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UNIDADE CURRICULAR: História do Cristianismo

CÓDIGO: 31055

DOCENTE: Maria do Carmo Teixeira Pinto

A preencher pelo estudante

NOME: Ernesto Ferreira Ribeiro

N.º DE ESTUDANTE: 1600036

CURSO: História

DATA DE ENTREGA: 1 de Maio de 2019

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TRABALHO / RESOLUÇÃO:

“Todas as heresias medievais, especialmente as que nascem não só de um impulso


religioso como também da impaciência acerca das injustiças da sociedade,
têm uma raiz milenarista.” (Humberto Eco)
Idade Média - Bárbaros, Cristãos e Muçulmanos

No quadro evolutivo das heresias durante a Baixa Idade Média é condição quase
assente que o seu nascimento e disseminação estiveram ligados ao desenvolvimento da
urbe e ao resultado das novas condições sociais surgidas na sociedade urbana medieval-
ocidental.1 É neste contexto que, tal como se afirma no texto em análise, a “cristandade
ocidental viveu momentos conturbados em que a formação do ideário cristão (…)
suscitou reações de forte contestação, que surgem no momento de profundas
transformações da sociedade medieval”. Neste sentido, a atmosfera espiritual da urbe
determinaria uma nova atitude perante a religião e a instituição eclesiástica, isto é, uma
nova religiosidade.2
Um dos traços marcantes desta nova religiosidade é o extremo apego à pobreza, por
principal mensagem de Cristo e dos Apóstolos, nisto se constituindo o travejamento
central sobre o qual deveria assentar a igreja de Cristo. “Cátaros, valdenses, pseudo-
apóstolos, beguinos e grande parte das heresias deste tempo interpretaram o
cristianismo como uma religião que deveria pregar a pobreza como a via certa para se
chegar à salvação.” 3 É certo que as heresias, como se extrai da citação em epígrafe,
tinham uma raiz milenarista e resultavam de “tendências divergentes, num sentido
desfavorável” 4 que se aplicavam conceptualmente aos grupos de cristãos que não
faziam parte da chamada “Grande Igreja”. Mas, “(…)enquanto as inquietações
anteriores ao ano 1000 eram suportadas passivamente por uma humanidade abandonada
a si própria (…)”5, as heresias dos séculos XII e XIII, de profunda base popular, eram o

1 ECO, Humberto (Org.). Idade Média - Bárbaros, Cristãos e Muçulmanos. Versão pdf., Lisboa: Dom Quixote, 2011, pp. 25, 26.

2FALBEL, Nachman. A heresia dos pseudo-apóstolos e a dissolução da propriedade rural livre (allodium) nos séculos XIII e XIV, Resumo. Anais do
VIII Simpósio dos Professores Universitários de História, ANPUH. Aracaju, 1975.

3 Ibidem

4 BOULLUEC, Alain le. Heresias e ortodoxia. In Corbin, Alain dir. - História do Cristianismo. Lisboa: Editorial Presença, 2008, p. 62.

5 ECO, Humberto (Org.). Idade Média - Bárbaros, Cristãos e Muçulmanos. Versão pdf., Lisboa: Dom Quixote, 2011, pp. 25, 26.

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resultado de uma nova expansão e renovada divisão social, de onde se resultaria o
crescimento do individualismo religioso. A religiosidade desta época foge, assim, aos
padrões oficiais, pela busca de novas interpretações, num traço de humanização e de
cristianização popular de onde ressalta, a título de exemplo, o repentino despertar de
adoração da Virgem. Também não é por acaso que neste período histórico surgem novas
ordens religiosas, inspiradas em personalidades como São Francisco de Assis e São
Domingos. A igreja desse tempo, influenciada pela reforma gregoriana iniciada no
século XI, ainda procura a sua reafirmação no quadro político internacional, ao mesmo
tempo que se consagra à purificação do sacerdócio através da acção de correntes
“evangélicas”. No entanto, dominada por canonistas, a Igreja está mais preocupada com
a criação de um complexo corpo político, jurídico e financeiro, no sentido de se
reafirmar na senda internacional, pelo que se revela incapaz de compreender as novas
aspirações religiosas.6
Subjugada pelas suas aspirações “terrenas”, a Igreja, mesmo através da ação de papas
como Inocêncio III ou Gregório IX, próximas do novo espírito de religiosidade,
procurou pela “(…)coação e, por outro lado, pela procura em satisfazer as aspirações
manifestadas”7, a solução para este problema. A reação ortodoxa visou incorporar a
mesma concepção teológica como resposta, em parte, à heresia pauperística,
esvaziando-a e fazendo sua a religião da pobreza evangélica.8 Daí resultaria a
coincidência do surgimento das Ordens Mendicantes, num paradigma de forte
expansão, onde as Ordens Franciscana e Dominicana se convertem numa componente
da resposta da Igreja à sociedade do seu tempo, com o propósito de se reformular numa
religião de humildade e de simplicidade.9 A outra vertente foi executada através da
coação, numa primeira cruzada, denominada albigense (ou anti-cátara), que teria lugar
entre 1209 e 1229 e, logo depois, pela implantação da Inquisição, em 1231.10 Se a
cruzada, apesar da sua brutal crueldade, se revelou ineficaz contra a “heresia dos bons

6FALBEL, Nachman. As heresias medievais. Coleção Khronos, nº9, dirigida por J. Guinsburg. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976, pp.
94-96

7 Texto em análise

8FALBEL, Nachman. A heresia dos pseudo-apóstolos e a dissolução da propriedade rural livre (allodium) nos séculos XIII e XIV, Resumo. Anais do
VIII Simpósio dos Professores Universitários de História, ANPUH. Aracaju, 1975.

9 Ibidem

10BIGET, Jean-Louis. As heresias (século XII). In Corbin, Alain (Dir.). - História do Cristianismo. Lisboa: Editorial Presença, 2008, pp.
160-164.

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homens”, a Inquisição teria efeitos mais duradouros e concretos, ao quebrar as
“solidariedades territoriais, familiares e sociais”.11
O pensamento herético, entre os séculos XI e XIII, reformulou a missão espiritual da
Igreja numa pretensão de regresso às suas origens e ideais prístinos, com vista à
implementação de uma religião puramente espiritual. No entanto, esta sua ideia central,
que era a sua força, continha, ao mesmo tempo, a sua debilidade. A aspiração em
transformar a igreja de Cristo num corpo puramente espiritual não se coadunava aos
propósitos do seu tempo. Mesmo quando o papa Celestino V é eleito, dele se esperava a
consagração de parte desses ideais espirituais. No entanto, envolto no aparato material
da Igreja e massacrado numa função que não se projectava a santos ou a puros, tornou-
se evidente que as chaves de São Pedro eram demasiado pesadas para o papa eremita. A
realidade vencera o tipo de cristianismo ingénuo e puro, e a história da Igreja no sentido
de se construir a Civitas Dei de Santo Agostinho tornara-se numa aspiração adiada.12 No
entanto, a afirmação crescente da heresia como fenómeno colectivo, ao ponto de no
século XIII se poder falar já de verdadeiras comunidades heréticas, é fruto das
contingências próprias da sua época, onde o crescimento demográfico, o impulso
mercantil, a aglomeração na urbe e a difusão de novas ideias projectam a consagração
de uma nova religiosidade. As “profundas transformações na sociedade medieval”13
motivariam um novo contexto sócio-económico que, a partir do século XIII,
acentuariam a hegemonia de uma classe burguesa citadina, fomentadora de uma procura
pessoal de Deus sem intermediários, e por outro lado, uma nova realidade económica
exigente do reconhecimento da usura e da prática do juro, que a Igreja ainda condenava.
Este paradoxo acentuaria a divisão entre as novas elites urbanas e o quadro eclesiástico,
instigando aquelas num propósito de anticlericalismo, que, no advento da mudança
renascentista do século XV, fomentaria os ventos da Reforma, dividindo a Europa
católica a meio e pondo fim ao mito da velha unidade cristã. Parafraseando Baubérot14,
o problema ressurgia e os heréticos estariam de volta, mas desta vez para ficar.

11 Ibidem, p.167

12FALBEL, Nachman. As heresias medievais. Coleção Khronos, nº9, dirigida por J. Guinsburg. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976, pp.
94-96

13 Texto em análise

14BAUBÉROT, Jean. El protestantismo. In DELUMEAU, Jean (Dir.). El hecho religioso: Enciclopedia de las grandes religiones. Madrid,España,
Alianza Editorial, 1995, pp. 175-198.

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BIBLIOGRAFIA

CORBIN, Alain dir. História do Cristianismo. Lisboa: Editorial Presença, 2008.


DULEMAU, Jean (Dir). El echo religioso: Enciclopedia de las grandes religiones.
Madrid: Alianza Editorial, 1995.
ECO, Humberto (Org.). Idade Média - Bárbaros, Cristãos e Muçulmanos. Versão pdf.,
Lisboa: Dom Quixote, 2011.
FALBEL, Nachman. As heresias medievais. Coleção Khronos, nº9, dirigida por J.
Guinsburg. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976.

FALBEL, Nachman. A heresia dos pseudo-apóstolos e a dissolução da propriedade


rural livre (allodium) nos séculos XIII e XIV, Resumo. Anais do VIII Simpósio dos
Professores Universitários de História, ANPUH. Aracaju, 1975.

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