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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Pandiá Calógeras – uma abordagem dissertativa

“A política exterior do Império” – Volume 3

Ana Carolina Coêlho de Souza

Bruna Barbosa Gallo

Carlos Eduardo Andrade

Eduardo Maia

Giovana Medeiros

Larissa Alvarez

Luiz Gustavo Alves

Mateus Andrade

Pedro Gayoso

Tatiana Castelo Branco Dornellas

Curso de Relações Internacionais

Política Externa do Brasil Independente

Professor Vantuil Pereira


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Parte I: o período regencial e as querelas do Império

“Vencia no Brasil o Espírito Liberal. Iam governar o paiz os homens de


Estado que tanto, e, ás vezes tão justamente, haviam condemnado as práticas
absolutistas do Primeiro Reinado.” (Calógeras, 1927)

O grande contexto sobre o qual Pandiá Calógeras se debruça, no início do terceiro


volume de sua obra, é justamente o período pós-abdicação de D. Pedro I, da qual fez parte
uma grande mudança na política brasileira. Iniciada como um protesto aos arbítrios do
Imperador na constituição dos ministérios, contra o que estava disposto na Carta de 25 de
Março, logo teve seu escopo ampliado. O grande mérito do movimento de repúdio a D. Pedro,
na visão de Calógeras, foram os grandes liberais do período, sobretudo os de caráter
moderado, incluindo dentro disso até a ação de frear os excessos do movimento em direção à
república e na contenção de possíveis desintegrações ou abusos. Os moderados foram os
verdadeiros condutores de uma vitória política, “firmes em seguir o curso médio, e fugir egual
aos desatinos restauradores e aos desastres de uma republica prematura, pela qual se debatiam
os exaltados” (Calógeras, 1927).
Dessa maneira, estava previsto na Constituição, no seu Capítulo V, a instituição de
uma Regência na menoridade ou no impedimento do imperante, a época com cinco anos
apenas; no entanto, parente mais chegado, maior de 25 anos não havia. Na mesma medida em
que não se podia recorrer aos ministros do Império e da Justiça e aos conselheiros de Estado
mais antigos, pois o ministério tinha sido todo demitido pelo Imperador, se tornou necessário
fazer um regime provisório, que se elegesse a regência trina permanente pela Assembleia
Geral, como dispunha o artigo 123. Por escrutínio secreto da Assembleia, logo se instituiu
uma Regência Provisória composta por Caravellas, Vergueiro e Francisco de Lima e Silva,
sendo que destes o primeiro já tinha sido o grande autor da constituição. O primeiro era um
elo entre o governo anterior e uma nova era que surgia; o segundo, o liberalismo que
triunfara; já o terceiro representava as forças armadas. Uma combinação marcada, na visão de
Calógeras pelo patriotismo, a energia e a moderação.
Uma grande característica que se pode destacar nessa nova fase da política brasileira –
talvez a mais instável de todo o Império – instaurada pela regência é que perdeu força o
elemento xenófobo dos conflitos políticos; este passava a não ser mais preponderante diante
do fato de que agora as lutas se caracterizavam por um conflito de partidos servindo a ideias.
Dentro desse cenário, nos quais as ameaças externas se entendiam como menos latentes do
que outrora e de perdão de muitos presos políticos, cabe destacar a província do Rio de
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Janeiro, a qual saíra fortalecida após o processo da abdicação do Imperador e “que não
encontrava opositores, tão esmagadora sua maioria”. Não obstante tal cenário, pouco mais
adiante também começaram os trabalhos para definir a competência de uma regência
permanente, visto que pela maneira que se organizara a provisória, convencia a todos que esta
era inconstitucional.
Não obstante, o cenário regencial é composto de um fato não tão mencionado e nem
tanto levado em consideração quando se pensa a política do Império. Calógeras dá a tal fator o
aspecto de uma revolução, menos de caráter material, como ele aponta na de sete de abril, mas
sim moral. Tinha a configuração de um espírito liberal, que não conseguia ter meio de se
realizar, e o seu principal mecanismo foi a própria legislatura brasileira, sobretudo a partir de
1830. Foi com ela que mudaram os espíritos e através de suas leis que se fez o quanto pode
em favor da liberdade no Brasil. Na visão de Calógeras, o Brasil ficou organizado, no que
tange seus poderes, de forma mais democrática e federalmente; o que nos permite concluir
que a própria experiência da Regência tenha sido o momento mais liberal de todo o Império,
ou até mesmo o seu único momento no qual é possível observar uma configuração mais
liberal.
Tanto foi assim que ficou evidente a forte influência liberal no sentido de adotar uma
postura de federação, diante daqueles que não admitiam reformas descentralizadoras e
exaltados que queriam reduzir ao mínimo o poder central, ao se alargar amplamente as
franquias provinciais. Ademais, no aspecto internacional, tal espírito liberal apontado pelo
autor foi também evidente, na medida em que agora era de suma importância a contribuição
do Parlamento para se celebrar tratados e convenções. No artigo 20 da nova lei definidora da
competência dos Regentes, de 1831, estava disposta a necessidade de aprovação da
Assembleia Geral para tanto ratificar tratados e convenções quanto para, inclusive, declarar
guerra. Todos os atos internacionais passam a ser, até certo ponto, medidas legislativas. Dessa
forma, foi justamente nesse contexto que se instituiu a regência trina permanente, com Costa
Carvalho, João Braulio Muniz e Francisco de Lima e Silva, respectivamente um político do
sul do país, outro do norte e o brigadeiro do exército imperial; uma clara tentativa de se
equilibrar forças políticas do norte e do sul do país assim como a busca pelo controle da
situação e manutenção da ordem pública.
No entanto, o estabelecimento desta regência não resultou de nenhuma forma no fim
da luta política. A proposição de uma monarquia federativa, assim como a sanção da Lei
Preliminar de 1832 (Art. 177 da Constituição) que previa poderes aos deputados para
reformar artigos que diziam respeito a reunião do Senado independentemente da Câmara, a
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criação de assembleias legislativas províncias, aprovação pelo poder moderador das


resoluções nos conselhos gerais, o fato de a regência ser trina e não una levou ao
efervescência do debate político. O Senado acabou por repelir a declaração de uma monarquia
federativa e a abolição do poder moderador, assim como tinha mantido a vitaliciedade da
Câmara Alta. Tal contrariedade fez com que a passagem da lei de nada tivesse de pacífico, na
medida em que agora Câmara estava convencida do propósito hostil do Senado.
Tal conflito pela reforma constitucional, ou não, fez com o que o ambiente político, já
dividido em quatro grandes grupos que disputavam a primazia entre si – os restauradores
absolutistas ou caramurus, os liberais moderados ou comodistas (tatus), liberais exaltados ou
republicanos e os constitucionais – tornasse a luta política intensa. Como afirmou Calógeras,
“nesse digladiar de opiniões, incandescidas as discussões, não raro, como é de regra, se
ultrapassavam os limites da reflexão e da Cordura”. Tudo isso com direito a golpe de Estado
falho planejado pela Câmara a 30 de julho, com o intuito de decretar as reformas que o
Senado barrava. Por outro lado, a própria abdicação de D. Pedro I havia incomodado
profundamente os absolutistas, os quais incitavam desordens pelo país, nos quais se viram
tumultos e motins a 1832 no Rio de Janeiro, exigindo a mobilização permanente da guarda
nacional. Nesse ambiente de desconfianças mútuas, apontava-se o Senado como reduto de
caramurus e o principal elemento restaurador do país.
Tal inquietação política levou a abdicação ao pedido de demissão da própria Regência,
no dia em que chegou ofício a Câmara.
Os membros da Regência permanente abaixo assinados, nas circunstâncias em que o
Estado se acha, depois da demissão de um ministério da sua mais alta confiança, e da
recusação constante que tem encontrado em todos aqueles cidadãos, de quem melhor
esperavão para substituil-o, acreditando não poderem mais ser úteis à pátria no cargo
eminente à que voto da assembleia geral da nação os elevou, vão perante a augusta
câmara dos Snrs. Deputados dar, como lhes cumpre a sua demissão, afim de que os
representantes do Brazil ocorrão com uma nova eleição, ao que exige o bem e a ordem
pública. (Calógeras, 1927)

Uma conjuntura bastante instável foi criada pelos embates políticos que dividiam o
país que tomavam conta do país. Calógeras deixa transcorrer claramente sua veia nacionalista
e não se mostra grande fã daqueles que visavam à restauração do antigo Imperador. Diante da
falha da regência trina em se firmar como uma autoridade, não só estável como legítima
perante os olhos dos fazedores de política da época, na sua visão, “só as mais enérgicas
medidas poderião salvar o throno e a nação”.
Ainda sim, o que se viu de fato foi que as perturbações à ordem se mantiveram,
sobretudo diante da falha de tentativa do legislativo de promover mudanças na estrutura
política do país. No Rio, as manifestações absolutistas tiveram que ser contidas por meio da
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repressão chefiada por Feijó, durando até 1831 e, em alguns Estados, até 1837. Calógeras
aponta a ebulição política desses períodos como movimentos, sobretudo, com intuito político
e de caráter restaurador em sua maioria. O grupo restaurador absolutista só se dilui de fato
com a morte do Imperador em 1834, quando muitos de seus membros acabaram evoluindo
para o grupo dos moderados, engrossando suas fileiras. Este acabou por ser a grande força
impulsionadora da obra reformista de 1834, que acabou por encontrar somente moderados,
contando aqueles reconciliados com a ordem constitucional, e os exaltados diante de si.
Não obstante, as discordâncias ganharam também outro caráter a partir de então:
conflito entre o geral e o provincial, federalistas e unitaristas. O Ato Adicional de 1834, como
a consolidação de reformas já previstas e pensadas por grupos liberais, até mesmo com um
caráter republicano e pautada em elementos da constituição dos Estados Unidos, acabou por
consolidar como a experiência mais próxima da democracia que se viu no Império. Em
contrapartida, gerou implicações que repercutiriam no próprio futuro da Regência e deu
origem ao principal traço dos anos que o seguiram: instabilidade política. Isto porque,
“com o predomínio corrente de impulsos centrifugos, era tendência das províncias tudo
entender no sentido do aumento de sua própria competência: força dissociadora, em vez de
élo entre os elementos componentes do Imperio.” (ibid., p. 36). Em outras palavras, a
interpretação do Ato fez da agitação um quadro permanente no já perturbado cenário político
brasileiro desde a sua independência e em especial, desde a abdicação de D. Pedro e os abalos
à ordem sucediam-se em vários pontos do país.
Com a proclamação do Ato Adicional, em 1834, que transformava a Regência Trina
em Una, Diogo Antônio Feijó foi eleito pela Assembleia Geral Regente do Império em 1835.
A partir desse primeiro momento, as lutas no Brasil mudaram seu caráter. Nas palavras de
Calógeras (1989),
Já se fazia sentir, todavia, a profunda e duplice evolução política. De um lado, como
no Pará com o coronel Malcher, explodia uma aspiração republicana, que no
extremo oposto do Imperio, no Rio-Grande do Sul, ia animar o movimento politico
mais sério do segundo reinado. De outro, os espíritos verdadeiramente
governamentais começavam a compreender que os excessos da oposição que haviam
movido a D. Pedro I, e ás regências, si tinham tido o grande mérito de haver fundado
os alicerces do governo constitucional e parlamentar, ameaçavam agora,
prolongando-se no mesmo tom, acarretar a desintegração da nacionalidade. Intuição
da inteligência verdadeiramente superior que foi Bernardo Vasconcellos. Aguda
visão de estadista, que dobrado lhe impunha tal dever, nesse momento angustioso
em que o Acto Addicional, indevidamente ampliado, ia tornar-se impulso acelerador
das forças separatistas (p. 47)

Em linhas gerais, as remanescentes tendências desintegrantes derivadas das lutas


anteriores, expressas em revoltas locais como as de Pernambuco e Minas, ainda se faziam
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sentir enquanto um novo tipo de movimento, mais forte e enraizado ganhava espaço. Foram
os casos dos dois conflitos intestinos mais graves do Brasil: a Cabanagem, no Pará, e a
Farroupilha, no Rio Grande do Sul – mais da última do que da primeira, é bem verdade –
cujos respectivos inícios marcaram de forma crucial o curto período em que Diogo Feijó
permaneceu no poder.
A causa nacional, isto é, a unidade territorial estava em xeque e o novo regente passou
a desenvolver o plano de quando ministro, precisando, concomitantemente, medir forças com
adversários pessoais, sobretudo Bernardo de Vasconcelos, que se tornou o chefe da oposição,
e Honório Hermeto Carneiro Leão. Resistir aos esforços separatistas, resultantes do
federalismo criado pelo Ato a fim de uma união indivisível efetiva consistiu a pedra
fundamental da política administrativa de governo do Padre Regente através da pretensão de
um governo forte, da obediência à lei e da garantia dos direitos.
Feijó destacou-se pela energia e, na defesa da ordem, não media esforços chegando,
inclusive, à violência, sem, contudo, tender à tirania ou ao despotismo. Enxergando a
Revoltada da Cabanagem como uma demonstração de fraqueza do governo, Feijó promoveu
uma forte repressão ao caso:
a 2 de novembro, baixou o decreto que andava bloquear os portos daquela província.
A 4, outro, diz Eugenio Egas, dispensando subir á presença imperial as sentenças de
morte pronunciadas por crimes cometidos depois de 6 de janeiro de 1835 nas
províncias revoltadas; aos militares passiveis da mesma pena, mandava fosse
executada; cessaria o regimen de rigor quando completamente pacificada a região e
restabelecida a ordem. (ibid., p. 56)

Sem dúvidas, a Revolta Farroupilha também consistia num ponto fraco, na verdade,
num ponto ainda mais grave para a unidade do país. Isto porque a situação naquela região era
mais delicada, constituída por outros elementos e exigia maior cautela por parte do Regente;
não podia ser reprimida como a primeira. Escreveu Feijó ao Marquês de Barbacena:
O que mais me assusta é o Rio Grande. Mandei para presidente o mesmo José de
Araujo Ribeiro e este até hoje ainda não se dignou a escrever-me uma linha,
desembarcando no Rio Grande, onde se diz esperava respostas de officios de Porto-
Alegre para deliberar-se, e consta que, crescendo a anarchia, já duvidava-se de
acceital-o emquanto a assembléa provincial não resolvesse (ibid., p. 58)

Devido ao trato diferenciado dado pelo Regente à Revolta do Rio Grande, marcado
pela hesitação e por tentativas de conciliação, surgiu a ideia de uma suposta simpatia, quiçá de
conveniência entre Feijó e os rebeldes (ibid., p. 60) o que, claro, serviu de estímulo à já forte
oposição do governo. Acusado pela oposição de permitir uma anarquia no Império, de
fraqueza pela demora em suas decisões, sem conseguir aliciar adeptos e tratado com
hostilidade por seus adversários, cada pequeno ou grande erro de Feijó era aproveitado pela
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oposição. Com a morte de seu principal aliado político, Evaristo Veiga, desprovido de
consistente apoio político, e dominado por uma paralisia, o primeiro chefe do Poder
Executivo devidamente eleito na história do Brasil renunciou – não sem antes nomear o
senador pernambucano Pedro de Araújo Lima como titular na pasta do Império garantindo,
desse modo, Araújo Lima como seu sucessor à Regência.
Tendo sido mal interpretado de fato em suas atitudes ou simplesmente usado pelas alas
conservadoras que exigiam a estabilidade sócio-política necessárias para satisfazer o interesse
das elites agrárias do país, fato é que a política centralizadora de Feijó evitou o
desmembramento do imenso território nacional, contrariando a ação das forças centrífugas
próprias à época. Revelou, também, ideias de profunda expressão liberal, como as de extinção
do tráfico africano, de imigração europeia, de abolição do celibato clerical e de outras
reformas avançadas para o tempo.
Contudo, tal reconhecimento não foi o prestado pelos homens da época de maneira
geral, como pode ser visto o publicado no Sete de Abril de 28 de setembro: “O Snr. Feijó é
hoje só lembrado como um furacão, que deixou ruina, como um terremoto, que acabou o
Imperio, que ele recebeo unido e abandona lacerado.” (ibid., p. 73)
E não finalizadas aí, as constantes mudanças de regência no período 1822-1823 e
movimentos revolucionários e separatistas marcam a ausência de poder central forte que
gerava uma crise de autoridade do governo regente. Tal crise de autoridade estimulava
movimentos revolucionários ou independentistas, tais como a Sabinada e a Balaiada, em uma
situação que, segundo Calógeras, beirou a anarquia (ibid., p. 78).
O ambiente político era caótico, de violência crescente, abusos de poder, estupros e
assassinatos que assolavam o país de Norte a Sul. As disputas políticas regionais por um
poder real limitado apenas realimentavam as conturbações do momento, bem como a fraqueza
dos indivíduos escolhidos para os cargos de tomadas de decisão tanto na esfera nacional
quanto na estadual impedia que as medidas necessárias fossem tomadas a fim de solucionar as
duas maiores urgências: “(...) restaurar o conceito de autoridade, garantir a integridade
nacional.” (p. 81).
A partir da falta de controle político e consequente risco à integridade territorial e ao
País como um todo, iniciou-se um debate acerca de precariedade da Constituição vigente e a
necessidade de novas leis que conferissem relativa autonomia aos Estados para que pudessem
resolver seus problemas, sem, contudo, destituir o governo central de influência e força
necessárias para manter a união. Porém, tais propostas esbarravam na Lei Interpretativa do
Ato Adicional que, basicamente, revogava alguns dos aspectos mais federalistas do já
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contraditório Ato, por exemplo, a administração policial e o aumento da submissão da Guarda


Nacional ao Estado.
Diante do revés e da crescente necessidade de uma figura carismática que simbolizasse
a força do poder central, ressurgiram, entre os liberais, ideias visando a antecipação da
maioridade imperial, com um radical projeto que defendia a proclamação imediata de D.
Pedro II, ainda com 11 anos. Para os liberais, a antecipação da maioridade era vista como
ponto crucial para o restabelecimento da paz, a manutenção da unidade territorial e o combate
a quaisquer outras ameaças. No entanto, é importante notar que as articulações a favor da
maioridade ainda eram de uma minoria política liberal, muitas vezes organizada secretamente
como no “Club Maiorista”.
O engessamento e as contradições políticas, a situação social caótica, ingerências e
incapacidade de pôr fim aos movimentos rebeldes transformaram o sonho liberal da
antecipação da maioridade em projeto prático, apoiado por correntes menos revolucionárias.
Cabe reiterar que a situação política nacional era dramática e o desmembramento do Brasil
era uma possibilidade real, ao menos para os políticos brasileiros, ainda que na prática haja
controvérsias a respeito.
O fato é que o caos gerado alcançou grandes proporções como mostra a proposta de
substituição de Pedro II pela princesa D. Januária, que seria maior já no ano seguinte. No
entanto, a mera ideia de destronamento do legítimo herdeiro desagradava a muitos e
importantes grupos políticos para ser levada adiante. Assim, em 1940, na urgência de uma
alternativa para se combater os males do Estado e ausência de outras propostas consistentes,
“[os legisladores] Acertaram em que a 13 de maio (...), fosse iniciado na Câmara o processo
de suprimento de idade (...)”. (p. 96).
Observa-se que de uma luta inicialmente improvável e restrita, conforme os contornos
dramáticos que surgiam, a busca pela antecipação da maioridade passou a ser uma alternativa
considerada viável. Dada a divisão entre liberais e conservadores, não tão surpreendentemente
ainda que estivesse claro que a antecipação da maioridade traria apenas benefícios e
principalmente a paz e a ordem, a maioria de votos nas Casas não foi conseguida
imediatamente. Para além da necessidade de aprovação parlamentar, outros dois aspectos
eram fundamentais para o sucesso da antecipação – o desejo do soberano e o apoio popular,
que coroaria a vitória.
Dos três elementos, o mais importante e único ausente era a maioria parlamentar. A
maioria dos parlamentares, especialmente senadores, preferia uma alternativa constitucional
via procurações especiais para reformar o artigo 121 a fim de que D. Pedro II pudesse ser
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declarado maior antes dos 18 anos sem incorrer em revoluções ou golpes. Desse modo,
mesmo com o apoio de personalidades influentes, a proposta de Hollanda Cavalcanti de
antecipação da maioridade foi derrotada nas duas Casas.
A derrota não significava rejeição à maioridade, pelo contrário, a antecipação era o
sentimento e a vontade geral da nação, inclusive dos parlamentares. O problema não era mais
a antecipação da maioridade, mas como ela se daria. Liberais a desejavam imediatamente,
enquanto governistas e conservadores pretendiam atuar somente por vias legais e com longos
prazos. Nas palavras do conservador Bernardo Pereira de Vasconcellos: “(...) ainda hoje
votaria pela maioridade do senhor D. Pedro II, mas com limitações e com suficientes
garantias para o trono e para o país.” (ibid., p. 105).
Com as posições políticas bem definidas e dificilmente mutáveis, foram precisas
veementes declarações vindas do presidente do Senado, o marquês de Paranaguá, e
principalmente de um dos fundadores do regime independente, José Clemente Pereira, em
favor da antecipação da maioridade pela via golpista. Seguindo tais declarações, “(...) quase
se fez a maioridade por aclamação.” (p. 104) e, claramente, o jogo virara a favor do golpe da
maioridade em detrimento de investidas constitucionais.
Convenção breve, na qual se acordou apresentar a proposta de antecipação da
maioridade ao Imperador, a qual foi prontamente aceita e jurada já no dia seguinte. Curioso
notar que todos os parlamentares reconheceram sua posse, ainda que fosse inconstitucional, o
que comprova o interesse final comum a todos pela maioridade, oficialmente realizado pelas
palavras do presidente do Senado, marquês de Paranaguá.
Calógeras também trata da questão religiosa, que aparecia como um ingrediente
ainda mais explosivo no contexto imperial. Em virtude das convicções políticas de Diogo
Feijó, criava-se conflito com o poder da Igreja no jovem Império Brasileiro, transparecendo
sua postura desobediente em relação ao sacerdócio, voltada para os conceitos regalistas
portugueses. Feijó, portanto, portou-se mais como um chefe de Estado do que um sacerdote,
procurando despojar sua classe de seus antigos privilégios e influências no país.
Com visões liberais, ao apoiar o regalismo – sistema político que sustentava os direitos
dos reis de interferir na vida interna da Igreja – Feijó explicitava uma vontade que, segundo
ele, seria benéfica para a Igreja do Brasil: o fim do celibato. Segundo Calógeras, Feijó
pensava ser quase que impossível manter-se o celibato clerical, dada as condições de raça e
clima do Brasil, que favoreceriam violações constantes das leis disciplinares eclesiásticas e
levariam a uma queda de prestígio moral do sacerdócio antes as camadas mais populares. Ao
assumir esse risco, Feijó tentava manter a Igreja livre de escândalos, tornando-a uma entidade
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mais independente em relação à Sé Romana, o que poderia provocar um Cisma, e fazendo-a


sustentáculo da regência brasileira.
Em sua Demonstração à Câmara, em 1828, já reeleito para a Comissão dos Negócios
Eclesiásticos, discutiu a questão da proibição dos padres estrangeiros no Império brasileiro,
evidenciando sua postura anti-ortodoxa. Já em 1831, Feijó apresenta à câmara seu projeto
acerca do Matrimônio, já como regente trino provisório. Nesse, se fazia clara a força do
regime do padroado: a Igreja se submetendo ao Estado em troca de sua manutenção. Assim,
evidenciava ainda mais o espírito liberal na sociedade civil e na Igreja, bem como uma
postura francamente regalista e galicanista, evidenciando a vontade de separação entre a
Igreja Católica Romana e a Igreja do Brasil.
Com o agravamento das tensões na câmara e o medo de secessão de uma Igreja
nacional, Monsenhor Ostini é enviado pela Santa Sé ao Rio de Janeiro. Feijó, no entanto,
agravando o mal estar com a igreja, anuncia um requerimento para a imprensa (1830)
demonstrando sua contrariedade e hostilidade para com o Monsenhor, reafirmando sua
reprovação da interferência da Igreja nos assuntos ‘metropolitanos’. Por sua vez, Ostini não
contava com habilidade suficiente para que a situação fosse contornada e nada aconteceu.
Um incidente religioso envolvendo Feijó, contudo, iria enterrar os planos de uma
separação entre a Sé Romana e a Igreja Católica Brasileira: a indicação de Antônio Maria
Moura para a diocese do Rio de Janeiro. Este era recusado pela Santa Sé, num claro repúdio
das doutrinas heterodoxas de Feijó, que o apoiava. Segundo Roma, Antônio Maria de Moura
era favorável ao celibato clerical, possuía opiniões ‘anti-canônicas’, além de ser filho de
paternidade desconhecida. No entanto, os motivos mais graves, decisivos e fundamentais para
a recusa seriam o fato do mesmo ter defendido “como deputado, princípios que feriam a
disciplina e o dogma, nos projectos referentes aos impedimentos matrimoniais, ás caixas
eclesiásticas e aos presbyteros” (p. 134); e em matéria de dogma e de disciplina, seguindo
Calógeras, Roma não transigiria nunca.
Na votação na Câmara, o projeto de separação da Igreja brasileira da romana e o
supremo sacerdócio incluído nas atribuições do Governo foram derrotados. Apesar da vitória,
Roma mantinha-se defensiva: não queria uma ruptura, mas também não cederia aos projetos
brasileiros heterodoxos. Era preciso combater a atuação liberal de Feijó e o regime do
padroado.
Outra ação liberal de Feijó fora o envio de Barbacena a Londres, que teoricamente
dialogaria sobre o tráfico de escravos, mas na prática, Barbacena tomaria providências para a
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vinda dos Irmãos Morávios, protestantes, para que se dedicassem à educação indígena, e
angariar apoio para uma
intervenção poderosa para com a Santa Sé, pela qual se conclua conciliatoriamente,
o negocio da nomeação e da confirmação dos bispos do império do Brazil, que a
tanto tempo pende com desar de ambas as côrtes, autorizando a V. EX. (o marquês)
para asseverar que o governo do Brazil tratará quanto antes de reestabelecer a antiga
disciplina da igreja, si acaso a mesma Santa Sé continuar a recusar-se a actos de tão
manifesta justiça, e política. (ibid., p.147).

Dentro outras questões políticas já vistas, a questão da intervenção e a vinda de


protestantes para um país de maioria católica, por exemplo, foram muito desfavoráveis à
Regência, resultando na renúncia de Feijó. Sua situação como regente provocava ofensa ao
sentimento católico das populações, ao ser contrário ao Papa e à disciplina da Igreja oficial e
com sua renúncia, a Igreja aparece como vencedora de um embate religioso advindo desde o
primeiro reinado. O grande articulador dessa vitória, D. Romualdo, em seu discurso na
câmara, restabelece a situação da Igreja e do Estado, e as áreas de atuação de cada um. Apoia
a regência conservadora Una de Araújo e Lima e enterra de vez a tentativa cismática. A
opinião pública e o Parlamento brasileiro estavam, enfim, ao lado do sumo Pontífice.

Parte II: A questão da fronteira Sul – relações com e entre Uruguai e


Argentina

Neste ponto de sua narrativa, Calógeras muda de perspectiva, abordando


principalmente os dramas vividos ao sul do país. Nesses trechos que seguem, destaca-se a
maneira como Pandiá Calógeras expõe sua opinião a respeito dos caudilhos na Região do
Prata: um governo acéfalo e brutal, que atrapalha o desenvolvimento monárquico ao sul do
continente. O Tratado do Rio de Janeiro, de 1828, não necessariamente trouxe paz ao sul da
América Latina. Calógeras nota que o fervor da separação foi inevitável e implicava na
desintegração, apresentando lideranças locais que, em sua maioria, se mantinham no poder
pela violência. No entanto, pairava uma necessidade de unidade nacional, que aumentou com
a separação do Paraguai e da Parte Oriental de Buenos Aires.
Sob o mando de Buenos Aires, as províncias estavam completamente subordinadas e à
mercê de seu poder. O governo argentino tentara de todas as maneiras calar as tentativas de
retomada de poder castelhano; além disso, a Constituição Unitária, de 1826, também havia
falhado. A novíssima tentativa de manter a união era o federalismo, mas o autor destaca a
pouca experiência com esse tipo de administração – que não era só pouco dominada, mas
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também pouco conhecida. Neste momento, até mesmo os domínios locais eram trabalhados
com dificuldade. Além dos desentendimentos que aconteciam entre os próprios governantes
provincianos.
Calógeras retoma a questão do governo muito violento, que mantinham os governados
sob uma administração sanguinária e monstruosa. Rozas, federalista, não era muito diferente
disso, os benefícios que trouxe nem sempre se sobrepujaram à violência de seu governo,
como vemos
A saliencia que lhes deram os acontecimentos, á duração maior de seu poder, se
deve o maior clamor que os condemnou, e que fez injustamente olvidar que
obedeciam aos processos daquella phase histórica, e peor ainda, escureceu os
benefícios, grandes muitos delles, que lhes coube prestar. (ibid., p. 165).

Os mais próximos a Rozas o viam como orgulhoso da conquista da paz com o Brasil.
No entanto, em ambientes onde se concentravam lideranças mais locais, a ideia nutrida do
mesmo era de um líder falho. Acreditavam também que a “aspiração argentina” não tinha
mais fundamento e, em breve, cairia.
Os caudilhos Rozas e Lavalle cessaram as hostilidades num acordo, mas que logo foi
rompido, por conta da discordância das províncias em aceitar as mudanças propostas. E, ao
longo do ano de 1829, Rozas cada vez mais ganhava força

A Iº de dezembro de 1829, reuniu-se; a 6 do mesmo mez, elegeu Rozas governador e


capitão-general, e a 8 este se empossava do cargo. Não havia sido regular o
processo, “pero las circunstancias han podido más que todo, y por su influjo ló He
aceptado”, dizia o novo chefe. Que a opinião publica sanccionou a irregularidade,
sanando-a, não resta dúvida em face das manifestações levadas a Rozas por todas as
classes sociaes. (ibid., p. 168)

Sua influência nas relações político-territoriais da América Latina fora bem marcada e
seus esforços para fazer ainda melhor para primeiro a “província de Buenos-Aires e depois
toda a Republica Argentina” (ibid., p. 169) eram os maiores. Finalmente ao aceitar o
reconhecimento popular, Rozas empossou-se do cargo de brigadeiro-general. Ao final de seu
governo, fora reeleito; no entanto, além de recusar, não poderia mais continuar no comando e
nomeou d. Juan Ramon Balcarce ao cargo. Balcarce tratou de trabalhar na expansão do país,
protegendo-se de mais revoltosos do Sul. No intento da união de forças contra o Brasil, bem
como as intenções do novo governante em tomar o Uruguai como parte das Províncias-
Unidas, os laços entre os dois Estados do Prata se fortaleciam e “cambiavam os homens,
alteravam-se os acontecimentos, mas cooperavam sempre” (ibid., p. 171). Neste mesmo
momento, Calógeras destaca uma perseguição que acontecia dos federais argentinos aos
unitários, que fugiam principalmente para Paysandú, inflando a população do Uruguai.
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Contudo, como forma de manter a neutralidade uruguaia, foi emitida nota de autonomia
internacional, que tirava das costas do novo Estado à responsabilidade oficial do
“acolhimento” de refugiados unitários, mantendo também a aliança com a Argentina.
Balcarce buscou formas de continuar o governo de Rozas mantendo, assim, o apoio
popular, mas apresentou, desde o início, a intenção de posicionar-se mais firmemente em
relação ao Uruguai, causando atritos entre os governos. Além disso, mostrou insatisfação com
o domínio caudilho na região, além de ter nomeado Enrique Martinez, que além de
estrangeiro, insatisfez o povo em relação ao seu “nepotismo insensato e sem limites” (ibid., p.
173). Não houve oportunidade de destruição política de Rozas, já que logo foram tomadas
medidas de pressão sobre Balcarce, forçando sua destituição do cargo. Neste novo momento,
com Viamonte à frente das representações argentinas, as “manobras opposicionistas”
prosseguiram, o que o autor coloca como uma busca pela estabilidade ao sul do continente,
que só seria alcançada através da monarquia. Percebemos a tendência de Pandiá Calógeras na
vanglória à monarquia, colocando-a como chave para a solução das questões cisplatinas. Cita
os esforços de Rivadavia, líder dos unitários, na Europa, em disseminar os preceitos
monárquicos no sul, com um emblemático projeto de “monarchias hispano-americanas”
(ibid., p 175). No entanto, não houve nenhum esboço de aprovação dos governos.
Com o desejo de Viamonte em sair do poder, menciona-se a volta de Rozas, que se
recusa por conta da conjuntura política da época. Havia a necessidade de um governo forte e
coeso. Como tentativa, Manuel Vicente de Maza é chamado ao governo, mas as hostilidades
só pioram e os enfrentamentos agora davam-se a mão armada. Para o apaziguamento, é
nomeado o Gal. Quiroga no mesmo ano, que logo é morto. Há uma tentativa de aproximação
de d. Lopez, governador de Santa Fé, aos federalistas, mas nada consegue. Não havia mais
como esperar, como bem observa Calógeras, era preciso “vencer a anarquia” que havia se
instalado. Em meio a tanto caos político, não restou dúvidas à Sala dos Representantes em
reeleger, unanimemente, Rozas, além de toda a aprovação da sociedade através de plebiscito
requerido pelo próprio, onde notamos “(...) que o governo então iniciado era o legitimo
representante da vontade nacional, e que esta o instituira precisamente para exercer missão
energica de repressão da anarchia.” (ibid., p. 179). A partir daí, Rozas declarou guerra aos
unitários, dando início a uma trajetória sanguinária e truculenta.
Neste ponto, Calógeras aponta para os ocorridos no Uruguai, traçando um paralelo
histórico aos perturbados tempos vividos em Buenos Aires. Sua observação inicial é de que a
história em Montevidéu caminhava diferente, com menos violência. Em 1828, decidiu-se que
o novo Estado do Uruguai teria um chefe unido e assim fora escolhido um neutro, o general
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José Rondeau, que tivesse articulação suficiente para apaziguar a truculência entre os dois
caudilhos. No início, nota-se muita instabilidade no comando das Relações Exteriores e da
Guerra, em que há uma troca incessante de comandos. Além disso, nota-se também
instabilidade nas decisões da Constituinte, com conflitos partidários. Contudo, não demora os
países vizinhos aprovarem o texto constitucional uruguaio. Com o pedido de renúncia de
Rondeau e os agitos no Legislativo, Rozas “aproveitava o pretexto para intervir no Uruguay”
(ibid., p. 182) – no intuito de reincorporar a Banda Oriental à sua federação –, além de ir à
busca de seu principal objetivo por lá: os unitários. Estes, sob a “proteção” de Rivera, fizeram
com que Rozas se aliasse à Lavalleja, aliança que se fortaleceu ainda mais após a vitória de
Rivera contra Lavalleja, em 1830, para a presidência da república uruguaia.
No contexto internacional, descreve o autor, muita inquietação, principalmente da
Espanha, com a possibilidade iminente de perder totalmente o controle sobre suas colônias.
Os europeus inquietaram-se e se não colônias, pretendiam ao menos tentar estabelecer uma
corrente de monarquias hispano-americanas. Apesar de hesitar, Calógeras nota um perfil
político e social muito semelhante nas repúblicas da bacia do Prata: desde a necessidade de
independência, migrações, da maneira de manifestação das insatisfações sociais, até a
necessidade de uma unidade nacional, uma forma para aquilo que pretendiam chamar de
pátria. Além disso, também há muita colaboração entre todos os envolvidos no processo,
como o apoio rio grandense às revoluções uruguaias. Como disse, “concorriam todos estes
factores para tornar pesada a atmosphera politica da antiga Cisplatina” (ibid., p. 187).
Com o caos instalado, Lavalleja pareceu o único capaz de reestabelecer a ordem e
Garzón, presidente do Senado, com o afastamento de Rivera, se nomeou novo presidente. As
revoltas em Montevidéu não paravam e logo se percebeu a ligação de Lavalleja aos
federalistas argentinos, “bem como as dos unitários com Rivera” (p. 188), e neste ponto a
guerra civil se instala impiedosa. Rozas, apoiando Lavalleja, não pretendia dar poder o
suficiente para ele, ou então perderia a chance de domínio no Uruguai. Rozas pretendia deixar
o novo Estado “empobrecido pela lucta civil, incapaz de resistencia” (ibid., p. 189). Há
menção à possível intervenção brasileira, através de líderes militares do Rio Grande, mas em
manobras políticas é mostrado aos riveristas que o Brasil encontrava-se em neutralidade na
luta. A aproximação entre os dois grupos antes mencionados fez com que movimentos
revoltosos iniciados por Rivera fossem abortados. No entanto, Calógeras aponta para uma
nítida aliança entre Brasil e Buenos Aires, a favor de Lavalleja, mas que não eram possíveis
de prova e não demorou para que Uruguai e Brasil firmassem acordo de solidariedade dentro
da América do Sul.
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Mesmo com a aparente perda de apoio, Lavalleja insistiu na invasão do Uruguai, e


encarando novamente Rivera, pede acolhimento aos companheiros riograndenses. Neste
ponto, Calógeras evidencia
Os incidentes dessa invasão, comtudo, iam confiramando no conceito de d.
Fructuoso, erroneo quanto á participação do Brasil, exacto quanto aos manejos de
Rozas, a convicção de que os dous vizinhos territoriaes eram os principaes
responsáveis nas successivas revoltas uruguayas (p. 192).

Por fim, depois de toda agitação, em Assembleia Geral, novas eleições são realizadas
e, unanimemente eleito, d. Manuel Oribe alcança a chefia do Executivo. E, ao contrário do
que se pensava – que daria continuidade ao seu antecessor, Rivera –, vem ainda mais
sanguinário e alia-se a Rozas e Lavalleja, incentivando uma futura intervenção do Brasil nos
conflitos uruguaios.
Dando continuidade às questões do sul do continente, Calógeras busca detalhar
mais as relações entre Brasil e Uruguai. Neste contexto, sobre os desdobramentos das alianças
que eram formadas na região cisplatina e o auxílio brasileiro aos estrangeiros, publicava-se
relatos no Jornal do Comércio da época. Essas notícias expunham a inclusão dos assuntos
cisplatinos na agenda do Brasil, o que era encarado com surpresa e repulsa no país. Dizia-se
que essas notícias incitariam a animosidade por parte dos orientais.
Naquela época, Lavalleja decidiu se rebelar contra o governo do Estado Oriental do
Uruguai. Lavalleja precisava, então, do apoio brasileiro, que veio a conseguir por meio da
promessa de ligação do território uruguaio ao território brasileiro. Alguns entusiastas
acreditaram que ganhariam com essa ligação e apoiaram sua ideia. Contudo, apesar desse
apoio, Lavalleja nunca cumpriu sua promessa. Houve uma reviravolta no cenário e a
preocupação era de que a província do Rio Grande se unisse ao Uruguai. Prometiam-se terras
e gados aos que ajudassem na independência do Rio Grande, tornando a possível separação
pauta da Assembleia Provincial.
Bento Gonçalves era um que desejava a união à Cisplatina, no entanto tinha influência
somente no Rio Grande. Enquanto a disputa se intensificava no sul, o governo se mostrava
neutro, apesar de as decisões tomadas por alguns subalternos demonstrarem apoio a um dos
lados do movimento. A notícia que circulava na capital era de que a revolta no Rio Grande
contava com a ajuda de países vizinhos.
A situação interna do Uruguai com a eleição do presidente estava desestabilizada e
houve a cisão entre Rivera e Oribe. Enquanto isso, na Argentina, o presidente Rozas se
preocupava em avançar para a outra margem do Prata, a fim de mostrar sua força de
intervenção na Cisplatina – as divergências entre os dois países se acirravam. Houve em 1836
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um decreto que sobretaxava em 25% as mercadorias que passassem primeiro no porto de


Montevidéu antes de seguirem para o porto de Buenos Aires. Dessa maneira, o porto
Montevidéu foi prejudicado.
Em meados de 1836, começou outra revolta interna no Uruguai, que teve
desdobramentos até no território brasileiro. Blancos, chefiados por Oribe, contra colorados,
chefiados por Rivera. Segundo Calógeras, no Brasil, os governantes acabam tendendo à um
lado ou outro; todavia, dois representantes merecem destaque devido à eficiência, levando as
ações políticas que bem representavam que o Império buscava a lei. O primeiro desses
representantes foi Araújo Ribeiro e o segundo foi Caxias. Apesar das mudanças constantes, no
começo foi comum a diretriz regencial de “manter neutralidade nos conflitos, acatando os
governos legais e procurando evitar que o Brasil se transformasse […] em uma base de ação
para eles” (ibid., p. 207). O autor escreve que, contudo, era complicada a situação para o
Império, porque ocorreram muitas mudanças no governo geral, além dos conflitantes terem
muito mais articulações dentro do própria província do Rio Grande.
Com base nisso, logo em 1837, o Império abandonou a ideia de neutralidade e
considerou a aproximação de Oribe, em Montevidéu. A tentativa de aproximação entre Oribe
e o Império não dera certo. Encontrou-se dificuldade, assim, de estabelecer limites às
fronteiras, que haviam ficado abertas desde o tratado preliminar de 1828, que dizia que as
fronteiras seriam mais tardes definias com um novo tratado. Ao governo do Uruguai
interessava um tratado ofensivo e defensivo, mas os dois países não conseguiam chegar a um
acordo. À medida que as negociações entre os dois lados não tomavam rumos concretos,
Rivera aproveitava para dominar regiões do Uruguai chegando, por fim, a Montevidéu.
Entrementes, Rozas auxiliava aos dois lados com intuito de enfraquecê-los. A pressão
exercida pelo comandante do exército foi tamanha que Oribe acabou renunciando e deixando
o país, enquanto Rivera passava a exercer tarefas de chefe de Estado. Em sua renúncia, Oribe
fazia alusão ao apoio francês dado aos colorados, o que gerou o descontentamento de Rozas,
que tentava desconstituir a aliança formada entre uruguaios e europeus, principalmente no que
se tratava de uma aliança marítima. A situação na Argentina que era estável até então – apesar
da relação conflituosa com província de Corrientes –, começava a se desestabilizar. As
contendas com o Uruguai e o crescente descontentamento interno, somados à guerra com a
Bolívia em 1837 pioraram a situação interna da Argentina.
A relação entre franceses e os colorados pode ser creditada à necessidade
francesa de reacender o prestígio militar que tinha, sem, no entanto, gerar repercussões na
Europa que pudessem culminar em um conflito no velho continente. Nesse contexto, em
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1821, foi criada uma lei argentina que estendia o serviço da guarda nacional aos estrangeiros
possuidores de bens ou instalados em oficinas, casas de varejo ou casa de atacado, desde que
tivessem mais de dois anos de residência no país. Nenhum protesto tinha sido feito por parte
dos franceses até o ano de 1830.
Neste ano, um cônsul da França em Buenos Aires, exigiu que seus patrícios fossem
isentos de tal incumbência, mas nada aconteceu e apenas em 1837, o vice-cônsul chamado
Aimé Roger reiniciou a discussão, alegando que se o governo não lhe deferisse o pedido, a
França usaria dos meios necessários para que os seus interesses e a sua dignidade fossem
respeitados. De acordo com o autor, a atitude de Aimé aliada a sua insistência ao enviar uma
nova nota grosseira e logo após se retirar da região alegando que sua missão tinha sido
concluída, demonstra que este agiu como instrumento de provocação consciente. Provocação
esta, não necessariamente, do governo francês, mas das forças navais em contato íntimo com
os franceses do Uruguai associados aos movimentos locais de luta entre Oribe e Rivera (ibid.,
p. 223).
Independente dessa atitude, o governo de Buenos Aires afirmou que desejava
sinceramente manter relações cordiais com o governo de Luiz Philippe, mas, de fato, somente
com a negociação de um tratado se alcançaria um acordo, assim como tinha feito a Grã-
Bretanha em 1825. Ainda assim, Leblanc tentou intimidar Rozas, dirigindo-o uma nota,
pedindo agora a suspensão da lei em relação aos franceses e o reconhecimento do direito de
indenização. Recebeu uma reposta na mesma linha das anteriores.
Diante disso, a resposta francesa, em 1838, foi declarar o posto de Buenos Aires, bem
como todo o litoral argentino, no trecho fluvial, em estado de bloqueio pelas forças navais
francesas, que aguardavam as providências que se julgassem convenientes para situação da
isenção ao serviço militar. O governo protestou e afirmou ser o bloqueio fora das regras
designadas pelo direito internacional. Não passíveis mais de conversa, ambos os lados
partiram para operações hostis, apesar desse encaminhamento da situação promover,
naturalmente, o empobrecimento da população, bem como ao próprio governo. O “ditador”
Rozas logo tomou as providências restritivas indispensáveis. O apoio da nação à atitude de
Rosas era quase unânime.
A negociação foi, então, mediada pela Grã-Bretanha, e tinha três objetivos principais:
restabelecer a harmonia entre os dois países em divergência, prosseguir com a situação de não
convocar os franceses ao serviço militar e, por fim, realocar Roger ao seu posto em Buenos
Aires. A proposta foi aceita de imediato por Mandiville, ministro inglês, e foi vista com bons
olhos pro Roger. No entanto, este consultou seus aliados antes de acatar oficialmente a
18

proposta, o que acabou com a possibilidade de cessar hostilidades: não convinha aos aliados
de Roger a pacificação, visto que os conflitos e o apoio francês eram necessários ao sucesso
de seus projetos. Esses projetos eram: derrubar os federalistas e fortalecer os unitários a fim
de que Lavalle e seus aliados da Comissão Argentina de Montividéo cooperassem em
eliminar o governo hostil a Rivera.
O vice-cônsul não compreendeu que, ao ouvi-los, subordinava os interesses da França,
que acabou por servir ao vai e vem das lutas partidárias dos caudilhos platinos. Assim, a
França acabou por se associar ao conflito de Rozas e Rivera, tornando-se parte da guerra. No
início do conflito, eram os interesses nacionais que estavam em jogo e precisavam ser
protegidos; com o desenrolar do conflito, eram os franceses estabelecidos na Argentina e no
Uruguai que estavam sob ameaça. Antes, era apenas um bloqueio; agora, além deste, forças
francesas defendiam Montevidéu. (ibid., p. 235).
Envolvida profundamente nesse processo, a França forneceu recursos, meios de
transporte, armas e munições, bem como parte de suas tropas. É interessante notar que Roger
fez uma viagem à Paris, em meado de 1838, e convenceu o gabinete a aprovar o bloqueio e
operações anexas. No entanto, segundo Pandiá Calógeras, colaborar com os adversários do
Rozas, fornecendo tudo o que foi dito acima, era colocar os franceses em uma posição
ridícula.
Apesar do bloqueio francês, que se estendeu até 29 de outubro de 1840, de alguma
forma, ter prejudicado o governo de Rozas – “Causou estagnação da economia e privou o
governo das vitais receitas alfandegárias; desestabilizou o sistema federalista e deu novo
fôlego as dissidentes do litoral e do interior; e levou Rozas a governar com uma autocracia
ainda maior” (BETHELL, 2001, p. 658) –, este teve pouca força militar para se tornar
decisivo. Além disso, Rozas tinha um grande apoio da massa que considerava os invasores
como “os mercenários dos abomináveis franceses” (ibid., p. 238).
Rozas conseguiu sufocar a maioria dos levantes contra o seu governo e aos poucos
impor a cada uma das províncias do Leste governantes aliados, dependentes ou fracos. Essa
conquista reflete a grande preocupação rozista com a questão militar, mas também demonstra
a fraqueza da união de elementos tão heterogêneos em um mesmo grupo, buscando objetivos,
de certa forma, diferentes. Era a França querendo indenizações e favores aos seus nacionais;
os unitários querendo vencer Rozas e derrubar os federalistas; Rivera aceitando o auxílio, mas
visando separar algumas províncias da Confederação, com o objetivo último de constituir a
solução uruguaia (ibid., p. 227). Era possível que essa coalizão desse errado. E foi o que
aconteceu.
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Assim, a vitória de Rozas foi reconhecida no Prata, na América inteira, bem como na
Europa. Em 29 de Outubro de 1840, França e Argentina fizeram as pazes. Isso representou
não só o triunfo argentino, mas também a injusta agressão promovida pelos subalternos de
1838 (ibid., p. 239). A paz com a França desiludiu todos os demais oponentes ao governo
Rozas. Os esforços dos seus inimigos não conseguiram apagar sua imagem, que era
dominante no cenário político do Prata.
No entanto, é importante destacar que o bloqueio francês acabou dando origem a
diversos movimentos rebeldes no Uruguai e províncias argentinas que buscavam derrubar o
governo e tensionou as relações entre Rivera e Lavalle e o próprio Rozas, o que configura o
quadro de instabilidade da região platina.
Durante a década de 1930, quando Calógeras está escrevendo, a política platina é
marcada pelo personalismo que, segundo ele, é uma clara herança do elemento que marcava
toda a planície do pampa no século anterior: os agrupamentos em torno de um proprietário de
terras (as chamadas haciendas) que, por sua vez, possuíam um valor social dependente da
personalidade do tal proprietário. Além das haciendas, outros elementos podem ser
considerados determinantes para a uniformização das condições sociais e políticas na região
do estuário do Rio da Prata. Dentre elas, a grande similaridade das populações e a
característica geográfica da região de coxilhas, um terreno elevado que se estende em
planícies.
Contudo, diferente do que se pode imaginar, as semelhanças entre os pampas do que
hoje chamamos de Argentina, Uruguai e Brasil não foi um gerador de estabilidade ou
cooperação entre eles. Basta analisar de forma sucinta a história da região para obter essa
percepção: Em 1776, a região do Uruguai, que ainda era colônia, tornou-se parte do Vice-
Reinado do Prata. Entre 1810 e 1814, José Artigas liderou uma insurreição armada e dominou
Montevidéu. Porém, a Argentina derrotou Artigas em 1816. Já em 1817, o Uruguai foi
ocupado por forças luso-brasileiras e em 1821 por ele anexado sob o nome de Província
Cisplatina. Em 1825, a independência uruguaia foi declarada por um grupo liderado por
Lavalleja que, com a ajuda de tropas argentinas, expulsou os brasileiros em 1827. No ano
seguinte, com o apoio da Inglaterra, o Uruguai reafirmou sua independência através do
supracitado Tratado do Rio de Janeiro que, indispensável citar, não especificava por onde
deveriam correr os limites deste país.
A partir desse breve relato dos fatos, confirma-se a ideia central de Pandiá Calógeras
de que a política do Brasil recém independente, para ser de fato compreendida, deve ser
estudada em conjunto com as políticas da Argentina e do Uruguai. Por se consistir em uma
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área de mútuo interesse, se tornou diplomática e politicamente relevante e, sobretudo,


instável.
A Confederação Argentina enfrentava uma série de problemas. Sua coesão interna
estava por um fio, a República Oriental do Uruguai estava sitiada a bastante tempo e o porto
de Buenos Aires havia sido bloqueado por uma esquadra franco-inglesa. Tanto britânicos
como franceses, foram instados a intervir na questão uruguaia para salvaguardar interesses de
seus súditos e ambos tiraram proveitosos tratados comerciais para colocar fim às hostilidades
e o término ao bloqueio do porto de Buenos Aires, por onde escoava boa parte da produção da
região platina. Porém ao se retirarem das hostilidades o governo de Rozas teve uma
importante vitória diplomática, pois pode se concentrar com mais afinco no apaziguamento de
seu território e das províncias rebeladas.
Com uma política extremamente hábil, Rozas conseguiu manter a unidade da
confederação mediante a revolta unitária. Tropas federais e unitárias vinham se enfrentando
há algum tempo, para a contestação da ordem imposta pela província de Buenos Aires as
outras províncias, gerando uma série de problemas, pois tanto as províncias do interior, como
o Uruguai estavam em desacordo com Buenos Aires. O governo da Confederação ofereceu
anistia as rebeldes, sendo alguns inclusive, reintegrados ao exército, com isso o principal
general rebelde Lavalleja, cada vez mais se via com menos apoio nas províncias rebeldes,
enquanto o principal defensor das tropas federalistas, o general Oribe, cada vez mais tinha
melhores condições de lutar. Calógeras é extremamente minucioso em sua análise sobre os
movimentos militares, seus contingentes e sobre os oficiais que os comandavam, mas
salienta-se que, após a pacificação interiorana, o governo argentino, pode se preocupar com a
última questão pendente e que continuava em aberto, a luta pela província litorânea do
Uruguai.
É importante frisar que embora a República Oriental do Uruguai fosse considerada
independente, a Confederação Argentina, entendia que a província, pelo fato de ela ter
pertencido ao Vice-Reino do Prata, fazia parte da Confederação Argentina e portanto estava
subordinada a autoridade portenha, portanto era considerada uma província rebelde. A
questão do Uruguai interessava não apenas aos dois envolvidos, mas também a todos os
países que tinham interesse na questão platina. Todos os países, com a exceção da Argentina,
queriam que o Uruguai se mantivesse independente, para que os rios Paraná e Uruguai, se
mantivessem rios internacionais, caso o Uruguai fosse assimilado pela Confederação, os rios
se tornariam internos, atrapalhando a navegação na bacia platina, que estaria vinculada ao
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interesse de Buenos Aires. Esse é justamente o motivo de intervenção das potências europeias
no teatro mencionado.
Se aproveitando desse momento, o importante Rivera entra em cena, principal chefe
da República Oriental do Uruguai, que visava aniquilar Rozas e criar um grande Estado do
Uruguai, incluindo as províncias de Corrientes e Entre-Rios, que faziam parte da
Confederação Argentina, do Paraguai, que havia pertencido ao Vice-Reino do Prata, porém
era independente há 30 anos e o Rio Grande, que pertencia ao Império brasileiro. Após a
derrota de Lavalleja, julgou que era o momento de agir e embora tolhido ao ameaçar o Rio
Grande, e com o grande auxílio de Rosas, ainda conseguiu o apoio da província de Corrientes.
Num movimento bastante oportuno as tropas do General Paz invadiram a província de Entre-
Rios, porém não pode se manter na província por muito mais tempo, pois se viu isolado e foi
obrigado a abandonar a província após a assinatura do Tratado de Galarza em abril de 1942.
Com isso abrindo espaço para um maior domínio da aliança, por parte de Rivera.
Rozas divulgou falsas informações sobre o tamanho e estado de suas tropas,
fazendo com que Rivera atacasse e fosse pego de surpresa, sendo desbaratado pelas tropas
bem treinadas de Oribe. A batalha conhecida por Arroio-Grande foi decisiva para o futuro da
Confederação Argentina, pois as significativas perdas deram início à mudança de rumos do
conflito.
Ainda assim, a luta entre os unitaristas e os federalistas se arrastava, em parte pela
estagnação e ausência de batalhas decisivas, em parte porque uma solução final via armas não
era pensada nem pelo governo uruguaio, nem pela Comissão Argentina. O governo uruguaio
não dispunha de forças suficientes para pôr fim à guerra, enquanto do lado argentino
argumentava-se que a busca era pelo enfraquecimento de Rozas, sem, contudo, haver
exposição da ideia de separação de Entre-Rios e Corrientes, projeto fracassado em sua
origem, dado a falta do fundamental apoio do general Paz.
A luta pareceu a se encaminhar para um fim apenas quando se aventou a possibilidade
de uma intervenção anglo-francesa que se daria em um momento de desespero uruguaio. No
entanto, o combinado de forças européias que chegou a região o fez sob o título de missão de
paz, embora o objetivo real fosse claramente a manutenção da paz pela força, caso necessário.
Tal situação impôs a Confederação Argentina um dilema: “(...) ou subscrevia as pretensões
dos intitulados mediadores, ultrajantes como eram; ou sujeitava-se às consequências
duríssimas, com que haviam sido por assim dizer castigadas as nações obstinadas da Ásia e da
América.” (ibid., p. 526).
Em face da rejeição argentina em suspender o bloqueio imposto ao Uruguai, os
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mediadores exigiram a retirada argentina do porto de Montevidéu e a evacuação do território


Oriental. O argumento argentino era que as ações na região eram atos de guerra e não de
intervenção ou desrespeito à independência do Uruguai.
Mas o fato é que todas as turbulências no Prata advinham do estado de guerra que ali
havia se instalado. À Argentina foi requerida, pelos mediadores estrangeiros, uma resposta
para o bloqueio e, sem resposta, ordenaram que colocassem força contra as tropas argentinas
que se encontravam no porto de Montevidéu. Insistente, Argentina em nada opinou a respeito
da “suspensão das hostilidades e a retirada de suas tropas, e se havia limitado a declarar que
não podia considerar tais medidas enquanto os mediadores não reconhecessem o bloqueio
absoluto de Montevidéo” (ibid., p. 531). Alegava também a ambiguidade das ordens
estrangeiras que, ao mesmo tempo em que pediam a distensão, muniam uruguaios e
sequestravam tropas argentinas.
Enquanto estendiam-se as negociações, os almirantes inglês e francês Inglefield e
Lainé procuravam desarticular as hostilidades com a Confederação Argentina, mesmo que
não houvesse oficialização da guerra. A partir daí, os próprios mediadores ocuparam os
navios argentinos e estenderam neles bandeiras uruguaias, nomeando José Garibaldi, gerando
novamente hostilidades entre os dois países. Em meio ao caos, foi pedido à Arana que
estabelecesse metas para o “restabelecimento das relações pacificas que elle submetteria aos
interventores” (ibid., p. 534). Seriam elas: 1. Colaboração de general Oribe para distensão; 2.
Desarmamento dos estrangeiros e retorno das tropas argentinas, assim que o governo fosse
restabelecido no Uruguai; 3. Retorno dos navios argentinos aos portos confederais; 4.
Desbloqueio dos portos de Buenos Aires; 5. Desocupação dos rios Prata e Paraguai de navios
que não fossem argentinos; e 6. Deveriam admitir os ministros inglês e francês que o
reconhecimento do bloqueio era ilegítimo.
Calógeras aponta, e sempre deixa claro, sua repugnância à república, dizendo do
prestígio que Rozas havia alcançado no continente, por ser um defensor da república e “das
liberdades dos paizes americanos” (ibid., p. 536). Descreve as diversas articulações por todas
as esquinas do Uruguai e da Argentina, o primeiro a fim de defender seu território e manter-se
como Estado independente e, o segundo, em busca de mais espaços para agregar ainda mais
poderes à Confederação Argentina. Porém, a luta também se dava, dentro da Confederação,
entre Urquiza, de Entre-Rios, e Madariaga, de Corrientes, que buscavam a independência.
Entre-Rios e Corrientes nunca foram províncias completamente dominadas por Rozas, por
serem maiores e mais organizadas.
Já nesse período de longo conflito na região, todas as repúblicas sul-americanas
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haviam estreitado as suas relações com Rozas. No entanto, a desconfiança era tão grande que
tudo era pretexto para se produzir e reproduzir boatos. Toda essa situação se deve à
exacerbação das relações com o Império do Brasil, nas quais os intuitos da missão do
Marquês de Abrantes foram deturpados ao se alegar que o Brasil queria se associar à aliança
franco-inglesa no Prata com a intenção de produzir uma intervenção julgada como
dominadora da liberdade da Confederação.
Diante desses sentimentos de desconfiança, o ministro Cayrú respondeu que os planos
seguidos pelo Brasil para cooperar com a pacificação do Sul nada tinha de belicoso e que um
meio para estabelecer a paz nessa região seria a independência do Uruguai. Apesar do
esclarecimento dos mal entendidos, as desconfianças e boatos em relação ao Brasil persistiam.
É interessante notar a posição de apoio do autor ao Brasil nessa situação de receio e
suspeita em relação a este país. Ele chega a falar em seu livro que esses boatos não levavam
em conta, não faziam justiça aos terríveis perigos que o Brasil corria com essas lutas na região
do Prata, nas quais, devido à contiguidade territorial e à solidariedade dos grupos que se
digladiavam, o Brasil se via involuntariamente envolvido (ibid., p. 552).
A Argentina era considerada a grande defensora das liberdades sul-americanas; sendo
assim, menosprezava o Império. Rozas criava dificuldades enormes às forças imperiais no Rio
Grande do Sul, auxiliando os insurretos. Foi assim que para corrigir essa situação, a
diplomacia do Barão de Caxias muito cooperou – modificou as alianças, fazendo do elemento
rozista um colaborador em vez de um adversário; mas mesmo assim, não conseguiu alterar o
ambiente de desconfianças contra o Império.
O que se vivia na região era, em resumo, desconfianças, intrigas e receios mútuos,
bem como os sofrimentos locais decorrentes das lutas no Uruguai, fomentadas pelas tropas da
intervenção franco-inglesa, coniventes com os seus parceiros riveristas ou oribristas.
As divergências transformaram-se em contestação, que levaram ao recomeço de uma
série de discussões sobre o assunto. Como preliminar tinha o fato de que seria impossível para
os governos aliados ali representados reconhecer o general Oribe como presidente Oriental.
A Grã-Bretanha tinha renunciado a ideia de se criar pela força direitos e possessões
nas margens do caudal, pois saberia desenvolver suas riquezas e influência na zona. Já a
França não tinha desistido de fincar na região a sua bandeira, em concorrência àquela. Ao
contrário do diplomata inglês, o diplomata francês queria ou uma completa vitória
diplomática, ou um rompimento que permitiria intervir no caudal de modo mais poderoso do
que a França tinha feito até então.
Devido às muitas divergências e à postura da França, a Grã-Bretanha retirou o seu
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apoio por meio de uma carta enviada do ministro britânico a Oribe. Deste modo, a França
ficava sozinha em campo, o que facilitou o estabelecimento do protetorado francês em
Montevidéu. Nesse contexto de influência francesa na região, a qual a imprensa francesa
insinuava malversações de Rivera com os auxílios do governo francês, que a vida pública de
Rivera terminou, resultando em seu exílio. Com seu afastamento de Montevidéu, acaba a sua
intervenção na política platina. Quando a Grã-Bretanha retirou-se da intervenção e o
enfraquecimento de Rivera foi se acentuando em Montevidéu, iniciaram-se os sucessos
armados em Corrientes que iriam modificar a face da coalizão. No entanto, o conflito
prosseguiu com outros personagens. Madariaga sofreu uma grande derrota que acabou com
suas forças e o forçou a se render. Assim, em 1847, o coronel Virasoro foi eleito governador,
e essa província foi reincorporada à Confederação Argentina.
Não cessava, contudo, a forte campanha anti-rozista dirigida pelos militares. Apesar
de toda essa conspiração, a Argentina permanecia, agora, unida e pacificada, tendo a
possibilidade do seu governo desenvolver-se em paz sob o comando de Rozas. Entretanto, o
perfeito equilíbrio característico do governo de Rozas em todo esse tempo veio a mudar.
Segundo Calógeras, pode-se dizer que em 1848, ano que representou o apogeu de seu poder,
foi marcado também pelo começo da alteração do seu estado moral (p. 566). Nesse mesmo
ano, datam os principais erros de sua política externa. Suas ações começaram a demonstrar o
descaso pela vida humana, o qual pode ser evidenciado, apesar de não se ter provas
concludentes, pelo assassinato de D. Florencio Varella em março de 1848. Da mesma forma,
acusou-se Oribe de vários assassinatos ocorridos em Montevidéu. Isso representou quão
grande eram os rancores partidários.
As conversas seguiam com fervor com objetivo das partes de cessar o bloqueio da
região do Prata. Calógeras ressalva que era de grande valia para os uruguaios o
reconhecimento da autoridade de Oribe como presidente legítimo da República Oriental do
Uruguai, sendo a retirada das tropas argentinas e a anistia geral secundárias no processo
político da região Cisplatina, a fim de equiparar as forças na arena política do cone sul (p.
569).
Já no lado da Confederação, em Buenos Aires, Rozas estava atento aos movimentos
do Império brasileiro, que se preparava para enfrentar a Confederação, mesmo sendo seus
recursos bélicos improvisados “febrilmente”, pois as forças armadas brasileiras ainda não
estavam organizadas a ponto de ostentarem uma guerra declarada (ibid., pp. 570, 578). Além
disso, Rozas, apesar de ser um “bom católico”, resolveu enfraquecer os laços argentinos com
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a Santa Sé, pois suas leis consolidadas e condutas morais cerceavam a liberdade do governo
argentino (ibid., p. 571).
Os acontecimentos na Europa não passaram despercebidos na questão da Cisplatina.
Com a revolução liberal de 1848 na França, Alphonse de Lamartine condenou a intervenção e
a forma como a crise platina se desenrolou, apoiando o procedimento da Argentina em buscar
sair da (suposta) vocação do Império monárquico brasileiro de ser “o gigante da América do
Sul” às custas dos vizinhos. Do outro lado do canal da Mancha, a Inglaterra enviou o
“cavalheiro Henry Southern”, que não foi recebido por Rozas, apesar do caráter de visita
amistosa, uma vez que a Inglaterra não deu satisfações sobre sua interferência contra a
Confederação. Apesar disso, foi ordenado ao representante argentino em Londres que
convidasse grandes empresas britânicas para explorar, por quinze anos, os recursos de “todas
as ilhas e costas da Patagônia” para quitar as dívidas do governo argentino junto a bancos
ingleses por conta de empréstimos que datam de 1824 (ibid., pp. 571- 572).
Estando as potências europeias dispostas a resolver (ou ajudar na resolução)
pacificamente a contenda no Prata, não poderia se dizer o mesmo para o Brasil. A conflituosa
fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai era uma questão ainda controversa, pois
muitos brasileiros cultivavam as terras férteis do pampa uruguaio e do contato concreto de
Oribe com os estancieiros da região, sendo desde 1849 frequentes tais conflitos. Sendo assim,
o Brasil buscou arranjos políticos e alianças para se prevenir do iminente embate com as
forças do “ditador de Buenos Aires”. Dentro dessa ótica de alianças, o Brasil uniu-se às forças
que lutavam contra Rozas e firmou um relevante acordo ofensivo e defensivo com Uruguai e
a província de Entre-Rios, em maio de 1851 (ibid., pp. 573-576).
Vale destacar o cenário de guerra que se esquadrinhava. Em Buenos Aires, a opinião
pública inflamava movimentos (de arruaça) populares em consonância com a diretriz do
congresso argentino de difamar e deturpar o Império brasileiro, expansionista e que galgava
para alcançar a preeminência na América do Sul. Ou seja, o discurso era preparado para jogar
a população argentina contra o Brasil, mas, efetivamente, Rozas não conseguia mobilizar o
plantel de tropas necessário para o combate a porvir. Por outro lado, o Império preparava-se
ativamente para a luta e direcionava os militares de alta patente (com destaque para John
Grenfell a frente da marinha e o conde de Caxias como cérebro das forças aliadas) para suas
funções de liderança à frente dos contingentes a serem mobilizados. Nas palavras de
Calógeras, “no Rio, tudo se preparava para luta” (ibid., pp. 576- 577).
A figura de Urquiza é bastante exposta pelo autor, pois era uma peça do xadrez da
Cisplatina que agia em aliança com o Brasil, mas não era de se confiar plenamente. Isso ficou
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evidenciado quando ele tomou as forças do Uruguai de Oribe, encurralando-o em Montevidéu


e diz que os brasileiros não deveriam intervir entre os argentinos e uruguaios. Considerada
“verdadeira traição” por alguns historiadores, Urquiza ainda queria capitular os argentinos
partidários de Rozas, que residiam em Montevidéu, transformando-os em prisioneiros de
guerra. No entanto, Grenfell foi ardiloso com ele e não permitiu tal atitude “desleal e de má
fé”. Por conta de condutas como estas, muitos oficiais (estima-se 4.000) que lutavam para
Urquiza desertaram e foram lutar por Oribe (ibid., pp. 579-580).
As tropas seguiram avançando e Caxias foi impelido a assumir as rédeas de todas as
frentes de batalha depois das condutas de Urquiza. À medida que conquistavam mais
territórios na Argentina, o desânimo abatia-se nas tropas de Rozas, inclusive em seu líder, que
se via cada vez mais preocupado e temeroso. Desse modo, o número de fugas e deserções
aumentara consideravelmente. Entrementes, Rozas, de fato, tinha uma contingência de 24.000
homens, sendo apenas 2.000 veteranos. As forças da aliança sob a égide de Caxias assomava-
se em mais de 40.000 braços armados e carros de guerra. Essa discrepância de forças fez com
que o conflito acabasse de forma breve, tendo Rozas fugido para a Inglaterra, onde passou os
últimos anos de sua vida (ibid., pp. 585, 588).

Parte III: As fronteiras Norte e Oeste

Paralelamente aos entraves à formação da fronteira Sul, o Brasil enfrentava problemas


também ao Norte. Havia entre França e Brasil o impasse diplomático a respeito dos limites
fronteiriços entre os territórios, rico em recursos minerais e repleto de afluentes de rios
navegáveis da região amazônica. No contexto histórico do início do século XIX, D. João VI
decide pela invasão dos territórios franceses ao norte do Pará em represália às ações imperiais
expansionistas de Napoleão Bonaparte na Europa, que forçou sua vinda para o Brasil
juntamente com boa parte da Corte portuguesa e da Família Real, em 1808. Portanto, em
1809, D. João invade a Guiana Francesa e toma a posse da capital Cayenne, deixando-a sob
seu jugo, até 1817.
Após o arrefecimento da situação, Talleyrand, que assumira a pasta de assuntos
estrangeiros francesa, consegue aprovar nas tratativas de negociações diplomáticas que a
França deveria reaver o controle sobre a Guiana, tal como as “colônias, pescarias, feitorias e
estabelecimentos” que pertenciam aos franceses em 1° de janeiro de 1792. Desse modo, as
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negociações acertadas, que envolviam Portugal, não contaram com a presença lusitana para
defender seus interesses.
Ao final e ao cabo, Portugal foi impelido a restituir à França seus territórios
guianenses até o rio Oiapoque de maneira imediata a partir da mediação inglesa. Contudo,
apesar da evolução das tratativas, o descontentamento de D. João com o imbróglio invocado
pela França e não restituiu Cayenne por desconfiar das intenções dos franceses em não
respeitar os limites estipulados e acertados. A partir disso, Luis XVIII enviou o conde de
Luxemburgo para o Rio de Janeiro para convencer as autoridades portuguesas aqui
erradicadas da necessidade de resolução do caso. Após cinco meses do envio do conde,
Francisco de Brito fora enviado a Paris a encontrar-se com o conde Richelieu, pois o impasse
parecia insolúvel. A mediação da Inglaterra fora requisitada e, mais uma vez, sir Charles
Stuart foi envolvido pela Coroa Britânica para elucidar as questões de política externa do
Império. As negociações continuavam a se arrastar a ponto de Richelieu contestar tal
procrastinação fazendo uma ameaça manifesta para solucionar o caso das fronteiras da Guiana
com revelia de retomar Cayenne com o emprego da força bruta belicosa. Em suma, o que
precisava era definir o quão longe ao Oeste do Oiapoque a fronteira guianense ficava e isso
demandou diversos estudos cartográficos de emissários portugueses e franceses à área (ibid.,
pp. 247-249).
Notadamente, “Cayenne era o centro de invasão francesa na bacia do Amazonas”
desde 1726 e Calógeras evidencia uma série de planos e estratégias traçadas por
desbravadores franceses pela área. Esse era o maior receio de Portugal em relação ao território
brasileiro pouco povoado, de difícil e desconhecido acesso e com limites móveis o tempo
todo. Mesmo a convenção assinada por d. João em 1817 e por Luís XVIII em 1818 não
diminuía a preocupação com a região, ainda mais após a instabilidade na província do Pará ter
exposto a ausência do governo central do Rio de Janeiro para a gerência do estado. “Dessa
exploração resultou maior efervescência na exaltação de Cayenne por se apoderar do
Amazonas”, tendo sido desenvolvido assim, uma política invasora colonial com viés
imperialista pró-França para a conquista da margem setentrional do Amazonas, ou parte dela
(ibid., pp. 250- 252).
Os anos passaram-se e a indefinição quanto à fronteira continuava sem ser resolvida.
O diplomata do Brasil em Paris, Luiz Moutinho de Lima Alvares da Silva, demonstrava uma
inabilidade política inconcebível se tratando da delicadeza do assunto; por diversas vezes, era
enganado pelos franceses. A inércia política referida de Moutinho fez com que fosse
substituído por José Araújo Ribeiro. A guinada veio a partir dos políticos brasileiros no Rio.
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Agora, a procrastinação advinha da França e os brasileiros estavam impacientes com a


demora do conflito diplomático. A postura firme dos políticos trouxe no seu encalço a opinião
pública e difundiu e fomentou massivamente o boicote dos produtos e comércio franceses.
Alguns políticos, como Ferreira de Mello, achavam que Cayenne influía no Pará para se
rebelar contra o Brasil e outros, como Vergueiro e Costa Ferreira, afirmavam que o Brasil
deveria preparar-se para guerrear a França. A pasta de assuntos estrangeiros foi assumida por
Lopes Gama, ciente das argumentações fervorosas que provinham do Parlamento, e edificou
uma postura centrada e equilibrada, aberta ao diálogo com os franceses (ibid., pp. 262-266).
Toda essa reviravolta afetou a inércia na França, e as perdas econômicas alastraram-se
e a crise aprofundava-se; Lopes Gama sabia que, cedo ou tarde, os franceses iriam aceitar
acordar a situação de uma vez por todas. O discurso de Soult agraciou-se, ressaltando-se os
laços de amizade entre as nações e a intenção inquebrantável da França de jamais prejudicar
ou invadir o território nacional brasileiro. A quatro de janeiro de 1840, a França ordenou a
evacuação de todos os seus postos estabelecidos no Amapá, concluída em julho do mesmo
ano, apesar da permanência de franceses no forte Malouet, próximo ao rio Maracá (ibid., pp.
264-267).
Mesmo com todo esse cenário político favorável ao Brasil e necessário para a França
para recuperar a pujança de seus comerciantes aqui erradicados, a fronteira não foi definida e
a questão esfriou-se totalmente, sendo renegada a um segundo plano. A opinião pública e
diversos cartógrafos e intelectuais tratavam a definição de qual, enfim, seria o rio Vicente
Pinzon com dificuldade e a tratativa foi abandonada. A última sustentação brasileira de limite
acabou sendo acatada por costume e a fronteira limítrofe entre o Amapá e a Guiana Francesa
firmou-se no decorrer do fluxo do rio Oiapoque.
Ao mesmo tempo, havia a questão da fronteira entre Brasil e Bolívia. Por muito tempo
as relações entre esses dois países estiveram abaladas por acontecimentos de 1824 e 1825. O
primeiro foi a iniciativa de Carvalho e Mello de convidar os governadores de três províncias
bolivianas – Chiquitos, Santa Cruz de la Sierra e Moxos – a se juntarem ao Brasil. O segundo
foi a ocupação da província de Chiquitos, mesmo que imediatamente restituída (logo que o
governo central tomou conhecimento do procedimento ilegal das autoridades do Mato
Grosso). Além desses dois eventos, Calógeras levanta outros dois pontos geradores de
ressentimentos entre Brasil e Bolívia: a “hostilidade ancestral dos dous povos da Peninsula, e
consequencias também das luctas formadoras da fronteira” e o “sentimento de rivalidade de
um Estado em permanente convulsão revolucionaria, com a estabilidade relativa do regimen
imperial” (ibid., p. 273).
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Esses fatores colaboraram para o consenso boliviano, em 1834, aos planos uruguaios
de formação de uma liga hispano-americana para impor limites ao Brasil. A província
boliviana com uma agitação anti-brasileira mais contundente era, devido aos eventos
destacados, Chiquitos, que em 1836 e 1837 descumpriu acertos territoriais feitos entre Bolívia
e Brasil.
No entanto, em 1838, o ministro de estrangeiros da Bolívia, Maciel Monteiro, aceitou
negociar com o diplomata brasileiro Duarte da Ponte Ribeiro questões territoriais, a fim de
encerrar as querelas entre os países vizinhos, o que foi realizado com sucesso.
A questão da fronteira boliviana fomentou o debate sobre a necessidade – e a
dificuldade – de se fixar as fronteiras do Império, ainda mais diante de questões territoriais
que geraram problemas com a Guiana francesa, ao Norte, com a própria Bolívia, a Oeste, e a
questão do Uruguai, ao Sul. Uma das principais dificuldades para a proposta de definição de
fronteiras era o fato de haver diversos pontos de conflito entre o Império e os vizinhos, ou
mesmo rebeldes nacionais, que Calógeras pontua: “Rio-Grande e Banda Oriental, Corrientes,
Entre-Rios, e Buenos Aires” (ibid., p. 275). Os conflitos do Sul chegaram a afetar, inclusive,
os acertos entre Brasil e Bolívia: o plenipotenciário que negociaria os termos do tratado
definitivo de limites entre Brasil e Bolívia, em 1838, não chegara a este país, vindo de Buenos
Aires, o que, para Maciel Monteiro, impediu o início de tais negociações. O resultado, nas
palavras de Calógeras, foi que “continuou aberta a fronteira, sem demarcação, desde o
Oceano até ao Javary” (ibid., p. 276), acrescentando que a Maioridade encontrou problemas
neste estado.
Além das querelas fronteiriças com a Bolívia e na região do Oiapoque, Calógeras
também aborda o que chamou de “única derrota sofrida pelo Brasil na fixação de seus limites,
quando proclamada a República” (ibid., p. 277): a sua fronteira norte, com a Guiana, que, de
todos os casos controversos na fixação de seus limites, era justamente o que menos parecia ser
fonte de imbróglio.
A disputa pela região da Guiana era histórica, havendo relatos de entrada portuguesa
no território em 1619. Com isso, antes da referida área fronteiriça ser colocada em litígio pelo
governo inglês, a totalidade dos países que já haviam se manifestado em relação a região
nunca contestou o domínio português. Espanha, Holanda, França, Colômbia e Venezuela
sempre entenderam que a região do Pirará e a oeste do Rapununi pertenciam a Portugal.
Inclusive a Inglaterra, “que mais tarde reclamaria, era das primeiras a respeitar os títulos de
posse de Portugal e depois do Brasil, seu sucessor.” (ibid., p. 279).
Vale salientar que existem
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quatro períodos bem definidos em relação ao domínio inglês na região da Guiana.


De 1781 a 1782, fase transitória durante a guerra generalizada decorrente da
Independência dos Estados Unidos, e que teve fim através do Tratado de Versalhes
de 1793. A partir de 1796 até 1802 foi consequência da luta contra a França e seus
aliados, terminada pela paz de Amiens. A terceira foi a ocupação militar de 1803 a
1804 e a quarta desta data em diante, com a ocupação definitiva após a derrota de
Napoleão, com a entrega definitiva por parte da Holanda das regiões de Demerara,
Essequibo e Berdice. (ibid., p. 280).

Até 1840, era completa e unânime por parte dos outros países o reconhecimento sobre
a posse do Brasil em relação à região litigiosa, devido a documentos e atos públicos dos
governos. Após essa data, com a conclusão da expedição do prussiano Roberto Schomburgk,
a Inglaterra passa a pleitear a posse da região. O que chama a atenção nesse fato é que durante
a primeira parte da expedição de Schomburgk, até 1938, sua opinião era que a região do
Pirará e a região leste do Rio Rapununi eram possessões portuguesas. Desse momento em
diante começa a evolução das ideais. Baseado, por ignorância, no princípio do res nullius, que
em tradução literal significa “coisa de ninguém”, desconhecia completamente os antecedentes
históricos e geográficos da região.
A missão exploratória começou a causar certo embaraço junto às autoridades
brasileiras, que começou a perceber a intenção inglesa de ocupar uma região. A pretensão
inglesa era tamanha que “aliciavam” tribos independentes a não se submeterem a autoridade
brasileira.
Em 1841, por conta da expulsão de um missionário inglês que aliciava os índios,
houve uma expedição inglesa, que exigia a expulsão do destacamento brasileiro na região do
Pirará, que a coroa inglesa já entendia como região de sua jurisdição. Apesar do intenso
contato diplomático entre as duas nações, o Brasil não conseguiu fazer valer a sua soberania
na região que, afastada dos grandes centros, não era de tanta importância como outras e “a
primeira providência era evitar um conflito, que poderia criar situações irreparáveis, entre
duas nações de recursos inteiramente desproporcionais.” (ibid., p. 297). Isso fica bastante
evidente pela postura aquiescente do governo imperial brasileiro, face às violações de
territórios sofridas na região contestada, evitando, assim, qualquer tipo de conflito com os
invasores. Ao Brasil restava apenas protestar junto às autoridades inglesas.
Calógeras (1989) critica a postura inglesa que, de maneira irredutível, fazia valer seus
interesses (tendo, no mesmo período, por exemplo, bloqueado o porto de Buenos Aires para
forçar uma trégua entre a Argentina e o Uruguai):

O Brasil ainda em plena guerra civil no Sul e saindo apenas revoltas da Cabanagem,
Balaida e Sabinada; pobre e fraco, quase deserto, tinha de resistir a Grã-Bretanha,
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prepotente e audaz, rainha dos oceanos, senhora de bloquear seus portos, e assim
extinguir a vida econômica do país, a mais forte e temida nação da Europa. Num
ponto apenas, lhe era superior o Império americano, no direito dominical da região
que ia ser invadida. (p. 298).
Para o Brasil, a situação ainda se agravava mais, pois através da moderação em sua
política, tentava alcançar seu interesse na região, porém mantendo íntimas relações com o
Império britânico, que era o seu principal parceiro econômico e financiador. Mesmo entre
autoridades inglesas restava certa parcela de dúvida sobre o direito a posse da região. Apesar
da intensa troca diplomática e dos insistentes protestos brasileiros, nada impediu a coroa
britânica de ocupar militarmente a região litigiosa para fazer cumprir seus interesses na
região. Posteriormente outros territórios foram inclusos na questão litigiosa, como Contigo e
Tacutú, e, para evitar uma retaliação britânica, foi sendo aceito pelo Brasil. No final das
contas, com todos os insistentes protestos brasileiros, foi criada uma zona de neutralidade,
onde os dois países tentavam ajustar os marcos fronteiriços: a Inglaterra, para fazer valer sua
vontade e o Império americano, sedento por território, para manter sua ocupação histórica da
região.
Todos esses fatos vieram à tona após a solicitação por parte da república brasileira da
arbitragem do Rei da Itália, já no início do século XX, para a resolução dessa questão
fronteiriça. Visto que o Brasil não teve a sua solicitação acatada, isso foi considerado a maior
derrota brasileira na delimitação fronteiriça.

Parte IV: Finanças e estabilização política – a questão da mão de


obra, os tratados de comércio e D. Pedro II

CAP 11

Convém a tratar a grande herança brasileira da era colonial;questão essa que tem
profundas implicações para o Império, tanto no que tange ao se aspecto interno quanto na
condução da politica exterior do Brasil no século de XIX. Assim, o tráfico de escravos e a
escravidão se tornou quase que uma verdadeira saga na política brasileira, que acaba por
deixar de ser uma manha terrivel na história brasileira, sobretudo pela maneira como o
processo foi conduzido. Pandiá faz assim uma análise do de algumas questões que cercaram o
processo de abolição do tráfico de escravos e suas implicações, muito embora a própria
questão da escravidão fique no segundo. Não só se percebe que as críticas do período a
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escravidão ficavam mais em segundo plano diante do problema principal que se entendia
como o tráfico negreiro em si, mas como também o próprio Calógeras demonstra maior
espírito crítico para com o próprio tráfico.

Não obstante, primeiramente é mister destacar que os interesses econômicos refletiam


na vida dos partidos, pois poucos eram aqueles que se opunham ao sentimento geral
escravocrata. Pequeno número faziam aqueles que queriam abolir o trabalho servil, montando
assim a conjuntura de todo o século XIX; por mais que tivessem, de fato, havido inciativas no
sentido da abolição nas câmaras, muitas vezes até abraça pelo governo, mas travada pela
hostilidade da classe agrícola. Do outro lado, também existia uma Inglaterra altamente
empenhada em acabar com o tráfico negreiro, nem que para isso fosse necessário em muitos
casos utilizar mão de sua força marítima para implementar ações ostensivas contra o mesmo;
ações tais que na visão de Calógeras constituíram uma inabilidade política, pois, diante de
uma luta política entre liberais e a oposição passiva da massa fazendeira, conseguiu travestir a
defesa do tráfico de cores patrióticas.
Paralelamente a empreitada para se acabar com tráfico negreiro, surgia uma outra
importante questão. Estava a questão da escravidão em pleno foco de todas visões, tanto a
política, na medida que as pressões inglesas só cresciam e que se tentava com uma frequência
surpreendente para quem lê o autor implementar medidas ora mais felizes, ora menos de lidar
de forma positiva com a situação no sentido de extinguir o tráfico; como também,
principalmente, econômicas, justamente por ser a base da produção. Dessa maneira, além da
própria importância da extição do tráfico entrava na pauta do dia a projeção de como seria
uma nova economia com a produção pautada no trabalho livre. A solução encontrada foi os
inúmeros incentivos a imigração( de colonos brancos estrangeiros), para suprir a falta de
braços que poderia vir a se avizinhar. Ainda sim, por mais que se pudesse suplantar a
importação de africanos, Calógeras aponta que este seria uma elemento ao lado da fazenda de
escravos.
No ritmo que ia o tráfico de escravos, com um grande incentivo de traficantes
portugueses e espanhóis, o Brasil acabaria por alcançar o nível da própria Costa da África.
Dessa maneira, destaca-se em 1950 a Lei Eusébio de Queirós, responsável pela abolição do
tráfico de escravos interatlântico, resultado de muitas inciativas da legilatura brasileira, por
mais que lentas, muitas vezes infrutíferas e impulsionadas com um forte incentivo das
pressões inglesas em direção a que o Brasil reagisse e evitasse maiores contrangimentos e
abolisse por si só em um ato soberano. Ao mesmo tempo, iniciava-se no Brasil, a partir do
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sistema Vergueiro o trabalho por parceria, responsável por na década de 50 impulsionar a


imigração em São Paulo. A transição começava a se observar na política brasileira, com
convivência do elemento do trabalho livre com o servil. Foi justamente tal sistema eliminou o
braço escravo da grande cultura de São Paulo.
No entanto, não obstante o cenário que congregava a lenta introdução do trabalho livre
na política Imperial após intensas disputas diplomáticas e crises internacionais com a própria
Inglaterra, fazendo tristemente da própria escravidão e manutenção do modus operandi da
economia brasileira a uma das grandes guias da política externa brasileira, é importante
ressaltar que o tráfico de escravos acabou por não se reduzir. O incentivo a escravidão
continou, mesmo que por um viés ilegal. O fato curioso é que o elemento predominante do
comércio de escravos não foi propriamente brasileiro, mas sim português. A grande luta
contra a abolição do tráfico partiu sempre gente e capitães portugueses; seja na Europa ou no
Brasil, um dos fortes elementos de resistência além de grande parte da elite cafeicultora
brasileira no Vale do Paraíba foi ainda Portugal. Aí residiam ainda a alma da resistência a
abolição e ao cumprimento da abolição ao tráfico de escravos. O problema da escravidão
permanecia.
Pode-se dizer que o Tratado de Aliança, Comércio e Amizade de 1827 renovou, na
prática, as vantagens Inglesas obtidas com o tratado de 1810. Contudo, o mesmo desagradava
profundamente o jovem Império brasileiro que via no tratado uma série de cláusulas
desvantajosas para o país como um todo. Em relação à questão política, percebe-se a
resistência inglesa na aceitação da reforma do Código do Processo Criminal; a mesma não
aceitou a substituição do juiz conservador da nação Britânica e nem o julgamento dos
cidadãos ingleses e suas respectivas causas cíveis e crimes pelos novos juízes de direito do
império brasileiro, evidenciando a desigualdade política e a afronta à soberania nacional, por
parte do governo inglês. Isto é consequência, em parte, da agressiva postura da política
exterior inglesa no governo de Palmerton e Abeerden. Esta brutalidade se deve, segundo
Calógeras, a “posição preponderante do reino unido tanto no mundo financeiro, quanto nas
forças armadas; no prestígio de sua política [...]” (p. 374).
Entretanto, o tratado possuía em sua natureza econômica as desvantagens mais
prementes. O artigo 19 fixava em 15% os direitos a pagar pela importação de mercadorias
inglesas, prejudicando as finanças brasileiras com a redução das receitas das tarifas. Além
disso, o artigo 22 limitava o mercado de consumo, ao favorecer, i.e. açúcar e o café, em
detrimento do similar nacional. A “prepotência inglesa” na elaboração do tratado levou o
governo brasileiro a empreender uma negociação, de modo a modificar algumas cláusulas
34

injustas do referido tratado, primeiro com o auxílio do Dr. José Araujo Ribeiro e
subsequentemente com o Marquês de Barbacena.
Com o fracasso da negociação empreendida por Dr. Ribeiro, Barbacena fora
incumbido de obter a revogação do antigo artigo 19 e a sua consequente substituição em um
novo artigo, em que fossem levados em consideração os direitos de importação de
mercadorias de luxo, vinhos, dentre outros. Contudo, as recomendações evidenciavam a falta
de entendimento, por parte do governo brasileiro, do tratado: “Os 15% referem-se só aos
gêneros de producção, ou manufactura ingleza: ora, não sendo os vinhos, aguardentes, azeites
e vinagres, de producção ingleza, é claro que podemos argumentar os direitos sobe taes
gêneros sem licença ingleza.” (ibid., p. 376). A falsa persuasão do governo brasileiro, que
dava ao tratado uma extensão inexistente, levou a Grã-Bretanha a querer uma compensação
por uma concessão que nunca existiu de fato, como: a permanência da tarifa de 15% sobre os
gêneros principais e manufaturas e a prorrogação do tratado por mais 10 anos. A posição
brasileira, seguindo conselho de Barbacena, foi a de não concordância com os termos
impostos, combatendo ao menos o regime de nação mais favorecida da Inglaterra.
O autor, ao prosseguir em sua análise, mostra a relutância da Câmara em aceitar a
renovação desse e de possíveis outros tratados no sistema que se convencionou chamar a
política injusta de tratados. Posteriormente, em 1836, o tratado de comércio e navegação feito
com Portugal chega à Câmara. Miguel Calmon, da Comissão de diplomacia, deu parecer
favorável ao tratado, afirmando que o mesmo abria “um mercado novo de três milhões de
consumidores aos nossos productos, que pagariam um terço a menos dos direitos aduaneiros,
a troco de egual concessão feita aos productos portuguezes no Brasil.” (ibid., p. 380). Porém,
em virtude da hostilidade existente no meio brasileiro contra portugueses e da própria questão
da renovação do tratado de 1827 com a Inglaterra, o mesmo acabou sendo reprovado na
Câmara.
A reprovação do referido tratado deixa, portanto, claro que o legislativo não estava
disposto a renovar os tratados comerciais, salvo as cláusulas referentes à paz e amizade. Isto
levou a promoção da Independência tributária brasileira nos anos posteriores, em especial, na
regência. Os tratados que prosseguiram foram os artigos perpétuos do texto franco-brasileiro e
os convênios com a Inglaterra de 1826 sobre a extinção do trafico e o de 1827 sobre o
comércio e navegação. A efetivação da recusa à concessão de novos tratados demonstra,
portanto, a nova postura externa do país, após anos de dependência econômica em relação à
política de tratados advinda da independência.
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Assim, o autor dá prosseguimento à narrativa falando um pouco da história de D.


Pedro II, ressaltando fatos como a morte de sua mãe e a abdicação de seu pai, fatos que
fizeram dele imperador desde os cinco anos de idade.
Sua criação era toda pensada na formação do “homem de bem”, segundo Calógeras,
que se tornaria chefe de Estado. Marianna, sua aia, teve papel análogo ao materno,
fundamental na criação de D. Pedro II. Ensinou ao imperador ainda menino noções de leitura,
princípios morais e como o futuro imperador deveria governar para a nação e não para ele
próprio. Aos dezoito anos, em 1843, D. Pedro II recebeu sua noiva em território brasileiro.
Sua figura não agradava a D. Pedro, que só a conhecera por uma pintura antes de sua chegada.
Contudo, seu casamento com Thereza Christina fazia parte de um casamento dinástico, logo,
pensando em seu papel como imperador, D. Pedro II, apesar de se sentir ludibriado, deu
prosseguimento a seu casamento.
José Bonifácio de Andrada e Silva, aos 68 anos, foi escolhido como tutor de D. Pedro
II. Era um homem com bastante vivência política, mas que não possuía qualidades ternas de
tutor. Foi, então, substituído pelo marquês de Itanhaem, Manoel Ignácio de Andrade Souto
Maior Pinto Coelho. Esse último se dedicou exclusivamente a sua função de tutor. Também
participou da criação de D. Pedro II frei Pedro de Santa-Marianna. Foram diversos os
instrutores de D. Pedro II, que lhe ensinaram de belas artes a esgrima. Contudo, o autor cita
que dois indivíduos não deveriam ter participado da formação do imperados: D. João VI e D.
Pedro I. A justificativa a essa afirmação no que diz respeito a D. João VI faz referências aos
comportamentos dele os quais iam de encontro a ideia de que “devia-se ao imperados ensinar
a iniciativa pessoal, e incutir o horror ao predomínio de ministros (…) imprescindível era
saber dominar-se, ter calma, possuir espírito de decisão” (ibid. 394). Quanto a D. Pedro I,
Calógeras relata que “devia sempre ser o chefe, acatado e obedecido, superior a todos,
mantendo o prestígio e a dignidade do cargo suprem, e não tolerando familiaridades que
infringissem os privilégios sagrados, que recebera em depósito sagrado” (ibid. 394). A crítica
aos dois é clara e direta.
Todo o processo de instrução de D. Pedro II acabou gerando um imperador com
diretrizes mais nacionais. Com a outorga da constituição estabeleceu-se uma ordem que trazia
a subordinação à assembleia, ao povo; assim, o imperador era um funcionário público que
deveria ser fiscalizado e prestar contas. Apesar de negar o poder com o divino, uma
característica fortemente relacionada ao monarca, é o cristianismo: “a supremacia da religião
e seu acordo com a política (…) a necessidade e o mútuo perdão, ensinados pelo Cristianismo
perfeito” (ibid. 397).
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Dos problemas que havia do Brasil independente, D. Pedro II encontrara resolvidos a


independência, a monarquia e a unidade nacional – os ânimos encontravam-se mais calmos
tanto ao norte quanto ao sul do país e o Brasil havia adquirido respeito e amizade às nações
vizinhas. Relativo ao problema da escravidão, Calógeras relata que D. Pedro II era “entusiasta
da causa humana” e que tentava de maneira contínua resolver o problema do tráfico. Contudo,
como diz o autor, era um trabalho com muitas dificuldades, “trabalho (…) de gota d'água a
furar a pedra” (ibid. 402).
A Carta Constitucional de 1824 foi escrita tendo como base a ideia de Benjamin
Constant. Segundo essa linha de pensamento o poder público está apoiado em três pilares: o
executivo, o judiciário e o legislativo. Além desses três, também haveria um outro órgão que
serviria para harmonizar as três forças políticas – um poder moderador. O poder moderador
no Brasil durou de 1824 a 1889 e o autor não mede elogios ao modelo.
O autor destaca ainda que a oposição dentro do país começou a crescer e com isso
houve a decomposição da monarquia – o poder moderador apesar de constitucional, dava a
impressão de que o imperador absorvia aos demais poderes. Gerou-se, então, uma oposição
composta foi liberais e republicanos. Segundo a proposta dos liberais, seria seguido o modelo
inglês: o poder moderador deveria ser transferido, quase integralmente para o presidente do
conselho de ministros, governado de acordo com o parlamento. Já segundo os republicanos,
deveria ser consolidada e fortalecida a autoridade pessoal do chefe do poder executivo. Dessa
maneira, organizou-se o governo presidencial.
Calógeras termina o capítulo reafirmando seus elogios ufanistas à D. Pedro II. Todos
os esforços na direção de fazer de D. Pedro II um bom governante, segundo o autor,
começaram a demonstrar resultados três anos antes do prazo legal de maioridade. Era pontual,
justo, separava bem a vida pessoal da vida pública, admitia poucos amigos aos círculos mais
íntimos, conservava contato com os mestres de sua infância. Mantinha sempre sua posição de
imperador. Com o Golpe da Maioridade, portanto, D. Pedro II já se mostrava maduro e afeito
aos assuntos do Estado Brasileiro, um verdadeiro Imperador que poderia restaurar a ordem e
estabilidade no conturbado império brasileiro.
Apesar de ver a situação criada pela Maioridade como algo “essencialmente, na
origem e no modo de realização, paradoxal, contraditória e ilógica” (p. 419), Calógeras
acreditava que esta manobra, mesmo contra a Constituição, era vista à época como a única
forma de tentar manter a ordem no Império. Nesse sentido, mostra como era um ponto
convergente entre conservadores e liberais a necessidade de dar fim ao conturbado período
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das regências, que se tornara “um ministério de família, com os dois irmãos Andrada, e os
dois irmãos Cavalcanti” (p. 419).
Além disso, o autor afirma que não só a Maioridade, mas também a conquista da paz
eram os elementos fundamentais para a manutenção do Império. Em suas palavras “(...) a
salvação da Independência, da unidade e da monarquia dependia do restabelecimento da
autoridade, da pacificação dos espíritos tanto quanto da tranquilidade material, da confiança
pública nos homens incumbidos pelos próprios fatos de executar tal programa (ibid., p. 418)”.
Isso era visto em um contexto de conflitos nos diferentes cantos do Brasil independente.
Fossem conflito separatistas, por questões de fronteira ou até mesmo de cunho absolutistas, é
importante considerar que os embates entre as forças do Império e seus inimigos era visto
como algo que poderia enfraquecer a unidade do Império. Havia, portanto, um medo latente
na elite política imperial de que acontecesse com o Brasil o mesmo que acontecera com os
vizinhos, caudilhistas: a fragmentação territorial e política, além do abandono da monarquia
em prol da república.
Um dos conflitos mais importantes da época era o que acontecia no Rio Grande do
Sul, onde os farrapos buscavam separar sua província do Império, transformando-a em uma
república independente. Temia-se que a rebelião do sul tivesse ligações com o caudilhismo
platino, e defendia-se que deveria haver guerra para manter a província sulista como parte do
Império brasileiro. Apesar disso, Calógeras destaca que, mesmo que o Império analisasse suas
condições militares para dissolver o movimento, procurava-se oferecer uma reintegração
daquela província ao Império por meios pacíficos, sem derramamento de sangue, apelando,
por exemplo, ao sentimento nacional.

No entanto, a república chegou a ser proclamada por um dos líderes do movimento,


Bento Gonçalves, em Piratinim. A república nascente procurou, então, manter relações
diplomáticas com os países vizinhos, conseguindo, no entanto, apenas o apoio do Uruguai
caudilhista. Diante dessa situação, o governo central do Império mandou forças militares ao
Rio Grande do Sul, para acabar com a insurreição farroupilha e reaver aquela região.
Paralelamente, acontecia um movimento semelhante em Santa Catarina. Em Laguna, foi
proclamada por David Canabarro uma república democrática, que chegou a eleger alguns
representantes. No entanto, a república catarinense durou pouco: em cerca de cinco meses, as
forças imperiais reconquistaram a cidade de Laguna, pondo fim ao movimento.
Pandiá Calógeras segue mostrando como se desenvolveu a guerra entre as forças
legais e as rebeldes, tanto no aspecto militar quanto no político, mostrando, ainda,
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movimentações políticas que ocorriam em paralelo às movimentações táticas de batalha.


Jamais esmorecidos, o governo central nomeou para comandar as ações no sul “o marechal
Soares de Andréa, que acabava de pacificar as províncias do Pará e de Santa Catarina” (p.
430), que teve papel político importante: não sendo liberal – visão predominante no governo
de então –, teria dificuldades políticas para agir, principalmente quando se considera que este
militar comungava das ideias do controverso regente Araújo Lima; sua situação ficou ainda
mais difícil quando, em 1840, foi proclamada a maioridade de D. Pedro II. Ainda nesse
contexto, Calógeras levanta pontos pertinentes:
Desde a renúncia e abdicação de D. Pedro I, o Brasil vivia sobressaltado pelas
tentativas, quase todas malogradas, de quantos haviam sido beneficiados pelo
regime absolutista que a regência visara corrigir e extinguir. De Norte a Sul, as
desordens eram frequentes sob pretextos vários. (p. 431)

Foram tais “desordens” – com destaque à cabanada, no Pará – que fizeram o nome de
Soares de Andréa: com mãos de ferro, comandou o esmagamento de diversos movimentos
locais, o que o tornou o escolhido do regente Feijó para a missão de pacificar o Sul. O país
precisava ser reanimado, em termos imperiais, visto que além do movimento farroupilha,
outros abalavam a unidade do Império. Entre estes movimentos, Calógeras destaca a balaiada
que, em 1839, foi um famoso, cruel e sangrento episódio da história brasileira. Este episódio
terminou, em 1840, com o surgimento do coronel Luiz Alves de Lima e Silva, responsável
pelo massacre dos insurgentes da balaiada, o que lhe garantiu a conquista do título de barão de
Caxias – chegando, em 1870, após vitórias no Paraguai, ao título de Duque de Caxias.

Havia uma relação direta entre as posições políticas no Rio de Janeiro e a maneira
como seria trabalhado o conflito no Sul. As divergências em relação à Maioridade existiam,
sob outra forma, também quanto à maneira de resolver o problema no Sul: enquanto os irmãos
Andradas eram favoráveis a negociações com os rebeldes, Aureliano de Sousa Coutinho
acreditava na vitória pelas armas – posição seguida pelo jovem imperador. As inúmeras
discordâncias entre os setores liberais e conservadores do Congresso levaram a sérios
problemas neste, inclusive a formação de um movimento de oposição que criou um conselho
de Estado. Este conselho, que tinha como um de seus líderes o ex-regente Diogo Feijó, foi um
dos pontos de inflamação que o Império precisava controlar. Essas querelas políticas
perturbaram a ordem tanto em São Paulo quanto em Minas Gerais, e trouxeram de volta a
figura do barão de Caxias que, entre os sucessos no Maranhão e a missão no Sul, fui o
encarregado de conter as manifestações em SP e MG.
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Com os esforços de Caxias e de outros importantes oficiais do exército imperial, as


forças revoltosas do Sul foram decompostas. O fim progressivo do movimento farroupilha se
deu através de pressões de diferentes colunas do exército, que pressionavam os rebeldes e, em
dado momento, passaram a ver insurgentes mudando de lado. Além disso, Calógeras enfatiza
a ação “piedosa” de Caxias, que oferecia anistia aos insurretos e “estendia a mão” ao antigo
adversário, além de manter um respeito aos derrotados mesmo após o fim das batalhas, com a
vitória do lado Imperial já indiscutível.
Ao longo de 1845, desenvolveu-se o processo de pacificação. Em primeiro lugar,
houve, por parte dos revoltosos derrotados, uma tentativa de barganhar algum reconhecimento
da revolução – o status de estado federado ao Império à república sulista –, especialmente
junto aos liberais do Rio de Janeiro, na expectativa de terem apoio destes, que foram também
derrotados em suas lutas, em São Paulo e Minas Gerais. A 25 de fevereiro desse ano, foi então
assinada entre Caxias e os revoltosos, a capitulação, contando com os seguintes termos:
Seria concedida anistia geral e plena a todos os implicados na revolução; seria
concedida isenção do serviço militar e da guarda nacional a quantos houvessem
servido a revolução; gosariam os chefes rebeldes das honras de seus postos;
pertenceriam ao estado os escravos, que haviam servido no exército da república, e
seu valor seria por esta indenizado aos seus antigos senhores. (pp. 454-455)

Apesar de a reconciliação ter sido efetivada, as batalhas no Sul plantaram as sementes


do que mais tarde floresceu como mais guerras no Sul.
Finalmente, mesmo com a pacificação e com a convergência de liberais e
conservadores em direção à maioridade, as diferenças entre esses grupos levaram à revolução
praieira que, mesmo com grandes números de mortos e feridos, a última deflagração mais
nítida de conflito no Império, inaugurando, em 1848, um período de solene paz no Império
que perdurou até a queda deste regime, com a proclamação da república, em 1889.

Referências

BETHELL, Leslie. (Org.). “História da América Latina Vol. III: da independência a


1870”. São Paulo, Edusp, 2001.
CALÓGERAS, João Pandiá. “A política exterior do Império”. Brasília, FUNAG,
1989. Volume 3
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