola Episcopal da Sé e da ação dos monges de Sta. Cruz). Após 1537, e depois de ter voltado mais
uma vez para Lisboa, a Universidade fixou-se definitivamente na cidade do Mondego.

CULTURA LEIGA E PROFANA NAS CORTES RÉGIAS E SENHORIAIS


O IDEAL DE CAVALARIA

Enquanto nas universidades e nos mosteiros se desenvolveu uma cultura erudita (assente no
estudo e na reflexão), nas cortes dos reis e da nobreza senhorial, o convívio entre nobres contribuiu
para o aparecimento de uma cultura leiga e profana, especificamente ligada aos interesses e gostos
deste grupo - a cultura cortesã. Para além destas, havia ainda a cultura popular, com os seus
cancioneiros e folclore.

A diminuição das guerras o clima de prosperidade do século XIII trouxeram uma alteração
radical às maneiras de sentir e pensar da sociedade senhorial, bem como aos comportamentos.

As cortes tornaram-se mais requintadas; a violência no trato, a rudeza nas maneiras e a


brutalidade vão sendo substituídas por uma maior contenção, delicadeza e polidez.
Surge um novo ideal de cavaleiro: corajoso, bravo, altruísta, protetor dos fracos e defensor da
Justiça. O cavaleiro ideal passa a ser um ser sensível, capaz de cortejar a sua dama segundo as regras do
amor cortês, e que com esse fim cultiva a música e a poesia.

A partir do século XIII, pese embora a violência e crueldade inerentes à vida guerreira, os
nobres passam a identificar-se com um novo ideal: o de perfeito cavaleiro.

Para aspirar a cavalaria era necessário ser nobre (todos os que não o fossem eram
automaticamente excluídos); era igualmente necessário possuir certas virtudes militares, como a honra,
a coragem, a lealdade, mas também a virtude e a piedade, porque a cavalaria era um ideal profano,
mas ao mesmo tempo religioso: "o cavaleiro combate por Cristo”.

É considerado fundador da cavalaria o arcanjo S. Gabriel, o chefe dos exércitos celestiais


defensores do trono de Deus, cujas proezas eram bastante inspiradoras dos cavaleiros terrenos, embora
estes sempre tenham preferida modelos mais humanos: Aníbal, Alexandre ou o lendário Artur, rei da
Bretanha, com os seus cavaleiros da Távola Redonda.

É curiosa a persistência do ideal de cruzada nos séculos XIII e XIV, mesmo depois da perda dos
territórios da Palestina, mantendo-se vivo o sonho cavaleiresco de reconquistar Jerusalém.

Os grandes guerreiros do passado, os seus feitos, as suas virtudes, valores e comportamentos


foram objeto de muitas narrativas romanceadas, que os reis e os grandes senhores faziam ler nas suas
cortes ao serão.

São desta época as novelas e os romances de cavalaria, que relatavam a vida, os feitos
heroicos, as aventuras desses cavaleiros lendários. As mais importantes sagas cavaleirescas foram:

 As Novelas Arturianas (ex: Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda, Excalibur). Da corte da
Bretanha, Artur e os seus cavaleiros partem na nobre missão da busca do Santo Graal, cálice
místico onde José de Arimateia teria recolhido o sangue de Jesus Cristo na hora da Paixão.
 Os Romances (ex: Amadis de Gaula). Amadis, jovem virtuoso, destemido e profundamente
apaixonado, é o modelo de cavaleiro andante que percorre o mundo em defesa das causas
mais nobres e no fim é recompensado com o amor da sua dama, Oriana, o seu par.

Para atingir o estatuto de cavaleiro era necessária uma educação rigorosa. Só depois de
transpor todas as etapas e ler dado provas da sua destreza e valentia, se podia ter a honra de ser
armado cavaleiro e desta forma passar a integrar a ordem da cavalaria.

O nobre era enviado moço para a casa de um senhor com estatuto superior, onde ficava até à
idade adulta. Aí, durante 7 anos servia como pajem, iniciando-se na arte de cavalgar e no manejo das
armas. Já adolescente, tornava-se escudeiro. Nessa qualidade, servia durante mais 7 anos um cavaleiro,
a quem tratava do cavalo e armas e dava assistência. Durante esse período era sujeito a um treino
intensivo, de modo a adquirir a mestria técnica essencial a sua futura condição. A sua destreza era com
frequência posta à prova, pois a maior parte do seu tempo era ocupado em "desportos" que contribuem
para o seu vigor físico: a caça, com as montarias (perseguição de animais de médio porte) e as cetrarias
(utilização de aves de rapina, falcões, gravidez, águias, para captura de outras espécies); os torneios e as
justas, combates simulados nos quais se defrontavam dois grupos de cavaleiros, no primeiro caso, ou
apenas dois homens, no segundo, eram igualmente essencial para a melhoria da destreza.

Os torneios, geralmente, realizavam-se em espaços vedados, com bancadas; qualquer


festividade os incluía. No século XIV, estes combates tornaram-se autênticos desfiles teatralizados, nos
quais os participantes se apresentavam de forma extravagante.
Sobre as regras que qualquer cavaleiro devia observar e os conhecimentos que devia possuir, o
nosso rei D. Duarte escreveu o Livro de Ensinança da arte de bem cavalgar toda a sela, o primeiro
tratado de equitação europeu.

Após 14 anos de aprendizagem, o jovem escudeiro proferia os sagrados votos de cavalaria, de


grande significado espiritual, geralmente antecedidos por um ritual solene que inclui uma noite de
vigília na igreja, para purificação da alma, e um banho simbólico, para purificação do corpo. Realizava se
então a Investidura na ordem da cavalaria, cerimónia na qual o futuro cavaleiro recebia os seus símbolos
as esporas e a espada.

O AMOR CORTÊS

A partir do século XII, nas cortes régias e senhoriais, passa a haver um convívio mais mundano
entre homens e mulheres; as relações amorosas adquirem uma nova dimensão; nasce o amor cortês.

O código de cavalaria, aliás, integrava um código de amor, que dizia quem e como se
podia/devia amar, e que lembrava que o cavaleiro era um herói que servia por amor.

O amor cortês é sobretudo espiritual, platónico; ambiciona a perfeição moral é abnegado e


virtuoso. 

O cavaleiro devia mostrar-se delicado e tímido perante a sua amada, agir com contenção nos
gestos e nas palavras. A espera paciente, o empenho e a persistência na conquista da dama, se possível
com vários atos de bravura pelo meio, elevavam-no perante Deus e os homens. Devia igualmente
apresentar-se como um exemplo de educação e refinamento, em contraponto à rusticidade, à grosseria,
à boçalidade e à violência do período anterior.

A dama também devia corresponder ao tipo idealizado de mulher: bela, serena, bem-falante,
mas ao mesmo tempo recatada, capaz de alimentar a tensão amorosa com um sorriso, a dádiva de um
lenço ou até de um beijo!

Na expressão e propagação do amor cortês, tiveram importância decisiva trovadores e jograis,


que dele fizeram o tema central das suas composições, animando com os seus versos os serões na corte.

Esta poesia lírica, chamada de trovadoresca, de influência provençal (porque originária do Sul
de França), foi trazida para Portugal pelos primeiros cavaleiros francos que vieram ajudar na reconquista
cristã.

Foi a primeira manifestação literária em português, melhor, em galaico-português, sendo três


os géneros principais:

 Cantigas de amor: de origem aristocrática; o poeta exprime os seus sentimentos pela dama;
 Cantigas de amigo: circunscritas à Península Ibérica; o poeta exprime-se no feminino,
lamentando a ausência do amado (amigo);
 Cantigas de escárnio e maldizer, de cariz humorístico e intuitos satirizantes

A Outras manifestações literárias deram grande projeção à temática amorosa. Foi o caso do
Romance da Rosa (c.1240), uma alegoria ao amor em que a rosa simbolizava a amada, que só após
duras provas podia ser colhida.

O amor cortês foi uma componente essencial da cultura e sociabilidade cortesãs medievais.

O CULTO DA MEMÓRIA DOS ANTEPASSADOS


O culto e a evocação da memória dos antepassados foram outra manifestação característica
das famílias nobres, que assim resgatavam para o presente os feitos valorosos da sua ascendência, ainda
para mais quando a herança de um nome ilustre maior legitimidade conferia à linhagem.

É desta época (século XIII) o hábito de ao serão se recitarem genealogias, de se recordar a


ascendência, as bravuras praticadas e as honras atribuídas à linhagem. Para que estas lembranças não
se perdessem, cedo se sentiu necessidade de se proceder ao seu registo, transcrevendo esta tradição
oral e esta memória ancestral para crónicas ou livros de linhagens. Em Portugal, este género literário foi
cultivado com esmero dando origem aos nobiliários. O grande objetivo era o de acautelar os direitos
históricos e patrimoniais das famílias fidalgas, pondo em evidência o papel relevante que tinham
desempenhado na Reconquista.

A DIFUSÃO DO GOSTO E DA PRÁTICA DAS VIAGENS


VIAGENS DE NEGÓCIOS E MISSÕES POLÍTICO-DIPLOMÁTICAS

Entre os séculos XIII e XIV, sob o impulso do comércio, as barreiras geográficas que durante
séculos tinham fechado a Europa sobre si mesma começam a ceder. Um grande número de viajantes
(mercadores, peregrinos, missionários, diplomatas, cavaleiros, desenraizados) percorre agora, com
frequência, os "caminhos". Surge o gosto pelo relato de viagens.

Com as suas frequentes viagens de negócios, os mercadores medievais eram os principais


viajantes. Para isso também contribuiu o facto de nos finais do século XIII se terem estabelecido ligações
comerciais marítimas regulares entre o Mediterrâneo (Sul) e o Atlântico (Norte) - o que, face à sua
rapidez e menor custo, constituía uma boa alternativa as vias terrestres.

No século XIII, alguns viajantes europeus aventuram-se a viajar até ao Oriente. Os italianos
foram os pioneiros destas expedições, ousando percorrer o continente asiático.

Os irmãos Matteo e Niccolo Polo, de Veneza, foram os primeiros europeus a chegar a Pequim
(China), onde realizaram negócios e foram recebidos na corte do imperador Kubilai Khan (neto de
Gengis Khan, chefe mongol que iniciou a conquista da China). Em 1271, empreenderam nova viagem
desta vez acompanhados de Marco Polo, 21 anos, a quem as narrativas do pai haviam entusiasmado.
Graças à sua facilidade em falar línguas e habilidade diplomática, Marco Polo recebeu imensas honrarias
do Imperador, sendo nomeado governador de uma província. Ao fim de 20 anos, os Polo regressam
Veneza, ricos. Marco elabora então o relato das suas extraordinárias aventuras, escrevendo o mais
famoso livro de viagens de todos os tempos, O Livro das Maravilhas, no qual, misturando o real e o
imaginário, inventando prodígios e exagerando alguns acontecimentos, descreve o longínquo Oriente.
Durante dois séculos, até os Portugueses demandarem a Índia, foi este livro que alimentou a imaginação
dos europeus.

O desenvolvimento do grande comércio veio aproximar mercadores de governantes. Estes,


como fito de financiarem as suas iniciativas militares, recorriam aqueles com frequência no sentido de
obterem empréstimos. Outras vezes, solicitavam-lhes o desempenho do papel de embaixadores junto
das várias cortes europeias. Muitas viagens passam, então, a aliar aos negócios o desempenho de
missões político-diplomáticas.

Nesta época, as relações diplomáticas não se estabeleciam apenas entre soberanos, mas
também entre grandes senhores e até entre cidades.

Roma era, à data, o centro da diplomacia europeia. Ai se cruzavam embaixadores de todas as


nações, aí se resolviam questões religiosas e contendas politicas, aí se recorria ao Papa, investido no
papel de mediador e até mesmo de juiz em matérias de Direito Internacional Público
Eram constantes as deslocações de legados/núncios da Santa Sé às cortes europeias e de
diplomatas destas à corte de Roma.

ROMARIAS E PEREGRINAÇÕES

Na Idade Média, a vivência religiosa implicara a prática de certos hábitos: oração, assistência
aos serviços religiosos, confissão, penitência, jejuns, peregrinações.

Por todo o lado abundavam capelas, igrejas, ermidas - lugares de devoção A especial, fosse
pelas relíquias sagradas que guardavam, fosse pelo poder milagreiro do seu santo patrono. A elas
acorriam milhares de pessoas em busca de alivio para as suas doenças, pagamento de promessas,
penitência dos seus pecados ou simples satisfação da sua fé.

Estas deslocações assumiam âmbito regional (implicando uma curta jornada) ou âmbito
internacional (exigindo uma longa viagem de meses anos).

No primeiro caso estão as romarias, celebrações organizadas em honra de um santo. Atraiam


anualmente fiéis das zonas vizinhas que a elas vinham em grupo. Chegados ao santuário, os romeiros
pagavam as suas promessas e participavam nas cerimónias religiosas. A ocasião era depois aproveitada
para os negócios - uma vez que as romarias coincidiam geralmente com as feiras - mas também para a
diversão. Ao carácter religioso das romarias aliava-se uma forte componente profana, muito ligada à
cultura popular, o que faz delas uma notável expressão da cultura medieval. Muito enraizadas nos
hábitos das populações, persistiram até aos dias de hoje (ex: Feira de S. Mateus, Viseu).

No segundo caso estão as peregrinações. Prática ancestral na tradição judaico-cristã, o hábito


das peregrinações reanimou-se no século XI. Feitas por caminhos pré-determinados, nelas participavam
homens, mulheres, crianças, velhos e novos, doentes e sãos. Os grandes senhores viajavam a cavalo
com comitiva, ou então, em sinal de penitência, despojavam-se de honrarias e juntavam-se à multidão
de humildes, mendigos, estropiados que penosamente iam percorrendo o longo percurso.

Os três mais importantes locais de peregrinação da cristandade ocidental eram Jerusalém


cenário da paixão e morte de Cristo), Roma (local do martírio de S. Pedro) e Santiago de Compostela
(onde no século XI fora encontrado o túmulo do apóstolo S. Tiago, no Campus Stella).

A peregrinação mais redentora era a primeira, já que redimia todos os pecados. Foi para
garantir a continuidade da sua realização que em 1095 se realizou a 14 cruzada.

O Ocidente europeu afluía a Santiago, confiante na cura milagrosa do apóstolo e na força


sobrenatural que emanava do seu túmulo.

Ao longo dos trilhos multiplicavam-se mosteiros, albergarias, hospitais, mas também


santuários menores, cujas relíquias iam alimentando o fervor religioso dos viajantes.
By lolinha

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