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PORTUGUÊS-A
CONSOLIDAÇÃO DE
UM REINO CRISTÃO
IBÉRICO
Foi no contexto da Reconquista cristã da península Ibérica aos muçulmanos, que Portugal
fixou/definiu o seu território.
1085, Conquista de Toledo. Mas, em 1086, derrota em Zalaca, contra os Almorávidas. Afonso VI
faz então um pedido de auxílio aos cruzados de além-Pireneus.
Mas D. Henrique inicia de imediato uma política autonómica; apoia o arce bispo de Braga
contra o de Santiago de Compostela e inicia o alargamento das fronteiras do território para sul.
1112-morte de D. Henrique. Teresa sucede ao marido. O posterior envolvi mento com o nobre
galego Fernão Peres de Trava leva-a a subordinar o Condado Portucalense aos interesses da Galiza, o
que desagradou aos anseios autonomistas da nobreza portucalense, que por esse motivo vai cerrar
fileiras em torno de Afonso Henriques.
1128 - Afonso Henriques mostra as suas ambições ao derrotar as tropas da sua mãe na Batalha
de S. Mamede e ao assumir o governo do Condado Portucalense. Entre 1128-85 vai concretizar as suas
aspirações de autonomia.
Uns anos mais tarde, entra em conflito com o primo, Afonso VII, rei de Leão e Castela e
imperador das Hispanhas, a quem deve obediência e lealdade na qualidade de vassalo. O acordo de Tui,
1137, relembra a Afonso Henriques a necessidade de cumprir com os seus deveres vassálicos de
fidelidade, auxílio militar e conselho para com o seu suserano. Mas, em 1139, Afonso Henriques passa a
intitular-se Rex, e em 1140 invade a Galiza. A paz definitiva só chega em 1143, com a Conferência de
Zamora. Afonso VII reconhece a Afonso Henriques titulo de Rex que ele ostenta, mas não o liberta da
sua condição de vassalo.
Para acabar com esta sujeição, já Afonso Henriques procurara o reconhecimento do seu
título/reino junto do chefe máximo da cristandade - o Papa. Em 1142 "encomenda" o território
portucalense à Santa Sé, de quem se passa a considerar vassalo lígio (as obrigações de A.H. eram em 1º
lugar para com o papa e só depois para com Afonso VII) e a quem promete um tributo anual em ouro.
Em 1179, o Papa Alexandre III reconhece, através da Bula Manifestis Proba tum, Afonso
Henriques como rei e Portugal como reino independente. Desta forma, a Santa Sé acolhia Portugal sob
sua proteção e Afonso Henriques, na qualidade de vassalo do Papa, via-se para sempre desobrigado de
obedecer a qualquer outro soberano. Era o fim definitivo da sujeição a Leão e Castela.
Mas teve também a seu favor um contexto político, militar e religioso favorável: a
Reconquista Crista da Península Ibérica aos muçulmanos.
Foi neste contexto que os monarcas de Leão, Castela, Aragão, Navarra e Portugal alargaram
durante séculos o território dos seus reinos e definiram fronteiras.
Afonso Henriques não foi exceção. Descontente com as fronteiras do condado. expandiu-lhe o
território. Consolidou o domínio da linha do Tejo com a conquista de Santarém e Lisboa, em 1147.
Seguiram-se Sintra, Almada e Palmela, para assegurar a defesa de Lisboa. 1158, linha do Sado, com a
conquista de Alcácer do Sal. 1162, Évora. 1165, Beja. Morre em 1185 Afonso Henriques o Conquistador
(embora já desde 1170 as operações militares fossem asseguradas por Sancho I).
Entre avanços e recuos, a Reconquista prosseguiu durante mais um século. Sancho I (1185-
1211), grande chefe guerreiro, embora menos feliz que o pai. Apesar de duas investidas vitoriosas ao
Algarve, a ofensiva almóada levou-o a perder todas as posições a sul do Tejo, à exceção de Évora.
Afonso II (1211-1223) revelou-se um monarca de ação militar inferior porque mais absorvido
na organização administrativa e consolidação do poder real (foi sem a sua presença que as tropas
portuguesas, ao lado das castelhanas, aragonesas e francas derrotaram os mouros na Batalha de Navas
de Tolosa em 1212). Aproveitando o declínio do poderio almóada, a Reconquista prosseguiu com a
integração de Alcácer, Monforte, Borba, Vila Viçosa e Moura (Alentejo).
Mas quase meio século haveria de decorrer entre o termo da Reconquista (1249) e o
estabelecimento definitivo da fronteira portuguesa (1297), pois com Leão e Castela outra guerra se
travaria.
1252- Afonso X, de Leão e Castela, vai reivindicar o antigo reino mouro do Algarve, alegando
que a soberania lhe havia sido concedida pelo respetivo rei. Face a uma guerra iminente entre dois
reinos cristãos, o Papa Inocêncio IV interveio na celebração de um Tratado de Paz - 1253: Afonso III
casaria com Beatriz, filha ilegítima de Afonso X, e renunciaria, temporariamente, a favor do sogro, aos
seus direitos enquanto suserano do Algarve.
1295-97- Pelo Tratado de Alcanices, Dinis e Fernando IV (Castela) fixam os limites territoriais
dos dois reinos. Portugal recebeu as terras Sabugal, Alfaiates, Castelo Rodrigo, Vila Maior, Castelo Bom,
Almeida, Castelo Melhor e Monforte (terras do Coa), Olivença e Campo Maior (Alentejo).
Com poucas exceções, o território português adquiria a sua configuração definitiva, o que faz
de Portugal o Estado europeu com as fronteiras mais antigas e estáveis.
Desde finais do século XI (1095), o aspeto religioso adquiriu um carácter mais vincado na luta
que opôs os cristãos aos muçulmanos. A relativa tolerância que até então existira esvaiu-se perante o
fanatismo religioso de Almóadas e Almorávidas, fomentando ao invés a radicalização do lado cristão.
A sua origem remonta aos inícios da Reconquista Cristã, com a apropriação do território
muçulmano pelos cristãos ou com a simples ocupação das terras libertadas pelos muçulmano - as
chamadas presúrias.
A maioria das terras assim obtida pertencia ao rei que, com o tempo, alienava parcelas
significativas desse território, efetuando amplas doações à nobreza e ao clero. Os motivos eram vários:
recompensar serviços prestados, obtenção de favor divino, interesse na ocupação do território. Mas o
principal objetivo do rei, com estas concessões, era passar a contar com uma rede de fiéis vassalos.
O Norte Atlântico (do Minho ao Vouga) foi a terra de eleição do regime senhorial,
particularmente do senhorialismo nobre.
Mas também o clero aqui possuía vastos senhorios. Se os castelos, torres e solares
simbolizavam o poder dos nobres, os mosteiros e as sés eram símbolo do poder clerical (ex: ordem
religiosa dos Beneditinos; sés de Braga e Porto; cónegos regrantes de Sto. Agostinho, de Sta. Cruz
Coimbra e S. Vicente de Fora - Lisboa). Os senhorios da Igreja eram os coutos (criados por carta de
couto) e gozavam de isenção judicial, fiscal e militar.
O Centro/Sul foi a zona dos grandes senhorios da Igreja. Eram muito extensos os domínios que
bispos, mosteiros e ordens religiosas-militares possuíam a sul do Mondego. Alguns exemplos: - Na zona
Centro do país, as maiores parcelas eram administradas pelos monges de Sta. Cruz de Coimbra, pelo
cabido da Sé (conjunto de cónegos que auxiliam o bispo na administração da diocese) e pelo bispo da
cidade:
A nobreza senhorial era a grande detentora do poder na região norte atlântica do país. Baseava
a sua superioridade social no privilégio do "sangue" (nasci mento), no poder económico, na força das
armas e na autoridade que exercia.
Mas no século XIII, a sua supremacia atenuou-se; o próprio termo infanção! cai em desuso
dando lugar ao de fidalgo. O lugar cimeiro da hierarquia passou a ser ocupado pelos ricos-homens,
espécie de alta nobreza chamada a intervir nos assuntos da corte, possuidores de vastos domínios onde
exerciam jurisdição e gozavam de isenções fiscais. Comandavam e sustentavam grandes séquitos
militares (hostes). Por isso eram conhecidos por "senhores de pendão e caldeira".
Na base desta escala social, encontram-se os cavaleiros, nobres sem fortuna que serviam no
séquito de nobres mais poderosos; englobava todos aqueles que eram admitidos na ordem da cavalaria
e que deviam respeitar um rigoroso código de honra; em Portugal, contudo, chegaram a ser
considerados cavaleiros, indivíduos de extração popular.
O poder senhorial caracteriza-se não tanto pela posse é exploração de terras (com sujeição das
populações), mas sobretudo pelo exercício de funções que nas sociedades atuais pertencem ao Estado:
militares (possuir exército), judiciais (julgar) e fiscais (exigir prestações tributárias).
Este poder corresponde ao poder de mando (bannus) da Europa de Além -Pirenéus que, em
virtude do exercício de funções públicas, conferia aos senhores os seguintes direitos: comando militar,
punição judicial e coação fiscal sobre os habitantes do senhorio.
Exercício da justiça, por exemplo com a aplicação de multas judiciais e determinação de penas
(exceto morte e talhamento).
Cobrança de obrigações fiscais, algumas delas arbitrárias: banalidades (pelo uso dos
instrumentos de produção: forno, moinho, lagar); peagens e portagens (sobre as atividades comerciais
e de transporte); jantar (dever de alimentar o senhor e o seu séquito); lutuosa (imposto sucessório);
gaiosas (pagamento a que estava obrigado quem casasse fora do domínio senhorial).
O poder senhorial exercido nos senhorios nobiliárquicos (honras) foi um fator de prestigio e
enriquecimento para a nobreza. À medida que a reconquista foi avançando para sul, também o poder
senhorial se expandiu, com a constituição de muitos senhorios do clero (coutos).
Ambos eram territórios imunes, ou seja, neles não entravam funcionários régios no
desempenho de funções militares, judiciais ou fiscais. Era somente aos senhores que estava reservado
o exercício desses poderes.
Para além do poder senhorial, a posse de bens fundiários (terras) constituía o outro
sustentáculo das classes nobre e eclesiástica, já que era para si que revertiam as vantagens e o produto
da exploração económica que lá faziam.
Eram os domínios senhoriais (ou senhorios fundiários), que nunca aqui atingiram a extensão
dos latifúndios de além-Pirenéus. Em geral, reduziam -se a um conjunto de parcelas territoriais, muitas
vezes dispersas, que rara mente ultrapassavam os 600 hectares.
Na quintã ou paço situava-se a morada do senhor. Para além de vários meios de produção
(celeiros, estábulos, forno, lagar) e da igreja, incluía uma pequena porção de terra que o proprietário
conservava sob sua exploração direta - a reserva; a sua reduzida dimensão é bem reveladora do
desinteresse da nobreza portuguesa pela administração direta dos seus domínios, geralmente optando
pelo seu arrendamento em pequenos lotes: os casais ou vilares.
A exploração da quinta cabia aos escravos, aos servos e aos homens livres dos casais (colonos),
que aí prestavam serviços gratuitos e obrigatórios um certo número de dias por ano: as jeiras ou
corveias.
Nos seus domínios, os senhores tutelavam uma enorme massa de homens, a quem
exigiam prestações e tributos vários. Uns, provenientes da exploração do solo: as rendas e as jeiras -
eram os direitos dominiais. Outros, resultantes do exercício do poder público - os direitos senhoriais.
Os herdadores, homens livres, proprietários de terras alodiais, que nunca tinham estado sob a
alçada de ninguém, passam também eles, no século XIII, na sequência de uma lei de Afonso II, a estar
sujeitos a várias prestações senhoriais. Com efeito, essa lei de 1211 estabelecia que todo o homem,
mesmo que livre, deveria, de futuro, depender de um senhor (nobre, clérigo ou mesmo o rei), a todos os
níveis: económico, social e judicial.
Homens livres (foreiros e vilãos) que trabalhavam terra alheia, do senhor, mediante contratos a
prazo, neles se misturando prestações dominiais (rendas) com imposições de cariz senhorial
(jeiras/corveias, direitos banais pela utilização dos meios de produção).
Jantar, lutuosa (imposto sucessório), ramada e troviscada (dever de pescar para o senhor),
anúduva (dever de reparar muros e caminhos), voz e coima (tributo pago ao senhor pelo direito de ser
julgado no tribunal do rei), fossadeira (em substituição do serviço militar no fossado), jugada, pousadia.
Estavam "ligados" às parcelas que cultivavam, em geral casais, não as podendo deixar. Eram
sobrecarregados com rendas, jeiras e outros tributos. No século XII, deixam de se distinguir dos colonos,
porque também sobre estes passam a incidir as jeiras.
Com os Descobrimentos [século XV], tornou-se crescente o afluxo de cativos mouros, pelo que
a escravatura aumenta, em detrimento da servidão. Restavam os assalariados que viviam do aluguer do
seu trabalho. A semelhança de caçadores, colmeeiros e pastores, sobreviventes de antigas formas de
organização económica, achavam-se mal integrados na lógica do regime senhorial.
O PAÍS URBANO E CONCELHIO
A par dos senhorios, os concelhos foram a outra forma de organização política e social do
espaço.
Desde sempre tinham existido no nosso país vilas e aldeias que, isoladas em espaços inóspitos e
longe de qualquer poder, se haviam organizado autonomamente para se defenderem do agressor e
regularem o uso comum de terras, águas e pastos. Durante a Reconquista Cristã, muitas destas
comunidades foram absorvidas pelos senhorios que então se formaram. Outras participavam na guerra
e negociavam depois as suas liberdades, conseguindo que reis e senhores lhes reconhecessem o direito
de se auto governarem.
Durante os séculos XII e XIII, à maior parte das vilas e cidades do país foi concedido foral. Se por
um lado, essa concessão se limitava a sancionar formas embrionárias de organização local, bem como a
respeitar tradições de autonomia existentes no Sul muçulmano (nomeadamente as que as cidades
islâmicas concediam às comunidades cristas-moçárabes e judaica), por outro lado descortinam-se
razões bem menos morais e bem mais utilitárias.
A necessidade de povoar o interior e o Sul do país e a urgência em obter ajuda militar das
populações na defesa do território levaram monarcas e senhores a reconhecerem a autonomia político-
administrativa de várias parcelas do território. Surgiram assim os concelhos, comunidades de homens
livres cujos privilégios e obrigações ficavam consignados na carta de foral.
O número mais significativo de concelhos (dos que conseguiram maior capa cidade de gestão
governativa) situava-se nas regiões fronteiriças das Beiras, na Estremadura e no Alentejo. Eram os
concelhos urbanos ou perfeitos. Cor respondiam à cidade ou vila sede de concelho, cuja área de
influência jurisdicional - o termo - incluía aldeias e uma vasta população rural.
A partir do século XII, o país vai readquirir uma fisionomia urbana. Em que contexto cidades e
vilas irrompem?
A construção da catedral de Santiago de Compostela, em 1075, fez desse local um dos centros
de devoção mais concorridos da cristandade medieval. O espaço a norte do Mondego vê-se de repente
sulcado por caminhos e peregrinos em direção ao Noroeste peninsular. Esse movimento acabou por
revitalizar muitos núcleos urbanos, que assim readquiriram um dinamismo há muito esquecido (ex.:
Porto e Guimarães).
O avanço da Reconquista levou a que muitos territórios com forte marca urbana (que o
domínio muçulmano preservara e estimulara) fossem acrescentados ao Norte rural e senhorial. Foi o
caso de Coimbra, Lisboa, Santarém e Évora.
O Entre Douro e Minho ficava numa posição de menoridade face ao Centro e Sul onde
comunidades de homens livres há muito tomavam nas suas mãos o exercício do poder local. Foi neste
contexto que Afonso Henriques transferiu a capital de Guimarães para Coimbra, para assim se libertar
da sombra tutelar da fidalguia nortenha.
A presença itinerante da corte em cidades como Coimbra, Leiria, Santarém, Lisboa e Évora
contribuiu para a consolidação das estruturas urbanas. Com o seu séquito de funcionários, serviços
burocráticos e forças militares, a corte fez com que os centros urbanos cada vez mais se distanciassem
do país rural.
O prestígio de uma cidade também derivava da sua função eclesiástica. As sedes de bispado
eram as únicas a verdadeiramente merecerem a designação de cidades, não obstante algumas serem
mais pequenas que algumas vilas concelhias: eram elas Braga, Porto, Coimbra, Lamego, Viseu, Guarda,
Lisboa, Évora, Silves. Remontando aos primeiros tempos da organização crista, a sua reconquista foi
motivo de grande orgulho.
Resultou da necessidade de atrair moradores a zonas que urgia defender e povoar (Beiras,
Estremadura, Alentejo). Entre as prerrogativas dos concelhos estava o direito de autoadministração,
concedido através de uma carta de foral. Num país que nascera à sombra de castelos e igrejas, a vida
num concelho, onde as amarras senhoriais eram mais ténues ou inexistentes, representava um
privilégio.
Ao surto urbano português não foi estranho o ressurgimento comercial que o Ocidente viveu a
partir do século XII. Para alimentar a sua população e exportar os produtos artesanais, as cidades tinham
de se inserir numa rede comercial de trocas. Muitas cidades portuguesas devem ao dinamismo dos seus
mercadores a obtenção das respetivas cartas de foral.
As cidades medievais destacavam-se pela sua cintura de muralhas. Com as suas ameias e
cubelos, a muralha delimitava o espaço urbano, dava segurança, proporcionava proventos (pelas taxas
pagas nas suas portas e postigos) e embelezava a cidade. Era com orgulho que os citadinos gravavam
nos seus selos concelhios as muralhas, enquanto símbolo de poder e autonomia. Mas, desde o século
XIII, que o crescimento demográfico esteve na origem de reestruturações urbanísticas de vulto (ex.: D.
Fernando ficou famoso como "construtor de cercas", as muralhas fernandinas de Lisboa e Porto). Muitos
dos antigos arrabaldes (bairros extramuros) ficavam então integrados nas novas cinturas de muralhas.
Toda a cidade medieval possuía uma zona nobre, um centro, que se distinguia do restante
espaço porque lá se situavam os edifícios do poder (o castelo ou torre de menagem do alcaide, a Sé, o
Paço Episcopal, os Paços do Concelho) e moravam as elites locais (mercadores e mesteirais abastados;
não a aristocracia de sangue). Não longe, ficava o mercado principal, numa praça ou rossio, embora na
cidade proliferassem muitos outros mercados especializados (ex.: os açougues).
Fora do centro, a cidade medieval espraiava-se numa desordem total, debatendo-se com
problemas como a falta de espaço e o amontoado de construções. Foi D. Dinis, quem ordenou a
abertura de ruas que servissem de eixos ordenadores do espaço urbano. Mais largas que o habitual, iam
diretamente de uma ponta à outra da cidade, ligando duas das suas portas. Eram as Ruas Direitas e, tal
como as Ruas Novas, do século XIII, enchiam de orgulho os citadinos, que aí abriam as suas oficinas,
lojas e estalagens. O resto eram ruas e becos secundários, vielas fétidas e escuras, raramente
calcetadas, onde os despejos se faziam a céu aberto, cães e porcos focinhavam e mil perigos
espreitavam (pulgas e incêndios). Por elas se distribuíam habitações populares, oficinas de mesteirais,
tendas de venda e até albergues e hospitais que acolhiam peregrinos, pobres e doentes.
Quanto à comunidade mourisca, esta não tinha a abastança dos judeus. A máxima "trabalhar
que nem um mouro" é sinal da condição inferior dos islâmicos. Mas nem por isso os cristãos deixaram
de os recear; de tal forma que os relegavam para bairros populares, as mourarias, que sem exceção
faziam situar no arrabalde.
Para muitos mesteirais, o arrabalde era um lugar privilegiado. Instalando as suas oficinas nas
vias que conduziam às portas da cidade eram naturalmente os primeiros a abastecerem os que la
entravam. Lá se realizava semanalmente o mercado, com saltimbancos e malabaristas.
Mas o arrabalde também possuía um certo ar de marginalidade. Para além de serem para lá
remetidas as atividades menos limpas, todos os párias que a sociedade medieval hostilizava, como os
pedintes e leprosos, estavam confina dos a esse espaço. Por isso, as ordens mendicantes lá se
instalaram no século XIII. Atraídos por um mundo de pobreza e exclusão, franciscanos e dominicanos
desempenharam com êxito a sua missão de assistência e proteção aos mais humildes, doentes e
desenraizados.
Para além do arrabalde, espraiava-se o termo, composto de olivais, vinhas, searas e aldeias.
Sem ele, a cidade medieval não podia viver. Nele exercia domínio jurisdicional e fiscal, e nele impunha
obrigações militares.
Era tanto o prestígio e abastança oriundos da posse do termo que os monarcas o alargavam ou
encurtavam caso desejassem agraciar ou castigar as cidades (ex.: Santarém, aquando da Revolução de
1383/85, por seguir o partido de D. Beatriz, viu-se privada do seu. Já o Porto recebeu Gaia e o Mindelo.
E Lisboa, uma vasta região).
Todos os homens livres, maiores de idade, que habitassem a área concelhia há algum tempo,
eram chamados de vizinhos. Desta categoria estavam excluídos nobres e clérigos, a não ser que se
submetessem às leis comuns e abdicassem dos seus privilégios. Excluídas estavam também as mulheres
(excetuando as viúvas), judeus, mouros, estrangeiros, servos e escravos.
Aos vizinhos competia a administração do concelho, que revestia carácter comunitário, uma
vez que englobava todos, sendo, portanto, distinta da administração do senhorio, que pertencia a um
único titular.
O governo do concelho cabia globalmente aos seus moradores, embora na realidade só alguns
o exercessem.
Quanto aos magistrados, os mais importantes eram os alcaldes ou alvazis (mais conhecidos por
juízes) - 2 ou 4-, os dirigentes supremos da comunidade. Na sua dependência estavam os meirinhos
(encarregados das execuções judiciais e fiscais), os mordomos (administradores dos bens concelhios), os
almotacés - 12-, que superintendiam e vigiavam as atividades económicas, os preços e medidas, a
situação sanitária e as obras públicas, o procurador (tesoureiro) e o chanceler (que guardava o selo e a
bandeira do concelho)." A estes magistrados acrescentam-se, desde o século XIV, os vereadores - 2 a 6-,
nomeados pelo rei de entre os vizinhos, com vastas competências legislativas e executivas, e que com o
tempo se vieram a sobrepor à assembleia dos vizinhos e aos restantes magistrados.
Os vizinhos nunca aceitaram que os senhores nobres ou eclesiásticos exerces sem os seus
poderes nos concelhos; exigiam que todos os nobres que lá vives sem se sujeitassem à lei comum.
Geralmente, tinham o apoio do rei, pouco interessado em perder as rendas a que os concelhos estavam
obrigados.
Apenas o clero mantinha privilégios especiais, como seja foro próprio (não sendo julgado nos
tribunais concelhios), isenção do serviço militar e isenções fiscais.
À semelhança da restante Europa medieval, o território português era com posto por senhorios
e concelhos, cada um com os seus privilégios, imunidades e autonomia administrativa. Tanto nuns
como noutros, o poder era exercido com grande independência em relação ao poder central. Mas era
ao rei que cabia o importante papel de dar coesão a todo o espaço territorial.
Nos primeiros séculos da nossa independência, o regime vigente foi o de monarquia feudal,
regime no qual o rei se assume como o maior e mais poderoso dos senhores feudais, gerindo e
controlando as múltiplas relações de dependência.
Os nossos reis, de início, assumiram uma função essencialmente guerreira. Foi a luta contra os
muçulmanos que lhes permitiu afirmar a sua supremacia. As vitórias prestigiavam-nos enquanto chefes
militares e impunham à nobreza o reconhecimento da sua superioridade. Por outro lado, o auxílio dos
cavaleiros-vilãos e as rendas dos concelhos forneciam aos reis os meios necessários para lutar contra os
abusos dos nobres. A guerra permitiu-lhes ainda tornarem-se os mais ricos e poderosos dos senhores,
passando a possuir um vasto património.
Na monarquia feudal não se distinguia a esfera pública da privada, pelo que a realeza era
concebida de forma patrimonial e o poder tinha carácter pessoal. O reino era possuído como um bem
próprio, que se herdava junta mente com a função e se transmitia ao filho primogénito.
Desse bem pessoal, várias parcelas se alienavam. Doavam-se honras e coutos, em recompensa
de serviços prestados. Concediam-se, a título precário, cargos públicos (tenências de terras e
alcaidarias), propriedades fundiárias, rendas, padroados.
Em troca da cedência de um conjunto de bens fundiários e poderes públicos, o rei criou à sua
volta uma corte de vassalos, que lhe deviam fidelidade e apoio nas tarefas de defesa e administração do
reino. Em Portugal, o rei (Portugalensium Rex) era considerado o mais importante senhor feudal,
convergindo para ele todas as dependências vassálicas; era o mais rico e poderoso dos senhores, o
Dominus Rex. O que melhor distingue a monarquia feudal portuguesa é a clara superioridade da função
régia.
Em Portugal, foi no reinado de Afonso II, 1211, que se deu início a um processo de
centralização do poder régio bastante precoce a nível europeu. Desde aí, os monarcas portugueses
passam a concentrar nas suas pessoas as mais altas funções militares, judiciais, legislativas e fiscais do
reino, por esta forma afirmando a supremacia do poder régio.
Só ao rei compete a chefia militar na guerra externa (nomeadamente, contra os inimigos da
Cristandade). A esta competência, que tanto contribuiu para fortalecer o poder real, não foi alheio o
contexto de Reconquista, em que nasceu e se expandiu o reino.
Também desde cedo, o rei se assume como responsável máximo pela manutenção da paz e
justiça no reino. Cabia-lhe lutar contra todas as formas de abuso e violência. Arvorava-se no direito de
julgar os nobres. Enquanto juiz supremo, reservou para si a justiça maior, que só a ele autorizava a
condenar à morte ou ao talhamento de membros. Funcionava como tribunal de apelação. O seu poder
pairava acima das jurisdições senhoriais e concelhias.
Desde 1211, com Afonso II, que os reis portugueses reservaram para si o exclusivo da produção
das leis gerais. A produção de leis gerais aplicadas a todo o reino e a todos os súbditos revelou um
poder régio fortalecido, capaz de se sobrepor aos poderes locais, desta forma prescindindo
progressivamente do direito consuetudinário (baseado no costume) e do direito canónico, enquanto
fontes do direito.
Algumas das leis destinavam-se a combater os privilégios senhoriais (como o direito de vindicta
dos nobres); outras, a recuperar o património da coroa, declarado inalienável e indivisível; outras ainda,
a regulamentar questões monetárias, já que ao rei cabia o exclusivo de cunhagem da moeda e sua
desvalorização; outras, por fim, a tabelar os preços (ex.: lei da almotaçaria, Afonso III) e a regular a
moral e os bons costumes.
Desde cedo, os reis portugueses mostraram vontade de por cobro a isenções várias. Sirva de
exemplo o estabelecimento da sisa, em 1387, imposto que incidia sobre a compra e venda de todos os
bens, se aplicava a todo o país e a que todos estavam obrigados, incluindo o rei.
Ao contrário do que hoje se passa (em que os órgãos de soberania estão sedeados na capital de
um país), a Idade Média foi marcada pela itinerância da corte e, com ela, do governo central e do
aparelho administrativo. Com efeito, na peugada do rei, andava sempre um corpo de funcionários, com
a tarefa de executar as suas resoluções. Onde quer que o rei estivesse, eram para la convocadas as
assembleias às quais ele habitualmente solicitava conselho. Quem eram uns e outras?
Alferes-mor: desempenhava o mais importante cargo na hierarquia militar: era sua função
transportar o pendão real e chefiar o exército na ausência do rei.
Mordomo-mor: dirigia a Administração civil do reino; mais tarde passou a chamar-se vedor da
fazenda.
Chanceler: competia-lhe a redação dos diplomas régios e a guarda do selo real, tarefas que
obrigavam à posse de uma boa cultura jurídica e de um razoável leque de conhecimentos; chefiava um
número apreciável de subordinados, desde notários a escrivães - o cargo era, em geral, desempenhado
por clérigos licenciados em Direito. O processo de centralização do poder régio e o consequente
acréscimo da produção documental trouxe um reforço dos poderes da chancelaria régia.
Apesar do seu carácter meramente consultivo, o rei tinha sempre em consideração as posições
assumidas pela cúria régia, gostando inclusive de referir, nas suas resoluções e despachos, que eles
tinham sido tomados com o consenso ou a unanimidade de todos os que na cúria tinham participado.
Lá, debatia-se qualquer questão relativa à administração e governo do reino: economia, novos
impostos, "quebra" da moeda, paz e guerra.
Tinha também função judicial. Por um lado, julgando os pleitos da nobreza, que tinha o
privilégio de só responder em tribunal régio. Por outro, decidindo da aplicação da Justiça Maior, bem
como de todos os casos em que tivesse havido recurso ou apelação para o rei, funcionando então como
uma espécie de Supremo Tribunal do Reino.
Membros com assento nas reuniões ordinárias: rainha, familiares, ricos-homens e prelados,
governadores de terras e alcaides das localidades onde a corte estanciava, altos funcionários.
Com Afonso III verifica-se uma alteração no funcionamento da cúria régia. As reuniões
ordinárias passam a denominar-se conselho régio. As extraordinárias, cortes. Esta evolução prendia-se
com a nova dinâmica política de centralização do poder real.
Em comparação com a cúria régia, a exigência relativa à preparação intelectual dos seus
membros era bastante superior.
Para merecer a dignidade de conselheiro, era necessária uma sólida formação jurídica, que só
os novos letrados estavam em condições de oferecer. Com efeito, os novos conselheiros privados
(privatii) eram quase todos legistas (juristas de Direito Romano) de enorme competência técnica,
adquirida nas universidades italianas, muitas vezes a expensas do rei. [Entre os mais notáveis
conselheiros de Afonso III, contam-se Pedro Hispano (Papa em 1276) e João de Deus (professor de
Direito Canónico na Universidade de Bolonha)].
As funções judiciais que antes estavam cometidas à Cúria Régia deixaram de o estar sendo
atribuídas a um novo Tribunal Supremo.
A origem social dos seus membros e a diversidade dos assuntos debatidos, faziam-nas mais
representativas do que as anteriores cúrias régias extraordinárias. Para além dos elementos
supracitados, as cortes contavam nas suas fileiras com os procuradores dos concelhos (homens-bons
pertencentes à elite local). A presença de representantes das três ordens sociais do reino acabou por
dar a esta assembleia, embora de forma embrionária, a feição de órgão representativo da nação, um
pouco à semelhança do nosso Parlamento, sem que, contudo, se verificasse o processo eletivo hoje
utilizado para a sua constituição.
A periodicidade da convocatória das cortes dependia da vontade do rei, que a elas só recorria
quando confrontado com a resolução dos assuntos mais graves do reino. A sua reunião era de iniciativa
régia.
Mas também era lá possível apresentar queixas, ouvir e discutir reclamações, pedir
agravamentos ou entregar pedidos (a maior parte relativos a matéria fiscal). Eram, assim, muitas vezes
contrariadas as pretensões do rei em lançar novos tributos ou em proceder à quebra da moeda.
O reforço da autoridade régia também se fez sentir junto da administração local, com o rei a
fazer valer as suas prerrogativas judiciais, fiscais e militares.
Afonso III, monarca centralizador, procedeu a uma reorganização administrativa do reino, mais
concretamente das regiões sob dependência direta da Coroa. Dividiu-as em comarcas, julgados e
almoxarifados, dirigidas respetivamente por meirinhos (mais tarde corregedores), juízes e almoxarifes
(mordomos). Todos tinham por função representar o rei, aplicar justiça e exigir os tributos fiscais
devidos.
Ao longo dos séculos XIII e XIV, os monarcas foram aumentando a sua intromissão nos
concelhos. Faziam-se representar pelo alcaide-mor (que comandava as tropas ao serviço da Coroa e
vigiava as atividades judiciais locais), pelo almoxarife (que cobrava os direitos e rendas devidas ao rei) e
pelo corregedor ou juiz de fora (que inspecionava os magistrados e a administração municipal), mas
sobretudo pelos vereadores, os novos magistrados concelhios de escolha régia e importância crescente.
Com esta maior intervenção não pretendia o rei anular a autonomia dos concelhos, mas tão-
somente zelar pelos seus direitos e, ao mesmo tempo, eliminar os abusos e as arbitrariedades do poder
local.
O fortalecimento da autoridade régia também passou pelo combate aos abusos do poder
senhorial. Desde Afonso II, que os reis portugueses deixaram de tolerar o crescimento desenfreado da
propriedade nobre e eclesiástica.
Para além dos legados particulares que se acumulavam nas mãos da Igreja, mui tos nobres e
clérigos vinham desde há muito, sub-repticiamente, ampliando os seus bens à custa dos reguengos. Ora,
tal era inadmissível tanto mais quanto, naqueles territórios, os senhores se substituíam aos reis no
exercício do poder público.
Consistiam no reconhecimento periódico, efetuado pelo rei, dos títulos de posse de terra
ostentados pela alta nobreza e alto clero, em resultado de doações pretéritas. Os senhores
apercebiam-se de quanto o seu direito de posse era precário. As confirmações também incidiam sobre
rega lias concelhias consignadas em carta de foral.
As inquirições eram inquéritos promovidos pelo rei no sentido de averiguar do estado dos
bens da coroa; averiguações feitas nos bens reguengos sobre os direitos e rendas devidos ao rei.
Permitiam descobrir inúmeras usurpações cometidas por fidalgos, ordens militares, bispos e abades.
Ordenava-se aos detentores destes bens que obtivessem junto da chancelaria a carta de confirmação
dos bens detidos; caso contrário, determinava-se que as propriedades usurpadas voltassem à posse da
Coroa. Desta forma se vincava o princípio da inalienabilidade do património régio.
[Processos fraudulentos de que os senhores se serviam para espoliar o rei: bastava a um nobre
colocar um filho seu a criar numa propriedade alheia ou oferecer proteção a uma terra para logo esses
domínios se converterem em honras e usufruírem de imunidade perante o fisco real]
Mas não foi fácil aos monarcas a implementação desta legislação antissenhorial. A resistência
foi enorme e a luta assumiu contornos violentos.
Os senhores prestavam falsas declarações, dizendo que as terras sempre haviam sido imunes;
caso os oficiais régios não acreditassem e insistissem na cobrança de direitos reais,
expulsavam-nos ou assassinavam-nos.
Frequentemente, bispos e prelados queixavam-se ao papa de os reis portugueses atentarem
contra a liberdade da Igreja, violando os seus foros e imunidades. Faziam-lhe saber que os
oficiais régios entravam nos seus domínios para a cobrança de direitos e que os clérigos eram
ameaçados com o julgamento em tribunais civis ou com a obrigação de prestarem serviço
militar (eles que tinham o direito de serem julgados em tribunais eclesiásticos e estavam
isentos do serviço militar).
Sobre os monarcas pendiam então as excomunhões (expulsão da comunidade de fiéis,
deixando de se poder assistir a ofícios divinos ou receber os sacramentos); sobre os reinos,
recaíam os interditos (proibição de celebrar missa e administrar sacramentos na totalidade das
dioceses).
No combate à expansão senhorial, os reis contaram com o apoio dos concelhos. O Porto foi um
caso exemplar. Sempre em luta contra as prepotências do bispo, senhor do burgo desde 1120, os
vizinhos acolheram de braços abertos o rei que por eles tomava partido claro e inequívoco, nunca
hesitando em cercear os privilégios do couto episcopal que tanto depauperavam o erário régio.
Aproveitando um dos muitos conflitos entre prelado e populares, D. Dinis concedeu ao Porto, em 1316,
0 estatuto de Concelho Perfeito, que permitiu à cidade, entre outros direitos, nomear os seus juízes de
entre os homens-bons e usufruir de autonomia judicial. O processo de promoção das elites urbanas era,
pois, uma forma de os monarcas agracia rem os concelhos que mais os apoiassem na recuperação do
poder real.
By lolinha