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Á ItHA DA MADEIRA

LISBOA
EMPR.:ZA DO "OCCIDRNTE»
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S. Gj ~ '21 ?' / - AI ~ '8 o

Á ILHA DA MADEIRA

Ao lIauta qu e do mal' ll'lIlIW~lu(),o


' "em dos haltlões aspcrrilllos .';Imad",
Tu Lp mosLraR, ó ilha f('iLi!:!'ir:l,
Como, llepois de S0JJ11l0 fadi goso
De horriveis pezadello8,
uni dia delicioso,
Todo alrgria e festa c raios beJlo"
UIlI claro dia pelo sol doirado.

.' Se isto é hoje d'es!'artr,


O que seria d'antes,
Quando te desvendaste a vez prülIl'ira
Da nevoa e do mysterio em grallde parll'
Á vista dos pasmados navegantes I
Que, não bastando ainda estar perdida
No meio do oceano,
Por seculos dos homens escondida
Em recondito arcano,
Tu, qual donzella candida e medrosa,
Que do banho sahi~se,
E a nudez, vergonhosa,
])e alvo cendal cobrisse,
Elu lIlanLo dI' neblina le clflhu~avas:
E até do mar, que ás plantas te gellJi~,
E até do proprio sol, que te queria,
A virgem formosura recatavas.

Porêm chegou o dia


Pelo Eterno marcado,
Em que, apezar d'esquiva,
1'e rendeste captiva
Do sol rla nossa gloria á viva chamma,
Ao generoso brado
Do grande Henrique da perpetua fama,
Quando, assim como do Sinai o monte,
Sagres de raios coroou a fronte,
E, desmedido pharo,
Ao marinheiro ignaro
Fez dissipar as trevas do horizonte.

Pandas as brancas vrlas,


Atravessadas pela cruz de Christo,
Eis no Jiquirlo argento
As fortes, portuguezas caravellas
Correm ao sopro do inconstante "ento.
Assim na edade-mrdia a Europa ha visto,
Assignalaclos por egual emhlema,
Passarrm os gucrrriros
A Asia, para em rabido comlnte
Df annos e annos inteiros
Dar ao sagrado tumulo o resgate.
É o mesmo o nosso thoma:
A fé; tambem o oriente procuramos,
E, como elles, tambem a amiga espada,
A par da cruz, intrepidos levamos
A uma outra cru7.arla.

Huem os furacões; troam os ares;


É plumlJeo o céo; das lobregas entranhas,
Quaes liquidas montanhas,
Volvem-se em desespero os torvos mares.
Velas onrlas corridos,
Os pequenos baixeis tragam a morte,
Já quasi submergidos;
Porêm não desanima a gente forte.
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Invoca a soherana potcstade,


Que a protege de ha muito, e a praia ignota,
Na escura cerração da tempestade,
Compadedda, lhe dirigc a rota.

Alçando as mãos a Deus, inda molhadas


Das ondas salitrosas,
A marítima turha Ih'agradece
As terras deparadas,
As vidas tanto a pique assim poupadas,
Com palavras piedosas,
E murmura esta prece:

Sellhor, se, como outrora do teu povo


Os passos pelo ermo encaminhastr,
A este porto santo nos guiaste,
Dá-nos, di-nos ainda .um signal novo,
Outro maior signal de teus favores:
Teus filhos tambem somos:
As asperas fadigas,
Ao bravo pégo, ás armas inimigas
Por ti só, pela patria nos expomos;
Faze que esta primeira déscoberta,
Que o dom d'esta ilha esteril e deserta
Spja seguido d'outros dons melhorps.

Dizem; abaixam da cerulea altura


Os olhos; e, ao baixaI-os, de repellto
Vêem longe sahir de nevoa escura,
Que mais e mais se torna transparente,
Uma visão da phantazia ardente 't
De um monte a sohrancl'Íra catadura 1

Eia; ao mar; o Senhor nos presta ou vidos;


Temos fé que é verdade essa apparencia,
Xão devaneio apenas dos sentidos.
É da sua clemencia
Qucm sabe se o signal; ao mar corranlOs.
Bradam; soltam ao wnto a larga vela;
li

Já chegam; já de todo a alva neLlina


Aqui, ali, se esvae ou e adelgaça,
E mo~tra, meio occulto" com mais graça,
Flores, verdura, emmaranhados ramos,
Uma terra tão beIJa,
Que mais semelha apparição divina,
Ou cahida do céo fulgida esLrella.

Assilll aos denodados portuguezes


Appareceste, ó ilha da Madeira, 1
Para os avigorares nos revezes;
Assim aos olhos de Xor outrora,
Depois das grandes agua"
Appareceu o arco da alliança,
Entre elle e Deus, o iris da bonallça,
Que do diluvio o confortou nas maguas.
Sim, tu foste a esperança,
Que Deus, á nossa empreza favoravcJ,
Nos amostrou para nos dar alentos,
E, atravez do luctar dos elementos,
Cumprirmos nosso fado incomparavel.
D'aqui, cheios de arrojo, nós partimos,
E d'Asia, e d'Africa c do Novo Mundo
Em grande parte as plagas dcsc()hrilTlo~,
E pelo P(\go fundo
Em roda o globo co'os haiHis IIICdiIlIOS.

Como es bella! Da Grecia cOllheçida,


Tu serias de Yenus a morada,
Ou fôra, ao ver-Lr assim do mar sallida,
A nascença de Yrnus fabulada.
Ficara a téla dos Jardills rI'Arrllida,
Sendo feita por ti, mais hrrn pintada,
E a descripção da Ilha dos Amorrs
Realçariam mais os teus primores.

I :Só por convenicncÍa lJoetica se torDOU aqui immcdfatamente sue-


cCtiijivo ao descobrimento da illla de }>or!o Santo o da ilba da Madei-
ra, quando, segundo a opinião mais assente, foram distanciados um
do outro pelo cspa\:o de alguDQ mczclS , bC não de um auuo.
7

Todos) á uma) os povos te namoram;


Mas a todos te mostras insensivel.
Emualdl.' os filhos de Aluion te exoralll)
Te chamam Flor do Oceano immarcescivel.
Nossos antigos os primeiros foram ;
Por outrem nos deixar não te é possi vel.
Do céo) dos mares e de Deus á face
De nós comtigo se firmou o enlace.

1)01' seres t<1o HeI) tão portugueza


Mais ainda te e~timo) ilha formosa ;
Mas por laro diverso anila a ti presa
~linh'alma: da cxistencia trabalhosa
Com riso' esmaltaste-me a tristeza)
Xa quallra) embora amarga) descuidosa
])a passada) inexperta juventude)
Quando uns dias viver eUI ti eu pUllc.

E agora que de ti me tem distantr


O logar e cios annos a carreira)
Phantaziu-te ainda mais brilhante)
Vejo-te mais ainda feiticeira,
Que me recorda teu florir con~talltl'
A ininha primavera pas~ageira)
A minha tão querida mocidadr)
E és para Illim um rcho) uma saudar/r.

Lísboa- .1898.
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