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A REPÚBLICA QUE NÃO ALCANÇOU O PÚBLICO

A palavra República deriva do latim, res publica, “coisa pública”. Isso significa que o
governo deve ser feito em nome do interesse da coisa pública, deve proteger as
instituições estatais e cuidar de seu funcionamento adequado. Não é tão simples e
fácil como parece, e isso já foi percebido ainda no aparecimento da República, em
Roma antiga. No Brasil, a República está em construção desde 1889, a passos muito
lentos e longos recuos.

A origem: a República Romana Pensar em República nos obriga invariavelmente a


uma breve viagem no tempo histórico onde as formulações desta ideia foram
elaboradas. Foi em Roma em 509 a.C., com a queda da monarquia, que foi instituída,
pela primeira vez, a República. No lugar de um rei com mandato vitalício, o governo
passou a ser exercido por dois cônsules com mandato anual, eleitos pelos cidadãos e
aconselhados pelo Senado.

Cícero, o mais eminente ideólogo do republicanismo romano afirmou que para evitar o
descontrole da plebe, a aristocracia tomava um papel mediador conciliando todos os
interesses em prol do bem-estar do povo. Para o filósofo, a igualdade de direitos era
uma “quimera impossível” e a República, por conseguinte, uma utopia. Na república
romana, a res publica esteva nas mãos dos patrícios, uma elite privilegiada. Assim,
ideal republicano quando foi empregado pela primeira vez, serviu para promover a
manutenção do poder político nas mãos da elite, os patrícios. E conforme Cícero
propunha, a busca pela igualdade social não estava inserida.

A construção da República no Brasil


A considerar seus vizinhos hispano-americanos, o Brasil desenvolveu um movimento
mais lento em relação à adoção do sistema republicano. O escravismo e o
analfabetismo eram as marcas da grande desigualdade social que imperava no país.
Como resultado, tivemos a predominância do poder político e econômico nas mãos de
uma elite econômica que sustentava e apoiava a Monarquia.

No dia 13 de dezembro de 1870, o Partido Republicano do Rio de Janeiro divulgou o


Manifesto Republicano no jornal A República. O documento criticava abertamente a
Monarquia de D. Pedro II, referindo-se a temas como a soberania nacional, liberdade
individual, liberdade econômica. Mas, o manifesto não abordava o fim do escravismo
no Brasil. José do Patrocínio, jornalista negro republicano e abolicionista ferrenho, se
pôs a Quintino Bocaiúva, líder do Partido Republicano do Rio de Janeiro por esse
silêncio. Bocaiúva, por sua vez, defendia que, embora o republicanismo estivesse
diretamente vinculado ao abolicionismo, não era o momento propício para defender a
ruptura com o modelo escravista
estabelecido, visto que necessitavam do apoio dos fazendeiros donos de escravizados
no Rio de janeiro e em São Paulo para conseguirem defender a ideia da República. A
Lei Áurea, foi assinada em 1888, pela Monarquia, e como desdobramento foi
proclamada a República em 1889. A Lei contrariava os planos de Bocaiúva que
pretendia promover uma abolição gradual para reduzir os danos aos escravistas.
A República implantada em 1889 A República proclamada em 15 de novembro de
1889 veio por meio de um golpe militar protagonizado pelo marechal Deodoro da
Fonseca, ex-aliado do imperador D. Pedro II. Um processo que ocorreu sem a
participação popular e que não visava construir uma República para sanar a
desigualdade social que continuaria a afligir os brasileiros ainda por muito tempo. O
jornalista Aristides Lobo, testemunha do fato, disse que o povo assistiu bestializado o
evento.

Posteriormente, José Murilo de Carvalho em sua robusta pesquisa, observou que a


população em geral não era bestializada e sim, bilontras, pois ao fim e ao cabo,
sabiam que aquela República não lhes seria benéfica e não tinham motivos para
aplaudir o regime que se instaurava. Referindo-se às queixas da população do Rio de
Janeiro, Carvalho observa que: “As queixas não revelavam oposição ao Estado. Eram
antes reclamações (…). Entre as reivindicações, não se colocava a de participação
nas decisões, a de ser ouvido ou representado. O Estado aparece como algo a que se
recorre, como algo necessário e útil, mas que permanece fora do controle, externo ao
cidadão. (…) É uma visão antes de súdito que de cidadão, de quem se coloca como
objeto da ação do Estado e não de quem se julga no direito de a influenciar”
(CARVALHO, p. 146-7.) Esse comportamento de indiferença pela participação política,
de não entender o governo como responsabilidade coletiva marcou a implantação e o
desdobramento da República no Brasil. Uma República sem cidadãos com
espírito republicano.

A ideia da res publica, a coisa pública, que põe em relevo o interesse comum, a coisa
do povo, o bem comum, a comunidade enfim, não se configurou na República
brasileira. Tampouco o primeiro presidente, Deodoro da Fonseca, demonstrou espírito
republicano quando, em 1891, desentendendo-se com seus ministros e o Congresso,
desferiu um golpe de Estado. O país entrou em um período de autoritarismo que, ao
final, foi apaziguado com as oligarquias tomando o poder em todas as esferas –
municipal, estadual e federal – exercendo-o para garantir seus próprios interesses e
não o interesse comum como preconiza a República. Valeram-se da República para
assegurar a manutenção do status quo dominante. A ordem republicana, isto é, a
busca do bem comum e da coisa pública, não foi instaurada com a República. O Brasil
de 1889 a 1930 pouco se diferenciava da sociedade legada pela escravidão.
“A República foi organizada a partir de um jogo político regionalista, oligárquico
e excludente que reproduziu o fosso entre povo e Estado (…) fincou raízes em
um localismo mandonista e em práticas clientelísticas autoritárias,
desinteressadas da cidadania e da liberdade política. O espírito republicano
formado no embate ideológico dos finais do Império, desta forma, esfriaria
gradualmente durante as três primeiras décadas da implantação do novo
regime.” (NOGUEIRA, 2006,)

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