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Colégio TEXTO COMPLEMENTAR – HISTÓRIA – 2º ANO - 2019

SANTA ROSA Estados Nacionais e Absolutismo


Dirigido pela Congregação das Filhas de Sant’Ana Professor Rodrigo Dornelles

A FORMAÇÃO DOS ESTADOS servidão e a transformação das propriedades


feudais em terras arrendadas ou cultivadas por
MODERNOS NA EUROPA: trabalhadores livres, demonstravam que a sociedade
as “três ordens” pensada pelos bispos medievais já
ESTADO-NAÇÃO, ABSOLUTISMO, não se sustentava da mesma maneira. Assim, os
DOUTRINAS POLÍTICAS E camponeses saíam cada vez mais do controle dos
senhores feudais.
MERCANTILISMO NA IDADE Até o século XIV, as revoltas camponesas ainda
MODERNA poderiam representar um sacrilégio para muito
servos, crentes na imutabilidade das três ordens
medievais. Porém nas décadas seguintes, as
GRANDES MUDANÇAS NA IDADE atitudes camponesas se alteraram. Ora, o
MODERNA crescimento do comércio e das cidades e a adoção
No auge da Idade Média, entre os séculos IX e XI, de uma economia monetária proporcionaram aos
cada senhor feudal possuía enorme poder sobre seus servos os meios de rompimento dos laços com o
senhor feudal.
domínios. Entretanto, durante a Baixa Idade Média, os
O crescimento do mercado exigia aumento de
senhores feudais foram se enfraquecendo e, pouco a
pouco, o poder foi passando para as mãos dos reis. produção. Isso foi conseguido através do aumento da
Por que e como se deram essas transformações área de cultivo e do aperfeiçoamento técnico.
Com a colheita superior às suas necessidades,
políticas?
o camponês poderia vendê-la e obter dinheiro para
Na época medieval, o poder político era
descentralizado e assunto dos senhores feudais, ou pagar os serviços que devia ao senhor. Poderia ir
para a cidade ou para outra região, abrir novos
seja, particularizado, e o poder real era fraco. Em geral,
campos, recebendo em troca terras isentas de
era muito mais fácil ouvir falar em Cristandade quando
se fazia referência ao mundo europeu ainda nos inícios impostos (concessão de terras).
da época moderna. Em geral, o período medieval tinha Para o senhor feudal também era vantajoso
trocar o trabalho do servo por dinheiro: necessitava
o poder de Deus como superior a todos os outros,
dele em virtude do desenvolvimento da economia
porém o poder dos homens era caracterizado por
monetária, e conscientizou-se de que o trabalho livre
relações políticas, fundiárias e pessoais extremamente
era mais produtivo que o servil, embora a servidão
complexas. O senhor feudal era a única autoridade em
não tenha sido eliminada por completo. Desse modo,
seu feudo ou senhorio – um poder baseado no direito
certo número de servos passou a ter condições de
consuetudinário e na força militar.
comprar a liberdade de sua terra e também sua
No final da Idade Média, essa situação foi se
liberdade pessoal.
modificando, com a progressiva centralização do poder
nas mãos dos reis. Surgiram monarquias de caráter
nacional, que deram origem a determinadas ideologias CRISES DO SISTEMA FEUDAL NA
nacionais e estruturaram novas formas de governo – BAIXA IDADE MÉDIA
era o nascimento do Estado Moderno.
Esse modelo de Estado veio atender aos interesses
dos reis e nobreza e em parte da burguesia comercial e
mercantil em ascensão e foi, assim, construindo um
novo universo de relações políticas institucionais na
Europa Moderna. Vamos, então, compreender estas
mudanças.

A Europa feudal em transformação:


O chamado feudalismo, baseado num conjunto
de relações econômicas eminentemente rurais, numa
sociedade de ordens e numa políticasenhorial
descentralizada passa por transformações mais
sensíveis principalmente a partir do século XIV. A
incompatibilidade do crescimento populacional e as A peste negra foi outro fator para essa
forças produtivas da economia medieval; as revoltas importante mudança, pois com milhares de mortes o
sociais, principalmente camponesas; as muitas valor do trabalho do servo alcançou níveis altos. O
reflexões sobre a mentalidade religiosa feudal; o resultado é que o trabalho do camponês passou a
crescimento da importância das relações comerciais e valer mais do que nunca. E o poder econômico dos
dos “homens das cidades”, chamados de burgueses; senhores diminuiu.
tudo isto demonstrava que a Europa Central tomava O choque entre os senhores da terra e os
novos caminhos históricos. Com o declínio da
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trabalhadores tornou-se evidente, frente a maior nacionais que os protegessem e facilitassem o


exploração dos trabalhadores não livres. O século XIV comércio.
assistiu a um crescente movimento: o da privação das A cidade então seria o novo palco de atividades
rendas e serviços dos senhores feudais, que restringiu econômicas ligadas à vida burguesa. Inicialmente, as
a abolição da servidão, cooperando para um cidades ficavam dentro dos feudos, submetidas à
desequilíbrio social maior. Muitos senhores se jurisdição dos senhores feudais, que cobravam taxas
recusavam a proceder como até então e passaram a exorbitantes e impunham regras para a
impor, novamente a prestação de trabalho. Os comercialização de produtos. Por isso, os
camponeses, por sua vez, não queriam perder as mercadores e os artesãos entravam em constantes
vantagens não conseguidas. conflitos com a nobreza. Às vezes, os conflitos eram
A consequência não poderia ser outra: resolvidos pacificamente, com a compra da liberdade
insurreições camponesas em toda a Europa ocidental, das cidades por meio de uma carta de franquia.
espalhando violência, tal como a queima de Outras vezes, quando a venda não interessava aos
propriedades e os assassinatos de camponeses e nobres, os burgueses e artesãos lutavam pela
senhores. independência das cidades, contando,
As revoltas camponesas do final da Idade Média frequentemente, com o apoio real.
assustaram a todos – reis, nobres, clérigos e até a
burguesia – por sua violência. No fim das contas, Renascimento Cultural
quanto mais o mundo feudal entrava em crise, mais a
nobreza, a aristocracia guerreira, repleta de privilégios Os reis e príncipes foram os grandes mecenas
e senhora do poder dos homens medievais, se (patrocinadores) do Renascimento cultural na
enfraquecia, tanto na economia como na política. Entre Europa no início da época moderna. Muitos
as insurreições destacaram-se as Jaqueries (França, intelectuais renascentistas elaboraram teorias
1358) e revoltas camponesas na Inglaterra em 1381. para justificar a centralização do poder nas mãos
Fez-se necessário um poder central forte, que dos reis. Outros incentivavam o espírito de
controlasse os camponeses dispersos e evitasse novas nacionalidade e criticavam as teorias medievais
rebeliões. que defendiam a superioridade do poder espiritual
sobre o poder temporal. Durante toda a Idade
Os burgos e o renascimento comercial: Média, a Igreja ambicionava um poder universal
Com o desenvolvimento do comércio, no período sobre toda a Cristandade, subordinando príncipes e
final da Idade Média, surgiu um novo sujeito – o reis ao poder do papa. Os intelectuais
burguês. Inicialmente, os interesses da burguesia era renascentistas argumentavam que o poder do rei
o crescimento econômico e maior dinamização dos sobre um determinado país estendia-se inclusive
seus negócios. Por isso, se interessavam pela sobre os religiosos e seus bens. A Igreja e o Papa
centralização dos poderes políticos que representaria deveriam cuidar apenas dos assuntos espirituais.
uma melhor organização política e econômica dos As ideias renascentistas contribuíram, em parte,
Estados Europeus. Mais tarde, a burguesia contestaria com o fortalecimento dos monarcas europeus,
estes mesmos Estados Modernos com as revoluções interessados na centralização do poder real.
burguesas. Porém, durante os séculos XIV e XV, os
burgueses queriam, principalmente, eliminar os antigos Reforma Protestante
obstáculos medievais (as acusações de usura, por
exemplo) que impediam os seus negócios e lucros. Por Com a Reforma Protestante, surgiram igrejas
isso, ela se beneficiaria com o processo de nacionais em diversos países europeus. Muitos dos
burocratização dos Estados Nacionais. Em outras “reformadores”, como Martinho Lutero, pregavam
palavras, houve neste momento uma determinada que a Igreja deveria respeitar as particularidades
racionalização política dos Estados europeus que das várias regiões europeias e, consequentemente,
favorecia a economia burguesa. Afinal, o reconhecer as autoridades nacionais, isto é, o poder
particularismo político e jurídico do Feudalismo terreno dos reis. A reforma protestante enfraqueceu
dificultava o desenvolvimento das atividades a Igreja Católica e incentivou o sentimento contra
comerciais. sua visão de mundo universalista. Com isso,
Muitos comerciantes iam, de feudo em feudo, contribuiu para anular, em parte, a autoridade de
oferecendo suas mercadorias – eram os mercadores Papas e bispos sobre determinados governantes. O
medievais. Para ter acesso aos senhorios ou usar enfraquecimento da Igreja fez com que ela, no
ponte e caminhos arrendados por senhores feudais, mínimo, buscasse boas relações com os reis e
pagavam taxas. Muitas vezes, eram atacados pelos reconhecesse os Estados Nacionais. Em países
exércitos saqueadores dos senhores, que também se como a Inglaterra, por exemplo, os reis estenderam
achavam no direito de confiscar as mercadorias das também sua autoridade sobre o poder espiritual,
carroças que quebravam em seus domínios. Para tornando-se chefes da Igreja (é o caso do
dificultar ainda mais as transações comerciais, as nascimento da Igreja Anglicana).
moedas e as leis variavam de um feudo para outro. Os
mercadores necessitavam de moedas, impostos e leis
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O desenvolvimento da ideia de nação chocava-se dinastias e dando início ao absolutismo inglês.


com o universalismo católico. Os papas, que eram
príncipes italianos, queriam dirigir toda a Europa, ao
mesmo tempo em que se preocupavam com a política
de seu território. Seu domínio, muitas vezes, estava
em guerra contra outros países europeus. Numa
época de desenvolvimento do sentimento nacional na
Europa, os mais ativos habitantes dos países
europeus, entre eles a burguesia, tendiam a ver as
intromissões dos papas como interferência de um
“governante estrangeiro”.

Guerra dos Cem Anos


A Guerra dos Cem Anos (1334-1453) foi um
conflito militar travado entre Inglaterra e França,
cujas origens encontram-se na disputa entre os dois
países pela região de Flandres e na pretensão do rei
inglês Eduardo III ao trono da França.

Essa guerra contribuiu particularmente para o


fortalecimento do poder real francês por vários
motivos: os feudos do rei inglês, na França, passaram
para o domínio da Coroa francesa; o longo período de
guerras enfraqueceu a nobreza francesa, porque, à
medida que os nobres morriam, seus feudos iam (Batalha de Barnet durante a Guerra das Rosas.
Iluminura anônima do século XV. Fonte:
passando para o domínio do rei; e, o mais importante,
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/82/MS_
a guerra desenvolveu o sentimento nacional. Mitos Ghent_-_Battle_of_Barnet_retouched.jpg)
alimentaram o nacionalismo do povo francês. Assim,
durante o conflito e as baixas iniciais dos militares
franceses, uma suposta camponesa mística, Joana
ESTADO, MONARQUIA E NAÇÃO
D´Arc, teria organizado um exército completamente Os Estados Modernos são Estados Nacionais.
diferente dos exércitos feudais. Guerra era assunto Para compreender melhor o que isso significa, é
para homens nobres. Seu exército era liderado por fundamental entender o conceito de nação. Antes
uma mulher camponesa. Os exércitos feudais lutavam de mais nada, o termo nação passou por profundas
por seu senhor e seu feudo. As tropas de D´Arc eram alterações históricas. Porém, é interessante saber
nacionais, lutavam pela França e por seu rei. Assim, que sua origem está na palavra latina nascere, que
esta história ou lenda alimentava a ideologia da traz a ideia de nascimento comum, de
nacionalidade. Os franceses, agora sentiam-se comunidade. Por conta das grandes transformações
integrantes de um país. A ideia de Nação estava históricas ocorridas no fim da Idade Média, foi-se
lançada. ampliando o significado de nação para algo bem
maior que uma comunidade. Os reis foram os
A Guerra das Duas Rosas agentes fundamentais na lenta união das
concepções de Nação e Estado, enfim da
Foi uma guerra civil, ocorrida entre 1453 e 1485, construção do Estado-Nação.
que eclodiu na Inglaterra, entre a dinastia Lancaster Assim, determinou-se que os habitantes de um
(simbolizada por uma rosa vermelha) e os York mesmo Estado, de um mesmo país, seriam aqueles
(simbolizada por uma rosa branca). Os Lancaster, que vivessem sob as mesmas leis. Desta forma,
então no poder, representavam os interesses da velha embora as nacionalidades europeias tenham
nobreza feudal; os York, a nova nobreza inglesa, os origens inegáveis nas manifestações populares,
cavaleiros, que, aliados à burguesia, aplicavam seus houve, ao mesmo tempo, um processo de
capitais nas atividades mercantis, visando o lucro. imposição cultural sobre essas mesmas
populações, que muito desrespeitou as diversidades
Nessa longa guerra civil, os nobres, que eram linguísticas e religiosas, por exemplo. Aqui podemos
militares, foram morrendo e os feudos sem herdeiros notar, contudo, que nem sempre as palavras Estado
eram incorporados ao patrimônio real. A nobreza, e Nação caminham juntas. As autoridades de
dividida, enfraquecia-se, favorecendo o fortalecimento Estado podem impor de cima para baixo, os
do poder real. Quando a guerra terminou, Henrique “valores nacionais” de um país. “Por isto, entende-
Tudor, descendente dos Lancaster, desposou se, por vezes, embora as duas noções não sejam
Elizabeth de York, unindo, sob sua direção, as duas idênticas, o Estado como Nação: uma entidade
global, superior às províncias... Por Estado entende-
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se também uma organização central, englobando e dispor desses meios.


gerindo a nação. Até há pouco, o rei só tinha Assim, nascia o Estado-Nação, estruturado
autoridade absoluta sobre o seu próprio domínio e os política e militarmente, mas também segundo a
suseranos detinham, sobre os seus feudos, uma ideologia moderna de que cada povo e sua
fração do poder, permanecendo a sua fidelidade ao respectiva nação fazia pretensamente parte de uma
rei de ordem pessoal” (MORINEAU: 1985, p. 314). mesma história.
O Estado nacional negava-se muitas vezes a
reconhecer qualquer autoridade superior a ele, até O Poder dos Reis:
mesmo a do imperador do Santo Império
Germânico, ou mesmo do Papa, que antes possuía Embora os Estados Modernos tenham se
total autoridade moral e política. O Estado-Nação não tornado mais racionais e burocráticos, a utilização
surgiu pronto: originou-se muitas vezes, de da religião cristã ainda constituía em peça
conquistas militares, de casamentos entre nobres, fundamental para a autoridade dos Monarcas. Os
da submissão dos senhores feudais ao poder maior reis governavam de acordo com a religião, segundo
dos reis. as leis de Deus. Por outro lado, não se
Na maior parte dos casos, os novos Estados eram subordinavam totalmente ao Papa, que continuava
resultado da unificação de feudos, pequenos reinos, sendo o árbitro supremo nas disputas entre as
condados, etc., com frequência reunindo falantes de Nações católicas. Os clérigos mais destacados
línguas diferentes ou de vários dialetos de uma foram incorporados aos órgãos e conselhos do
mesma língua. Pela crescente necessidade de se Estado e a nomeação dos bispos e abades
relacionar com as instituições estatais, as pessoas nacionais passou a ser feita pelos Soberanos. Além
foram aprendendo a valorizar ou tolerar a cultura das da religião, o poder real sustentava-se no direito
elites imposta pela nobreza real. Estas mesmas elites consuetudinário feudal e no direito romano. O
políticas manipulavam e organizavam, segundo seus soberano continuava sendo o supremo suserano de
interesses, as culturas do povo europeu, visando todos os nobres, que lhe deviam fidelidade, não era
construir o “sentimento nacional”. Em outras palavras, considerado proprietário de seus súditos e devia
sem recorrer constantemente a força, era necessário respeitar sua liberdade e seus bens de acordo com
que o povo, em cada Estado, fosse submetido a a lei divina e a lei natural. Na época da formação
regras e se sentisse parte de sua nação. das monarquias nacionais, a liberdade dos
Para impor o poder dos Estados Nacionais e do indivíduos era limitada apenas à vida cotidiana, mas
Soberano, isto é, dos reis, foram necessários vários estava subordinada ao interesse coletivo por limites
processos políticos. Primeiro, a delimitação e defesa rígidos.
das fronteiras de um território nacional. Segundo,
um corpo de funcionários treinados, especializados na
arte de governar, obedientes e pagos pelo rei
(burocracia estatal). Terceiro, a criação de uma
cidade capital, gerenciadora da administração
nacional. Não se pode esquecer que, por serem
nacionais, isto é, relativos a um determinado lugar ou
cultura, estes Estados deveriam possuir uma língua
oficial, o que também definiria a peculiaridade da
Nação. Durante o feudalismo, o rei não residia em um
local fixo. Com seu séquito, vagava por seus
domínios, hospedando-se nos feudos, sendo
influenciado e limitado pelos senhores feudais.
Passados os séculos, os soberanos habitam
regularmente uma cidade, onde também se instalam (Ilustração representando Henrique IV, rei da França
seus assessores. Algumas dessas capitais, como assinando o Édito de Nantes, documento responsável
Paris e Madri, tornaram-se magníficas, com palácios, pelo estabelecimento da tolerância religiosa no país em
jardins e teatros. Era ainda extremamente necessário 1598. A figura do monarca havia se fortalecido
politicamente, algo praticamente inexistente durante o
um exército nacional, pago e fiel ao rei, período medieval. Ilustração do século XIX. Fonte:
preferencialmente composto por militares http://www.corbisimages.com/stock-photo/rights-
mercenários, para se impor aos nobres e às cidades managed/42-15816068/illustration-of-henry-iv-signing-the-
que não aceitavam perder a autonomia, bem como edict)
aos países vizinhos que desrespeitassem o território
nacional. Os novos armamentos e táticas militares Os indivíduos tinham deveres com a sociedade e
ajudaram no surgimento de um exercito nacional. As deviam respeitar os privilegiados e seus privilégios.
novas necessidades da guerra, como artilharia, Nos Estados nacionais, o rei não podia sequestrar
marinha, numerosos soldados, tornavam-na mais os bens dos nobres, burgueses e clérigos, a não ser
onerosa e acima da capacidade de cada nobre em casos de traição, rebelião ou desobediência.
individualmente. Só o Estado centralizado poderia Para os pobres, os loucos, os mendigos e os
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miseráveis não existia nenhum tipo de liberdade. A Henrique quanto Afonso de Borgonha passaram a
Idade Moderna e o Estado Nacional tiraram-lhes até a prestar vassalagem ao rei Afonso VI de Leão.
liberdade de perambular. Passaram a ser vistos como Desde muito cedo o condado Portucalense
inúteis, indesejáveis, e eram metidos em prisões, manifestou tendências separatistas. Após a morte
hospícios, casas de trabalho forçado ou simplesmente de D. Henrique de Borgonha sua esposa, Dona
deportados para as colônias. O Estado nacional, ao Teresa, lutou ardorosamente pela independência.
mesmo tempo em que aumentou a riqueza para a Seu filho D. Afonso Henrique, apoiou-lhe nessa
minoria dos privilegiados, aumentou o número de batalha, sendo o fundador do novo reino, em 1139,
miseráveis, destinados à mais cruel repressão. A transformando-se no primeiro rei de Portugal.
Idade Moderna, com a expansão da ideia de lucro, da Nesse contexto, o novo reino independente foi,
riqueza, abominava o pobre, visto como um estorvo posteriormente, reconhecido por Afonso VII de Leão
para a nova sociedade moderna que valorizava cada e pela Igreja Católica, que abençoou e santificou o
vez mais o trabalho enquanto atividade produtiva e a rei com o nome de D. Afonso I, iniciando-se, assim,
nascente visão de mundo capitalista. a dinastia de Borgonha.
A partir da conjuntura de formação do reino
A formação dos Estados Nacionais independente de Leão, Portugal passou a ser
governado pela dinastia de Borgonha até o ano de
Ibéricos: 1383. Tal período acabou distinguindo-se por uma
intensa luta de Portugal contra os mouros, assim
Exceto nas atuais Alemanha e Itália, cuja como por uma progressiva conquista de territórios,
unificação só ocorreu no final do século passado, na que, aliás, teve seus limites finalmente consolidados
maior parte da Europa ocidental do século XV, a a partir da incorporação da região de Algarve.
formação da monarquia nacional ou Estado Moderno
já era uma realidade. Ainda anos antes, houve a
unificação da Coroa Lusitana com a Revolução de
Avis em 1385. Os lusitanos coroaram seu primeiro
chefe do Estado Moderno Português: D. João I.
A conjuntura do século XIV trouxe à tona
inúmeras transformações sócio-políticas. Portugal
afirmou-se como o primeiro Estado moderno da
Europa. As origens do Estado português estão
diretamente vinculados à Guerra de Reconquista.
Desde o século VII, os árabes passaram a compor um
movimento de expansão inspirado pela religião
maometana ou muçulmana. Já no século VIII, no ano
de 711, indivíduos provenientes do norte da África
(muçulmanos), invadiram a península Ibérica,
conquistando todo o território localizado na parte sul.
Nesse contexto, os cristãos conseguiram manter a
região das Astúrias, futuro reino de Leão. E, apesar
das várias tentativas de recuperação do território
pelos cristãos, o processo de reconquista iniciou-se
efetivamente a partir do século XI, com a formação de
reinos cristãos no norte, como Leão, Castela, (“O Cerco de Lisboa”. Iluminura das famosas crônicas
Navarra e Aragão. medievais de Jean Froissart. Século XIV. Fonte:
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Siege_of_Lisbon_1384.JP
1. Portugal G)
Portugal emergiu em meio à guerra contra os
mouros, adquirindo-se a feição de uma Cruzada. As guerras de Reconquista influenciaram
Assim, muitos nobres, sobretudo franceses, decisivamente toda a organização do Estado
participaram da luta, auxiliando a monarquia cristã. No português. Nesse sentido, percebemos que a
reinado de Afonso VI, rei de Leão, dois nobres exigência de constante mobilização militar, que
franceses, Raimundo e Henrique de Borgonha, além de controlar os impostos, também
receberam do rei, como recompensa pelos seus administrava a justiça, facilitando a centralização
serviços, as suas duas filhas em casamento, além de política. Tal particularidade distinguiu. Portugal do
terras como dote. Enquanto Raimundo recebeu a mão resto da Europa, onde a descentralização política
de Dona Urraca e o condado de Goaliza, ao norte do era uma característica preponderante. Assim, em
rio Rinho, Henrique casou-se com Dona Teresa, virtude da importância do rei, o feudalismo
recebendo o condado de Portucalense, ao sul do português teve uma característica peculiar: as terras
mesmo rio. Entretanto, como essas terras não se conquistadas junto aos mouros e concedidas aos
constituíam como reinos independentes, tanto nobres não se converteram em domínios

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independentes. Portanto, as instituições municipais centralização política, fato que foi decisivo para o
eram fortes e subordinadas ao rei, e não aos seu pioneirismo na expansão ultramarina.
aristocratas.
Assim como o resto da Europa, Portugal contava 2. Espanha:
com uma burguesia mercantil bastante ativa. Logo,
conseguimos perceber que sua formação estava Durante séculos, os diversos reinos cristãos
vinculada à relativa importância da pesca, do que ocupavam o território espanhol (reinos de Leão,
comércio do sal e da própria agricultura. Nesse Castela, Navarra e Aragão) lutaram pela expulsão
contexto, a crise do século XIV acabou por beneficiar dos muçulmanos da península Ibérica. A partir do
tal segmento, pois o perigo das revoltas e a século XIII, só havia na Espanha dois grandes
insegurança nas vias terrestres provocaram uma reinos fortes e em condições de disputar a liderança
verdadeira transformação nos quadros do comércio cristã da região: O de Castela e o de Aragão.
europeu. Em 1469, a rainha Isabel, de Castela, casou-se
As rotas terrestres que ligavam as cidades com orei Fernando, de Aragão. O casamento de
italianas à região de Flandres tornaram-se perigosas, Fernando e Isabel unificou politicamente a Espanha.
sendo, por isso, abandonadas pelos comerciantes, A partir desse momento, os espanhóis
que passaram, então, a utilizar as rotas marítimas, já intensificaram as lutas contra os árabes, que ainda
que estas ofereciam um pouco mais de segurança. ocupavam a cidade de Granada, na parte sul do
Assim, partindo da Itália em direção ao norte da país.
Europa, essas rotas passavam por Portugal,
Espanha, Holanda e Inglaterra, transformando-os em
renomados centros comerciais. E, foi durante o
reinado de D. Fernando, o Formoso (1367-1383), que
se deu a valorização das rotas do Atlântico,
fortalecendo a burguesia mercantil à proporção que
estimulava o comércio e a navegação.
A partir do fortalecimento da burguesia, a nobreza
passou a sentir-se ameaçada. Com a morte de D.
Fernando, em 1383, a situação tornou-se ainda mais
crítica, pois o rei não deixou herdeiros e a filha única
era casada com o rei de Castela, que se declarou
sucessor do trono português. Além disso, a viúva de
D. Fernando, Leonor Teles – mulher bastante
ambiciosa –, pretendia permanecer rainha e, portanto,
se opôs às pretensões do rei de Castela, dando início
à guerra. Porém, a nobreza não apoiou a rainha,
decidindo-se favorável à união de Portugal com
Castela, a anexação interessava aos nobres, já que
estes se sentiam prejudicados pelo crescimento das (Isabel, a Católica. Rainha de Castela e Aragão. Estava
cidades e da burguesia mercantil. Em contrapartida, nascendo o Estado Nacional espanhol. “A posthumous portrait of
Queen Isabel of Castile”. Obra anônima. Fonte:
tanto a burguesia quanto as camadas populares http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/63/Isabeldecast
colocaram-se ao lado da monarca, fazendo-se illa.jpg
importante ressaltarmos que, principalmente no caso
dos camponeses e dos servos, o fortalecimento da Após a completa expulsão dos árabes, o poder
nobreza tenderia a piorar suas condições de vida. real se fortaleceu e, com a ajuda da burguesia, a
Então, surge daí o apoio popular e da burguesia a Espanha também se lançou às grandes navegações
um filho bastardo do pai de D. Fernando, o mestre marítimas pelo Atlântico.
de Avis, que, aliás, transformou-se no legítimo Espanha com Cristóvão Colombo pretendia
representante das aspirações burguesas contra a chegar às Índias através da circunavegação do
nobreza vinculada a Castela. O fim da guerra deu-se Mundo, acreditando na teoria da esfericidade do
a partir da vitória de Portugal na batalha de planeta. Em 1492, com o financiamento da coroa
Aljubarrota, consolidando-se com a escolha de D. espanhola, mesmo sem saber, chegou ao “Novo
João, mestre de Avis, em 1385, como o novo rei de Mundo”, que veio a se chamar América. O Papa
Portugal, agora com o título de D. João I. Assim, (com grande poder sobre os países) assinou a Bula
começava a dinastia de Avis (1385-1580). Inter Coetera, que definia que 100 milhas a oeste da
Com a revolução de Avis e a ascensão de D. Ilha de Cabo Verde existiria um meridiano
João I (1385-1433), a burguesia mercantil, devido ao imaginário que definia que as terras a oeste
seu poder econômico, conseguiu influenciar o pertenceria a Espanha e a leste a Portugal;
governo português, que se transformou na primeira Portugal não aceitou a Bula e ameaçou entrar
monarquia nacional da Europa. Como um estado em Guerra contra a Espanha. Portugal teoricamente
moderno, Portugal originou uma precoce não sabia da existência do Brasil, da América do
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Sul, mas não aceitou a Bula porque 100 milhas a financeiras e, sobretudo, pelo seu sucesso advindo
oeste da Ilha de Cabo Verde não eram nem ¼ da de atividades produtivas, ou seja, pela valorização
distância que Colombo percorreu. do trabalho. Assim, as visões de mundo da
Em 1494 se estabelece o Tratado de Tordesilhas, aristocracia real e da burguesia eram bastante
que definiu que a 370 milhas a oeste da Ilha de Cabo diferentes.
de Verde se estabeleceria o meridiano imaginário, Por isso, embora período seja de transição da
assim, as terras existentes a oeste seriam da sociedade medieval para a futura sociedade
Espanha e as terras a leste de Portugal. capitalista, a teoria do Estado Absolutista como
Portugal aceita. Foi o primeiro tratado que dividiu “aliança” entre nobreza e burguesia, como pensam
o mundo todo entre dois países. muitos, pode ser criticada. Os estudos mais aceitos
apontam que o centralismo político do Estado
O ESTADO ABSOLUTISTA Absolutista nas mãos do monarca representa, antes
de tudo, a garantia do controle político do Estado
Os Estados Nacionais da Idade Moderna pela nobreza real, ainda que tenha auxílios
primaram por uma política de centralização de econômicos da burguesia. Identificamos assim uma
poderes nas mãos do monarca, substituindo as permanência do mundo feudal, já que a nobreza é o
antigas relações políticas medievais, baseadas na grupo político dirigente do Estado Absolutista. O
descentralização de poderes ou no poder local da historiador holandês Perry Anderson chama o
nobreza feudal. Por conta deste processo histórico, Absolutismo vivenciado na Europa de aparelho
chamamos a nova organização política dos Estados político de dominação feudal alargado e
Nacionais de Absolutismo Monárquico. O rei reforçado.
governava com autoridade máxima ou absoluta e era Segundo Perry Anderson, o Estado Absolutista
senhor soberano de todas as decisões a serem estava “destinado a fixar as massas camponesas na
tomadas. A figura do monarca confundia-se com a do sua posição social tradicional, a despeito e contra
próprio Estado, havendo inclusive justificativas os benefícios que elas tinham com a comutação
transcendentais ou divinas para o poder ilimitado alargada das suas obrigações. Por outras palavras,
dos reis absolutistas. Entretanto, ainda hoje existem o Estado Absolutista nunca foi um árbitro entre a
discussões profundas sobre a natureza dos Estados aristocracia e a burguesia, ainda menos um
Absolutistas, tema ainda em debate, principalmente instrumento da burguesia nascente contra a
em torno dos estudos dos historiadores marxistas. aristocracia: ele era a nova carapaça [máscara]
A grande polêmica reside no papel histórico que política de uma nobreza atemorizada” (ANDERSON:
tiveram dois grupos sociais durante a época Moderna: 1984: 16-17). Cristopher Hill, outro importante
a nobreza e a burguesia. historiador inglês, defende também que “a
Tanto a nobreza real como a burguesia nascente monarquia absoluta foi uma forma de monarquia
eram grupos sociais que possuíam poderes feudal diferente da monarquia se suserania feudal
incontestáveis no início da Época Moderna. No que a sucedera; mas a classe dominante
entanto, eram poderes diferentes. A nobreza coroava permaneceu a mesma [a nobreza], tal como uma
os reis, mas ainda enfrentava problemas econômicos república, uma monarquia constitucional e uma
(consequência da crise da economia feudal do século ditadura fascista podem ser todas formas de
XIV). Os burgueses tinham um poder econômico dominação da burguesia” (HILL, citado por:
incontestável, cada vez mais destacado, tanto pelas ANDERSON: 1984: 17).
atividades dos mercadores e banqueiros como, mais
tarde, pelo seu papel no processo de acumulação
primitiva de capitais durante a Expansão
Ultramarina. Contudo, os constantes movimentos
populares, promovidos por camponeses e
trabalhadores das cidades incomodavam tanto nobres
como burgueses. Garantir a ordem social e manter a
estabilidade econômica dos Estados Modernos
eram desejos de ambos. No plano político, a
formação do Estado absolutista correspondeu a uma
necessidade de centralização do poder nas mãos dos
reis, para controlar a grande massa de camponeses
independentes e adequar-se ao surgimento da
burguesia.
Por outro lado, não podemos esquecer que a
nobreza definiu-se primordialmente pelo “bom A partir desta interpretação do Absolutismo no
nascimento”, pelos privilégios sociais, o “sangue Ocidente, a nobreza estava interessada em manter-
azul”, os valores tradicionais e aristocráticos, o que se no poder e garantir sua vida de privilégios,
lhe daria superioridade sobre todos; enquanto que a atrelando práticas econômicas tradicionais (feudais)
burguesia fez-se pelas relações comerciais e com a nova economia mercantil das cidades, além
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das atividades comerciais possibilitadas pela nacionalidade. As pessoas sentiam-se naturais de


expansão marítima. É inegável que a Europa um país, e não de feudos e regiões. Essa
moderna era bastante diferente da Europa feudal, consciência de ser originário de uma nação auxiliou
porém, era a aristocracia real, que havia anulado os na centralização dos poderes nas mãos dos reis.
poderes locais da nobreza tradicional feudal, que Como vimos, os monarcas eram absolutos e muito
possuía o monopólio político do Estado Absolutista. respeitados pelas populações, que os consideravam
Assim, era necessário conter as revoltas seus protetores contra os abusos dos nobres e dos
camponesas e manter o campesinato na condição de clérigos. Essa mesma proteção aplicava-se nas
produtor direto nas terras pertencentes à nobreza; relações com outros reinos, o que era de
sejam trabalhadores servis ou arrendados; sejam os fundamental importância para os mercadores
nobres beneficiados por renda-trabalho, renda- viajantes; o emprego de uma língua nacional nos
produto ou renda em dinheiro. A aristocracia documentos, superando os dialetos regionais e
concedia monopólios comerciais a grupos burgueses, criando uma unidade linguística.
mas mantinha o controle estatal a partir de uma A famosa frase “O Estado sou eu”, atribuía ao
estrutura política centralizada e militarizada. A soberano francês Luís XIV, define bem o
nobreza também contou em parte com o apoio de absolutismo. É a personificação do poder na figura
autoridades eclesiásticas que pregavam o poder do rei. O apogeu do Estado Moderno ocorreu com a
divino dos reis. Os cargos administrativos do mais consolidação do Absolutismo, que foi a típica
alto escalão eram controlados por nobres e clérigos. instituição política da maior parte dos países
Embora a burguesia comprasse títulos reais, a europeus naquela época. No campo da religião, da
chamada nobreza togada não representava a filosofia, da história e da nascente ciência política,
maioria dos nobres. Revitalizando o antigo Direito durante a Época Moderna, muitos pensadores
Romano, organizaram-se novas leis inspiradas no buscaram definir ou interpretar a natureza política
centralismo político do antigo Império Romano. dos Estados Nacionais. Suas ideias acabaram, de
Assim, os reis absolutistas eram considerados, em uma forma ou de outra, contribuindo para a
muitos países europeus, legibus solutus, ou seja, formação de teorias justificadoras do
possuíam imunidade política e poderes ilimitados, Absolutismo Monárquico. Os principais
pois suas decisões tinham força de lei. Por fim, não pensadores envolvidos com tais estudos são:
se pode esquecer que os impostos fiscais do Estado Niccolo Machiavelli ou Nicolau Maquiavel (1469-
Absolutista sobre as atividades econômicas eram 1527), Jean Bodin (1530-1596), Thomas Hobbes
considerados nacionais. Apenas a nobreza e o clero (1588-1679) e Jacques Bossuet (1627-1704).
estavam isentos destes impostos.
1. Maquiavel:
O italiano Nicolau Maquiavel, autor da famosa
obra O Príncipe, proclamou a autonomia da
política, separando-a da moral. Para Maquiavel, o
rei é soberano. De acordo com o pensador, o
“príncipe” deve obedecer apenas às razões do
Estado, usando meios como força, a intimidação, a
astúcia, a dissimulação e o não cumprimento da
palavra, se preciso for. Daí sempre ser lembrada
uma conhecida máxima atribuída a este pensador
florentino: “os fins justificam os meios”. O
pensamento de Maquiavel contribuiu para justificar
a política dos reis absolutistas, uma vez que estes
se utilizavam os mais variados meios para
conservar o seu imenso poder. O livro O Príncipe
pode ser considerado um manual de política
(Luis XIV, rei da França com a planta do Palácio de racional, já que ensinava os governantes a
Versalhes. Fonte: http://www.corbisimages.com/stock- conquistar e conservar o poder. Entre outras coisas,
photo/rights-managed/CS002762/louis-xiv-with-plans-for- ele dizia que o governante que quisesse manter o
versailles) poder deveria evitar ser odiado, mas teria de ser
Filosofia, Política e Absolutismo: temido. Deveria governar pelas leis, mas, sendo
essas suficientes, utilizaria a força, pois só assim
Por volta do século XIII, alguns países da Europa manteria o respeito dos súditos. Para Maquiavel, o
acentuaram sua política de centralização do poder. poder tinha suas próprias razões e os soberanos
No século XV, apesar de ainda existirem elementos deveriam se preocupar apenas em mantê-lo.
da sociedade, da economia e da política feudal, na Vejamos um importante trecho da obra de
maioria dos países europeus já não se podia mais Maquiavel:
falar que a força política estava com os senhores
feudais. Crescia na Europa a consciência de
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“O Príncipe, portanto, não deve se incomodar com a 2. Bodin:


reputação de cruel, se seu propósito é manter o povo unido
e leal (...). Chegamos assim à questão de saber se é melhor Jean Bodin, filósofo e jurista francês, autor da
ser amado do que temido. A resposta é que seria desejável
obra Seis Livros da República, procurou justificar o
ser ao mesmo tempo amado e temido, mas que, como tal
combinação é difícil, é muito mais seguro ser temido, se for Absolutismo ao afirmar que os soberanos foram
preciso optar (...) Os homens têm menos escrúpulos em estabelecidos por Deus para governar os outros
ofender quem se faz amar do que quem se faz temer, pois o homens. Portanto, quem desprezasse seu
amor é mantido por vínculos de gratidão que se rompem Soberano, desprezava a Deus, de quem ele é a
quando deixam de ser necessários, já que os homens são imagem na terra. Se Maquiavel pensava na relação
egoístas; mas o temor é mantido pelo medo do castigo que entre racionalidade e política, nas ideias de Bodin a
nunca falha (...) Não obstante, o príncipe deve fazer-se religião se tornava um elemento explicativo
temer de modo que, mesmo que não ganhe o amor dos fundamental por que contribuía para a ideia de
súditos, pelo menos evite seu ódio...”(MAQUIAVEL: 2001, pp.
98, 99, 100).
unidade e comunidade.
Bodin dizia também que o soberano não pode
estar submetido às ordens de ninguém. Assim,
tanto pode impor leis aos seus súditos, como
também eliminá-las. O pensador francês também
fazia uso dos costumes tradicionais para explicar
a necessidade do poder absoluto dos reis. Para ele,
o Estado tinha sua origem na família patriarcal, e o
poder do rei sobre seus súditos é tão ilimitado
quanto o que o pai tem sobre seus filhos dentro das
organizações familiares. Segundo este pensamento,
não se poderia violar os valores familiares porque,
historicamente, a existência da família é anterior
ao nascimento do Estado. Bodin demonstrava
que a história dos homens, como também as
escrituras sagradas, estavam repletas de
ensinamentos sobre a boa moral dos homens.
Assim, embora o absolutismo se baseasse na
tirania, aceitá-la era o preço a ser pago para conter
a desordem social. A ordem era, assim, um
elemento político fundamental.
(Nicolau Maquiavel retratado por Santi di Tito. Século XVI.
Fonte:
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e2/Portrait
_of_Niccol%C3%B2_Machiavelli_by_Santi_di_Tito.jpg)

Maquiavel promove uma secularização do


pensamento político, uma atitude muito
revolucionária se pensarmos que sua obra se
encontra na virada dos séculos XV e XVI. “A política é
uma arte racional... a qual aproveita para os seus
cálculos, todos os dados acessíveis à experiência...
visto que rejeita qualquer discussão acerca dos
valores e dos fins” (TOUCHARD: 1970: 22). Assim,
“embora Maquiavel não tivesse usado o conceito de
razão de Estado, é considerado o pensador que
começa a esboçar a doutrina que vigorará no século
seguinte, quando o governante absoluto, em
circunstâncias críticas e extremamente graves, a ela
recorre permitindo-se violar normas jurídicas, morais,
políticas e econômicas” (ARANHA & MARTINS: 1997:
206). Mas não se pode esquecer que Maquiavel se
preocupava antes de tudo com a política dos homens
e não especificamente com o absolutismo.
(“A sagrada família” de Pieter Paul Rubens, obra barroca.
A família representava para Bodin o espírito de unidade e
o peso da tradição. Extraído de: MOCELLIN &
CAMARGO. Passaporte para a História. SP: Ed. Brasil;
2005, p. 130).

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3. Hobbes: 4. Bossuet:
O bispo francês Jacques-Bénigne Bossuet é o
A obra do dedicado filósofo inglês Thomas
mais conhecido pensador que buscou explicar o
Hobbes buscou justificar o Estado absolutista por
absolutismo a partir de ideias religiosas. Bossuet
meio da lógica das relações humanas, pautadas no
sistematizou a concepção de que, nas monarquias
nascimento da civilização e na necessidade de
nacionais, o poder do rei emanava diretamente de
superação de um estágio histórico primitivo e
Deus. Ao receber a benção e a aprovação da Igreja,
selvagem, chamado por Hobbes de estado de
dadas pelo Papa, o governante adquiria
natureza. A sua maior obra, O Leviatã, falava sobre a
legitimamente força divina. Essa relação
necessidade de um grande líder político que
caracterizava a chamada Teoria do Direito Divino
promoveria um contrato social entre os homens. O
dos Reis. Embora estivesse “abaixo de Deus”, o rei
nome “Leviathan” é uma referência a um monstro
governava “em nome de Deus”. Por isso, a palavra
bíblico, uma referência demoníaca. Por defender a
do monarca era igualmente uma vontade divina. O
ideia de que o Estado não é algo que sempre existiu e
rei deveria ser respeitado por seu destino de bem
sim uma criação humana, Hobbes é considerado o
cuidar dos homens. Deus o havia escolhido para,
fundador da Ciência Política. Hobbes se preocupava
por meio dele, executar a Providência. Assim, se
com a origem do poder.
opor ao rei consistia pecado. Esta política da fé
Os homens inicialmente viveriam no estado de estava associada à valorização da tradição, à
natureza, um estado de barbaria e desordem social e busca da estabilidade e à imutabilidade das
política, onde estaria cada um contra cada um, todos relações humanas. “A história é uma espécie de
contra todos. O homem seria “o lobo do próprio drama divino, o pensamento de Deus a realizar-se
homem”. Tudo estava marcado pela concorrência, na Terra” (TOUCHARD: 1970: 131). Vejamos um
cobiça e avidez. Assim, aos poucos, os homens trecho de sua principal obra, Política tirada das
sentiriam a necessidade de superar o estado de sagradas escrituras:
barbárie e construir a civilização.
“Deus estabeleceu os reis como seus ministros e,
Para evitar a destruição da espécie humana, os através deles, reina sobre os povos (...). O trono real não
homens decidiram então abdicar de suas vontades é o trono de um homem, mas o trono do próprio Deus
pessoais em favor de um governo que representasse (...) A pessoa do rei é sagrada e atentar contra eles é um
sacrilégio (...) O rei vê de mais longe e de mais alto,
a todos. Foram, portanto, os próprios homens que
deve acreditar-se que ele vê melhor e obedecer-lho sem
delegaram poderes totais ao soberano para murmurar” (BOSSUET, citado por: BOULOS JUNIOR, p.
conseguirem a paz e segurança. Segundo Hobbes, 113).
isto explica por que o rei não deve satisfações de
seus atos a ninguém. Segundo o historiador Jean
Touchard, “o Estado surge aos nossos olhos como
uma pessoa (...) O Estado é o conjunto dos interesses
particulares. Deve defender o cidadão; este só cede
os seus direitos ao Estado para ser protegido. O
Estado perderia a sua razão de ser se a segurança
não fosse garantida e se a obediência não fosse
respeitada” (TOUCHARD: 1970: 115).
A teoria hobbesiana do Estado defende que a
vontade dos Reis Absolutistas é a mesma vontade
dos seus súditos. Contudo, Hobbes acaba justificando
o Absolutismo.

(Nesta obra, Luis XIV e seus familiares são representados como


divindades mitológicas. Luís XIV usava o Sol como emblema
oficial. A sua importância para os franceses seria a mesma do
“astro-rei do universo”. Tela “Assembleia dos deuses” de Jean
Nocret. Museu de Versalhes. Extraído de: www.corbis.com)

Absolutismo e hierarquia social


A sociedade governada pelos Estados
(Thomas Hobbes retraado por John Michael Wright em 1694. National Portrait Absolutistas mantinha ainda características feudais.
Gallery, London. Fonte: A nobreza era a camada social dominante, o
http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Thomas_Hobbes_by_John_Michael_
Wright.jpg)
nascimento e a tradição de um indivíduo eram
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importantes para se ter privilégios sociais, e privilégios, num mundo mercantil que desconhecia,
permaneciam relações típicas do feudalismo, tais a nobreza dos senhorios tudo aceitava. Abdicaram
como a servidão e a apropriação de rendas dos de sua autonomia e foram obrigados a submeter-se
camponeses e arrendatários por alguns nobres. A ao poder real.
sociedade de ordens era a mesma da Idade Média: o
clero eram o primeiro estamento ordem, a nobreza
o segundo estamento e a burguesia e os grupos
populares, entre camponeses, servos e
trabalhadores urbanos formavam o terceiro
estamento. Devemos lembrar que, por serviços
prestados ao soberano ou pela compra dos títulos,
muitos burgueses ascendiam à condição de nobres.
Com variações entre os Estados, a burguesia que
servia à Corte Real se enobreceu, e muitos nobres
aburguesaram-se ao aplicarem seus capitais no
comércio. Mas em geral, a sociedade dos Estados
Absolutistas caracterizava-se pela estratificação e
imobilidade social.

Os reis também buscavam seus consultores


jurídicos, peritos econômicos, secretários e
banqueiros nos elementos da burguesia. Só que,
nesse caso, o critério era a capacidade pessoal:
afinal, eram eles que entendiam da nova economia
monetária, tinham habilidade para competir e
conseguiam fazer com que as relações de negócios
fossem fazer com que as relações de negócios
fossem transações impessoais.

Nas cortes absolutistas europeias,


desenvolveram-se detalhadas regras de
comportamento e códigos de honra, determinando
desde vestuário adequado, melhor disposição de
lugares à mesa e atitudes esperadas às refeições
até normas de higiene pessoal, como assuar o nariz
com um lenço. Ocorreu, assim, nas cortes, uma
mudança comportamental em relação ao corpo.

BASES SOCIAIS DO ANTIGO REGIME

(Jacques Benigne Bossuet. Oleo sobre tela de Hyacinthe


Rigaud. 1702. Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Jacques-
B%C3%A9nigne_Bossuet_3.jpg)

A nobreza feudal típica, dependente das rendas


de seus imensos domínios, tornara-se minoritária. A
maior parte dela tinha se transformado em nobreza da
corte, vivendo de serviços prestados ao Estado,
sendo, portanto, dependente dos favores reais. Para a
maioria dos nobres, que tinham perdido suas terras e Esses procedimentos relacionavam-se à própria
rendas feudais, o rei concedia pensões, honrarias, hierarquia dentro da corte. O tamanho da cadeira
privilégios fiscais e judiciários, além dos rendimentos que um nobre ocupava nas festas indicava a sua
dos melhores cargos do Estado. Para manter seus
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posição social. Havia nobres que se sentavam em


confortáveis poltronas, outros que se acomodavam
em cadeiras e aqueles cuja posição social só lhes
permitia sertar-se em tamboretes. Os monarcas
consideravam que deveriam se diferenciar do restante
da sociedade em todos os detalhes. A superioridade
do rei precisava tornar-se visível até mesmo nas
regras de etiqueta e comportamento.

O rei Luis XIV, uma das principais personagens


históricas do absolutismo francês, guardou em suas
Memórias para a instrução do Delfim, o seguinte
comentário:
“Como é importante que o público seja
governado por um só, também importa que quem
cumpra esta função esteja de tal forma elevado acima
dos outros que ninguém se possa confundir ou
comparar com ele; e, sem prejudicar o corpo inteiro
(A elegância da nobreza é bastante destacada em
do Estado, não pode tirar do seu chefe a mínima “Dançando bolero” do artista espanhol José Camarón,
marca de superioridade que o distingue dos seus 1790. Extraído de: www.corbis.com)
membros”
(Citado por: RIBEIRO, Renato. A etiqueta no Antigo
Regime; 1987; p. 94). Etiqueta e Democracia
(...) Esquecemos, hoje, como foi difícil superar os modos
Temos mais um texto exemplar produzido no vulgares ou rústicos (a palavra vem do latim “rus”,
século XVII: campo), adquirindo uma certa cortesia (a palavra vem de
“corte”), urbanidade (vem de “urbs”, grande cidade) ou
Do comportamento à mesa civilidade (vem de “cives”, cidadão ou morador da
cidade).
Por exemplo, o filósofo Erasmo escreve um livro
(...) Se todos estão servindo do mesmo prato, evite inteiro, quinhentos anos atrás, para explicar que não
por ele a mão antes que o tenham feito as pessoas da devemos cuspir à mesa nem na mesa, nem beber a sopa
mais alta categoria, e trate de tirar o alimento apenas direto da sopeira, nem colocar as botas em cima da
da parte do prato que está à sua frente. Ainda menos mesa... Soaria estranho fazer isso hoje, mas houve um
deve pegar as melhores porções, mesmo que tempo em que os nobres precisaram ser educados para
aconteça ser você o último a se servir (...) Você não melhorar seus modos.
deve tomar a sopa na sopeira, mas colocá-la no seu Portanto, a primeira ideia é de respeito ao outro.
prato fundo. Se ela estiver quente demais, é Os bons modos mostram a nosso próximo que temos
delicadosoprar cada colherada. Deve esperar até que estima por ele: se escarramos na sua frente, enfiamos o
dedo no nariz ou metemos a mão na travessa de comida,
esfrie (...) se tiver a infelicidade de queimar a boca, nós o desrespeitamos. Então, o certo é tomar certos
deve suportar tão pacientemente, se puder, sem cuidados, que provam nossa consideração por ele. É
demonstrar, mas se a queimadura for insuportável, claro que isso pode ir longe demais, e de certa forma o
como as vezes acontece, deve, antes que outros século 20 corrigiu os excessos da etiqueta.
notem, pegar no seu prato imediatamente com uma A segunda ideia é a da hierarquia entre as
mão e levá-lo à boca, e enquanto cobre a boca com a pessoas. Os bons modos podem ser também um meio de
outra mão, devolver ao prato o que tem na boca e reforçar a desigualdade social. Trato de maneira diferente
rapidamente passá-lo ao lacaio atrás da sua cadeira meu superior e meu inferior.
(...) Como há muitos costumes que já mudaram, não A rainha Maria Antonieta, da França, era excelente nisso.
Conseguia, encontrando um grupo de pessoas, saudar
duvido que vários destes também mudarão no futuro. cada uma de um jeito diferente – digamos, tocava com o
Antigamente a pessoa podia molhar o pão no molho, dedo o chapéu para cumprimentar a menos importante, aí
contanto apenas que não o tivesse mordido ainda. se virava para a segunda e retirava levemente o chapéu
Hoje isto seria uma mostra de rusticidade. da cabeça, diante da terceira tirava-o um pouco mais e
Antigamente, a pessoa podia tirar da boca o que não inclinava o corpo discretamente para frente para mostrar
podia comer e jogá-lo no chão, contanto que o fizesse maior respeito pela quarta pessoa.
habilmente. Hoje isto seria sumamente repugnante. Sua camareira, Mme. Campan, que
escreveu Memórias que foi um certo sucesso de livrarias
(Antoine de Courtin. Tratado de Civilidade. 1672. Citado por: no século XIX, considerava essa a maior qualidade da
Nobert Elias. O Processo civilizador. Exttraído de: Cabrini, rainha...
Catelli e Montellato. História Temática. SP: Scipione; 2005, A etiqueta teve, então, em sociedades altamente
p. 132). hierarquizadas, dois sentidos. O primeiro, repito, era o do
respeito ao outro. Mas este sentido indica uma certa
igualdade. E o segundo aponta para a desigualdade. Por
isso, a etiqueta não é uma coisa simples. Não é só
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igualdade, não é só desigualdade. Há uma batalha política refinadas modas e etiquetas.


em torno da etiqueta. Ela é de esquerda ou de direita?
Perguntar assim é quase cômico, mas faz um certo sentido.
Tomemos um manual de etiqueta. Quando eu era Bibliografia Consultada
criança, li Marcelino de Carvalho, que era o “papa da
etiqueta”. Naquela época, existia em São Paulo um ✓ SCHMIDT, Mário. Nova História crítica. São Paulo: Nova
personagem chamado “quatrocentão”. A cidade completou Geração.
quatrocentos anos em 1954 e nas décadas seguintes os ✓ KOSHIBA, Luiz. História: Origens, estruturas e processos:
descendentes dos primeiros povoadores se gabavam,
ensino médio – S.Paulo: Atual.
diante dos imigrantes italianos e depois orientais, que
✓ PAZZINATO, Alceu L. & SENISE, Maria Helena V. História
tinham dinheiro, mas não ocupavam as colunas sociais, de
Moderna e Contemporânea. São Paulo: Ática.
serem melhores que eles.
Marcelino de Carvalho fazia a etiqueta dos ✓ RODRIGUES, Joelza Ester. História em Documento – Imagem e
quatrocentões. Lembro que estranhei muito as regras que Texto. São Paulo: FTD.
ele ditava: por exemplo, o luto, que devia ser utilizado por ✓ CAMPOS, Flávio de. Oficina de História – História do Brasil.
um longo tempo. Mas ninguém, que eu conhecia, usava São Paulo: Moderna.
mais roupa preta em sinal de luto! Saímos do luto fechado – ✓ HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções. 1789-1848. Rio De
só preto, em todas as roupas, durante meses ou anos – Janeiro: Paz e Terra.
para a ideia do “pretinho básico”, a roupa elegante que ✓ MARQUES e outros. História Moderna através de textos. São
serve em toda situação. Paulo: Contexto.
E o mais estranho eram as regras para como tratar ✓ BRAIK & MOTA. História. Das cavernas ao terceiro milênio.
um príncipe ou o papa. Eu achava muito improvável um dia São Paulo: Moderna.
me sentar à mesma mesa que um príncipe. E sabia que o ✓ CAMPOS, Flávio de & MIRANDA Renan. A escrita da história.
papa não viajava (foi Paulo VI quem começou, em meados São Paulo: Escala educacional.
dos anos 60, a sair da Itália). A chance de me encontrar ✓ HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de
com Sua Santidade me parecia inexistente, ainda mais em Janeiro: Guanabara.
São Paulo. O manual de etiqueta me parecia uma peça de
✓ ARRUDA, José Jobson de. Toda a História. São Paulo: Ática.
ficção.
✓ PRIORI, Mary Del. Livro de Ouro da História do Brasil. São
Mas digo tudo isso para quê? É que me
perguntaram se etiqueta tem a ver com ética. De fato, Paulo: Cia das Letras.
alguns a chamam de “small morals”, pequena ética, ✓ RIBEIRO, Renato Janine. A etiqueta no Antigo Regime. São
donde etiqueta. É possível. Mas em francês, pelo menos, Paulo: Brasiliense.
a primeira ocorrência de etiqueta no sentido de bons modos ✓ CABRINI, CATELLI & MONTELLATO. História Temática (vários
vem de um rótulo (ou etiqueta) que se colocava, nos volumes). São Paulo: Scipione.
tribunais, para indicar o conteúdo dos sacos que guardavam ✓ ARANHA & MARTINS. Filosofando. Introdução à Filosofia. SP:
processos penais ou civis. Moderna.
E daí veio a ideia de que etiqueta é um rótulo. É ✓ TOUCHARD, Jean. História das ideias políticas. Vol. 3. Lisboa:
um modo de rotular as pessoas. Por exemplo, num lugar Publicações Europa-América.
público eu avisto uma pessoa que não conheço. Mas, pelo ✓ DEYON, Pierre. O Mercantilismo. São Paulo: Perspectiva.
modo como a tratam, ou então pelo modo como ela se ✓ BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História Geral. Moderna e
exibe, tenho noção de sua importância. É o seu rótulo. E por Contemporânea. SP: FTD.
isso vou tratá-la com atenção maior ou menor. ✓ HOBSBAWM, Eric. Mundos do trabalho. Novos estudos sobre
A etiqueta tem a ver então com as aparências. Dá história operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
para entender por que tanta gente se veste com cuidado,
✓ LEITE, Miriam Moreira. Iniciação à história Social
apura os gestos, enfim, joga com as aparências para
Contemporânea. São Paulo: Cultrix.
impressionar os outros. Nas antigas monarquias, era
até proibido o plebeu usar certas roupas, que fariam os
outros pensarem que ele fosse nobre. Mas essas proibições ✓ THOMPSON, E.P. Costumes em comum; estudos sobre a
nunca deram certo (...) cultura popular tradicional. SP: Companhia das letras.
(Adaptado de: Renato Janine Ribeiro. “Há uma etiqueta ✓ ANDERSON, Perry Anderson. Linhagens Do Estado
democrática?”. Fonte: Absolutista. São Paulo: Basiliense.
http://www.renatojanine.pro.br/Etica/etiqueta.html) ✓ FALCON, Francisco. Mercantilismo E Transição. Coleção Tudo
É História. São Paulo: Brasiliense.
Editaram-se, assim, vários manuais de boas ✓ MERRIGTON, John. A Cidade e o Campo na Transição para o
maneiras os tempos do “ancien regime”, ensinando Capitalismo. IN: Transição do Feudalismo para o Capitalismo.
como se portar à mesa e em diversas outras Um Debate. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
✓ MARX, Karl. A Origem do Capital. A Acumulação Primitiva. São
situações. Diferentemente dos camponeses e de
Paulo: Global.
todos os demais, os nobres deviam usar garfos (e não
as mãos), não podiam devolver às travessas os restos
de comida ou palitar os dentes. A maneira de vestir
deveria ostentar poder. Por exemplo: quanto mais
bem acabados e coloridos eram os tecidos da
nobreza real, quanto mais conforto e luxo possuíam
os aristocratas, mais consolidada estava sua
autoridade. Durante a Idade Moderna, as cortes
enalteciam ainda mais sua nobiliarquia através da
COLÉGIO SANTA ROSA – ENSINO MÉDIO – 9º ANO – HISTÓRIA – PROFESSOR RODRIGO DORNELLES – 2019 13

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