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O ESPAÇO

PORTUGUÊS-A
CONSOLIDAÇÃO DE
UM REINO CRISTÃO
IBÉRICO

A FIXAÇÃO DO TERRITÓRIO E A DEFINIÇÃO DE FRONTEIRAS


A RECONQUISTA

Foi no contexto da Reconquista cristã da península Ibérica aos muçulmanos, que Portugal
fixou/definiu o seu território.

1072-1109, Afonso VI, Rei de Leão e Castela.

1085, Conquista de Toledo. Mas, em 1086, derrota em Zalaca, contra os Almorávidas. Afonso VI
faz então um pedido de auxílio aos cruzados de além-Pireneus.

1093, a Raimundo é concedida a Galiza e Urraca em casamento; 1097, a Henrique é lhe


concedido o Condado Portucalense e Teresa em casamento; ambas as concessões foram feitas por
Afonso VI, no âmbito de um contrato feudo-vassálico, que implicava para os dois cavaleiros francos os
deveres de fidelidade, auxílio e conselho.

Mas D. Henrique inicia de imediato uma política autonómica; apoia o arce bispo de Braga
contra o de Santiago de Compostela e inicia o alargamento das fronteiras do território para sul.

Com origem no Condado Portucalense, o reino de Portugal autonomizou-se da restante


Península Ibérica no século XII, graças à ação tenaz e empenhada de D. Afonso Henriques (1109? -
1185).

1112-morte de D. Henrique. Teresa sucede ao marido. O posterior envolvi mento com o nobre
galego Fernão Peres de Trava leva-a a subordinar o Condado Portucalense aos interesses da Galiza, o
que desagradou aos anseios autonomistas da nobreza portucalense, que por esse motivo vai cerrar
fileiras em torno de Afonso Henriques.

1128 - Afonso Henriques mostra as suas ambições ao derrotar as tropas da sua mãe na Batalha
de S. Mamede e ao assumir o governo do Condado Portucalense. Entre 1128-85 vai concretizar as suas
aspirações de autonomia.

Uns anos mais tarde, entra em conflito com o primo, Afonso VII, rei de Leão e Castela e
imperador das Hispanhas, a quem deve obediência e lealdade na qualidade de vassalo. O acordo de Tui,
1137, relembra a Afonso Henriques a necessidade de cumprir com os seus deveres vassálicos de
fidelidade, auxílio militar e conselho para com o seu suserano. Mas, em 1139, Afonso Henriques passa a
intitular-se Rex, e em 1140 invade a Galiza. A paz definitiva só chega em 1143, com a Conferência de
Zamora. Afonso VII reconhece a Afonso Henriques titulo de Rex que ele ostenta, mas não o liberta da
sua condição de vassalo.

Para acabar com esta sujeição, já Afonso Henriques procurara o reconhecimento do seu
título/reino junto do chefe máximo da cristandade - o Papa. Em 1142 "encomenda" o território
portucalense à Santa Sé, de quem se passa a considerar vassalo lígio (as obrigações de A.H. eram em 1º
lugar para com o papa e só depois para com Afonso VII) e a quem promete um tributo anual em ouro.

Em 1179, o Papa Alexandre III reconhece, através da Bula Manifestis Proba tum, Afonso
Henriques como rei e Portugal como reino independente. Desta forma, a Santa Sé acolhia Portugal sob
sua proteção e Afonso Henriques, na qualidade de vassalo do Papa, via-se para sempre desobrigado de
obedecer a qualquer outro soberano. Era o fim definitivo da sujeição a Leão e Castela.

DO TERMO DA RECONQUISTA AO ESTABELECIMENTO E FORTALECIMENTO DE


FRONTEIRAS
A independência de Portugal foi um ato de rebeldia feudal. A luta de Afonso Henriques contra o
seu primo e senhor foi igual à de tantos outros senhores na Europa dessa altura. Incumbido de
administrar um pequeno território, mas também de o defender e se possível dilatar, Afonso Henriques
desenvolveu um desejo de autonomia que o levou a esquecer os deveres de obediência e lealdade a que
estava vinculado.

Mas teve também a seu favor um contexto político, militar e religioso favorável: a
Reconquista Crista da Península Ibérica aos muçulmanos.

Foi neste contexto que os monarcas de Leão, Castela, Aragão, Navarra e Portugal alargaram
durante séculos o território dos seus reinos e definiram fronteiras.

Afonso Henriques não foi exceção. Descontente com as fronteiras do condado. expandiu-lhe o
território. Consolidou o domínio da linha do Tejo com a conquista de Santarém e Lisboa, em 1147.
Seguiram-se Sintra, Almada e Palmela, para assegurar a defesa de Lisboa. 1158, linha do Sado, com a
conquista de Alcácer do Sal. 1162, Évora. 1165, Beja. Morre em 1185 Afonso Henriques o Conquistador
(embora já desde 1170 as operações militares fossem asseguradas por Sancho I).

Entre avanços e recuos, a Reconquista prosseguiu durante mais um século. Sancho I (1185-
1211), grande chefe guerreiro, embora menos feliz que o pai. Apesar de duas investidas vitoriosas ao
Algarve, a ofensiva almóada levou-o a perder todas as posições a sul do Tejo, à exceção de Évora.

Afonso II (1211-1223) revelou-se um monarca de ação militar inferior porque mais absorvido
na organização administrativa e consolidação do poder real (foi sem a sua presença que as tropas
portuguesas, ao lado das castelhanas, aragonesas e francas derrotaram os mouros na Batalha de Navas
de Tolosa em 1212). Aproveitando o declínio do poderio almóada, a Reconquista prosseguiu com a
integração de Alcácer, Monforte, Borba, Vila Viçosa e Moura (Alentejo).

Sancho II (1223-1245): a fronteira portuguesa avança definitivamente para o Alentejo,


beneficiando da tomada leonesa de Cáceres, Mérida, Badajoz, Córdova e Sevilha. Conquista de Elvas,
Juromenha, Serpa, Beja, Aljustrel e Mértola. Entre 1234-38 a soberania portuguesa chega ao Algarve
Oriental.
No reinado de Afonso III (1248-79, sucedendo ao irmão em 45, depois de aquele ter sido
deposto pelo Papa nesse mesmo ano) concluiu-se a conquista do Algarve. Em 1249, Portugal apoderou-
se do enclave que os muçulmanos ainda lá possuíam (Faro, Albufeira, Porches, Silves). O Norte cristão
anexava para sempre o Sul islâmico e a Reconquista chegava ao fim.

Mas quase meio século haveria de decorrer entre o termo da Reconquista (1249) e o
estabelecimento definitivo da fronteira portuguesa (1297), pois com Leão e Castela outra guerra se
travaria.

1252- Afonso X, de Leão e Castela, vai reivindicar o antigo reino mouro do Algarve, alegando
que a soberania lhe havia sido concedida pelo respetivo rei. Face a uma guerra iminente entre dois
reinos cristãos, o Papa Inocêncio IV interveio na celebração de um Tratado de Paz - 1253: Afonso III
casaria com Beatriz, filha ilegítima de Afonso X, e renunciaria, temporariamente, a favor do sogro, aos
seus direitos enquanto suserano do Algarve.

1263/64-Reatam-se as negociações diplomáticas quanto à posse do Algarve, desta vez com


benefício para o lado português: Afonso III é libertado da pouco digna condição de vassalo do sogro pela
transferência dessa qualidade para o seu herdeiro, infante D. Dinis, nascido em 1261.

1267 - Tratado de Badajoz resolve de vez a questão da soberania do Algarve. Afonso X


renunciava a favor de Dinis, seu neto, a quaisquer direitos sobre o território algarvio. No ano seguinte,
1268, Afonso III, passa a ostentar, de direito, o titulo de Rei de Portugal e dos Algarves.

1295-97- Pelo Tratado de Alcanices, Dinis e Fernando IV (Castela) fixam os limites territoriais
dos dois reinos. Portugal recebeu as terras Sabugal, Alfaiates, Castelo Rodrigo, Vila Maior, Castelo Bom,
Almeida, Castelo Melhor e Monforte (terras do Coa), Olivença e Campo Maior (Alentejo).

Com poucas exceções, o território português adquiria a sua configuração definitiva, o que faz
de Portugal o Estado europeu com as fronteiras mais antigas e estáveis.

O CARÁCTER POLÍTICO E RELIGIOSO DA RECONQUISTA


A reconquista também serviu aos monarcas ibéricos como meio de afirmação e
engrandecimento. No século X, os reis ibéricos consideravam-se como os legítimos descendentes dos
antigos monarcas visigóticos, cujo território os invasores muçulmanos haviam usurpado em 711. A
Reconquista constituía assim a recuperação de algo que legitimamente lhes pertencia.

Desde finais do século XI (1095), o aspeto religioso adquiriu um carácter mais vincado na luta
que opôs os cristãos aos muçulmanos. A relativa tolerância que até então existira esvaiu-se perante o
fanatismo religioso de Almóadas e Almorávidas, fomentando ao invés a radicalização do lado cristão.

A Reconquista assumiu então contornos de Guerra Santa, merecedora de tanta consideração


como as Cruzadas à Palestina. Foi, por isso, designada de Cruzada do Ocidente. Os reis peninsulares
usufruíram de várias Bulas papais que exortavam à expulsão dos muçulmanos da península, concedendo
indulgências (remissão de pecados) aos que participassem na luta. Por várias vezes os reis portugueses
puderam contar com a ajuda dos Cruzados, que estacionavam na nossa costa a caminho da Palestina.

Para o fortalecimento do ideal de cruzada, muito contribuíram as ordens religiosas-militares,


introduzidas no nosso país no século XII: Templários, 1128, Hospitalários, 1150, Monges de Calatrava e
Santiago, 1170. Todos eles foram auxiliares importantes na conquista de terras alentejanas e algar vias,
assim como depois na sua defesa e povoamento.
PAÍS RURAL E SENHORIAL
Foi no contexto da Reconquista e das lutas contra Leão e Castela que se modelaram as formas
de organização económica e social características do Portugal medieval. De um lado, os senhorios (país
rural); do outro, os concelhos (país urbano).

OS SENHORIOS-SUA ORIGEM, DETENTORES E LOCALIZAÇÃO


Senhorio é uma área territorial mais ou menos extensa e nem sempre continua, cujo detentor -
o Senhor - exerce variados poderes quer sobre a terra, quer sobre os homens que nela residem.

Em Portugal, os senhorios pertenciam ao rei (Dominus Rex) eram os reguengos; à nobreza


(honras) e ao clero (coutos).

A sua origem remonta aos inícios da Reconquista Cristã, com a apropriação do território
muçulmano pelos cristãos ou com a simples ocupação das terras libertadas pelos muçulmano - as
chamadas presúrias.

A maioria das terras assim obtida pertencia ao rei que, com o tempo, alienava parcelas
significativas desse território, efetuando amplas doações à nobreza e ao clero. Os motivos eram vários:
recompensar serviços prestados, obtenção de favor divino, interesse na ocupação do território. Mas o
principal objetivo do rei, com estas concessões, era passar a contar com uma rede de fiéis vassalos.

O Norte Atlântico (do Minho ao Vouga) foi a terra de eleição do regime senhorial,
particularmente do senhorialismo nobre.

Já antes da fundação da nacionalidade, os reis de Leão e Castela delegavam o exercício dos


poderes públicos nessas terras à nobreza condal. Esses cargos eram acompanhados de dotações
territoriais que funcionavam como retribuição. Tanto os cargos como as terras ficaram conhecidos por
honras (honores) ou senhorios nobiliárquicos.

Mas também o clero aqui possuía vastos senhorios. Se os castelos, torres e solares
simbolizavam o poder dos nobres, os mosteiros e as sés eram símbolo do poder clerical (ex: ordem
religiosa dos Beneditinos; sés de Braga e Porto; cónegos regrantes de Sto. Agostinho, de Sta. Cruz
Coimbra e S. Vicente de Fora - Lisboa). Os senhorios da Igreja eram os coutos (criados por carta de
couto) e gozavam de isenção judicial, fiscal e militar.

Com o avanço da Reconquista e com a necessidade de garantir a defesa e povoamento das


zonas conquistadas, o regime senhorial expande-se para fora da sua zona de origem. Embora os reis
tenham procurado conservar sob a sua alçada os principais castelos e centros urbanos do país
(concelhos), vão conceder grandes domínios à nobreza e às instituições religiosas que os tinham apoiado
na conquista e na administração do território.

O Centro/Sul foi a zona dos grandes senhorios da Igreja. Eram muito extensos os domínios que
bispos, mosteiros e ordens religiosas-militares possuíam a sul do Mondego. Alguns exemplos: - Na zona
Centro do país, as maiores parcelas eram administradas pelos monges de Sta. Cruz de Coimbra, pelo
cabido da Sé (conjunto de cónegos que auxiliam o bispo na administração da diocese) e pelo bispo da
cidade:

 Na Estremadura mandavam os monges cistercienses de Alcobaça, que transformaram terras


inóspitas em terras altamente produtivas (o seu couto espraiava-se desde a serra dos
Candeeiros até ao mar, numa largura de 20 km);
 Encarregadas da defesa da fronteira portuguesa, foram contempladas com doações imensas as
ordens religiosas-militares: Templários, Beira Baixa e Alto Alentejo, 100 Km de terras ao longo
do Tejo; Hospitalários, sede no Crato; Calatrava, sede em Avis; Santiago de Espada, territórios
no Alentejo e Algarve.

O EXERCÍCIO DO PODER SENHORIAL: PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES

A nobreza senhorial era a grande detentora do poder na região norte atlântica do país. Baseava
a sua superioridade social no privilégio do "sangue" (nasci mento), no poder económico, na força das
armas e na autoridade que exercia.

Os nobres de maior linhagem eram, de início, os infanções em quem os condes de Portucale³


tinham delegado funções públicas de Governo de terras e castelos. Foi com a sua força e apoio que D.
Henrique governou o Condado Portucalense e que Afonso Henriques concretizou as suas aspirações de
independência e alargamento do território. Cinco famílias ocupavam o topo da escala social no século
XII: Maia, Ribadouro, Sousa, Baião, Bragança. A sua base territorial situava-se entre o Lima e o Douro,
com extensão para a terra de Santa Maria e região de Arouca.

Mas no século XIII, a sua supremacia atenuou-se; o próprio termo infanção! cai em desuso
dando lugar ao de fidalgo. O lugar cimeiro da hierarquia passou a ser ocupado pelos ricos-homens,
espécie de alta nobreza chamada a intervir nos assuntos da corte, possuidores de vastos domínios onde
exerciam jurisdição e gozavam de isenções fiscais. Comandavam e sustentavam grandes séquitos
militares (hostes). Por isso eram conhecidos por "senhores de pendão e caldeira".

Na base desta escala social, encontram-se os cavaleiros, nobres sem fortuna que serviam no
séquito de nobres mais poderosos; englobava todos aqueles que eram admitidos na ordem da cavalaria
e que deviam respeitar um rigoroso código de honra; em Portugal, contudo, chegaram a ser
considerados cavaleiros, indivíduos de extração popular.

Mais do que económica (rendimentos), a sua natureza foi política.

O poder senhorial caracteriza-se não tanto pela posse é exploração de terras (com sujeição das
populações), mas sobretudo pelo exercício de funções que nas sociedades atuais pertencem ao Estado:
militares (possuir exército), judiciais (julgar) e fiscais (exigir prestações tributárias).

Este poder corresponde ao poder de mando (bannus) da Europa de Além -Pirenéus que, em
virtude do exercício de funções públicas, conferia aos senhores os seguintes direitos: comando militar,
punição judicial e coação fiscal sobre os habitantes do senhorio.

Traduzia-se em verdadeiros poderes públicos, que em Portugal a nobreza senhorial obtivera


por delegação da autoridade régia. Com o tempo usurpara-os, não prestando contas a quem lhos tinha
delegado, e, numa atitude abu siva, estendera-os aos seus domínios pessoais e até mesmo às
propriedades livres anexas às suas (os alódios).
Posse de armas e comando militar (no século XI os infanções portucalenses tinham já os seus
cavaleiros e peões armados, o que lhes permitia organizar expedições ofensivas e controlar fortificações
em lugares estratégicos - e respetivas populações).

Exercício da justiça, por exemplo com a aplicação de multas judiciais e determinação de penas
(exceto morte e talhamento).

Cobrança de obrigações fiscais, algumas delas arbitrárias: banalidades (pelo uso dos
instrumentos de produção: forno, moinho, lagar); peagens e portagens (sobre as atividades comerciais
e de transporte); jantar (dever de alimentar o senhor e o seu séquito); lutuosa (imposto sucessório);
gaiosas (pagamento a que estava obrigado quem casasse fora do domínio senhorial).

O poder senhorial exercido nos senhorios nobiliárquicos (honras) foi um fator de prestigio e
enriquecimento para a nobreza. À medida que a reconquista foi avançando para sul, também o poder
senhorial se expandiu, com a constituição de muitos senhorios do clero (coutos).

Ambos eram territórios imunes, ou seja, neles não entravam funcionários régios no
desempenho de funções militares, judiciais ou fiscais. Era somente aos senhores que estava reservado
o exercício desses poderes.

A imunidade foi adquirida/conquistada de formas diferentes. Nos coutos, através da concessão


de uma carta de couto, que a remetia para uma determinada área entretanto doada à Igreja. Nas
honras, o exercício dos poderes públicos e a respetiva imunidade provinha de uma de três situações:
delegação, usurpação ou herança, ou seja, por aquisição derivada translativa ou por meios ilícitos. A
maior parte das vezes, os senhores procuraram estender a imunidade das terras que administravam aos
seus próprios domínios fundiários, começando a exigir neles as exações cobradas nas honras. A certa
altura todo o seu património se convertia de forma abusiva em honras.

A EXPLORAÇÃO ECONÓMICA AO SENHORIO

Para além do poder senhorial, a posse de bens fundiários (terras) constituía o outro
sustentáculo das classes nobre e eclesiástica, já que era para si que revertiam as vantagens e o produto
da exploração económica que lá faziam.

Eram os domínios senhoriais (ou senhorios fundiários), que nunca aqui atingiram a extensão
dos latifúndios de além-Pirenéus. Em geral, reduziam -se a um conjunto de parcelas territoriais, muitas
vezes dispersas, que rara mente ultrapassavam os 600 hectares.

Compreendiam uma reserva – quintã - e várias unidades de exploração arrendadas, os casais


(mansos), esta última fonte de direitos dominiais.

Na quintã ou paço situava-se a morada do senhor. Para além de vários meios de produção
(celeiros, estábulos, forno, lagar) e da igreja, incluía uma pequena porção de terra que o proprietário
conservava sob sua exploração direta - a reserva; a sua reduzida dimensão é bem reveladora do
desinteresse da nobreza portuguesa pela administração direta dos seus domínios, geralmente optando
pelo seu arrendamento em pequenos lotes: os casais ou vilares.
A exploração da quinta cabia aos escravos, aos servos e aos homens livres dos casais (colonos),
que aí prestavam serviços gratuitos e obrigatórios um certo número de dias por ano: as jeiras ou
corveias.

Para a exploração dos casais, senhores e colonos (caseiros) celebravam contratos de


arrendamento. Podiam ser perpétuos, mas a tendência para o emprazamento/arrendamento por 2 ou 3
vidas. As rendas neles consignadas eram de dois tipos: fixas, em produtos, géneros ou moeda,
geralmente devi das pela ocupação da casa - as direituras (o vulgar contrato de arrendamento); ou
então variáveis, em função das colheitas, o que geralmente abarcava uma fração da produção - o foro
como era habitual nos contratos de parceria. (Quanto aos domínios eclesiásticos, a exploração
económica era mais rigorosa e o controlo senhorial maior. Nas suas granjas praticava-se a administração
direta. Eram anotadas meticulosamente as rendas que cada casal devia pagar. No início do século XIII já
estava instituído o pagamento da dizima à Igreja, e nem o rei dela estava isento.)

A SITUAÇÃO SOCIAL E ECONÓMICA DAS COMUNIDADES RURAIS DEPENDENTES

Nos seus domínios, os senhores tutelavam uma enorme massa de homens, a quem
exigiam prestações e tributos vários. Uns, provenientes da exploração do solo: as rendas e as jeiras -
eram os direitos dominiais. Outros, resultantes do exercício do poder público - os direitos senhoriais.

Apesar de aparentemente indistinta, esta massa de dependentes escondia estatutos jurídicos


muito diferentes.

Os herdadores, homens livres, proprietários de terras alodiais, que nunca tinham estado sob a
alçada de ninguém, passam também eles, no século XIII, na sequência de uma lei de Afonso II, a estar
sujeitos a várias prestações senhoriais. Com efeito, essa lei de 1211 estabelecia que todo o homem,
mesmo que livre, deveria, de futuro, depender de um senhor (nobre, clérigo ou mesmo o rei), a todos os
níveis: económico, social e judicial.

Viram, desta forma, o seu estatuto degradar-se.

Homens livres (foreiros e vilãos) que trabalhavam terra alheia, do senhor, mediante contratos a
prazo, neles se misturando prestações dominiais (rendas) com imposições de cariz senhorial
(jeiras/corveias, direitos banais pela utilização dos meios de produção).

Jantar, lutuosa (imposto sucessório), ramada e troviscada (dever de pescar para o senhor),
anúduva (dever de reparar muros e caminhos), voz e coima (tributo pago ao senhor pelo direito de ser
julgado no tribunal do rei), fossadeira (em substituição do serviço militar no fossado), jugada, pousadia.

Estavam "ligados" às parcelas que cultivavam, em geral casais, não as podendo deixar. Eram
sobrecarregados com rendas, jeiras e outros tributos. No século XII, deixam de se distinguir dos colonos,
porque também sobre estes passam a incidir as jeiras.

Com os Descobrimentos [século XV], tornou-se crescente o afluxo de cativos mouros, pelo que
a escravatura aumenta, em detrimento da servidão. Restavam os assalariados que viviam do aluguer do
seu trabalho. A semelhança de caçadores, colmeeiros e pastores, sobreviventes de antigas formas de
organização económica, achavam-se mal integrados na lógica do regime senhorial.
O PAÍS URBANO E CONCELHIO

A par dos senhorios, os concelhos foram a outra forma de organização política e social do
espaço.

Desde sempre tinham existido no nosso país vilas e aldeias que, isoladas em espaços inóspitos e
longe de qualquer poder, se haviam organizado autonomamente para se defenderem do agressor e
regularem o uso comum de terras, águas e pastos. Durante a Reconquista Cristã, muitas destas
comunidades foram absorvidas pelos senhorios que então se formaram. Outras participavam na guerra
e negociavam depois as suas liberdades, conseguindo que reis e senhores lhes reconhecessem o direito
de se auto governarem.

Durante os séculos XII e XIII, à maior parte das vilas e cidades do país foi concedido foral. Se por
um lado, essa concessão se limitava a sancionar formas embrionárias de organização local, bem como a
respeitar tradições de autonomia existentes no Sul muçulmano (nomeadamente as que as cidades
islâmicas concediam às comunidades cristas-moçárabes e judaica), por outro lado descortinam-se
razões bem menos morais e bem mais utilitárias.

A necessidade de povoar o interior e o Sul do país e a urgência em obter ajuda militar das
populações na defesa do território levaram monarcas e senhores a reconhecerem a autonomia político-
administrativa de várias parcelas do território. Surgiram assim os concelhos, comunidades de homens
livres cujos privilégios e obrigações ficavam consignados na carta de foral.

Lá se regulamentavam as matérias que interessavam a quem a doava e a quem a recebia,


nomeadamente os direitos e as obrigações dos habitantes. Entre os primeiros, aponte-se o direito de
escolher os seus próprios magistrados, de administrar a justiça e de proibir os privilegiados de habitar o
concelho ou lá exerce rem as suas prerrogativas. Entre as segundas, aponte-se a fixação das prestações
devidas pelos mercadores, os tributos e rendimentos a entregar ao rei.

Após a Reconquista, a criação de concelhos passou a ter outros objetivos: desenvolvimento


económico e afirmação política. Em resultado do primeiro, o rei passaria a exigir um conjunto de
tributos sobre a circulação e transação de mercadorias. Relativamente ao segundo, o rei, sendo o
senhor supremo dos concelhos, poderia passar a ostentar o poder concelhio como uma extensão do
poder régio, e enquanto contraponto aos poderes senhoriais.

O número mais significativo de concelhos (dos que conseguiram maior capa cidade de gestão
governativa) situava-se nas regiões fronteiriças das Beiras, na Estremadura e no Alentejo. Eram os
concelhos urbanos ou perfeitos. Cor respondiam à cidade ou vila sede de concelho, cuja área de
influência jurisdicional - o termo - incluía aldeias e uma vasta população rural.

A MULTIPLICIDADE DE VILAS E CIDADES CONCELHIAS

A partir do século XII, o país vai readquirir uma fisionomia urbana. Em que contexto cidades e
vilas irrompem?

A construção da catedral de Santiago de Compostela, em 1075, fez desse local um dos centros
de devoção mais concorridos da cristandade medieval. O espaço a norte do Mondego vê-se de repente
sulcado por caminhos e peregrinos em direção ao Noroeste peninsular. Esse movimento acabou por
revitalizar muitos núcleos urbanos, que assim readquiriram um dinamismo há muito esquecido (ex.:
Porto e Guimarães).

O avanço da Reconquista levou a que muitos territórios com forte marca urbana (que o
domínio muçulmano preservara e estimulara) fossem acrescentados ao Norte rural e senhorial. Foi o
caso de Coimbra, Lisboa, Santarém e Évora.

O Entre Douro e Minho ficava numa posição de menoridade face ao Centro e Sul onde
comunidades de homens livres há muito tomavam nas suas mãos o exercício do poder local. Foi neste
contexto que Afonso Henriques transferiu a capital de Guimarães para Coimbra, para assim se libertar
da sombra tutelar da fidalguia nortenha.

A presença itinerante da corte em cidades como Coimbra, Leiria, Santarém, Lisboa e Évora
contribuiu para a consolidação das estruturas urbanas. Com o seu séquito de funcionários, serviços
burocráticos e forças militares, a corte fez com que os centros urbanos cada vez mais se distanciassem
do país rural.

O prestígio de uma cidade também derivava da sua função eclesiástica. As sedes de bispado
eram as únicas a verdadeiramente merecerem a designação de cidades, não obstante algumas serem
mais pequenas que algumas vilas concelhias: eram elas Braga, Porto, Coimbra, Lamego, Viseu, Guarda,
Lisboa, Évora, Silves. Remontando aos primeiros tempos da organização crista, a sua reconquista foi
motivo de grande orgulho.

Resultou da necessidade de atrair moradores a zonas que urgia defender e povoar (Beiras,
Estremadura, Alentejo). Entre as prerrogativas dos concelhos estava o direito de autoadministração,
concedido através de uma carta de foral. Num país que nascera à sombra de castelos e igrejas, a vida
num concelho, onde as amarras senhoriais eram mais ténues ou inexistentes, representava um
privilégio.

Ao surto urbano português não foi estranho o ressurgimento comercial que o Ocidente viveu a
partir do século XII. Para alimentar a sua população e exportar os produtos artesanais, as cidades tinham
de se inserir numa rede comercial de trocas. Muitas cidades portuguesas devem ao dinamismo dos seus
mercadores a obtenção das respetivas cartas de foral.

A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO CITADINO

Nas cidades medievais portuguesas, já pouco se nota do urbanismo romano. Os contributos de


visigodos e muçulmanos, a construção desorganizada e os acidentes do terreno somaram-se durante
séculos para lhes conferir um aspeto particular. Ainda assim, podemos distinguir dois urbanismos. Um,
cristão, a norte, com ruas tortuosas, becos sem saída, uma ou mais praças (Rossio) e irradiando sempre
de um centro. Outro, muçulmano, a sul, labiríntico, distribuindo-se por dois centros: a alcáçova,
reservada aos dirigentes, e a almedina, zona popular. De influência cristã ou muçulmana resultam os
traços comuns no nosso urbanismo medieval.

As cidades medievais destacavam-se pela sua cintura de muralhas. Com as suas ameias e
cubelos, a muralha delimitava o espaço urbano, dava segurança, proporcionava proventos (pelas taxas
pagas nas suas portas e postigos) e embelezava a cidade. Era com orgulho que os citadinos gravavam
nos seus selos concelhios as muralhas, enquanto símbolo de poder e autonomia. Mas, desde o século
XIII, que o crescimento demográfico esteve na origem de reestruturações urbanísticas de vulto (ex.: D.
Fernando ficou famoso como "construtor de cercas", as muralhas fernandinas de Lisboa e Porto). Muitos
dos antigos arrabaldes (bairros extramuros) ficavam então integrados nas novas cinturas de muralhas.

Toda a cidade medieval possuía uma zona nobre, um centro, que se distinguia do restante
espaço porque lá se situavam os edifícios do poder (o castelo ou torre de menagem do alcaide, a Sé, o
Paço Episcopal, os Paços do Concelho) e moravam as elites locais (mercadores e mesteirais abastados;
não a aristocracia de sangue). Não longe, ficava o mercado principal, numa praça ou rossio, embora na
cidade proliferassem muitos outros mercados especializados (ex.: os açougues).

Fora do centro, a cidade medieval espraiava-se numa desordem total, debatendo-se com
problemas como a falta de espaço e o amontoado de construções. Foi D. Dinis, quem ordenou a
abertura de ruas que servissem de eixos ordenadores do espaço urbano. Mais largas que o habitual, iam
diretamente de uma ponta à outra da cidade, ligando duas das suas portas. Eram as Ruas Direitas e, tal
como as Ruas Novas, do século XIII, enchiam de orgulho os citadinos, que aí abriam as suas oficinas,
lojas e estalagens. O resto eram ruas e becos secundários, vielas fétidas e escuras, raramente
calcetadas, onde os despejos se faziam a céu aberto, cães e porcos focinhavam e mil perigos
espreitavam (pulgas e incêndios). Por elas se distribuíam habitações populares, oficinas de mesteirais,
tendas de venda e até albergues e hospitais que acolhiam peregrinos, pobres e doentes.

Uma rigorosa compartimentação socioprofissional levava a que os ofícios se agrupassem em


ruas específicas, que a toponímia viria a perpetuar rua dos sapateiros, dos correeiros, dos caldeireiros,
do ouro, dos mercadores, da moeda, das padeiras, etc. Ficava deste modo facilitada a aquisição de
matérias-primas, a aprendizagem das técnicas, a comercialização de bens e o controlo dos preços. A
solidariedade na época medieval era bem mais prezada que a concorrência, uma vez que era aos seus
companheiros de ofício e de confraria que os mesteirais medievais recorriam aquando de uma aflição
(invalidez, velhice, incêndio, fome, etc.).

Em quase todas as cidades medievais encontramos duas minorias étnico-religiosas: judeus e


mouros. A maior parte dos judeus era mesteiral (= artesão: ourives, alfaiate, sapateiro) ou cobrador de
rendas. Mais letrados que os cristãos (mui tos eram médicos, cirurgiões, astrónomos, etc.), eram
também mais abastados, já que dados à usura e ao negócio. Viviam em bairros próprios, as judiarias,
com seus funcionários e juízes. Durante séculos, apesar do antagonismo religioso e de invejas pontuais,
motivadas pela sua superioridade económica e intelectual, a sociedade portuguesa tolerou-os e as
cidades albergavam-nos dentro de muros. Uma numerosa comunidade judaica era, aliás, vista como
sinal do dinamismo económico do burgo. Só no final do século XV, a convivência pacífica entre os dois
credos se romperia, em virtude de um édito de D. Manuel (1496), que obrigou os judeus à conversão
sob pena de expulsão do reino.

Quanto à comunidade mourisca, esta não tinha a abastança dos judeus. A máxima "trabalhar
que nem um mouro" é sinal da condição inferior dos islâmicos. Mas nem por isso os cristãos deixaram
de os recear; de tal forma que os relegavam para bairros populares, as mourarias, que sem exceção
faziam situar no arrabalde.

A Localizado fora de muros, cedo se tornou um prolongamento da cidade. Lá se encontravam


as hortas que, juntamente com os ofícios poluentes, convinha que ficassem próximos dos cursos de
água. Os ferreiros eram dos que com maior frequência se fixavam nos arrabaldes. A fuligem e o barulho
inerentes ao seu oficio tornavam-nos indesejáveis no espaço intramuros; o mesmo se passava com os
carniceiros.

Para muitos mesteirais, o arrabalde era um lugar privilegiado. Instalando as suas oficinas nas
vias que conduziam às portas da cidade eram naturalmente os primeiros a abastecerem os que la
entravam. Lá se realizava semanalmente o mercado, com saltimbancos e malabaristas.

Mas o arrabalde também possuía um certo ar de marginalidade. Para além de serem para lá
remetidas as atividades menos limpas, todos os párias que a sociedade medieval hostilizava, como os
pedintes e leprosos, estavam confina dos a esse espaço. Por isso, as ordens mendicantes lá se
instalaram no século XIII. Atraídos por um mundo de pobreza e exclusão, franciscanos e dominicanos
desempenharam com êxito a sua missão de assistência e proteção aos mais humildes, doentes e
desenraizados.

Para além do arrabalde, espraiava-se o termo, composto de olivais, vinhas, searas e aldeias.
Sem ele, a cidade medieval não podia viver. Nele exercia domínio jurisdicional e fiscal, e nele impunha
obrigações militares.

Era tanto o prestígio e abastança oriundos da posse do termo que os monarcas o alargavam ou
encurtavam caso desejassem agraciar ou castigar as cidades (ex.: Santarém, aquando da Revolução de
1383/85, por seguir o partido de D. Beatriz, viu-se privada do seu. Já o Porto recebeu Gaia e o Mindelo.
E Lisboa, uma vasta região).

O EXERCÍCIO COMUNITÁRIO DE PODERES CONCELHIOS

Todos os homens livres, maiores de idade, que habitassem a área concelhia há algum tempo,
eram chamados de vizinhos. Desta categoria estavam excluídos nobres e clérigos, a não ser que se
submetessem às leis comuns e abdicassem dos seus privilégios. Excluídas estavam também as mulheres
(excetuando as viúvas), judeus, mouros, estrangeiros, servos e escravos.

Aos vizinhos competia a administração do concelho, que revestia carácter comunitário, uma
vez que englobava todos, sendo, portanto, distinta da administração do senhorio, que pertencia a um
único titular.

Todos os vizinhos integravam o concilium ou assembleia, o grande órgão deliberativo do


concelho, com capacidade para estatuir leis de âmbito local. Conhecidas por posturas municipais, as
deliberações da assembleia dos vizinhos regulamentavam as mais variadas questões do quotidiano.

O governo do concelho cabia globalmente aos seus moradores, embora na realidade só alguns
o exercessem.

As competências mais significativas eram as que se relacionavam com a administração da


justiça e a eleição dos magistrados. Nos concelhos, a justiça era administrada por oficiais escolhidos
pelos próprios vizinhos entre si.

Quanto aos magistrados, os mais importantes eram os alcaldes ou alvazis (mais conhecidos por
juízes) - 2 ou 4-, os dirigentes supremos da comunidade. Na sua dependência estavam os meirinhos
(encarregados das execuções judiciais e fiscais), os mordomos (administradores dos bens concelhios), os
almotacés - 12-, que superintendiam e vigiavam as atividades económicas, os preços e medidas, a
situação sanitária e as obras públicas, o procurador (tesoureiro) e o chanceler (que guardava o selo e a
bandeira do concelho)." A estes magistrados acrescentam-se, desde o século XIV, os vereadores - 2 a 6-,
nomeados pelo rei de entre os vizinhos, com vastas competências legislativas e executivas, e que com o
tempo se vieram a sobrepor à assembleia dos vizinhos e aos restantes magistrados.

No concelho também existiam magistrados que representavam a autoridade do rei. É o caso do


alcaide, um nobre cuja importância se acentuou ao longo do tempo, já que controlava o recrutamento e
a prestação do serviço militar, assim como a aplicação da justiça no concelho; o almoxarife, funcionário
que cobrava direitos régios; o mordomo, que administrava os domínios da Coroa no concelho.

Símbolos do poder concelhio eram o pelourinho, o selo e a bandeira. Todos afirmavam a


autonomia administrativa do concelho.

À elite social do concelho pertenciam todos os magistrados, habitualmente chamados de


homens-bons. Eram geralmente grandes proprietários ou grandes comerciantes. Até ao século XIII,
desempenharam um papel funda mental na Reconquista e na defesa do território a sul do Mondego.
Por isso, os reis os faziam "cavaleiros-vilãos".

Ao protagonismo social derivado da riqueza detida e dos privilégios alcançados, os homens-


bons somavam a proeminência política, já que monopolizavam os cargos e as magistraturas concelhias,
evitando a todo o custo a participação dos mesteirais nas vereações camarárias. Até na composição da
assembleia de vizinhos, a certa altura, os homens bons se impuseram, excluindo os antigos "peões",
economicamente menos favorecidos.

 Os homens-bons invocavam como pretexto o facto de um elevado número de pessoas tornar


as reuniões conflituosas, quando não mesmo ineficazes.
 Mas, a verdade é que, com o fim da reconquista, o ciclo de uma economia de guerra terminava
e uma nova economia, baseada nas trocas e na circulação de moeda, se afirmava. Por isso, em
muitas cidades, à medida que ia ficando mais visível a sua importância na sociedade, os
mercadores passaram a desempenhar as magistraturas quase que em exclusivo. Nos fins do
século XIV, já só em algumas cidades os mesteirais participavam nas assembleias (Lisboa,
Porto, Coimbra, Santarém, Évora, Guimarães).

A RELAÇÃO DOS CONCELHOS COM O PODER RÉGIO E SENHORIAL

Os vizinhos nunca aceitaram que os senhores nobres ou eclesiásticos exerces sem os seus
poderes nos concelhos; exigiam que todos os nobres que lá vives sem se sujeitassem à lei comum.
Geralmente, tinham o apoio do rei, pouco interessado em perder as rendas a que os concelhos estavam
obrigados.

Apenas o clero mantinha privilégios especiais, como seja foro próprio (não sendo julgado nos
tribunais concelhios), isenção do serviço militar e isenções fiscais.

Mas, com o renascimento do direito romano e a crescente centralização do poder régio, a


partir do século XIII, a autonomia concelhia foi progressiva mente diminuindo. Com efeito, a
necessidade de afirmação politica levou os monarcas a intervir cada vez mais no poder local. Os juízes
eleitos pelos vizinhos passam a ser confirmados pelo rei, e muitas vezes até substituídos por juízes de
fora. Os corregedores do rei passam a vigiar o funcionamento do tribunal local. As assembleias
municipais são cada vez menos convocadas.
O PODER RÉGIO, FATOR ESTRUTURANTE DA COESÃO INTERNA DO REINO
DA MONARQUIA FEUDAL À CENTRALIZAÇÃO DO PODER

À semelhança da restante Europa medieval, o território português era com posto por senhorios
e concelhos, cada um com os seus privilégios, imunidades e autonomia administrativa. Tanto nuns
como noutros, o poder era exercido com grande independência em relação ao poder central. Mas era
ao rei que cabia o importante papel de dar coesão a todo o espaço territorial.

Nos primeiros séculos da nossa independência, o regime vigente foi o de monarquia feudal,
regime no qual o rei se assume como o maior e mais poderoso dos senhores feudais, gerindo e
controlando as múltiplas relações de dependência.

Os nossos reis, de início, assumiram uma função essencialmente guerreira. Foi a luta contra os
muçulmanos que lhes permitiu afirmar a sua supremacia. As vitórias prestigiavam-nos enquanto chefes
militares e impunham à nobreza o reconhecimento da sua superioridade. Por outro lado, o auxílio dos
cavaleiros-vilãos e as rendas dos concelhos forneciam aos reis os meios necessários para lutar contra os
abusos dos nobres. A guerra permitiu-lhes ainda tornarem-se os mais ricos e poderosos dos senhores,
passando a possuir um vasto património.

Na monarquia feudal não se distinguia a esfera pública da privada, pelo que a realeza era
concebida de forma patrimonial e o poder tinha carácter pessoal. O reino era possuído como um bem
próprio, que se herdava junta mente com a função e se transmitia ao filho primogénito.

Desse bem pessoal, várias parcelas se alienavam. Doavam-se honras e coutos, em recompensa
de serviços prestados. Concediam-se, a título precário, cargos públicos (tenências de terras e
alcaidarias), propriedades fundiárias, rendas, padroados.

Em troca da cedência de um conjunto de bens fundiários e poderes públicos, o rei criou à sua
volta uma corte de vassalos, que lhe deviam fidelidade e apoio nas tarefas de defesa e administração do
reino. Em Portugal, o rei (Portugalensium Rex) era considerado o mais importante senhor feudal,
convergindo para ele todas as dependências vassálicas; era o mais rico e poderoso dos senhores, o
Dominus Rex. O que melhor distingue a monarquia feudal portuguesa é a clara superioridade da função
régia.

A CENTRALIZAÇÃO DO PODER: DEFESA, JUSTIÇA, LEGISLAÇÃO E FISCALIDADE

Desde sempre, os reis fundamentaram o seu poder na doutrina do direito divino,


considerando-se os representantes de Deus na Terra. Este princípio, conjugado com o renascimento do
direito romano que defendia o reforço do poder real levou-os a intitularem-se "Reis por graça e
clemência de Deus" e a assumirem o papel de órgão máximo do poder público.

Em Portugal, foi no reinado de Afonso II, 1211, que se deu início a um processo de
centralização do poder régio bastante precoce a nível europeu. Desde aí, os monarcas portugueses
passam a concentrar nas suas pessoas as mais altas funções militares, judiciais, legislativas e fiscais do
reino, por esta forma afirmando a supremacia do poder régio.
Só ao rei compete a chefia militar na guerra externa (nomeadamente, contra os inimigos da
Cristandade). A esta competência, que tanto contribuiu para fortalecer o poder real, não foi alheio o
contexto de Reconquista, em que nasceu e se expandiu o reino.

Também desde cedo, o rei se assume como responsável máximo pela manutenção da paz e
justiça no reino. Cabia-lhe lutar contra todas as formas de abuso e violência. Arvorava-se no direito de
julgar os nobres. Enquanto juiz supremo, reservou para si a justiça maior, que só a ele autorizava a
condenar à morte ou ao talhamento de membros. Funcionava como tribunal de apelação. O seu poder
pairava acima das jurisdições senhoriais e concelhias.

Desde 1211, com Afonso II, que os reis portugueses reservaram para si o exclusivo da produção
das leis gerais. A produção de leis gerais aplicadas a todo o reino e a todos os súbditos revelou um
poder régio fortalecido, capaz de se sobrepor aos poderes locais, desta forma prescindindo
progressivamente do direito consuetudinário (baseado no costume) e do direito canónico, enquanto
fontes do direito.

Algumas das leis destinavam-se a combater os privilégios senhoriais (como o direito de vindicta
dos nobres); outras, a recuperar o património da coroa, declarado inalienável e indivisível; outras ainda,
a regulamentar questões monetárias, já que ao rei cabia o exclusivo de cunhagem da moeda e sua
desvalorização; outras, por fim, a tabelar os preços (ex.: lei da almotaçaria, Afonso III) e a regular a
moral e os bons costumes.

Desde cedo, os reis portugueses mostraram vontade de por cobro a isenções várias. Sirva de
exemplo o estabelecimento da sisa, em 1387, imposto que incidia sobre a compra e venda de todos os
bens, se aplicava a todo o país e a que todos estavam obrigados, incluindo o rei.

Em fins do século XIV, a construção do Estado moderno ganha visibilidade. Em A monarquia


feudal dos primeiros tempos, em que o rei (primus inter pares) recompensava largamente os que o
apoiavam, evolui para uma monarquia centralizada, com o rei transformado em chefe do exército, juiz
supremo e legislador geral, com exercício efetivo do poder público.

Para o desempenho destas funções, os reis tiveram de se munir de uma organização


burocrática mais complexa. Procederam a reformas na administração central e intervieram firmemente
na administração local.

A REESTRUTURAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO CENTRAL

Ao contrário do que hoje se passa (em que os órgãos de soberania estão sedeados na capital de
um país), a Idade Média foi marcada pela itinerância da corte e, com ela, do governo central e do
aparelho administrativo. Com efeito, na peugada do rei, andava sempre um corpo de funcionários, com
a tarefa de executar as suas resoluções. Onde quer que o rei estivesse, eram para la convocadas as
assembleias às quais ele habitualmente solicitava conselho. Quem eram uns e outras?

Alferes-mor: desempenhava o mais importante cargo na hierarquia militar: era sua função
transportar o pendão real e chefiar o exército na ausência do rei.

Mordomo-mor: dirigia a Administração civil do reino; mais tarde passou a chamar-se vedor da
fazenda.
Chanceler: competia-lhe a redação dos diplomas régios e a guarda do selo real, tarefas que
obrigavam à posse de uma boa cultura jurídica e de um razoável leque de conhecimentos; chefiava um
número apreciável de subordinados, desde notários a escrivães - o cargo era, em geral, desempenhado
por clérigos licenciados em Direito. O processo de centralização do poder régio e o consequente
acréscimo da produção documental trouxe um reforço dos poderes da chancelaria régia.

Órgão constituído por um conjunto de conselheiros com funções de auxilio e conselho ao


soberano.

Apesar do seu carácter meramente consultivo, o rei tinha sempre em consideração as posições
assumidas pela cúria régia, gostando inclusive de referir, nas suas resoluções e despachos, que eles
tinham sido tomados com o consenso ou a unanimidade de todos os que na cúria tinham participado.

Lá, debatia-se qualquer questão relativa à administração e governo do reino: economia, novos
impostos, "quebra" da moeda, paz e guerra.

Tinha também função judicial. Por um lado, julgando os pleitos da nobreza, que tinha o
privilégio de só responder em tribunal régio. Por outro, decidindo da aplicação da Justiça Maior, bem
como de todos os casos em que tivesse havido recurso ou apelação para o rei, funcionando então como
uma espécie de Supremo Tribunal do Reino.

Membros com assento nas reuniões ordinárias: rainha, familiares, ricos-homens e prelados,
governadores de terras e alcaides das localidades onde a corte estanciava, altos funcionários.

Quando a ordem de trabalhos se revestia de maior importância e solenidade ou assumia um


âmbito mais nacional, o monarca convocava uma cúria extraordinária na qual, aos elementos
supracitados, se acrescentavam: bispos, abades das principais comunidades monásticas, alcaides das
principais cidades, membros da alta nobreza, chefes das ordens religiosas-militares (mestres ou priores).

Com Afonso III verifica-se uma alteração no funcionamento da cúria régia. As reuniões
ordinárias passam a denominar-se conselho régio. As extraordinárias, cortes. Esta evolução prendia-se
com a nova dinâmica política de centralização do poder real.

Em comparação com a cúria régia, a exigência relativa à preparação intelectual dos seus
membros era bastante superior.

Para merecer a dignidade de conselheiro, era necessária uma sólida formação jurídica, que só
os novos letrados estavam em condições de oferecer. Com efeito, os novos conselheiros privados
(privatii) eram quase todos legistas (juristas de Direito Romano) de enorme competência técnica,
adquirida nas universidades italianas, muitas vezes a expensas do rei. [Entre os mais notáveis
conselheiros de Afonso III, contam-se Pedro Hispano (Papa em 1276) e João de Deus (professor de
Direito Canónico na Universidade de Bolonha)].

As funções judiciais que antes estavam cometidas à Cúria Régia deixaram de o estar sendo
atribuídas a um novo Tribunal Supremo.

As primeiras realizaram-se em Leiria, em 1254, no tempo de Afonso III.

A origem social dos seus membros e a diversidade dos assuntos debatidos, faziam-nas mais
representativas do que as anteriores cúrias régias extraordinárias. Para além dos elementos
supracitados, as cortes contavam nas suas fileiras com os procuradores dos concelhos (homens-bons
pertencentes à elite local). A presença de representantes das três ordens sociais do reino acabou por
dar a esta assembleia, embora de forma embrionária, a feição de órgão representativo da nação, um
pouco à semelhança do nosso Parlamento, sem que, contudo, se verificasse o processo eletivo hoje
utilizado para a sua constituição.

A periodicidade da convocatória das cortes dependia da vontade do rei, que a elas só recorria
quando confrontado com a resolução dos assuntos mais graves do reino. A sua reunião era de iniciativa
régia.

Mas também era lá possível apresentar queixas, ouvir e discutir reclamações, pedir
agravamentos ou entregar pedidos (a maior parte relativos a matéria fiscal). Eram, assim, muitas vezes
contrariadas as pretensões do rei em lançar novos tributos ou em proceder à quebra da moeda.

Lá eram também frequentemente apresentadas as queixas dos povos contra os abusos


senhoriais, e muitas vezes expresso o ressentimento do clero com a falta de respeito dos reis pelos seus
privilégios.

A INTERVENÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO LOCAL

O reforço da autoridade régia também se fez sentir junto da administração local, com o rei a
fazer valer as suas prerrogativas judiciais, fiscais e militares.

Afonso III, monarca centralizador, procedeu a uma reorganização administrativa do reino, mais
concretamente das regiões sob dependência direta da Coroa. Dividiu-as em comarcas, julgados e
almoxarifados, dirigidas respetivamente por meirinhos (mais tarde corregedores), juízes e almoxarifes
(mordomos). Todos tinham por função representar o rei, aplicar justiça e exigir os tributos fiscais
devidos.

Ao longo dos séculos XIII e XIV, os monarcas foram aumentando a sua intromissão nos
concelhos. Faziam-se representar pelo alcaide-mor (que comandava as tropas ao serviço da Coroa e
vigiava as atividades judiciais locais), pelo almoxarife (que cobrava os direitos e rendas devidas ao rei) e
pelo corregedor ou juiz de fora (que inspecionava os magistrados e a administração municipal), mas
sobretudo pelos vereadores, os novos magistrados concelhios de escolha régia e importância crescente.

Com esta maior intervenção não pretendia o rei anular a autonomia dos concelhos, mas tão-
somente zelar pelos seus direitos e, ao mesmo tempo, eliminar os abusos e as arbitrariedades do poder
local.

O COMBATE À EXPANSÃO SENHORIAL E A PROMOÇÃO POLÍTICA DAS ELITES URBANAS

O fortalecimento da autoridade régia também passou pelo combate aos abusos do poder
senhorial. Desde Afonso II, que os reis portugueses deixaram de tolerar o crescimento desenfreado da
propriedade nobre e eclesiástica.

Para além dos legados particulares que se acumulavam nas mãos da Igreja, mui tos nobres e
clérigos vinham desde há muito, sub-repticiamente, ampliando os seus bens à custa dos reguengos. Ora,
tal era inadmissível tanto mais quanto, naqueles territórios, os senhores se substituíam aos reis no
exercício do poder público.

Daí o carácter antissenhorial de muitas das leis gerais de Afonso II.

Procurou-se obstar ao crescimento desenfreado da propriedade eclesiástica com a proibição de


mosteiros e igrejas adquirirem bens fundiários de raiz (por aquisição, herança ou doação). Assim se
evitava a fuga ao fisco de bens que, uma vez na posse do clero, eram considerados mortos para a
fazenda régia, porque dotados de imunidade (no reinado de D. Dinis as ordens religiosas foram
impedidas de herdar bens).

Consistiam no reconhecimento periódico, efetuado pelo rei, dos títulos de posse de terra
ostentados pela alta nobreza e alto clero, em resultado de doações pretéritas. Os senhores
apercebiam-se de quanto o seu direito de posse era precário. As confirmações também incidiam sobre
rega lias concelhias consignadas em carta de foral.

As inquirições eram inquéritos promovidos pelo rei no sentido de averiguar do estado dos
bens da coroa; averiguações feitas nos bens reguengos sobre os direitos e rendas devidos ao rei.
Permitiam descobrir inúmeras usurpações cometidas por fidalgos, ordens militares, bispos e abades.
Ordenava-se aos detentores destes bens que obtivessem junto da chancelaria a carta de confirmação
dos bens detidos; caso contrário, determinava-se que as propriedades usurpadas voltassem à posse da
Coroa. Desta forma se vincava o princípio da inalienabilidade do património régio.

[Processos fraudulentos de que os senhores se serviam para espoliar o rei: bastava a um nobre
colocar um filho seu a criar numa propriedade alheia ou oferecer proteção a uma terra para logo esses
domínios se converterem em honras e usufruírem de imunidade perante o fisco real]

Mas não foi fácil aos monarcas a implementação desta legislação antissenhorial. A resistência
foi enorme e a luta assumiu contornos violentos.

 Os senhores prestavam falsas declarações, dizendo que as terras sempre haviam sido imunes;
caso os oficiais régios não acreditassem e insistissem na cobrança de direitos reais,
expulsavam-nos ou assassinavam-nos.
 Frequentemente, bispos e prelados queixavam-se ao papa de os reis portugueses atentarem
contra a liberdade da Igreja, violando os seus foros e imunidades. Faziam-lhe saber que os
oficiais régios entravam nos seus domínios para a cobrança de direitos e que os clérigos eram
ameaçados com o julgamento em tribunais civis ou com a obrigação de prestarem serviço
militar (eles que tinham o direito de serem julgados em tribunais eclesiásticos e estavam
isentos do serviço militar).
 Sobre os monarcas pendiam então as excomunhões (expulsão da comunidade de fiéis,
deixando de se poder assistir a ofícios divinos ou receber os sacramentos); sobre os reinos,
recaíam os interditos (proibição de celebrar missa e administrar sacramentos na totalidade das
dioceses).

No combate à expansão senhorial, os reis contaram com o apoio dos concelhos. O Porto foi um
caso exemplar. Sempre em luta contra as prepotências do bispo, senhor do burgo desde 1120, os
vizinhos acolheram de braços abertos o rei que por eles tomava partido claro e inequívoco, nunca
hesitando em cercear os privilégios do couto episcopal que tanto depauperavam o erário régio.
Aproveitando um dos muitos conflitos entre prelado e populares, D. Dinis concedeu ao Porto, em 1316,
0 estatuto de Concelho Perfeito, que permitiu à cidade, entre outros direitos, nomear os seus juízes de
entre os homens-bons e usufruir de autonomia judicial. O processo de promoção das elites urbanas era,
pois, uma forma de os monarcas agracia rem os concelhos que mais os apoiassem na recuperação do
poder real.
By lolinha

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