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1. Noção de Administração .................................................................................

10
Sentidos orgânico e material da expressão Administração Pública .................... 12
Em sentido material,............................................................................................ 13
Em sentido formal (funcional), ........................................................................... 13
Os fins da administração pública ........................................................................ 13
DISTINÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E ADMINISTRAÇÃO
PRIVADA ........................................................................................................... 14
a) Quanto ao objecto ........................................................................................... 15
b)Quanto ao seu fim ............................................................................................ 15
a) Quanto aos meios ............................................................................................ 15
1.2.3. A administração pública e a política ......................................................... 17
1.3.3. Legislação e administração pública .......................................................... 18
1.3.3. Justiça e administração pública ................................................................. 19
a) o interesse público em particular .................................................................... 19
b) o poder administrativo .................................................................................... 20
Actividades de gestão pública e de gestão privada ............................................. 21
Tipos de actividade administrativa de gestão pública......................................... 22
Modalidades de auxílio à iniciativa privada ....................................................... 25
a) Do ponto de vista do acto jurídico porque se efectiva .................................... 25
b) Do ponto de vista das vantagens postas à disposição dos particulares.......... 25
Contrapartidas ..................................................................................................... 26
Quanto à organização administrativa .................................................................. 28
a) Quanto ao controle jurisdicional da Administração Pública .......................... 28
b) Quanto ao direito que regula a Administração Pública .................................. 29
a) Quanto à execução das decisões administrativas ............................................ 29
b) Quanto à organização das garantias jurídicas dos administrados ................... 30
a) Quanto à organização administrativa ............................................................. 30
b) Quanto ao controle jurisdicional da Administração Pública .......................... 31
c) Quanto ao Direito que regula a Administração Pública ................................. 31
d) Quanto à execução das decisões administrativas............................................ 31
e) Quanto às garantias jurídicas dos particulares ................................................ 32
Condições para a sua existência .......................................................................... 34
Origem do Direito Administrativo ...................................................................... 35
A subordinação da Administração Pública ao Direito ........................................ 36
Noção de Direito Administrativo ........................................................................ 38
Tipos de normas jurídico-administrativas ........................................................... 38
Natureza do Direito Administrativo .................................................................... 39
Traços Fundamentais do Direito Administrativo ................................................ 40
Fronteiras do direito administrativo .................................................................... 42
a) Direito Administrativo e Direito Privado ....................................................... 43
1.1. Fundamento da sua abordagem .................................................................... 43
1.2. O período pré-colonial ................................................................................. 44
1.2.2.Caracterização geral ................................................................................... 44
1.2.3. O Sistema dos prazos/ Sistema de prazos da Zambézia, Sistema de prazos
da Coroa .............................................................................................................. 44
Subordinação dos prazeiros................................................................................. 45
1.2.3.1. Organização política e administrativa do prazo ..................................... 45
1.2.4. A conferência de Berlim e o ultimato da Inglaterra .................................. 45
1.2.4.1. O Mapa Cor de Rosa .............................................................................. 46
1.2.4.2. O ultimato inglês .................................................................................... 46
1.2.5. Fim do período pré-colonial corresponde: ................................................ 46
1.3. O período colonial propriamente dito .......................................................... 46
1.3.1. Premissas ................................................................................................... 46
1.3.2. A comissão Colonial e os seus resultados................................................. 47
1.3.2.2. Princípios básicos da constituição e funcionamento do sistema............ 48
colonial português ............................................................................................... 48
1.3.3. A reforma de 1907.................................................................................... 49
1.O Conselho do Governo ................................................................................... 53

2
2. O Conselho Legislativo (ou, à altura da Independência, Assembleia
Legislativa) .......................................................................................................... 53
1.6. Sistema administrativo e sistema de organização administrativa adoptados
............................................................................................................................. 55
1.6.1. Sistema administrativo .............................................................................. 55
1.6.2. Sistema de Organização administrativa .................................................... 55
Sistema administrativo vigente à altura da independência ................................. 55
Subdivisão territorial das cidades........................................................................ 61
Evolução da Toponímia ...................................................................................... 62
Como se apresentam os órgãos do Estado-Administração e respectivo Aparelho
do Estado (1975-1990) ........................................................................................ 62
Qual o sistema de organização Administrativa em vigor em Moçambique? ..... 65
O que é a organização pública? ........................................................................... 66
O que são pessoas colectivas públicas? .............................................................. 67
Como é que se classificam as pessoas colectivas públicas? ............................... 68
Órgãos Administrativos....................................................................................... 69
Classificação dos Órgãos Administrativos ......................................................... 69
Os serviços públicos ............................................................................................ 70
Estrutura organizativa dos serviços públicos ...................................................... 71
Traços fundamentais do Regime Jurídico dos serviços públicos........................ 71
Atribuições , competências e missões ................................................................. 72
Critérios para a fixação da competência dos órgãos administrativos ................. 72
Espécies de competência ..................................................................................... 73
a) Quanto ao modo de atribuição legal da competência: .................................... 73
b) Quanto aos termos do exercício da competência............................................ 73
c) Quanto à substância e efeitos da competência ................................................ 74
Conceito de relação hierárquica .......................................................................... 74
1o Poderes do superior hierárquico ..................................................................... 75
Deveres do subordinado ...................................................................................... 76

3
As ordens ilegais ................................................................................................. 76
Conteúdo da delegação de competências ............................................................ 78
Regime Jurídico da delegação de poderes .......................................................... 79
Natureza jurídica da delegação de poderes ......................................................... 82
As relações intersubjectivas: ............................................................................... 82
Enquadramento do surgimento das autarquias locais em Moçambique ............. 85
Qual é o significado das autarquias locais? ........................................................ 85
Órgãos das Autarquias locais .............................................................................. 86
Autonomia das Autarquias locais........................................................................ 86
Tutela das Autarquias locais ............................................................................... 86
O poder regulamentar das Autarquias locais ...................................................... 87
Dissolução dos órgãos das Autarquias locais ..................................................... 87
A opção adoptada para a constituição de autarquias locais em Moçambique .... 87
1. Concentração e desconcentração de competências ......................................... 89
Vantagens da desconcentração ............................................................................ 89
Desvantagens da desconcentração de competências........................................... 90
2. A centralização e a descentralização ............................................................... 91
3. Integração e devolução de poderes ................................................................. 91
Traços fundamentais do regime jurídico da devolução de poderes .................... 92
Corolários do princípio da separação de poderes no que respeita à separação
entre a Administração e a Justiça ........................................................................ 95
O poder administrativo e as suas manifestações ................................................. 96
Manifestações do poder administrativo .............................................................. 97
O poder regulamentar .......................................................................................... 97
2o O poder de decisão unilateral.......................................................................... 98
3o Privilégio de execução prévia ......................................................................... 99
4o Regime especial dos contratos administrativos ............................................ 100
Corolários do poder administrativo ................................................................... 100
1. O princípio da prossecução do interesse público .......................................... 102

4
Consequências do princípio da prossecução do interesse público .................... 102
O dever de boa administração ........................................................................... 104
1. O princípio da legalidade .............................................................................. 104
Conteúdo, objecto, modalidades e efeitos do princípio da legalidade .............. 105
a) Conteúdo do princípio da legalidade ............................................................ 105
b) Objecto da legalidade.................................................................................... 106
c) Modalidades do princípio da legalidade ....................................................... 106
Fundamento e significado do poder discricionário ........................................... 108
Natureza jurídica do poder discricionário ......................................................... 108
Âmbito da discricionaridade ............................................................................. 109
Limites ao poder discricionário ......................................................................... 109
Controle do exercício do poder discricionário .................................................. 110
O princípio da justiça administrativa ................................................................ 111
2 Princípio da justiça administrativa ................................................................. 111
3. Garantias da imparcialidade da Administração Pública ou simplesmente ... 112
princípio da imparcialidade ............................................................................... 112
O uso e o abuso do poder; o desvio de finalidade e o silêncio da Administração
Pública, o princípio da boa fé e o da protecção de confiança ........................... 113
Uso e abuso do poder ........................................................................................ 113
Espécies de abuso do poder............................................................................... 113
Modalidades do abuso do poder........................................................................ 114
Os princípios da boa fé e da protecção da confiança ........................................ 115
Princípio da protecção da confiança ................................................................. 116
1. Procedimentos de iniciativa pública e procedimentos de iniciativa particular
........................................................................................................................... 118
2. Procedimentos decisórios e procedimentos executivos ................................ 118
3. Procedimentos de 1o grau e procedimentos de 2o grau ................................. 118
Espécies de diligências instrutórias ................................................................... 121
Extinção do procedimento administrativo ........................................................ 123

5
Características do acto administrativo .............................................................. 129
a) Características comuns .................................................................................. 129
Características específicas do acto administrativo definitivo e executório ...... 130
Elementos da estrutura do acto administrativo ................................................. 131
Elementos objectivos do acto administrativo.................................................... 133
Elementos funcionais do acto administrativo ................................................... 133
Elementos, requisitos e pressupostos do acto administrativo ........................... 134
Espécies ou tipos de actos administrativos ....................................................... 135
Actos primários e actos secundários ................................................................. 135
Actos primários impositivos, actos primários permissivos e meros actos
administrativos .................................................................................................. 136
Actos primários impositivos ............................................................................. 136
Actos primários permissivos ............................................................................. 137
Importância........................................................................................................ 145
Que dizer acerca dos actos administrativos com um significado polivalente? . 146
Actos executórios e não executórios ................................................................. 150
Que dizer das causas de insusceptibilidade de execução por via administrativa?
........................................................................................................................... 152
Articulação entre as classificações de actos definitivos e executórios ............. 152
Validade, eficácia e interpretação do acto administrativo ................................ 153
1.2.. Requisitos de validade do acto administrativo.......................................... 154
Formalidades supríveis e insupríveis ................................................................ 155
A obrigação de fundamentar ............................................................................. 155
Qual a vantagem para o particular da opção por esta segunda forma? ............. 158
Condições de produção do acto tácito............................................................... 159
Fundamentos da impugnação contenciosa do indeferimento ........................... 159
Natureza jurídica do acto tácito......................................................................... 160

6
O acto tácito é uma ficção legal de acto administrativo. Ou seja, o acto
administrativo não é um verdadeiro acto administrativo, mas tudo se passa
como se o fosse. ............................................................................................. 160
c) Requisitos quanto ao conteúdo e ao objecto ........................................... 160
Exige-se que o conteúdo e o objecto do acto obedeçam aos requisitos de
certeza, de legalidade e de possibilidade. ...................................................... 160
d) Requisitos quanto ao fim ........................................................................ 160
Requisitos de eficácia do acto administrativo ................................................... 160
O visto do Tribunal Administrativo ou futuramente do Tribunal de Contas .... 161
Quem pode interpretar ....................................................................................... 162
A usurpação de poder ........................................................................................ 163
A incompetência ................................................................................................ 164
Vícios de forma ................................................................................................. 166
A violação da lei ................................................................................................ 166
Modalidades de violação da lei ......................................................................... 167
O desvio de poder .............................................................................................. 167
Cumulação de vícios ......................................................................................... 168
Outras fontes de invalidade ............................................................................... 169
A ilicitude .......................................................................................................... 169
Os vícios da vontade no acto administrativo .................................................... 169
O problema da invalidade por vícios de mérito ................................................ 170
As formas de invalidade: nulidade e anulabilidade .......................................... 170
A nulidade ......................................................................................................... 171
A anulabilidade ................................................................................................. 172
Âmbito de aplicação da nulidade e da anulabilidade ........................................ 172
Casos de nulidade .............................................................................................. 173
Nulidade e inexistência do acto administrativo ................................................ 174
Cumulação De Formas De Invalidade .............................................................. 174
Correspondência Entre Vícios E Formas De Invalidade .................................. 175

7
A Sanação Dos Actos Administrativos Ilegais ................................................. 175
Conceito de sanação .......................................................................................... 176
Fundamento da sanação .................................................................................... 176
Extinção E Modificação Do Acto Administrativo ............................................ 177
Modos de extinção dos actos administrativos ................................................... 178
Figuras Afins Ou Figuras Semelhantes À Revogação ...................................... 179
Espécies De Revogação .................................................................................... 180
Regime De Revogabilidade Dos Actos Administrativos .................................. 181
A irrevogabilidade dos actos constitutivos de direitos...................................... 181
Regime de revogação dos actos constitutivos de direitos Ilegais ..................... 182
Regime de revogação dos actos não constitutivos de direitos .......................... 182
Competência Para a Revogação ........................................................................ 183
Forma e Formalidades de Revogação ............................................................... 183
Efeitos jurídicos da revogação .......................................................................... 184
A Suspensão Do Acto Administrativo .............................................................. 186
Ratificação, Reforma e Conversão do Acto Administrativo ............................ 187
Características do contrato de empreitada de obras públicas............................ 190
Características Dos Contratos De Concessão De Obras Públicas .................... 191
Elementos da concessão de obras públicas ....................................................... 192
Características fundamentais ............................................................................. 193
Contrato de uso privativo do domínio público.................................................. 194
1. Preliminares ................................................................................................... 198
1.1. Aspectos do regime jurídico dos contratos administrativos ...................... 199
1.2. A formação do contrato administrativo ..................................................... 199
1.1.1. Formas de escolha dos particulares ......................................................... 200
1.1.2. A Adjudicação ......................................................................................... 200
2.1.2.2. Adjudicação provisória e adjudicação definitiva ................................. 201
1.1. A execução do contrato administrativo ...................................................... 202
1.1.2. Principais poderes de autoridade da Administração Pública na fase ...... 202

8
de execução dos contratos administrativos ....................................................... 202
Fundamento da sentença do Conselho de Estado ............................................. 204
1.1. A extinção do contrato administrativo ....................................................... 207
1.1.1. Preliminares ............................................................................................. 207
4.3.2. Causas normais de extinção dos contratos administrativos .................... 208
4.3.3. Causas específicas de extinção dos contratos administrativos ............... 208
Noção de poder de polícia ................................................................................. 210
Fundamento e essência do poder administrativo .............................................. 211
Características fundamentais do poder de polícia ............................................ 211
Assim, definição de polícia administrativa ....................................................... 212
Polícia geral e polícia especial .......................................................................... 212
Executoriedade das medidas de polícia............................................................. 213
O poder de polícia e o princípio da proporcionalidade contra abusos de polícia
........................................................................................................................... 214
1. Noção, origens, objecto, modalidades .......................................................... 215
1.2. Origens ....................................................................................................... 216
1.1.1. Objectivo ................................................................................................. 217
1.1.2. Modalidades ............................................................................................ 217
1. Responsabilidade civil extracontratual subjectiva das entidades públicas ... 217
2.4. Responsabilidade civil extracontratual objectiva das entidades públicas:. 218
1.1. Noção.......................................................................................................... 219
1.2. Tipos de agentes administrativos ............................................................... 219
1.3. Modos de provimento dos agentes administrativos ................................... 220
1.1.1. Nomeação ................................................................................................ 220
1.1.2. Contrato de provimento........................................................................... 221
1.2. Agentes funcionários e não funcionários ................................................... 221
1.2.1. Noção de funcionário .............................................................................. 221
1.2.3. Agentes não funcionários ........................................................................ 221

9
I

A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1. Noção de Administração

Em ciência de Administração 1, chama-se administração à função de se conseguir


fazer as coisas através das pessoas com os melhores resultados. Ou seja:
administração consiste na cooperação organizada e formal de indivíduos no
sentido de alcançar um ou mais objectivos comuns 2.
A ciência de administração nasceu no começo do século xx e na altura
constituiu um acontecimento histórico da maior transcendência, tendo
proporcionado uma transformação gigantesca da sociedade numa sociedade de
organizações.
Existem cinco antecedentes históricos do surgimento da ciência de
administração:
1o Influência dos filósofos
2o Influência da organização da igreja católica (Papa, Concílio do Vaticano
Arcebispo, Bispos, Padres, etc)
3o Influência da Organizaçao militar, nomeadamente o princípio da unidade de
comando, a centralização do comando e a descentralização de execução, o
conceito de hierarquia, o princípio da direcção
4o Influência da revolução industrial
5o Influência dos economistas liberais
As várias acepções da expressão Administração Pública

1
Cf. Manual de
2
É importante conferir o conceito de Administração de Idalberto Chiavenato, segundo o qual “ a
Administração é o processo de planejar, organizar, dirigir e controlar o uso dos recursos
organizacionais para alcançar determinados objectivos de maneira eficiente e eficaz.” (Cf.

10
Segundo Jean Rivero e Jean Walline, há duas acepções ou correntes da
palavra administração. A primeira é a de que administração significa uma
actividade , o facto de administrar, ou seja gerir um negócio 3. A segunda é a de
que a administração corresponde ao órgão ou órgãos que exercem essa
actividade.
O primeiro sentido, material ou objectivo, designa o poder público empenhado
na satisfação imediata de interesses da comunidade heteronamamente fixados, e
é sinónimo da actividade administrativa.
O segundo sentido ou acepção chama-se sentido orgânico, organizatório ou
subjectivo, e consiste no complexo de órgãos que no Estado e nas outras pessoas
colectivas públicas recebe o encargo de desempenhar a função administrativa,e é
sinónimo da organização administrativa, como diria por exemplo administração
das alfândegas ou administração dos correios.
O sentido material e orgânico de administração que acabamos de ver é
empregue tanto para actividades privadas como para actividades ou negócios
públicos. Trata-se neste contexto do sentido lato de administração.
Em sentido restrito, porém é igualmente muito corrente quando se fala de
administração quer-se referir somente à administração pública 4. Nesta
perspectiva, a administração é concebida como essencialmente diferente de
actividade dos particulares, e como distinta de certos outras formas de actividade
pública, como é o caso de actividades de legislação e do exercício de justiça.
Doravante, quando usamos a expressão administração ao longo do nosso curso,
estaremos a referir-nos à administração pública, portanto, no sentido restrito da
expressão administração.
Para além dos sentidos material e orgânico, existe um terceiro sentido , que é o
sentido funcional e que designa a actividade dos órgãos administrativos. Assim,
podemos concluir que quando se fala em administraçao pública tem-se presente

a
CHIAVENATO, Idalberto, Administração, Teoria, Processo e Prática, S. Paulo: Makron Books, 3
Edição, pg 3.
3
Cf. RIVERO, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 13.

11
um conjunto de necessidades colectivas cuja satisfação é assumida como tarefa
fundamental pela colectividade através de serviços por esta organizados e
mantidos 5.
Equivale isto dizer que quando existe e se manifesta com suficiente intensidade
uma necessidade colectiva surge um serviço público destinado a satisfazê-la em
nome e no interesse da colectividade.
Finalmente, há que ter atenção para o seguinte: quando se escreve a expressão
administração pública com iniciais maiúsculas quer-se referir ao sentido
orgânico, e sempre que se escreve com iniciais minúsculas quer-se referir ao
sentido material ou objectivo.
O sentido funcional é mais ou menos equivalente ao sentido formal, que tem a
ver com o modo de agir que caracteriza a administração em determinada tipo de
sistemas de administração.

Sentidos orgânico e material da expressão Administração Pública

Em sentido orgânico,

Chama-se Administração Pública ao sistema de órgãos, serviços e agentes do


Estado, bem como das demais pessoas colectivas públicas, a quem compete
assegurar em nome da colectividade a satisfação regular e contínua das
necessidades colectivas de segurança, cultura e bem-estar.
Resulta do que acabamos de afirmar que o sentido orgânico da expressão
Administração Pública abrange duas realidades completamente distintas:
Por um lado, as pessoas colectivas públicas 6 e os serviços públicos 7;
Por outro lado, os funcionários e agentes administrativos.

4
Cf. RIVERO, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 13.
5 a
AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, 2 Edição, Almedina Livraria, 1996, pg 29.
6
Trata-se de realidades dotadas de personalidade jurídica, sendo por isso chamadas pessoas
colectivas públicas ou pessoas colectivas de direito público.

12
Em sentido material,
A administração pública corresponde à actividade típica dos serviços públicos
e agentes administrativos, desenvolvida no sentido geral da colectividade, com
vista à satisfação regular e contínua das necessidades colectivas de segurança,
cultura e bem-estar, obtendo para o efeito os recursos mais adequados e
utilizando as formas mais convenientes.
Numa palavra, administração púlica em sentido material consubstancia uma
actividade regular, permanente e contínua dos poderes públicos, visando a
satisfação de parte das necessidades da colectivas de segurança, cultura e bem-
estar 8.
Traduz o poder público empenhado na satisfação imediata de interesses da
comunidade heteronomamente fixados.
Por outras palavras, em sentido material Administração Pública é sinónimo de
actividade administrativa.

Em sentido formal (funcional),

Tem a ver com o próprio modo de agir que caracteriza a Administração Pública
em determinados tipo de sistemas de Administração; semelhante no sentido
formal encontramos o sentido funcional que designa a actividade dos órgãos
administrativos.

Os fins da administração pública


São essencialmente três:
A segurança;

7
Trata-se de realidades normalmente não personificadas, isto é não dotadas de personalidade
jurídica.Veja o conceito em...
8
Exceptua-se do âmbito da administração pública a satisfação da necessidade colectiva de justiça.

13
A cultura;
O bem-estar

Significa portanto que dos fins do Estado apenas a justiça não é prosseguida pela
Administração Pública.
Para a administração pública realizar o interesse público realiza actividades. Às
actividades desenvolvidas pela administração pública se chama actividades
administrativas. E o conteúdo material dessas actividades administrativas
compreende, por um lado, a função executiva, qual seja a de garantir a execução
das leis,; e por outro lado, a prática de todos os actos e a tomada de todas as
providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico e social e
à satisfação das necessidades colectivas.

DISTINÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E


ADMINISTRAÇÃO PRIVADA

Há entre a Administração Pública e a Administração Privada aspectos


comuns, mas há também aspectos específicos de cada uma dessas formas de
administração.
O aspecto comum consiste em ambas constituirem administração, são ambas
formas de administração.
Há três grandes aspectos específicos que as distinguem, designadamente: o
objecto, o fim e os meios 9.

9
A este propósito, importa referir que Jean Rivero na sua obra intituladaDireito Administrativo,
Almedina Coimbra, 1975, pgs 14 e 15 destaca apenas o fim e os meios como aspectos distintivos da
administração pública e administração privada, mas deixa subentendido na sua explanação que o
objecto da administração pública são as necessidades colectivas, sendo objecto da administração
privada as necessidades particulares, individuais ou de grupo.

14
a) Quanto ao objecto
Verifica-se que a Administração Pública tem como objecto as necessidades
colectivas, assumidas como tarefa e responsabilidade da colectividade. Por seu
turno, constitui objecto da Administração Privada as necessidades particulares,
grupais ou individuais.
Importa contudo assinalar que há actividades que geram uma certa confusão
quanto ao seu enquadramento numa ou noutra forma de administração 10.

b)Quanto ao seu fim


A administração pública prossegue necessariamente um interesse público, que
constitui o único fim que as entidades e os serviços públicos podem
legitimamente prosseguir.
Por seu turno, a administração privada visa atingir fins particulares, grupais ou
individuais, que podem ser lucrativos ou não, e dentre estes últimos podemos
encontrar aqueles que se prendem com o êxito pessoal e aqueles que têm a ver
com actividades políticas, e ainda aqueles que se relacionam com fins altruístas,
filantrópicos, humanitários e religiosos.
Estes interesses têm de comum o serem fins particulares, sem vinculação
necessária ao interesse geral da colectidade, por vezes, em contradição com ele.
Há casos de coincidência entre a utilidade particular das formas de
administração privada e a utilidade social ou colectiva dessas mesmas formas.
No entanto, essa coincidência não retira nem altera o seu fim principal, que é a
prossecução do interesse particular.

a) Quanto aos meios


Na administração privada os meios jurídicos usados caracterizam-se
fundamentalmente pela igualdade entre as partes; o equivale dizer que,nesse

10
Por exemplo, no caso de uma padaria, cuja actividade normal é a produção de pão que como se
sabe constitui uma necessidade essencial. Há dois aspectos que caracterizam a produção de pão:

15
contexto, os particulares são iguais entre si. É por isso que em regra não é
vedada a faculdade de impor aos outros a sua própria vontade, a não ser que isso
decorra de um acordo livremente celebrado. Por conseguinte, o contrato avulta
como o instrumento jurídico típico no ambito das relações privadas.
Por seu turno, tendo que realizar em todas as circunstâncias o interesse público
definido na lei geral, e atento que a satisfação das necessidades colectivas
constitue o objectivo de toda a actividade administrativa, a administração
pública não pode normalmente utilizar face aos particulares os mesmos meios
que estes empregam uns com os outros. Logo, pela sua natureza, a actuação da
administração pública na realização do bem comum não se circunscreve à
celebração de contratos, posto que isso limitaria em grande medida a sua missão.
Com efeito, cingindo-se à actuação contratual, encontraria barreiras por parte
dos particulares engajados em defender os seus interesses individuais ou
grupais.
Em síntese: a satisfação do interesse público como finalidade da administração
pública determina a utilização de certos meios de autoridade que possibilitem
`as entidades e serviços públicos impor-se aos particulares, sem ter de aguardar
o seu consentimento ou mesmo fazê-lo contra a sua vontade.
Neste quadro, a administração pública pode agir de duas maneiras:
Por via de contrato bilateral (denominado contrato administrativo)
Por via de comandos unilateriais, que podem assumir a forma de acto normativo
( por
exemplo o regulamento administrativo) como a forma de decisão concreta e
inividual, caso
em que se chama acto administrativo. E esta é a via dominante de actuação.
Há dois aspectos fundamentais a reter nesta actuação da administração pública:

actividade económica desenvolvida pelo sector privada com observância da lei.; embora necessidade
colectiva, a colectividade não chama a si a responsabilidade pela sua satisfação.

16
1o Nas suas actuações com os particulares a administração pública vezes sem
conta recorre ao uso dos poderes de autoridade, poderes estes aos quais os
particulares não podem recorrer nas relações entre si;
2o Inversamente, a Administração Pública na sua actuação está sujeita a
restrições, encargos e deveres especiais de natureza jurídica, moral e financeira,
que a lei estabelece a fim de acautelar e defender o interesse público,e a que não
estão sujeitos os particulares na prossecução normal das suas actividades de
administração privada.
Esta é uma diferença de importância fundamental que precisamos de ter sempre
presente, dando-lhe o devido relevo. Na verdade, as restrições, encargos e os
deveres constituem uma diferença de importância fundamental que nem sempre
tem merecido o devido relevo.

A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO QUADRO DAS FUNÇÕES DO


ESTADO
Depois de havermos traçado as diferenças entre a administração pública e a
administração privada, importa por ora estabelecer a diferença entre a
administração pública e as demais funções do Estado, designadamente a política,
a legislação e a justiça.

1.2.3. A administração pública e a política


A diferença entre a administração pública e a política
Tem a ver com o facto de que, enquanto a finalidade da política é a definição do
interesse geral da colectividade, tendo como objecto as grandes opções que o
país enfrenta ao traçar o seu destino colectivo, a finalidade da administração
pública é a realização em termos concretos do interesse geral – já definido pela
política; isto é o objectivo da administração pública é a satisfaçào regular e

17
contínua das necessidades colectivas de segurança, cultura e bem-estar
económico e social.
Por outro lado, enquanto a política tem uma natureza criadora, inovadora,
principalmente nos aspectos fundamentais relativos à conservação e
desenvolvimento da comunidade nacional, a natureza da política é executiva e
consiste sobretudo em pôr em prática as orientações tomadas a nível político.
Acresce a isto que a função política é livre e primária, conhecendo apenas
algumas limitações ao nível da constituição, sendo assegurada pelos órgãos
superiores do Estado, os quais são normalmente eleitos directamente pelo povo
ao nível nacional. Diferentemente, a administração pública tem um carácter
condicionado e secundário, encontrando-se subordinada por definição às
orientações da política e da legislação. Sujeita-se à direcção e fiscalização dos
órgãos superiores do Estado, mas é assegurada por órgãos secundários, os
órgãos administrativos são nomeados ou então eleitos por colégios eleitorais
restritos.
De qualquer modo importa assinalar que não a política e a administração pública
não constituem compartimentos completamente estanques. Porquanto:
A administração pública sofre a influência directa da política;
A política sofre influência da administração, quando esta se sobrepõe a
autoridade política por qualquer razão enfraquecida ou incapaz.

1.3.3. Legislação e administração pública

A legislação igualmente define opções, objectivos, normas abstractas, enquanto


a administração executa, aplica e põe em prática o que lhe é superiormente
determinado.

18
A grande diferença a apontar consiste em a administração pública ser uma
actividade totalmente subordinda à lei : a lei constitui actualmente o
fundamento, o critério e o limite de toda a actividade administrativa.

1.3.3. Justiça e administração pública


Estas duas actividades comungam de várias características, designadamente o
seu carácter secundário, executivo e subordinado à lei.
Todavia, há traços que as distinguem:
A justiça visa aplicar o direito aos casos concretos, a administração pública visa
prosseguir interesses gerais da colectividade;
A justiça aguarda passivamente que lhe tragam os conflitos sobre que tem de
pronunciar-se, enquanto a administração pública toma a iniciativa de
satisfazer as nececssidades colectivas que lhe estão confiadas;
A justiça está acima dos interesses, é desinteressada, não é parte nos conflitos
que decide, quando por seu turno a administração pública defende e
prossegue os interesses colectivos a seu cargo, é parte interessada.
Como consequência, a justiça é assegurada por tribunais cujos juízes são
independentes no seu julgamento e inamovíveis no seu cargo; diversamente, a
administração pública está a cargo de órgãos e agentes hierarquizados, de modo
que os subalternos em regra dependem dos seus superiores, devendo-lhes
obediência.

A PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO COMO FUNDAMENTO


E OBJECTIVO DA EXISTÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

a) o interesse público em particular

19
Os fins da administração pública resumem-se num único objectivo: o bem-
comum da colectividade administrada. Pelo que toda a actividade do
administrador público deve ser orientada para esse objectivo: o interesse
público.
O interesse público equivale ao interesse geral da colectividade, o conjunto das
aspirações ou vantagens licitamente almejadas por toda a comunidade
administrada ou por uma parte expressiva de seus membros.
No desempenho dos encargos administrativos o agente do poder público não
tem a liberdade de procurar outro objectivo, ou de dar fim diverso do prescrito
em lei para a actividade.
Somente o interesse público definido pela lei pode constituir motivo
principalmente determinante de qualquer acto administrativo, ou de qualquer
decisão da administração pública. Caso contrário, estar-se-á perante o desvio de
poder, e consequentemente será um acto ilegal que, por isso, é passível de
anulação contenciosa.
Por outro lado, a prossecução de interesses privados invés do interesse público
por parte de qualquer órgão ou agente administrativo no exercício das suas
funções constitui corrupção, acarretando consequentemente todo um conjunto de
sanções, quer administrativas quer penais.

b) o poder administrativo
Na verdade, na realização do interesse público, a administração pública aparece
como um verdadeiro poder público, o poder administrativo, porquanto define a
sua conduta de acordo com a lei e dispõe dos meios necessários para impor o
respeito dessa conduta e para traçar a conduta alheia naquilo que com ela tenha
relação.
Constituem manifestações desse poder administrativo as seguintes prerrogativas
de que a administração pública goza:

20
- O poder regulamentar – que é o poder de fazer regulamentos, isto é de
definir previamente em termos genéricos e abstractos o sentido em que vai
aplicar as leis em vigor;
- O poder de decisão unilateral – que é o poder de traçar a sua conduta ou a
conduta alheia, independemente de recurso aos tribunais;
- O privilégio de execução prévia – que é a faculdade de executar as suas
decisões por autoridade própria, isto é independentemente ou mesmo contra
da vontade do particular lesado, e antes de qualquer decisão judicial.
- O regime especial dos contratos administrativos – que integra as
prerrogativas de autoridade de que a administração pública goza no âmbito
da contratação, as quais não assistem aos particulares.

As prerrogativas de autoridade consistem pois em poderes e ou faculdades


atribuidos por lei à Administração Pública e que lhe conferem uma posição de
superioridade em relação aos demais sujeitos de direito no âmbito das relações
jurídico-administrativas.

Actividades de gestão pública e de gestão privada

A actividade da administração pública no âmbito da realização do interesse


público pode assumir duas formas:
Umas vezes a administração pública actua despida dos poderes públicos, actua
portanto em posição de igualdade com os particulares a que os actos
respeitam, nas mesmas condições e sujeitando-se ao mesmo regime em que
poderia proceder um particular, com submissão às normas do direito privado;
Outras vezes, a administração pública actua com recurso ao poder público,
segundo regras de direito público, realizando uma função pública da pessoa
colectiva em causa, independentemente de envolverem ou não o exercício de

21
meios de coacção e independentemente ainda das regras técnicas ou de outra
natureza que sejam observadas.

No primeiro caso estamos perante um actividade administrativa de gestão


privada, entendida como a actividade da Administração pública desenvolvida
sob a égide do direito privado (Civil, comercial, laboral, etc)
Já no segundo caso está-se perante uma actividade administrativa de gestão
pública, entendida como a actividade da Administração Pública desenvolvida
sob a égide do Direito Administrativo. É por isso que se diz que o Direito
Administrativo é formado pelas normas que regulam as relações estabelecidas
entre a Administração Pública e outros sujeitos de direito no desempenho da
actividade administrativa de gestão pública; porquanto exclui-se do âmbito do
Direito Administrativo todas as actividades de gestão privada da Administração
Pública.

Tipos de actividade administrativa de gestão pública

Neste sentido, importa abordarmos os tipos de actividade administrativa de


gestão pública, designadamente:

O serviço público;

A polícia administrativa;

Apoio à iniciativa privada.

a) O serviço público - é o modo de actuar da autoridade pública a fim de


facultar por modo regular e contínuo a todos quantos deles careçam, os meios
idóneos para a satisfação de uma necessidade colectiva individualmente

22
sentida 11. Por exemplo a necessidade de comunicação, a necesidade de
previdência social e as necesidades colectivas instrumentais.

O serviço público é fundamentalmente destinado à prestação de utilidades


concretas, prestação de bens materiais ou imateriais aos indivíduos
singularmente considerados; pelo que a sua existência se justifica na medida em
que se tornou indispensável assegurar no seio da colectividade a regularidade e
continuidade dessas prestações, de maneira tal que cada um saiba contar com
elas na ocasião oportuna.

b) A polícia administrativa – é o modo de actuar da autoridade administrativa


que consiste em intervir no exercício de actividades individuais susceptíveis
de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam,
ampliem ou generalizae os danos sociais que as leis procuram prevenir 12.
Portanto, esta actuação pressupõe o exercício de um poder condicionante de
actividades alheias, garantido pela coacção sob a forma característica da
administração, e pressupõe também a existência de normas de conduta dos
particulares e a possibilidade da sua violação por estes.
Por outro lado, é de sublinhar que só interessa à polícia o que constitui
perigo susceptível de projectar-se na vida pública, e nunca o que apenas
afecta interesses privados ou intimidade das existências pessoais. Pelo que o
objecto principal da polícia é a prevenção dos danos sociais, quer impedindo
acções donde possa resultar o facto danoso, quer impedindo a ampliação de
um dano em consumação 13.

11
Cf, RIVERO, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 494, em que refere que “ o
serviço público é uma forma de actividade administrativa em que uma pessoa pública assume
a satisfação de uma necessidade de interesse geral.”
12
Cf. RIVERO, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 478 em que refere que “ por
polícia administrativa entende-se o conjunto das intervenções da Administração que tendem a impor
à livre acção dos particulares a disciplina exigida pela vida em sociedade”.
13
Cf. Rivero, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 479, em que refere que “ a
polícia administrativa tem por fim prevenir os atentados à ordem pública”, acrescentando que “... a
polícia administrativa tende a evitar que uma perturbação surja ou se agrave”.

23
Finalmente, é de anotar que os danos sociais que representam preocupação de
polícia são os danos constantes da lei, sem prejuízo do carácter normalmente
discricionário (não arbitrário) dos poderes de polícia.
A polícia pode ser administrativa ou judiciária.
A polícia judiciária tem por finalidade efectuar a investigação dos crimes e
descobrir os seus agentes, proceder à instrução preparatória dos respectivos
processos, e organizar a prevenção da criminalidade, especialmente da
criminalidade habitual.
Por seu turno, a polícia administrativa pode ser geral ou especial,
consoante vise a observância e a defesa da ordem jurídica globalmente
considerada (polícia de segurança ou de costumes), ou a observância e a
defesa de determinados sectores da ordem jurídica, como sejam a saúde
pública (polícia sanitária), a economia nacional (polícia económica) os
transportes públicos (polícia dos transportes), etc

c) Apoio à iniciativa privada


Esta forma de actuar tem justificação na ideia de que a colectividade tem
interesse na manutenção e desenvolvimento de certas actividades puramente
privadas, quer porque:
a actividade privada visa um fim desinteressado, que coincide com o interesse
geral (actividades culturais, sociais, beneficientes, desportivas, educativas);
a actividade privada vise um fim interessado conforme ao interesse económico
do país ( valorização dos recursos mineiros, ou de um modo mais genérico
actividade económica de base).
- o objectivo de base não se considera de interesse geral, mas este ficaria
comprometido se não se realizar o interesse particular em apreço (como é o caso
dos cultos num Estado laico)
O auxílio à iniciativa privada não altera a natureza puramente privada da
actividade ou da empresa beneficiária, não as transforma em serviços públicos.

24
Modalidades de auxílio à iniciativa privada

a) Do ponto de vista do acto jurídico porque se efectiva


Nesta perspectiva importa distinguir entre os casos ( que constituem a maioria)
em que a decisão de auxílio apresenta carácter unilateral, emana apenas da
autoridade pública, definindo-se ao mesmo tempo os controles e obrigações que
são a contrapartida dessa ajuda, daqueles outros casos em que a decisão pode
tomar a forma de contrato através do qual um pessoa privada se compromete a
sujeitar-se a determinadas obrigações , vinculando-se à pessoa pública, em
contrapartida , a fornecer-lhe o auxílio convencionado.

b) Do ponto de vista das vantagens postas à disposição dos particulares


Nesta óptica, é possível distinguir:
Vantagens de ordem jurídica – que asseguram um estatuto de direito privado
que lhe permite alargar ao máximo a sua actividade e os seus recursos. Por
exemplo: beneficiar das prerrogativas de poder público, como expropriar,
cobrança de determinadas contribuições obrigatórias com carácter parafiscal;
vantagens financeiras – que podem ser :
directas – caso em que toma a forma de subvenção ou de garantia de juro, ou a
de subscrição de uma parte do capital;
indirectas – caso dos benefícios fiscais, protecção alfandegária, tarifas postais ou
de transporte reduzidas.
vantagens materiais – pondo-se à disposição dos interessados algumas
dependências do seu domínio público,ou destacando-se alguns agentes
públicos.

25
Contrapartidas
Muitas vezes o auxílio do Estado é acompanhado de um controlo sobre a
empresa ou grupo beneficiário. A contrapartida da ajuda pecuniária do Estado é
por vezes uma participação do Estado nos lucros da empresa.

OS SISTEMAS ADMINISTRATIVOS

Conceito de sistema administrativo – são modos jurídicos de organização,


funcionamento e controle da Administração Pública.
Deste ângulo, é possível distinguir entre o sistema tradicional e os sistemas
modernos, dentro do qual é possível ainda entre sistema britânico e o sistema
francês.

3.1. O SISTEMA TRADICIONAL

Este sistema do período da monarquia tradicional europeia assentava nas


seguintes características:
Indiferenciação das funções administrativa e jurisdicional, e , por conseguinte,
não havia uma separação rigorosa entre os órgãos do poder executivo e do
poder judicial.
Na verdade, o rei era simultaneamente o supremo administrador e o supremo
juíz, aparecendo a exercer tanto a função administartiva como a função judicial.
O mesmo ocorrendo com as demais autoridades públicas.
Em resumo, não havia separação de poderes.

Não subordinação da Administração Pública ao princípio da legalidade e,


consequentemente, insuficiência do sistema de garantias jurídicas dos
particulares face à administração.

26
Isto significa que ou de todo em todo não havia normas que regulassem a
administração pública, ou então que essas normas nem sempre revestiam
carácter jurídico, podendo ser meras instruções ou directivas internas, sem
carácter obrigatório externo; vinculavam apenas os funcionários subalternos
perante os respectivos superiores hierárquicos, mas não conferiam quaisquer
direitos aos particulares face à Administração Pública.
E mesmo quando existissem algumas regras de carácter jurídico que
vinculassem a Administração Pública, tratava-se de regras avulsas que não
constituiam um sistema, podiam ser afastadas por razões de conveniência
administrativa ou de utilidade política, e por último o soberano podia a seu belo
prazer, dispensar quem quizesse dos deveres gerais impostos por essas normas,
ou atribuir direitos especiais a determinadas pessoas ou entidades, conferindo-
lhes privilégios.
Em resumo não havia Estado de Direito.

3.2. OS SISTEMAS MODERNOS

“Toda a sociedade que na qual a garantia dos direitos não esteja assegurada,
nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição”
Diferentemente do sistema tradicional, caracterizado por ausência de separação
de poderes e de Estado de Direito, os sistemas modernos baseam-se na
separação de poderes – isto é o poder do rei foi repartido em funções diferentes
e entregaram-se estas a órgãos distintos - e no Estado de Direito – isto é
proclamaram-se os direitos do homem como direitos naturais anteriores e
superiores aos do Estado -, sendo afinal estes aspectos comuns quer ao modelo
britânico, quer ao modelo francês.

27
Na verdade, as revoluções liberais que ocorreram tanto na Inglaterra (em 1688)
como na França (em 1789) visavam fundamentalmente combater e ultrapassar a
concentração de poderes que caracterizava o sistema monárquico, tradicional.
De tal modo que quer o sistema britânico, quer o sistema francês assentam na
ideia de democratização das instituições (incluindo a Administração Pública) e
da sociedade.
O sistema administrativo britânico é também chamado sistema de administração
judiciária, em virtude de nele os Tribunais exercerem um papel preponderante.
Por sua vez, o sistema administrativo de tipo francês é também chamado de
sistema de administração executiva, em virtude de nele se reconhecer à
administração pública autonomia em relação aos Tribunais.
Todavia, há aspectos específicos que distinguem os sistemas administrativos de
tipo britânico e o de tipo francês:

Quanto à organização administrativa


O sistema britânico, à nascença optou pela descentralização administrativa,
através da criação de pessoas colectivas públicas de população e território,
permitindo assim não concentrar todas as atribuições da Administração Pública
no Estado.
.Já o sistema francês, optou pela centralização administrativa, que corresponde à
ideia de concentrar a realização da actividade administrativa numa única pessoa
colectiva pública: o Estado.

a) Quanto ao controle jurisdicional da Administração Pública


No sistema britânico, o controle da actividade da Administração Pública é
assegurado pelos Tribunais Comuns, isto é dos Tribunais que resolvem litígios
que surgem nas relações entre particulares. Não foram portanto criados tribunais
especiais para os litígios que resultam da actividade administrativa. Há por isso,
neste sistema, unidade de jurisdição.

28
No sistema francês, a responsabilidade pelo controle jurisdicional da
Administração Pública é atribuída aos Tribunais Administrativos, como
tribunais especiais, que consubstanciam a chamada jurisdição administrativa. O
que significa que há tribunais que resolvem os litígios que resultam das relações
entre particulares (comuns) e há outros que se ocupam dos litígios que resultam
das relações em que intervem a Administração Pública. Há portanto dualidade
de jurisdições.

b) Quanto ao direito que regula a Administração Pública


No sistema britânico, é o direito comum, o mesmo que regula as relações entre
particulares, basicamente direito privado, que regula a Administração Pública.
No sistema francês, já não é o Direito comum que regula a Administração
Pública, tendo-se criado um direito especial para o efeito, o Direito
Administrativo, que basicamente é um ramo do direito público.

a) Quanto à execução das decisões administrativas


No sistema britânico ou de administração judiciária, a eficácia das decisões da
Administração Pública depende (muitas vezes) de sentença dos Tribunais,
sobretudo quando o cidadão não se dispuser a cumprir ou a executá-las
voluntariamente.
Já no sistema administrativo de tipo francês, as decisões da administração
Pública têm autoridade própria, e a sua execução não depende da intervenção
prévia de qualquer tribunal, não depende portanto de sentença de qualquer
tribunal, falando-se aqui do privilégio de execução prévia.

29
b) Quanto à organização das garantias jurídicas dos administrados
No sistema britânico, confere-se aos Tribunais Comuns amplos poderes de
injunção face à Administração Pública, isto é, os Tribunais Comuns têm o poder
de obrigar a Administração Pública a cumprir, a executar as sua sentenças, o
mesmo poder a que fica subordinada a generalidade dos cidadãos. A este poder
que os Tribunais Comuns têm de obrigar a Administração Pública a cumprir as
suas sentenças corporiza portanto a chamda jurisdição plena.
Já no sistema de tipo francês, só se permite aos Tribunais Administrativos que
anulem as decisões ilegais das autoridades administrativas, ou as condene ao
pagamento de indemnizações. Significa que os Tribunais Administrativos em
princípio não têm o poder de obrigar a Administração Pública a cumprir as suas
sentenças; como forma também de garantir a independência da Administração
Pública em relação ao poder judicial.

EVOLUÇÃO ACTUAL DOS SISTEMAS ADMINISTRATIVOS


MODERNOS
Os traços distintivos atrás enunciados correspondem a uma caracterização
daqueles sistemas modernos na sua pureza. Entretanto, estes sistemas
actualmente não se apresentam na sua pureza, como resultado da evolução que
vêm sofrendo ao longo dos tempos.
O princípio geral é o de que há uma aproximaçào entre os dois sistemas.
Designadamente:

a) Quanto à organização administrativa


O sistema britânico originariamente descentralizado, vem ganhando
características centralizadoras, à mesma altura em que o sistema francês
gradualmente perdeu o carácter de total centralização que foi atingido no
império napoleônico, e tornou-se descentralizado há mais ou menos quinze a
vinte anos.

30
b) Quanto ao controle jurisdicional da Administração Pública
As diferenças fundamentais mantêm-se, embora haja aparentes aproximações
entre ambos. Por exemplo, no sistema britânico surgem numerosos tribunais
administrativos, que, embora diferentes dos tribunais administrativos franceses,
são independentes e actuam segundo processos jurisdicionalizados.
Por outro lado, verifica-se um aumento significativo em França das relações
entre os particulares e o Estado submetidas à fiscalização dos Tribunais Judiciais
(isto é dos Tribunais Comuns), como consequência do crescimento do número
de casos em que a Administração Pública actua sob égide do Direito Privado, e
não à luz do Direito Público (ex: os casos de empresas públicas).

c) Quanto ao Direito que regula a Administração Pública


No sistema de administração britânica (conhecido por sistema de administração
judiciária) verifica-se a publicização do direito inglês. Em França, verifica-se a
privatização do direito francês.

d) Quanto à execução das decisões administrativas


A aproximação não é bastante substancial, embora se verifique.E ela se
manifesta da seguinte forma:
No sistema britânico verifica-se a criação dos Administrative Tribunals, que
observam o princípio do contraditório;
Por outro lado, no sistema francês institucionalizou-se a figura da suspensão da
eficácia das decisões unilaterais da Administração Pública, o que significa
que no fim de contas no Direito Francês muitas das decisões da
Administração Pública só vêm a ser executadas se um Tribunal
Administrativo, a pedido de um particular interessado, a tal não se opuser.

31
Neste caso, a suspensão será rejeitada se a paralização da execução implicar
grave prejuízo ao interesse público e ou o pedido de suspensão constituir um
expediente dilatório.

e) Quanto às garantias jurídicas dos particulares


No sistema britânico constata-se uma limitação da jurisdição plena, mediante a
impossibilidade de substituição à Administração no exercício de poderes
discricionários que a lei lhe confere. No sistema francês, para além da anulação
de actos ilegais e abusivos, os tribunais já podem nomeadamente em matéria de
execução de suas próprias sentenças declarar o comportamento devido pela
Administração Pública, isto é declarar o que deve fazer sobre os actos, sob pena
de ilicitude na actuação da Administração Pública.
Finalmente, em ambos os sistemas no quadro das garantias jurídicas dos
particulares, consagrou-se a figura do Ombudsman, ou provedor de justiça,
Parlamentary Comissionery for Administration (1967) , Mediateur (1963) e
Portugal e Angola.
Trata-se da mais moderna instituição de garantia dos administrados em face da
actuação da Administração Pública, sendo uma figura de origem nórdica, que
serve de último recurso dos cidadãos face a qualquer actuação da Administração
Pública que, no seu entender, tiver legal, ilegal ou ilicitamente ofendido os seus
direitos ou interesses.
O Provedor da Justiça actua através da persuasão, de recomendações (e não de
decisões), segundo a lei e o bom senso, devendo por isso ser uma
individualidade equilibrada. Normalmente tem que ser uma pessoa a quem
interesse defender a razão pela razão, a dignidade pela dignidade. Não pode ser
uma pessoa economicamente vulnerável, tem que ser políticamente
equidistante, olhar para as pessoas com base na igualdade constitucional.

32
O Provedor da Justiça actua também por meio de conferências de imprensa,
através da informação anual à Assembleia da República, na qual tece elogios e
críticas.
Muitos países demoram institucionalizar esta figura na medida em que significa
alocaçao de recursos humanos, materiais e financeiros. É melhor consolidar as
instituições que existem do que criar outras que só nos irão custar em termos
materiais e humanos até começarem a produzir.
Finalmente, duas conclusões importa sublinhar:
1a. Os sistemas britânico e francês mantêm-se até os dias de hoje
(essencialmente) diferentes, embora haja alguns aspectos de aproximação.
Significa, portanto, que o princípio fundamental que inspira cada um dos
sistemas modernso que analisamos é diferente do outro. A maioria das soluções
que vigoram num e noutro sistema é diferente. A técnica jurídica usada por um e
por outro também não é a mesma.
2a Ao longo da sua evolução no entanto os sistemas modernos conheceram
aproximações; designadamente:
a) Quanto à organização administrativa;
b) Quanto ao Direito regulador;
c) Quanto ao regime de execução das decisões administrativas;
d) Quanto às garantias jurídicas dos administrados.
Além disso, hoje em dia, e particularmente no âmbito da globalização, verifica-
se o nascimento de um direito comum aplicável a vários países que pertencem às
mesmas comunidades (membros de uma dada comunidade), como ocorre na
união europeia (Comunidade Europeia). Como consequência da aplicação deste
Direito Comum verifica-se a recepção de figuras jurídicas e de institutos
jurídicos originariamente pertencentes a um destes dois sistemas em todos os
países de uma dada comunidade independentemente de internamente cada um
ter optado pelo sistema de Administração Executiva ou pelo Sistema de
Administração Judiciária.

33
Ora, esta corrente migratória de figuras e institutos jurídicos concorre para uma
maior aproximação dos dois sistemas modernos de que falamos ao nível
jurídico.
A diferença fundamental entre os dois sistemas modernos reside no tipo de
controle jurisdicional da Administração Pública. Concretamente, no caso do
sistema de administração judiciária, o controle jurisdicional da Administração
Pública cabe aos Tribunais Comuns, enquanto que no Sistema de Administração
Executiva o controle jurisdicional da Administração Pública cabe aos Tribunais
Administrativos. De reter que, neste último caso, o controle realizado pelos
Tribunais Administrativos circunscreve-se à actividade administrativa de gestão
pública.

II

O DIREITO ADMINISTRATIVO

Condições para a sua existência


A existência do Direito Administrativo pressupõe que estejam verificadas duas
condições, designadamente:
Que a Administração Pública e a actividade administrativa sejam reguladas por
normas jurídicas propriamente ditas, isto é, por normas de carácter
obrigatório;
Que essas normas jurídicas sejam distintas daquelas que regulam as relações
privadas dos cidadãos entre si 14.

14
A este propósito argumenta Jean Rivero na sua obra, Direito Administrativo, Almedina Coimbra,
1975, pg 21 que “o princípio da submissão da Administração ao Direito não acarreta
necessariamente a existência de um direito administrativo, ou seja de um direito especial da
Administração. Ela pode ser regida pelo mesmo direito que os particulares, quer dizer pelo
direito privado.”

34
Origem do Direito Administrativo
O Direito Administrativo nasce na sequência da revolução francesa de 1789,
cujos objectivos fundamentais traduziam-se em:
Combater o poder absoluto dos monarcas;
Criar bases para a construção de um Estado democrático.
Neste contexto, o Direito Administrativo surge como resposta à necessidade de
criar normas jurídicas para regular a actividade da Administração Pública.
Com efeito, como resultado da sua interpretação peculiar do princípio da
separação de poderes, em França foi criado o Conselho de Estado, o qual para
além de constituir um órgão consultivo da Administração Pública, representava
um órgão jurisdicional, especializado a fiscalizar a legalidade da actividade da
Administração Pública.
Entretanto, o Conselho de Estado entanto que órgão jurisdicional – e por causa
da preocupação de ter um órgão que se ocupasse de controlar a actividade da
Administração Pública habituada a violar a lei - começou a funcionar sem que
houvesse um direito especial que regulasse a actividade da Administração
Pública.
Ora, o Direito Administrativo nasce das decisões e sentenças do Conselho do
Estado. Portanto, os princípios do Direito Administrativo na sua origem
resultam do conteúdo das sentenças do Conselho de Estado, que foram
compiladas, sintetizadas e propiciaram a criação de normas jurídico-
administrativas.
Por outras palavras, a evolução do Direito Administrativo não obedeceu ao ciclo
normal de evolução do Direito e da Ciência Jurídica em geral; pois, invés de
primeiro surgir o Direito a aplicar e posteriormente se criar o Tribunal
especializado na sua aplicação, primeiro surgiu o Tribunal Administrativo
(Conselho de Estado) e só posteriormente, através da actividade juriscional
deste, foi nascendo o Direito Administrativo.

35
Neste sentido, o Direito Administrativo é um Direito muito influenciado pela
jurisprudência, sendo o conteúdo das sentenças dos Tribunais uma grande fonte
de Direito Administrativo.

A subordinação da Administração Pública ao Direito


Como consequência da legalidade democrática subjacente à revolução francesa,
a Administração Pública vincula-se ao Direito, está sujeita a normas jurídicas
obrigatórias e públicas, que têm como destinatários tanto os próprios órgãos e
agentes da Administração Pública, como os particulares, os cidadãos em geral
Este princípio nasce protanto dos princípios da revoluçào francesa,
nomeadamente o da separação de poderes e o da lei como expressão da vontade
geral, resultando daqui o carácter subordinado à lei – e, portanto, secundário e
executivo - da Administração Pública.
São apontadas três consequências do princípio da subordinação da
Administração Pública à lei:
1o Toda a actividade administrativa desenvolve-se tendo como fundamento,
critério e limite a lei, quer seja actividade administrativa de gestão pública, quer
seja actividade administrativa de gestão privada;
2o A actividade administrativa entanto que tal é uma actividade de carácter
jurídico, isto é a actividade administrativa produz direitos e deveres para a
Administração Pública, quer na sua organização, quer no seu funcionamento,
quer ainda no seu relacionamento com os particulares;
3o O Ordenamento Jurídico deve atribuir aos particulares garantias que lhe
assegurem o cumprimento da lei pela Administração Pública, sendo esta
consequência o fundamento da existência das garantias dos particulares, no
sentido de que os particulares precisam ter a certeza, a segurança e a
previsibilidade daquilo que a Administração Pública pode fazer em cada
momento.

36
Decorre daqui em última análise a necessidade de controlo da Administração
Pública pelos Tribunais.
Aqui chegados, importa elucidar que nalguns sistemas a opção é no sentido de a
Administração Pública estar subordinada ao Direito Administrativo e ser
controladas pelo Tribunal Administrativo, sendo que noutros sistemas a
Administração Pública está subordinada ao Direito Comum e é controlada pelo
Tribunal comum.
A ordem jurídica moçambicana optou pela subordinação da Administração
Pública ao Direito Administrativo e pelo controlo pelo Tribunal Administrativo.
Pelo que importa assinalar as razões que levaram a esta opção da ordem jurídica
moçambicana, designadamente:
O ponto de partida é que a ordem jurídica moçambicana faz parte da família do
Sistema Administrativo Francês ou Executivo, contrariamente ao Sistema
Administrativo Britânico ou de Administração Judiciária;
A primeira grande razão tem a ver com o Direito Administrativo em si; o Direito
Administrativo existe como um Direito Público especial para disciplinar as
actividade administrativa como actividade especial. Pelo que não faria sentido
que, sendo a actividade administrativa uma actividade especial fosse regulada
pelo Direito Comum.
De facto, a actividade administrativa implica a opção por soluções igualmente
específicas ou seja soluções de direito administrativo. Numa palavra, sendo a
actividade administrativa diferente da actividade privada, as normas jurícas
aplicáveis num ou noutro caso devem ser igualmente ser diferentes, sendo de
Direito Administrativo no primeiro caso e de Direito privado, comercial ou civil
no segundo caso.
Já a opção pela sujeição ao controlo dos Tribunais Administrativos tem a ver
com a conveniência de uma especialização dos Tribunais em função do Direito
substantivo que são chamados a aplicar.

37
Noção de Direito Administrativo

É o ramo do Direito Público constituído pelo sistema de normas jurídicas que


regulam a organização e o funcionamento da Administração Pública, bem como
as relações por esta estabelecidas com outros sujeitos de direito, no exercício da
actividade administrativa de gestão pública.

Assim entendida, a definição de Direito Administrativo compreende quatro


elementos fundamentais:
O Direito Administrativo é um ramo do Direito Público;
Direito Administrativo é um sistema de normas jurídicas;
O Direito Administrativo visa a disciplina jurídica da organizaçào e
funcionamento da Administração Pública;
O Direito Administrativo visa a disciplina jurídica da actividade administrativa
de gestão púbica, composta pelas normas jurídico-relacionais.

Tipos de normas jurídico-administrativas


Existem três tipos de normas jurídico-administrativas:
• Normas jurídico-administrativas organizativas ou orgânicas – que regulam
a organização da Administração Pública, definem as entidades públicas, suas
atribuições, seus órgãos e respectivas competências.
• Normas jurídico-administrativas funcionais - que regulam o modo de agir
específico da Administração Pública, estabelecendo processos de
funcionamento, métodos de trabalho, tramitação a seguir, formalidades a
cumprir, etc;
• Normas jurídico-administrativas relacionais- que são aquelas que regulam
as relações entre a Administração Pública e os demais sujeitos de direito, no
desempenho de actividades administrativas de gestão pública.

38
As normas jurídico-relacionais subdividem-se em três espécies, a saber:
- Normas que conferem poderes de autoridade à Administração Pública no seu
relacionamento com os particulares;
- Normas que submetem a Administração Pública a deveres, sujeições ou
limitações especiais, impostas por motivos de interesse público;
- Normas que atribuem direitos subjectivos ou reconhecem interesses legítimos
dos particulares face à Administração Pública.

Natureza do Direito Administrativo


Existem três teses correspondentes a outras tantas correntes de pensamento:
1a Tese: O Direito Administrativo é um Direito excepcional, constituído por
normas exorbitantes que se traduziriam num conjunto de excepções ao Direito
privado. Quer isto dizer que o Direito Administrativo constitui uma excepção à
regra geral que é o Direito Comum.
Todavia, uma análise mais exaustiva conduz-nos à conclusão de que o Direito
Administrativo não é um Direito excepcional, é um Direito comum ou da
Administração Pública ou da actividade administrativa.

2a Tese: Para esta corrente de pensamento, o Direito Administrativo é um


Direito Comum da Administração Pública 15, na medida em que estabelece a
regulamentação jurídica de uma categoria singular de sujeitos – as
Administrações Públicas ou seja as pessoas colectivas públicas. É o Direito
específico dessas entidades enquanto sujeitas de Direito. Por conseguinte, o
Direito Administrativo é um ramo do Direito Público, é um Direito comum da
Administração Pública.
Nas relações jurídico-administrativas, a presença da Administração Pública é um
requisito necessário para que exista uma relação jurídico-administrativa.

15
Cf. RIVERO, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 13.

39
3a Tese: Para esta corrente de pensamento, o Direito Administrativo é um
Direito Comum da função administrativa, em atenção aos seguintes
fundamentos:

A existência de normas de Direito privado que são específicas da Administração


Pública, como é o caso por exemplo de regras especiais sobre arrendamento do
Estado, como é o caso ainda do direito de superfície das pessoas colectivas
públicas;
O Direito Administrativo não é o único ramo do Direito aplicável à
Administraçã Pública; com efeito, também se aplicam à Administração Pública
o Direito privado administrativo a par do Direito Administrativo propriamente
dito;
A presença da Administração Pública não é um requisito necessário para que
exista uma relação jurídico-administrativa. Com efeito, há relações jurídico-
administrativas entre dois ou mais particulares sem qualquer presença da
Administração Pública.
Nestes casos, a aplicação do Direito Administrativo assenta no facto de estar em
causa o desempenho objectivo da função administrativa, e não por causa da
presença subjectiva de uma pessoa colectiva pública. E a conclusão para esta
tese é a de que o Direito Administrativo é o Direito Comum da função
administrativa de gestão pública, e não um Direito comum da Administração
Pública.

Traços Fundamentais do Direito Administrativo


Apontam-se quatro traços fundamentais do Direito Adiministrativo, a saber:
Juventude:
Influência Jurisprudencial;
Autonomia;
Codificação incompleta.

40
a) A juventude
Enquanto os outros ramos do direito e particularmente do Direito Civil
nasceram em épocas mais remotas, na Roma antiga, o Direito Administrativo
surgiu no século XVIII, na esteira da revolução francesa de 1789. E isto implica
haver muitos passos a dar em matéria de Direito Administrativo, nomeadamente
quanto aos sistemas, métodos, noções e sectores do Direito Administrativo. A
vantagem é poder proporcionar soluções novas.

b) Influência jurisprudencial 16
Tem imfluencia jurisprudencial porque o D.A busca sentencas ja passadas
para encaminhar certos casos.
“ ... a jurisprudência desempenha no Direito Administrativo um papel muito
mais criador do que em direito privado”.

c) Autonomia;
No sentido de que o Direito Administrativo é um direito autónomo, é um ramo
de Direito autónomo, por isso diferente dos outros ramos do Direito. Diferente
quanto ao seu objecto, no seu método e diferente no espírito que domina as suas
normas, e ainda diferente nos princípios gerais que enformam essas normas.
Depreende-se daqui que o Direito Administrativo não é um conjunto de
excepções ao direito privado, não é um conjunto de normas derrogatórias do
Direito privado, ou de normas exorbitantes em relação a eles.
O Direito Administrativo é um ramo de Direito diferente do Direito Privado,
completo, formando, por isso, um todo que constitui um sistema, um verdadeiro
corpo de normas e de princípios subordinados a conceitos privativos desta
disciplina e deste ramo de direito.

16
A este propósito desta característica, escreve Jean Rivero no seu livro intitulado Direito
Administrativo, pg 6, que “ ... a jurisprudência desempenha no Direito Administrativo um papel muito
mais criador do que em direito privado”.

41
Neste contexto, as lacunas resultantes de omissões são integradas através de
soluções que vão desde o recurso à analogia dentro do próprio sistema do
Direito Administrativo até ao recurso aos princípios gerais do Direito.
Significa que, em caso de lacuna, a respectiva integração processa-se recorrendo
sucessivamente, em caso de necessidade:

1o Analogia dentro do Direito Administrativo;


2o Princípios gerais do Direito Administrativo;
3o Analogia noutros ramos de Direito Público;
4o Princípioos gerais do Direito Público;
5o Princípios gerais do Direito.

d) Codificação incompleta ou parcial


Em nenhum país existe codificado todo o Direito Administrativo.

Ramos do Direito Administrativo


Militar;
Cultural;
Social;
Económico – o qual tende a autonomizar-se 17.
Financeiro;

Fronteiras do direito administrativo


Trata-se nesta epígrafe de proceder à delimitação do Direito Administrativo em
relação a outros ramos de Direito, nomeadamente o Direito Privado, o Direito
Constitucional, o Direito judiciario, o Direito Penal e o Direito Internacional.

17
Assinale-se que o Direito Fiscal já foi ramo do Direito Administrativo, tendo dele se autonomizado.

42
a) Direito Administrativo e Direito Privado
As diferenças existem quanto ao objecto, quanto à origem e quanto a sua idade,
quanto às soluções materiais consagradas para os problemas de que se ocupam.
No Direito privado, as soluções adoptadas são de igualdade entre as partes, já
que assentam nos princípios da liberdade e da autonomia da vontade. O Direito
Administrativo por sua vez adopta soluções de autoridade por assentar no
princípio da prevalência do interesse público sobre os interesses particulares.

ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DE MOÇAMBIQUE


A abordagem desta matéria será feita repartindo-a em três partes:
Parte I – Organização Administrativa de Moçambique durante o período de
dominação colonial portuguesa;
Parte II – Orgnaização Administrativa de Moçambique desde 1975 até 1990;
Parte III – Organização Administrativa de Moçambique a partir de 1990 em
diante.

I. ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DE MOÇAMBIQUE DURANTE


O
PERÍODO DE DOMINAÇÃO COLONIAL PORTUGUESA

1.1. Fundamento da sua abordagem


“ Há talvez quem julgue que o passado é passado e que não se deveria mais
recordar. Embora os que pensam desta maneira não estejam completamente
errados, o certo é que, se nós não conhecermos o passado, sujeitamo-nos a
repetir as mesmas falhas e durante o tempo colonial não nos foi dada
oportunidade para tal” 18;
Conhecer o passado para construir o presente e preparar o futuro.

43
1.2. O período pré-colonial
1.2.1. Duração : 1500 – 1900

1.2.2.Caracterização geral
Ao analisar-se Descobrir ou encontrar moçambicanos?
A civilização de Muenemutapa.

1.2.3. O Sistema dos prazos Sistema de prazos da Zambézia, Sistema de


prazos da Coroa

O sistema de prazos constituiu uma primeira tentativa dos portugueses visando


estabelecerem em Moçambique uma instituição composta por elementos não
militares, tendo sido conhecido também como o sistema de prazos da
Zambézia19.

Significado
Prazo era uma superfície de terra cedida pela Coroa Portuguesa a indivíduo,
“prazeiro”, por um período de três gerações (prazo de três gerações);regra geral
esta superfície de terra tinha cinco léguas quadradas, e havia possibilidade de
prolongamento do período da duração por mais outro período de igual duração 20.
Prazeiros eram cessionários de prazos, normalmente portugueses criminosos,
condenados à morte quer por homicídio, quer por crimes políticos, ou crimes
de outra espécie, absolvidos por lei, sob condição única de irem “civilizar”
África como prazeiros 21.

18
Cf. MAR, Eli J.E. in Exploração Portuguesa em Moçambique, Estudos Coloniais Portugueses, Vol.
I, 1975, pg 9, African Studies Editorial.
19
Cf. ob. cit., pag. 28, em que o autor explica que “... um dos principais motivos que levou os
portugueses à criação do sistema de prazos foi a sua expansão económica, camuflada histórica e
literalmente como “obra colonizadora e missionária”.
20
Ob. Cit. Pg 25.
21
Explica o autor da obra que estamos a seguir que, em face da dificuldade em encontrar
portugueses que estivessem interessados a imigrar para a África, foi então decretada uma lei que
absolvia todos os criminosos condenados à morte...com a única condição de irem “civilizar” a África...

44
A estes se juntaram os aventureiros com frustrações de carácter social,
político, económico ou religioso vieram para Moçambique, uns com sede de
sangue, outros com a ambição de um dia virem a ser senhores abastados 22.

Subordinação dos prazeiros


Sujeição dos prazeiros (ao menos formal) às leis régias e ao capitão-mor,
representante do rei/monarca de Portugal em Moçambique;
Sujeição do Capitão-Mor ao Vice-Rei da índia que não directamente à Coroa
Portuguesa.

1.2.3.1. Organização política e administrativa do prazo


Tentativa de autonomização face à coroa portuguesa bem como relativamente a
toda a influência dos administradores locais sem representantes. Evidências:
Dominação de terrenos muito superiores às cinco léguas originariamente
recebidas (nos fins do século XVIII já havia prazos com uma extensão
superior a 1.000 quilômetros quadrados).
Fixação dos impostos a serem pagos pela população africana residente dentro
dos prazos e seus arredores;
Feitura de leis pelos prazeiros utilizadas para a administração do prazo.
Exército próprio formado de escravos africanos e, mais tarde, de mercenários
portugueses e de outras nacionalidades, bem como de prazeiros falidos 23.
Neste contexto, os prazeiros actuaram politicamente como grandes senhores
feudais à imagem e semelhança dos senhores feudais da idade média europeia.

1.2.4. A conferência de Berlim e o ultimato da Inglaterra


Participação de 14 nações/partilha de África

22
Ob. Cit. Pg 25. O autor conclui: “Em resumo e conclusão pode-se dizer que o prazeiro era o “lixo”
do lixo que compunha a grande parte da sociedade portuguesa daquele tempo.
23
Sobretudo como consequência da reconquista das suas terras pelos africanos.

45
Importância das decisões tomadas nesta Conferência para a História de África: a
questão das fronteiras entre Estados Africanos, segundo a organização da
Unidade Africana.

1.2.4.1. O Mapa Cor de Rosa


sonho português concernente ao reconhecimento por parte de todas as nações
participantes, de uma extensão territorial que se espalhasse da Costa do
Atlântico ao Índico, cobrindo as áreas correspondentes à Angola e Moçambique
e ao território compreendido entre estas.

1.2.4.2. O ultimato inglês


sobre Portugal recai o ônus de prova de ocupação efectiva dos territórios que
alega serem seus, sob pena de perdê-los.
Reprovação do mapa cor de rosa por :
a) Poder estragar os planos conquistadores ingleses;
b) Constitui uma barreira para o projecto de ligação do Cabo ao Cairo por uma
só linha érrea.

1.2.5. Fim do período pré-colonial corresponde:


a) Ao fim da guerra movida por portugal pela ocupação efectiva de
Moçambique;
b) Início da implantação do sistema administrativo português em Moçambique.

1.3. O período colonial propriamente dito

1.3.1. Premissas
Decorrente do que vimos quanto ao período pré-colonial, em termos de sistema
da administração, resulta que os territórios sob a dominação portuguesa na
costa oriental de África nunca estiveram sujeitos a um sistema de leis ao qual

46
se pudesse chamar “ um sistema de administração colonial”. A organização
administrativa destes territórios era feita por meio de leis vagas e publicadas
de acordo com as narrartivas e informações dos oficiais e marinheiros e com
os relatórios que eram enviados esporadicamente pelos representantes da
Coroa.
Até 1752 a administração dos territórios de África Oriental sob dominação
portuguesa era feita pelo representante português no Oriente, o Vice-Rei da
Índia, que não directamente pelo Governo de Lisboa.
A partir de 1752, Moçambique passou a ser dirigido por um capitão-general e
administrado por governos provisórios. Trataou-se da fase de transição entre
o período pré-colonial e o período colonial propriamente dito.

1.3.2. A comissão Colonial e os seus resultados


a) Objectivo:
Criação do sistema de administração colonial sistematizado
b) Causas: remota
Ausência de Organização administrativa da então colónia de Moçambique.
b1) próxima
Necessidade de pôr em prática as decisões da Conferência de Berlim: “ dominar
e administrar os territórios efectivamente”, fundamentalmente.
c) Período de realização do Trabalho da Comissão colonial – 1894/1899
d) Administradores e Oficiais Portugueses que deram contribuições na execução
dos fins da Comissão colonial:
António Enes;
Mouzinho de Alburquerque;
Paiva de Andrade;
Paiva Couceiro.

CONCLUSÕES DA COMISSÃO COLONIAL

47
Como resultado do trabalho desenvolvido, a Comissão Colonial apresentou
fundamentalmente três conclusões, a saber:
Necessidade de intensificar a imigração branca em geral e, em particular, a
portuguesa para Moçambique24;
Sugestão de formas de trabalho especiais para os indígenas e medidas a serem
adoptadas para pô-las em prática em prol do desenvolvimento da agricultura
e do comércio (situando-se aqui a génese das culturas obrigatórias)
Imperatividade da substituição do sistema político, cultural, social e económico
dos indígenas, por se considerar indigno de ser aceite pelo “homem
civilizado”, isto é pelo branco.
Esta substituição é a génese da degeneração da autoridade tradicional, isto é,
esvaziamento ou adulteração do conteúdo da autoridade tradicional, passando
a ser agentes de intermediação entre as autoridades coloniais e as populações
indígenas.
Para isto tiveram a necessidade de definir o que era um indígena, aborígene,
autóctone – indivíduos de raça negra ou dele descendentes que pela sua tradição
e costume se não distinguem do comum daquela raça (Pg. 79).

1.3.2.2. Princípios básicos da constituição e funcionamento do sistema


colonial português
Decorrem destas três conclusões outros tantos princípios de constituição e
funcionamento do sistema colonial português em Moçambique:
1o - O princípio da eliminação do sistema das instituições africanas,
estrangulamento do poder ou autoridade tradicional, e a sua substituição por
um sistema colonial aportuguesado;
2o Exploração de mão-de-obra indígena, associada a uma intensa emigração
branca;

24
Com a consequente criação das chamadas zonas de povoamento e de integração, entendidas
como.

48
3o Da assimilação de indígenas como uma das consequências lógicas do
processo.

1.3.3. A reforma de 1907


Como resultado das conclusões e princípios, foi aprovado pelo Governo
Português a Reforma de 1907. Portanto, como resultado do trabalho apresentado
pela Comissão Colonial, o Governo português aprovou s Reforma
Administrativa de 1907, que compreendia fundamentalmente os seguintes
aspectos:
1o Reorganização administrativa colonial, que foi operada através de Decreto de
23 de Maio de 1907, que marca o início efectivo da colonização portuguesa de
Moçambique.
Em termos de características, o Decreto ora citado apresentava:
a) Bifurcação das disposições, no sentido de que continha normas de duas
espécies:
Disposições destinadas aos colonizadores/colonos (brancos);
Disposições cujos destinatários eram os indígenas.
b) Tem a ver com as disposições mais salientes sobre a administração dos
indígenas, nomeadamente:
Sobre a divisão do território em circunscrições e capitanias-mores, sempre que
se tratasse de regiões predominantemente habitadas por indígenas;
Criação do Secretariado de negócios (SNI);
Substituição das circunscrições por comandos militares, no caso de áreas
consideradas não pacíficas ou em rebelião contra as autoridades portuguesas;
Atribuição de amplos poderes tanto para o administrador da circunscrição como
para o capitão-mor na administração e Governo das populações indígenas (a
ideia é governar os indígenas com mão de ferro, visto que são considerados
insolentes)

49
Foi pois com esta base que se arrancou a organização administrativa na então
colónia de Moçambique.

1.3.3.TRAÇOS FUNDAMENTAIS DA EVOLUÇÃO DA ORGANIZAÇÃO


ADMINISTRATIVA ATÉ AO FIM DO COLONIALISMO
1O Criação do Ministério das Colónias em 23 de Agosto de 1911, órgão do
Governo de Lisboa encarregue de coordenar a Administração das Colónias( a
denominação de colónia sofreu evolução para adaptá-la a cada momento, tendo
em 1945 sido chamada Província Ultramarina dada a pressão das Nações Unidas
e em 1970 chamad Estados Federados), incluindo Moçambique.
2o Introdução da figura de Governador de Colónia ( posteriormente denominado
Alto-Comissário e mais tarde chamado Governador-Geral) pelo Decreto no 277
de 15 de Agosto de 1914. Introduz-se, portanto, um órgão singular de direcção
máxima da colónia de Moçambique e na colónia de Moçambique;
3o A ocorrência da Revolução de 28 de Maio de 1926, que estabelece o chamado
Estado-Novo, e que teve reflexos na administração colonial.
Com efeito, é na sequência do estabelecimento do Estado-Novo que se inicia o
período da sistematização dos princípios básicos da Administração Colonial
Portuguesa e da Administração Local de cada Colónia. Por outro lado, é também
na esteira desta revolução de 28 de Maio de 1926 que o Governo Português
aprovou o Acto Colonial, publicado pelo Decreto no 18570, de 18 de Julho de
1930.
Este Acto consistiu numa compilação das leis do Governo Português, liderado
por António de Oliveira Salazar, referentes à Administração das Colónias.
Por outro lado, é na sequência da Revolução que se estabelece a primeira divisão
territorial de Moçambique em 4 distritos (províncias), por força do Decreto no
35461, de 22 de Janeiro de 1946.
Os distritos por sua vez subdividiam-se em Conselhos ou Municípios -
correspondentes a regiões habitadas predominantemente pelos brancos, isto é

50
correspondentes às zonas de povoamento – e circunscrições – regiões habitadas
predominantemente pelos indígenas, isto é zonas de enquadramento.
Esta forma de organização administrativa de Moçambique decorrente do Acto
Colonial durou até 1963, altura em que se operou uma nova Reforma da
Organização Administrativa da Colónia de Moçambique, cuja base legal foi a
Lei Orgânica do Ultramar, publicada pelo Decreto no2119, de 24 de Julho de
1963.
Em rigor, podemos dizer que a lei orgânica do Ultramar não passava de Acto
Colonial com nova roupagem. Correspondia à reforma e actualização do Acto
Colonial, e não à revogação de aspectos importantes desta.
Esta reforma de 1963 introduziu a organização da Administração da Colónia de
Moçambique que vigorou até praticamente a data da independência de
Moçambique.

A ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DE MOÇAMBIQUE À


ALTURA DA INDEPENDÊNCIA (1975)
À esta altura chamava-se Estado de Moçambique.
Em termos de divisão administrativa, compreendia 10 distritos e uma cidade
capital, quase com estatuto de distrito.
Os distritos subdividiam-se em conselhos com um grau de desenvolvimento
económico e social substancial, e circunscrições no caso inverso.
Os conselhos por sua vez subdividiam-se em freguesias e as circunscrições
subdividiam-se em postos administrativos.
Na prática terminava aqui a representação directa da autoridade colonial
portuguesa.

Abaixo dos postos administrativos existiam as regedorias, para enquadrar as


populações indígenas, subdividindo-se em grupos de povoações.

51
Nos conselhos e circunscrições, existia um sistema paralelo de instituições
administrativas para a administração dos indígenas, constituindo resquícios da
autoridade tradicional, visto que sendo os Conselhos e circunscrições
aglomerados urbanos, tinham que ter uma mão-de-obra dos colonizados para
fazer serviços pesados; para além de que aí onde se ergueram zonas urbanas,
sempre existiram comunidades indígenas, com autoridade tradicional.
Os principais órgãos do Governo eram três:
Governador-Geral;
Conselho do Governo;
Conselho legislativo, mais tarde chamada Assembleia legislativa.

O GOVERNADOR-GERAL
A função do Governador-Geral era ser o representante mais elevado do
Governador Português em Moçambique e o responsável por todas as decisões
tomadas pelos órgãos locais.
O Governador-Geral dispunha de 3 espécies de competências:
Competência legistativa ( ou poder legislativo), que abrangia toda a matéria que
não fosse da competência exclusiva da Assembleia legislativa sempre que
esta se encontrasse dissolvida;
Competência executiva (poder executivo), cabendo-lhe nesse contexto responder
perante o Governo Português pela boa administração, coordenação e direcção
superior das actividades dos Secretários Provinciais, que politicamente
respondiam perante ele.
Em terceiro lugar, o Governador-Geral funcionava como administrador do
território de Moçambique.

52
1.O Conselho do Governo
Cuja missão consistia em ajudar o Governador-Geral no exercício das suas
funções burocráticas, mas desprovido o Conselho do Governo de qualquer poder
legislativo e ou executivo.
O Conselho do Governo era composto pelos Secretários-Provinciais (de
Educação, etc)

2. O Conselho Legislativo (ou, à altura da Independência, Assembleia


Legislativa)
Enquanto Conselho Legislativo, este órgão integrava 29 membros, 2 dos quais
de carácter permanente, designadamente o Governador-Geral e o Director das
Finanças Públicas; os restantes 27 eram eleitos em conformidade com as
seguintes regras:
9 por sufrágio directo;
3 eleitos pelos contribuintes que pagavam mais de 15.000 escudos de imposto
directo;
3 eleitos por organismos corporativos representando interesses dos
trabalhadores;
3 por aqueles que representavam interesses religiosos e culturais, um dos quais
devia ser automaticamente representante da Igreja Católica;
3 eleitos pelas autoridades indígenas e finalmente 3 eleitos pelos membros dos
órgãos administrativos.
A duração do mandato do Conselho Legisltaivo era de quatro anos.
Quando este órgão passou a designar-se Assembleia legislativa, passou a
compor-se, não já de vinte e nove membros, mas de cinquenta membros,
embora os critérios de designação continuassem similares:
20 por sufrágio directo, sendo 2 em cada distrito;
6 pelas autoridades das regedorias;

53
6 pelos corpos administrativos e pessoas de utilidade pública administrativa
legalmente reconhecidas;
6 pelos organismos corporativos, representando empresas e associações de
interesse económico;
6 pelos organismos representativos dos interesses religiosos, morais e culturais,
sendo obrigatório que um deles devesse ser missionário católico;
6 pelos órgãos corporativos representativos dos interesses dos trabalhadores.

Condições de elegibilidade
As condições de elegibilidade eram quatro:
Ser cidadão português ( incluindo-se aqui os assimilados, e excluindo-se os
indígenas)
Ser maior de idade (isto é ter pelo menos 21 anos completos)
Residir no Estado de Moçambique (colónia ou província, conforme as fases) há
mais de três anos;
Não ser funcionário do Estado ou dos corpos administrativos em serviço
efectivo.
No seu funcionamento, a Assembleia Legislativa tinha sessõe ordinárias e
extraordinárias, sendo que, por ano, tinha duas sessões ordinárias, cada uma com
a duração máxima de 30 dias.
Em termos hierárquicos, as autoridades administrativas no Estado de
Moçambique apresentava-se da seguinte maneira:
Governador-Geral no topo, tendo como braço auxiliar o Secretário-Geral para
lhe auxiliar na realização das actividades-meio (gestão de recursos humanos,
finanças e património); tinha também Secretários Provinciais, cuja finalidade
era auxiliar o Govrenador-Geral na realizaçào das actividades-fim
(Administração de Águas, Administarção de Ensino, etc)
Governador do distrito ( mais tarde denominadas províncias);
Administrador ou de Conselho ou de Circunscrição;

54
Administrador ou Chefe de Posto Administrativo, que era portanto autoridade
administrativa territorial de base, estabelecendo a ligação entre a autoridade
administrativa e a população indígena.
Régulo , autêntico moço de recados, caixa de correio;
Chefe de grupo de povoações, idem.

1.6. Sistema administrativo e sistema de organização administrativa


adoptados

1.6.1. Sistema administrativo


É um sistema de administração executiva ou de tipo francês.

1.6.2. Sistema de Organização administrativa


a) Centralizado, com roupagem de descentralizado (organicamente);
b) Concentrado (hierarquicamente).

Sistema administrativo vigente à altura da independência


O Sistema Administrativo que vigorava à altura da independência é o sistema de
administração executiva ou de tipo francês, e o sistema de organizaçào
administrativa então adoptado era centralizado e concentrado.
Em termos de Administração Local, havia em Moçambique Câmaras Municipais
e Juntas de Freguesia, cujos dirigentes eram nomeados (e não eleitos).
A preocupação primordial uma vez independente foi a de escangalhar o aparelho
do Estado colonial e edificar um aparelho de Estado que servisse os interesses
das massas, tendo como fundamento a ideia de que a máquina administrativa
colonial havia sido concebida e montada para assegurar a exploração dos
colonizados e servir os interesses dos colonizadores; por conseguinte, entendia-
se que dificilmente podia ser corrigida para realizar os interesses das populações
em geral.

55
Em 1976, realizou-se na cidade portuária de Nacala o 1o Seminário Nacional do
Aparelho do Estado e da Função Pública, que tinha dois objectivos
fundamentais:
Fazer um estudo pormenorizado do que era o Aparelho do Estado Colonial;
Estudar formas eficazes e correctas de implementar ao nível de todo o país as
estruturas do Aparelho do Estado criadas pela Constituição da República
Popular de Moçambique e pelas Resoluções da 8a Sessão do Comité Central
da FRELIMO (então Partido único), eleito no 2o Congresso em Matchedje.
Desse seminário foram produzidas três tipos de recomendações, interessando
para nós as que se prendem com o Aparelho do Estado, as quais integravam por
um lado recomendações e por outro propostas de acção.
Quanto às recomendações, importa entre outras salientar as seguintes:
A recomendação de que o princípio do centralismo democrático 25 devia ser
tomado como princípio básico da organização do Aparelho do Estado, a par
do princípio da dupla subordinação 26;
No que respeita a prioridades, recomendou-se que se tomasse a organização do
Aparelho do Estado ao nível distrital como prioritária; já que logo após a
independência se priorizou, por um lado, a criação de órgãos centrais do
Aparelho do Estado, como sejam Ministérios, Direcções Nacionais,
Comissões Nacionais, Secretarias de Estado, e , por outro, os Governos
Provinciais.
Significa, portanto, que na prática, o apelo do Seminário de Nacala era no
sentido de se priorizar a organização do Aparelho do Estado mais virada para
o campo, e inclusivamente nas então zonas libertadas durante a Luta aramada
de Libertação de Moçambique.

25
Princípio segundo o qual se alia a centralização do poder de decidir à participação popular, na
preparação e na execução das decisões.
26
Segundo este princípio os órgãos locais do Aparelho do Estado se subordinam duas vezes, em
relação à direcção da respectiva área ao nível imediatamente superior, e, por outro lado, aos órgãos

56
Foi também recomendada a extinção das Câmaras Municipais, por terem sido
consideradas estruturas implantadas pelo Estado Colonial para através delas
organizar a vida dos colonos, nos locais onde eles se aglomeravam, deixando
a organização da vida do povo (dos indígenas) às administrações que já
vimos atrás.
Também foi recomendada a extinção dos serviços de Administração Civil, cuja
função principal consistia na administração dos funcionários públicos ou
gestão da função pública.
Todavia, enquanto não se criassem novas estruturas para realizar esta
actividade, considerou-se que se devia manter esses serviços de
Administração Civil.
Quanto à divisão administrativa, a recomendação foi no sentido da sua
manutenção nos moldes em que então se encontrava, sem prejuízo de se
haver reconhecido que os critérios seguidos pelo regime colonial para
realizar essa divisão administrativa não eram os mais adequados.
Em relação à divisão administrativa, a recomendação foi de que em geral se
devia manter toda aquela que não fosse contrária à Constituição da República
Popular de Moçambique, até que fosse modificada ou revogada.
Relativamente àquela legislação que se mostrasse contrária à Constituição,
devia ser automaticamente revogada.
As propostas de acção prendiam-se com os seguintes aspectos:
1o Iniciar a implementação das estruturas administrativas ao nível da localidade/
aldeias comunais, distrital e provincial.

2o Aperfeiçoar a aplicação do princípio da dupla subordinação.


Quanto às Câmaras Municipais e Serviços de Administração Civil não há
nenhuma novidade, para além da ideia de destruí-las e substituí-las por novas
estruturas.

locais do Aparelho do Estado e ao Governo Provincial (questões metodológicas e de orientação

57
A este propósito, importa dizer que houve ideias de se avançar para uma nova
divisão administrativa, tendo em conta a inadequação dos critérios subjacentes a
então vigente divisão. O que era patente na dimensão das províncias de Niassa,
Nampula e Zambézia.
A ideia subjacente a esta reforma era permitir uma maior participação popular
no exercício do poder, permitir a consolidação da defesa Nacional e impulsionar
o desenvolvimento económico.
Em 1986, houve uma revisão da divisão territorial dos distritos e das cidades,
embora a nível da província não tenha sido mexido.
Em relação à legislação administrativa, a proposta de acção era no sentido de
que se devia organizar e mobilizar o povo para denunciar a legislação colonial
contrária à Constituição a fim de ser revogada.
Por outro lado, a este respeito a proposta de acção mais concreta foi no sentido
de se criarem os Triibunais Populares para, através deles, garantir-se soluções
justas e identificar os problemas.
Recomendou-se ainda a aceleração do processo de criação de novas leis
revolucionárias. Foi igualmente produzida uma proposta de acção no sentido da
criaçào e consolidação do Aparelho do Estado da Economia.
Finalmente, quanto às propostas de acção avançaram-se aquelas que se prendem
com os métodos de trabalho e direcção. O objectivo aqui era o de reforçar a
colectivização da direcção, a fim de integrar representantes das populações no
exercício do poder. É assi que se propõe a criação de colectivos de direcção
(Conselhos Consultivos de Ministérios, Conselhos Coordenadores dos
Ministérios). Estes colectivos de direcção no Aparelho do Estado incluiam
representantes da Administração, dos trabalhadores e da FRELIMO, enquanto
partido único.
Nas unidades de prestação de serviços e nas unidades de produção ou unidades
económicas propôs-se a criação de Conselhos com o mesmo objectivo.

geral).

58
É nesta base ( Seminário Nacional de Nacala do Aparelho do Estado e da
Função Pública, 8a Sessão do Comité Central da FRELIMO, Constituição da
República Popular de Moçambique) que se vai arrancar o processo de edificação
do Aparelho do Estado de Moçambique Independente, cuja legislação
fundamental é a seguinte:
Resolução no15/77, sobre as bases gerais de organização do Estado Democrático
Popular;
Lei no 5/78, sobre as funções e tarefas dos Governadores e dos Governos
Provinciais;
Lei no 6/78, que extingue as Câmaras Municipais e cria os Conselhos Executivos
de Cidade;
Lei no7/78, que cria os Conselhos Executivos de Distrito e de Localidade/aldeias
comunais aqui inclusas e outros aglomerados populacionais;
Lei no14/78, sobre a composição, competência e modo de funcionamento do
Conselho de Ministros;
Decreto no 4/81, de 10 de Junho, sobre as Normas de Organização e Direcção do
Aparelho Estatal Central;
Directivas Presidenciais :
No 1 – Acerca da formação dos Governos Provinciais;
No2 – Acerca da formação dos Conselhos Executivos de Distrito e de Cidade.
Importa considerar no processo de edificação do Aparelho do Estado de
Moçambique Independente a introdução da figura e 1o Ministro ao nível do
Governo Central, como consequência do princípio da desacumulação de funções
e da necessidade de se garantir mais apoio ao Presidente da República no
exercício da sua função de Chefe do Governo.

Produto deste processo de edificação, podemos dizer que 1975-1990 a


organização administrativa de Moçambique apresentava-se da seguinte forma:

59
O ponto de partida é o de que a base ideológica da edificação do Aparelho do
Estado na República Popular de Moçambique foi a orientação socialista.
Assim, a divisão territorial de Moçambique compreendia províncias (10 mais
cidade de Maputo) 128 distritos, que resultaram do acréscimo de novos distritos,
criados pela Lei no 6/86, de 25 de Junho.
Esta reforma da divisão territorial de Moçambique ao nível do distrito foi
realizada num período de grandes alterações económicas, sociais e políticas, e
tinha como objectivo permitir a criação de condições de equilíbrio territorial,
num quadro de introdução de mudanças, que culminariam com a criação de
novos distritos e seu agrupamento em classes (1a, 2a, e 3a) em função do seu
desenvolvimento económico e social e da sua importância política ou
económica, transferência de áreas entre distritos, elevação ao nível ou de cidade
ou de vila de alguns centros urbanos, e a (re) introdução do escalão de posto
administrativo.
A divisão territorial assim desenhada iria corresponder aos objectivos gerais
definidos, designadamente descongestionar os centros de decisão política e
administrativa mediante a criação de novos distritos,a fim de garantir maior
acessibilidade à população a esses centros; aproximação das actividades sócio-
económicas aos locais de habitação das populações; criação de novos pólos de
atracção com a construção de novas infraestruturas, equipamentos e serviços;
redução das disparidades regionais e de desenvolvimento; e finalmente a
diminuição das contradições entre o campo e a cidade.
Nessa reforma da divisão territorial ao nível de distritos, obedeceram-se os
seguintes critérios:
População e densidade demográfica;
Grau de desenvolvimento económico e social;
Potencialidades económicas;
Importância política, histórica e cultural;
Extensão territorial.

60
A realização desta reforma enfrentou dificuldades das quais importa salientar as
seguintes:
Carência de recursos humanos qualificados;
A guerra e seus reflexos nos fluxos da população para os centros urbanos;
Crise contínua das finanças públicas e crescente dívida externa do país;
Controle do Banco Mundial através o Programa de Reabilitação Económica e
Social (PRES).
Numa palavra, podemos dizer que, quando se chega aos Acordos de Roma, a
Administração Territorial realizava-se em condições precárias e extremamente
difíceis, caracterizando-se, por um lado, pela redução regular e sistemática do
Orçamento reservado para o efeito e, por outro, pela substituição do Orçamento
do Estado por financiamento externo, acompanhados de exigências específicas.
Quanto às cidades
Até 1996 existiam 22 cidades, também classificadas em distritos de nível A, B e
C, com identidade de critérios com os dos distritos 27.
Quanto aos postos administrativos
Até 1996 existiam 393 postos administrativos 28.
Localidades
Até 1996 existiam 1042 localidades.
Vilas

Até 1996 existiam 62 vilas.

Subdivisão territorial das cidades


Distritos urbanos;
Postos administrativos urbanos;
Localidades urbanas;

27 o o o
Cf. Resoluções n 7 e 8/87, de 25 de Abril, Resolução n 5/80, de 26 de Junho e Decreto-Lei n
6/75, de 18 de Janeiro.
28 o
Cf. Resolução n 6/87, de 25 de Abril.

61
Bairros.

Evolução da Toponímia
No período colonial, a toponímia invocava figuras gratas ao colonialismo,
compreendia a nomenclatura do colonizador, sendo o inverso a partir da
independência, isto passou a incluir-se figuras internacionais gratas à
Moçambique. Trata-se, no entanto, de uma evolução gradual e sistemática, e não
radical e repentina29.

Como se apresentam os órgãos do Estado-Administração e respectivo


Aparelho do Estado (1975-1990)

a) A nível central

Órgãos: - O Presidente da República, Chefe do Governo

- O Conselho de Ministros

Aparelho do Estado – Ministérios

- Comissões Nacionais

- Secretarias de Estado

29 o
Cf. Portaria n 136/75, de 22 de Março, que passa para Matola a cidade de Salazar;
o
Decreto n 10/76, de 13 de Março, que altera Lourenço Marques para cidade de Maputo e outros
centros urbanos;
o
Decreto-Lei n 14/76, de 15 de Março, que estabelece critérios e define competências para a
fixação ou alteração da toponímia do país pelos órgãos do Estado, designadamente as competências
do Presidente da República( Avenidas e praças principais nas capitais provinciais), Conselho de
Ministros ( Províncias, distritos e respectivas capitais, acidentes geográficos desde que sejam de
importância nacional), Ministros (instituições subordinadas aos seus Ministérios, desde que a sua
importância não seja de âmbito nacional), os Governos Provinciais (cidades, vilas, localidades, desde
que não sejam capitais de província ou de distrito, Bairros, Avenidas, ruas, praças e pracetas, escolas
primárias, creches,centros e postos de saúde, pequenos rios e riachos, lagos, baías e Miradouros,
desde que sejam de âmbito local e sem influência nacional.
o
Portaria n 267/76, de 16 de Novembro.

62
- Banco de Moçambique.

b) A nível provincial

Órgãos – Governador Provincial

- Governo Provincial

Aparelho do Estado – As Direcções Provinciais;

- As Comissões Provinciais

- Gabinete do Governador.

c) A nível distrital

Órgãos: - Administrador do Distrito;

- Conselho Executivo do Distrito.

Aparelho do Estado: - Direcção Distrital

- Comissões Distritais

- Gabinete do Administrador.

d) A nível de cidade

Órgãos : - Presidente do Conselho Executivo de Cidade;

- Conselho Executivo de Cidade

Aparelho do Estado – As Direcções de Cidade

- As Comissões de Cidade

- Gabinete do Presidente do Conselho Executivo de Cidade

e) A nível de localidade

63
Órgãos: - Presidente do Conselho Executivo de Localidade/ Aldeia Comunal;
- Conselho Executivo de Localidade.
Não há Aparelho de Estado.
Organização Administrativa de Moçambique desde 1990
O ponto marcante é a Constituição da República de Moçambique, como o
culminar do processo de mudanças que vinha ocorrendo desde 1986/7,
consagrando-se o pluralismo político, no quadro de uma democracia
representativa 30.
Foi esta revisão que consagrou a Economia de mercado 31.
A revisão da Constituição em 1990 manteve a divisão administrativa anterior, já
com os postos administrativos reintroduzidos. Assim, territorialmente,
Moçambique, à face da da CRM, organiza-se em32:
Províncias;
Distritos;
Postos Administrativos;
Localidades.
As zonas urbanas organizam-se em cidades e vilas 33.
O quarto aspecto a reter na sequência da Constituição da República de 1990 é a
introdução no país do poder local, isto é das autarquias locais, munícipios e
povoações 34.
Este processo de reforma administrativa do país foi reflexo da implantação do
programa de reabilitação económica para a execução do qual era necessário
proceder a uma clara mudança do método de organização da Administração
Pública Moçambicana.

30
Cf. artigos 30 e 31 da CRM.
31 o
Cf. n 1 do artigo 41 da CRM.
32 o
Cf. n 1 do artigo 4 da CRM.
33 o
Cf. n 2 do artigo 4 da CRM.
34 o
Cf. Lei n 9/96, cujo articulado passou a constituir o título IV da CRM.

64
Esta reforma administrativa que se opera na sequência da revisão constitucional
de 1990 visa os seguintes objectivos estratégicos:
A profissionalização da função pública;
A maior aproximação da Administração à sociedade;
A melhoria da qualidade do serviço público prestado ao cidadão.
Em última análise, a reforma administrativa em apreço enquadra-se no processo
de maior democratização da Administração Pública.

Qual o sistema de organização Administrativa em vigor em Moçambique?


É a descentralização administrativa e a desconcentração administrativa.
A descentralização administrativa é um sistema de organização administrativa
em que, para além da PCPública Estado-Administração, existem outras pessoas
colectivas públicas que concorrem para a satisfação das necessidades colectivas
da sociedade política, mediante a realização da actividade administrativa.
Descentralização territorial (Munícipio, povoação);
Descentralização empresarial (Empresas públicas, TVM, EDM);
Descentralização institucional (Fundações, Associações públicas,
estabelecimentos públicos).
A descentralização administrativa traduz a introdução das autarquias locais, a
qual está a ser feita de forma gradual (princípio do gradualismo). Estes
municípios realizam a auto – administração no quadro da autonomia que lhes é
reconhecida. Estas autarquias locais são parte da essência da democracia
representativa em Moçambique, importando sublinhar que o processo de
municipalização e povoação está numa fase inicial.
A par da descentralização territorial que corresponde às autarquias locais estão
igualmente consagradas no país a descentralização institucional (relativa aos
institutos públicos, nomeadamente fundações públicas, estabelecimentos
públicos e associações públicas), por um lado, e por outro a descentralização
empresarial,

65
Existem no mundo outros tipos de descentralização que não foram adoptados em
Moçambique, como é o caso da regionalização, que corresponde ao fenómeno
das regiões autónomas, que são autarquias locais supramunicipais, que visam a
prossecução de interesses próprios das respectivas populações, que a lei
considera serem mais bem geridos em áreas intermédias, entre o escalão
nacional e o escalão municipal; e finalmente o federalismo, associação de
Estados que se constitui num Estado Federado.
24.10.01 e 02.10.02
(Dr. Machatine)

TEORIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Trata-se do conteúdo da Teoria Geral da Organização Administrativa.

O que é a organização pública?


A organização pública é um grupo humano estruturado pelos representantes de
uma comunidade com vista à satisfação de determinadas necessidades colectivas
desta35.
Por conseguinte, o conceito de organização pública integra quatro elementos,
designadamente:

1o Um grupo humano;
2o Uma estrutura, isto é um modo particular de relacionamento dos vários
elementos da organização entre si, e com o meio social em que ela se insere;
3o O papel determinante dos representantes da colectividade, no modo como se
estrutura a organização;
4o Uma finalidade, que se traduz na satisfação de necessidades colectivas
determinadas.

35
Cf. CAUPERS, Prof. Doutor, Direito Administrativo, Pg 65.

66
A Administração Pública é constituída pelo conjunto das organizações públicas,
cujo número cresce dia após dia, devido ao fenómeno da diferenciação da
Administração Pública, por outras palavras devido à tendência para fazer
corresponder a cada interesse colectivo uma organização especificamente
destinada a prosseguí-lo, sem prejuízo do carácter unitário fundamental da
Administração Pública.
De facto, constitui denominador comum da Administração Pública o facto de
esta encontrar-se sujeita a princípios e regras relativamente uniformes, e a uma
gestão global de equilíbrios delicados, com o fim de atingir em conjunto
objectivos pré-determiandos.
Vejamos com esta base quais são os elementos da Administração Pública.
A Administração Pública é integrada por três tipos de elementos:
As pessoas colectivas públicas;
Os órgãos (administrativos)
Os serviços públicos.

O que são pessoas colectivas públicas?


São entes colectivos criados por iniciativa pública para assegurar a prossecução
necessária de interesses públicos , dispondo de poderes públicos 36 e estando
submetidos a deveres públicos 37.
A bem dizer, o conceito de pessoas colectivas públicas abrange assim realidades
bem distintas, designadamente:

36
Por exemplo, o poder de expropriar, de impor, de agir por via de autoridade (Cf. Rivero, Jean,
Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 53).
37
A este propósito argumenta Jean RIVERO, na sua obra Direito Administrativo, Almedina Coimbra,
1975, pgs 20 a 21, que se como consequência do princípio da subordinação da Administração
Pública ao Direito, a actividade administrativa passa a ser geradora de direitos e obrigações inclusive
para a Administração, então “é preciso encontrar um titular para os direitos e obrigações da
Administração, como para qualquer direito ou obrigação....Assim, o direito francês atribui assim a
certas colectividades ou serviços que possuem órgãos administrativos a qualidade de sujeitos de
direito, ou, noutros termos, a personalidade normal.

67
Abrange grupos humanos que o Estado não criou, mas limitou-se a reconhecê-
los e a dotá-los de um estatuto jurídico público, alguns dos quais nasceram
antes do próprio Estado, como é o caso dos Municípios;
Abrange também entes públicos, que são o resultado de meras decisões
estratégicas do Estado, cuja finalidade é a de garantir a prossecução de certos
interesses públicos através de entidades formalmente situadas fora da sua
organização.

Como é que se classificam as pessoas colectivas públicas?


As pessoas colectivas públicas podem ser classificadas segundo duas correntes
de pensamento jurídico-administrativo:
Na primeira corrente38, classificam-se em cinco espécies de pessoas colectivas
públicas:
Estado-Administração (Administração Pública em sentido restrito);

As pessoas colectivas de população e território, isto é Autarquias Locais e


regiões Autónomas;
As pessoas colectivas de natureza institucional, abarcando os institutos públicos,
que podem ser serviços personalizados, fundações públicas e estabelecimentos
públicos;
As pessoas colectivas de natureza empresarial, correspondentes às empresas
públicas;
As pessoas colectivas públicas de natureza associativa, correspondendo às
associações públicas.
A segunda corrente39 classifica as pessoas colectivas do seguinte modo:
O Estado-Administração;

38
Sustentada entre outros por Fraitas do Amaral.
39
Esta é a corrente moderna.

68
As pessoas colectivas autónomas, correspondentes àquelas que são reconhecidas
pelo Estado, enquanto formas de auto-organização, para a prossecução de
interesses públicos próprios de comunidades de cidadãos, subdividindo-se em :
a) Pessoas colectivas autónomas de base territorial, como os Municípios e as
povoações no caso de Moçambique;
b) As pessoas colectivas públicas autónomas de base corporativa, como é o
caso de muitas associações públicas.
Como denominador comum importa reter que tanto umas como outras
constituem a Administração Autónoma do Estado.
Pessoas colectivas instrumentais, que são aquelas que são criadas pelo Estado
para a prossecução dos fins públicos, que ao próprio Estado cabe prosseguir.
Subdividem-se em pessoas colectivas instrumentais de fim lucrativo, como são
as empresas públicas, pessoas colectivas públicas de fim não lucrativo, como é o
caso dos institutos públicos.
O denominador comum das pessoas colectivas públicas instrumentais é o facto
de constituirem todas elas a Administração indirecta do Estado.

Órgãos Administrativos
São centros de imputação de poderes funcionais. Significa, portanto, que são
eles que manifestam a vontade imputada às pessoas colectivas públicas.

Classificação dos Órgãos Administrativos


Conforme o critério adoptado para o efeito, há várias classificações, sendo que
apenas trataremos de três fundamentais:
1a Classificação: é a baseda no critério do número de titulares dos órgãos, caso
em que temos por um lado órgãos singulares e, por outro, órgãos colegiais.
2a Classificação: baseada no critério do tipo de funções exercidas, caso em que
temos:

69
a) órgãos activos - também chamados órgãos decisórios ou executivos, cujas
funções se traduzem na tomada de decisões;
b) órgãos consultivos – cujas funções se resumem na emissão de pareceres para
os órgãos decisórios;
c) órgãos de controle - cujas funções têm a ver com a fiscalização de
actividade administrativa.
3a Classificação: baseada no critério de forma de designação dos titulares dos
órgãos, caso em que temos, por um lado, órgãos representativos, aqueles que são
eleitos, e órgãos não representativos, aqueles que são nomeados.
Relativamente aos órgãos colegiais, importa afirmar que dado o facto de serem
integrados por diversos membros exigem regras especiais para o seu
funcionamento, as quais se prendem com os seguintes aspectos:
Regras que disciplinam a composição dos órgãos e a sua constituição;
,, ,, ,, as reuniões e sessões;
,, ,, ,, a marcação e convocação de reuniões e a ordem do dia;
,, ,, ,, a deliberação e votação;
,, ,, ,, o quorum da reunião e quorum de votação;
,, ,, ,, a forma de votação;
,, ,, ,, a formação de maiorias;
,, ,, ,, ao voto de qualidade e ao voto de desempate;
,, ,, ,, a demissão, dissolução e perda de mandato.

Os serviços públicos
São estruturas organizativas encarregadas de preparar e executar as decisões dos
órgãos da pessoa colectiva pública40. Por outras palavras, significa isto dizer que

40
Cf. Rivero, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 492 e 493, em que refere que
há uma dissociação dos sentidos orgânico e material do serviço público. Relativamente ao sentido
material já tratamos atrás, quando abordamos os modos de actividade administrativa de gestão
pública. Agora estamos a tratar do serviço público no sentido orgânico.Como refere o autor já citado “
existem necessidades de interesse geral que a autoridade decide satisfatoriamente, mas que nem por
isso confia a órgãos públicos, e pelo contrário, alguns organismos públicos gerem actividades

70
as pessoas colectivas públicas compõem-se por um lado se serviços públicos,
seus suportes funcionais, e por outro de órgãos que agem em nome delas.

Estrutura organizativa dos serviços públicos


Importa dizer que existem três diferenciações de serviços públicos:
1a A horizontal, que assenta na diferença de actividades ou de tarefas;
2a A territorial, em que se distinguem serviços centrais e serviços periféricos;
3a A vertical, que se basea na hierarquia administrativa.

Traços fundamentais do Regime Jurídico dos serviços públicos

São dois os traços fundamentais dos serviços públicos 41:


A continuidade, no sentido de que não é admissível a interrupção dos serviços
públicos 42, daí a necessidade de recorrer à requisição de grevistas, a
proibição de o agente demissionário abandonar o serviço antes de a demissão
ser aceite, a existência de governos de gestão 43, etc.
A igualdade de tratamento, que os cidadãos devem merecer dos serviços
públicos, independentemente de cor, raça, origem, filiação política e
religiosa; a regra é no sentido de dispenasr tratament igual a situações iguais
e tratamento desigual a situações desiguais.

industriais e comerciais idênticas às das empresas privadas similares, que não podem qualificar-se de
missões de serviço público.
41
Cf. Rivero, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 502 e 503, em que o autor
explana sobre uma terceira característica, designadamente a adaptação às novas circunstâncias ou a
possibilidade de modificar o regime de serviço, tendo como consequência, entre outras, que nem os
agentes e nem os utentes podem fazer valer um direito adquirido à manutenção do estatuto em vigor
no momento em que entraram em relações com o serviço.
42
Cf. Rivero, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 501, em que o autor refere
que “ qualquer interrupção comporta o risco de introduzir as mais graves perturbações na vida da
colectividade.
43 O Govreno de Gestão não toma decisões de fundo, gere as questões do dia a dia, pontuais, não
toma decisões de perspectiva.

71
Atribuições , competências e missões

Atribuições – são os fins que a lei confere às pessoas colectivas públicas. Por
outras palavras, as atribuições correspondem aos objectivos que determinam a
criação e existência de pessoas colectivas públicas.
Competências - são poderes jurídicos que os órgãos de uma pessoa colectiva
pública dispõem para prosseguirem as atribuições desta. Regra geral, os
diferentes órgãos de uma pessoa colectiva dispõem de competência diversa para
prosseguir atribuições idênticas. Há um caso, porém, o da pessoa colectiva
Estado- Administração, em que as coisas se passam de modo inverso, pois
devido à multiplicidade e à heterogeneidade dos fins prosseguidos, os membros
do seu órgão máximo (o Conselho de Ministros) os Ministros, dispõem de
competências idênticas para prosseguir atribuições diversas.
Missões – são tarefas desenvolvidas pelos diversos serviços públicos.

A competência em especial
Importa a este propósito colocar duas questões:
a) Quem fixa a competência;
b) Com base em que critérios se fixa a competência?
Relativamente à primeira questão, a competência é apenas fixada por lei, não se
inventa. Daí que não se presume, é imodificável, inalienável e irrenunciável.
Igualmente, pela mesma razão, antes de tomar qualquer decisão o órgão
administrativo deve certificar-se de que é competente para o fazer.

Critérios para a fixação da competência dos órgãos administrativos


Existem fundamentalmente quatro critérios(São cinco) de delimitação da
competência:
1. Em razão da matéria;

72
2. Em razão da hierarquia, quando numa hierarquia a lei efectua uma
repartição vertical de poderes, conferindo alguns ao superior e outros aos
subalternos;
3. Em razão do território, quando a lei reparte a competência entre órgãos
centrais e locais, ou a distribuição de poderes por órgãos locais diferentes em
função das respectivas áreas ou circunscrições.
4. Em razão do tempo, em princípio só há competência administrativa em
relação ao presente: a competência não pode ser exercida nem em relação ao
passado nem em relação ao futuro. Sendo, por conseguinte, ilegal, em regra,
a prática pela Administração Pública de actos que visem produzir efeitos
sobre o passado ou regular situações que não se sabe se, ou quando,
ocorrerão no futuro 44.
Um acto praticado contra as regras que delimitam a competência será ferido de
incompetência em razão da matéria, em razão da hierarquia, em razão do
território ou em razão do tempo. Os
quatro critérios são cumuláveis e têm de actuar em simultâneo.

Espécies de competência
a) Quanto ao modo de atribuição legal da competência:
Competência explícita – quando a lei a confere por forma clara e directa;
Competência implícita – que é deduzida de outras determinações legais ou de
dertos princípios gerais do direito público, como por exemplo o do quem
pode ou mais pode menos, a lei que confia determinados fins a determinado
órgão atribui-lhe os meios para os realizar.

b) Quanto aos termos do exercício da competência


Competência condicionada – se estiver dependente de limitações específicas
impostas por lei ou ao abrigo da lei;

44
Que dizer dos actos sujeitos a termo inicial ou a condiçào suspensiva?

73
Competência livre – no caso inverso.

c) Quanto à substância e efeitos da competência


- Competência dispositiva – que é o poder

A HIERARQUIA ADMINISTRATIVA

Desenvolve-se no quadro das relações interorgânicas, de órgão para órgão; isto


é, aquelas relações que se estabelecem no âmnbito de uma pessoas colectiva
pública; por outras palavras, entre órgãos de uma dada pessoa colectiva pública.
A relação hierárquica e ou hierarquia administrativa é o tipo de relacionamento
interorgânico que caracteriza a burocracia (agentes administrativos e
funcionários públicos).

Conceito de relação hierárquica


É o modelo organizativo vertical que consubstancia uma relação jurídico-
funcional, entre órgãos empenhados na prossecução de atribuições comuns e
agentes envolvidos nas mesmas tarefas, traduzida essencialmente no poder de
direcção do superior e no correspondente dever de obediência do subordinado.
Há duas espécies de hierarquia:
Hierarquia externa, que corresponde à repartição de competências entre órgãos;
Hierarquia interna, que significa a divisão de tarefas entre agentes
administrativos.
Ao definirmos o conceito da relação, nota-se que ela é composta por duas
vertentes:
Poder de direcção do superior;
Dever de obediência do subordinado.

74
1o Poderes do superior hierárquico
Eles agrupam-se fundamentalmente em três áreas:
Poder de direcção, que corresponde ao poder de dar ordens e instruções . Este
poder carece de consagração legal expressa, visto que é um poder inerente ao
desempenho de funções de direcção e chefia.
Neste sentido, entende-se por ordens os comandos individuais e concretos
através dos quais o superior impõe aos subalternos a adopção de uma
determinada conduta específica. Podem ser dadas verbalmente ou por escrito.
Por seu turno, entende-se por instruções os comandos gerais e abstractos,
mediante os quais o superior impõe ao subalterno a adopção para futuro de
certas condutas, sempre que se verifiquem as situações previstas.
Chamam-se circulares aquelas que são transmitidas por escrito e por igual a
todos os subalternos.
Poder de supervisão - que é a faculdade que o superior hierárquico tem de
revogar ou de suspender as decisões (actos administrativos) do subordinado.
Esta revogação ou suspensão pode ocorrer por iniciativa própria do superior
hierárquico ou na sequência de recurso hierárquico a ele dirigido por um
particular ou administrado.
Poder disciplinar
Que corresponde ao poder de aplicar sanções disciplinares. Em última análise,
entendemos que o poder de aplicar sanções diciplinares é apenas parte do poder
disciplinar do superior hierárquico; isto é, é o poder disciplinar no sentido
negativo.
A outra parte que normalmente não é referenciada nos manuais é o poder
disciplinar positivo, que corresponde ao poder de atribuir distinções aos agentes
e funcionários.

75
Deveres do subordinado
A maior parte dos deveres do subordinado iremos abordar a propósito do
Direito da Função Pública. Ex: Assiduidade, zelo e aplicação, sigilo profissional,
urbanidade, respeito pelos superiores, deveres na vida privada.
O dever principal do subordinado é o dever de obediência, que corresponde ao
dever de acatar e cumprir as ordens e instruções do legítimo superior
hierárquico, relativas à mat’eria de serviço, e que revistam a forma legal.
Em princípio, o subalterno tem de obedecer, salvas raras excepções:

As ordens ilegais
No ordenamento jurídico moçambicano, o problema das ordens ilegais é
aflorado no artigo 104 do E.G.F.E., mas também de forma implícita está contido
no princípio constitucional que corporiza a alínea a) do no1 do artigo 181 da
CRM.
Em face de uma ordem ilegal, deve-se observar as seguintes regras:
1o O dever de obediência cessa se o cumprimento da ordem envolver a prática
de um crime.
2o Caso a ordem seja ilegal e, no entanto, não envolva a prática de um crime, o
subordinado pode recorrer do direito de respeitosa representaçào, que consiste
no pedido dirigido ao superior hierárquico para que confirme por escrito a
ordem supostamente ilegal.
Este pedido pode ser feito ou antes de cumprir a ordem ou logo imediatamente a
a seguir ao seu cumprimento.
3o Se a demora na execução da ordem não lesar o interesse púbico, o
subordinado aguarda a sua confirmação e só a executa depois de receber tal
confirmação;

76
4o Quando a demora prejudicar o interesse público, o subordinado comunica ao
superior hierárquico os termos exactos da ordem e do pedido de confirmação
mencionando a não satisfação deste pedido. Posto isto, ele cumpre a ordem.
Procedendo em conformidade com o exposto, fica excluída a responsabilidade
do subordinado pelos prejuízos causados pelo cumprimento da ordem. A
contrário, isto é, não agindo em conformidade com as regras anteriormente
mencionadas, o subordinado responde solidariamente por aqueles prejuízos.

A SUPERVISÃO

Conceito
A supervisão consiste em uma quase hierarquia. Na verdade, trata-se de uma
forma de relacionamento interorgânico, no qual o órgão supervisionante não
pode dar ordens ao órgão supervisionado, mas pode agir sobre os seus actos, por
exemplo revogando-os.
Por exemplo, há supervisão de um órgão colegial para os seus membros, como
sucede em concreto com a supervisão que o Conselho de Ministros exerce sobre
os ministros, seus membros indivualmente considerados.

A DELEGAÇÃO DE PODERES
Existem dois sentidos da expressão delegação de poderes, o sentido da ciência
da administração e o sentido do Direito Administrativo.
Em ciência de Administração, a delegação de poderes é o instrumento de
transferência do poder de decisão numa organização pública que repousa na
iniciativa dos órgãos superiores desta.
Em Direito Administrativo, delegação de poderes é o acto pelo qual um órgão da
Administração normalmente competente em determinada matéria e devidamente
habilitado por lei possibilita que outro órgão ou agente pratiquem ou tomem
decisões (actos administrativos) sobre a mesma matéria.

77
Conteúdo da delegação de competências
Do conceito jurídico-administrativo da delegação de competências, depreende-
se que ela composta por três elementos fundamentais, a saber:
a) Lei de habilitação, que é a lei que permite que haja delegação de poderes de
um dado órgão superior para outros. Esta lei é indispensável para que haja
efectivamente delegação de poderes. Equivale isto dizer que, na falta desta
lei, ou na ausência desta lei, tudo o que se possa fazer só pode ter com a
delegação de competências propriamente dita semelhanças 45.
b) Delegante e delegado – tratata-se dos elementos subjectivos da delegação de
poderes.
A este propósito, importa sublinhar que normalmente a delegação de poderes
ocorre entre órgãos da mesma pessoa colectiva pública, sendo neste caso uma
espécie de deconcentração, a desconcentração derivada.
No entanto, vezes há em que ela acontece entre órgãos de pessoas colectivas
públicas diferentes, como é o caso dauquela delegação de poderes dada pelo
Conselho Municipal para um órgão colegial de gestão de um Distrito Urbano,
ou ainda o caso da delegação dos membros do Governo para um órgão
directivo de institutos públicos.
c) A relevância da vontade do delegante – trata-se do último elemento da
delegação, que permite, portanto, o enquadramento da delegação tácita,
naqueles casos em que não existe a prática do acto de delegação
propriamente dito, mas a lei de habilitação considere certos poderes
delegados, salvo se o delegante manifestar a sua vontade em sentido
contrário.
Importa não confundir delegação de poderes com adelegação de assinatura, a
qual não corresponde a uma verdadeira delegação, justamente porque a

45 o
É o caso dos Despachos n 194/GMI/93, através dos quais S.Excia Ministro do Interior delegou
parcela do seu poder disciplinar para os Comandantes Provinciais e equiparados, sem ter por base
qualquer lei de habilitação.

78
vontade do delegado é jurídicamente irrelevante. Significa isto dizer que o
autor do acto é o delegante e não o delegado.

Regime Jurídico da delegação de poderes


Importa realçar os seguintes aspectos dentre os que consubstanciam este regime:

1o Aspecto: Requisitos do acto de delegação expressa


Há dois requisitos:
1. Especificação dos poderes delegados
Na realidade, existem poderes indelegáveis por natureza ou por determinação da
lei. Pelo que nem todos os poderes são delegáveis.
A especificação dos poderes delegados pode ser feita de acordo com os
seguintes modos:
a) Especificação de poderes jurídicos;
b) Especificação de matérias;
c) Especificação positiva;
d) Especificação negativa.
O modo de especificar que se assume como regra geral é a especificação
positiva de poderes jurídicos.
2. O segundo requisito do acto de delegação expressa é a publicação da
delegação.

2o Aspecto aspecto regime jurídico da delegação de poderes

Requisito específico do acto praticado ao abrigo da delegação de poderes, que


consiste em o delegado ter de mencionar essa qualidade sempre que pratique um
acto administrativo ao abrigo de delegação.

79
A omissão da menção referida produz consequências no domínio das garantias
dos particulares.

3o Aspecto do Regime Jurídico da delegação de poderes


Prende -se com a indicação dos poderes de que o delegante dispõe no âmbito da
delegação, designadamente:
Poder de orientar o exercício dos poderes delegados, através de directivas e
instruções;
Poder de avocar ou de chamar a si os poderes delegados em casos
individualizados;
Poder de revogar os actos praticados pelo delegado ao abrigo da delegação.

4o Aspecto do regime jurídico da delegação de poderes


Subdelegações, que compreendem as delegações de segundo grau, em que o
delgado figura simultaneamente como delegante, estando submetido ao mesmo
regime jurídico.
Importa referir que a subdelegação seja de 1o, 2o ou mais graus, só acontece
quando a lei a ela não se oponha, e o delegante autorize.

5o Aspecto do Regime Jurídico da delegação de poderes


É o regime dos actos praticados ao abrigo da delegação. Regra geral os actos ou
as decisões prtaicados no âmbito da delegação pelo delegado são definitivos e
executórios, desde que, caso tivesse sido o delegante o seu autor, possuísse tais
características.
Casos excepcionais:
Se o delegante for superior hierárquico do delegado, os actos administrativos ou
decisões por este último praticados podem ser objecto de recurso hierárquico
para o primeiro; esse recurso será necessário se os actos praticados pelo
delegado não forem definitivos. E será facultativo no caso contrário;

80
Quando o delegante não for superior hierárquico do delegado, os actos
administrativos deste poderão ser objecto de recurso para aquele; na medida
em que entre o delegante e o delegado não existe relação hierárquica, o
recurso a interpor é impróprio, chamando-se recurso hierárquico impróprio,
cujo fundamento ‘e o poder de revogar do delegante; e também aqui este
recurso hierárquico impróprio será facultativo ou necessário, conforme os
actos do delegado sejam ou não definitivos.

6o Aspecto do regime jurídico da delegação de poderes


Tem a ver com a extinção da delegação.
A delegação extingue-se ou por revogação 46 ou por caducidade.
A caducidade de uma delegação de poderes pode resultar ou do esgotamento dos
seus efeitos, por um lado, ou por substituição das pessoas do delegante ou do
delegado, que é o que se passa, por exemplo, em Portugal, tendo como
fundamento o intuito personae, isto é a delegação é considerada um acto
fundado nas relações de confiança pessoal entre o delegante e o delegado.
Já em França, a delegação de poderes é concebida como uma relação funcional,
entre órgãos, não ocorrendo a sua caducidade quando os titulares dos respectivos
órgãos sào substituídos.
Moçambique não adoptou a prática portuguesa e nem a francesa. Em termos de
experiência, Moçambique foi buscar partes das duas práticas acima mencionadas
e constituiu uma situação híbrida, nos seguintes termos:
Para aqueles cargos de muita confiança (política) é evidente que quando muda o
delegante, o delegado fica sem saber se o novo dirigente mantem a delegação
ou a confiança;
Já para os cargos de confiança eminentemente técnica, a mudança de superiores
hierárquicos não arrasta consigo a caducidade da delegação.

46
Entende-se por revogação...

81
Natureza jurídica da delegação de poderes
Existe grande polémica doutrinária que gira à volta de se pretender saber a quem
é que a lei atribui a competência.
Há duas correntes sobre esta matéria:
Segundo a primeira corrente, a lei atribui exclusivamente a competência ao
delegante; neste caso, a delegação de poderes opera a transferência da
titularidade ou pelo menos do exercício daquela para o delegado;
A segunda corrente defende que a lei atribui a competência conjuntamente ao
delegante e ao delegado. Neste caso, a manifestação da vontade do delegante
opera como condição do exercício da competência pelo delegado.
De notar que existem consequêncis práticas resultantes da opção que se fizer, as
quais fazem se sentir no plano dos fundamentos da impugnação do acto
praticado pelo suposto delegado, fora do âmbito da delegação.
De acordo com a primeira corrente, estariamos em presença de incompetência;
conforme a segunda corrente, estariamos em presença de um vício de forma.

As relações intersubjectivas:

A TUTELA ADMINISTRATIVA

É uma relação que existe entre duas pessoas colectivas públicas na base da qual
os actos praticados pelos órgãos da pessoa colectica pública tutelada estão
sujeitos à interferência de um órgão da entidade tutelar, com a finalidade de
assegurar a legalidade ou o mérito daquelas decisões ou actos administrativos.
Trata-se de relações intersubjectivas.
Existem duas espécies de tutela administrativa:

Quanto ao objecto

82
Relativamente a este aspecto, distinguem-se entre tutela de legalidade e tutela
de mérito (oportunidade e conveniência).

Quanto à forma do exercício


Quanto a este critério distinguem-se entre:
Tutela integrativa ou correctiva, que autoriza ou aprova decisões tomadas
pelos órgãos da pessoa colectiva tutelada 47.
Tutela inspectiva, cuja finalidade é fiscalizar actos praticados pelos órgãos da
pessoa colectiva públia tutelada.
Tutela sancionatória,
Tutela revogatória,
Tutela substitutiva, que visa suprir omissões dos órgãos das pessoa colectiva
tutelada.

Traços fundamentais da tutela administrativa


A tutela administrativa tem os seguintes traços fundamentais gerais:
1o As relações de tutela têm de resultar da lei, o que equivale a dizer que a tutela
não se presume 48;
2o A tutela nunca envolve o poder de orientar.
3o Os actos através dos quais se exerce a tutela podem ser impugnados pela
entidade tutelada.

A SUPERINTENDÊNCIA
É a relação que se estabelece entre duas pessoas colectivas públicas, que
confere aos órgãos de uma delas poderes de definir e orientar a actuação dos
órgãos da outra. Significa que, na esteira da relação estabelecida entre duas
pessoas colectivas, uma delas se encontra em certa medida na dependência de

47
Cf. sobre o conceito de autorização e aprovação.
48
Cf. Pg , onde se diz o mesmo a propósito da competência.

83
outra; geralmente tal situação decorre do facto de ter sido uma
delas(superintendente) a criar a outra (superintendida).
Existem dois instrumentos típicos da superintendência:
Directivas, que impõem objectivos deixando no entanto liberdade quanto aos
meios para os atingir;
Recomendações, que são opiniões acompanhadas de um convite para agir num
certo sentido 49.
Finalmente, importa reter a propósito da superintendência o seguinte:
Pode acontecer que duas pessoas colectivas públicas estejam simultaneamente
ligadas por relações de tutela e de superintendência; tal situaçà ocorre
normalmente em relação às entidades que integram a Administração
Indirecta do Estado;
No que respeia às entidades que integram a Administração Autónoma do Estado,
nomeadamente as Autarquias Locais apenas tem constado uma relação de
tutela.

AS AUTARQUIAS LOCAIS EM MOÇAMBIQUE


Poder local constitui a forma eleita entre nós do princípio da descentralização
administrativa. Importa, entretanto chamar a atenção para que o termo órgãos do
poder local não corresponde ao termo órgãos locais do Estado.
Órgãos locais do Estado corresponde à aplicação do princípio da
desconcentraçào administrativa, e órgãos do poder local ou poder local
correspondem à ideia de descentralização administrativa.
O princípio da descentralização administrativa foi introduzido através da lei no
9/96, no quadro da grande revisão constitucional operada na Constituição de
1990. A matéria do poder local corporiza hoje o título IV da Constituição da
República.

49
Cf. a pgs onde se define a recomendação como

84
Enquadramento do surgimento das autarquias locais em Moçambique
A este respeito três aspectos fundamentais há a realçar:
1o A implantação das autarquias locais aparece como um dos efeitos da
implantação do PRE no sentido de ser necessário, por consequência, proceder a
uma clara mudança do método de organização da Administração Pública em
Moçambique;
2o Reforma administrativa que tem como objectivos estratégicos a
profissionalização da função pública, a maior aproximação da Administração à
sociedade e a melhoria da qualidade do serviço público prestado ao cidadão;
3o A necessidade de aprofundar a democratização da Administração Pública.

Qual é o significado das autarquias locais?


Trata-se de pessoas colectivas de população e território dotadas de órgãos
representativos próprios que visam a prossecução dos interesses das populações
respectivas, sem prejuízo dos interesses nacionais e da participação do Estado 50.

Abrangência das autarquias locais em Moçambique


Nesta fase as autarquias abrangem as seguintes realidades 51:
Municípios, por um lado;
Povoações, por outro.
Os municípios correspondem à circunscrição territorial das cidades e vilas 52.
As povoações correspondem à circunscrição territorial da sede do posto
administrativo 53.

50 o
Cf. n 2 do artigo 189 da CRM.
51
Cf. artigo 190 da CRM.
52 o
Cf. n 2 do artigo 190 da CRM.
53 o
Cf. n 3 do artigo 190 da CRM.

85
No futuro, a lei poderá estabelecer outras categorias de autarquias locais
superiores ou inferiores à circunscrição territorial dos municípios ou inferiores
às povoações (autarquias supramunicipais, infra-povoações)54.

Órgãos das Autarquias locais


Tanto os municípios como as povoações dispõem dos seguintes órgãos 55:
Uma Assembleia (municipal ou de povoação), que é um órgão colegial com
poderes deliberativos, e eleito por sufrágio universal directo, igual, secreto e
pessoal dos cidadãos eleitores residentes na circunscrição territorial da
autarquia, segundo o sistema de representação proporcional;
Um órgão executivo, que também é colegial, e responde perante a respectiva
Assembleia nos termos da lei; é dirigido por um Presidente (do Conselho
Municipal e ou do Conselho de Povoação) eleito por sufrágio universal,
directo, igual, directo e pessoal dos cidadãos eleitores residentes na
respectiva circunscrição territorial.
A organização, composição e funcionamento deste órgão executivo encontram-
se definidos em lei ordinária própria.

Autonomia das Autarquias locais


As Autarquias locais gozam de autonomia num triplo sentido:
Autonomia administrativa;
Autonomia financeira;
Autonomia patrimonial.

Tutela das Autarquias locais


Apesar desta tripla autonomia, as autarquias locais estão sujeitas à tutela
administrativa 56, que é exercida pelo Estado-Administração.

54 o
Cf. n 4 do artigo 190 da CRM.
55
Cf. artigo 192 da CRM.
56 o
Cf. n 1 do artigo 194 da CRM.

86
No caso concreto das autarquias locais, a tutela administrativa consiste na
verificação da legalidade dos actos administrativos dos órgãos autárquicos, nos
termos da lei 57. Apenas em casos e nos termos expressamente previstos na lei é
que a tutela sobre sobre as autarquias poderá ter por objecto o mérito, isto é a
conveniência e ou oportunidade dos actos administrativos dos órgãos
autárquicos 58.

O poder regulamentar das Autarquias locais


Nos termos da Constituição da República 59, as autarquias locais dispoem de
poder regulamentar próprio, nos limites da Constituição, das leis e de
regulamentos emanados das autoridades com poder tutelar.
Por outro lado, as autarquias locais dispoem de um quadro de pessoal próprio,
nos termos da lei 60.

Dissolução dos órgãos das Autarquias locais


Ainda que resultantes de eleições directas, os órgãos das Autarquias Locais
podem dissolver-se, dissolução essa, sublinhe-se, só pode ter lugar em
consequência de acções ou omissões ilegais graves previstas na lei e nos termos
por ela estabelecidos 61.

A opção adoptada para a constituição de autarquias locais em Moçambique


Actualmente em Moçambique ainda não há povoações em que se constituiram
os respectivos órgãos. E, por outro lado, nem em todas as circunscrições
territoriais candidatas potenciais a município foram aí constituídas autarquias
locais.

57 o
Cf. n 2 do artigo 195 da CRM.
58 o
Cf. n 3 do artigo 194 da CRM.
59
Cf. artigo 195 da CRM.
60
Cf. artigo 196 da CRM.
61 o
Cf. n 4 do artigo 194 da CRM.

87
A opção do legislador foi no sentido de proceder a uma autarcização gradual,
tendo em conta que a autonomia corresponde a uma maior autoridade, o que
implica uma maior responsabilidade em termos de meios humanos, financeiros e
patrimoniais. Tem-se em conta também a dificuldade de obtenção de receitas
por parte das autarquais.
Por conseguinte, optou-se pelo princípio do gradualismo 62, numa primeira fase
direccionada apenas aos Município, o que significa que, no âmbito das
Autarquias Locais se deve constituir em primeiro lugar os municípios de forma
gradual.
Como fundamento deste princípio está a ideia de que se constituiriam autarquias
locais naquelas circunscrições territoriais que revelassem ter maior
desenvolvimento económico e social, por um lado, e, por outro, possuir
potencialidades de se desenvolver ainda mais, tanto económica como
socialmente.
O segundo grande fundamento é que em tais circunscrições territoriais deveria
de haver condições para o desenvolvimento do binómio
Autoridade/Responsabilidade que subjaz por detrás da implantação dos
municípios.
O binómio referido implica, por um lado, a existência e ou potencialidade de
desenvolvimento de recursos locais e , por outro, a garantia de transferência de
recursos do Estado para os Municípios.
O objectivo destas premissas é garantir que a descentralização administrativa,
para o nosso caso, a municipalização, seja efectiva e não meramente formal; daí
a adopção do princípio do gradualismo.

Linhas fundamentais de orientação para o estudo do Pacote Autárquico ou


Rejime Jurídico das Autarquias Locais

62
A este respeito, um dos indicadores da reforma do sector público para o ano 2001-2011 consiste
em transformar, gradualmente, em autarquias locais o maior número de vilas. (in Estratégia Global da
Reforma do Sector Público, pg 20).

88
SISTEMAS DE ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Importa distinguir entre concentração e desconcentração, centralização e


descentralização e integração e devolução de poderes.

1. Concentração e desconcentração de competências


Entende-se por concentração de competências ou administração concentrada o
sistema em que o superior hierárquico mais elevado é o único órgão competente
para tomar decisões. Assim, os órgãos subalternos 63 limitam-se às tarefas de
preparação e execução das decisões daquele superior hierárquico.
Por seu turno, entende-se por desconcentração de competências ou
administracão desconcentrada como o sistema em que o poder decisório se
reparte entre o superior e um ou vários órgãos subalternos, sem prejuízo de
permanecerem sujeitos à direcção 64 e supervisão 65 daquele.
Enquanto sistema de organização administrativa, a desconcentração acarreta
consigo vantagens e desvantagens.

Vantagens da desconcentração
Existem três vantagens fundamentais da desconcentraçào administrativa:
1o A desconcentração de competências permite aumentar a eficiência e a eficácia
dos serviços públicos, dado que através dela se imprime maior rapidez de
resposta às solicitações dirigidas à Administraçào Pública;
2o Viabiliza a especialização de funções, assegurando um conhecimento mais
profundo dos assuntos a resolver. Como consequência permite melhorar a
qualidade do serviço prestado pela Administração Pública aos cidadãos ou
administrados;

63
Será que existem aqui órgãos sublaternos? Se quem decid tudo é o superior hierárquico?
64
Na pgs define-se o poder de direcção como
65
Entende-se por supervisão

89
3o A desconcentração de competências liberta os superiores hierárquicos da
tomada de uma multiplicidade de decisões de menor complexidade. Como
consequência, cria-lhes condições para se ocuparem da resolução de questões
mais relevantes e mais complexas e, por isso, de maior responsabilidade.

Desvantagens da desconcentração de competências


A administração desconcentrada também apresenta três principais
desvantagens:
1o Cria uma multiplicidade de centros decisórios, o que pode inviabilizar uma
actuação harmoniosa, coerente e concertada da Administração Pública;
2o A especialização que é reflexo da desconcentraçào de competências conduz à
redução na prática do âmbito de actividades dos subalternos, provocando, por
consequência, a sua desmotivação, dada a rotina que se estabelece no seu
quotidiano de traabalho.
3o A atribuição de responsabilidades a subalternos por vezes com pouca
preparação ou habilidades para assumi-las pode ser causa da diminuição da
qualidade do serviço prestado, com prejuízo dos interesses dos particulares ou
da boa administração 66.
Relativamente à concentração e desconcentração, importa reter ainda o seguinte:
Não existe uma concentração ou desconcentração puras ou absolutas; um
sistema de organização administrativa ou é predominantemente concentrado,
e, por isso, chama-se concentrado, ou é mais desconcentrado, caso em que se
chama sistema de organização administrativa desconcentrado.
A delegação de competências é uma espécie de desconcentração de
competência.
A tendência modernamente predominante nas Administrações públicas é a
adopção do sistema de desconcentração de poderes.

66
A pgs fala-se do princípio da boa administração...

90
2. A centralização e a descentralização
É uma segunda classificação dos sistemas de organização administrativa.
A centralização ou administração descentralizada é o sistema em que todas
as atribuições administrativas de um dado país são por lei conferidas ao Estado
(Estado-Administração), não existindo quaisquer outras pessoas colectivas
públicas incumbidas do exercício da função administrativa.
A administração desecentralizada ou descentralização administrativa é o
sistema em que a função administrativa está conferida não apenas ao Estado
(Estado-Administração), mas também a outras pessoas colectivas de população e
território, nomeadamente autarquias locais.
De reter que a tutela administrativa é uma espécie de limite que a lei estabelece
à descentralização administrativa. Trata-se de limite ao exercício dos poderes
transferidos.

3. Integração e devolução de poderes


Integração de poderes enquanto sistema de organização administrativa é o
sistema em que todos os interesses públicos a prosseguir pelo Estado ou pelas
pessoas colectivas de população e território são postos por lei a cargo das
próprias pessoas colectivas a que pertencem.
Por sua vez, a devolução de poderes é o sistema em que alguns interesses
públicos do Estado ou de pessoas colectivas de população e território são postos
por lei a cargo de pessoas colectivas de fins singulares.
A devolução de poderes apresenta vantagens, sendo a mais proeminente o facto
de permitir responder melhor ao cada vez mais complexo, amplo e diversificado
interesse público, mediante o congestinamento da gestão da coisa pública pelo
Estado e da desburocratização do processo de satisfação das preocupações dos
administrados.

91
Traços fundamentais do regime jurídico da devolução de poderes
1o A devolução de poderes é sempre feita por lei, não se presume;
2o Os poderes transferidos são exercidos em nome próprio pela pessoa colectiva
pública criada para o efeito, mas no interesse da pessoa colectiva que os
transferiu e sob a orientação dos respectivos órgãos.
É por isso que as pessoas colectivas públicas que recebem devolução de poderes
são entes auxiliares ou instrumentais, ao serviço da pessoa colectiva de fins
múltiplos que as criou, e sem prejuízo da utonomi administrativa e, por vezes,
financeira de que normalmente dispõe. Não confundir esta autonomia com a
auto-administração.

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS SOBRE ORGANIZAÇÃO


ADMINISTRATIVA
São cinco os princípios sobre a organização administrativa, designadamente:
O princípio da desburocratização;
Princípio da aproximação dos serviços às populações;
Princípio da participação dos interessados na gestão da Administração Pública;
Princípio da descentralização;
Princípio da desconcentração.

A . O PRINCÍPIO DA DESBUROCRATIZAÇÃO
Este princípio significa que a Administração Pública deve ser organizada e deve
funcionar em termos de eficiência na forma de prosseguir os interesses públicos
de carácter geral e em termos de facilitação da vida dos particulares em tudo
quanto a Administração tenha de lhes exigir ou haja de lhes prestar 67.

67
Cite-se a este propósito que no diagnóstico so sector público datado de Junho de 2001 referia-se
que “ a obtenção da licença para eo exercício de actividade económica exige o cumprimento de 40
passos distintos e a intervenção de 11 órgãos públicos, desde o Ministro da Indústria e Comércio ao
corpo de bombeiros e conselhos executivos” (in Estratégia Global da Reforma do Sector Público
2001-2011, pg 12).Aliás, nos termos do mesmo documento, prevê-se como resultado geral da
Estratégia Global de Reforma do Sector Público para o ano 2001-2011 que o sector público seja

92
B. wO PRINCÍPIO DA APROXIMAÇÃO DOS SERVIÇOS ÀS
POPULAÇÕES
Este princípio significa antes de mais que a Administração Pública deve ser
estruturada de tal forma que os seus serviços se localizem o mais possível junto
das populações que visem servir. E esta aproximação não é apenas geográfica,
mas igualmente psicológica e humana, no sentido de que os serviços devem
multiplicar os contactos com as populações e ouvir os seus problemas, as suas
propostas e as suas queixas.

C. O PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO DOS INTERESSADOS NA


GESTÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Significa que os cidadãos não devem intervir na vida da Administração apenas
através da eleição dos respectivos órgãos, ficando depois alheios a todo o
funcionamento do aparelho e só podendo pronucniar-se de novo quando voltar a
haver eleições para a escolha dos dirigentes, antes devem poder participar na
tomada de decisões administrativas.
Isto significa que devem ser adoptados esquemas estruturais e funcionais de
participaç`ao dos cidadãos no funcionamento da Administração.
a) Do ponto de vista estrutural:
A Administração Pública deve ser organizada de tal forma que nela existam
órgãos em que os particulares participem, para poderem ser consultados acerca
das orientações a seguir, ou mesmo para tomar parte nas decisões a adoptar.
b) De um ponto devista funcional
Torna-se necessária a colaboração da Administração com os particulares e a
garantia dos vários direitos de participação dos particulares na actividade
administrativa.

formado por organizações públicas racionalizadas na sua estrutura e desburocratizadas nos seus

93
D. O PRINCÍPIO DA DESCENTRALIZAÇÃO
A nossa lei fundamental optou por um sistema descentralizado, o que significa
que ela recusa qualquer política que venha a ser executada num sentido
centralizador. Impugnação junto do Tribunal Constitucional.

E. PRINCÍPIO DA DESCONCENTRAÇÃO
Este princípio impõe uma administração Pública gradualmente mais
desconcentrada.

LIMITES DOS PRINCÍPIOS


A unidade de direcção;
A eficácia da acção administrativa;
Os poderes de direcção, superintendência e tutela.

PRINCÍPIOS SOBRE O PODER ADMINISTRATIVO

Começaremos por referir três aspectos fundamentais:


Conceitos fundamentais que antecedem ao estudo do poder administrativo;
Abordagem do próprio poder administrativo e as suas manifestações
Princípios sobre poder administrativo propriamente ditos.
Conceitos fundamentais
Desde logo o princípio da separação de poderes. E este princípio apresenta
sentido e alcance diferente conforme se trate de o analisar no plano do Direito
Constitucional e ou no plano do Direito Administrativo.
No plano do Direito Constitucional, o princípio da separação de poderes tinha
como objectivo retirar ao monarca e aos seus ministros a função legislativa,
mantendo no entanto as funções política e administrativa.

procedimentos(in Estratégia Global da Reforma do Sector Público 2001-2011, pg 18).

94
A consequência disso foi a efectiva separação entre o poder legislativo e o poder
executivo até então exercidos cumulativamente pelo monarca.
No plano do Direito Administrativo, o princípio da separação de poderes teve
como objectivo retirar à Administração Pública a função judicial e retirar aos
tribunais a função administrativa, na medida em que até então as funções em
causa e os respectivos órgãos se confundiam.
Como consequência disto, foi a separação efectiva entre a Administração e a
Justiça. Digamos que esta consequência significou o fim do princípio segundo o
qual “julgar ainda é administrar”.
A adopção do sistema administrativo de tipo francês ou de administração
executiva e a paralela separação entre a Administração e a Justiça, por um lado,
e, por outro, a existência do Direito Administrativo moderno existe um nexo de
causalidade.

Corolários do princípio da separação de poderes no que respeita à


separação entre a Administração e a Justiça
1o A separação dos órgãos administrativos e judiciais, sendo que os órgãos
administrativos são vocacionados ao exercício da função administrativa e os
órgãos judiciais dedicados ao exercício da função jurisdicional.
Significa, portanto, que à separação das funções corresponde a separação dos
órgãos que as exercem.
2o Incompatibilidade das magistraturas, no sentido de que, paralelamente à
separação orgânica, as pessoas físicas titulares dos órgãos administrativos não
podem simultâneamente serem titulares dos órgãos judiciais e exercerem
simulataneamente funções administrativas.
Quer isto dizer que o princípio da acumulação de funções não pode abranger o
exercício simultâneo, por uma dada pessoa física singular, de funções
administrativas e judiciais.

95
3o Independência recíproca da Administração e da Justiça, significando que a
Administração Pública é independente da Justiça, e esta é ,por sua vez,
independente daquela.
Para reter esta realidade, existem dois princípios diferentes:
a) Princípio da independência da Justiça perante a Administração, no sentido de
que a Administração Pública não pode dar ordens aos Tribunais, nem pode
decidir questões da competência dos tribunais.
A concretização deste princípio é garantida por um dos dois mecanismos
seguintes:
Sistema de garantias de independência da magistratura;
A regra segundo o qual todos os actos praticados pela Administração Pública em
matéria da competência dos Tribunais Judiciais são actos nulos e, por isso, de
nenhum efeito, por estarem viciados de usurpação de poder.
b) Princípio da independência da Administração Pública perante a Justiça, o que
significa que o poder judicial, isto é os tribunais, não podem dar ordens à
Administração Pública, execpto no caso de habeas corpus.
Igualmente os Tribunais Judiciais não podem conhecer dos litígios em que
estejam em causa a actuação da Administração Pública no exercício de uma
actividade de gestão pública; o que, a contrario significa que os tribunais
judiciais conhecem dos litígios em que esteja em causa a actuação da
Administração Pública no exercício da actividade de gestão privada.

O poder administrativo e as suas manifestações


Podemos afirmar que a Administração Pública é um poder que integra os
poderes públicos.
Significa isto que a Administração Pública é um poder “ porque define a sua
própria conduta de acordo com a lei e dispõe dos meios necessários para impor o

96
respeito dessa conduta e para traçar a conduta alheia naquilo que com ela tenha
relação”68.
A expressão poder administrativo cobre tanto o poder executivo do Estado 69,
como também as entidades ou pessoas colectivas de direito público
administrativas não estaduais 70, quer a Administração directa e indirecta, quer a
Administração Autónoma e Periférica.

Manifestações do poder administrativo


Fundamentalmente, existem quatro manifestações do poder administrativo:
O poder regulamentar;
O poder de decisão unilateral;
O privilégio de execução prévia;
O regime especial dos contratos administrativos.

O poder regulamentar
Num sistema de administração executiva, a Administração pública tem o poder
de fazer regulamentos, o que corresponde ao poder regulamentar segundo uns,
ou à faculdade regulamentária segundo outros.
De reter que, num sistema de administração judiciária, a Administração Pública
não tem poder regulamentar.
Quando, por vezes, a Administração Pública neste contexto exerce o poder
regulamentar, isso acontece apenas na esteira de uma delegação ou de um poder
conferido expressamente pelo Parlamento ou Congresso.
Nesses casos, esses regulamentos assim produzidos correspondem à delegated
legislation ou competência legislativa delegada.
Os regulamentos no sistema daministrativo de itipo francês são considerados
fonte de direito, muito embora isto não seja pacífico. A doutrina dominante é no

68
Cf. AMARAL, Diogo Freitas, Direito Administrativo, Vol II, pg 14 e 15, citando Marcelo CAETANO.
69
Conselho de Ministros, órgão da Administração Central do Estado, órgãos locais do Estado, as
Direcções Provinciais, distritais e postos administrativos.

97
sentido de considerar os regulamentos como fonte de Direito Administrativo,
que na hierarquia das fontes de direito se posiciona abaixo da lei, como uma
fonte de dierito autónoma.
Neste caso, a lei se constitui como depositária de normas exequendas e o
regulamento é integrado por normas jurídicas de execução.
Com efeito, dado que a Administração Pública é um poder, ainda que tenha de
respeitar as leis, ele tem a faculdade de definir previamente em termos genéricos
e abstractos o sentido em que vai interpretar e aplicar as leis em vigor através
dos regulamentos.

2o O poder de decisão unilateral


Trata-se de um poder unilateral da Administração Pública porque esta pode
exercê-lo por sua exclusiva autoridade, independentemente de obter acordo
prévio ou posterior do interessado ou do visado.
Através do poder de decisão unilateral a Administração Pública resolve casos
concretos, traçando a sua conduta ou a conduta alheia, isto é, de terceiros,
independentemente do recurso aos Tribunais.
Significa, portanto, que a Administração Pública tem por lei o poder de definir
unilateralmente o direito aplicável a cada caso concreto, definição essa que é
obrigatória para os administrados......
Por vezes a lei faculta ao particular a possibilidade de apresentar reclamações e
ou recursos graciosos, por exemplo, recursos hierárquicos. Igualmente, nestes
casos, tanto as reclamações como os recursos só aparecem depois de a
Administração Pública ter tomado uma decisão unilateral, da qual se reclama ou
se recorre.
O respectivo julgamento é feito pela Administração Pública através de uma
decisão unilateral. A lei pode ainda permitir que os interessados recorram das

70
Autarquias locais, por exemplo.

98
decisões unilaterais da Administração Pública para os Tribunais 71 a fim de obter
a anulação dessas decisões se forem ilegais.
Também este recurso contencioso só aparece depois de tomada a decisão
unilateral pela Administração Pública. De sublinhar que cabe ao particular
recorrer ao Tribunal e não à Administração Pública ir ao Tribunal para legitimar
a sua decisão.
Finalmente, retenha-se que ao poder de decisão unilateral da Administração
Pública também se chama auto-tutela declarativa.

3o Privilégio de execução prévia


Acrescente-se apenas que, face a uma decisão tomada pela Administração
Pública na esteira do privilégio de excução prévia, os particulares têm o direito
de dela recorrer aos tribunais, para impugná-la visando a respectiva anulação.
A este propósito é importante reter que este recurso aos Tribunais 72 não tem
efeito suspensivo. Quer isto dizer que, enquanto decorre o respectivo processo
contencioso, o particular tem de cumprir obrigatória e coactivamente o acto
recorrido.
Entretanto, a lei permite que o particular formule um pedido de suspensão da
execução da decisão unilateral sempre que entenda que daí possam advir danos
irreparáveis ou de difícil reparação; pedido esse que poderá ser atendido,salvo se
corresponder a uma actuação dilatória do particular ou se a sua procedência
poder implicar graves prejuízos para o interesse público.
Em síntese, a Administração Pública tem um duplo privilégio. Por um lado, o
privilégio de definir unilateralmente o direito aplicável no caso concreto, sem
necessidade de uma declaração judicial(fase declaratória), por outro lado tem o
privilégio de executar o direito por si definido por via administrativa, sem
qualquer intervenção dos Tribunais (fase executória).

71
Trata-se de recurso contencioso que é...
72
Recurso Contencioso.

99
O privilégio de execução prévia finalmente corresponde à máxima segundo a
qual paga primeiro e protesta depois ou ainda submeta-te e apresente a conta.

4o Regime especial dos contratos administrativos


A par do poder de decisão unilateral a Administração Pública também age por
via contratual. Trata-se do contrato administrativo que é um acordo de vontades
em que a Administração Pública fica sujeita a um regime jurídico especial,
diferente do que existe no Direito Civil.

Esta diferença poderia ser vista em dois sentidos, designadamente para mais e
para menos, nos termos em que a seguir se expende:
A diferença é para mais quando a Administração Pública dispõe de prerrogativas
ou privilégios de autoridade de que as partes nos contratos civis não dispõem,
sendo isso um afloramento do poder administrativo no âmbito da figura do
contrato;
A diferença é para menos porque a Administração Pública fica sujeita a
restrições e a deveres especiais, regra geral inexistentes nos contratos civis.

Corolários do poder administrativo


São quatro os corolários do poder administrativo:
1o Independência da Administração Pública perante a Justiça
Para garantir esta independência da Administração Pública perante a Justiça,
consagram-se os seguintes mecanismos jurídicos:
a) Os Tribunais comuns são incompetentes para se pronunciarem sobre
questões administrativas;
b) Caso, por erro, esteja a decorrer uma questão administrativa num Tribunal
comum (judicial), o regime dos conflitos de jurisdição permite retirá-lo para
o tribunal competente, isto é Tribunal Administrativo;

100
c) Existe um privilégio conferido às autoridades administrativas, que consiste
em não poderem ser demandadas criminalmente nos tribunais judiciais, sem
prévia autorização do governo. Trata-se de uma figura típica do sistema de
administração executiva, denominada garantia administrativa.
2o Existência dos Tribunais Administrativos, constituindo o chamado foro
administrativo.
Sabido embora que os Tribunais Administrativos são independentes, não há
dúvida de que correspondem a uma das características fundamentais que
resultam da concepção da Administração Pública como poder.
3o Existência do Tribunal de Conflitos.
Embora ainda não exista entre nós, existe normalmente nos países que
adoptaram o sistema de administração executiva e não existe naqueles países
que adoptaram o sistema de administração judiciária.
Trata-se de um Tribunal superior, de funcionamento intermitente, isto é,
funciona apenas quando existe um conflito para dirimir, que tem uma
composição mista, normalmente paritária, de juízes dos Tribunais Judiciais e de
Juízes dos Tribunais Administrativos, que se destina a decidir em última
instância os conflitos de jurisdição que surjam entre as autridades
administartivas e o poder judicial.
Constitui em síntese um tribunal arbitral para julgar conflitos de jurisdição entre
o Tribunal Administrativo e o Tribunal Judicial.

PRINCÍPIOS SOBRE O PODER ADMINISTRATIVO


Os princípios sobre o poder administrativo encontram-se normalmente
consagrados – de forma expressa ou implícita - nas constituições dos países que
optaram pelo sistema de administração executiva, como é o caso, por exemplo,
de Portugal em que constam expressamente da respectiva Constituição, e de
Moçambique, onde parte daqueles princípios encontram-se consagrados apenas
de forma implícita.

101
Os mais importantes entre outros são os seguintes:
O da prossecução do interesse público 73;
O da legalidade;
O do respeito pelos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares;
O poder discricionário da Administração Pública 74;
O da justiça, da imparcialidade, da igualdade e da proporcionalidade;
O uso e o abuso do poder, o desvio de finalidade e o silêncio da Administração
Pública;
Os da boa fé e da protecção da confiança.

1. O princípio da prossecução do interesse público


A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito
pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Importa por ora
referir as espécies de interesse público:
Interesse público primário – cuja definição e satisfação compete aos órgãos
governativos do Estado, no desempenho das funções política e legislativa;
Interesse público secundário – cuja definição é feita pelo legislador, mas cuja
satisfação cabe à Administração Pública no desemepnho da função
administrativa, como é o caso, por exemplo, da saúde pública, da educação,
da cultura, dos transportes públicos.

Consequências do princípio da prossecução do interesse público


1a Apenas a lei é que pode definir os interesses públicos (secundários)
prosseguidos pela Administração Pública, isto é, não é à própria Administração
Pública que cabe definí-los.

73
O interesse público é o fundamento da existência da Administração Pública, o fim único da
actividade administrativa.
74
Que é um poder legal e não arbitrário, que deve ser exercido com justiça e com imparcialidade; em
termso gerais, significa a faculdade que se reserva à Administração Pública de escolher entre várias
soluções legalmente possíveis aquela que for mais adequada, isto é mais oportuna e ou mais
conveniente, no quadro do dever de boa administração.

102
2a Compete à Administração Pública interpretar o interesse público em todos
aqueles casos em que a lei não o define de forma completa e exaustiva, dentro
dos limites em que a lei o tenha definido 75.
Significa, portanto, que à Administração Pública não cabe em princípio fazer
interpretação praeter legem, e muito menos contralegem;
3a A noção de interesse público é variável, significando que o que foi ontem
interesse público pode não sê-lo hoje, o que hoje é considerado interesse público
pode não sê-lo amanhã, e o que hoje é tido por inconveniente pode amanhã ser
considerado vantajoso 76.
Conclui-se pois que não pode definir-se o interesse público de forma rígida e
inflexível.
4a Uma vez definido o interesse público, a sua prossecução pela Administração é
obrigatória;
5a O interesse público delimita a capacidade jurídica das pessoas colectivas
públicas e a competência dos respectivos órgãos 77.
6a Somente o interesse público definido por lei pode constituir motivo
principalmente determinante de qualquer acto administrativo ou de qualquer
decisão da Administração Pública. Caso contrário, haverá desvio de poder, ou
seja o acto praticado estará viciado por desvio de poder e, consequentemente,
será um acto ilegal que, por isso, é passível de anulação contenciosa.
7a A prossecução de interesses privados invés do interesse público, por parte de
qualquer órgão ou agente administrativo no exercício das suas funções constitui

75
Embora numa perspectiva de administração privada Idalberto Chiavenato, exprime esta ideia
referindo que “ a tarefa da Administração é interpretar os objectivos propostos pela empresa e
transformá-los em acção em empresarial por meio de planejamento, organização, direcção e controle
de todos os esforços realizados em todas as áreas e em todos os níveis da empresa,a fim de atingir
tais objectivos.” (Cf. CHIAVENATO, Idalberto, Administração, Teoria, Processo e Prática, S. Paulo:
a
Makron Books, 3 Edição, 2000, pg 3.)
76
Na verdade, é esta circunstância, a variabilidade do interesse público que faz com que as decisões
da Administração, os chamados actos administrativos, tenham como uma das suas características a
variabilidade.
77
Isto constitui uma manifestação do princípio da especiliadade aplicado às pessoas colectivas
públicas.

103
corrupção, acarretando consequentemente todo um conjunto de sanções, quer
administrativas, quer penais, para quem assim proceder.
8a A obrigação de prosseguir o interesse público exige da Administração Pública
que adopte em relação a cada caso concreto as melhores soluções possíveis do
ponto de vista administrativo (técnico e financeiro); trata-se do dever de boa
administração.

O dever de boa administração


A prosecução do interesse público como um dos princípios sobre o poder
administrativo implica a existência de um dever de boa administração.
Efectivamente, a satisfação do interesse público no quadro da lei e dentro da
margem de manobra que lea deixar à liberdade de opção da Administração
Pública pode ser alcançada de várias maneiras; significa que existem diversas
soluções possíveis para cada problema administrativo, do ponto de vista técnico
e financeiro.
O dever de boa administração pode ser um dever jurídico perfeito ou imperfeito.
É imperfeito quando a sua inobservância não é passível de sanção jurisdicional.
Quando assim acontece, os tribunais só podem pronunciar-se sobre a legalidade
das decisões administrativas, e não acerca do seu mérito.

1. O princípio da legalidade
Na prossecução do interesse público como razão e finalidade da existência da
Administração Pública, esta tem que observar e obedecer a lei, além de outros
princípios e regras. Significa isto dizer que a Administração Pública não pode
prosseguir o interesse público de qualquer maneira, emuito menos de forma
arbitrária. Assim define-se o princípio da legalidade como sendo aquele segundo
o qual “ os órgãos e agentes da Administração só podem agir no exercício das
suas funções com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos” 78.

78
Cf. AMARAL, Diogo Freitas, Vol II, Pg 44.

104
Assim entendido, a lei não é só o limite, como também é o fundamento da
actividade administrativa no sentido de que não há um poder livre da
Administração Pública que lhe permita fazer o que bem entender, excepto o que
a lei lho proibir79.
A regra geral, pelo contrário, que vigora é a de que a Administração Pública só
pode fazer aquilo que a lei lhe permite fazer, ou seja, no âmbito da actividade
administrativa, aregra geral não é o princípio da liberdade, é o princípio da
competência.
De facto, de acordo com o princípio da liberdade, pode fazer-se tudo aquilo que
a lei não proíbe, considera-se permitido tudo o que não estiver proibido.
Conforme o princípio da competência, pode fazer-se apenas aquilo que a lei
permite, o que não for permitido considera-se proibido.

Conteúdo, objecto, modalidades e efeitos do princípio da legalidade

a) Conteúdo do princípio da legalidade


No quadro do Estado Social de Direito, isto é dos regimes democráticos
actualmente consagrados na maioria dos Estados, como é o caso de
Moçambique, o conteúdo do princípio da legalidade abrange:
O respeito da lei em sentido formal ou em sentido material;
A subordinação da Administração Pública às leis no seu conjunto, isto é
subordinação da Administração Pública à Constituição, às leis ordinárias, aos
regulamentos, aos direitos resultantes de contratos administrativos ou de
actos administrativos unilaterais constitutivos de direitos, princípios gerais de
direito, incluindo o Direito Internacional Público vigente na ordem interna.

79
Assim se entendia na...

105
A violação de qualquer das categorias de leis ou normas jurídicas e actos
administrativos referidos constitutivos de direitos significa violação da
legalidade e constitui, por isso, ilegalidade.

b) Objecto da legalidade
São os tipos de comportamento da Administração Pública, designadamente o
regulamento, o acto administrativo, o contrato administrativo e os simples factos
jurídicos.
Em qualquer destas formas de acção administrativa, a Administração Pública
deve respeitar a legalidade, sob pena de, violando a legalidade, por qualquer
daqueles tipos de actuação, gerar ilegalidades, com todas as consequências
jurídicas daí resultantes. Por exemplo, pode gerar invalidade ou ilicitude da
actuação da Administração Pública, e pode produzir ainda a responsabilidade
civil da Administração Pública.

c) Modalidades do princípio da legalidade


São duas as modalidades do princípio da legalidade:
A preferência de lei , que consiste em que nenhum acto de categoria inferior à
lei pode contrariariá-la, sob pena de ilegalidade 80;
A reserva de lei, que consiste em que nenhum acto de categoria inferior à lei
pode ser praticado sem fundamento na lei 81.

O poder discricionário
Como vimos atrás, a Administração Pública subordina-se a lei, que constitui o
seu fundamento, critério e limite. Entretanto, algumas vezes a lei regula a
actividade administrativa de forma precisa – isto é regula todos os aspectos da
acção administrativa - e outras vezes de forma imprecisa, de maneira tal que
deixa uma grande margem de liberdade de decisão aos órgãos administrativos.

80
Visto que a lei é o limite da actuação administrativa.

106
No primeiro caso, afirma-se que a lei vincula totalmente a Administração. E no
segundo caso fala-se em discricionaridade..
Segundo Freitas do Amaral, citando Marcelo Caetano, “ o poder é vinculado na
medida em que o seu exercício está regulado por lei; o poder será discricionário
quando o seu exercício for entregue ao critério do respectivo titular, deixando-
lhe liberdade de escolha do procedimento a adoptar em cada caso como o mais
ajustado à realização do interesse público protegido pela mesma norma que o
conferiu.”
Trata-se do conceito do poder discricionário na perspectiva dos poderes.
Conforme a perspectiva dos actos da Administração Pública, os actos são
vinculados quando praticados pela Administração Pública no exercício de
poderes vinculados, e são discricionários quando praticados no exercício de
poderes discricionários.
Importa ter presente os seguintes aspectos decorrentes desta definição:
Não existem actos administrativos totalmente vinculados, nem actos
administrativos totalmente discricionários;
Os actos administrativos são quase sempre o resultado da mistura ou
combinação em doses variadas entre o exercício de poderes vinculados e o
exercício de poderes discricionários.
Significa que quase todos os actos administrativos são simultaneamente
vinculados em certos aspectos e discricionários em relação a outros aspectos.
Há, entretanto, dois aspectos que são sempre definidos por lei para o exercício
do poder discricionário:

A competência para exercê-lo;


O fim para que se usa o poder discricionário, para o qual a discricionaridade é
conferida.

81
Visto que a lei é o fundamento da actuação administrativa.

107
Neste sentido, quando se fala em actos vinculados está-se a pensar nos actos
predominantemente vinculados; e quando se fala em actos discricionários está-
se a pensar em actos predominantemente discricionários.

Fundamento e significado do poder discricionário


O poder discricionário tem como fundamento a constatação de que seria
impossível ou até inconveniente a lei pretender regular minuciosamente todos os
casos da vida 82. Daí que tenha de deixar à liberdade da Administração Pública,
confiando que os órgãos competentes terão os conhecimentos técnicos e a
honestidade necessários para escolher, em cada caso, a melhor solução para o
interesse público.
Quanto ao seu significado, o poder discricionário é uma das formas possíveis
de estabelecer a subordinação da Administração à lei.

Natureza jurídica do poder discricionário


Existem três principais opiniões acerca da natureza jurídica do poer
discricionário, designadamente:
A tese da discricionaridade como liberdade da Administração na interpretação
de conceitos vagos e indeterminados usados pela lei 83;
A tese da discricionaridade como vinculação da Administração a normas extra-
jurídicas, nomeadamente regras técnicas para que a lei remete;

82
Como escreve Diogo Freitas do Amaral, a pg 117 do seu Volume II, “ o próprio legislador
reconhece que que não lhe é possível prever antecipadamente todas as circunstâncias em que a
Administração vai ter de actuar, nem lhe é possível consequentemente dispor acerca das melhores
soluções para prosseguir o interesse público.”
83
Freitas do Amaral rejeita esta tese dizendo que “... a tarefa de determinar o sentido e o alcance
desses conceitos vagos não é uma tarefa na qual a Administração disponha de um poder
discricionário; pelo contrário, é uma tarefa em que a Administração está vinculada”. E continua o
mesmo autor “... a interpretação e aplicação da lei é uma actividade vinculada, não é uma actividade
discricionária. Porquê? Porque a Administração não pode escolher a interpretação que mlehor
entender: só há uma interpretação correcta da lei.” E vai mais longe o autor, afirmando que “ a
interpretação consiste em determinar o sentido da lei, a vontade da lei; ou noutra formulação, a
vontade do legislador. Ora a discricionaridade não consiste em tentar descobrir a vontade da lei, mas
sim em faxer valer a vontade da Administração.

108
A tese da discricionaridade como liberdade de decisão da Administração no
qadro das limitações fixadas por lei.
Por nós, a tese mais consentânea com os dados do exercício do poder
discricionário é a terceira tese. Com efeito, a discricionaridade é uma liberdade
de decisão que a lei confere à Administração, a fim de que esta, dentro dos
limites legalmente estabelecidos, escolha de entre as várias soluções possíveis
aquela que lhe parecer mais adequada ao interesse público.

Âmbito da discricionaridade
Importa antes sublinhar que a competência e o fim são sempre aspectos
vinculados. Entretanto passamos a mencionar uma lista de elementos que podem
ser discricionários, sem prejuízo de a lei algumas vezes poder considerá-los
aspectos vinculados:
O momento da prática do acto;
A decisão de praticar ou não um certo acto administrativo;
A decisão sobre a existência ou inexistência dos pressupostos de facto para o
exercício da competência;
A decisão sobre a forma adoptar para o acto administrativo;

As formalidades a observar na preparação ou na prática do acto administrativo;


A fundamentação ou não da decisão;
A concessão ou recusa daquilo que o particular requer à Administração;
A possibilidade de determinar o conteúdo concreto da decisão;
Finalmente, a liberdade ou não de apor no acto administrativo condições,
termos, encargos e outras cláusulas acessórias.

Limites ao poder discricionário


O poder discricionário da Administração pode ser limitado juridicamente por
duas formas distintas:

109
Através do estabelecimento de limites legais – que são os limites que resultem
da própria lei;
Através da chamada autovinculação – que ocorre quando, no âmbito da
discricionaridade conferida por lei, e na base de uma previsão do que poderá
acontecer ou de uma experiência sedimentada ao longo de vários anos de
exercíco daqueles poderes, a Administração elabora normas genéricas em
que enuncia os critérios a que ela própria obedecerá na apreciação daquele
tipo de casos.
Importa, entretanto, chamar a atenção para o facto de a possibilidade de
autovinculação da Administração Pública não ser ilimitada. De facto, pode
haver casos em que a lei queira que a Administração exerça efectivamente
caso a cso o seu poder de apreciação das circunstâncias concretas.

Controle do exercício do poder discricionário


O uso de poderes vinculados que tenham sido exercidos contra a lei é objecro
dos controles de legalidade – que são aqueles que visam determinar se a
Administração respeitou a lei ou a violou;
O uso de poderes discricionários que tenham sido exercidos de modo
inconveniente é objecto dos controles de mérito – que são aqueles que visam
avaliar o bem fundado das decisões da Administração, independentemente da
sua legalidade.
Quando os poderes utilizados sejam em parte vinculados e em parte
discricionários, o seu exercício ilegal é susceptível de controle de legalidade, e o
seu mau uso ou inconveniente é susceptível de controle de mérito.
A conformidade dos aspectos vinculados do acto com a lei – isto é a legalidade
do acto administrativo - pode ser sempre controlada pelos tribunais
administrativos (controle jurisdicional), e poderá sê-lo eventualmente pelos
órgãos da Administração (controle administrativo);

110
A conformidade dos aspectos discricionários do acto com a conveniência do
interesse público – isto é o mério do acto administrativo – só pode ser
controlado pela Administração e nunca pelos tribunais.
Decorre daqui que em rigor o exercício do poder discricionário propriamente
dito é insusceptível de controle jurisdicional, pois este só pode ser um controle
de legalidade.(citar a experiência da Itália, por um lado,e da Grã-Bretanha e
Estados Unidos).

O princípio da justiça administrativa

2 Princípio da justiça administrativa


O princípio da justiça administrativa significa que a Administração Pública deve
harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os
direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares eventualmente
afectados. Trata-se do sentido objectivo e universal de justiça, que não do seu
sentido subjectivo.

O princípio da justiça apresenta três corolários:


1o Princípio da justiça stricto sensu, segundo o qual todo o acto administrativo
praticado em manifesta injustiça 84 é contrário à Constituição, e, portanto é ilegal,
podendo ser anulado em recurso contencioso pelo Tribunal Administrativo.
2o Princípio da igualdade, que consiste na necessidade de tratar igualmente
situações iguais e desigualmente situações desiguais, sob pena de prática de
actos ilegais. Em sentido amplo, a violação deste princípio equivale à violação
do princípio da justiça.
3o Princípio da proporcionalidade, que proíbe o sacrifício excessivo dos direitos
subjectivos e interesses legítimos dos particulares e exige que as medidas

84
Segundo Freitas do Amaral, “ compreendem-se no âmbito de manifesta injustiça, para este efeito,
não só os casos em que a Administração impuser ao particular um sacrifício de direitos infundado ou
desnecessário, mas também aqueles em que aquela usar para com este de dolo ou má fé”.

111
restritivas devam ser proporcionais ao mal que pretendam evitar, sob pena de
constituirem-se em execesso de poder e, por isso, contrárias ao princípio da
justiça e consequentemente ilegais.

3. Garantias da imparcialidade da Administração Pública ou simplesmente


princípio da imparcialidade
O significado deste princípio é o de que a Administração Pública deve
comportar-se sempre com isenção e numa atitude de equidistância perante todos
os particulares que com ela entrem em relação, não privilegiando ninguém nem
discriminando contra ninguém85. Ou seja, a Administração Pública não pode
conferir privilégios, é apenas a lei que o pode fazer. Significa ainda que a
Administração Pública não pode impor discriminações, somente a lei o pode
fazer.
Existem três corolários do princípio da imparcialidade:
1o Proibição de favoritismos ou perseguições relativamente aos particulares,
sejam quais forem os motivos invocados, designadamente político, partidários
ou sindicais 86.
2o Proibição de os órgãos da Administração tomarem decisões sobre assuntos
em que estejam pessoalmente interessados, por razões de carácter familiar,
económico, político e outras.
3o Proibição de os órgãos da Administração Pública tomarem parte ou interesse
em contratos celebrados com a Administração ou por eles aprovados ou
autorizados.

85 o o
Por exemplo, constitui afloramento desta ideia o disposto no n 1 do artigo 7 da Lei n 5/2002, de 5
de Fevereiro, segundo o qual “os trabalhadores não devem ser discriminados nos seus direitos de
trabalho, formação, promoção e progresso na carreira por serem portadores de HIV/SIDA.”
86 o
Cremos que podemos entender a esta luz o espírito da Lei n 5/2002, de 5 de Fevereiro, que
estabelece os princípios gerais visando garantir que todos os trabalhadores e candidatos a emprego
não sejam discriminados nos locais de trabalho ou quando se candidatam a emprego por serem
suspeitos ou portadores do HIV/SIDA.

112
O uso e o abuso do poder; o desvio de finalidade e o silêncio da
Administração Pública, o princípio da boa fé e o da protecção de confiança

Uso e abuso do poder


O uso do poder é uma prerrogativa da autoridade que deve ser usada em
conformidade com as normas jurídicas, a moral da instituição, a finalidade da
decisão da Administração Pública e com as exigências do interesse público.
Significa que o poder é confiado aos órgãos e agentes administrativos para ser
usado em benefício do bem comum, isto é da colectividade administrada ou dos
administrados. Pelo que deve ser usado nos justos limites que o bem-estar social
exigir. Nestes termos, o uso do poder é legal e lícito.
Abuso do poder ocorre quando a autoridade, embora competente para a prática
de determinado acto administrativo, ultrapassa os limites da sua competência ou
se desvia das finalidades administrativas. O abuso do poder significa, portanto,
empregá-lo fora da lei, sem utilidade pública, correspondendo assim à utilização
desproporcional do poder, o emprego arbitrário da força, a violência contra o
administrado, comportamentos que não são tutelados pelo Direito, e tornam
nulos ou inválidos os actos administrativos que os encerram.

Espécies de abuso do poder


Existem duas espécies de abuso de poder, designadamente pode ser flagrante ou
explícito, e, por outro, disfarçado.
Em qualquer dos casos, porém, consubstancia o desvio de poder ou de
finalidade. Com efeito, o poder administrativo foi conferido à Administração
Pública para a realização de determinado fim, por determinados motivos e por
certos meios. Assim, toda a acção que se afastar desta conduta contrariando ou
contornando a lei padece do vício do desvio de poder e ou de finalidade.
Conhecem-se duas formas de abuso de poder:
O abuso comissivo, quando resulta da actuação da Administração Pública;

113
O abuso omissivo, quando resulta da inércia da Administração Pública, isto é da
omissão da Administração.
As duas formas têm de comum o facto de serem capazes de contrariar a lei e
provocar ou causar lesões aos direitos subjectivos e interesses legítimos dos
particulares.

Modalidades do abuso do poder


a) Excesso de poder, que ocorre quando a autoridade administrativa ainda que
competente para praticar o acto administrativo vai além do permitido e se
exorbita no uso das suas faculdades administrativas. Significa que excede a
sua competência legal, o que redunda na invalidade do acto administrativo
praticado nesse contexto; de facto ninguém pode agir em nome da
Administração Pública fora do que a lei lhe permite.
O excesso do poder torna o acto administrativo arbitrário, ilícito e nulo, retira
a legitimidade da conduta dos órgãos e agentes administrativos, colocando-os
na ilegalidade e, vezes sem conta, no crime de abuso de autoridade.

b) Desvio de finalidade ou desvio de poder, que se verifica quando ou sempre


que a autoridade administrativa, ainda que actuando nos limites da sua
competência pratica o acto administrativo por motivos ou com fins diversos
dos previstos na lei ou exigidos pelo interesse público. Trata-se em última
análise da violação moral da lei, prosseguindo a Administração Pública fins
não queridos pelo legislador ou utilizando motivos e meios imorais para a
prática de um acto administrativo aparentemente legal. É o caso, por
exemplo, de uma expropriação formalmente por interesse público, mas que
na realidade, visa satisfazer interesse pessoal próprio do titular do órgão ou d
agente administrativo. Por outro, visa favorecer terceiros.
Também acontece, por exemplo, quando se classifica um concorrente por
favoritismo.

114
Assim entendido, o desvio de finalidade inquina os actos administrativos
nesse contexto praticados de nulos. É uma das causas, portanto, da nulidade
dos actos administrativos.
c) O silêncio da Administração Pública – como já é sabido, o silêncio da
Administração Pública pode significar a aprovação ou a rejeição da pretensão
do particular ou do administrado, conforme o que a lei pertinente dispuser a
esse respeito.
O silêncio não corresponde a acto administrativo, trata-se de uma conduta
omissiva da Administração que, quando ofende direito individual do
administrado ou de funcionários públicos, sujeita-se à correcção judicial e à
reparação decorrente de sua inércia. Na medida em que retarda o acto
administrativo ou os factos que deve praticar, a inércia da Administração
Pública constitui abuso do poder, que carece de correcção judicial e de
indemnização ao prejudicado.

Os princípios da boa fé e da protecção da confiança


O princípio da boa fé (objectiva), que tem a ver com a valoração de conduta
administrativa, de acordo com os valores ou parâmetros básicos do ordenamento
jurídico.
Nos valores referidos, incluem-se os princípios da justiça, da igualdade e da
proporcionalidade. De reter que a boa fé não se confunde com esses princípios,
ainda que envolva a sua atendibilidade. A boa fé é predominantemente aplicável
em matéria contratual englobando a culpa na formação do contrato por violação
de deveres de informação e de cooperação, a integração de lacunas contratuais, o
abuso do direito e a modificação dos contratos por alteração das circunstâncias.
A violação do princípio da boa fé gera como consequência a responsabilidade
civil da Administração perante os particulares.

115
Princípio da protecção da confiança
À nascença, este princípio consubstanciava uma ramificação ou corolário do
princípio de boa fé. Ao longo de sua evolução tem vindo a ganhar autonomia.
No essencial, o princípio em referência visa salvaguardar na sua aplicação à
actividade administrativa todas as situações em que ocorram os seguintes
pressupostos:
1o Uma actuação da Administração Pública, criando a confiança, quer na
durabilidade da sua eficácia, quer na possibilidade prática de outro acto
administrativo;
2o Uma situação de confiança justificada do destinatário da actuação de outrem
no desiderato último dessa actuação ;
3o A efectivação de um investimento de confiança ou seja o desenvolvimento de
actos ou omissões na base da situação de confiança;
4o O nexo de causalidade entre a actuação geradora de confiança e a situação de
confiança, por um lado
5o Por outro lado, o nexo de causalidade entre a situação de confiança e o
investimento de confiança.
Este princípio assume particular relevância na proibição da retroactividade de
algumas leis administrativas, dos regulamentos administrativos em geral, na
irrevogabilidade dos actos administrativos constitutivos de direitos dos
particulares, salvo com fundamento na legalidade e no prazo da impugnação
contenciosa, na ampliação da responsabilidade civil pré-contratual da
Administração Pública, para além da ocorrência de culpa na formação do
contrato. Sempre que haja legítima confiança do virtual có-contraente, isto é da
outra parte no contrato.

O PROCESSAMENTO E OS MEIOS DA ACTIVIDADE


ADMINISTRATIVA

116
O Procedimento Administrativo
A Marcha do Procedimento Administrativo Comum Decisório Para a
Prática de Um Acto Administrativo
Anteriormente vimos que a actividade administrativa é realizada pela
Administração Pública visando a prossecução do interesse comum. E essa
actividade administrativa constitui um conjunto de actos, um fluxo de actos que,
por seu turno, integram o procedimento administrativo.
Este procedimento administrativo corporiza o processo administrativo. Noutras
palavras, a actividade administrativa é um fluxo de actos que integram o
procedimento administrativo. São esses actos que, consubstanciados em
documentos, corporizam o processo administrativo.
Assim, torna-se necessário conceptualizar essas duas realidades,
designadamente:
O procedimento administrativo;
O processo administrativo.

Procedimento Administrativo é a sucessão ordenada de actos ou ritos e


formalidades que visam assegurar a correcta formação ou execução da decisão
administrativa, e a defesa dos direitos e interesses legítimos dos particulares 87.
A ordem jurídica moçambicana traz-nos na essência esta definição, com o
mesmo conteúdo, na alínea h) do artigo 1 das Normas de Funcionamento dos
Serviços da Administração Pública88, aprovadas pelo Decreto no30/2001, de 15
de Outubro. Importa reter que se trata de uma definição bastante genérica e
pouco precisa, porquanto não reflecte a questão dos direitos subjectivos e
interesses legítimos dos particulares. Entende-se no entanto que esta dimensão
não é afastada; daí não haver contradição entre as duas formulações.

87
Cf. CAUPERS, João, Direito Administrativo, Pg 143, e artigo 1 do Código de Processo
Administrativo Português
88
Procedimento administrativo: sucessão de actos e formalidades ordenadas com vista à formação,
expressão e realização da vontade da Administração Pública.

117
Por seu turno, entende-se por processo administrativo o conjunto de documentos
em que se traduzem os actos e formalidades que integram o procedimento
administrativo 89.
Na ordem jurídica moçambicana, a definição de processo administrativo consta
da alínea i) do artigo 1 das Normas de Funcionamento dos Serviços da
Administração Pública 90, aprovadas pelo Decreto no30/2001, de 15 de Outubro.

Espécies e classificações de procedimentos administrativos

1. Procedimentos de iniciativa pública e procedimentos de iniciativa


particular
a) São de iniciativa pública os que são susceptíveis de início oficioso.
b) São de iniciativa particular aqueles cujo início depende de requerimento do
interessado.

2. Procedimentos decisórios e procedimentos executivos


a) Os decisórios têm em vista a tomada de uma decisão administrativa;
b) Os executivos são aqueles cuja finalidade é assegurar a pojecção dos efeitos
de uma decisão administrativa.

3. Procedimentos de 1o grau e procedimentos de 2o grau


a) São de 1o grau aqueles que incidem pela primeira vez sobre uma situação da
vida, ou por outras palavras, aqueles que constituem a preparação de uma
primeira decisão sobre uma situação concreta da vida;
b) São de 2o grau aqueles que incidem sobre uma decisão administrativa já
anteriormente tomada. Ou por outras palavras aqueles que constituem actos

89 o
Esta definição é a que consta do n 2 do artigo 1 do Código do Processo Administrativo.
90
Procedimento administrativo: sucessão de actos e formalidades ordenadas com vista à formação,
expressão e realização da vontade da Administração Pública.

118
preparatórios para a tomada de uma decisão sobre uma outra decisão
anteriormente tomada.

4 . Procedimentos comuns e procedimentos especiais


É comum aquele procedimento que não é regulado por legislação especial, mas
por uma lei quadro. Por outras palavras, é comum aquele procedimento que é
regulado por uma lei quadro, e não por uma lei especial;
São especiais aqueles procedimentos que são regulados por leis especiais.
A marcha do procedimento comum decisório para a prática de um acto
administrativo
Esta marcha integra quatro fases. Assim:
1a Fase: Arranque do procedimento

A abordagem desta fase leva-nos a subdividí-la em duas vertentes distintas:


No caso de procedimento administrativo de iniciativa pública, o respectivo
início pode dever-se a uma de duas circunstâncias; designadamente ou a
impulso processual autónomo, o que sucede sempre que o órgão com
competência para decidir é aquele que inicia o procedimento; ou pode, por
outro lado, dever-se a um impulso processual heterónomo, o que sucede
sempre que o órgão que inicia o procedimento careça de competência para a
decisão final.
Anote-se que em ambos casos existe um dever a cumprir, qual seja o de
comunicar aos interessados do início do procediemento.
A segunda vertente compreende o caso em que o arranque do procedimento
deve-se à iniciativa particular. Nestes casos, os procedimentos
administrativos iniciam-se a requerimento dos interessados 91, requerimento
esse que normalmente deve ser apresentado por escrito, salvo os casos em
que a lei permite a sua formulação oral.

91
Por exemplo, requerimento para exercer comércio através de Alvará.

119
Sobre o requerimento pode recair um despacho inicial do serviço, despacho
esse que consiste no respectivo indeferimento liminar, que é uma decisão
sobre um certo pedido, expressa num requerimento, sem mais formalidades
essenciais, negando o pedido 92; por outro lado, pode recair uma decisão que
consista no aperfeiçoamento que visa suprir oficiosamente deficiências
constatadas no requerimento, caso tal seja possível, ou mediante convite ao
requerente no caso contrário 93.
Esta fase de arranque do procedimento administrativo termina com o
saneamento do procedimento, que consiste na verificação de que não existem
quaisquer problemas que impeçam o andamento do procedimento administrativo
ou a tomada de decisão final.
De facto, obstam ao andamento do procedimento adminsitrativo ou à tomada de
decisão final os seguintes problemas 94:
A incompetência do órgão administrativo;
A ilegitimidade do requerente;
A extemporaneidade do pedido;
Ter o órgão competente praticado num dado momento anterior 95 um acto
administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular e
com os mesmos fundamentos 96.
E outras.

2a Fase: Instrução
Normalmente, a direcção desta fase do procedimento cabe em primeiro lugar ao
órgão competente para a decisão final. O órgão em referência pode, no entanto,
ou delegar essa competência num subordinado seu que passa a dirigir a instrução

92
Cf. alínea d) do artigo 1 das Normas de Funcionamento dos serviços da Administração Pública,
o
aprovadas pelo Decreto n 30/2001, de 15 de Outubro.
93 os
Cf. n 1 e 2 do artigo 76 do Código de Procedimento Administrativo Português.
94
Caso ocorra alguma dessas circunstâncias, o requerimento poderá ser liminarmente arquivado,
terminando assim o procedimento.
95
Em Portugal fixa-se para o efeito um período de dois anos.
96
Entende-se que neste caso não o dever de decidir.

120
ou encarregra um subordinado seu da realização de diligência instrutórias
avulsas.
Em termos de caracterização, esta fase tem por objecto a recolha e tratamento
dos dados indispensáveis à decisão. Nela assumem particular relevância três
princípios, designadamente:
O da legalidade, segundo o qual todas as diligências a promover devem
conformar-se com a lei;
O do inquisitório – o qual confere ampla liberdade ao órgão instrutor do
procedimento, mesmo nos procedimentos de iniciativa particular;
O da liberdade de recolha e apreciação dos meios probatórios.
Para além destes princípios, há que ter igualmente em consideração três regras
principais em matéria de prova, posto que a instrução se confunde grandemente
com a recolha e tratamento da prova. São as seguintes regras:
a) O dever geral de averiguação;
b) A dispensabilidade da prova de factos notórios e outros do conhecimento do
instrutor;
c) A regra segundo a qual o ônus da prova recai sobre quem alegar os factos a
provar.

Espécies de diligências instrutórias


Há quatro espécies de diligências instrutórias:
1a exames, vistorias, avaliação, inspecção e peritagem, que têm de comum a
circunstância de exigirem conhecimentos especializados, e, por consequência
terem de ser realizados por especialistas, os peritos;
2a Pedido de parecer, entendido como opinião técnica solicitada a especialistas
em determinadas áreas do saber ou a órgãos colegiais consultivos. Os pareceres
podem ser obrigatórios, quando a lei exige que sejam pedidos, e facultativos
no caso contrário, isto é quando a decisão de os pedir for livremente tomada
pelo órgão instrutor; podem também ser vinculativos , sempre que as suas

121
conclusões tenham de ser acatadas pelo órgão decisor , e não vinculativos no
caso inverso.
Aspecto comum a estas espécies de pareceres é o facto de que são sempre
fundamentados e devem formular conclusões, de modo a permitir que o órgão
que os pediu ou solicitou os utilize como suporte da decisão.

3a Recolha e apreciação de documentos


4a Audição de pessoas.
3a Fase: Audiência dos interessados
Tudo indica que ainda não existe entre nós disposição legal que imponha a
audiência dos interessados pela Administração Pública no quadro do
procedimento administrativo. Entretanto, os princípios gerais do Direito e a
CRM deixam claro que esta fase deve ir ganhando corpo na actuação da nossa
Administração Pública.
Esta fase corresponde à aplicação do princípio da participação dialógica na
formação da decisão administrativa, que lá onde se encontre consagrado obrigue
à audição dos interessados, particularmente antes da tomada de decisão final,
para permitir que esta seja influenciada pela manifestação da vontade dos
interessados. De reter que a falta de audição prévia dos interessados, lá onde a
lei o exija, gera a invalidade da decisão final.

4a Fase: A decisão propriamente dita


A presente fase, que é a última da marcha do procedimento administrativo
comum decisório, inicia nomeadamente com o relatório do instrutor, peça essa
que só não existirá naqueles casos em que a instruçõ tiver sido dirigida pelo
próprio órgão competente para a decisão.
No relatório dá-se conta do pedido do interessado, resume-se as fases do
procedimento e propõe-se uma decisão. Seguidamente, o órgão competente para

122
tal analisa o relatório e toma a decisão final com base neste relatório do
instrutor.

Extinção do procedimento administrativo


Há seis formas de extinção do procedimento administrativo:
1a Por via de decisão expressa, por via, portanto, da prática do acto
administrativo;
2a Por via de desistência do pedido e a renúncia dos interessados aos direitos e
interesses que pretendiam fazer valer no procedimento;
3a Por via de deserção dos interessados, que significa a falta de interesse destes
pelo andamento do procedimento;

4a Por via de impossibilidade ou inutilidade superveniente do procedimento


administrativo, resultante de impossibilidade física ou jurídica do respectivo
objecto ou de perda de utilidade do procedimento;
5a Por via de falta de pagamento de taxas ou despesas. Esta circunstância
constitui somente causa de extinção do procedimento nos casos em que o
procedimento administrativo é por lei oneroso, isto é nos casos em que leis
especiais impõem o pagamento de taxas ou de despesas efectuadas pela
Administração Pública; ou nos casos de comprovada de insuficiência
económica, nos quais a Administração Pública pode dispensar o pagamento das
taxas ou das despesas referidas. Pois que, como é sabido, o princípio geral é o
de que o procedimento administrativo é gratuito;
6o Por via de uma omissão juridicamente relevante, como é o caso do chamado
acto tácito.

O Acto tácito em particular


a) Significado e fundamento

123
O acto tácito corresponde à necessidade de atribuir significado ou valor jurídico
às omissões dos órgãos da Administração Pública e assenta no princípio da
prossecução do interesse público.
Com efeito, existindo a Administração Pública para a prossecução do interesse
público, não é admissível que lhe seja permitido não responder às solicitações
dos cidadãos, sem que estes disponham de uma forma de defender os seus
interesses.
Por conseguinte, sempre que em tais circunstâncias a Administração Pública se
remeta ao silêncio, ela assume um comportamento omissivo contrário à lei 97, e,
por isso, gerador de efeitos jurídicos
b) Requisitos do acto tácito
São os seguintes os requisitos para a produção do acto tácito:
Tem que haver iniciativa particular na solicitação de um pronunciamento de um
órgão da Administração Pública em relação a um dado caso concreto;
A competência do órgão administrativo interpelado para decidir sobre
determinado assunto;
Tem que haver o dever legal de decidir por parte do órgão anteriormente
referido;
Decurso do prazo estabelecido por lei para a Administração Pública responder
ao particular.

c) Sistemas de atribuição de um valor jurídico ao acto tácito

São dois os sistemas:


O primeiro sistema corresponde à atribuição de um valor jurídico positivo,
no sentido de que à omissão juridicamente relevante (acto tácito) faz-se
equivaler a um deferimento do pedido do particular. É o chamado sistema do

97
Lembre-se que teríamos referido que o silêncio da Administração constitui uma das modalidades
de abuso de poder.

124
deferimento tácito, que assume um carácter excepcional na nossa ordem
jurídica 98.

Este sistema é mais favorável para o particular e mais prejudicial para a


Administração Pública, por ignorar as razões que eventualmente possam
estar por detrás da omissão, as quais podem prender-se com várias causas,
como seja a mera negligência e a falta do titular do órgão com competência
para decidir.
O segundo sistema corresponde à atribuição de um valor jurídico negativo, no
sentido de que à omissão juridicamente relevante equivale um indeferimento
do pedido do particular. Este é o chamado sistema do indeferimento
tácito 99. Este sistema corresponde ao princípio geral adoptado no
ordenamento jurídico moçambicano 100.
Trata-se do sistema mais favorável para a Administração Pública, porque não
extrai da omissão consequências que lhe sejam directamente desfavoráveis; e
mais prejudicial, e por isso havendo défice de protecção, para os particulares,
sem prejuízo do recurso contencioso de anulação que possa fazer face a este
indeferimento tácito.

O ACTO ADMINISTRATIVO
Aula de 23 de Janeiro de 2002

98 o o
Cf. artigo 60 do Decreto n 30/2001, de 15 de Outubro e Resolução n 1/CNFP/2003, de 28 de Maio.
Nos termos do artigo 1 desta Resolução, “ São sujeitos a deferimento tácito os seguintes assuntos: a)
Pedido de autorização para o exercício de actividade remunerada fora das horas normais de
serviço;b) Pedido de licença registada; c) Pedido de licença ilimitada; d) Pedido de licença para
acompanhamento de cônjuge colocado no estrangeiro em missão de serviço; e)Pedido de início de
gozo de licença anual;f)Pedido de licença de casamento, bodas de prata ou de ouro;g) Pedido de
exoneração;h) Pedido de rescisão do contrato;i) Pedido de dispensa para realização de exames,
concursos e provas de admissão; j)Pedido de dispensa para provas para o serviço militar
obrigatório;k) Pedido de nomeação definitiva; l) Reclamação ou recurso sobre classificação de
serviço;m) Reclamação sobre resultados de concurso.
99
Cf. a noção de indeferimento tácito na alínea e) do artigo 1 das Normas de Funcionamento dos
o
Serviços da Administração Pública, aprovadas pelo Decreto n 30/2001, de 15 de Outubro.
100
Cf. artigo 59 das Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública, aprovadas
o
pelo Decreto n 30/2001, de 15 de Outubro.

125
Dr. Machatine Munguambe
( Recolhida por dr. Mavie)

Definição de acto administrativo


O conceito de acto administrativo é um conceito ao serviço do sistema de
garantias dos particulares.
Ao todo são cinco os elementos que compõem o conceito de acto administrativo,
designadamente:
1o Trata-se de um acto jurídico e não de um acto qualquer;
2o Trata-se de um acto unilateral;
3o É um acto orgânicamente administrativo;
4oÈ um acto materialmente administrativo;
5o É um acto que versa sobre uma situação individual num caso concreto.
Assim, entende-se por acto administrativo

o acto jurídico unilateral, praticado por um órgão da Administração


Pública, no exercício do poder administrativo, e que visa a produção de
efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto.

1oElemento: Acto jurídico


Portanto, trata-se de um acto que resulta de uma conduta voluntária da
Administração Pública. Deste modo, exclui-se do conceito de acto
administrativo determinadas realidades, como seja os factos involuntários, as
operações materiais e bem ainda as actividades jurídicamente irrelevantes. O
que equivale a dizer que qualquer uma destas categorias de factos ou actividades
não é susceptível de recurso contencioso nos Tribunais Administrativos.

2o Elemento: Acto unilateral

126
No sentido de que para a sua formação concorre apenas ou essencialmente a
vontade da Administração Pública. Não se trata pois de um acto bilateral, como
é o caso do contrato administrativo, em cuja formação concorrem duas vontades
distintas, opostas mas complementares. Concorre para o acto administrativo
apenas uma vontade, a da Administração Pública, sem prejuízo da possibilidade
de participação dos particulares na preparação da decisão.
Importa ter presente que há alguns actos que, sendo unilaterais, todavia a sua
eficácia está dependente de uma actuação do particular, como é o exemplo da
nomeação.

3o Elemento: Acto praticado por um órgão da Administração Pública


Trata-se de um acto que é praticado por órgãos da Administração Pública.
Decorre daqui que não são actos administrativos os actos praticados por órgãos
de entidades que não integram a Administração Pública, ou por indivíduos
estranhos à Administração Pública, ainda que se pretendam fazer passar por
órgãos desta ( os denominados usurpadores de funções públicas, que praticam o
crime de usurpação de funções públicas e, por conseguinte, incorre sobre eles a
correspondente responsabilidade criminal e civil).
Também não são actos administrativos os actos praticados por órgãos do Estado
integrados no poder moderador ( Presidente da República), no poder legislativo
e no poder judicial, como reflexo do princípio da separação de poderes.

4o Elemento: Exercício do poder administrativo


O acto administrativo é um acto que se caracteriza por dever ser praticado no
exercício do poder administrativo, devendo portanto ser materialmente
administrativo, ou seja praticado no exercício de uma actividade de gestão
pública. Donde que não são actos administrativos os actos jurídicos praticados
embora pela Administração Pública no desempenho de actividades de gestão
privada; por conseguinte, estes serão actos de direito privado.

127
Não são actos administrativos os actos políticos, os actos legislativos e os actos
jurisdicionais, independentemente de serem praticados ou não por órgãos da
Administração Pública.

5o Elemento: Produção de efeitos jurídicos numa situação individual e num


caso concreto
Dos elementos do acto administrativo, o presente constitui o aspecto distintivo
entre os actos administrativos, cujo conteúdo é individual e concreto, por um
lado, e as normas jurídicas emitidas pela Admnistração Pública que são
genéricas e abstractas.
Ao abordarmos a matéria do acto administrativo, surge desde logo um problema,
porquanto a partir da definição e da análise dos respectivos elementos se
questiona se são cobertos os actos colectivos, plurais e gerais.
É entendimento nosso que o surgimento deste tipo de actos é um fenómeno que
tem mais a ver com a forma aparente dos actos e não com a sua essência, não
com o seu conteúdo real.
Actos colectivos – têm por destinatários um conjunto unificado de pessoas. Por
exemplo, a dissolução de um órgão colegial, que em termos essenciais não é
mais do que a cessação de funções, portanto vários actos administrativos,
dirigidos às pessoas abrangidas pela dissolução.
Actos plurais – são aqueles em que a Administração Pública toma uma decisão
aplicável por igual a várias pessoas diferentes. Por exemplo, a nomeação de
vários funcionários através do mesmo Despacho. Trata-se de vários actos
sobrepostos, e não de um acto único.
Actos gerais - são aqueles que se aplicam de imediato a um grupo inorgânico
de cidadãos, todos eles bem determinados ou determináveis no local.
Importância do estudo do acto administrativo

128
A primeira grande importância do acto administrativo é que ele representa uma
figura típica do Direito Administrativo - tem, portanto, uma importância para o
estudo do Direito Administrativo – e implica o recurso contencioso de anulação.
O acto administrativo, por um lado, e o respectivo recurso contencioso de
anulação, por outro, constituem o binómio que corporiza a pedra angular do
Direito Administrativo, na medida em que este nasce para garantir aos
particulares a possibilidade de recorrer aos Tribunais contra os actos
administrativos ilegais, que ofendam os seus direitos subjectivos e os seus
interesses legítimos.
O recurso contencioso de anulação é assim a mais importante arma de que os
particulares dispoem contra a actuação prejudicial da Administração Pública

Características do acto administrativo


De entre as características do acto administrativo, importa distinguir entre
aquelas que são comuns a todos os actos administrativos, daquelas que são
específicas dos actos administrativos definitivos e executórios.

a) Características comuns
São cinco as características comuns do acto administrativo:
- Como reflexo do princípio da legalidade, os actos administrativos
subordinam-se à lei; donde serem ilegais todos aqueles que não observam a
lei;
- Presunção de legalidade, no sentido de que presume-se que todos os actos
administrativos são legais à partida, até prova em contrário, visto que são
produzidos por órgãos da Administração Pública no exercício do poder
administrativo, regulado por lei. A presunção de legalidade assim entendida
significa que todo e qualquer acto administrativo assim praticado presume-se
legal até decisão em contrário do Tribunal competente;

129
- Imperatividade, para significar que o seu conteúdo é obrigatório para todos
aqueles em relação aos quais o acto administrativo seja eficaz ou produza
efeitos jurídicos, quer sejam os funcionários públicos encarregues de o
executar, quer sejam os particulares que o tenham de acatar. De referir que
esta característica é uma consequência da presunção de legalidade.
- Revogabilidade, para significar que, por natureza, o acto administrativo é
revogável pela Administração Pública em função da variabilidade do
interesse público que prossegue e de harmonia com as exigências mutáveis
do bem comum. O acto administrativo é diferente do caso julgado que, por
razões de certeza e segurança, não é modificável 101.
- Sanabilidade, que consiste na potencialidade que o acto administrativo ilegal
tem de poder ser sanado. Significa que o acto administrativo ilegal é
susceptível de recurso contencioso, e caso seja anulável, pode ser anulado
pelo Tribunal Administrativo. Porém, caso ninguém recorra dentro dos
prazos legalmente fixados a ilegalidade fica sanada, por consequência o acto
torna-se válido.

Características específicas do acto administrativo definitivo e executório


São três as características específicas dos actos administrativos definitivos e
executórios:
a) Condição necessária do uso da força, significando que a legitimidade para
a Administração Pública fazer uso da força decorre da prática de um acto
definitivo e executório, condição sine qua non do recurso ao uso dessa força;
Possibilidade de execução forçada, no sentido de que caso um determinado
acto administrativo definitivo e executório não for voluntariamente acatado ou
cumprido pelos destinatários, a Administração Pública pode recorrer, em

101 o
A título de exemplo, estabelece o n 1 do artigo 217 do EGFE que “ os actos não constitutivos de
direitos podem ser ...revogados pelos funcionários que os praticaram ou pelos seus
o
superiores hierárquicos por iniciativa própria”. E mais ainda, nos termos do n 2 do mesmo artigo
“ os actos manifestamente ilegais ou outros, ainda que constitutivos de direitos, podem ser ...
revogados nos termos da alínea anterior desde que não tenham produzido efeitos.”

130
princípio, a sua execução forçada, pode impor a sua execução por meios
coercivos. É um corolário do privilégio de execução prévia;
b) Impugnabilidade contenciosa, o que significa que o acto administrativo
definitivo e executório é susceptível de recurso contencioso, podendi neste
caso os particulares alegar a sua ilegalidade e pedir a respectiva anulação.
Equivale isto dizer que, regra geral, os actos administrativos não definitivos e
não executórios não são susceptíveis de recurso contencioso.
Quer a propósito das características comuns quer a propósito das características
específicas, importa reter finalmente que em determinados casos elas podem ser
afastadas por lei, a título excepcional. Significa que todas as características
comuns e específicas atrás mencionadas consubstanciam princípios ou regras
gerais que podem conhecer algumas excepções.

Elementos da estrutura do acto administrativo


Há quatro espécies de elementos da estrutura do acto administrativo,
designadamente: elementos subjectivos, formais, objectivos e funcionais.

a) Elementos subjectivos
Consistem nos dois sujeitos de direito que o acto administrativo típico põe em
relação, que são por um lado a Administração Pública e , por outro, um
particular. Existem, entretanto, casos de actos administrativos em que os dois
elementos são pessoas colectivas públicas.
Tanto num caso como noutro, o que é imprescindível é que um dos sujeitos deva
ser sempre uma pessoa colectiva pública da Administração Pública, donde
emana o acto administrativo e a quem em rigor pertence a autoria jurídica do
mesmo.

131
O outro sujeito é o destinatário, que normalmente é um particular, pessoa
colectiva ou individual, sem prejuízo de que, por vezes, esse destinatário possa
tratar-se de uma pessoa colectiva pública102.

b) Elementos formais
Têm a ver com a forma do acto administrativo e consistem no modo pelo qual se
exterioriza ou manifesta a conduta voluntária que consubstancia o acto.
Assim, os actos administrativos podem ter uma das seguintes formas: decreto 103,
portaria, despacho, alvará, resolução 104, etc.
Não devemos confundir forma do acto administrativo com a forma dos
documentos cujo conteúdo consubstancia actos administrativos. De facto, os
actos administrativos praticados por órgãos singulares são normalmente sob a
forma escrita, ao passo que os de órgãos colegiais regra geral são tomados
oralemente, e só mais tarde reduzidos a escrito, através de actas assinados pelo
Presidente ou Secretário do órgão colegial em causa.
Em segundo lugar, convém não confundir as formas dos actos administrativos
com as formalidades do acto administrativo, que são todos os trâmites vulgo
passos que a lei manda observar com vista a garantir a correcta formação da
decisão administrativa ou o respeito pelos direitos subjectivos e interesses
legítimos dos particulares.
Estas formalidades são aspectos do processo que conduzem à prática de actos
administrativos. São, por conseguinte, anteriores ao acto administrativo, e, como
é evidente, dele não fazem parte, diferentemente da forma do acto
administrativo que ou é contemporânea do acto administrativo ou lhe é

102
Por exemplo umacto praticado pelo Ministério da Administração Estatal tendo como destinatário o Conselho
Municipal de Maputo, no quadro do exercício da tutela administrativa.
103 o
Cf. a primeira parte do n 1 do artigo 157 da CRM, onde se estabelece que “ os actos normativos
com Conselho de Ministros revestem a forma de decreto.” A esta luz é bastante questionável que
o decreto constitua uma forma de que se revista um acto administrativo, que, por definição não é um
acto normativo, mas um acto com alcance jurídico individual e concreto.
104 o
Cf. segunda parte do n 1 do artigo 157 da CRM, onde se estabelece que” As demais decisões
do Conselho de Ministros tomam a forma de resolução.”

132
posterior. No entanto, as formalidades são impugnáveis contenciosamente, visto
que constituem a causa cujo efeito é ilegalidade do acto administrativo.

Elementos objectivos do acto administrativo


Existem fundamentalmente dois elementos objectivos: o conteúdo e o objecto.
a) O conteúdo – que é a substância da conduta voluntária em que o acto
consiste. Dele fazem parte designadamente:
- A conduta voluntária da Administração Pública;
- A substância jurídica dessa conduta, isto é a decisão essencial por ela
tomada. Por exemplo: nomear, premiar, punir, revogar, autorizar;
- Os termos, condições e encargos que acompanham a decisão tomada, ou seja
as cláusulas acessórias.
- Os fundamentos da decisão tomada; os fundamentos do acto administrativo
enquanto parte do conteúdo da decisão tomada são um aspecto importante da
evolução do acto administrativo.
b) O objecto – o objecto do acto administrativo é a realidade exterior sobre o
qual ele incide 105.

Elementos funcionais do acto administrativo


São três os elementos funcionais do acto administrativo:
1o A causa, que é a função jurídico-social de cada tipo de acto administrativo,
do ponto de vista objectivo, ou o motivo típico imediato de cada acto
administrativo, do ponto de vista subjectivo. Por exemplo, a causa da nomeação
é o preenchimento de uma vaga.
2o Os motivos, que são todas as razões de agir que impelem o órgão da
Administração pública a praticar um certo acto administrativo ou a dotá-lo de
um determinado conteúdo. Há várias classificações dos motivos da prática de

105
Por exemplo, na nomeação o conteúdo é a decisão de nomear, e o objecto é a pessoa a nomear;
no acto administrativo de demitir o conteúdo é demitir, o objecto é a pessoa demitida.

133
um acto administrativo. Pelo que os motivos distinguem-se segundo as seguintes
classificações:
- Motivos principais e motivos acessórios
- Motivos típicos e atípicos
- Motivos próximos e remotos
- Motivos imediatos e mediatos
- Motivos expressos e motivos ocultos ou implícitos
- Motivos legais e motivos ilegais
3o O fim, entendido como o objectivo ou a finalidade a prosseguir através da
prática do acto administrativo, podendo ser, por um lado, um fim legal, e, por
outro, um fim efectivo/real; sendo que o fim legal é aquele que é visado pela lei
ao atribuir a competência a um dado órgão da Administração Pública; o fim
efectivo ou real é aquele que é prosseguido de facto pelo órgão da
Administração Pública num dado caso concreto.

Elementos, requisitos e pressupostos do acto administrativo


É importante a esta altura do estudo distinguir as seguintes três realidades:
- Elementos do acto administrativo
- Requisitos do acto administrativo
- Pressupostos do acto administrativo.
Elementos são aspectos que integram o próprio acto administrativo, em si
mesmo considerado, passível de decomposição, através da análise lógica. E
dentre estas elementos distinguem-se duas espécies fundamentais:
Por um lado, os elementos essenciais sem os quais o acto administrativo não
existe;
Por outro lado, os elementos acessórios, que podem ou não ser introduzidos no
acto administrativo pela Administração Pública.

134
Requisitos do acto administrativo são exigências que a lei formula em relação a
cada um dos elementos do acto administrativo, a fim de garantir o interesse
público e legalidade ou direitos subjectivos e interesses legítimos dos
particulares.
Existem requisitos de várias espécies, designadamente requisitos de validade,
cuja inobservância torna o acto inválido; requisitos de eficácia, cuja
inobservância origina a ineficácia do acto administrativo.
Pressupostos do acto administrativo são as situações de facto de cuja ocorrência
depende a possibilidade legal de praticar umcerto tipode acto administrativo, ou
de dotá-lo de determinado conteúdo.
Por exemplo: a existência de uma vaga como pressupostode um acto de
nomeação. O acidente de trabalho é o pressuposto de um acto de atribuição de
uma pensão de invalidez; verificação de alteração da ordem pública constitui
pressuposto para a intervenção policial.
De sublinhar a importância da distinção elementos, requisitos e pressupostos
para o estudo e entendimento do acto administrativo.

Espécies ou tipos de actos administrativos


Referir-nos-emos aqui apenas aos principais tipos legais de actos
administrativos.

Actos primários e actos secundários


São actos primários aqueles que versam pela primeira vez sobre uma
determinada situação da vida. Por exemplo, a concessão a um particular de uma
licença 106 para abate de uma determinada espécie relativamente protegida..
São actos secundários aqueles que versam sobre um acto primário
anteriormente praticado; isto é o seu objecto ou é um acto primário ou uma
situação que antes fora regulada mediante a prática de um acto primário. Por

106
Cf. ponto sobre o conceito de licença.

135
exemplo, revogação de um acto administrativo anterior, ou a suspensão de um
acto administrativo.

Actos primários impositivos, actos primários permissivos e meros actos


administrativos
Existem por sua vez classificações de actos primários e classificações de actos
secundários.
Os actos primários podem ser impositivos, que são aqueles que impõem a
alguém uma determinada conduta ou a sujeição a determinados
comportamentos/documentos jurídicos,
permissivos, que são aqueles que possibilitam a alguém a adopção de uma
conduta ou a omissão de um comportamento que , doutro modo, lhe estariam
vedados;
ou meros actos de administração,, que traduzem simples declarações de
conhecimento ou de inteligência, e não consubstanciam, por conseguinte,
afirmações de vontade.

Actos primários impositivos


Os actos primários impositivos subdividem-se por sua vez em:
- Actos primários impositivos de comando, que são aqueles que impõem a um
particular a adopção de uma conduta positiva (ordens) ou negativa
(proibições);
- Actos primários impositivos punitivos, que são aqueles que impõem uma
sanção a alguém;
- Actos primários impositivos ablativos, que impõem o sacrifício de um
direito, como seja a expropriação de um terreno, abate de animais na
sequência da existência de uma peste;

136
- Juízos, que são aqueles actos pelos quais um órgão da Administração Pública
qualifica, segundo critérios de justiça 107, pessoas, coisas ou actos submetidos
a sua apreciação, como é o caso das classificações e das graduações.

Actos primários permissivos


Há dois grandes grupos de actos primários permissivos:
- O primeiro é constituído por aqueles actos que conferem ou ampliam
vantagens;
- O segundo grupo é constituído por aqueles actos que eliminam ou reduzem
encargos.
Os primeiros subdividem-se em espécies, designadamente:
a) Autorização, que é aquele acto pelo qual um órgão da Administração Pública
permite a alguém o exercício de um direito ou de uma competência pré-
existente para o exercício da qual se exige que se obtenha uma autorização da
Administração Pública;
b) A licença, que é o acto pelo qual um órgão da Administração Pública atribui
a alguém o direito de exercer uma actividade privada que, por lei, é
relativamente proibida. Por exemplo, a licença de uso e porte de arma, a
licança para o abate de alguma espécie faunística ou florestal relativamente
protegida.
c) A concessão, que é o acto pelo qual um órgão da Administração Pública
transfere para uma entidade privada o exercício de uma actividade pública
que o concessionário desempenhará por sua conta e risco, mas no interesse
geral; por exemplo, a assistência médica e medicamentosa, a segurança
privada, etc.
d) A delegação 108.

107
A este respeito, importa rever o conceito de justiça administrativa, no quadro da discricionaridade
imprópria.
108
A este propósito, já foi dito o suficiente.

137
e) A admissão, que é o acto pelo qual um órgão da Administração Pública
investe um particular numa determinada categoria legal de que decorre a
atribuição de certos direitos e deveres; é o caso da matrícula num
estabelecimento de ensino.
Os actos primários permissivos que eliminam ou reduzem encargos subdividem-
se em:
a) Dispensa, que é o acto administrativo que permite a alguém nos termos da lei
o não cumprimento de uma obrigação legal; por exemplo, a dispensa de
regime de internato pelo Reitor a determinados estudantes da Acipol.
A a dispensa chama-se isenção quando comcedida pela Administração
Pública aos particulares para a prossecução de um interesse público
relevante, como é o caso das isenções fiscais;
A dispensa chama-se escusa quando concedida pela Administração Púbica a
outro órgão ou agente administrativo a fim de garantir a imparcialidade da
Administração Pública.
Não se confunda, no entanto, a escusa com a renúncia, que é o acto pelo qual
um órgão da Administração Pública se despoja da titularidade de um direito
legalmente disponível, equivalendo, por conseguinte, à perda do direito.
Também importa não confundir escusa com a promessa do não exercício de
um direito, através da qual um órgão apenas se limita a prometer que numa
certa situação não exercerá esse direito, sem no entanto abdicar da sua
titularidade, e consequentemente, podendo exercê-lo em todos os outros
casos.
Meros actos administrativos
Dentre os meros actos administrativos, destacam-se as declarações de
conhecimento e os actos opinativos.
a) As declarações de conhecimento são aqueles actos pelos quais um órgão da
Administração Pública exprime oficialmente o conhecimento que tem de

138
certos factos ou situações; por exemplo particpação, certificados, certidões,
títulos, informação prestada ao público;
b) Actos opiniativos são aqueles actos pelos quais um órgão da Administração
Pública emite o seu ponto de vista acerca de uma questão técnica ou jurídica;
siginifica isto dizer que, invés de tomar decisões, nestes casos a
Administração Pública emite opiniões. Os actos opinativos subdividem-se
em:
- Informação burocrática, que são opiniões prestadas pelos serviços ao
superior superior hierárquico competente para decidir 109;
- Recomendações, que são actos através dos quais se emite uma opinião que
encerra um apelo a que um órgão competente decida daquela maneira, mas
que não obrigam a tal 110;
- Pareceres, que são aqueles actos opiniativos elaborados por peritos
especializados em certos ramos do saber ou por órgãos colegiais de natureza
consultiva.
Os pareceres podem ser obrigatórios, quando a lei os imponha, ou
facultativos, no caso contrário. E podem ser vinculativos quando a lei
imponha a necessidade de se seguir as suas conclusões pelo órgão activo
competente para decidir, e não vinculantes no caso contrário.
A regra geral é a de que os pareceres são obrigatórios, mas não vinculantes,
salvo disposição legal em contrário.
Desta regra geral podemos deduzir que os parecers vinculantes constituem
excepções, o que é de tal maneira correcto que, a não ser assim, o órgão
emissor do parecer assumiria na prática a posição de órgão decisório.
Da existência de pareceres vinculantes advém como reflexo o facto de que
nesses casos existe a coautoria do acto pelos órgãos, o órgão competente para
praticá-lo e o órgão consultivo que emitiu o parecer vinculante.

109
Portanto, estas informações burocráticas são diferentes das informações prestadas ao público.
110
A pgs 56 referimos que as recomendações, juntamente com as directivas, constituem um dos
instrumentos típicos da superintendência.

139
OS ACTOS SECUNDÁRIOS
Os acto secundários classificam-se em actos integrativos, saneadores e actos
desintegrativos. Sobre os actos saneadores e desintegrativos iremos abordar mais
tarde, depois da invalidade do acto administrativo.
Actos integrativos são aqueles que visam completar actos administrativos
anteriormente praticados. Compreendem:
- A homologação, que é aquele acto administrativo que absorve os
fundamentos e conclusões de uma proposta, ou de um parecer apresentados
por outro órgão;
- A aprovação, que é o acto pelo qual um órgão da Administração Pública
exprime a sua concordância com um acto definitivo 111 praticado por um
outro órgão, e lhe confere executoriedade; essa aprovação pode ser tutelar ou
não;
a) O Visto, que é na substância igual à aprovação, diferindo no entanto desta,
na medida em que enquanto a aprovação é praticada por um órgão activo, o
Visto é praticado por um órgão de controle, como é o caso do Visto do
Tribunal Administrativo e futuramente do Tribunal de Contas;
b) A Confirmação, que é o acto pelo qual um órgão da Administração Pública
reitera e mantem em vigor um acto administrativo anterior. Ex: a recusa pela
segunda vez de uma licença através do mesmo órgão que praticou o acto de
recusa, ou através de superior hierárquico que confirma o acto do subalterno
face a um recurso hierárquico;
c) Ratificação-confirmativa, que é o acto pelo qual o órgão administrativo
normalmente competente para dispor sobre certa matéria exprime a sua
concorfância relativamente aos actos praticados em circunstâncias
extraordinárias por um órgão excepcionalmente competente.

111
Mais adiante veremos o que se entende por definitividade e executoriedade.

140
Classificações de actos administrativos

Existem outras cclassificações em função de três prismas fundamentais e


independentemente de serem primários ou secundários:
- Quanto ao autor;
- Quanto ao destinatário;
- Quanto aos efeitos jurídicos.

a) Quanto ao autor
Segundo este prisma, os actos administrativos podem distinguir-se em:
Decisões e deliberações 112
- Decisões, que são todos actos administrativos que contenham a solução de
um determinado caso concreto;
- Deliberações, que são as decisões tomadas por órgãos colegiais.
Actos simples e actos complexos
Podem distinguir-se ainda entre:
- Actos simples – que provêm de um só órgão administrativo;
- Actos complexos – que são aqueles em cuja feitura intervêm dois ou mais
órgãos administrativos;
Essa complexidade pode ser igual, quando o grau de participação dos vários
órgãos é o mesmo, o que corresponde à noção de co-autoria, como sucede
com os despachos ministerias conjuntos. E pode ser uma complexidade
desigual, sempre que o grau de participação dos vários órgãos não seja o
mesmo, correspondendo à noção de corresponsabilidade pelo acto praticado,
sendo o exemplo disso um acto administrativo de um Ministro que deve, por
lei, revestir a forma de decreto. Nestes casos, aprática deste tipo de actos
implica a promulgação do Presidente da República e referenda do 1o

112
A pgs 443 do seu Manual de Direito Administrativo, Vol. II, Marcelo Caetano distingue decisões e
deliberações, consoante provenham de um órgão singular ou de um órgão colegial, indo ao ponto de
argumentar que os termos decisão e deliberação não são sinónimos.

141
Ministro, que são actos meramente formais. Assim, para efeitos de revogação
nos termos da lei, o Ministro é o autor competente para o fazer. E para efeitos
de recurso contencioso, a autoridade recorrida é o Ministro, e não o
Presidente da República e o 1o Ministro como corresponsáveis.

b) Quanto aos destinatários


Segundo este prisma, os actos podem ser 113 :
- Singulares;
- Colectivos;
- Plurais;
- Gerais.
c) Quanto aos efeitos
Segundo este prisma, os actos administrativos podem ser:
Actos internos e actos externos
- Internos – que são aqueles cujos efeitos jurídicos se produzem no interior da
pessoa colectiva pública cujo órgão os praticou 114;
- Externos – que são aqueles cujos efeitos jurídicos se projectam na esfera
jurídica de outros sujeitos de direito, diferentes daquela que praticou o acto.

O interesse prático desta distincão reside no facto de que só os actos externos


são susceptíveis de afectar os direitos subjectivos e interesses legítimos dos
particulares; consequentemente só deles cabe recurso contencioso, isto é recurso
ao Tribunal.
Actos de execução instantânea e actos de execução continuada
Ainda segundo o prisma dos efeitos, é possível distinguir entre:

113
Já tomamos contacto com esta classificação a propósito do conceito de acto administrativo,
sobretudo do quinto elemento: produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
Para aí remetemos.
114
Ver o exemplo do LULU.

142
- Actos de execução instantânea, que são aqueles cujo cumprimento se esgota
num acto ou facto isolado; por exemplo, decisão de encerrar um
estabelecimento comercial;
- Actos de execução continuada – que são aqueles cuja execução perdura no
tempo, como por exemplo a autorização para o exercício de uma actividade.
Na prática, a importância desta distinção reside no facto de que o regime de
revogação não é o mesmo para os dois tipos de actos administrativos. Por
exemplo, um acto de execução instantânea, que tenha sido executado, não é em
princípio susceptível de revogação.
Actos positivos e actos negativos
Uma terceira distinção, é aquela que diferencia entre:
- Actos positivos – que são aqueles que produzem uma alteração na ordem
jurídica, nomeadamente uma nomeação, uma demissão, uma autorização;
- Actos negativos – que consistem na recusa de alteração na ordem jurídica,
como é o caso o indeferimento expresso ou tácito de uma petição apresentada
por um particular.
A importância prática desta distinção reside no facto de que as consequências da
revogação de um acto positivo são diferentes das de um acto negativo. No
primeiro caso, acarreta a eliminação dos efeitos dele decorrentes, e no segundo
caso implica a necessidade de praticar os actos positivos que, por lei, deviam ter
sido praticados e não foram.

Actos declarativos e actos constitutivos


Uma quarta distinção, salienta diferença entre:
- Actos declarativos, que são aqueles que se limitam a verificar a existência ou
a reconhecer a validade de direitos ou situações jurídicas pré-existentes,
como é o caso das certidões e dos atestados.
Actos constitutivos – são actos que criam, modificam ou extinguem direitos ou
situações jurídicas.

143
Nas consequências derivadas de uns e de outros deriva a grande diferença.
Assim, o acto administrativo declarativo tem em princípio eficácia retroactiva,
ao passo que o acto administrativo constitutivo de direitos, em princípio, não
tem eficácia retroactiva. Tem apenas eficácia imediata ou diferida.

O ACTO ADMINISTRATIVO DEFINITIVO E EXECUTÓRIO


Noção: Diz-se acto administrativo definitivo e executório aquele acto
administrativo completo, total ou seja apetrechado com todas as possíveis armas
e munições. Pelo que se diz fica claro que é o paradigma dos actos
administrativos praticados pela Administração Pública.
Com efeito, o acto administrativo definitivo e executório corresponde ao acto de
autoridade típico. É através dele que a Administração Pública se manifesta
plenamente como autoridade ou poder. É nele que, no caso concreto, se traduz o
poder administartivo, sob a forma característica de poder unilateral de decisão,
dotado de privilégio de execução prévia.
Contrariamente ao que acontece com os particulares que perante um conflito
com outros não podem definir unilateralmente o direito aplicável ao caso
concreto, nem podem impô-lo coercivamente a ninguém, a Administração
Pública tem o poder de definir legitimamente o direito no caso concreto, por
forma unilateral (autotutela declarativa) e de impor pela força essa definição se o
particular não se conformar voluntariamente com ela (autotutela executiva)
A função do acto administrativo definitivo e executório é consequentemente
dupla:
- Em primeiro lugar, enquanto acto definitivo visa definir unilateralmente o
direito do caso concreto (autotutela declarativa);
- Por outro lado, enquanto acto executório visa definir o direito em termos que
representam um imperativo, obrigatório, susceptível de execução forçada
pela Administração Pública contra o particular (autotutela executiva).

144
Numa palavra, o acto administrativo definitivo (produto do procedimento
administrativo) e executório é, por conseguinte, aquele em que se manifesta na
sua plenitude o exercício do poder público pela Administração Pública,
enquanto autoridade.

Importância
A importância do acto administrativo definitivo e executório reside no facto de
ser nele que assenta a garantia do recurso contencioso, isto é o direito que os
particulares têm de recorrer para os Tribunais Administrativos contra os actos
ilegais da Administração Pública.
Por outro lado, importa no contexto deste acto analisar alguns aspectos
fundamentais. De facto, a existência de actos definitivos e não definitivos tem a
ver com a chamada tripla definitividade, que significa que a existência de um
acto definitivo pressupõe a definitividade em três prismas fundamentais:
- Primeiro prisma: Definitividada material;
- Segundo prisma: Definitividade horizontal;
- Terceiro prisma: Definitividade vertical.
a) Definitividade material, que é a característica do acto administrativo que
define em termos do seu conteúdo a situção jurídica da própria
Administração Pública, ou, como é mais frequente, de um particularb que
está ou pretende estar em relação com a Administração Pública.
Assim entendido, podemos definir o acto administrativo materialmente
definitivo como aquele que, no exercício do poder administrativo, define a
situação jurídica de um particular perante a Administração Pública, ou da
Administração Pública perante um particular. Exemplo, os actos punitivos,
expropriativos, autorizações,licenças, concessões, etc.
Embora mais controverso, também são actos materialmente definitivos os
seguintes:

145
- Sujeitos à condição ou termo, isto é aqueles cujos efeitos se encontram
dependentes da ocorrência de um facto futuro incerto.
- São-no também os actos postos em execução a título experimental, isto é
actos praticados pela Administração Pública, declarando que os põe em
execução a título experimental, reservando-se o direito de vir a modificá-los
à luz da experiência acumulada;
- São-no também as listas de antiguidade através das quais se conta e regista o
tempo de serviço de cada funcionário público, visto que definem um certo
aspecto da situaçã jurídica dos funcionários decorrendo consequentemente
daí a extensão maior ou menor dos seus direitos;
- São ainda actos materialmente definitivos aqueles pelos quais um órgão da
Administração Pública se declara incompetente para decidir uma questão, na
medida em que definem as situações jurídicas da Administração Pública
relativamente aos casos concretos visados ao declarar-se incompetente para
resolver os problemas que lhe forem colocados;
- São ainda materialmente definitivos os actos pelos quais a Administração
Pública notifica um particular para legalizar uma situação irregular, visto
que, ao exigir a legalização, a Administração Pública define a situação do
particular como situação irregular e impõe-lhe o dever de se colocar numa
situação diferente.

Que dizer acerca dos actos administrativos com um significado polivalente?


A experiência mostra que não é fácil saber qual é o seu verdadeiro conteúdo,
sendo mister para fixar este recorrer à interpretação. Se o significado for
adiamento, não haverá acto materialmente definitivo; caso contrário, se o
significado for tomada de decisão o acto pode ser, e muitas vezes o é,
materialmente definitivo.

146
- Assim, não são actos materialmente definitivos todos aqueles que não
definem situações jurídicas, por exemplo, como é o caso dos actos internos,
das informações públicas, das promessas e dos actos opiniativos.
- Também não são materialmente definitivos os actos praticados fora do
âmbito do poder administrativo, os actos praticados pela Administração
Pública dentro do âmbito da função administrativa, mas que não beneficiam
de autoridade própria, nem do privilégio de execução prévia. Ex: Actos
praticados pela Administração Pública em matéria de interpretação e
validade do contrato administrativo ou da responsabilidade contratual ou
extracontratual da Administração Pública; em princípio estes actos não são
materialmente definitivos.
b) Definitividade horizontal – é a característica do acto administrativo que
constitue resolução final do procedimento administrativo. A definitividade
horizontal é a qualidade do acto administrativo que põe termo ao
procedimento administrativo, ou acto final e conclusivo que põe termo ao
procedimento e em função do qual este se iniciou e se desenvolveu.
Para além daqueles que põem termo ao procedimento administrativo, são
ainda horizontalmente definitivos os seguintes:
- Os que põem termo a um incidente autónomo dentro do procedimento;
- Os que implicam resolução final para certa pessoa impedindo a sua
continuação no procedimento.
Assim, diz-se acto administrativo horizontalmente definitivo aquele que
constitui resolução final de um procedimento administrativo ou de um incidente
autónomo desse procedimento, ou ainda que exclui um interessado da
continuação no procedimento em curso, como é aquele que exclui alguém de um
concurso público.
Por exclusão de partes, não são actos horizontalmente definitivos os seguintes:

147
- Os actos anteriores ao acto definitivo, por exemplo, os actos
preparatórios 115, os actos pressupostos116, , as decisões provisórias 117.
- Actos transformáveis em actos definitivos, que quando são praticados ainda
não são definitivos, mas que se destinam a converter-se, eles próprios, em
actos definitivos um pouco mais tarde 118;
- Actos posteriores ao acto definitivo, cuja finalidade é tornar exequível esse
acto administrativo definitivo anteriormente praticado. Integram esta espécie:
- Os actos complementares, ou seja actos que a lei manda praticar a fim de
assegurar o conhecimento ou a plena eficácia do acto administrativo 119.
- Os actos de execução - trata-se de actos que a lei manda praticar a fim de
pôr em prática as determinações contidas no acto administrativo definitivo 120;
- Os actos meramente confirmativos a propósito dos quais se chama atenção
para não serem confundidos com os actos confirmativos 121.
Há três aspectos cumulativos que caracterizam um acto meramente
confirmativo:
1o O acto confirmado deve ser definitivo;

115
Isto é actos praticados ao longo do procedimento e que visam preparar a decisão final (por
exemplo estudos, pareceres, informações burocráticas, exames, vistorias, medidas preventivas ou
cautelares.
116
Que são aqueles cujo objecto é a qualificação jurídica de certos factos ou situações da vida, e de
que depende a prática do acto administrativo ( por exemplo, a qualificação de certas ilegalidades
cometidas como “graves”, é pressuposto da decisão que impõe a perda do mandato ao órgão
infractor.
117
Isto é as decisões da questão principal que foi objecto do procedimento administrativo tomadas a
título provisório (por exemplo a adjudicação provisória de uma concessão ou empreitada, a fixação
provisória de uma pensão ou de uma inemnização.
118
Por exemplo: actos sujeitos à ratificação confirmativa, actos sujeitos à confirmação, actos sujeitos
à reclamação necessária.
119
Por exemplo, a redacção de uma acta, os actos de registo ou estatística, a notificação do acto
definitivo os seus destinatários, o Visto do Tribunal Administrativo, a publicação no Boletim da
República ou noutro jornal oficial, a emissão de alvarás ou documento comprovativo, etc.
120
É o caso da fixação de um prazo para o particular cumprir uma determinada decisão, ordem de
demolição de um prédio que ameace ruína, se o proprietário não o fizer por si, ordem de ocupação de
um terreno ou edifício.
121
São actos confirmativos aqueles que mantêm um acto administrativo anterior, exprimindo
concordância com ele e recusando a sua revogação ou modificação. E são meramente confirmativos
aqueles actos administrativos dentre os actos confirmativos que tenham por objecto actos definitivos
anteriormente praticados. Neste sentido, todos os actos meramente confirmativos são actos
confirmativos, mas a inversa já não é verdadeira. Significa que a confirmação de um acto não
definitivo constitui ou pode constituir ela mesma um acto definitivo, ao passo que a confirmação de
um acto administrativo definitivo constitui umacto não definitivo.

148
2o O acto confirmado deve ser do conhecimento do interessado de modo a
poder dele recorrer;
3o Entre o acto confirmado e o acto confirmativo deve haver identidade de
sujeito, de objecto e de decisão.

c) A definitividade vertical
Chama-se acto administrativo verticalmente definitivo aquele que é praticado
por um órgão colocado de tal forma na hierarquia que a sua decisão constitui a
última palavra da Administração Pública, ou praticado por um subalterno no
exercício de uma competência exclusiva 122.
Em geral, a distinção entre os actos praticados por órgãos subalternos sujeitos a
recurso hierárquico e outros praticados igualmente por órgãos subalternos mas
não sujeitos a recurso hierárquico necessário resulta da lei. Ninguém ompode
presumir. É a lei quais os órgãos da Administração Pública que podem praticar
actos verticalmente definitivos. Na esteira disto, podemos formular algumas
regras gerais sobre a matéria em abrdagem.
Quais são os órgãos como competência para praticar actos verticalmente
definitivos?
- Órgãos máximos de qualquer hierarquia do Estado, como é o acso do
Governo e do seus membros;
- Órgãos do Estado de natureza independente, ou seja que não estejam
integrados em qualquer hierarquia( CNE, por exemplo);
- Órgãos sublaternos que tenham competência exclusiva;
- Órgãos máximos das Autarquias Locais, dos institutos públicos e das
Associações públicas;
- Actos praticados por delegação de poderes ou por subdelegação de poderes
naqueles casos em que a lei os considere definitivos.

122
Cf. pag sobre competência exclusiva.

149
Como corolário do que dissemos, não são actos verticalmente definitivos os
seguintes:
- Os actos praticados por órgão ssublaternos sujeitos a recurso hierárquico
necessário;
- Auqles praticados por delegação de poderes ou subdelegação de poderes,
sempre que alei os considere como não definitivos;

- Aqueles praticados pelos órgão máximos de um instituto público ou de


associações públicas, sempre que a lei estabeleça a título excepcional um
recurso hierárquico tutelar necessário.
Assim, chegamos ao princípio da tripla definitividade dos actos administrativos.
Segundo o princípio da tripla definitividade dos actos administrativos, um acto
administrativo só poderá ser considerado definitivo para efeitos de recurso
contencioso quando haja simultaneamente um acto definitivo em sentido
material, horizontal e vertical, sob pena de não ser definitivo e, por conseguinte,
insusceptível de recurso contencioso. Ou, por outras palavras, um acto
administrativo normalmente é passível de recurso contencioso quando nele se
verificarem as três espécies de definitividade. Faltando nela alguma dessas
definitividades, em princípio, não é susceptível de recurso contencioso.
Assim, o acto administrativo é definitivo quando tem por conteúdo uma
resolução final que defina a situação jurídica da Administração ou de um
particular.

Actos executórios e não executórios


Considera-se acto administrativo executório aquele que obriga por si e cuja
execução coerciva imediata a lei permite independentemente de sentença
judicial.
Trata-se como é evidente da manifestação do privilégio de execução prévia no
seu expoente máximo, equivale neste contexto a uma imposição pela

150
Administração Pública do direito definido por ela, sem necessidade de recorrer
aos tribunais. É mais um reflexo da Administração Pública como um poder
diferente do poder judicial, que é o poder administrativo.
O acto administrativo executório caracteriza-se123 por ser, por um lado,
obrigatório(obrigatorieadade) e, por outro, pela possibilidade de execução
coerciva por via administrativa.
Importa não confundir executoriedade e execução.
Executoriedade – é a potencialidade jurídica, a susceptibilidade de execução.
Execução é a efectivação dos imperativos contidos no acto, neste contexto,
significa que é um acontecimento da vida real.
Com efeito, o acto administrativo pode ser de direito executório e não estar no
entanto a ser executado de facto. Por outro lado, o acto administrativo pode ser
de facto executado, sem ser de direito executório.
Vezes sem conta a ilegalidade da actuação da Administração Pública prende-se
com a execução de actos que juridicamente não são executórios.
À face da definição e das características dos actos administrativos executórios,
depreende-se que, por exclusão de partes, não são executórios os seguintes tipos
de actos:
1o Os actos que não são obrigatórios, como é o caso dos actos opiniativos;
2o Os actos que, embora obrigatórios, não sejam susceptíveis de execução
coerciva por via administrativa;
Ao falarmos dos actos que não são executórios por não serem obrigatórios, é
importante perceber a justificação para que esses actos não sejam obrigatórios.
A não obrigatoriedade de um acto administrativo pode derivar do facto de ainda
não sê-lo ou do facto de já não sê-lo.
- Assim, temos, por um lado, actos que ainda não são executórios,
encontrando-se os actos sujeitos à condição suspensiva ou a termo inicial;
- Temos ainda actos sujeitos à confirmacção;

123
Tem duas características.

151
- Temos actos sujeitos à aprovação;
- Ainda actos sujeitos a Visto;
- Ainda actos que ainda não revistam a forma legal (por exemplo, deliberações
dos órgãos colegiais ainda não reduzidas a Acta). Este grupo de actos são
aqueles cuja não obrigatoriedade resulta do facto de ainda não serem
executórios.
Já foram executórios:
1o Actos suspensos;
2o Actos dos quais se tenha interposto recurso hierárquico com efeito
suspensivo.

Que dizer das causas de insusceptibilidade de execução por via


administrativa?
- Um acto administrativo pode não ser susceptível de execução coerciva por
via administrativa ( e nesse caso, embora obrigatório, não é, portanto, um
acto administrativo executório – situação que é rara e excepcional);
- Por outro lado, existem casos de actos que apenas são susceptíveis de
execução forçada por via judicial (também situação excepcional, mas mais
frequente).

Articulação entre as classificações de actos definitivos e executórios


Regra geral, em princípio todo o acto definitivo é executório, havendo duas
excepções a esta regra:
- Actos definitivos que não são executórios;
- Actos executórios que não são definitivos.
Integram a primeira espécie de excepções os actos não executórios já referidos,
integram a segunda espécie de excepções, por exemplo, os actos preparatórios.
Em geral, os actos preparatórios são executórios, mas não são definitivos, actos
sujeitos à ratificação.

152
a) Actos definitivos e actos não definitivos
- Chama-se acto definitivo à resolução final que define a situação jurídica da
pessoa cujo órgão se pronunciou ou de outra que com ela está ou pretende
estar em relação administrativa.
É pois um acto externo, o que significa que os actos internos ficam por
natureza excluídos da possibilidade de serem tidos por definitvos.
- Chama-se acto não definitivo todo aquele acto que não contenha resolução
final ou que não defina situações jurídicas.
Importa assim precisar a noção de resolução final, designadamente:
- É o acto que ponha termo a um processo gracioso ou a um incidente
autónomo desse processo;
- E de que não caiba recurso na ordem hierárquica:
- por ser da competência exclusiva de quem o praticou;
- por não haver para quem interpô-lo;
- ou por não ter sido interposto oportunamente.
São pois não definitivos todos aqueles:
- De que caiba recurso hierárquico com efeito devolutivo (não suspensivo)
- Os actos preparatórios, que habilitam um órgão administrativo a pronucniar a
resolução final.

Validade, eficácia e interpretação do acto administrativo


Principais conceitos
A validade traduz a aptidão intrínseca do acto para produzir os efeitos
correspondentes ao tipo legal a que pertence, em consequência de sua
conformidade com a ordem jurídica.
A eficácia é a efectiva produção de efeitos jurídicos.

153
A invalidade de um acto administrativo será pois a inaptidão intrínseca do acto
para a produção de efeitos, decorrente de uma ofensa à ordem jurídica. É o
reflexo da não verificação dos requisitos previstos por lei para sua validade.
A ineficácia será, por seu turno, a não produção de efeitos num dado momento,
como resultado da não verificação de todos os requisitos e eficácia fixados por
lei.
Resulta do que se disse que um acto administrativo pode ser válido e eficaz;
pode ser válido mas ineficaz; pode ser inválido mas eficaz; e pode ainda ser
inválido e ineficaz.
1.2.. Requisitos de validade do acto administrativo
Requisitos de validade do acto administrativo são as exigências que a lei faz
relativamente a cada um dos elementos deste – autor, destinatário,forma e
formalidades, conteúdo, objecto e fim.

Requisitos quanto aos sujeitos


Com referência aos sujeitos, é indispensável que se verifiquem os seguintes
requisitos de validade do acto administrativo :
- Que o órgão que pratica o acto administrativo tenha competência para a
prática do mesmo;
- Se se tratar de um órgão colegial, é necessário que este esteja regularmente
constituído, tenha sido regularmente convocado, e esteja em condições de
funcionar legalmente.
Quanto aos destinatários, exige-se que o acto administrativo tenha
destinatário(s) determinado(s) ou determinável(s).
Requisitos quanto à forma e às formalidades
Em relação às formalidades, o princípio geral é o de que todas as formalidades
prescritas por lei são essenciais. Por conseguinte, a sua não observância, quer
por omissão quer por preterição, gera a ilegalidade do acto administrativo.

154
O acto será ilegal se não forem respeitadas todas as formalidades prescritas por
lei, quer em relação ao procedimento administrativo que preparou o acto, quer
relativamente à própria prática do acto em si mesma. Esta regra comporta três
excepções:
- Não são essenciais as formalidades que a lei declarar dispensáveis;
- Não são essenciais aquelas formalidades cuja omissão ou preterição não
tenha impedido a consecução do objectivo visado pela lei ao exigí-las;
- Não são essenciais as formalidades meramente burocráticas, de carácter
interno, tendentes a assegurar apenas a boa marcha dos serviços.

Formalidades supríveis e insupríveis


São formalidades insupríveis aquelas formalidades cuja observância tem de
ter lugar no momento em que a lei exige que elas sejam observadas 124.
São formalidades supríveis aquelas que a lei manda cumprir num certo
momento, mas que se forem cumpridas em momento posterior ainda vão a
tempo de garantir os objectivos para que foram estabelecidas.

A obrigação de fundamentar
A fundamentação de um acto administrativo é a enunciação explícita das razões
que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo.
De acordo com o artigo 12 das Normas de Funcionamento dos Serviços da
Administração Pública, aprovadas pelo Decreto no 30/2001, de 15 de Outubro,
“a Administração Pública deve fundamentar os seus actos administrativos
que impliquem designadamente o indeferimento do pedido ou revogação,
alteração ou suspensão de outros actos administrativos anteriores”
A fundamentação deve preencher os seguintes requisitos:
- Tem de ser expressa;

124
Cf.

155
- Tem de consistir na exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e
de direito da decisão;
- em de ser clara, coerente e completa, isto é será ilegal se for obscura,
contraditória ou insuficiente.
O objectivo essencial da fundamentação é esclarecer concretamente a motivação
do acto.
Há contudo dois casos especiais, designadamente:
- O de o acto administrativo consistir numa declaração de concordância com
os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta; porquanto
nestes casos o dever de fundamentar considera-se cumprido com essa mera
declaração de concordância. Com efeito, o parecer, a informação ou a
proposta constituirão parte integrante da decisão, pelo que os fundamentos
daqueles serão fundamentos desta.
- O segundo caso é o dos actos orais, os quais em regra não contêm
fundamentação. Poor conseguinte, ou esses actos são reduzidos a escrito
numa acta, donde constará a fundamentação; ou é conferido aos interessados
o direito de requerer a redução a escrito de fundamentação dos actos orais.
Se faltar a fundamentação num acto que deve ser fundamentado, ou se a
fundamentação existir mas não corresponder aos requisitos exigidos, o acto
administrativo será ilegal poor vício de forma e, como tal, será anulável.
Contudo, se um cto vinculado se baseia em dois fundamentos legais e um não se
verifica , mas o outro basta para alicerçar a decisão, o tribunal não anula o acto:
é o princípio do aproveitamento dos actos administrativos.

A FORMA
No que toca à forma do acto administrativo, a regra geral é a de que os actos
administrativos devem revestir a forma expressa. Dentro desta, há que distinguir
as formas simples e as formas solenes.

156
As formas simples são aquelas em que a exteriorização da vontade do órgão da
Administração não exige a adopção de um modelo especial; as formas solenes
são as que têm de obedecer a um certo modelo legalmente estabelecido.
Há porém casos excepcionais em que o acto administrativo pode revestir a
forma tácita.

ACTO TÁCITO
Existem algumas situações em que a lei atribui ao silêncio da Administração
um
determinado significado jurídico, daí decorrendo efeitos jurídicos.
Na verdade, não são raras as situações em que se verifica o silêncio ou inércia
da Administração perante pretensões concretas apresentadas por interessados
aos órgãos competentes. E, como se compreende, deixam os particulares desar
mados, num sistema jurídico que organiza a protecção dos administrados na ba
se do recurso contencioso de anulação – o que pressupõe a prática de um acto
administrativo definitivo e executório, de que se possa recorrer.
Há várias maneiras de resolver este problema :
a) A primeira consiste em alei atribuir ao silêncio da Administração o
significado de um acto tácito positivo : perante um pedido de um particular,
e decorrido um certo prazo sem que o órgão administrativo competente se
pronuncie, a lei considera que o pedido feito foi satisfeito. Aqui o silêncio
vale como manifestação tácita de vontade da Administração num sentido
positivo para o particular: daí a designação de acto tácito positivo.
b) A segunda forma consiste em a lei atribuir ao silêncio da Administração o
significado de acto tácito negativo: decorrido o prazo legal sem que o pedido
formulado pelo particular ao órgão competente tenha resposta, entende-se
que tal pedido foi indeferido. Presume-se, nestes casos, que há ali uma
vontade tácita da Administração num sentido negativo para o interessado,

157
pois a sua pretensão considera-se indeferida: daí o acto tácito negativo ou
indeferimento tácito.

Qual a vantagem para o particular da opção por esta segunda forma?


É que, se não fosse assim, nos casos de silêncio da Administração, nunca
haveria uma decisão de que o interessado pudesse recorrer para o tribunal.
Ora, com a figura do acto tácito, logo que passe o prazo legal sem haver resposta
da Administração, o particular poderá recorrer contenciosamente contra o
indeferimento ( tácito) da sua pretensão.
Neste caso, o tribunal terá a considerar duas hipóteses : ou o indeferimento da
pretensão do particular foi legal, caso em que o tribunal dará razão à
Administração, ou foi ilegal, e neste caso o tribunal dá razão ao particular
anulando o acto tácito. E da anulação contenciosa do indeferimento tácito
resultará, nesta segunda hipótese, o dever de a Administração satisfazer
cabalmente a pretensão apresentada pelo particular;
c) Todavia, importa assinalar que actualmente tem-se consciência de que esta
garantia não é muito forte, pelas seguintes razões:
- A nossa jurisprudência raramente considera verificado um acto tácito
negativo;
- O recurso de anulação do indeferimento tácito leva muito tempo a julgar;
- A utilidade prática desse recurso, em sede de execução da sentença anulatória
do indeferimento tácito, é bastante problemática e aleatória.
É aliás neste contexto que alguns países evoluíram já para a aceitação, em lugar
do recurso do acto tácito, de uma acção contra as omissões da Administração,
em que esta possa ser condenada pelo tribunal administrativo a praticar os actos
legalmente devidos.
A regra no nosso Direito é a de que, em principio, o acto tácito é negativo: só
há acto tácito postivo nos casos expressamente previstos por lei ( artigos 59 e

158
60 das Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública,
aprovadas pelo Decreto no 30/2001, de 15 de Outubro).
Condições de produção do acto tácito
Resulta do próprio artiggo 59 acima referido que são as seguintes as condições
para a produção de acto tácito:
- Que o órgão da Administração seja solicitado por um interessado a
pronunciar-se num caso concreto;
- Que a matéria sobre que esse órgão é solicitado a pronunciar-se seja da sua
competência;
- Que o órgão tenha sobre a matéria em causa o dever legal de decidir através
de um acto definitivo;
- Que tenha decorrido o prazo legal sem que haja sido tomada uma decisão
expressa sobre o pedido;
- Que a lei atribua ao silêncio da Administração durante esse prazo o
significado jurídico de indeferimento ou deferimento.

Fundamentos da impugnação contenciosa do indeferimento


A impugnação contenciosa do acto tácito tem por base pelo menos dois
fundamentos:
- Violação da lei, mais concretamente violação do dever de decidir por parte
do órgão competente;
- Vício de forma, poor falta de fundamentação

159
Natureza jurídica do acto tácito
O acto tácito é uma ficção legal de acto administrativo. Ou seja, o acto
administrativo não é um verdadeiro acto administrativo, mas tudo se passa
como se o fosse.
Requisitos quanto ao conteúdo e ao objecto
Exige-se que o conteúdo e o objecto do acto obedeçam aos requisitos de
certeza, de legalidade e de possibilidade.
Além disso, exige-se também que a vontade em que o acto administrativo se
traduz seja esclarecida e livre; pelo que o acto não será válido se a vontade da
Administração tiver sido determinada por qualquer influência indevida,
nomeadamente por erro, dolo ou coacção.
Requisitos quanto ao fim
A lei exige que o fim efectivamente prosseguido pela Administração coincida
com o fim que a lei teve em vista ao conferir os poderes para a prática do acto.
Este requisito, porém, só é relevante no caso dos actos praticados no exercício
de poderes discricionários, quer se trate de discricionaridade própria, quer
imprópria. No domínio dos actos vinculados, o fim não tem autonomia, não é
relevante.
Exige-se que o motivo principalmente determinante da prática de um acto
administrativo coincida com o fim tido em vista pela lei ao conferir o poder
discricionário.

Requisitos de eficácia do acto administrativo


São requisitos de eficácia aquelas exigências que a lei faz para que o acto
administrativo possa produzir os seus efeitos jurídicos. Estes não se confundem
com os requisitos de validade.
Os principais requisitos de eficácia do acto administrativo são:
a) Publicação ou notificação aos interessados

160
Enquanto não for publicado ou notificado, o acto será ineficaz, não produzirá
efeitos- designadamente não será obrigatório para os particulares.
A notificação ou publicação deverão conter a indicação :
- Do autor do acto;
- No caso de delegação de poderes, menção da existência de delegação;
- Sentido e data da decisão;
- Fundamentos da decisão.

O visto do Tribunal Administrativo ou futuramente do Tribunal de Contas


Os actos sujeitos a visto do Tribunal Administrativo 125 não produzem quaisquer
efeitos enquanto o Tribunal não der ou apor o visto. Podem, portanto, ser
válidos, mas não produzirão efeitos por falta de visto.

INTERPRETAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO


Conceito – interpretar é determinar o sentido e o alcance do texto interpretado.
Elementos a considerar na interpretação de um acto administrativo:
a) O texto da decisão, incluindo os respectivos fundamentos;
b) Os elementos constantes do procedimento administrativo;
c) O tipo legal de acto;
d) As leis aplicáveis;
e) O interesse público a prosseguir, bem como os direitos subjectivos e
interesses legítimos dos particulares que hajam de ser respeitados;
f) As praxes administrativas;
g) Os princípios gerais do Direito Administrativo.
Na interpretação do acto administrativo devem se tomar em conta algumas
importantes presunções:
- A presunção de legalidade dos actos administrativos;

125

161
- A presunção de que o órgão não quis afastar-se do tipo legal do acto que
praticou;
- A presunção de que, salvo expressa indicação em contrário, a Administração
não terá querido decidir de modo diferente da prática habitualmente seguida
na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos
mesmos preceitos legais.

Quem pode interpretar


- Cabe ao Tribunal Administrativo a última palavra sobre a interpretação do
acto administrativo;
- Entretanto, a própria Administração Pública, também pode interpretar através
de actos interpretativos ou aclarações.
Se o acto interpretativo se contiver nos limites do acto interpretado, escolhendo
para ele uma das interpretações que ele na verdade comporta, estaremos na
presença de aclaração confirmativa; se, porém a interpretação da Administração
excede aqueles limites, já não haverá aclaração, mas sim revogação ou
mdificação do acto primário.
Portanto, na interpretação do acto administrativo importa considerar a lei e a
vontade do autor simultaneamente.
- No caso dos actos vinculados, interessa sobretudo apurar o disposto na lei,
interpretando-se o acto sempre que possível de acordo com as exigências
legais formuladas quanto ao assunto em causa;
- No caso dos actos discricionários interessa sobretudo apurar a vontade real
ou psicológica do órgão administrativo que foi o seu autor e, na falta dela, a
vontade hipotética do mesmo órgão - isto é, a vontade que o órgão
competente teria manifestado se houvesse previsto o ponto omisso.

INVALIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO

162
a) Conceito de invalidade do acto administrativo
Traduz o valor negativo que afecta o acto administrativo, em virtude da sua
inaptidão intrínseca para a produção dos efeitos jurídicos que deva produzir.
b) Fontes de invalidade
Durante muito tempo, a ilegalidade foi considerada como sendo a única causa de
invalidade; entendia-se portanto que todo o acto administrativo que era ilegal era
inválido, e que todo o acto administrativo que era inválido era-o por ser ilegal.
Actualmente entende-se que existem outras fontes de invalidade,
designadamente a ilicitude e os vícios de vontade,etc.

- A ilegalidade do acto administrativo


A ilegalidade é aqui tomada num sentido amplo, compreendendo
desconformidade não apenas com a lei em sentido formal, mas também com a
Constituição, com regulamentos e até com contratos administrativos.
Na verdade, a ilegalidade pode assumir várias formas, às quais se chama vícios
do acto administrativo.
Por conseguinte, entende-se por vícios do acto administrativo a forma específica
(orgânica, formal e material) que a ilegalidade do acto administrativo pode
revestir: usurpação de poder, incompetência, vício de forma, violação da lei e
desvio de poder.
A especificação dos vícios é útil para efeitos de economia, celeridade e clareza
processual.
Entretanto, entende-se que todas as ilegalidades insusceptíveis de serem
reconduzidas a qualquer dos outros vícios, deve ser subsumida ao vício de
violação da lei, que é um vício residual

A usurpação de poder
É o vício que consiste na prática por um órgão administrativo de um acto
incluído nas atribuições do poder legislativo ou do poder judicial.

163
Trata-se portanto de um vício a que está subjacente a violação do princípio da
separação de poderes. Em rigor este vício podia ser visto como incompetência,
mas uma incompetência grave.
A usurpação de poderes comporta por conseguinte duas modalidades:
- A primeira é a usurpação do poder legislativo: a Administração Pública
pratica um acto que pertence às atribuições do poder legislativo. Ex: Criação
de um imposto por acto administrativo.
- A segunda é a usurpação do poder judicial: quando a Administração
Pública pratica um acto que pertence às atribuições dos tribunais. Ex:
deliberação do Conselho Municipal que declara a nulidade de um contrato
privado, ou que determina a rescisão unilateral de um contrato não
administrativo.
Igualmente se entende haver usurpação do poder judicial quando a
Administração pratica um acto incluído nas atribuições de um tribunal
arbitral.

A incompetência
Que é o vício que consiste na prática por um órgão da Administração de um acto
incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão da Administração.
A diferença com a usurpação de poder é que nesta a Administração invade a
esfera de outro poder do Estado; para que haja incompetência é preciso que o
órgão da Administração que pratica o acto invada a esfera própria de outra
autoridade administrativa, mas sem sair do âmbito do poder administrativo.
A incompetência pode apresentar-se sob diferentes formas:
- Incompetência absoluta e incompetência relativa
Diz-se incompetência absoluta quando um órgão da Administração pratica um
acto administrativo fora das atribuições da pessoa colectiva a que pertence;

164
Diz-se incompetência relativa sempre que um órgão de uma pessoa colectiva
pública pratica uma cto administrativo que está fora da sua competência, mas
que pertence à competência de outro órgão da mesma pessoa colectiva pública.
- Incompetência relativa em razão da matéria, da hierarquia, do lugar e do
tempo
A incompetência relativa, por sua vez, subdicvide-se em incompetência relativa
em razão da matéria, da hierarquia, do lugar e do tempo.
a) Diz-se em razão da matéria quando um órgão invade os poderes conferidos a
outro órgão da Administração Pública em função da natureza dos assuntos;
b) Diz-se em razão da hierarquia quando um órgão da Administração Pública
invade os poderes conferidos a outro órgão em função do grau hierárquico;
por exemplo, sempre que um subalterno invada a competência do seu
superior ou a contrario, quando o superior invada a competência própria ou
exclusiva do subalterno.
c) Diz-se em razão do lugar, quando um órgão da Administração Pública
invade os poderes cnferidos a outro órgão em função do território, como por
exemplo quando o Director Provincial de Agricultura de Nampula tomar
decisões sobre assuntos da competência do Director Provincial de
Agricultura de Inhambane;
d) Diz-se em razão do tempo, quando um órgão da Administração Pública
exerce os seus poderes legais em relação ao passado ou em relação ao
futuro.[a competência exerce-se em relação ao presente, mas não em relação
ao futuro e ao passado. Se por hipótese a competência podesse ser exercida
em relação ao passado isto resultaria em retroactividade dos actos
administrativos, violando a regra de que em princípio o acto administrativo
não pode ser retroactivo, os seus efeitos não se fazem sentir em relação ao
passado.
Em relação ao futuro, a competência não se exerce apenas pelo facto tão
claro de que a lei apenas não permite.

165
Vícios de forma
Este vício se verifica sempre que haja preterição de formalidades essenciais ou
haja carência de forma legal.
Ex: A não realização de parecer obrigatório consubstancia um vício de forma, na
medida em que traduz a preterição de uma formalidade essencial.
Este vício de forma tem diversas espécies, podendo resultar das seguintes
situações:
- Preterição de formalidades anteriores à prática do acto administrativo;
- Preterição de formalidades relativas à prática do acto administrativo;
- Carência de forma legal.

Importa, entretanto, sublinhar que a preterição de formalidades posteriores à


prática do acto administrativo dá origem apenas sua ineficácia, e não a sua
ilegalidade, ou grosso modo invalidade.
Daí que caso isso aconteça não é o acto administrativo que se torna ilegal, mas a
sua execução, por se traduzir na execução de acto ineficaz, o que é, por óbvio,
ilegal.
De facto, a validade do acto administrativo avalia-se através da sua
conformidade com a lei no momento em que é praticado.

A violação da lei
O vício de violação da lei existe sempre que haja discrepância entre o conteúdo
ou objecto do acto, por um lado e, por outro, as normas jurídicas que lhes são
aplicáveis.
Noutras palavras, traduz-se numa ilegalidade material, isto é tem a ver com o
facto de a respectiva substância ser contrária à lei.
Este vício normalmente verifica-se no exercício de poderes vinculados, se bem
que por vezes se verifica também no exercício de poderes discricionários,

166
nomedamente quando são infringidos os princípios gerais que limitam ou
condicionam de forma genérica a discricionariedade administrativa,
designadamente os princípios constitucionais.
Enquanto o desvio de poder é um vício que só se pode verificar no exercício de
poderes discricionários, a violação de lei pode ocorrer quer no exercício de
poderes discricionários (excepcionalmente), quer no de poderes vinculados
(regra geral).

Modalidades de violação da lei


Existem pelo menos cinco modalidades de violação da lei:
- Falta de base legal, isto é a prática de um acto administrativo quando
nenhuma lei autoriza a prática de uma cto dessa natureza;
- Incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do acto administrativo;
- Inexistência ou ilegalidade dos pressupostos relativos ao conteúdo ou objecto
do acto administrativo;
- Ilegalidade dos elementos acessórios, incluidos pela Administração Pública
no conteúdo do acto; por exemplo, condição, termo ou modo, se essa
ilegalidade for relevante nos termos da teoria geral dos elementos acessórios;
- Quando exista outra ilegalidade do acto administrativo insusceptível de ser
reconduzida a outro vício; trata-se neste último caso do carácter residual da
violação da lei, abrangendo, por conseguinte, todas as ilegalidades que não
caibam específicamente em nenhum dos outros vícios.

O desvio de poder
É o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo
principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao
conferir aquele poder.
Por conseguinte, o desvio de poder pressupõe uma discrepância entre o fim legal
e o fim real (istoé, fim efectivamente prosseguido pela Administração).

167
Para determinar a existência de um vício de desvio de poder tem de se proceder
às seguintes operações:
1o Apurar qual o fim visado pela lei ao conferir a certo órgão administrativo um
determinado poder discricionário(fim legal);
2o Averiguar qual o motivo principalmente determinante da prática do acto
administrativo em causa (fim real);
3o determinar se este motivo principalmente determinante condiz ou não com
aquele fim legalmente estabelecido; se houver coincidência, o acto será legal; no
caso contrário, será ilegal por desvio de poder, e, portanto, inválido.
O desvio de poder comporta duas modalidades principais:
- Desvio de poder por motivo de interesse público;
- Desvio de poder por motivo de interesse privado.

Haverá desvio de poder por motivo de interesse público quando a Adminsitração


visa alcançar um fim de interesse público, embora diverso daquele que a lei
impõe. Ex: o exercício de poderes de polícia não para fins de segurança pública,
mas para a obtenção de receitas financeiras para o tesouro público.
Haverá desvio de poder por motivo de interesse privado quando a
Adminsitração não prossegue um fim de interesse público, mas um fim de
interesse privado, por razões de parentesco, de amizade ou inimizade com o
particular, por motivo de corrupção ou quaisquer outros de natureza particular.

Cumulação de vícios
Um acto pode ser ilegal porque nele se verifica um vício apenas, mas também
pode o ser por nele concorrerem dois ou mais vícios: os vícios são, portanto,
cumuláveis.
Pode acontecer que concorram simultaneamente várias ilegalidades diferentes,
ou até mesmo que ocorra mais de um vício do mesmo tipo.

168
Assim, se um mesmo acto viola várias leis, ou várias disposições da mesma lei,
cada ofensa da lei é um vício. É possível, portanto, alegar simultaneamente
quaisquer dos vícios do acto administrativo.

Outras fontes de invalidade


Um acto pode ser legal, pode estar conforme a lei, e contudo haver motivos para
que ele seja inválido. Assim, foram identificadas outras fontes de invalidade
para além da ilegalidade: a ilicitude e os vícios de vontade.

A ilicitude
Em regra, a ilicitude do acto acto administrativo coincide com a sua ilegalidade,
o que quer dizer que o acto é ilícito por ser ilegal.
Há porém casos em que o acto é ilícito sem ser ilegal, havendo ilicitude sem
haver ilegalidade: em quatro casos:
1o Casos em que o acto administrativo, sem violar a lei, ofende um direito
absoluto de um particular; a ofensa de um direito absoluto de um particular é um
acto ilícito;
2o Casos em que o acto administrativo viola um contrato não administrativo,
posto que a violação de um contrato administrativo é equiparada à violação da
lei, mas a de um contrato não administrativo é equiparada à ilicitude;
3o Caso em que o acto administrativo ofende a ordem pública e os bons
costumes;
4o Caso em que o acto administrativo contem uma forma de usura.

Os vícios da vontade no acto administrativo


Há também que considerar os vícios da vontade, designadamente o erro, dolo e a
coacção.
Tradicionalmente, entendia-se que os vícios na vontade traduziam ilegalidades,
designadamente o vício de violação da lei.

169
Preferímos entretanto perfilhar a doutrina moderna, que vê os vícios da vontade
como fontes autónomas de invalidade.
Erro – que ocorre se um órgão da Administração se engana quanto aos factos
com base nos quais pratica um acto administrativo, e pratica um acto baseado
em erro de facto;
Dolo – quando um órgão da Administração é enganado por um particular que
pretende obter um acto administrativo, o acto é viciado por dolo;
Coacção – quando um órgão da Administração é forçado a praticar um acto sob
ameaça.
Nestes casos não há ilegalidade, o acto administrativo não ofende a lei, não
infringe a lei; o que se passa é que falta um requisito de validade que a lei exige,
qual seja o de que a vontade da Administração seja uma vontade esclarecida e
livre.
Se a vontade da Administração não foi esclarecida ou não foi livre, porque foi
determinada por erro, dolo ou coacção, há um vício de vontade, que deve
fundamentar a invalidade do acto.

O problema da invalidade por vícios de mérito


A ordem jurídica moçambicana não prevê nenhum caso de invalidade por vícios
de mérito. Mas em termos comparados, o direito administrativo italiano por
exemplo, contém a invalidade por vícios de mérito, isto é, invalidade que
decorre da inconveniência ou inoportunidade. Trata-se de actos que são ilegais
mas que são inconvenientes.

As formas de invalidade: nulidade e anulabilidade


Trata-se aqui de identificar as sanções que a ordem jurídica determina para os
actos administrativos ilegais, ilícitos ou viciados na vontade; isto é são as
consequências da ilegalidade, ilicitude ou dos defeitos na formação da vontade.
Estas formas são duas:

170
- Nulidade (antigamente chamada nulidade absoluta)
- Anulabilidade (antigamente chamada nulidade relativa).

A nulidade
A nulidade é a forma mais grave da invalidade. E apresenta os seguintes traços
características:
1o O acto nulo é totalmente ineficaz desde o início, não produz qualquer efeito.
Daí que as leis chamam a estes actos “ actos nulos e de nenhum efeito”
2o A nulidade é insanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação,
reforma ou conversão. O acto nulo não é susceptível de ser transformado em
acto válido.
3o Os particulares e os funcionários públicos têm o direito de desobedecer a
quaisquer ordens que constem de um acto nulo, porquanto nenhum dos seus
imperativos é obrigatório; visto que não produz efeitos;
4o Se mesmo assim a Administração quiser impor pela força a execução de um
acto nulo, os particulares têm o direito de resistência passiva; a resistência
passiva à execução de um acto nulo é legítima.
5o Um acto nulo pode ser impugnado a todo o tempo, isto é, a sua impugnação
não está sujeita a prazo;
6o O pedido de reconhecimento da existência de uma nulidade num acto
administrativo pode ser feito junto de qualquer tribunal, e não apenas perante os
tribunais administrativos; o que quer dizer que qualquer tribunal, mesmo civil
pode declarar a nulidade de um acto administrativo (desde que seja competente
para a causa);
7o O reconhecimento judicial da existência de uma nulidade toma a forma de
declaração de nulidade. Não se pode anular um acto nulo: se o acto é nulo
declara-se a sua nulidade.

171
A anulabilidade
A anulabilidade é uma forma menos grave da invalidade e tem características
contrárias às da nulidade, designadamente:
1o O acto anulável, embora inválido, é jurídicamente eficaz até ao momento em
que venha a ser anulado. Enquanto não for anulado produz efeitos jurídicos
como se fosse válido, o que resulta da presunção da legalidade dos actos
administrativos;
2o A anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação,
reforma ou conversão. Quer isto dizer que o acto anulável, se não for objecto de
impugnação dentro de um certo prazo, acaba por se transformar num acto
válido, o mesmo acontencendo se for objecto de um acto saneador;
3o O acto anulável é obrigatório, quer para os funcionários públicos, quer para os
particulares, enquanto não for anulado;
4o Consequentemente, não é possível opôr qualquer resistência à execução
forçada de um acto anulável. A execução coactiva de um ano anulável é
legítima, salvo se a respectiva eficácia for suspensa;
5o o acto anulável só pode ser impugnado dentro de um certo prazo que a lei
estabelece, e que é, normalmente, um prazo curto;
6o O pedido de anulação só pode ser feito perante um tribunal administrativo,
não pode ser feito perante qualquer outro tribunal;
7o O reconhecimento de que o acto é anulável por parte do tribunal determina a
sua anulação, isto é um acto anulável produz uma sentença de anulação,
enquanto a sentença proferida sobre o acto nulo é uma declaração de nulidade;
A anulação contenciosa de um acto administrativo tem efeitos retroactivos:
“tudo se passa na ordem jurídica como se o acto nunca tivesse sido praticado”.

Âmbito de aplicação da nulidade e da anulabilidade


Na nossa ordem jurídica, a nulidade tem carácter excepcional, a anulabilidade é
que tem carácter geral. Ou seja: a regra é a de que todo o acto administrativo

172
inválido é anulável; só excepcionalmente é que o acto inválido é nulo. E isto por
razões de certeza e segurança da ordem jurídica.
Com efeito, sabido que a nulidade pode ser declarada a todo o tempo, por
qualquer tribunal ou por qualquer autor, se tivesse um carácter geral faria com
que pairasse indefinidamente a dúvida sobre se os actos administrativos são
legais ou ilegais, são válidos ou inválidos. É mister que ao fim de algum
tempo,razoavelmente curto, cessem as dúvidas e os actos administrativos
possam claramente ser definidos como válidos ou inválidos.
Em regra, o acto inválido é anulável; se ao fim de um certo prazo ninguém pedir
a sua anulação, ele converte-se num acto válido.
Assim, a orientação é no sentido de que o legislador escolha com toda a cautela
os casos em que tão severa sanção (a de nulidade) se aplica, limitando-se a um
pequeno número de ilegalidades graves e evidentes.

Casos de nulidade
- Os actos que forem estranhos às atribuições da pessoa colectiva;
- Os actos que careçam absolutamente de forma legal;
- Os actos que nomeem funcionários sem concurso, a quem faltem os
requisitos exigidos por lei, com preterição de formalidades essenciais (ou de
preferência legalmente estabelecidos);
Há ainda a incluir os casos das chamadas nulidades por natureza, que
consubstanciam casos em que, por razões de lógica jurídica, o acto não pode
deixar de ser nulo, por isso que seria inadequado o regime da simples
anulabilidade:
- Actos de conteúdo ou objecto impossível, pois nestes casos não faz sentido
que, ao fim de um certo período de tempo, o acto se convalide, passe a ser
válido;

173
- Actos cuja prática consista num crime ou envolva a prática de um crime, pois
não faz sentido que estes actos, se não forem impugnados, se transformem
em actos válidos;
- Actos que violem o conteúdo essencial de um direito fundamental do
cidadão.

Nulidade e inexistência do acto administrativo


Alguns sectores da doutrina tem tratado a inexistência e a nulidade como
sinónimos. Para nós, importa distinguir as duas figuras, nos seguintes termos:
- O acto administrativo inexistente é um quid que se pretende fazer passar por
acto administrativo, mas a que faltam um ou mais elementos essenciais do
conceito de acto administrativo; por conseguinte, na inexistência não há um
acto administrativo;
- Na nulidade, pelo contrário, existe um autêntico acto administrativo, mas a
lei fere-o de nulidade.
Importa contudo reconhecer que, na prática, o regime jurídico da inexistência
assemelha-se bastante ao da nulidade. Todavia, não há identidade completa entre
as duas figuras. Entendemos, nomeadamente que os temperamentos judiciais
que são introduzidos à insanabilidade dos actos nulos por efeito do decurso do
tempo, não são extensivos aos actos inexistentes.

Cumulação De Formas De Invalidade


Trata-se da hipótese de no mesmo acto se cumularem, em simultâneo, diferentes
causas de invalidade. Por exemplo, se um mesmo acto estiver ferido de dois ou
mais vícios, ou seja de duas ou mais ilegalidades. Ou quando no mesmo acto
administrativo concorrerem uma ou mais ilegalidades com um ou mais vícios de
vontade.

174
Em todos estes casos, o acto será inválido a mais de um título. Pelo que
importará questionar sobre qual a forma de invalidade que nesses casos o
inquinará.
Há que distinguir três hipóteses:
- Se todas as fontes de invalidade que afectam o acto são geradoras de
anulabilidade, o acto será anulável;
- Se todas as fontes de invalidade forem geradoras de nulidade, o acto será
nulo;
- Se uma ou mais fontes de invalidade gerarem anulabilidade, e a outra ou
outras determinarem nulidade, então prevalece a sanção mais forte: o acto
será nulo, sem prejuízo de que apenas as causas de nulidade é que serão
invocadas a todo o tempo 126.

Correspondência Entre Vícios E Formas De Invalidade


A este propósito, importa reter que não existe uma correspondência automática
de cada vício a uma certa forma de invalidade; excepto quanto à usurpação de
poder, que gera sempre nulidade, cada um dos outros vícios pode gerar,
conforme os casos, anulabilidade ou nulidade, de acordo com o que a lei
dispuser a esse propósito 127.

A Sanação Dos Actos Administrativos Ilegais

Objectivos específicos
Que no final desta unidade temática, os cadetes sejam capazes
de:

126
Neste último caso, importa ter presente que só as causas de nulidade é que poderão ser
invocadas a todo o tempo: se o recurso contencioso não for interposto dentro do prazo normal, já não
será possível alegar as causas de anulabilidade que porventura afectassem o acto, pois que então
ter-se-á operado a respectiva sanação por decurso do tempo. Fora do prazo legal, o recurso só
poderá ter por fundamento causas de nulidade, enão já causas de anulabilidade.
127
Cf. a aproximação feita por Diogo Freitas do Amaral da correspondência dos vícios às formas de
invalidade.

175
• Conceituar a sanação;
• Mencionar e explicar o fundamento da sanação;
• Mencionar e explicar os modos por que se opera a sanação.

Conceito de sanação
A sanação consiste na transformação de um acto administrativo ilegal, e por
isso inválido, num acto válido à face da ordem jurídica 128.

Fundamento da sanação
A sanação dos actos administrativos ilegais encontra o seu fundamento jurídico
na necessidade de segurança na ordem jurídica, isto é de certeza e segurança
para a Administração Pública 129, prosseguindo o bem comum, como para os
eventuais beneficiários dos actos dela 130. Sob pena de paralisar a actividade
económica e social, acumulando-se prejuízos para todos, e de tornar impossível
a vida jurídica.
A obtenção da certeza e segurança segue duas formas:

128
Consideremos o exemplo de uma demissão de um Guarda da Polícia, praticada por um
o
Comandante Provincial, ao arrepio do artigo 10 da Lei n 5/88, de 27 de Agosto, que confere esta
competência ao Comandante-Geral. Ora, posteriormente, o Comandante-Geral poderá ratificar tal
demissão, sanando assim a incompetência que inquinava aquele acto, contanto que o acto, tornando
assim válida a demissão, excepto se outras invalidades afectarem o acto.
129
Pensemos no caso de um Guarda Estagiário da Polícia que, ilegalmente, tenha sido dispensado,
o
no final do provimento provisório, ao abrigo do n 4 do artigo 25 do Estatuto Geral dos Funcionários do
Estado. Se, apenas passados dois anos, o Guarda invocar a ilegalidade e esta for detectado,
significa que decorrerão os seguintes efeitos: terá que ser nomeado Guarda da Polícia; ter-se-á que
reparar os prejuízos materiais que lhe hajam sido causados; ter-se-á que afectar o membro numa
unidade e ou subunidade policial e ter-se-á eventualmente que reparar os prejuízos em termos de
evolução na carreira; e tudo isto fora de qualquer planificação em termos financeiros e ou de
administração de recursos humanos. Ora, os transtornos que isto implicaria em termos de eficiência e
eficácia da actividade administrativa poderiam ser bastante pronunciados. Daí ter-se pensado na
sanabilidade dos actos decorrido o período de recurso fixado no E.G.F.E, por forma a não deixar a
Administração Pública eternamente na expectativa da reacção do Guarda dispensado.
130
Escreve Diogo Freitas do Amaral que “ não é possível suportar durante anos sem fim a incerteza
sobre se cada acto jurídico é legal ou ilegal, válido ou inválido, se portanto a insegurança dos seus
beneficiários sobre se tal acto vai ou não ser mantido, virá ou não a ser revogado pela Administração,
será ou não impugnado nos tribunais por quem se considere prejudicado”.

176
a) Via negativa – quando a lei permite a revogação de actos ilegais pela
Administração Pública ou a sua anulação pelos tribunais 131;
b) Via positiva – consentindo a lei que, ao fim de certo tempo, o acto ilegal seja
sanado, tornando-se válido para todos os efeitos perante a ordem jurídica, e,
portanto, em princípio inatacável 132.
A sanação dos actos administrativos pode operar-se por um de dois modos:
- Através da prática de um acto administrativo secundário (ratificação, reforma
ou conversão);
- Por efeito automático da lei (ope legis) – nos casos em que, havendo fixação
do prazo para a interposição de recurso contencioso, tal prazo decorra sem
que ninguém o interponha133.
Na sanação ope legis, tudo se passa como se o acto nunca tivesse sido ilegal.
Exercícios:
1. Considere o caso do Guarda da Polícia João Jonh João que aos 20 de
Setembro de 2002 tenha sido notificado da pena de corte de
vencimento, aplicada pelo Comandante da respectiva Esquadra, e que
tenha interposto um recurso hierárquico para o Comandante Provincial
aos 10 de Outubro de 2002. Quid juris? (Cf. RGDPRM E EGFE)
2. Dê um exemplo de sanação por via d prática de um acto.

Extinção E Modificação Do Acto Administrativo

131 o
A título de exemplo, estabelece o n 1 do artigo 217 do E.G.F.E. que “ os actos não constitutivos
o
de direitos podem ser... revogados...”, estabelecendo o n 2 do mesmo artigo que “ os actos
manifestamente ilegais ou outros, ainda que não constitutivos de direitos, podem ser...revogados...
desde que não tenham produzido efeitos.” E veja-se ainda a este propósito o que dispõe o artigo 26
o
da Lei n 9/2001, de 7 de Julho:” Os recursos contenciosos são de mera legalidade e tem por objecto
a declaração de anulabilidade... dos actos recorridos...”
132
A este propósito, é importante assinalar que, após no seu artigo 30 fixar em noventa dias o prazo
o
para a interposição do recurso contencioso de anulação, posteriormente a Lei n 9/2001, de 7 de
o
Julho, estabelece na alínea i) do n 2 do seu artigo 51 que o recurso é rejeitado quando tenha
caducado o direito ao recurso. Significa que a lei entende que o acto já não pode ser impugnado,
deverá subsistir como válido.
133
Idem.

177
Objectivos
Que no final desta unidade, o cadete seja capaz de:
- Conceituar a extinção do acto administrativo;
- Conceituar a revogação e distigui-la de figuras afins;
- Identificar o conteúdo, o objecto e o fundamento da revogação;
- Mencionar as várias espécies de revogação;
- Interpretar o regime da revogabilidade dos actos administrativos.

Modos de extinção dos actos administrativos


Há vários modos, dos quais importa abordarmos apenas alguns:
- O modo de extinção dos actos de execução instantânea 134
Uma vez executado, porque é instantâneo, morre logo a seguir; os efeitos
jurídicos por ele produzidos cessam imediatamente com a prática do acto.
- O modo de extinção dos actos de execução continuada
Estes só se extinguem uma vez decorrido um certo período, segundo um dos
seguintes modos:
- O modo de extinção que ocorre quando se verifica o termo final ou a
condição resolutiva, que lhes acompanha. Ex: regras sobre a manutenção de
uma bolsa de estudos.
- O modo de extinção dos actos administrativos que se verifica mediante a
prática de um acto administrativo posterior e oposto ao originário, cujo
conteúdo é contrário a este.
Para além destes quatro modos de extinção, o modo principal de extinção dos
actos administrativos é a revogação, que consiste na prática de um acto
administrativo que se destina a extinguir os efeitos de outro acto administrativo
anterior; com a revogação, e como seu corolário, surge a extinção dos efeitos

134
Por exemplo o acto que determina o encerramento de um estabelecimento comercial.

178
jurídicos do acto revogado. Portanto, a revogação é um acto secundário, é um
acto sobre actos.
Conteúdo da revogação: extinção dos efeitos jurídicos produzidos pelo acto
revogado, ou decisão de extinguir esses efeitos;
Objecto da revogação: é o acto revogado.
Regime jurídico da revogação: de reter que tratando-se de um acto
administrativo aplica-se-lhe todas as regras e princípios característicos do
regime jurídico dos actos administrativos 135.

Figuras Afins Ou Figuras Semelhantes À Revogação


1o Actos administrativos de conteúdo contrário ao de um acto anteriormente
praticado, quando assim acontece a Administração Pública pratica um acto no
exercício de uma competência diferente, ex: nomeação e demissão; pratica-se o
acto de nomeação no exercício de competência para prover determinado cargo; e
demite-se no exercício de uma competência disciplinar;
2o Declaração de caducidade de um acto administrativo, que é diferente de
revogação, no caso de caducidade não resultam alterações no mundo jurídico,
mas no caso de revogação diferentemente provoca-se a produção de efeitos
jurídicos novos, decorrendo daí alterações na ordem jurídica existente;
3o Declaração de inexistência ou da nulidade de um acto administrativo
4o Suspensão de um acto administrativo – que é a paralisação temporária da
produção de efeitos jurídicos de um acto administrativo, o que difere da
revogação que traduz a extinção dos efeitos jurídicos do acto revogado.
Rectificação de erros materiais ou aclarações de acto administrativo
anteriormente praticado diferencia-se da revogação, posto que no primeiro caso
apenas dá-se uma melhor explicitação do sentido do acto administrativo
anteriormente praticado( aclaração), ou opera-se a simples correcção de erros ou

135
Designadamente a subordinação à lei, a obrigatoriedade, a revogabilidade e a sanabilidade.

179
imprecisões (rectificações) mas nos dois casos deixam-se intactos os efeitos
jurídicos do acto administrativo aclarado ou rectificados.

Espécies De Revogação
O agrupamento das espécies de revogação se faz através de quatro critérios, a
saber, o critério da iniciativa, o do autor, o do fundamento e o do conteúdo.
a) Critério de iniciativa
Segundo este critério podemos encontrar :
- Revogação oficiosa ou espontânea, quando é praticada pelo órgão
competente, independentemente de qualquer solicitação nesse sentido;
- Revogação provocada, nomeadamente mediante um requerimento do
interessado na revogação dirigido a um órgão com competência revogatória;
b) Quanto ao autor
A revogação pode ser feita pelo próprio autor do acto revogado – e neste caso
chama-se retratação – ou por órgão administrativo diferente; caso em que o
acto revogatório é praticado pelo superior hierárquico do autor do acto ou pelo
delegante relativamente a actos anteriormente praticados por um subalterno ou
por um delegado.
c) Quanto ao fundamento
A revogação pode basear-se na ilegalidade ou na inconveniência do acto que é
seu objecto. No primeiro caso, está-se perante a anulação graciosa e visa
reintegrar a ordem jurídica violada, suprimindo a infracção cometida com a
prática de um acto ilegal. No segundo caso, a revogação encontra a sua razão de
ser num juízo de mérito, isto é numa valoração do interesse público feita pelo
órgão competente, independentemente de qualquer juízo de legalidade sobre o
acto objecto de revogação.
d) Quanto ao conteúdo
A revogação pode revestir uma de duas modalidades:

180
- Revogação abrogatória – que é a cessação ad futurum dos efeitos jurídicos
do acto revogado; esta espécie ajusta-se aos casos em que o órgão
administrativo competente muda de critério;
- Revogação anulatória – que é a destruição total dos efeitos jurídicos do acto
revogado, mesmo dos que tenham sido produzidos no passado. Cobre os
casos em que o acto a revogar tenha sido praticado com ilegalidade.

Regime De Revogabilidade Dos Actos Administrativos


Existe na nossa ordem jurídica um princípio da revogabilidade dos actos
administrativos segundo o qual a Administração Pública dispõe da faculdade de
extinguir os efeitos jurídicos de um acto administrativo anteriormente praticado,
desde que o considere ilegal ou inconveniente.
Há, no entanto, limites à revogabilidade , havendo aqui que distinguir dois tipos
de situações:
- Casos de revogação impossível;
- Casos de revogação proibida.
São casos de revogação impossível aqueles em que a revogação não pode
ocorrer na medida em que faltam efeitos jurídicos a extinguir. Apontam-se
quatro situações desta natureza, designadamente:
Por seu turno, constituem situações de revogação proibida aquelas situações em
que a Administração não deve, sob pena de ilegalidade, revogar actos que haja
anteriormente praticado

A irrevogabilidade dos actos constitutivos de direitos


Como consequência do princípio geral da protecção da confiança e do respeito
pelos direitos adquiridos, os actos constitutivos de direitos não são revogáveis
pela Administração, a menos que sejam ilegais.

181
São actos constitutivos de direitos todos os actos administrativos que atribuem a
outrem direitos subjectivos novos, ou que ampliem direitos subjectivos
existentes, ou extinguem restrições ao exercício de um direito já existente.

Regime de revogação dos actos constitutivos de direitos Ilegais


Os traços principais do regime jurídico de revogação de actos constitutivos de
direitos são os seguintes:
- O fundamento exclusivo da revogação é a ilegalidade do acto anterior. Por
conseguinte, será ilegal a revogação de actos constitutivos de direitos com
fundamento na sua inconveniência, e ilegal será também a revogação com
fundamento numa ilegalidade do acto anterior que, afinal, não exista. Em
qualquer destas situações o acto revogatório padece, a nosso ver, de violação
de lei;
- A revogação de actos constitutivos de direitos deve ser feita:
a) Dentro do prazo fixado na lei para o recurso contencioso que no caso
caiba;
b) Se tiver sido efectivamente interposto um recurso contencioso, pode o
acto recorrido ser revogado – no todo ou em parte – até ao termo do prazo
para a resposta ou contestação da autoridade recorrida.

Regime de revogação dos actos não constitutivos de direitos


São aspectos principais deste regime os seguintes:
- A revogação de actos não constitutivos de direitos pode ter por fundamento a
sua ilegalidade, a sua inconveniência ou ambas;
- A revogação destes actos pode ter lugar a todo o tempo. Entretanto, a
revogação de actos não constitutivos de direitos com fundamento em
ilegalidade também só pode ter lugar dentro do prazo de recurso contencioso
fixado na lei.

182
Competência Para a Revogação
São competentes para revogar os seguintes órgãos:
- O autor do acto, tendo como fundamento desta competência revogatória a
competência dispositiva do autor sobre a matéria a decidir, encontrando-se,
por conseguinte, legalmente habilitado a resolver conforme entende
conveniente acerca do assunto 136;
- O superior hierárquico, tendo como fundamento num caso a sua
competência dispositiva sobre a matéria, que é coincidente com a do
subalterno, e noutros casos o poder de supervisão, entanto que integrante do
conteúdo do poder hierárquico;
- O delegante .

Forma e Formalidades de Revogação


Diferentemente do que ocorre no geral, no âmbito da revogação não vigora o
princípio da liberdade de forma. Antes vigora o princípio da identidade ou
paralelismo de forma, segundo o qual tanto as formalidades como a forma do
acto revogatório se hão-de apurar com referência às formalidades e à forma do
acto revogado.
a) Quanto às formalidades, a regra do paralelismo remete-nos para a
observância daquelas que se encontram fixadas na lei, isto é as formalidades
legalmente devidas, com uma excepção: aquela que se traduz em não haver
lugar à observância de formalidades cuja razão de ser se esgota na prática do
acto revogado;
b) Quanto à forma, a solução adoptada é a mesma, com duas excepções em que
prevalece a forma efectiva, designadamente:
- Situação em que a lei não estabeleça forma para o acto revogado;

136
Importa assinalar que as modificações da competência dispositiva são relevantes para o
apuramento do órgão que dispõe do poder de revogar.

183
- Situação em que a forma efectiva do acto revogado é mais solene do que a
legalmente prescrita (decreto-portaria, ou portaria-despacho, por exemplo)

Efeitos jurídicos da revogação


- Revogação anulatória;
- Revogação abrogatória.
Quanto ao âmbito pessoal da revogação, importa dizer que....
Fim da revogação
- No caso de revogação de acto ilegal, o fim da revogação é a defesa da
legalidade, através da supressão do o acto que a ofendera.
- No caso de revogação por inconveniência, o fim é a melhor prossecução do
interesse público, tornada possível mediante uma reapreciação do caso
concreto.
Significa que se praticar-se uma revogação que não visa nenhuma destas
finalidades, esta revogação padece de desvio de poder.

Exercícios:
1. Enuncie os casos de revogação impossível e dê exemplos a sua
escolha 137.
- Casos de actos inexistentes ou de actos nulos, posto que, por natureza,
estes actos não produzem quaisquer efeitos;
- Casos de actos cujos efeitos já tenham sido destruídos, quer através de
anulação contenciosa, quer através de revogação anulatória;
- Casos de actos já integralmente executados, como é o caso dos actos
de execução instantânea, uma vez praticados, e mesmo o de execução
continuada, uma vez decorrido o prazo dentro do qual os seus efeitos
se haviam de produzir (anote-se que esta doutrina só é válida em rigor
no que respeita à revogação abrogatória;

137
Cf. AMARAL, Diogo Freitas, Direito Administrativo, Volume III, pgs 365 e segintes.

184
- Casos de actos caducados.
2. Enuncie os casos de revogação proibida e dê exemplos a sua
escolha 138.
- Casos de actos praticados no exercício de poderes vinculados e em
estrita obediência a uma imposição legal;
- Actos constitutivos de direitos que tenham sido legalmente praticados
pela Administração Pública, ainda que no exercício de poderes
discricionários.
3. Mencione os casos de actos constitutivos de direitos 139.
- Os actos criadores de direitos, poderes, faculdades e, em geral,
situações jurídicas subjectivas;
- Os actos que ampliam ou reforçam esses direitos, poderes, faculdades
ou situações jurídicas subjectivas;
- Os actos que exingam restrições ao exercício de direitos,
nomeadamente as autorizações;
- Os actos meramente declarativos que reconheçam a existência ou a
validade de direitos, poderes, faculdades ou situações jurídicas
subjectivas. A estes actos se chama verificações-constitutivas; por
exemplo, listas de antiguidade, classificações de candidatos em
concurso,actos que atribuam títulos profissionais,etc;
4. Mencione casos de actos não constitutivos de direitos 140.
- Actos administrativos internos;
- Actos declarativos que não consistam no reconhecimento da
existência de direitos, poderes, faculdades ou situações jurídicas
subjectivas;
- Actos constitutivos de deveres ou encargos;
- Autorizações e licenças de natureza policial;

138
Cf. ob. cit. pg 367 e ss.
139
Cf. ob. cit. pf 370 e ss.
140
Cf. ob. cit. pgs 377 e ss.

185
- Actos precários por natureza;
- Actos em que a Administração Pública tenha validamente incluído
uma cláusula do tipo “reserva de revogação”;
- Actos administrativos sujeitos, por lei, ou cláusula acessória, à
condição “ sem prejuízo dos direitos de terceiros”;
- Actos inexistentes e actos nulos.
5. Mencione os efeitos jurídicos da revogação 141.

A Suspensão Do Acto Administrativo


É a paralisação temporária dos seus efeitos jurídicos. Um acto administrativo
pode ser suspenso por um de três modos distintos:
- Por efeito da lei;
- Por acto da Administração;
- Por decisão do tribunal administrativo.
a) Dá-se a suspensão ope legis, ou suspensão legal, quando ocorrem certos
factos que, nos termos da lei, produzem automaticamente um efeito
suspensivo: é o caso da interposição de recurso hierárquico com efeito
suspensivo, acto administrativo sujeito à condição suspensiva ou a termo
inicial, etc
b) A suspensão por acto da Administração ocorre sempre que um órgão da
Administração para o efeito competente decide, por acto administrativo,
suspender um acto administrativo anterior;
c) A suspensão por decisão do tribunal administrativo é aquela que é imposta
por um tribunal administrativo em conexão com um recurso contencioso de
anulação.

141
Cf. ob. cit. pg.396 e ss.

186
Ratificação, Reforma e Conversão do Acto Administrativo
Trata-se de actos administrativos que visam operar a sanação da ilegalidade de
um acto administrativo anterior, no quadro do princípio do aproveitamento dos
actos jurídicos.
Estas espécies de actos pertencem à categoria de actos sobre actos, sendo que os
seus efeitos jurídicos se vão repercutir sobre os efeitos do acto ratificado,
reformado ou convertido. Por outro lado, eles traduzem uma modificação do
acto anterior.
- Ratificação (ou ratificação-sanação) – é o acto administrativo pelo qual o
órgão competente decide sanar um acto inválido anteriormente praticado,
suprindo a ilegalidade que o vicia;
- Reforma - é o acto administrativo pelo qual se conserva de um acto anterior
a parte não afectada de ilegalidade;
- Conversão - é o acto administrativo pelo qual se aproveitam os elementos
válidos de um acto ilegal para com eles se compor um outro acto que seja
legal.
Os regulamentos administrativos (ideia geral)

O CONTRATO ADMINISTRATIVO

Noção: existe um contrato administrativo quando a Administração Pública no


quadro da prossecução do interesse público actua em colaboração com os
particulares mediante a celebração de contratos chamados contratos
administrativos.

187
Trata-se, por conseguinte, da actuação bilateral da Administração Pública que
como parte contratante busca a colaboração dos particulares enquanto partes
contratadas na realização do interesse colectivo 142.
A Administração Pública recorre ao contrato administrativo no âmbito do
exercício de actividades de gestão pública, e sujeita-se por isso ao Direito
Administrativo.
A este propósito, duas teses se desenvolvem entre juspublicistas no concernente
ao contrato administrativo, uma afirmando que não existem contratos
administrativos e outra afirmando que existem contratos administrativos.
Qual a diferença entre os contratos administrativos e os de Direito Comum.
Portanto, os critérios de definição do contrato administrativo: o critério que
vigorou numa primeira fase foi o critério legal, no sentido de que só são
contratos administrativos aqueles que tiverem sido taxativamente enumerados na
lei.
Este critério foi recebido pela nossa ordem jurídica no período colonial,
baseava-se no § 1o do artigo 815 do Código Administrativo Português de 1940
que dispunha o seguinte: “ consideram-se contratos administrativos unicamente
os contratos de empreitada e de concessão de obras públicas, os de concessão
de serviço públicos e os de fornecimento contínuo e de prestação de serviços,
celebrado entre a Administração Plica e os particulares para fins de imediata
utilidade pública.
Entendia-se assim que apenas eram contratos administrativos aqueles que se
encontrassem enumerados naquele preceito do Código Administrativo Português
de 1940, tanto pela doutrina como pela jurisprudência.
Há outros contratos, nomeadamente:
- O de utilização do domínio público pelos particulares;

142
No diagnóstico do sector público feito em 2001 se referia que o “ uso de contratos programa e, de
um modo geral, de relações contratuais no sector público não é parte de uma estratégia de execução
orçamental e carece de aperfeiçoamento e aplicação mais extensiva enquanto instrumento de
atribuição de recursos e responsabilização institucional. (in “Estratégia Global da Reforma do Sector
Púbico 2001-2011, pg 15).

188
- Para efeitos contenciosos os nomea
- Os outros são apenas materialmente
Com tempo, a doutrina foi notando que o critério legal era falível. Daí se haver
substituído o critério legal pelo critério da natureza 143. Este critério permite
abranger aqueles contratos outros que forem surgindo. Significa isso que a
enumeração agora é meramente exemplificativa, e não taxativa 144.
Assim, segundo Sérvulo Correia, o contrato administrativo é aquele que
constitui um processo próprio de agir da Administração Pública, e que cria,
modifica ou extingue relações jurídicas disciplinadas em termos específicos do
sujeito administrativo entre pessoa colectiva pública da Administração ou entre
estas e os particulares.
FA” “
Esta definição permite abranger como modalidade de contratos administrativos
os contratos económicos, sem tipificação legal e outra correspondente a tipos
que, entretanto, se formaram sem a presença de normas de específica atribuição
de competências à jurisdição administrativa, como é o caso de diversos contratos
de desenvolvimento e do chamado contrato-programa.
Definido o que é um contrato, importa ver as espécies de contratos
administrativos, definí-las e caracterizá-las.
Nas espécies de contratos administrativos, importa isolar os contratos
administrativos de obras públicas, que são de duas espécies:
a) Contrato de empreitada de obras públicas;
b) Contrato de concessão de obras públicas.
Empreitada de obras públicas – é o contrato administrativo pelo qual um
particular se encarrega de executar uma obra pública, mediante retribuição a
pagar pela Administração Pública 145.

143 o o
Cf. n 1 do artigo 10 da Lei n 5/92, de 6 de Maio.
144 o o
Cf. n 2 do artigo 10 da Lei n 5/92, de 6 de Maio.
145
Cf. MARAL, Diogo Freitas, Vol. III, pg441.

189
O contrato de empreitada de obras públicas é uma das três formas de que a
Administração Pública se serve para a realização de obras públicas. Essas três
formas são as seguintes:
- Administração directa, sempre que são os próprios serviços da
Administração Pública que as executam;
- Por empreitada, sempre que a Administração Pública encarrega a uma
empresa particular (empreiteiro de obras públicas) de executar a obra tendo
como contrapartida o pagamento de um preço que cubra os custos de mão-
de-obra, dos materiais, etc;
- Por concessão.

Características do contrato de empreitada de obras públicas


O que caracteriza esta espécie de contrato administrativo é a execução de uma
obra pública por uma empresa particular, assumindo a Administração Pública a
obrigação de pagar ao executor da obra o respectivo preço.
O Contrato De Concessão De Obras Públicas – é o contrato administrativo
pelo qual um particular se encarrega de executar e explorar uma obra pública,
mediante retribuição a obter directamente dos utentes, através do pagamento por
estes de taxas de utilização 146.
Segundo Jean Rivero e Jean Waline147 , o contrato de concessão de obras
públicas é aquele pelo qual a Administração Pública confia a um particular ou
excepcionalmente a um estabelecimento público de construir as obras
necessárias ao serviço público e a missão de o fazer funcionar remunerando-se
através dos utentes daquele serviço.
Depreende-se destas definições que os elementos definidores do instituto em
apreço são dois; por um lado, a execução de uma obra pública, e por outro lado,
a exploração de um serviço que se prende com a obra anteriormente executada, e
de cujo rendimento o concessionário percebe ao menos parte do seu pagamento.

146
Cf. AMARAL, Diogo Freitas, Vol. III, Pg 442

190
Concessionário é aquele particular que tenha celebrado um contrato de
concessão de obras públicas ou de concessão de serviços públicos; opõe-se ao
concedente, órgão ou agente da Administração Pública que celebrou qualquer
destas duas espécies de contratos admministrativos com o particular.
Com efeito, importa ter presente que a evolução deste instituto introduziu
reajustamento à definição clássica avançada por exemplo pelo prof. Freitas do
Amaral.
Assim, importa ter presente o seguinte:
1o Nem sempre o pagamento se faz exclusivamente através de cobrança de taxas
aos utentes; casos há em que a Administração Pública paga uma parte do valor
da obra pública executada, deixando parte para sê-lo por via das taxas dos
utentes;
2o Existem outras formas de retribuição, como aquela em que a exploração em si
é uma forma de pagamento sem a presença de taxas dos utentes.
Apesar destes novos aspectos, no essencial o contrato de concessão de obras
públicas tem natureza dual. Por um lado, construção de uma obra pública (que
também é característica fundamental do contrato de empreitada de obras
públicas), e por outro a exploração de serviço público, resultante do
funcionamento da obra pública construída (que também é característica
fundamental do contrato de concessão de um serviço público).

Características Dos Contratos De Concessão De Obras Públicas


1. Rentabilidade das coisas a construir, a fim de, para além de prosseguir o
bem comum, satisfazer os interesses próprios dos particulares contratados;
2. Execução de trabalhos por conta e risco do concessionário (concedente
versus concessionário)
Por via deste contrato, a Administração Pública, concedente, transfere o risco
para o particular concessionário, já que não assume a posição de dona da

147
Cf. Pg.99 do seu livro Droit Administrative

191
obra, isto é não assume a direcção técnica das acções de construção e só se
mantém como poprietária (de raíz) da obra à data da respectiva conclusão.
Ora, para a Administração ser dona da obra é imperativa a reunião
cumulativa das duas condições: dirigir a obra e ser dela proprietária à data da
respectiva conclusão.
3. Conservação e administração da obra feita pelo concessionário e
pagamento, pelo menos em parte, pelos respectivos rendimentos.
Uma vez executados os trabalhos, o concessionário mantém os bens em seu
poder, faz a respectiva gestão e faz-se pagar, pelo menos em parte, pelos
rendimentos deles obtidos durante o prazo de duração da concessão. De notar
que a natureza de serviço público mantém-se inalterável e independente da sua
gestão temporária por uma entidade privada.

Elementos da concessão de obras públicas


Elementos comuns à empreitada de obras públicas
a) Conclusão de um acordo, devendo uma das partes ser uma pessoa
colectiva de direito público, salvo nos casos de mandato ou representação;
b) Construção de uma obra pública (no caso da concessão, repare-se, com
capitais privados)
Elementos específicos
Exploração de uma obra pública, uma vez concluída a sua construção, nos
moldes da concessão de um serviço púbico;
Remuneração do concessionário frequentemente consubstanciada pela
percepção de taxas dos utentes do serviço público resultante da obra feita.
“ A concessão de serviço público pode não ter utentes beneficiários da
obra, sendo o concessionário o único e próprio beneficiário 148”. É o caso,
por exemplo, do concessionário da exploração de uma cascata para uso
privativo e exclusivo da energia nela produzida. Neste caso, como é

192
evidente, a hipótese de remuneração através de rendas ou taxas de
potenciais utentes fica necessariamente afastada.
Aos contratos de empreitada e de concessão de obras públicas chama-se
contratos de obras públicas. Assim, entende-se por obras públicas os
trabalhos de construção, grande reparação e adaptação de bens imóveis,
feitos total ou parcialmente por conta da Administração para fins de utilidade
pública149.
Esta definição coincide com a definição constante do artigo 1o do Decreto-
Lei no 40623, de 30 de Maio de 1956, segundo a qual obras públicas são “
trablhos de construção, reconstrução, grande reparação ou adaptação de bens
imóveis a fazer por conta do Estado, das autarquias locais e dos institutos
públicos ou que pelo Estado sejam comparticipados.”
3o Concessão de serviços públicos, que é definido como sendo “ o contrato
administrativo pelo qual um particular se encarrega de montar e explorar um
serviço público, sendo retribuido pelo pagamento de taxas de utilização a cobrar
directamente dos utentes 150.

Características fundamentais
Invés de a concessão ter a ver com a construção de uma obra pública, aqui ela é
aplicada a um serviço público; donde:
a) Montagem do serviço pelo particular, investindo os seus capitais;
b) Responsabilidade do particular contratado de pôr o serviço público em
funcionamento, cobrando dos utentes a respectiva taxa durante um
determinado período;
c) Uma vez ressarcido o investimento inicial feito pelo particular, possibilidade
de recuperação do serviço público pela Administração.

148
Cf. LAUBADER, André de, MODERN, Frank, e DELVOLVÉ, Pierre in “ Traité des contrats
a a
administratifs, Vol. I, 2 Edição, 1983 ou Vol. II, 2 Edição, 1984, LDGJ, Paris, pp 309/10.
149
Cf. CAETANO, Marcelo, Manual de Direito Administrativo, Vol II, pg 1001.
150
Cf. AMARAL, Diogo Freitas, Direito Administrativo, Vol. III, pg 443.

193
Contrato de uso privativo do domínio público
Definido como “ o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública
faculta a um sujeito de direito privado a utilização económica exclusiva de uma
parcela do domínio público para fins de utilidade pública 151.
Exemplos:
Concessões de usos privativos para aproveitamento de águas públicas, para
instalação de serviçs de apoio à navegação marítima ou fluvial, para instalação
de postos de venda de combustível nas estradas, aproveitamento de salinas e
sapais ou para edificação de estabelecimentos hoteleiros de interesse para o
turismo nas margens do mar, dos rios e dos lagos.
Importa não confundir estas concessões de uso privativo com as concessões de
exploração de bens do domínio público, que , não estando embora referidas na
lei, são por maioria de razão, contratos administrativos.
5o Concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar, definido como o
contrato administrativo pelo qual um particular se encarrega de montar e
explorar um casino de jogos, sendo retribuido pelo lucro auferido das receitas
dos jogos 152”.
Na execução deste contrato o que se passa é o seguinte:
1o O particular faz investimento no estabelecimento do casino;
2o O particular explora-o por sua conta e risco, obtendo dessa exploração a
remuneração do capital investido;
3o No fim, uma vez amortizado o investimento, devolve o casino ao Estado.
Este, por sua vez, opta:
- Ou pela exploração directa do casino;
- Ou pela celebração de um novo contrato de concessão com quem oferecer
melhores condições.

151
Cf. AMARAL, Diogo Freitas, Direito Administrativo, Vol. III, ob. cit. Pg 444.
152
AMARAL, Diogo Freitas, ob. Cit. Pg 445.

194
6o Fornecimento contínuo, definido como sendo “ o contrato administrativo
pelo qual um particular se encarrega, durante um certo período, de entregar
regularmente à Administração certos bens necessários ao funcionamento regular
de um serviço público 153.
Exemplos:
- Contratos da Imprensa Nacional com empresas que periodicamente lhe
fornecem papel e tinta para o seu funcionamento (condição sine qua non do
seu funcionamento;
- Contratos celebrados entre hospitais com empresas que, de forma contínua,
lhes fornecem produtos farmacêuticos, alimentares;
- Contratos celebrados pelo Ministério da Defesa Nacional para alimentação,
vestuário dos soldados, etc.
Importa não confundir o fornecimento contínuo, que é um verdadeiro e autêntico
contrato administrativo, com o simples fornecimento avulso, que não o é.
7aEspécie de contrato administrativo: Prestação de serviços
Segundo a jurisprudência e a doutrina, esta espécie abrange dois tipos
complementares um do outro: o contrato de transporte e o contrato de
provimento.
7.1. Contrato de transporte, definido como sendo “ o contrato administrativo
pelo qual um particular se encarrega de assegurar a deslocação entre lugares
determinados de pessoas ou coisas a cargo da Administração” 154.
São exemplos desta espécie, os contratos celebrados entre os correios e as
empresas de transporte aéreo, marítimo e rodoviário, para o transporte diário ou
periódico do correio de certos locais para outros.
7.2. Contrato de provimento, definido como sendo “ o contrato administrativo
pelo qual um particular ingressa nos quadros permanentes da Administração e se

153
Cf. AMARAL, Diogo Freitas, ob cit. Pg 446.
154
Cf.AMARAL, Diogo Freitas, ob. cit. Pg. 447.

195
obriga a prestar-lhe a sua actividade profissional de acordo com o estatuto da
função pública155.
Importa não confundir o contrato de provimento com algumas figuras afins,
designadamente:
a) Há que distinguir o contrato de provimento de outras formas de provimento
em lugares da função pública, maxime a nomeação. Na realidade, o
provimento dos funcionários públicos pode ser feito de várias maneiras,
dentre as quais as mais salientes/predominantes são a nomeação e o contrato
de provimento.
As diferenças fundamentais entre as duas formas de provimento dos
funcionários públicos são as seguintes:
- A nomeação constitui um acto administrativo unilateral, válido entanto que
tal, embora a respectiva eficácia dependa da aceitação do particular mediante
a tomada de posse, que é um outro acto jurídico praticado após a nomeação;
Trata-se de um acto administrativo unilateral praticado e publicado no
Boletim da República, mesmo antes de o interessado declarar se o aceita ou
não;
Além disso, a nomeação constitui um acto administrativo que caduca em
caso de não aceitação pelo particular nomeado.
- Por seu turno, o contrato de provimento é o acto administrativo bilateral que
resulta da fusão/acordo das vontades da Administração Pública, por um lado,
e do particular, por outro lado, traduzida na assinatura de ambas as partes no
mesmo documento.
Neste caso, a aceitação do particular não é uma condição de eficácia do acto
administrativo, mas um elemento integrante e constitutivo do contrato.
A este respeito, o Estatuto Geral dos Funcionários do Estado vigente em
Moçambique, aprovado pelo Decreto no 14/87, de 20 de Maio e actualizado

155
Cf. AMARAL, Diogo Freitas, ob.cit. Pg. 448.

196
pelo Decreto no 47/95, de 17 de Outubro, nos seus artigos 22 e 23, no1, define
e estabelece as formalidades do provimento, respectivamente:
- “ O provimento consiste no acto de designação para o preenchimento de
lugares dos quadros de pessoal dos órgãos centrais e locais do aparelho do
Estado” 156;
- “O provimento faz-se por nomeação ou contrato sujeitos ao visto do Tribunal
Administrativo e à publicação no Boletim da República, sempre que a
dispensa de publicação não seja expressamente determinada. Havendo
dispensa de visto, haverá sempre anotação”.
b) Além disso, importa distinguir o contrato administrativo de provimento do
contrato civil de prestação de serviços.
Efectivamente, importa ter sempre presente que no contrato administrativo de
provimento o particular se torna funcionário público, sendo que,
diversamente, o contrato civil de prestação e serviços tem por objecto
encarregar o particular de uma determinada tarefa, sem que, por isso, ele se
torne funcionário público.
É exemplo deste contrato a solicitação do trabalho de dois especialistas para
missões concretas, específicas e bem determinadas, como seja o desenho de
um projecto de um monumento por um arquitecto; outro exemplo é o da
solicitação de pareceres sobre a situação da cidade de Maputo, face às
enxurradas, às cratera e à gestão de terras.
c) Finalmente, importa distinguir o contrato administrativo de provimento e o
contrato de trabalho, enquanto acordo pelo qual um particular se torna
empregado de uma entidade patronal, ingressando consequentemente nos
quadros permanentes dessa empresa/entidade patronal.
Efectivamente, cada um tem o seu regime juríidico.
- O regime jurídico do contrato administrativo de provimento é o regime da
função pública, integrado no Direito da Função Pública 157.

156 o
Esta redacção foi introduzida pelo Decreto n 47/95, de 17 de Outubro.

197
- Por sua vez, o contrato de trabalho tem um determinado regime jurídico que
é o regime geral dos trabalhadores das empresas privadas 158.
Relativamente a este aspecto, importa realçar que os trabalhadores das
empresas públicas têm um regime jurídico de contratos de trabalho e não da
função pública, precisamente porque as empresas públicas funcionam
segundo o princípio da gestão privada159.

REGIME JURÍDICO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Objectivos específicos
No final desta sessão os particpantes têm que ser capazes de:
- Explicar e aplicar o procedimento anterior à escolha do particular
a contratar;
- Indicar e interpretar os poderes de autoridade conferidos à
Administração na fase de execução do contrato;
- Indicar e explicar as formas de extinção do contrato
administrativo.

1. Preliminares
O regime jurídico dos contratos administrativos é constituído por normas de dois
tipos:
a) Normas que conferem prerrogativas especiais de autoridade à Administração
Pública;
b) Normas que impõem à Administração Pública especiais deveres ou sujeições
que não existem no regime dos contratos de direito privado.

157
Entre nós contido no Estatuto Geral dos Funcionários do Estado.
158 o o a o
Entre nós contido na Lei do Trabalho, que é a Lei n 8/98, de 20 de Julho, BR. N 28, 1 Série, 2
Suplemento.

198
1.1. Aspectos do regime jurídico dos contratos administrativos
O regime jurídico dos contratos administrativos deve ser visto em relação a três
aspectos:
- A formação do contrato administrativo;
- A execução do contrato administrativo;
- A extinção do contrato administrativo.

1.2. A formação do contrato administrativo


Porque acordo de vontades do qual resultam direitos e obrigações equilibradas
para ambos contraentes, os contratos administrativos não aparecem
imediatamente, subitamente, e não se confundem com um produto instantâneo e
independente de actos prévios. A sua formação, por conseguinte, pressupõe a
realização de um processo que começa por via da iniciativa de contratar tomada
pelo órgão ou agente administrativo, para o efeito competente; desenvolve-se
mediante a prática de actos e formalidades enquadrados na preparação da
decisão de contratar e desemboca na tomada de decisão de contratar,
propriamente dita.
O processo que conduz à formação da vontade da Administração Pública,
enquanto contraente de um dado contrato administrativo, deve obedecer aos
princípios gerais do Direito, à Constituição, às normas de direito público, em
geral, e às do Direito Administrativo em particular, e sujeita-se a uma série de
limitações que a obrigam a proceder e a actuar de determinada maneira, em
função das exigências que resultam da sua própria estrutura e funcionamento,
bem como da necessidade de prosseguir o interesse público.
Significa, portanto, que, neste processo de formação do contrato administrativo
abundam normas jurídicas especialmente apertadas impondo/sujeitando à
Administração Pública restrições e sujeições muito maiores do que aquelas que

159 o o
Cf. n 2 do artigo 2 da Lei n 8/98, de 20 de Julho.

199
recaiem sobre os administrados em geral. Essas regras versam sobre os
elementos essenciais do contrato administrativo, designadamente:
a) A competência para contratar;
b) A obtenção do mútuo consenso em que se traduz o contrato administrativo;
c) A autorização das despesas públicas a realizar através do contrato; e
d) A forma e formalidades da celebração do contrato administrativo.

1.1.1. Formas de escolha dos particulares


A escolha dos particulares está sujeita a normas muito restritivas e pode ser feita
segundo um dos seguintes mecanismos:
- Ajuste directo;
- Concurso limitado;
- Concurso público.

Em obediência aos princípios da transparência, igualdade, imparcialidade e


proporcionalidade administrativa, em geral, todos os contratos administrativos
formam-se através do mecanismo do concurso público ou do concurso limitado.
Só quando a lei permite é que podem formar-se através do ajuste directo.
O concurso público é, neste quadro, a forma que melhor garante a igualdade dos
concorrentes, a escolha da melhor proposta, a transparência do processo e a sua
moralidade.

1.1.2. A Adjudicação
É o acto administrativo pelo qual o órgão competente escolhe a proposta
preferida e, portanto, selecciona o particular com quem pretende contratar. É,
assim, a última fase do concurso público ou limitado enquanto processo de
formação do contrato administrativo.
A adjudicação assim entendida torna perfeito o contrato.

200
Neste contexto, podemos afirmar que a decisão de adjudicação é
simultaneamente decisão de não aceitação de todas as restantes propostas. É, por
isso, ilegal a adjudicação sob condição de realizar negociações posteriores
acerca do conteúdo definitivo do contrato, por violar os princípios estruturantes
do concurso público, designadamente a concorrência, a igualdade, a
imparcialidade e a publicidade, da estabilidade das regras do concurso, bem
como os da boa fé e da protecção da confiança e os princípios fundamentais do
Direito. Além disso, tal tipo de adjudicação acaba transformando-se no ajuste
directo.

2.1.2.1.Adjudicação e celebração do contrato administrativo


- A adjudicação, ou seja a escolha pela Administração do particular com quem
pretende contratar é um acto jurídico unilateral anterior à celebração do
contrato administrativo;
- A celebração d contrato administrativo, ou seja o contrato administrativo é
um acto jurídico bilateral, que, por isso mesmo, resulta de um acordo de
vontades.
Esta distinção tem implicações práticas, nomeadamente:
a) Por vezes a competência para adjudicar é atribuída a um órgão e a
competência para celebrar o contrato ou para contratar é conferida a outro
órgão. Significa, portanto, nestes casos, há um primeiro órgão que escolhe o
particular com quem a Administração Pública pretende contratar e há um
segundo órgão competente para celebrar e assinar o contrato.
b) Uma vez efectuada, a adjudicação pode vir a ser revogada, tornando-se
assim inviável a celebração posterior do contrato administrativo com a
pessoa escolhida.

2.1.2.2. Adjudicação provisória e adjudicação definitiva

201
1.1. A execução do contrato administrativo
Como vimos, na formação do contrato administrativo, a Administração Pública
aparece sujeita a limitações e restrições que não têm comparação com aquelas
que os particulares enfrentam no exercício da sua capacidade privada de
contratação.
Ora, na fase de execução de contrato administrativo, a Administração Pública
encontra-se investida dos poderes de autoridade de que os particulares não
beneficiam no quadro dos contratos de direito privado celebrados entre si. Trata-
se de poderes de autoridade que a Administração Pública mantém e acciona
sempre que discricionariamente achar conveniente e oportuno, em função do
interesse público por caber a ela, em exclusivo, a definição do bem-comum em
cada momento.

1.1.2. Principais poderes de autoridade da Administração Pública na fase


de execução dos contratos administrativos
São essencialmente três os poderes de autoridade da Administração Pública no
âmbito da execução dos contratos administrativos:
- O poder de fiscalização;
- O poder de modificação unilateral;
- O poder de aplicar sanções.
a) Poder de fiscalização
Este poder consiste no direito que a Administração Pública tem, como parte
pública do contrato administrativo, de controlar a execução do contrato para
evitar surpresas prejudiciais ao interesse colectivo, de que a Administração só
viesse a se aperceber demasiado tarde.
Para isso, existe um conjunto de regras que delimitam este poder de fiscalização
e que estabelecem as sujeições que impendem, em consequência dele, sobre o
contraente particular.

202
É a fiscalização que, do ponto de vista técnico, físico, administrativo e
financeiro, cumpre a missão fundamental que consiste em verificar se a acção do
particular contraente satisfaz os pressupostos contratuais designadamente quanto
à qualidade da execução, quanto aos prazos e quanto aos custos. Quando
detectados desvios relativamente ao previsto, a fiscalização passa a ter uma
acção mais activa conducente à correcção desvios, a sua conveniente redução ou
eliminação, ou à aplicação das sanções cominadas num contrato administrativo
dado.
b) Poder de modificação unilateral
Dado que os contratos administrativos são normalmente contratos de longa
duração, acontece, vezes sem conta, que as condições em que foram celebrados
alteram-se durante a fase da sua execução. Essas alterações, amiúde, são de tal
monta que se divorciam do que ficou inicialmente estipulado entre as partes e
tornam os contratos administrativos celebrados pouco ou nada convenientes/
ajustados/adequados à prossecução do interesse público que determinou a sua
celebração.
Exemplo: Os célebres casos acontecidos em França:
- O primeiro em 1902 – concessões feitas pelas câmaras municipais, antes da
descoberta da electricidade, concessões de iluminação pública a gás;
- Surge a invenção da electricidade e a população e a opinião pública exigiram
a substituição da iluminação a gás pela electricidade nas cidades;
- Os contratos de concessão de iluminação pública iniciais, porém só previam
a iluminação a gás;
- Neste contexto, no início do sec. XX, em 1902, várias câmaras municipais
reivindicaram um poder de modificação unilateral das cláusulas do contrato,
impondo aos concessionios a obrigação de assegurar a iluminação das
cidades através da energia eléctrica;
- Face a isto, os concessionários tentaram resistir alegando que tal não estava
previsto nos contratos e, consequentemente, recorreram para os tribunais

203
administrativos. Apesar disso, o Conselho de Administração deu razão à
Administração Pública, isto é às Câmaras Municipais.

Fundamento da sentença do Conselho de Estado


À Administração Pública tinha de ser reconhecido o poder de modificação
unilateral das cláusulas do contrato, sem prejuízo das obrigações daí resultantes
para a Administração de pagar uma remuneração superior àquela a que se tinha
obrigado de modo a manter o equilíbrio financeiro do contrato;
Significa, portanto, que ao poder de modificação unilateral, uma modificação
por acto do poder ou fait du prince, correspondia o dever de manter o equilíbrio
financeiro do contrato. O objectivo é que se prossiga o interesse público nas
novas condições, sem arruinar os concessionários.
- O segundo caso aconteceu em 1910
- Concessionários do serviço público de transporte colectivo urbano através de
carros eléctricos obrigados a alargar o âmbito do contrato a zonas que eram
antes suburbanas, já urbanizadas ou em vias de urbanização;

- Este alargamento não estava inicialmente previsto. De novo o Conselho de


Estado francês aprovou a medida com base na aplicação do poder de
modificaçào unilateral da Administração Pública
Ter presente que em Direito Civil, estas situações de modificações unilaterais
não teriam lugar, mesmo depois da consagração nele da teoria da imprevisão.
Esta dá lugar ao direito de pedir a rescisão do contrato, mas nào permite que
uma das partes contraentes se arrogue o direito de impor unilateralmente
alterações no objecto do contrato.
Já em Direito Administrativo, entende-se que o particular contraente, tal como a
Administração Pública, também fica subordinado às exigências do interesse
público e, consequentemente, tem de se adaptar e agir como agiria a
Administração Pública se fosse esta a explorar directamente o serviço objecto da

204
concessão. A modificação unilateral do objecto do contrato pela
Administração Pública dá, no entanto, ao particular contraente o direito de
pedir a revisão das cláusulas de remuneração de modo a manter o equilíbrio
financeiro do contrato.
De facto, em homenagem à jstiça e à equidade, o princípio geral aplicado
sempre que se verifica uma modificação por acto do poder ou fait du prince é o
de que “ o exercício pela Administração Pública do seu poder unilateral de
modificação do conteúdo das prestações do contraente privado envolve o ônus
ou encargo de ser ela a suportar todas as inerentes consequências financeiras 160”.
É que continua o mesmo juspublicista, como reflexo da força vinculativa dos
contratos... (aditamento) e do equilíbrio financeiro que deve prevalecer, a
modificação unilateral do contrato que debilita o princípio da estabilidade
contratual tendo a vista a prossecução do bem comum, implica responsabilidade
contratual da Administração Pública: esta tem que assumir, neste contexto, a
responsabilidade pelo estabelecimento da “honesta equivalência das
prestações 161”.
Importa não confundir o poder de modificação unilateral com a modificação do
contrato derivada de circunstâncias alheias aos contraentes, nomeadamente:
- Casos de força-maior, que são os que resultam de acontecimentos
imprevistos e irresistíveis cujos efeitos se produzem independentemente da
vontade ou das circunstâncias pessoais do particular contratado,
nomeadamente actos de guerra ou subversão, epidemias, radiações atómicas,
ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais que directamente
afectem a execução do contrato pelo particular contraente. Trata-se de factos
imprevistos e estranhos à vontade dos contraentes que impossibilita
absolutamente de cumprir as obrigações contratuais162. São acontecimentos

160
Cf. Paulo Otelo-Estabilidade Contratual, Modificação unilateral e equilíbrio financeiro em contrato
de empreitada de obras públicas, Separata da Revista da Ordem dos Advogados, LX, 1996, pg44.
161
Idem, pg 45.
162
CAETANO, ob. Cit. VolI. Pg 623.

205
exteriores, independentes da vontade dos co-contraentes e que impossibilita
(impede) a execução do contrato 163.
- Teoria da imprevisão (casos imprevistos), que ganha corpo quando as
circunstâncias em que haja fundado a decisão de contratar sofram alteração
imprevisível segundo as regras da prudência e da boa fé, donde resulte, na
execução do contrato, grave aumento de encargos que não caibam nos riscos
normais. Caso imprevisto “ é o facto estranho à vontade dos contraentes que,
determinando a modificação das circunstâncias económicas gerais, torna a
execução do contrato muito mais onerosa para uma das partes do que caberia
no risco normalmente considerado”164.
A teoria da imprevisão tem a ver com “ o caso em que a situação do
concessionário vem a ser profundamente alterada (subvertida) por
acontecimentos exteriores, anormais e imprevisíveis, por exemplo um
aumento brusco e considerável do preço das matérias-primas devido à áleas
económicas que não puderam entrar, com razão, nas previsões das partes no
momento do contrato” 165.
A diferença fundamental entre as duas figuras consiste em:
- O caso de força-maior impossibilita absolutamente o cumprimento das
obrigações contratuais, liberta o contraente particular do cumprimento das
suas obrigações contratuais;
- O caso imprevisto torna a execução do contrato muito mais onerosa para
uma das partes do que adviria da álea normal; consequentemente obriga à
revisão dos preços ou à atribuição de indemnizações destinadas ao
restabelecimento do equilíbrio económico do contrato, mas não liberta o co-
contratante da sua responsabilidade contratual.
Em conclusão, podemos dizer que, enquanto o poder de modificação unilateral é
uma manifestação das prerrogativas de autoridade da Administração Pública de

163
LAUBADERE, André e outros, ob. cit. Pg.777.
164
CAETANO, Marcelo, ob. Cit. Pg 625.
165
Cf. LAUBADERE, André, Direito Económico, Almedina, Coimbra, 1985, pg. 405.

206
que recorre na busca permanente da satisfação do interesse público; o caso de
força-maior e o caso imprevisto resultam de factos cuja ocorrência não depende
do poder administrativo e dos interesses dos contratantes.
c) O poder de aplicar sanções ao contraente particular, ou por causa da
inexecução do contrato, ou por causa do atraso na sua execução, ou por outra
forma de execução imperfeita, ou ainda por ele ter trespassado o contrato
para outrem sem a devida autorização da Administração Pública,etc.
Trata-se da faculdade que cabe à Administração Pública de aplicar sanções
ao contraente particular, sempre que este cometa algum desvio sancionável
em conformidade com o previsto nas cláusulas contratuais.
Modalidades mais típicas deste poder
a) Aplicação de multas;
b) Sequestro, que acontece quando o contraente particular abandona o exercício
da actividade de que foi encarregado pelo contrato administrativo. Neste
casos, a Administração Pública tem o direito de assumir o exercício dessa
actividade e as obrigações do particular relativamente ao contrato, ficando a
cargo do contraente particular todas as despesas que a Administração fizer
enquanto essa situação durar.
Significa que a Administração Pública substitui-se ao contraente particular
no cumprimento das suas obrigações contratuais e as despesas que, nesse
contexto fizer, tem de ser suportadas pelo património do contraente
particular.

1.1. A extinção do contrato administrativo


1.1.1. Preliminares
Os contratos administrativos podem extinguir-se como resultado da ocorrência
de causas normais da sua extinção ou na sequência do exercício de poderes de
autoridade da Administração Pública. Efectivamente, como reflexo da

207
prossecução do interesse público, igualmente nesta fase ela possui alguns
poderes de autoridade.

4.3.2. Causas normais de extinção dos contratos administrativos


a) Caducidade;

b) Termo.

4.3.3. Causas específicas de extinção dos contratos administrativos


Existem causas de extinção que constituem traços característicos específicos dos
contratos administrativos que importa considerar. São as seguintes:
a) Rescisão do contrato a título de sanção, que se verifica “ quando o
contraente particular não cumpre, ou não cumpre rigorosamente as cláusulas
do contrato” 166. Sempre que isso aconteça, a Administração Pública tem o
direito de rescindir o contrato, como aplicação de uma sanção ao contraente
particular, no todo ou em parte, faltoso.
b) Resgate, que “ consiste no direito que a Administração tem, antes de findo o
prazo do contrato, de retomar o desempenho das atribuições administrativas
de que estava encarregado o contraente particular, não como sanção, mas por
conveniência do interesse público, e mediante justa indemnização” 167.
Noutras palavras, resgate é a rescisão do contrato administrativo por
conveniência do interesse público.
De facto, por causa da alteração das circunstâncias, pode passar a ser mais
conveniente ao interesse público que o servi,co até então explorado pelo
concessionário o seja, doravante, directamente pelo conecedente, ou seja pela
Administração Pública.
Sempre que isso aconteça, está tem o direito de pôr termo ao contrato através do
resgate.

166
Cf. AMARAL, Diogo Freitas, ob, cit, pg.465.

208
Como consequência do resgate a Administração Pública recupera o exercício
daqueles poderes públicos até então transferidos para o particular contraente, por
um lado; por outro, ela assume o dever de indemnizar o concessionário.
Importa ter presente que a indemnização que decorre da decisão de resgate visa:
- Pagar ao particular contraente a parte do valor do estabelecimento que ainda
não estava devidamente amortizada;
- Pagar os lucros cessantes referentes ao período de tempo (meses ou anos) que
a concessão devia ainda durar se o contrato fosse cumprido. É o chamado
prémio de evicção.
De reter que:
- A distinção entre o resgate e a rescisão como sanção existe
predominantemente nos contratos de concessão;
- As mesmas figuras existem nos contratos de provimento, característicos da
função pública, embora com outra designação. Na verdade, nesta espécie de
contratos administrativos, fala-se de demissão por motivos disciplinares 168 e
em exoneração por conveniência de serviço 169.
Assim, na demissão o funcionário é expulso dos quadros porque cometeu
uma infracção disciplinar e a extinção do vínculo que lhe ligava à função
pública é uma sanção. Na exoneração por conveniência de serviço o víncuo
termina já não porque o funcionário cometeu alguma infracção ma spor
conveniência do interesse público. É este que determina o afastamento do
funcionário.
É óbvio que o regime jurídico aplicável na demissão enquanto sanção é
diferente do aplicável à exoneração por interesse ou conveniência do serviço,
sendo que, neste segundo caso, os direitos do funcionário são superiores.

O PODER DE POLÍCIA

167
Cf. AMARAL, Diogo Freitas, ob. cit.pg.466.
168 o
Cf. artigo 183 do EGFE, aprovado pelo Decreto n 14/87, de 20 de Maio e actualizado pelo Decreto
o
n 47/95, de 17 de Outubro).

209
A constituição e as leis conferem aos cidadãos um conjunto de direitos e
liberdades que não podem ser exercidos de forma a prejudicar o interesse da
colectividade. Significa isso dizer que o seu exercício não pode impedir a
realização do bem comum, do interesse público, sob pena de ter que sofrer
limitações.

Noção de poder de polícia


O poder de polícia pode ser entendido no sentido amplo ou no sentido restrito.
Em sentido amplo, poder de polícia corresponde à actividade estatal que consiste
em condicionar o exercício dos direitos e liberdades dos cidadãos ao seu
ajustamento aos interesses colectivos. Por outras palavras, o poder de polícia
tem a ver com o complexo de medidas do Estado, medidas essas provenientes
quer do poder legislativo, quer do poder executivo, que delinea a esfera
juridicamente tutelada de liberdades e dos direitos dos cidadãos.
Em sentido restrito, o poder de polícia prende-se tão somente com as
intervenções, quer gerais e abstractas, como é o caso dos regulamentos, quer
concretas e específicas, tais como as autorizações, as licenças, etc do poder
executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao
desenvolvimento de actividades particulares que contrastam com os interesses
sociais.
O sentido restrito corresponde ao chamado poder de polícia administrativa.
Segundo Jean Rivero,” é o conjunto de intervenções da Administração pública
que tende a impor à livre acção dos particulares a disciplina exigida pela vida
em sociedade”.
Em síntese, podemos dizer que o poder de polícia destina-se a impedir a
produção de danos para a colectividade, que poderiam resultar do exercício
abusivo dos direitos e liberdades individuais.

169
Cf. artigo 229 e seguintes do E.G.F.E.

210
Fundamento e essência do poder administrativo
O poder de polícia deriva da supremacia da Administração Pública
relativamente aos administrados. Essa supremacia assenta no facto de que a
Administração Pública prossegue o bem comum cuja satisfação não pode ser
posta em causa por interesses particulares, grupais ou singulares.
O poder de polícia é um poder negativo, no sentido de que, por via dele, o poder
político não pretende obter uma actuação por parte de um particular ou de
particulares, mas sim uma abstenção. Por meio do poder de polícia não se exige
um facere mas um non facere dos particulares, sendo esta a essência do poder de
polícia: exige-se do particular que deixe de fazer alguma coisa, e não que faça.

Características fundamentais do poder de polícia


São três:
- O poder de polícia tem de provir de uma autoridade pública, donde se
exclui, por evidente, a reclusão compulsória, mesmo de loucos, promovida
por parentes;
- O poder de polícia deve ser imposto coercivamente pela Administração
Pública;
- O poder de polícia deve abranger de forma genérica as actividades e
direitos dos administrados.
Em Direito Francês, há uma distinção que se usa fazer entre polícia
administrativa e polícia de investigação criminal, sendo que a primeira tem um
carácter preventivo, e a segunda tem um carácter repressivo. Porém, não existe
uma separação estanque entre ambas; isto é quando se fala de que a polícia
administrativa tem um carácter preventivo, quer dizer que é predominantemente
preventiva, e não exclui uma certa dose repressiva.
Por outro lado, quando se propala que a polícia investigação criminal (polícia
judiciária) tem um carácter repressivo não quer excluir-se que ela tenha

211
igualmente uma certa dose de prevenção , ainda que nela predomine o carácter
repressivo.
Noutras palavras, tanto a polícia administrativa, como a polícia de investigação
Criminal, é no essencial relativa.
Significa que a polícia administrativa é preventiva relativamente aos futuros
danos, que poderiam advir da persistência do comportamento reprimido; isto é
dispõe-se unicamente a impedir ou paralisar actividades antisociais; a polícia de
investigaçã criminal, por sua vez, prende-se com a responsabilização dos
violadores da Ordem jurídica.
A importância desta distinção reside no facto de que a Polícia administrativa é
regida por normas administrativas, ao passo que a polícia de investigação
criminal se rege pela legislação processual penal.

Assim, definição de polícia administrativa


“ Corresponde à actividade da Administração Pública, expressa em actos
normativos ou concretos, com fundamento na supremacia geral e na forma de
lei, de condicionar a liberdade e o exercício dos direitos individuais, mediante
acção ora fiscalizadora ora preventiva, ora repressiva, impondo coercivamente
aos particulares um dever de abstenção, a fim de conformar-lhes os
comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo” 170.

Polícia geral e polícia especial


A divisão entre polícia geral e polícia especial tem origem no Direito Frnacês.
Naquele sistema jurídico entende-se por polícia geral a actividade de limitação
do exercício de direitos e liberdades pelos administrados, com vista a assegurar
a segurança, a tranquilidade e a salubridade públicas.

170 a a
Cf. De MELO , Celso A. Bandeira; Elementos de Direito Administrativo; 1 Edição, 6 Tiragem,
Ediatora “Revista dos Tribunais”; 1987, S.Paulo Brasil, pg 176.

212
Neste contexto, entende-se por polícia especial aquela que é relativa a outros
diversos ramos de actuação da polícia administrativa.
O fundamento desta destrinça assenta em dois pilares essenciais, a saber:
1o Fundamento histórico
As actividades de polícia inicialmente incidiam sobre as matérias tidas como
próprias de polícia geral, segurança, tranquilidade e salubridade públicas, as
quais em conjunto corporizam a noção de ordem pública.
A esfera de actuação da polícia geral era tida neste contexto como o campo
próprio do exercício do poder de polícia, daí a designação de polícia geral.
2o Fundamento jurídico
Enquanto nas matérias de segurança, tranquilidade e salubridade públicas a
Administração Pública interfere através de regulamentos administrativos, em
todos os demais casos ela se encontra estritamente presa aos textos da lei que
regulam os seus poderes.
Em Moçambique tal distinção não tem razão de existir, já que a Administração
Pública no exercício do poder de polícia recorre a regulamentos administrativos
de forma indistinta.

Executoriedade das medidas de polícia


Frequentemente, a Administração Pública executa as medidas de polícia
administrativa no quadro de suas prerrogativas de autoridade, maxime o
privilégios de execução prévia.
Há, no entanto pressupostos para que ela possa agir desse modo. O primeiro
pressuposto é que tem que haver uma autorização expressa da lei nesse sentido.
Segundo, quando a adopção da medida for urgente para a defesa do interesse
público e não comportar as delongas naturais do pronunciamento judicial, sem
sacrifício ou risco para a colectividade.
Quando não existir outra via de direito capaz de assegurar a satisfação do
interesse público que a Administração Pública está obrigada a defender em

213
cumprimento de medidas de polícia. ? É pois natural que seja no campo das
medidas de polícia que o exercício da coacção administrativa se manifeste de
modo frequente, na medida em que os interesses colectivos defendidos muitas
vezes não poderiam ,para a sua eficaz protecção, depender das demoras
resultantes do procedimento judicial, sob pena de perecimento dos valores
sociais que se pretende salvaguardar ou preservar, através das medidas de
polícia.
Em qualquer dos casos, porém é óbvio que os particulares podem sempre
recorrer aos Tribunais, isto é ao poder judicial, para impugnar as providências
administrativas de que tenham fundado receio de virem a sofrer, à margem da lei
ou para obter as reparações devidas quando da actuaçào da Administração
Pública venham a sofrer danos causados no quadro do exercício do poder de
polícia.
Ao indicar-se a possibilidade jurídica de a Administração Pública obter
obediência compulsiva dos particulares aos seus ditames de polícia, parte-se do
princípio evidente da actuação regular da desta e não do uso desmedido ou que
de qualquer modo confronte a legalidade ou que de qualquer modo constitui
uma afronta à legalidade.
O habeas corpus é o meio especialmente eficaz para a defesa dos particulares
nestes casos.

O poder de polícia e o princípio da proporcionalidade contra abusos de


polícia
O limite de utilização de meios coercivos pela Administração Pública na defesa
dos interesses públicos é o atingimento da finalidade legal na base da qual foi
instituída a medida de polícia.
Tudo o que vai para além dessa finalidade extravasa a razão de existir do poder
de polícia, e constitui abuso de poder. De facto, a utilização de meios coercivos
pela Administração Pública interfere energicamente com a liberdade individual.

214
Por isso, torna-se necessário que a Administração República se comporte com
extrema cautela, nunca se servindo de meios mais enérgicos que os necessários à
obtenção do resultado pretendido pela lei, sob pena de incorrer na prática de
vícios jurídicos que, a existirem, acarretam responsabilidade da Administração
Pública.
Numa palavra, impota que haja proporcionalidade entre a medida adoptada e a
finalidade legal a ser atingida.
O recurso à coacção pela Administração Pública, por consequência, só é
permitido quando não haja outro meio eficaz para obter o cumprimento da
pretensão jurídica , e só se legitima na medida em que seja não só compatível
como proporcional ao resultado pretendido pela ordem jurídica.
Toda a acção que exceda ao estritamente necessário à obtenção do efeito
jurídico lícitamente desejado pelo poder público é, por evidente, ilegal e
contrário aos princípios constitucionais de um Estado de Direito.

Sectores da Polícia Administrativa

A RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1. Noção, origens, objecto, modalidades


1.1. Noção
Juridicamente o conceito de responsabilidade tem a ver com a ideia de sujeição
às consequências de um comportamento. Este é o conceito jurídico de
responsabilidade.
Há várias espécies de responsabilidade, a saber:
- Responsabilidade criminal ou penal, que advem da prática de um crime;
- Responsabilidade disciplinar, consequência de um ilícito de natureza
disciplinar;

215
- Responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, decorrente de um
prejuízo causado.
A responsabilidade que queremos agora abordar é a responsabilidade civil
extracontratual, por actos de gestão pública, ou seja “ a obrigação de
indemnizar que recai sobre uma pessoa colectiva pública que, na prossecução
das suas atribuições e actuando sob a égide de regras de direito público tiver
causado prejuízos aos particulares” 171.
De facto, no âmbito do Direito Administrativo, não estudaremos nem a
responsabilidade civil que resulta de actos de gestão privada – comportamentos
regidos pelo direito privado – nem a responsabilidade civil eventualmente
decorrente de actos praticados no exercício da função legislativa ou da função
judicial.

1.2. Origens
Desconhecida antes do século XIX, a ideia de responsabilizar o Estado
desenvolveu-se assente nos seguintes principais factores:
A consolidação e aprofundamento do princípio da legalidade;
Os reflexos das concepções organizacistas no enquadramento jurídico da relação
Estado-funcionário – a imputabilidade aos entes públicos dos danos
emergentes dos actos ilegais materialmente praticados pelos seus
funcionários era a solução que mais se adequava à necessidade de garantir
efectivamente o regular exercício do poder público;
O alargamento da intervenção económica, social e cultural do Estado. Significa
que antes do século XIX o entendimento era o de que, no âmbito da
monarquia absoluta, a vontade do soberano não podia gerar qualquer
obrigação de indemnizar, na medida em que se considerava que o rei nunca
pode cometer erros ( “...the King can do no Wrong), com base no princípio
então em voga segundo o qual a natureza própria da soberania é de impor-se

171
Cf. CAUPERS, João , Direito Administrativo, Aequitas Editorial Notícias, Lex, 1995, pg 217.

216
a todos sem compensação; a soberania e a responsabilidade são duas
realidades (noções) que se excluem. Naquela época entendia-se ainda que o
vínculo jurídico estabelecido entre o funcionário público e o Estado se
enquadrava no mandato civil, donde os actos legais daquele seriam
imputáveis ao Estado, ao passo que os actos ilegais praticados contra o
mandato, apenas davam lugar à responsabilidade pessoal

1.1.1. Objectivo
O primeiro grande objectivo da responsabilização do Estado e de outros entes
públicos é a transferência do dano sofrido pelo cidadão ao seu causador.

1.1.2. Modalidades
A responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública por actos de
gestão pública compreende as seguintes modalidades:
a) Responsabilidade subjectiva (com base em culpa)
b) Responsabilidade objectiva, quer pelo risco, quer pela prática de actos lícitos.

1. Responsabilidade civil extracontratual subjectiva das entidades públicas


2.1. Âmbito
Com base na Constituição e nas leis, a responsabilidade civil extracontratual
subjectiva das entidades públicas tem como âmbito o Estado e as demais pessoas
colectivas de direito público, bem como os poderes públicos.

2.2. Pressupostos da obrigação de indemnizar


São quatro os pressupostos da obrigação de indemnizar, designadamente:
- Acto ilegal, quer seja um acto jurídico-positivo, uma omissão ou de um acto
material;
- Culpa – que pressupõe e exige um juízo valorativo negativo sobre o
comportamento da Administração;

217
- Prejuízo;
- Nexo de causalidade entre o acto e o prejuízo.
No que toca especialmente ao requisito da culpa, há que distinguir a culpa
pessoal da culpa funcional, sendo a primeira a culpa do agente, e a segunda, de
origem francesa, tem como fundamento o direito reconhecido aos cidadãos a um
funcionamento normal e adequado dos serviços públicos. Exemplos desta
última:
- Falta de manutenção de estradas;
- Atrasos, erros e omissões;
- Informações incorrectas, promessas incumpridas, alterações imprevisíveis.
2.3. Regras quanto à obrigação de indemnizar
Em regra:
a) Pelos actos praticados fora do exercício das funções ou no seu exercício mas
não por causa dele, responde exclusivamente o agente;
b) Pelos actos praticados no exercício de funções públicas e por causa desse
exercício, respondem solidariamente a pessoa colectiva pública e o agente

2.4. Responsabilidade civil extracontratual objectiva das entidades


públicas:
a) Responsabilidade pelo risco
Fundamento: a compensação entre as vantagens e as perdas decorrentes do
exercício de determinadas actividades particularmente perigosas (risco);
Pressuposto específico da obrigação de indemnizar: a especialidade e a
anormalidade do prejuízo.
Situações mais frequentes: obras públicas; armazenamento e manipulação de
explosivos; mau funcionamento de semáforos; o chamado risco social (motins,
guerra, etc)
b) Responsabilidade pela prática de actos lícitos
Fundamento: o princípio da justa repartição dos encargos públicos.

218
Exemplo típico: a indemnização devida pela expropriação por utilidade pública;
a indemnização devida pela inexecução de uma sentença de um tribunal
administrativo ocorrendo causa legítima de inexecução.

AGENTES ADMINISTRATIVOS
1. Agentes administrativos em geral: noção, tipos, modos de provimento;
agentes funcionários e não funcionários

1.1. Noção
“Agentes administrativos são os indivíduos que por qualquer título exerçam
actividade ao serviço das pessoas colectivas de direito público, sob a
direcção dos respectivos órgãos. 172”
1.2. Tipos de agentes administrativos
a) Agentes de direito e agentes de facto
- Agente de direito é aquele indivíduo que é empregado da Administração
Pública mediante investidura regular;
- Agente de facto é aquele indivíduo que é aceite pacífica e publicamente
como agente administrativo e que exerça funções no interesse geral.
b) Usurpador – é aquele que se apossa das funções púbicas pela fraude ou pela
violência e se dispõe a exercê-las para satisfazer interesses privados. Os actos
praticados pelo usurpador são nulos e inexistentes, e implicam
responsabilidade criminal e o dever de indemnizar os particulares
prejudicados.
c) Agentes de facto necessários e putativos
- São agentes de facto necessários os indivíduos que, em estado de
necessidade, e por imperativo do bem comum, se encarregam do exercício de
funções públicas sem nelas terem sido investidos pelo processo regular;

172 a a
Cf. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10 Edição, 5 Reimpressão, Tomo II,
Livraria Almedina, Coimbra, 1994, pg 641.

219
- São agentes de facto putativos os indivíduos que em circunstâncias normais
exercem funções administrativas de maneira s erem reputados em geral como
agentes regulares, apesar de não estarem validamente providos nos
respectivos cargos. Por exemplo, funcionário nomeado ilegalmente;
prolongamento de funções públicas para além da demissão ou da rescisão do
contrato.

1.3. Modos de provimento dos agentes administrativos


São quatro os modos de provimento dos agentes administrativos:
a) Nomeação, que é a via normal, sendo precedida de concurso;
b) Contrato de provimento;
c) Assalariamento;
d) Eleição.

1.1.1. Nomeação
Trata-se do acto administrativo que provê um indivíduo na qualidade de agente,
mas ficando a investidura nas funções dependente de aceitação do nomeado.
Diferente da nomeação é a requisição, que é o acto administrativo que impõe a
um indivíduo o desempenho das funções de agente indepedentemente da
vontade dele.
Importa a este propósito distinguir entre requisição de serviços pela qual um
indivíduo adquire temporariamente a qualidade de agente, da requisição de
funcionário, pela qual um indivíduo já investido é chamado a prestar serviços
eventuais em quadro diferente daquele a que pertence.
Quando a requisição de serviços é feita por classe ou categorias de pessoas
determinadas, em termos genéricos, chama-se mobilização.

220
1.1.2. Contrato de provimento
A este propósito já foi dito o suficiente em sede de contrato administrativo. Para
aí remetemos.
1.1.1. Assalariamento administrativo – que consiste no ajuste feito com um
indivíduo para que preste serviço a uma pessoa colectiva de direito
público mediante remuneração estipulada por cada dia útil de trabalho,
embora pago à semana, à quinzena ou ao mês.
1.1.2. Eleição – consiste na designação de um agente feita à pluralidade dos
votos de um colégio para esse efeito competente, que não funciona como
órgão de gestão permanente de uma pessoa colectiva.

1.2. Agentes funcionários e não funcionários


1.2.1. Noção de funcionário
Tout court: agente administrativo profissional submetido ao regime legal da
função pública acentuando as características da profissionalidade. Agente
administrativo provido por nomeação vitalícia, voluntariamente aceite ou por
contrato indefinidamente renovável, para servir por tempo completo em
determinado lugar criado por lei com carácter permanente, segundo o regime
legal próprio da função pública.

1.2.3. Agentes não funcionários


a) Agentes políticos – que ocupam lugares de confiança política e, por isso,
livremente amovíveis, ou seja, podendo ser transferidos ou demitidos sempre
e quando ao Govreno aprouver;
b) Agentes em comissão - quando se trata de nomear pessoas estranhas à
função pública temporariamente. Carácter amovível da comissão, isto é o
órgão que superintende no cargo pode atodo o tempo, por conveniência do
serviço, dar por finda a comissão do indivíduo nele provido;

221
c) Agentes interinos, que são os indivíduos para prestar temporariamente
serviço a uma pessoa colectiva de direito público desempenhando a título
precário as funções de um cargo vago ou cujo serventuário se ache impedido
de as exercer. É, por natureza, dispensável a todo o tempo.
d) Agentes provisórios e estagiários
- São agentes provisórios aqueles indivíduos que aspiram à nomeação
definitiva ou vitalícia;
- São estagiários os indivíduos admitidos nos serviços administrativos em
regime de estágio, isto é, de aprendizagem profissional.
e) Agentes requisitados
f) Agentes pagos por verbas globais ou por gratificação (agentes além dos
quadros).
g) Agentes em regime de direito privado – que são aqueles que prestam
serviço uma pessoal colectiva de direito público mas no regime comum de
contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviços.
4. Funcionários públicos
O regime deste tipo de agente está previsto no Estatuto Geral dos Funcionários
do Estado, aprovado pelo Decreto no14/87, de 20 de Maio, com as alterações
introduzidas pelos Decretos no47/95, e 65/98, de 3 de Dezembro, quanto aos
seguintes aspectos:
- Constituição, modificação e extinção do vínculo que liga o funcionário
público à Administração Pública;
- Deveres e direitos dos funcionários públicos;
- A disciplina na função pública.
5. A responsabilidade pessoal dos agentes administrativos e as suas relações
com a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público.
• direito de regresso
• Responsabilidade dos funcionários:
 Criminal;

222
 Civil
 Disciplina.

Estudante que responde pelo nome Laurindo Vinte Falacomigo, 2° ano da

universidade de Ciências Policiais-ACIPOL/2011,foi concebido uma bolsa do

estudo pelo respectivo Ministério do Interior.

223

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