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Poema épico

Poemas épicos constituem narrativas que contam histórias de aventuras grandiosas e heróicas. O texto que você vai ler
agora é um poema épico de Gonçalves Dias (1823-1864), escritor brasileiro, pertencente à primeira geração romântica.
Como o Romantismo buscava, nessa época, uma arte puramente nacional, o indígena foi apresentado como legítimo
representante da nossa brasilidade – ele é idealizado e considerado herói.

I - Juca Pirama
O poema divide-se em 10 partes em forma de composição épico-dramática. Nele conta-se a história de um jovem
guerreiro tupi, cuja tribo havia sido dizimada pelos brancos. Sobreviveram apenas ele e o pai cego e doente. Um dia, o
jovem cai prisioneiro de uma nação inimiga e antropófaga, os Timbiras, que acreditam que alimentar-se da carne de um
bravo inimigo os faz mais fortes. Por isso exigem que o prisioneiro diga quem é e morra lutando contra os guerreiros. O
título, em tupi, significa literalmente em português “o que há de ser morto; aquele que deve e que é digno de ser morto”.
Durante a cerimônia que antecede ao sacrifício, é-lhe permitido contar seus feitos ou defender-se. Leia o Canto IV,
trecho do poema em que o jovem responde aos timbiras quem é, chora e pede para ser libertado para cuidar de seu pai,
velho e doente. Afirma, no entanto, que voltará para se entregar e lutar como um guerreiro, assim que o pai falecer.

Canto IV (a resposta do prisioneiro)


Meu canto de morte, Aos golpes do imigo, O cru dessossêgo
Guerreiros, ouvi: Meu último amigo, Do pai fraco e cego,
Sou filho das selvas, Sem lar, sem abrigo Enquanto não chego
Nas selvas cresci; Caiu junto a mi! Qual seja, — dizei!
Guerreiros, descendo Com plácido rosto,
Da tribo tupi. Sereno e composto, Eu era o seu guia
O acerbo desgosto Na noite sombria,
Da tribo pujante, Comigo sofri. A só alegria
Que agora anda errante Que Deus lhe deixou:
Por fado inconstante, Meu pai a meu lado Em mim se apoiava,
Guerreiros, nasci; Já cego e quebrado, Em mim se firmava,
Sou bravo, sou forte, De penas ralado, Em mim descansava,
Sou filho do Norte; Firmava-se em mi: Que filho lhe sou.
Meu canto de morte, Nós ambos, mesquinhos,
Guerreiros, ouvi. Por ínvios caminhos, Ao velho coitado
Cobertos d’espinhos De penas ralado,
Já vi cruas brigas, Chegamos aqui! Já cego e quebrado,
De tribos imigas, Que resta? — Morrer.
E as duras fadigas O velho no entanto Enquanto descreve
Da guerra provei; Sofrendo já tanto O giro tão breve
Nas ondas mendaces De fome e quebranto, Da vida que teve,
Senti pelas faces Só qu’ria morrer! Deixai-me viver!
Os silvos fugaces Não mais me contenho,
Dos ventos que amei. Nas matas me embrenho, Não vil, não ignavo,
Das frechas que tenho Mas forte, mas bravo,
Andei longes terras Me quero valer. Serei vosso escravo:
Lidei cruas guerras, Aqui virei ter.
Vaguei pelas serras Então, forasteiro, Guerreiros, não coro
Dos vis Aimorés; Caí prisioneiro Do pranto que choro:
Vi lutas de bravos, De um troço guerreiro Se a vida deploro,
Vi fortes — escravos! Com que me encontrei: Também sei morrer.
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.

E os campos talados,
E os arcos quebrados,
E os piagas coitados
Já sem maracás;
E os meigos cantores,
Servindo a senhores,
Que vinham traidores,
Com mostras de paz.
O jovem é, então, libertado pelo chefe dos timbiras e vai ao encontro do pai. Este, no entanto, percebe que o filho estava
sendo preparado para a morte: sente os cheiros das tintas e percebe os ornamentos do ritual de morte. Obriga, então, o
filho a retornar com ele à nação inimiga e, lá, pede que o ritual se cumpra, que o jovem seja sacrificado. O chefe dos
timbiras, porém, se nega a atendê-lo, afirmando que o rapaz é fraco e covarde, pois chorou na presença da morte.
Leia o Canto VIII, em que o velho tupi, indignado, amaldiçoa o filho.

Canto VIII (a maldição)

Tu choraste em presença da morte? Que a teus passos a relva se torre;


Na presença de estranhos choraste? Murchem prados, a flor desfaleça,
Não descende o cobarde do forte; E o regato que límpido corre,
Pois choraste, meu filho não és! Mais te acenda o vesano furor;
Possas tu, descendente maldito Suas águas depressa se tornem,
De uma tribo de nobres guerreiros, Ao contacto dos lábios sedentos,
Implorando cruéis forasteiros, Lago impuro de vermes nojentos,
Seres presa de vis Aimorés. Donde fujas com asco e terror!

Possas tu, isolado na terra, Sempre o céu, como um teto incendido,


Sem arrimo e sem pátria vagando, Creste e punja teus membros malditos
Rejeitado da morte na guerra, E oceano de pó denegrido
Rejeitado dos homens na paz, Seja a terra ao ignavo tupi!
Ser das gentes o espectro execrado; Miserável, faminto, sedento,
Não encontres amor nas mulheres, Manitôs lhe não falem nos sonhos,
Teus amigos, se amigos tiveres, E do horror os espectros medonhos
Tenham alma inconstante e falaz! Traga sempre o cobarde após si.

Não encontres doçura no dia, Um amigo não tenhas piedoso


Nem as cores da aurora te ameiguem, Que o teu corpo na terra embalsame,
E entre as larvas da noite sombria Pondo em vaso d’argila cuidoso
Nunca possas descanso gozar: Arco e frecha e tacape a teus pés!
Não encontres um tronco, uma pedra, Sê maldito, e sozinho na terra;
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos, Pois que a tanta vileza chegaste,
Padecendo os maiores tormentos, Que em presença da morte choraste,
Onde possas a fronte pousar. Tu, cobarde, meu filho não és.

Na sequência, o jovem guerreiro, para provar sua coragem,


desafia a nação dos timbiras e luta bravamente, derrotando os
mais bravos guerreiros inimigos, um a um. Assim, resgata a
honra tupi, consegue a liberdade juntamente com seu pai e se
transforma em mito na cultura da timbira.

Vocabulário
acerbo – duro, difícil, amargo, cruel furor – fúria
ameiguem – afaguem, acariciem fugaces – velozes
arrimo – apoio, amparo, proteção ignavos – preguiçosos, ociosos
asco – repulsa, nojo imigas – inimigas
bravo – corajoso, valente ínvios – intransitáveis
cobarde – covarde maracás – chocalho usado pelos
creste – toste, queime pajés em cerimônias religiosas
deploro – choro, lastimo, pranteio manitôs – força mágica
descendo – sou descendente mendaces – falsas, traiçoeiras
desfaleça – enfraqueça, mingúe mi – mim
dessossego – desassossego piagas – pajé, curandeiro
embalsame – introduzir em (um punja – torture
cadáver) substâncias que o pujante – possante, forte,
isentem da decomposição; grandioso
encher de aromas; perfumar silvos – assovios
espectros – fantasmas, sombras tacape – arma ofensiva, espécie de
execrado – desprezado, odiado maça
fado – destino talados – devastados
falaz – mentirosa, enganadora vesano – demente, insensato

DIAS, Gonçalves. I-Juca Pirama. In: Poemas. São Paulo: Publifolha, 1997. (Seleção, introdução e notas
de Péricles Eugênio da Silva Ramos). P. 120-137.
Nomes: _________________________ / _________________________ Nºs.: _______ / _______ 2º ____

I – Juca Pirama, Gonçalves Dias - Estudo de Texto

1. A parte IV tem por assunto:

a) o canto do prisioneiro. b) a história do pai cego. c) a história dos tupis.

2. No “Canto IV”, o que revelam os duas primeiras estrofes do poema?

3. “I – Juca Pirama”, traduzido literalmente da língua tupi, vale como se em português disséssemos “o que há
de ser morto, e que é digno de ser morto”. Que relação há entre os trechos do poema e o título?

4. Sabendo que os tupis habitavam o litoral, a presença dos portugueses é descoberta indiretamente por um
fato citado pelo guerreiro em seu canto de morte. Qual?

a) “Guerreiros, descendo b) “Da tribo pujante, c) “Vaguei pelas terras


Da tribo tupi” Que agora anda errante” Dos vis Aimorés”

5. Como o jovem descreve a si mesmo até ser aprisionado?

6. Observe os versos da 3ª, 4ª e 5ª estrofes.


Coloque C ou E, conforme as afirmações estejam certas ou erradas a respeito daquilo que o índio viu:

(____) Grandes tribos subjugadas por estranhos. (____) A morte de um amigo.


(____) A destruição das selvas onde nascera. (____) A destruição de seu lar pelos Aimorés.
(____) Destruição das tabas e de sua crença.

7. Há um momento no poema em que fica implícita uma crítica à intromissão do branco na cultura indígena.
Copie os versos que comprovam esta afirmação.

8. De acordo com a 7ª, 8ª, 9ª e 10ª estrofes, que motivos ele alega para ser libertado?

9. Releia a décima estrofe do “Canto IV”. Que vestígios da religiosidade cristã aparecem nesse trecho?

10. Na 6ª estrofe, o prisioneiro faz um pedido aos inimigos: “Deixai-me viver!”


Em que parte do “Canto IV”, o jovem propõe um acordo com os Timbiras? Que acordo é esse?
11. O índio chorou porque era covarde? Explique.

12. A parte VIII tem por assunto:

a) a dor do velho guerreiro. b) a aflição do pai amargurado. c) a maldição do pai raivoso.

13. No “Canto VIII”, segundo o velho pai, qual foi o „crime‟ maior cometido pelo jovem?

14. O que significava, para o velho indígena e para a nação Timbira, a atitude do jovem?

15. Seguindo os modelos do Romantismo europeu e a atração pelo medievalismo, nossos escritores
encontraram no índio brasileiro o representante mais direto de nosso passado medieval – o único habitante
nestas terras antes do Descobrimento. Além disso, vivendo distante da civilização, nosso índio correspondia
plenamente à concepção idealizada do “bom selagem”, defendida por Rousseau. Observe o comportamento
do índio tupi e indique:

a) uma característica dele que se assemelhe às do cavaleiro medieval;

b) uma atitude dele que reforce o mito do “bom selvagem”.

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