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I Juca Pirama

Gonçalves Dias

 ADRIANA LEITE/TELMA PAES/ANA MARIA


►Integrante da obra “Últimos
Cantos publicada entre 1848 e
1851”, exemplifica o indianismo
(medievalismo).
►É poema lírico, configurando a
estrutura épica.
► Estrutura: dividido em 10 cantos.
Versos alexandrinos (12 sílabas
poéticas) e decassílabos (10
sílabas poéticas), de forte
musicalidade.
►“Aquele que há de ser morto”.
► Autêntico herói romântico, sem
mácula, forte, guerreiro, digno.
►Desperta bons sentimentos no
leitor burguês contemporâneo ao
Romantismo.
► O índio adequado a um forte
sentimento de honra, simboliza a
própria força natural do ameríndio,
sua alta cultura acerca de seu povo
representado no modo como este
acata o rígido código de ética de
seu povo.
► É uma desinência verbal.
► Indica uma ação “O que há de ser morto”.
► Não individualiza um único ser.
► Generaliza uma condição destinada aos índios reféns
que passarão pelo ritual de morte.
► Na linguagem indígena, I Juca Pirama designa não só o
índio que, no poema, está refém dos Timbiras, como
também todos os índios que na condição de prisioneiros
passarão pelo ritual de morte.
Silvio Holanda.
Doutor em Literatura/ Professor da UFPA.
► I – Juca – Pirama é narrado em 3ª pessoa (onisciente/
onipresente) por um índio timbira (Velho Timbira) que
relata às gerações posteriores as proezas do guerreiro
tupi que lá esteve. A posição do narrador é distante.

► O autor, através do narrador timbira, não faz menção ao


lugar em que decorre a ação; sabe-se, entretanto, que os
timbiras viviam no interior do Brasil, ao contrário dos
Tupis, que se localizavam no litoral.

► Quanto ao tempo, não há uma indicação explícita, mas


percebe-se que é a época da colonização portuguesa,
quando os índios já estavam sendo dizimados
No meio das tabas (aldeia) de amenos verdores,
Cercadas de troncos - cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes(legião)
Assombram das matas a imensa extensão.
São rudos (rudes), severos, sedentos de glória,
Já prélios (luta) incitam, já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!
No centro da taba (aldeia) se estende um
terreiro,
Onde ora se aduna (decidie) o concílio
guerreiro
Da tribo senhora, das tribos servis:
Os velhos sentados praticam
d’outrora,
E os moços inquietos, que a festa
enamora
Derramam-se em torno dum índio
infeliz.
Quem é? - ninguém sabe: seu nome é ignoto (ignorado),
Sua tribo não diz: - de um povo remoto
Descende por certo - dum povo gentil; ....
(...)
Por casos de guerra caiu prisioneiro
Nas mãos dos Timbiras: - no extenso terreiro
Assola-se o teto, que o teve em prisão;
Convidam-se as tribos dos seus arredores,
Cuidosos se incubem do vaso das cores,
Dos vários aprestos (preparativo) da honrosa função.
Acerva-se (acumula-se) a lenha da vasta fogueira
A custo, entre as vagas do povo da aldeia
Caminha o Timbira, que a turba rodeia,
Garboso nas plumas de vário matiz (cores).
Em tanto as mulheres com leda trigança (pressa),
Afeitas ao rito da bárbara usança,
O índio já querem cativo acabar(matar):
A coma (cabelo) lhe cortam, os membros lhe tingem,
Brilhante enduape no corpo lhe cingem,
Sombreia-lhe a fronte gentil canitar (ornamento para
a cabeça)
Em fundos vasos d’alvacenta argila
ferve o cauim (bebida da mandioca);
O prisioneiro, cuja morte anseiam,
Sentado está,
O prisioneiro, que outro sol no
ocaso
Jamais verá!
Contudo os olhos d’ignóbil(desprezível) pranto
Secos estão;
Mudos os lábios não descerram queixas
Do coração.
Mas um martírio , que encobrir não pode,
Em rugas faz
A mentirosa placidez do rosto
Na fronte audaz(que tem audácia)!
Que tens, guerreiro? Que
temor te assalta
No passo horrendo?
Honra das tabas (aldeias)
que nascer te viram,
(...)
Folga morrendo; porque
além dos Andes
Revive o forte,
Que soube ufano
(orgulhoso) contrastar os
medos
Da fria morte.
Em larga roda de novéis guerreiros
Ledo (alegre) caminha o festival Timbira,
A quem do sacrifício cabe as honras,
Na destra mão sopesa a iverapeme (tacape/arma),
Orgulhoso e pujante. - Ao menor passo
Colar d’alvo marfim, insígnia d’honra,
Eis-me aqui", diz ao índio prisioneiro;
"Pois que fraco, e sem tribo, e sem família,
"As nossas matas devassaste ousado,
"Morrerás morte vil da mão de um forte."
Vem a terreiro o mísero contrário;
"Dize-nos quem és, teus feitos canta,
"Ou se mais te apraz (agrada), defende-te."
Começa
O índio, que ao redor derrama os olhos,
Com triste voz que os ânimos comove.
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
(...)
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
O índio adequado a um
forte sentimento de
honra, simboliza a
própria força natural do
ameríndio, sua alta
cultura acerca de seu
povo representado no
modo como este acata o
 Sou bravo, sou forte, rígido código de ética de
Sou filho do Norte; seu povo. O índio
Meu canto de morte, brasileiro é a
Guerreiros, ouvi.
 Já vi cruas brigas,
representação do
De tribos inimigas, cavaleiro medieval das
 Da guerra provei; novelas européias

românticas
 Vaguei pelas serras
Dos vis Aimoréis;
Vi lutas de bravos,
Vi fortes - escravos!
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.
 E os piagas coitados
 (...)
Com plácido rosto,
Servindo a senhores,
Que vinham traidores, Sereno e composto,
Com mostras de paz. O acerbo desgosto
Comigo sofri.
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios (impenetrável) caminhos,
Cobertos d’espinhos
Chegamos aqui!
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu’ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me
embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Com que me encontrei:
 O cru dessossêgo Ao velho coitado
Do pai fraco e cego, Que resta? - Morrer.
Enquanto não chego
Deixai-me viver!
Qual seja, - dizei!
Não vil, não ignavo,
 Eu era o seu guia
Na noite sombria, Mas forte, mas bravo,
A só alegria Serei vosso escravo:
Que Deus lhe deixou: Aqui virei ter.
Em mim se apoiava, Do pranto que choro:
Em mim se firmava,
Se a vida deploro,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou. Também sei morrer.
Soltai-o! - diz o chefe. É bem feliz, se existe,
Pasma a turba (legião); em que não veja,
Os guerreiros Que filho tem, qual
murmuram: chora: és livre; parte!
mal ouviram, - Mentiste, que um
Nem pode nunca um Tupi não chora
chefe dar tal ordem! nunca,
Brada segunda vez com - E tu choraste!...
voz mais alta, parte; não
Afrouxam-se as queremos
prisões, a embira - Com carne vil
(corda) cede, - (infame)
o estranho é salvo. - enfraquecer os
- fortes.
Simboliza a tradição secular dos índios
tupis. É o pai de I – Juca Pirama.
E com mão trêmula, incerta
Procura o filho, tacteando as trevas
Sentindo o acre (azedo) odor das frescas tintas,
Uma idéia fatal ocorreu-lhe à mente...
Encontra sob as mãos o duro crânio,
Despido então do natural ornato!...
- Tu prisioneiro, tu?
- Tu és valente, bem o sei; confessa,
Fizeste-o, certo, ou já não fôras vivo!
Vós, guerreiros, concedestes
A vida a um prisioneiro.
Ação tão nobre vos honra,
"Eu porém nunca vencido,
Nem nos combates por armas,
Nem por nobreza nos atos;
Aqui venho, e o filho trago.
Vós o dizeis prisioneiro,
Em tudo o rito se cumpra!
Alguém que meus passos guie;
 - Nada farei do que dizes:
É teu filho
imbele(pacífico) e fraco!
Aviltaria o triunfo
Da mais guerreira das
tribos
Derramar seu ignóbil
sangue:
Ele chorou de cobarde;
Nós outros, fortes
Timbiras,
Só de heróis fazemos
pasto. -
"Tu choraste em presença da morte?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
"Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!
"Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Onde possas a fronte pousar. (...)
"Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Isto dizendo, o miserando velho
Da sua noite escura as densas trevas
Palpando. - Alarma! alarma! - O velho
pára!
O grito que escutou é voz do filho,
Voz de guerra que ouviu já tantas
vezes
A taba se alborota, os golpes descem,
Gritos, imprecações profundas soam,
Emaranhada a multidão braveja,
Revolve-se, enovela-se confusa,
E mais revolta em mor furor se acende.
E os sons dos golpes que incessantes fervem,
Vozes, gemidos, estertor(agonia) de morte
Vão longe pelas ermas serranias
Da humana tempestade propagando
Quantas vagas de povo enfurecido
Contra um rochedo vivo se quebravam.
Fala, o Chefe
Timbira...

- Basta! Clama o
chefe dos Timbiras,
- Basta, guerreiro O guerreiro parou,
ilustre! Assaz caiu nos braços
(suficiente) lutaste, Do velho pai, que o
E para o sacrifício cinge contra o
é mister (emprego) peito,
forças. Com lágrimas de
júbilo bradando:
"Este, sim, que é
meu filho muito
amado!
 Um velho Timbira, "Eu vi o brioso no
coberto de glória, largo terreiro
Guardou a memória Cantar prisioneiro
Do moço guerreiro, Seu canto de
do velho Tupi! morte, que nunca
E à noite, nas tabas, esqueci:
se alguém duvidava Valente, como era,
Do que ele contava, chorou sem ter
Dizia prudente: - pejo;
"Meninos, eu vi! Parece que o vejo,
Que o tenho
nest’hora diante de
mi.
"Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!
Pois não, era um bravo;
Valente e brioso, como ele, não vi!
E à fé que vos digo: parece-me encanto
Que quem chorou tanto,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi!“
Assim o Timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava prudente: "Meninos, eu vi!".

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