Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO GERAL DO DIREITO COMERCIAL
(MATERIAL DE APOIO PARA ESTUDO INDIVIDUAL)
1
CAPITULO I
INTRODUÇÃO GERAL DO DIREITO COMERCIAL
Por comércio, segundo a teoria economica, é uma actividade de mediação entre a produção e o
consumo dos bens, que consiste basicamente na compra e revenda das mercadorias e operações
acessórias com o objectivo de obtenção de lucros e correndo o inerente risco e situa-se no sector
1
Vasconcelos, Pedro Pais de, Direito Comercial, Vol. I, Almedina 2011, pág. 13
2
Gameiro, António Ribeiro e outro, Introdução e Teoria Geral do Direito, Vol. I, Edições Cosmos, 2014,
pág. 247.
2
terceriário e nesta perspectiva, temos, basicamente, dois entedimentos, i) o sentido
económico do conceito comércio e ii) o sentido jurídico do conceito comércio:
Na acepção mais ampla, o comércio é uma actividade humana que põe em circulação a riqueza
produzida, aumentando-lhe a utilidade.
No concernente ao sentido jurídico: o comercio traduz-se num complexo, isto é, conjunto de actos
e/ou de operações de intetermediação entre o produtor e o consumidor que, exercidos habitualmente,
com intuito de lucro, realizam, promovem ou facilitam a circulação dos produtos da natureza e da
indústria, para tornar mais fácil e pronta a procura e a oferta.
O Direito Comercial tem uma raiz histórica muito clara que influencia fortemente a sua
feição, a sua natureza, o seu conteúdo, os princípios que o regem e que o caracterizam e até
o seu sentido, isto significa, que o mesmo, como hoje existe é um produto histórico, fruto
de várias circunstâncias da história da Europa e da sua evolução, o que levou ao seu
surgimento e se desenvolveu, ampliando o seu âmbito, tendo ganho um carácter próprio e
hoje é uma realidade indesmentível de uma enorme importância e relevância jurídica,
social e económica, sendo que as sociedades liberais e democráticas actuais não prescindem
dele3.
3
Vasconcelos, Pedro Pais de, Direito Comercial, Vol. I, pág. 13.
3
- Especulaçâo: operação de resultados incertos e arriscados de grande vantagem se for
bem-sucedida que se traduz na procura de vantagens próprias.
- Lucro: É o retorno positivo de um investimento, que se traduz na diferença entre
receita total e todos os custos. Portanto, o retorno ao proprietário do capital social, dinheiro
ou títulos investidos, isto é, renda económico. No comércio, não se trata somente a sua
efectiva ocorrência mas, sobretudo, seu intuito, sua busca, seu fim, é que deve ser a
característica a ser identificada na actividade mercantil. Isso vale dizer, que a simples
aproximação entre produtor e consumidor, sem lucratividade do intermediário, não é
entendida como actividade comercial.
2.1. ANTIGUIDADE
São escassos os elementos legados sobre regras comerciais no Mundo Antigo. No Código
de Hamurabi (Babilónia 1700 a.C.) existem algumas normas dispersas (espalhadas) sobre
alguns contratos, como a sociedade, o empréstimo a juros, o depósito, a comissão.
Nos Romanos, a pesar não criaram regras específicas de actividade comercial, tendo
incorporado no jus civile, as normas sobre o comércio, foi o caso da representação, da
sociedade, do empréstimo, do penhor, da “venditio bonorum” que deu a origen o instituto
de falência e das operações de crédito, que eran praticadas pelos argentarii, os banqueiros
da época.
O Jus Civile, isto é, o Direito Civil era o ordenamento jurídico construido por uma
sociedade baseada na agricultura e na propriedade da terra e, portanto, na conservação e
fruição estável dos bens. As actividades de comércio e artesanato, imbuídas de espirito de risco, de
especulação, de circulação de riquezas, surgiram como corpos estranhos e eran encaradas como
meramente adventícias, isto é, “algo má” em relação à estrutura fundamental da economia
romana.
Em todo caso, a pesar de ser algo meramente adventício, a influência do comércio atenuou
o formalismo primitivo do Direito Civil romano (Jus Civile), levando a admissão de
contratos convencionais (compra-venda) e inspirou o aparecimento do “jus gentium”, isto é,
regras jurídicas não privativas dos cidadãos romanos.
4
Ferrer Correia, “Lições...”, I, pág. 8 e ss.; Ripert--‐Riblot, “Traité...”, I, pág. 10 e ss.; Chartier, “Droit des
Affaires”, I, pág. 2 e ss.; J.G. Pinto Coelho, “Lições de Direito Comercial”,
2ª ed., Lisboa, 1945, vol. 1º, p. 2 e ss.; F. Galgano,
4
CONCLUSÃO:
Após a crise do sistema feudal, a aplicação dessas regras competia aos respectivos
magistrados, que simultáneamente era autoridades político-administrativos e judiciais, os
“consules mercatorum”, que competiam desenvolver e especificar o conteúdo, como
interpretar os regulamentos das corporações dos comerciantes.
É assim que, surge o Direito Comercial, cujas fontes são o direito corporativo dos
comerciantes, isto é, regulamentos da profissão onde se sedimenta usos mercantis.
5
Toda esta actividade normativa desenvolveu-se mais com o impulso dos Descobrimentos,
que a partir do sec. XVI, activaram o comércio marítimo, expandindo-o progresivamente a
todos os mares e continentes, e deste modo contribuiram decisivamente para a evolução
das regras e instituições a ele ligadas.
Foi, assim, no decorrer da Idade Média que se originaram a maior parte dos institutos do
Direito Comercial moderno, tais como os traços essenciais das operações de banco, da letra
de câmbio, da falencia (bancarrota), a contabilidade de partidas dobradas, da sociedade nas
suas molidades originais (sociedade em nome colectivo com a responsabilidade ilimitada e
solidária dos sócios, a comandita-comenda, forma de conceber crédito iludindo a proibição
canónica do juro.
CONCLUSÃO:
Este “Jus Mercatorum” aplica-se a todas as relações jurídicas dos comerciantes, quer entre
eles, quer com elementos de outras clases (eclesiásticos, nobres, militares, agricultores,
estrangeiros, prevalecendo sobre o direito canónico e o direitto civil (jus civile). Torna um
Direito Especial e Autónomo do direito civil que se caracterizava como um Direito:
a) subjectivista;
b) corporativo;
c) cconsuetudinário pelas suas origens, fortemente baseado nos costumes;
d) internacionalista.
Na Idade Moderna, as corporações perdem importância face à afirmação crescente do poder Real,
sendo o direito mercantil corporativo medievel pouco a pouco substituido por perceitos de origem real
(Monarca), mantendo o teu carácter subjectivista, tendo sempre como fulcro as actividades dos
comerciantes, cujas corporações continuaram ainda bastante tempo a desempenhar importante papel
de organização e defesa da classe.
O Direito Comercial passa a ser um direito de fonte estadual e com a sua matriz nacional, e atenua-
se o seu internacionalismo. Assim sucedeu em vários da Europa, incluindo o Portugal, onde
as corporações subsistiram até ao séc. XIX, ao mesmo tempo que os governantes dedicaram
cuidada atenção às resolução dos litigios surgidos nas questões comerciais. Foram criadas
duas compilações com normas mercantis, isto é, as duas ordenações de Luís XIV
promulgadas por Colbert:
- 1673 sobre comércio terrestre;
- 1681 sobre comércio marítimo.
Estes dois ordenações constituiram os primeiros esboços daquilo que mais tarde viriam a
ser as codificações da Idade Contemporânea.
6
Foi nesta época histórica que trouxe consigo a criação, no séc. XVII, das primeiras
sociedades anónimas – companhias magestáticas destinadas à exploração do comércio e dos
recursos ultramarinos, pronunciadoras de uma transformação global das concepções e
realidades.
Conforme se faz referência acima, optou-se numa concepção objectivista que influenciou
alguns países, a título de exemplos, dos Códigos Comerciais da França de 1807, da Espanha
de 1886, da Italia, os de 1842, 1865 e de 1882, e de Portugal, do ano de 1833, tendo
culminado em 1888 e que entrou em vigor em Janeiro de 1889, que vigora até hoje,
incluindo no ordenamento jurídico angolano com algumas adapações, nos termos do n.º
3, do artigo 6.º, da Constituição da República de Angola.5
Passou, por isso, a ficar submetido ao Direito Comercial um conjunto amplo de actividades
económicas, sendo todavía dele excluídas algumas, como a agricultura, o artesanato, as
profissões liberáis, que se considerou não terem um carácter especulativo, terem objecto de
um tratamento jurídico diferente em relação ao comércio.
Mas tem-se exemplos, de códigos com o carácter subjectivista, o caso do Código Comercial
Alemão de 1861 (Handelsggezbuc, abreviamente designado por HGB, que serviu de
modelo aos diversos países, que caracterizou o Direito Comercial como “direito profissional”
dos comerciantes, definindo o comerciante como “aquele que explore uma empresa mercantil
e enumera as actividades que são objecto das empresas mercantis e os actos de comércio”, definindo
em função “da qualidade de comerciante de quem as pratica” (§ 1º, n.º 1, 2, 343º, do HGB).
O Código Civil Italiano de 1942, onde havia unificação do direito privado, isto é, mas que
não significou a abolição da separação entre os domínios de aplicação dos seus dois ramos.
Este Código, não significou um direito privado igual para todos os sujeitos, antes
5
Constituição da República de Angola de 2010.
7
representou um novo caminho na concepção subjectivista de um Direito Comercial ainda
autónomo, passou a conceber-se como “direito privado da empresa e dos seus titulares, os
empresários”. No seu artigo 2082.º, define o empresário, isto é, o “imprenditore”, “aquele que
exerce profissionalmente uma actividade económica organizada com vista à produção e troca de bens
e serviços”. Neste sentido, segundo aquele Código, passam a ser empresários as organizações
dos comerciantes, isto é, as empresas, os destinatários desta disciplina jurídica especial.
Há que salientar que, o Direito Comercial mantém autonomía mesmo em países cuja orden
jurídica não se enquadra nos padres do sistema continental e germânico. É o exemplo dos
Estados Unidos de América que, em 1963, uniformizou a legislação comercial em todos os
aeua Estados, salvo a Luisiana, basicamente no às obrigações e aos contratos, através do
“Uniform Commercial Code”. É um código, predominamente objectivista, por as suas normas
abranger não só os comerciantes, mas sim por ter como fulcro a qualificação de certas
espécies de relações jurídicas como comerciais.
Em Portugal, o Código Comercial de 1888 e ainda hoje vigente em boa parte, igualmente,
em vigor na República de Angola com algumas adapções, por força da Constituição da
República de Angola6, é a cúpula ordenadora do Direito Comercial positivo. É,
essencialmente, um Código que visa regular os actos de comércio, independentemente da
profissão dos seus sujeitos, predominantemente de carácter objectivista, mas que nele pode
se detectar relevantes aspectos de subjectivismo.
Esta evolução constante e dinámica, sob influência de tendencias liberaiss que se manifesta
na constante actuação do princípio da autonomia da vontade privada, tem conducido a
uma forte tendência de uniformização do Direito Comercial, superando as diferenças entre
6
Nos termos do n.º 3, do artigo 6.º da Constituição da República de Angola e com as respectivas alterações
nele introduzidas através da Lei n.º 6/03, de 3 de Março – Lei de alteração ao Código Comercial, bem como
demais legislação comercial em vigor.
8
os sistemas político-económicos dos diferentes Estados e entre os sistemas jurídicos em que
os ordenamentos nacionais se enquadram.
É assim, que são cada vez mais activas as numerosas organizações que se dedicam ao estudo,
desenvolvimento e uniformização do Direito Comercial Internacional.
Daí surge o fenómeno da contratação electrónica, isto é, a uitilização dos meios de tele-
informática para transmissão das declarações de vontade que substanciam na celebração de
contratos comerciais e materializam a execução da prestação por eles geradas. Daqui
decorrem significativas implicações jurídicas que têm vindo a receber respostas de variadas
origens normativas, que formam um corpo de princípios, conceitos e regras de grande
significado e importância.
7
Ver, www.wto.org
9
3. O DIREITO E A SUA DIVISÃO
O direito é a ciência que estuda as regras jurídicas que disciplinam as inumeras relações
sociais, tantas e de tão largo alcance que, a par e passo, acompanham o homem, desde que
nasce até que morre. Sendo um conjunto compelxo de normas e por forma a regular um
determinado caso concreto, bem como a proceder a sua aplicação, houve a necessidade da
sua sistematização em espécie de ordem, daí o desmembramento do direito em vários
ramos, cuja a divisão fundamental, pode se apontar as seguintes:
a) Direito Público que abrange o direito político, tendo como ramos, como, o Direito
Constitucional, Direito Admnistrativo, Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito
Processual Civil, Direito Financeiro, Direito Fiscal, Direito Económico, Direito dos
Consumidores e etc.;
b) Direito Privado, ordenamento jurídico que rege os interesses particulares, e
subdividido em direito:
Deste modo, o Direito Comercial é um ramo do direito privado, assim, torna fácil e rápida
compreensão do fenômeno jurídico, alicerce indispensável para o avanço no mundo do
conhecimento do direito comercial.
10
É assim que o exercício do comércio vem de épocas remotas, embora realizado sob forma
mais primitiva – a troca directa, aparecendo ligeiros vestigios de actividade comercial nas
idades antigas, posteriormente os elementos fornecidos pela historia, que são já apreciaveis
em relação a povos como os indios, fenicios, egipcios, assírios, babilonicos, gregos,
romanos, como atrás se faz referência.
Nalguns deles, o desenvolvimento mercantil foi notável, mas que o Direito Comercial não
tinha tomado o caracter próprio e distinto de hoje.
Por outro, o comerciante não compra para si, mas sim para vender à terceiras pessoas e só
compra porque tencione vender, arrecadando mais com a venda do que despendeu na
compra. Nesta circusntâncias, torna-se indispensável a facilidade do crédito.
O Direito Civil, sendo um dos ramo do direito privado, não satisfaz estes dois requisites
exigidos pela especialidade de relações comerciais:
a) não possuir uma simplicidade de forma que promovesse a rapidez das transações;
b) nem as suas normas se coadunam com a necessária defesa e facilidade de crédito.
Por isso, surge o Direito Comercial, como direito autonomo e especial para disciplinar a
intensidade de relações crescentes na vida economica, os novos processos de produção e
circulação de mercadorias.
De salientar que, não se deve furtar-se de estar atento, o factor histórico do Direito
Comercial, para a melhor compreensão, de tal facto social, hoje elevado à categoria de
fundamental para o desenvolvimento da exploração das actividades econômicas, isto é, a
produção dos bens e serviços necessários à vida das pessoas em sociedade. Esta facto, dá
origem a formação dum Direito Especial regulador das relações mercantis.
11
Igualmente, conforme se fez referência acima que, economia é a” ciência que trata da produção,
distribuição, acumulação e consumo dos bens materiais". O produtor não produz exclusivamente
para a troca, visando o imediato transpasse de sua mercadoria em contraposição com a
aquisição do outro, com quem opera. Passa a produzir para vender, adquirindo moeda,
para aplicá-la como capital em novo ciclo de produção. Pode assim, o produtor, especializar-
se numa só linha de produção, para a qual se considera mais hábil ou que melhor proveito
lhe proporciona.
Assim, o produtor organiza, desta forma, o comércio para desempenhar a sua função
económica e social, unindo indivíduos e aproximando os povos, tornando-se elemento de
paz e solidariedade, numa intensa acção civilizadora. Além disso, como actividade humana
tão importante num sistema jurídico que adopta os princípios do liberalismo, o comércio
aparece tanto como meio de subsistência do homem, e também como elemento gerador de
uma maior complexidade nas relações humanas e económicas, que são estudadas pelo
Direito, sem confundir-se com as mesmas, sendo, senão um dos elos da cadeia que constitui
a actividade económica global.
O Direito Comercial abrange muitas outras actividades que a simples "compra para
revenda", além de considerar o "comércio" como uma actividade bem mais complexa e de
fundamental importância social.
Alguns autores chegam a sugerir que a denominação "Direito Comercial", em razão disso,
seja substituída por "Direito de Empresaria", pois a idéia de empresa, hoje, é o centro das
atenções desse ramo do direito e ultrapassa os limites do vocábulo comércio, permitindo
até uma visão que engloba as empresas públicas e privadas, na identidade substancial das
suas actividades sob o ponto de vista privatista, ainda que resultem de concepções diversas
no que toca à sua génese, à sua estrutura e aos fins últimos.8
b) segurança das transações: dada a importância da confiança como base dos negócios,
mormente no tocante à circulação do crédito e dos bens, é indispensável restringir
ao máximo as causas de impugnação dos actos jurídicos comerciais, o que por vezes
impõe desvios significativos em relação ao direito civil, assum sucede ao regime dos
títulos de crédito, justificando as suas características próprias, como incorporação,
8
Miguel J. A. Pupo Correia, Direito Comercial-Direito da Empresa, 10.ª edição, pág. 26.
9
Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol. I, Coimbra-1973, pág. 32.
10
Miguel J. A. Pupo Correia, pág. 26.
12
circulabilidade, literalidade e autonomia, em diversas características normativas dos
contratos comerciais, na exigência de froma escrita para a estipulação de juros nas
obrigações comerciais, artigo 102.º, § 1.º, do Código Comercial e demais legislação
comercial complementar;
c) celeridade na celebração dos negócios, que dá origem a tendências opostas, por um lado,
a isenção de formalismo que se observa, por exemplo, qunato ao mútuo mercantil,
artigo 396.º, do Código Com, em contraposição com o artigo 1143.º, do Código
Civil, por outro lado, a conjugação da exigência da celeridade com as de segurança
do comércio leva à estandartização formal dos negócios, com a utilização de
cláusulas gerais, contratos de adesão e etc.
No Direito Comercial, a praticabilidade, que é uma das suas características e relevante, deve
sobre valer à dogmaticidade do Direito Civil. O Direito Civil de raiz continental é muito
dominado pela concretização dogmática, que procura sempre uma cientificidade própria,
maior relevância à correção e ao rigor lógico-formal dos processos mentais de interpretação
e aplicação do que às consequências práticas daí supervenientes.
Quanto a relação entre os dois Códigos “Civil” e “Comercial”, o artigo 3.º tem um sentido
claro, segundo o qual, “as questões sobre direitos e obrigações comerciais que não poderem ser
resolvidas, nem pelo texto da lei comercial, nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos nela
previstos, são decidas pelo Direito Civil12”. Na sua origem, o Código Comercial tinha pretensão
de conter a totalidade do Direito Comercial. Numa perspectiva muito característica do
século da codificação, ao legislador competia a tarefa de actualizar o que o tempo tornasse
obsoleto, completar o que se mostrasse em falta, alargar o que se revelasse apertado e ou
restringir o que estivesse em excesso. Aqui, o legislador, preferiu quase sempre aprovar
legislação extravagante, revogando as correspondentes parte do Código Comercial que está
hoje em vigor.
Para efeitos do artigo 3.º, essas leis devem ser tidas como parte integrante materialmente ao
Código Comercial. O sentido do artigo acima referenciado, ao concentrar no Código
Comercial, em sentido substancial, os recursos da concretização, reforça a autonomia
material do Direito Comercial.
11
Martin Kriele, Recht und Praktishe vernunft, Vandenhoeck & Ruprecht, Gottungen, 1977, passin.
12
Redação introduzida pela Lei n.º 6/03, de 3 de Março – Lei de alteração ao Código Comercial.
13
4. 1. AS CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DO DIREITO COMERCIAL
A actividade comercial tem princípios próprios que lhe são característicos. É nesta
perspectiva, que o Direito Comercial tem características específicas que o individuazem do
direito civil e de outros ramos de direito, resumidamente, a destacar:
a) Simplicidade e estandartização de formalidades: A necessidade de rapidez nas operações
comerciais implicam uma simplicidade de formulas, tais como o emprestimo,
estipulando a lei na qual se dispensa a obrigatiriedade da escritura publica em
consequência da repetividade e multiplicação dos actos pelos comerciantes;
14
ligado a um específico espaço cultural como o direito da família, nem a um
respectivo espaço político como o direito constitucional. O Direito Comercial é
universal, tendo em conta a sua génese e a evolução histórica. Daí a sua ligação ao
transporte, a título de exemplo, deste do marítimo, do rodoviário, do ferroviário e
até ao transporte aéreo. O Direito Comercial manteve e mantém até aos dias de
hoje uma fortíssima propensão para atravessar fronteiras, o que é notório no artigo
4.º, do Código Comercial, segundo o qual, “os actos de comércio serão regulados: a)
quanto à substância e efeitos das obrigações, pela lei do lugar onde forem celebrados, salvo
convenção em contrário; b) quanto ao modo do seu cumprimento, pela lei do lugar onde este
se realizar; quanto à forma externa, pela lei do lugar onde forem celebrados, salvo nos casos
em que a lei expressamente ordenar o contrário”.
13
Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol. I, pág. 8; Miguel J. A. Correia, Direito Comercial-Direito
da Empresa, 10.ª Edição, EDIFORUM, Lisboa, pág. 29.
14
Paulo Sendim, Lições de Direito Comercial, Faculdade de Direito da Universidade Católica de Lisboa, Vol.
I, 1994, pág. 58.
15
Hoje é vulgar falar em sectores de actvidade economia, como:
a) Sector primário: que compreende a agricultura que no sentido amplo abrange
igualmente a pecuária e a silvicultura – pesca e a caça);
b) Sector segundário: industria, visto que a produção económica se processa através
da insdustria, definido como criação de utilidades que ficam incoporados nos objectos
produzidos, como extractivo, agricola, transformadora, transportadora e comércio,
incluindo os serviços, que são acções humanas que satisfazem imediatamente, de modo
directo ou com recurso a bens materiais, necessidades de outros homens;
c) Sector terceário: os serviços quee compreende tudo que não cabe nos dois
primeiros sectores: comércio, transportes, fornecimentos de água, gás, electricidade,
actividades seguradoras, bancárias, liberais e etc.
Quanto ao ámbito e enquadramento do Direito Comercial não é pacífico, por duas razões:
1º Aspecto, relacionado com a designação “Direito Comercial” que deve ser
entendido num âmbito essencialmente jurídico, no domínio da ciência jurídica.
2º Aspecto, relaciona-se com os temas que formam o objecto do Direito Comercial
e abrange:
a) as regras sobre os agentes da vida comercial - comerciantes, em nome
individual e, em especial, sobre os comerciantes, enquanto pessoas colectivas –
sociedades comerciais;
b) as normas que regem os actos jurídicos que estruturam a vida comercial
ou dela decorrem – os actos de comércio;
c) a concepção e regime das estruturas organizativas através dos quais são
exercidas ou actividades económicas que se enquadram no conceito jurídico de
“comércio” – É a problemática da empresa ou do estabelecimento comercial;
d) os títulos de crédito.
O Direito Comercial é "conjunto de regras que disciplinam ou regulam a natureza e efeitos das
convenções celebradas pelos comerciantes, ou entre estes e outras pessoas, o exercício da profissão
mercantil e a prática de todos os actos inerentes ao comércio e que sua finalidade é, conciliar a
celeridade e segurança dos negócios com a garantia do crédito”.
15
Gameiro, António Ribeiro e Januário, Rui, Introdução e Teoria Geral do Direito, Vol. I, 2014, Edições
Cosmos, pág. 143
16
Ibidem
16
A expressão “fontes do direito”17 tem significados múltiplos e distintos18, a cada um se
reconduzindo as seguintes questões: como, porquê, para quê, e de onde brota o Direito, de
que fonte jorra ele?
É o sentido técnico-jurídico ou formal é que nos interessa, sem desprimor dos outros
sentidos, e neste âmbito, que se iremos ver, as fontes do Direito (iuris essendi), também
designadas fontes produtoras de Direito (iuris cognoscendi), igualmente apelidadas de fontes
reveladoras de Direito, consoante dinamicamente gerem ou estaticamente dêem a conhecer
as normas jurídicas, no geral, e em especial as do Direito Comercial.
17
Ibidem
18
Ibidem
17
Perante o exposto, se pode apontar quatro tipos fundamentais de fontes do direito, no
geral, e em sentido técnico-jurídico ou formal:
a) Lei, caracterizada, por ser a “norma jurídica decidida e imposta por uma autoridade
com o poder para o fazer na sociedade política”, constituindo, deste modo, uma
“norma jurídica de criação deliberada”19:
b) Costume, o qual se traduz na norma criada através da “prática repetida e habitual de
uma conduta, quando chega a ser encarada como obrigatória (opinio iuris necessitatis)
pela generalidade dos seus membros”;
c) Jurisprudência, conjunto das orientações que, em matéria de determinação e
aplicação da lei, decorrem da actividade prática de aplicação do direito, isto é, o
conjunto das decisões dos Tribunais, que são vinculativos para os casos concretos
que julgam. Há autores que defendem, igualmente, incluir na jurisprudência, as
decisões dos notários, conservadores, e mesmo dos órgãos administrativos20.
d) Doutrina: Consagrada como sendo a “actividade de estudo teórico ou dogmático do
direito” reveladora de normas do sistema jurídico.
Como é natural, o sistema jurídico angolano, a fonte primordial do Direito Comercial é a lei,
entendida no seu sentido amplo, isto é, abrangendo:
a) Constituição da República de Angola (CRA) de 2010;
b) Leis ordinárias e, também;
c) Normas regulamentares.
19
Gameiro, António Ribeiro e Januário, Rui, Introdução e Teoria Geral do Direito, 2.ª Edição, pág. 146.
“(Podemos ainda referir que nos países inseridos no sistema romano-germânico de direito, nos quais a República de Angola,
por recepção de Portugal, a Lei é privilegiada, já nos países que fazem parte do sistema anglo-saxónico, como a Grã-
Bretanha, é reconhecido o papel de maior relevância ao Costume).
20
Mendes, João Castro, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, A.A.F.D.L., 1998,
18
3. Constituição Económica Estatutária: que integra um conjunto de princípios e regras
preceptivos, que espelham a ordem estabelecida;
4. Constituição programática: o quadro de directivas de políticas
económicas/comerciais, tendentes a uma orientação da economia de acordo com
os objectivos económicos, sociais e político-ideológico.
Quanto a lei ordinária, estamos a referir a lei comercial, isto é, aquelas normas legais que
tiveram sido ditadas pela solução ou tutela dos interesses específicos das actividades
comerciais ou empresas mercantis. O Seu núcleo fundamental e, ainda hoje, constituído
pelo Código Comercial de 1888, a lei n.º 6/03, de 3 de Março – Lei de alteração ao Código
Comercial.
21
Constituição da República de Angola, de 2010.
19
Mobiliários, o Decreto Legislativo Presidencial n.º 4/13, de 9 de Outubro, sobre o Regime
Jurídico do Mercado Regulado de Dívida Pública, bem como, o n.º 3 do artigo 167.º, o n.º
9 do artigo 309.º, o artigo 332.º, os n.º 3 e 4 do 335.º, os artigos 336.º, 337.º, 348.º, 349.º,
352.º a 362.º, os artigos 378º, 379.º, todos, igualmente, da Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro
– Lei das Sociedades Comerciais.
- as Cooperativas são hoje regidas pela n.º Lei 23/15 de 31 de Agosto – Lei das
Cooperativas que revoga o Capítulo V do título II do Livro II do Código Comercial, o
Decreto-Lei n.º 115/75, de 22 de Setembro – Regime Jurídico das Cooperativas, bem como
todas as disposições que a contrariem.
- as operações bancárias, embora mantenham no Código Comercial, em vigor os
artigos 362º a 365.º, são hoje objecto de abundante legislação que se concentra
principalmente na Lei n.º 12/15, de 17 de Junho – Lei de Bases das Instituições
Financeiras, que regula o processo de estabelecimento, exercício de actividade, a supervisão,
o processo de intervenção e o regime sancionatório e revoga toda a legislação que a
contrarie, nomeadamente a Lei n.º 13/05, de 30 de Setembro – Lei das Instituições
Financeiras que contém o regime jurídico do direito bancário institucional,
complementado por inúmeros diplomas legais reguladores de matérias específicas que seria
excessivo mencionar aqui. De realçar, igualmente, que a Entidade Reguladora da actividade
bancária é o Banco Central, designado por Banco Nacional de Angola (BNA) ver Lei n.º
16/10, de 15 de Julho – Lei Orgânica do BNA e revoga a lei n.º 6/97, de 11 de Julho e
toda legislação que a contrarie.
- o seguro, vigora até a data presente a Lei n.º 1/00, de 3 de Fevereiro e revoga toda
a legislação que a contrarie.
- o contrato de transportes continua a manter, no Código Comercial, nos artigos 366.º
a 393.º, sendo, porém, hoje, apenas uma parte ínfima do regime jurídico do contrato de
transporte que se contém em vários diplomas avulsas, a titulo de exemplo, a Lei n.º 20/03,
de 19 de Agosto – Lei de Bases de Transportes Terrestres. Igualmente, há existência de
vários diplomas legais que rege cada ramo dos transportes.
- As letras e livranças, bem como cheques, são objecto de legislação internacional.
As letras e livranças são regidas pela Convenção de Genebra de 7 de Agosto de 1930, bem
como pela Lei Uniforme Relativas às Letras e Livranças e os Cheques pela Convenção de
Genebra de 19 de Março de 1931 e pela Lei Uniforme Relativa ao Cheque.
Também, referir que, a aplicabilidade do Direito Civil às relações comerciais resulta de ele
ser o direito privado geral ou comum, aplicando-se às relações como direito subsidiário.
Assim, Direito Civil aplica-se às questões comerciais, quando deve aplicar-se, por sua
própria força, em si mesmo, sem que haja lugar à criação de normas de Direito Comercial
através dessa aplicação. Logo, o Direito Civil não é fonte do Direito Comercial, mas sim,
como direito subsidiário, um elemento de integração do regime jurídico das relações
comerciais.
Os usos e costumes: o artigo 3.º do Código Comercial, não refere os usos e costumes entre as
fontes do Direito Comercial e o elemento histórico de interpretação que permite convencer
20
de que o faz de propósito22. Na verdade, e é certo que, por vezes, o próprio Código
Comercial remete para os usos comerciais, como sucede, por exemplo, nos n.ºs 6 e 7, do
artigo 68.º, artigo 232.º, § 2.º e 271.º, § único. O mesmo acontece, em matéria comercial,
no n.º 3, do artigo 560.º, do código Civil. Todavia, não se deve pensar que, com tais
remissões, se acolhem tais usos como fonte de Direito Comercial.
A este propósito a que distinguir os usos dos costumes. Uns e outros são práticas constantes
e reiteradas dos sujeitos de direito. Os usos emanam da prática negocial, na qual se difundem e
mantêm por acção repetidas das partes. Os costumes, provindo da mesma origem, são, a partir de
dado momento, socialmente revestidos da opinio júris, da convicção generalizada de que o seu
acatamento é juridicamente vinculativo e entram na ordem jurídica, normalmente através da acção
dos tribunais, como regras gerais e abstractas. Logo, só por via de remissão da norma legal, à
semelhança dos usos, ou em sede de integração de lacunas, nos termos do artigo 3.º, do
Código Comercial e do artigo 10.º, do Código Civil, é que eles poderão ser objecto de
adopção. Num e outro caso, não serão fontes de Direito, mas sim, um mero conteúdo da norma
legal.
A doutrina são as opiniões dos jurisconsultos e podem servir fontes de direito, na medida
em que sejam tidas em conta pelos Tribunais e pelos sujeitos de direito, mormente como
reveladoras de princípios gerais, com vista à integração de lacunas da lei.
Não são apenas de considerar as fontes de direito interno, uma vez que o Direito
Comercial, é particularmente sensível ao internacionalismo das relações económicas. São,
de ter em conta importantíssimas as convenções internacionais, que são recebidas no
direito interno24 desde que sejam satisfeitos os requisitos estabelecidos na Constituição.
21
Há ainda que ter em conta, quando não como fontes de direito, ao menos como matéria
de direito, a semelhança dos usos e costumes, como elementos enformadores das relações
jurídicas, quer pela sua introdução na ordem jurídica através de convenções internacionais
e de leis de diversos países, quer pela remissão que para elas fazem as partes em contratos
comerciais, as normas adoptadas e/ou recomendadas por associações privadas
internacionais de agentes económicos, das quias, como por exemplo, a Camara do
Comércio Internacional (CCI).
O Direito Civil é o direito privado geral ou comum, que regula genericamente as relações
entre pessoas situadas numa posição jurídica equivalente, numa posição de igualdade
jurídica.
O Direito Comercial regula uma certa espécie dentro desse género de relações, as que
derivam do exercício do comércio e actividades afins. Trata-se de um direito privado
especial, que vigora só para uma classe especifica de relações jurídicas, que o legislador
destacou em bloco, para as submeter a um regime diferenciado.
22
previstos, são decididas pelo direito civil”. Neste sentido, para questão da interpretação das
normas do Direito Comercial, deverá se ter em conta o artigo 9.º do Código Civil.
- Sucede que surjam casos omissos no Direito Comercial, os quais irão ser supridos
por analogia, que pode levar apelo as normas de direito comercial ou de direito civil.
O artigo 3.º do Código Comercial, incute, previamente esgotar as possibilidades de
analogia dentro do Direito Comercial, só depois recorrer as normas do Direito Civil.
Face a isso, o aplicador da lei, colocado perante a existência de uma lacuna, deverá, face às
normas do Direito Comercial disponíveis para buscar de uma solução análoga, escolher
aquela que regule uma hipótese afim com o caso omisso em apreço: aquela que vise compor
interesses que mais perto se assemelhem aos que estejam em jogo no caso a solucionar.
Procedimento correcto a adoptar para definir o regime de uma relação jurídica de Direito
Comercial será o seguinte:
No primeiro momento, há que definir se tal relação jurídica é ou não comercial, objectiva
ou subjectivamente. Para tal recorrer-se-á às chamadas normas delimitadoras do âmbito de aplicação
do Direito Comercial (artigos 2.º, 230.º, 231.º, 366.º, 463.º, 481.º, etc., do Código Comercial).
Se a relação jurídica não for comercial, será civil.
Num segundo momento, assente que um dado acto ou relação jurídica é comercial,
há que definir-lhe o regime. Poderão surgir questões de interpretação e de integração de
lacunas da regulamentação comercial, as quais serão deslindadas nos termos apontados
pelo artigo 3.º do Código Comercial.
23