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Aghoranotícias, 03 de fevereiro de 2023.

A guerra híbrida e o futuro do Brasil parte I

Muitos fatos têm ocorrido nos últimos anos na política brasileira e que tem tido um efeito
decisivo sobre a piora nas condições de vida do povo e da sociedade brasileiras.

Em grande medida tais fatos tem natureza política interna e internacional que não podem ser
separados um do outro, pois que são como duas faces da mesma moeda: os interesses da
grande potência líder do sistema internacional ora desafiada por China e Rússia e seu pacto já
secular com as elites econômica, política e militar brasileiras, as quais tem como efeito, a
imposição de políticas sociais e econômicas excludentes através da ideologia neoliberal que
ainda predomina nas nossas políticas econômicas que condicionam as sociais: emprego, saúde,
educação, cultura, e assim por diante.

O que traz consistência para a ocorrência dos aludidos fatos políticos na história brasileira
recente é a aliança entre setores internos de parte das elites brasileiras com partes das elites
internacionais através do que os norte-americanos denominaram de ‘guerra híbrida’.

Mas o que vem a ser guerra híbrida? E qual sua relação com o contexto político, social e
econômico brasileiro do começo da terceira década do século XXI? Primeiramente passaremos
a tratar, de forma mais simples sobre o contexto histórico da guerra híbrida e no próximo artigo
iremos abordar suas relações com o contexto político e econômico brasileiro.

Em poucas palavras, a guerra híbrida tem a ver com o desenvolvimento de técnicas e estratégias
de convencimento de uma população de um país que se deseja que adote políticas que
favoreçam as de um país mais poderoso e suas empresas com a finalidade de poder pressionar
todo o sistema político (legisladores e governo), a partir de manifestações nas ruas e pelo uso
da mídia e redes sociais, para convencer o povo daquele país a reivindicar uma mudança de
regime político seja por via aparentemente democrática ou mesmo violenta (revolucionária).

Esta forma de ‘fazer a guerra’ se mostra muito útil nos dias atuais por seu baixo custo militar,
econômico e político, três dimensões que, embora sejam coisas distintas e próprias em si
mesmas, não podem ser vistas de forma separada uma da outra, pois são mutuamente
dependentes entre si e explicam as raízes da denominada guerra ‘híbrida’.

Desenvolvida científica e academicamente enquanto conceito teórico de forma brilhante pelo


cientista social e estudioso Andrew Korybko, ela remonta suas origens na Guerra Fria mas passa
a ser desenvolvida nos anos 1980 e 1990 até tomar seu corpo atual nos anos 2010.

Sobre o seu conceito pode-se dizer, sem necessitar dos complicados termos acadêmicos e
científicos aqui (pois sua descrição detalhada demandaria páginas, o que não é o objetivo da
coluna jornalística aqui), diz respeito à noção de combinar coisas de naturezas distintas mas que
podem ter certa harmonização. Daí a expressão ‘híbrida’. Nesse sentido, combinaria técnicas,
táticas e, enfim, estratégias, de emprego tanto de uso de comunicação, propaganda com o
objetivo de atingir fins políticos sem necessidade do custoso emprego de força armada para
atingir seu alvo, no caso um país e sua população. Todavia, o emprego da força militar não está
descartado, ficando tão somente como último recurso, caso necessário...
Mas com qual objetivo, deve estar se perguntando o leitor? Responder a esta pergunta nos leva
a assumir como um dado da realidade que os interesses econômicos, políticos de um país que
exerce a liderança mundial não podem ser desafiados de forma eficaz. A fim de não se desgastar
com o cidadão eleitor dentro dos Estados Unidos e tampouco prejudicar a economia do país em
crise desde os anos 1970, a potência norte-americana apela para instrumentos mais sutis e que
possam trazer bons resultados sem arranhar a sua imagem e legitimidade enquanto nação
indispensável para o mundo.

Um exemplo disso é poder operar a derrubada de governos indesejáveis aos seus interesses
geopolíticos - ainda que democraticamente eleitos – sem que sequer deixe provas de que foi o
mentor da derrubada do governo em questão e contando inclusive com três aliados importantes
de dentro do próprio país alvo em questão: suas instituições jurídicas e políticas constitucionais
, os meios de comunicação (escritos, televisivos e digitais) e a massa da população. E se possível,
em alguns poucos casos, contar com as forças armadas do próprio país, mas isto já é uma outra
história...

Então, a guerra híbrida é mais ou menos isto. Visa atingir objetivos políticos sem desgaste
econômico ou militar e, logo, político (fator que depende destas outras duas dimensões). Assim,
ocorre com vários países alvo em todos os continentes deste nosso planeta.

As raízes desta forma de guerra foram gestada nos anos iniciais da Guerra Fria como etapa
preparatória para golpes de Estados tradicionais (ou seja, com o uso da força militar interna),
num contexto em que o sistema mundial era dividido entre duas superpotências com enorme
capacidade militar nuclear, o uso de estratégias de derrubada de governos via estímulo a golpes
internos requeria ambiente para preparar a legitimidade entre atores da sociedade, fossem suas
elites colaboracionistas ou o povo, a fim de evitar o alto custo de repressão ou mesmo de
fracasso nos golpes de Estado. Estes tipos de mudanças, no entanto, se faziam de forma violenta,
pela força, alterando o regime político o que, na época, era viável num momento histórico no
qual os Estados Unidos dispunham de amplos recursos financeiros e políticos para realizar tal
tarefa pouco democrática...

A partir do trauma político sofrido pela sociedade norte-americana em razão da derrota política
na Guerra do Vietnã (1965-71) e que também foi em parte responsável pelo início da crise
econômico financeira dos EUA, novas estratégias e técnicas foram sendo desenvolvidas, em
especial a partir dos anos 1980 e que conduziriam, inclusive, à queda da União Soviética e seu
reformismo na segunda metade daquela década, mal grado os esforços bem intencionados de
Gorbachev em realizar reformas necessárias para que o país retomasse o dinamismo econômico
em bases democráticas. Mas isto também já é outra história para uma futura coluna específica...

Importante destacar é que com o desgaste da hegemonia norte-americana a partir dos anos
2010, com a ascensão chinesa e o reerguimento da Federação Russa, fazia-se necessário reagir
nos teatros geopolíticos mais importantes para a grande potência estadunidense: a Europa, a
Ásia Central e, não esqueçamos, talvez a mais vital de todas para sua sobrevivência enquanto
grande potência: o hemisfério ocidental – as Américas.

Nesse sentido, o conceito de guerra híbrida ou de quarta geração irá se refinar e tomar os
contornos atuais, tanto contra grandes potências como a China e a Rússia como contra atores
regionais importantes como a Ucrânia (2014), Irã e também o pacífico Brasil que passara voltar
a crescer econômica e diplomaticamente nos anos Lula e Dilma. É sobre isso que trataremos na
próxima coluna...

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