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Resumo
Entre 1831 e 1840, o Império do Brasil foi governado por regências. O primeiro
imperador, d. Pedro I, que havia assumido a direção do país em 1822, quando de sua
popular em 7 abril de 1831. O período que tem início com este episódio foi marcado por
uma série de revoltas, que envolveram setores ampliados da sociedade: escravos, índios,
Nem todas as revoltas, porém, amalgamaram em suas fileiras grupos sociais tão
distintos, menos ainda foram aquelas que tiveram à sua frente lideranças populares. A
Piauí, foi uma dessas revoltas. De caráter multifacetado, contou – ainda que em fases
conduzida por líderes caboclos (perfil típico do norte do Brasil, que vive do trabalho na
Esses homens lutavam pela liberdade e por seus direitos de cidadão, discurso
que vinha sendo amplamente mobilizado pelas elites letradas desde a independência.
praça pública, no Rio de Janeiro, sede da corte imperial.1 Ainda que urdido no
uma ampla frente contra d. Pedro I, o movimento fazia emergir nas ruas da cidade uma
diversidade de atores sociais ávidos por participar. Camadas pobres, brancos, pretos e
pardos, livres e libertos, entraram nessas disputas, produzindo leituras próprias dos
fatos.2
entre os grupos mais organizados (os partidos políticos só foram criados em 1837),
ruas da corte, foram alijados da montagem do governo regencial e, como o voto era
– mesmo com nuances – uma sociedade mais justa e igualitária, uma melhor
cidadania.3
2
a soberania monárquica em detrimento da nacional ou popular. Interessante é que, na
partiram para a luta armada e, com essa estratégia, lideraram motins entre 1832 e 1833.
liberdade restritiva, entendida apenas como direito de impor limites ao Estado. Uma
Não previam debates sobre ampliação da participação política. A “rua” era a escória, a
foi impiedosa. Seis meses após o 7 de abril, as cadeias da cidade estavam lotadas de
presos políticos e várias lideranças exiladas. Todavia, a crise estava longe de ser
Balaiada foi uma delas e, quando a guerra rebentou, em 1838, a conjuntura já era outra.
A fim de abrir espaço para esse novo projeto político, o Regresso Conservador –
3
Brasil às experiências do terror francês e do haitianismo, lutava sistematicamente no
reformas, bem como a reorganização das antigas a partir dos princípios centralizadores,
orientava Paulino José Soares, grande jurista do Partido – era "preciso calar as vozes
década de 1830, era a Farroupilha. Tendo irrompido em 1835, apenas um ano depois,
Grandense. Todavia, esse não era o único movimento que ameaçava a ordem imperial.
particular: ele não só reuniu em suas fileiras – ainda que de forma efêmera –
lideranças populares.
4
As gentes do Maranhão e sua história
expansão das grandes lavouras de algodão e arroz, fomentadas pelo mercado europeu,
ocorreu na virada para o século XIX e, logo em seguida, com a crise de 1817, entrou em
declínio. Durante esses anos, houve uma entrada maciça de escravos na província, cerca
de 100 mil africanos, aproximadamente 55% da população por volta de 1822. A mão de
obra escrava era empregada ainda nas fazendas de gado, que ocupavam vastas faixas do
Parnaíba, avançando pelo Alto Mearim, Baixo Itapecuru e se estendendo daí para o sul,
margeando a fronteira com o Piauí – região conhecida como Maranhão oriental (veja
figuras 1 e 2).9
[Inserir figura 2. Fig.2: Mapa do Maranhão, 1838. Fonte: Adaptado de Mathias Röhrig
Assunção, De caboclos a bem-te-vis: formação do campesinato numa sociedade
escravista: Maranhão 1800-1850 (São Paulo: Annablume, 2018)]
Fora das áreas de plantation e criação de gado, havia vilas indígenas oriundas
das antigas missões religiosas que, em finais do século XVIII, tinham sido secularizadas
ondas de migração interna, de habitantes da região nordeste (em especial do Ceará) que
fugiam dos prolongados períodos de seca que assolavam suas terras. Depois de 1820,
crescendo, mesmo nas áreas de plantation, uma população livre pobre. Isso sem contar
5
Quando em 1838 rebentou a guerra da Balaiada, a população do Maranhão estava,
províncias, havia ainda indígenas colonizados, negros libertos e livres. Todos integrados
complementada pela pesca, coleta e caça nas matas da região, o que lhes garantia certa
autonomia.
não só criaram nova onda migratória, como alteraram a dinâmica das relações intra-elite
em 1822. Após a ruptura da corte do Rio de Janeiro, então já sob o comando do príncipe
d. Pedro (filho de d. João VI) e a corte de Lisboa, em várias regiões, como Bahia, Pará,
Piauí e Maranhão, houve resistência. No Maranhão, uma junta governativa fiel à Coroa
e às cortes de Lisboa foi formada em 1822 na cidade de São Luís e, contando com apoio
poderes absolutos, dividia a junta. Enquanto isso, a partir de março de 1823, forças
povoados do interior.10
as lutas que levaram à dissolução da antiga ordem estavam longe de ter fim. O primeiro
6
da província. Essa composição viabilizou a nova ordem política, porém, ficou muito
centrada numa aliança entre a elite de São Luís e do Baixo Itapecuru, deixando de fora
Caxias, porta de entrada para a rica região de pecuária de Pastos Bons, no sul da
província.
suas fileiras, estavam grupos subalternos, fossem eles negros livres e forros ou brancos
cidadãos.11
ainda na chave do combate a portugueses tiranos. Criava-se, assim, uma tradição de luta
pela causa liberal entre grupos subalternos no Maranhão, que se consolidou com a
sequência de governos liberais entre 1832 e 1837, iniciada após a derrubada de d. Pedro
I.
Foi nessa tradição, e no tênue equilíbrio das relações intra-elite, que a nomeação
paz, e criou outras que alteravam integralmente a correlações de forças nas províncias,
de alcance jurisdicional, a lei criou para o governo de cada comarca, um prefeito; para
7
cada termo, um subprefeito; e, nos distritos, quantos comissários de polícia o prefeito
retirados dos juízes de paz eleitos nos municípios. O executivo municipal ficava, assim,
sob domínio dos prefeitos e, como estes eram nomeados pelos presidentes de província,
Não demorou, a tradição de luta liberal foi retomada. Não apenas por setores da
elite local, mas também pela população experiente nos combates dos anos anteriores.
alguns homens, assaltou a cadeia local para libertar seu irmão, preso por homicídio.
Além do irmão, liberou outros presos. A guarda da cadeia não reagiu. Ao contrário,
aderiu ao assalto.14 Há nessa história, porém, detalhes que por muito tempo não foram
contados. A prisão do irmão de Raimundo Gomes ocorreu de forma suspeita. Ele era
vaqueiro e, quando passou pela vila de Manga, tangia com seus companheiros manadas
do patrão. O grupo foi, então, interceptado por oficiais militares, que levaram alguns
Gomes decidiu agir. Primeiro, oficialmente. Enviou ao subprefeito uma petição. Nela
conservadores) indeferiu o pedido. Só, então, Raimundo Gomes partiu para o assalto.15
era realizado à revelia e com extrema violência.16 Tratava-se de um imposto a ser pago
8
pela população pobre que, sem renda, devia servir ao Estado. Problema tão central na
vida desses homens que também se acha na raiz do levante de Manuel Francisco dos
Anjos Ferreira, o Balaio.17 O caboclo, que vivia de sua roça e dos balaios (cestos de
palha) que fazia para vender, já era velho quando viu seu filho ser algemado e levado
como recruta. Apesar da idade, não pensou duas vezes. Reuniu alguns homens e,
armados, renderam a diligência, liberando seu filho e outros recrutas. A partir daí, a
briga pessoal ganhou sentido coletivo, o caboclo andava com seus homens, por estradas
Balaio era um caboclo, que vivia do cultivo da terra e extração nas matas, Raimundo
bastante incomum. A participação dos grupos variava de acordo com a região. O núcleo
9
da revolta foi o Maranhão oriental, onde havia uma concentração de população livre de
cor. Atingiu também áreas centrais da grande lavoura no Baixo Itapecuru, bem próximo
a São Luís, onde os rebeldes foram recrutados entre escravos das fazendas, índios,
caboclos e negros livres dos povoados da região. Ainda que tenha se desenvolvido de
O rio Paranaíba, que demarca a fronteira entre o Maranhão e o Piauí, não era
quase toda o território do Piauí, tomando suas matas, vales e ribeiras dos principais rios,
além de povoações e vilas inteiras. Na verdade, foi no Piauí que houve a maior adesão
desde 1823, tendo constituído ao longo desses anos uma ampla rede clientelista.21 No
sendo identificados como defensores dos direitos dos cidadãos. Daí os rebeldes
no manifesto lançado por Raimundo Gomes logo após o assalto à prisão da vila de
10
Constituição e os direitos dos cidadãos. Em seguida, a lista deixa entrever o que – para
eles – seriam esses direitos. Exigiam a revogação da lei dos prefeitos, a fixação de
movimento. Com a nova lei, fruto da reforma conservadora, o recrutamento bem como
pelo território do Império (em 1838, as províncias do Pará, Bahia e Rio Grande do Sul
mérito regeria o acesso às instituições, inclusive, aos postos superiores das forças
militares.25
Em 1838, vendo-se como liberais (bem-te-vis), que travavam uma guerra contra
ambivalente. Se, no início, muitos aderiram, depois, quando se viram diante das forças
da legalidade, afirmaram que sua adesão tinha sido forçada pela violência dos ataques
rebeldes.26
11
O movimento seguia, assim, conduzido por lideranças populares sob o comando,
por êxitos sucessivos. Ocupando a cidade de Brejo, já abandonada por seus habitantes,
os rebeldes avançaram por várias frentes sobre Caxias e, em agosto de 1839, após quase
integrada também por políticos locais. Em seguida, enviaram uma deputação à capital
São Luís para entregar ao governo as condições para a negociação da paz. Os termos de
paz, porém, não foram aceitos e a luta prosseguiu, com o crescente aumento das fileiras
rebeldes.
decidiu lançar mão de uma antiga estratégia de força de d. Pedro I. Enviou para a região
Maranhão: o coronel Luiz Alves de Lima e Silva (futuro duque de Caxias), que chegou
O coronel Lima foi recepcionado em São Luís por autoridades de ambos os partidos –
sua estrutura escravocrata com sérias fissuras. A elite decidia superar as divergências
12
Lima não capitaneou essa disposição para iniciar de imediato o combate aos rebeldes.
Além de por fim à revolta, pretendia instituir um exercício regular de dominação, que
província deveria ser alvo de uma ação firme, orientada por princípios hierárquicos.
Como parte expressiva da elite, o coronel Lima e seu secretário acreditavam que as
deveria organizar a vida pública.31 Se, no início da revolta, proprietários foram capazes
reconheciam seu lugar social. Caberia à ação pacificadora, assim, assumir um papel
dos que haviam aderido as fileiras rebeldes e que, em sociedades civilizadas, aos
“proprietários cabe cultivar a paz, condição da riqueza”. Se, com isso, procurava
ensinar à elite como se comportar para manter essa ordem social desigual, por outro
neutro”, que estava ali não para defender partidos, mas para mostrar as vantagens da
nacionais.32
13
barato acesso ao interior da província, por onde passariam mercadorias e, junto com
elas, as forças de repressão. Só após essa ação, o coronel decidiu deixar a capital,
iniciando a guerra pelas vilas que formavam uma espécie de cinturão de proteção a São
uma fronteira social. A partir daí, as correspondências oficiais do coronel não falavam
mais dos “maranhenses”. As palavras usadas eram outras: "mestiços", "bandidos" ou,
propriedades da região.34
Desde finais de 1839, a guerra – que sempre foi composta por diferentes grupos
com seus respectivos líderes – contava com mais uma liderança. Cosme Bento da
Negro Cosme e a ação mais firme do grupo, já agigantado por numerosas adesões, data
de julho de 1840.
ministro da Guerra como era difícil manter ânimo ativo diante da formação dessa "liga
14
repressão militar, contratou espias para desfazer essa liga, despertando a “indisposição
são nominalmente citados em uma lista de "despesas secretas" do coronel Lima. Mas, o
acordo com esses chefes rebeldes não foi de rendição imediata. Antes de se
apresentarem, deveriam "bater os negros". Assim, além de obter ótimos aliados na caça
aos escravos, que conheciam bem as matas do Maranhão, o coronel Lima pretendia
ensinar aos caboclos a respeitar as fronteiras sociais. Com eles, havia acerto possível.
Pedro I). O fato tensionou a fase final da pacificação. Um mês após assumir o trono, no
dia 22 de agosto, d. Pedro II assinou um decreto amplo de anistia. No mesmo dia, uma
cópia foi enviada para o Maranhão. Preocupado com o teor do decreto, o coronel Lima
Justiça, solicitando esclarecimento sobre “os rebeldes que juntam ao crime de rebelião,
frios assassinatos”. Apontava para o risco de a anistia arrastar os proprietários mais uma
província, ele pessoalmente não concordava com o decreto. Dizia-se solidário à dor das
“tristes vítimas”. A anistia, para ele, deveria ser aplicada apenas aos “rebeldes
políticos”, e essa era uma diferença importante para o coronel. A guerra dos caboclos,
15
Enquanto aguardava a resposta do Rio de Janeiro, o coronel Lima prosseguiu
assim, para fazê-lo, se cercou de cuidados. Temia sobretudo a reação dos moradores de
Caxias. Os maiores atentados – em sua opinião – tinham ocorrido nessa cidade. Por
isso, decidiu ir, ele próprio, levar a notícia. Procurava, assim, acalmar os ânimos mais
exaltados.
por toda a província. A intenção era alcançar os rebeldes que se achavam na mata.38
Se não fosse por Raimundo Gomes e pelo negro Cosme das Chagas, o coronel
Lima poderia considerar a província pacificada. Decidiu, então, organizar uma grande
força militar para bater a região de Miritiba, em cujas matas, segundo se dizia, estava o
chefe rebelde e seu bando. Vendo-se cercado e vitimado pela fome, no dia 7 de janeiro
de 1841, Raimundo Gomes pediu, por um emissário, para ser perdoado por seus
crimes.39
Cumprindo o decreto de anistia, o coronel Lima mandou dizer que ele podia se
apresentar sem medo, fixando o dia 20 de janeiro como data limite. Comprometia-se
também estava previsto no decreto de anistia. Para tal, bastava que o rebelde assinasse
Raimundo Gomes ter enviado um bilhete por um emissário, solicitando perdão, foi
entendido pelo coronel Lima como um recado, de que ele não se entregaria senão ao
próprio coronel. Seguiu, assim, para Miritiba. Só então, após tantos esforços e
recorrendo mais uma vez à força de sua presença, conseguiu “arrancar daquelas matas o
16
O sentido da pacificação
O coronel Luiz Alves de Lima e Silva voltou para São Luís com Raimundo Gomes
considerava a anistia lucro para o rebelde. O termo de evacuação que foi obrigado a
assinar era de oito anos, e Raimundo Gomes decidiu ir para a província de São Paulo.
Lá, pretendia encontrar sua família, embarcada alguns dias antes, o que acabou não
acontecendo.
Durante a viagem, Raimundo Gomes foi assassinado. Até onde nos foi dado
saber, o caso não gerou processo e, portanto, nunca foi apurado. Isso nos tira a
possibilidade de fazer uma análise precisa dos fatos. Porém, a lógica política que os
sustenta está dada. Se legalmente a anistia era obrigatória, o desejo de vingança dos
proprietários da província talvez tenha se realizado pela via da ilegalidade. E, como esse
desejo era tido por justo, inclusive pelo coronel Lima, comandante das forças de
repressão, a apuração pode ter sido dispensada. Avançando um pouco nesse trabalho
sobre conjecturas, face à falta de fontes documentais, é possível ainda imaginar que a
morte de Raimundo Gomes tenha sido um dos ajustes realizados pelo próprio coronel
Caxias. Afinal, após algumas conversas, ele se sentiu mais confiante para publicar o
Cosme Bento das Chagas, o líder dos quilombolas, após ter sido perseguido por
chefes rebeldes, foi capturado em fevereiro de 1841, tendo permanecido preso por mais
17
de um ano até ser executado em setembro de 1842. Negro Cosme tinha conhecido a
escravidão, foi alforriado provavelmente antes de 1830. Para ele, não houve anistia.40
O coronel Lima não acompanhou sua execução. Em junho de 1841, bem antes
resistência liberal. Sua carreira apenas se iniciava. Ele entraria para a história como
pacificador do Brasil.
intervenção tornava-se, desse modo, uma peça fundamental para que a civilização
essa intervenção civilizadora se daria pela via da administração e, em casos limite, por
meio da guerra.
pacificador”, apresentado como único legítimo, distante das paixões políticas e engajado
tão somente na prosperidade nacional. Uma submissão que era também simbólica. Daí o
18
sucessos de Luiz Alves de Lima e Silva, erguendo-o como o salvador do Maranhão. Já à
movimento infrene, feito por uma gente ociosa e sanguinária guiada por mãos ocultas
(liberais).43
Revisão da literatura
As primeiras narrativas sobre a Balaiada são memorialistas, elaboradas por dois atores
com participação ativa nos eventos e posições políticas opostas. João Francisco Lisboa
– jornalista, escritor e um dos líderes do Partido Liberal de São Luís – dirigia à época o
jornal Crônica Maranhense.44 Foi em suas páginas, célebres por seu tom combativo,
que Lisboa narrou, de forma viva e engajada, as lutas políticas daqueles anos. Como
na lei dos prefeitos, pela eclosão da rebelião, lançando uma interpretação que,
José Gonçalves de Magalhães rebateu essa versão dos fatos. Como secretário do
governo e braço direito de Luiz Alves de Lima e Silva na província, se esforçou por
maranhense, sem distinguir partidos, pela revolta. Segundo ele, o Maranhão era uma
sociedade de brutos, brutalidade cultivada por fazendeiros e políticos para resolver rixas
19
Muito provavelmente, foi essa visão dos fatos que fundamentou a “estratégia de
neutralidade” adotada por Luiz Alves de Lima no Maranhão, tendo se mostrado, ainda
sucedida.47
forma muito semelhante os grupos subalternos da sociedade: são homens “sem freios” e
agirem por conta própria, vendo na rebelião a mão oculta dos liberais. Leitura rechaçada
por estes.
com destaque para a obra monumental de José Ribeiro do Amaral, fundamentada numa
posteriormente.48
publicado em 1924 e intitulado “O sertão”. Ele foi o primeiro a elaborar uma outra
imagem dos rebeldes, moderada e política. Inclusive, Carlota Carvalho foi também a
primeira escritora a associar as aspirações políticas dos rebeldes ao contexto das guerras
de independência, chamando atenção para o fato de que o líder Balaio havia participado
daquelas lutas ao lado dos patriotas.49 Uma linha seguida, alguns anos depois, em 1948,
20
imagem dos líderes rebeldes. Reconstruiu a trajetória de vários deles para opor à
de justiça. O mesmo olhar dedicou ao Negro Cosme, descrito por Serra como um “líder
dirigia”.50
acadêmico, uma importante contribuição foi a de Maria Januária Vilela dos Santos. Em
livro publicado em 1983, resultado de sua tese de doutoramento, a autora foi a primeira
escravidão.51
Mônaco Janotti, intitulado a “Balaiada”. Voltado para um público mais amplo, o livro
período da história do Brasil – tal como fazia a historiografia – como sendo “de triste
brasileira.52
por múltiplas formas não capitalistas de produção, Mathias Assunção viu a eclosão da
Balaiada como resultado de disputas por terra, pela apropriação de mão-de-obra, mas
21
da população livre e pobre em busca de cidadania e contra a discriminação de pretos e
Por fim, com recorte temático mais específico, é publicada em 2008 a pesquisa
de Mundinha Araújo sobre a trajetória de Cosme Bento das Chagas. Resultado de uma
fim de desconstruir a imagem de monstro infrene, consolidada por uma história oficial.
Ainda em 2008, outra pesquisa com recorte biográfico foi publicada: uma tese de
não só como se deu a desarticulação do movimento, mas também como a vitória sobre
os balaios definia uma nova forma de ação militar que consolidaria o projeto político
conservador. Projeto que fundaria o Estado brasileiro a partir de em uma visão restritiva
e desigual da liberdade.
Fontes primárias
1920 com toda a correspondência oficial de Luiz Alves de Lima e Silva, oficial que
correspondendo aos cargos por ele ocupados. Há ofícios do então comandante de armas
justiça, ministro da guerra, ministro do império, etc) e destas para ele. Para o período
22
cada pasta ministerial do Império. Além disso, vale ainda pesquisar na documentação
cidade de São Luís. Nele podemos encontrar outro tipo de documentação, mais ligada a
das câmaras municipais, dos comandantes militares das vilas, dos prefeitos e
subprefeitos das comarcas, dos juízes de direito, além das correspondências dos
Gomes. Por sua natureza local, é possível encontrar nessa documentação narrativas
minuciosos em seus relatos. Às vezes, essa documentação sobe (isso ocorre com mais
poder central, para o Rio de Janeiro. Além disso, há ofícios dos presidentes de província
com diversas autoridades do poder central que ficaram no Maranhão. Muitas são cópias.
mapas da província do Maranhão. Destaco dois deles, produzidos ainda durante a guerra
1838, e a “carta geral do província do Maranhão de 1841”, mandada fazer pelo próprio
coronel Luiz Alves de Lima e Silva para instruir suas ações na província.
23
Há ainda um conjunto documental impresso bastante diversificado. Alguns
deles estão disponíveis on-line: anais da Câmara dos Deputados, anais do Senado,
Império do Brasil. Outro material valioso está na base de dados da Hemeroteca Digital
Entretanto, alguns jornais locais só podem ser encontrados em São Luís do Maranhão,
na Biblioteca Pública Benedito Leite. Vale uma leitura cuidadosa os jornais: Bem-te-vi
Hemeroteca Digital.
Domingos José Gonçalves de Magalhães.56 Destaca-se o fato de este último ter sido
ainda secretário de governo de Luiz Alves de Lima e Silva. O livro é resultado dos
estudos que realizou logo que chegou no Maranhão para orientar a campanha militar e o
governo civil do então coronel Lima, futuro duque de Caxias. Ambos disponíveis on-
https://imagem.camara.leg.br/diarios.asp?selCodColecaoCsv=A
https://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/asp/IP_AnaisImperio_digitalizados.asp
24
http://ddsnext.crl.edu/titles?f%5B0%5D=collection%3ABrazilian%20Government%20Documen
ts&f%5B1%5D=grouping%3AProvincial%20Presidential%20Reports
Periódicos:
https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/
Leitura Adicional:
Araújo, Mundinha. Em busca de Dom Cosme Bento das Chagas – Negro Cosme: tutor e
Order. The case of Maranhão, Brazil (1820–41)”. Journal of Latin American Studies.
31(1999), 1-38.
25
Dias, Claudete Maria Miranda. Balaios e bem-te-vis: a guerrilha sertaneja. Teresina:
Janotti, Maria de Lourdes Mônaco. A Balaiada. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
Nunes, Odilon. Pesquisa para a história do Piauí. Rio de Janeiro: Artenova, 1975.
Oliveira, Maria Amália Freitas de. Balaiada no Piauí. Teresina: Projeto Petrônio
Souza, Adriana Barreto de. Duque de Caxias: o homem por trás do monumento. Rio de
Notas
1
Um bom relato de época sobre o 7 de abril é o texto de Silvério Cândido de Faria, Breve História dos
felizes acontecimentos políticos no Rio de Janeiro em os sempre memoráveis dias 6, 7 de abril de 1831
(Rio de Janeiro: Typographia de Thomas B. Hunt e C., 1831).
2
Marco Morel, O período das Regências (1831-1840) (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2003).
3
Sobre os vários grupos políticos nos primeiros anos da Regência, ver: Marco Morel, As Transformações
dos espaços públicos. Imprensa, atores políticos e sociabilidades na cidade imperial (1820 - 1840) (São
Paulo: Hucitec, 2005); Marcello Otávio Neri Basile, O Império em construção: projetos de Brasil e a
ação política na corte regencial (Rio de Janeiro: tese de doutorado, PPGHIS/UFRJ, 2004).
4
Para o conceito de liberdade dos liberais moderados, além de Marco Morel e Marcello Basile: Ilmar
Rohloff de Mattos, O tempo saquarema: a formação do Estado imperial (São Paulo: Hucitec, 1990). Para
a reforma dos órgãos de repressão: Adriana Barreto de Souza, Duque de Caxias: o homem por trás do
monumento (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008). Já para a reforma no Judiciário: Thomas Flory,
El juez de paz y el jurado em el Brasil imperial (México: Fondo de Cultura Económica, S.A, 1986).
5
Referências para o pensamento político conservador são: José Murilo de Carvalho, A Construção da
Ordem: a elite política imperial; Teatro de Sombras: a política imperial (Rio de Janeiro: Editora UFRJ
Relume-Dumará, 1996); Ilmar Rohloff de Mattos, O Tempo Saquarema: a formação do Estado Imperial
(São Paulo: Editora Hucitec, 2004); Jeffrey Needell, The party of order: the conservatives, the state, and
slavery in the brazilian monarchy, 1831-1871 (California: Stanford University Press, 2006).
6
Relatório do Ministério da Justiça do ano de 1843 apresentado à Assembleia Legislativa pelo ministro
Paulino José Soares na sessão de 11 de janeiro de 1843. p.4.
7
Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 12 de maio de 1838.
8
Nas últimas décadas, várias pesquisas vêm evidenciando a existência de um mercado interno e de uma
variedade de formas não capitalistas de produção na economia colonial e das primeiras décadas do século
XIX. Obra central nesse debate é João Luís Fragoso, Homens de grossa aventura: acumulação e
hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro, 1790-1830 (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1998).
26
9
Para uma história da formação econômica e demográfica do Maranhão, referência obrigatória é Mathias
Röhrig Assunção, De caboclos a bem-te-vis: formação do campesinato numa sociedade escravista:
Maranhão 1800-1850 (São Paulo: Annablume, 2018), 59-64.
10
Sobre a independência no Maranhão, ver: Arthur Cézar Pereira Reis, O Grão Pará e o Maranhão, in
Sérgio Buarque de Holanda, História Geral da Civilização Brasileira (São Paulo: Difusão Européia do
Livro, 1967), tomo 2, 71-172. Mathias Röhrig Assunção, Miguel Bruce e os “horrores da anarquia” no
Maranhão, 1822-1827, in István Jancsó, Independência: história e historiografia (São Paulo: Editora
Hucitec, 2005), 345-378. Assunção, De caboclos, 285-293.
11
Sobre a participação de grupos subalternos na Independência do Brasil, ver: João José Reis,
“Quilombos e revoltas escravas no Brasil”, Revista USP, nº 28 (1995/1996): 14-39; Macus Carvalho,
Liberdade. Rotinas e rupturas no escravismo (Recife: Editora Universitária da UFPE, 1998); Gladys
Sabina Ribeiro, “O desejo de liberdade e a participação de homens livres pobres e ‘de cor’ na
independência do Brasil”, Cadernos Cedes, v.22. nº 58 (2002): 21-45.
12
Vale ressaltar que até 1837 não havia partidos políticos constituídos como organizações estruturadas no
Brasil. No Maranhão, em 1838, o que havia eram facções que, no caso conservador, mantinha certa
continuidade com os absolutistas do período da independência, os portugueses que apoiavam o
autoritarismo de d. Pedro I e os restauradores de 1831-34. Assunção, De caboclos, 317.
13
Holanda, História, 158; Maria Januária Vilela dos Santos, A Balaiada e a insurreição de escravos no
Maranhão (São Paulo: Ática, 1983), 74.
14
Essa narrativa surge pela primeira vez ainda em 1858. Ver: Domingos José Gonçalves de Magalhães,
Memória histórica da revolução da província do Maranhão (São Luís: Typographia do Progresso, 1858).
15
Holanda, História, 159-160.
16
Há uma vasta historiografia sobre a violência do recrutamento no Brasil. Ver em especial: Michael C.
McBeth. “The Brazilian Recruit during the First Empire: Slave or Soldier?”, in Daril Alden, Warren Dean
(Eds.). Essays Concerning the Socioeconomic History of Brazil and Portuguese India (Gainesville:
University Presses of Florida, 1977), 71-86. Joan E Meznar, "The ranks of the poor: milital service and
social differentiation in Nonheast Brazil, 1839-1875", Hispanic American Historical Review, v. 72, n.3
(1992), 335-51. Fábio Faria Mendes, "A economia moral do recrutamento militar no império brasileiro",
Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 13, n. 38 (1998), 81-96. Hendrik Kraay, “Reconsidering
Recruitment in Imperial Brazil”, The Americas, vol. 55, nº 1 (1998), 1-33.
17
Um debate sobre a insurreição de Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, o Balaio, é feito por: Mathias
Röhrig Assunção, Balaiada e resistência camponesa no maranhão (1838-1841), in Márcia Motta, Paulo
Zarth (orgs.), Formas de resistência camponesa: visibilidade e diversidade de conflitos ao longo da
história (São Paulo: Editora UNESP, 2008), vol.1, 171-198. Assunção, De caboclos, 347-349.
18
Mathias Assunção discute a violência dos balaios e dos legalistas: Motta, Zarth, 2008, vol.1, 190-194.
19
Sobre Raimundo Gomes: Astolfo Serra, A Balaiada (Rio de Janeiro: Dedeschi, 1948), 195-201.
20
Maria de Lourdes Mônaco Janotti, “Balaiada: ação e exploração”, Revista de História, v. 52, nº 103
(1975), 343-365.
21
Claudete Maria Miranda Dias, Balaios e Bem-te-vis: a guerrilha sertaneja (Teresina: Instituto Dom
Barreto, 2002).
22
Assunção, De caboclos, 349.
23
Motta, Zarth, 2008, vol.1, 183-186.
24
Maria Raimunda Araújo, Documentos para a História da Balaiada (São Luís: Arquivo Público do
Estado do Maranhão, 2001).
25
Sobre cidadania na Constituição do Império, ver: Hebe Maria Mattos, Escravidão e cidadania no Brasil
monárquico (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000), 20. Sobre as expectativas dos homens de cor de
ascensão aos postos superiores das forças militares, ver, dentre outros: Hendrik Kraay, “Identidade Racial
na Bahia, 1790-1840”, in István Jancsó. Brasil: formação do Estado e da nação (São Paulo: Hucitec,
2003), 521-546. Luiz Geraldo Silva, “Negros patriotas. Raça e identidade social”, in Jancsó, 2003, 497-
520. Adriana Barreto de Souza, “O meio militar como arena política: conflitos e disputas por direitos no
Regimento de Homens Pardos do Rio de Janeiro, 1805”, Revista Tempo, v.26, nº1 (2020).
26
Motta, Zarth, 2008, vol.1, p.184. Adriana Barreto de Souza, Duque de Caxias: o homem por trás do
monumento (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008), 287-289.
27
Holanda, História Geral, p.161-162.
28
Esses números são repetidos por todos os historiadores desde o século XIX e têm sua origem nos dados
oficiais do governo legalista. Ver: Serra, A Balaiada, 194.
29
Astolfo Serra, Caxias e seu governo civil na província do Maranhão (Rio de Janeiro: Biblioteca Militar
Editora, 1949), 49.
27
30
Ver o relatório de governo de Luiz Alves de Lima e Silva, reproduzido na íntegra por Serra, Caxias,
148.
31
Matos, O Tempo, 162.
32
Uma análise dessas proclamações, bem como repressão empreendida pelo futuro duque de Caxias, é
feita por: Souza, Duque, 290-292. O único registro de uma reação a essa retórica civilizacional de Luiz
Alves de Lima e Silva foi entre os farroupilhas. Souza, Duque, 273-341.
33
Souza, Duque, 299-300.
34
Souza, Duque, 313-315.
35
Sobre o negro Cosme: Mundinha Araújo, Em busca de Dom Cosme Bento das Chagas – Negro Cosme:
tutor e imperador da liberdade (Imperatriz: Ética, 2008), 31-55.
36
Souza, Duque, 315-320.
37
Souza, Duque, 327.
38
Souza, Duque, 329.
39
Souza, Duque, 330-332.
40
Para o processo do Negro Cosme é Araújo, Em busca, 141-144.
41
A força dessa retórica civilizatória na história do Brasil, da colonização portuguesa até a atual política
de pacificação do Rio de Janeiro, é analisada no artigo: João Pacheco de Oliveira, "Pacificação e tutela
militar na gestão de populações e territórios", Mana, nº 20, vol.1 (2014), 125-161.
42
Uma reflexão sobre a recorrência da palavra pacificação na história do Brasil encontra-se em: Adriana
Barreto de Souza, Angela Moreira Domingues da Silva, Luís Edmundo de Souza Moraes, Maud Chirio
(Orgs.), Pacificar o Brasil: das guerras justas às UPPs (São Paulo: Alameda, 2017).
43
Domingos José Gonçalves de Magalhães, Ode ao pacificador do Maranhão o ilmo. Exmo. Sr. Coronel
Luiz Alves de Lima (São Luís: Tipografia de I.J. Ferreira, 1841). Magalhães, Memória, 23.
44
O jornal foi publicado entre 1838 e 1840 no Maranhão. Posteriormente, os artigos do jornalista foram
publicados como livro: João Francisco Lisboa, Crônica Maranhense: os artigos de João Francisco
Lisboa (Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 1969).
45
Originalmente, as memórias foram publicadas na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(RIHGB). Domingos José Gonçalves de Magalhães, “Memória histórica e documentada da revolução da
província do Maranhão desde 1839 até 1840”, RIHGB, vol.10 (1848), 263-362.
46
Magalhães, Memória, 15-18.
47
Quem analisa a participação de Gonçalves de Magalhães na elaboração da política de neutralidade de
Luiz Alves de Lima e Silva é: Souza, Duque, 294-295.
48
José Ribeiro do Amaral, Apontamentos para a história da Revolução da Balaiada na Província do
Maranhão (São Luís: Typographia Teixeira, 1898-906).
49
Carlota Carvalho, O Sertão (Rio de Janeiro: Empresa Editores de Obras Científicas e Literárias, 1924).
50
Serra, A Balaiada, 207-208.
51
Santos, A Balaiada, 76-98.
52
Maria de Lourdes Mônaco Janotti, A Balaiada (São Paulo: Editora Brasiliense, 1987).
53
Assunção, De caboclos.
54
Araújo, Em busca. Souza, Duque.
55
João Francisco Lisboa, Jornal de Timon: eleições na Antiguidade, Idade Média, na Roma Católica,
Inglaterra, Estados Unidos, França, Turquia, Partidos e eleições no Maranhão (Brasília: Editora do
Senado Federal, 2004).
56
Magalhães, Memória.
28