Você está na página 1de 21

UNIVERSIDADE ABERTA ISCED

Coordenação do Curso de Direito

Cadeira: Contencioso Administrativo e Tributário

3º Ano-2023

TEMA:

Evolução Histórica do Contencioso Administrativo Moçambicano

O Tutor:

Discente:

 Telma Oflodio Cossa Mucavele

Maputo, Maio de 2023


UNIVERSIDADE ABERTA ISCED

COORDENAÇÃO DO CURSO DE DIREITO

3º ANO

NOME DA ACADÊMICA:

TELMA OFLODIO COSSA MUCAVELE

TRABALHO DE CAMPO

TITULO DO TRABALHO:

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO MOÇAMBICANO

MAPUTO, MAIO DE 2023


ÍNDICE

CAPÍTULO - I............................................................................................................................... 1
1.Introdução .................................................................................................................................... 1
1.2.Objectivos ................................................................................................................................ 2
1.3.Metodologia .............................................................................................................................. 3
CAPÍTULO II - ENQUADRAMENTO TEÓRICO .................................................................. 4
1.4. CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO ............................................................................... 4
1.4.1. O contencioso administrativo em Portugal ........................................................................... 4
1.4.1.1.Resenha histórica ................................................................................................................ 4
CAPÍTULO - III ........................................................................................................................... 6
1.5. Evolução histórica do Contencioso Moçambicano .................................................................. 6
1.5.1. Breves aspectos sobre o surgimento do contencioso administrativo .................................... 6
1.5.2. Casos particulares de Moçambique no período antes e pós a independência
(generalidades).................................................................................................................................7
1.5.3. O silêncio da Constituição de 1975 sobre a recorribilidade dos actos administrativos ........ 9
1.5.4. Constituição de 1990........................................................................................................... 11
1.5.4.1. Recorribilidade dos actos a luz da Constituição de 1990 ................................................ 13
1.5.5. A Constituição de 2004....................................................................................................... 14
1.5.5.1. Recorribilidade dos actos administrativo na Constituição de 2004 ................................. 15
2.Considerações Finais ................................................................................................................. 17
3.Referências Bibliográficas ......................................................................................................... 18
CAPÍTULO - I

1.Introdução

O presente trabalho de campo tem como objectivo principal, analisar sobre evolução histórica do
Contencioso Administrativo Moçambicano. O contencioso administrativo caracteriza-se por
uma evolução dinâmica e por uma propensão para adquirir contornos singulares em cada uma
das ordens jurídicas nacionais que o receberam.

Assim, o aparecimento e a evolução do contencioso administrativo em cada país acaba por


espelhar o crescimento do país em si, e em Moçambique estas duas realidades – o aparecimento
e evolução do contencioso administrativo; e a evolução da história do país em geral – podem ser
divididas em dois períodos: uma fase colonial e uma fase pós-colonial.

A coincidência não é, no entanto, total. Em termos históricos o período colonial termina em


1975, porém a influência do colonialismo no direito irá sentir-se atè à reforma de 2001, com a
aprovação da Lei sobre o Processo Administrativo Contencioso.

1
1.2.Objectivos

Geral

 Ter noção geral da evolução histórica do contencioso administrativo Moçambicano

Específicos

 Conhecer o conceito de contencioso administrativo;


 Explicar o surgimento de contecioso administrativo em Moçambique;
 Saber identificar os actos susceptíveis de recurso contencioso a luz das constituições que
vigoraram no ordenamento jurídico moçambicano;

2
1.3.Metodologia

O presente trabalho é meramente de revisão bibliográfica de informação obtida a partir de fontes


escritas, obtidas de livros virtuais, seguida de uma minuciosa compilação, usando os meios
informáticos disponíveis.

A pesquisa bibliográfica é aquela que se “desenvolve tentando explicar um problemas, utilizando


o conhecimento disponível a partir das teorias publicadas em livros ou obras congêneres”
(KÖCHE: 1997:122). Normalmente, neste tipo de pesquisa, são utilizados dados de natureza
teórica, identificando-as, analisando-as e avaliando a contribuição dessas para a compreensão ou
explicação de um determinado problema.

3
CAPÍTULO II - ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1.4. CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

1
O contencioso administrativo foi herdado do modelo francês que trata dos recursos humanos e
tributários inerentes ao Poder do Estado. Ele se refere ao sistema de resolução de conflitos e
litígios que envolve toda a seara administrativa da Administração Pública.

Sendo assim, o Contencioso Administrativo é todo processo realizado na via administrativa, ou


seja o sistema que tem a intenção de resolver problemas de natureza administrativa, como é o
caso de recursos humanos, receitas e tributos relacionados com o Estado. O termo pode abranger
dois significados: o primeiro se refere ao poder do juiz para solucionar esse tipo de demanda
(jurisdição contenciosa) ou então, diz respeito ao órgão com a responsabilidade de gerenciar
negócios litigiosos.

O Sistema do Contencioso Administrativo é formado por Tribunais especiais compostos por


Juízes Administrativos, que fazem uso da jurisdição do Estado, com a função de analisar e
apreciar os conflitos oriundos de atos da Administração Pública. Geralmente, com o intuito de
avaliar a validade de atos administrativos e os litígios e lides originários desse ato. Portanto, os
Juízes não apreciam a legalidade do ato, mas tão somente a sua validade.

Ele não se confunde com o Contencioso Civil, que, por sua vez, é um sistema que abrange boa
parte das questões envolvendo o dia a dia de pessoas físicas e jurídicas, como é o caso de
contratos, cumprimento de obrigações, litígios entre sócios e acionistas, direitos possessórios e
sucessórios etc.

1.4.1. O contencioso administrativo em Portugal


1.4.1.1. Resenha histórica

A doutrina considera decisiva para marcar a história do contencioso administrativo a instauração,


na época liberal, do princípio da separação de poderes e, com ele, do princípio da legalidade
administrativa, não obstante a aceitação desse marco inicial não nos dispensa de lembrar a
existência de uma época “pré-histórica” da justiça administrativa, em que se desenvolveram –
nos contextos próprios do Estado de Justiça (medieval), primeiro, e do Estado Moderno e do

4
Estado de Polícia, depois – mecanismos e processos destinados a garantir a justiça nas decisões
ou a defesa dos direitos e interesses dos administrados perante os poderes públicos2 .

Com efeito podem distinguir-se três grandes fases na evolução do contencioso administrativo
tendo em conta a configuração do modelo organizativo, consoante as entidades competentes para
a decisão dos litígios suscitados pela actividade administrativa

Uma primeira fase, que corresponde à época liberal, de 1832 a 1924, é habitualmente associada
à época francesa do modelo administrativista da “justice retenue”. Ao nível local, verifica-se a
existência daquilo que designamos por um modelo judiciarista ou quasejudicialista.

Uma segunda fase correspondente ao período autoritário-corporativo, que vai desde 1930/1933
até 1974/1976, em que se desenvolve um sistema de “tribunais administrativos”, que
representou, para uns, um modelo quase-judicialista e, para outros, um modelo judicialista
mitigado.

E uma terceira fase que se inicia com a actual Constituição da República Portuguesa, quando se
institui um modelo judicialista, de contencioso integralmente jurisdicionalizado, atribuído a uma
ordem judicial autónoma, embora de competência especializada.

Em rigor, como entende VIEIRA DE ANDRADE, a evolução do contencioso administrativo


português deu-se a partir de um modelo administrativista mitigado, que transitou para um
modelo quase-judicialista e, finalmente, para um modelo judicialista puro de competência
especializada3.

Especificando, e seguindo TERESA VIOLANTE4 , no que concerne aos recursos jurisdicionais


em concreto podemos afirmar que “Tradicionalmente, nos termos da Lei Orgânica do Supremo
Tribunal Administrativo (LOSTA)5 , a secção de contencioso administrativo do Supremo
Tribunal Administrativo (STA) conhecia, em primeira instância, dos recursos contenciosos de
actos dos órgãos da administração directa e indirecta do Estado”.

_______________________
1
Cfr. Em https://modeloinicial.com.br/artigos/contencioso-administrativo, disponível em 18/05/2023, às
14: 30 min
2
ANDRADE, José Carlos Vieira de – A Justiça Administrativa, 13.ª ed., Coimbra, Almedina, 2014, pp.
23-24.

5
CAPÍTULO - III
1.5. Evolução histórica do Contencioso Moçambicano
1.5.1. Breves aspectos sobre o surgimento do contencioso administrativo
6
A história do surgimento do contencioso administrativo moçambicano está intimamente ligada
ao surgimento do Tribunal Administrativo, órgão competente para tomar decisões com
independência e imparcialidade. Contudo, tendo em conta que Moçambique, no período antes da
independência era uma província ultramarina de Portugal, a história portuguesa influenciada por
França também é aplicável ao contencioso moçambicano já que grandes decisões tomadas em
Portugal eram reflectidas, igualmente, em Moçambique.

Nesta lógica, numa primeira fase o contencioso administrativo português estava inserido dentro
da Administração Pública, o que significa um período em que a Administração tinha poderes
para resolver conflitos surgidos entre ela e os Administrados.

Este período em que os litígios dos particulares perante a Administração Pública podiam ser
resolvidos pelos órgãos administrativos, precede o período em que vigorava o sistema de
Administrador-juiz. Nesta ordem, não se pode falar, nesta altura, do contencioso administrativo,
contudo, com o surgimento do sistema de Administrador-juiz tenta-se inserir um modelo que
embora ineficaz, os administrados podiam ver os seus diferendos resolvidos por um órgão quase
jurisdicional.

Como característica principal do referido sistema, havia a figura de recurso hierárquico


jurisdicionalizado que traduzia-se num “recurso de natureza administrativa interposto perante um
órgão da Administração Pública, mas cuja tramitação constituía um processo com garantias de
imparcialidade e com certa contrariedade, de modo a que os particulares pudessem ver
devidamente ponderada as suas razões e atendidos os seus direito”7.

______________________________
3
ANDRADE, José Carlos Vieira de, op. cit., pp. 25-28.

4
VIOLANTE, Teresa – Os recursos jurisdicionais no novo contencioso administrativo, O
DIREITO, Ano 139,IV, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 842-843.

5
D.L. n.º 40768, de 8 de Setembro de 1956.
6
O sistema de administrador-juiz foi evoluindo até que surgisse a figura do Conselho de Estado
que segundo o autor DIOGO FREITAS DO AMARAL, tratava-se de um órgão consultivo do
poder executivo que “recebeu poderes para, através da sua secção contenciosa, apreciar os
recursos interpostos pelos particulares contra decisões ilegais da Administração Pública. E foi o
Conselho de Estado que começou a conhecer desses recursos e a emitir pareceres, que enviava ao
Governo, o qual homologava ou não esse parecer, apresentando ao Rei. Mesmo assim, a última
decisão cabia ao Rei, que podia ou não homologar.

Depois, veio o sistema judicial que também conheceu vários estágios até chegar a implantação
dos Tribunais Administrativos, transferindo competências que eram do Conselho de Estado para
os órgãos especializados como Tribunal. Esse movimento todo, resultou no nascimento de justiça
administrativa e o Direito Processual Administrativo que, de igual modo é extensivo a
Moçambique.

1.5.2. Casos particulares de Moçambique no período antes e pós a independência


(generalidades)

Sendo essas transformações ocorridas em Portugal e por consequência das colonizações


aplicáveis à Moçambique como colónia ultramarina de Portugal, conforme se disse atrás, essas
transformações influenciaram bastante no contencioso moçambicana máxime no surgimento do
Tribunal Administrativo.

Nesta perspectiva, o professor GILLES CISTAC8refere que, “com a aprovação da Portaria


Provincial n° 398, de 18 de Fevereiro de 1856, marca formalmente o nascimento de uma justiça
Administrativa em Moçambique, no sentido moderno da palavra. Ainda, não sendo suficiente
para tratar de uma efectiva justiça administrativa e pelos outros vários motivos, foi aprovado um
o Decreto de 1 de Dezembro de 1869 que introduziu o termo “tribunal administrativo”.

___________________________
6
Cfr.Manual de Contencioso Administrativo e Tributário/ISCED,2017, p.13
7
AMARAL, Diogo Freitas do. Direito Administrativo. Vol. IV. Lisboa. 1988
8
CISTAC, Gilles. O Direito Administrativo em Moçambique. Workshop on administrative law.
Hotel Cardoso, Mozambique. April 2009

7
Depois de sucessiva legislação, veio a Reforma Administrativa Ultramarina (aprovado por
Decreto-Lei n° 23.229, de 15 de Novembro de 1933. Esta reforma veio consubstanciar e
cristalizar o Direito Administrativo de forma clara e de modo a permitir que os tribunais
administrativo tenham poderes bastante para agir nos conflitos entre os administrados e a
Administração.

Nas palavras do autor em referência, “é ilustrativo da vigência e importância deste diploma legal
como fonte principal do Direito Processual Administrativo Contenciosa, até o princípio do ano
2001, a análise dos fundamentos dos acórdãos proferidos pelo Tribunal Administrativo na área
do contencioso administrativo”

Na mesma senda, o autor refere ainda que apesar da estabilidade do corpus das normas aplicadas
ao contencioso administrativo a partir do princípio dos anos 30 o que permitiu o surgimento de
uma jurisprudência administrativa uniforma, a RAU não acompanhou as exigências ditadas pelo
crescimento de uma jurisdição administrativamoderna, motor da consolidação de um Estado de
Direito. A evolução recente da natureza do contencioso administrativo mais preocupado,
tendencialmente, pela protecção dos direitos subjectivos públicos dos particulares, constituiu um
factor determinante para uma reforma da RAU o que foi realizado através da Lei n° 9/2001, de 7
de Julho.”9

Como se pode perceber, a introdução da lei acima citada foi fruto de muitas motivações que
segundo o autor CISTAC, “além do comando legal que impunha uma reforma legal nesta
matéria (Artigo 46 da Lei n.º 5/92, de 6 de Maio), o direito colonial herdado não se adequava às
novas realidades do país. A Reforma Administrativa Ultramarina apresentava dificuldades na sua
aplicação, designadamente quanto à necessária celeridade processual e a melhor protecção dos
direitos subjectivos dos administrados. Além disso, as profundas alterações às atribuições do
Tribunal Administrativo, no contencioso administrativo, consagradas pela Lei n.º 5/92, de 6 de
Maio, nomeadamente, aintrodução de figuras e institutos jurídicos até então inexistentes no
quadro legal implicava uma imperiosa necessidade de se reformular o direito adjectivo, o direito
processual, de modo a que o direito substantivo seja melhor agilizado ou servido.

8
Um reformar profunda era necessária o que foi, efectivamente, realizado com aprovação da Lei
n.º 9/2001, de 7 de Julho sobre o Processo Contencioso Administrativo”, já na vigência da
Constituição de 1990.

Mesmo assim, o mundo jurídico é dinâmico facto que provou que a Lei n° 9/2001, de 7 de Julho,
não se mostrou eficiente até no ano 2013 o que levou a sua alteração através da nova Lei n°
7/2014, de 28 de Fevereiro. Contudo, o preâmbulo desta lei não clarifica o erro que se pretende
resolver com a introdução da lei nova, prescrevendo de forma contundente de que a frase
“havendo necessidade de simplificar os procedimentos atinentes ao processo administrativo
contencioso”, o que demonstra que a lei antiga já estava desajustada aos parâmetros actuais.

A lei 7/2014 é uma lei que para além de simplificar alguns procedimentos manteve algumas
expressões das leis que a antecederam sobretudo no que diz respeito às garantias dos
administrados quanto a recorribilidade dos actos administrativo ao manter a teoria da
definitividade do acto, conforme mais adiante tratar-se-á.

1.5.3. O silêncio da Constituição de 1975 sobre a recorribilidade dos actos administrativos

A Constituição de 1975 foi a primeira de Moçambique pós independência e como resultado, a


maior preocupação da mesma estava ligada ao alavancamento da economia nacional,
introduzindo políticas marxista e leninista que não se coadunavam com a justiça administrativa.
Apesar de vigorar, nesta época, a RAU, não se pode falar nessa altura da existência dos tribunais
administrativo e consequentemente das garantias efectivas dos administrados quanto ao recurso
contencioso, pois, nessa altura os tribunais estavam subordinados ao poder político embora
estivessem inseridos no título III como órgãos de Estado10.

Já, quanto a relevância das questões em discussão nesse artigo científico, dificilmente se pode
vislumbrar a existência de mecanismos que permitam a sindicância dos actos administrativos,
mormente, sobre a definitividade e executório ou a consagração da teoria dos actos lesivos
porque não se podia falar da existência dos tribunaisAdministrativos, pois, segundo o autor

______________________
9
CISTAC, Gilles. História do direito processual administrativo contencioso moçambicano. P.34-35.
10
Sobre órgão de Estado, confira título III da Constituição da República Popular de Moçambique.

9
ALFREDO CHAMBULE, “a única referência que se fazia nesta Constituição e nesta matéria,
era a existência do Tribunal Popular Supremo, como sendo o mais alto órgão judiciário com
jurisdição em todo território nacional”11

Ainda que existissem os Tribunais Administrativo com competências para dirimir conflitos em
matéria administrativa, estava em peso, nessa altura, a doutrina defendida por MARCELO
CAETANO, segundo a qual, “o recurso contencioso de anulação cabia apenas dos actos
administrativos, strictu sensu, quando praticados por autoridades cujos actos admitiam recurso
contencioso, desde que fossem, actos externos e tivessem carácter definitivo e força
executória”12, ou seja, partia-se, da noção de acto administrativo definitivo e executório.

Na mesma senda, o mesmo autor justificava que “antes da prática de um acto definitivo e
executório, a Administração Pública ainda não disse a sua última palavra. Ou, se disse a última
palavra, a mesma poderá ser revogada, suspensa ou modificada nos termos admissíveis no
Direito Administrativo.13

Portanto, essa ideia de definitividade de actos administrativos influenciou vários ordenamentos


jurídicos e, conforme referiu-se atrás, Moçambique não ficou à margem dessa teoria,
consubstanciado pelo facto ter a RAU em vigor e a determinar que não eram susceptíveis de
recurso de recurso contencioso “os actos, decisões ou deliberação sem carácter definitivo; os
actos decisões ou deliberações que apenas representem a confirmação de outros de que não
houve reclamação ou recurso no prazo legal e os actos, decisão e deliberações que a lei
expressamente declara insusceptíveis dessa apreciação”14.

__________________________
11
CHAMBULE, Alfredo. As Garantias dos Particulares. Imprensa Universitária. Universidade
Eduardo Mondlane. Maputo. 2002. p 127.

12
CAETANO, Marcelo. Manual de Direito Administrativo. Vol. II. Almedina. Coimbra. 1991.
p. 428

13
Idem, p. 1332
14
Cfr. artigo 650 da Reforma Administrativa Ultramarina (RAU)

10
De igual modo, estabelecia no artigo 684 que “aqueles que, expressa ou implicitamente, se
tenham conformado com os actos, decisões ou deliberações não têm legitimidade para deles
reclamar ou recorrer, salvo se, por expressa disposição legal, forem obrigados a interpor
recurso ou reclamação”.

Por todo exposto, conclui-se que para além de não se falar de Tribunais Administrativos, na
Constituição de 1975 estava em rigor o princípio da exaustão dos meios graciosos nos termos da
Reforma Administrativo Ultramarino.

Portanto, a Constituição de 1975 não tinha expressão relativamente a Administração Pública,


principalmente na faculdade de recurso contencioso dos actos administrativos que, sendo lesivos,
não eram definitivos.

1.5.4. Constituição de 1990

A Constituição de 1990 rompeu na sua totalidade o regime implantado na Constituição de 1975


atendendo às novas forças e dinâmica da evolução dos tempos, as ideias marxistas implantados e
a sucessão das leis por força da Constituição da República Popular de

Moçambique, já não se compaginavam com um Governo virada somente ao desenvolvimento


económico sem atenção aos sistemas repressivos de certas condutas que envolvesse a
Administração Pública.

Pode se perceber que é a Constituição que trás uma virada incondicional para as instituições
jurisdicionais, consagrando com clareza a existência dos Tribunais Administrativos como
instituição vocacionada em dirimir conflitos de índole administrativo, concebendo o cidadão
como titular de vários direitos, liberdades e garantias, e ainda, consagrando como princípio
estruturante do sistema de justiça o acesso aos tribunais.

Esta Constituição, substituindo a concepção antiga, foi sobreposta um regime de Estado de


Direito de democracia popular, nas vertentes socialistas, para um regime de Estado de Direito
Democrático. Segundo PEDRO SINAI NHATITIMA, a Constituição de 1990 surge numa
conjuntura histórico-política demarcada no plano externo, como no plano interno. No plano
externo destaca-se as transformações políticas, económicas e sociais que se registaram nos países
socialistas do Leste europeu, a partir de 1985. E no plano interno, encontra-se em referência a

11
necessidade, por um lado, de funcionamento das instituições do Estado, de acordo com os
princípios democráticos do tipo ocidental e, por outro, a preocupação em encontrar caminhos,
rumo à reconciliação nacional, que passam, necessariamente, pelo pluralismo e tolerância
política15.

Nesse sentido, a Constituição de 1990 institui um modelo de Estado que para além de
democrático é também Estado de Direito Social. Esta Constituição consagra vários princípios de
defesa da própria Constituição e de elevação do Estado de Direito na sua plenitude.

Neste sentido, a Constituição de 1990, “democrática e pluralista, elimina a referência ideológica


marxista-leninista e o monismo político-partidário, estabelecendo claramente a nova estrutura
democrática, a liberdade política e a consagração dos direitos fundamentais”16. Dentre esses
direitos fundamentais destacam-se o acesso a justiça, a defesa e a resistência contra os actos
ilegais.

Foi através da Constituição de 1990 que deu azo para implementação dos tribunais
administrativo através da criação da primeira lei orgânica do Tribunal Administrativo, a Lei n°
5/92, de 6 de Maio. No preâmbulo da mesma lei, consagrou-se os objectivos da sua criação
nomeadamente, julgar as acções que tenham por objecto litígios emergentes das relações
jurídicas administrativo, julgar os recursos contenciosos interpostos das decisões dos órgãos do
Estado, dos seus titulares e agentes e apreciar as contas do Estado.

Consubstancia esse entendimento quando o n° 1 do artigo 173 da Constituição de 1990, segundo


ALFREDO CHAMBULE, veio constitucionalizar o controlo da legalidade da acção
administrativa através da instituição do Tribunal Administrativo. Refere ainda que a competência
do tribunal Administrativo não é especial ou excepcional em face aos tribunais judiciais,
tradicionalmente considerados como tribunais ordinários ou comuns. O Tribunal Administrativo
é, antes de mais nada, um tribunal ordinário de justiça administrativa17.

___________________________
15
Esta concepção é retirada da obra disponível em Jurisprudência do Conselho Constitucional:
«http://www.cconstitucional.org.mz/». Com o tema Separação dos Poderes e Independência do
Conselho

12
1.5.4.1. Recorribilidade dos actos a luz da Constituição de 1990

Em matéria de recorribilidade dos actos, mormente a questão desaber que tipos de actos são
passíveis de apreciação contenciosa a luz da lei ordinária e dos comandos constitucionais, refere
ALFREDO CHAMBULE que uma viragem completa viragem completa foi operada pela
Constituição de 1990. Com efeito, o artigo 81 desta Constituição, veio consagrar o princípio de
que todo o cidadão pode impugnar os actos que violem os seus direitos estabelecidos na
Constituição e demais leis; para o artigo 82 consagrar que o cidadão tem o direito de recorrer aos
tribunais contra os actos que violem seus direitos reconhecidos pela Constituição e pela lei.
Deste modo, o direito de recurso consagrado na Constituição pelo seu artigo 82 representa na
área do contencioso administrativo, a constitucionalização deste tipo de recurso no que refere ao
particular, cujo direito reconhecido pela Constituição e demais leis se mostre violado, por um
lado, e pelo direito do acesso aos tribunais, constitucionalmente consagrado nos termos da
primeira parte do número 1 do artigo 100, por outro18.

Salienta que “só no número 1 do artigo 173 da Constituição e na Lei número 5/92, de 6 de Maio
é que encontramos referência ao acto administrativo, mas este não é referido como acto
definitivo e executório”. A Constituição de 1990 bebeu dos ensinamentos mais modernos sobre a
matéria. Na verdade, hoje em dia, a definitividade e a executoriedade do acto, já não são
considerados pressupostos para o recurso jurisdicional. O que se tem exigido - é que haja um
verdadeiro acto administrativo, que não é mais do que uma decisão tomada por uma autoridade
no uso dos seus poderes jurídico administrativos, com vista a produção de efeitos jurídicos.

Assim, a definitividade vertical e horizontal do acto impugnado já não são um pressuposto


processual para a interposição do recurso jurisdicional. Deste modo, o recurso hierárquico
administrativo tem de ser meramente facultativo, sendo constitucionalmente duvidoso que a lei
possa estabelecer um recurso hierárquico obrigatório.19 Portanto, vislumbra-se uma autêntica
desconformidade do artigo 27, n° 1, da Lei n° 9/2001, de 7 de Julho (lei do processo contencioso
administrativo) ao consagrar que só é admissível recurso contencioso dos actos definitivos e
executório, com as disposições constitucionais supra citados.

13
1.5.5. A Constituição de 2004

Fruto de mudanças radicais que embora estabelecidas na Constituição de 1990, a revisão


constitucional ocorrida em 2004 veio cristalizar quase todos os princípios plasmados na primeira
Constituição democrática, prevendo mecanismos fortes para a defesa dos administrados nos
conflitos com a Administração Pública.

A maior novidade desta Lei mãe é a consagração do princípio da tutela jurisdicional efectiva e da
plena jurisdição dos Tribunais Administrativos, ao referir que “é assegurado aos cidadãos
interessados o direito ao recurso contencioso fundado em ilegalidade dos actos administrativos,
desde que prejudiquem os seus direitos”20.

Como se não bastasse, através do artigo 214 estabelece que “nos feitos submetidos a julgamento
os tribunais não podem aplicar leis ou princípios que ofendam a Constituição”. Aqui, vigora o
princípio da não aplicação das normas inconstitucionais o que subsumindo e conjugando com o
preceito anteriormente citado conclui-se que em nenhum momento os tribunais devem permitir
que leis ordinárias limitem o cidadão de recorrer contenciosamente dos actos administrativos
produtivos de efeitos jurídicos, ou lesivos, mesmo não sendo definitivos.

Também resulta do princípio da tutela jurisdicional efectiva que a sua aplicação comporta várias
dimensões, entre elas a dimensão petitória no sentido de que a condição primária da tutela
jurisdicional efectiva, traduz-se no reconhecimento do direito de apresentação em juízo de todo o
tipo de pedido e de utilizar o correspondente meio processual.21

Ainda, através desse princípio, confere-se aos tribunais “amplos poderes de pronúncia, incluindo
os de condenar a Administração ou dirigir a esta injunções”22

______________________________

16
GOVEIA, Jorge Bacelar. Reflexão sobre a próxima revisão da Constituição moçambicana de
1999. P. 5. Apud. CHUVA, António et al. Estudos de Direito Constitucional Moçambicano –
Contributos para Reflexão. CFJJ. 2012. P. 140 a 141
17
Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa – Anotado– 3.
Edição revista, Coimbra Editora, 1993. Apud CHAMBUL, Alfredo. Ob cit
18
CHAMBULE, Alfredo. Ob cit. p. 128
19
Idem. p. 129
14
Percebe-se deste modo, que a Constituição tutela efectivamente os lesados quando são praticados
actos administrativos, dando faculdade de optar ou por via de uma impugnação graciosa ou, sem
nenhuma limitação optar por via do recurso contencioso contra os actos praticados pela
Administração.

A Constituição de 2004 estabelece uma série de garantias e, nas palavras do professor Diogo
Freitas do Amaral, as garantias constitucionais do direito ao recurso contencioso abrange:

a) A proibição de leis ordinárias declarar irrecorríveis certas categorias de actos definitivos e


executórios;

b) A proibição de leis ordinárias reduzir a impugnabilidade de determinados actos a certos


vícios.

1.5.5.1. Recorribilidade dos actos administrativo na Constituição de 2004

Conforme ficou patente atrás, a Constituição de 2004 estabelece um conceito de acto impugnável
que não suscita dívida, conforme o n° 3 do artigo 253. No mesmo diapasão, estabelece o n° 3 do
artigo 153 da Lei n° 14/2011, de 10 de Agosto\ que “é assegurado aos cidadãos interessados o
direito do recurso contencioso fundado em ilegalidade dos actos administrativos, desde que
prejudiquem os seus direitos”, contudo, essa possibilidade de agir contenciosamente contra os
actos lesivos praticados por órgãos da Administração está condicionada aos termos estabelecidos
na lei do processo contencioso administrativo, conforme prevê o n° 4 do artigo retro.

Já, a actual lei do processo contencioso administrativo restringe o conceito de acto administrativo
para efeitos de impugnação pressupondo que sejam definitivos e executórios ao estabelecer,
noartigo 33 sob epígrafe “actos recorríveis” que “só é admissível recurso dos actos definitivos e
executórios”.

____________________________

20
Cfr. n° 3 do artigo 253 da Constituição actual
21
BRITO, Wladimir. Lições de Direito Processual Administrativo. 2ª Edição. Coimbra
Editora.2008. p.117

22
Idem. p. 119
15
A semelhança do que ficou assente ao tratar-se de recorribilidade e actos na Constituição de
1990, resulta claro-evidente a revisão constitucional operada em 2004 cristalizou os direitos,
liberdades e garantias fundamentais ao prever em várias disposições constitucionais mecanismos
de efectividade de tais direitos o que, para não se repetir, chama-se para esta parte os argumentos
apresentados no subtítulo anterior.

Contudo, deve ficar assente que foi através desta Constituição que o legislador ordinário revogou
a anterior Lei n° 9/2001, de 7 de Julho, introduzindo a nova lei do processo administrativo
contencioso (Lei n° 7/2014, de 28 de Fevereiro) que se espera que com a mesma pudesse ser
ultrapassada a contenda que se levantava, justamente nas disposições que limitavam o cidadão de
acesso aos tribunais. Na verdade, nada mudou, porque manteve o mesmo raciocínio da
definitividade e executoriedade dos actos administrativo para efeitos de recursos, colocando as
actuais disposições constitucionais em crise já que é posta em causa o princípio da supremacia
constitucional previsto no n° 4 do artigo 2 da Constituição da República de Moçambique

16
2.Considerações finais

A questão da evolução do contencioso administrativo tem uma ligação estrita com o surgimento
dos tribunais administrativo, sendo certo que não é possível tratar do tema do contencioso
prescindindo o órgão competente para dirimir tais conflitos.

Moçambique conhece do surgimento e, de certo modo, a evolução do contencioso ou dos


tribunais administrativos a partir da história portuguesa que influencio bastante para as suas
colónias. Nesta perspectiva, com a introdução da reforma administrativa ultramarina percebeu-se
a questão fundamental sobre a possibilidade de impugnação de actos administrativos por parte
dos administrados constituía uma garantia fundamental, contudo, o regime estabelecido na
referida legislação limitava a impugnação de actos que não fossem definitivos e executórios.

A reforma de 2001 contribui para simplificar as relações tanto contenciosas como não
contenciosas “susceptíveis de se estabelecer entre os administrados, utentes dos serviços públicos
e particulares em geral, e as administrações do Estado ao nível central e local e administrações
autárquicas.”

Em 2004, a Constituição foi mais claro sobre as matérias susceptíveis de recurso, consagrando a
teoria de acto lesivo, mesmo assim, foi aprovado a nova lei do contencioso (Lei n° 7/2014, de 28
de Fevereiro), com isso, nada mudou o que nos leva a concluir sobre a inconstitucionalidade de
todas as normas que condicionam a definitividade do acto administrativo, sem qualquer tipo de
dúvida, que Moçambique é um país com regime administrativo em que a Administração Pública
está sujeita a normas jurídicas diversas das do Direito Privado e onde existe uma jurisidição
administrativa especializada.

17
3.Referências Bibliográficas

ANDRADE, José Carlos Vieira de – A Justiça Administrativa, 13.ª ed., Coimbra, Almedina,
2014.

AMARAL, Diogo Freitas do. Direito Administrativo. Vol. IV. Lisboa. 1988.

CHAMBULE, Alfredo. As Garantias dos Particulares. Imprensa Universitária. Universidade


Eduardo Mondlane. Maputo. 2002.

Guite, Isolda, Manual de Contencioso Administrativo e Tributário/ISCED, Beira. 2017.

Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa – Anotado– 3. Edição


revista, Coimbra Editora, 1993. Apud CHAMBUL, Alfredo. Ob cit CAETANO, Marcelo.
Manual de Direito Administrativo. Vol. II. Almedina. Coimbra. 1991.

CISTAC, Gilles. O Direito Administrativo em Moçambique. Workshop onadministrative law.


Hotel Cardoso, Mozambique. April 2009. História do direito processual administrativo
contencioso moçambicano.

GOVEIA, Jorge Bacelar. Reflexão sobre a próxima revisão da Constituição moçambicana de


1999

VIOLANTE, Teresa – Os recursos jurisdicionais no novo contencioso administrativo, O


DIREITO, Ano 139, IV, Coimbra, Almedina, 2007.

Wladimir. Lições de Direito Processual Administrativo. 2ª Edição. Coimbra Editora.2008.

https://modeloinicial.com.br/artigos/contencioso-administrativo, disponível em 18/05/2023, às


14: 30 min

Legislação

Constituições de 1975, 1990, 2004

Lei n° 9/2001, de 7 de Julho

Lei n.º 5/92, de 6 de Maio

Lei n° 7/2014, de 28 de Fevereiro.

Cfr. artigo 650 da Reforma Administrativa Ultramarina (RAU)

18

Você também pode gostar