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Universidade Católica de Petrópolis

Centro de Teologia e Humanidades


Licenciatura em História

RESENHA: A VIDA POLÍTICA


JOSÉ MURILO DE CARVALHO

A CONSTRUÇÃO NACIONAL (1830-1889)

JOSÉ ÂNGELO COSTA DE ALMEIDA


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A conjuntura política pós Primeiro Reinado pode ser compreendida, segundo a ótica de
José Murilo de Carvalho em A vida política, com base em três períodos distintos. O pri-
meiro se inicia a partir da abdicação de d. Pedro I, em 7 de abril de 1831, e se estende até
1850. Ao longo do seu governo, o imperador acumulou discórdias com grupos liberais por
meio de medidas como a dissolução da Assembleia Constituinte de 1823; a outorga da
Constituição do Império de 1824, sem que tenha havido votação dos constituintes. Outras
ações fomentaram o agravamento da crise interna tais como o conflito pela manutenção
da Banda Oriental e a briga dinástica travada com o irmão, d. Miguel, acerca do trono por-
tuguês.
De fato, conforme elucida Carvalho, prevalecia uma insatisfação da população em geral
com relação ao despotismo enraizado no governo de Pedro I. A carta magna imperial sur-
giu, pelo menos na teoria, com ideais liberais, mas, na prática, só veio a consolidar o auto-
ritarismo exercido pela administração monárquica na figura do soberano, que em virtude
do contexto de instabilidade política, optou por abdicar do trono em favor do filho, Pedro
de Alcântara, na época, com apenas 5 anos de idade. O episódio marcado pela resignação
de d. Pedro simbolizou, decerto, a vitória da ala liberal ante forças absolutistas. Outrossim,
em que pese a menoridade do futuro d. Pedro II, e consequentemente a imediata impossi-
bilidade de suceder ao pai no trono, estabelece-se a Regência, momento de maior agitação
e incertezas de toda a trajetória do Império brasileiro.
Quando a sociedade tomou ciência de que o imperador havia anunciado sua abdicação,
apesar da lentidão na chegada da notícia em todo o território nacional, dada a gigantesca
extensão espacial do país, cresceu no âmago de parte da população um sentimento de en-
tusiasmo. Finalmente, o Brasil se autogovernaria sem a ingerência do monarca. Doravan-
te, sucederam-se nas províncias centrais uma série de conflagrações, muitas das quais de-
rivadas do antilusitanismo externado por correntes liberais ou adeptas do regime republi-
cano. Em 1835, a Bahia foi palco de uma rebelião organizada por escravos malês na capital
Salvador, mas logo contida pelas forças governamentais. Resultou não obstante na morte
de ao menos cinquenta insurgentes (Carvalho, In: Carvalho, 2012:87-88).
Na província do Grão-Pará eclodiu entre 1835 e 1840 uma grande revolta de apelo popu-
lar que ficou conhecida como Cabanagem. Procedente de embates outrora envolvendo libe-
rais e portugueses, o movimento revolucionário reuniu indígenas e escravizados. Compe-
tiu a Eduardo Angelim, jovem seringueiro, liderar os sublevados, que ocuparam a capital
Belém e proclamaram a independência da província. Tendo como alvo principalmente ho-

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mens brancos, acima de tudo lusitanos, a Cabanagem surgiu contrapondo-se “a opressão
secular” que, na visão dos propagadores, vitimou-lhes por bastante tempo. Valendo-se das
palavras de Magda Ricci:

A história da Cabanagem de longa data foi feita sob a premissa da forma-


ção da nacionalidade brasileira. O movimento cabano, que eclodiu e se de-
senvolveu entre 1835 e 1840 no Grão-Pará, desde o Segundo Reinado foi
visto como prosseguimento das guerras da independência no norte (Ricci,
In: Grinberg e Salles, 2020:187).

A exemplo do Grão-Pará, o Rio Grande do Sul vivenciou uma revolta, a Farroupilha, de-
flagrada em 1835 por estancieiros descontentes com o governo regencial. Com uma econo-
mia estruturada pela produtividade do charque, a província gaúcha possuía o domínio dos
proprietários de enormes estâncias que gozavam dos privilégios adquiridos pela anexação
da Banda Oriental. O estopim da sublevação deu-se a partir da designação de um presiden-
te para o Rio Grande do Sul, posteriormente deposto. Um dos cabeças da convulsão era o
militar Bento Gonçalves, responsável pelo comando das tropas farroupilhas que ocuparam
a cidade de Porto Alegre e declararam a independência da província em setembro de 1836,
fundando a República de Piratini. Os estancieiros reivindicavam maiores benefícios para o
charque no mercado nacional (Carvalho, In: Carvalho, 2012:91-92). A guerra se prolongaria
até 1845, terminando na sequência da assinatura do Tratado de Poncho Verde, através do
qual os rebeldes teriam várias de suas concessões atendidas pela administração imperial.
Cabe aqui salientar que embora contando com a participação de homens livres e pobres, a
Farroupilha se distinguia por ser uma rebelião liderada pela elite (Dolhnikoff, 2020:61).
Em Salvador, o médico Sabino Barroso liderou um levante, em novembro de 1837, que
estourou nos quartéis soteropolitanos. A Sabinada culminou na destituição do presidente
da província e na declaração de emancipação da Bahia tutelada pela Câmara Municipal da
capital. Foi um motim de curta duração. Em 1838, os amotinados caíram diante das forças
imperiais. Salvador já tinha sido cenário de outra agitação em 1835, a revolta de escravos ma-
lês. Ainda no Nordeste, na província do Maranhão, adveio a Balaiada, uma rebelião popular
decorrida entre 1838 e 1841. Principiou-se devido “às disputas entre liberais e conservado-
res em consequência do aumento do poder dos presidentes de província introduzido pelo
Ato Adicional” (Carvalho, In: Carvalho, 2012:94).
Analisando os atos insurgentes mencionados nos parágrafos antecedentes, podemos di-
zer que em certa circunstância, a unidade política e territorial do Brasil esteve seriamente

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ameaçada de desintegração. Defronte um país convulsionado pelo iminente risco de repe-
tir a fragmentação que assinalou o aparecimento das repúblicas hispano-americanas, o go-
verno, tencionando a manutenção da ordem, logo tratou de reprimir a ação dos grupos se-
paratistas radicais, sem embargo, o gabinete precisou implementar reformas nas institui-
ções monárquicas.
Os conservadores conseguiram uma eloquente vitória no Parlamento com a aprovação
de uma interpretação do Ato Adicional, acarretando uma significativa diminuição da auto-
nomia dos presidentes provinciais.

Os liberais, temendo outras reformas, tentaram preveni-las recorrendo a


uma causa popular, embora mais próxima dos conservadores, qual seja, a
antecipação da maioridade do imperador que, pela Constituição, só se da-
ria em dezembro de 1843. O movimento teve o apoio entusiasta da popula-
ção da Corte. Consultado sobre a antecipação, d. Pedro, então com 14
anos, aconselhado por seu tutor e mestres, concordou. Em meio a grandes
festas, a maioridade foi formalmente sancionada pela Assembleia Geral.
Em reconhecimento, os liberais foram chamados ao governo (Carvalho,
In: Carvalho, 2012:96-97).

Com o Golpe da Maioridade de 1840 e o consenso do próprio imperador, d. Pedro II po-


de enfim assumir o trono brasileiro, para tanto, nomeando um corpo ministerial compos-
to por integrantes do Partido Liberal. Este acontecimento marcaria oficialmente o término
da Regência e o começo do Segundo Reinado. Neste âmbito, há a preponderância do Poder
Moderador, graças ao curto espaço de tempo do gabinete liberal no governo, o retorno dos
conservadores e a aprovação de medidas para robustecer a centralização política. Isto pos-
to, o Conselho de Estado, outrora extinto pelo Ato Adicional, é recriado em 1841. Ademais,
previa-se a realização de uma reforma no Código de Processo Criminal, criado em 1832, no
entanto, caracterizado por ser sobejamente liberal.
Juridicamente falando, o Poder Moderador era exclusivamente uma atribuição do impe-
rador, portanto, durante a administração regencial, deixou de ser exercido. Quando d. Pe-
dro II passou a reinar plenamente, o quarto poder novamente foi utilizado, tanto que, por
intermédio dele, o monarca dissolveu a Câmara dos Deputados (Dolhnikoff, 2020:90). Em
suma, o Poder Moderador destinava-se essencialmente a proporcionar um equilíbrio para
os demais poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Sendo uma prerrogativa constituci-
onal, permitia uma demasiada concentração de poder ao imperador e era justamente isso
que preocupava os liberais. A bem da verdade, temiam ficar de fora do jogo político peran-

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te a ascensão dos conservadores. Para tanto, decidiram pegar em armas e se rebelar. As re-
voltas foram engendradas por lideranças do Partido Liberal e sacudiram as províncias cen-
trais de São Paulo e Minas Gerais em 1842, entretanto, não tinham natureza emancipacio-
nista como os movimentos da Farroupilha, Sabinada e Balaiada.
Tendo em vista que o Segundo Reinado se principia doravante a maioridade do impera-
dor, foquemos agora na próxima fase da vida política da monarquia definida no texto por
José Murilo de Carvalho. Entre 1850 e 1875, o Império atinge o ápice. Nesse recorte tempo-
ral dá-se o fim do tráfico de escravos, com o acolhimento, pelo Parlamento, da nova lei de
abolição em 4 de setembro de 1850; a estipulação da Lei de Terras, visando regimentar a
estrutura fundiária pela alienação de terras públicas para viabilizar a contratação de traba-
lhadores europeus em substituição a mão de obra escrava; a criação do Código Comercial;
a reforma da Guarda Nacional; a Guerra do Paraguai; o manifesto republicano e a promul-
gação da Lei do Ventre Livre.
O cotidiano da política nacional, de 1853 a 1862, esteve pautado no que, de acordo com
o autor, se identifica como conciliação partidária, sucedendo à predominância dos conser-
vadores. Até 1868, o Partido Liberal permaneceu no poder, antecedendo, por conseguinte,
ao Partido Conservador, novamente na dianteira. O alvoroçado ambiente político do Brasil
ficaria de lado com o envolvimento do país em mais um conflito, desta vez, internacional.
Em 1864, o Estado imperial brasileiro, junto com a Argentina e o Uruguai, passa a compor
a Tríplice Aliança na Guerra do Paraguai. As três nações sul-americanas uniram-se em prol
da luta contra o presidente paraguaio Francisco Solano López, ditador que havia declarado
guerra ao Brasil, após apreender o navio mercante Marquês de Olinda e invadir a província
do Mato Grosso. Ao findar a sangrenta batalha na região platina, o Brasil sofreu com os al-
tos custos pelo engajamento no embate. Para o governo de d. Pedro II, a única alternativa
seria elevar os impostos e conter as despesas da máquina pública.
No período pós-Guerra do Paraguai, as atenções se voltaram para a temática da escravi-
dão. Em 1871, o imperador partiu para a sua primeira viagem à Europa, concretizando um
antigo desejo. No Rio de Janeiro, em razão da ausência do reinante, a princesa Isabel ficou
a cargo de reger a chefia de Estado. Ocupando a presidência do Conselho de Ministros, Jo-
sé Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco.

Rio Branco utilizou um projeto já discutido no Conselho de Estado que


propunha como primeira medida emancipacionista a libertação do ventre
escravo. Contrariando a antiga regra do direito romano, partus sequitur ven-

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trem, o projeto declarava livres todos os filhos de escravas que nascessem a
partir da promulgação da lei. Na Câmara, que era na época unanimemen-
te conservadora, houve feroz oposição ao projeto. Em várias ocasiões re-
gistraram-se tumultos no plenário. O presidente do Conselho pronunciou
21 discursos nas duas casas legislativas tentando Convencer deputados e
senadores. Uma das acusações ao projeto foi a de que era de inspiração do
imperador e não das câmaras, que era ordem que vinha do alto. Até mes-
mo os republicanos em seu jornal A República aderiram à Crítica. Os pro-
prietários de escravos das províncias cafeicultoras, Rio de Janeiro, São Pau-
lo, Minas Gerais e Espírito Santo, manifestaram-se em representações ao
Parlamento e em “a pedidos” na imprensa. A Câmara recebeu 33 represen-
tações, o Senado, trinta, algumas com mais de seiscentas assinaturas. Com
muito poucas exceções, essas manifestações eram contrárias ao projeto.
Na capital, uma reunião com seiscentos participantes decidiu criar o Clu-
be da Lavoura e do Comércio com o fim de combater a proposta. Um repu-
blicano de Minas Gerais, Cristiano Otoni, foi escolhido para representar o
Clube. O principal argumento dos opositores, dentro e fora do Congresso,
era que a lei tirava a força moral dos senhores, tornava-os odiosos e, em
assim fazendo, incentivava a rebelião e a violência dos escravos. (Carvalho,
In: Carvalho, 2012:111-112).

Chegamos, afinal de contas, a terceira etapa da vida política no Império, compreen-


dendo o quartel que vai de 1875 à proclamação da República, em 15 de novembro de 1889.
Esta fase é marcada pelo declínio da legitimidade do regime monárquico brasileiro. Se-
gundo Carvalho, uma das causas determinantes da decadência do Brasil Império foi a re-
forma no sistema eleitoral, na expressão usada pelo autor, indo na contramão, pois aca-
bou reduzindo a representatividade do Parlamento graças ao projeto de eleição direta, tor-
nado lei em 1881. Outro fator da crise é datado de 28 de dezembro de 1879, tendo como ce-
nário o Rio de Janeiro. As passagens dos bondes da cidade tiveram o valor reajustado por
iniciativa do governo central gerando insatisfação popular. Manifestantes se posicionaram
na frente do palácio de São Cristóvão para reivindicar a extinção do imposto. A Revolta do
Vintém, assim denominada a mobilização, contou com o fomento dos republicanos. Ape-
lando para atitudes mais enérgicas como a destruição dos equipamentos, os revoltosos ob-
tiveram êxito. D. Pedro II atendeu as solicitações e revogou a lei, mas o evento trouxe um
enorme desgaste ao gabinete ministerial.
A abolição da escravidão e o advento dos militares como um ator político contribuíram
para acelerar o colapso da monarquia. No primeiro caso, a militância do movimento aboli-
cionista serviu de grande contributo para extinguir definitivamente a atividade no país. A
Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, no dia 13 de maio de 1888, poria um ponto final a
um nefasto capítulo da história do Brasil, iniciado nos longevos tempos coloniais. Com re-

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lação aos militares, partiria deles o planejamento de uma conjuração que defluiu no golpe
de 15 de novembro de 1889, tendo a frente o major Benjamin Constant. Com ativa mobili-
zação dos oficiais do Exército, os conspiradores tentaram trazer para dentro do movimen-
to um eminente abolicionista, mantenedor da fidelidade a d. Pedro II. Tratava-se do mare-
chal Deodoro da Fonseca, encarregado de proclamar a República na data mencionada.
Aproveitando instantes de descanso em sua residência de verão em Petrópolis, o impe-
rador, quando soube da informação de que o republicanismo havia sido conclamado, pou-
co crédito deu ao fato, mas tão logo desceu a Serra Fluminense para regressar ao Rio de Ja-
neiro. D. Pedro recebeu a intimação de que deveria se retirar do Brasil junto com seus fa-
miliares em 17 de novembro, partindo com destino a Lisboa onde o sobrinho, d. Carlos I, o
recepcionou (Carvalho, In: Carvalho, 2012:125-128).

BIBLIOGRAFIA:

CARVALHO, José Murilo. A vida política. In: CARVALHO, José Murilo. A construção nacional
(1830-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, pp. 83-130.
DOLHNIKOF, Miriam. História do Brasil Império. São Paulo: Contexto, 2020.
RICCI, Magda. Cabanos, patriotismo e identidades: outras histórias de uma revolução. In:
GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo. O Brasil Imperial, volume II – 1831-1870. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2020, pp. 185-231.

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