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A Crónica de D.

João I é uma obra histórica escrita por Fernão Lopes no século XV, que
relata os acontecimentos que levaram à ascensão de D. João I ao trono português e o
início da Dinastia de Avis. No entanto, além dos fatos históricos, a crónica oferece
insights interessantes sobre a existência de um sentimento nacional e de uma
consciência coletiva na época.
Durante a época retratada pela crônica, Portugal era um país dividido e fragilizado pela
guerra com Castela. No entanto, a figura de D. João I conseguiu unificar o país em
torno de si, e a crônica retrata isso de forma bastante clara.
Fernão Lopes faz referência ao sentimento de união que existia entre os portugueses
naquele momento. Ele descreve como o povo se uniu em torno de D. João I quando ele
foi escolhido como rei, e como os portugueses se mobilizaram para lutar contra os
castelhanos. Além disso, a crônica também mostra como a figura do rei era vista como
um símbolo da unidade nacional, e como ele era capaz de mobilizar o povo em
momentos de crise.
Essa união em torno do rei e da ideia de uma nação portuguesa também é evidente
em outros aspetos da Crónica de D. João I. Fernão Lopes descreve como a corte do rei
se tornou um centro de cultura e intelectualidade, e como isso ajudou a reforçar a
identidade nacional. Ele também destaca a importância da língua portuguesa, que
começava a consolidar-se como um idioma distinto do galego e do castelhano.
Na Crónica de D. João I, observa-se o surgimento de um sentimento coletivo do povo
português que resulta na consciência de pertencer a uma mesma nação. Esse
sentimento nacional é, em grande parte, resultado do medo da invasão estrangeira
(castelhana) e da ameaça à independência e liberdade do reino durante a Crise de
1383-1385. Fernão Lopes, portanto, defende o rei e a resistência ao inimigo
castelhano, dando voz a uma coletividade que não aceita o seu lugar dentro do direito
senhorial, mas sim o seu direito novo fundado no sentimento nacional, o "amor da
terra", e que o defende com armas na mão. A palavra "Portugal" já não define apenas
um território, mas um corpo de pessoas animado por um pensamento, expressão
ainda em esboço do direito pelo qual um novo povo se levantou contra um rei, o
direito nacional.
Esse sentimento nacional fortalece-se na ameaça, à medida que se desenvolve a noção
de comunidade. O povo de Lisboa manifesta-se contra a regente D. Leonor e a
influência estrangeira e sofre em conjunto com a dureza e privações do cerco que João
de Castela impõe à capital. No entanto, portugueses de várias regiões unem-se para
preparar a resistência à invasão e enfrentar o exército castelhano nas batalhas de
Atoleiros e Aljubarrota.
A ideia de ser português está presente na "arraia-miúda", ou seja, o povo. Mas
também é compartilhada pela burguesia e nobreza que se mantêm fiéis à causa
patriótica. De facto, o povo desenvolve uma consciência coletiva de que tem um papel
mais ativo e quer participar na vida política do reino e na condução dos destinos da
nação. Intervém para "salvar" o Mestre, mobiliza-se para enfrentar os castelhanos e
quer decidir quem será o próximo rei de Portugal.
Em termos narrativos, a consciência de grupo e o sentimento nacional são
representados através da noção de personagem coletiva, quando se trata da multidão
de Lisboa, que revela uma vontade comum, que se organiza em conjunto para
defender a capital e que sofre em conjunto o cerco imposto pelos castelhanos à capital
do reino. Por outro lado, a enumeração de grupos sociais e profissionais (soldados)
chama a atenção para o fato de que a unidade nacional se faz a partir da motivação e
desempenho dos grupos que a compõem.
A Crónica de D. João I, escrita por Fernão Lopes, tem uma importante contribuição na
história ao representar o sentimento coletivo vivido durante a Crise de 1383-1385 e
afirmar a consciência nacional portuguesa. A obra foi encomendada pelo rei D. Duarte,
filho de D. João I, com o objetivo de demonstrar o patriotismo dos portugueses e
valorizar o papel do Mestre de Avis na defesa da independência do reino e na
construção do novo Portugal na segunda dinastia. Além disso, Fernão Lopes ajuda a
legitimar o direito de D. João I ao trono português.
A crónica também coloca o povo como sujeito da História, destacando a consciência
coletiva do povo português que se sente senhor da terra onde nasce, vive, trabalha e
morre. Fernão Lopes mostra que o povo é a fonte última do direito e ganha
consciência coletiva contra os que querem senhoreá-lo. O autor destaca que o povo é
composto não apenas por trabalhadores manuais, como mesteirais e lavradores, mas
também por aqueles que se destacam na atividade, habilidade e iniciativa em qualquer
ramo produtivo e pacífico, ou seja, a "indústria". Assim, a crónica apresenta o povo
como uma força que busca se afirmar, saindo da passividade medieval e do direito
senhorial.
O livro é considerado um importante registo histórico e cultural da época e reflete a
mentalidade e os valores da nobreza portuguesa da época. Algumas das principais
características da mentalidade da época incluíam a crença no poder divino e na justiça
divina, o papel central da honra e da lealdade à família e à pátria, a importância da
guerra como meio de conquistar e manter territórios e a ênfase na hierarquia social.
Na atualidade, a mentalidade e os valores da sociedade portuguesa evoluíram
bastante desde o século XV. Em termos gerais, a sociedade portuguesa é mais
igualitária, pluralista e tolerante. Os valores democráticos e os direitos humanos são
amplamente reconhecidos e respeitados. As questões ambientais, sociais e de direitos
humanos são temas importantes na agenda política e pública. A globalização e a
crescente interconectividade têm levado a uma maior abertura e diversidade cultural.
No entanto, a atualidade também é marcada por desafios e incertezas. A pandemia do
COVID-19, por exemplo, afetou significativamente a vida de muitas pessoas em
Portugal e no mundo, gerando um grande impacto econômico, social e psicológico. A
crise econômica, a polarização política e a crescente desigualdade também são
desafios importantes.
Em resumo, enquanto a mentalidade e os valores da sociedade portuguesa mudaram
significativamente desde a época da Crónica de D. João I, a atualidade apresenta seus
próprios desafios e incertezas. Comparar diretamente o sentimento nacional e a
existência/ consciência coletiva entre essas duas épocas seria difícil e subjetivo, mas é
possível dizer que a sociedade portuguesa hoje é mais diversa, igualitária e consciente
de questões globais.
E, em conclusão, a Crónica de D. João I é uma obra que nos permite entender melhor
como o sentimento nacional e a consciência coletiva começaram a se formar em
Portugal durante o século XV. É um documento importante para a compreensão da
história e da cultura portuguesas, e uma leitura recomendada para todos aqueles que
se interessam pelo assunto.

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