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Os sertões, o campo e a cidade na Primeira

República
Prof. Daniel Pinha

Descrição

O processo de implementação da República no Brasil, as mudanças e as permanências na transição do


regime monárquico para o republicano em termos de organização social.

Propósito

Profissionais que lidem com a história social brasileira precisam conhecer a multiplicidade de nossos
espaços e caminhos para fundamentarem sua análise a respeito da vida individual e coletiva no transcorrer
do tempo.

Objetivos
Módulo 1

Projetos republicanos e experiência política dos


primeiros anos da República
Descrever os projetos republicanos nos primeiros anos da República.

Módulo 2

Campos Salles e a consolidação da República: a


política dos governadores
Identificar os elementos fundamentais da Primeira República a partir do governo de Campos Salles.

Módulo 3

O Rio de Janeiro, cidade capital: a vitrine do progresso


republicano
Compreender o papel da cidade do Rio de Janeiro no contexto de instauração da ordem republicana.

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Introdução
O Brasil é um país republicano recente. Desde 1889, passa por uma consolidação política de equilíbrio de
forças. Esse trajeto cria uma dinâmica complexa entre campo e cidade, ou seja, entre os diversos espaços
regionais. Ao longo deste estudo, entenderemos mais sobre esse trajeto e sua execução no Brasil a partir de
exemplos e comparações.

1 - Projetos republicanos e experiência


política dos primeiros anos da República
Ao final deste módulo, você será capaz de descrever os projetos
republicanos nos primeiros anos da República.

Brasil ou Brasis?
Vamos começar nosso estudo contextualizando o Brasil real, que “Brasis” diferentes assistem a
Constituição da República.
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Um Brasil de muitos sertões
Neste vídeo, vamos analisar o processo republicano em Minas Gerais, Amazonas e Santa Catarina em
termos de visões sobre a República.

Primeiros anos da República


No dia 15 de novembro de 1889, um acontecimento ocorrido nas ruas do Rio de Janeiro mudou a vida
política do país: um movimento militar derrubou a monarquia brasileira e implantou a República. Quatro dias
depois, escrevia o jornalista Aristides Lobo:

Eu quisera dar a esta data a denominação seguinte: 15 de novembro do primeiro ano da República;
mas não posso, infelizmente, fazê-lo. O que se fez é um degrau, talvez nem tanto, para o advento da
grande era. Em todo o caso, o que está feito pode ser muito, se os homens que vão tomar a
responsabilidade do poder tiverem juízo, patriotismo e sincero amor à Liberdade. Como trabalho de
saneamento, a obra é edificante. Por ora, a cor do governo é puramente militar e deverá ser assim.
O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu
àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam
sinceramente estar vendo uma parada.

(CARONE, 1972, p. 288)

Aristides Lobo considerava a proclamação da República um acontecimento puramente militar, sem muita
participação dos civis republicanos. Diferentemente do que acontecera cem anos antes, na Revolução
Francesa, o povo não era o protagonista daqueles acontecimentos.

Proclamação da República no Brasil


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Revolução francesa

Para José Murilo de Carvalho (1987), o adjetivo bestializado indica o afastamento do povo em relação à
República, não apenas no 15 de novembro, mas ao longo de toda a experiência republicana, uma espécie de
pecado original do novo regime.

No entender da historiadora Maria Teresa Chaves de Mello (2007), Aristides Lobo expressou surpresa diante
do modo pelo qual acontecimento do dia 15 de novembro se desenvolveu. Entretanto, é necessário ressaltar
o clima político republicano instaurado nas décadas de 1870 e 1880, capaz de formar um consentimento em
relação à cultura política do novo regime.

A República abrigou o desejo de muitos descontentes com a monarquia e deu forma política a sonhos e
projetos republicanos muito diferentes entre si. Os republicanos históricos projetavam um governo de corte
liberal e de forma federalista, ou seja:

Passando de uma monarquia unitarista, ou seja, centrada na figura do imperador.


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Para um regime descentralizado, dando poder às lideranças regionais (presidentes de província,
atualmente são os governadores de estado).

Também os positivistas reforçaram o movimento que implantou a República. Além dos positivistas
militares, como Benjamin Constant, que participaram ativamente da revolta militar que derrubou a
monarquia, positivistas civis viam na República a possibilidade de levar adiante seu projeto político:

Uma ditadura republicana que garantisse um governo científico, os direitos do


proletariado e a eliminação dos privilégios, levando em conta o princípio de que
somente a ordem é capaz de garantir o progresso - lema inscrito na bandeira
nacional republicana.

Havia ainda os chamados republicanos revolucionários: inspirados no período jacobino da Revolução


Francesa, defendiam a participação direta e uma República que garantisse o governo da coisa pública sem a
mediação de representantes - nos termos do historiador José Murilo de Carvalho, uma liberdade à moda
antiga (CARVALHO, 1987).

Federalismo
Os interesses divergentes entre federalistas - defensores da autonomia regional - e positivistas - que
defendiam uma centralização em torno da figura do presidente da República - caracterizaram não apenas o
momento de proclamação, mas também atravessaram o período de instauração da República no Brasil,
chamado pelos historiadores de Primeira República (1889-1930).

Gerador de tantas expectativas, o regime republicano foi capaz de causar também frustrações. Ao final da
sua vida, Joaquim Saldanha Marinho (1816-1895), que assinara, em 1870, o Manifesto Republicano, afirmou:

“Esta não é a república dos meus sonhos”.

Em Os Sertões, Euclides da Cunha (1866-1909) escreveu: “Vivendo quatrocentos anos no litoral vastíssimo,
em que palejam reflexos da vida civilizada, tivemos de improviso, como herança inesperada, a República”
(CUNHA, 1984, p.87). A frase vem em um contexto no qual o autor procura sublinhar a diferença entre:
O Brasil do litoral
Sempre pronto a deixar-se levar pelo caudal dos ideais modernos e a copiar ideias e instituições de outras
nações.

O Brasil dos sertões


Onde vivem os que ele chama de nossos rudes patrícios.

No calor da hora, Aristides Lobo, em sua famosa carta à surpresa da Proclamação da República, afirma que,
no dia 15 de novembro de 1889, o novo regime não era senão um esboço rude, incompleto. Queria com isso
lembrar que o movimento militar que implantou a República não era exatamente fruto da propaganda
republicana e do movimento liderado pelo Partido Republicano que ele próprio ajudara a criar ao assinar o
Manifesto de 1870.

Teria sido a República brasileira uma República de improviso?

Cabem muitas respostas a essa pergunta, que nos ajuda a pensar as mudanças e as permanências no
cenário político brasileiro do final do século.
Um império em crise
O processo de abolição da escravidão reforçou, de distintas formas, o movimento republicano. Muitos
abolicionistas das cidades eram também republicanos. A maioria dos fazendeiros do Oeste novo paulista
defendia a República por julgar o império retrógrado e escravista. Por razão oposta, boa parte dos
fazendeiros escravistas da região do Vale do Paraíba deixou de apoiar a monarquia por considerar que a
abolição prejudicava seus interesses.

Cabe ressaltar, nesse contexto, a importância da Guerra do Paraguai (1864-1870):

O papel decisivo de negros e mestiços livres, bem como de libertos, na vitória


sobre o Paraguai, abriu uma frente de disputa e negociação social entre os
setores populares da sociedade, especialmente os escravos, por um lado, e o
Estado imperial e a classe senhorial dominante, por outro.

(SALLES, 2003, p. 190)

A guerra do Paraguai, que terminou em 1870, mantinha em sua fileira soldados escravizados negros,
trazendo o seguinte dilema ao Estado:

Como reescravizar heróis de guerra?

Por outro lado, como perder o apoio da classe senhorial, base política da
monarquia, não devolvendo aos donos de escravizados a sua “propriedade” cedida
à guerra?

Ainda que de modo lento, a escravidão começava a perder sua legitimidade, transformando-se em uma
“questão”.

O gabinete conservador do visconde do Rio Branco propôs e realizou um conjunto de reformas, das quais a
mais importante foi a Lei nº 2.040 de 28 de setembro de 1871, que declarou: “de condição livre os filhos de
mulher escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da nação e outros, e providencia
sobre o tratamento e criação daqueles filhos menores e sobre a libertação anual de escravos”.
A Lei do Ventre Livre, de 1871, aprovada quando a princesa Isabel exercia a regência do império, estabelecia
a condição de livre (“ingênuo”) para os filhos da mulher escravizada e optava pela emancipação gradual e
com indenização ao estabelecer um fundo de emancipação e a matrícula obrigatória de todos os
escravizados.

Todavia, ao aprofundar a intervenção do governo do Estado nas relações entre senhores e escravizados, a
lei desagradou as forças mais conservadoras, como inúmeros fazendeiros, além de setores comerciais e
financeiros a eles vinculados.

O movimento abolicionista, no parlamento, em clubes e associações e nos jornais, estava dissociando a


opinião pública do sistema escravista. A resistência da população negra, escravizada ou não, propiciava o
abandono das fazendas pelos cativos, bem como protegia negros fugidos e aquilombados. Assinada pela
princesa Isabel, a Lei Áurea declarava “extinta a escravidão no país” em 13 de maio de 1888.

A Pátria repele os escravocratas (Revista Ilustrada, c. 1880-1888).

A distribuição extremamente irregular da população pelo território era fator constitutivo das diferenças entre
as províncias e regiões do império: a região de colonização estrangeira no extremo Sul diferia da região do
vale amazônico, onde crescia a atividade extrativa da borracha (látex), e do Sul da província da Bahia,
exportadora de cacau e tabaco. O grau de integração nas linhas do comércio internacional contribuía, em
larga escala, para o aprofundamento das desigualdades regionais, dando destaque à região do café - motor
da economia brasileira desde a década de 1830 até um século depois.

As terras roxas do Oeste paulista eram o cenário principal da mais importante mudança ocorrida na
sociedade. A substituição das relações de trabalho escravistas pelo trabalho livre, sob a forma do colonato,
era acompanhada pela substituição do próprio trabalhador, do negro pelo imigrante de origem europeia.

Comentário
Cabe ressaltar nesse contexto de crise do império a força dos princípios cientificistas. As ferrovias e o
telégrafo materializavam o progresso, representando a expressão do poder da técnica e da ciência na
efetivação da ocupação do interior.

O sergipano Silvio Romero (1851-1914), considerado um dos principais intérpretes do Brasil, no final do
século XIX, usou o termo bando de ideias novas para capturar o espírito de mudança.

O decênio que vai de 1868 a 1878 é o mais notável de quantos no século XIX constituíram a nossa
vida espiritual. Quem não viveu nesse tempo não conhece por ter sentido diretamente em si as
mais fundas comoções da alma nacional. [...] Um bando de ideias novas esvoaçou sobre nós de
todos os pontos do horizonte [...] Positivismo, evolucionismo, darwinismo, crítica religiosa,
naturalismo, cientificismo na poesia e no romance, folclore, novos processos de crítica e de história
literária, transformação da intuição do direito e da política, tudo então se agitou e o brado de
alarma partiu da escola do Recife

(SCHWARCZ, 1993, p. 185)

Desde os anos 1860, a questão do federalismo era, por muitos, considerada um dos principais problemas do
país ao colocar em xeque a organização político-administrativa centralizada que fundava a ordem imperial.
Para Tavares Bastos (1839-1875), um dos principais defensores do regime federalista, a descentralização
não resolveria, meramente, uma questão administrativa, mas a possibilidade de construir uma base sólida
de instituições democráticas.

A desconfiança a respeito de um terceiro reinado ampliava-se à medida que os dirigentes imperiais


revelavam dificuldades para prosseguir ou promover as reformas, sendo elas:

A ampliação dos direitos civis e políticos.

O federalismo.
A separação entre a Igreja e o Estado.

A incorporação dos militares do Exército.

A reforma educacional.

A expansão da infraestrutura.

O novo regime era resultado do papel desempenhado pelo movimento republicano desde 1870 através da
imprensa e da ação dos propagandistas.

A República da espada: a ordem é condição


para o progresso
Havia diferenças significativas entre os três militares que compunham o governo provisório: Deodoro da
Fonseca, Benjamin Constant e Eduardo Wandenkolk. Vamos ver quais são essas diferenças?

Deodoro da Fonseca expand_more


Era um militar de velha cepa, herói da guerra do Paraguai cujas convicções republicanas datavam do
dia da proclamação. Para Deodoro, governar era uma questão de autoridade e dirigiu o país como
aprendeu a administrar os quartéis.

Benjamin Constant expand_more

Representava uma nova geração militar. Positivista convicto, desejava um governo forte, pois
entendia que a arte de governar era uma ciência.

Eduardo Wandenkolk expand_more


Pertencia à Marinha, uma força militar elitista que não admitia negros em sua oficialidade e nem
sempre concordava com o protagonismo político do Exército.

Também entre os ministros civis e os militares, as diferenças eram significativas.

Era diverso o projeto de República de liberais como Rui Barbosa ou Aristides Lobo, que defendiam uma
república presidencialista, e a separação dos três poderes segundo o modelo norte-americano. Os
positivistas, como Demétrio Ribeiro e Benjamin Constant, aspiravam a uma ditadura ilustrada, tal como
proposta pelo intelectual francês positivista Auguste Comte. Também eram diferentes os interesses
defendidos por representantes dos cafeicultores paulistas, como Campos Salles, centrados no federalismo
como modelo capaz de garantir a autonomia regional para a produção de café.

No dia 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a primeira Constituição Republicana do Brasil, uma vitória
para os federalistas. Calcada sobre o modelo norte-americano, instaurava o presidencialismo, o federalismo
e três poderes que deveriam ser independentes entre si e complementares:

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Executivo
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Legislativo
gavel
Judiciário
A Constituição estabelecia também a separação entre a Igreja e o Estado, bem como o voto direto, ainda
que apenas para homens alfabetizados e maiores de 21 anos. A aprovação da Constituição, no entanto, não
apaziguou as dificuldades do governo provisório militar em construir uma estabilidade política capaz de
compatibilizar interesses regionais e central.

A chamada República da Espada (1889-1894) foi incapaz de promover uma distribuição de poder entre as
elites econômicas que efetivamente construíram o regime republicano, utilizando o expediente da violência
para garantir autoridade. Mais afeito à rígida disciplina das casernas do que à política, o governo de Deodoro
foi marcado por medidas que revelavam essa inabilidade política, tais como:
Decretar a dissolução do Congresso.

Entrar em choque com oligarquias gaúchas após depor Júlio de Castilhos, que havia sido
eleito para governar o Rio Grande do Sul.

Enfrentar as manifestações de militares descontentes no Rio de Janeiro.

Uma revolta foi capitaneada pela Marinha em protesto pelo fechamento do Congresso. Chefiada pelo
Almirante Custódio de Mello, a revolta chegou a ameaçar bombardear a cidade do Rio de Janeiro. Havia
também uma greve de ferroviários. Deodoro não resistiu às pressões de militares e civis e renunciou à
presidência em novembro de 1891 (NEVES, 2003a).

Floriano Peixoto governou o Brasil com pulso forte entre 23 de novembro de 1891 e 15 de novembro de
1894. Um de seus primeiros atos foi a derrubada dos governadores de estados nomeados por Deodoro e
sua substituição por outros, que não se opusessem a seu governo. Mais hábil politicamente que seu
antecessor, soube buscar o apoio da oligarquia paulista, a mais poderosa do país, ao favorecer a
consolidação no plano nacional do Partido Republicano Paulista (PRP). O poderoso partido fundado em
1873 abrigava os cafeicultores paulistas.

Floriano fez do paulista Rodrigues Alves seu ministro da Fazenda e favoreceu a indicação de Bernardino de
Campos para a presidência da Câmara dos Deputados e de Prudente de Morais para a presidência do
Senado. Solidamente instalados no Poder Executivo e no Poder Legislativo, os paulistas passaram a apoiar
Floriano, que, por sua vez, também soube buscar apoio de outras oligarquias estaduais, da jovem
oficialidade militar e de setores populares do Rio de Janeiro, ao tomar medidas que impediram o aumento
incontrolável dos aluguéis de moradias e do preço de alimentos.

Floriano passou a ser conhecido como o marechal de ferro após ter enfrentado com sucesso fortes
pressões políticas e dois movimentos revoltosos de grande porte: a Revolta da Armada e a Revolução
Federalista.
Tropas do Exército na zona portuaria do Rio na Revolta da Armada.

A Revolta da Armada foi um movimento revolucionário promovido por unidades da Marinha e liderado pelos
almirantes Wandenkolk, Custódio de Mello e Saldanha da Gama, que não reconheciam a legitimidade do
governo Floriano Peixoto e não se conformavam com a desproporção entre o poder do Exército e o pouco
reconhecimento político da Marinha.

A revolta teve início em setembro de 1893 nas águas da Baía de Guanabara e seus chefes deslocaram a
armada revoltada para o Sul do país, onde tentaram unir forças com os revoltosos que participavam da
Revolução Federalista. O governo de Floriano venceu a Revolta da Armada em março de 1894.

A Revolução Federalista agitou o Rio Grande do Sul entre 1893 e 1895 e resultou no enfrentamento entre:

Revolta da Armada
A Revolta da Armada foi um movimento revolucionário promovido por unidades da Marinha e liderado pelos
almirantes Wandenkolk, Custódio de Mello e Saldanha da Gama. Os três militares não reconheciam a
legitimidade do governo Floriano Peixoto e não se conformavam com a desproporção entre o poder do Exército
e o pouco reconhecimento político da Marinha.

Os pica-paus

Partidários de Júlio de Castilhos reunidos no Partido Republicano Rio Grandense.


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Os maragatos

Partido federalista liderado por Gaspar Silveira Martins, Joca Tavares e Gumercindo Saraiva.
Com o apoio de Floriano Peixoto, Júlio de Castilhos, de tendências centralistas, assumiu o governo gaúcho
em 1893. Os federalistas, porém, tentaram impedir sua posse, dando início a uma sangrenta guerra civil no
Sul do Brasil entre os dois grupos.

No dia 15 de novembro de 1894, tomou posse o primeiro presidente civil da República brasileira, Prudente de
Morais. Com ele, a hegemonia da oligarquia cafeeira paulista, já evidente no Poder Legislativo, chegou ao
Poder Executivo. Durante esse governo, a República brasileira ainda enfrentou terrenos movediços tanto no
cenário internacional quanto na política interna.

No comércio exterior, a desvalorização do café, produto que ocupava mais de 60%


da pauta de exportação brasileira, equivalia a um forte abalo nos alicerces
econômicos e políticos da República.

Na política interna, a queda dos preços internacionais do café tornava ainda mais complexas as
negociações entre as oligarquias regionais, que além de resistirem ao protagonismo da oligarquia paulista,
mostravam desconforto com as medidas protecionistas tomadas pelo Executivo em relação aos
cafeicultores.

Além disso, Prudente de Morais foi obrigado a enfrentar uma guerra civil cujo desenrolar surpreendeu a
todos. Para destruir a aldeia de Canudos, onde Antônio Conselheiro convocava milhares de sertanejos
pobres para o que Euclides da Cunha disse ser uma Tróia de taipa, foram necessárias nada menos que
quatro expedições militares.

Sertanejos de Canudos rendidos pela cavalaria do Exército durante a última expedição ao arraial, em outubro de 1897.

O governo de Prudente de Morais anunciou novos tempos republicanos, mas a consolidação da lógica
própria da república oligárquica brasileira coube a outro paulista: Campos Salles.
Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?


Questão 1

O termo Primeira República foi cunhado por historiadores para identificar o período que vai de 1889 a
1930 e que marca a consolidação da ordem republicana no Brasil. Sobre as características desse
período, assinale V (verdadeiro) para as proposições verdadeiras e F (falso) para as falsas, antes de
marcar a opção correta.

( ) Os dois primeiros governos da recém-inaugurada República brasileira eram militares.

( ) Com o novo regime, surgiram divergências tanto no meio militar quanto no civil. No meio civil, as
disputas ocorriam, sobretudo, no campo ideológico entre três correntes: liberalismo, jacobinismo e
positivismo.

( ) Pode-se afirmar que os governos do período conhecido como Primeira República implementaram
medidas sociais de grande alcance, beneficiando a sociedade brasileira como um todo e visando
acabar com as desigualdades sociais do país.

( ) O Brasil da chamada Primeira República era um país, sobretudo, rural; a agricultura permanecia como
principal atividade econômica.

Assinale a alternativa que contém a sequência correta, de cima para baixo.

A F-V-V-F

B V-V-F-V

C V-F-F-V

D V-V-F-V

E V-V-V-V
Parabéns! A alternativa B está correta.

A Primeira República teve militares como primeiros governantes e foi caracterizada por divergências
tanto no meio militar quanto no civil, sendo um período marcado por conflitos visando manter a ordem
e autoridade. Logo, é falsa a afirmação sobre a implementação de medidas sociais buscando acabar
com as desigualdades sociais do país.

Questão 2

A Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, levou à formação de um governo provisório,


que lançou as bases para uma nova Constituinte e uma nova Constituição. A nova Constituição
brasileira foi promulgada em 1891 e implantou grandes mudanças no Brasil. A respeito dessa
Constituição, analise as afirmações:

I. Implantou o federalismo no Brasil, um sistema político que concedia certo grau de autonomia para os
estados em relação à União.

II. Implantou o sufrágio universal masculino para todos os homens maiores de 21 anos, alfabetizados e
que não fossem mendigos ou soldados rasos.

III. O presidente foi determinado como o chefe do Executivo, e a escolha do presidente ocorreria a partir
de eleições diretas para um mandato de quatro anos.

IV. Consolidou a vitória dos valores positivistas encarnados na figura dos presidentes militares, que
compunham a chamada República da Espada.

Está correto o que se afirma em:

A Apenas I, III e IV

B Apenas II, III e IV

C Apemas I, II e III
D Apenas I e IV

E Apemas II e IV

Parabéns! A alternativa C está correta.

A afirmação IV está incorreta porque a Constituição, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, pode ser
considerada uma vitória para os federalistas. Calcada sobre o modelo norte-americano, instaurava o
presidencialismo, o federalismo, o estabelecimento de três poderes independentes entre si e
complementares – Executivo, Legislativo e Judiciário. Estabelecia ainda a separação entre a Igreja e o
Estado, bem como o voto direto ainda que apenas para homens alfabetizados e maiores de 21 anos.

2 - Campos Salles e a consolidação da


República: a política dos governadores
Ao final deste módulo, você será capaz de identificar os elementos
fundamentais da Primeira República a partir do governo de Campos
Salles.
República do Café com Leite e República
Velha
Vamos nos aprofundar no debate historiográfico do período por meio dos conceitos de República do Café
com Leite e República Velha.

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E quem manda no Brasil?
Neste vídeo, vamos discutir velhos conceitos da historiografia como Café com Leite, República Velha,
mostrando o que eles ouviram na escola e como a História foi revendo as ideias e conceitos.

Política dos estados


Vamos abordar, neste módulo, os elementos fundamentais que conformam o modelo político característico
da Primeira República brasileira a partir do governo de Campos Salles. Esses elementos deram forma ao
que o então presidente denominou de Política dos estados e os historiadores chamaram de República
Oligárquica.

Outros deram à minha política a denominação de ‘Política dos Governadores’.


Teriam acertado se dissessem ‘Política dos Estados’. Esta denominação
exprimiria melhor o meu pensamento!

(CAMPOS SALLES, 1983, p. 236)

Depois dos conturbados períodos entre os governos militares e de Prudente de Morais, é no mandato de
Manuel Ferraz de Campos Salles (15 de novembro de 1898 a 15 de novembro de 1902) que a Primeira
República brasileira encontra um modelo de funcionamento que permitiu sua relativa estabilidade até o final
da década de 1920.

O modelo de funcionamento republicano implementado por Campos Salles propiciou a “rotinização do


regime” (LESSA, 2001, p. 44) e baseava-se em um acordo tácito a fim de evitar que as disputas oligárquicas
nos estados ou a agitação das ruas da capital federal impedissem a estabilidade republicana.

Comentário
A palavra de origem grega oligarquia significa governo de poucos. No Brasil da Primeira República, esse
termo significou, sobretudo, o poder em benefício próprio, exercido pelos grandes proprietários locais,
conhecidos como coronéis; pelo arranjo entre esses poderosos locais expresso no governo dos estados da
federação; e pela equação de forças das oligarquias estaduais na definição do poder nacional. Havia o
predomínio de duas oligarquias em todo o país: a paulista, cuja base era a riqueza econômica, e a mineira,
cuja força residia em ter o maior eleitorado do país.

Campos Salles decidiu fortalecer seu governo com uma ação decidida que tinha em vista três objetivos:

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Negociar a dívida externa brasileira de modo a aliviar o governo da pressão dos credores externos.

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Sanear a economia interna ameaçada pela inflação.

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Construir um pacto político com as oligarquias estaduais que fortalecesse o Poder Executivo.
Para realizar a negociação da dívida externa, Campos Salles foi à Europa antes mesmo de sua posse para
negociar com os banqueiros ingleses, principais credores do governo brasileiro. O acordo conhecido como
funding loan se traduziu pela obtenção de um novo e vultuoso empréstimo financeiro, pela suspensão por
três anos do pagamento dos juros dessa dívida e pelo adiamento do pagamento desse novo empréstimo
por um prazo de treze anos.

A folga financeira trazida pelo funding loan permitiu que o ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, tomasse
medidas para sanear as finanças internas sem aumentar os impostos cobrados aos governos dos estados,
o que começava a pavimentar o caminho para o pacto oligárquico. Para combater a inflação, o governo:

Proibiu a emissão de moeda, para combater a inflação.

Cortou o orçamento e aumentou os impostos cobrados diretamente à população, para


aumentar a receita.

Criou novos impostos, como a Lei do Selo, que supunha o pagamento dos carimbos oficiais
para a circulação de mercadorias e valeu ao presidente o apelido de Campos Selos.

Foram, no entanto, as medidas tomadas para alcançar seu objetivo político de construir um pacto não
escrito, mas muito eficiente para garantir os acordos oligárquicos, a docilidade do Poder Legislativo, e o
fortalecimento do Poder Executivo, que fizeram de Campos Salles o grande arquiteto da direção política na
Primeira República.

Foi o próprio Campos Salles quem formulou a melhor síntese da arquitetura política que, a partir de seu
governo, presidiu a República brasileira, quando escreveu em seu livro de memórias políticas o segredo de
sua fórmula para governar:
Nessa, como em todas as lutas, procurei fortalecer-me com o apoio dos Estados, porque - não
cessarei de repeti-lo - é lá que reside a verdadeira força política [...]. Em que pese os centralistas, o
verdadeiro público que forma a opinião e imprime direção ao sentimento nacional é o que está nos
Estados. É de lá que se governa a República, por cima das multidões que tumultuam, agitadas, as
ruas da Capital Federal.

(CAMPOS SALLES, 1983, p. 127)

A política dos governadores: dos municípios


aos estados
Para compreender o funcionamento da política dos estados, é preciso identificar as relações estabelecidas
entre:

Os municípios
Espaço por excelência do poder pessoal dos coronéis.

Os estados
Onde se orquestravam os acordos entre as oligarquias regionais

O Poder Executivo federal


Que necessitava construir um equilíbrio entre os três níveis da vida administrativa e política do país.

Para isso, era preciso conceder às oligarquias estaduais a autonomia necessária para que exercessem seu
mando inconteste no interior dos estados e, assim, pudessem apoiar decididamente o governo federal.
Essas oligarquias eram a força política da República, seu verdadeiro público e, nessa perspectiva, nelas
residia a opinião, a direção e o sentimento nacional.

Além disso, era necessário estabelecer as condições de um pacto político de modo que o Poder Executivo
se fortalecesse, efetivamente, com seu apoio, e não se subordinasse aos conflitos que opunham diferentes
grupos, famílias e interesses em conflito em cada um dos estados.
A denominação de República oligárquica, frequentemente atribuída
aos primeiros 40 anos da República, denuncia um sistema baseado
na dominação de uma minoria e na exclusão de uma maioria do
processo de participação política.
(RESENDE, 2003, p. 91)

Representante da oligarquia paulista, uma das mais poderosas do país, o campineiro Campos Salles sabia
que era no Poder Legislativo que os conflitos entre os interesses e as paixões estaduais se expressavam.

Por isso, encontrou uma fórmula na qual o governo federal pactuava diretamente com as oligarquias
dominantes nos estados da federação ao garantir sua perpetuação no poder e receber em troca apoio à
política do Executivo, bem como resultados de eleições que garantissem deputados e senadores dóceis ao
comando do presidente da República. Esse pacto não escrito foi chamado de política dos governadores, e a
República pautada por essa política foi denominada de República oligárquica.

O governo federal dispunha de instrumentos que lhe assegurassem a direção do pacto não escrito. Vamos
ver a seguir esses dois instrumentos:

Garantia de verbas para as oligarquias expand_more

O primeiro desses instrumentos era a garantia das verbas necessárias para a manutenção do
prestígio das oligarquias que dominassem o poder estadual. No caso dos estados economicamente
mais poderosos, a política financeira adotada garantia essas verbas ao não retirar deles sua principal
fonte de renda, que vinha dos impostos de exportação, e ao não criar novos impostos estaduais. Nos
estados mais pobres, que não podiam contar com receitas significativas dos impostos sobre a
exportação, a concessão de verbas federais a conta-gotas funcionou perfeitamente como elemento
de cooptação.

Impedimento da titulação dos eleitos expand_more

O segundo instrumento era acionado em casos de necessidade. A comissão de verificação de


poderes, encarregada de corroborar os resultados eleitorais, era o mecanismo adequado, e Campos
Salles fez os ajustes necessários para não a deixar ao sabor das disputas no interior do Legislativo.
Nas raras ocasiões em que as eleições estaduais escapavam às rédeas da situação, a Comissão
simplesmente impedia a titulação dos eleitos.

Esse equilíbrio político era complexo e frágil. Ainda que, na prática, negasse os princípios da cidadania
republicana, foi eficiente até que uma das unidades da federação, o Rio Grande do Sul, rompesse o pacto
não escrito entre o governo federal e as oligarquias estaduais, aliando-se a outros setores da sociedade
brasileira descontentes com os rumos políticos da Primeira República e tomando o poder pela força na
chamada Revolução de 1930.

Coronelismo: a base municipal do acordo


O livro Coronelismo, enxada e voto, do sociólogo Victor Nunes Leal, é uma síntese da vida política brasileira
na Primeira República. Publicado pela primeira vez em 1949, a obra tornou-se um clássico e nela seu autor
esquadrinha a prática política nos municípios e o significado do poder pessoal dos coronéis.

Coronel Marcolino Diniz e seus homens de confiança, Paraíba.

Para manter o poder que detinham no mundo rural, os coronéis usavam a força em muitas circunstâncias,
tanto para mostrar seu poderio a outros coronéis quanto, sobretudo, para exercer a dominação sobre os
trabalhadores rurais, em relação aos quais não só usavam de sua autoridade e poder no cotidiano, mas
também se utilizavam da violência quando isso lhes parecia adequado.

No entanto, a força e a violência não eram suficientes. Era preciso que os coronéis construíssem prestígio
no município. Esse prestígio era posto em evidência pelos sinais de riqueza e poder que ostentavam, pelas
benesses que distribuíam como favores pessoais, pelas melhorias que obtinham para o município através
de suas relações com o governo estadual ou federal e pelos investimentos que faziam com suas próprias
fortunas, pois lidavam com o que era público como algo que privadamente lhes pertencesse.
É ao seu interesse e à sua insistência que se devem os principais melhoramentos dos lugares. A
escola, a estrada, o correio, o telégrafo, a ferrovia, a igreja, o posto de saúde, o hospital, o clube, o
football, a linha de tiro, a luz elétrica, a rede de esgotos, a água encanada, tudo exige o seu esforço
[...] É com essas realizações de utilidade pública, algumas das quais dependem só do seu empenho
e prestígio político, enquanto outras podem requerer contribuições 3 pessoais suas e dos amigos, é
com elas que, em grande parte, o chefe municipal constrói ou conserva sua posição de liderança.

(LEAL, 1976, p. 37)

Coronéis eram os poderosos locais, assim chamados porque muitos deles tinham a patente de coronel da
Guarda Nacional, instituição fundada no império, mas que perdurou na República até 1918. A patente de
oficial da guarda nacional confirmava o poder local ao conferir a chancela do Estado ao mando pessoal que
exerciam.

As melhorias que os coronéis faziam ou conseguiam que o governo fizesse no município eram de seu
interesse, pois confirmavam aos olhos de todos o seu poder pessoal e a sua influência. Para tanto, usavam
uma moeda de troca poderosa: os votos que controlavam em seus currais eleitorais, ou seja, o voto de
cabresto.

Ilustração do voto de cabresto.

Você sabe o que é voto de cabresto?

Voto de cabresto expand_more

Voto de cabresto é o nome dado ao abuso do poder local que levava ao controle dos coronéis sobre
os eleitores para que votassem nos candidatos por eles apoiados. O controle do eleitorado se fazia
pela troca do voto por algum favor, pela compra do voto ou pelo uso da violência e da coerção.
Violentas estruturalmente, as eleições aumentavam ainda mais o grau de truculência em função das
rivalidades entre coronéis de facções opostas.
Na Primeira República, as eleições eram um ritual vazio, distante da prática democrática e do exercício da
cidadania pelo voto. A fraude eleitoral era a norma e supunha desde o roubo de urnas até o
desaparecimento das cédulas depositadas por eleitores da oposição, passando pelo voto dos fósforos,
nome dado a pessoas já mortas, mas que continuavam a figurar nas listas eleitorais.

Além disso, o voto não era secreto e o eleitor devia declará-lo à mesa eleitoral. A condição de alfabetizado,
imposta pela Constituição para ser eleitor, era atestada através da mera capacidade de assinar toscamente
o nome.

Para os eleitores pobres, a sobrevivência era a grande questão que se impunha, e o


voto dado a algum poderoso local poderia trazer em troca um emprego, a proteção
da família, a escola para os filhos.

Na perspectiva dos coronéis, eram eles que comandavam a política republicana, assim como atestou o
depoimento de José Bonifácio Lafayette de Andrada, político mineiro que se reconhecia como coronel por
exercer o poder político municipal:

A base é o chefe local, o coronel, que manda seus eleitores votarem


contra ou a favor de determinado candidato. Isso é a base. O coronel
é o homem que comanda a política nacional, porque é ele quem
elege os homens que a fazem. Sem ele ninguém é eleito.
(ANDRADA, 1982, p. 47)

Na perspectiva de Victor Nunes Leal, no entanto, era certo que os coronéis continuassem a exercer o poder
local tal como o haviam feito no império. O coronelismo era um elemento do sistema político próprio de um
momento específico da República, e isso ocorria por três razões:

As práticas coronelísticas do século XIX ocorriam em um contexto em que o poder local era
autônomo e, para afirmar-se localmente, não era necessário negociar com poderes regionais
ou com o poder central: no império, a malha municipal corria solta na trama da administração
e da política.
O coronelismo era próprio de uma sociedade eminentemente agrária, em que o eleitorado
estava concentrado nas áreas rurais. Logo, se pensarmos nos dias de hoje, embora as
práticas coronelísticas subsistam depois da Primeira República, não é possível utilizar o
conceito de coronelismo tal como proposto por Leal depois que o país se industrializou e a
população se tornou eminentemente urbana.

O coronelismo da Primeira República evidenciava não a força, mas, sim, o enfraquecimento do


poder local no sistema político nacional, uma vez que, ainda que controlassem os votos nos
municípios, os coronéis necessitavam e buscavam o apoio do poder público dos governos
estaduais e do governo federal para manter seu poder privado.

Embora o coronelismo, a enxada e o voto costurassem pela base a arquitetura política da Primeira
República, não é possível afirmar que era do município que se governava o país.

A política dos estados e a estabilidade da


ordem oligárquica
Nos municípios, os grupos chefiados pelos coronéis locais disputavam o poder, faziam e desfaziam
alianças, estabeleciam e rompiam acordos. Nos estados, os conflitos e arranjos oligárquicos reproduziam
essa mesma lógica e incidiam sobre a vida municipal. No governo federal, o Poder Legislativo espelhava as
disputas oligárquicas estaduais e regionais na Câmara dos Deputados federal e no Senado e as
alimentavam. O terreno sempre movediço das alianças e dos ódios entre as oligarquias paralisava o Poder
Executivo e inviabilizava a estabilidade da política nacional.

Os partidos políticos não existiam ou simplesmente expressavam disputas entre oligarquias. Os cargos
políticos eram vistos como uma propriedade a mais das famílias poderosas. Algumas dessas famílias
influentes eram: os Accioly, no Ceará; os Sousa Campos, no Sergipe; os Calmon, os Vianna e os Seabra na
Bahia; os Vieira, os Cunha Martins e os Araújo, no Maranhão; os Rosa e Silva em Pernambuco; os
Albuquerque Maranhão, no Rio Grande do Norte.
Para construir a estabilidade política e a possibilidade de governar, Campos Salles estabeleceu uma pauta
para a República que foi mantida por seus sucessores. Segundo essa pauta política:

O Poder Executivo federal não interferia na política estadual e apoiava uma dada oligarquia no
controle do poder estadual para receber em troca o suporte político daquele estado e o apoio
das bancadas estaduais no Legislativo para seu governo.

Da mesma maneira, a oligarquia no poder em determinado estado não intervinha na política


municipal e recebia em troca os votos que elegiam seus correligionários para o Legislativo
estadual e para a Câmara federal e o Senado.

Os coronéis que manipulavam os votos nos municípios, por sua vez, recebiam em troca
cargos políticos e verbas estaduais e federais que lhes permitiam confirmar seu prestígio e
seu poder pessoal no município.

A estabilidade da ordem oligárquica assim obtida era o resultado desse jogo de interesses mútuos que
criava condições para o acordo não formal entre o governo federal e as oligarquias estaduais, cuja
correlação de forças se expressava no governo de cada estado da federação. As condições para que o
presidente da República efetivamente exercesse sua autoridade e governasse o país dependiam de seu
entendimento com os chefes das oligarquias estaduais, já que a composição do Poder Legislativo
expressava a direção que essas oligarquias exerciam em seus estados.

Compromisso Constitucional de 1891.


Uma alteração no Regimento Interno da Câmara e a fraude sistemática nas eleições transformaram a
situação anterior que fazia do Legislativo a principal arena das disputas oligárquicas estaduais: com a
garantia de não intervenção do governo federal, as oligarquias dominantes se estabilizaram no poder
estadual e puderam comandar as eleições para o Legislativo federal, cuja composição passou a ser
expressão da força dessas oligarquias em seus estados.

Para que o presidente da República governasse, era fundamental seu entendimento


direto com os chefes estaduais e, por consequência, a submissão do Legislativo
federal ao Executivo. A esse entendimento chamou-se política dos governadores.

No reverso da estabilidade republicana, estabelecida através da política dos governadores, a triste


combinação entre fraude eleitoral e poder oligárquico indicava seu lado obscuro, que Rui Barbosa assim
resumiu:

Apreciando a eleição de 31 de dezembro nesta capital, disse o nosso colega da Tribuna que o
resultado trazido a lume pelos jornais ‘não exprime senão o que a fraude mais desbragada e
indecente, como 10 jamais se praticou, resolveu que fosse a expressão do voto popular’. [...] O
crime de todos nós está principalmente em não determinarmos confessar de uma vez a verdade
inteira. Ela não produzirá os seus efeitos salutares, enquanto nós não deliberarmos, afinal, a fazer
cada qual a sua penitência do nosso quinhão de co-responsabilidade na peste das instituições,
reconhecendo sem rodeios que elas mentem despejadamente ao país, isto é que, sob o nome de
república e democracia, o que a nossa pátria está a suportar, com tanta resignação quanto náusea,
é o absolutismo de uma oligarquia quase tão opressiva em cada um dos seus feudos quanto a dos
mandarins e a dos paxás.

(BARBOSA, 1975, p. 14)

Vamos refletir um pouco sobre fraude com a pergunta a seguir.

O que você tem a discutir sobre a fraude e a corrupção na história do Brasil? expand_more

Não lhe daremos uma resposta certa, mas um estímulo a continuar sua pesquisa, notando as
características estruturais e simbólicas de nossa sociedade.
Estabilidade? Vamos a um exemplo:
Contestado
Na região chamada de Contestado, ocorreu, entre 1912 e 1916, um movimento rural de cunho messiânico.

Saiba mais
Importante destacar que essa área era denominada Contestado devido ao fato de ser disputada por Paraná
e Santa Catarina.

Um movimento de caráter messiânico se estrutura a partir de uma liderança de caráter místico, sustentando
a ideia de redenção após um dado período de sofrimento. Para o movimento ter esse caráter, é preciso que
mantenha a noção de sacralidade e providência divina, a partir da qual se ampara, durante e depois do
período de provações, aqueles que nele estiverem engajados.

Em Contestado, o conflito ocorreu tanto por se tratar de uma zona rica em erva-mate como por ter
importantes recursos florestais. Além disso, havia os confrontos de terras nos quais os posseiros eram
expulsos por pretensos proprietários, além do coronelismo presente naquela região. Os grandes
proprietários locais buscavam manter expressivas quantidades de agregados às suas fazendas.

Em um clima de insegurança social, emergiu uma figura que ganhou imensa projeção local: o monge. A
figura do monge estava associada não só à reza, mas também à cura com ervas, benzimentos e fórmulas.
Cabe ressaltar que, nessa região, os médicos eram escassos e havia um olhar pejorativo em relação à
medicina, como se ela fosse invasiva e nem sempre eficaz.

João Maria de Jesus.

Entre os diversos monges da região, se destacava João Maria.

Recomendando águas santas, remédios caseiros e a penitência, João Maria foi expulso do Rio Grande do
Sul pelo presidente da província em 1849.
Contudo, sua fama de caridoso e curandeiro continuaria por todo o Sul do país.

As autoridades civis não aceitavam o fato de ele auxiliar rebeldes federalistas feridos. O segundo monge
João Maria permaneceria na região até 1908, quando não mais foi visto.

Contudo, sua pregação foi suficiente para que os camponeses locais lhe dessem um imenso crédito.

Em agosto de 1912, realizou-se uma festa no arraial de Taquaruçu, comandada por Praxedes Gomes
Damasceno, um pequeno comerciante e proprietário de terras. No desafio dos cantadores, venceu o que
afirmava ser a monarquia Lei de Deus e o ajuntamento para a festa não se dispersou. Francisco Ferreira de
Albuquerque, chefe político do município de Curitibanos, cidade onde se localizava o arraial, temia que a
reunião fosse um movimento liderado por seu opositor, o coronel Henriquinho de Almeida.

Desse modo, exigiu a presença do monge José Maria em Curitibanos, mas este argumentou que a distância
era rigorosamente a mesma e, portanto, ele aguardava o prefeito em Taquaruçu. O coronel Albuquerque
considerou a recusa um ato de insubordinação e comunicou-se com o governador do estado, Vidal Ramos,
informando sobre a criação de uma “monarquia” em Taquaruçu, na qual o “rei” José Maria teria formado seu
ministério com festeiros locais.

Rapidamente, a polícia aproximou-se do ajuntamento, mas José Maria e seus seguidores marcharam para
os campos do Irani, na época sob jurisdição do Paraná. A polícia paranaense foi informada por José Maria,
mas, na imprensa do estado, difundiu-se que a marcha de “fanáticos” era uma ação do governo catarinense
para forçar o cumprimento da sentença do Supremo Tribunal Federal que lhe garantia a maior parte da área
contestada.

A reação foi uma ação policial comandada pelo coronel João Gualberto, que prometia trazer os “fanáticos”
amarrados até Curitiba.

Tropas de infantaria na linha de frente na Guerra do Contestado.

Domingos Soares, chefe político de Palmas, município onde se localizavam os campos do Irani, tentou uma
mediação, para que houvesse a dispersão do grupo, e José Maria lhe pediu três dias de prazo para que
todos pudessem voltar às suas casas. Contudo, a polícia atacou antes do prazo, morrendo os dois líderes:
João Gualberto e José Maria.
No início de 1916, pressionados pela fome e sem condições de manter a resistência, muitos rebeldes
renderam-se. Adeodato, último chefe, foi preso alguns meses mais tarde e condenado a trinta anos de
prisão. Morreria, segundo a versão oficial, em uma tentativa de fuga.

Nos anos 1930, a experiência do Contestado seria demonizada como comunista no discurso dos padres da
região.
Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?


Questão 1

Leia atentamente o texto a seguir:

“Completamente analfabeto, ou quase, sem assistência médica, não lendo jornais, nem revistas, nas
quais se limita a ver as figuras, o trabalhador rural, a não ser em casos esporádicos, tem o patrão na
conta de benfeitor. No plano político, ele luta com o “coronel” e pelo “coronel”. Aí estão os votos de
cabresto, que resultam, em grande parte, da nossa organização econômica rural.” (Adaptado de: LEAL,
V. N. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976)

O coronelismo, fenômeno político da Primeira República (1889-1930), tinha como uma de suas
principais características o controle do voto, o que limitava, portanto, o exercício da cidadania. Nesse
período, essa prática estava vinculada a uma estrutura social

A igualitária, com um nível satisfatório de distribuição da renda.

B estagnada, com uma relativa harmonia entre as classes.

tradicional, com a manutenção da escravidão nos engenhos como forma produtiva


C
típica.

ditatorial, perturbada por um constante clima de opressão mantido pelo Exército e


D
polícia.
E agrária, marcada pela concentração da terra e do poder político local e regional.

Parabéns! A alternativa E está correta.

Para manter o poder que detinham no mundo rural, os coronéis usavam a força em muitas
circunstâncias, tanto para mostrar seu poderio a outros coronéis quanto, sobretudo, para exercer a
dominação sobre os trabalhadores rurais. Com relação a esses trabalhadores, os coronéis exerciam sua
autoridade e seu poder no cotidiano, bem como utilizavam-se da violência quando isso lhes parecia
adequado.

Questão 2

O problema central a ser resolvido pelo Novo Regime era a organização de outro pacto de poder que
pudesse substituir o arranjo imperial com grau suficiente de estabilidade. O próprio presidente Campos
Salles resumiu claramente seu objetivo: “É de lá, dos estados, que se governa a República, por cima das
multidões que tumultuam agitadas nas ruas da capital da União. A política dos estados é a política
nacional” (Adaptado de: CARVALHO, J. M. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi.
São Paulo: Companhia das Letras, 1987).

Nessa citação, o presidente do Brasil no período expressa uma estratégia política no sentido de

A governar com a adesão popular.

B atrair o apoio das oligarquias regionais.

C conferir maior autonomia às prefeituras.

D democratizar o poder do governo central.

E ampliar a influência da capital no cenário nacional.


Parabéns! A alternativa B está correta.

A estratégia política de atrair o apoio das oligarquias regionais durante a Primeira República visava
reorganizar as demandas e as relações de poder antes capitaneadas pelo poder imperial. Para tal,
usavam-se as bases dos estados e das oligarquias regionais como principal apoio ao poder central do
Estado e do presidente da República.

3 - O Rio de Janeiro, cidade capital: a vitrine


do progresso republicano
Ao final deste módulo, você será capaz de compreender o papel da cidade
do Rio de Janeiro no contexto de instauração da ordem republicana.

Vamos começar
Vamos agora compreender o papel simbólico conferido à cidade do Rio de Janeiro, capital da República, no
contexto de instauração da ordem republicana.
video_library
Cidades do Brasil
Cidades podem ser símbolos? Neste vídeo, vamos pensar sobre as cidades Republicanas que foram criadas
e projetadas para dar um sentido: os casos de Belo Horizonte, Aracaju e São Paulo.

Entre muitas cidades e a criação da cidade-


símbolo
O sucessor de Campos Salles na presidência da República, Rodrigues Alves, governou o país de 1902 a 1906
e tinha como um de seus projetos principais a reforma da capital federal.

A intenção do governo de Rodrigues Alves era modernizar a cidade, já que a mesma ainda tinha ares
coloniais, ruazinhas estreitas e tortuosas, ambulantes e graves problemas de saneamento que assustavam
os moradores, os visitantes vindos de outros estados e os viajantes estrangeiros.

Pessoas caminhando pela rua do Ouvidor, centro do Rio de Janeiro, maio de 1942.
Para realizar essa transformação, Rodrigues Alves não poupou verbas conseguidas através de novos
empréstimos feitos junto a banqueiros internacionais nem mediu esforços. A fim de ordenar e embelezar a
cidade, as obras iniciadas por Pereira Passos, o Haussmann tropical (BENCHIMOL, 1990), e comandadas
pelos engenheiros tinham três frentes:

Primeira frente expand_more

A urbanização da avenida Beira Mar, para embelezar a enseada de Botafogo, cartão postal da cidade

Avenida Beira Mar.

Segunda frente expand_more

A construção do novo cais do porto na praça Mauá, para permitir que navios de grande calado
atracassem na cidade, evitando o velho cais no qual antes atracavam ao largo, obrigando
passageiros e mercadorias a utilizarem um precário serviço de catraias e barquinhos para
desembarcarem na praça Quinze de novembro

Praça Mauá.
Terceira frente expand_more

A criação da soberba linha reta da avenida Central.

Avenida central.

Limpar, sanear, e civilizar a capital da


República
Enquanto os engenheiros derrubavam e construíam prédios monumentais planejados por arquitetos,
Oswaldo Cruz empreendia uma cruzada para sanear a cidade. Cientista com estudos em microbiologia e
soroterapia feitos em Paris, o médico comandava as ações saneadoras voltadas para moradias insalubres,
ruas cheias de ratos transmissores de peste bubônica e hábitos pouco saudáveis da população.

Comentário
O Rio de Janeiro foi tomado por um exército da saúde pública, que o povo logo chamou de mata-mosquitos,
pois entravam nas casas com seus instrumentos de combate aos insetos transmissores de doenças como
a febre amarela.

Para controlar a varíola que assolava a cidade (CHALHOUB, 1996), o governo encaminhou um projeto de lei
que tornava obrigatória a vacina antivariólica. Os agentes da saúde pública, que antes devassavam as casas
para combater mosquitos e ratos, passaram a devassar também os corpos dos moradores da cidade para
vacinar, mesmo contra a vontade, toda a população.
A revolta da vacina (publicada na revista O Malho, em 1904).

A população se via descontente com as reformas, e também sem compreender as medidas saneadoras
impostas pelo governo e as posturas municipais supostamente civilizadoras que proibiam, por exemplo, a
circulação na avenida sem sapatos, paletó e gravata. Por conta disso, se insurgiu o movimento conhecido
como Revolta da Vacina.

O papel simbólico do Rio de Janeiro e o Brasil da Belle


Époque
O que explicava o empenho, os gastos astronômicos e o desgaste político para reformar e sanear a cidade
do Rio de Janeiro, se Rodrigues Alves sabia que era com a influência dos demais estados que se governava?

Exemplo
Na compreensão da historiadora Margarida de Souza Neves (2003b), isso ocorreu porque uma cidade-
capital não o é apenas por sediar o governo, ou por ser a mais populosa ou por concentrar as principais
atividades econômicas e culturais do país. Uma cidade-capital é uma representação do país para ele
mesmo e para o mundo. Por esse motivo, deve ser a síntese dos projetos e da identidade que se quer para
esse país.

Ainda que a ordem tivesse seus alicerces nas práticas políticas do passado, era importante que a República
construísse, no Rio de Janeiro, um cenário de progresso que apagasse a memória colonial e anunciasse um
projeto de futuro que já fosse uma realidade no presente, mesmo se pouco mudasse na cidade e no país.
Para o discurso oficial, os dois quilômetros da avenida Central eram a imagem do Rio de Janeiro, e a cidade-
capital, por sua vez, era a imagem do Brasil.

Na virada do século XIX para o XX, a Europa viveu um período de grande otimismo chamado de Belle
Époque, expressão francesa que significa Bela Época. Eram tempos de paz no continente europeu. Havia
grande entusiasmo com o progresso e com as novas invenções da ciência e da técnica, tais como o
telefone, o cinema, o avião e o telégrafo. Houve também grandes transformações nos hábitos cotidianos,
crescimento da indústria e novidades no campo das artes e da cultura.
Santos Dumont - 14 Bis.

No Brasil, a Belle Époque foi, sobretudo, uma moda vivida pelos elegantes que copiavam formas e modos de
vida da burguesia francesa sem que o país tivesse de fato uma burguesia industrial. Nicolau Sevcenko
(2003, p. 35) alude a uma inserção compulsória do Brasil na Belle Époque.

Exemplo de construção na Belle Époque: Palácio Monroe.

O lugar periférico do Brasil no cenário internacional fez com que o país, sempre atento ao que se passava e
ao que se pensava nas capitais europeias, copiasse modismos da Belle Époque. Contudo, os tempos não
eram efetivamente belos para os brasileiros, a não ser para uma minoria de privilegiados que, por certo,
passavam longas temporadas em Londres, em Paris ou em Viena.

Sarau, de Columbano Pinheiro (1880)

O café das fazendas paulistas continuava a ser o primeiro produto da pauta de exportação. A borracha
ocupou um lugar significativo em nossas exportações apenas por um curto período, até que em 1910 a
produção dos seringais amazônicos passou por uma crise de difícil e penosa extração. A economia
brasileira continuava sem um mercado consumidor interno solidamente constituído e sem atividades
industriais consolidadas.

A economia do país era sustentada pela exportação de produtos agrícolas não


essenciais para as atividades industriais dos países europeus e para os Estados
Unidos, que os importavam ou suplantavam por novos mercados produtores, tais
como: cacau, borracha, algodão, açúcar, tabaco, erva mate, couro e pele.

Esses produtos, somados ao café que imperava absoluto na pauta de exportações brasileiras,
representaram de 1870 até a Primeira Grande Guerra de 1914 mais de 90% do que exportava o país. Sua
fragilidade se faria patente quando a guerra trouxe cortes significativos das exportações e queda nas
importações de produtos industrializados.

Na sociedade, poucos foram os que puderam gozar dos luxos e dos prazeres da Belle Époque. No interior
dos estados da federação, os trabalhadores continuavam a viver em condições precárias, submetidos ao
poder pessoal dos coronéis e dependentes de sua vontade soberana.

Nas cidades, os pobres continuaram a trabalhar nas fábricas nascentes, no comércio e no setor de serviços
em troca de salários baixos, sem nenhuma conquista no campo da legislação trabalhista e em condições de
vida e de trabalho aviltantes.

Retirantes de Candido Portinari (1944)

As reformas urbanas construíram uma fachada moderna nas cidades, buscaram controlar e disciplinar as
multidões urbanas quer pela imposição de uma ética positiva do trabalho, quer pela ação das forças de
segurança e ordem. Mas mesmo na capital federal as melhorias dividiam a cidade entre os bairros
elegantes, beneficiados pelas obras de saneamento e urbanização, e os subúrbios, cujos bairros pobres
eram quase sempre abandonados pelo poder público.
O fim da política dos governadores nos anos
1920
Segundo Ferreira e Pinto (2003):

Na década de 1920, a sociedade brasileira viveu um período de grande


efervescência e profundas transformações. Mergulhado numa crise cujos
sintomas se manifestam nos mais variados planos, o país experimentou uma
fase de transição cujas rupturas mais drásticas se concretizaram a partir de
1930.

(FERREIRA; PINTO 2003, p. 389)

No plano político, os problemas do “federalismo desigual”, que confundia os interesses nacionais com os de
Minas Gerais e de São Paulo e subordinava os demais estados da federação ao comando político das
oligarquias paulista e mineira, começavam a aparecer.

Assim, bem pesada, a Política dos Governadores não se resumia a transferir as


disputas oligárquicas que se concentravam no Congresso para o âmbito dos
estados; ela se caracterizou também por criar uma hierarquia entre eles - as
oligarquias de primeira grandeza decidiam sobre a chefia do Executivo Federal
e as demais apoiavam a decisão, em nome da garantia de sua permanência à
frente dos governos de seus respectivos estados.

(CARVALHO, 2001, p. 98)

Nem sempre, no entanto, as oligarquias de segunda grandeza, em especial as do Rio de Janeiro, Bahia, Rio
Grande do Sul e Pernambuco, se conformavam com seu lugar subordinado. Foi o que sucedeu quando
esses estados, no movimento conhecido como Reação Republicana, se congregaram em torno das eleições
presidenciais realizadas em março de 1922, com as candidaturas de:
Nilo Peçanha

Candidato de Minas Gerais.

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Artur Bernardes

Candidato de São Paulo.

Artur Bernardes foi eleito, como era previsível, mas a crise estava anunciada e retornaria, irreversivelmente,
na campanha à sucessão de Washington Luís em 1930, quando os resultados eleitorais que deram a vitória
a Júlio Prestes não foram reconhecidos e a revolução estourou no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e no
Nordeste.

Em 3 de novembro de 1930, Getúlio Vargas, derrotado nas eleições, foi empossado no cargo de presidente
da República pelas forças revolucionárias que se haviam levantado contra o arbítrio oligárquico e em nome
dos novos tempos. O poder foi tomado com a pretensão de construir um país moderno e de responder às
novas demandas sociais postas em cena ao longo dos anos 1920.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1

O governo de Rodrigues Alves (1902-1906) foi responsável pelos processos de modernização e


urbanização da então capital federal, o Rio de Janeiro. Coube ao prefeito Pereira Passos a urbanização
da cidade e ao doutor Oswaldo Cruz o seu saneamento, visando combater principalmente a febre
amarela, a peste bubônica e a varíola. Essa política de urbanização e saneamento público, apesar de
necessária e modernizante, encontrou forte oposição junto à população pobre da cidade e à opinião
pública porque

mudava o perfil da cidade e acabava com os altos índices de mortalidade infantil entre a
A
população pobre.

transformava o centro da cidade em área exclusivamente comercial e financeira e


B
acabava com os infectos quiosques.

desabrigava milhares de famílias, em virtude da desapropriação de suas residências, e


C
obrigava a vacinação antivariólica.

provocava o surgimento de novos bairros que receberiam, desde o início, energia


D
elétrica e saneamento básico.

implantava uma política habitacional e de saúde para as novas áreas de expansão


E
urbana, em harmonia com o programa de ampliação dos transportes coletivos.

Parabéns! A alternativa C está correta.

A população não compreendia como as reformas iriam melhorar sua vida nem o significado das
medidas saneadoras impostas pelo governo. Revoltada com as posturas municipais supostamente
civilizadoras que proibiam, por exemplo, a circulação na avenida, sem sapatos, paletó e gravata, a
população se insurge no movimento que ficou conhecido como Revolta da Vacina.

Questão 2

(UNICAMP, 2016) “O Rio civiliza-se!” eis a exclamação que irrompe de todos os peitos cariocas. Temos
a avenida Central, a Avenida Beira Mar (os nossos Campos Elíseos), estátuas em toda a parte, cafés e
confeitarias (…), um assassinato por dia, um escândalo por semana, cartomantes, médiuns, automóveis,
autobus, autores dramáticos, grandmonde, demi-monde, enfim todos os apetrechos das grandes
capitais. (“O Chat Noir”, em Fon-Fon! Nº 41, 1907. Extraído de
www.objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/fonfon/fonfon1907)

A partir do excerto, que se refere ao período da Belle Époque no Brasil, no início do século XX, analise as
afirmações:

I. O Rio de Janeiro procurava apagar aspectos da época do império e impulsionar a cultura francesa.

II. A cidade expressava as contradições de um processo de transformações urbanas, sociais e políticas


nas primeiras décadas da República.

III. A modernização representou um processo de exclusão social e cultural, patrocinado pelo governo
francês, que financiava obras públicas e impunha os produtos franceses à população brasileira.

IV. Os costumes franceses eram elementos incorporados pela sociedade carioca como sinônimo da
modernização republicana.

Está correto o que se afirma em:

A Apenas I, II e III

B Apenas I, III e IV

C Apenas I, II e IV
D Apenas II e IV

E Apenas I e II

Parabéns! A alternativa C está correta.

A afirmação III está incorreta porque, na verdade, Belle Époque no Brasil diz respeito à moda vivida pelos
elegantes que copiavam formas e modos de vida da burguesia francesa sem que o país tivesse de fato
uma burguesia industrial.

Considerações finais
Sertão, campo e cidade na política brasileira representaram uma estrutura que hoje nos ajuda a entender o
funcionamento da República fundada no início do século XX. Ao longo de nosso estudo, passamos pela
relação existente entre o sertão, o campo e a cidade associados aos fenômenos políticos da Primeira
República. Assim, pudemos conhecer a política dos governadores, o coronelismo e os novos ideais de
urbanidade no Brasil.

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Podcast
Neste podcast, o especialista irá discorrer sobre o tema, a partir de algumas questões, como: os projetos
republicanos nos primeiros anos da República; os elementos fundamentais da Primeira República no
contexto do Governo de Campos Salles; o papel da cidade do Rio de Janeiro no contexto da instauração da
ordem Republicana.
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Assista ao filme 1930: tempo de revolução, de Eduardo Escorel, 1990. Neste filme, você encontrará um ótimo
resumo sobre o contexto político da primeira república e o coronelismo.

Leia o artigo Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual, de José Murilo de
Carvalho, sobre o coronelismo e as continuidades dessa política ao longo da história republicana brasileira.

Leia o livro A alma encantadora das ruas, de João do Rio. Trata-se de uma coletânea de crônicas que retrata
literariamente, de maneira crítica, as mudanças na cidade do Rio de Janeiro do início do século. Leia, em
especial, a crônica “A Rua”.

Leia a matéria “Revolta da Vacina, 116 anos: diferenças e semelhanças com a onda negacionista atual”, de
Daniel Giovanaz, publicada no site Brasil de Fato. A matéria apresenta uma boa comparação entre o
contexto da Revolta da Vacina e a situação contemporânea envolvendo a pandemia de covid-19.

Referências
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São Paulo: O Estado de São Paulo, 1982.

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Cultura/Fundação Casa de Rui Barbosa, 1975.

BENCHIMOL, J. L. Pereira Passos: um Haussmann Tropical. A renovação urbana do Rio de Janeiro no início
do século XX. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esporte/Departamento Geral de
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1996.

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