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Módulo 4

a) Os principais modelos de justiça administrativa.


b) A justiça administrativa em Moçambique; evolução histórica.
c) A organização da jurisdição administrativa em Moçambique

Objectivos a alcançar:

1. Gerais

 Conhecer os principais modelos de justiça administrativa.

 Conhecer a história da justiça administrativa.

2. Especiais

 Conhecer a origem dos modelos de justiça administrativa.

 Conhecer a história da justiça administrativa moçambicana.

 Conhecer o modelo adoptado por Moçambique.

 Conhecer a organização judiciária dos tribunais administrativos em


Moçambique.

 Identificar, pelas suas características estruturantes, os principais


modelos do contencioso administrativo.

a) Os principais modelos de justiça administrativa.

Critério de diferenciação: escreve MAURICE HAURIOU, “verificar um duplo


critério, o de uma jurisdição administrativa que tem uma competência geral
separada da jurisdição comum e de uma jurisdição dos conflitos exercida, quer
pelo governo, ele próprio, quer por um tribunal de conflitos à justiça delegada,
porque apenas essas instituições são o signo que a administração do direito foi
partilhada entre o poder judicial e o poder executivo” i.
Dois são os sistemas em vigor, ou seja, o sistema do contencioso administrativo,
mais conhecido como sistema francês, e o sistema judiciário ou de jurisdição
única. A caracterização de ambos os sistemas se dá pela predominância da
jurisdição comum ou da especial para solucionar os casos litigiosos em que
Administração fizer parte.

O Reino Unido é o tipo mais acabado desses Estados sem regime administrativo.
Com efeito, existem serviços administrativos pouco centralizados, em que todos os
agentes da Administração Pública são sujeitos ao controlo dos tribunais comuns e
às leis ordinárias como qualquer cidadão e só eles actuam em relação com os
particulares com prévia intervenção do Poder judicial. Nesta perspectiva, o direito
é "um", no sentido de que, em princípio são as mesmas regras que regem todas as
relações jurídicas dentro de um mesmo Estado, qualquer que seja a natureza
dessas relações jurídicas. Para ser mais rigoroso, isto não quer dizer que não existe
um "Direito Administrativo" nos países anglo-saxónicos. Em bom rigor, em todos os
Estados, quaisquer que sejam, existe necessariamente, do ponto de vista material,
um conjunto de regras que se chama "Direito Administrativo", que rege a
organização e as competências das autoridades administrativas e define os direitos
e as garantias dos administrados quando eles sofrem um prejuízo em relação às
essas autoridades. O que não existe nesses países é um “modelo europeu” e,
sobretudo, um “modelo francês” de Direito Administrativo.

E em seguida dizer que pelo movimento de globalização e de criação de blocos


regionais actualmente não existe modelo puro, ou seja, sem influências1.
1
António Cândido Oliveira (2011, páginas 18-20) afirma que:
“Dicey afirmava que na Inglaterra, ao contrário do que sucedia na França, as autoridades públicas estavam no
mesmo pé que os cidadãos. Elas não possuiam, por tal razão, poderes exorbitantes e muito menos gozavam
de jurisdição especial (tribunais administrativos) para dirimir os conflitos que surgissem. Ora, estas
afirmações de Dicey devem ser vistas, por um lado, tendo em conta a realidade da Grã-Bretanha na altura em
que foram inicialmente escritas (a máquina administrativa inglesa era ainda muito débil) e, por outro, devem
também ser revistas, dada a evolução que foi ocorrendo da realidade insular. Aliás, as ideias de Dicey foram,
desde logo, sujeitas a críticas com base na falta de atenção a realidade inglesa, sendo interessante ler um
artigo de Edmund Parker publicado na Harward Law Review13, em 1905, no qual se dizia que era desconhecer
o direito inglês afirmar que este não reconhecia direitos, privilégios e prerrogativas perante os cidadãos ou,
por outras palavras que as autoridades públicas estavam na mesma situação que os cidadãos uns com os
outros. Um olhar pela literatura jurídica de Inglaterra da primeira metade do século XX mostra-nos um
conjunto muito significativo de privilégios da Coroa que limitavam fortemente os direitos dos súbditos. Ainda
sobre Dicey, um autor alemão W. Friedmann doutor em Direito pela Universidade de Berlim e de Londres
criticava Dicey, responsabilizando-o em boa parte pelo atraso do direito administrativo na Inglaterra e pela
difusão errada de que não havia privilégios e imunidades da Coroa. É verdade que os cidadãos podiam ter
acesso aos tribunais ordinários, dotados de meios amplos de actuação perante a Administração, mas a
verdade é que este acesso para além de complicado e caro (ainda hoje sujeito a uma permissão – “leave” - do
próprio tribunal), deixava sem protecção certas situações quando estava em causa a Coroa, devendo ter-se
ainda em conta que os prazos para atacar actos das autoridades administrativas eram curtos. Elucidativos
b) A justiça administrativa em Moçambique; evolução histórica.

O Professor Doutor Gilles Cistac analisa a formação histórica do regime


administrativo moçambicano na sua obra “O Direito Administrativo em
Moçambique, apresentado no Workshop in Adminitrative Law, patrociando pela
KONRAD ADENAUER FOUNDATION: RULE OF LAW PROGRAM FOR SUB-SAHARAN
AFRICA, ocorrido no HOTEL CARDOSO, MOZAMBIQUE, 1st – 4th APRIL 2009 -. pp.
4-7.
A CRPM não previa explicitamente a existência dos tribunais administrativos
(artigos 62 a 64). Por sua vez, o artigo 71 permite que as leis anteriores, que não
forem contrárias a Constituição se mantenham em vigor.
A CRM90 veio dar dignidade constitucional ao TA.
A CRM 2004, veio abrir espaço para existência dos tribunais administrativos
provinciais.

c) A organização da jurisdição administrativa em Moçambique.


Consultar a CRM, artigos 223, n.o 1, al b) e n.o 2 e 228.

sobre a debilidade da protecção judicial dos cidadãos são dois casos apresentados por C. J. Hamson, um
professor de Direito Comparado de Cambridge, que estudou o funcionamento do Conselho de Estado francês e
que escreveu um livro traduzido para francês em que relatou essa experiência. Um taxista queixou-se contra
uma autoridade de policia que lhe retirou a sua licença de exercício da sua actividade. A autoridade
administrativa invocou para o efeito que estava habilitada para tal por um regulamento que prescrevia que a
licença podia ser retirada se a autoridade entendesse que o seu titular não estava apto para a conservar.
Chamada a decidir sobre este assunto, a High Court deliberou que não podia intervir neste caso, usando um
dos remédios a sua disposição nomeadamente o de certiorari (hoje quash). E isto porque o court não tinha
que se imiscuir na actividade administrativa. Se a autoridade dizia que a licença tinha que ser retirada por o
taxista não estar apto, tudo estava bem perante o court. Não era preciso dar razões. No outro caso
apresentado por Hamson tratava-se de um cidadão que tinha sido internado ao abrigo de disposições legais e
o problema era a fundamentação dessa decisão de internamento. O regulamento para ordenar o
internamento (detenção) dizia: “Se o Secretário de Estado do Interior possui um motivo razoável para pensar
que uma pessoa é de origem inimiga ou tem ligações com o inimigo ou que se encontrou recentemente
implicada em actividades prejudiciais a segurança pública e a defesa do reino (...) o Secretário de Estado
pode ordenar que seja internada”. Ora o Court (secção da Camara dos Lordes) chamado a pronunciar-se
considerou que o Ministro estava no direito de não dar qualquer explicação sobre as razões que o tinham
levado a emitir a ordem de internamento. Bastava que o ministro declarasse que tinha um motivo razoável
(reasonable cause). Isto espantou o interlocutor francês de Hamson, membro do Conselho de Estado, que
procurou saber a fundo se as coisas se poderiam passar assim na Inglaterra. E podiam! Assim, o controlo
judicial da Administração estava e está muito longe de ter a superioridade e de ser a perfeição que Dicey
pretendeu transmitir. Ainda sobre a Inglaterra, muito há para dizer que não cabe no âmbito desta
intervenção. Principalmente, a partir do ínicio do século XX ocorreu o fenomeno de intervencao da
Administracao nos mais diversos dominios, tendo surgido leis para regular tais intervenções e tendo sido
criados ao mesmo tempo (por essas mesmas leis) órgão para dirimir os conflitos que dai pudessem decorrer.
Esses órgãos receberam, em regra, o nome de tribunals (administrative tribunals). Eles davam
aparentemente uma garantia de justiça barata e pronta que os courts nunca dariam. Mas tinham problemas
sérios tais como a sujeição aos departamentos ministeriais e o pouco cuidado posto no preenchimento dos
cargos de quem tomava as decisões sobre os lítigios. Ao longo do século XX vamos assistir a constantes
esforços para melhorar os tribunals, tendo desempenhado, nesse aspecto, um papel fundamental o relatório
Franks (1957). Este relatório foi seguido de legislação conforme que colocou os tribunals na órbita da
administração da justiça, ainda que mantivessem muitas debilidades que foram objecto de particular atenção
muito mais tarde no importante relatório Leggatt elaborado em 2001 e que será ulteriormente objecto de
referência.”
Artigo 3 da Lei Orgânica da Jurisdição Administrativa – Lei n. o 25/2009, de 28 de
Setembro, actual artigo 3 da Lei n.o 24/2013, de 1 de Novembro.

Temos no topo o Tribunal Administrativo, a seguir tribunais administrativos


provinciais, Fiscais e Aduaneiros. Tema a ser aprofundado quando tratarmos dos
pressupostos processuais.

Leituras complementares aconselhadas:

Legislação

1. Constituição da República de Moçambique, 1975, 1990 e 2004.

2. Lei n.o 9/2001, de 7 de Julho – Lei do Processo Contencioso


Administrativo.

3. Lei n.o 25/2009, de 28 de Setembro – Lei Orgânica da Jurisdição


Administrativa.

4. Lei n.o 26/2009, de 29 de Setembro – Lei que aprova o regime relativo


à Organização, Funcionamento e processo da 3.a Secção do Tribunal Administrativo
e revoga as Leis n.os 13, 14, e 16/97, de 10 de Julho.

5. Lei n.o 14/2011, de 10 de Agosto – Regula a formação da vontade da


Administração Pública, estabelece as normas de defesa dos direitos e interesses
dos particulares e revoga a Reforma Administrativa Ultramarina (RAU) e Decreto-
Lei n.o 23229, de 15 de Novembro de 1933.

6. Lei n.º 24/2013, de 1 de Novembro – Concernente ao melhoramento


do controlo dos actos administrativos, bem como a fiscalização da legalidade das
receitas e despesas públicas e revoga a Lei n.º 25/2009, de 28 de Setembro.

Leituras para aprofundar os conhecimentos:


1. CISTAC, Gilles, Direito Processual Administrativo Contencioso, Teoria e
Prática, Vol. I, Escolar Editora, 2010.
2. CISTAC, Gilles “O Direito Administrativo em Moçambique, apresentado no
Workshop in Adminitrative Law, patrociando pela KONRAD ADENAUER
FOUNDATION: RULE OF LAW PROGRAM FOR SUB-SAHARAN AFRICA, ocorrido no
HOTEL CARDOSO, MOZAMBIQUE, 1st – 4th APRIL 2009 -. pp. 4-7.
3. FERREIRA PINTO, Fernando Brandão, Direito Processual Administrativo
Contencioso, 2.a edição, ELCLA Editora, 1992.

Exercícios de consolidação

À luz dos conhecimentos adquiridos ao longo das aulas e á face do ordenamento


jurídico moçambicano, comente, ponto a ponto, os dados abaixo.

1. Confronte o Sistema Administrativo adoptado pelo Estado Moçambicano com


o adoptado pela República do Malawi, tendo como base, dentre outros, os
seguintes aspectos:

 Controlo jurisdicional da Administração.

 Direito regulador da Administração Pública.

 Garantias jurídicas dos administrados.


i
Citado por Gilles Cistac, O Direito Administrativo em Moçambique, p. 4

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