A Rússia na guerra: o dilema entre a sobrevivência e a violação do direito
internacional
Márcio A. Guimarães
A operação militar russa na Ucrânia que iniciou em há dois meses tem
sido condenada como uma flagrante violação do direito internacional, com condenações morais e denúncias por parte dos membros da Assembleia Geral da ONU, o que reflete a postura da maioria dos países ocidentais, em especial dos Estados Unidos, Canadá e países da Europa Ocidental, membros da aliança militar da OTAN. Juristas do mundo todo debatem e analisam a questão sob o prisma eminentemente normativo, ou seja, do direito internacional público, entendendo que a Federação Russa violou a integridade e soberania do Estado ucraniano ao invadir com tropas terrestres seu território, assim como a violação do espaço aéreo de Kiev por meio das forças aéreas, com bombardeios e ataques com mísseis, incluindo o tão falado hipersônico que tanto atemoriza os militares ocidentais. As autoridades russas, por sua vez, alegam que não violaram o artigo 2, incisos 3 e 4, da Carta da ONU, que é o principal tratado internacional e marco regulador jurídico e político das relações internacionais contemporâneas. Estes dispositivos falam da vedação a qualquer Estado membro das Nações Unidas de tomar medidas que ameassem a paz e a segurança internacionais e que impliquem em violação da soberania por meio da invasão militar a um território de outro país ou que o uso da força comprometa a independência política da nação agredida. Em suma, as nações devem se abster do recurso ao uso da força, salvo casos de legítima defesa prevista no artigo 51 da mesma Carta e resolver as disputas internacionais por meios pacíficos. Para os russos não teria havido da parte de Moscou violação ao direito internacional, mas um direito à legítima defesa assim como a aplicação da resolução das Nações Unidas do princípio da responsabilidade de proteger em nome dos princípios da autodeterminação dos povos e do respeito aos direitos humanos internacionais. A alegação russa da legítima defesa assim como da responsabilidade de proteger a população de etnia russa do Donbass diz respeito a informações de inteligência militar que davam como certa duas ações: 1- a instalação de mísseis balísticos com ogivas nucleares em território ucraniano assim que Kiev decidisse entrar na Otan, com prazo para a implementação destas medidas para começo de março, o que poria em risco a própria existência da Rússia frente a uma ameaça de ataque nuclear que em 5 minutos poderia destruir as principais cidades do país e 2- que em torno de pelo menos quase cem mil soldados do exército ucraniano iriam invadir as repúblicas autônomas da região do Donbas – Donestk e Lugansk, localizadas na fronteira leste ucraniana com a Rússia e com quase cem por cento de população de fala e etnia russa, com a grande maioria de cidadãos russos. Estes, de acordo com comissões independentes de ONGs de direitos humanos, Cruz Vermelha e o Comissariado de Direitos Humanos da ONU, vinham sendo vítimas de bombardeios, assassinatos, tortura e ameaças por parte dos militares ucranianos e de forças paramilitares nazistas desde 2014, quando os Acordos de Minsk negociados entre Rússia e Ucrânia, para dar a autonomia de gestão destas regiões, ainda que dentro do estado ucraniano, fossem respeitadas pelo governo de Kiev. Todavia, o governo ucraniano violou este acordo, que fora também respaldado por governos ocidentais, em clara e flagrante violação do direito internacional e dos direitos humanos das populações do Donbass, com históricas ligações políticas, culturais e econômicas com a Rússia. Neste contexto, ficamos, nós cidadãos comuns, aqui no Brasil, por meio de noticiário de televisão, redes sociais e mesmo lives nos canais como you tube, presas de narrativas tanto do Ocidente, quanto da Ucrânia como da Rússia, que são pautadas pela parcialidade na sua versão dos fatos. O importante neste conflito é que cada leitor, cada cidadão possa ter acesso a todos os tipos de fontes de informação e, em nome da liberdade, ser o juiz das suas próprias convicções na hora de compreender a complexidade dos fatos internacionais ou nacionais. Nesse sentido, a guerra na Ucrânia nos remete para a importância de termos condições de separar o joio do trigo, no caso as fake news impostas pelas respectivas mídias dos atores envolvidos no conflito e poder chegar mais perto da verdade dos fatos.