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Gestão editorial:
Camila Severino
Conselho editorial:
Bruno Vieira
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Revisão:
Camila Severino
Diagramação:
Camila Severino
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FICHA CATALOGRÁFICA
Benedicta, Revista
V.2, N.12, dez. 2021. Uberlândia. 18p.
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Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução sem permissão expressa do Editor-chefe.
Todos os trabalhos com autoria discriminada são de responsabilidade dos autores, não cabendo qualquer responsabi-
lidade legal sobre seu conteúdo à Revista Benedicta.
Eventuais referências bíblicas são da Bíblia da Editora Ave Maria (2021) ou da tradução do Pe. Matos Soares (1950).
ÍNDICE
Uma civilização 3 Após as revoluções sucessivas e ainda em voga, a civilização ocidental, o maior
em busca da ordem produto cultural do cristianismo, será capaz de retomar a cristandade, ou ao me-
nos preservar o mínimo da moralidade cristã?
A beleza foi esquecida 6 O apagamento e a substituição da beleza por formas desordenadas e despropor-
cionadas da matéria refletem a progressiva decadência da fé e da religião de Deus,
fundada desde o princípio sobre o Belo, Bom e Verdadeiro.
CATHOLICAE LITTERAE
A oração, 9 Neste escrito sobre a oração, S. Afonso de Ligório (1696-1787) defende a tese
de S. Afonso de Ligório de que a graça de orar é dada normalmente a todos, e que mediante a oração todos
podem obter de Deus os outros auxílios necessários para a salvação.
DOMINUS VOBISCUM
Sobre o Natal 12 Neste sermão sobre o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, S. Leão Magno
(ca-461) exorta-nos a reconhecer a dignidade da natureza humana à luz do
evento da Encarnação.
YSTORIA SANCTI
São Pedro Crisólogo 14 S. Pedro Crisólogo (406-450), bispo, confessor e doutor, é sobretudo conhecido
pelas belas homilias, tendo sido, ao mesmo tempo, um grande combatente do ari-
anismo e do monofisismo. É comemorado em 4 de dezembro pela Santa Igreja.
EUTRAPELIAM
A Natividade na pintura 16 Encerramos a última edição do ano com uma seleção de pinturas sobre a Nativi-
dade de Nosso Senhor Jesus Cristo.
FIDES QUAERENS INTELLECTUM
UMA CIVILIZAÇÃO
EM BUSCA DA ORDEM
Cimabue/Domínio Público
Para muita gente, por influência das mídias e das É o que afirma o antropólogo Joseph Henrich e
escolas, a Idade Média continua a ser considerada, seus colaboradores, do Departamento de Biologia
genericamente, uma época de trevas — como se Evolutiva Humana da Universidade de Harvard,
nela não tivesse havido o monaquismo beneditino, em artigo científico publicado pela revista Science
a invenção dos hospitais e orfanatos, as pesquisas no dia 8 de novembro de 2019: “The Church, in-
científicas da Escola de Chartres, o surgimento das tensive kinship, and global psychological varia-
universidades, a filosofia escolástica, o desenvol- tion” (“A Igreja, parentesco próximo e variação
vimento do método científico, a construção das ca- psicológica global”) [1]. Antes desse estudo, his-
tedrais, a literatura de Dante, a pintura de Giotto e toriadores e apologistas já tinham defendido a ideia
Cimabue etc. de a civilização ocidental ser fruto do cristianismo
Sem dúvida, o período caracterizou-se também católico. Agora, o assunto recebe um tratamento
pela violência, em que as guerras eram quase parte mais formalmente científico, na confluência inter-
da rotina dos povos. Contudo, foi naquela época, disciplinar da história, da psicologia e da antropo-
sobretudo a partir do século X, que a Igreja Cató- logia — do jeito que a mente moderna mais preza.
lica começou a colher os frutos de sua educação Embora esses novos padrões familiares, criados
moral sobre a Europa, criando um padrão de famí- pela Igreja, já estejam bem documentados, poucos
lia incomum, responsável por uma civilização ab- esforços foram feitos, segundo o pesquisador, para
solutamente única na História — a ocidental —, explicar de forma mais rigorosa suas origens e
que incluía o repúdio à poligamia, ao incesto, ao consequências. Posto isso, a proposta da equipe
divórcio, além de desestimular os casamentos for- chefiada por Joseph Henrich é que a Igreja Católica
çados ou de mulheres muito jovens. Uma civiliza- Ocidental, principalmente por sua influência na
ção bastante peculiar — educada, industrializada, instituição do casamento durante a Idade Média,
rica e democrática —, centrada principalmente na teve um papel decisivo na mudança de comporta-
pessoa humana e na liberdade individual. mento do homem europeu, sobretudo ao trans-
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formar as estruturas familiares de parentesco, es- ção, industrialização, riqueza, democracia), desli-
pecialmente na restrição do casamento entre pri- gados das fontes sobrenaturais que permitiram seu
mos. desenvolvimento mais ou menos coeso, facilmente
À primeira vista, isso pareceria irrelevante a lei- se transformarão em ensino manipulador, pro-
gos no assunto. No entanto, a verdade é que as pes- gresso desumano, consumismo doentio e totalita-
soas, vivendo em sociedades com forte presença de rismo globalista.
instituições baseadas em relações de parentesco ***
(como casamento entre primos), estavam mais su- Um outro antropólogo, quase noventa anos atrás,
jeitas a exigências de natureza coletivista. Dotadas já tinha chegado a uma percepção não muito dife-
de grande lealdade grupal, eram mais conformistas rente, também relacionada a casamento e utilização
e obedientes, de certo modo rendidas ao ponto de do sexo. A sociedade ocidental, constrangida a li-
vista dos mais velhos e dos mais próximos. Como mitar as uniões entre parentes próximos, também
não confiavam em estranhos, nada era mais natural se beneficiaria de suas rigorosas restrições ao ato
que a prática do nepotismo. sexual: foi o que concluiu o professor inglês Joseph
Já nas sociedades menos sujeitas às relações in- Daniel Unwin (1895–1936), que ensinou em Ox-
tensivas de parentesco, como as que surgiram na ford e Cambridge (totalmente insuspeito, pois não
Idade Média cristã — quando a Igreja não só pro- pertencia à seita fundamentalista católica, apostó-
ibiu casamento de parentes, próximos ou distantes, lica, romana...). Com sua obra Sexo e cultura, de
como incentivou o casamento por livre escolha e a 1934, contribuiu para a compreensão de um pro-
residência independente dos recém casados —, de- blema que hoje, mais que nunca, inquieta a parte
senvolveu-se nos indivíduos uma postura de maior mais responsável do mundo: o conhecimento dos
independência, inevitavelmente associada ao pen- limites da sexualidade humana.
samento analítico e à imparcialidade no julga- Estudando várias dezenas de tribos primitivas e
mento, maior confiança em pessoas estranhas e as civilizações mais conhecidas da história, chegou
respeito a princípios morais universais. à conclusão de que existe um estreito vínculo entre
O estudo conclui que é marcante a diferença, do limitação dos hábitos sexuais e riqueza cultural. Os
ponto de vista psicológico, entre as populações ca- efeitos da restrição sexual eram notórios, quer ela
racterizadas como ocidentais (educadas, industria- ocorresse antes como depois do casamento, e leva-
lizadas, ricas e democráticas) e o resto do mundo vam sempre a períodos de florescimento cultural,
— resto do mundo que, como podemos facilmente enquanto a liberdade no uso do sexo provocava,
constatar por nossa conta, procura participar dos num arco de três gerações, o colapso da cultura.
benefícios produzidos pelo Ocidente, sem contudo Quando tais restrições conjugavam castidade pré-
aderir aos princípios morais que estiveram na ori- nupcial (o fator mais influente de todos, conforme
gem de seu desenvolvimento espiritual e material, as pesquisas) e monogamia absoluta, por no mí-
como é o caso da China e da Índia. nimo três gerações, produzia-se um grande desen-
Prevê-se que o mundo ocidental, sem as bases volvimento na literatura, nas artes, na ciência, na
cristãs que permitiram sua eclosão, seja inevitavel- arquitetura, na engenharia e na agricultura, de
mente desfigurado. Sem aqueles fundamentos, modo incomparável com as demais culturas. “Toda
como poderá o edifício resistir aos tsunamis da sociedade humana é livre para escolher se deseja
História? Seus atributos diferenciadores (educa- concentrar grande quantidade de energia ou, antes,
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desfrutar de sua liberdade sexual. Não se podem já desistiram da liberdade — os quais não medem
fazer as duas coisas ao mesmo tempo, por mais de esforços no sentido de reduzir o Ocidente a um ca-
uma geração” [2]. dáver putrefato.
Foi o que viu um homem de ciências, antes
mesmo da Segunda Grande Guerra. Foi o que sem-
Fontes:
pre ensinou, inclusive na “idade das trevas”, a
única Igreja fundada pessoalmente por Deus. Hoje, [1] HENRICH, J. The Church, intensive kinship, and global
quando a liberdade sexual já atingiu o limite do ab- psychological variation. Em: Science, Nova Iorque, vol.
surdo, ela continua a ensiná-lo; e o faz na contra- 336, número 6499, p. 3-59, nov. 2019.
Disponível em: https://science.sciencemag.org/con-
mão dos meios de comunicação globalizados, das
tent/366/6466/eaau5141. Acesso em: 24 dez. 2021
instituições escolares estatais ou privadas, de am-
[2] UNWIN, J. D. Sexo e cultura (Sex and Culture). Lon-
plos setores da classe política e poderosos organis- dres: Oxford University Press, 1934. p. 412. Disponível em:
mos internacionais financiados por capitalistas que https://archive.org/details/b20442580/page/n7/mode/2up.
Acesso em: 24 dez. 2021.
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Diário de Motocicleta/Igreja de São Francisco de Assis em Salvador (Brasil)
A fealdade está tomando conta do mundo. No As elites político-econômicas do mundo estão ci-
Brasil o processo já está nas últimas etapas. As entes desse processo. Todavia não querem inter-
pessoas em geral não mais se dão conta disso. Não rompê-lo; pelo contrário, incentivam-no, porque a
se importam mais, talvez porque já estejam por de- feiura tem dupla função: alienação das massas e
mais anestesiadas. É verdade que o homem é capaz redução de custos. No modo de vida moderno do
de se adaptar a ambientes em que toda a beleza foi capitalismo liberal, tudo é racionalizado a partir da
degradada, e se antes não encontrava onde repousar dicotomia custo versus lucro. A estética é coisa de
o olhar, depois de um tempo passa a enxergar a um passado romântico, com exceção, claro, dos
feiura ao redor como coisa normal, e não raro até palácios em que vivem essas elites, os quais res-
bela. Essa adaptação ao feio deveria ocorrer apenas guardam a herança arquitetônica de uma época em
em uma situação limite em que, agindo por instinto que os prédios públicos e até as casas dos pobres,
de sobrevivência, o homem busca suprir as neces- ainda que singelas, abrigavam elementos de beleza.
sidades mais urgentes. Porém, o que vemos é a Não apenas a feiura é promovida por conta da ló-
adaptação à feiura como norma social. gica econômica capitalista, mas a própria noção de
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beleza é distorcida para acomodar essa mesma ló- ser também a beleza. Essas três coisas, convém re-
gica e alienar o povo de que o feio é belo. É daí petir, não podem ser desassociadas.
que vemos gente muito rica, porém alienada, em- Deus Nosso Senhor, desde o princípio, exigiu dos
pregar fortunas em caixas de concreto e vidro que, homens um culto de adoração sacrificial no qual
não fosse a propaganda ideológica massiva da ar- eles oferecessem uma parte do melhor que possu-
quitetura moderna, jamais seriam uma opção. A íssem. Foi devido a isso que Ele se agradou mais
arquitetura moderna é uma ode ao feio e engana até da oferta de Abel que de Caim (cf. Gn 4,4). A datar
quem poderia pagar pela arquitetura clássica. daí, ao longo do tempo os homens têm se empe-
Intrigantemente, o mundo enriqueceu, a renda nhado em ofertar a Deus as coisas mais belas que
média do povo aumentou, e a isso deveria seguir as mãos humanas podem produzir. A religião,
um enriquecimento cultural e arquitetônico. O que nesse sentido, emprega em seus objetos sagrados o
ocorre, porém, e este é o ponto central dessa dis- maior zelo possível. Os comandos de Deus ao povo
cussão, é que o enriquecimento do mundo moderno hebreu para a construção da Arca da Aliança e do
está acompanhado de seu empobrecimento espiri- Templo, ornamentados com os materiais mais pu-
tual. A miséria espiritual é a grande responsável ros e valiosos da terra, provam este argumento.
por retirar do homem moderno a noção de beleza Não poderia deixar de ser diferente com a Igreja,
enquanto valor transcendente, intimamente ligada dentre cujas maravilhas que produziu se encontram
à verdade e à bondade. Se a teologia sagrada des- as catedrais, o ápice daquilo que as mãos humanas
creve Deus como Bom, Belo e Verdadeiro, a au- (certamente com o auxílio da graça) puderam fa-
sência dessas qualidades divinas na sociedade im- bricar. Tal é a magnanimidade das catedrais que
plica a ausência do próprio Deus. Por isso, a pro- jamais puderam ser superadas, mesmo muitos sé-
moção da feiura só poderia ser feita a partir da culos depois. Ora, nisso se vê que o espírito hu-
maldade e da mentira. mano é movido pelo dom da beleza que vem de
Não caiamos, portanto, no discurso economicista Deus. A beleza nos inspira a própria fé e nos mo-
de que a beleza é uma qualidade que custa caro. O tiva para as boas obras. Se a fé sem obras é morta
que custa caro é a ausência dela. Não há nada mais (cf. S. Tg 2,17), as obras desprovidas de beleza
desestimulante e contraproducente que viver rode- (como de verdade e bondade) não remetem à fé.
ado pela feiura. Tomemos o exemplo das escolas Disso se tira uma conclusão grave: a feiura nos
modernas, especialmente as brasileiras: estetica- desvia da fé.
mente são uma mistura de presídio e hospício. O Isso explica o porquê de as seitas protestantes de-
aluno que percorre os ambientes da escola tem a caírem cada vez mais. A decadência estética do
sensação de ser um animal enjaulado. Ora, se tra- culto protestante, realizado em galpões horrendos,
tam uma criança ou jovem como tal, assim ele se vazios de qualquer sacralidade, é intrínseca à de-
comportará: como um animal. Mas o animal é, por cadência da fé. Quanto mais feios esses ambientes,
definição, a criatura que, desprovida de razão, vive mais heréticos. Se a ortodoxia da fé e a beleza an-
conforme os apetites dos instintos. A escola, em dam juntas, a heresia e a feiura também. Infeliz-
contrário, deveria ser o ambiente que disciplina o mente, o homem moderno, como dito, está tão
aluno para o uso da razão e o controle de suas pai- anestesiado pela feiura que o rodeia, que já não en-
xões. Se os valores da bondade e da verdade são o xerga a contradição de cultuar a Deus num ambi-
objeto de uma boa formação escolar, assim o deve ente em que tudo conspira contra o próprio culto.
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O protestante não pode dizer como o salmista: “ o que para Deus nada é impossível (cf. S. Mt 19,26).
zelo da vossa casa me consome” (Sl 68,10); ele di- Essa confiança numa futura renovação espiritual
ria, se recobrasse a normalidade, que a feiura das do mundo e a consequente destruição das obras
casas de espetáculo dos protestantes o consome na malignas, feias por natureza, e a restauração da be-
mentira, na ilusão do culto idolátrico de um falso leza da sociedade cristã, onde Nosso Senhor Jesus
deus, ao qual sacrilegamente chamam Jesus Cristo, Cristo é Rei e centro de todas as coisas, motiva-
quando na verdade é o culto imanente ao próprio nos a trabalhar sempre inspirados pelo Bom, Belo
homem. e Verdadeiro. Ainda que nossa geração não veja
Infelizmente, a feiura do mundo moderno chegou essa renovação, devemos trabalhar por ela, pois a
a ponto quase irreversível. Isso seria para nós ca- recompensa eterna para os que multiplicam os ta-
tólicos um absoluto desalento se não soubéssemos lentos de Nosso Senhor é infinitamente mais bela.
Giotto di Bondone/Capela Scrovegni
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CATHOLICAE LITTERAE a oração como mérito e meio de conservação de
graças e auxílios; (ii) a oração como escudo contra
as tentações; (iii) a oração como ação de graças e
dever de fidelidade a Deus; e na crítica à impor-
tância secundária atribuída à oração, contrária ao
ensinamento de Cristo “Pedi e recebeis” (S. Mt
7,7); concretizada pelos conselhos espirituais da
época, que mencionavam fugir das ocasiões, fre-
quentar os sacramentos, resistir às tentações, ouvir
a Palavra de Deus, meditar nas verdades eternas;
pouco úteis sem a oração.
A necessidade da oração é atestada pelas Sagra-
das Escrituras (cf. S. Lc 18,1; S. Mt 25,41; S. Mt
7,7); ela é um mandamento de Deus. S. Carlos
Borromeu adverte que, entre os meios que Jesus
Cristo recomendou, deu o primeiro lugar à oração.
Colocou aí grande distinção entre a sua Religião e
as outras seitas, nomeando aquela de “casa de ora-
Nosso Salvador, queridos filhos, nasceu hoje. ânimo, pois foram chamados à vida.
Alegremo-nos. Não pode haver tristeza no dia em O Filho de Deus, na plenitude dos tempos, fixada
que a vida nasceu. Ao dissipar o medo da morte, a pelas profundezas inescrutáveis da sabedoria di-
vida nos enche de alegria com a eternidade prome- vina, assumiu a natureza humana para reconciliá-
tida. Ninguém está excluído de uma parte dessa fe- la com seu Criador. Dessa forma, o diabo, que in-
licidade. Todos compartilham a razão dessa ale- ventou a morte, podia ser vencido por meio daquilo
gria. Nosso Senhor, não encontrando ninguém li- que ele havia vencido. No conflito empreendido
vre da culpa, veio para libertar a todos. Que os san- em nosso nome, a batalha foi travada nos termos
tos exultem, pois a palma [da vitória] está ao seu mais notavelmente justos.
alcance. Que os pecadores se regozijem, pois fo- Nesse nascimento único, então, nada passou da
ram chamados para perdoar. Que os pagãos tenham concupiscência da carne, nada fluiu da lei do
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pecado. Escolhida é uma Virgem real do rebento ressuscitar (por causa do outro). Apropriadamente,
de Davi. Destinada a engravidar do fruto sagrado, esse nascimento de salvação não trouxe corrupção
ela concebe uma descendência (divina e humana) alguma à integridade da Virgem, pois a emissão da
em seu espírito - antes de fazê-lo em seu corpo. Verdade serviu como guardiã de sua honra.
Para que ela não pudesse, por ser desinformada so- Assim, então, amados, foi o Natal que convém a
bre o plano divino, assustar-se com seus efeitos Cristo, o poder de Deus e a sabedoria de Deus. Por
incomuns, ela aprende pela conversa com um anjo isso Ele tanto se conforma a nós através da huma-
que obra deveria ser realizada nela pelo Espírito nidade e sobe acima de nós por meio da divindade.
Santo. Se Ele não fosse realmente Deus verdadeiro, não
Ela não acreditava que sua honra fosse compro- poderia aplicar nenhum remédio. Se Ele não fosse
metida, ela que em breve seria a Mãe de Deus. Por realmente um homem verdadeiro, não poderia dar
que, de fato, ela teria dúvidas sobre a Concepção o exemplo. Anjos exultantes cantam no nascimento
por causa de sua natureza incomum? Ela recebeu a do Senhor, “Glória a Deus nas alturas”, e procla-
promessa de seu cumprimento pelo poder do Al- mam: “Na terra, paz aos homens de boa vontade”.
tíssimo. Essa fé na qual sua confiança repousava Eles realmente veem a Jerusalém celestial sendo
encontra reforço por meio do testemunho de um construída a partir de todas as nações do mundo.
milagre que aconteceu com um precursor. Isabel Quanto deve a humildade dos seres humanos re-
foi dotada de uma fecundidade inesperada. Pois gozijar-se por essa obra indescritível de piedade
Aquele que deu a concepção a uma mulher estéril, divina, quando a sublimidade dos anjos tanto se
sem dúvida, poderia dá-la a uma virgem também. deleita nela?
Consequentemente, o Verbo de Deus, Deus Filho Por isso, meus queridos irmãos, demos graças a
de Deus, para libertar o homem da morte eterna, Deus Pai por meio de seu Filho, no Espírito Santo.
foi Ele mesmo feito homem. Ele condescendeu em Por causa daquele grande amor com que nos amou,
assumir nossa humildade sem diminuir sua majes- Ele teve pena de nós, e, quando estávamos mortos
tade. Permanecendo o que era e assumindo o que por nossos pecados, trouxe-nos à vida por meio de
não era, uniu a verdadeira forma de servo à forma Cristo, para que possamos ser uma nova criatura
na qual Ele é igual a Deus Pai. Ele enxertou ambas nele, uma nova obra.
as naturezas em tal união que a glorificação não Coloquemos, portanto, de lado o velho ser hu-
deveria subjugar os inferiores, nem diminuir a hu- mano junto com suas ações. Haja vista que nos tor-
milhação aos superiores. namos participantes do nascimento de Cristo, re-
Quando, portanto, a identidade de cada substância nunciemos às obras da carne. Perceba, ó cristão,
é preservada e elas se unem em uma única Pessoa, sua dignidade. Uma vez feito um participante da
a majestade assume a humildade, a força assume a natureza divina, não volte às suas bases anteriores.
fraqueza, a eternidade assume a mortalidade. Para
pagar a dívida de nossa condição, sua natureza in-
Fonte:
violável se torna vulnerável. O verdadeiro Deus e
o verdadeiro homem estão combinados na unidade S. LEÃO MAGNO. Sermon 21. Em: Sermons. The Fathers
do Senhor. Assim, como convinha à nossa cura, um of the Church. Vol. 93. Washington: Editorial Board, 1996.
e o mesmo Mediador entre Deus e os seres huma- p. 77-79 (tradução nossa).
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dogmas da Igreja até as heresias da época (princi- ninguém a tira de mim.’ (S. Jo. 10,18). Onde
existe o poder de entregar a vida e retomá-la, mor-
palmente o arianismo e monofisismo). É com base
rer neste caso não é algo inevitável, mas algo de-
nesse material que S. Pedro Crisólogo ganha em
sejado. ‘Ninguém’, diz ele, ‘a tira de mim.’ Se
1729 o título de Doutor da Igreja. ninguém pode tirá-la, então certamente nem
Enquanto homilista, S. Pedro manifestou grande mesmo a morte.
reverência pelas Escrituras como comunicação di- Na verdade, a morte não foi capaz de tirar sua vida,
nem foi o submundo capaz de tomá-lo, pois, ao
vina e as tornou acessíveis aos fiéis. Fazendo uso
tremer ao seu comando, perdeu até mesmo aquelas
de imagens tiradas do ambiente natural de Ravena,
almas que estava segurando em cativeiro: ‘E os tú-
bem como de algumas profissões ocupadas por mulos foram abertos’, diz ele, ‘e muitos dos corpos
membros de seu rebanho, o jovem bispo explicou dos santos ressuscitaram.’
a doutrina ortodoxa e promoveu o desenvolvi- Assim como, quando Cristo nasceu, a concepção
não seguiu sua ordem usual, o nascimento não
mento espiritual sobretudo dos pagãos e povos
ocorreu de acordo com o costume, a natureza não
simples e analfabetos. Os Evangelhos ocupam o
observou suas próprias leis, assim também com
primeiro plano na maioria de seus sermões, e ao sua morte. O Tártaro perdeu aqueles que ele man-
fiel era possível vislumbrar os preceitos evangéli- tinha sob seu cativeiro, o inferno perdeu a prerro-
cos na vida diária, nos debates religiosos, no meio gativa de seu antigo poder, e a morte renunciou ao
que havia sido garantido pela antiga lei por decreto
político, na crença e na prática cristã em Ravena de
da Nova. [1]
meados do século V. O talento homilético de S.
Pedro pode ser constatado no trecho abaixo, reti-
A fama de Pedro e suas contribuições significati-
rado de sua famosa homilia sobre a Encarnação:
vas para a Igreja vêm de seus breves, mas podero-
sos escritos. O zelo em aprender e pregar sobre
Depois que o milagre celestial do nascimento da
Virgem brilhou em todo o mundo, as festividades Cristo fê-lo um homem providencial, instrumento
alegres que marcam o nascimento do Senhor fo- para explicar os mistérios que davam margem às
ram concluídas, e a venerável festa da Epifania heresias que competiam com a expansão católica
também foi celebrada. O Senhor prediz a sequên- sobre os gentios. Ademais, sua inabalável lealdade
cia dos eventos que cercam sua Paixão aos seus
e obediência à Igreja eram evidência de que, para
discípulos quando fala o seguinte: ‘Eis que subi-
mos a Jerusalém, e o Filho do Homem será entre- pregar e escrever de tal modo, era antes preciso
gue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas. possuir uma verdadeira santidade de vida e pro-
Eles o condenarão à morte. E o entregarão aos pa- fundo amor a Deus e ao próximo. É comemorado
gãos para ser exposto às suas zombarias, açoitado pela Liturgia em 4 de dezembro.
e crucificado; mas ao terceiro dia ressuscitará’ (S.
Mt 20,18-19). Ele que era capaz de anunciar o que
aconteceria também era capaz de evitá-lo. As ad-
Fontes:
versidades alcançam os ignorantes, não aqueles
que têm conhecimento. Ele desejou sofrer, pois
SMITH, Ignatius. St. Peter Chrysologus. Em: The Catholic
por sua própria iniciativa, subiu para o lugar onde
Encyclopedia. Vol. 11.
ele iria sofrer. A morte tem domínio sobre os que
New York: Robert Appleton Company, 1912. p. 762.
não querem, mas é a serva daqueles que estão dis-
S. PEDRO CRISÓLOGO. Selected Sermons. Em: Fathers
postos. Portanto, posto que ele está disposto a
of the Church. Vol. 3. Washington: Editorial Board, 1996.
morrer, não é um acidente, mas um ato de poder.
p. 1 (tradução nossa).
‘Eu tenho poder’, diz ele, ‘para dar minha própria
vida, e tenho poder’, diz ele, ‘para tomá-la;
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EUTRAPELIAM
A NATIVIDADE NA PINTURA
Giotto (1303)
Rafael (1517-1519)
Caravaggio (1600)
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Rubens (1608)
Murillo (1660)
Bouguereau (1881)
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Saiba mais em:
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