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A invenção do trabalhismo

Ângela de Castro Gomes


Os anos 20: o debate ou a “razão se dá
aos loucos”
1- O ano de 1920

- 1917-1919: grandes e vitoriosas greves


por todo território nacional (Recife,
Salvador, São Paulo, Porto Alegre e Rio
de Janeiro);
- A questão social: a disputa entre
anarquistas, comunistas, trabalhista
nacionais;
- A Aliança Liberal e o movimento de 1930;
- A Revolução Constitucionalista em 1932;
- 1933: Nova Constituinte;
- 1935: Intentona Comunista;
- 1937: Estado Novo
- 1942: Brasil entra na Guerra ao lado dos
aliados;
- 1945: fim da Guerra e da Era Vargas
 Era Vargas (Estado forte e interventor):
 - Período de Estado de compromissos, dada a ausência
de hegemonias políticas claras;
 - Experiências mundiais de maior intervenção do
Estado;
 - Influência do tenentismo e de pensadores autoritários;
 - Necessidades pragmáticas da burguesia industrial para
sua expansão;
 - Experiências cumulativas até o Estado Novo, quando
uma nova institucionalidade é implementada tendo por
base a ideologia do corporativismo autoritário;
O redescobrimento do Brasil
1- A cultura política

- a ideologia como acontecimento do que


ainda não existe;
- o Estado Novo como construção a partir
de elaborações não homogêneas e que
foram sendo apropriadas por líderes,
instituições e intelectuais ao longo do
tempo;
- Tais apropriações eram reproduzidas e
dirigidas para o grande público através de
uma verdadeira máquina de propaganda
político-ideológica, o DIP (Departamento
de Imprensa e Propaganda);
- Por meio delas se instituiu uma nova
cultura política definindo o regime, como
novo, que reescrevia a história do país,
como de democracia social e
revolucionário.
2- Revolução de 30 e Estado Novo
- Para os seus ideólogos, o Estado Novo
representava a culminância de um
verdadeiro processo revolucionário
iniciado em 1930;
- Uma revolução verdadeiramente
criadora, ao contrário do espírito
destrutivo da tradição liberal e socialista;
- criadora e restauradora da verdade do
sentimento nacional, da cultura do povo;
- A Revolução de 30 teria vencido o
falseamento político representado pela
Primeira República, onde a violência do
liberalismo individualista e o alheamento de
nossas elites, e que teria esquecido os
sentimentos nacionais e as necessidades do
povo brasileiro;
- Naquele quadro de degradação e corrupção
da vida nacional teria nascido o caos e o perigo
da desordem com a questão social (greves de
1917-1919; revoltas do tenentismo);
- Caos e perigo que a Revolução soube
enfrentar e o Estado Novo, enquanto novo
pacto político entre elites e povo, mediado
pelo Estado – é o legítimo representante
da “vontade nacional”;
- Tudo graças à magnânima liderança e
personalidade de Vargas;
3- Questão social e Estado Nacional
- No centro desta releitura da história
brasileira que culminaria com a Revolução
restauradora, estava o objetivo máximo dos
revolucionários: a questão social;
- ao longo das últimas décadas a questão
social teria sido relegada a segundo plano e
que naquele momento seria enfrentada com
o caminhar do Estado em direção à situação
do operário, com a adoção de legislação de
proteção ao trabalhador e à sua família;
4- A democracia social brasileira
- A democracia que surgiu nas lutas liberais
ao longo dos séculos XVIII e XIX
representavam a luta contra o poder
absoluto e era realizada por oligarquias
capitalistas;
- Daí o seu caráter individualista e
representativo de interesses das classes
burguesas; que abandonavam, à própria
sorte, a massa do povo sem nenhuma
proteção do Estado;
- Os meios de realização da democracia liberal, através de
um mercado político de idéias, seria um verdadeiro
embuste, pois somente os interesses e idéias do grande
capital se viabilizava neste tipo de democracia (cuja ação
se constituía na arte de enganar o próximo – sob apetites
egoístas);
 - Uma nova democracia deveria ser construída, ela fugiria
dos erros do liberalismo (o abandono da pessoa) e do
perigo do totalitarismo (a sua submissão ao Estado). Ela
deveria buscar a dignidade da pessoa humana, com a
valorização do trabalhador (seus interesses e sua inserção
na comunidade nacional); na identificação positiva entre
cidadania e trabalho;
5- A liberdade e a igualdade liberais
- O liberalismo partilhava a ideia de que os homens
são naturalmente livres e iguais: tal abordagem
decorria da luta contra o absolutismo e, por isso,
postulou a ideia do Estado negativo: que deve agir
para garantir as liberdades individuais e a
concorrente igualdade dos homens de direitos e
interesses em seu ambiente privado;
 - de acordo dos pressupostos estabelecidos, a noção
de disputas e lutas são consideradas positivas;
 - A política, o Estado, seria o pacto ou contrato
desses homens livres e iguais;
-Para os ideólogos do Estado Novo, não
havia homens iguais; na verdade os homens
são diferentes por natureza e, assim, vivem
em sociedade; somente a ação política, a
partir da autoridade do Estado poderia
garantir o mínimo de igualdade para uma
vida social com dignidade para o povo: da
presença ativa da autoridade é que se poderia
constituir um povo nacional livre e uma
sociedade mais próxima da justiça social;
- Desse modo, a pactuação política democrático-
social, exigia novos mecanismos, ao abandonar
o ficcionismo do sufrágio eleitoral; ela seria
organizada em novas bases e reuniria os corpos
dos trabalhadores no conjunto da nação, através
de sindicatos vinculados aos Estado; assim,
todos os interesses poderiam ser
verdadeiramente representados;
-Seria com a mediação da autoridade política que
a liberdade individual da maioria se efetivaria na
prática;
6- A questão do intervencionismo do
Estado
- Uma nova proposta de arcabouço estatal foi
proclamada: nem o Estado liberal e nem o
Estado totalitário;
- Os interesses individuais, da iniciativa
privada, deveriam ser preservados; no entanto,
mediados pela noção de justiça social;
- Assim, a democracia social seria mais
compatível com o liberalismo econômico do
que com o liberalismo político (impede
efetividade do Estado em por limites aos
egoísmos privados);
7- A crítica ao formalismo político ou à
questão da representação
 - A democracia social não seria resultado de
contradições e dissensos doutrinários e de
interesses no jogo do mercado político;
 - O fundamento da democracia social é a junção ou
vínculo de todos à nação;
 - No encontro do “sentido da nação” com os
interesses individuais, e nas próprias instituições
estaria o fundamento da democracia social;
 - O Estado, a autoridade nacional, como que
imbuído de tal busca ou já pressentindo tal “sentido
nacional”, possuiria uma função orientadora;
- No centro de tal proposta emergia a noção
humanista cristã-católica da pessoa humana, sem os
atributos egoísticos do liberalismo; capaz de viver
em comunidade, expressar solidariedade, entrar em
contato íntimo e profundo com o sentimento de
coletividade, de pertencimento à uma realidade
superior;
- A essência dessa pessoa seria a cooperação ou a
compaixão e não a luta egoísta por seus interesses;
- Por sobre toda arquitetura política imaginada, a
figura pessoal do Presidente, de Vargas (o líder, o
pai, o estadista);
A invenção do trabalhismo
1- Falando aos trabalhadores brasileiros

-Análise dos discursos do ministro Marcondes


Filho, veiculados todas as quintas-feiras no
programa a “Conversa com os trabalhadores
brasileiros” (fevereiro de 1942-julho de
1945);
- seu discurso era reproduzido no jornal A
Manhã e a partir de 1944 passou a falar
diariamente também na Rádio Mauá;
- Não era uma originalidade, mas pela primeira
vez uma autoridade desse nível, se dirigia com
tamanha freqüência ao grande público;
 - A necessidade seria divulgar as novidades da
legislação social ao povo que a ignorava, bem
como promover as realizações do Estado Novo;
 - Difícil saber o resultado, mas deve-se imaginar
que as apropriações não eram insignificantes;
 - Os discursos cessam quando o Regime já estava
em plena crise e havia o processo de
redemocratização do país, em 1945;
2- Criação do tempo festivo
 - Além dessa aproximação via meios de
comunicação; a criação do tempo festivo:
 - Comemorações do Dia Primeiro de Maio (com
presentes para o trabalhador Brasileiro);
 - O Aniversário de Vargas a 19 de abril (almoço,
missas, bailes, inaugurações);
 - O aniversário do Estado Novo a 10 de novembro;
 - 07 de setembro (a situação da guerra e as
questões militares);
 - Dias de Natal;
 - Ano Bom (dedicada ao lar operário);
3- O Povo e o Presidente
- Importância especial era dada à figura de Vargas nos
discursos de Marcondes Filho;
- Vargas o líder, o guia, o gênio, o clarividente, o
estadista, o pai, em tudo agia para que a nação tivesse
a melhor sorte e em especial os trabalhadores
brasileiros;
- Aqui no Brasil, ao contrário de outros lugares onde
as leis sociais foram somente alcançadas após muitas
lutas, o Presidente com sua magnanimidade havia
outorgado aos trabalhadores brasileiros as novas
condições de trabalho e de vida, com a legislação
social;
- Os trabalhadores, agora seriam outros
cidadãos: incorporados à cidadania
nacional, verdadeiramente correspondiam
com o seu esforço para o soerguimento da
nação e inclusive com o “esforço de
guerra” (que suspendeu alguns direitos
trabalhistas, como férias e jornadas de 10
horas);
- Desse modo, criou-se o mito de Vargas;
inexistente até 1937;
4- Dar, receber, retribuir – a política
brasileira fora do mercado
- Na construção de uma ideologia política
da outorga, das leis sociais; Vargas
reinventou o imaginário social da doação;
- Como líder ele doava, por meio do
Estado, os bens de fortuna que garantiam as
condições de cidadania do povo
trabalhador; o que significava, na condição
de guia e pai, o cumprimento de uma
responsabilidade e de um compromisso;
- Por outro lado, ao ato de doar correspondia à
obrigação do reconhecimento e da obediência;
reconhecimento do bem fazer, do líder do Estado e
do próprio Estado, em prol da comunidade nacional;
 - bem como, significava imposição de uma obrigação,
ao polo receptor, de um dever ético, da retribuição,
que perdura e se amplia no tempo;
 - Não se trata assim, de um contrato de negócios que
se trocam valores equivalentes, mas o que se propõem
aos atores é um pacto moral, entre a pessoa de Vargas
(o credor) e a pessoa coletiva nacional (o devedor). O
que também legitimava o castigo, aos infratores!
 - Articulado a isso e à política social, as atuações
também na área da saúde e educação:
 - Saúde: especialmente as políticas de proteção
do trabalhador (seguridade social); mas também,
as políticas de promoção de saúde da família do
trabalhador; as primeiras iniciativas de políticas
públicas de casa própria;
 - Longe da figura do Jeca Tatu, a imagem
valorizada do trabalhador brasileiro seria a do
homem vigoroso, dedicado aos próprios
desígnios, da família e da nação;
 - Também a partir do Ministério da Educação, foram
tomadas iniciativas para expandir a escola pública em
todo o país e em especial a educação voltada a
formação do trabalhador com o ensino técnico-
profissionalizante;
 - No campo da arte e da cultura a valorização da arte
nacional e popular, inclusive do samba;
 - Foi também criado o Serviço de Recreação Operária
em 1943, visando desenvolver centros de recreação
com bibliotecas, cinemas, rádio, discotecas, centro de
educação física e esportes, para os trabalhadores
sindicalizados;
- A alteridadeda identidade construída
seria a do malandro, do vagabundo, do
subversivo descompromissado com os
ideais nacionais, expostos à vigília
policial;
- Com isso implantava-se verdadeiro
processo de “governabilidade” dos
corpos, no sentido de os transformar em
cidadãos-trabalhadores;

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