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FICHA

INFORMATIVA
N. 3
o
Ficha informativa n.o 3
A afirmação da consciência coletiva
 
1. Defesa do sentimento nacional
 
Ele [Fernão Lopes] não faz, porém, unicamente a apologia do rei; faz também,
e principalmente, a apologia da resistência popular ao Castelhano. […] Há uma força
maior, embora sem forma jurídica definida. […] É a força de toda uma coletividade
que não aceita o lugar que lhe é destinado dentro do direito senhorial. Esta
coletividade cria o seu direito novo, fundado no sentimento nacional, o «amor da
terra», e defende-o de armas na mão. Fernão Lopes faz a apologia desse novo direito,
que não é já o do rei, mas o do povo. O «amor da terra», a palavra «Portugal»,
definindo, não já um território, mas um corpo de gente animado de um pensamento
[…], expressão ainda esboçada [em Fernão Lopes], mas vigorosa, do direito pelo qual
um novo povo se levantou contra um rei, o direito nacional […].
A guerra nacional aparece, portanto, no nosso cronista como uma guerra civil
entre camadas opostas da população, ou, melhor, entre uma popular e uma outra
nobre […].
Ficha informativa n.o 3

Ela [arraia-miúda] constitui a força armada em que inicialmente se apoiou o


Mestre de Avis, permitindo-lhe resistir à gente de armas favorável ao partido
castelhano e até apoderar-se de alguns castelos. A população de Lisboa resistiu ao
cerco do rei de Castela […].
A existência do povo como sujeito da História, do povo que se sente senhor
da terra onde nasce, vive, trabalha e morre e que ganha consciência coletiva contra
os que querem senhoreá-lo, do povo que é a fonte última do direito, é a grande
realidade que ressalta das crónicas de Fernão Lopes. […] [O] povo é o que ganha a
sua vida quer com o trabalho manual (mesteirais e lavradores), quer com a
«indústria», isto é, a atividade, habilidade e iniciativa em qualquer ramo produtivo
e pacífico.
António José Saraiva, «Fernão Lopes», in Isabel Allegro de Magalhães (coord.), História e antologia da literatura portuguesa – século XV, Lisboa,
Fundação Calouste Gulbenkian, 1998, pp. 43-61 (texto adaptado)
Ficha informativa n.o 3

2. Construção de uma identidade nacional

[No entanto], a generalização da consciência da identidade nacional pela


totalidade da população portuguesa não se pode presumir como um facto antes da
difusão de fenómenos característicos do fim do século XIX […] como seja a difusão da
escrita e da imprensa, a implantação de um sistema eleitoral, a generalização de
práticas administrativas uniformes e a participação ativa da população na vida pública.
[…]
O facto de se poderem encontrar formulações precoces de tais noções [soberania
popular], como por exemplo nas Cortes de 1385, não pode fazer esquecer que o
«povo» aí considerado soberano é, na realidade concreta, o conjunto dos que se
apresentavam como seus representantes. […]
Observe-se, por fim, que as noções românticas acerca do «espírito do povo»
(Volksgeist) conduzem não só a que se tenda a considerar a categoria nacional como
fundada na Natureza, […] mas também à ideia de que essa categoria implica diferenças
específicas, isto é, que tem de se manifestar por meio de uma coerência interna, e
consequentemente por meio de caracteres comportamentais comuns a todos os seus
membros. […]
Ficha informativa n.o 3

Para as classes populares, porém, o «reino» podia, certamente, implicar


apenas uma noção territorial, sem trazer consigo a ideia de uma comunidade
constituída por todos os seus habitantes. De qualquer maneira, o conceito de
«reino» representou um complemento importante da identidade nacional como
substantivo que designava os cidadãos do país como um todo. […]
Por sua vez, ao adquirir um sentido territorial, a noção de reino passou a
implicar também a de «fronteiras». De facto, enquanto significou o poder sobre os
vassalos, mais do que o poder sobre o espaço que eles habitavam, a noção de
fronteira era uma realidade humana, mutável, imprecisa; normalmente uma zona
de combate ou uma área deserta. Afetada pela noção de «naturalidade», passou a
considerar-se antes a linha que separava os vassalos de um rei dos do rei vizinho.
Tornou-se então complementar da noção de «território», e este, por sua vez,
interpretou-se como suporte físico da diferença para com aqueles que habitavam
para além das respetivas fronteiras. A fronteira sempre separou os «nossos» dos
«outros», ou seja, os nacionais dos estrangeiros. […]
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[A influência destas noções] Atingiu primeiro, obviamente, os


representantes da autoridade régia, uma grande parte do clero, […] mais
tarde os membros das administrações municipais. A restante população do
país foi provavelmente mais influenciada no processo de consciencialização
nacional pelo uso constante de emblemas e sinais concretos, como o
escudo de armas do rei, a bandeira nacional e a moeda.
Tornaram-se, de facto, sinais identificadores. A sua categoria simbólica
dotava-os de um poder emocional que contribuiu para fazer esquecer o seu
sentido primitivo de emblemas de dominação. E assim, mesmo quando as
mudanças de regime faziam alterar a sua forma, como aconteceu
frequentemente com a bandeira nacional, o escudo de armas do rei
permaneceu sempre como elemento permanente, mesmo quando deixou
de haver rei. Ainda hoje figura na bandeira de Portugal.
José Mattoso, A identidade nacional, Lisboa, Gradiva, 1998, pp. 13-18
(texto adaptado)

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