Você está na página 1de 15

HISTÓRIA ANTIGA

Caroline Silveira Bauer


Aspectos culturais
e políticos da Roma Antiga
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer a influência do pensamento grego na formação da cultura


romana.
 Analisar as relações entre o judaísmo e o cristianismo na Roma Antiga.
 Descrever os aspectos culturais da vida cotidiana na Roma Antiga.

Introdução
Como você sabe, “cultura” é uma palavra polissêmica. Em uma abordagem
muito simples, você pode compreendê-la como todo produto fruto do
trabalho humano. Porém, ainda assim, essa definição é insuficiente para
dar conta das manifestações culturais em uma sociedade estratificada,
como a da Roma Antiga. Naquele período, as formas de ser, estar e se
perceber no mundo sofriam mudanças de acordo com as posições e as
perspectivas dos grupos sociais.
Ao longo deste capítulo, você vai verificar a influência do pensamento
grego na formação da cultura romana, estudando como se deram as tro-
cas culturais entre essas duas sociedades. Do ponto de vista religioso, além
de estudar como os romanos lidavam com a religião, você vai conhecer
as relações que se estabeleceram entre o judaísmo e o cristianismo na
Roma Antiga. Por fim, em um recorte da vida cotidiana, a fim de explorar
as culturas erudita e popular, você vai ver algumas manifestações culturais
romanas.

Os gregos e a cultura romana


De acordo com Funari (2002, documento on-line), a cultura grega foi muito
importante para a conformação da cultura romana. O convívio entre as duas
2 Aspectos culturais e políticos da Roma Antiga

sociedades, desde o período da Magna Grécia, permitiu aos romanos a as-


similação dos deuses gregos e o uso da mitologia da Grécia na narrativa de
fundação de Roma, evidenciando a heterogeneidade da cultura e a sua fluidez
na Antiguidade. Nas palavras do autor:

[A] presença de elementos gregos no mundo romano adquire sentido em sua


específica reelaboração pelos romanos, eles mesmos uma grande cultura
de síntese, sempre capaz de absorver e transformar as outras culturas. Os
romanos da elite aprendiam o grego, falavam e escreviam-no com perfeição,
colecionavam obras de arte gregas, mas nunca se confundiram com os gregos
(FUNARI, 2002, documento on-line).

Conforme os estudos de Guarinello (2009), aspectos da cultura grega,


juntamente com os da cultura judaica, foram valorizados e assimilados pelos
estratos sociais mais altos do Império Romano como estratégia para a ma-
nutenção de sua dominação. Isso porque o Império possuía uma diversidade
cultural e linguística decorrente da expansão e das conquistas empreendidas
por Roma. A uniformização era desejável como forma de controle, ainda que
tenha ocorrido tardiamente, por volta do século IV d.C. O autor enumera cinco
aspectos para se referir a esse processo (GUARINELLO, 2009):

 estabelecimento de um culto religioso ao imperador em todas as pro-


víncias, atuando como polo aglutinador da aliança dos habitantes do
Império com o governante;
 extensão progressiva da cidadania romana, e com ela do direito romano,
primeiramente às elites provinciais, depois a cidades e províncias inteiras
e, finalmente, a todos os habitantes do Império;
 tolerância com relação à diversidade étnica e aos costumes locais;
 promoção de um sincretismo religioso, por meio da releitura e da in-
serção das crenças locais num panteão pluriétnico, permanentemente
aberto à incorporação de novas divindades;
 criação de duas grandes áreas linguístico-culturais específicas, dotadas
de prestígio social e de eficácia político-administrativa — a área de
predomínio do latim, correspondendo à metade ocidental do Império,
e a área de predomínio do grego, em todo o Mediterrâneo oriental.

Para compreender a “helenização” do Império Romano, é preciso levar


em conta a região do Mediterrâneo oriental. Veja o que afirma Guarinello
(2009, p. 154):
Aspectos culturais e políticos da Roma Antiga 3

No Mediterrâneo oriental, com efeito, o Império se estendera sobre uma


região onde a vida urbana já era muito antiga e onde a cultura literária grega
ocupava, já desde séculos, o lugar e a função de cultura legítima, de cultura
de prestígio, de cultura de elite. Isso não significa, no entanto, que o Oriente
romano fosse plenamente helenizado [...] Pelo contrário, a cultura grega atu-
ava como uma espécie de sistema cultural de intercâmbio, como uma cultura
franca que permitia o contato entre povos e pessoas com substratos culturais
próprios e distintos, aos quais se sobrepunha sem anulá-los.

O caráter elitista da cultura grega fez dela um instrumento para a manutenção da


ordem do Império Romano. Assim, tal caráter foi propositalmente incentivado pelos
imperadores, em especial a partir do século II d.C. Adriano, por exemplo, criou o
pan-hellenion, que congregava cidades de todo o Mediterrâneo oriental, desde que
pudessem comprovar uma origem grega. Além disso, em Atenas, surgiram, com
subvenção imperial, escolas de filosofia que permaneceram funcionando até a Anti-
guidade Tardia. Outro aspecto interessante foram os privilégios legais concedidos aos
chamados “gregos” em detrimento dos demais habitantes das províncias. Portanto,
“A posição privilegiada conferida à identidade grega tornou-se um instrumento de
promoção social das elites e, de modo geral, das cidades do Oriente romano em suas
disputas por posições de prestígio no seio do Império” (GUARINELLO, 2009, p. 154).

Mas o que seria essa “identidade grega” tão valorada e estimulada pelos
romanos? Para Guarinello (2009), a identidade grega associava-se, de modo
muito direto, ao mundo urbano e ao modo de vida das pessoas nas cidades.
Nesse sentido, destaca-se a existência de conselhos e assembleias populares,
ginásios para exercício físico, templos, oráculos, ritos e divindades associadas
ao panteão grego clássico. Essa identidade foi produzida e reproduzida, em
grande medida, por um saber escolástico, transmitido por escolas presentes
em todas as cidades, cujos luminares eram os oradores e filósofos.
Embora, sob certas circunstâncias, ainda se valorizasse a origem, ou
seja, a ascendência, como fator definidor da helenidade, a identidade grega
perdeu gradativamente qualquer relação com uma identidade propriamente
étnica. Assim, tornou-se uma identidade cultural em sentido restrito, isto
é, fundada no uso correto da língua e no conhecimento dos clássicos. Em
outros termos, era possível tornar-se grego independentemente da origem
e do local de nascimento.
4 Aspectos culturais e políticos da Roma Antiga

A identidade grega foi construída, pela segunda sofística, a partir de al-


gumas criações próprias: uma língua culta e artificial (bastante distinta da
língua falada) que procurava reproduzir fielmente a língua falada em Atenas
no século V antes de Cristo; uma memória comum a todos os gregos; e um
passado clássico, que selecionou as narrativas sobre Atenas e Esparta e sobre
a Guerra do Peloponeso como a história emblemática de toda a Grécia (visão
da qual o mundo é refém até hoje).

Judaísmo e cristianismo na Roma Antiga


Para começar, você precisa conhecer as práticas religiosas dos romanos. De
acordo com Funari (2002, documento on-line), a religião romana era politeísta
e antropomórfica, com influências etruscas e gregas. Além disso, passara por
outras assimilações decorrentes do contato com diferentes religiões ao longo
da expansão do Império. Portanto, “A flexibilidade religiosa dos romanos, o
respeito a outras religiões e a facilidade de incorporá-las foi um fator [sic]
importante em sua capacidade de dominar povos tão variados e uma área
geográfica tão grande” (FUNARI, 2002, documento on-line).
Os romanos expressavam a sua devoção aos deuses com oferendas nos
templos e em santuários domésticos. Além disso, faziam procissões, rezas e
sacrifícios públicos, como narra Veyne (2009, p. 177–178):

O calendário religioso, diferente de uma cidade para outra, periodicamente


restaurava festas religiosas; essas festas eram feriados. A religião determinava
assim a distribuição irregular dos dias de descanso ao longo do ano (a semana,
de origem mais astrológica que judaico-cristã, só entrou em uso no final da
Antiguidade). Nesses dias um romano convidava os amigos a assistirem ao
sacrifício que oferecia em sua casa, o que os honrava ainda mais que simples-
mente convidá-los para jantar. Conta Tertuliano que a casa desprende vapores
de incenso nessas grandes ocasiões: as festas nacionais dos imperadores e
de alguns deuses, o primeiro do ano e o primeiro dia de cada mês; pois um
costume caro aos romanos que tinham meios para tanto era sacrificar no
começo do mês um leitão aos gênios protetores da casa (Lares, Penates).
Uma grande festa anual, celebrada com real fervor, era o aniversário do pai
de família, que, nesse dia, se banqueteava em homenagem a seu gênio protetor
(uma espécie de dublê divino de cada indivíduo; na verdade, sua existência
resumia-se a permitir a cada um dizer: "Que meu gênio me proteja!", ou "Juro
por teu gênio que obedeci a tuas ordens"). Os pobres ofereciam vítimas menos
caras; curados de uma doença pelo deus, iam sacrificar uma ave doméstica a
Esculápio diante de seu templo e comê-la em casa; ou então depositavam no
altar doméstico um simples bolo de trigo ( farpium).
Aspectos culturais e políticos da Roma Antiga 5

Os cultos e as atividades religiosas foram se transformando ao longo do


tempo. Durante o Império, a religião oficial agregou o culto aos imperadores,

[...] uma espécie de religião cívica, que reverenciava os imperadores romanos


que haviam sido declarados ‘santos’ após a morte. Esse culto aglutinou, por
muitas gerações, durante os três primeiros séculos d.C., as elites nas diversas
áreas do Império (FUNARI, 2002, documento on-line).

O judaísmo
Diferentemente do que acontece no caso do cristianismo, quando se fala em
“judeus”, pode-se fazer referência tanto aos seguidores da religião judaica
como a um povo que surgiu no Oriente Médio. Veja o que afirmam Silva e
Silva (2002, p. 248):

o Judaísmo, no que se refere à religião, é mais que um conjunto de escritos e sua


interpretação. Trata-se, antes de tudo, de um conjunto de valores que influem
diretamente na vida cotidiana de seus membros: cerimônia de circuncisão dos
meninos aos oito dias de nascido; o ritual que inicia os meninos na leitura da
Torá, conhecido como Bar Mitzvá e, ainda, em comunidades mais modernas,
uma cerimônia equivalente para as meninas, a Bat Mitzvá; outra cerimônia
para nomear as meninas, chamada Zéved habat, ou “a dádiva da filha”; o uso
pelos crentes judaicos de símbolos como o solidéu, chamado Kippá, que cobre
a cabeça em reconhecimento da presença divina. Além dessas manifestações
concretas da cultura judaica, existe ainda um conjunto rígido de regras ali-
mentares, muitas delas baseadas na análise bíblica do livro Levítico. Por fim,
os judeus costumam relembrar os marcos de sua história com a celebração de
festas que envolvem orações, interdições de certos alimentos, purificação e
outros rituais que ajudam a manter a memória e a tradição cultural.

Na história dos judeus, a diáspora, voluntária ou obrigatória, foi uma marca


constante, e segue a crença na reunião de todos os judeus em sua terra ancestral,
Israel (LANGE, 2011). A conquista romana da cidade de Israel, ocorrida em
70 d.C., foi um marco na história judaica. O templo foi destruído pelo fogo,
e a população morta ou vendida como escrava. Assim, o seu território se
converteu na província da Judeia, subordinada ao Império Romano.
O judaísmo é uma religião de tradição escrita, que fomenta o estudo das
antigas escrituras. De acordo com Lange (2011, p. 38), a antiga Bíblia judaica
contava com diversos livros não incluídos na Bíblia atual, e os judeus aparecem
nessas escrituras como “[...] o povo escolhido por Deus”, diferente dos demais.
6 Aspectos culturais e políticos da Roma Antiga

Silva e Silva (2009, p. 248) dão mais informações sobre o relacionamento


entre os judeus e os romanos:

Já a diáspora hebraica se deu em 70 d.C., após a destruição do Templo de


Jerusalém pelos romanos. Tal acontecimento esteve relacionado à resistência
cultural dos judeus, que dificultava o domínio romano e promovia rebeliões.
Em 135 d.C. explodiu mais uma revolta em Jerusalém, sufocada pelo impe-
rador Adriano. Para reprimir essa revolta, os romanos desterraram os judeus,
espalhando-os pelo Império. Daí em diante, os judeus se disseminaram por
todo o mundo mediterrânico, para as terras da antiga Mesopotâmia, para a
Pérsia e para a Península Árabe, criando importantes comunidades judaicas
por todo o mundo antigo.

Durante o período imperial, a religião judaica era lícita, mas passou, pos-
teriormente, a ser perseguida. Assim, o povo judeu foi marginalizado, com
uma série de impedimentos, perdendo vários direitos civis. Por isso, durante
o Império Romano, houve diversas guerras com os judeus, que, como você
viu, acabaram vencidos e espalhados por diversas comunidades.

O cristianismo
O cristianismo, segundo Silva (2014), teria sido criado como uma corrente
espiritual oriunda do judaísmo, ambos mantendo contatos estreitos até o
século I d.C. Veja:

Após a destruição do Templo de Jerusalém por Tito, em 70, a proximidade entre


o cristianismo e o judaísmo se torna, no entanto, insustentável, ocorrendo a
dissociação progressiva entre os seguidores de ambas as religiões, até o ponto
em que uma passa a ser vista em confronto direto com a outra. Ao adentrar
o século II, o diálogo entre judeus e cristãos é praticamente interrompido
(SILVA, 2014, p. 75).

O Império Romano passou a tolerar o cristianismo a partir de 313 d.C.,


com o Édito de Milão, assinado durante o império de Constantino I (do
Ocidente) e Licínio (do Oriente). O Édito de Milão foi assinado no mesmo
dia em que ocorreu o casamento de Licínio com Constantia, irmã do im-
perador da porção ocidental do Império. Com esse édito, o cristianismo
deixou de ser proibido e passou a ser uma das religiões oficiais do Império.
Considere o seguinte:
Aspectos culturais e políticos da Roma Antiga 7

A tolerância que os romanos tiveram para com diversas religiões do mundo


por eles conquistadas não existiu entretanto para com a religião cristã. Os
motivos da intensa perseguição sofrida pelos cristãos no período imperial não
são somente de caráter religioso, mas também e principalmente político. Os
cristãos realizavam seus cultos secretos, viviam em pequenos grupos e foram,
nos primeiros tempos, tomados por bruxos e feiticeiros, na medida em que
recusavam mostrar respeito pelos deuses romanos. Além disso, os cristãos,
monoteístas, não reconheciam a divindade do imperador e não aceitavam o
culto a ele e ao Estado, sendo considerados uma ameaça à segurança do Es-
tado romano. Durante mais de dois séculos haverá perseguições aos cristãos,
pois o Estado romano via na sua recusa ao culto aos deuses e ao imperador
um desafio à ordem. As execuções públicas dos cristãos, martirizados em
espetáculos nos quais eram crucificados ou jogados às feras famintas para
serem devorados, eram vistas e apreciadas por muita gente. Para a maioria
dos romanos que não se havia convertido, os cristãos eram apresentados como
uma ameaça nociva, pois se recusavam a honrar os deuses e os imperadores
(FUNARI, 2002, documento on-line).

O cristianismo tornou-se a única religião oficial do Império sob Teodósio I


(379–395 d.C.), que colocou a Igreja sob o controle do imperador. Contudo, a
decisão de tornar o cristianismo a religião oficial não foi aceita uniformemente,
pois o paganismo ainda tinha um número significativo de adeptos. Como
destaca Funari (2002, documento on-line), sob o domínio romano, a Palestina
reunia diversos povos, como judeus, samaritanos, gregos e romanos. Os judeus
se dividiam em grupos distintos, com ideias diversas a respeito da religião
e do modo de se relacionar com os conquistadores. Nesse contexto, nasceu
Jesus, de quem pouco se sabe além do que dizem os evangelhos, escritos em
70, provavelmente por seus seguidores:

Nos primeiros anos, os seguidores de Jesus eram somente judeus pobres e


humildes, como o pescador Simão, chamado de Pedro ("Rocha"). No tempo de
suas pregações, por volta do ano 30 d.C., Jesus conquistou alguns seguidores
entre os judeus, mas grande parte dos judeus não se converteu acreditando que
não seria ele o Messias que seu povo tanto esperava. Jesus foi condenado à
morte na cruz pelos romanos, acusado de dizer-se o rei dos judeus, em 30 d.C.
Logo em seguida à sua morte, seus seguidores formaram uma comunidade,
de gente humilde, chamados de "pobres", que se reunia em memória de Jesus,
que passou então a ser conhecido entre os que nele acreditavam como "Cristo",
"ungido" do Senhor, o salvador que os judeus esperavam e que teria morrido
na cruz para salvar a todos os justos. Os cristãos acreditavam na existência
de um único Deus universal e que Jesus era o Messias que trazia aos homens
não riqueza e independência e sim o perdão de seus pecados e a promessa
da felicidade eterna após a morte para aqueles que o merecessem (FUNARI,
2002, documento on-line).
8 Aspectos culturais e políticos da Roma Antiga

Após a morte de Jesus, os apóstolos começaram uma pregação por meio


dos evangelhos, convertendo outros judeus, principalmente os pobres. Poste-
riormente, o cristianismo iniciou uma expansão em diferentes grupos sociais
e em diversos locais do Império Romano. Além dos judeus convertidos, en-
grossavam as fileiras da nova seita não judeus, escravos, povos submetidos
pelos romanos, gente humilde, mas também gregos e romanos da elite. Nesse
sentido, “A pregação do cristianismo, com seu destaque para a salvação e a
ressurreição da alma, explica seu êxito” (FUNARI, 2002, documento on-line).
A crise do Império Romano coincide com o momento de consolidação do
cristianismo como uma religião importante, com diversos seguidores. Como
afirma Funari (2002), diversos romanos, assustados com a crise, buscaram
consolo na religião. Como a religião oficial já não lhes trazia paz de espírito,
procuraram outras religiões, rompendo com as tradições romanas. Nesse
contexto, o cristianismo atraiu muita gente, oferecendo esperanças. Essa
observação de Funari indica de que forma as mudanças econômicas, políticas
e sociais impactam as transformações culturais e, em decorrência, as práticas
religiosas.

O imperador romano Constantino se converteu ao cristianismo no século IV d.C. Nesse


momento, os cristãos já estavam presentes em quase todo o mundo romano, mesmo
que em minoria. Além disso, eles já haviam organizado a Igreja Cristã e a sua estrutura
hierárquica. Em tal estrutura, destacavam-se os bispos, responsáveis por direcionar a
vida espiritual dos fiéis. Constantino se valeu dessa estrutura cristã para se consolidar
no governo do Império. Após a sua conversão, o Império Romano passou a se chamar
Império Romano Cristão. Além disso, todos os imperadores que sucederam Constantino,
com exceção de apenas um, consideravam-se cristãos.
Como você pode notar, o cristianismo passou de religião do imperador para religião
oficial. O deus cristão primeiro conviveu com os outros deuses, mas posteriormente o
paganismo foi proibido. Aos poucos, portanto, o cristianismo tornou-se uma religião
de Estado; os que não o aceitavam estavam, em dado sentido, desafiando o poder.
Naturalmente, nos lugares mais isolados dos centros urbanos, o cristianismo demorou
a se consolidar; é por isso que os habitantes das aldeias eram chamados, muitas vezes,
de “pagãos”. Como destaca Funari (2002, documento on-line), “O cristianismo foi,
assim, fundamental para a mudança da sociedade e o fim do mundo antigo liga-se,
diretamente, à sua transformação em religião oficial”.
Aspectos culturais e políticos da Roma Antiga 9

A vida cotidiana na Roma Antiga


Quando se fala em cotidiano, fala-se sobre o quê? Existem diferentes formas
de compreender o que seria o cotidiano: uma dimensão, um local ou uma
temporalidade. Pode-se também pensar no cotidiano como a vida de todo
dia (PETERSEN, 1996), mas será que todas as pessoas possuem o mesmo
cotidiano? Não seria necessário realizar recortes de classe, de etnia ou raça
e de gênero?
Aqui, compreende-se o cotidiano como uma dimensão em que as relações
de poder (dominação e resistência) evidenciam as suas tensões por meio de
atividades e atitudes, hábitos e rotinas. Obviamente, essa definição provisória
não resolve os problemas colocados pela multiplicidade de experiências no
cotidiano, por isso o ideal é evitar generalizações.
Existem algumas evidências de como os romanos se comportavam no
seu cotidiano. De acordo com Funari (2002, documento on-line), os romanos
costumavam acordar ao raiar do dia. O comércio funcionava desde cedo e
a partir das 8h da manhã abriam-se as repartições públicas, localizadas na
praça central ou fórum. Trabalhava-se até o meio-dia, quando tudo fechava
para o almoço, que era uma refeição leve: “[...] pão, azeitonas, queijo, nozes,
figos secos e algo para beber. Havia quem levasse uma marmita e comesse
seu almoço na rua, ou assistindo a uma luta de gladiadores no anfiteatro”
(FUNARI, 2002, documento on-line). Os romanos dividiam o dia em 12 horas
diurnas e 12 noturnas, que começavam com o raiar do sol e que variavam do
verão para o inverno. No verão, o dia começava às 4h30 e terminava às 19h30;
no inverno, ia das 7h30 às 16h30 (FUNARI, 2002).

Nas casas romanas, costumavam viver os escravos domésticos ou ex-escravos, o pai


de família, a sua mulher e os dois ou três filhos e filhas. Contudo, algumas dezenas de
homens livres, os fiéis ou “clientes”, a cada amanhecer apareciam na antecâmara de seu
protetor para lhe fazer uma rápida visita de homenagem. O pai de família era esposo,
dono de patrimônio, senhor de escravos, patrono de libertos e clientes. Ele exercia
direito de justiça sobre os filhos e filhas. Assim, era, acima de tudo, um proprietário
de patrimônio e de direitos patrimoniais; mantinha os filhos pelo dinheiro e pela
esperança de herdar. Por sua vez, todo filho de família, depois de órfão e emancipado,
tornava-se chefe de uma nova família. O que ligava tal chefe aos irmãos e aos tios
eram os sentimentos ou a estratégia familiar.
10 Aspectos culturais e políticos da Roma Antiga

Em princípio, o pai de família conduzia a casa. De manhã, ele dava ordens aos escravos
e distribuía as tarefas, enquanto o seu intendente lhe prestava contas. Alguns maridos
deixavam à esposa a direção da casa, pois a julgavam digna disso. Mas outros não
chegavam a tanto. Em síntese, ser mãe de família era uma espécie de “honrosa prisão”.
Contudo, a esposa geralmente possuía riquezas que não passavam para o marido.
Portanto, ela se igualava aos homens em alguns sentidos. Algumas, mais nobres e
mais ricas do que o esposo, recusavam a autoridade dele; outras até desempenhavam
papéis políticos, já que, como herança, recebiam com o patrimônio todas as clientelas
de sua estirpe (VEYNE, 2009).

Os romanos costumavam frequentar termas, complexos em que se podia


tomar banhos relaxantes. Funari (2002, documento on-line) afirma que “[...]
primeiro banhavam-se as pessoas de posses, entre as duas e as quatro da
tarde. Após o expediente, vinham banhar-se os mais humildes”. À noite,
os romanos realizavam a principal refeição do dia, a ceia. Aqui, é possível
perceber a diferença entre os diferentes estratos da sociedade romana:
enquanto as camadas mais pobres comiam pão e vegetais e bebiam vinhos
de baixa qualidade, os setores mais abastados tinham longas ceias, que
podiam durar horas, compostas de uma entrada, um prato principal com
alguma carne e uma sobremesa, geralmente doces ou frutas (FUNARI,
2002, documento on-line). Veyne (2009, p. 172) faz uma descrição de um
desses “banquetes”:

O banquete era muito mais que um banquete, e esperavam-se considerações


gerais, temas elevados, recapitulações de atos pessoais; se o dono da casa
tem um filósofo doméstico ou um preceptor dos filhos, ordena-lhe que tome
a palavra; os interlúdios musicais (com danças e cantos), executados por pro-
fissionais contratados para a ocasião, podem dar mais vida à festa. O banquete
constitui uma manifestação social equivalente ao prazer de beber — ou até
maior — e por isso inspirou um gênero literário, o do "banquete", em que
os homens de cultura, filósofos ou eruditos (grammatici), abordam temas
elevados. Quando a sala de festim oferece desse modo um espetáculo mais
de salão que de refeitório, o ideal do banquete se realiza e a confusão com
um festejo popular já não é possível. “Beber” designava então os prazeres da
mundanalidade, da cultura, e às vezes os encantos da amizade; pensadores e
poetas também podiam filosofar sobre o vinho.
Aspectos culturais e políticos da Roma Antiga 11

De acordo com Funari (2002, documento on-line), os romanos da cidade


viviam em casas ou prédios de apartamentos, estes últimos destinados às
pessoas com menos recursos econômicos. Além disso, as cidades eram
planejadas:

A cidade planejada contava com duas avenidas principais, que se cruza-


vam de norte a sul (cardo) e de leste a oeste (decumanus). A partir delas,
seguiam-se ruas paralelas que formavam um traçado regular e ortogonal da
cidade, como se fosse um tabuleiro de xadrez. No centro, havia os principais
edifícios públicos, que organizavam o espaço urbano: fórum (mercado),
basílica (edifício administrativo), um ou mais templos, termas (banhos
públicos), latrinas, teatros. As aulas eram, muitas vezes, dadas aos alunos
em um dos cômodos do fórum. Por toda a cidade, espalhavam-se lojas,
como padarias e bares. Na periferia, localizavam-se o anfiteatro, para as
diversões, locais de treinamento físico, hortas e, às vezes, depósitos de lixo.
A cidade era cercada por uma muralha e a entrada restringia-se a grandes
portas, muitas delas ainda em uso hoje em dia. As paredes das cidades
estavam sempre cobertas com cartazes eleitorais, pedindo aos transeuntes
o voto para os candidatos aos diversos cargos municipais (FUNARI, 2002,
documento on-line).

Quando ocorriam as mortes, existiam rituais funerários domésticos, as


lemuria, mas sua celebração era de interesse coletivo. Além disso:

Cada pai ou filho de família devia enterrar os seus. Havia um cerimonial


longamente compartilhado por todas as famílias para conduzir os corpos
dos defuntos ao cemitério situado fora da cidade, ao longo das estradas
e, principalmente, diante dos portões (BUSTAMANTE, 2011, documento
on-line).

Dessa forma, como você viu, os costumes, os hábitos e as rotinas dos


romanos variavam conforme a origem social e o gênero. Além disso, existiam
diferenças entre os habitantes das cidades e das zonas rurais, práticas distintas
no âmbito público e privado, mudanças em relação aos ciclos de trabalho e
de descanso ou festa. Assim, todos esses aspectos precisam ser levados em
consideração quando se pensa na vida dos romanos.
12 Aspectos culturais e políticos da Roma Antiga

BUSTAMANTE, R. M. C. Festa das Lemuria: os mortos e a religiosidade na Roma Antiga.


In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011. Anais [...]. São Paulo, 2011. Disponí-
vel em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1312828923_ARQUIVO_
ANPUH_2011_ReginaBustamante_08ago.pdf. Acesso em: 30 jul. 2019.
FUNARI, P. P. Grécia e Roma. São Paulo: Contexo, 2002. E-book.
GUARINELLO, N. L. Império romano e identidade grega. In: FUNARI, P. P.; SILVA, M. A. de
O. (Org.). Políticas e identidades no mundo antigo. São Paulo: Annablume, 2009.
LANGE, N. El judaísmo. Madrid: Akal, 2011.
PETERSEN, S. R. F. Dilemas e desafios da historiografia brasileira: a temática da vida
cotidiana. Cadernos de Estudo, n. 3, dez. 1996.
SILVA, G. V. Os antigos e nós: ensaios sobre Grécia e Roma. Vitória: UFES, 2014.
SILVA, K.; SILVA, M. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2009.
VEYNE, P. O império romano. In: VEYNE, P. (org.). História da vida privada, 1: do império
romano ao ano mil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Você também pode gostar