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HISTÓRIA DO CRISTIANISMO
Pe. Ney de Souza - Arquidiocese de São Paulo – PUC SP
nsouza@pucsp.br

Este texto é uma sintese de alguns aspectos da História do Cristianismo. Para um


aprofundamento e conhecimento de outros elementos da Historia do Cristianismo
consulte a bibliografia inclusa neste texto.

I - HISTÓRIA DA IGREJA ANTIGA

Objetivo
Através desta introdução à História da Igreja Antiga, tem-se por objetivo apresentar
o itinerário histórico do Povo de Deus, com suas experiências de fé tanto pessoais quanto
institucionais. A Igreja aparecerá simultaneamente santa e pecadora, obra de Deus e de seu
Espírito vivificador, mas também realização humana com todas as suas ambiguidades,
imperfeições, erros e desvios. Faz parte de sua identidade o fato de ser «peregrina na
História dos Homens», rumo à cidade que permanece (LG n. 9).

Introdução

1. Fontes e Metodologia para a História da Igreja

2. A comunidade cristã primitiva

Em todos os séculos da História do Cristianismo, a comunidade primitiva exerceu


sobre os cristãos um fascínio particular e se impôs, às vezes como modelo, às vezes como
questionamento, sempre como ideal de genuína vida cristã.
O retrato mais famoso desta comunidade è aquele traçado pelos Atos dos Apóstolos,
especialmente nos primeiros capítulos. Esta descrição suscitou, em todas as épocas,
projetos de vida apostólica, comunhão de bens, liberdade cristã, fraternidade, procura dos
dons do Espírito (carismas), diaconia do Evangelho...
A comunidade cristã primitiva torna-se interessante pelo seu extraordinário
dinamismo, que levou à fé cristã, em menos de um século, de um modesto início, uma
pobre província, a uma penetração extensa e capilar em muitas áreas e no próprio coração
do Império.
O estudo da História da Igreja Antiga, levará à constatação de que não existe uma
comunidade primitiva, mas várias comunidades cristãs no século I. Há uma variedade
notável, um acentuado pluralismo neste período: diversos modos de compreender e
organizar a vida cristã, gerando também sombra nestas comunidades tão luminosas; mas
isto não diminui seu valor, antes ressalta suas qualidades e méritos. Mesmo que busca nelas

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um modelo ou uma inspiração, encontrará um modelo menos ideal e mais realista, capaz de
iluminar e estimular a fé no contexto das dificuldades atuais.
Uma última advertência: os dados sobre este período são geralmente poucos os
fragmentários. Daí o perigo de ceder à tentação das generalizações. È fácil suprir as lacunas
com a imaginação, pensar tudo dentro de esquemas nossos, ou seja, de outra época e
contexto. Para evitar esses perigos, è preciso não se distanciar das fontes, das notícias
fidedignas que daquela época chegaram até o presente.

FONTES

O Cristianismo foi pouco notado pelos historiadores não cristãos ou pelas


autoridades do Império, durante o século I. As fontes principais são cristãs. A mais
importante de todas è o próprio Novo Testamento. Dentro dele, a crítica histórica distingue
informações de caráter histórico e considerações de caráter mais teológico. Ambas são
preciosas para o historiador, mas não podem ser confundidas. Devem ser avaliadas e usadas
com discernimento, respeitando o gênero literário de cada uma. Ao lado do NT, existem
outros escritos cristãos mais antigos.

- Didaqué ou Doutrina dos Doze Apóstolos, trata-se de um pequeno livro, contendo um


catecismo do «caminho reto» (capítulos 1-6) e um manual de liturgia (c. 7-15), escrito
no início do século II, mas com material mais antigo.
- Carta de Clemente Romano aos Coríntios, escrita no ano de 95 ou pouco depois, que
faz referência não apenas a divergências entre jovens e anciãos, mas contém uma ampla
exortação moral e várias orações.
- Sete Cartas de Inácio, bispo de Antioquia, escritas ao redor de 110 (elas deram base
teológica a uma organização dos ministérios, episcopado monárquico, presbitério,
diáconos, que terá sucesso; hoje suspeita-se de algum retoque no texto original.
- Outros textos do século II, como a Carta de Policarpo, a Epístola de Barnabé, a Segunda
Epístola de Clemente, o Pastor de Hermas (algumas delas, na realidade, não são cartas,
mas sim pequenos tratados ou homilias atribuídos a um autor mais antigo).

As notícias e alusões diretas ao Cristianismo, em autores não-cristãos, são muito


escassas e breves. Famosos são os textos de:

- Flávio Josefo, escritor judeu, que no fim do século I escreveu, em Roma, as


Antiguidades Judaicas que fala de João Batista, de Jesus e de Tiago, «irmão de Jesus».
- Tácito, escritor romano, que nos Annales (ano 115-120) fala da perseguição de Nero
aos cristãos após o incêndio de Roma, no ano 64.
- Suetônio (ano 126 d.C.), outro escritor romano da mesma época de Tácito, que na Vida
de Cláudio, faz alusão a um CRESTO que poderia ser Cristo.
- Plínio, o Moço, em seu epistolário conservou uma carta dele ao imperador Trajano e a
resposta deste, onde se trata da perseguição dos cristãos na Bitínia (hoje noroeste da
Turquia). As duas cartas foram escritas por volta de 111-113.

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Numerosas são as informações sobre o ambiente em que o cristianismo se desenvolveu.


Além das fontes literárias, tanto relativas ao judaísmo como ao helenismo e ao império
romano, temos importantes dados arqueológicos, tanto na Palestina como em outras áreas.

3. A Segunda geração e o cristianismo depois dos Apóstolos

Depois da primeira fase, toda voltada para a missão, a conversão e o recrutamento de


novos membros, a expansão geográfica, o cristianismo deve agora cuidar mais da sua
organização interna, do desenvolvimento da liturgia, da definição da sua doutrina e normas
de vida. O próprio sucesso da primeira fase missionária, trazendo para o seio da
comunidade um grande número de pessoas recém-convertidas, exige agora que se cuide do
rebanho.
A morte dos Apóstolos e o desaparecimento da primeira geração, junto com esse
enfraquecimento e essa tentação de esquecer a Palavra, tornam mais urgente a necessidade
de pôr por escrito e conservar melhor o que até então fora transmitido apenas oralmente (a
Tradição). Nesses anos, entre 70 e 100, è redigida a maior parte dos textos do Novo
Testamento.
Sobre a posição da MULHER nas comunidades cristãs temos notícias fragmentárias e
contraditórias. Em linhas gerais nas comunidades paulinas e no meio helenista, a mulher
parece ter conseguido maior liberdade e igualdade de direitos. Nos ambientes mais ligados
à tradição judaica, às mulheres è vedada qualquer função pública e devem limitar-se à vida
doméstica, entre as paredes da casa, submissas ao marido. Do costume judaico parece vir a
imposição do véu às mulheres cristãs (1Cor 11,2-26), contra o costume mais liberal da
cidade de Corinto, e também a proibição de falar nas assembléias (1 Tm 2, 11-15), contra a
liberdade dos carismas que as comunidades paulinas conheciam (1Cor 11,5; 1Cor 14, 34-
35). Ainda não estava institucionalizado o cargo de diaconisa (Rm 16,1; 1Tm 3,11).
O número de cristãos era pequeno. Encontravam hostilidade e perseguição por parte de
judeus e da população pagã. Sob os imperadores Nero (54-68) e Domiciano (81-96), que
reivindicam para si mesmos um culto divino, os problemas aumentam.

4. A luta pela liberdade

Os séculos II e III (até 313) na História do Cristianismo são marcados pelas


perseguições do Império romano e pelo sangue derramado pelos mártires. Foi grande o
valor deste testemunho, iniciando-se o culto dos mártires. Posteriormente, o culto dos
mártires gerou um certo número de lendas e interpretações exageradas na devoção e
literatura popular. O cristianismo necessita dos fatos para a sua história. Uma visão realista
e honesta dos acontecimentos será também a mais eficaz lição para as lutas dos cristãos de
hoje e poderá suscitar permanentemente o zelo e a dedicação à causa da justiça e da
liberdade cristã.
Além da perseguição violenta houve um combate intelectual contra o Cristianismo,
com argumentos que deveriam convencer as pessoas cultas. O mais radical adversário dos
cristãos nos séculos II e III foi Celso, filósofo de formação eclética, com influência
platônica. Escreveu o verdadeiro discurso atacando Jesus com argumentos dos judeus,
depois do judaísmo. Recusa a encarnação, critica a alienação política e cultural dos cristãos.
A novidade das perseguições da segunda metade do século III è que elas são
sistemáticas. Desde o início do ano 250, o imperador Décio toma medidas contra os chefes

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das comunidades cristãs, começando pelo bispo de Roma, o Papa Fabiano (236-250),
exigindo em todas as cidades o sacrifício aos deuses romanos e ao gênio do imperador.
Houve martírios, mas também aqueles que cederam, os lapsi. Valeriano retoma a
perseguição com maior dureza (257-258), ordenou a execução do clero e o confisco dos
bens das igrejas. A perseguição sistemática necessita ser entendida dentro do contexto da
crise do Império romano. Este pressionado pelos germânicos e persas quer restaurar a
religião tradicional como recurso para vencer a crise e dar coesão ao império. Terminada a
perseguição contra os cristãos, que lhes trouxeram a glória de muitos mártires e de uma
liberdade duramente conquistada, não se pode ignorar uma inversão de atitudes,
especialmente na África do Norte, onde os católicos pediram a intervenção imperial para
perseguir os donatistas.
O fato mais importante dos séculos II e III è que, no conjunto, a Igreja fortalece suas
estruturas e consolida suas doutrinas e suas práticas, tanto no plano religioso, como no
plano social. O tecido social se rejuvenescia e revigorava pelo espírito e prática dos
cristãos.

5. A Igreja atrelada ao Estado

No grande século IV há uma reviravolta na História da Igreja. O imperador


Constantino, filho de Helena, mulher de origem humilde, concedeu definitivamente a
liberdade religiosa aos cidadãos do império. O ato foi conhecido como Edito de Milão.
Os atos de Constantino a favor da Igreja:
a) concessão de imunidades ou isenção de obrigações pessoais com o Estado (impostos),
tanto para os sacerdotes pagãos, como para o clero católico (ano 313).

b) reconhecimento jurídico das decisões episcopais: os bispos podem arbitrar causas


também de pagãos (318).

c) abolição da crucificação (315) e proibição das lutas de gladiadores (325), que, no


entanto, continuarão ainda por um século.

d) permissão à Igreja de receber heranças, doações de grandes igrejas ou basílicas (Latrão,


São Pedro, Santo Sepulcro, Natividade).

e) reconhecimento do Domingo como feriado (325) e progressiva redução das festas pagãs.

Foi o imperador que convocou o primeiro Concílio ecumênico de Nicéia (325). È


necessário compreender que Constantino vive no contexto de sua época, onde o aspecto
religioso e o aspecto político não são separados como no Ocidente moderno; o imperador se
considera responsável pelo conjunto da vida de seus súditos, logo pela religião.

Esta situação, que os bispos da época e particularmente o historiador Eusébio de Cesaréia,


autor da primeira História Eclesiástica e da Vida de Constantino, exaltaram como
providencial e altamente positiva, não deixa de trazer inconvenientes e limitações para a
liberdade da Igreja, que aparecerão mais claros em suas consequências nos anos seguintes.

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O imperador reúne em si o poder civil e o poder religioso que exerceria conjuntamente as


funções de imperador e de papa. Essa teoria, mais tarde, foi denominada de cesaropapismo.
A tensão entre papado e império irá povoar o período medieval.

No oriente, a Igreja se desenvolve no século V em notável continuidade com o


século IV. O século IV teve grandes discussões sobre a Trindade, no século V ter-se-á um
aprofundamento do dogma cristológico.
Aqui, serão nomeadas 3 posições extremadas e heréticas:

a) Apolinário (315-392), insistia sobre a unidade de Cristo (sua era a fórmula: uma è
a natureza de Cristo) junto com alguns discípulos desencadeou a controvérsia cristológica.
b) Nestório, contra Apolinário, dava valor pleno à humanidade de Cristo, mas
caindo no erro de afirmar duas pessoas (divina e humana) no mesmo Cristo, sendo
condenado no Concílio (3) de Éfeso (431).
c) Êutiques, sua posição foi denominada monofisismo, reconhecia em Cristo uma só
natureza. O 4º Concílio Ecumênico de Calcedônia (451), condenou Êutiques e sancionou a
doutrina católica: «um único e idêntico Cristo...em duas naturezas, não confundidas, não
separadas... unida uma com a outra numa única pessoa e numa única hipóstase».

A Igreja do ocidente, no final do século V, acha-se separada do Oriente e não é mais


protegida pelos imperadores romanos. A situação è nova e desafiadora. No plano político,
ela se vê diante de reis germânicos, de tendência ariana, donos de regiões recém-
conquistadas, perseguem os chefes da Igreja. Os cristãos são perseguidos, sobretudo na
África. No plano cultural a Igreja è a única herdeira da cultura antiga. Nos séculos
seguintes a decadência è inevitável, embora combatida por sucessivas renascenças
intelectuais e espirituais.
O grande papa Gregório I, Gregório Magno (590-604) põe as bases do papado
medieval. Na ausência de um imperador romano no Ocidente, o papa acabará assumindo
um papel único não apenas no plano religioso, mas também em questões políticas da
Cristandade.

II - HISTÓRIA DA IGREJA NA IDADE MÉDIA


Pe. Ney de Souza (São Paulo/SP)

Introdução

Aqui, apresentar-se-á um panorama da História da Igreja na Idade Média. O objetivo será


o de fornecer uma chave de leitura para um posterior aprofundamento, tendo uma prévia
apresentação de fontes, bibliografia, metodologia e uma visão de conjunto deste período
da História da Igreja.

A História da Igreja na Idade Média è fundamental para a compreensão de muitas


dinâmicas que chegaram até a atualidade. Dinâmicas que influenciam o caminhar da Igreja.
Exemplo disto são as crianças que com um gesto quotidiano, o de rezar com as mãos

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unidas, representam o gesto feudal do vassalo diante do seu senhor na cerimônia de


investidura. Pode-se ir além: a partir do IV Concílio lateranense (1215) inicia-se o
preceito eclesiástico da comunhão e da confissão anual. O canto gregoriano è fruto deste
período. A organização de paróquia è realizada na Idade Média.
Na Idade Média nasceram diversas Ordens Religiosas: Cistercienses, franciscanos,
clarissas, dominicanos, agostinianos, servitas, carmelitas e outras.
No período medieval se tem a conversão ao Cristianismo de quase todas as
populações da Europa centro-setentrional e oriental. Em relação a elementos de outro tipo,
tem-se a mentalidade germânica com sua visão de DEUS POTENTE, que dá a vitória nas
batalhas, guerras. Essa mentalidade foi depois transferida para as CRUZADAS e, è viva
ainda hoje, apesar da revolução trazida pelo franciscanismo com a descoberta de um Senhor
humano, pobre, sofredor e servo.
A Igreja Medieval frequentemente soube ter fé na tarefa de encarnar o patrimônio
recebido sem traí-lo, outras vezes não. Um conhecido historiador francês deste século,
Jacques Le Goff, escreveu sobre o Cristianismo medieval: «A Cristandade, por volta do ano
de 1500, è quase uma terra de missão». Sem dúvida, algo que faltou neste período foi uma
reforma vinda da cabeça para todos os membros. A Igreja Medieval deixou o rastro de um
cisma com o Oriente. Apesar de tudo isso, não poder-se-à ficar com uma visão negativa da
história religiosa de dez séculos.
Nesta Igreja haviam também membros vivos, que ultrapassaram os dez séculos do
período. Um destes foi Francisco de Assis, outro foi o poeta Dante Alighieri, formado na
teologia escolástica, deixou um «poema sacro» que se conclui com a convicção de fé que è
Deus o centro do universo, como força motriz da história: «l’amor che move il sole e l’altre
stelle» (Paradiso XXXIII, 145).
Todos estes fatos e pessoas, junto com tantos outros que ficaram desconhecidos,
constituem o povo de Deus durante a Idade Média.
A história è um processo de continuidade, sem interrupções. O que apresentar-se-á a
seguir, será simplesmente uma maneira didática de apresentar o tema da Igreja na Idade
Média. O romantismo do século XIX trouxe uma visão diferente sobre o período medieval,
redescobrindo as grandes realizações no setor da literatura e da arte. A historiografia abriu
uma via de pesquisa, em particular através da Monumenta Germaniae historica, aparecendo
o lado luminoso e sobre do período medieval. Assim, conhecendo as facetas do período,
hoje, somente a ignorância e o preconceito justificariam a expressão «tenebrosa Idade
Média».

Seguindo o critério da delimitação temporal, geralmente coloca-se o início da Idade


Média em 476 com a queda do império romano do Ocidente e das migrações dos povos,
assim mesmo pode-se dizer que estes fatos pertenciam à Idade Antiga e com ela caíram.
Mesmo a invasão dos árabes não pode ser entendida como fator decisivo para a
configuração deste novo período, pois não fundou uma novo cultura. Foi a Igreja Católica
que constituiu o laço único e exclusivo entre Antiguidade e a Idade Média. Somente no
momento em que a aliança entre o cristianismo e o germanismo foi consagrada, è que
surgiu um dos pressupostos essenciais para o aparecimento da comunidade de povos e
culturas ocidentais, característica da Idade Média. Foi o batismo católico de Clóvis (496)
que inaugurou a nova época. Foi a conversão dos Francos ao Cristianismo católico que
tornou possível o seu enraizamento cultural e a sua fusão religiosa com a população romana

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indígena, evolução que fora sempre impedida pelo arianismo das primeiras tribos
germânicas.
E o final? È também difícil determinar o fim da Idade Média. Nem o Renascimento,
nem a que da Constantinopla (1453) podem ser encaradas como cesuras de tão profundo
alcance. A cisão religiosa (XVI) quebrou a unidade religiosa, mas não aboliu o fundamento
cristão universal do Ocidente. Algumas formas medievais (ordem feudal, religiosidade...)
sobreviveram na vida interna da Igreja, sendo só mais tarde removidas em parte através da
Revolução francesa, das Luzes e secularização.
A tríade da evolução histórica da Idade Média baseia-se na Antiguidade,
Cristianismo e Germanidade. Uma característica essencial do período foi o deslocamento
do palco da história da Igreja, do mediterrâneo para o Norte. A conversão dos jovens povos
germânicos foi de particular importância para a Igreja. È incorreto imaginar os Germanos
como «selvagens» ou «semi-selvagens». Os Romanos viam-nos sob múltiplos aspectos
como «BÁRBAROS», que haviam destruído a cultura e civilização de seu império, durante
as suas campanhas de guerra e conquista. Em tempos de paz, os Germanos respeitaram e
admiraram as realizações culturais e civilizacionais do Imperium Romanum e que
mantiveram uma relação de abertura e de receptividade a esta cultura. Só se pode avaliar o
âmbito e significado da mudança de cenário entre a Antiguidade cristã e a Idade Média,
quando se tem diante dos olhos o enorme contraste entre a cultura urbana extremamente
desenvolvida do espaço greco-romano, com a sua elevada espiritualidade, e o meio rural
em que as tribos germânicas viviam. Esta oposição não podia deixar de exercer a sua
influência sobre a vida da Igreja sobre toda a evolução cultural da Idade Média. Quanto
mais íntima era a interpenetração do Cristianismo e da germanidade, mais forte tinha de ser
a influência recíproca.

1ª época (500-700)

Durante a primeira época da Idade Média, conseguiu-se uma fusão superficial


através da missionação. Mesmo depois de Clóvis ter recebido o batismo e do povo ter
seguido esse seu ato, usos, costumes e concepções pagãs mantiveram-se e determinaram a
vida dos Francos ainda durante dois séculos. São Gregório de Tours (538-594), o
historiógrafo dos Francos, narra algo a este respeito. Durante muito tempo, os batismos em
massa não conduziram a qualquer viragem interior e a falta de preparação antes e depois
levava a que os batizados não entendessem a adoção do Cristianismo como uma ruptura
com a antiga forma de vida.

2ª época (700-1050)

Os monges anglo-saxônicos prepararam o terreno com suas missões, assim pode-se


Ter uma maior interpenetração. São Bonifácio e Carlos Magno criaram condições para o
emergir do Ocidente cristão, ao contribuírem para a aliança entre a Igreja romana universal
e a França. O elemento natural germânico foi durante muito tempo predominante e as
concepções pré-cristãs e pagãs continuaram a influenciar a crença nos espíritos, nos
exorcismos e na feitiçaria, em ordálios, duelos, provas de água, vinganças de morte e

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outras. Tais práticas só puderam ser lentamente afastadas através de concepções mais
espiritualizada, permanecendo, em parte, ainda durante muito tempo, no inconsciente.
Algumas estruturas fundamentais da germanidade também se mantiveram,
evoluindo para uma germanização das formas de organização do Cristianismo da seguinte
maneira:

a)Os Germanos eram um povo de camponeses. A Igreja, que crescera no seio da estrutura
urbana da Antiguidade, adquiriu também, sob influência germânica, uma estrutura agrária
(prebendas, divisão em paróquias no campo).

b)A concepção germânica do direito do proprietário à terra contribuiu para o aparecimento


de uma Igreja regional, a partir do momento em que um templo construído num terreno
passava a pertencer ao seu proprietário, com todos os seus direitos seculares (impostos,
receitas de donativos) e canônicos (administração de sacramentos, assistência religiosa),
não podendo os bispos dispor de quaisquer regalias. Esta Igreja local conquistaria, em
breve, todo o Ocidente, incluindo os países românicos, estendendo-se a toda a ordem
eclesiástica e influenciando profundamente a assistência religiosa e a orientação espiritual.

c)A separação rígida das ordens em príncipes, nobres, livres, vassalos e servos da gleba
(escravos), que existia no mundo germânico, passou para a Idade Média cristã e penetrou
igualmente na Igreja; a clara demarcação entre estados, por exemplo, entre o alto e baixo
clero, favoreceu o domínio da aristocracia dentro da Igreja.

d)A atitude dos Germanos perante a luta e a guerra contribuiu para o aparecimento, durante
a Idade Média, da cavalaria cristã, para a sua concepção do combatente iniciado por Deus,
para a guerra santa, as ordens de cavalaria e as cruzadas.

e)Na época pré-cristã, a monarquia germânica já se encontrava revestida de uma aura


sagrada e mística; esta sobreviveu na monarquia cristã, elevada agora através da sagração
eclesiástica. A unção de Pepino (751-754), a coroação de Carlos Magno (800) e a de Otão
como rei e imperador (962) reforçaram o fundamento sagrado da idéia de soberano. No
Império otônico, o monarca transformar-se-ia em breve num REI-SACERDOTE cristão,
dotado de elevada dignidade.

f)Esta concepção sagrada da monarquia conduziria, em todos os países germânicos, ao


aparecimento de Igrejas regionais, à cabeça das quais também se encontrava o monarca.
Mais tarde, os imperadores também encararam e desenvolveram a sua posição como sendo
dotada de funções eclesiástico-religiosas. Não só doaram e ofereceram bens eclesiásticos,
como nomearam e demitiram bispos, dispondo livremente dos chamados BENS
ECLESIÁSTICOS IMPERIAIS.

g) A ingerência no direito de INVESTIDURA ECLESIÁSTICA, relativamente à qual


mesmo Imperadores santos e devotos, como os Otões Herinque II e Henrique III não
experimentaram qualquer repulsa, tinha de provocar a reação da Igreja. A luta contra a
investidura dos leigos e contra a simonia em breve se transformaria na palavra-chave dos

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reformadores do século XI. O combate pela libertação da Igreja do cerco do Estado e das
grandezas mundanas foram os grandes temas da questão das investiduras.

3ª época (1050-1300)

Nesta época encontra-se a resposta por parte da Igreja. Esta passa agora cada vez
mais para primeiro plano. As lutas entre papado e império deixaram a época em suspenso.
A oposição de Henrique IV a São Gregório VII, de Barba Ruiva a Alexandre II e de
Frederico II a Inocêncio IV constituíram os pontos culminantes deste confronto. Sob
Inocêncio III, o papado transforma-se na instituição dominante no mundo secular. A
comunidade cristã ocidental dos povos encontra-se unida sob a direção da Igreja. Durante
as cruzadas, a cavalaria ocidental parte em defesa da Terra Santa. As ordens monásticas
florescem. Também a vida espiritual conheceu um surto admirável: são criadas as
universidades. A escolástica, a canonistíca, a mística e a devoção desenvolveram-se
profusamente. Mas também crescem as heresias, sobretudo no século XII. A Alta Idade
Média è uma época agitada e grandiosa, que encontrou uma expressão sublime nas
magníficas obras de arte românica e gótica.
Por volta de 1300, a época atinge o seu apogeu. O papa Bonifácio VIII resume, mais
uma vez, na bula Unam sanctam, as exigências do domínio da Igreja. Mas já não se
encontra em condições de se afirmar contra a monarquia francesa de Filipe, o Belo. A sua
política está condenada ao fracasso.

4ª época (1300-1500)

Época da dissolução da comunidade dos povos do Ocidente. Algumas forças


contribuiram para acelerar o processo:

a)Os Estados nacionais emergentes, com a França à cabeça recusam a direção unitária do
Imperador e do Papa.

b)A cultura da Baixa e Alta Idade Média baseada na unidade diferencia-se e dá lugar a um
crescente individualismo que se manifesta tanto na arte, ciência e política, como na teologia
e nas formas de devoção (devotio moderna).

c)Os leigos afirmam-se e libertam-se do domínio do clero. Os senhores territoriais


reclamam direitos episcopais e legitimam a sua autoridade no âmbito das Igrejas regionais.

d)A tensão entre primado papal e colégio episcopal, centralismo curial e Igreja universal
exprime-se no chamado CONCILIARISMO que, nas suas manifestações mais radicais,
pretende substituir a estrutura hierárquica da Igreja pela democrática.

e)A filosofia e a teologia do occamismo (nominalismo, via moderana) abala co o seu


ceticismo a imagem medieval fechada do mundo do realismo tomista.

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f)A atitude espiritual do Renascimento e do Humanismo em geral, sobretudo, na Itália,


prepara a fragmentação da consciência e da unidade medieval.

A Reforma viria a consumar esta evolução. Com o cisma religioso do século XVI, o
Ocidente perdeu o laço espiritual que unira os seus povos. A unidade pereceu.

A IDADE MÉDIA pode ser caracterizada através das seguintes propriedades essenciais:

1)A comunidade ocidental de povos baseava-se numa idéia fundamental da unidade das
concepções religiosas que era partilhada por todos sem exceção e que tinha o seu
fundamento último no reconhecimento geral de dependência religiosa e metafísica do
homem a Deus. A Inquisição e a perseguição aos hereges serviram de objetivo para
proteger a unidade cristã, sentida como imprescindível e necessária contra todas as
tentativas de cisão.

2)A vida interna desta comunidade de povos era determinada pelo simbiose entre a Igreja e
o Estado. A relação de ambas as forças entre si era encarada de forma dualista,
imageticamente representada por uma elipse, cujos dois focos eram o papado e o Império.

3)A hierarquização da vida pública em ordens era entendida como uma organização
secular, de acordo com a vontade de Deus, hierarquia esta com a qual os que se
encontravam na sua base tanto mais depressa se reconciliavam, quanto o fundamento
cristão o atenuava, mediante o seu princípio da dignidade interior e da igualdade de todos
perante Deus. A vassalagem e a ordem feudal características desta sociedade dividida em
ordens tinham o seu fundamento e encontravam uma equivalência no sistema de benefícios
da Igreja, contribuindo para a feudalização da Igreja medieval. Determinaram até à grande
secularização a imagem externa da Igreja, legitimando o monopólio da nobreza sobre as
sedes episcopais e os mais ricos patrimônios da Igreja, que se vieram a concentrar nas mãos
das ordens superiores.
4)Enquanto a mais poderosa força cultural, a Igreja possuía o monopólio da cultura,
monopólio esse que permaneceu incontestado até o século XIII. Todos os agentes culturais
eram clérigos. RELIGIOSOS dirigiam chancelarias nas cortes imperiais e nos principados.
As universidades também surgiram, por volta de 1200, com privilégios papais. Os
professores eram clérigos que haviam recebido prebendas. Só muito lentamente os leigos
conseguiram conquistar uma cultura autonôma e è apenas em finais da Idade Média que se
pode falar de uma camada leiga culta, que havia adquirido importância enquanto juristas,
médicos ou humanistas.

Bibliografia básica

FRANZEN A., Breve História da Igreja, Lisboa 1996.


FROHLICH R., Curso básico de História da Igreja, São Paulo 1987.
PINTONELLO A., Os Papas. Síntese histórica, curiosidades e pequenos fatos, São Paulo
1986
ROIO José Luiz, Igreja Medieval. A cristandade latina, São Paulo 1997.
SOUZA, Ney. Cristianismo, a vida dos primeiros cristãos. São Paulo: Palavra e Prece,
2010.

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SOUZA, Ney. História da Igreja. Notas introdutórias. Petrópolis: Vozes, 2020.

III - HISTÓRIA DA IGREJA


MODERNA E CONTEMPORÂNEA
Pe. Ney de Souza – São Paulo/SP

Esta síntese que abrange os períodos Moderno e Contemporâneo traz dois


momentos que são decisivos na caminhada de aproximadamente quinhentos anos. Os
séculos XVI e XVII são os eixos de compreensão da «modernidade», período em que nasce
um novo tipo de humanidade, diferente da antiga e medieval.
O século XVI comporta dois fenômenos que rompem com o passado: com os
«descobrimentos» são abertos novos horizontes geográficos e culturais. Por outro lado, o
cristianismo perde seu caráter monolítico, de extração «católica», e se vê confrontado com
novas expressões confessionais. A Reforma religiosa do século XVI não è apenas uma
reação contra os «abusos do Catolicismo». Trata-se de um amplo movimento em curso
dentro da própria Igreja Católica desde a tardia Idade Média. O concílio de Trento (1545-
1563) seá o desaguadouro desses desejos de renovação, dando novo impulso à presença da
Igreja nos tempos modernos. A chamada «Contra-Reforma» constitui tão-somente um dos
aspectos do movimento reformista católico.
A reforma da Igreja processa-se lentamente. Serão sobretudo as novas Ordens
Religiosas com notável engajamento missionário e social que sustentarão esses esforços
renovadores. Um dos maiores obstáculos à penetração do espírito reformador de Trento nos
países católicos è o assim chamado galicanismo com seus diversos matizes.
O século XVIII será paradigmático para a compreensão do nosso tempo. Este
período do Iluminismo forja uma humanidade autoconsciente de suas próprias
capacidades, guiado pela RAZÃO e convicto de poder realizar-se «sem as falsas
dependências sobrenaturais». Fé e ciência se distanciam uma da outra, enquanto uma
progressiva secularização da sociedade empurra a Igreja para o «foro privado». A
Revolução francesa, em fins do século XVIII, colocará em prática os princípios da
Aufklarung, fazendo da liberdade e igualdade sua bandeira propagadora. Seu ideário
democrático servirá à classe burguesa que modelará a sociedade conforme os seus
interesses. Em ondas sucessivas as conquistas revolucionárias se expandem por toda parte,
provocando convulsões políticas e sociais ao longo de todo o século XIX. Um «mundo
novo» está em gestão.
O processo de RESTAURAÇÃO oficialmente sancionado em 1815, no Congresso
de Viena, tenta deter o passo da História, recompondo as Nações européias e suas
respectivas colônias ultramarinas conforme os esquemas anteriores a 1789. A Igreja
simpatiza com essas tendências restauradoras, adotando internamente uma diretriz
nitidamente anti-liberal e contra-revolucionária. Sintomáticos neste sentido são os
documentos pontifícios de 1832 (Gregório XVI) e 1864 (Pio IX), Cresce o
ultramontanismo e è cada vez mais forte o centralismo romano, culminando com o dogma

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da Infalibilidade papal do Concílio Vaticano I (1870). O anti-modernismo católico chega a


seu auge com a Encíclica «Pascendi» (1907) de Pio X.
Com Bento XV (1914-1922) a Igreja abandona sucessivamente a sua posição de
«radical oposição» à modernidade, passando timidamente a uma presença cristã numa
sociedade cada vez mais «laical». Esta disposição ganha configuração prática no
pontificado de Pio IX (1922-1939), especialmente com a criação da AÇÃO CATÓLICA.
Embora predomine ainda o enfoque clerical e não se abandone o ideal de cristandade, uma
nova mentalidade preparará a profunda renovação eclesial do Concílio Vaticano II.
Duas Guerras Mundiais fazem tremer os alicerces da Europa cristã colocando a
Igreja diante de sistemas totalitários que desumanizam pessoas e sociedades, traindo as
mais elementares verdade evangélicas. Nem sempre hierarquia e cristãos em geral soberam
agir profeticamente nesses conflitos bélicos que causarão uma profunda e radical
transformação no Ocidente. O período pós-guerra fará emergir com força os anseios de
renovação latentes no pontificado de Pio XII (1939-1958) e impossíveis de serem
ignorados. A João XXIII (1958-1963) cabe o mérito, «sob o impulso do Espírito», de captar
«pastoralmente» os sinais do tempo. O Concílio Vaticano II (1962-1965) dará expressão a
seu desejo de «aggiornamento» da própria Igreja e ao diálogo e entendimento com outras
Igrejas cristãs, numa busca de unidade «para que o mundo creia». A Igreja do Vaticano II
se reconhece como povo de Deus peregrino na história, «ao mesmo tempo santa e sempre
na necessidade de purificar-se, buscando sem cessar a penitência e a renovação» (LG, 8).
O Concílio Vaticano II terá uma «tradução original» na América Latina, através das
Conferências Episcopais de Medellín (1968) e Puebla (1979), momentos de decisiva
importância para a ação evangelizadora da Igreja no Continente latinoamericano.
Com a aproximação do III Milênio do Cristianismo está-se diante da exigência de
uma nova evangelização. A Igreja do ano 2000 não perde a esperança de Jesus Cristo
«morto e ressuscitado para todos, poder oferecer ao homem, por seu Espírito, a luz e as
forças que lhe permitirão corresponder à sua vocação suprema. Ela crê que não foi dado aos
homens sob o céu outro nome no qual seja preciso se salvarem. Acredita igualmente que a
chave, o centro e o fim de toda história humana se encontram no seu Senhor e Mestre.
Afirma além disso a Igreja que sob todas as transformações permanecem muitas coisas
imutáveis, que têm seu fundamento último em Cristo, o mesmo ontem e hoje e por toda a
eternidade. Portanto, sob a luz de Cristo, Imagem de Deus invísivel e Primogênito de todas
as criaturas, a Igreja pretende falar a todos, para esclarecer o mistério do homem e cooperar
na descoberta dos principais problemas do nosso tempo» (GS, 10).

1. Reforma Protestante

A Reforma Protestante abrange um período de 50 anos (1517-1570) durante os quais


grandes personalidades religiosas (Lutero, Zuínglio, Calvino...) empreenderam, não a
correção dos costumes e das instituições exigida pelo Concílio de Viena (1311-1312), mas
uma reforma doutrinal da Igreja, ao nível dos sacramentos, dogmas, constituição
hierárquica.
Os reformadores estão de acordo quanto aos princípios fundamentais. Sobrepõem-se à
angústia da crença num Deus essencialmente juiz pelo recurso a Cristo redentor, insistindo
na onipotência da graça (sola gratia): a salvação è absolutamente gratuira. Esta justificação

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è acolhida só pela fé (sola fide), è ela mesma Dom gratuito, fruto da graça, abertura ao
mistério do amor de Deus que salva sem nenhuma contribuição humana. Este mistério de
salvação è revelado pela Sagrada Escritura que constitui a revelação definitiva de Deus
(sola scriptura) atualizada pela palavra viva da pregação alimento de toda a vida espiritual
dos crentes. E a IGREJA è a assembléia de todos os crentes entre os quais o Evangelho è
pregado na sua pureza e os sacramentos administrados em conformidade com este
Evangelho. A gratuidade da salvação e a justificação pela fé estão em consonância com a
doutrina paulina, retomada pelo Concílio de Trento. Para os reformadores, o homem,
totalmente corrompido pelo pecado original, recebe um perdão que o deixa mergulhado no
seu pecado e não lhe permite tomar parte na obra da salvação. Esta salvação gratuita,
recebida no íntimo da consciência, è descoberta, pelo dom da fé, na Escritura, sem que seja
necessária qualquer intervenção do Magistério. E os reformadores acabam, portanto, por
recusar á Igreja qualquer papel na transmissão e na interpretação da Sagrada Escritura
como Palavra de Deus. A certeza da salvação è dada ao crente sem passar pela Igreja. È
efeito do amor de Deus, que dá a graça da fé, em virtude de uma escolha misteriosa
(predestinação).
O êxito da Reforma tem as suas raízes nas aspirações religiosas do tempo, aguçadas
pela comprovação da morte e pelo desejo de salvação. Foi facilitado por um certo
anticlericalismo orientado contra os privilégios do clero e a fiscalização pontifícia. Foi
preparado pelo triunfo do nominalismo que acarretou a ruptura entre fé e a razão, a ruína do
pensamento tomista e que abriu caminho ao individualismo. Foi consideravelmente
alargada pelo desenvolvimento da imprensa que possibilitou a difusão da Bíblia e das obras
dos reformadores. Foi fixada e estabilizada pela proteção dos príncipes.
A Cristandade do Ocidente divide-se no século XVI. À Europa mediterrânica, latina
e romana, opõe-se daqui em diante, uma Europa protestante do Noroeste e do Norte. Mas
esta Reforma fraccionou-se em três grandes tendências: Luteranismo, Calvinismo,
Anglicanismo.

2. Concílio de Trento (1545-1563)

Vinte e oito anos após a eclosão da Reforma de Lutero, realizou-se o Concílio de


Trento, que levaria a cabo a tão desejada reforma dentro da Igreja. Não è verdade que sua
iniciativa foi somente uma reação aos ataques dos protestantes.
Trento foi um dos Concílios mais importantes da História, mas também um dos mais
conturbados: por duas vezes, se suspenderam as sessões, devido à situação política: de 1547
a 1551 e de 1552 a 1562. Em 1563 foi oficialmente encerrado. O nacionalismo de vários
de seus membros infiltrou negativamente no ambiente de trabalho e, algumas vezes,
pareceu que tudo terminaria num fracasso completo. A pressão da parte de Carlos V (que
queria recompor a unidade religiosa no seu Império) e intrigas políticas de franceses e
alemães fizeram-se sentir durante as reuniões dos padres sinodais. Levou tempo até que
todas as dificuldades fossem superadas e os participantes se conscientizassem da
necessidade de maior autonomia e distância em relação ao poder civil de reis e príncipes.

RESULTADOS DE TRENTO

a) Fixou-se a doutrina da fé católica: os dogmas receberam formulações precisas,


que eliminaram dúvidas a respeito de sua interpretação. Esclareceu a distinção

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entre o Cristianismo católico e protestante. Onde, até então, o simples fiel


misturava facilmente os diversos elementos, o Concílio traçou clara linha
divisória entre o que considerou ortodoxia e desvio «herético».
b) Não menos importantes foram os numerosos decretos disciplinares, tendo em
vista a vida do clero e do povo cristão. Entre os mais significativos estava a
proibição aos bispos de residirem fora de suas dioceses, a fim de combater o
acúmulo de funções eclesiásticas e devolver ao episcopado sua missão
apostólica de pastoreio. O Concílio determinou também a criação de seminários
para a formação espiritual e intelectual de futuros sacerdotes, removendo assim
uma das principais causas da fraqueza da Igreja no passado: um clero nal
selecionado e precariamente formado.
c) Trento dirigiu-se aos fiéis em geral, recomendando a recepção frequente dos
sacramentos, contendo assim a proliferação de práticas populares mais ou
menos suspeitas. As obrigações em vigor da missa dominical e da comunhão e
confissão anual foram reconfirmadas.

3. Jansenismo

Assunto que causou grande polêmica após o Concílio de Trento foi a questão sobre a
relação existente entre a graça de Deus e a colaboração do homem (livre arbítrio) na obra
salvífica. A divergência entre jesuítas e dominicanos chegou a tal ponto que Paulo V (1603-
1621), em 1609, proibiu maiores discussões a respeito do tema. A preocupação para com a
unidade da Igreja fez com que agisse desse modo, mas a discussão estava longe de seu
desfecho.
Jansênio, bispo de Yvres (atual Bélgica), pensou ter encontrado a solução nas obras de
Santo Agostinho. Após sua morte, foram publicados manuscritos de sua autoria sob o título
Agostinho (1633), nos quais praticamente negava o livre arbítrio. Sua teoria foi condenada
em 1642, mais isso não significou o fim do chamado jansenismo que, de sistema teológico
evoluiu para um movimento de espiritualidade, não diretamente em conflito com a
ortodoxia da Igreja, mas sim contra seu legítimo sensus catholicus.
Jansenismo, portanto è um movimento teológico e eclesial, centra o debate sobre a
questão da graça divina, recuperando teses agostinianos. São três seus aspectos principais:
dogmatico, pessimismo; moral, rigorista; disciplinar, reformismo.

4. Quietismo

O vocábulo è de origem latina, significando repouso. O Quietismo è uma doutrina


baseada na obra do teólogo espanhol Molinos (1628-1696). No seu Guia espiritual (1675),
preconiza o abandono a Deus na oração passiva, de maneira que a alma fique num estado
de repouso perfeito que a dispensa de qualquer atividade e de fazer esforço. A alma
passivamente entregue nas mãos de Deus não pode pecar mesmo que pareça proceder
contra a lei de Deus.
O papa Inocêncio XI condena a doutrina (1687). Reprova a contemplação adquirida, o
abandono passivo a Deus, o papel secundário das obras, o amor puro que não quer pensar
nem no Paraíso nem na eternidade.

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Concilio Vaticano II (1962-1965)


O período que antecede o Concilio Vaticano II revela uma sociedade repleta de
mudanças. Em pouco tempo diversos acontecimentos trouxeram grandes transformações
que afetaram a humanidade. O evento convocado pelo papa Pio IX, o Concilio Vaticano I
(1869-1870), não chegou ao seu fim devido à guerra franco-prussiana. Esse fato vem
assinalar uma ruptura decisiva nas relações político-social e ético culturais que o êxito do
conflito revelava. O fato particular é na realidade revelador de uma serie de fenômenos que
se pensava terem sido superados cinqüenta anos antes.

A Revolução Industrial continuava a trazer inovações e, para estas, eram necessárias


novas abordagens. A industrialização não só fez aumentar a produção de produtos
existentes, mas introduziu novos. Seus efeitos eram rápidos e trouxe uma revolução apesar
destes produtos permanecerem fundamentais. Não era uma revolução do carvão ou do
ferro, apesar destes produtos permanecerem fundamentais. Depois de 1870, se iniciava a
idade do aço e da eletricidade, do petróleo e da química.

O modo de produção capitalista, sustentado pelas técnicas da industrialização, se


inseria de uma maneira sempre mais determinante por toda a sociedade, não somente
européia. A industrialização chegou a operar rápidas transformações, até em civilizações
antigas e tradicionais como a japonesa. Através do sistema industrial se criou um mercado
mundial que favoreceu a penetração européia em todos os paises do mundo.

A grande industrialização e a rede criada por ela trouxeram também uma serie de
contradições e conflitos que já eram latentes e, de maneira trágica, reapareceram durante o
século XX. O regime liberal democrático se mostrou incapaz de integrar os trabalhadores
na nova dinâmica social e de garantir-lhes seus direitos. Daí surgindo as revoltas operarias
em muitos paises, culminando na revolução bolchevista e no nascimento da União
Soviética.

Pode-se afirmar que o anuncio do Concilio Vaticano II foi inesperado,


principalmente ao passar os olhos pelos acontecimentos históricos. Por outro lado, ao
analisar os pontificados anteriores e a relação da Igreja com o mundo moderno será
possível constatar um grande confronto entre alguns pontificados, como o existente entre
Pio XII e o de João XXIII. Roncalli, talvez sem consciência disto, foi o catalisador histórico
dos tempos.

O Concilio Vaticano II foi um marco importantíssimo na História da Igreja Católica,


um divisor de águas. O evento conciliar é o símbolo maximo do dialogo no século XX.
Assembléia corajosa no dialogo com a modernidade. Acontecimento central para o estudo
da virada da Igreja em relação à modernidade. Para não se deixar inebriar pelo evento será

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necessário também analisar acontecimentos no decorrer do Concilio e no pós Concilio.


Serão encontrados traços de aproximação e distanciamento da modernidade.

VATICANO II (1962-1965) quatro períodos

1) Primeiro período (11 de outubro a 8 de dezembro 1962)

2) Segundo período (29 de setembro a 4 de dezembro 1963)

3) Terceiro período (14 de setembro a 21 de novembro de 1964)

4) Quarto período (14 de setembro a 8 de dezembro de 1965)

Vaticano II e os cristãos e cristãs leigos

1) Documentos

a) Lumen Gentium (Luz dos povos)

b) Apostolicam Actuositatem (Sobre o apostolado dos leigos)

Bibliografia (para aprofundar)

CONCILIO ECUMENICO VATICANO II (1962-1965). São Paulo: Paulus, 2001.

GONÇALVES, P. S. L. – BOMBONATO, V. I. Concilio Vaticano II. Análise e


prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2004.

LIBANIO, J. B. Concilio Vaticano II. Em busca de uma primeira compreensão. São


Paulo: Loyola, 2005.

SOUZA, N.; ABREU, E. H. (orgs.). Concílio Vaticano II, memória e esperança para os
tempos atuais. São Paulo: Paulinas-UNISAL, 2014.

SOUZA, N. História da Igreja. Notas Introdutórias. Petrópolis: Vozes, 2020.

Os leigos são chamados de modo especial a tornar


presente e operante a Igreja naqueles lugares e

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circunstâncias, onde ela só por meio deles pode vir a


ser sal da terra (Lumen Gentium IV, 33).

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