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PUCMinas

PROFESSOR: ANTONIO COPPE

“ A CONSCIÊNCIA DO TERAPEUTA”
( Maureen Miller O’Hara, Ph. D.)

O que vou dizer é, em sua maior parte, opinião e especulação. Resulta de


pensar sobre o trabalho que temos estado fazendo em workshops com grandes
comunidades, com pequenos grupos e em terapia individual, explorando os
pressupostos da abordagem centrada na pessoa à medida que eles têm se
desenvolvido em nosso pequeno grupo no Center for the Studies of the Person, em
La Jolla.
Em grande parte, resulta de longas conversas através dos últimos anos com meu
colega, Dr. Jonh Wood, e neste momento é impossível dizer se essas idéias são
dele ou minhas. É mais provável que tenham surgido no campo de energia criado
entre nós.
Eu as ofereço, apenas para compartilhar com vocês algo de nosso presente sobre o
processo da psicoterapia e desenvolvimento humano, e sobre as pessoas – nós
pessoas – que temos escolhidos ou temos sido escolhidos por esta misteriosa
profissão de psicoterapeuta.
Não é meu desejo convencer o leitor de meu ponto de vista, Assim, se não
concorda, não desperdice tempo procurando razões para discordar. Deixe estar, se
não for útil para você no momento, não o adote.
Quero começar dizendo que um pressuposto básico meu é o de que não sabemos
quase nada sobre a natureza de um ser humano vivo.
Com todos os milhares de volumes escritos e publicados sobre o tema da condição
humana, podemos, se desejarmos, dar-nos a confortante ilusão de que entendemos
nossa natureza. Podemos sentar em nossos consultórios, com nossas estantes
repletas com livros que lemos, sentindo-nos confiantes em nossa perícia, em nosso
conhecimento e em nosso grau universitário, que assegura a nós e ao mundo que
sabemos o que estamos fazendo. E podemos nos sentir confiantes.
Abre-se então a porta do consultório e entra uma dessas estranhas, belas e
misteriosas criaturas – um ser humano real. Toma o seu lugar na sala e, de repente,
somos apenas nós e ele. Estamos subitamente nus, pessoa para pessoa, prestes a
escrever uma outra página num livro que nunca foi escrito.
O que fazemos agora?
Se fosse uma máquina defeituosa que entrasse na sala e fôssemos engenheiros,
seria simples. Poderíamos consultar um esquema da máquina que mostrasse
exatamente como e quando cada coisa deveria estar. Olharíamos para a máquina à
nossa frente e procuraríamos o defeito e o consertaríamos. Nós a restituiríamos ao
seu modo ideal de funcionamento.
É possível abordar um ser humano desta forma mecanicista. Milhares de
psicoterapeutas o fazem. Usando uma ampla variedade de planos ricamente
detalhados (chamados “teorias da personalidade”) podemos comparar nosso
parceiro no outro lado da sala com o nosso “ideal” de como uma pessoa deve ser.
Podemos achar a peça quebrada (fazer o diagnóstico) e prescrever e executar o
conserto (tratamento empreendido).
Usando uma teoria de como uma pessoa bem funcionante deve ser, procedemos à
terapia. As teorias, incidentalmente, diferem dramaticamente de cultura para
cultura. Por exemplo, nos Estados Unidos, a “pessoa bem funcionante” é

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autônoma, individualista, autoexpressiva, autodirigida, não tem inibições sexuais,
é intelectualmente envolvida no mundo e é um sucesso financeiro. Na China, por
outro lado, uma pessoa com estas características seria recomendada para
reeducação, desde que a pessoa ideal lá é auto-sacrificante, aceitante da
autoridade, sexualmente conservadora, orientada comunitariamente e não
materialista. Se saúde é definida em termos de grau de compatibilidade com uma
estrutura cultural particular, então isto faz um sentido perfeito, considerando a
organização social das duas culturas. Se, por outro lado, estamos tentando entender
a natureza da espécie, então, claramente, qualquer dos pontos de vista é limitado
quando tomado isoladamente.
Se assumirmos, contudo, que sabemos como é a pessoa ideal, podemos usar uma
multidão de técnicas possíveis, que têm sido desenvolvidas e têm se demonstrado
úteis em trazer o cliente mais proximamente alinhado de nosso modelo ideal.
Não existe escola terapêutica ou educacional que eu conheça que não tenha um
sistema de crenças sobre o modo como as pessoas deveriam ser, e que não tenha na
sua base uma crença de que as pessoas podem ser “melhores” do que são.
Ah! Que conforto é esta ilusão de que sabemos o que está errado e de que sabemos
como consertar! Que segurança é sentarmos na cadeira do respeitado expert e
futricar no mundo interno de uma tal maravilhosa e milagrosamente complexa
criatura.
Por outro lado, se renunciarmos ao nosso senso de segurança, e admitirmos
que este ser diante de nós é tão complexo, único e misterioso como nós somos;
é uma pessoa, e que essa pessoa existe dentro de um contexto, então toda
natureza do encontro muda.
Ao invés de ser um expert, o terapeuta se transforma num colaborador, num
companheiro na exploração do mundo imediato do cliente. O terapeuta tem de
renunciar ao poder e controle sobre a situação que desabrocha e estar preparado
para entrar plenamente na dança de possibilidades que os dois juntos criarão.
Renunciar ao controle significa que devemos estar preparados para aceitar
que o mundo de cada um é único . Devemos renunciar a conceitos fixos sobre “o”
mundo, no sentido de ver, sentir e ser no lugar do outro.
Para aceitar e apreciar este lugar o terapeuta tem de renunciar a dogmas e
estereótipos sobre como são os seres humanos e começar a confiar na
consciência presente de como eles realmente são, do seu ponto de vista e do
ponto de vista do cliente.
Nesta dança nascente, recriada a cada momento, os dois se encontram. O terapeuta
será atraído para o novo, para experiências novas e desconhecidas. Para tanto, ele
tem de renunciar à defensividade, ser aberto para aprender sobre sua própria
natureza, porque esta novidade é sempre desafiante, mas nem sempre prazerosa.
Devemos confrontar os limites da natureza humana do mais profano ao mais sacro,
do transcendente ao trivial. Devemos confrontar nossa fúria assassina, nosso
próprio terror e cobiça, nosso próprio desespero.
Naturalmente, para sermos capazes de entrar na dança, devemos ser capazes de
acreditar na capacidade intrínseca das criaturas vivas para se auto-regular, na
tendência intrínseca para crescerem e se curarem. Entrar na dança suspeitando da
natureza humana, suspeitando que ser natural é ser destrutivo é um risco que
nenhuma pessoa sensível correria.
Com o conhecimento do processo da vida, com experiência da aparentemente
miraculosa tendência para a sanidade, para o equilíbrio homeostático, não é mais
um risco envolver-se na dança da vida com nossos clientes, mas, antes, uma
oportunidade. Uma oportunidade para descobrir mais sobre nossa natureza e sobre
a natureza do universo.

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Para estar aberto para aprender de cada coisa no universo, incluindo pessoas
que são radicalmente diferentes de nós, temos que suspender o julgamento .
Temos que começar a formular perguntas diferentes. Ao invés de perguntar se
esta pessoa é doente ou sadia, boa ou ruim, devemos simplesmente perguntar:
O que é isto? Ao invés de tentar comparar com o que deveria estar
acontecendo normalmente, usando algumas noções preconcebidas sobre o que
acontece normalmente, devemos perguntar o que está acontecendo realmente,
bem aqui e bem agora. Ao invés de perguntar o que faz a pessoa deste ou
daquele modo, devemos tentar compreender a sabedoria da pessoa sendo deste
modo neste momento.
Devemos aceitar, mesmo em um universo em que o caos e a desordem são mais
prováveis que a ordem, que os organismos vivos mantêm-se como uma contradição
a isso, que ele se move no sentido da complexidade, no sentido de níveis cada vez
maiores de organização, que as criaturas vivas evoluem e que, quer entendamos ou
não, existem forças criativas e integrativas inerentes a cada pessoa.
Quando podemos acreditar que existe sabedoria num ser vivo, mesmo que não
tenhamos uma explanação cognitiva disto, começamos a seguir coisas tais como
nossos sentimentos e sensações do corpo, começamos a confiar mais em nossa
intuição e combinamos estas capacidades com nossa razão e começamos a ser
guiados por esta ampliada consciência do momento, tal como o estamos vivendo
realmente. Podemos também aprender a usar capacidades que, no presente, para a
maioria de nós, repousam completamente além da razão, como telepatia, pré-
cognição, viagem astral, e áreas da consciência humana conhecidas dos místicos
avançados de todas as culturas.
A lógica não pode nunca responder a questões tais como: “qual é o significado da
vida?”, “o que é amor?”, “existe um Deus?” A única abordagem a estas perguntas
vem no viver.
SE nos envolvemos na dança e embarcamos na jornada da vida, nossas próprias
vidas, as vidas de nossos clientes (uma jornada apenas obscuramente iluminada
pela intuição), ocorrem momentos em que alcançamos nosso centro, o núcleo de
nossa natureza. Experienciamos momentos de iluminação
Terapeutas e clientes freqüentemente descrevem momentos particularmente
potentes no processo como um sentimento de unidade, de ser um com o outro. É o
estado de consciência procurado na maior parte das tradições como um estado de
sabedoria. É a experiência culminante, o irromper terapêutico, a transformação
religiosa, o estado de Zen, de Tao, a experiência do amor perfeito. É o momento
em que os questionamentos cessam. A vida é, o amor é, Deus é.
Tais estados de consciência parecem estar relacionados com a cura não apenas no
contexto psicoterapeutico mas em muitos outros. Sabemos todos nós como uma
sinfonia de Beethoven pode nos encontrar em nosso desespero e nos conduzir à
alegria de sermos humanos. Sabemos afastar a ansiedade dançando e conhecemos
as práticas curativas espirituais e religiosas. Para mim uma das mais profundas
experiências de cura é ouvir crianças cantando juntas canções de jardim de
infância.
O que estes momentos têm em comum é que nossa confiança primária em nossas
habilidades racionais está relaxada. Estamos totalmente acordados e atentos, mas
não envolvidos em pensamento. Prontos para nos deslocarmos no momento
precisamente certo. Não estou sugerindo um papel passivo, mas antes um estado de
consciência em que estamos atentos, plenamente conscientes de nosso processo
interior e do contexto em que estamos, não pensando, planejando, julgando,
avaliando, mas simplesmente esperando.

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Esperamos até que o “espírito nos mova”, e ele irá nos mover. Nós nos moveremos
para ou nos afastaremos. Teremos uma imagem, um pensamento, alguma coisa virá
como uma parte se ser naquela realidade, naquele momento.
Lembro-me de estar em um grupo de terapia em que muitas coisas barulhentas
estavam acontecendo de uma só vez. Eu era incapaz de entender logicamente o
processo do grupo. Uma mulher, Mary< estava mais silenciosa que o resto do
grupo, participando apenas um pouco no processo; mostrava pouca emoção em sua
face. Relaxei e comecei a afastar meus pensamentos. Repentinamente tive uma
clara imagem de Mary como um bebezinho sendo embalado por sua mãe. No meio
do barulho e da discussão eu disse a Mary: “Você precisa de alguma coisa agora?”
Ela olhou para mim e, sem dizer nada atravessou a sala em direção a meus braços.
O resto do grupo juntou-se ao processo e, de repente, a maior parte das pessoas
estava sendo embalada ou embalando alguém,.
Momentos terapêuticos são como o amor – nos tomam de surpresa. Não podemos
nos determinar a amar. Quando ele vem ele flui através de nós. Vem a nós e fui de
nós, e não podemos segurá-lo. Está além de nós.
Assim acho que a energia curadora flui em nós e brota de surpresa. E, se estamos
disponíveis, ela nos moverá para a ação que é natural e harmoniosa com a nossa
situação. Da mesma forma o vento tocará música numa harpa quieta ... Tornamo-
nos um instrumento através do qual a cura pode ocorrer.
Não temos que “consertar” nada. Nossos clientes consertar-se-ão por si próprios se
pudermos aprender a estarmos presentes com relação a nós próprios, a eles e a
nossos grupos, nesse estado de nos entregarmos ao que quer que brote em nós.
Nossos companheiros humanos nos necessitam não pelo que podemos fazer, mas
pelo nosso essencial ser, pela nossa natureza. Necessitam de nós para trazermos
nossa energia à sua jornada, que, no momento, é muito difícil de ser empreendida a
sós. Precisam de nós para que testemunhemos os eventos que estão vivendo, e para
sermos pelo menos um outro, de tal forma que a união com o universo possa ser
possível.
Apenas nos momentos de união com o outro podemos transcender a alienação, o
desespero de nosso isolamento da humanidade.
A ponte de volta à raça humana para aqueles que se sentem isolados (o que nos
inclui num momento ou noutro) é o amor. Quando cessam o julgamento e a
comparação, o amor que existe aceita que somos sem culpa, que somos perfeitos
como somos.
Assim, como conclusão, estou sugerindo que terapia e cura não são uma
atividade desenvolvida logicamente e guiada pela razão. Estou sugerindo que a
cura tem lugar entre o terapeuta e o cliente, ou membros de um grupo, e que
ocorre quando as pessoas envolvidas, ou pelo menos uma delas, podem existir
num estado de consciência em que está desperta, atenta, relaxada e
completamente vazia de julgamento e comparação . Esse estado de consciência
pode ser visto como uma disposição para responder à situação que desabrocha
naturalmente , de forma conscientemente desinteressada. Estou sugerindo que os
terapeutas curam no momento em que podem alcançar esses estado de consciência.
E que nos tornamos o mais poderoso agente de cura que temos em nós quando
podemos simplesmente estar presentes, como uma pessoa total, com o outro, e
nos entregarmos à dança .

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