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HISTÓRIA

MODERNA

Rodrigo Vieira Pinnow


Origens do capitalismo
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Relacionar a substituição do escambo pela monetarização dos pro-


dutos durante a organização dos burgos.
 Analisar os processos de expansão territorial com a inserção do sistema
mercantilista.
 Definir as bases do pensamento de Karl Marx e sua definição de
capitalismo.

Introdução
Analisar as origens do capitalismo e suas etapas é desafiador, mas neces-
sário para a compreensão da atualidade. Tudo começa com o processo de
desmantelamento do feudalismo, ainda na Baixa Idade Média. A grande
transformação da época está ligada aos trabalhadores, que deixaram de
ser camponeses para se tornar trabalhadores assalariados, com meios
de produção que não mais lhe pertenciam, adentrando a conhecida
Idade Moderna.
O mercantilismo, o sistema de acumulação de metais preciosos
controlados pelos Estados Modernos, promove o fortalecimento do
comércio e a camada social que o controlava, os chamados burgueses.
Nesse cenário, transcorre uma série de acontecimentos com reflexos
no imaginário social, cultural e político que alicerçam a sequência de
mudanças que vão reconfigurar a estrutura social, comercial e de poder
dos Estados Modernos a partir do advento das inovações de mercado
que estavam por vir. Assim, uma sucessão de eventos se relacionam no
decorrer do período, dentre os quais podemos destacar o rápido avanço
tecnológico, as grandes navegações, com o processo de colonialismo,
atingindo e criando novos mercados, e consequentemente, a consolida-
ção dos Estados Nações, com o acúmulo de riquezas oriundas do novo
mundo em exploração.
2 Origens do capitalismo

Todos os fatores citados resultam na transformação do processo de pro-


dução, com uma nova visão de mercado para as matérias-primas coloniais.
Com isso, têm início mudanças que promovem a transformação da outrora
eficiente manufatura para o incremento das máquinas, consolidando, assim,
o advento da linha produção segmentada, com o uso da mão de obra rural,
proveniente do êxodo, para os grandes centros urbanos.
Portanto, neste capítulo, você vai ver como ocorreu a inserção do
processo de monetarização dos produtos durante a transição entre a
Baixa Idade Média e a Idade Moderna, bem como vai identificar como
se deram os processos de conquistas de novos territórios e o papel do
sistema mercantilista. Por fim, você vai conhecer quais foram as bases do
pensamento de Karl Marx e como o teórico construiu suas interpretações
sobre o capitalismo.

1 Do escambo à monetarização durante


a organização dos burgos
Uma das divisões da historiografia está relacionada aos processos de desen-
volvimento da economia. A história econômica é uma parte importante na
construção do conhecimento histórico, pois apresenta o desenvolvimento das
sociedades e suas dinâmicas comerciais, como a substituição do escambo
pela monetarização, a diversificação de mercadorias, os cenários rurais e os
urbanos e, por fim, a evolução do processo econômico até os dias de hoje.

Como reação a um momento de certo “imperialismo” da história econômica,


ganhou prestígio a ideia de que “toda História é social”, afirmativa verdadeira
mas realizável somente depois de a globalidade histórica ter sido decomposta
em partes, para poder ser analisada. No entanto a fragmentação foi excessiva
nessas últimas décadas: monges, camponeses, burgueses, tecelões, peregri-
nos, pobres, prostitutas, rebeldes, mulheres, crianças etc. Muitas vezes esses
estudos isolam de tal maneira seu objeto que parecem esquecer que nenhum
grupo vive separado. Apesar de a História Social ter privilegiado a noção de
estrutura antes que outros campos das Ciências Humanas, ela encontra-se
atualmente tão estilhaçada em nichos de hiperespecialização que perdeu sua
identidade (FRANCO JÚNIOR, 2001, p. 112).

Segundo Franco Júnior (2001), os estudos sobre o período medieval são


muito complexos, pois há ausência de fontes primárias sobre o período, princi-
palmente no que tange à história econômica. Das poucas fontes disponíveis, os
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historiadores tentam construir representações sobre o período para que possamos


ter uma dimensão do imaginário social e das dinâmicas comerciais da época.
Há consenso entre alguns pesquisadores do período de transição entre
a Idade Média e Moderna, entre os quais podemos citar Anderson (1989),
Franco Júnior (2001), Bloch (1993), entre outros, sobre a escassez de fontes,
principalmente no que diz respeito a fontes relacionadas à história econômica,
as quais poderiam ajudar a elucidar o imaginário social da época, pautado por
uma ainda forte tradição de oralidade, que se explica pela miscigenação dos
povos que compuseram o período.
Contudo, algumas fontes, como decretos oficiais, tratados, acordos, registros
de viagem, mapas com rotas comerciais e demais documentos dos Estados
Modernos, consolidados na época, permitem a compreensão das mudanças
do período e seus desdobramentos.
Nesse sentido, devem ficar claros para quem estuda o passado, especifica-
mente as transformações do período analisado neste capítulo, os questiona-
mentos que devem ser feitos: como foi a transição dos modos de agir e pensar?
Como se deu o processo de remodelação de uma sociedade que viveu sob a
égide do sagrado, os dogmas da Igreja Católica e temerária a tudo o que seria
profano e representado pela liberdade de pensar, pelo lucro e, principalmente,
pela negação da razão?

Uma segunda transformação importante ocorrida nos séculos XI-XIII foi


possibilitada pela existência de um excedente agrícola, o revigoramento do
comércio. Este passou a desempenhar um papel central na vida do Ocidente,
com repercussão muito além da esfera econômica. É verdade que somente
uma parcela muito pequena da população estava diretamente envolvida com
as atividades comerciais, porém esse segmento social ganhava crescente
importância. Menor no caso daqueles que se dedicavam ao comércio local, já
que o tráfico interno europeu oferecia poucos riscos, mas envolvia pequenos
capitais e gerava baixos lucros. A razão disso estava, em parte, no fato de toda
região produzir os mesmos bens de necessidades básicas e em parte no alto
custo de transporte resultante das inúmeras alfândegas regionais. Os maiores
beneficiados foram os que se envolveram no comércio a longa distância,
baseado no transporte marítimo, bem mais barato, e em mercadorias raras
no Ocidente cristão. Tal comércio desenvolveu-se em torno de dois eixos
básicos, o mediterrânico (dominado pelos italianos) e o nórdico (dominado
pelos alemães) (FRANCO JÚNIOR, 2001, p. 43).

Vale relembrar que, no período citado, o poder da Igreja ainda tentava


manter a sociedade de forma estamental entre a Baixa Idade Média e o co-
meço da Idade Moderna. Segundo Anderson (1989), presa a uma lógica de
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um imaginário regido pelo sagrado, pela liturgia e simbologia católica e sob


as justificativas da fé pelas obras, parte da sociedade da época ainda via nas
práticas comerciais uma forma de sobrevivência, pautada pelo escambo, ou
seja, troca de mercadorias para benefício próprio.

A Baixa Idade Média (século XIV/meados do século XVI) com suas crises
e seus rearranjos, representou exatamente o parto daqueles novos tempos, a
Modernidade. A crise do século XIV, orgânica, global, foi uma decorrência
da vitalidade e da contínua expansão (demográfica, econômica, territorial)
dos séculos XI-XIII, o que levará o sistema aos limites possíveis de seu fun-
cionamento. Logo, a recuperação a partir de meados do século XV deu-se em
novos moldes, estabeleceu novas estruturas, porém ainda assentadas sobre
elementos medievais: o Renascimento (baseado no Renascimento do século
XII), os Descobrimentos (continuadores das viagens dos normandos e dos
italianos), o Protestantismo (sucessor vitorioso das heresias), o Absolutismo
(consumação da centralização monárquica) (FRANCO JÚNIOR, 2001, p. 17).

Com isso, a construção historiográfica buscou pautar suas hipóteses e


problematizações a partir do que chamamos de pesquisa qualitativa, ou seja,
recorrendo a Bloch (1993), o foco da pesquisa historiográfica sobre o período
construiu suas análises a partir de impressões, padrões e peculiaridades que
ajudariam a compreender a estrutura econômica medieval de acordo com
o imaginário social da própria época. Com isso, nada impede, na visão de
Franco Júnior (2001), que muitos tópicos sejam motivo de polêmica e outros
fiquem nenhuma resolução.

Uma segunda transformação importante ocorrida nos séculos XI-XIII foi


possibilitada pela existência de um excedente agrícola, o revigoramento do
comércio. Este passou a desempenhar um papel central na vida do Ocidente,
com repercussão muito além da esfera econômica. É verdade que somente
uma parcela muito pequena da população estava diretamente envolvida com
as atividades comerciais, porém esse segmento social ganhava crescente
importância. Menor no caso daqueles que se dedicavam ao comércio local, já
que o tráfico interno europeu oferecia poucos riscos, mas envolvia pequenos
capitais e gerava baixos lucros. A razão disso estava, em parte, no fato de toda
região produzir os mesmos bens de necessidades básicas e em parte no alto
custo de transporte resultante das inúmeras alfândegas regionais. Os maiores
beneficiados foram os que se envolveram no comércio a longa distância,
baseado no transporte marítimo, bem mais barato, e em mercadorias raras
no Ocidente cristão. Tal comércio desenvolveu-se em torno de dois eixos
básicos, o mediterrânico (dominado pelos italianos) e o nórdico (dominado
pelos alemães) (FRANCO JÚNIOR, 2001, p. 49).
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Por volta do século XII, ocorre o processo convencionado pela historiografia


como revoluções comercial e urbana, ou seja, com o êxodo rural, houve um
processo de revitalização das cidades, e, consequentemente, das relações co-
merciais, que, outrora baseadas no escambo, começam a se redimensionar para
um processo de monetização; dessa forma, surge a relação de oferta e procura.
Com isso, surgem centros nos quais se concentra o comércio, conhecidos
com burgos, e, a partir deles, uma camada social que controlava e dirigia
toda a estrutura comercial, os chamados burgueses. Além de tudo, cidades
como Veneza e Gênova foram se fortalecendo e se estabeleceram como polos
comerciais e culturais a partir da Baixa Idade Média.

No primeiro destacavam-se Veneza e Gênova, ambas empurradas para as


atividades mercantis devido às suas parcas possibilidades agrícolas. Veneza,
como se sabe, nasceu no século V em diversas ilhotas do extremo norte do
mar Adriático, formada por populações que ali buscavam refúgio diante da
invasão dos hunos. Gênova, mais antiga ainda, apertada entre as montanhas e
o mar, também teve de buscar a sobrevivência longe de seu acanhado território.
Essa situação levou-as a apoiar a Primeira Cruzada em troca de privilégios
comerciais nas regiões dominadas. Ali, no Oriente Médio, elas obtinham
os procurados produtos de luxo orientais, que trocavam por mercadorias
ocidentais (FRANCO JÚNIOR, 2001, p. 50).

Foi nesse contexto que ocorreu a desfragmentação do feudalismo, de modo


que a posse da terra já não era a principal força econômica, mas, sim, a oferta
e a procura por mercadorias, o acúmulo de metais preciosos e o fortalecimento
do sistema mercantilista, que alicerça os Estados Modernos e sua relação com
a sociedade.

2 Os processos de expansão territorial


e a inserção do sistema mercantilista
Entre os séculos XV e XVI, em meio à transição da Idade Média para a Idade
Moderna, muitos processos ocorrem ao mesmo tempo, como a consolidação
do mercantilismo, o crescimento e fortalecimento da burguesia, a formação
dos Estados Modernos, com a consolidação das monarquias nacionais, o re-
nascimento cultural, o humanismo, o expansionismo marítimo ou ultramarino,
e tudo isso acompanhado da ruptura da unidade cristã na Europa ocidental, a
partir da Reforma Protestante e, posteriormente, da Contrarreforma:
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Tornou-se comum o uso da expressão para os movimentos realizados no fim


da Idade Média e começos da Idade Moderna, quando se verifica o maior
expansionismo assinalado na história. Falou-se fartamente de descobrimentos
realizados pelos portugueses e espanhóis na costa ocidental da África e em
ilhas do Oceano Atlântico. E multiplicam-se as datas de revelação de realida-
des geográficas ou humanas, desde a ilha de Porto Santo, em 1418, a dezenas
de outras, bem como acidentes do litoral do continente africano. Alguns
acontecimentos tiveram enorme ressonância, como a passagem do extremo
sul, chamada Cabo das Tormentas ou Cabo da Boa Esperança, em 1488, por
Bartolomeu Dias, desfazendo-se uma das lendas da geografia medieval. Ou
a de Cristóvão Colombo, genovês a serviço da Espanha, em 1492, com a
revelação do Novo Mundo ou da América. A do português Vasco da Gama,
que chegaria à Índia em 1498, agora pela via marítima. Entre 1519 e 1522 é
feita a primeira viagem de circunavegação, iniciada pelo português Fernão
de Magalhães e concluída por Sebastian del Cano (IGLÉSIAS,1992, p. 23).

Segundo Dawson (2014), todo o cenário europeu, no que tange ao tecido


social e econômico, teve profundas mudanças a partir do século XIII, in-
clusive com o fim das Cruzadas, o que faz ressurgir com força o acesso ao
mar Mediterrâneo, promovendo, assim, o renascimento urbano e comercial
a partir da Baixa Idade Média. Contudo, a historiografia por muito tempo
exaltou o período como marcado por desbravadores usando erroneamente o
termo “descobrimento”, como se isso tivesse sido iniciado somente na Idade
Moderna como se o continente europeu tivesse sido pioneiro com essa prática.

Ora, antes de tais empresas, em plena Idade Média, houve as viagens de ita-
lianos — notadamente genoveses, além do Mediterrâneo, incursionando pelo
oceano. Delas, das notícias Jacob Burckhardt em A cultura do Renascimento
na Itália, de 1860, na quarta parte — "Descobrimento do mundo e do homem",
destacando viagens ainda no século XIII: o historiador vê aí características
de abandono de traços medievais no que supõe o homem novo do Renasci-
mento. Houve também as de nórdicos, chegando a várias partes do Atlântico
norte, mesmo às terras depois conhecidas como americanas. Se de muitas
dessas entradas tem-se apenas vaga notícia, das quais se pode duvidar, houve
certamente o ciclo do devassamento do desconhecido pelos italianos e mais
ainda nórdicos. Já na Antiguidade houve iniciativas audaciosas, por terras e
por mares, às vezes até de grande alcance, como as realizadas por fenícios,
gregos, cartagineses e romanos, fundando colônias em pontos distantes.
Não se falava então em descobrimento, mas em aventuras de viajantes, em
busca de riquezas, possíveis redes de comércio (IGLÉSIAS, 1992, p. 23-24).

O processo de expansão marítima na era moderna foi caracterizado pela


historiografia sobre o tema com âmbito puramente comercial e, por esse
motivo, muitos pesquisadores definem esse processo como uma espécie de
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“empreendimento de navegação”, capitaneado pelo interesse exclusivo da


formação e do fortalecimento dos Estados Nacionais. Dessa forma, quando
a discussão gira em torno da expansão marítima, ou, como é comumente
chamada, de grandes navegações, alguns fatores devem ser esclarecidos para
que se compreenda o tema.

Com as viagens incentivadas e feitas sobretudo pelos portugueses, desde o


início do século XV, tem vigor o expansionismo, que requer organização e
principalmente audácia para vencer os enganos da geografia antiga ou os
preconceitos populares de águas ferventes, povoadas por monstros fantásticos,
destruidores de embarcações, pela ousadia de enfrentar o desconhecido. Os
feitos de fenícios, italianos ou nórdicos seriam repetidos e até ultrapassados
pelos portugueses; eles se organizaram para sua execução, formando uma ver-
dadeira escola de marinhagem. Portugal estava fatalizado para esse trabalho,
por sua posição no extremo da Europa: a vizinhança de Castela impedia-lhe
crescer no continente, era preciso avançar pelos mares. O precário comércio
entre o sul e o norte, as cidades italianas e as da Liga Hanseática, quando feitas
pelo mar, tinham de passar pela costa portuguesa, no uso de seus portos para
reabastecimento ou descanso, origem de segmentos voltados para o comércio
(IGLÉSIAS, 1992, p. 24).

Primeiramente, o expansionismo marítimo só foi possível em função da


centralização política, caracterizada pelo Absolutismo, sistema pelo qual todo
o poder se concentra nas mãos do monarca. Além disso, vale lembrar que,
sem a aliança entre os monarcas e a burguesia, a realização de tais empreen-
dimentos seria impossível.
Além disso, Portugal foi um dos países pioneiros no processo, pois reunia
diversas características que melhoraram seu desempenho: avanços técnicos
náuticos, interesses econômicos relacionados a questões como densidade demo-
gráfica, produção de alimentos, acumulação de metais preciosos, competição
com as cidades italianas, o domínio de Constantinopla pelos turco-otomanos
e a dificuldade de chegar ao comércio das Índias, ascensão e influência da
burguesia e, não menos importante, a possibilidade de conversão de novos
cristãos e o fortalecimento da Igreja Católica, uma vez que a Reforma Pro-
testante não atingiu a Península Ibérica.

Com as viagens incentivadas e feitas sobretudo pelos portugueses, desde o


início do século XV, tem vigor o expansionismo, que requer organização e
principalmente audácia para vencer os enganos da geografia antiga ou os
preconceitos populares de águas ferventes, povoadas por monstros fantásticos,
destruidores de embarcações, pela ousadia de enfrentar o desconhecido. Os
feitos de fenícios, italianos ou nórdicos seriam repetidos e até ultrapassados
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pelos portugueses; eles se organizaram para sua execução, formando uma ver-
dadeira escola de marinhagem. Portugal estava fatalizado para esse trabalho,
por sua posição no extremo da Europa: a vizinhança de Castela impedia-lhe
crescer no continente, era preciso avançar pelos mares. O precário comércio
entre o sul e o norte, as cidades italianas e as da Liga Hanseática, quando feitas
pelo mar, tinham de passar pela costa portuguesa, no uso de seus portos para
reabastecimento ou descanso, origem de segmentos voltados para o comércio
(IGLÉSIAS,1992, p. 24).

Segundo Moura e Santos (2010), com a ampliação do processo de colo-


nização, houve também a expansão do comércio e o surgimento de grandes
companhias comerciais, entre as quais se destacaram, na época, a Companhia
das Índias Ocidentais e a Companhia das índias Orientais, bem como a pro-
pagação dos chamados impérios coloniais em diferentes regiões do mundo.
Contudo, é preciso compreender um pouco da organização e da dinâmica
do sistema colonial, no qual a colônia (território conquistado e colonizado)
estava submetida aos interesses da metrópole (país colonizador) por intermédio
do pacto colonial, que tinha como premissa a exclusividade de extração de
matérias-primas da colônia por parte da metrópole, que, por sua vez, retornava
à colônia produtos manufaturados.
Com as novas fronteiras e os territórios sendo desbravados, a corrida das
monarquias absolutistas tinha como fator motivacional o acúmulo de metais
preciosos, e, consequentemente, o aprimoramento naval era imprescindível
para a garantia para uma conexão efetiva entre as metrópoles colonizadoras
e suas respectivas colônias.

Segundo Dawson (2014), durante o século XV, Portugal se destacou com a tecnologia
naval; no século seguinte, essa condição passou a ser da Espanha; a Holanda, no século
XVII, teve seu destaque; e, por fim, já no século XVIII, a Inglaterra definitivamente
superaria toda a concorrência, tornando-se uma potência naval.

O sistema que comporta todos os eventos da Idade Moderna relaciona-


dos ao processo de expansão territorial, o Absolutismo monárquico e todo
seu contexto político é o mercantilismo, que, em síntese, tem como base o
Origens do capitalismo 9

acúmulo de metais preciosos, a partir da lucratividade de suas atividades


comerciais, calcadas na exploração de matérias-primas de novos territórios,
ou seja, suas colônias.

Na verdade, a palavra mercantilismo só começou a ser usada pelos econo-


mistas clássicos do final do século XVIII para se referir às rígidas práticas de
intervenção do Estado na economia, práticas que eles consideravam danosas
e às quais faziam severa oposição. Assim, o mercantilismo não existiu como
um conjunto coeso de ideias e práticas econômicas, nem como grupo de
pensadores da economia com uma filosofia comum. De fato, sob a definição
de mercantilismo foram reunidos pelos críticos diferentes autores e diferentes
políticas econômicas, com pouco em comum, a não ser o fato de pertencerem
a países absolutistas (SILVA; SILVA, 2009, p. 283).

Como citam Silva e Silva (2009), não havia coesão no conjunto de políticas
econômicas denominado mercantilismo. Contudo, o sistema, cuja definição
surgiu ao final do século XVIII, perpassou por toda a transição entre a Baixa
Idade Média até a Idade Moderna e foi responsável pelo fortalecimento dos
Estados Nacionais, pela ascensão da burguesia, pelos processos de expansão
marítima, colonização e, como base, foi preponderante para o surgimento do
capitalismo.

3 As bases do pensamento de Karl Marx


e sua definição de capitalismo
Apresentar as bases do pensamento de Karl Marx não é uma tarefa simples,
pois sua obra foi estudada por inúmeros pesquisadores e utilizada como base
ideológica por diversos segmentos políticos. Em ambos os casos, existem
muitas interpretações complexas, equivocadas e tendenciosas sobre a obra do
pensador. Vale lembrar que Marx foi apenas mais um entre tantos pensadores
da história mundial, com uma obra pautada na análise do capitalismo e nas
transformações sociais decorrentes desse processo.

Na abordagem histórica de Marx (1967, 1973a, 1973b; ver Mandel [1993]


e van Parijs [1993], entre outros) todas as sociedades são compreendidas a
partir da sua evolução através de um conjunto de estágios. Cada estágio é
caracterizado por uma estrutura particular e por um certo modo de produção,
bem como por outras estruturas, a “superstrutura” política, ideológica e
cultural que deriva e depende da base económica, da estrutura de produção.
10 Origens do capitalismo

Os seres humanos geram essas estruturas através das suas acções, mas nem
sempre podem escolher as condições sob as quais o fazem ou a forma como
pretendem fazê-lo. Marx e os marxistas centraram as suas pesquisas teóri-
cas e empíricas nos sistemas capitalistas, sua emergência e transformação
(BURNS, 2006, p. 12).

Segundo Donário e Santos (2016), Karl Marx tinha origem judia, apesar de
ter nascido em Treves, na Alemanha, em 1918. Do ponto de vista acadêmico, os
autores relatam que o pensador estudou no liceu de Trier e, após concluir essa
etapa inicial, conseguiu ingressar na Universidade de Bona. Posteriormente,
foi para Berlim, onde estudou direito, história e filosofia. Conforme Lenine
(1914), defendeu sua tese de doutoramento sobre a filosofia de Epicuro, o que,
na opinião do autor, ressalta que Marx tinha características convergentes com
as de um genuíno idealista hegeliano.
Portanto, no que diz respeito aos estudos seminais de Marx, sua análise
filosófica tem base em Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1830), talvez
um dos filósofos mais importantes entre os séculos XVIII e XIX. Sua obra
é considerada decisiva para o ramo da filosofia conhecido como idealismo,
corrente filosófica que consiste no processo de busca por um mundo ideal. Os
estudos de Hegel influenciaram diversas áreas do conhecimento, das quais
podemos citar os campos da arte, das humanidades e das ciências sociais
aplicadas, como o direito.

O pensamento de Karl Marx integra-se num todo mais amplo do que o que
deriva da Economia. A influência de Hegel em Marx traduziu-se nos seguin-
tes pontos fundamentais: a) uma concepção social como um todo, como um
sistema de relações; b) uma interpretação unitária e dinâmica dos movimentos
da história; c) uma visão do progresso como resultado do conflito de forças
opostas. Marx considera o Homem mergulhado nas relações sociais, as quais
moldam os seres humanos, bem como, influem no que pensam e no que fazem,
levando a que as relações sociais condicionem o comportamento individual
(DONÁRIO; SANTOS, 2016, documento on-line).

Entretanto, é necessário problematizar o processo de análise da obra de


Marx, que, embora tenha sido influenciado pelo filósofo alemão, deve ter suas
obras interpretadas como um pensamento de oposição idealismo de Hegel.
Conforme as concepções de Marx, a dinâmica dos movimentos dialéticos da
sociedade é resultado das reais condições de vida dos homens, ou seja, uma
Origens do capitalismo 11

sociedade não é formada exclusivamente por ideias, mas, sim, pela ação dos
homens e, consequentemente, pela produção de suas ideias e pelo impacto de
sua recepção na dinâmica da sociedade.

Devido à existência de contradições entre estruturas — entre, por exemplo,


as “forças de produção” (novos conhecimentos, técnicas e desenvolvimen-
tos científicos que contribuem para gerar essas forças, para além de outros
elementos) e as “relações de produção” (a propriedade privada dos meios de
produção e os sistemas de gestão e controlo, por exemplo) — o sistema ca-
pitalista atravessa crises conducentes, eventualmente, a uma transformação.
O capitalismo moderno também origina a produção de quantidades cada vez
maiores de produtos, mas essa abundância efectiva é ameaçada por uma procura
insuficiente protagonizada pelos consumidores (assalariados). Os produtores
defrontam-se com lucros em declínio, sendo que alguns ou mesmo muitos
vão à falência. Esta situação consolida-se e abre o caminho a futuras crises,
frequentemente mais abrangentes (BURNS, 2006, p. 12).

Além da influência de Hegel, no que tange à forma e ao método de com-


preender a concepção de funcionamento da sociedade, outro filósofo foi
determinante para a formação das bases do pensamento de Karl Marx: Ludwig
Feuerbach, também filósofo alemão, conhecido pelo que se convencionou
chamar de ateísmo humanista, com o qual apresenta um interessante processo
de transformação da teologia e, consequentemente, da religião, em uma espécie
de antropologia.
Marx vai ao encontro de Feuerbach no entendimento de que os deuses
surgem a partir das projeções humanas e de seus anseios, que, no que se
refere à condição de exploração da sua condição social e alienados quanto à
religião, impediriam a sociedade de alcançar o potencial de humanidade, com
riqueza cultural e social.
Marx considera o homem religioso alienado e, para libertá-lo, propõe a
alteração de sua condição material. Assim, a partir das influências de Hegel
e Feuerbach, relaciona a história da humanidade com a história das classes
a partir do ponto em que os conflitos seriam o motor da história, com lados
definidos por quem explora e é explorado, quem oprime e é oprimido, iden-
tificando, nessa lógica, a estrutura real do capitalismo. O pensador utiliza de
forma efetiva suas concepções teóricas para compreender a apropriação do
capital, a produção que dá origem a ele, a venda da força de trabalho humano
e uma análise dos modos de produção e suas transformações.
12 Origens do capitalismo

ANDERSON, P. Linhagens do estado absolutista. São Paulo: Brasiliense, 1989.


BLOCH, M. Os reis taumaturgos: o caráter sobrenatural do poder régio: França e Inglaterra.
São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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DAWSON, C. A divisão da cristandade: da reforma protestante à era do iluminismo. São
Paulo: É Realizações Editora, 2014.
DONÁRIO, A. A.; SANTOS, R. B. A teoria de Karl Marx. Lisboa: Universidade Autónoma de
Lisboa, 2016. Disponível em: https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/3173/1/MARX.
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arttext&pid=S0103-40141992000100003&lng=en&nrm=iso. Acesso em:  19  fev.  2020. 
MOURA, A. M. S.; SANTOS, C. História moderna. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ,
2010. v. 1.
SILVA, K. V.; SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto. 2009.

Leituras recomendadas
BURKE, P. Cultura popular na idade moderna. São Paulo: Cia das Letras, 1989.
FEUERBACH, Ludwig. A essência do cristianismo. Trad. José da Silva Brandão. Petrópolis.
Vozes. 2007
FEUERBACH, Ludwig. Teses provisórias para a reforma da filosofia. Trad. Adriana V. Serrão.
In: Filosofia da Sensibilidade. Escritos (1839-1846). Lisboa. CFUL. 2005
HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito. Trad. Paulo Meneses. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
KOSELLECK, R. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2006.
LOYN, H. R. (Org.). Dicionário da idade média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
MARX, K. (1977). Crítica da filosofia do direito de Hegel – Introdução. Temas de ciências
humanas. n. 2, 9-14, São Paulo, 1977.
MARX, K. Obras escolhidas, 3 volumes, Rio de Janeiro, Editorial Vitória, 1963.
WOOD, E. M. A origem do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
Origens do capitalismo 13

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