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Ponto 1 – Construção dos Estados Nacionais

Do Estado moderno, ousaria dizer, concluindo, que os italianos o criaram, os franceses e ingleses o
desenvolveram e aos alemães restou o consolo de o interpretarem.

A palavra estado vem do latim “status”, verbo stare, manter-se em pé, sustentar-se

Norberto Bobbio nos ensina que foi pela difusão e pelo prestígio do “Príncipe”, de Maquiavel, que a palavra
Estado se impôs.

Do ponto de vista histórico, é preciso considerar ainda a grande diversidade de formas de Estado, a maioria das quais não se
encaixa nos parâmetros do Estado Moderno: os Estados africanos da Idade Média e Moderna, por exemplo, como o Reino do
Congo, possuíam governos centralizados, mas não se baseavam em definições territoriais, e tinham por base a organização de
aldeias clãnicas. Parecem, assim, muito pouco com o Estado-nacional europeu.

A complicação aumenta quando tentamos empregar esses conceitos para outros contextos e falar em Estado feudal japonês ou
Estado absoluto persa.

Dessa descrição de Weber – o Estado dotado de aparato racional, isto é, uma constituição racionalmente
elaborada, um direito racionalmente orientado, uma administração orientada por leis racionais etc. – , segue-
se que o Estado, tomado em sentido estrito, como entidade política, dotado de todos aqueles atributos acima
lembrados, não se encontra plenamente desenvolvido nem mesmo no Ocidente antes do século XVIII, mas
tomado em sentido lato, como entidade de poder e/ou dominação, encontra-se em muitos outros
lugares e épocas.

Max Weber afirmou, no início do século xx, que o Estado Moderno se definiu a partir de duas características: a existência de um
aparato administrativo cuja função seria prestar serviços públicos, e o monopólio legítimo da força.

A partir do surgimento do Estado nacional na Europa Moderna, a historiografia começou a se questionar se o conceito de Estado
deveria ser aplicado apenas a esse contexto histórico ou também aos períodos anteriores

Marx e F. Engels diriam que todas as sociedades, excluindo as chamadas sociedades primitivas, se dividem
em classes, tornando o Estado necessário para permitir a exploração--dominação de uma classe sobre outras,
de modo que luta de classes e Estado formam um par historicamente inseparável que somente sairá de cena
conjunta e definitivamente com o fim da história.
Para Bobbio, o Estado nasceu das necessidades que as comunidades primitivas, fundadas sob os laços de
parentesco, tiveram para formarem comunidades maiores, de modo a permitir sua sobrevivência

O antropólogo francês Pierre Clastres, em sua obra clássica A sociedade contra o Estado, elaborada a partir
de seus estudos sobre as tribos guaranis na América do Sul, em uma tese em partes fantasiosa e em partes
anarquista, elabora que que as sociedades ditas primitivas não desenvolveram o Estado por uma recusa
deliberada em introjetar os malefícios que ele causaria.

Até o final do século XVIII não há um clássico do pensamento político que traga no
frontispício o termo Estado; o qual falta – como verbete – também na Enciclopédia de Diderot e d’Alembert.

a questão da origem e do desenvolvimento do Estado moderno na Europa Ocidental, foi tratada pela
historiografia do século XIX, e da primeira metade do século XX, de tal maneira que acabou por se
confundir, por um lado, com a questão da formação do sentimento nacional e da nacionalidade, e, por
outro lado, simultaneamente, com a questão do próprio advento da modernidade, aparecendo o
Estado como portador e realizador de ambas.

hoje a maioria dos historiadores aceita que o Estado é uma categoria presente em diferentes épocas e sociedades. Mas discordam
bastante quanto à origem dessa instituição.

Por sua vez, como esse Estado nacional, em praticamente todos os lugares onde se configurou plenamente o
fez sob forma monárquica e absolutista, monarquia e absolutismo remetem, na ponta ascendente de sua
trajetória histórica, à sua relação com o feudalismo e o fim da Idade Média, e, na ponta descendente, à sua
relação com o capitalismo e o início da Idade Contemporânea

Sobre o momento do surgimento do Estado moderno, a maioria dos historiadores atuais considera que isso
ocorreu em meados do século XVI, dividindo-se a minoria restante
entre os que retardam para o XVII a sua ocorrência e os que a antecipam para o século XV, atribuindo aos
Estados italianos do quattrocento o mérito da primazia.

(é preciso lembrar que o nome absolutismo, tal como ocorreu com o nome mercantilismo, é posterior ao
próprio fenômeno, tendo sido uma criação de seus críticos liberais).

No capítulo primeiro de seu célebre livro, A cultura do Renascimento na Itália, capítulo intitulado
significativamente de “O Estado como obra de arte”, J. Burckhardt

dir-se-ia que na Itália primeiro e na Europa Ocidental logo a seguir, o Estado estava deixando de ser um
poder orgânico, tipicamente feudal, para começar a ser um poder-máquina, tipicamente moderno.
Vale dizer, o Estado criado pela vontade fria, precisa e clarividente de um príncipe que, tal como um artista,
cria sua obra calculando todos os meios para que dê bons resultados”

Certamente que podemos encontrar em praticamente todos os Estados da Idade Média exércitos,
funcionários e atividades diplomáticas, mas em nenhum deles esses três componentes, ou aparatos do poder
estatal, apresentam as dimensões quantitativas e técnico-formais, a consistência e o caráter permanente e
profissional, digamos assim, que
irão adquirir a seguir

Bruckhardt sobre Florença: A mais elevada consciência política, a maior riqueza em modalidade de
desenvolvimento humano encontram-se reunidas na história de Florença, que, nesse sentido, por certo
merece o título de primeiro Estado moderno do mundo”

o fato é que a Itália era, na época do Renascimento, não uma nação mas uma nação de nações. Uma nação
de nações que, na segunda metade do quattrocento, vivenciou uma espécie de pioneiro equilíbrio de poder
entre os principais Estados. Pois, entre todos eles, não havia nenhum que pudesse levar a cabo um processo
de unificação política da Península itálica

Estamos como se vê, diante da importante questão de saber se nessa época, na Itália em particular, e na
Europa em geral, já existe um patriotismo ou sentimento nacional, como em geral acreditava a
historiografia do século XIX e das primeiras décadas do XX, com algumas notáveis exceções. A resposta,
evidentemente, é não, pois, sustentar o contrário é cair em um anacronismo ingênuo

existia, sem dúvida, um forte e ardente patriotismo, mas um patriotismo de caráter particularista e
municipalista, não nacional. O que significa que, quando Maquiavel e outros humanistas falavam em Itália,
faziam-no com um espírito, ou sentido retórico-cultural, que não implicava nenhuma unidade política

Pois, assim como um cidadão de Atenas sentia-se ao mesmo tempo um patriota ateniense e um grego,
também um cidadão de Florença sentia- se ao mesmo tempo um patriota florentino e um italiano.

na Itália o Estado moderno apenas começou mas não se efetivou, terminando o processo, nas palavras de P.
Anderson, em “um beco sem saída”, em “um impasse histórico”,

obras de Jean Bodin e Thomas Hobbes que, juntamente com Maquiavel, constituem a tríade fundadora tanto
do conceito de Estado moderno, em particular, quanto do pensamento político moderno em geral

É consenso entre os estudiosos do pensamento político, que, no livro de Bodin, aparece formulada, pela
primeira vez e da maneira mais completa, a teoria do absolutismo monárquico, fundamentada no conceito de
soberania,
A Jean Bodin é atribuído o privilégio de ter sido o primeiro a usar a palavra soberania.
no livro de Hobbes, temos isso também, e muito mais do que isso, ou seja, uma teoria radicalmente nova da
sociedade e da política, o chamado contratualismo ou jusnaturalismo

a teoria de Hobbes, que defendia o Estado como uma criação dos indivíduos para controlar os impulsos naturais e egoístas de cada
um e possibilitar a vida em sociedade. Nessa perspectiva, o Estado de Hobbes seria uma ferramenta de controle social, no qual
para obter os benefícios da sociedade, o indivíduo abdicava de seus direitos e se submetia ao controle de um soberano. Tal teoria
teve a função de legitimar o Estado absolutista.

Outra teoria de influência, mas que, ao contrário da de Hobbes, foi elaborada para criticar o Absolutismo, foi a proposta por
Rousseau. Nela, o Estado surgiria de um compromisso entre os indivíduos, da vontade do povo, e como tal deveria ser governado
por representantes dessa vontade. Essa teoria influenciou a formação dos Estados-nacionais latino-americanos no século xix, como
repúblicas que afirmavam obter seu poder da vontade popular, apesar de na realidade isso raramente acontecer.

II.
Para a maioria dos autores aqui estudados, o sentimento nacional foi difundido na Europa a partir do movimento
revolucionário francês e das guerras napoleônicas no final do século XVIII. O evento levou as ideias iluministas
francesas Europa adentro
Anderson, (1983, p.32) define nação como "[...] uma comunidade política imaginada - e imaginada como sendo
intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo, soberana".
a nação seria imaginada por considerar que seria humanamente impossível conhecer individualmente todos de uma
comunidade. Uma nação é, portanto, imaginada, assim como sua identidade nacional. As características em comum
que conectam ou diferenciam comunidades foram um dia inventadas.
Com o avanço das ideias Iluministas e da Revolução, a lealdade à imagem de um soberano é substituída pela lealdade
à pátria. Um sentimento de pertencimento à nação passa a existir baseado em uma identificação étnica, racial e
cultural.
Os laços que uniam diferentes etnias e regiões, nas comunidades pré-modernas, eram de cima pra baixo, onde a
realeza legitimava automaticamente o poder sob certa região/população. Não eram as vontades e as semelhanças dos
cidadãos que uniam a população em torno de um centro, e sim uma figura divina, real. Os cidadãos, inclusive, não
eram vistos como tal, e sim como súditos.
Como, então, pessoas que não se conhecem passam a possuir um sentimento nacional partilhado? Através de um
vínculo imaginário de acontecimentos, difundido através da mídia impressa.

 O jornal e a coincidência cronológica de eventos: une, mesmo que virtualmente, pessoas que estão
distantes. Os indivíduos, portanto, tem a noção de que dentro de determinado espaço de tempo – de
uma data estampada no jornal, por exemplo - o mundo caminha inevitavelmente para a frente.
Para Benedict Anderson, a nação nada mais é do que uma comunidade limitada, soberana e, sobretudo, imaginada.
Limitada porque por maior que elas sejam, sempre haverá fronteiras finitas; soberana porque pressupõe lidar com um
grande pluralismo viva e finalmente imaginada, porque seus indivíduos, mesmo nunca conhecendo integralmente uns
aos outros, compartilham signos e símbolos comuns, que os fazem reconhecer-se como pertencentes a um mesmo
espaço imaginário
Anderson coloca que estas “comunidades imaginadas” existem graças a uma espécie de “camaradagem horizontal”,
que se deve muito mais a uma construção cultural do que propriamente política ou coercitiva.
Seu interesse pelos nacionalistas da América Latina, os chamados “pioneiros crioulos”, justificava-se pelo modo
como a imaginação de uma comunidade não tinha necessariamente que recorrer a um passado mítico, a uma cultura
ancestral e a uma língua distinta; pelo contrário, baseava-se num projeto cívico, inspirado no Iluminismo e imaginado
por uma elite administrativa, que o capitalismo impresso do jornal e do livro disseminara por grupos mais vastos da
população
Ao reforçar a importância da imaginação como fator de produção da realidade, Comunidades imaginadas tornou-se
uma inspiração fundamental para investigações em ciências sociais e nas humanidades centradas na ideia de
“representação” da nação como elemento de construção da realidade.
III.
é a insuficiência da concepção moderna de Estado nacional em dar conta de realidades sociopolíticas complexas
a questão envolve o fato de que a concepção de Estado-nação na modernidade não dá conta da realidade histórica
concreta dos povos da região
os movimentos de independência na América Latina, com ideais liberais e práticas controversas com o liberalismo
europeu, serviram como instrumento legitimador de dominação dos povos originários,

emergência do Estado plurinacional boliviano que surge das lutas dos grupos autóctones e subalternizados,
apresentando, por meio de um processo constituinte, potencialidades de refundação e ressignificação do Estado
moderno.
Sob o ideal das elites político-econômicas regionais desenvolveram-se os movimentos de independência na América
Latina. Seguiu-se a linha da unicidade imposta pelos dominadores e colonizadores europeus como perspectiva de
sustentação do Estado moderno na periferia, que percebia a diversidade como um risco de revoltas e ameaça aos
poderes constituídos.
O modelo de identidade nacional dos países latino-americanos foi uma ficção imposta aos habitantes por meio de
dispositivos constitucionais elaborados por representantes das elites numericamente minoritárias
apesar de surgida dos processos de independência e ruptura das bases colonialistas que os ligava, a nova identidade
dos países latino-americanos foi construída a partir da colonialidade, mantendo e reconfigurando as estruturas do
sistema de dominação das populações e grupos não pertencentes às elites.
A partir desta perspectiva evidencia-se que, apesar de serem movimentos de independência para as camadas
oprimidas, mantiveram-se as estruturas antes vigentes, servindo apenas como manutenção do poder das classes
dominantes das colônias, que passaram então a ser chamadas de nações
o filósofo mexicano Luis Villoro (1997) destaca a necessidade de um novo modelo de Estado
O modelo de Estado plurinacional consiste numa virada descolonizadora, pois, se a colonização se baseia na
unificação, a descolonização, conforme Yapur (2010), é justamente o contrário.
Os modelos de Constituição e de Estado atuais são insuficientes para explicar eperceber as demandas históricas dos
sujeitos ocultados, pois, apesar de baseados em legalidade, não se amparam em legitimidade
Esta falta de legitimidade está diretamente ligada ao modelo de Estado e Constituição excludentes Santos (2010),
todavia, ressalta que estas transformações estão assentadas na força das mobilizações sociais como forma de combater
as visões hegemônicas e democraticamente instituir visões contra-hegemônicas

 Boaventura Sousa Santos defende o uso contra hegemônico de mecanismos hegemônicos.


É pautado nisto que os povos autóctones empenham-se por sua autonomia dentro do Estado. Não se trata, como dito,
do fim do Estado ou de um sistema que não possui leis, mas de uma forma de reconhecer essas populações não mais
como sujeitos frágeis, e sim como detentores de saberes diferentes, tão válidos quanto aqueles estabelecidos pela
modernidade.
Nesse sentido surge o que tem sido compreendido por diversos autores como a maior conquista do constitucionalismo
contemporâneo: o Estado plurinacional.
o Estado plurinacional é considerado como um modelo de organização política para descolonizar nações e
povos indígenas originários, recuperar sua autonomia territorial, garantir o exercício pleno de todos os seus direitos
como povos e exercer suas próprias formas de autogoverno
Apesar de ainda estar em desenvolvimento, já é possível afirmar que certamente este modelo é uma luta contra a
colonialidade do poder e do saber e contra o capitalismo organizado em detrimento das periferias
O Estado plurinacional está inserido em uma nova forma de constitucionalismo e processo de descolonização
totalmente diferente dos modelos conhecidos até então. Ele reconhece, dentro de um mesmo Estado, diversas
nações
Trata-se de um constitucionalismo que busca atender às urgências das necessidades humanas e atender às exigências
dos setores excluídos.
este sistema não significa simplesmente o reconhecimento constitucional da existência de inúmeras nações dentro de
um mesmo Estado, mas está muito além.
Diferentemente dos aparatos modernos, não possui característica imutável, mas se adapta às necessidades regionais, o
que já demonstra significativo avanço, mas pode revelar-se também um sistema frágil, pois atua dentro do sistema
dominador e almeja sua mudança interna
A Bolívia, por exemplo, admite sua natureza intercultural e reconhece as várias nações entre as quais a Bolívia é a
“Nação maior”, para a qual convergem as outras nações originárias ou indígenas.
Assim sendo, para Santos (2010), o mais importante não é que se chame plurinacional, mas sim que contribua para a
consolidação das formas plurais de autogoverno, e possa desestruturar as matrizes liberais do sistema político
monocultural e uninacional, criando a possibilidade da refundação do Estado.
o processo de refundação algo aberto a possibilidades, uma vez que não existem receitas, nem soluções prévias, mas
sim necessidades que vão se construindo dia a dia.
O idioma oficial, os símbolos, os sistemas jurídico, político, cultural e econômico nasceram a partir das matrizes
europeias.

 a resistência de povos originários e campesinos que não acreditam que a plurinacionalidade possa
realmente ser ferramenta de mudança.
A partir do reconhecimento e da valorização da coletividade, é possível perceber as diferenças e trabalhar a partir
delas, com intuito de compreender não só o direito à igualdade, mas também o direito à diferença.
Dessa forma, dá-se um grande passo contra a colonialidade do poder, criando-se uma esfera de possibilidade de
autonomia dos povos autóctones, estabelecida na própria Constituição
A Constituição plurinacional boliviana foi a primeira das Américas a fundar suas bases no acesso a direitos para todos
e todas, adotando postura claramente anticolonialista;
A aplicação do Estado plurinacional vem passando por diversas dificuldades, especialmente devido ao seu caráter
transformador e reformador, que busca em seu seio a efetiva descolonização da América Latina.

as elites criollas da América Latina passaram a buscar independência das metrópoles, para se tornarem nações
autônomas e não mais centros administrativos. Estes movimentos, apesar de independentistas, não objetivavam
libertar todos os povos da América espanhola, mas sim a classe que já era dominante nas colônias.
Deve-se ressaltar, contudo, que o Estado plurinacional, diferente do Estado e do constitucionalismo modernos, não se
propõe rígido e imutável, mas tendente a sua adaptação de acordo com a realidade e necessidades dos povos.
Estado plurinacional foi uma inovação institucional (jurídica e política) que visa a dar uma abertura concreta para que
a ideia de nacionalidade estatal homogênea seja vista como incompleta, e possa finalmente, ao menos em termos
iniciais, receber as outras nacionalidades como parte de uma unidade plural na sua composição, refundando o modelo
unívoco e excludente do Estado-nação da modernidade periférica

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