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ANTIGA
Introdução
Didaticamente, a história pode ser dividida por temporalidades e te-
máticas. Quando se estuda a História Antiga, é necessário considerar as
relações entre religião e política, as formas de submissão por meio da
escravidão e dos trabalhos compulsórios, bem como as interpretações
feitas sobre esse período ao longo do tempo.
Neste capítulo, você vai descobrir a íntima relação que existia entre po-
lítica e religião na Antiguidade. Você também vai estudar o trabalho com-
pulsório na prática da corveia e o seu formato mais ignóbil, a escravidão.
Além disso, você vai ver como o cinema representa a Antiguidade. Como
você vai notar, embora romanceadas para as telas e descomprometidas
com a realidade histórica, as narrativas cinematográficas sobre a História
Antiga podem ser instrumentos pedagógicos e fontes interessantes.
delas, é possível obter uma imagem generalizada das relações entre religião e
política na Antiguidade Clássica e Tardia. Consideram-se, para isso, os estudos
de grandes mestres como Fustel de Coulanges e Ciro Flamarion Cardoso.
Oriente Próximo
No Oriente Próximo, na Antiguidade, a religião era central no pensamento
social e político. As monarquias se assentavam sobre ela para justificar e
fundamentar o seu poder. Contudo, as relações entre religião e política apresen-
tavam diversas modalidades (CARDOSO, 1990). Os faraós, por exemplo, eram
considerados deuses que regiam o Egito; outros monarcas eram intermediários
entre os deuses e a humanidade. O temor da ofensa aos deuses era imenso, por
isso mantinham-se o formalismo e o ritualismo e evitavam-se as impurezas.
Segundo Cardoso (1990), no que tange ao Oriente Próximo na Antigui-
dade, somente de forma artificial e para fins analíticos ou didáticos pode-se
separar política, religião e economia. Os templos eram parte integrante do
complexo do Estado. Embora elementos produtivos fossem entregues pelo rei à
administração dos templos, isso era apenas uma forma de gerenciar riquezas,
e não uma entrega definitiva.
No Império Assírio, o imperador tudo fazia em nome e para o deus Assur,
que assume a primazia no referido período. Os neobabilônicos de Nabucodono-
sor tinham Marduc como seu deus principal. Já os judeus tinham Yaveh, para
quem construíram o Templo de Jerusalém — seu único lugar de culto, onde
inicialmente outros deuses também eram aceitos. Somente depois da divisão
do reino e do exílio na Babilônia, com a compilação dos textos sagrados e
a revisão deuteronômica, é que os judeus se tornam totalmente refratários a
outros deuses, praticando um monoteísmo radical e único para a época. Yaveh,
durante milênios, foi o condutor das decisões dos judeus em todos os campos.
Mesopotâmicos
Egípcios
que pereceu com o próprio faraó, assim como Amarna, cidade que fundou
para Aton e na qual obrigou a corte a permanecer. Sobre o período, Cardoso
(1990, p. 11) explica:
Uma diferença que deve ser considerada é a que existe entre as monarquias
egípcias e mesopotâmicas e as siropalestinas. Segundo Cardoso (1990), as
primeiras eram mais estáveis devido à sua ecologia. Por conta de sua alta
produtividade agrícola, da densidade populacional e da mão de obra para
prestar corveias, havia estabilidade, o que permitia a formação de complexos
político-econômicos duradouros. Na região da sírio-palestina, a situação era
diferente. Como o local era menos povoado e produtivo, tornava-se propor-
cionalmente mais complicado para a sociedade manter os luxos e gastos das
monarquias, classes dominantes e burocratas, reduzindo o tempo de duração
desses sistemas — que, embora pareçam mudar, são reconhecíveis — de
milhares de anos no caso do Egito e da Mesopotâmia para centenas de anos
no caso da Siría Palestina, com renovações ocorrendo a partir de guerras,
rebeliões, migrações e invasões (CARDOSO, 1990).
Hititas
Judeus
Os judeus se consideram o povo eleito pelo deus Yaveh. Moisés seria o homem
escolhido por Yaveh como seu líder, responsável por tirá-los do cativeiro
egípcio. De seu retorno à síria-palestina até o período do pós-exílio babilônico,
os judeus percorreram um longo caminho. Houve episódios de retorno ao
politeísmo e de monolatria, até que chegaram finalmente a um monoteísmo
radical, origem do judaísmo. As regras dessa religião foram desenvolvidas
juntamente à compilação dos textos sagrados salvos da destruição do templo
pelos deuteronomistas durante o exílio.
Suas tribos, já na Palestina, eram governadas por líderes que aos poucos
formaram ligas ou confederações, reunindo-se “[...] em santuários como Gigal
ou Silo para consultar a divindade, Iahweh, por ocasião de certas festas anuais”
(CARDOSO, 1990, p. 62). Nesse período de confederações e ligas, surgiram os
juízes, que emergiam como elementos carismáticos em momentos de crise ou
perigo. Posteriormente, o profeta Samuel unge o primeiro dos reis israelitas:
Saul (cerca de 1020 a 1000 a.C.), sucedido por David (cerca de 1000 a 961
a.C.), que vence os filisteus, também ungido por Samuel.
A História Antiga: recortes, temas e fontes 7
Gregos e romanos
Coulanges (2006) trata da importância das crenças para os homens da Anti-
guidade, reconhecendo que tais crenças se modificam com o tempo, a partir
das mudanças dos próprios homens. Para Coulanges (2006), é impossível
entender as instituições sem compreender as crenças dos homens. Ele refere-
-se aos cultos familiares — aos mortos, ao fogo sagrado —, aos domésticos
e àqueles da Cidade — aos fundadores, aos deuses da cidade e, na Roma
Imperial, ao imperador.
De acordo com Coulanges (2006), as famílias gregas e romanas foram
constituídas a partir de uma religião primitiva, que estabeleceu algumas pre-
missas: as formas de casamento, a autoridade paterna, os direitos de sucessão
e propriedade. Posteriormente, da associação de famílias, originou-se uma
instituição maior: a cidade (pólis e civita), que herdou os seus princípios da
religião. Tais princípios foram adaptados e modificados, evoluindo ao sabor
das transformações sociais.
Para esse autor, as estruturas mentais dos homens guardam memórias
de outros tempos e crenças que, mesmo não deixando vestígios materiais ou
escritos, se fazem presentes nas estruturas linguísticas. Assim, ele entende
que a partir de tais memórias seria possível conhecer as crenças mais antigas.
Para Coulanges (2006), as crenças dos homens afetaram a constituição da
família e a constituição e as instituições das cidades: religião, política e direito.
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Com exceção dos hebreus, em geral, os povos da História Antiga não separavam a
política da religião, nem o divino do humano e do natural. Os casos distintos se devem
à influência da filosofia, em determinado momento na Grécia, e do cristianismo, que
em princípio separa os poderes espirituais dos temporais, mas não deixa de influenciar
a política.
O cristianismo
O cristianismo surge entre os judeus na época da dominação romana. Ini-
cialmente, é considerado mais uma entre diversas seitas judaicas, certamente
incômoda para os sacerdotes judeus, dada a perseguição que sofrem os após-
tolos depois da morte de Jesus. Da Palestina, o cristianismo espalha-se para o
mundo antigo. No norte e no nordeste da África, entre os séculos I e IV d.C., a
religião encontra abrigo e acolhimento para a sua vanguarda intelectual, que,
mais tarde, no século VII d.C., sucumbiria com o advento de outra religião,
o islamismo (BRANCO, 2015). Por volta de 350 d.C., a Etiópia, antigo reino
de Axum, se converte ao cristianismo a partir da conversão do rei Ezana, da
rainha e da família real. Então, os templos dos antigos deuses são transfor-
mados em igrejas.
Com o advento do cristianismo e a sua relação com o Império Romano,
especialmente após se tornar a religião oficial do Império, algumas mudanças
se verificam na relação entre Estado e religião. O governante político não é
mais o pontífice máximo da religião romana e, embora a Igreja Cristã seja a
religião oficial do Império, ela é também universal, portanto sem fronteiras.
Os deuses pagãos, que em geral conviviam em harmonia respeitosa, são
excluídos, considerados falsos ídolos, vencidos pelo poder do deus cristão.
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Na Antiguidade Clássica, não parece ter havido o que se conhece hoje como Estado
laico. Religião e Estado andavam de mãos dadas, quando não eram representados
por um único elemento real ou família. A Antiguidade Tardia e a Alta Idade Média
demonstram que mesmo a separação entre Estado (reino, império) e Igreja não significa
realmente uma divisão entre a religião e o poder governante temporal. Essa ligação se
torna evidente em 800 d.C., quando Leão III (750–816), após solicitar e receber a ajuda
de Carlos Magno (747–814), o rei dos francos, o coroa como imperador romano, o que
sob vários aspectos foi uma demonstração do poder da Igreja.
Moloc (2019) é o nome de um antigo deus amonita. A adoração de Moloc foi praticada
pelos cananeus, pelos fenícios e por culturas relacionadas no norte da África e no
Levante. Como um deus adorado pelos fenícios e pelos cananeus, Moloc estava
associado com um tipo especial de sacrifício infantil propiciatório realizado pelos pais.
[...] urnas contendo bebês ou crianças muito pequenas e/ou animais bebês,
normalmente cordeiros, cremados, por vezes sob marcadores de pedra (as
chamadas estelas), e com vários tipos de altares, capelas e outros tipos de ins-
talações de culto ali posicionados. (KORMIKIARI, 2017, documento on-line).
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Na Bíblia, uma peroração demonstra que o deus dos judeus, Yaveh, des-
gostava dos atos que vinham sendo praticados:
Porque os filhos de Judá fizeram o que era mau aos meus olhos, diz o Senhor;
puseram as suas abominações na casa que se chama pelo meu nome, para
contaminá-la.
E edificaram os altos de Tofete, que está no Vale do Filho de Hinom, para
queimarem no fogo a seus filhos e a suas filhas, o que nunca ordenei, nem
me subiu ao coração.
Portanto, eis que vêm dias, diz o Senhor, em que não se chamará mais
Tofete, nem Vale do Filho de Hinom, mas o Vale da Matança; e enter-
rarão em Tofete, por não haver outro lugar (JEREMIAS, 7:30-32, 2019,
documento on-line).
Disso é possível concluir que, além dos fenícios, parte dos judeus tam-
bém praticava sacrifícios humanos. Em Levítico (18:21, 2019, documento
on-line), aparece uma ordem de Yaveh: “E da tua descendência não darás
nenhum para dedicar-se a Moloque, nem profanarás o nome de teu Deus.
Eu sou o SENHOR”. César relata que celtas realizavam sacrifícios humanos
aos deuses e ofereciam a Marte todo o “butim animado”. Diodoro da Sicília
e Estrabão também relatam sacrifícios humanos realizados aos deuses pelos
celtas (MARCO-SIMÓN, 1999). Langer (2004) estuda sacrifícios humanos
entre os vikings. Segundo as suas pesquisas, os escravos, por sua condição
jurídica entre vikings até o cristianismo, eram considerados seres semelhantes
aos animais, sendo por isso a maior parte das vítimas imoladas, juntamente
a prisioneiros de guerra e criminosos.
Na Anatólia (atual Turquia), durante a ocupação celta, no período helenís-
tico (cerca de 360 a 110 a.C.), também eram praticados sacrifícios humanos
cujos vestígios físicos foram encontrados na cidade de Gordion, em uma
microrregião denominada Lower Town. Posteriormente, no período romano,
os vestígios indicam que eram realizadas práticas funerárias de enterramento
de tipo convencional (CARDOSO, 2014). Especialistas e estudiosos do
assunto são capazes de diferenciar por meio de análises a morte sacrificial
do enterramento.
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Como você viu, na Antiguidade, o sacrifício humano esteve presente em algumas so-
ciedades: fenícia, cartaginesa, grega, celta da Anatólia, númida, egípcia. Não cabe ao
pesquisador julgar tais práticas, mas compreendê-las a partir do contexto histórico-cultural
em que eram realizadas. Como ensina Carr (1978 apud LANGER, 2004), “O historiador sério
é aquele que reconhece o caráter de todos os valores historicamente condicionados,
não aquele que reivindica para seus próprios valores uma objetividade acima da história”.
Eu sou o Senhor vosso Deus, que vos tirei da terra do Egito, para vos dar a terra
de Canaã, para ser vosso Deus. Quando também teu irmão empobrecer, estando
ele contigo, e vender-se a ti, não o farás servir como escravo. Como diarista,
como peregrino estará contigo; até ao ano do jubileu te servirá; então sairá
do teu serviço, ele e seus filhos com ele, e tornará à sua família e à possessão
de seus pais. Porque são meus servos, que tirei da terra do Egito; não serão
vendidos como se vendem os escravos. Não te assenhorearás dele com rigor,
mas do teu Deus terás temor (LEVÍTICO, 25:38-43, 2019, documento on-line).
Quanto a teu escravo ou a tua escrava que tiveres, serão das nações que estão
ao redor de vós; deles comprareis escravos e escravas. Também os comprareis
dos filhos dos forasteiros que peregrinam entre vós, deles e das suas famílias
que estiverem convosco, que tiverem gerado na vossa terra; e vos serão por
possessão. E possuí-los-eis por herança para vossos filhos depois de vós,
para herdarem a possessão; perpetuamente os fareis servir; mas sobre vossos
irmãos, os filhos de Israel, não vos assenhoreareis com rigor, uns sobre os
outros (LEVÍTICO, 25:44-46, 2019, documento on-line).
Se comprares um servo hebreu, seis anos servirá; mas ao sétimo sairá livre,
de graça. Se entrou só com o seu corpo, só com o seu corpo sairá; se ele era
homem casado, sua mulher sairá com ele.
Se seu senhor lhe houver dado uma mulher e ela lhe houver dado filhos ou
filhas, a mulher e seus filhos serão de seu senhor, e ele sairá sozinho. Mas se
aquele servo expressamente disser: eu amo a meu senhor, e a minha mulher,
e a meus filhos; não quero sair livre, então seu senhor o levará aos juízes, e
o fará chegar à porta, ou ao umbral da porta, e seu senhor lhe furará a orelha
com uma sovela; e ele o servirá para sempre.
E se um homem vender sua filha para ser serva, ela não sairá como saem os
servos. Se ela não agradar ao seu senhor, e ele não se desposar com ela, fará
que se resgate; não poderá vendê-la a um povo estranho, agindo deslealmente
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com ela. Mas se a desposar com seu filho, fará com ela conforme ao direito
das filhas. Se lhe tomar outra, não diminuirá o mantimento desta, nem o seu
vestido, nem a sua obrigação marital. E se lhe não fizer estas três coisas, sairá
de graça, sem dar dinheiro (ÊXODO 21:2-11).
Muitos jovens e até mesmo adultos têm contato com certos temas históricos
apenas pelo cinema e, diga-se de passagem, entendem como uma verdade
histórica. O cinema nos transmite esta sensação do real. A linguagem audio-
visual consegue trabalhar com a emoção e traz a impressão de realidade. A
noção de documento na História vem aumentando, todos os vestígios deixados
pela humanidade são dignos de análise e servem de objeto de estudo para o
historiador, o cinema inclui-se nestes novos documentos (GIMOUSKI, 2009,
documento on-line).
As séries Vikings, Roma, Rei Tut, Troia, A legião, A legião perdida, Asterix,
Gladiador, Júlio César, Spartacus, Roma: Império de sangue, por exemplo,
têm em comum o fato de tentarem retratar a Antiguidade. Por meio delas, o
professor pode levar os alunos a se interessarem pelo assunto, partindo da ficção
e da história romantizada e fazendo uma ponte para introduzir o conteúdo
histórico. Para além disso, as representações de algumas produções resultam
de pesquisa e têm acompanhamento de especialistas em Antiguidade. Desse
modo, diversas obras de ficção possibilitam a realização de um bom traba-
lho em sala de aula quanto a costumes, crenças, moda, escravidão, política,
etc. Como você sabe, nunca é possível reproduzir fielmente a história, mas
ferramentas como o cinema são capazes de despertar o interesse dos alunos.
Em geral, a Antiguidade é retratada como uma época glamourosa, cheia
de valores como honra, fidelidade, lealdade e cumprimento do dever, além de
ideais de glória, piedade, sacrifício e martírio (em especial em filmes sobre
o cristianismo). Considere o seguinte:
Para Ferro (1992, p. 13), no cinema, como em outros textos e fontes, sempre está em jogo
a intencionalidade de escritores, produtores e diretores: “Desde que o cinema se tornou
uma arte, seus pioneiros passaram a intervir na história com filmes, documentários ou de
ficção, que, desde sua origem, sob aparência de representação, doutrinam e glorificam”. Se
você analisar com atenção, a própria escolha do que filmar em cada época corresponde a
uma imagem, mensagem ou ideologia que se quer divulgar para o público. As abordagens
cinematográficas, assim como as das ciências, impactam os resultados do texto, posto
que o seu ponto de vista é construído de lugares diferenciados.