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Premissas Gerais

Fatores externos exerceram sobre os internos influencia maior sobre os processos


históricos de independência da América Latina. Acontecimentos internacionais em outras
partes do planeta, sobretudo o vendaval histórico da tripla revolução atlântica (industrial,
estadunidense e a francesa), impactariam o antigo regime e seus componentes. Ainda assim, é
possível denotar um contraste entre a evolução gradual pela qual se deu o processo de
independência no Brasil e o processo de ruptura por meio de longo a implacável guerra na
América Latina. A razão para isso está justamente nas diferentes respostas dadas à agressão de
Napoleão por Lisboa e Madrid devido a maneira como se integravam no sistema europeu de
poder do início do século XIX.
Se as reformas pombalinas e bourbônicas da segunda metade do século XIX já haviam
preparado o terreno, foi Napoleão quem deflagrou o incêndio. A batalha de Trafalgar de 1805
havia consolido a marinha britânica como vitoriosa nos mares diante da vitória sobre a
esquadra Franco-espanhola. Em 1806, o bloqueio continental (decreto de Berlim) é decretado
como forma de asfixiar economicamente a Inglaterra ao desprovê-la do seu acesso aos
mercados consumidores. Napoleão buscava, pela força das armas, vencer a disputa político-
econômica com os britânicos.
A recusa portuguesa em cortar laços com os britânicos, devido sua longa profunda
aliança com a Inglaterra, motiva a invasão Francesa 1807 a fim cerrar os portos da costa
portuguesa. Após a defesa contra a Espanha ao termino da União Ibérica em 1640, Portugal
constrói com os Britânicos uma relação assimétrica em termos de segurança, comércio e
economia ao longo das décadas de 40, 50 e 60 dos séculos como forma de proteção contra os
espanhóis que só viriam a reconhecer a independência portuguesa em 1668. Essa relação
acentua com o Tratado de Methuen de 1703 cujas linhas consolidam um intercâmbio comercial
bilateral perene e desigual. Portugal estava em uma posição de fragilidade em relação a
reabertura dos conflitos anglo-franceses do início do século XIX. Para os Britânicos, além da
aliança portuguesa não resultar em ganhos desprezíveis, necessitavam dos portos lusitanos
como possível plataforma terrestre por meio das qual um dia poderiam retornar a um
continente europeu à época hostil devido ao expansionismo francês. Em meados do século
XVIII, a condição era quase de vassalagem em relação à Gra-Bretanha; elemento tal que tornou
possível a causa decisiva da singularidade do processo brasileiro: a transferência da corte ao
Brasil sob proteção da esquadra inglesa.
A agressão francesa se estenderia à Espanha. No caso espanhol, a condição de uma
aliança subordinada e desigual com a França seria o que levou a sucessão de eventos
conhecidas como Abdicações de Baiona – as renuncias sucessivas e forçadas de Carlos IV e
Fernando VII dado as pressões exercidas por Napoleão – em favor da coroação de José I
Bonaparte em junho de 1808. As guerras peninsulares de 1807 a 1814 seria o conflito militar
resultante pelo controle da península ibérica, opondo de um lado o império Francês e do outro
Reino Unido, Portugal e Espanha. Na Espanha, surgiram em diversas localidades um fenômeno
espontâneo de resistência à invasão francesa chamado de Juntas as quais viriam a se agrupar
numa estrutura nacional por motivos de maior eficiência na Junta Suprema Central
Governativa. O objetivo era dirigir a guerra contra ocupação francesa e preparar a
reconstrução espanhola. O Estado de guerra que se vivia na península ibérica leva a que as
cortes venham obter refúgio fora da cidade de Madrid e, devido ao avançar das tropas
francesas, estas viriam a se concentrar em Cádis, tendo a Constituição sido promulgada no
Oratório de San Felipe Neri daquela cidade no dia 19 de Março de 1812, dia de São
José. Possuíram cariz liberal, o que implicava a promulgação de uma constituição para o Estado
espanhol e uma modernização global das suas estruturas, de acordo com os preceitos liberais
implícitos nas ideias iluministas e racionalistas. As Cortes ratificaram quase de imediato os
princípios fundamentais pelos quais se guiaria a elaboração da Constituição: a soberania
popular, afirmando que a soberania reside no povo e não no rei; a legitimidade dinástica
de Fernando VII de Espanha como chefe de Estado; a separação de poderes, com a
independência e inamovibilidade dos juízes; e a inviolabilidade dos deputados no exercício do
seu mandato.
Posto de outra maneira, ainda que atacado, o império português não perdeu o
elemento de legitimidade e garantidor da unidade: o Rei. No império Espanhol a figura do
soberano desaparecia num estalar de dedos diante da figura de um monarca invasor imposto,
despojando-a do seu princípio de unidade. Mesmo que tenha eclodido a resistência e
reinvindicação do poder em nome do rei pelas Cortes de Cádis, a queda o rei Bourbon suscita
questões e consequências imediatas desnecessárias na América Portuguesa: quem iria dirigir o
reino? Baseado em que direitos? Por que obedecer a Cádis? Enquanto isso, a coroa portuguesa
estava mais próxima do que nunca, reforçando o elemento da autoridade legítima baseada na
coroa e fazendo da corte no Rio de Janeiro o centro político do império português.
As invasões de 1807 e 1808 são o gatilho para um longo e complexo processo histórico
que confirma o declínio dos impérios católicos e universalistas de Portugal e Espanha e prepara
o caminho para ascensão política, comercial e militar dos Estados-Nações europeus modernos,
dos quais primeiramente se destacou a Grã-Bretanha. Abriu totalmente a América às ideias das
Luzes, favorecendo a emancipação política formal do Novo Mundo e lançando as premissas de
sua americanização devido ao corte do cordão umbilical que a matinha presa à Europa. A
América Ibérica começa a se plasmar em civilização própria e original; filha da civilização
ibérica, mas independente dela.

Diferenças entre América espanhola e América Portuguesa


Sete diferenças (Leslie Bethell):
 Nos vice-reinos espanhóis se formaram verdadeiras dinastias de criollos ricos de até
sete gerações coloniais, fazendo com que a colonização espanhola fosse mais arraigada
e seus agentes dotados de uma perspectiva de mais longo prazo. No Brasil, maior parte
dos grandes proprietários na década de 1820 era composta de brasileiros de primeira
geração, filhos de portugueses.
 Mais mobilidade social na colonização portuguesa que na colonização da América
Espanhola. O sistema português era menos opressivo e excludente para com colonos
notáveis, os quais ocuparam altos cargos na administração portuguesa pré-
independência.
 Não havia universidades aqui no Brasil como houve na América Espanhola. No
primeiro, tanto a imprensa quanto a universidade foram proibidas. Os brasileiros ricos
e abastados iam para Coimbra, fator este que criava uma espécie de contato
comunitário com a elite portuguesa.
 A América portuguesa era um sistema pautado por uma produção majoritariamente
escravista, diferentemente da América Espanhola.
 Configuração geográfica distinta gerou uma economia colonial isolada com poucos
vínculos comerciais endógenos. A ausência de vinculações mais intensas entre as zonas
coloniais caracterizadas, sobretudo, pela plantation (Arquipélagos) favoreceu laços de
continuidade com Portugal. Na América espanhola, produção para o mercado interno
era muito mais intensa, podendo viver perfeitamente sem a Europa, ao contrário da
economia brasileira.
 Exclusivo colonial mais frágil na América Portuguesa. O grande exemplar disso era o
tráfico de escravos controlado por baianos e cariocas, o que na prática fazia com que
raramente o caminho para a África passasse pela Europa. Já na América espanhola o
controle era absolutamente estrito até com regime de porto único.
 Reformas do absolutismo ilustrado. Embora o objetivo com as reformas pombalinas e
bourbonicas fossem o mesmo, no caso brasileiro produziram melhorias no padrão de
vida colonial e/ou eliminaram interesses poderosos como os dos jesuítas. Situação
distinta da América espanhola. O renascimento agrícola no Nordeste, por exemplo,
estimulou a produção e enriqueceu todo um grupo social que produzia algodão, couro,
farinha de mandioca.

Processo da América Espanhola


Causa conjuntural: invasões de 1807 e 1808
Causas estruturais: reformas bourbônicas e suas consequências (revoltas
anticoloniais); consolidação de interesses, vínculos sociais e identidades capazes de configurar
um prenúncio da nação na América. Há um recrudescimento das relações coloniais
representadas por uma série de reorientações que buscam extrair o máximo das possessões
coloniais via tributação. Convém dizer que muitas dessas reformas já eram anteriores, mas se
intensificam em diferentes cenários após a Guerra dos Sete Anos. Revoltas pela revisão das
formas de tributação e organização do trabalho indígena (Tupac Amaru) marcam.
Causas interiores (endógenas): mudanças profundas ocorridas na sociedade e na
política espanhola em função da transformação do império católico espanhol em Estado-Nação
moderno. Um processo concentração de poder, racionalização da economia, interferência na
autonomia das sociedades locais e, por conseguinte, de combate ao poder eclesiástico que vai
se desenvolve desde as reformas bourbônicas e acaba por violar antigas liberdades garantidas
na colônia usufruídas em função do antigo regime pactual. Por esta perspectiva, a
independência da américa latina não teria sido fruto de revolução liberal contra o absolutismo,
mas sim uma reação em defesa das antigas liberdades corporativas coloniais contra a
modernização imposta pela Espanha.
Causas externas(exógenas): clima revolucionário alimentado pela separação dos
Estados Unidos e pela Revolução Francesa. Para outros, os movimentos americanos que
desembocaram na independência teriam sido movimentos liberais e parte desde contexto
revolucionário mais geral fomentado pelas novas correntes de ideias iluministas contra o antigo
regime. Não há muitas dúvidas de que os líderes dos movimentos eram saturadas de ideias
liberais e proclamavam a necessidade de demolir fundamentos da velha ordem corporativa. O
novo e mais fundamental elemento desse novo mundo seria a constituição, documentos que
as juntas promulgaram enquanto representação de um novo pacto social e político a legitimar
o povo soberano e não a mera vontade de deus.
Obs: apensar de estabelecerem um contraponto, as causas externas e internas tendem
a confluir para explicar o caráter da reação à dominação espanhola onde antes houvera
coabitação num mesmo espaço imperial. Tanto por conservadores, movidos contra tudo que
destruía a antiga ordem, quanto liberais em potencial, estimulados pelos aspectos da nova
ordem que essa dominação negava.

Fase autonomista (1808-1814)

Na Espanha a resistência provincial à invasão napoleônica tomou um curso liberal com


a criação da Junta Central, cujo clamor se pautava na soberania do reino vir dos povos na
vacância do trono. No entanto, este governo teve pouca legitimidade na América Espanhola, os
quais não se consideravam sob sua autoridade. Os principais centros administrativos
americanos reagiram de forma semelhante criando juntas, órgãos políticos incumbidos de
exercer a autoridade. Não havia, no entanto, desejo por independência, mas sim por maior
autonomia e representação nas Cortes de Cádiz. As Juntas formadas declararam assumir o
poder provisoriamente em nome de Fernando VII até que este reassumisse o trono. Ausência
do poder real oferecia a oportunidade de recuperar certa autonomia perdida ou reduzida pela
força centralizador da Casa Bourbon durante as reformas bourbônicas e, assim, remodelar a
relação com a coroa em próprio benefício. Em muitos cenários, as Juntas cancelaram o
monopólio comercial e liberalizaram o comércio com os ingleses. Em linhas gerais, a autonomia
era o horizonte das elites crioulas que assumiram o poder nas américas; contudo, a rebelião já
estava em marcha em muitas regiões.

 Mexico: Uma conspiração criou uma rebelião massiva de camponeses mestiços


e indígenas, instigada primeiramente pelo Padre crioulo Miguel Hidalgo.
Quando informado de que seria preso por fazer parte da conspiração pelas
autoridades espanholas, seus discursos para população acerca da defesa do
Mexico contra os usurpadores peninsulares da autoridade legítima de
Fernando VII estalou a rivalidade entre Crioulos e Peninsulares. Ao utilizar de
linguagem religiosa colocou a revolta nas bases de uma insurgência dos
espanhóis americanos contra a Espanha. Sua retórica estabeleceu a dicotomia
entre americanos e europeus e mobiliza setores mais pobres para receio da
própria população crioula em torno da bandeira da virgem de Guadalupe, um
símbolo potente da identidade mexicana, em meio recente fome que tinha
deixado muitos mexicanos mais humildes com pouco a perder. Poucos crioulos
se juntaram a retórica patriótica de Hidalgo, que foi capturado, forçado a se
arrepender e executado. Este, no entanto, já havia acendido o fogo da rebelião
a qual foi levada adiante por um de seus oficiais, o Padre José María Morellos,
um mestiço e líder mais hábil. Seu exército era mais organizado e suas
demandas eram mais claras e objetiva: o fim da escravidão, do sistema de
castas (todos nascidos no México seriam simplesmente americanos) e do
tributo pago pela população indígena. Seu movimento não atraiu muitos
crioulos, mas teve mais perenidade, durando até sua captura e execução em
1815. Neste período, pequenos grupos de patriotas já conduziam guerrilhas
por anos em diversas regiões do México e continuavam a desafiar o governo.
 Peru: tementes da rebelião Tupac Amaru nos anos 1780, os crioulos da região
evitaram a revolta dado os perigos inerentes de mobilizar populações
indígenas. No geral, as áreas andinas – Bolívia e Equador, inclusos –
permaneceram relativamente quietas durante os anos a primeira metade dos
1810
 Venezuela e Argentina: polos revolucionários que tinham menos a temer
acerca das populações indígenas oprimidas – em menor número na região. Sob
restrições que favoreciam a produção de prata em áreas centrais como México
e Peru, tinham a vantagem, no entanto, de suas planícies serem abundantes
em cavalos e cavaleiros, muito úteis na era das guerras pré-mecanizadas.
Diferentemente do México, as juntas patrióticas de Caracas e Buenos Aires,
criadas a partir de cabildos abiertos dos homens mais influentes da região,
conduziram uma rebelião pelo alto. Quando a crise de legitimidade espanhola
começou, crioulos de Caracas e Buenos Aires deixaram de lado clamores de
lealdade à coroa e abraçaram a revolução liberal ao declarar completa
independência. Na Venezuela, em particular, tudo isso já havia acontecido pelo
ano de 1811. Contudo, para além das regiões costeiras com suas plantações de
Cacau, no coração Venezuelano havia um grupo de caubóis chamados llaneros
a ocupar as planícies tropicais do Rio Orinoco. A sua simpatia pelas elites se
tornou um desafio a ponto optarem por defender o rei no momento em que a
Junta de Caracas negou a autoridade Fernando VII. A despeito de serem bem
sucedidos em espalhar os ventos revolucionários para Nova Granada (atual
Colômbia), se fazia imperativo atrair o llaneros. Na Argentina, por outro lado, a
junta revolucionária teve mais facilidade de ganhar terreno militar. Miliciais
locais já haviam sido bem sucedidas em derrotar expedições britânicas no Vice-
Reino do Prata por volta de 1806 e 1807 quando os espanhóis ainda eram
aliados dos franceses. Patriotas locais tinham a vantagem militar desde o
começo e já por volta de maio de 1810 o controle peninsular havia sido
encerrado na capital do Vice-Reino, Buenos Aires, aonde a revolução evoluiu
para um republicanismo no estilo Francês. Outras regiões do Rio da Prata,
ainda assim, se mostraram menos inclinadas a seguir a liderança de Buenos
Aires dado o ressentimento população interiorana com os aristocratas crioulos
da capital. De toda forma, as guerras de independência opuseram
majoritariamente os exércitos de Buenos Aires e os exércitos provinciais,
fossem eles realistas ou patriotas.

O quadro seria mais parcial e distorcido caso não fosse os eventos na Espanha. O
conselho de regência de Cádis convocou a população para a eleição das cortes, uma
assembleia representativa encarregada de redigir uma constituição para instituir um poder
legitimo na ausência do rei. Votada e aprovada em 1812 e de caráter liberal, convidou
representantes americanos, os quais começaram preparativos para eleger seus constituintes
iriam para a Espanha. A exceção foi feita justamente aos territórios da Venezuela e do Rio da
Prata, que sob controle das respectivas juntas recusaram a reconhecer a autoridade do
Conselho de Regência de Cadis e decidiram por governar de modo autônomo.
Ainda que simpáticos às reinvindicações americanas, constituintes espanhóis
reafirmaram o princípio da primazia peninsular, dando mais um golpe na confiança e nas
expectativas dos crioulos ultramarinos. As reinvindicações por maior igualdade entre espanhóis
e americanos por liberdade de produção e comércio e livre acesso aos cargos civis,
eclesiásticos e militares foram frustradas. A constituição de Cádis foi indigesta para as Elites
crioulas. Demolia o absolutismo ao colocar a monarquia constitucional com limites ao poder
real; no entanto, era também uma réplica do espírito centralizador das reformas bourbônicas.
Além disso, desagradava por não garantir suficiente direito de representação igualitária, acesso
aos cargos e muito menos as liberdades econômicas reivindicadas.

Guerras de Independência e vitórias patrióticas (1814-1824)

A derrota francesa reconduz ao trono Fernando VII nos primeiros meses de 1814.
Dentro do novo contexto da ordem de Viena após a queda de Napoleão, o Rei anula a
constituição de Cádis e restabelece o absolutismo. Traídas as expectativas dos liberais
espanhóis e americanos, o Rei também estabeleceu o imediato envio de tropas para
restabelecer a ordem e a obediência à mãe-pátria, a começar pelas regiões aonde sua
autoridade tinha sido mais contestada: Venezuela e Rio da Prata. Foi a partir destes territórios
que a guerra propriamente dita teve início. O conflito representa um momento de luta franca
contra um império espanhol completamente hostil às reinvindicações de maior liberdade,
igualdade e autonomia. Os grandes responsáveis pelo término da guerra na parte sul da
américa espanhola seriam Simón Bolivar e José San Martin numa espécie de manobra de pinça
continental sobre as forças realistas que detiveram por último o controle dos Andes peruanos.
A despeito de primeiramente derrotado pelas forças realistas, é a partir de 1817 que
Simon Bolivar consegue trazer os llaneros venezuelanos para o seu lado e assim como começar
uma sequencia ininterrupta de triunfos. Ao situar sua base nas planícies de Orinoco, distante
de Caracas, atraiu este grupo de caubóis se utilizando de estratégias nativistas –
protonacionalismo que glorificava a ideia de uma identidade americana e foi instrumentalizada
pelos Criollos para liderar o movimento de independência sem alterar a hierarquia social. Ao
pegar os realistas de surpresa, as forças lideradas pelo exército de Bolivar conseguiu liberar
Bogotá.
Eventos externos também contribuíram para deixar as forças realistas em desacordo. A
revolução liberal em 1820 na Espanha faz de Fernando VII um monarca constitucional com
poderes limitados o que viria a impactar justamente o México. Na região central do império
espanhol, a teimosa guerrilha dos seguidores de Padre Morelos seguia, sobretudo ao sul da
Cidade do México, ainda que sem conseguir derrotar os realistas. A maré vira como
consequência da revolução liberal espanhola quando muitos realistas Criollos no exército e na
igreja se sentem traídos pelo desenrolar dos eventos espanhóis. Em questão de meses, uma
aliança é estabelecida entre o comandante do exército Criollo, Augustin Itubirde, e as forças
patrióticas. O Plano de Iguala, subscrito por Augustin, previa um México independente, com
suas próprias cortes, decidido a tanto proteger a igreja quanto ter um Bourbon como
soberano. A vitoriosa coalização liderada por Augustin estabelece uma monarquia
constitucional no México em 1821, fazendo o novo país alcançar a independência pela via
conservadora. Ainda assim, a solução monárquica não teve vida longa. Sendo Augustin Criollo
de nascença como seus pares e tendo o México passado por um processo prolongado de lutas,
uma série de convicções políticas e animosidades já haviam se estabelecido e firmado o
conceito da soberania popular como um pressuposto básico da ordem política. Após um ano
no poder, Augustin manda fechar o novo congresso formado, gerando como reação sua
deposição política pelos militares, os quais instauraram uma nova República.
Paralelamente, na segunda região central do império espanhol, convergiam os
exércitos patrióticos de Venezuela e Argentina. Por volta de 1822, as forças de Bolivar já
haviam capturado Caracas e Quito, tendo sobre controle todo o norte da América do Sul. O
movimento americanista que havia começado pela região de Buenos Aires já controlava todo o
Sul por volta de 1814 e 1817. Um combinado Argentino-Chileno, liderado pelo general José de
San Martín, atravessa os Andes e lança um decisivo ataque surpresa que derrota as forças
realistas no Chile. O encontro histórico dos exércitos de Bolivar e San Martin em Guayaquil em
1822 resulta na saída de cena de San Martin e a condução das operações militares finais sob
liderança de Bolivar. O último bastião das forças realistas cai em 1824, quando os patriotas, sob
comando do General Antônio José de Sucre, derrubam o vice-reinado do Peru após a Batalha
de Ayacucho. As profundas cisões entre o exército real e as elites crioulas e a desorientação
vinda dos eventos na Espanha, cumpriram papel relevante no enfraquecimento das forças
realistas. O ruir da ultima trincheira põe fim definitivo ao império espanhol.

O processo histórico Brasileiro


A invasão napoleônica configurou o ponto máximo da dependência lusitana em relação
aos ingleses. Seu resultado, a transferência da corte, ativamente promovida pelos britânicos,
confere caráter singular ao processo de independência do brasil. Sua excepcionalidade vai além
do fato de a ideia ter raízes em projetos antigos, mas também pela longa duração de 12 anos,
dado que se estendeu para além das causas originárias da decisão, e também pelas
consequências imediatas em termos da abertura dos portos, do fim do pacto colonial e da
expansão da região platina.

Abertura dos portos e tratados desiguais

A primeira consequência direta foi a abertura dos portos. O preço da salvação da


monarquia entregava Portugal nas mãos de uma potencia para o qual tudo haveria de ser
mendigado. A obediência seria o custo da proteção inglesa. Porém, ao contrário do que
desejava os ingleses de uma abertura discriminatória e limitada à Grã-Bretanha, o primeiro ato
de abertura dos portos acabou não sendo ditada pelos ingleses. A motivação para abertura dos
portos possuía seria uma tendência herdada do período pomabalino cuja política buscou criar
contrapesos à dominação inglesa por meio da igualdade de concorrência a outros parceiros. A
influência de José da Silva Lisboa, futuro Visconde de Cairú e principal divulgador das ideias de
Adam Smith no mundo luso-brasileiro, foi decisiva para este evento. Ao ocupar o cargo público
de supervisão do comércio e da lavoura na Bahia refletia os interesses dos comerciantes de
fumo e açúcar. Com os portos abarrotados da última safra e com o escoamento impedido via
Portugal pela invasão francesa, se tornou um dos principais proponentes de uma abertura
irrestrita quando D. João chegou a Salvador em 22 de janeiro de 1808. Já no dia 28, assinou
uma carta régia na qual todos os portos brasileiros se abriam, sem exceção, à exportação e
importação de mercadorias em navios de países amigos. A celeridade está muito ligada a
ausência de pressão inglesa direta e uma possível preparação prévia da decisão, além do
desembarque acidental num porto de exportação junto a pressão de interesses comerciais e
agrícolas locais. A medida adotada, de forma interina e provisória, liquidava o pacto colonial.
O decreto taxava inicialmente em 24% as mercadorias secas transportadas em navios
estrangeiros ou nacionais. Uma medida adicional iria reduzir para 16% a taxa dos produtos
chegados em navios nacionais. Indignada com o tratamento menos favorável, no entanto, os
britânicos protestaram e exigiram a revogação imediata do decreto. O visconde de Strangford,
ministro da Inglaterra em Lisboa, temporariamente ausente até então, foi quem personificou o
empenho britanico para obter tratamento preferencial partir desse momento. De maneira a
neutralizar a desvantagem, o ministro consegue arrancar da corte concessões bem superiores
às de suas instruções nos tratados de fevereiro de 1810, os quais entraram na história sobre o
nome de “tratados desiguais”. Estes mudaram radicalmente o conteúdo não discriminatório da
abertura dos Portos. Aos ingleses foi concedido tarifa preferencial de 15%, bem inferior à paga
pelos chegados em barcos luso-brasileiros. Não houve qualquer reciprocidade na medida em
que era vetada a exportação à Inglaterra de açúcar, café e produtos similares aos das colônias
britânicas. A previsão de duração para revisão do tratado seria de 15 anos e consagrou aos
ingleses também o privilégio de terem magistrados especiais.
A vulnerabilidade portuguesa, tanto em termos comerciais quanto de defesa naval,
acabou por ser transferida ao Brasil com o sentido de preservar a dinastia da Casa de Bragança.
A corte portuguesa levava em consideração as necessidades do próprio Portugal, sendo os
tratados um reflexo das relações anglo-lusitanas do passado. Os interesses dinásticos
encontrariam guarida no segundo acordo, o Tratado de Amizade e Aliança, já de natureza
política, por meio do qual a Grã-Bretanha se comprometia a jamais reconhecer qualquer
príncipe que não fosse o herdeiro legítimo da casa de Bragança; um ajuste que iria vigorar até o
Congresso de Viena de 1815. O terceiro tratado se restringiria a uma convenção sobre o
estabelecimento de uma linha regular de paquetes.

Modernização do meio de inserção e importância do comércio inglês

Do ponto de vista externo, o comércio acaba por ser a força preponderante que orienta
as ações Britânicas na América Latina enquanto efeito da Revolução Industrial. A pressão
regular a notória de industriais e comerciantes a favor da abertura de mercados foi o que deu o
tom dos tratados desiguais de 1810. É importante ressaltar que na fase mais aguda dos
conflitos napoleônicos entre 1809 e 1811, quando mercados europeus estavam fechados pelo
bloqueio continental, as exportações para América Latina chegaram a constituir 35% do total
de vendas externas da Inglaterra; ainda que depois da paz as exportações tenham declinado,
continuaram expressivas. Só em 1812, o ano da invasão à Rússia, o Brasil importou da Grã-
Bretanha 25% a mais que a Ásia inteira, metade das importações dos Estados Unidos e das
Indias Ocidentais e 4/5 do total das vendas à América do Sul. Após 1815, o mercado brasileiro
continuou absorvendo 2/3 das vendas às colônias estrangeiras na América Latina e em 1820 o
Brasil consumiu metade do conjunto da Ásia ou das Índias Ocidentais, 2/3 das importações
norte-americanas e ¾ das exportações destinadas às colônias espanholas e portuguesas nas
Américas. Boa parte destes produtos eram de algodão. Um intercâmbio marcado pelo
desequilíbrio, convém ressaltar; dado que, mesmo constituindo um importante mercado
consumir, o Brasil permaneceria uma fonte secundária de importação para os ingleses.
O processo gradual de separação política das metrópoles também significa o processo
de modernização da inserção das antigas colônias no contexto mundial. De toda forma, sem
constituir ruptura com as estruturas econômicas e sociais da colônia: a produção de bens
primários, da agricultura e pecuária para os mercados externos, e o sistema pré-salarial e de
força de trabalho majoritariamente escravizada. Um verdadeiro anacronismo dentro de uma
economia mundial que se industrializava. As arcaicas condições e o forte contraste entre
transformações socioeconômicas na Europa e na América levariam ao problema das “das ideias
fora de lugar” – a difícil adaptabilidade de instituições e normas importadas do liberalismo
econômico nas condições locais.

Reformas Joaninas e a Interiorização da metrópole

Mais do que falar em independência melhor seria se referir a um processo histórico de


separação política cuja imagem não se vincula ao modelo tradicional de formação de uma
nacionalidade a partir da luta da colônia contra a metrópole. Se a questão do amadurecimento
do capitalismo industrial na Inglaterra define o quadro geral das transformações do mundo
ocidental do período em conjunto com a inspiração oferecida pela independência dos EUA e,
sobretudo, as consequências da revolução francesa e das guerras napoleônicas, cabe tratar
como tudo isso afetou as classes dominantes da colônia e os mecanismos internos inerentes ao
processo de formação de uma nacionalidade brasileira. O clássico de Maria Odila Leite da Silva
vê no processo de ajustamento às pressões o enraizamento de interesses portugueses e o
processo de interiorização da metrópole no centro-sul.
A vinda de Corte para o Brasil e seu estabelecimento no Rio de Janeiro traz impacto
socioeconômico profundo; dá início ao enraizamento do Estado Português no Centro-Sul e a
transformação da colônia em metrópole interiorizada. O contexto de prosperidade da região
foi motivado pelo estabelecimento da cúpula do Estado português e tinha como cimento
institucional a monarquia na figura de D.João. Este oferece cargos, empregos públicos, ordens
honoríficas, títulos de nobreza e diversas vantagens para cooptar seus súditos nativos a renovar
a lealdade quanto apaziguar aqueles forçados a lhe acompanhar no exílio. A essas medidas
também se somam as reformas joaninas: Jardim Botânico, a Escola de Música, o Teatro Real, a
Casa da Moeda, a fábrica de pólvora, novas estradas e a melhoria das já existentes para
aprimorar a comunicação entre as capitanias – sobretudo, entre a nova corte e Minas Gerais,
que se constituía progressivamente num celeiro a abastecer o principal mercado no Rio de
Janeiro.
Não é casual que a maior parte destas instituições tenha sido criada no Rio de Janeiro
ou no seu entorno. O processo de enraizamento passa pela organização do comércio de
abastecimento do Rio de Janeiro, o estabelecimento de firmas de negócios, os casamentos de
famílias locais, os investimentos em obras públicas e terras, marcado pela burocracia da Corte,
os privilégios administrativos e o nepotismo do monarca. Há uma integração significativa da
região Centro-sul com os interesses dos comerciantes portugueses e burocratas transmigrados
mediado pelas novas instituições criadas pelo Estado Português na América, o embrião do
Estado imperial brasileiro. O estabelecimento de vínculos comerciais, pessoais e até mesmo
familiares consolidava Rio de Janeiro-São Paulo-Minas como centro dinâmico da nova
metrópole a partir da compra de fazendas no Rio de Janeiro e nos arredores por membros da
aristocracia e da elite comercial portuguesa ou por meio de matrimônios entre a elite reinol
que se interiorizava e os filhos de proeminentes colonos ricos do Centro-Sul. A elevação do
Brasil a Reino Unido em 1815, o mais notável resultado do Congresso de Viena para a região, é
a marca definitiva do período Joanino de reorganização da metrópole na colônia.
Às outras capitanias, contudo, o processo equivaleu a um recrudescimento dos
processos de colonização portuguesa do século anterior. Como metrópole interiorizada, a corte
do Rio de Janeiro lançou os fundamentos do novo império Português chamando para si o
controle e exploração de outras províncias/colônias, como o Nordeste e o Norte. A
interiorização da metrópole também significou que a relação desta região com as demais
regiões do império português era de subordinação ao Rio de Janeiro. Bancar as reformas
joaninas requereu a extração fiscal pura e simples de outras regiões, sobretudo o Nordeste em
pleno declínio da economia açucareira. Pernambuco, em particular era uma capitania a lidar
com o peso do fisco de maneira significativa desde a separação da capitania do Ceará e da
Paraíba. O declínio econômico, a extração fiscal e uma grande seca em 1816 em um cenário de
negligência crescente para com a região faz eclodir a única grande rebelião provincial do
período Joanino, a Revolução Pernambucana de 1817; movimento este que viria a ser
reprimido.
Política externa: Caiena 1809-1817 e Intervenções na Banda Oriental (1811-1812/1816-
1820

A outra consequência diz respeito à política externa. Conduzida a partir do Rio de


Janeiro, foi uma diplomacia que tinha em vista os interesses lusitanos e da dinastia de
Bragança, em particular. Todas as iniciativas tomadas representaram uma continuação do
conflito europeu que havia se transplantado para um novo cenário. Ainda assim, foi capaz de
produzir graves consequências para o futuro país independente, especialmente no que tange a
linha de ação seguida no extremo sul em relação aos territórios coloniais espanhóis que se
converteriam nas modernas repúblicas da Argentina e Uruguai.
O sentido seria ferir na América tanto Espanha quanto França. A começar pelo ataque à
Guiana francesa com apoio da força naval inglesa. O objetivo explícito era de retomar o
território da chamada “Guiana Brasileira”, correspondente ao norte do rio Araguari até o
Oiapoque que Portugal tinha sido obrigado a ceder aos franceses após a curta guerra
peninsular de 1801. Caiena seria conquistada rapidamente e governada por administrações
militares e civis lusitanas por quase nove anos até sua restituição no Congresso de Viena.
De toda maneira, o envolvimento brasileiro seria mais agudo na região do Rio da Prata.
Buenos Aires e Montevidéu já haviam sido palco de expedições britânicas em 1806 e 1807,
como consequência das hostilidades contra a Espanha. A derrota infligida pelas milícias locais
serviu ao propósito de reforçar autonomia portenha e diminuir o prestígio de autoridades
espanholas. Contribuiu também para aferir os interesses ingleses na região cujo sentido passou
a ser o de assegurar o comércio livre no local para garantir a supremacia mercantil sem o ônus
e incert’eza da conquista. Aos portugueses, por outro lado, interessava o controle da margem
direita e da boca do Prata de maneira a exercer domínio sobre os três formadores do grande
rio: Paraná, Paraguai e Uruguai. Essa prática já vinha desde o estabelecimento da Colônia do
Sacramento, cedida à Espanha pelo tratado de Madri em 1750. O mesmo tratado haveria de
ser anulado posteriormente, reiniciando a guerra na região. A maior expedição militar
espanhola enviada à região em 1777, comandada pelo primeiro Vice-Rei do Prata, assinalou o
ponto mais alto do poder espanhol naquele espaço. Esse momento coincide com um período
crítico do enfraquecimento Português: a morte de D. José, a subsequente queda de Marquês
de Pombal e subida ao trono de d. Maria I. A imposição do Tratado de San Ildefonso em 1777
asseguraria aos espanhóis a posse tanto da Colônia de Sacramento quanto de Sete Povos,
encerrando o equilíbrio proposto pelo Tratado de Madri. É possível falar em um padrão
existente nesses eventos dado que uma mudança, breve ou perene, na correlação de poder
buscava legitimidade numa construção jurídica.
San Ildefonso se mostrou uma anomalia temporária, no entanto, devido as novas
circunstâncias. Já em 1801, o desfecho da guerra peninsular levou mais uma vez Sete Povos das
Missões às mãos brasileiras. Partir de então, os estadistas brasileiros do futuro iriam edificar
uma doutrina histórico-jurídica que passaria a inspirar toda política territorial brasileira de
forma duradoura com base em três argumentos: primeiramente, para que o tratado de 1777
continuasse em vigor, ele precisaria ter sido expresso após a Guerra Peninsular de 1801, fato
esse que não ocorreu no Tratado de Badajoz; em segundo lugar, não houve regresso ao status
quo anterior com esse tratado na medida em que Portugal ficou com as Missões; por fim, San
Ildefonso não poderia ser aceito como base principal, mas somente como elemento subsidiário
para definição de limites aonde não existe ocupação de fato.
Por volta de 1807/1808, ciente de um estado de beligerância com a Espanha, reverter a
situação de maneira permanente na Banda Oriental torna-se verdadeira obsessão da corte
lusitana no Brasil. O levante contra a usurpação do trono espanhol, porém, transforma a
Espanha em aliada. Do lado Português, cresceu a pretensão de que Carlota Joaquina – esposa
de D. João e princesa espanhola filha de Carlos IV e irmã do monarca afastado Fernando VII –
tivesse a pretensão de assumir regência das possessões castelhanas nas Américas. Já do lado
americano, a decisão do Cabildo Abierto de Buenos Aires de depor o vice-rei e estabelecer uma
junta, teoricamente submetida à autoridade do rei prisioneiro, precipita as hostilidades.
Regiões do Alto Peru e do Paraguai rejeitam a junta; já em Montevidéu, o governador
espanhol, Elío, promovido à vice-rei se mantém leal e recebe instruções para submeter Buenos
Aires com autorização para solicitar auxílio de tropas portuguesas. Ameaçado pelas forças do
chefe oriental José Gervásio Artigas e sitiado em Montevidéu pela junta Portenha, Elío é
socorrido pela intervenção lusitana que suspende o sitio. O armistício, imposto pelos ingleses
em 1812, precipita a retirada relutante dos portugueses.
A não presença lusa renova as hostilidades até a capitulação de Montevidéu, o que
priva a Espanha da sua base no rio de prata. A guerra civil entre unitários portenhos, cujo
objetivo era reincorporar a Banda Oriental a um país centralizado, e Artigas, favorável a uma
confederação frouxa capaz de atrair até províncias platinas além da zona litoral do Uruguai,
torna-se a nova tônica da região. Artigas liderou um movimento de cunho popular capaz de
fazer os unitários se retirarem para a outra margem, obteve controle de Montevidéu e
proclamou a independência do Estado Oriental. Decretou a abolição da escravidão, concebeu
um plano de confisco de terras dos proprietários emigrados e deu preferência a redistribuição
a crioulos pobres, indígenas e negros livres. Sua influência se estendeu até às Províncias de
Santa Fé, Entre Rios, Corrientes e Córdoba, as quais formaram um Liga Federal sobre sua
liderança. Suas ideias e ações constituem uma das raras notas de radicalismo na história da
independência latino-americana, a qual foi dominada pela linha básica de continuidade em
relação à estrutura social prévia. Por este fator, aumentou as preocupações de uma corte
portuguesa absolutista e dos elementos conservadores ou moderados das duas margens do
Prata.
O desaparecimento de Napoleão e a decisão de D. João de ficar no Brasil seis anos
mais, contrariando os desejos ingleses e da população metropolitana, prepara a ruína de
Artigas. Sua decisão de permanecer no Brasil, para além originalidade e excepcionalidade do
ato, também demonstra divergências com ingleses na condução da política do Prata e do
tráfico de escravos e uma tentativa de enfraquecer a influência inglesa e recuperar alguma
margem de manobra lusitana. Em 9 de Julho de 1816, a proclamação da Independência das
Províncias Unidas do Prata no Congresso Tucumã desfaz a imagem de que a junta de Buenos
Aires dependesse da soberania nominal do Rei da Espanha e dilui qualquer inibição
Portuguesa. A segunda intervenção de Portugal não se deve somente a tradicional aspiração de
expansão até o Prata, mas os medos que inspirava Artigas de reconquista dos Sete Povos das
Missões, de dificultar o acesso a Mato Grosso pelos rios platinos e de um possível efeito sobre
os escravizados brasileiros. Invasão do território Oriental e ocupação de Montevidéu em
janeiro de 1817 se estende por três anos até derrota final de Artigas em 1820. Portugal insistiu
em cumprir papel de pacificador, mas as circunstâncias favoreceram a permanência lusitana.
Apesar dos protestos, Buenos Aires não apoiou Artigas em função de fatores como a luta
contra os federalistas no litoral e o empenho na expedição de San Martin ao Chile através dos
Andes em 1817

Questionamentos liberais em Portugal e a separação propriamente dita

A situação Portugal se mostrava tão ou mais dramática que em Pernambuco. Os


prejuízos da guerra eram grandes. Ainda assim, sofreu muito mais com a perda de
intermediário monopolista do comércio entre o Brasil e o restante do mundo que burguesia
lusa desfrutava. Para além do fato de que mais de 90% das manufaturas portuguesas
encontravam mercado cativo no Brasil, os produtos brasileiros eram responsáveis por dois
terços das exportações lusitanas. Balança comercial foi constantemente superavitária com o
Brasil e com o exterior. No período que vai e 1796 a 1807, ano da transferência da corte, a
reexportações correspondia a 65% das vendas ao estrangeiro. Portugal deixou de obter uma
fonte importante de acumulação de capital com impactos significativos nas finanças públicas e
também a atividade industrial portuguesa. A reorganização dos circuitos transatlânticos por
volta de 1819 ocasionou uma brusca queda exportação portuguesa de artigos coloniais a ponto
de atingir um colapso na véspera da revolução constitucionalista.
O ressentimento econômico pela perda das vantagens concretas do monopólio
desempenhou papel expressivo na sistemática tentativa política de recolonização do regime
constitucionalista do Porto de 1820. A pressão para que o novo regime instalado
restabelecesse o monopólio se tornou grande. Setores importantes da burguesia se reúnem na
cidade do Porto clamando pelo retorno da família real. A princípio, entusiasmo
constitucionalista seria bem recebido pelos liberais brasileiros. Há um flerte entre os liberais da
corte brasileira e do reino que não resiste a tentativa de reverter a inversão colonial por parte
de Lisboa. A sugestão de modelos políticos inaceitáveis para os brasileiros, compensação pelos
anos de guerra e retorno ao modelos monopolista, a ponto de que toda a administração
retornasse à Europa e o contato com as províncias fosse fragmentado sem passar pelo Rio de
Janeiro, torna impossível a conciliação ou acordo. Os brasileiros abandonam a assembleia das
cortes constitucionais dado impossibilidade de aceitar qualquer retrocesso prévio ao regime de
portos abertos.
A revolução do porto e o retorno de D. João VI para o velho reino em 1821 pôs, dessa
maneira, em risco a continuação do poder real do novo Estado português no Centro-Sul e os
interesses enraizados que a Corte queria preservar. Um duplo temor se manifestava entre os
portugueses da nova corte em função da intenção dos revolucionários do reino de transferir a
centralização e o poder central de volta à antiga metrópole. O primeiro deles era o risco de
dispersão territorial e desunião política. O segundo era a insegurança interna sentida pelas
classes dominantes em função das contradições sociais e raciais internas. Não é de subestimar
receio de uma insurreição de escravizados e mestiços, como se dera no Haiti
(demofobia/haitianismo), enquanto um traço marcante da mentalidade da época. Opiniões
conservadores expressavam um sentimento generalizado de insegurança social e pavor da
população escravvizada ou mestiça com relação a desproporção presente entre uma minoria
branca proprietária e uma maioria de desempregados, pobres, mestiços. A demofobia e o mito
de autoridade central –materializada na corte, na administração portuguesa, na monarquia –
se constituíram em verdadeiras âncoras de salvação de segurança. Serviram força política
catalisadora a impedir uma maior divisão no seio das classes dominantes para sustentar a
estrutura social caracterizada pelo abismo socioeconômico e os regionalismos. O carisma na
imagem de um Principe Regente serviria como forma de atrair a massa de povos mestiços e
desempregados. As classes dominantes eram a “esperança de socorro”; à Corte e ao poder real
se apegaram as classes dominantes enquanto um mecanismo de defesa e coesão; elemento
que se viria a se constituir numa característica fundamental da nascente sociedade brasileira.
Era missão da monarquia “salvar a raça branca e a si mesma”.
A aliança entre colonos e reinóis expressa uma conciliação de interesses pelo medo. A
Corte do Rio de Janeiro, vinculada à figura de D. Pedro e com apoio de camadas políticas
poderosas e amplas no Centro-Sul brasileiro, assume a liderança do movimento de
enfrentamento às cortes portuguesas. Em torno do príncipe, formou-se uma coalizão
invencível de interesses interiorizados que vinham se articulando social e economicamente
desde 1808. Em boa medida, explica a imposição da formula por meio da qual o Brasil chega à
independência: monarquia constitucional, equidistância do absolutismo e do jacobinismo, ao
redor da unidade centralizadora instituída com suporte do triangulo Rio de Janeiro-São Paulo-
Minas. Como pano de fundo, havia os conflitos ocasionados pela incompatibilidade entre a
política mercantilista da coroa e as pressões do novo liberalismo econômico, oriundo do
amadurecimento do capitalismo industrial na Inglaterra.
O episódio do “Dia do fico”, em 9 de janeiro de 1822, contraria as exigências
portuguesas de retorno do príncipe regente. Em maio de 1822, foi decretada o “cumpra-se”
cujo conteúdo determinava que as ordens emitidas de Portugal teriam legalidade se se
validades pelo príncipe regente. Em junho de 1822, é decretada a convocação para formação
de uma Assembleia Constituinte no Brasil para o Reino do Brasil. Em 6 de agosto se inaugura a
fase preparatória do reconhecimento com o Manifesto às Nações Amigas feito circular pelo
ministro e chefe de governo José Bonifácio de Andrada e Silva. O documento que não fala
ruptura buscava angariar simpatia para o príncipe junto aos reinos europeus, vestindo-lhe de
legitimidade dinástica em razão do decreto de 1815 e contra a usurpação dos liberais
portugueses. Aos ingleses, tocava o argumento econômico; aos austríacos, o dinástico; aos
franceses, o jurídico. Nele, o príncipe regente declara “a vontade geral do Brasil que proclama à
face do universo sua independência política” e se posiciona contra as intenções das cortes de
querer restabelecer o sistema colonial à “porção maior e mais rica da nação portuguesa”.
Intransigência das Cortes portuguesas permaneceria pois, em 28 de agosto de 1822, foram
dadas novas ordens de retorno da D. Pedro, de prender seus ministros por traição e de revogar
os privilégios de abertura do país. Em 2 de Setembro, Maria Leopoldina assina o decreto de
independência que é despachado urgentemente para D.Pedro. Em 7 de setembro 1822, o
príncipe regente declara a independência às margens do rio Ipiranga. Tais foram os fatos
conhecidos da sucessão de conflitos de autoridade que culminam na ruptura definitiva e inicio
das hostilidades militares.
De imediato, o Centro-Sul apoia a separação, porém o movimento não foi
imediatamente acompanhado pelas províncias Cisplatina e do Norte (Pará, Maranhão, Piauí,
Ceará e parte da Bahia. Os conflitos posteriores aos 7 de Setembro ainda ser enxergados como
uma continuação de uma guerra civil portuguesas entre as Cortes de Lisboa e do Rio de
Janeiro. Os interesses de Lisboa apoiados pelas regiões mais vinculadas a ela, como Maranhão
e o Pará, e os interesses dos portugueses de cá apoiados pelos interesses brasileiros do
Centro-Sul, dos liberais e todos os beneficiados pelo regime de portos abertos de 1808. A
resistência ao Grito do Ipiranga partiria justamente das regiões mais próximas de Lisboa e
daquelas com maior presença de militares e comerciantes portugueses, tais quais Bahia e
Cisplatina. A mais estratégica das disputas viria a se dar no plano naval. O lado brasileiro
contou com o suporte de mercenários recém saídos do contexto turbulento das guerras
napoleônicas e que viam na América do Sul oportunidades de atuação. A capitulação das forças
portuguesas contou com o papel preponderante exercido pelo Lord Cochrane no comando de
uma armada improvisada. Posteriormente, São Luís haveria de se render sem combate e Belém
facilmente contida com a chegada de reforços. A vitória definitiva em terra na Bahia, em 2 de
julho de 1823, consolida militarmente a separação. Em menos de um ano, todas as províncias
estavam sob controle do imperador aclamado no Rio de Janeiro. Faltava o reconhecimento
internacional nos primeiros anos do primeiro reinado

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