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O desejo do autor é «em esta obra escrever verdade sem outra mistura».
A primeira parte da crónica descreve a insurreição de Lisboa na narração
célere de episódios quase simultâneos: o assassinato do conde Andeiro e o
alvoroço da multidão que acorre a defender o Mestre de Avis.
Ao longo dos capítulos da Crónica de D. João I (1.ª parte), fundamenta-se a
legitimidade da eleição do Mestre, consumada nas cortes de Coimbra, na
sequência da argumentação do doutor João das Regras, enquanto desfecho
inevitável imposto pela vontade da população.
Na primeira parte, o talento do cronista na animação de retratos individuais,
como os de D. Leonor Teles ou D. João I, excede-se na composição de uma
personagem coletiva, o povo, verdadeiro protagonista que influi sobre o devir
dos acontecimentos históricos.
Na Crónica de D. João I (2.ª parte), o ritmo narrativo diminui, tratando-se agora
de reconhecer o rei saído das cortes.
É de novo pela ação do povo que a glorificação do monarca é transmitida, por
exemplo, no modo como é acolhido na cidade do Porto.
Na narrativa da Batalha de Aljubarrota não ecoa o mesmo tom de exaltação
que, na primeira parte da crónica, tinha sido colocado no movimento da massa
popular de apoio ao Mestre
Ele [Fernão Lopes] não faz, porém, unicamente a apologia do rei; faz também,
e principalmente, a apologia da resistência popular ao Castelhano. […] Há
uma força maior, embora sem forma jurídica definida. […] É a força de toda
uma coletividade que não aceita o lugar que lhe é destinado dentro do direito
senhorial. Esta coletividade cria o seu direito novo, fundado no sentimento
nacional, o «amor da terra», e defende-o de armas na mão. Fernão Lopes faz a
apologia desse novo direito, que não é já o do rei, mas o do povo. O «amor da
terra», a palavra «Portugal», definindo, não já um território, mas um corpo de
gente animado de um pensamento […], expressão ainda esboçada [em Fernão
Lopes], mas vigorosa, do direito pelo qual um novo povo se levantou contra um
rei, o direito nacional […].
A guerra nacional aparece, portanto, no nosso cronista como uma
guerra civil entre camadas opostas da população, ou, melhor, entre uma
popular e uma outra nobre […].
Ela [arraia-miúda] constitui a força armada em que inicialmente se apoiou o
Mestre de Avis, permitindo-lhe resistir à gente de armas favorável ao partido
castelhano e até apoderar-se de alguns castelos. A população de Lisboa
resistiu ao cerco do rei de Castela […].
A existência do povo como sujeito da História, do povo que se sente
senhor da terra onde nasce, vive, trabalha e morre e que ganha consciência
coletiva contra os que querem senhoreá-lo, do povo que é a fonte última do
direito, é a grande realidade que ressalta das crónicas de Fernão Lopes. […]
[O] povo é o que ganha a sua vida quer com o trabalho manual (mesteirais e
lavradores), quer com a «indústria», isto é, a atividade, habilidade e iniciativa
em qualquer ramo produtivo e pacífico.