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Luiz Filgueiras
Professor Titular da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia. É autor dos livros
“História do Plano Real” (Boitempo) e, em coautoria com o professor Reinaldo Gonçalves, “A Economia
Política do Governo Lula” (Contraponto).
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O bloco político no poder é um conceito de Nicolas Poulantzas (1974; 1977) para caracterizar o conjunto
de forças políticas que ocupam e estão na direção do Estado em determinada conjuntura. Ele é composto
por distintas classes e frações de classes, assumindo uma delas a posição de liderança e hegemonia em
seu interior - legitimada pela sua capacidade de unificar e dirigir, política e ideologicamente, as demais
frações, ao incorporar demandas que vão além de seus específicos interesses corporativos.
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que o sujeito político acusado de corrupção é sempre aquele que está no governo, ou vai
assumi-lo; ou seja, a bandeira anticorrupção é sempre uma arma utilizada pelas forças
políticas que não estão no poder, mas querem chegar a ele antes das próximas eleições,
através de um atalho.
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A burguesia interna, conceito cunhado por Nicolas Poulantzas (1974; 1977), não é sinônimo de
burguesia nacional; diferentemente desta última, que já não existe no Brasil há décadas, não possui
contradições com os capitais estrangeiros e o imperialismo, não é nacionalista; mas possui um espaço
próprio de reprodução do capital que não passa necessariamente pela aliança com estes últimos - portanto,
diferencia-se também da burguesia cosmopolita umbilicalmente, e objetivamente, associada ao
imperialismo.
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Desse modo, essa disputa entre distintas frações do capital e da burguesia, tal
como vem se apresentando no Brasil nos últimos anos, vem reconfigurando, em cada
conjuntura, o bloco político no poder - cuja composição, de classes e frações de classe,
expressa diferentes projetos políticos, identificados com um maior, ou menor, grau de
dependência da economia brasileira. Por isso, esses distintos projetos implicam
repercussões distintas sobre a disputa político-econômica entre capital e trabalho, as
formas e a intensidade de exploração da força de trabalho, e as políticas econômicas e
sociais dos governos. Desde a década de 2000, e mais ainda na atual conjuntura, a luta
de classes entre capital e trabalho tem sido subsumida à disputa renhida e virulenta entre
duas frações do capital/da burguesia brasileira. É isto que tentarei evidenciar e explicar
na sequência desse texto.
Desse modo, a prática da corrupção, apesar de condenada por todos, não é algo
exógeno à economia e à política no capitalismo; ao contrário, ela é inerente a essas duas
esferas, nas quais os diversos interesses sociais se confrontam e disputam poder
econômico e político. Nicolau Maquiavel demonstrou e explicou isso há mais de 500
anos, evidenciando a existência de uma lógica própria da política, de conquista e
manutenção do poder, cujos meios ultrapassam a moral individual privada, a moral
cristã e a moral estrita do senso comum. No entanto, conforme afirma Adolfo Sánchez
Vázquez (2005), isso não significa que haja uma separação absoluta entre política e
moral, pois ambas respondem a uma necessidade social - apesar de se referirem,
respectivamente, aos âmbitos social (coletivo) e privado (individual). Enfim, ambas têm
seus âmbitos específicos e não se identificam e nem podem ser reduzidas uma à outra,
mas mantém uma relação mútua - sem que uma absorva a outra ou a exclua por
completo. A própria possibilidade de se utilizar politicamente a bandeira do combate à
corrupção evidencia a existência dessa relação.
frente. O que é certo e evidente, por ora, é que o capital estrangeiro é um dos grandes
beneficiários do programa e das políticas econômicas que vem sendo implementadas
pelo Governo Temer.
Elas são economias nacionais de países que, desde o seu surgimento no século
XIX, ocupam uma posição subalterna na divisão internacional do trabalho constituída
em meados daquele século sob a hegemonia inglesa, e reconfigurada diversas vezes,
pelo capitalismo durante o seu processo de desenvolvimento. Mas as formas dessa
dependência, sempre com a transferência de renda e riqueza para os países centrais,
modificaram-se ao longo da história, refletindo as mudanças ocorridas na divisão
internacional do trabalho em cada momento.
Por fim, a partir dos anos 1970 - com os processos mundiais distintos, mas
articulados, de reestruturação produtiva, mundialização do capital e financeirização, sob
a direção da ideologia e das políticas neoliberais - foi-se configurando uma nova (e
atual) forma de dependência, que se mostrou plenamente constituída a partir da década
de 1990. Essa nova dependência, também de natureza tecnológico-financeira,
radicalizou e redefiniu, de novo, a inserção dos países periféricos na divisão
internacional: transformou-os em plataforma de acumulação do capital financeiro
internacional, através do financiamento de suas dívidas públicas; trouxe de volta, para
aqueles que haviam se industrializado no período anterior, a condição de exportadores
de commodities agrícolas e minerais e de manufaturados de baixo valor agregado e
menor intensidade tecnológica; e tornou-os consumidores, mas não produtores, dos
produtos típicos da 3ª Revolução Tecnológica.
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Essa parte do texto reproduz trechos do ensaio de minha autoria, produzido para o Centro Celso Furtado
e publicado no livro “Novas interpretações desenvolvimentistas” (2013), intitulado “A Natureza do Atual
Padrão de Desenvolvimento Brasileiro e o Processo de Desindustrialização; e trechos do artigo, também
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de minha autoria, publicado no blog “Análise de Politica em Saúde”, intitulado “Notas para Análise de
Conjuntura” (2015).
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A análise desse Padrão de Desenvolvimento está detalhada no livro “A Economia Política do Governo
Lula” (2007), escrito em coautoria com Reinaldo Gonçalves.
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Essa parte do texto reproduz trechos do artigo já citado na nota anterior, publicado no blog Analise de
Politica em Saúde.
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Essa parte do texto reproduz trechos do artigo de minha autoria, publicado no blog “Marxismo21”,
intitulado “Política Econômica e Ajuste Fiscal: A Receita Universal do Capital Financeiro e da Direita”
(2015).
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classe média - e não apenas de suas frações com maior renda – e passou a pedir o
impeachment da Presidente. Esse é um caso paradigmático de como piorar a correlação
de forças contra si a partir de suas próprias ações; e, para complicar ainda mais, o
governo passou a perder o apoio de suas bases de sustentação tradicionais.
Na esfera das finanças públicas, que é a que mais interessa ao capital financeiro,
o superávit primário, que foi de 2,2% do PIB em 2010, transformou-se em um déficit de
0,6% em 2014, enquanto o déficit nominal (quando se inclui os juros da dívida) que
havia sido de 2,4% do PIB atingiu 6,3%. Por isso, a dívida pública como proporção do
PIB voltou a crescer em 2014 (34,1%), depois de cair sistematicamente desde 2003. A
defesa, pelo capital financeiro, da “inevitabilidade” do ajuste fiscal diz respeito a esses
números, ou seja, a transferência de recursos para o pagamento de juros, em 2014, não
foi suficiente para reduzir ou estabilizar a dívida pública como proporção do PIB.
Por outro lado, Os gastos primários do governo não são a razão fundamental do
déficit público; é só olharmos para a estrutura do orçamento: mais de 42% do seu total
se destina ao pagamento do serviço da dívida (juros e amortizações); em contrapartida,
apenas um pouco mais de 4% para saúde e menos de 4% para a educação. Quando se
observa que o gasto com a Previdência ocupa o 2º lugar do gasto orçamentário (quase
22,7%), entende-se a ideia fixa do capital financeiro em bombardear a Previdência
Social e propugnar por sua privatização. O 3º lugar é ocupado pelas transferências para
estados e municípios (quase 9%). O montante individual das demais rubricas do
orçamento é insignificante; em geral não chega a 1%, como, por exemplo, Ciência e
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Não se pode deixar iludir; o papel do ajuste fiscal não é “sanear” as finanças
públicas, como foi no passado, quando o padrão de desenvolvimento era hegemonizado
pelo capital industrial. Esse tipo de política não tem mais essa função nem capacidade, o
seu papel é garantir a transferência permanente de recursos públicos e de renda das
atividades produtivas para a especulação financeira, da população em geral para os mais
ricos. Na verdade se trata de ajustar todas as demais despesas do Estado em função do
aumento da despesa financeira; daí os cortes das despesas primárias, sem redução das
despesas com o serviço da dívida. O ajuste tem, claramente, um caráter de classe: é uma
escolha a favor do grande capital, em especial do capital financeiro, e dos mais ricos; e
contra os trabalhadores, em especial seus segmentos mais fragilizados.
De fato, e sem dúvida alguma, o golpe foi para redefinir, mais uma vez, o
capitalismo brasileiro para pior: aprofundamento da desnacionalização da economia
(desidratação, fragmentação e venda de ativos da Petrobrás, redução do percentual de
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Essa parte do texto reproduz, parcialmente, artigo de minha autoria publicado no Jornal dos
Economistas do CORECON- RJ, intitulado “Padrão de Desenvolvimento e a Natureza Estrutural do ‘voo
da galinha’” (2017).
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A PEC 241/55, em particular, tem um significado especial, pois ela exige, para
poder ser efetivada com êxito, as demais reformas neoliberais. Ela congela por 20 anos
os gastos correntes do governo em termos reais, isto é, o seu montante real em 2037
será o mesmo de 2017, pois a cada ano haverá apenas correção nominal de seu montante
de acordo com a inflação do ano anterior. Como a população brasileira crescerá ao
longo desses 20 anos, os recursos reais per-capta destinados à saúde, educação, moradia,
cultura, segurança, transporte etc. reduzirão ano a ano. A tendência à deterioração,
qualitativa e quantitativa, dos serviços públicos se confirmará ano a ano, tornando ainda
mais difícil a vida da maior parte da população brasileira, que necessita
inequivocamente das políticas sociais do Estado. Para ela, tendo em vista a enorme
concentração de renda e riqueza - característica fundadora e estrutural da sociedade
brasileira - não há alternativa; não será a educação privada, a saúde privada e os fundos
de pensão privados que contemplarão seus desejos e necessidades.
Por outro lado, isso significa que quando houver aumento real da receita do
Estado, que sempre acompanha o crescimento da economia, todo ele será transformado
em aumento do superávit fiscal primário apropriado pelos rentistas na forma de
pagamentos dos juros da dívida pública - configurando-se uma brutal transferência de
recursos públicos, arrecadados de toda a população, para sua parcela mais rica,
absurdamente minoritária e situada no topo da distribuição de renda e riqueza. O caráter
de classe dessa política, e de todas as outras reformas propostas pelo Governo Temer, é
inequívoco, impossível de ser disfarçado por qualquer tipo de retórica “científica” -
própria da corrente dominante da teoria econômica e dos economistas por ela formados,
majoritariamente com doutorados nos Estados Unidos.
Assim, mais uma vez, como nos anos 1990, o discurso é de que essa agenda
regressiva é condição necessária para a retomada do “crescimento econômico
sustentado”; o argumento central, que também é uma previsão, é que, com essas
medidas, o empresariado recobrará a confiança e voltará a investir - em que pese todas
elas se direcionarem, essencial e claramente, aos interesses do capital financeiro e
estimularem a prática rentista do capital em geral. Em especial, a manutenção de taxas
de juros elevadas e o aprofundamento e a perenidade do ajuste fiscal após a aprovação
da PEC241/55, em um cenário econômico internacional estagnacionista e conturbado
politicamente, conspiram contra a retomada do crescimento no curto prazo. E, mais
importante, nem de longe constrói uma trajetória temporal de “crescimento sustentado”:
conceito este inaplicável às economias capitalistas dependentes, tecnológica e
financeiramente, e inseridas de forma subordinada na divisão internacional do trabalho
moldada pelo grande capital (produtivo e financeiro) a partir dos países imperialistas.
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Todo esse programa e essas políticas não levarão o país a uma rota de
crescimento que, supostamente, teria como base o retorno da “confiança dos
empresários”, tal como dito pelos seus apoiadores e repetido, dia e noite, pela grande
mídia que participou do golpe. Na verdade, o discurso da confiança é dirigido ao capital
rentista, com a sinalização de garantia e segurança para as suas aplicações na dívida
pública brasileira: é o atendimento da sua vontade e dos seus interesses; os
investimentos produtivos dos capitais privados, nacionais ou estrangeiros, não
comandarão uma nova fase de crescimento do país. Com a execução da PEC 241/55, a
partir deste ano, o recado que se está dando para os empresários e a população em geral
é de que o país não tem mais política fiscal, como instrumento de estímulo ao
crescimento (uma arrematada sandice); o rentismo e os mercados financeiros são o
grande negócio, para onde os capitais devem se dirigir e buscar sua rentabilidade,
cabendo aos mercados em geral, por si mesmos, encaminhar a retomada do crescimento.
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Essa parte do texto reproduz trechos do artigo de minha autoria já mencionado, publicado no blog
“Análise de Politica em Saúde”; e de outro texto de minha autoria intitulado “O neoliberalismo no Brasil:
estrutura, dinâmica e ajuste do modelo econômico”, publicado como capítulo do livro “Neoliberalismo y
Sectores Dominantes - tendências globales y experiências nacionales” (2006) editado pelo CLACSO.
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Para isso, teve que passar por transformações internas fundamentais, com uma
enorme centralização das decisões e o enquadramento das suas tendências mais à
esquerda pela tendência majoritária de então (Articulação), reduzindo o espaço de
debates, formulações e questionamentos, cuja expressão maior foi a destruição dos
núcleos de base que formavam o Partido. De eleição em eleição, o Partido foi se
transformando politicamente, se configurando como um enorme aparelho burocrático -
instrumento eficiente de ascensão econômico-social, através da geração de emprego,
prestígio e proximidade com o poder econômico. Isto se refletiu diretamente no
financiamento das campanhas eleitorais, nos programas de Governo apresentados, nos
discursos falados, nas alianças político-eleitorais efetivadas e, mesmo, nas formas de
recrutamento e de fazer as campanhas – com a substituição, gradativa, de militantes por
cabos eleitorais remunerados.
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O transformismo político, individual e/ou de grupos, se caracteriza pela incorporação, pelas forças
contra hegemônicas, do ideário político da ordem - passando a defendê-lo e a operacionalizá-lo na prática,
mas mantendo um discurso e uma retórica que lembram ainda a sua atuação passada, mas já fora de lugar.
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Conforme já visto, essa corrupção na esfera social e política não é apenas, nem
fundamentalmente, um problema moral e individual; ela está incrustada nos
mecanismos institucionais da ordem burguesa e na “balcanização do Estado”. No caso
do Brasil, podem ser citados, por exemplo, o financiamento privado das campanhas
eleitorais, as emendas parlamentares individuais, a enorme quantidade dos chamados
cargos de confiança e a fragilidade jurídica e de fiscalização das relações entre o Estado
e o capital - em especial as licitações, mas não apenas.
Por isso, todos os partidos que atuam defendendo e se comprometendo com essa
ordem, e seus respectivos governos, inevitavelmente se corrompem; basta lembrar o
Governo Sarney (tido, então, como o mais corrupto da história), o Governo Collor (“o
caçador de marajás”) e o Governo FHC (com o seu processo mafioso de privatizações
das empresas públicas e a compra de votos de deputados para aprovação de um segundo
mandato).
Como também está cada dia mais difícil, a atuação articulada dessa operação, da
Polícia Federal, de setores do Ministério Público e do próprio STF - atropelando
garantias individuais e a Constituição, promovendo “vazamentos” de depoimentos e
“delações premiadas”, programados e escolhidos a dedo; atuação esta que foi decisiva
no processo do golpe que levou ao impeachment da Presidente Dilma Roussef.
Entretanto, a politização do poder judiciário, adentrando a competência dos outros dois
poderes e assumindo um protagonismo nunca antes visto, torna-o, contraditoriamente,
cada vez mais frágil e ilegítimo - aproximando-o do desgaste já sofrido pelos poderes
executivo e legislativo; uma vez que se explicita que ele é também sujeito político
interessado.
Considerações finais
Seja como for, a tarefa fundamental das forças do trabalho é romper o “círculo
de ferro do neoliberalismo”, através da negação do economicismo e da afirmação da
política e da vontade dos sujeitos sociais e de sua capacidade de transformação. Essa é a
pré-condição básica para se buscar uma alternativa política à situação presente. Essa
reinvenção da política terá que passar pela reinvenção das formas de organização e
mobilização política; as formas atuais estão, claramente, num processo de esgotamento
acelerado.
- Bibliografia
BRASIL. Ministério da Fazenda - Secretaria do Tesouro Nacional. Orçamento Geral
da União (Executado em 2015).
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, volume 6. Tradução, organização e edição
Carlos Nelson Coutinho, Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
FILGUEIRAS, Luiz. Padrão de desenvolvimento e a natureza estrutural do ‘voo da
galinha’. In: Jornal dos Economistas, n, 331, fevereiro de 2017. CORECON- RJ e
SINDECON-RJ, 2017.
FILGUEIRAS, Luiz. Notas para Análise de Conjuntura. In: Blog “Análise de Politica
em Saúde, 2015.
FILGUEIRAS, Luiz. Política Econômica e Ajuste Fiscal: A Receita Universal do
Capital Financeiro e da Direita. In: Blog Marxismo 21, 2015.
FILGUEIRAS, Luiz. A Natureza do Atual Padrão de Desenvolvimento Brasileiro e o
Processo de Desindustrialização. In: CASTRO, Inez Sílvia Batista. Novas
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