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A ESTATUA I OS MORTOS,

ÜEDICADA E OFFERECIDA AOS BRASILEIROS

FOR

SEU LEAL COMPATRIOTA E VERDADEIRO AMIGO

crtocvLCióco TiLoi/ttá; i B ã t t ê t b o ,

NATURAL DÀ BAHIA,

E SÓCIO DA SOCIEDADE VISTE E QUATRO DE SETEMBRO

DA MESMA PROVÍNCIA.

TYP DE CAMILLO DE LELLIS MASSON & G.


B o a d e Santa Barbara n. 9.
1862
A ESTATUA E OS MORTOS, (i)

i.

Meio caminho andado a noite procellosa (2)


Havia, e a sós commigo estava eu a scismar,
Quando a imagem veio, horrivel, magestosa,
Do tempo que se foi, a mente me occupar»

Seis lustros e um anno fazia, que, soldado


Da Liberdade, a um campo (3) correra eu com fervor,
E "nelle vrco'opôvo, de êxtasis tomado,
O lance mais sublime de um grande Imperador.

Seu feito recordando, a estatua, q'esse povo


Lhe alçara agradecido, mais férvido applaudi;
Um voto de homenagem mandei ao Heróe de novo;
De novo os meus prolfaças á Pátria dirigi.

Então essa celeuma, ingrata, desabrida,


Que lá se levantara, entre a festiva grêi,
Contra o seu culto honroso (bem—que, no ar perdida,
Morresse desprezada) de novo deplorei.

Entre vergonha e gloria, leal ao Povo e ao Throno,


Levei dos dous na sorte pensando, até que, emfim,
_ 4 —

De chumbo c'o seu sceptro, o rei da noite, o somna,


Cs olhos me cerrando, se apoderou de mim.

El.

Dormia... e nas azas de um sonho alvo e brando»


Á Corte voando,
Á praça da estatua de prompto cheguei;
E olhando o soberbo, gentil monumento,
Da arte portento,
Ao Chefe dos bravos a fronte curvei;—

A fronte; que nunca, servil, o joelho,


Nem joven, nem velho,
Soldado e poeta, dobrei a ninguém;
Sou livre de veras; cubiça, ou despeito
Não entra em meu peito
P'ra sê-lo, e não sê-lo, segundo o meu bem.

Na nuvem, que os raios da lua crescente


Turvava insolente,
O symbolo eu via do gênio do mal,
Q'intenta do astro da brásila gloria
Toldar a memória,
Q'impressa no bronze, se ostenta immortal.

Mas, como ello zomba do intento maldito


No ceu de granito,
— 5 —

Que o povo remido p'ra sempre lhe deu,


Zombando da nuvem, que a luz lhe offuscava,
Já a lua aclarava
A terra, no alto, diáphano ceu.

Deserto era tudo; solemne era a hora;


Mudêz, que apavora
Espíritos fracos, reinava acolá...
Eu ia rompê-la yn um hymno guerreira
Ao grande luzeiro
Do pátrio Ypiranga, do meu Pirajá...

Más súbito assoma, já pouco distante,


Phalange brilhante,
Que o passo encaminha, gentil, para alii!
A testa do lúcido, estranho cortejo
O Whasington vejo
Brasileo, que aos sócios acena e sorri;

Os outros Andradas, o Sousa, (4) os Carneiros,


Patriotas inteiros,
Os Limas, (5) o Pires, o affouto Bulcão,
O gran' Labatut, o infausto Caldeira, (6)
O Dorea, o Siqueira
Diviso, eos fortes Aguiar e Brandão,

Seara e Pitanga, e os mais, que briosas


Acções gloriosas
Co'a penna, ou co'a espada fizeram por nós,
Eternos no mundo seus nomes deixando,
— 6 —

E os nossos vingando,
Que morte, ou desterro soffrêram atroz.

Attónito, a um lado do bronze encostei-me,


E todo enlevei-me
Na sancta cohorte, que à pátria salvou...
E ella, parando da estatua na frente,
Co'a luz refulgente
Das suas insígnias a praça inundou.

111.

Senti mover-se a estatua, à continência


Dos finados heróes da Independência,
Que a vinham de seus túmulos saudar;
E da luz diffundida à claridade
Vi no rosto do Pãe da Liberdade
A mais viva alegria ressumbrar!

Talvez que h esse instante se animasse


O brónzeo Cavalleiro, e se lembrasse
Dos denodados companheiros seus,
Do povo d'esta terra tão querida,
Onde a quatro pedaços de sua vida
Disse, para aquieta-lo, o eterno adeus!

Do Príncipe o Mentor adiantou-se


Como para fallar; o mar calou-se,
_ 7 —

O vento emmudeceu para o ouvir!..


Té de Pedra o Gigante (oh maravilha!)
Accordado do somno pela filha,
Do leito erguêu-se, e pareceu sentir!

Da linda Nictheróy, que ao pàe chamara,


Quando viu do Rocio a scena rara,
Á voz, o atalaia colossal
Da barra, o Pão de Assucar, abalado,
Dobrou-se em ar de vênia, e o rouco brado
De « alerta! » deu a todo o litoral!

E fallou o ancião, o patriarcha


Da Liberdade, ao inclyto Monarcha,
Que tantas vezes nomeàra-o—-pàe.
Ouvindo o Conselheiro venerando,
Eloqüente e leal, de quando em quando
Soltava a estatua um doloroso ai.

• V.

« Senhor (disse o Paulistano)


Aqui vimos todos nós
Ao primeiro Soberano
Saudar do Brasil, a vós!
Escolhemos este dia,
Por ser o de mais valia
Do vosso» régio florão;
— 8 —

>N elle mostrastes ao mundo


O critério mais profundo,
O mais nobre coração.

Escriptor abalisado,
Que de livre a palma tem,
Sinceramente votado
Da pátria à grandeza, ao bem,
Viu n esse rasgo perfeito
D'heróe um serviço feito
Por vós, immenso, ao Brasil,
E franco e bem alto o disse,
Sem que alguém o desmentisse,
Na sua Aurora gentil.

É, pois, uma offensa à historia


Quererem d'ahi tirar
Para o paiz uma gloria,
E para vós um desar.
Não; a victoria foi vossa;
E pasma, Senhor, que possa
Alguém isto escurecer'
Quem venceu, não foi o povo,
Fostes vós, que... (caso novo!)
N3o o quizestes vencer.

Para affirmar o que digo,


Aqui está um lidadôr
Da Independencia,um amigo
Vosso, egrégio Imperador. (7)
Á frente do seu provecto
Batalhão bravo e completo,
Elle sustentar-vos quiz;
E respondestes severo:
Não; fazer sangue não quero;
Amo muito este paiz!

Da obra da Independência,
Q'eu apenas ajudei,
A não ser vossa influencia,
O que seria,—não sei.
Pelo menos, sangue em rios,
Longos annos bem sombrios
EUa havia-nos custar...
E, feita,—quem poderia
As ambições, a anarchia
Conter em vosso logar?

Pois fui eu, quem esse grita


Do Ypiranga soltou?
Quem as luctas do Cabrito,
Do Pirajá vigorou ?
Não: contra essa injustiça*,
Com que a desordem se atiça-,
Também protestar eu vim:
Por indevido, rejeito
O laurel—de q'esse pleito
Foi só movido por mim. (8)
2
— 10 —

Os presentes e os vindouros,
Imparciaes, vos darão
A maior parte dos louros
Da nossa Emancipação.
Alguma vóz, que, mesquinha,
Vo'los negue, bem asinha
Ha de, sem echo, morrer;
O Archi-heróe da Liberdade
Brasileira, em toda edade,
PEDRO PRIMEIRO ha de ser.

Faliam, SENHOR, em q'eu fora


Expatriado por vós,
Quando só gente traidora
Nos fêz esse mal a nós.
Ao menos vós reparastes
A offensa, e me nomeastes
De vossos Filhos tutor:
Os q'então me depozeram,
Que satisfação me deram
De tão grande desamor?

Ingratos foram commigo,


Ingratos com meus irmãos;
Tratam-vos como a inimigo!..
Oh! não parecem chnstãos!
Quanto ao martyr Tiradentes,
De quem hoje descontentes
— 11 —

Se lembram para seus fins,


Isso attenção não mereee
Do povo, que já conhece
Esses manejos ruins,

Q^xtravagante lembrança!
Nunca tal absurdo vi!
É discorrer de creança,
De que o bom senso se ri.
Querer-se commemorado
'N um monumento o soldado,
Que na vanguarda morreu,
E ahi deixar-se esquecido,
Sem um padrão erigido,
O General que venceu!..

A muito desce o despeita


De ambiciosos mortaes!
Gemo em meu funéreo leito,
Ouvindo cousas eguaes!
E a que vem hoje o martyrio,
Que o despotismo em delírio
Fêz o liberal soffrer ?
D'esse acto furibundo,
Antes de virdes- ao mundo,
Que culpa podereis ter?

Tacha-se de incongruência
Vosso vulto no logar,
Onde da Independência
— 12 —

O martyr veio expirar!


Ao contrario, p'ra lembrança
Cabal da pátria, e vingança
Maior do seu lidador,
Aqui mesmo, onde correra
D'elle o sangue, é que devera
Collocar-se o vingador.

Eu, meu Príncipe, me ufano,


De todo o meu coração,
De ver ao meu Soberano
Elevado este padrão.
Elle, além de ser um preito
Devido ao alto direito
Do Páe da bràsila grêi,
A idéa também encerra
Do que fui por minha terra,
Do que fiz pelo meu Rei.

Abençoada a Bahia,
De quem tanto mereci,
E a quem na minha harpa um dia
Grata canção (9) desferi!
Sim, abençoada seja
Essa terra da peleja
Que a Independência firmou,
Pela estatua, a vós sagrada,
Que mais, co*a pedra assentada,
Vosso Filho assinalou í
— 13 —

Guarde o Ceu vossa Pessoa


No bronze por annos mil,
E em vossa Prole a Coroa
Imperial do Brasil!
Á sombra da Liberdade,
E d'augusta Magestade
Do vosso Herdeiro, SENHOR,
Floresça o meu pátrio ninho,
E o porvir, que lhe adivinho,
Complete o seu esplendor!

É este o meu voto e o d'esta


Phalange, que consummar
Veio commigo hoje a festa
Da gratidão popular.
São heróes que vos saúdam.,
E a vosso bom Filho escudam
Co'as suas preces a DEUS.
Bemdito seja, bemdito
Quem honra a pátria! Maldito
Quem turva a gloria dos seus!

V.

Aqui fêz pausa o sempiterno Andrada;


E de quanto lhe ouvi,
14

Co'a alma em sancto júbilo engolfada,


A abraça-lo corri.

Conheceu-me o heróe, a quem, saudoso,


No túmulo cantei...
Abraçou-me... e do ampléxo affectuôso
Com o aperto accordei.

Foi tal a impressão, que ainda ouvia,


Depois de despertar,
Os applausos da ethérea companhia,
A estatua a suspirar.

VI.

Do leito ergui-me, emfim, e disse: A eüe,


A elle, sim, o povo redimido
Devera uma memória ter erguido
Á esquerda do seu Libertador:
Tal como junto de José Primeiro
Vive no bronze o seu Ministro ousado,
Viver devera de DOM PEDRO ao lado
Em outra estatua o seu fiel Mentor.

Foi a lacuna que notei somente;


Suppri-la o povo brasileiro ha de,
— 15 —

Ao apóstolo primaz da Liberdade


Alçando em Paulicéa egual padrão;
Assim como a Bahia agradecida
Um monumento levantar um dia
Ha de em seu seio, si ainda fôr Bahia,
Ao seu intrépido, immorlal Bulcão. (10)

Do vento, que á estatua erécta a PEDRO


Assanhado investir, o mesmo effeito
Ha de ter esse sopro de despeito,
Que óra abalar o seu renome quer:
Ao Príncipe, que o fêz nação e livre,
O Brasil bemdirà do sul ao norte,
Emquanto o brado—Independência ou morte!-
Lembre o Ypiranga, e Pirajà viver.

7 de abril de 1862.
MOTAS.
( 0 O patriótico e nobre fim d'este meu pocmeto foi-refutar, como
>n elle refuto, o que se ha escripto em prosa e verso, na Corte e aqui,
contra o monumento devidamente erigido á memória de h. M. i., o
Senhor Dom Pedro 1.» Sei bem, que ainda mais injuriado do que
foi na metropoli, a pretexto áo-Rei só,—o só cavalleiro do Cruzeiro
<le 14 de Março de 1860, e está sendo agora 'n esta cidade o cantor de
25 de Março ultimo, ha de sem duvida ser o poeta da—üítatua e os
mortos.— Paciência: ao.menos cingirei, assim, a palma do martyrio,
já que me não é possivel cingir a da gloria.
(2) Tal foi exactamente a de 6 do corrente mêz de Abril, em que
teve lugar o meu sonho, do qual despertei ao alvorecer de 7, em que
o escrevi.
(3) O da Acclamação no Rio de Janeiro. Já se vê que também sou
veterano do 7 de Abril, e que por tanto, não se me pôde averbar
de suspeito.
(*) O Illustre Senador Francisco de Paula Sousa e Mello, o qual,
como Presidente da ('amara Municipal do Itú, lavrou o primeiro aclo
para a Independência do Brasil.
(5) O benemérito Tenente Geueral José Joaquim de Lima e Silva,
que, proso Labatut, de Commandante que era do Batalhão do Impe-
rador, passou a commandar o exercito da Independência 'n esta Pro-
víncia, e com elle entrou na capital restaurada; e o Coronel Antô-
nio de Sousa Lima, cm 1822 bravo Tenente de Itaparica, que a elle
e ao Tenente Coronel Galvão deveu em grande parte a sua assignala-
da victoria de 7 de Janeiro de 1823.
(6) O Coronel Felisberto Gomes Caldeira, natural da província de
Minas, digno e denodado Commandante da Brigada da esquerda do
referido Exercito Pacificador, o qual, commandando as armas desta
província, foi ingrata e barbaramente assassinado, em sua própria
Casa, por uma companhia do Batalhão de Periquilos; pelo que dou-
lhe aqui o appellido de—infausto.—
(7) Allude ao Marechal Seara. Este facto, passado na tarde Ou noite
de 6 de Abril, è bem sabido de todos.
(8) O illustre Sr. Theópbilo Ottoni, cujo testemunho, por insus-
peito, muito me aprazo de aqui citar, outr'ora reconheceu e declarou
o contrario no seguinte período do seu discurso, proferido na Câma-
ra dos Deputados, acerca do projecto da maioridade de S. *1. L, o
Sr. D. Pedro 2.°; ei-lo: « Sr. Presidente, o prestigio do Sr. D. Pedro
2.° nasce do rnmpo da Acclamação, onde seu pai foi acclamado Im-»
perador do Brasil; não porque descendesse de uma antiga linhagem
de Reis da Europa; más porque, comprehendendo bem as necessida-
des do Brasil, póz-se d frente da sua Independência, e soltou nas
margens do Ypiranga esse grito famoso—Independência ou morte.—
Veja-se o Interesse Publico de 6 de Dezembro de 1860, onde vem ex-
trahida a circular do dito Sr. Ottoni aos eleitores do 2.° districlo de
Minas.
(9) A sublime o muito conhecida Ode aos Bahianos, que'n aquel-
los bons tempos de eleições espontâneas o haviam nobremente elegi-
do para seu Representante na Assembléa Geral.
(10) O finado Barão de S. Francisco, em quem já acima fallei, por
antonomasia—Patriarcha da Independência 'n csia província. Leia-4
se a bcllisslma Odo ao 2 de Julho, do exímio Senador e Poeta, Vis-
conde de Canivellas, Manuel Alves Branco.
«i>ihM^"nb0,lí difí ', l0s l d0 ' es P BCi «l menção o eloqüente e corajoso Con-
d o K ' i i r i n ; ? v - " W t í 0 ' ° valoroBo Barão de Maragogipe, o
V C 6 d T re
do
oe Ba?"o
uarros Kirâo
micfio,«c Si"' ? r ' ° o s b r a v o s Tenente Coronel J.
a i a j o r J o s c Antônio da Silva Castro, &c, «Stc.

Bahia-Typ. de Cainillo de Lcllis Masson & 0 . - 1 8 ^ *









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