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O espaço português - a consolidação de um reino cristão ibérico

2.1 A fixação do território

No ano de 711, os muçulmanos atravessaram o estreito de Gibraltar e invadiram a


Península Ibérica. Cinco anos mais tarde o território peninsular estava nas mãos dos
invasores. Os cristãos refugiaram-se nas zonas montanhosas, a norte da Península Ibérica,
e aí, nas Astúrias, criaram um núcleo de resistência, que devido a uma falta de organização
e liderança não conseguiu fazer frente aos invasores
nos primeiros anos.

Mas o Processo de Reconquista* vai iniciar-se em 722, com Pelágio (nobre visigodo), na
batalha de Covadonga.
E vai ser no contexto dos avanços e recuos da Reconquista que, no século XI, vieram para
a Península Ibérica cavaleiros franceses, muitos deles filhos segundos, entre os quais se
destacaram D. Raimundo e D. Henrique, que viram na luta pelo território peninsular um
meio de alcançar fortuna e poder.

*Reconquista:
Designação dada ao processo de recuperação, pelos cristãos, do território peninsular a
partir de 718, marcado por avanços e recuos.
A partir do século XII, o processo de Reconquista consolida-se, com o apoio das ordens
militares e com o repovoamento do território.
Terminou, no território da Península Ibérica, com a conquista de Granada em 1492.

Aos dois nobres, Henrique e Raimundo, D. Afonso VI, rei de Leão, Galiza e Castela,
concedeu feudos no extremo ocidental, em regiões inseguras, que exigiam cavaleiros
experientes, capazes de garantir a segurança das zonas fronteiriças expostas aos ataques
almorávidas.

O império islâmico Almorávida (séculos XI-XII) dominou parte das duas margens do mar
Mediterrâneo e também áreas atlânticas, na Península Ibérica e no Magreb (noroeste de
África).

A Reconquista também serviu aos monarcas cristãos ibéricos como meio de afirmação e
engrandecimento. No século X, os reis consideravam-se como os legítimos descendentes
dos antigos monarcas visigodos, cujo território os invasores muçulmanos haviam usurpado
em 711.
A Reconquista constituía assim a recuperação de algo que legitimamente lhes pertencia.

Assim, D. Henrique de Borgonha recebeu o Condado Portucalense, a título hereditário,


como dote de casamento com D. Teresa, filha de Afonso VI de Castela, ficando
consequentemente sujeito a um contrato feudo-vassálico, que o obrigava a ser fiel, a prestar
ajuda e conselho e a participar na Cúria sempre que solicitado.
D. Raimundo ficou na Galiza, com condições semelhantes, como dote de casamento com
D. Urraca, que era filha de Afonso VI e herdeira do trono.
Por morte do conde D. Henrique em 1112, D. Teresa fica à frente do condado, pelo facto do
seu filho varão, Afonso Henriques, ser muito jovem. Havia na altura defensores de uma
unificação com a Galiza, que desejavam um segundo casamento para D. Teresa, com um
natural da região, mas a nobreza portucalense, defendia o casamento da condessa com um
fidalgo portucalense.

O arcebispo de Braga e a nobreza portucalense, descontentes com a aproximação de D.


Teresa à nobreza galega, reuniram-se em torno de Afonso Henriques. Em 1128, na batalha
de S. Mamede, derrota os partidários da mãe e fica com o título de príncipe, e mais tarde
com o de Rei dos Portugueses (portugalensium rex), a partir de 1140.
Mas era necessário obter o reconhecimento de Afonso VII de Leão e Castela e
da Santa Sé.

Em 1143, em Zamora, sob a presença de um legado papal, Afonso VII, rei de Leão e
Castela, reconhece Afonso Henriques como rei.
Mas os vínculos vassálicos entre ambos não estavam dissolvidos, uma vez que Afonso VII
tinha sido proclamado Imperador. No mesmo ano, Afonso Henriques declarou-se vassalo da
Santa Sé. Porém o Papa Inocêncio II, defensor de uma unidade política cristã contra o Islão,
não o apoiou no seu intento.

A formação e definição do reino de Portugal, inseriu-se no espírito de cruzada, o que


conferiu à Reconquista um caráter religioso, de guerra santa, uma vez que a Igreja apoiava
este movimento.
Foram ainda necessários 36 anos, concessões e serviços prestados à Igreja na luta contra
o infiel, para que o Papa Alexandre III, em 1179, reconhecesse Afonso Henriques como rei,
e Portugal como reino.

Bula Manifestis Probatum


O documento em que o Papa Alexandre reconhece Afonso Henriques como rei e Portugal
como reino, mediante pagamento do censo anual de dois marcos de ouro (460g).
O pagamento acabou por ser raramente efetuado.

Afonso Henriques (1109-1185)


Primeiro rei de Portugal.
Desde cedo mostrou o interesse de tornar o condado independente e revelou-se um
guerreiro valoroso e um político hábil.
Ampliou as fronteiras, promoveu o povoamento do condado, mediante a concessão de
doações.

A definição de fronteiras do território nacional esteve inquestionavelmente ligada à ação de


Afonso Henriques que procurou, através de campanhas militares contra os muçulmanos,
alargar os seus domínios territoriais e difundir a fé cristã, tal como havia prometido, em
1143, ao legado papal em Zamora.
Contudo, a manutenção dos territórios conquistados só se tornou efetiva com a ação do
povoamento, dinamizada mediante a concessão de terras a particulares e à Igreja, bem
como a atribuição de forais.
Durante o reinado de Afonso Henriques, destacaram-se em 1147, as conquistas de
Santarém, Sintra, Almada e Lisboa.
A primeira afirmava-se como uma peça fundamental na defesa do território dos
muçulmanos, tendo a sua conquista contribuído para dominar um ponto estratégico. Lisboa
por seu lado, detinha um papel comercial e marítimo de destaque, tendo sido uma das
cidades muçulmanas mais importantes no extremo ocidente peninsular.

Houve várias incursões no Baixo Alentejo, nos reinados posteriores, mas não se conseguiu
garantir a manutenção desses territórios, obrigando a um recuo perante os contra-ataques
muçulmanos durante várias décadas.
A Reconquista não foi, assim, um processo de vitórias contínuas. Foi composta por avanços
e recuos, tanto para os cristãos, como para os muçulmanos.

No reinado de Sancho I (1185-1211) a fronteira do território português voltou a recuar até à


linha do Tejo.
Afonso II (1211-1223) revelou-se um monarca de ação militar menos aguerrida porque mais
absorvido na organização administrativa e consolidação do poder real (foi sem a sua
presença que as tropas portuguesas, ao lado das de Castela, e de Aragão, derrotaram os
muçulmanos Almóadas na batalha de Navas de Tolosa em 1212).

Aproveitando o declínio dos Almóadas, a Reconquista prosseguiu com a integração de


Alcácer, Monforte, Borba, Vila Viçosa e Moura.
Com Afonso II, o processo de conquista, bem como o seu povoamento e defesa, passou a
contar com o apoio de determinadas ordens religiosas-militares (Templários, Santiago,
Hospitalários e Avis) que, como recompensa, receberam doações régias de vastas áreas de
território.

Com Sancho II, (1223-1245) entre 1230 e 1242, as fronteiras expandiram-se para sul, com
ocupação de territórios no Alentejo, conquista Elvas, Juromenha, Serpa, Beja, Aljustrel e
Mértola. Entre 1234-38 a soberania portuguesa chega ao Algarve Oriental.

Afonso III (1248-79), que sucede ao irmão em 1245, conclui a conquista do Algarve.
Em 1249, Portugal apoderou-se do enclave que os muçulmanos ainda ali possuíam (Faro,
Albufeira e Silves). O Norte cristão anexava para sempre o sul islâmico e a Reconquista
acabava.

Quase meio século haveria de decorrer entre o termo da Reconquista (1249) e o


estabelecimento definitivo da fronteira portuguesa (1297).
Em 1252 o rei de Leão e Castela, Afonso X, vai reivindicar o antigo reino mouro do Algarve,
alegando que a soberania lhe havia sido concedida pelo respetivo rei. Face a uma guerra
iminente entre dois reinos cristãos, o Papa Inocêncio IV, interveio na celebração de um
tratado de paz.

Afonso III casaria com Beatriz, filha ilegítima de Afonso X, e renunciaria, temporariamente, a
favor do sogro, aos seus direitos enquanto suserano do Algarve.
1263-64 - Reatam-se as negociações diplomáticas quanto à posse do reino do Algarve,
desta vez com benefício para o lado português, pois dá-se a transferência para o herdeiro,
infante D. Dinis, nascido em 1261.

1267 - Tratado de Badajoz resolve de vez a questão da soberania do Algarve.


Afonso X renuncia a favor de Dinis, seu neto, a quaisquer direitos sobre o território algarvio
e, no ano seguinte (1268), Afonso III passa a ostentar, de direito o título de Rei de Portugal
e dos Algarves.

1297 - Pelo Tratado de Alcanises, Dinis e Fernando IV (Castela), fixam os limites do


território dos dois reinos.

Portugal recebe as terras do Sabugal, Alfaiates, Castelo Rodrigo, Vila Maior, Castelo Bom,
Almeida, Castelo Melhor e Monforte (terras do Coa), Olivença e Campo Maior (no Alentejo).
Com poucas exceções, o território português adquire assim a sua configuração definitiva, o
que fez de Portugal, o Estado europeu com as fronteiras mais antigas e estáveis.

Desde finais do século XI (1095), o aspeto religioso adquiriu um caráter mais vinculado na
luta que opôs os cristãos aos muçulmanos.
A Reconquista assumiu então contornos de Guerra Santa merecedora de tanta
consideração como as Cruzadas à Palestina. As guerras da Reconquista foram, por isso,
designadas Cruzadas do Ocidente.

Os reis peninsulares inclusive usufruíram de várias bulas papais que exortavam à expulsão
dos muçulmanos da península, concedendo indulgências aos que participassem na luta.
Por várias vezes, os reis portugueses puderam contar com a ajuda dos Cruzados que
estacionaram na nossa costa a caminho da Palestina.
Para o fortalecimento do ideal de cruzada, muito contribuíram as ordens religiosas militares,
introduzidas no nosso país no século XII.

A partir de 1128, estabeleceram-se os Templários. Em 1150, os Hospitalários. Em 1170 os


monges de Calatrava e Santiago.
Todos foram auxiliares importantes na conquista das terras alentejanas e algarvias, assim
como posteriormente, na sua defesa e povoamento.

2.2 O país rural e senhorial

No processo de Reconquista os reis portugueses doaram terras a nobres e membros do


clero. Estas terras eram os senhorios, que se dividiam em senhorios laicos - doados a
membros da nobreza e senhorios eclesiásticos - doados aos membros do clero. Os
senhores usufruíam de direitos e regalias e controlo sobre os seus senhorios. A exploração
económica dos senhorios era realizada por trabalhadores rurais dependentes, livres e não
livres.

Em Portugal, a localização geográfica dos senhorios distribuía-se de acordo com o


processo de Reconquista e as diferentes fases que teve. Deste modo os senhorios laicos
localizavam-se, principalmente, no norte do território. No centro e sul encontravam-se,
maioritariamente, os senhorios eclesiásticos, destacando-se os pertencentes às ordens
religiosas e militares.

Os senhores, laicos e eclesiásticos, pertencentes às ordens privilegiadas, usufruíam de


regalias tais como o não pagamento de impostos ao rei; a interdição de funcionários régios
nos senhorios; a cobrança de impostos e o exercício da justiça sobre os camponeses, à
exceção do talhamento de membros ou da pena de morte, direitos exclusivos do poder
régio.

A nobreza portuguesa, em virtude do processo da Reconquista, era dominada por um grupo


restrito de ricos homens que desempenhavam funções administrativas e militares e, de
acordo com o modelo vassálico, tinha o dever de aconselhar o rei. As suas terras eram
designadas por honras, termo que remete para uma terminologia utilizada para o
desempenho das suas funções públicas. Estas funções deviam ser desempenhadas com
honra, o que implicava respeito e reconhecimento por parte da população. Neste sentido, o
senhorio laico, concedido como recompensa régia ao nobre, assumia essa designação. No
entanto, assistiu-se a frequentes processos de usurpação e de abusos contra o poder real,
cometidos pelos senhores.

Outro grupo privilegiado era o clero. Regiam-se por um conjunto de leis próprias, o direito
canónico, com um tribunal próprio. Estavam isentos do serviço militar, pagamento de
impostos e direito de asilo que consistia na garantia a todos os que se refugiavam numa
igreja não poderem ser retirados da mesma pela força. O clero dividia-se em secular e
regular.

O clero secular reside nas igrejas ou sés, junto das populações das cidades ou dos campos.
O clero regular vivia segundo as regras das ordens religiosas a que pertencia, em mosteiros
ou conventos, que, em alguns casos, eram polos culturais e económicos.

Os senhores nobres ou eclesiásticos detinham a maior parte do controlo sobre os meios de


produção e o privilégio da imunidade nos seus senhorios, fossem honras ou coutos
(senhorios eclesiásticos). O acesso aos coutos e às honras é que diferia: as honras eram
obtidas a partir do cargo desempenhado pelo nobre e os coutos eram doados por carta
régia. No processo da Reconquista, o auxílio que as ordens religiosas e militares prestaram
ao Rei, conferiu-lhes a doação de extensos territórios, particularmente na região centro e sul
do reino. O facto de os seus senhorios se encontrarem principalmente nestas regiões,
coincidiu com a ocupação e alargamento territorial das mesmas, a partir de meados do
século XI até ao século XIII.

O poder senhorial era exercido sobre a ordem social que se dedicava ao trabalho de forma
a assegurar o sustento e a produção no Reino: o povo. A sua estrutura era muito variada,
incluindo a burguesia com grandes proprietários, mercadores e homens de negócios,
artesãos, e comunidades rurais dependentes.

Das comunidades rurais dependentes destacavam-se os trabalhadores livres, os colonos ou


foreiros. Enquanto homens livres estabeleceram contratos com os senhores e com o rei (os
senhorios reais eram os reguengos). Os colonos exploravam uma terra, o casal, sobre a
qual pagavam uma renda ou então em géneros, sobre a produção agrícola, sendo o valor
previamente estipulado. Na fase final da Reconquista os senhores, tendencialmente,
exigiam a renda em dinheiro, assim como em aumentar o número de contratos no senhorio.
O alargamento do território e a ocupação de terras estava, claramente, a terminar.

Um outro grupo de dependentes rurais que não tinha qualquer meio para estabelecer os
contratos, eram os assalariados que dependiam, em muitos casos, do trabalho sazonal,
dedicando-se à pastorícia, à caça, à pesca e à recolha do mel. Habitavam normalmente
junto das vilas e a sua condição era particularmente precária, não se diferenciando muito da
dos servos.

Os servos eram trabalhadores não livres. Tinham obrigatoriamente de usar os moinhos,


fornos lagares do senhor e pagar pela sua utilização. Prestavam serviços no senhorio como
a jeira, que consistia na atividade da pastorícia, na recolhe de lenha, no corte de árvores,
reparações várias em estruturas habitacionais ou outras, consoante a necessidade do
senhor. Tinham ainda de cultivar parte do senhorio reservado para a exploração direta do
senhor e que não era arrendado. Estes integravam o grupo de dependentes rurais não
livres, tal como os escravos, na sua maioria prisioneiros de guerra mouros.

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