HISTÓRIA DA POLÍTICA EXTERIOR BRASILEIRA – DA COLÔNIA AO
IMPÉRIO: BREVES APONTAMENTOS
1- FORMAÇÃO DO SISTEMA MUNDIAL E DO ESTADO MODERNO
MERCANTILISTA: PORTUGAL A PRIMEIRA GRANDE POTÊNCIA COLONIAL
A expansão do Estado português no contexto dos grandes
descobrimentos navais no continente americano e o controle comercial de pontos estratégicos por todo o litoral ocidental e oriental do imenso continente africano (feitorias e entrepostos), que se expandiu pelo sudeste asiático até o extremo oriente (China e Japão) se fez no contexto do pioneirismo do domínio de técnicas navais e astronômicas inovadoras por parte de Portugal. Isto se realizou no plano histórico mais amplo das transformações econômicas e políticas pelos quais passava a Europa Ocidental desde meados do século XIV, com a revolução comercial e financeira e a progressiva ascensão da burguesia mercantil como aliada de fração da nobreza que controlava os Estados monárquicos feudais europeus e as cidades-estados do norte italiano e alemão, a maioria destas últimas repúblicas aristocráticas (Gênova, Veneza, Liga Hanseática). Tais mudanças, no plano econômico europeu, tiveram repercussões na estrutura política das formações sociais dos Estados, num processo gradual que levou, de forma simultânea, à criação do sistema unificado global de relações econômicas e político-diplomáticas em escala global e na consolidação do chamado Estado territorial europeu. Semelhante fenômeno se deu entre os anos 1400 a 1600, quando se consolidam o sistema econômico mercantilista – considerado a primeira grande etapa do capitalismo, em sua fase comercial (ou mercantil) – e o sistema de relações interestatais (internacionais) baseado no direito internacional como regra e no equilíbrio político-militar de poder das grandes potências militares navais e capitalistas comerciais europeias ocidentais. Dessa forma deu-se a criação, no curso daqueles séculos, do chamado sistema-mundo de Fernand Braudel e Immanuel Wallerstein e a criação das etapas ou ciclos de acumulação de capital, sustentados por hegemonias no sistema internacional, de acordo com Geovanni Arrighi. Este sistema em suas raízes surgiu, contudo, pelas cidades-estados de Veneza e Gênova, em especial esta última, na segunda metade do século XIV. As etapas históricas que aliaram capacidade de acumulação e reprodução de riqueza (poder econômico) ao poder político-militar foram (e são) no plano da longa duração histórica (ao nível dos séculos) os seguintes: o já mencionado genovês, o holandês, o britânico e o atual norte-americano. 2
No entanto, a primeira grande potência expansionista no plano global foi
o pequeno estado lusitano do extremo ocidente Europeu! Portugal logrou consolidar o primeiro Estado territorial unificado em torno de uma elite mercantil inovadora (burguesia) aliada a uma dinastia monárquica semifeudal mas dotada de um projeto de modernização política e econômica para a época – os Aviz - em especial com D. Henrique, o Navegador. A despeito de não ter se tornado capaz de acumular e reproduzir riqueza auferida das relações comerciais com reinos e impérios afro-asiáticos e da bem-sucedida exploração agrícola de monocultura de exportação da sua imensa colônia na América do Sul – o Brasil – Portugal tornou-se entre 1440 a 1550 a principal potência naval e que primeiro desbravou os oceanos Atlântico, Índico e Pacífico. Apesar do seu pioneirismo, por seu território e população pequenos, o estado português não possuía recursos suficientes para manter sua primazia no sistema internacional para sempre, fato que o fez ser suplantado pela Espanha, seu poderoso estado vizinho e rival, assim como pela França. Todavia, como Portugal, estas grandes potências, no curso dos séculos dezesseis, dezessete e dezoito, não possuíam o dinamismo comercial capitalista de Gênova e tampouco da Holanda (Países Baixos) e principalmente da Inglaterra (a partir de meados do século dezoito, unificada como Grâ – Bretanha). Por isso que os autores destacam que apenas genoveses, holandeses, ingleses e mais tarde, norte-americanos lideraram os chamados ciclos de expansão e acumulação de capital. Em grande medida estes últimos possuíam forte burguesia comercial e financeira (grandes banqueiros) nacional que financiavam as expedições navais rumo às Américas, África e Ásia, ao passo que os primeiros se associavam às burguesias estrangeiras, como o caso de Portugal, que era financiado pelos genoveses. Em todo o caso, o mais importante para a compreensão do futuro das relações exteriores do Brasil é que o seu estatuto colonial português deu-se na transição do auge para a decadência da condição de Portugal como primeira grande potência naval e comercial global. Tal fato ocorreu a partir dos anos 1530, momento em que se iria aprofundar a colonização e exploração econômica da colônia brasileira, com os ciclos da cana de açúcar (século dezessete) e da mineração do outro (século dezoito).
2-A decadência do Estado português e as relações centro-periferia
como matriz estrutural da dependência
O Estado português passou por sucessivos reveses nas disputas de
poder no contexto da rivalidade com a Espanha e com a Holanda, a partir do século dezessete, numa crise que gradualmente se iniciara na segunda metade do século dezesseis. Ao contrário do Brasil, Portugal carece de território de dimensões geográficas que possibilitem possuir segurança em termos geoestratégicos assim como condições de sua agricultura alimentar grandes 3
massas populacionais, assim como carece de espaço físico suficiente para
uma população numerosa. Além disso seu mercado interno era pequeno, além de sua estrutura econômica e social interna ser semifeudal, com poucos recursos em termos de extração de riqueza via tributos, escassa mão-de –obra e mercado consumidor, o que também se refletia no diminuto exército (criado pela Inglaterra, sua aliada, no início do século dezessete). Em razão disso, Portugal passou por crises econômicas em seu modelo mercantilista que se refletiu na perda de sua posição como grande potência no século dezessete, para o qual concorreu os sessenta anos de fusão com a coroa espanhola durante a União Ibérica (1580-1640), período que coincidiu com o declínio relativo do antes bem - sucedido ciclo de monocultura da cana de açúcar no nordeste da colônia brasileira. Como se isso não bastasse, durante este longo período, a Holanda se apossou das colônias asiáticas ultramar de Portugal, deixando seu império colonial reduzido praticamente ao Brasil. Além dos reveses no plano da expansão marítima colonial, onde agora espanhóis, franceses, holandeses e ingleses despontavam com poder naval dotado de tecnologia inovadora e maior capacidade militar (todos estes países, com exceção da Holanda, eram países grandes, dotados de maior população e recursos estratégicos, fatores importantes para uma grande potência no plano das relações internacionais), no contexto continental europeu, Portugal se via fragilizado, sofrendo ameaças da poderosa vizinha a Espanha ou da também poderosa França. Neste contexto, Portugal passou a estreitar laços diplomáticos e econômicos com a Inglaterra, a fim de contrabalançar o poder das potências continentais europeias. No entanto, isto teria um preço: na medida em que Portugal estagnou economicamente e não desenvolveu suas poucas manufaturas, só possuía como riqueza sua limitada produção agrícola, em especial de azeites e de vinhos, além da formidável riqueza da sua imensa colônia brasileira, em especial, a região das Minas Gerais, que ao longo do século dezoito, se tornou a maior produtora e exportadora de ouro do mundo. Sua principal parceira diplomática e comercial, a poderosa Inglaterra, estava se tornando desde o século dezesseis em um importante centro financeiro que rivalizava com a Holanda e logo iria superá-la, além de contar com uma economia que não dependia de grandes latifúndios para exportação de bens agrícolas. Com o desenvolvimento da sua indústria manufatureira que em breve criaria as condições do país ser o pioneiro na revolução industrial (com as fábricas, indústria têxtil, máquinas a vapor, etc.) contando com mão – de –obra disponível saída do campo e com aplicação da tecnologia da produção em escala e abundantes recursos como carvão, logo a Inglaterra em suas relações comerciais com Portugal e com o resto dos países europeus livres, teria muito maior lucratividade. Com isso Portugal acabava estabelecendo com sua aliada uma relação entre uma poderosa economia industrial enquanto se tornava crescentemente 4
uma nação periférica, onde o outro e o vinho produzidos em grande escala
tinham preços depreciados em troca de produtos têxteis britânicos que eram caros. Além disso, o ouro da colônia brasileira financiou em grande medida a industrialização inglêsa.
3-CRISE DO SISTEMA COLONIAL: A emergência do capitalismo
industrial e a hegemonia britânica
Dessa forma, no contexto da relação econômica entre uma Inglaterra
ascendente e um Portugal em decadência e permanente crise econômica, se estabeleceu uma relação centro-periferia e de enorme dependência do último para com a primeira, e com consequências de longo prazo para o futuro político, diplomático e econômico de sua colônia brasileira. Assim, entre os anos de 1770 e 1800 as elites regionais espalhadas pela colônia do Brasil – grandes latifundiários e comerciantes de origem portuguesa miscigenados com a população de indígenas e afrodescendentes, aos poucos irão desenvolver um sentimento de secessão em relação à metrópole lusa, em razão da crise econômica e da exploração que Portugal exercia sobre o Brasil. Em razão disso, surgem os movimentos separatistas como as Inconfidências Mineira e Baiana no final do século XVIII, influenciadas também no plano político pela independência dos Estados Unidos em relação à Inglaterra e pela Revolução Francesa, com seus ideais de liberdade e nascente nacionalismo burguês. Por outro lado, a França, como reação da alta burguesia, no aprofundamento das contradições político-econômicas de sua revolução, irá abrir caminho para a ascensão do notável estadista e militar Napoleão que, não obstante, possuía tendências de um autocrata ou déspota esclarecido, ao velho estilo dos imperadores romanos. Assim, movido tanto por suas ambições pessoais, como pela legitimidade de levar os valores burgueses da liberdade e igualdade da Revolução Francesa, Napoleão irá expandir o seu império por toda a Europa continental, de Portugal até a Rússia europeia, onde será derrotado. Napoleão, contudo, necessitou para chegar ao poder, do apoio da burguesia (que dependia, por sua vez, do poder militar do general). A burguesia francesa necessitava concorrer com a poderosa burguesia inglêsa, que já tinha realizado sua revolução industrial e estava construindo um poderoso império marítimo baseado no livre cambismo e no controle capitalista das economias periféricas da Europa continental assim como das colônias de alguns países europeus, como era o caso de Portugal e da Espanha. No contexto da invasão napoleônica sobre Portugal, a família real dos Bragança precisou se refugiar no Brasil, estabelecendo a corte no Rio de Janeiro. Este fato precipitou que os objetivos tanto das elites nativas coloniais como de parcela da elite portuguesa (ligada à Dom João VI e seu filho Dom 5
Pedro I) como da potência hegemônica britânica se acelerassem no sentido da
independência da colônia brasileira por motivos distintos mas que confluíam na conjuntura dos acontecimentos entre 1808 e 1822, ano do nascimento do Estado brasileiro soberano. Do lado português, havia uma cisão entre as elites civis e militares de Lisboa, onde uma parte queria derrubar a monarquia absoluta e instituir um Estado liberal mas que, por motivos econômicos, necessitava de rígido controle político e comercial da colônia brasileira. Eram os adeptos da Revolução do Porto. Aqui no Brasil, a elite portuguesa, composta da corte, do Rei, seu filho, grandes diplomatas e conselheiros políticos como José Bonifácio de Andrada e Silva e oficiais militares perseguiam um sonho que remontava os últimos decênios do século dezoito durante o governo do Marques de Pombal, que era o de construir um poderoso império português unificado na América do Sul, centrado no Brasil que, para isso, necessitava tornar-se independente ou ao menos ter o mesmo status de soberania de Portugal. Do lado das elites regionais coloniais, predominava o desejo de independência de Portugal, mas havia grande divisão da forma de obter a ruptura dos laços com Lisboa. Uma parte das elites, ligadas ao latifúndio e ao comércio (ouro, gado, tráfico de escravos) se dividiam entre a busca pelo separatismo regional (insurreições como as inconfidências mineira, baiana e a insurreição pernambucana) enquanto que outra desejava manter a colônia unificada. Seria esta última, centrada na província do Rio de Janeiro, que estabeleceria uma aliança com o grupo português (corte e burocracia diplomática, administrativa e militar) para apoiar em torno da figura do príncipe regente Dom Pedro, a proclamação da Independência do Brasil, buscando uma solução de compromisso entre os ideais de independência dos colonos com o ideal de Dom João VI de criar um império unificado na colônia. E foi esta última tendência que acabou por vigorar e se tornou conhecida, por todo o século dezenove como o Império brasileiro. Todavia, o preço seria estreitar os laços econômicos de dependência da potência hegemônica da época, a Grã-Bretanha, que desejava e incentivava os processos de independência política das colônias ibéricas portuguesa e espanhola na América Latina como forma de controlar os mercados consumidores de produtos manufaturados e exportadores de produtos primários, que tornavam lucrativa a economia capitalista britânica. Assim, o processo de criação do Estado soberano brasileiro foi uma fusão de interesses e que significou herdar de Portugal a relação assimétrica de dependência econômica estrutural que iria condicionar daqui para a frente a inserção diplomática da jovem nação brasileira no sistema internacional baseado tanto no equilíbrio de poder, mas também na hegemonia global de uma grande potência nos marcos do capitalismo industrial mundial e nas relações de dependência baseada na desigualdade entre um centro dinâmico e industrial capitalista e uma periferia agrícola e exportadora de produtos primários. 6
LEITURAS INDICADAS
CALMON, Pedro. História do Brasil. As Origens. Volume I. Livraria José
Olympio Editora. Rio de Janeiro. 1959. RICUPERO, Rubens. A Diplomacia na Construção do Brasil. 1750-2016. Versal. Rio de Janeiro. 2017. SODRÉ, Nelson Werneck. As razões da independência. Editora Civilização Brasileira S.A. Rio de Janeiro. 1965.
As relações entre a nascente Alemanha Imperial e o decadente Império Otomano: a Ferrovia Berlim-Bagdá e os interesses comerciais e geopolíticos que deflagraram a Primeira Guerra Mundial