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HISTÓRIA DO

BRASIL
COLÔNIA

Caroline Silveira Bauer


A formação do
sistema colonial
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir colonização e sua relação com o sistema mercantilista.


 Analisar os primeiros 30 anos da ocupação portuguesa em território
brasileiro.
 Descrever a presença de outros estados europeus na ocupação do
território brasileiro.

Introdução
Compreender o “sistema colonial” significa destrinchar as relações esta-
belecidas entre Portugal e suas possessões na América. Em um primeiro
momento relegado a segundo plano, em função da importância eco-
nômica da carreira das Índias, o território português na América viria a
receber investimentos da Coroa a partir de 1530, com o início do processo
de ocupação do território, que também visava combater as invasões
empreendidas por outras nacionalidades.
Neste capítulo, você vai estudar as diferentes interpretações sobre o
chamado colonialismo e sua relação com as práticas mercantilistas dos
Estados europeus. Conhecerá as iniciativas da coroa portuguesa em
relação ao território americano logo após ao “descobrimento”. E, por fim,
analisará a presença de franceses e holandeses no território de Portugal
na América e seus intentos de colonização.

1 A colonização e o mercantilismo
Antes de iniciarmos a discussão sobre o que foi o colonialismo e sua relação
com as práticas mercantilistas, é necessário fazer referência a um intenso
debate historiográfico desenvolvido no Brasil e em Portugal nas últimas dé-
2 A formação do sistema colonial

cadas. Essa discussão entre historiadores brasileiros e portugueses visava


aprimorar as interpretações sobre a economia colonial brasileira, a estrutura do
Império Português e as teorias que preconizavam a relação entre a metrópole
portuguesa e suas colônias.
Na década de 1970, predominavam na historiografia brasileira sobre a Amé-
rica portuguesa interpretações que se baseavam em visões bastante dogmáticas
do marxismo, inspiradas em trabalhos elaborados por Caio Prado Jr. e Celso
Furtado, respectivamente nas décadas de 1940 e 1950 (FRAGOSO, 2012).
Para citar apenas um exemplo, vejamos como Fernando Novais compreendia
a inserção do Brasil no colonialismo e nas práticas mercantis:

A ocupação, povoamento e valorização econômica do Brasil na época moderna,


a sua colonização enfim, processando-se na etapa da ascensão burguesa vin-
culada ao capitalismo comercial, dá lugar a uma entidade específica (colônia
da metrópole-Portugal): suas estruturas básicas configuram uma colônia de
exploração por se formarem e se desenvolverem nos quadros e ao ritmo do
antigo sistema colonial de relações entre as economias centrais e periféricas
do capitalismo mercantil (NOVAIS, 1969, p. 262).

De acordo com Fragoso (2012, p. 107), um dos principais críticos dessa


interpretação, a América portuguesa e sua relação com Portugal poderia ser
resumida da seguinte forma:

Assim, a economia colonial não tinha dinâmica própria, e seu destino de-
pendia dos humores do mercado europeu. Outra consequência seria a ine-
xistência de um mercado interno ou ainda de produções mercantis in loco
voltadas para o abastecimento da América. Estas atividades não podiam
existir, pois colocariam em perigo o sentido da colonização. Quando tais
lavouras de abastecimento ou currais surgiam, isto se dava em razão dos
interesses das atividades exportadoras. E, consequentemente, as produções
mercantis ligadas ao consumo interno estavam também subordinadas à
lógica das flutuações do sistema econômico maior ao qual pertencia aquele
imenso canavial.

Essa interpretação passou a ser criticada na década de 1970, com os tra-


balhos de Ciro Flamarion Cardoso e Jacob Gorender, e, nos anos 1990, com
os trabalhos de Fernando Novais, que reviu várias posições de seu trabalho, e
Laura de Mello e Souza. Nos anos 1990, também foram defendidas as teses de
doutorado de João Fragoso e Manolo Florentino, contribuindo com as críticas
às visões mecanicistas sobre a economia colonial da América Portuguesa. De
acordo com Fragoso (2012, p. 110):
A formação do sistema colonial 3

[...] começou-se a demonstrar que a economia era mais do que uma planta-
tion exportadora, existia um circuito de mercados internos disseminados
pela América. Mesmo nas regiões até então vistas como açucareiras, como
o Recôncavo Baiano, observou-se a existência de áreas dedicadas à lavoura
mercantil de alimentos. O conjunto desses resultados colocou dúvidas sobre
uma série de hipóteses a respeito da dependência.

Isso significava que as teorias sobre o pacto colonial, os monopólios e


os exclusivos coloniais, a relação entre metrópole e colônia, precisavam ser
revistas, porque as fontes primárias destoavam de um marxismo maniqueísta.
Fragoso (2012, p. 113) cita um exemplo para compreendermos como as
dinâmicas econômicas da América Portuguesa eram mais complexas que
a exportação de matérias-primas e a importação de manufaturados, como
apregoava o “pacto colonial”:

Quanto à América lusa como mercado de manufaturados europeus, mais


uma vez os testamentos podem nos ajudar. Na primeira década do século
XVIII, camisas, vestidos, lençóis e utensílios domésticos eram vistos como
bens preciosos e doados como tal nos testamentos a entes queridos como
filhos, irmãos e amigos. [...] Assim, ao que parece, o crescimento mercantil
da cidade na época, decorrente da descoberta do ouro das Minas e do aumento
do tráfico de escravos africanos, não implicou na disseminação de bens de
consumo manufaturados já vulgarizados na Europa e em partes da América
inglesa, como têxteis. O padrão de consumo e de mercado nesta América era
ainda protoindustrial e o seria ainda por muito tempo, como mais uma vez
os testamentos informam.

Essa historiografia propôs a compreensão territorial dos domínios portu-


gueses como um império (o Império Português) e afirmou que, na América
portuguesa, havia um mercado interno, com acumulação de capitais e lógica
independente do mercado externo, que também existia, mas com dinâmicas
próprias.
Contudo, existe outro grupo de historiadores que, via conceitos cunhados
por vertentes marxistas — porém com aportes teóricos mais sofisticados —
criticam essa concepção, por acreditarem que ela descaracteriza a ideia do
colonialismo. Por isso, esses autores recuperam conceitos importantes da
lógica colonial, como o do exclusivo colonial, que se relaciona à noção de
monopólio. De acordo com Ricupero (2016), o exclusivo ou monopólio era
uma prática das metrópoles com suas colônias, proibindo o comércio dessas
com nações estrangeiras. Contudo, essa prática, um dos pilares do mercan-
tilismo, não foi estática e se transformou ao longo do tempo, de acordo com
4 A formação do sistema colonial

as demandas conjunturais apresentadas. Assim, podia haver, por exemplo,


restrição de comércio apenas em determinados portos e por companhias
comerciais privilegiadas; por outro lado, em alguns momentos, o exclusivo
podia ser atenuado em virtude de situações específicas, como guerras que
dificultassem ou impedissem o comércio, mediante a concessão de licenças
especiais para mercadores estrangeiros por motivos econômicos ou diplomá-
ticos (RICUPERO, 2016).

Como a América portuguesa se inseria nessas dinâmicas coloniais e mercantilistas? De


acordo com Ricupero (2016), os grupos mercantis, que não se limitavam a Portugal,
compravam e redistribuíam os produtos coloniais na Europa, mas também realizaram
investimentos na montagem da indústria açucareira e no comércio e transporte de
produtos entre a Europa e o território colonial português na América. Essas relações
comerciais eram múltiplas (RICUPERO, 2016):
 comércio direto, legal ou não, entre o Brasil e seus países de origem ou via Portugal;
 comércio de mercadorias estrangeiras e/ou portuguesas;
 em associação ou não com mercadores de Portugal ou com mercadores cristãos-
-novos portugueses radicados no exterior;
 fretamento de navios para mercadores portugueses ou para a Coroa de Portugal.
Percebe-se, a partir dessa abordagem, que não há uma negação da lógica colonial-
-mercantilista, muito menos do exclusivo ou monopólio, e sim uma relativização das
abordagens desenvolvidas nas décadas de 1970.

Nesse sentido, esse grupo de historiadores afirma que são insuficientes os


dados apresentados pelos críticos da acepção do sistema colonial para invalidar
os argumentos de que o colonialismo teria contribuído para o desenvolvimento
industrial europeu. Segundo a análise de Arruda (2014, p. 717):

[...] é inegável que o mundo colonial teve um papel decisivo neste cenário,
promovendo a transferência de riquezas das colônias para as metrópoles. No
caso de Portugal, o excedente sob a forma de remessas líquidas ou créditos
consignados na balança comercial sustentou os tesouros públicos, alimentou
a formação da dívida pública, abasteceu os cofres dos particulares envolvi-
dos da rede mercantil operando nas águas e territórios do império, além de
ter se transformado num mercado consumidor seguro para as manufaturas
portuguesas.
A formação do sistema colonial 5

Outro aspecto fundamental para compreendermos o colonialismo e a


lógica mercantil é a escravidão. Embora não seja o tema deste capítulo,
podemos referi-la como um dos pilares das práticas coloniais, responsável
pelo enriquecimento de elites na metrópole e nas colônias e pela diáspora
de milhões de seres humanos pela América e Europa. Nesse aspecto, parece
haver consenso entre os historiadores. Fragoso e Florentino (2001, p. 88)
afirmam que:

A propriedade escrava era altamente disseminada pelo tecido social, sinônimo


aqui de que camadas variadas da população se encontravam comprometidas
com a escravidão, independentemente da extensão de suas posses. Mas o
alto grau de concentração da propriedade escrava nos coloca não apenas
diante de uma sociedade possuidora de escravos, mas sobretudo ante uma
sociedade escravista, definida como aquela na qual o principal objetivo da
renda extraída ao escravo é a reiteração da diferença socioeconômica entre a
elite escravocrata e todos os outros homens livres.

Alguns autores, como Souza (2008), propõem o conceito de capital escra-


vista-mercantil para ressaltar a importância da escravidão para a dinâmica
da economia mercantil-colonial.

2 A ocupação da América Portuguesa


Primeiramente, é importante lembrarmos que o território que hoje constitui o
Brasil não era conhecido integralmente pelos portugueses no momento de sua
chegada à América. Esse conhecimento foi sendo realizado paulatinamente
ao longo dos 30 primeiros anos após a “descoberta”, mediante expedições
de reconhecimento e vigilância. Porém, existiam dúvidas sobre a jurisdição
e os limites das possessões portuguesas na América, já que o único tratado
existente nesse sentido até então era o Tratado de Tordesilhas, que serviu
para que se compreendesse como “natural” que todo o território da América
abrangido pelo tratado fosse português (SOUZA, 2001).
A historiador Laura de Mello e Souza comenta sobre a ausência de maiores
interesses da coroa portuguesa em relação à posse do território americano:

Esta, de início, não despertou maiores interesses na corte de D. Manuel, que


pensava acima de tudo no Oriente e nos projetos que melhor viabilizassem
sua exploração comercial. Antes talvez de ser vista como espaço econômico,
e deixando-se de lado o interesse logo despertado pelo pau-brasil, a nova terra
6 A formação do sistema colonial

interessou pela sua capacidade de renovar os conhecimentos cartográficos


e astronômicos: diferentemente da África ou da Ásia, era terra nunca antes
descrita ou representada (SOUZA, 2001, p. 62).

Após a chegada dos portugueses na América em 1500, foram enviadas


algumas expedições de reconhecimento e alguns europeus foram deixados
em território americano para aprender a língua dos nativos. Destacam-se as
expedições de Gaspar de Lemos, em 1501, e de Gonçalo Coelho, em 1503,
que tinham como objetivo informar a coroa portuguesa sobre a existência
de metais preciosos na América. Posteriormente, em 1516 e depois em 1526,
foram enviadas à América portuguesa expedições comandadas por Cris-
tóvão Jacques, que ficaram conhecidas como “expedições guarda-costas”.
Elas tinham o objetivo de combater a presença de estrangeiros em território
português na América, principalmente os franceses. Essas iniciativas não
foram suficientes para garantir a posse do território e manter afastados os
invasores franceses, o que levou a coroa a investir na colonização da América
portuguesa (VAINFAS, 2000).
Ainda de acordo com Vainfas (2000, p. 491):

[...] a maioria dessas expedições fez um pouco de cada coisa: identificação da


geografia para fins cartográficos e de navegação; escambo do pau-brasil com
os índios; fundação de feitorias; defesa da costa contra a crescente presença
dos entrelopos franceses, rivais no escambo do pau-brasil [...] houve, porém,
outras expedições além dessas, cujas rotas sugerem o projeto português de
encontrar metais preciosos na América. As notícias sobre as riquezas no in-
terior do continente e o rumor sobre a existência de um “rei branco” (depois
identificado com o imperador inca) estimularam viagens pelo Prata.

Não houve inicialmente uma ocupação sistemática da América portuguesa,


já que a carreira para as Índias era mais rentável financeiramente. Nas primeiras
décadas após o “descobrimento”, a principal atividade econômica desenvolvida
foi a extrativista, com a exploração do pau-brasil. O pau-brasil é uma árvore
da qual se pode extrair um corante vermelho para o tingimento de roupas. A
exploração desse recurso se dava por sua disponibilidade, o que levava a uma
constante migração em função de seu esgotamento. A extração era feita por
meio do escambo (troca) da força de trabalho indígena por objetos trazidos
pelos portugueses da Europa.
Para estocar e proteger a madeira, foram construídos ao longo do litoral
feitorias, entrepostos comerciais fortificados. O pau-brasil foi declarado produto
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de monopólio da coroa portuguesa, o que nos demonstra a adoção de políticas


econômicas mercantilistas por Portugal. Contudo, posteriormente, a coroa
concedeu o direito de extração a arrendatários, em função de sua atenção
aos investimentos na carreira das Índias. Os arrendatários arcavam com as
despesas da extração e pagavam impostos à coroa portuguesa, mas ficavam
com o lucro nas vendas.
De acordo com Souza (2001, p. 63):

[...] nos 20 primeiros anos de vida do futuro Brasil, os portugueses criaram


apenas duas feitorias: em 1504, em Cabo Frio; em 1516, em Pernambuco.
Predominaram, portanto, as atividades de cunho privado, e o Estado pou-
pou suas energias para a construção de um império no Oriente. Nenhuma
preocupação com o povoamento surgiu tampouco nessa época, quando os
habitantes europeus da costa eram apenas os degredados deixados para
trás desde a viagem de Cabral, um ou outro desertor das naus, como os
grumetes a que se refere a carta de Caminha, todos eles constituindo o
tipo do “lançado”, que desde a experiência quatrocentista da África fa-
zia, voluntária ou involuntariamente, a intermediação entre os universos
culturais distintos.

Um marco na história da colonização da América portuguesa foi a expe-


dição de Martim Afonso de Souza, que, após navegar até o Rio da Prata, em
seu retorno fundou o primeiro núcleo de colonização em território português,
São Vicente, em 1532.
De acordo com Vainfas (2000, p. 491):

A expedição de Martim Afonso de Souza é a que melhor sintetiza o caráter


dessas primeiras expedições e marca a passagem para a efetiva colonização.
Organizada por D. João III, objetivava explorar o litoral desde o Maranhão
até o Rio da Prata, dar combate aos entrelopos franceses e fixar núcleos de
povoamento através da distribuição de sesmarias, sementes, plantas, animais
domésticos e ferramentas entre os colonos da expedição. E, com efeito, São
Vicente seria a primeira vila fundada no Brasil.

Com o início do processo colonial, também houve transformações no âmbito


econômico, com a introdução do cultivo da cana-de-açúcar, cuja produtividade
era favorecida pelas condições climáticas da América portuguesa, além de
possuir boa aceitação no mercado europeu. Antes de desenvolver a cultura
da cana na América, Portugal já a cultivava nas ilhas atlânticas (Madeira,
Açores, Cabo Verde e São Tomé).
8 A formação do sistema colonial

3 As invasões do território português


na América
Como dito anteriormente, a ausência de uma ocupação mais sistemática do
território americano por Portugal nas primeiras décadas após 1500 fez com
que navegadores de outras nacionalidades se aventurassem pelo litoral por-
tuguês na América, como os espanhóis, os franceses e os holandeses. Esses
navegadores comerciavam com as populações nativas, extraíam o pau-brasil
e praticavam pirataria, destacando-se os ingleses nesse último caso.

Os ingleses praticaram atos de pilhagem e de pirataria no litoral da América portu-


guesa, principalmente nas cidades de Recife e de Santos. As invasões tiveram como
consequência problemas econômicos para Portugal, que firmou uma aliança com a
Inglaterra. Essa aliança seria posteriormente sedimentada com a assinatura do Tratado
de Methuen (VAINFAS, 2000).

Houve um incremento dessas invasões do território português na América


no período conhecido como União Ibérica (1580–1640). Durante esses 60
anos, Espanha e Portugal foram governados pelo mesmo rei, devido a um
problema sucessório em Portugal. Felipe II, rei da Espanha, assumiu o trono
português com a promessa de que Portugal seria tratado como reino unido,
e não território conquistado, o que permitiria a manutenção da estrutura
econômico-comercial.
Contudo, não foi isso o que ocorreu. A guerra de independência das Pro-
víncias Unidas dos Países Baixos contra a Espanha interferiram no comércio
entre os Países Baixos e Portugal:

sobretudo na compra de sal para a indústria de pesca holandesa, uma das


bases da prosperidade batava — além do que, judeus sefarditas de Amsterdam
participavam há tempos da produção e do comércio de açúcar do Brasil. Ao
término da trégua hispano-holandesa (1609–1621), esse comércio de sal e
açúcar estava comprometido (VAINFAS, 2000, p. 314).
A formação do sistema colonial 9

Foi durante a União Ibérica que os franceses e os holandeses invadiram o


território português na América, e procuraram estabelecer colônias. Vamos
estudar um pouco mais dos interesses e dos processos da França e da Holanda
na América portuguesa.

Os franceses
Existem relatos sobre a presença de navegadores franceses no litoral da América
portuguesa logo após o “descobrimento”. Havia um interesse muito grande da
França em explorar o território americano, bem como um descontentamento
com a divisão do Novo Mundo entre Espanha e Portugal, desde o Tratado de
Tordesilhas. Segundo a historiadora Laura de Mello e Souza (2001, p. 64):

talvez não seja exagerado dizer terem sido os franceses que decidiram a
sorte das terras achadas por Cabral. Não fosse sua presença constante no
litoral durante todo o primeiro quartel do século, e não fosse, muito depois,
em 1555, o seu empenho em fundar uma colônia na baía de Guanabara e
talvez o interesse português pelo Atlântico Sul ficasse adormecido por
mais tempo.

De acordo com Vainfas (2000, p. 312), “os franceses conheciam bem o


litoral do Brasil desde o início do século XVI: transportavam pau-brasil em
grande quantidade, aliavam-se a grupos indígenas e percorriam o extenso
litoral com a mesma frequência dos lusos. Por muito tempo, [...] a posse desse
litoral não esteve assegurada aos lusitanos”.
A primeira invasão francesa ocorreu no Rio de Janeiro, entre 1555 e 1567,
e levou à fundação da França Antártica. A expedição foi chefiada por Nicolas
Durand de Villegaignon, apoiado pelo governo francês, trazendo colonos
calvinistas e frades capuchinos. Segundo Vainfas (2000, p. 312):

Na baía de Guanabara, havia condições ideais para a nova colônia francesa.


Desde os anos 1530, os entrelopos ali aportavam, para comercializar com os
tamoios e fazer aguada, e a terra era de importantes reservas de pau-brasil.
Somente em 1550, Villegaignon urdiu um plano para estabelecer ali uma
colônia, com apoio do almirante Coligny e do cardeal de Lorena. Calvinista,
Coligny vislumbrava fundar uma colônia, a França Antártica, onde os hu-
guenotes (calvinistas franceses) estariam livres da perseguição católica que
grassava em França.
10 A formação do sistema colonial

Construíram e fundaram o forte Coligny, de onde resistiram aos portugue-


ses. Os franceses foram expulsos no governo de Mem de Sá por uma armada
comandada por seu sobrinho, Estácio de Sá. Ao tomar o forte de Coligny,
localizado na baía de Guanabara, Estácio de Sá fundou a cidade do Rio de
Janeiro. Posteriormente, entre 1710 e 1711, houve novas entradas de franceses
na cidade do Rio de Janeiro, que passou a ser saqueada por corsários.
A segunda invasão francesa ocorreu no Maranhão, entre 1612 e 1615, e levou
à fundação da França Equinocial, com a fundação do forte de São Luís, em
6 de setembro de 1612, que daria origem à cidade de São Luís do Maranhão.
Essa expedição foi comandada por Charles des Vaux e Jacques Riffault. Os
franceses foram expulsos do local pelos portugueses em 4 de novembro de
1615 (VAINFAS, 2000).

Os holandeses
Os holandeses possuíam acordos econômico-comerciais com Portugal, sendo
os responsáveis pelo refino do açúcar produzido nas colônias portuguesas e
pela comercialização do produto na Europa. Além disso, companhias privadas
auxiliavam luso-brasileiros na instalação de engenhos de açúcar na colônia
portuguesa na América e participavam do transporte de africanos escravizados
para o território português.
Essa situação perdurou até 1580, e, durante o período da União Ibérica, a
coroa espanhola dificultou as operações holandesas de refino e comercialização,
bloqueando os portos portugueses aos holandeses. A Espanha e a Holanda
eram rivais em assuntos comerciais, diplomáticos e políticos.

A Companhia das Índias Ocidentais formou-se em 1621 a partir da associação dos


governos dos Países Baixos e de particulares para garantir e ampliar os negócios
na América e na África, principalmente de açúcar. Contudo, interferiu também no
tráfico negreiro. Além disso, recebeu o monopólio do comércio e navegação sob
o controle ibérico. Em alguns momentos, desenvolveu atividades de colonização,
como as tentativas de invasão do território da América portuguesa (VAINFAS, 2000).
A formação do sistema colonial 11

A primeira tentativa de invasão da América portuguesa pelos holandeses


ocorreu na capitania da Bahia, na cidade de Salvador, capital da colônia,
entre os anos de 1624 e 1625, mas foram derrotados e expulsos. “Escolheu-
-se a Bahia porque, além da produção açucareira, era ponto estratégico para
atacar as frotas espanholas de prata, a carreira portuguesa da Índia e para a
conquista de outras partes da América e da África” (VAINFAS, 2000, p. 314).
A segunda tentativa pela Companhia das Índias Ocidentais ocorreu na ca-
pitania de Pernambuco, entre 1630 e 1637. Durante esse período, os holandeses
enfrentaram a resistência dos pernambucanos, mas também contaram com o
apoio de parte da população, como de Domingos Calabar. Os conflitos levaram à
paralisação da atividade açucareira, e, para resolver a situação, foi enviado à ca-
pitania de Pernambuco João Maurício de Nassau-Siegen, que assumiu o governo.
Durante seu governo (1637–1644), Maurício de Nassau financiou a recuperação
das lavouras e a reconstrução dos engenhos, retomando as atividades comerciais,
além de promover a liberdade religiosa e melhorias de infraestrutura. O governo
de Nassau foi abalado pela conjuntura europeia com o fim da União Ibérica e as
consequências para a Holanda da Guerra dos Trinta Anos (1618–1648), com a
exigência da Companhia Holandesa da cobrança de impostos, aumento da taxa
de juros e do preço dos escravizados. Como Nassau não aceitou essas medidas
econômicas, foi exonerado do cargo e regressou à Europa em 1644. Para os
proprietários e produtores pernambucanos, houve consideráveis prejuízos em
função das novas medidas econômicas, o que fez com que passassem a apoiar
o movimento conhecido como Insurreição Pernambucana (1645–1654), cujos
líderes eram João Fernandes Vieira, Vidal de Negreiros, Felipe Camarão e
Henrique Dias. Em 1649, o governo português passou a apoiar o movimento e
em 1654 os holandeses foram derrotados (VAINFAS, 2000).
Assim, podemos dividir o período da história holandesa no Brasil em três
momentos distintos: um primeiro momento, entre 1630 e 1637, caracterizado
pela conquista de territórios pelos holandeses e desestabilização econômica,
com resistência das forças luso-brasileiras. Um segundo momento, entre 1637
e 1645, de trégua e paz precárias, em que o governo de Nassau enfrentava
ataques organizados por senhores refugiados na capitania da Bahia. Nesse
segundo período, também houve um aumento das conquistas holandesas,
tanto na América, alcançando Sergipe, quando em África, com a conquista
de Luanda e São Tomé. De acordo com Vainfas (2000, p. 316), esse período
possuiu as seguintes características:
12 A formação do sistema colonial

Engenheiros, naturalistas, matemáticos e artistas, sob o mecenato de Nassau,


investigaram a natureza e transformavam a paisagem nordestina. Recife tornou-
-se uma das cidades mais importantes da América, com modernas pontes e
prédios. Além do incentivo à arte, o governo nassoviano promulgou leis que eram
iguais para todos, impedindo injustiças contra os antigos habitantes. Ele investiu
na produção açucareira, confiscou e levou a leilão os engenhos abandonados.
Conclamou os luso-brasileiros a voltarem para os canaviais, prometendo-lhes
liberdade. Mas o principal problema de Nassau residia no conturbado convívio
entre calvinistas, católicos e judeus, sem falar nos cristãos-novos portugueses. Ao
longo do tempo, tornaram-se claras as divergências entre Nassau e a Companhia
das Índias Ocidentais. Incentivado pela Companhia, moveu o malogrado assalto
à Bahia, em 1638. A administração da Companhia, contudo, culpou Nassau
pelo fracasso e a retirada das tropas do Maranhão.

O terceiro período corresponderia aos anos de 1645 a 1654, logo após


Nassau entregar o governo ao Conselho de Recife, regressar à Holanda e ser
deflagrada a guerra de restauração e a derrota dos holandeses.

De todo modo, o ânimo da resistência se ativou com a reconquista do Mara-


nhão, em 1643, e a insurreição de 1645 tomou corpo com o endividamento
dos plantadores de cana. O declínio dos preços do açúcar foi, assim, grande
catalisador da crise do Brasil holandês. A Restauração Pernambucana ocorreu
graças à aliança dos luso-brasileiros, dos moradores de Pernambuco e dos
exilados na Bahia, todos unidos contra os holandeses na fase derradeira da
guerra (VAINFAS, 2000, p. 316).

ARRUDA, J. J. A. Superlucros: a prova empírica do exclusivo colonial. Topoi (Rio de


Janeiro), v. 15, n. 29, p. 706–718, 2014.
FRAGOSO, J. Modelos explicativos da chamada economia colonial e a ideia de Monarquia
Pluricontinental: notas de um ensaio. História (São Paulo), v. 31, n. 2, p. 106–145, 2012.
FRAGOSO, J.; FLORENTINO, M. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade
agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c.1790– c.1840.
4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
NOVAIS, F. A. Colonização e sistema colonial: discussão de conceitos e perspectiva
histórica. In: SIMPÓSIO NACIONAL DOS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS DE HISTÓRIA,
4., Anais [...]. São Paulo, 1969. p. 243–269.
RICUPERO, R. O estabelecimento do exclusivo comercial metropolitano e a conformação
do antigo sistema colonial no Brasil. História (São Paulo), v. 35, e 100, 2016.
A formação do sistema colonial 13

SOUZA, J. P A. Entre o sentido da colonização e o arcaísmo como projeto: a superação


de um dilema através do conceito de capital escravista-mercantil. Estudos Econômicos
(São Paulo), v. 38, n. 1, p. 173–203, 2008.
SOUZA, L. M. O nome do Brasil. Revista de História, n. 145, p. 61–86, 2001.
VAINFAS, R. Dicionário do Brasil colonial, 1500-1808. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

Leituras recomendadas
KNAUSS, P. No rascunho do Novo Mundo: os espaços e os personagens da França
Antártica. História (São Paulo), v. 27, n. 1, p. 143–153, 2008.
PALAZZO, C. L. Entre mitos, utopias e razão: os olhares franceses sobre o Brasil (séculos
XVI a XVIII). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009.
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Companhia das Letras, 2008.

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