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HISTÓRIA VER CAPÍTULO

CAP. 01
CRISES NO SISTEMA FEUDAL E O NASCIMENTO DA Escaneie com o
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MODERNIDADE Code da busca de
Exportado em: 30/03/2023 capítulos na aba
Conteúdo

SLIDES DO CAPÍTULO
Para começar e refletir

Rotina de pensamento:
ver-pensar-perguntar
 ROTINA DE PENSAMENTO

De acordo com uma perspectiva clássica e tradicional, o estudo da história da


humanidade é dividido em alguns períodos. Geralmente, as datas que marcam

o início e o fim de um determinado período histórico remetem a algum evento


importante que, em certa medida, sintetiza as transformações que provocaram

o fim de uma fase e o início de outra.

A pintura a seguir, por exemplo, retrata a percepção do artista acerca de uma

fase específica da Idade Média: o século XIV. Observe-a com atenção.

Óleo sobre tela de Pieter Bruegel, 1562. Dimensões: 117 ×


162 cm. Museu do Prado, Madri, Espanha.
Wikimedia Commons

Agora, responda às questões propostas.

1
1.
O que você vê na pintura?

2.
O que será que representam as figuras humanas e não humanas retratadas na
imagem?

3.
O que você acha que está acontecendo na cena retratada? Que elementos
presentes na imagem levaram você a tal conclusão?

4.
Na sua opinião, o que pode ter acontecido nesse período histórico para que o
artista o tenha retratado de tal forma?

O fim da Idade Média e o nascimento da


modernidade

Triunfo da morte, óleo sobre tela de Pieter Bruegel, 1562.


Dimensões: 117 × 162 cm. Museu do Prado, Madri, Espanha.
Wikimedia Commons

A pintura que analisamos na página anterior está relacionada ao contexto de crise

vivenciado na Europa Ocidental no século XIV. Ao longo do capítulo, você irá entender os
fatores que provocaram essa crise, além de ter acesso a uma possível interpretação acerca

do cenário registrado na obra de arte. Por ora, vamos refletir mais um pouco sobre as
informações presentes no texto de introdução ao capítulo, que disserta sobre a questão dos

períodos históricos.

Os acontecimentos que marcaram o século XIV contribuíram para acelerar a crise do

2
feudalismo, sistema político, econômico e social predominante na Europa Ocidental durante

toda a Idade Média. À medida que a economia e a sociedade europeia iam se modificando,

as características que mantinham a essência do sistema feudal iam perdendo força e


abrindo caminhos para a configuração de novos sistemas políticos e econômicos, mais

conectados aos interesses dos grupos sociais detentores de poder. Nesse contexto é que
surge a ideia da modernidade e a passagem para um novo período histórico.

Este capítulo se encarregará de ajudar a entender tal conjuntura, resgatando algumas ideias

estudadas em outros momentos e atribuindo a elas novas perspectivas, para que possamos
compreender o contexto no qual ocorre o nascimento da modernidade. Está preparado(a)

para mais essa aventura? Vamos lá!

Importante

Muitos(as) historiadores(as) criticam a periodização clássica da História, dividida em


Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea, porque ela

tem como marco os eventos que caracterizaram a história do continente europeu.

É importante destacar que, para além da Europa, existiam povos com culturas,
valores e costumes distintos vivendo nos continentes africano, americano e asiático.

Por vezes, essa periodização não dá conta de abarcar os acontecimentos importantes


para a história dessas civilizações.

O feudalismo e a sociedade feudal

3
Iluminura em pergaminho presente no livro As riquíssimas horas
do duque de Berry [c. 1413]. Autor desconhecido. Dimensões: 22,5
cm × 13,6 cm. Museu Condé, Chantily, França.
A ilustração representa uma cena típica da paisagem feudal: ao
fundo, o castelo do senhor; e, no primeiro plano, os(as)
camponeses(as) trabalhando no feudo.
Wikimedia Commons

Conforme relembrado na página anterior, durante a Idade Média (séculos V a XV) o

feudalismo foi o sistema político, econômico e social que predominou na Europa Ocidental.

Considera-se que o apogeu feudal ocorreu na transição entre a Alta Idade Média e a Baixa
Idade Média, do século IX até o início do século XIII. A sociedade feudal, que também se

fortaleceu nesse período, estava organizada sob divisões rígidas; isto é, dificilmente um
sujeito conseguiria passar de um grupo social para outro. Havia três grupos sociais
preponderantes: o clero, a nobreza e os trabalhadores.

A Igreja Católica, instituição mais poderosa e influente do período, justificava tal


organização social ao defender a ideia de que Deus, ao criar o mundo e a humanidade,
determinava o lugar ocupado pelos indivíduos para a garantia do bom funcionamento da

sociedade.

Assim, cada camada social tinha uma responsabilidade específica: o clero tinha a função de
orar pela salvação das almas; à nobreza cabiam as atividades guerreiras e a proteção das

4
pessoas; e os trabalhadores deveriam garantir o sustento de todos. Os dois primeiros grupos
usufruíam de privilégios e direitos políticos e sociais, ao passo que, ao terceiro grupo, cabia
o pagamento de impostos e, em alguns casos, a servidão.

Na Idade Média, a vida estava centrada no ambiente rural. Na época, a terra era
considerada o bem mais valorizado. O domínio e direito de uso da terra, denominada
feudo, determinava a riqueza de um indivíduo ou uma instituição. A Igreja Católica, por

exemplo, detinha controle sobre cerca de um terço das terras da Europa.

Os senhores feudais, membros da nobreza, controlavam um grande número de terras e,


através dos laços de suserania e vassalagem, passavam esse direito para outros nobres,

que também se transformavam em senhores feudais. Os trabalhadores, em sua grande


maioria camponeses, desempenhavam diversas atividades nos feudos, com destaque para a
agricultura.

Linha do Tempo: Idade Média na Europa Ocidental

A linha do tempo a seguir aborda os principais períodos e eventos que marcaram a


fase histórica conhecida como Idade Média. Consulte essa ferramenta sempre que
julgar necessário: ela tem a função de ajudá-lo(a) a se localizar temporalmente ao

longo os estudos.

Reprodução

5
Agora é com você

Questão 01

Explique como estava dividida a sociedade feudal na Idade Média.

Questão 02

Qual era o principal símbolo de riqueza na sociedade medieval?

O mundo feudal passa por transformações


Se até o século XI ocorreu o auge do feudalismo, a partir de então novos elementos sociais e

econômicos mudaram a dinâmica da Europa Ocidental, que se voltou cada vez mais para o
comércio e a formação das cidades, em um processo de abertura gradual em relação aos
feudos. Na verdade, é possível dizer que, nesse período, teve início o quadro que levou o

sistema feudal ao declínio, ainda que alguns elementos que o compunham tenham se
perpetuado ao longo do tempo.

6
Iluminura de autoria desconhecida, c. 1515. Dimensões não
identificadas. The Morgan Library & Museum, Nova York, Estados
Unidos.
A ilustração representa camponeses semeando o campo na Idade
Média. No primeiro plano, podemos observar um trabalhador
usando o arado, que ficava preso ao corpo de um animal.
Wikimedia Commons

No contexto histórico em questão, a produção agrícola aumentou significativamente graças


às novas técnicas de cultivo e à inserção de novos instrumentos no processo produtivo. As

técnicas agrícolas se aprimoraram com o uso de instrumentos de ferro, como a foice, a

enxada, a charrua e o arado (estas últimas eram ferramentas utilizadas para cavar a terra e
facilitar a distribuição das sementes pelo solo).

Além disso, desenvolveram-se moinhos movidos pela água e pelo vento, capazes de
movimentar outros equipamentos como a serra ou o martelo. Houve também a introdução

de um sistema trienal de culturas, no qual as terras cultiváveis eram divididas em três

seções: a cada ano, enquanto se cultivavam gêneros agrícolas em duas seções, a terceira
ficava em repouso, para garantir a recuperação do solo para o próximo período de cultivo.

Essa técnica visava garantir a fertilidade da terra e a ampliação das colheitas.

Com a expansão da atividade agrícola, iniciou-se a produção de novos alimentos, como

7
feijão, ervilha e lentilha, responsáveis pelo fornecimento de proteínas, que promoveu o
enriquecimento da dieta alimentar da sociedade. Com uma alimentação mais completa e

diversificada, as pessoas passaram a viver por mais tempo, o que contribuiu para o

aumento da expectativa de vida e, consequentemente, o crescimento populacional da


Europa Ocidental. Estima-se que, entre os anos 1000 e 1300, a população do continente

aumentou cerca de 230%.

Para garantir o sustento da população, foi necessário ampliar as áreas de produção agrícola.

Para isso, muitas florestas foram derrubadas e foram abertos novos espaços para o plantio
e o cultivo dos mais variados gêneros, além do desenvolvimento da pecuária. A expansão

da produção agrícola gerou um excedente de alimentos e produtos, que passaram a ser

comercializados pelos agricultores.

Na fotografia de Stefano Marinari, vista aérea de uma cidade


medieval murada construída no século XIII em Monteriggioni,
província de Siena, na Itália. Datação não identificada.
Stefano Marinari / shutterstock.com

Nesse cenário, as atividades comerciais, que se tornaram bastante irregulares em algumas

regiões europeias no começo da Idade Média, ganharam um novo impulso. Ao redor dos

castelos existiam áreas fortificadas, denominadas burgos, que, posteriormente, originariam


as cidades. Os moradores desses espaços eram chamados de burgueses. Estes desenvolviam

funções como as de mercadores, artesãos, e cambistas – pessoas que trocavam moedas de

diferentes regiões e emprestavam dinheiro a juros. Com o aumento das atividades


comerciais e do fluxo de pessoas nas cidades, surgiram os mercados e as feiras medievais.

Nesses ambientes, além de alimentos, comercializavam-se tecidos, objetos de uso doméstico

e ferramentas.

As Cruzadas e o início da crise do sistema feudal


No final do século XI, a eclosão de um movimento contribuiu para reaquecer ainda mais as

atividades comerciais na Europa Ocidental: as Cruzadas. Elas foram expedições religiosas e

militares impulsionadas pela Igreja Católica com o intuito de restabelecer o controle sobre a
cidade de Jerusalém, considerada sagrada para os fiéis do cristianismo, do judaísmo e do

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islamismo.

A região, dominada pelos árabes muçulmanos desde o século VII, passou para o domínio
dos turcos muçulmanos, denominados seljúcidas, por volta dos anos 1070. Estes impediram

as peregrinações cristãs e judaicas em Jerusalém, restringindo o acesso à cidade apenas aos


fiéis da religião islâmica. Assim, em 1095, com o objetivo de exercer domínio sobre a

região, o papa Urbano II convocou os católicos a tomarem a cidade de Jerusalém,

prometendo o perdão dos pecados àqueles que se juntassem à empreitada.

Como foi possível observar no mapa, entre os séculos XI e XIII foram realizadas oito

Cruzadas oficiais. Muitas pessoas, de diferentes origens, aderiram ao movimento,

objetivando, por vezes, interesses distintos àqueles alimentados pela Igreja Católica. A
quarta Cruzada, por exemplo, foi patrocinada pelos mercadores da cidade de Gênova, que

tinham como intuito exercer o controle das rotas comerciais do mar Mediterrâneo, que

eram dominadas por muçulmanos e bizantinos. Durante essa expedição, a cidade de


Constantinopla, capital do Império Bizantino e o principal centro comercial do

Mediterrâneo, foi saqueada.

No período, as rotas comerciais que passavam pelo mar Mediterrâneo eram


extremamente importantes porque conectavam os mercadores do norte da África, da

Ásia e da Europa feudal, possibilitando a circulação de pessoas e mercadorias

valiosas, o que favorecia as trocas comerciais. Os mercadores das cidades que tinham
o controle sobre essas rotas adquiriam as mercadorias por um determinado preço e

as revendiam para mercadores de outras regiões por um preço muito mais alto,

garantindo, com isso, altos lucros.

9
Ilustração representando a atividade comercial nas cidades
portuárias europeias, como Gênova e Veneza, localizadas na atual
Itália. Autor desconhecido.
Reprodução

Embora as Cruzadas não tenham atingido seu objetivo principal, elas trouxeram

consequências importantes, que, em certa medida, transformaram o mundo feudal.

As expedições abriram os olhos dos europeus para um mundo bastante diferente daquele a

que estavam acostumados. Ao longo do trajeto pela Ásia, até chegar a Jerusalém, os

europeus tiveram contato com produtos até então desconhecidos por eles, tais como açúcar,
damasco, cetim, seda, entre outros. Essas mercadorias eram levadas para a Europa e

comercializadas por altos valores, garantindo rentáveis lucros aos mercadores,


principalmente àqueles que estavam estabelecidos nas cidades de Gênova e Veneza, os

quais passaram a controlar o comércio no Mediterrâneo a partir do século XIII.

Com isso, os europeus conseguiram retomar o comércio de especiarias – produtos como

cravo, canela, gengibre etc., utilizados para temperar e conservar os alimentos – com os

mercadores do Oriente. Essas mercadorias eram muito valorizadas na Europa e se tornaram


escassas no continente no período da Alta Idade Média, uma vez que as principais rotas

comerciais estavam sob o controle dos turcos, que cobravam valores muito altos para a sua

aquisição.

A retomada das atividades comerciais na Europa Ocidental possibilitou o enriquecimento e


o fortalecimento das cidades portuárias, as quais passaram a atrair muitos camponeses que

se tornavam artesãos ou comerciantes, modificando, assim, as relações de trabalho e

promovendo o enfraquecimento do sistema de servidão, fundamental para a manutenção


das camadas mais abastadas. As cidades cresciam cada vez mais e passavam a ser pensadas

não somente para a proteção de seus habitantes, mas para facilitar a entrada e circulação

de mercadorias. As ruas se tornaram mais largas, e foram surgindo mais praças de


comércio.

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Nesse sentido, é possível afirmar que as Cruzadas contribuíram, em certa medida, para

desestabilizar as estruturas do mundo feudal, uma vez que, a partir desse evento, a terra e

a produção agrícola foram deixando de ser a base central da economia europeia.

Agora é com você

Questão 01

Escreva um parágrafo relacionando as mudanças sociais e econômicas na Europa

ocorridas a partir do século XI. Aborde as seguintes questões: retomada do comércio,


dieta alimentar, aumento da população e crescimento das cidades.

Pratique:
o mundo feudal e suas mudanças no contexto da
Baixa Idade Média
Questão 01

A sociedade feudal é conhecida por uma organização em três ordens diferenciadas. Cada

ordem seguia um papel definido por Deus: trabalhar, lutar ou rezar. A Igreja Católica
tradicionalmente reforçava a existência das ordens com a ideia de céu e inferno e a

salvação apenas para os que seguissem a vontade de Deus. As três ordens da sociedade

feudal eram formadas por:

A escravos, clero e cavaleiros.

B clero, artesãos e militares.

C cavaleiros, camponeses e escravos.

D senhores, vassalos e peões.

E clero, nobreza e camponeses.

Questão 02

[...] para satisfazer as faltas e necessidades dos da fortaleza, começaram a afluir diante da porta, junto
da saída do castelo, negociantes, [...] mercadores de artigos custosos, em seguida taberneiros, depois

11
hospedeiros para a alimentação e albergue dos que mantinham negócios com o senhor [...]. Os
habitantes de tal maneira se agarraram ao local que em breve aí nasceu uma cidade importante.

LELONG, Jean. Cronista do século XIII. In: ESPINOSA, Fernanda.Antologia de textos históricos
medievais. [S.l.: s.n.], 1972.

O texto refere-se:

A às transformações ocorridas na Europa Ocidental a partir do século XI, quando as


atividades comerciais se intensificaram.
B ao processo de criação das corporações de ofício, com regras e rituais específicos
para cada profissão.
C à crescente insegurança que marcou o Período Medieval, razão pela qual se
procurava viver em torno de fortificações.
D à baixa produção dos feudos, que dependiam de fornecedores externos para
assegurar a sobrevivência de seus moradores.
E às lutas entre senhores feudais e senhores urbanos pelo controle da produção
agrícola, principal fonte de impostos.

Questão 03

3.a)

Qual relação se pode estabelecer entre as Cruzadas e o ressurgimento do comércio e das

cidades europeias?

3.b)

Como isso contribuiu para desestruturar o sistema feudal?

A crise do século XIV e suas características


Como vimos nas páginas anteriores, entre os séculos XI e XIII a Europa vivenciou um
período de mudanças em razão do aumento da produção agrícola e do avanço tecnológico
na agricultura. O uso de novas técnicas, aliado às chuvas regulares, favoreceu a
produtividade do campo, permitindo, com isso, o crescimento populacional.

Contudo, a partir do século XIV, fatores econômicos, sociais e políticos desencadearam uma
profunda crise na Europa. O continente se transformou em um lugar marcado pela doença,
fome e miséria, palco de revoltas e instabilidades políticas, que provocaram a morte de

milhões de pessoas. A seguir, vamos analisar as mudanças que propiciaram esse contexto

12
de crise.

A redução da produção agrícola, o aumento da fome e o


alastramento de epidemias

Nas primeiras décadas do século XIV, entre os anos 1314 e 1315, mudanças climáticas,
especialmente fortes chuvas e geadas, reduziram drasticamente a produção agrícola no

continente europeu. Tal situação provocou o aumento do preço dos alimentos, o que
dificultou a sua distribuição para as camadas mais pobres da população, gerando uma onda
de fome pelo continente europeu. A situação de calamidade era tão intensa que existem

relatos revelando que algumas pessoas chegaram a praticar o canibalismo para sobreviver
à falta de alimentos. No período, a falta de uma alimentação adequada levou milhões de
pessoas à morte.

 Glossário
canibalismo: ato de alimentar-se de outro indivíduo da mesma espécie.

Ilustração de autoria desconhecida, presente na Bíblia de


Toggenburg, c. 1411-12. Dimensões não identificadas. Museu de
Gravuras e Desenhos, Berlim, Alemanha.
A imagem retrata o profeta Moisés, ao fundo, intercedendo por duas
pessoas infectadas pela peste bubônica, destacadas no primeiro
plano.
Wikimedia Commons

Poucas décadas mais tarde, o continente europeu viu-se assolado por uma de suas maiores

catástrofes, a peste bubônica, que, na época, fora chamada de peste negra. A doença teve
origem na Ásia e chegou à Europa pelo mar Mediterrâneo, através de navios, que, além de
mercadorias, traziam ratos contaminados por pulgas infectadas pela bactéria Yersinia pestis,

13
transmissora da doença.

Ao entrar em contato com os seres humanos, a bactéria provocava uma infecção pulmonar
que evoluía depressa e era transmitida rapidamente pelo ar. Na época, não se conhecia

outro remédio a não ser isolar os núcleos contaminados. As péssimas condições de vida e
de higiene de grande parte da população europeia contribuíram para que a doença se
espalhasse rapidamente pelo continente.

Segundo algumas estimativas, entre as décadas de 1340 e 1350, a peste bubônica matou

cerca de 25 milhões de pessoas em toda a Europa, número correspondente a um terço da


população europeia da época. A título de comparação, o número de mortos causados pela
doença foi muito superior ao número de pessoas que morreram em decorrência dos

combates da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), cujo saldo de mortos foi da ordem de 8
milhões de indivíduos. No mapa a seguir, é possível analisar como se deu o processo de
expansão da peste bubônica entre os continentes africano, europeu e asiático.

O alto índice de mortalidade provocado pela doença promoveu uma queda na produção
agrícola, pois faltava mão de obra para cultivar os campos. Enfrentando dificuldades para
cuidar de suas terras, muitos senhores feudais dividiram suas propriedades e venderam

parte delas para terceiros. Como muitos servos também já haviam abandonado os campos,
tornou-se cada vez mais comum senhores feudais contratarem camponeses para cuidar de
suas plantações.

Mão na massa:
a propagação de doenças no passado e no presente –
a peste bubônica e o coronavírus
 PRÁTICA ATIVA

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No século XIV, a peste bubônica causou pânico semelhante ao que ocorreu com

o aparecimento do novo coronavírus SARS-CoV-2, responsável pela doença


COVID-19. O vírus foi descoberto na China, em dezembro de 2019, e
rapidamente se espalhou para outras regiões do mundo. No Brasil, a primeira

morte causada por coronavírus ocorreu em março de 2020.

A quarentena –medida restritiva de circulação de pessoas para controlar a


disseminação da doença – foi utilizada como estratégia para evitar a

disseminação do coronavírus. O conceito originou-se na Europa, no contexto de


propagação da peste bubônica. Para evitar que a doença se espalhasse, o
governo de Veneza aplicou uma regra que obrigava os navios a ancorarem no

porto da cidade por quarenta dias. Apenas após a passagem desse período era
permitido o desembarque dos tripulantes, dos passageiros e das mercadorias.

Apesar de terem se propagado em períodos históricos distintos, é possível


estabelecer diversas relações entre a peste bubônica e a COVID-19. Em grupos

de, no máximo, quatro pessoas, elaborem um cartaz informativo, apresentando


as semelhanças e diferenças existentes entre as doenças. A ideia é que, ao final
da atividade, o cartaz seja afixado pelas paredes e corredores da escola, para

que os conhecimentos sejam compartilhados com os(as) demais colegas.

Roteiro para produção do cartaz

O roteiro abaixo apresenta algumas informações que podem estar presentes no


cartaz. Vocês podem escolher relacionar três ou mais tópicos no material que
vão produzir.

• micro-organismo transmissor;

• formas de contágio;

• sintomas;

• período de propagação;

• regiões do globo que foram mais afetadas;

• número de infectados;

• número de mortes;

• medidas de prevenção (para além da quarentena);

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• impactos e transformações sociais provocados pelas doenças;

• curiosidades relacionadas às doenças.

Orientações gerais

1.
Façam uso dos conhecimentos adquiridos ao longo do capítulo, mas também
realizem pesquisas em jornais, revistas e/ou sites confiáveis da internet para
deixar o seu cartaz mais informativo e atrativo para o público.

2.
Lembrem-se: o cartaz ficará exposto para que outras pessoas possam consultá-
lo e também aprender com ele. Por isso, caprichem na atividade e deixem a
imaginação fluir. Utilizem diversos recursos para a produção do quadro. Se
vocês gostam de trabalhos artesanais, façam uso de cartolina, papel kraft,
ilustrações, colagens, canetinhas coloridas etc. O cartaz também pode ser
produzido digitalmente, utilizando ferramentas como o Canva, uma plataforma
que permite a produção do cartaz a partir de diversos designs.

A morte no imaginário da Europa feudal


Como vimos no início do capítulo, a Igreja Católica era uma das instituições mais poderosas

do mundo feudal. A instituição exercia grande influência sobre a vida e os costumes da


sociedade. Para evitar castigos divinos, como a baixa produção agrícola e a proliferação de
doenças, os fiéis buscavam seguir os dogmas estabelecidos pelo catolicismo.

O cenário do século XIV, contudo, foi bastante desolador para a Europa feudal. A fome e a
disseminação da peste bubônica foram vistos como uma punição enviada por Deus devido
aos pecados cometidos pela humanidade. Os católicos acreditavam que a profecia revelada

na Bíblia, através do livro do Apocalipse, estava se efetivando e que a crise caracterizava


os últimos tempos da vida humana na Terra.

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O livro do Apocalipse, conhecido também como livro da revelação, descreve a visão

profética – previsão do passado, presente e futuro – do apóstolo João. Nesse livro,


conta-se que, antes do fim dos tempos, os quatro cavaleiros do Apocalipse vão
despejar a ira divina sobre a Terra. Esses cavaleiros são representados pela fome,

pela peste, pela morte e pela guerra. Nesse sentido, o contexto de crise vivenciado
pela sociedade europeia no período justifica o temor dos fiéis.

Nesse cenário, o medo da morte passou a se fazer presente no imaginário da sociedade

medieval. O tema passou a ser tratado de maneira recorrente na literatura, nas encenações
bíblicas, na música e nas artes visuais entre os séculos XIV e XV. A pintura que analisamos
no início do capítulo representa a crise a partir da percepção de um artista do período.
Observe-a novamente.

Triunfo da morte, óleo sobre tela de Pieter Bruegel, 1562.


Dimensões: 117 × 162 cm. Museu do Prado, Madri, Espanha.
Wikimedia Commons

A seguir, apresentamos uma leitura do quadro a partir da análise dos elementos que o
constitui.

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Detalhe da obra Triunfo da morte, óleo sobre tela de Pieter
Bruegel, 1562. Dimensões: 117 × 162 cm. Museu do Prado, Madri,
Espanha.
Wikimedia Commons

1.
Geralmente, nas pinturas do período, a morte é representada pela figura de um esqueleto
humano. Neste recorte, vemos os símbolos da morte tocando os sinos, elucidando, com isso,
a chegada do Juízo Final, conforme retratada nos textos bíblicos.

Detalhe da obra Triunfo da morte, óleo sobre tela de Pieter


Bruegel, 1562. Dimensões: 117 × 162 cm. Museu do Prado, Madri,
Espanha.
Wikimedia Commons

2.
A condição da morte era muito presente e temida pela sociedade europeia no século XIV. No
detalhe, é possível perceber o pavor na expressão facial das pessoas que, deitadas sobre a
rede, são arrastadas pela morte.

18
Detalhe da obra Triunfo da Morte, óleo sobre tela, de Pieter
Bruegel, 1562. Dimensões: 117 × 162 cm. Museu do Prado, Madri,
Espanha.
Wikimedia Commons

3.
Observe, neste recorte, que a morte mostra uma ampulheta a uma figura de poder, no caso,
um rei. A cena pode caracterizar a chegada do "fim do mundo" para todos, inclusive para
os mais poderosos. A morte também toma posse das fortunas do nobre, enfatizando que o
acúmulo de riquezas não modificará o que está por vir.

Detalhe da obra Triunfo da morte, óleo sobre tela de Pieter


Bruegel, 1562. Dimensões: 117 × 162 cm. Museu do Prado, Madri,
Espanha.
Wikimedia Commons

4.
Nesta parte, a morte aparece montada em um esquelético cavalo e estendendo uma longa
foice. Ela avança sobre as pessoas, que são obrigadas a entrar numa espécie de passagem,
que pode simbolizar a passagem para o plano espiritual.

19
Detalhe da obra Triunfo da morte, óleo sobre tela de Pieter
Bruegel, 1562. Dimensões: 117 × 162 cm. Museu do Prado, Madri,
Espanha.
Wikimedia Commons

5.
Neste detalhe, parece haver um combate entre a morte e a vida, representada pelos seres
humanos. Ao redor da cena, vê-se diversos corpos estendidos, o que pressupõe qual será o
desfecho do combate.

Detalhe da obra Triunfo da morte, óleo sobre tela de Pieter


Bruegel, 1562. Dimensões: 117 × 162 cm. Museu do Prado, Madri,
Espanha.
Wikimedia Commons

6.
Nesta cena, a morte é retratada em maior número que os seres humanos. Os esqueletos
possuem escudos amarelos, que se parecem mais com tampas de caixões, com o desenho de
uma cruz.

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Detalhe da obra Triunfo da morte, óleo sobre tela de Pieter
Bruegel, 1562. Dimensões: 117 × 162 cm. Museu do Prado, Madri,
Espanha.
Wikimedia Commons

7.
A presença de uma mesa com toalha branca pode significar que até os nobres tiveram que
interromper seu banquete para lutar contra a morte. Observe a figura do bobo da corte,
que se esconde debaixo da mesa, demonstrando medo.

A eclosão de guerras e revoltas na Europa

A Guerra dos Cem Anos

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Miniatura de autoria desconhecida, presente no livro de crônicas de
Jean Froissart, século XIV. Dimensões não identificadas. Biblioteca
Nacional da França, Paris.
A ilustração representa a Batalha de Sluys – uma das primeiras
batalhas da Guerra dos Cem Anos –, ocorrida nas proximidades do
porto de Bruges, atual Bélgica. Nesse confronto, os ingleses e seus
aliados derrotaram as tropas francesas.
Reprodução

Além do cenário de fome e de doenças, o continente europeu foi palco de alguns conflitos
no século XIV. Entre eles, destacou-se a Guerra dos Cem Anos, um confronto travado entre
a França e a Inglaterra que aconteceu entre os anos de 1337 e 1453. Você consegue

imaginar os fatores que provocaram essa guerra? Vamos descobrir a seguir.

Em 1328, Carlos IV, na época, rei da França, morreu sem deixar herdeiros. Eduardo III, rei
da Inglaterra, reivindicava o direito de assumir o trono, pois era sobrinho de Carlos IV pelo
lado materno. Porém, sua reivindicação não foi aceita pelos franceses devido à Lei Sálica,

que não reconhecia herdeiros da linhagem feminina. Sem outro candidato à linha
sucessória, a coroa francesa foi passada a Felipe de Valois, um parente de Carlos IV, de
linhagem secundária. Os ingleses não aceitaram tal decisão e mobilizaram seus exércitos

em direção à França.

Os dois adversários procuraram aliados, em particular em Flandres, rico centro comercial e


manufatureiro, localizado na região norte da atual Bélgica. A região ficou dividida: a
nobreza flamenga preferiu apoiar a França, enquanto a burguesia apoiou a Inglaterra. O

conflito armado na região teve início com a coroação de Felipe de Valois, que se tornava,
então, Felipe VI. As tropas inglesas reagiram à nomeação do rei francês e dominaram a
região de Flandres. Nesse contexto, a França então declarou guerra à Inglaterra, em 1337,

22
dando início à Guerra dos Cem Anos.

O conflito durou, na verdade, 116 anos e pode ser dividido em quatro momentos diferentes:
no primeiro período (1337-1360) os ingleses venceram os franceses na maioria das
batalhas, dominando territórios das costas norte e oeste da França; no segundo (1360 e

1380), houve a retomada dos territórios pelos franceses; no terceiro (1380 a 1420), os
ingleses conquistaram quase toda a região do norte da França e, no último (1420 a 1453), a
França se recuperou: reconquistou os domínios territoriais que havia perdido e, finalmente,

conseguiu vencer o confronto. A vitória francesa foi marcada pela presença de Joana d'Arc,
que, à frente de um pequeno exército, derrotou os invasores. O conflito teve importância
fundamental por estimular a unidade entre os franceses.

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Perfil

Joana d'Arc (1412-1431) foi uma jovem camponesa que se colocava como enviada por

Deus para salvar os franceses, alegando ter visões de figuras religiosas que a

orientavam a integrar o exército na luta contra a Inglaterra. Joana tornou-se líder


militar, servindo de encorajamento para as tropas francesas na Guerra dos Cem

Anos.

A jovem acabou presa pelos ingleses e foi condenada à morte na fogueira em 1431,

aos 18 anos, acusada de heresia pela Igreja Católica. Dois fatores marcaram a

condenação de Joana D'Arc: a sua insubordinação ao recusar a interpretação da


Igreja sobre suas visões, consideradas ilusórias pela instituição; e a utilização de

roupas masculinas próprias para a guerra, o que era visto, na época, como um ato

indecente e pecaminoso.

Anos após a sua morte, a instituição retirou as acusações direcionadas à Joana d'Arc.

No século XV, a camponesa foi inocentada e, em 1920, foi canonizada pelo papa Bento

XV, tornando-se padroeira da França.

24
Relembre: o lugar da mulher na Idade Média

Assim como nas sociedades patriarcais da Antiguidade, o lugar da mulher na Idade


Média era bastante limitado. Com a influência da religião cristã, esperava-se que as

mulheres se restringissem a alguns papéis bem definidos: principalmente, que

seguissem o exemplo de Maria, a mãe de Jesus Cristo, obediente a Deus, fiel ao seu
marido José e preocupada, portanto, apenas com seus afazeres de esposa e de mãe.

No entanto, entre os séculos XII e XV, os registros históricos mostram a existência de


mulheres guerreiras em diversos reinos europeus. Em circunstâncias excepcionais,

como a morte do marido, por exemplo, era comum as mulheres pegarem em armas

para defender suas terras e/ou linhagens. Algumas delas chegaram até mesmo a
participar do movimento das Cruzadas. Nesses casos, não se via com maus olhos a

inserção de mulheres nas atividades militares, uma vez que as causas pelas quais elas

combatiam eram legitimadas pela Igreja.

As revoltas populares

Na Guerra dos Cem Anos, à medida que os conflitos entre as tropas francesas e inglesas

avançavam, a produção agrícola dos territórios era destruída, agravando a situação das
camadas mais pobres da população, que já estavam sendo vitimadas pela fome e pela

miséria derivadas do contexto de crise.

Além disso, os camponeses tinham que arcar com o aumento dos impostos, cobrados pelos
senhores feudais para compensar os prejuízos causados pelo declínio da produção de

alimentos. Os reis também aumentaram a cobrança de impostos dos camponeses, com o

objetivo de garantir os recursos necessários para a manutenção dos conflitos.

25
Miniatura de autoria desconhecida, presente no livro de crônicas de
Jean Froissart, século XIV. Dimensões não identificadas. Biblioteca
Nacional da França, Paris.
A ilustração representa a derrota dos jacqueries na França, em
1358.
Wikimedia Commons

Tal situação provocou o descontentamento da população, que reagiu organizando algumas

revoltas. Em 1358, na França, eclodiram as jacqueries, denominação utilizada para designar

os camponeses – chamados pejorativamente de joão-ninguém; daí vem a expressão que


nomeia as revoltas que invadiram e saquearam diversos feudos. Os movimentos de

contestação foram reprimidos pelas autoridades locais e estima-se que cerca de 20 mil

camponeses morreram nos conflitos.

Em 1381, na Inglaterra, estourou a Revolta de Watt Tyler, em que os trabalhadores rurais

e urbanos questionavam a criação de impostos para financiar a participação inglesa na

Guerra dos Cem Anos. Os revoltosos chegaram a ocupar a cidade de Cantebury com o
objetivo de pressionar o rei inglês para reconsiderar as cobranças excessivas. Este levante

também foi reprimido pelas autoridades.

Assista: a Guerra dos Cem Anos e suas características

A Guerra dos Cem Anos foi o conflito mais longo da Idade Média. O vídeo produzido
pelo canal Videoteca pode ajudá-lo(a) a compreender esse acontecimento com mais

detalhes.

26
Agora é com você

Questão 01

Entre 1337 e 1453, ocorreu um longo conflito entre franceses e ingleses. Que conflito foi

esse e quais foram as suas motivações? Quais foram as consequências desse confronto?

Questão 02

Os gastos com a guerra, com o recrutamento e o pagamento dos exércitos levaram os


soberanos da Inglaterra e da França a aumentarem os impostos dos camponeses. Qual

foi a reação dos camponeses diante dessa situação?

Pratique: a crise do século XIV na Europa Ocidental


Questão 01

Na Europa Ocidental, a denominada crise do século XIV caracterizou-se por um conjunto

de fatores marcados por péssimas colheitas, fome, epidemias, rebeliões camponesas e


guerras. Entre as alternativas, assinale aquela que indica as consequências desses fatores.

A Aumento da população das cidades, onde os índices de mortalidade eram menores do

que no campo.

B Diminuição das taxas e obrigações senhoriais que recaíam sobre os servos e que

levaram à adoção, nos senhorios feudais, da escravidão de africanos.

C Fortalecimento das instituições medievais, principalmente no que concerne ao caráter

internacional das universidades.

D Abalo do sistema feudal, provocando uma acentuada queda demográfica, num


processo inverso ao da expansão verificada entre os séculos XI e XIII.

E Enfraquecimento geral da cristandade, sobretudo na península Ibérica, o que

permitiu uma nova ofensiva islâmica na região.

Questão 02

27
Com o crescimento comercial na Baixa Idade Média, a Europa atravessou períodos de

pânico coletivo, provocados por manifestações endêmicas ou epidêmicas da peste bubônica


e de outras doenças, como tifo, varíola, gripe pulmonar e disenteria. A disseminação de

várias dessas doenças era facilitada, entre outros motivos, pela:

A condição precária de higiene, enfrentada principalmente pelos habitantes das


cidades.

B crença de que as epidemias não podiam ser combatidas, pois advinham da vontade
divina.

C dificuldade de contato e comunicação entre as populações do continente europeu.

D proibição religiosa das pesquisas médicas e científicas durante toda a Idade Média.

E omissão dos poderes políticos, uma vez que as doenças só atingiam as camadas

pobres.

Questão 03

A crise do sistema feudal, que marcou a Baixa Idade Média, se manifestou através:

I. da Guerra dos Cem Anos.

II. das revoltas camponesas.

III. do enfraquecimento do exército nacional.

IV. do fortalecimento das relações servis.

Quais estão corretas?

A Apenas I e II.
B Apenas III e IV.
C Apenas I, II e III.
D Apenas II, III e IV.
E I, II, III e IV.

Os reflexos da crise do século XIV na Europa feudal

28
Os efeitos do bom governo na vida das cidades , afresco de
Ambrogio Lorenzetti, 1338. Dimensões não identificadas. Palácio
Comunal, torre del Mangia: Siena, Itália.
A ilustração representa uma cidade medieval. O crescimento das
cidades foi fundamental para as transformações do mundo feudal.
Wikimedia Commons

O cenário do século XIV, marcado pela fome, pela peste bubônica, pelas guerras e revoltas
populares intensificou a crise do sistema feudal. A baixa produção agrícola, prejudicada

pelos efeitos climáticos e pela propagação da epidemia entre os trabalhadores, levou os

senhores feudais a viverem uma intensa crise econômica. Para as camadas mais baixas da
população, a situação era ainda pior, pois muitas pessoas não conseguiam se alimentar de

maneira adequada.

Com isso, a criminalidade cresceu, uma vez que as pessoas estavam desesperadas para
garantir a sua sobrevivência, fazendo com que os feudos se tornassem locais inseguros,

sendo alvo constante de roubos e ataques promovidos por bandoleiros e camponeses em

situação de miséria. Os exércitos de cavaleiros, comprometidos em guardar as propriedades


dos senhores feudais, não possuíam força militar nem recursos suficientes para garantir a

proteção dos territórios, uma vez que a crise havia se espalhado entre as diferentes

camadas sociais.

Temendo por suas vidas, muitos senhores feudais passaram a fazer acordos com os reis,

entregando-lhes suas propriedades e dirigindo-se para as cidades, em busca de melhores


condições de vida. Em alguns casos, os senhores concederam o direito do uso de suas terras

aos camponeses que permaneceram no campo. Isso facilitou o processo de libertação desses

trabalhadores do sistema de servidão, o que permitiu que muitos desses indivíduos,


gradativamente, se tornassem livres das obrigações feudais e do vínculo com a terra.

Muitos camponeses, após se libertarem da servidão, ou percebendo a possibilidade de

romper os laços de obrigação feudal devido ao contexto de crise, também se dirigiram para
as cidades, onde tinham a perspectiva de desenvolver atividades artesanais e comerciais,

com as quais esperavam acumular riquezas. Vale destacar que, nesse período, devido à

29
grande mortalidade da população, ocorreu a valorização dos(as) trabalhadores(as)
disponíveis, o que justifica as expectativas dos camponeses em relação à migração para as

cidades, onde esperavam encontrar boas oportunidades de trabalho.

Assim, a terra, bem mais valorizado da sociedade feudal, passou a sofrer forte

desvalorização. As cidades começaram a abrigar um número crescente de pessoas, criando

um ambiente propício para o desenvolvimento de atividades variadas, como o artesanato e


o comércio, conduzidas pela burguesia, que passou a se tornar cada vez mais rica e

influente.

30
Leia e analise

Questão 01

Quando o rapaz, depois de ter passado os anos da infância sossegadamente em casa, chegava à
idade varonil, principiava a seguir meios de vida mais prudentes e aprendia com cuidado e
persistência o que ensinava a experiência do mundo. Para isso, decidiu não seguir a vida de
lavrador, mas antes estudar, aprender e exercer os rudimentos de concepções mais sutis. Por
esta razão, aspirando à profissão de mercador, começou a seguir o modo de vida do vendedor
ambulante, aprendendo primeiro como ganhar em pequenos negócios e coisas de preço
insignificante; e então, sendo ainda um jovem o seu espírito ousou pouco a pouco comprar,
vender e ganhar com coisas de maior preço.

[...] Porque trabalhava não apenas como mercador, mas também como marinheiro [...] para a
Dinamarca, Flandres e a Escócia; nas terras onde encontrava certas mercadorias raras e por isso
mais preciosas, transportava-as para outras partes onde sabia que eram menos familiares e
cobiçadas pelos habitantes a preço de ouro. Fez dessa maneira muitos lucros com todas as suas
vendas e reuniu avultados bens com o suor do seu rosto, visto que vendia caro num lugar as
mercadorias que tinha comprado noutro por um preço inferior.

ESPINOSA, Fernando. Antologia de textos medievais. In: PINSKY, Jaime (Org.).Modo de produção feudal.
São Paulo: Global, 1982. p. 137-138.

1.a)

A riqueza dos burgueses era composta por moedas e mercadorias; a riqueza dos

senhores feudais vinha da propriedade da terra e dos impostos pagos pelos servos. Qual
é a diferença existente entre essas duas formas distintas de renda?

1.b)

Que exigências faziam parte da preparação para uma vida de comerciante?

1.c)

Explique como o comerciante apresentado no texto obtinha seu lucro.

O fortalecimento da burguesia e a necessidade de


novas políticas

31
Um ourives em sua oficina, óleo sobre painel de carvalho, de
Petrus Christus, 1449. Dimensões: 100,1 × 85,8 cm. Museu
Metropolitano de Arte de Nova York, Estados Unidos.
Os ourives são artesãos que desenvolvem objetos a partir do
trabalho com metais preciosos.
Petrus Christus / Wikimedia Commons

Como vimos, a burguesia se formou enquanto grupo social a partir do século XI, com a
expansão da atividade comercial nos burgos. No contexto do pós-crise do século XIV,

enquanto a nobreza se enfraquecia, a burguesia vivia um período de ascensão. Com a

riqueza acumulada ao longo do tempo, os grandes mercadores, representantes da alta


burguesia, conseguiram adquirir algumas propriedades de terra, vendidas pelos senhores

feudais que se mudavam para as cidades. Também adquiriram títulos de nobreza, o que

lhes conferia certo prestígio social.

Nesse contexto, há uma nova estruturação social a partir do surgimento e do fortalecimento

desse grupo social que, gradualmente, rompia com a tradição da ascensão social pelo
nascimento, uma vez que a riqueza obtida pelas relações comerciais começava a rivalizar

com o poder garantido pela origem familiar, típico da sociedade feudal.

Com o objetivo de aumentar seus lucros, os burgueses buscavam expandir as atividades


comerciais. No contexto político e social da Europa, contudo, essa tarefa era bastante

desafiadora, visto que os mercadores encontravam diversos empecilhos para desenvolver o

comércio.

32
Nos limites territoriais dos quais tinham domínio, cada senhor feudal estabelecia pesos,

medidas e moedas próprias. Com isso, os mercadores tinham dificuldades em estabelecer o


preço de um determinado produto ao sair de um feudo e entrar em outro. A falta de

segurança nas estradas era outro ponto de atenção: frequentemente os mercadores eram

vítimas de assaltos, perdendo as mercadorias transportadas.

Para que a burguesia conseguisse atingir seus interesses, era importante a centralização do

poder, a unificação das moedas, dos pesos e das medidas, a elaboração de leis e regras
comuns, bem como a garantia da segurança e proteção de todos. Na visão dos burgueses,

quem melhor poderia exercer esse papel era o rei; afinal, se ele era um senhor feudal, era o

primus inter pares, expressão em latim que significa "o primeiro entre seus iguais".

Essas mudanças de perspectiva acerca da política, da economia e da sociedade europeia

levaram à desestruturação do feudalismo. Nesse sentido, a crise do século XIV contribuiu

para escancarar a ineficiência desse sistema, que não conseguiu solucionar os problemas
que se estabeleciam, além de não se adaptar às transformações exigidas pelo novo grupo

social que se fortalecia.

Agora é com você

Questão 01

Explique quais eram os interesses que levaram os reis e a burguesia a estabelecerem

alianças no final da Idade Média.

Pratique:
as consequências da crise do século XIV e a ascensão
econômica da burguesia
Questão 01

No final da Idade Média, em boa parte da Europa Ocidental, várias circunstâncias colaboraram com a
crescente centralização política em torno da figura do monarca. Guerras, revoltas camponesas e
novas técnicas militares debilitaram o poder da nobreza feudal, favorecendo a expansão do poder
real. A essa situação, somou-se a gradativa mercantilização e monetarização da economia, expressão
da ascensão da nascente burguesia.

33
MORENO, Jean; VIEIRA, Sandro. História: cultura e sociedade. 2. ed. Positivo, 2010. p. 92.

Assinale a alternativa correta em relação a esse contexto histórico.

A A burguesia se une ao clero e aos nobres contra a centralização do poder dos reis.

B A burguesia é a nova camada social em formação, possui capital, mas não poder
político.

C A burguesia é conservadora e defende as estruturas do sistema feudal.

D A burguesia é derrotada pelos nobres e pelos reis.

E A burguesia quer conquistar o poder político através da aliança com o clero.

Questão 02

A burguesia foi o grupo social que mais se fortaleceu durante a crise do século XIV. Cite

algumas características que comprovam essa afirmação.

Questão 03

A cidade é [desde o ano 1000] o principal lugar das trocas econômicas que recorrem sempre mais a

um meio de troca essencial: a moeda. [...] Centro econômico, a cidade é também um centro de

poder. Ao lado do e, às vezes, contra o poder tradicional do bispo e do senhor,


frequentemente confundidos numa única pessoa, um grupo de homens novos, os cidadãos ou

burgueses, conquista "liberdades", privilégios cada vez mais amplos.

GOFF Jacques Le. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2010. (adaptado)

O texto trata de um período em que:

A os fundamentos do sistema feudal coexistiam com novas formas de organização política e


econômica, que produziam alterações na hierarquia social e nas relações de poder.
B o excesso de metais nobres na Europa provocava abundância de moedas, que circulavam
apenas pelas mãos dos grandes banqueiros e dos comerciantes internacionais.
C o anseio popular por liberdade e igualdade social mobilizava e unificava os trabalhadores
urbanos e rurais e envolvia ativa participação de membros do baixo clero.
D a Igreja romana, que se opunha ao acúmulo de bens materiais, enfrentava forte oposição da
burguesia ascendente e dos grandes proprietários de terras.
E as principais características do feudalismo, sobretudo a valorização da terra, haviam sido
completamente superadas e substituídas pela busca incessante do lucro e pela valorização do
livre comércio.

34
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...

Provérbios neerlandeses, óleo sobre madeira de Pieter Bruegel,


1559. Dimensões: 117 × 163 cm. Gemäldegalerie, Berlim,
Alemanha.
A ilustração representa alguns provérbios comuns entre os
holandeses. Para além da sua interpretação, a obra evidencia a
expansão da vida urbana na Europa Ocidental, uma consequência do
processo de transformações vivenciados a partir do século XI.
Wikimedia Commons

Como foi possível observar ao longo do capítulo, vários fatores transformaram


significativamente a vida na Europa medieval, provocando, com isso, a desestruturação do

sistema feudal. As transformações foram tão profundas que provocaram a migração para as

cidades, o reaquecimento da vida urbana, o desenvolvimento do comércio e a ascensão de


uma nova classe econômica e social: a burguesia. A mudança de cenário requeria a

organização de novas estruturas políticas que dessem conta de atender aos anseios do novo

grupo que detinha o poder econômico.

As grandes transformações, nesse sentido, demandam novas perspectivas para o estudo da

história da humanidade e, por isso, tal conjuntura origina um novo período histórico, ao

qual chamamos de Idade Moderna. É nesse contexto que nasce o conceito de


modernidade. Nos próximos capítulos, vamos perceber que, nesse período, a sociedade

europeia desenvolveu novas formas de pensar e interpretar o mundo. Os indivíduos vão se

reconhecer como sujeitos independentes, movidos pela razão. A Idade Média passa a ser
percebida pelos(as) pensadores(as) modernos(as) como a "Idade das Trevas", do atraso e da

fatalidade, ligada às fantasias, aos mitos e aos inquestionáveis dogmas cristãos.

É importante destacar, porém, que a Idade Média não pode ser compreendida apenas sob a
lógica da crise e do obscurantismo. Como você deve ter visto em outros momentos de

35
estudo, nesse período puderam ser observadas diversas inovações nas técnicas artísticas e

arquitetônicas, além do próprio desenvolvimento do feudalismo, que, na época, constituía


um novo sistema político, econômico e social. Inclusive, foi na Idade Média que surgiram

idiomas como o francês, o italiano, o espanhol e o português. Além do mais, a transição de

um período histórico para o outro não é marcada apenas por rupturas; quer dizer, a
modernidade manteve diversos aspectos e lógicas desenvolvidas durante a Idade Média.

Será possível perceber essas permanências ao longo dos estudos no 7º ano.

Nos capítulos seguintes, vamos continuar estudando o processo de transição entre a Idade
Média e a Idade Moderna; portanto, é importante ter essas reflexões em mente para

conseguir compreender esses processos de maneira mais aprofundada.

Enquanto isso

A queda de Constantinopla e um novo período histórico: a Idade Moderna

Iluminura atribuída a Philippe de Mazerolles, presente na obra


A crônica do tempo dos três castelos , de Jean Chartier, c.
1470-1479. Biblioteca Nacional da França, Paris.
A ilustração representa a tomada de Constantinopla, evento
que marcou o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna.
Lestertair / shutterstock.com

Fundada no século IV, durante o antigo Império Romano, a cidade de Constantinopla


(atual Istambul, na Turquia) foi, durante séculos, um dos principais centros do mundo

cristão e sede do Império Bizantino.

A cidade era famosa por abrigar uma série de relíquias cristãs. Os cristãos

acreditavam que ali se encontravam, por exemplo, a coroa de espinhos e os pregos

usados na crucificação de Jesus Cristo, entre outras preciosidades. Em 1204, durante

36
as Cruzadas, os cristãos que seguiam em direção ao Egito desviaram sua rota,

invadindo e saqueando Constantinopla, que ficou em ruínas. Os cristãos a dominaram

até 1261, quando a devolveram aos bizantinos.

A tomada da cidade enfraqueceu o Império Bizantino, despertando a atenção de

outro povo, os otomanos, que viviam na região da Anatólia (na atual Turquia).

Seguidores do islamismo, em 1453 os otomanos invadiram e conquistaram


Constantinopla, pondo fim ao Império Bizantino.

Para os(as) historiadores(as) europeus(eias), a queda de Constantinopla é considerada


o fato histórico que delimita o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna.

Resumo

• O feudalismo foi o sistema político, econômico e social que vigorou na Europa no


contexto da Idade Média. Nesse sistema, a economia se baseava na agricultura, a
sociedade era estratificada, sendo organizada em três ordens: o clero, a nobreza e os
trabalhadores. A Igreja Católica exercia forte influência sobre a política, a economia e
a cultura medieval.

• A partir do século XI, no contexto da Baixa Idade Média, o mundo feudal vivenciou
algumas transformações, derivadas do aumento da produção agrícola e do
crescimento populacional. As atividades comerciais voltaram a ser estimuladas, e um
novo grupo social surgiu no período: a burguesia. A partir do movimento das
Cruzadas, essas transformações se tornaram ainda mais latentes.

• No século XIV, o cenário de efervescência econômica, social e cultural perdeu espaço


para uma crise que dizimou boa parte da população europeia. As mudanças
climáticas provocaram a baixa produção agrícola, que trouxe a fome e a
miséria para as populações mais pobres. Para piorar a situação, no período houve a
propagação da peste bubônica, uma doença infectocontagiosa transmitida por uma
bactéria. A esse contexto de calamidade, somaram-se alguns conflitos, como a Guerra
dos Cem Anos e as revoltas populares (jacqueries, na França, e Revolta de Watt Tyler,
na Inglaterra).

• A crise do século XIV contribuiu para a desestruturação do sistema feudal. Em busca


de segurança e melhores condições de vida, grande parte da população que vivia nos
feudos se dirigiu para as cidades. Muitos senhores feudais concederam o direito de uso
da sua propriedade para camponeses, libertando-os da servidão.

• Nesse cenário, a burguesia se fortaleceu enquanto classe econômica, adquirindo

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propriedades e títulos de nobreza, transformando, com isso, a estrutura social da
Europa Ocidental. Para aumentar suas riquezas, os burgueses buscavam ampliar as
atividades comerciais, que enfrentavam desafios para o seu desenvolvimento. Seus
interesses econômicos só seriam atendidos se houvesse uma restruturação da
organização política europeia, que viria a receber um novo corpo a partir da
centralização do poder político nas mãos dos reis.

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