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18 de fevereiro de 2023
Grelha de correção
Nota:
O conteúdo da grelha disponibilizada reflete as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da forma e da
substância, se reputam as mais corretas em função das peças facultadas e dos dados do processo e que devem, na
prova do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outros tipos de abordagem, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face
aos dados facultados e que se revelem suportados em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizados, na
medida do respetivo mérito.
CASO I
Questão 1 - (4 valores)
Qualifique o acordo celebrado, em janeiro de 2021, entre Ana e Beatriz, apreciando a respetiva validade.
- Qualificar o acordo celebrado entre Ana e Beatriz como um contrato de trespasse de estabelecimento comercial,
recorrendo, face à ausência de uma definição legal, ao disposto no artigo 1112.º, n.º 2, do Código Civil e aos contributos
da doutrina e da jurisprudência;
- Assinalar que tal acordo teve por objeto o conjunto de bens e direitos que se destinavam ao exercício da atividade
comercial de venda e prestação de serviços de confecção e decoração de bolos de aniversário, constituindo um
estabelecimento comercial; referir que esse estabelecimento comercial foi transmitido por Ana a Beatriz juntamente
com a posição de arrendatária do espaço onde o mesmo estava instalado;
- Salientar que o negócio subjacente ao contrato de trespasse consistiu numa compra e venda do estabelecimento
comercial, uma vez que a transmissão da titularidade do estabelecimento ocorreu mediante contrato de alienação de
coisas e direitos, mediante o pagamento de um preço, o qual foi parcialmente entregue por Beatriz a Ana (artigo 874.º
do Código Civil);
- Mencionar que tal contrato, contemplando a posição de arrendatária, deveria ser celebrado por escrito e comunicado
ao senhorio, concluindo, em face dos elementos disponibilizados, que não foi observada a forma escrita, pelo que o
contrato é nulo (artigos 220.º e 1112.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do Código Civil).
Questão 2 - (6 valores)
Considerando os elementos disponibilizados e tendo presente a ação instaurada por Beatriz, enquadre do ponto de
vista jurídico-substantivo, a solução a dar ao litígio.
- Referir que o Tribunal deve conhecer oficiosamente a nulidade do contrato de trespasse, declarando o mesmo nulo,
por falta de forma, concluindo, em consequência, pela improcedência do pedido de declaração da resolução do
contrato (artigos 220.º, 286.º e 1112.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do Código Civil);
- Enunciar os efeitos da nulidade do contrato de trespasse, referindo que a Ré deve restituir à Autora a totalidade da
quantia de 3.500 Euros (correspondente à parte do preço entregue por Beatriz) ou o valor correspondente à diferença
entre a parte do preço entregue e o valor do benefício que Beatriz retirou da efetiva utilização do estabelecimento
comercial, entre fevereiro e setembro de 2021. Em qualquer das hipóteses, fazer referência ao disposto no artigo 289.º,
n.º 1, do Código Civil e ao Assento n.º 4/95 (DR 114/95 Série I-A, de 17-05), concluindo em conformidade pela
procedência total ou parcial do pedido de condenação de 3.500 Euros;
- Sustentar que o contrato de trespasse celebrado entre as partes não produziu os seus efeitos, por ter sido declarado
nulo, afastando a possibilidade de procedência dos pedidos de condenação, respeitantes aos danos patrimoniais e não
patrimoniais, com fundamento no incumprimento contratual da Ré;
- Equacionar, quanto a esses dois pedidos, se tais danos poderiam ser ressarcidos com fundamento na responsabilidade
por factos ilícitos, ao abrigo do disposto nos artigos 483.º, 487.º e 562.º a 564.º do Código Civil;
- Problematizar se a conduta da Ré, ao substituir a fechadura da loja sem entregar à Autora a nova chave, privando-a
de aceder àquele espaço e aos bens por esta adquiridos e confecionados, violou o direito de propriedade da Autora,
apreciando se tais factos se subsumem aos pressupostos da ação direta, previstos no artigo 336.º, n.ºs 1 e 2, do Código
Civil, concluindo negativamente;
- Sustentar, em conformidade, a procedência da pretensão da Autora, no que toca aos danos patrimoniais, no valor de
1500 Euros (artigos 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1, e 566.º, do Código Civil);
- Quanto aos danos não patrimoniais, enquadrar o pedido formulado à luz do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil,
considerando que os mesmos merecem a tutela do direito, concluindo pela sua procedência total ou parcial, sendo o
montante de indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, conforme estatuído no n.º 4 do referido preceito;
Questão 3 – (2 valores)
Indique se Beatriz tinha ao seu dispor algum/uns meio/s processual/ais de tutela cível, e em caso afirmativo, qual/ais.
- Identificar o procedimento cautelar de restituição provisória da posse, previsto no artigo 377.º do Código de Processo
Civil, como um meio processual de tutela da posse;
- Caracterizar a posição de Beatriz enquanto possuidora da bicicleta (artigo 1251.º do Código Civil);
- Referir que Beatriz, contra a sua vontade, foi privada de utilizar e fruir a bicicleta (artigo 1238.º do Código Civil);
- Quanto ao requisito da violência, problematizar a sua verificação no caso concreto, face às posições divergentes da
doutrina e da jurisprudência sobre a questão de saber se a violência do esbulho só pode ser exercida sobre a pessoa
do possuidor ou se pode igualmente recair sobre a própria coisa possuída (artigo 1279.º do Código Civil);
- Consoante a posição adotada quanto a este requisito, concluir pela possibilidade de recurso à restituição provisória
da posse ou, sustentando a ausência de violência, admitir a possibilidade de recurso a uma providência cautelar
comum, desde que verificados os respetivos pressupostos (artigo 362.º do Código de Processo Civil).
CASO II
Questão 1- (6 valores)
Enquadre, do ponto de vista jurídico – substantivo, as pretensões de Catarina, apreciando se as mesmas devem
merecer acolhimento.
Alínea a)
- Mencionar que António e Catarina viveram em situação de união de facto até 31 de dezembro de 2022, nos termos
do artigo 1.º n.º 2 da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio (Lei de proteção das uniões de facto);
- Referir que a união de facto se dissolveu por vontade de António e que a dissolução da união de facto por vontade de
um dos membros tem que ser judicialmente declarada, quando se pretendam fazer valer direitos que dela dependam
– artigo 8.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, da Lei n.º 7/2001;
- Concluir que a declaração judicial da dissolução da união de facto deve ser proferida na ação mediante a qual o
interessado pretende fazer valer direitos dependentes daquela dissolução; pelo que esta pretensão de Catarina deverá
proceder - artigo 8.º, nº 3, 1ª parte, da Lei n.º 7/2001.
Alínea b)
- Referir que a comparticipação dos membros da união de facto para os gastos diários configura uma contribuição livre
para a economia comum, baseada na entreajuda ou partilha de recursos;
- Constatar que, contrariamente ao casamento, na união de facto essa comparticipação não é o cumprimento de um
dever de cooperação e de assistência, que aqui não existe;
- Indicar que, no âmbito da união de facto, essa comparticipação se configura como cumprimento de uma obrigação
natural – artigo 402.º do Código Civil;
- Tratando-se de prestações efetuadas sem coação, não pode ser repetido o que foi prestado, pelo que não há direito
ao recebimento de qualquer valor; devendo esta pretensão de Catarina improceder – artigo 403.º, n.ºs 1 e 2, do Código
Civil.
Alínea c)
- Referir que, quando as lides domésticas da casa em que ambos vivem e a educação dos filhos é repartida pelos dois
membros da união de facto em proporções equilibradas, tais prestações constituem obrigações naturais que, sendo
efetuadas sem coação, não dão lugar à repetição do que foi prestado – artigos 402.º e 403.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil;
- Tendo em conta que, no caso concreto, desde março de 2014, essas tarefas foram realizadas exclusivamente por
Catarina, sem qualquer contrapartida por parte de António, ponderar a possibilidade de aplicação à situação em análise
do instituto do enriquecimento sem causa, previsto nos artigos 473.º segs. do Código Civil;
- Equacionar se se verifica um verdadeiro empobrecimento da Autora, e se a correspetiva libertação do Réu dessas
tarefas configura um verdadeiro enriquecimento; concluindo afirmativamente, ponderar se esse enriquecimento
carece de causa justificativa, considerando que cessou a união de facto que o motivou;
- Seguindo esta orientação, o Tribunal poderá contabilizar o trabalho desenvolvido pela Autora nas lides domésticas e
educação do filho como um fator contributivo que permitiu ao Réu adquirir património no decurso da relação de união
de facto, fixando o valor dessa contribuição para a aquisição do prédio rústico e do automóvel; condenando o Réu no
pagamento desse valor, podendo, nessa medida, a pretensão de Catarina proceder (ainda que parcialmente).
- Alínea d)
- Mencionar que o unido de facto não está vinculado aos deveres conjugais previstos nos artigos 1672.º e segs. do
Código Civil, referindo que o regime da união de facto não prevê qualquer compensação pela rutura da união, por parte
de um dos seus membros;
- Concluir que não existe suporte legal que fundamente o direito a indemnização por rutura da união, devendo esta
pretensão de Catarina improceder.
Questão 2 – (2 valores)
Poderá, sem mais, o Tribunal condenar o Réu no pagamento dessa quantia?
- Referir que a Autora deduziu um pedido genérico e que, para se obter desde logo a condenação num montante
concreto, tal pedido teria que ter sido previamente quantificado pela Autora, no decurso da ação declarativa, o que
não se verificou – artigos 358.º, n.º 1, 359.º, n.º 1, e 360.º, n.º 2, do Código de Processo Civil;
- Desconhecendo o Tribunal os concretos limites da pretensão da Autora, concluir que não pode substituir-se a ela e
fixar o valor do respetivo montante concreto, sob pena de violação dos limites da condenação previstos no artigo 609.º,
n.º 1, do Código de Processo Civil e de nulidade da sentença, nessa parte, por condenação ultra petitum, nos termos
do artigo 615.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Civil.
40.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais
Prova escrita de Direito Civil, Comercial e Processual Civil
VIA ACADÉMICA - 2ª chamada
23 de fevereiro de 2023
Nota:
O conteúdo da grelha disponibilizada reflete as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da forma e da
substância, se reputam as mais corretas em função das peças facultadas e dos dados do processo e que devem, na
prova do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outros tipos de abordagem, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face
aos dados facultados e que se revelem suportados em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizados, na
medida do respetivo mérito.
CASO I
Questão 1 – (8 valores)
Enquadre, do ponto de vista jurídico-substantivo, a pretensão de Bernardo, apreciando se André pode ser
responsabilizado pelos danos causados, tomando posição sobre o desfecho a dar à ação.
- Enquadrar a pretensão de Bernardo no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos e identificar os respetivos
pressupostos, no quadro do disposto nos artigos 483.º e 487.º do Código Civil;
- Afastar a responsabilidade de André, a esse título, mencionando que circulava dentro do limite de velocidade
permitido no local e que foi surpreendido pela súbita entrada de Bernardo na ciclovia, situação que o impossibilitou
de agir de outro modo para evitar a colisão;
- Equacionar se a pretensão de Bernardo poderia ter cabimento à luz do regime da responsabilidade pelo risco, nos
termos do disposto no artigo 503.º, n.º 1, do Código Civil, verificando o preenchimento dos respetivos pressupostos;
- Analisar, nesse contexto, se o acidente se deveu ao próprio lesado, concluindo afirmativamente, em face do
disposto no artigo 505.º do Código Civil. Ao invadir subitamente a ciclovia sem se certificar que não colocava em
risco a segurança do trânsito que aí fluía, Bernardo agiu de forma imprudente e descuidada, causando a colisão;
- Problematizar a questão da concorrência entre o risco do veículo e a conduta do lesado;
- Em face da posição adotada, concluir pela improcedência total ou parcial da pretensão de Bernardo e, neste último
caso, repartir a responsabilidade pela produção do sinistro em proporção adequada à contribuição do risco do
veículo e à culpa do lesado.
Questão 2- (2 valores)
Pronuncie-se sobre a admissibilidade do segundo articulado de petição inicial apresentado por Bernardo.
- Identificar o princípio da estabilidade da instância, consagrado no artigo 260.º do Código de Processo Civil,
reconhecendo que apenas com a citação do réu se tornam estáveis os elementos essenciais da causa, sendo estes
os sujeitos, a causa de pedir e o pedido (artigo 564.º, al. b), do Código de Processo Civil);
- Concluir, em consequência, pela admissibilidade da alteração realizada em 17 de janeiro de 2018 à petição
inicialmente apresentada, em que o Autor modificou o(s) pedido(s), uma vez que apenas com o ato de citação se
tornam imutáveis os elementos essenciais que conformam a ação.
Questão 3 – (2 valores)
Enquadre, do ponto de vista jurídico processual, a pretensão de Bernardo, apreciando se poderia ter acolhimento;
- Enquadrar a pretensão de Bernardo no âmbito da prova pericial, referindo que pode ser requerida pelas partes e
que podia ser admitida, tendo em vista a realização de exame, por perito, à trotineta acidentada (artigos 388.º do
Código Civil e 467.º, n.º 1, do Código de Processo Civil);
- Em alternativa, referir que o Tribunal também podia enquadrar o requerido no âmbito de uma verificação não
judicial qualificada, determinando a um técnico ou pessoa qualificada que procedesse à inspeção da trotineta (artigo
494.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
CASO II
Questão 1 – (6 valores)
Analisando as posições de ambas as partes e cada um dos fundamentos de resolução invocados por António,
pronuncie-se sobre a viabilidade da sua pretensão.
- Qualificar o contrato celebrado entre as partes como um contrato de arrendamento urbano habitacional (artigos
1022.º, 1023.º, 1067.º, n.º 1, do Código Civil);
- Enquadrar, a questão, quanto ao primeiro pedido formulado por António, como um pedido de resolução do
contrato de arrendamento, no âmbito do disposto no artigo 1083.º do Código Civil (artigos 432.º, n.º 1, e 801.º, n.º
2, 1079.º, 1080.º, 1083.º n.ºs 1 e 2, do Código Civil);
- Equacionar as distintas interpretações, sustentadas pela doutrina e jurisprudência, dos pressupostos da resolução
do contrato de arrendamento, previstos no n.º 2 do art.º 1083.º do Código Civil, nomeadamente, no que concerne
à relação entre as diversas cláusulas previstas nas alíneas dessa norma e a respetiva cláusula geral;
- Concluir, face à posição tomada, se a falta de limpeza da gaiola e a repetição, pelo papagaio, das palavras referidas
na hipótese, a qualquer hora do dia ou da noite, são ou não condutas suscetíveis de preencher o disposto na primeira
parte na alínea a) do n.º 2 do artigo 1083.º Código Civil;
- Analisar ainda a questão da violação, por parte da arrendatária, de uma cláusula do contrato que a impedia de ter
na habitação animais domésticos, problematizando se esta violação consubstancia conduta que, pela sua gravidade
ou consequências, pode tornar inexigível a manutenção do arrendamento por parte do senhorio, conduzindo à
resolução do contrato (artigos 432º, n.º 1, 801º, n.º 2, 1079º, 1080º, 1083º n.ºs 1 e 2, do Código Civil);
- Ponderar a eventual colisão entre o direito de propriedade do senhorio, os direitos à saúde, ao sossego e
tranquilidade dos restantes habitantes do prédio e, por fim, por parte da arrendatária e da sua família, o direito de
propriedade do animal e à saúde e bem-estar do filho, concluindo que, tratando-se de direitos desiguais ou de
espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior (artigos 70.º, 355.º, n.º 2 e 1302.º do Código Civil);
- Em consequência, problematizar a validade da cláusula contratual proibitiva de deter animais domésticos;
- Mencionar, na hipótese de se concluir pela cessação do contrato, por resolução, como efeitos desta, a exigibilidade,
após o decurso de um mês a contar da resolução, se outro prazo não for judicialmente fixado, da desocupação do
locado e a sua entrega ao senhorio, com as reparações que incumbam ao arrendatário (artigos 1081.º, n.º 1, e 1087º
do Código Civil).
Questão 2 – (2 valores)
Partindo do pressuposto que os factos invocados por Maria são verdadeiros, indique o que poderia António,
processualmente, fazer?
- Qualificar o invocado por Maria na contestação, como uma exceção dilatória de ilegitimidade, suscetível de
determinar, se não for objeto de suprimento, a absolvição da Ré Maria da instância (artigos 30º, 278º, n.º 1, al. d),
e n.º 3, 1ª parte, 576º, n.ºs 1 e 2, e 577º, al. e), do Código de Processo Civil);
- Identificar que se trata de uma situação de litisconsórcio necessário passivo, devendo a ação ter sido intentada
contra ambos os cônjuges, nos termos dos artigos 33.º, n.º 1, e 34.º, n.º s 1 e 3, do Código de Processo Civil;
- Referir que, para suprir a mencionada exceção dilatória de ilegitimidade de Maria, deverá António deduzir, até ao
termo da fase dos articulados, sem prejuízo do disposto no artigo 261º do Código de Processo Civil, o incidente de
intervenção principal provocada passiva de Francisco, nos termos dos artigos 316.º, n.º 1, e 318º, n.º 1, al. a), do
Código de Processo Civil.
40.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via profissional
Grelha de Correção
Nota:
O conteúdo da grelha disponibilizada reflete as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da forma e da
substância, se reputam as mais corretas em função das peças facultadas e dos dados do processo e que devem, na
prova do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outros tipos de abordagem, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face
aos dados facultados e que se revelem suportados em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizados, na
medida do respetivo mérito.
1ª parte 4 valores
a) Incompetência territorial
b) Erro na forma do processo
2ª parte 16 valores
a) Fundamentação de direito 12 valores
b) Demais componentes estruturais da sentença:
1. Dispositivo 2 valores
2. Restantes componentes 2 valores
1ª PARTE
COTAÇÃO TOTAL - 4 VALORES
Incompetência 1. Identificação da exceção e das normas aplicáveis – artigos 71.º, n.º 2, 78.º, n.º 1, al.
territorial c), 104.º, nº 1, al. a), 278.º, n.º 2, 577.º, 578.º, do Código de Processo Civil;
2. Na determinação do local da prática dos factos, problematizar se o mesmo
corresponde ao local em que as publicações foram efetuadas (domicílio da
requerida) ou ao local do conhecimento de tais publicações pelo requerente
(domicílio do requerente). Conclusão pelo tribunal competente, em conformidade.
2ª PARTE
COTAÇÃO TOTAL - 16 VALORES
1. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA – PARTE I
Identificação das partes e objeto do litígio (enunciação genérica dos pedidos, causa de
pedir e posição das partes);
Questões a decidir:
1. Preenchimento dos pressupostos do procedimento cautelar comum;
2. Em função da resposta positiva quanto à verificação dos pressupostos do
procedimento cautelar comum:
2.1. Determinação das condutas concretas a impor à requerida;
2.2. Verificação dos pressupostos de aplicação de uma sanção pecuniária
compulsória e respetivo montante;
3. Decisão do pedido de inversão do contencioso.
2. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA – PARTE II
3. FUNDAMENTAÇÃO
DE DIREITO
A) Identificação dos pressupostos do procedimento cautelar comum: artigo 362.º do
Código de Processo Civil - existência do direito por parte do requerente, fundado
receio de lesão grave desse direito, lesão dificilmente reparável;
1. Identificação do direito do Requerente – direito à honra e ao bom nome e
direito à imagem;
2. Ponderação da eventual existência de um conflito de direitos:
2.1 Da titularidade do requerente: direito à honra e ao bom nome e direito
à imagem – direitos de personalidade (artigo 70.º Código Civil)
2.2 Da titularidade da requerida: direito à liberdade de expressão – artigo
37.º da Constituição da República Portuguesa;
3. Recondução dos pressupostos aos factos provados:
3.1 Existência do direito por parte do requerente: factos G), H), I), J), K), L),
M), N), O), P), Q), R), S);
3.2 Fundado receio de lesão grave desse direito: factos T), U), V), W), Y),
Z);
3.3 Lesão dificilmente reparável – atenta a natureza dos direitos violados
a sua lesão é irreparável – por remissão para os factos acima
mencionados.
B) Concluindo pela verificação dos pressupostos do procedimento cautelar comum:
1. Problematizar a necessidade e proporcionalidade das providências
requeridas;
2. Determinar, de acordo com os critérios da necessidade, adequação e
proporcionalidade em sentido estrito, as concretas providências a decretar;
3. Determinar a advertência da requerida nos termos do artigo 375.º do
Código de Processo Civil.
DISPOSITIVO
DE
Via Profissional
2 3 DE F E V E R E I R O DE 2023
09H15M
2.ª CHAMADA
1. Petição inicial apresentada a juízo, pela Autora, no dia 1 de setembro de 2022, com
cumprimento de todas as formalidades legais;
a) não se verifica qualquer falha ou omissão no que diz respeito a documentos a juntar
pelas partes, taxas de justiça ou procurações, tudo estando devidamente junto ou comprovado
no processo.
b) a audiência prévia decorreu sem incidentes, tendo o juiz fixado o valor da ação e
proferido despacho saneador que julgou válida e regular a instância, despacho de enunciação
do objeto do litígio e despacho de seleção dos temas da prova.
III. Pretende-se que, mediante o conjunto das peças e elementos disponibilizados, elabore
a sentença da ação.
IV. Apesar de a presente prova consistir na elaboração de uma decisão judicial, não poderá
conter qualquer assinatura, ainda que fictícia – pelo que, no final da peça, as/os candidatas/os só
deverão escrever as palavras seguintes:
2
“Data”
“Assinatura”.
V. Cotação: 20 valores
- Fundamentação de Direito – 15,00 valores;
- Demais componentes estruturais da sentença
- dispositivo – 2,50 valores;
- restantes componentes – 2,50 valores.
VI. A atribuição da cotação máxima nesta prova pressupõe um tratamento completo das várias
questões suscitadas, que deverá ser coerente e corretamente fundamentado, incluindo a indicação dos
preceitos legais aplicáveis.
VII. Na cotação atribuída serão tidos em consideração a pertinência do conteúdo, a qualidade da
informação transmitida em relação à questão colocada, a organização da exposição, a capacidade de
argumentação e de síntese e o domínio da língua portuguesa.
VIII. Os erros ortográficos serão valorados negativamente: -0,25 por cada um, até um máximo de
-3 valores para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º 225/2023, publicado no Diário da República,
2ª série, n.º 4, de 5 de janeiro).
IX. A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a candidato/a será
penalizada com uma redução da nota atribuída até um máximo de -3 valores, para o total da prova
(Ponto 6.3.3 do Aviso n.º 225/2003, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 4, de 5 de janeiro).
X. As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a grafia do "Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa" (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e
ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-
lo expressamente no quadro "Observações" da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
"Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91,
não está em vigor com carácter de obrigatoriedade", sendo a prova corrigida nesse pressuposto.
XI. As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento identificativo
da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da folha de rosto), sob pena de
anulação da prova.
XII. Assim que for dada indicação que a prova terminou os/as candidatos/as não poderão
prosseguir com o que estavam a escrever, ficando a aguardar que o/a vigilante recolha as folhas com a
prova. O desrespeito desta regra implica a anulação da prova.
XIII. Na resolução desta prova não deve ser utilizada a legislação especialmente aprovada
em consequência da pandemia COVID – 19.
3
Exmo/a. Senhor/a
Juiz/a de Direito dos Juízos Centrais Cíveis
de Ponta Delgada
BANCO DE INVESTIMENTO E SUCESSO, S.A, NIPC n.º 000000000, com sede na Avenida
da República, nº 20-A, em Lisboa
vem intentar a presente ação declarativa, sob a forma comum de processo, contra:
1º ALBERTO ALTO, solteiro, maior, gestor de empresas, NIF n.º 111111111, com
domicílio na Rua da Paz, nº 15, Ponta Delgada e local de trabalho na Avenida de São
Patrício, nº 12, na mesma cidade;
2º BEATRIZ ALTO, divorciada, professora, NIF n.º 222222222, com domicílio na Rua da
Rosa, nº 5, 2º-F, Ponta Delgada e local de trabalho no Externato São Pedro, na
Travessa do Fala-Só, 23, na mesma cidade;
3º CAROLINA BASTOS ALTO, viúva, reformada, NIF n.º 333333333, com domicílio na
Rua de São Pedro, nº 8, em Ponta Delgada.
4
7. No dia 15 de março de 2022, em escritura pública outorgada junto do Cartório
Notarial de Alzira Pécurto, em Estremoz, os três Réus efetuaram a partilha do
acervo patrimonial deixado por morte de Ludovico Franco Alto (documento nº 3).
8. Em concreto, relacionaram como constituindo esse património, os seguintes
bens:
8.1. fração autónoma designada pelas letras “FF” correspondente ao quinto
andar do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na
Rua Pedro Cabral, nº 11, freguesia de São Sebastião, Ponta Delgada,
inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º 444 e descrito na
Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o n.º
222/001015, à qual atribuíram o valor de 250.000,00 euros.
8.2. prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e 1º andar, sito na
freguesia de Água Retorta, concelho da Povoação, inscrito na matriz
predial respetiva sob o n.º 71 e descrito na Conservatória do Registo
Predial de Povoação sob o nº 444/680515, ao qual atribuíram o valor de
120.000,00 euros.
8.3. prédio misto, composto por terra de semeadura, dependências
agrícolas e casa de habitação, sito na freguesia de Faial de Terra,
concelho de Povoação, inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º 42
e descrito na Conservatória do Registo Predial de Povoação sob o nº
555/680515, ao qual atribuíram o valor de 75.000 euros.
9. Nos termos da partilha então acordada, os Réus atribuíram à 3ª Ré a
propriedade da fração autónoma, à 2ª Ré a propriedade do prédio urbano sito
na Povoação e, em comum, a ambas, a propriedade do prédio misto sito na
Povoação.
10. O 1º Réu Alberto Alto recebeu uma quantia de tornas que declarou já lhe ter sido
paga.
11. Por outro lado, no mesmo ato de escritura pública, os três Réus declararam
alterar a doação efetuada em 10 de julho de 2005, por forma a que essa
disposição deixasse de ser efetuada por conta da quota disponível e passasse
a ser por conta da legítima do 1º Réu Alberto Alto.
12. Ora, essa partilha, atribuindo ao 1º Réu Alberto Alto um valor em dinheiro,
facilmente dissipável, provocou uma manifesta diminuição da garantia
patrimonial do Banco autor.
13. De igual forma, a alteração da doação, efetuada na mesma escritura pública,
constitui uma limitação severa dessa garantia patrimonial.
14. Ao 1º Réu Alberto Alto não são conhecidos quaisquer outros bens além do
apartamento doado pelos seus pais, atrás referido.
15. Esse bem é manifestamente insuficiente para responder pelo crédito do Autor,
uma vez que não tem atualmente valor de mercado superior a 150.000,00 euros.
16. As Rés Beatriz Alto e Carolina Bastos Alto tinham conhecimento da dívida do 1º
Réu para com o Autor, face à relação próxima que sempre mantiveram com
este, nomeadamente devido aos laços familiares entre todos eles.
17. A mera escolha da cidade de Estremoz, com a qual nenhum dos Réus tem
qualquer relação, como local para efetuar os atos impugnados, mostra, sem
margem para dúvida, que os Réus quiseram esconder do Autor a dissipação
patrimonial.
5
18. É evidente que os Réus atuaram em conluio, com o intuito de impossibilitar o
Autor de cobrar o seu crédito.
19. Os atos praticados são impugnáveis nos termos do art.º 610º e seguintes do
Código Civil.
20. Encontrando-se preenchidos todos os requisitos para que seja reposta a
garantia patrimonial a que o Autor tem direito.
a) Mariana Alves dos Reis, bancária, com residência na Rua das Malvas, nº 7,
em Ponta Delgada;
b) António Contador, bancário, com residência na Travessa do Espadarte, nº 17,
3º F, na Povoação.
O Advogado
(assinatura digital)
6
Exmo/a. Senhor/a Juiz/a de Direito
CONTESTAÇÃO,
nos seguintes termos:
1º
É falso e, como tal repudiado pelos Réus, que a partilha efetuada por óbito do
marido e pai dos mesmos tenha provocado uma diminuição da garantia
patrimonial do Banco Autor.
2º
Com efeito, essa partilha resulta completamente equitativa, considerando, a um
tempo, a doação de que o Réu Alberto Alto já havia beneficiado e a quantia
recebida em tornas.
3º
A verdade é que, por razões pessoais, o Réu Alberto Alto não tinha interesse na
propriedade de qualquer dos imóveis, mas sim no dinheiro das tornas.
4º
Por outro lado, não existiu qualquer intuito dos Réus de impossibilitar o A. de
cobrar o seu crédito, tanto mais que a segunda e terceira Rés desconheciam que
o Réu Alberto Alto tinha dívidas para com o Autor.
5º
O imóvel de que o Autor é proprietário e que lhe foi doado pelos seus pais tem
atualmente um valor de mercado não inferior a 200.000,00 euros.
6º
A tudo acresce que esse Réu é proprietário de vários outros bens suscetíveis de
permitir o pagamento do crédito, nomeadamente, um veleiro no valor de cerca de
120.000 euros e um apartamento sito em Palma de Maiorca, Espanha, com um
valor de mercado de 350.000 euros (docs. 1 e 2).
7
7º
Por sua vez, a sociedade XPTO – Capital Ventures S.A, devedora do mesmo
crédito, é titular de participações sociais no capital social das sociedades XPTO I
- Imóveis, Lda. e XPTO II, Investimentos Lda., no valor de cerca de 250.000
euros e proprietária do imóvel onde se encontra situada a sua sede social, no valor
de mercado de 500.000 euros (docs. 3 a 5).
8º
Desses dados resulta que o Banco A. pode obter o pagamento do seu crédito por
essa via, sem importunar os assuntos familiares dos Réus.
9º
É, pois, manifesto que a presente ação está votada à total improcedência, o que se
requer.
Prova:
a) Testemunhas, cuja inquirição requer:
1. Maria Alzira Fontes, divorciada, empresária, residente na Avenida
Paiva Couceiro, nº 18, Ponta Delgada;
2. António Silveiro, casado, agricultor, residente na Rua da Paz, nº 15,
Povoação.
b) Cinco documentos.
O ADVOGADO
(assinatura digital)
8
EXTRATO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
FACTOS PROVADOS
1. A autora, designando-se por «Banco», a sociedade XPTO – Capital Ventures, S.A, intitulando-se
«parte devedora» e o réu Alberto Alto, intitulando-se «segundo contraente», celebraram no dia 4 de
dezembro de 2018 o acordo escrito intitulado «Contrato de financiamento nº 0000», do qual se fez
nomeadamente constar:
“Cláusula primeira
a) O segundo contraente confessa a sociedade sua representada devedora ao Banco da
quantia de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), que a título de financiamento dele
recebeu, destinando a quantia a liquidação da operação nº 1111.
b) A quantia acima referida será creditada na conta de depósito nº 222333444.
Cláusula segunda
Este contrato é celebrado pelo prazo de 72 (setenta e dois) meses, a contar da presente
data.
Cláusula terceira
O capital financiado vence juros à taxa anual nominal (TAN) de 4%.
Cláusula quarta
a) A parte devedora obriga-se a reembolsar o presente financiamento em 72 (setenta e
duas) prestações mensais, constantes e sucessivas, incluindo capital e juros, sendo que, o
cálculo dos juros a aplicar ao contrato será feito tendo como referência trezentos e sessenta
dias.
b) A primeira das referidas prestações vence-se um mês após a data do contrato e as
restantes em igual dia dos meses seguintes.
Cláusula quinta
Em caso de incumprimento de qualquer obrigação emergente do presente contrato, e se o
Banco recorrer a juízo para recuperação dos seus créditos, será devida, além dos juros
remuneratórios, uma indemnização com natureza de cláusula penal no montante que
resultar da aplicação da sobretaxa de 2% (dois por cento), calculada sobre o capital em
dívida desde a data da mora.
Cláusula sexta
O segundo contraente confessa-se e constitui-se fiador e principal pagador das dívidas
contraídas pela parte devedora no âmbito do presente contrato, renunciando
expressamente ao benefício da excussão prévia.
(…)”.
2. A sociedade XPTO – Capital Ventures, S.A não procedeu ao pagamento das prestações do acordo
referido no nº 1 que se venceram nos dias 4 dos meses de janeiro de 2020 e seguintes, no valor total
9
de capital de 216.129,17 euros.
3. O 1º Réu Alberto Alto e a 2ª Ré Beatriz Alto são filhos da 3ª Ré Carolina Bastos Alto e do falecido
marido desta, Ludovico Franco Alto.
4. Em escritura pública outorgada no dia 10 de julho de 2005, no Cartório Notarial de Timóteo Medeiros,
em Ponta Delgada, a 3ª Ré Carolina Bastos Alto e o seu marido Ludovico Franco Alto declararam
doar, por conta das suas quotas disponíveis, ao 1º Réu Alberto Alto, que declarou aceitar, a fração
autónoma destinada a habitação, designada pela letra “D”, parte do prédio urbano sito na Rua do
Povo, nº 53, em Loures, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº 19999817
e inscrito na matriz sob o artº 555.
5. Na mesma escritura pública, foi atribuído a essa fração o valor de 70.000,00 euros, correspondente
ao respetivo valor patrimonial.
6. Ludovico Franco Alto faleceu no dia 20 de agosto de 2015, no estado de casado com a Ré Carolina
Bastos Alto, tendo esse casamento sido celebrado em 23 de julho de 1970 sem convenção
antenupcial.
7. No dia 15 de março de 2022, em escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Alzira Pécurto,
em Estremoz, o 1º Réu Alberto Alto, a 2ª Ré Beatriz Alto e a 3ª Ré Carolina Bastos Alto declararam
que, por eles e enquanto herdeiros únicos de Ludovico Franco Alto, procediam à alteração da doação
celebrada na escritura pública outorgada no dia 10 de julho de 2005, por forma a que o bem doado
o passasse a ser por conta da legítima do Réu Alberto Alto.
8. Ainda na mesma escritura pública, os três Réus declararam que a herança de Ludovico Franco Alto
era constituída pelos seguintes bens:
“VERBA Nº 1
Fração autónoma designada pelas letras “FF” correspondente ao quinto andar do prédio urbano
em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Pedro Cabral, nº 11, freguesia de São
Sebastião, Ponta Delgada, inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º 444 e descrito na
Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o n.º 222/001015, no valor 250.000,00
euros.
VERBA Nº 2
Prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e 1º andar, sito na freguesia de Água Retorta,
concelho da Povoação, inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º 71 e descrito na
Conservatória do Registo Predial de Povoação sob o nº 444/680515, no valor de 120.000,00
euros.
VERBA Nº 3
Prédio misto, composto por terra de semeadura, dependências agrícolas e casa de habitação,
sito na freguesia de Faial de Terra, concelho de Povoação, inscrito na matriz predial respetiva
sob o n.º 42 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Povoação sob o nº 555/680515,
no valor de 75.000 euros.
10
9. Na mesma escritura pública, os três Réus declararam que procediam à partilha dessa herança do
seguinte modo:
- À Ré Carolina Bastos Alto era adjudicada e ficava a pertencer a propriedade da verba
nº 1;
- À Ré Beatriz Alto era adjudicada e ficava a pertencer a propriedade da verba nº 2;
- Às Rés Carolina e Beatriz Alto era adjudicada e ficava a pertencer, em comum, na
proporção de metade para cada uma, a propriedade do imóvel da verba nº 3.
10. Ainda na mesma escritura pública, os réus declararam que, pelas adjudicações acima referidas, o
Réu Alberto Alto recebia tornas no valor de 50.833,33 euros, tendo o segundo declarado que estava
pago dessas tornas, nada mais tendo a receber por conta da herança de Ludovico Franco Alto.
11. Quando outorgaram a escritura pública referida no nº 7, as Rés Beatriz e Carolina sabiam que o
Réu Alberto tinha dívidas na Banca em situação de incumprimento, designadamente ao Banco
autor, provenientes dos negócios das sociedades de que era acionista.
12. No mesmo momento, as Rés Beatriz e Carolina admitiram que a partilha concretizada nessa
escritura pudesse diminuir a possibilidade de pagamento das dívidas do Réu Alberto, com o que se
conformaram.
13. O Réu Alberto Alto, por desenvolver parte da sua atividade no estrangeiro, o que o obriga a várias
viagens ao ano, não tinha interesse em ficar com a propriedade de qualquer dos imóveis descritos
no nº 8 da factualidade provada, preferindo ver o seu quinhão preenchido com tornas.
14. A fração autónoma descrita no nº 4 da factualidade provada tem atualmente um valor de mercado
não inferior a 120.000,00 euros.
15. A sociedade XPTO – Capital Ventures S.A é titular de participações sociais no capital social das
sociedades XPTO I - Imóveis, Lda. e XPTO II, Investimentos Lda., no valor nominal total de 150.000
euros.
16. A mesma sociedade é proprietária do imóvel onde se encontra situada a sua sede social, o qual
tem um valor de mercado de cerca de 500.000,00 euros.
17. Pela apresentação nº 12 de 12 de maio de 2022, a Ré Carolina Bastos Alto tem inscrita a seu favor,
no registo predial, por separação de meações, sucessão hereditária e partilha, a aquisição da fração
autónoma descrita na verba nº 1 do nº 8 da factualidade provada.
18. Pela apresentação nº 15 de 12 de maio de 2022, a Ré Beatriz Alto tem inscrita a seu favor, no registo
predial, a aquisição, por sucessão hereditária e partilha, do prédio descrito na verba nº 2 do mesmo
facto provado.
19. Pela apresentação nº 17 de 12 de maio de 2022, as Rés Carolina e Beatriz Alto têm inscrita a seu
favor a aquisição, por separação de meações, sucessão hereditária e partilha, da propriedade, na
proporção de metade, do prédio descrito na verba nº 3 do facto nº 8 supra.
*
11
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se demonstraram quaisquer outros factos, nomeadamente os seguintes:
a) Que o Réu Alberto Alto não seja titular de quaisquer outros bens além da fração autónoma
identificada no nº 4 da factualidade provada;
b) Que esse bem não tenha valor superior a 150.000,00 euros;
c) Que o mesmo bem tenha um valor superior a 200.000,00 euros;
d) Que ao outorgar a escritura pública referida no nº 7 dos factos provados os Réus tivessem agido
de comum acordo, com a intenção de impedir o Autor de cobrar o seu crédito;
e) Que o Réu Alberto Alto seja proprietário de um veleiro no valor de 120.000 euros e de um
apartamento sito em Palma de Maiorca, Espanha, com um valor de mercado de 350.000 euros.
Motivação: (…)
12
40.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via profissional
Grelha de Correção
Nota:
O conteúdo da grelha disponibilizada reflete as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da forma
e da substância, se reputam as mais corretas em função das peças facultadas e dos dados do processo e
que devem, na prova do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outros tipos de abordagem, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e
plausíveis face aos dados facultados e que se revelem suportados em fundamentos consistentes, serão
igualmente valorizados, na medida do respetivo mérito.
1. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA –
PARTE I
Questões a decidir:
1. Caracterização do crédito do Autor;
2. Verificação dos restantes pressupostos do instituto da impugnação
pauliana, considerando, especialmente:
2.1. A qualificação do negócio jurídico impugnado como gratuito
ou oneroso;
2.2. A verificação do requisito “impossibilidade de obtenção da
satisfação integral do crédito ou agravamento dessa
impossibilidade”;
2.3. Caso a questão não se mostre prejudicada pela solução dada
em 2.1, aferir se os Réus atuaram de má-fé;
3. Concluindo pela verificação, na sua totalidade, dos pressupostos da
impugnação pauliana, determinar os respetivos efeitos no caso concreto,
nomeadamente, face ao pedido de cancelamento de registos.
2. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA –
PARTE II
3.
FUNDAMENTAÇÃO
DE DIREITO
4. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA –
PARTE III
DISPOSITIVO
DE
Via Profissional
2 5 DE F E V E R E I R O DE 2023
14H15M
1.ª CHAMADA
“DATA”
“ASSINATURA”.
8. As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento
identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável
da folha de rosto), sob pena de anulação da prova.
9. Assim que for dada indicação que a prova terminou os/as candidatos/as não
poderão prosseguir com o que estavam a escrever, ficando a aguardar que o/a
vigilante recolha as folhas com a prova. O desrespeito desta regra implica a
anulação da prova.
Considere, para o efeito supra aludido, as seguintes peças e vicissitudes
processuais.
«No dia 20 de setembro de 2022, cerca das 17h00m, no Largo Celestino Rosado
Pinto, nesta cidade e comarca de Setúbal, o arguido Kepler Evanilson Júnior tinha em seu
substância incluída na tabela I-B anexa ao DL 15/93 de 22 de Janeiro, com o peso total
líquido de 20,894 gramas.
Como havia feito, no local supra referido, pelo menos por 8 (oito) vezes, entre as
15 e as 17 horas desse dia:
Os 350 euros em notas do Banco Central Europeu que detinha eram procedentes
das vendas de cocaína e heroína que havia feito, nesse dia.
Os telemóveis que o arguido tinha consigo eram utilizados pelo arguido na
realização de contactos para a aquisição e venda de cocaína e heroína.
Ainda no referido dia, pelas 17 horas e 45 minutos, Kepler Evanilson Júnior tinha,
na casa onde vivia, sita no 2.º andar esquerdo do n.º 118 da Rua da Artilharia 2, em
Setúbal, a cerca de 150 metros do local supramencionado:
Sabia que não podia adquirir, transportar, vender ou, por qualquer forma, ceder
ou deter as referidas substâncias, pois que para tal não estava autorizado.
O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas
não eram permitidas e constituíam crime».
***
Pela prática desta factualidade, foi imputado ao arguido Kepler Evanilson Júnior
o cometimento, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de
estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro,
com referência às tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo.
***
***
Aberta conclusão nos autos, proferiu o Juiz titular dos autos o seguinte despacho:
***
Junto aos autos o relatório do exame solicitado ao LPC da PJ, foi aberta nova
conclusão ao Juiz titular, que lavrou o seguinte despacho, datado de 4 de janeiro de
2023:
A acusação foi deduzida nos termos referidos, tendo como base (da qualificação
do produto estupefaciente que lhe foi apreendido), o relatório do LPC que faz fls. 102
dos autos (no qual se mencionam apenas os pesos líquidos e a qualidade – no caso,
heroína e cocaína – das substâncias em causa).
- A heroína a que se reporta a acusação (com o peso líquido de 15,283 gr) tem
um grau de pureza de 14%, correspondendo, nos moldes definidos pela mencionada
portaria, a 21 doses de consumo individual;
- Por seu turno, a cocaína referida na mesma peça processual (com o peso líquido
de 20,894 gr) tem um grau de pureza de 9,9%, correspondendo nos termos da
referida portaria, a 10 doses de consumo individual.
E posto isto, temos que se encontram apenas mencionados oito atos de venda,
sendo que na sua globalidade, a droga apreendida ao arguido se inclui no conceito
de “detenção”.
É o que nos autos se impõe declarar, pelo que acima foi referido.
Termos em que;
Aqui chegados, dispõe o artº 16.º/2 –b) do CPP, competir ao tribunal singular
julgar em matéria penal, crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável seja
igual ou inferior a cinco anos de prisão.
É o que nos autos sucede por tudo o que acabou de ser exposto.
Por despacho de fls. 96, foi mantida a aplicação da referida medida de coação,
nos termos do artigo 213.º, n.º 1, al. b) do CPP.
*
Considere que ainda não decorreram mais de 30 dias sobre a data em que o
Ministério Público foi notificado do despacho proferido a 4 de Janeiro de 2023 e que
todas as demais legais formalidades foram devidamente observadas.
40.º CURSO
PROVA ESCRITA
de
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
VIA PROFISSIONAL –1ª CHAMADA
GRELHA DE CORREÇÃO
QUESTÕES SOLUÇÕES VALOR
5. Tempestividade Artigo 411.º, n.º 1, al. a) do CPP (no início ou no fim…). 0,25
GRELHA DE CORREÇÃO
QUESTÕES SOLUÇÕES VALOR
Não tendo existido qualquer despacho prévio nesse sentido, incumbia ao Ministério Público pronunciar-se ora
sobre a validade das apreensões efetuadas nos autos, dada a respetiva relevância para a prova dos factos que
poderiam ser imputados ao arguido Daniel Dubay.
Tem sido entendido pela jurisprudência maioritária que o prazo de 72 horas a que alude o n.º 6 do art.º 178.º do
Código de Processo Penal é um prazo de mera ordenação processual e a sua ultrapassagem não tem qualquer
reflexo sobre a validade das apreensões realizadas, e que ainda que se entendesse que se estaria perante uma
mera irregularidade, a autoridade judiciária competente conservaria sempre o poder de a reparar ao abrigo do
disposto no n.º 2 do art.º 123.º do Código de Processo Penal (nesse sentido, p. ex., Acórdão do Tribunal da
Relação do Porto de 06.02.2013, Relatora Juiz Desembargadora Eduarda Lobo, Processo n.º 6/07.9GABCL.P1, in
www.dgsi.pt.).
Há ainda quem defenda que a validação pela autoridade judiciária das apreensões efetuadas por órgão de
polícia criminal não exige uma decisão autónoma e expressa de validação, devendo ter-se a mesma por
verificada “sempre que houver no processo elementos que demonstrem, de forma inequívoca, que a autoridade
judiciária fiscalizou a legalidade das apreensões efectuadas pelos órgãos de polícia criminal e que, embora de uma
forma tácita, as considerou válidas” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.11.2007, Relator Juiz
Desembargador Emídio Santos, Processo n.º 4233/2007-5, in www.dgsi.pt); há ainda quem entenda que o
referido prazo de 72 horas não é o prazo para a validação das apreensões, mas antes o prazo para a
apresentação, perante a autoridade judiciária competente, das apreensões realizadas, com vista à respetiva
validação (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.01.2007, Relator Juiz Desembargador Custódio Silva,
Processo n.º 0644955, in www.dgsi.pt).
A. ARQUIVAMENTOS
Comunicações:
- Ao denunciante Banco Guita, S.A., na pessoa do seu legal representante,
por via postal simples, nos termos do art.º 277.º, n.os 3 e 4, al. c), do CPP;
- Ao arguido por via postal simples, nos termos do art.º 277.º, n.os 3 e 4, al.
a), do CPP;
- Ao defensor nomeado por via eletrónica, nos termos do art.º 113.º, n.os 10
e 11, e dos artigos 1.º, n.º 6, al. i) e 25.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de
agosto.
Comunicações:
- Ao arguido DD por via postal simples, nos termos do art.º 277.º, n.os 3 e 4,
al. a), do CPP;
- Ao defensor nomeado por via eletrónica, nos termos do art.º 113.º, n.os 10
e 11, e dos artigos 1.º, n.º 6, al. i) e 25.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de
agosto.
3. Quanto à queixa apresentada Esta factualidade integra a eventual prática de um crime de ofensa à
por DD contra CC integridade física, previsto e punido pelo art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal, 1
e de um crime de sequestro, previsto e punido pelo art.º 158.º, n.º 1, do
mesmo diploma legal.
CC atuou no âmbito da faculdade de detenção (pela prática de crimes de
natureza pública) que lhe é concedida pelos artigos 255.º, n.º 1, al. b), e
256.º, n.º 1, ambos do Código Penal, tendo entregue DD à autoridade
policial conforme exigido pelo n.º 2 do art.º 255.º do diploma legal
mencionado.
A conduta por si adotada – agarrar a t-shirt de DD e puxá-la na sua direção
- mostrou-se adequada ao caso concreto, não tendo sido excedida a força
física necessária para evitar que DD se ausentasse do local, tanto mais que
a subsequente queda deste no chão se deveu a mero desequilíbrio
subsequente ao puxão na sua roupa.
Nessa medida, e tendo sido praticada no âmbito do exercício de uma
faculdade legalmente concedida, mostra-se excluída a ilicitude penal da
conduta de CC, nos termos do art.º 31.º, n.os 1 e 2, al. b), do Código Penal,
pelo que deve o inquérito ser arquivado nesta parte, nos termos do art.º
277.º, n.º 1, do CPP, por não se ter verificado a prática de crime.
Comunicações:
- A DD e ao arguido CC por via postal simples, nos termos do art.º 277.º, n.os
3 e 4, al. a), do CPP;
B. ACUSAÇÃO
2. Introito
Identificação do ato (acusação), da entidade que o pratica (Ministério 0,4
Público), da forma de processo (comum) e do tribunal (singular / coletivo,
neste caso se tiver optado por não singularizar)
Exemplo: Exemplo:
Crime de lançamento de projétil a No dia 3 de junho de 2022, em hora não concretamente apurada, mas
contra veículo compreendida entre as 8.45h e as 9h, na Avenida da República, em Lisboa, e 2
enquanto se encontrava na zona do passeio para peões, o arguido DD
agarrou num saco de plástico que trazia consigo e que continha 500
(quinhentas) moedas de € 2,00 (dois euros), e atirou-o na direção do veículo
automóvel pesado de transporte de passageiros com a matrícula CEJ-2023,
pertencente à “Carris Metropolitana S.A.”, conduzido por CC, que se
deslocava, na mesma avenida, em aceleração na via destinada à circulação de
veículos automóveis, no sentido Saldanha – Campo Grande.
Em função da conduta do arguido, o referido saco de plástico e o respetivo
conteúdo viriam a cair no chão da parte traseira do mencionado veículo, após
terem passado por uma janela deste que se encontrava aberta.
O arguido sabia que estava a lançar o referido saco de plástico e o respetivo
conteúdo em via pública na direção de um veículo automóvel pesado de
transporte de passageiros que se encontrava em deslocação numa via de
trânsito rodoviário, tendo querido atuar da forma por que o fez.
Imediatamente na sequência dos atos descritos, o arguido foi detido por CC,
tendo sido por este entregue aos agentes da Polícia de Segurança Pública,
Afonso Anjos e Bento Bolacha, que reafirmaram a voz de detenção ao
arguido pelas 9.05h.
Crime de evasão Após, seguiram o arguido e os agentes da P.S.P. Afonso Anjos e Bento
Bolacha para as instalações do Banco Guita, S.A., situadas na Rua do Dinheiro,
em Lisboa, a fim de aí se proceder à realização de diligências cautelares de 2
prova.
Nesse local, em hora não concretamente apurada, mas compreendida entre
as 9.05h e as 9.55h, sem que entretanto tivesse sido libertado, e
aproveitando-se de distração momentânea dos agentes da P.S.P. Afonso
Anjos e Bento Bolacha, o arguido ausentou-se das referidas instalações,
colocando-se em fuga apeada, apenas vindo a ser intercetado pelos mesmos
agentes cerca das 10 horas, à porta da sua residência situada na Rua dos
Traquinas, n.º 5, 2.º Esq.º, em Lisboa.
O arguido sabia que se encontrava legalmente detido por autoridade policial
e que ao agir da forma descrita se eximia à manutenção de tal detenção, sem
motivo legal que o justificasse ou determinação de autoridade judiciária para
a sua concreta libertação, tendo querido atuar da forma por que o fez.
0,5
4. Qualificação jurídico-penal
(indicação das disposições legais O arguido DANIEL DUBAY cometeu dolosamente (art.º 14.º, n.º 1, do CP), 0,5
aplicáveis) em autoria material (art.º 26.º do CP), na forma consumada e em concurso
efetivo (art.º 30.º, n.º 1, do CP):
5. Prova
A. Testemunhal: 0,3
1. Artur Bernardo, agente da PSP, com domicílio profissional na Esquadra da
PSP dos Olivais;
3. Carlos Calado, motorista, com residência na Rua dos Motoristas, n.º 27, em
Alverca do Ribatejo.
B. Documental:
7. Notificações
(antes ou depois da acusação)
- Ao denunciante Carlos Calado, ao arguido e ao Defensor (artigos 113.º, n.º 1, 0,15
als. a) e c), e n.º 11, art.º 277.º, n.º 3, e art.º 283.º, n. os 5 e 6, do CPP).
TOTAL 20
PROVA ESCRITA
DE
Via Académica
2 1 DE M A I O DE 2022
14H15M
1.ª CHAMADA
2. Cotações:
- I (2 valores)
- II (6 valores)
- III (2 valores)
- Caso II (6 valores):
- I (2 valores)
- II a) (3 valores)
- II b) (1 valor)
2
máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 5.3.1 do Aviso n.º 5170/2022,
publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 50, de 11 de março).
6. A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a candidato/a
será penalizada com uma redução da nota atribuída até um máximo de 3 valores,
para o total da prova (Ponto 5.3.3 do Aviso n.º 5170/2022, publicado no Diário da
República, 2ª série, n.º 50, de 11 de março).
7. As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a grafia
do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (aprovado pela Resolução da
Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente no
quadro “Observações” da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
“Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade”, sendo a
prova corrigida nesse pressuposto.
8. As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento
identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da
folha de rosto), sob pena de anulação da prova.
9. Assim que for dada indicação que a prova terminou os/as candidatos/as não
poderão prosseguir com o que estavam a escrever, ficando a aguardar que o/a
vigilante recolha as folhas com a prova. O desrespeito desta regra implica a anulação
da prova.
10. Na resolução desta prova não deve ser utilizada a legislação especialmente aprovada
em consequência da pandemia COVID – 19
3
Caso I-A
(10 valores)
Arminda, viúva, decidiu dar, em partes iguais, aos seus três únicos filhos, maiores, solteiros,
Beatriz, Carolina e Duarte, as várias obras de arte de que era proprietária, avaliadas em
630.000 Euros.
Por documento autenticado, datado de 8 de fevereiro de 2013, por todos assinado, Arminda,
na qualidade de primeira contraente, e Beatriz, Carolina e Duarte, respetivamente, segunda,
terceira e quarto contraentes, acordaram o seguinte:
“- (…) Considerando o valor da avaliação, a cada um dos filhos de Arminda - Beatriz, Carolina e
Duarte - cabem obras de arte cujo valor totaliza a quantia de 210.000 Euros.
Arminda declara doar a Beatriz e Carolina, segunda e terceira contraentes, as referidas obras
de arte.
O quarto contraente – Duarte - declara consentir na doação às irmãs e não pretender que lhe
seja atribuída qualquer uma das indicadas obras de arte.
Beatriz e Carolina declaram aceitar essa doação e proceder à partilha da totalidade das obras
de arte, entre elas, em partes iguais. Mais declaram, obrigar-se a atribuir futuramente a
Duarte, aquando da morte de Arminda, o valor adicional de 210.000 Euros, correspondente ao
quantitativo do respetivo quinhão de uma terça parte das obras de arte, o qual não pretendeu
receber nesta oportunidade.”
Duarte veio a falecer em 2015, no estado de solteiro, sucedendo-lhe o seu único filho, Jorge,
solteiro e maior, neto de Arminda, que aceitou a herança do pai.
Arminda faleceu em 2019, deixando um espólio constituído por um saldo bancário de 830
Euros e por dívidas bancárias na ordem dos 40.000 Euros.
Logo que soube do falecimento da avó, ainda em 2019, Jorge dirigiu, nesse mesmo ano, uma
4
carta às tias, por si assinada, referindo que estava confortável do ponto de vista financeiro e
nada pretendia da herança de Arminda.
Já no decurso do ano de 2020, ao arrumar e organizar algumas pastas deixadas pelo pai
Duarte, Jorge encontrou o documento assinado por Arminda e pelos filhos – Beatriz, Carolina e
Duarte - tomando conhecimento do acordado com o pai.
Nessa sequência, Jorge exigiu a Beatriz e a Carolina o pagamento da quantia de 210.000 Euros,
mas estas recusaram, alegando que Jorge repudiou a herança da avó e, por isso, nada tem a
receber.
(2 valores)
(6 valores)
III) Indique que espécie(s) de ação (ões) pode Jorge instaurar contra Beatriz e Carolina para
obter a satisfação da sua pretensão.
(2 valores)
5
Caso I-B
(4 valores)
Suponha agora que, na pendência da ação instaurada por Jorge contra Beatriz e Carolina,
foi suspensa a instância em virtude do falecimento de Beatriz ocorrido em 10.10.2020.
6
Caso II
(6 valores)
As sociedades Boa Construção, Lda. e Tudo para Edificar, Lda., têm o objeto social de
“construção, restauro, decoração e venda de imóveis”.
A sociedade Arte e Co. - Artistas Contemporâneos, S.A., tem o objeto social de “venda de
quadros, esculturas e instalações de artistas contemporâneos”.
No dia 12 de outubro de 2020, as sociedades Boa Construção, Lda. e Tudo para Edificar,
Lda., acordaram com a sociedade Arte & Co. - Artistas Contemporâneos S.A. a compra,
mediante o pagamento do respetivo preço, no valor de 50.000 Euros, de uma escultura do
artista contemporâneo “Volteface”, a fim de a colocar como decoração numa vivenda
recentemente restaurada e decorada por ambas, destinada a ser vendida com o seu
recheio.
Acordaram ainda que o referido preço seria pago no ato de entrega da escultura.
A escultura em apreço foi entregue no dia 12 de novembro de 2020, tendo a Arte & Co.
apresentado, às compradoras, nesse mesmo dia, uma fatura, com vencimento imediato, no
valor do preço acordado.
Da quantia de 50.000 Euros apenas foi paga, pela sociedade Boa Construção, Lda., a quantia
de 25.000 Euros, em 13 de novembro de 2020.
Pretendendo a Arte & Co. obter o pagamento do remanescente do preço, intentou, contra
as sociedades Boa Construção, Lda. e Tudo para Edificar, Lda., uma ação com processo
comum, pedindo a condenação solidária das referidas sociedades no pagamento:
a) da quantia de 25.000 Euros;
b) de juros de mora, calculados nos termos do art.º 102º§5º do Código Comercial,
desde a data do vencimento da fatura até integral pagamento.
7
A sociedade Boa Construção, Lda. apresentou contestação, dizendo que nada mais lhe
compete pagar, uma vez que já pagou a sua parte do preço.
(2 valores)
II) Analisando as posições de cada uma das partes, pronuncie-se sobre a viabilidade dos
pedidos formulados pela Arte & Co. – Artistas Contemporâneos, S.A. referidos em:
Alínea a);
(3 valores)
Alínea b);
(1 valor)
8
39.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via académica
Grelha de correção
As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para
cada uma das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.
Caso I- A
Questão I 2 valores
Questão II 6 valores
Questão III 2 valores
Caso II
Questão I
Questão II a) 2 valores
Questão II b) 3 valores
1 valor
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)
Questão II2. II) Enquadre, do ponto de vista jurídico-substantivo, a pretensão de Jorge, apreciando se a mesma
Questão III
III) Indique que espécie(s) de ação(ões) pode Jorge instaurar contra Beatriz e Carolina para obter a
satisfação da sua pretensão.
Indicar que Jorge, invocando a sua qualidade de sucessor de Duarte, pode instaurar ação executiva
para pagamento de quantia certa (artigos 10.º, n.ºs 1, 4, 5 e 6, 54.º, n.º 1 do Código de Processo
Civil). Para o efeito, Jorge pode utilizar o contrato acima qualificado, por se tratar de documento
autenticado por notário, em que as donatárias se constituíram na obrigação de pagar a Duarte a
quantia de 210.000 euros, que integra uma das espécies de título executivo (artigo 703.º, n.º 1, al.
b), todos do Código de Processo Civil).
Reconhecer que o facto de Jorge dispor de título executivo não o impediria de propor contra as
devedoras uma ação declarativa, nos termos do disposto nos artigos 2º, n.º 2 e 10.º. n.ºs 1, 2 e 3, al.
b), do Código de Processo Civil, não obstante o disposto no artigo 535.º, n.º 2, al. c) do Código de
Processo Civil.
____________________________________________________________________________
CASO I-B
CASO I-B
Tendo em consideração todos os dados fornecidos, aprecie, justificadamente, a pretensão de
Manuel e indique qual a decisão que deveria recair sobre a mesma.
Configurar o repúdio como um ato jurídico unilateral, livre e irrevogável, sujeito à forma exigida
para a alienação da herança, cujos efeitos se retrotraem ao momento da abertura da sucessão
(artigos 2062.º, 2063.º e 2066.º do Código Civil).
Problematizar se a falta de oposição ao incidente de habilitação de herdeiros por parte de Manuel
pode configurar aceitação tácita da herança de Beatriz (artigo 2056.º Código Civil).
Concluindo-se no sentido da aceitação da herança, reconhecer a irrevogabilidade da mesma (artigo
2061.º do Código Civil) e, consequentemente, que a ação deve prosseguir em relação a Manuel,
improcedendo a sua pretensão.
Concluindo-se que a mera falta de oposição ao incidente não configura aceitação tácita, reconhecer
que Manuel podia repudiar posteriormente a herança de Beatriz.
Considerar, em face da imperatividade da retroatividade do repúdio, que Manuel deixou de ter a
condição de herdeiro e, por isso, justificação para continuar a substituir a parte falecida na ação;
Não se reconduzindo a situação a um caso de absolvição da instância (artigo 278.º do Código de
Processo Civil), equacionar a verificação de impossibilidade superveniente da lide, relativamente a
Manuel, e declarar a extinção da instância, apenas quanto a ele, nos termos da alínea e) do artigo
277.º do Código de Processo Civil.
Face aos dados fornecidos, responda, justificadamente, às seguintes questões:
CASO II
I. Identifique e caraterize juridicamente o contrato celebrado entre as sociedades Boa Construção,
Questão I
Lda., Tudo para Edificar, Lda. e Arte & Co. – Artistas Contemporâneos S.A.
Qualificar o acordo celebrado entre a Boa Construção, Lda., a Tudo para Edificar, Lda. e a Arte e Co.
– Artistas Contemporâneos, S.A, como um contrato de compra e venda, sinalagmático e oneroso,
pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, mediante o pagamento de um preço (art.º
874º Código Civil e 3º Código Comercial).
Qualificar ainda o acordo como uma compra e venda comercial, assinalando que a Boa Construção,
Lda., a Tudo Para Edificar, Lda. e Arte e Co. – Artistas Contemporâneos, S.A são sociedades
comerciais e como tais comerciantes, sendo a escultura comprada, pelas primeiras, à segunda,
para revenda (artigos 1º, 2º, 13º 2º, 230º, n.º 2, e 463º 1º do Código Comercial).
____________________________________________________________________________
II. Analisando as posições de cada uma das partes, pronuncie-se sobre a viabilidade dos pedidos
Questão II formulados pela Arte & Co. – Artistas Contemporâneos S.A. referidos em:
Alínea a)
Qualificar a obrigação de pagamento do preço, como um dos efeitos essenciais da compra e venda
(artigo 874º al. c) Código Civil).
Referir a regra da solidariedade das obrigações comerciais prevista no art.º 100º do Código
Comercial, aplicável às Rés, assinalando que, no caso, não houve estipulação em contrário.
Qualificar a obrigação solidária como uma obrigação em que cada um dos devedores responde pela
prestação integral e esta a todos libera (artigo 512º do Código Civil e 3º Código Comercial).
Distinguir da regra prevista no artigo 513º do Código Civil respeitante às obrigações civis – regra da
conjunção, só existindo solidariedade de devedores quando resulte da lei ou da vontade das partes.
Concluir pela procedência da pretensão da sociedade Arte e Co. - Artistas Contemporâneos S.A., no
que respeita à condenação solidária das RR. no pagamento da quantia de 25.000 euros.
Alínea b)
Considerar que as Rés se constituíram em mora, pelo que, tratando-se de obrigação pecuniária, são
devidos juros de mora, a contar da data do vencimento da obrigação (artigos 805º, n.º 2 al. a), 806º,
n.º 1 Código Civil).
Nestes termos, concluir pela procedência da pretensão da Arte & Co – Artistas Contemporâneos,
S.A. no que respeita ao pedido de condenação em juros vencidos desde a data acordada de
vencimento da obrigação – 12 de novembro de 2020 - e vincendos, até integral pagamento, à taxa
de juros comerciais prevista no artigo 102º §5º do Código Comercial.
Artigos 805º, n.º 2 al. a), 806º, n.º 1 Código Civil, 3º, 102º § 5 do Cód. Comercial.
PROVA ESCRITA
DE
Via Académica
2 6 DE M A I O DE 2022
14H15M
2.ª CHAMADA
2. Cotações:
- I (2 valores)
- II a) (5 valores)
- II b) (2,50 valores)
- II c) (2,50 valores)
- Caso II (5 valores):
- I (1,50 valor)
- II a) (1,50 valores)
- II b) (2,00 valores)
3
Caso I-A
(12 valores)
A sociedade Tudo para Hotéis, Lda. encomendou, em 10 de novembro de 2020, à sociedade
Papéis Catita, Lda., para revender, 10.000 pacotes de lenços de papel 100% celulose, com a cor
vermelha, produto que constava do catálogo de vendas desta sociedade.
Para o efeito, a Papéis Catita, Lda. entregou-lhe, previamente, amostras dos lenços de papel,
que a Tudo para Hotéis, Lda. testou e aprovou, ficando esta sociedade maravilhada com o
produto, dizendo à Papéis Catita, Lda. que eram mesmo esses os lenços de papel que
pretendia, uma vez que, sendo revendedora a hotéis de luxo, os clientes exigem a máxima
qualidade.
A Tudo para Hotéis, Lda. iniciou a revenda dos pacotes de lenços entregues, em 11 de
dezembro de 2020, constatando, após inúmeras reclamações de clientes (que começaram logo
no dia 14 de dezembro de 2020), que os lenços de papel tingiam, deixando manchas vermelhas
na pele dos utilizadores, sem, no entanto, ao que se apurou, causarem qualquer dano à sua
saúde.
A Papéis Catita, Lda. respondeu, dizendo que os produtos entregues tinham a qualidade
exigida e que nenhum outro cliente reclamou sobre a qualidade dos lenços de papel,
recusando-se a satisfazer o pretendido.
Assim, a Tudo para Hotéis, Lda. teve que, rapidamente, colmatar a falta dos pacotes de lenços
de papel, com a qualidade referida, a fim de não perder os clientes, contratando com outra
sociedade o fornecimento dos 10.000 pacotes de lenços de papel, despendendo o valor de
5.000 Euros nessa compra, devido ao prazo muito curto de entrega.
A Tudo para Hotéis, Lda. foi severamente afetada na sua imagem e prestígio perante a
clientela do mercado de hotelaria, altamente concorrencial, tendo os seus clientes
manifestado profunda insatisfação pelo ocorrido, sendo que, alguns desses clientes, de
imediato, compraram pacotes de lenços de papel a outras empresas, tendo deixado de
comprar mercadorias à Tudo para Hotéis, Lda.
****
Face à situação, a Tudo para Hotéis, Lda. intentou uma ação judicial, contra a Papéis Catita
Lda., em 06 de janeiro de 2021, pedindo que:
a) Se julgue validamente resolvido o contrato celebrado entre a Autora e a Ré, em 10 de
novembro de 2020 e, consequentemente, seja a Ré condenada a reembolsar à Autora, o valor
de 3.500 Euros, respeitante ao preço dos pacotes de lenços de papel pagos pela Autora à Ré,
em 10 de dezembro de 2020, contra a entrega dos pacotes de lenços de papel, na posse da
Autora (9.980 pacotes), ainda não utilizados;
c) Seja ainda condenada a Ré a pagar-lhe uma compensação pelos danos sofridos na sua
5
imagem e prestígio perante a sua clientela.
A Papéis Catita, Lda. apresentou contestação, dizendo que os lenços de papel entregues eram
iguais aos das amostras previamente fornecidas à Autora, não havendo lugar à devolução de
qualquer valor. Disse ainda que, não cabe à Ré, pagar à Autora, o valor referente ao preço dos
lenços de papel comprados a outra sociedade, nem tão pouco compensá-la pelos invocados
danos sofridos na sua imagem e prestígio.
II. Analisando as posições de cada uma das partes, pronuncie-se sobre a viabilidade
dos pedidos formulados pela Tudo para Hotéis, Lda. referidos em:
Alínea a);
(5 valores)
Alínea b);
(2.50 valores)
Alínea c).
(2,50 valores)
6
Caso I-B
(3 valores)
Suponha agora que, na pendência da ação instaurada pela Tudo para Hotéis, Lda., a Ré,
Papéis Catita, Lda., juntou aos autos, no início da audiência prévia, uma certidão do
registo comercial, de onde resulta que se fundiu, por incorporação, na sociedade Lopes e
Rebelo, Lda.
Resulta ainda, da referida certidão, que foi registada a fusão e cancelada a matrícula da
Papéis Catita, Lda., em data posterior à contestação.
Consequentemente, a Ré Papéis Catita, Lda. requereu então que a instância fosse julgada
extinta, por ser agora parte ilegítima para a ação.
(3 valores)
7
Caso II
(5 valores)
Albertina, solteira, viveu em união de facto com José, divorciado, durante mais de dez anos.
José era proprietário de um imóvel sito em Sintra, no qual ambos residiam, tendo José
falecido em janeiro de 2022.
Guilhermina, única filha de José, que faleceu no estado de divorciado, pretendendo ocupar
o imóvel, intentou contra Albertina ação declarativa, com processo comum, na qual pediu a
condenação de Albertina a entregar-lhe o referido imóvel, que identifica como sendo de sua
propriedade, sustentando que Albertina o ocupa sem título.
a) Pede que Guilhermina seja condenada a reconhecer o seu direito a ocupar o imóvel;
b) Acrescenta que se encontra pendente procedimento cautelar não especificado,
anteriormente intentado por Guilhermina contra si, pedindo a entrega do mesmo
imóvel com caráter urgente e que, no âmbito desse procedimento, Guilhermina
pediu inversão de contencioso, não podendo, pois, prosseguir a presente ação.
(1,50 valores)
(1,50 valores)
Alínea b);
(2 valores)
8
39.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via académica
Grelha de correção
As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para
cada uma das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.
Caso I- A
Questão I 2 valores
Questão II a) 5 valores
Questão II b) 2,50 valores
Questão II c) 2,50 valores
Caso I – B 3 valores
Caso II
Questão I
Questão II a) 1,50 valores
Questão II b) 1,50 valores
2 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)
II. Analisando as posições de cada uma das partes, pronuncie-se fundamentadamente sobre
Questão II
a viabilidade dos pedidos formulados pela Tudo para Hotéis, Lda. referidos em:
Alínea a)
Tomar posição sobre a natureza do contrato de compra e venda sobre amostra, face ao disposto no
artigo 471º do Código Comercial:
- Compra e venda subordinada a uma condição suspensiva – a eficácia do negócio ficou sujeita à
verificação da conformidade da coisa vendida com a amostra, no momento da entrega ou, não sendo
esta verificação efetuada nesse momento, na ausência de reclamação nos oito dias posteriores.
- Contrato perfeito desde a sua celebração.
Considerar a existência de desconformidade entre a amostra e a coisa entregue, tendo em atenção
que a mercadoria, objeto de amostra foi testada pelo comprador e que o papel dos lenços da amostra
não tingia, sendo que o papel dos lenços de papel, posteriormente entregues, tingia.
Considerar que, embora não resulte dos dados da hipótese que a Autora tenha examinado a
mercadoria, nem quando a recebeu, nem nos oito dias posteriores, a mesma reclamou dentro do
prazo de oito dias contra a qualidade da mercadoria, concluindo pela tempestividade da denúncia,
nos termos do artigo 471º do Código Comercial.
Afastar a aplicação do artigo 471º § único.
Concluir em conformidade, de acordo com a posição adotada anteriormente sobre a natureza do
contrato.
Alínea b)
1) Entendendo que o contrato é perfeito desde o momento da sua celebração, enquadrar a
pretensão da Autora no âmbito do dano sofrido pelo incumprimento definitivo do contrato por parte
da Papéis Catita, Lda., estando em causa um negócio de substituição do negócio anteriormente
celebrado. Considerar a necessidade urgente da Autora de efetuar a compra, a fim de não perder
clientes (Artigos 562º, 563º, 564º n.º 1, 798º e 799º e 801º, n.º 2 Código Civil).
Questionar e tomar posição sobre a possibilidade de cumulação do pedido de indemnização por
danos patrimoniais no valor de 5.000 Euros, com o pedido de restituição do preço pago.
Concluir pela procedência, apenas parcial do pedido, com condenação no pagamento do valor de
1.500 Euros.
2) Entendendo que o contrato está sujeito a uma condição suspensiva, a não verificação da condição
gera a ineficácia, com efeitos retroativos, não haverá lugar a condenação pedida a título de danos
patrimoniais, não resultando dos dados da hipótese qualquer conduta por parte do vendedor,
contrária aos ditames da boa fé, da qual pudesse resultar a obrigação de indemnização.
Concluir pela improcedência do pedido.
Alínea c)
Enquadrar esta pretensão no âmbito do dano não patrimonial, convocando o disposto no artigo 496º,
n.º 1 do Código Civil.
1) Entendendo que o contrato é perfeito:
Problematizar, em primeiro lugar, no que respeita à viabilidade ou inviabilidade da pretensão, tendo
em consideração as posições doutrinais e jurisprudenciais divergentes, no que respeita ao
ressarcimento dos danos não patrimoniais quando estão em causa sociedades comerciais e a
natureza dos danos invocados.
Mencionar que a eventual reparação obedece a juízos de equidade.
Concluir, em conformidade, pela viabilidade ou inviabilidade da pretensão.
(Artigos 160º, 483º, 496º, nºs 1 e 4, primeira parte, 494º, 562º e 566º do Código Civil, 6º, n.º 1 Código
das Sociedades Comerciais).
2) Entendendo que o contrato está sujeito a uma condição suspensiva, a não verificação da
condição gera a ineficácia, com efeitos retroativos, não havendo lugar à condenação pedida a título
de danos não patrimoniais.
Concluir pela improcedência do pedido.
_____________________________________________________________________________
CASO I-B Analisando as posições sustentadas pela Ré e pela Autora, indique, justificadamente, qual a decisão a
proferir.
Considerar que, com o registo da fusão e o cancelamento da matrícula da Papéis Catita, Lda., a relação
jurídica contratual subjacente à ação judicial se transmitiu para a Lopes e Rebelo, Lda.; sucedendo
esta última na posição processual que era ocupada na lide pela primeira;
Mencionar que, tratando-se de uma situação de fusão, não há lugar a habilitação nem suspensão da
instância, apenas se efetuando a substituição dos representantes da Ré (artigo 269º nº 2 do Código
Processo Civil);
Configurar a situação no âmbito da regularização da instância, afastando, justificadamente, a
qualificação como ilegitimidade.
Concluir que a ação deverá prosseguir contra a Lopes e Rebelo, Lda., devendo improceder a
pretensão da Papéis Catita, Lda. no que respeita à extinção da instância;
Indicar que, na causa em apreço, é obrigatório o patrocínio forense, pelo que o Tribunal deverá
notificar a sociedade Lopes e Rebelo, Lda. para juntar aos autos procuração forense a favor de
mandatário judicial, outorgada pelos respetivos representantes legais (artigo 40º nº 1 a) e 41º do
Código Processo Civil).
_____________________________________________________________________________
Analisando as posições de ambas as partes, responda fundamentadamente, às seguintes questões:
CASO II I. Qualifique, processualmente, a defesa deduzida por Albertina na presente ação (alíneas a)
Questão I
e b).
alínea a): considerar que Albertina deduz reconvenção, formulando contra Guilhermina pedido
que emerge do facto jurídico que serve de fundamento à sua defesa (artigos 266.º, n.ºs 1 e 2,
alínea a) e 583.º Código de Processo Civil).
De facto, para se defender da pretensão da Autora contra si, a Ré sustenta que tem direito de
permanecer no imóvel, face à sua posição de membro sobrevivo da união de facto.
Trata-se de defesa por exceção perentória, uma vez que invoca factos novos suscetíveis de
impedir o efeito jurídico dos factos articulados pela Autora, podendo determinar a improcedência
do pedido (artigos 571.º, n.º 2, segunda parte, 576.º, n.º 3 e 579.º Código Processo Civil).
Pedindo a Ré que a Autora seja condenada a reconhecer esse direito, a demandada formula um
pedido reconvencional
alínea b): nesta parte, considerar que Albertina se defende por exceção dilatória, uma vez que
alega factos tendentes a obstar à apreciação do mérito da ação, no caso, a litispendência (artigos
571.º, n.º 2, 576.º, n.º 2, 577.º, alínea i) Código Processo Civil).
_____________________________________________________________________________
alínea b):
Identificar e problematizar a questão da qualificação como litispendência desta defesa, face ao
confronto entre procedimento cautelar e ação declarativa comum, sendo que analisando o
primeiro em sentido estrito, importa concluir que a pendência simultânea de ambos não gera
litispendência.
Convocar e analisar:
- a figura da inversão do contencioso nas providências cautelares (artigos 369.º, 371.º e 372.º
Código Processo Civil), aferindo da possibilidade de recurso a esta faculdade no caso concreto, à
luz do disposto no artigo 369.º Código Processo Civil. Para o efeito, indicar que se trata de
providência cautelar não especificada, na qual se pede a entrega do imóvel com caráter urgente
(artigos 379.º e 362.º e seguintes Código Processo Civil), aferindo da adequação da natureza da
providência peticionada para realizar a composição definitiva do litígio. Reconhecer, nesta
ponderação, o relevo interpretativo do disposto no artigo 376.º, n.º 4, do Código Processo Civil,
que prevê, entre as providências especificadas nas quais pode haver inversão do contencioso, a
restituição provisória da posse.
- os requisitos da litispendência: identidade de sujeitos, de pedido (obtenção do mesmo efeito
jurídico) e de causa de pedir (pretensão procedente do mesmo facto jurídico), com o resultado
de repetição de uma causa, estando a anterior ainda pendente – artigos 580.º e 581.º Código
Processo Civil. A litispendência enquanto exceção que visa evitar que o tribunal seja colocado na
alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
Problematizar se haverá repetição de causas, que fundamente a existência de litispendência, ou
se as especiais caraterísticas da inversão do contencioso impõem solução diversa.
39.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via académica
de 2022
Grelha de correção
As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para
cada uma das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.
Caso I- A
Questão I 1 valor
Questão II 8 valores
Caso I – B 3 valores
Caso II 8 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20
VALORES)
CASO I-A CASO I-A
Questão I Face aos dados fornecidos, responda, fundamentadamente, às seguintes questões:
Referir que o Banco BTF se defende por impugnação ao alegar factos que, não impedindo,
modificando ou extinguindo o direito que o Autor pretende fazer valer, podem servir para
concluir pela não verificação do efeito jurídico pretendido por aquele. Defende-se, ainda, por
exceção dilatória quando alega que o Autor é parte ilegítima para, por si, figurar na demanda.
Assinalar que essa exceção, se não for oportunamente sanada, determinará a absolvição do Réu
da instância – artigos 571.º, nºs. 1 e 2, 576.º, nº 1 e 2, 577.º, alínea e) e 278.º, nº 1, alínea e) e
n.º 3 do Código de Processo Civil.
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Questão II II. Analisando a posição de cada uma das partes, pronuncie-se sobre a viabilidade da
pretensão de Henrique e da defesa apresentada pelo Banco BTF.
Quanto ao mérito:
Assinalar que o ato que o Autor pretende ver anulado foi praticado entre o anúncio da
propositura da ação e a decisão final desta, pelo que lhe é aplicável o disposto na alínea b)
do nº 1, do art.º 154º do Código Civil.
De acordo com o que resulta da norma, esse ato é anulável desde que se verifiquem
cumulativamente os seguintes pressupostos: i) decisão final de acompanhamento
transitada em julgado, ii) decretamento de uma medida de acompanhamento nessa
decisão, iii) infração, pelo ato, da natureza da medida decretada, iv) natureza prejudicial do
ato face aos interesses do acompanhado.
Reconhecer que, na situação em presença, estão verificados os três primeiros pressupostos
da previsão da norma, problematizando se o mesmo sucede com o último deles. Nessa
problematização, assinalar que a natureza prejudicial do ato se afere por referência ao
momento da prática deste. Considerar, ainda, que o mútuo com hipoteca celebrado por
Emanuel foi determinado pela necessidade de financiamento da atividade comercial a que
o acompanhado se dedica, não parecendo existir factos que permitam convir que em algum
dos seus elementos (v.g. taxa de juro, natureza da garantia), esse negócio, é prejudicial aos
interesses de Emanuel.
Analisando a defesa do Réu BTF, assinalar que, com o anúncio da propositura da ação, tal
como determinado pelo tribunal e efetivado no dia 10 de maio de 2019, se cumpriu a
publicidade exigida pela tutela de terceiros, não se afigurando, a essa luz, sustentável a
defesa do Banco ao refugiar-se no desconhecimento da medida decretada.
Salientar, ainda, que o conhecimento pela contraparte ou notoriedade da limitação do
acompanhado não é requisito da anulabilidade do ato, considerando que o regime da
incapacidade acidental, previsto no art.º 257º, aplicável por remissão do art.º 154º, n.º 3,
ambos do Código Civil), apenas é aplicável à impugnação de atos anteriores ao anúncio do
início do processo de acompanhamento.
Concluir coerentemente com as premissas expostas.
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CASO I-B
CASO I-B
Pronuncie-se, fundamentadamente, sobre a validade da decisão da dispensa da audição do
beneficiário.
Referir que a Lei nº 49/2018, de 14/02, que criou o regime jurídico do Maior
Acompanhado, introduziu uma mudança de paradigma e uma nova filosofia no estatuto
das pessoas portadoras de incapacidade, consagrando princípios da Convenção das
Nações Unidas de 30 de março de 2007, sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
entre eles, o de que a pessoa com deficiência tem o direito a participar ativamente em
todas as decisões que lhe digam respeito a nível pessoal, familiar e económico e tem o
direito a ser ouvida sobre todas as questões que sejam decididas.
Convocar o disposto nos arts. 139º, n.º 1 do Código Civil e 897º a 899.º do Código de
Processo Civil, destacando que as expressões “em qualquer caso” e “sempre” empregues
pelo legislador (vg. no n.º 2 do citado artº. 897.º), revelam a intenção de tornar obrigatória
a audição da beneficiária pelo juiz.
Tratando-se de uma norma de cariz imperativo, considerar que estava vedada ao juiz, em
face dos elementos do caso concreto, a possibilidade de, fazendo uso dos seus poderes de
gestão processual (art.º 6.º, n.º 1 Código Processo Civil) e de adequação formal (art.º 547.º
Código de Processo Civil), prescindir dessa diligência instrutória.
Concluir que a omissão da referida diligência configura uma nulidade processual, nos termos
previstos no art.º. 195°, n° 1, 2ª parte, do Código de Processo Civil, por ter manifesta
influência no exame e decisão da causa.
_____________________________________________________________________________
CASO II
CASO II
Analisando a posição de ambas as partes, responda fundamentadamente, à seguinte questão:
Aprecie do ponto de vista jurídico-substantivo, a viabilidade das pretensões deduzidas pela C & D,
Lda.
GRELHA DE CORREÇÃO
AUTOCARRO
GRUPO I
Factos Notas de Correção Valor
1-8 ANTONINO, condutor da Rodoviária A conduta de A é subsumível no crime de
Internacional, irritado com um condutor (de condução perigosa de veículo rodoviário,
nome CAMÕES) de um veículo ligeiro que já previsto e punido pelo artigo do Código Penal
o tinha ultrapassado por três vezes decide, já a [viola de forma grosseira as regras estradais, pois
perder a paciência, ultrapassá-lo pela quarta faz a manobra de ultrapassagem transpondo traço
vez. contínuo) e desse modo cria perigo para a vida e
integridade física do condutor da bicicleta, do
Confiando que nenhum veículo seguia em condutor do veículo que ultrapassou e dos
sentido contrário – já que era de noite e não ocupantes do autocarro). A conduta (condução) é
havia sinais de quaisquer luzes vindas da dolosa, mas a criação do perigo é negligente,
direção oposta –, ANTONINO iniciou a artigo 291.º, n.º 3, do CP, com a agravação
prevista no art. 294.º, n.º 1. É também aplicável 1 valor
manobra de ultrapassagem, embora ciente que
a pena acessória de proibição de conduzir,
para o efeito transpunha o traço contínuo que prevista no artigo 69.º, n.º 1, al. a), do CP.
separava os dois sentidos de trânsito daquela Esta conduta é subsumível, ainda, ao crime de
via (facto que constitui a prática de uma homicídio por negligência, previsto e punido
contraordenação grave prevista e punida no pelo art. 137.º, n.º 1 e 2 do CP e ao crime de
Código da Estrada). ofensa à integridade física por negligência,
previsto e punido pelo artigo 148.º, n.º 1 ou 2, do
Durante essa manobra, e quando o autocarro Código Penal [A viola um dever objetivo de
que conduzia se encontrava já na faixa de cuidado, causa um resultado que podia e devia 1+1
rodagem contrária, embateu numa motorizada prever e que era evitável: art. 15.º, al. a) do CP]. valores
que seguia na sua mão de trânsito sem A relação de concurso entre estes crimes será
quaisquer luzes ligadas. tratada infra.
A conduta negligente de A deverá ser qualificada
Esta motorizada era conduzida por como grosseira: praticou a contraordenação
BERNARDINO que, sendo portador de uma identificada na prova, sendo que sobre si recaía
taxa de álcool no sangue de 2,5 gr/litro, se tinha um especial dever de cuidado considerando a sua
esquecido de as acender. profissão de motorista.
De notar que B (cuja responsabilidade penal se
Em resultado do embate, BERNARDINO foi extinguiu por falecimento), também viola um
projectado a cerca de 10 metros, tendo sofrido dever objetivo de cuidado, pois encontrava-se em
várias lesões físicas que lhe determinaram, estado de embriaguez e, por isso, conduzia sem
directa e necessariamente, a morte. luzes. Tal conduta é também causa do embate do
seu veículo no autocarro conduzido por A e no
Perdendo o controlo do veículo por força deste embate no veículo de C. Coloca-se, assim, o
embate, ANTONINO não conseguiu evitar que problema de causalidade (e culpa) cumulativa 1 valor
o autocarro capotasse. entre a conduta de B de A. De acordo com a
teoria da conexão do risco, que tem sido acolhida
Embora do capotamento não tivessem pela jurisprudência nacional, a causalidade
resultado lesões físicas visíveis para cinco dos cumulativa não afeta a responsabilidade penal de
passageiros, dois outros sofreram lesões graves A (neste sentido, veja-se o Ac. TRL de
que lhes provocaram direta e necessariamente 06/06/2018, proc. 341/14.0GALSD.P1, Pedro
a morte, ao passo que os restantes quatro Vaz Patto).
sofreram apenas ligeiras escoriações em Quanto a A, por seu turno, há que apreciar a
diversas partes do corpo. relação de concurso de crimes (efetivo/aparente),
em dois planos:
1) entre o crime de condução perigosa e os de
homicídio/ofensas negligentes.
Os bens jurídicos são distintos (o bem jurídico
pessoal da “segurança rodoviária” no da
condução perigosa e os bens jurídicos “vida e
integridade física” nos crimes negligentes
referidos).
A cria perigo concreto para a vida e integridade
física de terceiros (os não atingidos) (e atinge a
vida e a integridade física de outros que foram
vítimas efetivas da sua conduta).
Cremos que a resposta correta será a que defende
a prática em concurso efetivo dos crimes
referidos, desde logo porque não há dúvida
quanto à colocação em perigo concreto dos bens
jurídicos vida e ofensa à integridade física, além
dos que efetivamente foram atingidos em tais
bens jurídicos, caso em que poderiam colocar-se
mais dúvidas quanto à sua relação de consunção
(neste sentido, FIGUEIREDO DIAS e NUNO
BRANDÃO, Comentário Conimbricense ao
Código Penal, Tomo I, Coimbra: Coimbra
Editora, 2.ª edição, p. 187; PAULA RIBEIRO
DE FARIA, Comentário Conimbricense ao
Código Penal, Tomo II, Coimbra: Coimbra
Editora, p. 1091, Ac. STJ 22-11-2007, proc.
05P3638, Arménio Sottomayor). Note-se, ainda, 1,5 valor
que não se justifica, assim, a agravação do crime
de condução perigosa pelo resultado morte (art.
294.º, n.º 3 e 285.º, do CP), sendo tal resultado já
tutelado pelo crime de homicídio por negligência
(entendimento diverso viola o pr. ne bis in idem).
2) Há ainda que apreciar a existência ou não
de concurso efetivo entre os crimes
negligentes.
Em consequência do sinistro rodoviário,
morreram 3 pessoas e 4 ficaram com lesões não
graves.
No essencial, a opção por um concurso aparente
ou efetivo, é sobretudo fruto da valoração da
vertente de culpa e da violação de um único dever
objetivo de cuidado (vertente subjetiva) OU do
resultado objetivo (os diversos bens jurídicos
pessoais efetivamente atingidos).
Ambas as posições são defensáveis (conforme
revela a diversa doutrina e jurisprudência),
consoante se entenda prevalente a vertente
subjetiva ou a vertente objetiva (no sentido do 1 valor
concurso aparente, vejam-se Ac. STJ
13/07/2011, proc. 1659/07.3GTABF.S1,
Henriques Gaspar e Ac. TRL de 04/04/2019,
proc. 15/14.1GTALQ.L1-9; no sentido do
concurso efetivo veja-se, entre outros,
FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral,
T. 1, 3.ª ed., p. 1172-1174).
Nestes termos, sustentando-se o concurso
aparente, A é responsável por um único crime de
homicídio com negligência grosseira a que
acrescerá o supra aludido crime de condução
perigosa. Em caso de defender-se o concurso
efetivo, teremos 3 crimes de homicídio por
negligência grosseira, 4 crimes de ofensa à
integridade física por negligência e um crime de
condução perigosa.
9-10 ANTONINO, que sofrera também apenas A pratica um crime de homicídio simples, na
escoriações na face, logrou sair do autocarro e forma tentada (arts. 131º, nº 1 e 22º, nº1, nº2, al.
vendo o veículo de CAMÕES, que parara uns b) , 23º, nº1, todos do CP); admite-se a discussão
metros mais à frente, dirigiu-se-lhe. quanto ao privilegiamento previsto no art. 133.º–
“emoção violenta”, ainda que para o afastar,
Constatando que CAMÕES se encontrava considerando ter sido a situação provocada pelo
ainda sentado no banco do condutor e falava ao próprio, não sendo assim a mesma minimamente
telemóvel que tinha na mão, ANTONINO, “compreensível”; admite-se a alusão à
possibilidade da sua qualificação nos termos do
absolutamente fora de si, e imputando
art. 132.º, n.º 1 do CP (não se vislumbrando,
mentalmente a CAMÕES todo o todavia, qualquer dos exemplos-padrão
circunstancialismo que motivara o acidente, constantes do seu n.º 2, pelo que a qualificação
abriu a porta do lado do condutor e apertou-lhe sempre teria de se alicerçar num exemplo-padrão
o pescoço com toda a força que lhe restava. não típico, que permita afirmar sobretudo a 1 valor
“especial censurabilidade” referida no n.º 1).
11-12 Sentindo-se asfixiado, CAMÕES largou o A conduta de C integra a previsão do crime de
telemóvel, e conseguindo pegar na garrafa de ofensa à integridade física grave (art. 144.º, al. b)
vinho que tinha comprado para o jantar, que do CP), no entanto, numa atuação ao abrigo de 1 valor
tinha a seu lado, vibrou com ela um forte golpe legítima defesa (art. 32.º do CP), pelo que fica
na cabeça de ANTONINO que caiu caído assim afastada a ilicitude da sua conduta.
inanimado no chão.
Em resultado dessa pancada, ANTONINO
sofreu lesões que lhe provocaram uma
hemorragia interna, o que viria a deixá-lo
incapacitado para o exercício da sua profissão
de motorista.
II Parte (6 valores)
Responda às questões:
Há, desde logo, a notícia de um crime, que deverá ser levada ao conhecimento do MP
(art. 241.º do CPP), que é de denúncia obrigatória (art. 242.º, n.º 1, al. a) e 248.º do CPP), que
deverá originar a elaboração de um auto de notícia, nos termos previstos no art. 243.º (sendo
relevantes todos os seus números); considerando a aparência da substância existente no saco
plástico, o agente policial deveria proceder de acordo com o que se dispõe no art. 249.º, n.os 1, 2,
al. a) e c), com referência aos arts. 171.º, n.º 2, 173.º e 178.º, n.º 1, 5 e 6, todos do CPP.
DUARTE, com 21 anos, vivia com a mãe MIQUELINA, em casa desta. Foi
MIQUELINA que deu o consentimento para a realização da busca domiciliária referida
já que, nessa altura, DUARTE não se encontrava presente.
O produto apreendido deve ser apresentado pelo OPC nos termos do disposto no art. 178.º, n.º 6
do CPP, à entidade competente para se pronunciar sobre a validade da apreensão, que é o titular da
investigação, portanto, o Ministério Público (arts. 178.º, n.º 3, 263.º e 267.º do CPP), cabendo-lhe avaliar
da sua relevância para efeitos probatórios; com efeito, não está em causa qualquer ato da competência
exclusiva do Jic previstos nos arts. 268.º e 269.º do CPP, sendo que, no que diz respeito às apreensões
somente lhe cabe, em exclusivo, as referidas nos arts. 268.º, n.º 1, al. c) e d) e 269.º, n.º 1, al. d) do CPP.
2.2. Qual deveria ser o sentido do despacho a proferir por essa entidade? (1 valor)
Via Académica
09 J U N H O 2022
14H15M
2.ª CHAMADA
B. Suponha agora que CARLOS não tinha sido detido, mas que um seu vizinho tinha
feito chegar à PSP uma missiva do seguinte teor:
“Um vizinho meu chamado Carlos, residente na Rua General Agostinho Costa, n.º 5,
1.º Direito, na freguesia de Unhas-de-Cima, do concelho da Mealhada, onde reside
com a sua esposa Luísa, dedica-se à venda de haxixe a terceiros que o procuram,
através dos contactos telefónicos 966257845 e 933256775. Tem um Whatsapp com
o nome UberGanza. Conduz um Seat Ibiza para disfarçar, mas tem um Maserati na
garagem. Por dia é um corrupio de gente que aparece em casa dele.
Tem um pitbull e armas em casa.
Vende a menores.
Assinado: Um vizinho preocupado.”
Poderia esta missiva dar origem a um Inquérito? Justifique a sua resposta. (2 Valores)
C. Considere agora que, independentemente de qualquer denúncia, já se encontrava
pendente um inquérito contra CARLOS, no qual se encontrava autorizada a
interceção de conversações ou comunicações telefónicas. Neste contexto, foi
intercetada e gravada a conversa havida entre CARLOS e ELMALEH descrita acima no
ponto 29 do texto do GRUPO I.
Poderia esta gravação ser utilizada como prova no inquérito instaurado para
investigar os acontecimentos ocorridos no posto de abastecimento de combustível?
Justifique a sua resposta e, caso esta seja afirmativa, explicite qual seria o
procedimento legal que deveria ser seguido? (2 Valores)
39.º Curso
Grelha de Correção
Grupo I
15. a Verificando que a mochila que António comete, em autoria material (art 0,5 val.
17. FILIPA lhe devolvera continha 26.º) e na forma consumada, um crime de
pouco mais de 2.000 €, quantia ofensa à integridade física simples, p. e p.
bem distante do lucro que previa, pelo artigo 143.º, n.º 1 do CP. A violência
ANTÓNIO, visivelmente enervado, utilizada por António já não é necessária para
agarra FILIPA pelos ombros e, obter a entrega do dinheiro que se
dando-lhe uns “abanões”, grita-lhe encontrava na caixa e também não é
“ONDE RAIO ESTÁ O RESTO?” instrumental para a Filipa indicar onde é que
se encontrava “o resto”. Pelo que extravasa
Ao que a FILIPA respondeu “Não
do crime de roubo e assume relevância
há mais, estamos a meio do
autónoma.
mês...”.
26. a
27. e
No momento em que abria a porta Gustavo dispara quando o crime de roubo de
31.
e atirava a arma, a mochila, o que foi vítima se encontra já formalmente
telemóvel e a carteira para dentro consumado.
do carro, foi atingido na perna
Desta perspetiva, é defensável sustentar a
esquerda por um disparo de uma
inexistência de uma situação factual de
arma semiautomática de calibre
legítima defesa, por falta da atualidade da
6,35 mm, devidamente registada e
agressão (artigo 32.º do CP).
manifestada, pertencente e
empunhada por GUSTAVO, facto Uma vez que G atua com esse intuito e
que o fez tombar no solo. convencido da legalidade da sua atuação,
aplica-se o disposto no artigo 16.º, n.º 2 do
Com tal disparo GUSTAVO visava
CP, sendo excluído o dolo e permanecendo a
impedir que ANTÓNIO lograsse
possibilidade de o punir pelo crime p. e p.
escapar com os objetos e valores
pelo artigo 148.º, n.º 1 do CP – desde que
de que se apoderara,
reunidos os respetivos pressupostos, que têm
designadamente com o seu
de ser enunciados - com a agravação
precioso telemóvel, atitude que
decorrente do artigo 86.º, n.º 3 da Lei n.º
considerava estar de acordo com a
5/2006, de 23 de Fevereiro.
lei.
29. e Decidindo ficar com todo o Conhecendo, porque Carlos o informa nesse
30. produto do assalto para si, sentido, a proveniência ilícita do dinheiro que
CARLOS telefonou na manhã lhe entrega, a conduta de Elmaleh subsume-
seguinte a ELMALEH dizendo-lhe se ao crime de recetação, p. e p. no artigo 2
que “Tinha feito uma bomba” e 231.º, n.º 1 do Código Penal.
podia pagar-lhe “o dinheiro que
Poder-se-á, no entanto, equacionar a
ainda devia da última entrega”.
subsunção da conduta nos quadros do crime
No decurso do encontro de branqueamento, por força da conjugação
subsequente, que teve lugar nessa dos n.ºs 1 e 5 do artigo 368.º-A do CP, este
mesma noite, CARLOS entregou a último mercê da redação introduzida pela Lei
ELMALEH 600 €, recebendo em n.º 58/2020, de 31 de Agosto, uma vez que o
troca duas placas de resina de dinheiro resultante do cometimento do crime
canabis, pesando, cada uma, cerca de roubo é considerado “vantagem” para esse
de 750 gramas, tendo ambos efeito.
acordado que a diferença de
Como refere PPA (Comentário do Código
valores seria paga logo que
Penal, UCP, 2008, p. 869, anotação 16 ao art.
CARLOS as vendesse.
368.º-A) “A intenção do legislador foi a de
submeter estas condutas ao tipo da
recetação, mas este tipo é manifestamente
insuficiente para o efeito, por duas razões: (1)
a recetação incide necessariamente sobre
bens obtidos “por outrem” mediante a prática
de facto ilícito típico “contra o património”,
mas o branqueamento pode incidir sobre
bens obtidos pelo próprio e por crime que
não tem natureza patrimonial (2) a recetação
supõe a intenção de obter para si ou para
outrem uma vantagem patrimonial, o que o
branqueamento não implica.”
II – Parte processual
É mais difícil sustentar a detenção por via da presunção de flagrante delito (art. 256.º, n.º 2 do CPP),
tendo em consideração o tempo decorrido desde os factos praticados no PA, sendo que nada na
factualidade permite concluir no sentido de a autoridade policial ter mandado parar o veículo
conduzido pelo Carlos por esse motivo.
b. Artigo 246.º, n.º 5, al. a) do CPP – Compete ao MP avaliar, no âmbito da titularidade da ação
penal, a viabilidade da comunicação factual para permitir «investigar a existência de um
crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as
provas, em ordem à decisão sobre a acusação» - artigo 262.º, n.º 2 do CPP. No caso, face à
concretização factual dos elementos transmitidos, afigura-se que o anonimato da denúncia
não deveria obstar à instauração de inquérito.
c. Referência aos requisitos do n.º 7 do artigo 187.º do CPP e às condições materiais previstas
no n.º 1 e no n.º 4. Requisitos e condições que se encontram preenchidos in casu.
PROVA ESCRITA
DE
Via Profissional
2 1 DE M A I O DE 2022
14H15M
1.ª CHAMADA
3
Exmo. Senhor Juiz de Direito
do Tribunal Judicial da Comarca de Beja
Juízo de Competência Genérica de Cuba
Paulo Jorge Kraepelin Carreto, solteiro, maior, economista, contribuinte fiscal nº 333 e
titular do cartão do cidadão nº 222, residente na Avenida da República, nº 11, Beja, vem, ao
abrigo do disposto nos artigos 138.º, 139.º, n.º 1, e 141.º, n.º 1, todos do Código Civil, 891.º,
nº 1, 892.º e seguintes do Código de Processo Civil,
propor relativamente a:
1.º
Maria Rosa Kraepelin Carreto nasceu a 10 de abril de 1980, sendo filha de Manuel Augusto
Marques Carreto e de Lília Kraepelin Carreto, ambos já falecidos (documento n.º 1).
2.º
O ora Requerente é irmão da Requerida e seu parente sucessível (documento n.º 2).
3.º
A Requerida é licenciada em engenharia agronómica pela Universidade de Lisboa.
4.º
Durante a sua permanência em Lisboa, para a frequência da referida licenciatura, no
decurso do ano de 2000, Maria Rosa Carreto desenvolveu a sua primeira depressão
prolongada, tendo estado, durante cerca de mês e meio, fechada em casa e praticamente
incontatável, situação que apenas terminou mediante a intervenção de um primo, médico,
que a conduziu a uma consulta de psiquiatria.
4
5.º
Nessa consulta, foi-lhe diagnosticada perturbação bipolar tipo II, tendo-lhe sido prescrita
medicação, nomeadamente, um estabilizador do humor (carbonato de lítio) e
antidepressivos.
6.º
Desde então, a referida Maria Rosa vem sendo acometida, com intervalos irregulares, de
sucessivas crises, ora hipomaníacas, ora depressivas, próprias da referida doença.
7.º
Durante os episódios hipomaníacos, Maria Rosa mostra-se expansiva e, por vezes, mesmo
eufórica, fala com elevado fluxo de ideias e tem um aumento da atividade psicomotora e de
energia.
8.º
No decurso dessas fases, a mesma tem sensações de grandiosidade e diminui
substancialmente o seu período de sono, chegando a dormir, apenas, quatro horas por
noite.
9.º
Nas mesmas fases, Maria Rosa chega a permanecer, durante dias, longe de casa, muitas
vezes no Algarve, frequentando, noite após noite, bares e discotecas até de madrugada,
ingerindo bebidas alcoólicas até à inebriação e fumando “cannabis”.
10.º
Nessas circunstâncias, a mesma faz-se acompanhar por “conhecidos de ocasião”, sobretudo
homens, que são atraídos pelo seu comportamento desinibido e pela disponibilidade
financeira que ostenta.
11.º
Durante os mesmos episódios, a mesma adquire automóveis, barcos, terrenos,
apartamentos, por quantias exorbitantes.
12.º
Assim aconteceu em junho de 2018, quando, numa deslocação a Vilamoura, Maria Rosa
adquiriu, a um dinamarquês de nome Andersen, um veleiro usado, de 1988, pela
exorbitante quantia de 130.000,00 euros.
13.º
5
Refira-se que Maria Rosa não tem carta de navegadora de recreio, nem qualquer apetência
pelo mar, residindo habitualmente na Vidigueira, que é, como é notório, uma localidade do
interior.
14.º
Na mesma estadia, Maria Rosa negociou a aquisição de quatro apartamentos num
empreendimento ainda em construção, ao preço unitário de 225.000,00 euros.
15.º
Nessa ocasião, apenas a intervenção do irmão António Manuel Carreto, alertado pelo gestor
de conta de Maria Rosa, impediu que esta concluísse o contrato-promessa e entregasse à
promotora do empreendimento um sinal de 150.000,00 euros.
16.º
Numa outra ocasião, em Ibiza, Espanha, em agosto de 2019, Maria Rosa adquiriu a um
indivíduo que conheceu num bar, um veículo de marca “Maserati”, usado, pelo preço de
170.000,00 euros.
17.º
O referido veículo acabou por ser apreendido pela Guardia Civil, por constar de uma lista de
automóveis furtados e falsificados, tendo o cheque entregue para pagamento do mesmo
sido revogado por intervenção do advogado da família de Maria Rosa.
18.º
No decurso dos referidos episódios de hipomania, esta última mostra-se desinibida e
expansiva, com comportamentos de familiaridade excessiva, nomeadamente, junto dos
indivíduos do sexo masculino.
19.º
A sua libido aumenta e é habitual manter relações sexuais de “uma noite”, com homens que
conhece em bares e discotecas.
20.º
Em maio de 2020, no decurso de um desses episódios, Maria Rosa anunciou à família que ia
casar, tendo apresentado um indivíduo com cerca de 25 anos de idade (a mesma tinha,
naquela data, 40 anos), sem profissão conhecida e que ela conhecera cerca de duas
semanas antes, num hotel, na Toscânia, em Itália.
6
21.º
De novo, apenas a intervenção do irmão António Manuel Carreto permitiu pôr cobro aos
planos para esse casamento.
22.º
Mais recentemente, em junho de 2021, no decurso de mais um episódio hipomaníaco,
Maria Rosa adquiriu, sem conhecimento da família, 150 hectares de terreno sem qualquer
aptidão agrícola ou outra, em Estremoz, pelo valor de 800.000 euros, que pagou com
recurso a um financiamento bancário.
23.º
Como o Banco financiador dessa operação lhe tivesse exigido uma garantia, Maria Rosa deu
em hipoteca a Herdade da Cumeeira de Cima, na Vidigueira, propriedade que lhe adveio em
partilhas por morte dos pais e cujo valor está estimado em mais de 2 milhões de euros.
24.º
Para lograr esconder essa operação da família, Maria Rosa foi negociar a compra e o
financiamento bancário em Lisboa.
25.º
Na doença bipolar, as recaídas ou os episódios de descompensação são frequentes, sendo
importante a atenção de alguém próximo, nomeadamente, um familiar, na identificação de
alterações que podem significar a aproximação de uma crise.
26.º
Como acima se disse, as fases de hipomania vivenciadas por Maria Rosa são alternadas por
outras, de depressão.
27.º
Nestes períodos, Maria Rosa Carreto encerra-se no Monte, fechada no seu quarto, passando
dias sem ver ninguém.
28.º
A mesma dorme horas consecutivas durante o dia, culpabiliza-se de forma violenta pelos
atos que pratica durante os episódios de hipomania, chora convulsivamente e grita que
“está na miséria” e que “todos a vão abandonar”.
29.º
7
No último desses episódios, ocorrido em janeiro de 2021, Maria Rosa ingeriu uma
quantidade não apurada de calmantes, tendo sido conduzida ao hospital, onde lhe foi
diagnosticada uma intoxicação medicamentosa.
30.º
Após ter recebido alta desse hospital, foi internada, numa clínica particular da especialidade
de psiquiatria, onde permaneceu durante dois meses.
31.º
Desde então, a requerida é acompanhada na consulta do psiquiatra Dr. Ambrósio
Pesseguinho.
32º
Contudo, a mesma toma os medicamentos prescritos e comparece às consultas, de forma
inconstante, sobretudo, nas fases de hipomania.
33.º
Com efeito, durante os episódios de hipomania, Maria Rosa não tem crítica para a doença,
recusando-se a aceitar que necessita de ajuda.
34.º
A mesma exerce, em várias empresas agrícolas da família, funções de consultoria como
engenheira agrónoma, mas ultimamente vem desempenhando as tarefas que lhe são
atribuídas com crescente irregularidade.
35.º
Por essas funções, Maria Rosa aufere a quantia mensal de 5.500,00 euros líquidos, tendo
rendimentos de capital e imobiliário de cerca de 10.000 euros líquidos por mês.
36.º
A mesma é titular de um património extenso e de valor considerável, maioritariamente
proveniente da herança dos seus pais, de que se destaca o seguinte:
a) participação social correspondente a 30% no capital da sociedade “Vinhos do Estio,
S.A”, no valor nominal de 500.000 euros;
b) participação social correspondente a 20% no capital da sociedade “Herdade da
Cumeeira de Cima, S.A”, no valor nominal de 250.000 euros;
c) participação social correspondente a 25% no capital social da sociedade “Vidigueira
Living & Leisure - Hotel Rural, Lda”, no valor nominal de 100.000 euros;
d) fração autónoma designada pela letra “FF” correspondente ao quinto andar do prédio
8
urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Ivens, nº 11, freguesia de
Santa Maria Maior, em Lisboa, inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º 444 e
descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 222/001015
(documento n.º 3).
e) prédio misto, composto por terra de semeadura, olival, albufeira, couto de caça,
dependências agrícolas e casa de habitação, denominado “Herdade da Cumeeira de
Cima” sito em Selmes, freguesia de Selmes, concelho de Vidigueira, inscrito na matriz
predial respetiva sob o n.º 71 e descrito na Conservatória do Registo Predial da
Vidigueira sob o nº 444/680515 (documento n.º 4).
f) prédio misto, composto por terra de semeadura, vinha, olival, dependências agrícolas e
casa de habitação, denominado “Monte da Azinheira de Baixo” sito em Pedrogão,
freguesia de Pedrogão, concelho de Vidigueira, inscrito na matriz predial respetiva sob
o n.º 42 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Vidigueira sob o nº
555/680515 (documento n.º 5).
g) prédio rústico, composto por montado de sobro e azinheira, ruína e dependências
agrícolas, denominado “Esteva”, sito em Arcos, freguesia de Arcos, concelho de
Estremoz, inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º 45 e descrito na Conservatória
do Registo Predial da Vidigueira sob o nº 777/690725 (documento n.º 6).
37.º
É ainda titular de várias contas bancárias, nomeadamente, no Banco BB (n.º 0000), no Banco
CC (1111) e DD (2222).
38.º
No decurso do internamento acima referido, Maria Rosa Carreto outorgou a favor do seu
irmão António Manuel uma procuração concedendo-lhe plenos poderes para administrar os
seus bens móveis e imóveis, incluindo as contas bancárias e as participações sociais, assim
como para dar de arrendamento e vender imóveis (documento nº 7).
39.º
Regressada desse internamento, rapidamente Maria Rosa declarou ao irmão querer revogar
a procuração, o que concretizou.
40.º
A Requerida, em virtude da doença de que padece, encontra-se impossibilitada de exercer
plena, pessoal e conscientemente, todos os seus direitos e de cumprir os seus deveres.
41.º
É, pois, indispensável, com vista à sua proteção, nomear-lhe acompanhante que assegure o
9
seu bem-estar e o pleno exercício dos seus direitos bem como o cumprimento dos seus
deveres.
42.º
O auxílio que à requerida é prestado, no cumprimento das suas obrigações de solidariedade,
pela família, é insuficiente, uma vez que a requerida rejeita a intervenção dos irmãos nos
seus assuntos, incluindo, mesmo, por vezes, o apoio do irmão António Manuel, de quem é
mais próxima.
43.º
De acordo com o disposto no artigo 138.º do Código Civil, o maior impossibilitado, por
razões de saúde, deficiência ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e
conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres,
beneficia das medidas de acompanhamento previstas no Código Civil, o que in casu se
verifica.
44.º
Atento o estado de saúde da beneficiária, são adequadas e necessárias ao caso concreto as
seguintes medidas de acompanhamento:
• representação geral - artigo 145.º, n.º 2, alínea b), do Código Civil;
• acompanhamento para cuidados de saúde, nos termos do artigo 145.º, n.º 2, alínea
e), do Código Civil.
45.º
Considerando ainda o risco de a Requerida, nas fases de descompensação hipomaníaca,
engravidar involuntariamente, impõe-se a colocação de implante contracetivo.
46.º
Face ao supra alegado, impõe-se também a concessão de uma pré-autorização ao
acompanhante para promover o internamento da Requerida em caso de descompensação.
47.º
Existindo, ainda, em concreto, o perigo de, de modo não livre e esclarecido, contrair
casamento, deve o direito ao casamento ser condicionado, proibindo-se a Requerida de
casar ou, subsidiariamente, impondo-se judicialmente o regime de separação de bens em
caso de vir a ser celebrado casamento.
48.º
Também para salvaguardar o património da requerida, nomeadamente de um indesejável
10
direito real de habitação, é necessário impedir a produção de efeitos jurídicos da união de
facto.
49.º
Para acautelar a integridade do património da requerida impõe-se ainda que seja limitado o
direito de testar.
50.º
Para acompanhante indica-se o irmão mais velho da beneficiária, António Manuel Kraepelin
Carreto, que deverá assegurar a sua representação legal, assim como as funções de
acompanhamento nas questões pessoais, sociais e na área da saúde - cfr. documento n.º 8.
51.º
Indicam-se os seguintes membros para integrar o Conselho de Família: o aqui Requerente,
Paulo Jorge Kraepelin Carreto, e Ana Filipa Kraepelin Carreto Simões, irmã da Requerida -
cfr. documento n.º 9.
52.º
Não há notícia de que a beneficiária tenha celebrado testamento vital, outorgado
procuração para cuidados de saúde ou outorgado mandato para a gestão dos seus
interesses (artigo 900.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
53º
Conforme resulta do acima exposto, a Requerida revela ausência de crítica para a doença de
que padece, recusando-se a aceitar qualquer forma de assistência, seja na vertente pessoal,
seja na vertente patrimonial, pelo que se impõe, para proteção da mesma e ao abrigo do
disposto no art.º 141º nº 2 do Código Civil, o suprimento da sua autorização para a
propositura da presente ação, o que se requer.
11
d) concessão de uma pré-autorização ao acompanhante para
promover o internamento da Requerida em caso de
descompensação;
e) proibição da celebração de casamento ou,
subsidiariamente, imposição do regime de separação de
bens, se celebrado o casamento;
f) impedimento à produção de efeitos jurídicos da união de
facto.
g) impedimento da faculdade de testar.
12
Valor: 30.000,01€ (trinta mil euros e um cêntimo).
Junta: 9 (nove) documentos.
Requerimento probatório:
- Prova documental: nove documentos;
- Prova testemunhal (cuja notificação para comparência se requer, nos termos do artigo
507.º, n.º 2, do Código de Processo Civil):
Dr. Ambrósio Pesseguinho, médico psiquiatra, com domicílio profissional na Rua 25 de abril,
nº 54, Beja.
O Advogado
(assinatura digital)
13
Tribunal da Comarca
de Beja
Juízo de Competência
Genérica de Cuba
Proc. nº 5555/21.0T8CUB
CONTESTANDO
a ação que lhe move PAULO JORGE KRAEPELIN
CARRETO
diz
Vejamos,
5. Tudo o mais que se diz na peça processual a que se responde, não passa de
insinuações, meias-verdades ou mesmo rotundas falsidades.
9. Foi estudar para Lisboa com 16 anos de idade, mesmo contra a vontade dos
pais.
11. Ainda assim, no decurso dos anos de 2020 e 2021 a mesma manifestou-se
contra vários projetos de negócio para as sociedades da família, encabeçados
pelos seus irmãos.
E daí, esta ação.
15
14. Em dezembro do mesmo ano, a Requerida manifestou-se contra a plantação
de abacate numa das suas propriedades, que está sob a administração de uma
sociedade da família.
17. No mais que vem alegado na douta petição inicial, a Requerida limitar-se-
á a aduzir que é verdadeiro que comprou o veleiro, mas não o fez para si, mas
para o então seu namorado.
19. Ainda que a Requerida não deva explicações do que faz com o seu
dinheiro, os 150 hectares de terreno em Estremoz destinam-se a um projeto
de alojamento turístico e residência sénior, que está a desenvolver com vários
amigos.
16
VALOR: 30.000,01€
O ADVOGADO
(assinatura eletrónica)
17
MATÉRIA DE FACTO A CONSIDERAR
1. Maria Rosa Kraepelin Carreto nasceu a 10 de abril de 1980, é solteira e filha de Manuel
Augusto Marques Carreto e de Lília Kraepelin Carreto, ambos já falecidos.
2. A mesma licenciou-se em engenharia agronómica, pelo Instituto Superior de Agronomia
da Universidade de Lisboa, em outubro de 2003.
3. No decurso da permanência em Lisboa para frequência das aulas da referida
licenciatura, no ano 2000, Maria Rosa Carreto teve uma crise depressiva, durante cerca
de mês e meio, período durante o qual permaneceu encerrada em casa, deixou de
receber e fazer telefonemas e recusou visitas.
4. Esse estado terminou com a intervenção de um seu primo, médico, que a conduziu a
uma consulta de psiquiatria particular.
5. Nessa consulta foi-lhe diagnosticada perturbação bipolar II, tendo-lhe sido prescrita
medicação para toma regular, nomeadamente, um estabilizador de humor (cabornato
de lítio) e antidepressivos.
6. Desde então, Maria Rosa Carreto vem sendo acometida, com periodicidade irregular, de
crises, ora de hipomania, ora de depressão.
7. Durante os episódios hipomaníacos, a mesma mostra-se expansiva, comunicativa e, por
vezes, mesmo, eufórica, fala rapidamente e com grande fluxo de ideias, assim como
denota aumento da atividade psicomotora e de energia.
8. Durante os mesmos períodos, Maria Rosa Carreto diminui o seu tempo de sono,
chegando a dormir apenas quatro horas por noite, durante mais de uma semana em
contínuo.
9. Nas mesmas fases, é habitual a mesma ausentar-se, durante dias, da sua residência na
Vidigueira, para o Algarve, alojando-se em hotéis.
10. Em junho de 2018, numa fase hipomaníaca, Maria Rosa Carreto, adquiriu, em
Vilamoura, a um indivíduo estrangeiro, um veleiro “Dufour 39”, do ano de 1988, pelo
valor de 130.000,00 euros.
11. Atualmente, um veleiro dessa marca e modelo, do ano de 1988, pode ser comprado pelo
preço de 88.000 euros, no mercado europeu de barcos usados.
12. Maria Rosa Carreto não tem, nem nunca teve, carta de navegadora de recreio, tendo
adquirido o referido veleiro para o oferecer ao então seu namorado.
13. A mesma reside habitualmente na Vidigueira, localidade do interior do país.
18
14. Durante a referida fase e na mesma estadia em Vilamoura, Maria Rosa negociou a
aquisição de quatro apartamentos num empreendimento ainda em construção, cada um
pelo preço de 225.000 euros.
15. O irmão mais velho de Maria Rosa Carreto, António Manuel Carreto, foi alertado pelo
gestor de conta daquela, para a iminência de uma transferência bancária no valor de
150.000 euros e convenceu a mesma a desistir do negócio, impedindo a celebração de
um contrato-promessa sobre os referidos quatro apartamentos.
16. Em agosto de 2019, numa estadia em Ibiza, Espanha, Maria Rosa negociou com um
indivíduo que conheceu no hotel onde se alojou, a aquisição, pelo preço de 170.000,00
euros de um automóvel de marca “Maserati”, modelo “Ghibli 3.0 V6” com 275 cavalos,
do ano de 2015.
17. Para pagamento desse preço, Maria Rosa Carreto entregou ao referido indivíduo um
cheque sacado sobre a sua conta nº 0000 no Banco BB.
18. O automóvel acima identificado foi apreendido, em Ibiza, pela Guardia Civil, na posse de
Maria Rosa Carreto, por constar de uma lista de automóveis furtados e com o “chassis”
falsificado, tendo o cheque para pagamento do preço sido revogado por intervenção do
advogado da família de Maria Rosa.
19. No decurso dos períodos de hipomania, os doentes com perturbação bipolar do tipo II,
podem experienciar aumento substancial da líbido e apresentar um comportamento
sexual desinibido, relacionando-se sexualmente com parceiros que antes não conheciam
e com os quais não desejam manter qualquer relação duradoura.
20. Em maio de 2020, no decurso de uma fase hipomaníaca, Maria Rosa Carreto anunciou à
família que ia contrair casamento, tendo apresentado aos irmãos um indivíduo de 25
anos de idade, sem profissão conhecida, como o seu noivo.
21. O irmão António Manuel Carreto persuadiu Maria Rosa a desistir dos planos de
casamento.
22. No dia 17 de março de 2021, mediante escritura pública outorgada no Cartório Notarial
de Ercília Luísa, em Lisboa, Maria Rosa Carreto adquiriu um prédio composto por 150
hectares de terreno, sito em Estremoz, pelo preço de 800.000 euros.
23. O terreno deste prédio é composto por montado de sobro e azinheira, uma ruína e
algumas dependências agrícolas abandonadas.
24. O preço da aquisição foi pago através de um financiamento do Banco BB.
19
25. Para lograr esse financiamento, Maria Rosa Carreto constituiu uma hipoteca sobre o
prédio misto denominado Herdade da Cumeeira de Cima, sito em Selmes, freguesia de
Selmes, concelho de Vidigueira, inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º 71 e
descrito na Conservatória do Registo Predial da Vidigueira sob o nº 444/680515.
26. Este último prédio foi adquirido por Maria Rosa Carreto, em partilha extrajudicial por
óbito dos seus pais, e foi avaliado, aquando da constituição da hipoteca, em cerca de 2
milhões de euros.
27. A aquisição, o financiamento e a constituição da hipoteca foram realizadas sem
conhecimento da família de Maria Rosa Carreto, tendo sido negociadas e concretizadas
em Lisboa.
28. A intenção de Maria Rosa Carreto que presidiu à referida aquisição foi a implantação, no
referido terreno, de um projeto hoteleiro e de residência sénior, com a valência,
também, de centro de bem-estar (welness center), com capacidade para 100 camas.
29. Na doença bipolar, as recaídas ou os episódios de descompensação são frequentes,
sendo importante a atenção de alguém próximo, nomeadamente um familiar, para a
identificação de alterações que podem significar a aproximação de uma crise.
30. Às fases de hipomania que acometem a requerida sucedem-se normalmente períodos
de depressão, em que aquela se encerra durante dias na sua residência, recusando
qualquer contato com terceiros.
31. Nesses períodos, a mesma dorme durante o dia, culpabiliza-se pelos atos que pratica
nos episódios de hipomania e é acometida de momentos de choro convulsivo.
32. No decurso de um desses períodos, irada com o irmão António Manuel, por este
pretender conduzi-la ao médico, Maria Rosa Carreto arremessou contra o mesmo um
cântaro de barro, não logrando, porém, atingi-lo.
33. No decurso do último desses episódios, em janeiro de 2021, Maria Rosa Carreto ingeriu
uma quantidade não identificada de benzodiazepinas (vulgo, calmantes), tendo sido
conduzida ao hospital, onde lhe foi diagnosticada uma intoxicação medicamentosa por
essas substâncias.
34. Após ter tido alta do hospital, Maria Rosa Carreto, a seu pedido, foi internada numa
clínica da especialidade de psiquiatria, onde permaneceu durante dois meses.
35. Depois de sair dessa clínica, a requerida frequentou, em sessões semanais, durante um
mês, a consulta do psiquiatra Dr. Ambrósio Pesseguinho, em Beja.
20
36. A partir de data não concretizada, a requerida frequenta, com regularidade também não
apurada, a consulta de psiquiatria do Prof. Doutor Ivan Zerlig, em Lisboa.
37. Esse especialista prescreveu-lhe medicação que a requerida toma de forma irregular,
sobretudo, nas fases de hipomania.
38. Durante esses períodos, a requerida não aceita estar doente e recusa ajuda de
terceiros.
39. A requerida tem, desde a infância, uma personalidade rebelde, avessa à autoridade e
hedonista.
40. Aos 16 anos saiu da Vidigueira para estudar em Lisboa, contra a vontade dos seus pais.
41. A mesma tem uma relação de confiança e de proximidade com o irmão António Manuel.
42. A sua relação com os outros dois irmãos, é distante e permeada por desconfiança e
crítica recíprocas.
43. Por regra, a mesma rejeita a intervenção e o apoio do irmão António Manuel, nos seus
assuntos pessoais e patrimoniais, durante as fases de hipomania e no intervalo entre
estas e as fases depressivas.
44. Maria Rosa Carreto tem atribuídas, em algumas empresas da família, funções de
consultora de projetos agrícolas, mas, desde há cerca de um ano, vem desempenhando
essas funções de forma irregular, ausentando-se, sem justificação, por períodos
superiores a quinze dias ou não comparecendo às reuniões agendadas.
45. Por essas funções é-lhe paga a quantia líquida mensal de 5.500 euros líquidos.
46. A requerida tem rendimentos mensais, provenientes de aplicações financeiras e de
imobiliário, no valor de cerca de 10.000 euros líquidos mensais.
47. O seu património está avaliado em cerca de 8 milhões de euros, sendo composto,
nomeadamente, pelos seguintes bens:
21
freguesia de Santa Maria Maior, em Lisboa, inscrito na matriz predial respetiva sob
o n.º 444 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º
222/001015.
e) prédio misto, composto por terra de semeadura, olival, albufeira, couto de caça,
dependências agrícolas e casa de habitação, denominado “Herdade da Cumeeira de
Cima” sito em Selmes, freguesia de Selmes, concelho de Vidigueira, inscrito na
matriz predial respetiva sob o n.º 71 e descrito na Conservatória do Registo Predial
da Vidigueira sob o nº 444/680515.
f) prédio misto, composto por terra de semeadura, vinha, olival, dependências
agrícolas e casa de habitação, denominado “Monte da Azinheira de Baixo” sito em
Pedrogão, freguesia de Pedrogão, concelho de Vidigueira, inscrito na matriz predial
respetiva sob o n.º 42 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Vidigueira
sob o nº 555/680515.
g) prédio rústico, composto por montado de sobro e azinheira, ruína e dependências
agrícolas, denominado “Esteva”, sito em Arcos, freguesia de Arcos, concelho de
Estremoz, inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º 45 e descrito na
Conservatória do Registo Predial da Vidigueira sob o nº 777/690725.
48. A Requerida é titular de contas bancárias nos Bancos BB (nº 0000), CC (1111) e DD
(2222).
50. Em setembro do mesmo ano, a Requerida opôs-se a uma parceria entre a sociedade
“Vidigueira Living & Leisure - Hotel Rural, Lda” e uma cadeia hoteleira nacional, que
passava por aumentar a capacidade de oferta do alojamento local construído num
terreno da empresa.
51. Em dezembro do mesmo ano, a Requerida opôs-se à plantação de abacate numa das suas
propriedades, que está sob a administração de uma sociedade da família.
52. No decurso do internamento acima referido, Maria Rosa Carreto outorgou a favor do
seu irmão António Manuel uma procuração, concedendo a este, plenos poderes para
administrar os seus bens móveis e imóveis, incluindo as contas bancárias e as
22
participações sociais, assim como para dar de arrendamento e vender imóveis.
55. António Manuel Kraepelin Carreto, o Requerente Paulo Jorge Kraepelin Carreto e Ana
Filipa Kraepelin Carreto Simões, são filhos de Manuel Augusto Marques Carreto e de
Lília Kraepelin Carreto, tendo nascido, respetivamente, a 5 de outubro de 1970, 11 de
março de 1973 e a 15 de agosto de 1975.
a) Que nas fases de hipomania, a Requerida frequente, noite após noite, bares e
discotecas até de madrugada, ingerindo bebidas alcoólicas até ficar inebriada e
fumando “cannabis”.
b) Que, nessas circunstâncias, a mesma se faça acompanhar por homens que conhece
nas referidas ocasiões e que são atraídos pelo seu comportamento desinibido e pela
disponibilidade financeira que ostenta.
c) Que a Requerida não tenha qualquer apetência pelo mar.
d) Que a mesma tenha adquirido o automóvel de marca “Maserati”, referido nos factos
provados, no decurso de uma fase de hipomania.
e) Que nas fases de hipomania, a Requerida tenha aumentos da líbido e mantenha
relações sexuais de “uma noite” com homens que conhece em bares e discotecas.
f) Que o indivíduo que a Requerida apresentou à família como seu noivo tenha travado
conhecimento com a mesma, cerca de duas semanas antes, num hotel, na Toscânia,
em Itália.
g) Que a Requerida tenha negociado e concretizado a aquisição do prédio rústico em
Estremoz no decurso de um episódio hipomaníaco.
h) Que esse prédio não tenha aptidão agrícola, nem qualquer outra.
i) Que Maria Rosa Carreto tenha negociado e concretizado essa aquisição e o respetivo
financiamento em Lisboa, para esconder os mesmos da família.
j) Que durante as fases depressivas, a Requerida grite “que está na miséria” e que
todos a vão abandonar.
23
k) Que a mesma seja atualmente acompanhada na consulta do psiquiatra Dr. Ambrósio
Pesseguinho.
l) Que desde que lhe foi diagnosticada a perturbação bipolar II, a Requerida nunca
tenha deixado de tomar a medicação prescrita.
24
39.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via profissional
Grelha de Correção
Nota:
O conteúdo da grelha disponibilizada reflete as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da forma e da
substância, se reputam as mais corretas em função das peças facultadas e dos dados do processo e que devem, na
prova do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outros tipos de abordagem, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face
aos dados facultados e que se revelem suportados em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizados, na
medida do respetivo mérito.
1.ESTRUTURA,
ORGANIZAÇÃO E COTAÇÃO PARCELAR (até 2 valores)
COERÊNCIA DA PEÇA
PROCESSUAL – parte I
2.FUNDAMENTAÇÃO
DA(S) PROPOSTA(S) COTAÇÃO PARCELAR (até 16 valores)
FORMULADA(S)
d) Indicação do acompanhante:
Na falta de escolha da Requerida, identificar o irmão António
Manuel como a pessoa sobre a qual devem recair as funções de
acompanhante, considerando que a factualidade provada
demonstra preocupação, da sua parte, com o bem-estar da
Requerida, bem como proximidade afetiva e confiança entre ambos
(nºs 41, 42, 52 e 53 dos factos provados) (art.º 143º, nº 2, alínea i)
do Código Civil).
3. ESTRUTURA,
ORGANIZAÇÃO E COTAÇÃO PARCELAR (até 2 valores)
COERÊNCIA DA PEÇA
PROCESSUAL – parte II
Análise das restantes questões que devem ser objeto de pronúncia na
sentença judicial, de forma coerente com as conclusões do parecer,
nomeadamente:
(i) A fixação da data a partir da qual a(s) medida(s) se tornou(aram)
conveniente(s)
(ii) O prazo de revisão da(s) medida(s);
(iii) A publicidade da sentença;
(iv) A responsabilidade pelas custas da ação.
39.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via profissional
Grelha de correção
Nota:
O conteúdo da presente grelha reflete de forma tópica as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da forma
e da substância, se reputam as mais corretas em função dos elementos disponibilizados e que devem, na prova do
candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outras abordagens, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face aos dados
facultados e que se revelem suportados em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizados, na medida do
respetivo mérito.
Aquisição, por usucapião, de direito de servidão de vistas sobre o prédio da Ré e a favor do prédio
do Autor, sua eventual violação pela Ré e demolição da obra edificada pela Ré:
Artigos 1360.º. e 1362.º, 1258.º e seguintes, 1287.º e seguintes, 70.º e seguintes, 334.º,
e 342.º, todos do Código Civil; artigo 414.º do Código de Processo Civil.
Com a limitação ao direito de propriedade consagrada no artigo 1360.º do Código Civil,
pretende-se evitar que o prédio vizinho seja facilmente objeto da indiscrição de estranhos
e, por outro lado, impedir que ele seja facilmente devassado com o arremesso de objetos.
Não foi, nomeadamente, intenção do legislador evitar as vistas que se podem desfrutar
sobre o prédio vizinho ou sobre a paisagem circundante.
Não estão assim sujeitas a tal restrição as construções que não permitam o devassamento
do prédio vizinho, as quais, consequentemente, não permitem a constituição do direito
de servidão de vistas previsto no artigo 1362.º do Código Civil.
Mesmo a admitir que a cobertura da dependência existente no prédio do Autor poderia
ser vista como terraço para efeitos dos artigos 1360.º e 1362.º do Código Civil – sendo
certo que, atendendo às suas características, em especial o tipo de revestimento e a
finalidade do murete ali colocados, tal qualificação se apresenta como questionável –,
afigura-se que, de todo o modo, tal murete, com apenas 60 centímetros de altura, não
pode ser considerado como parapeito para os efeitos previstos nos normativos acima
referidos. Tal murete, para uma pessoa de estatura média, eleva-se pouco acima do
joelho, não tendo assim a virtualidade de conferir segurança às pessoas contra o perigo
de quedas, para além de não permitir que alguém nele se debruce com a finalidade de
devassar o prédio vizinho.
Não estão assim reunidos os pressupostos de que os normativos mencionados fazem
depender o reconhecimento do direito real de servidão de vistas invocado pelo Autor.
Por outro lado, não parece resultar dos factos provados que a atuação da Ré, ao construir
até ao limite do seu prédio, constitua abuso de direito nos termos do artigo 334.º do
Código Civil, seja em atenção à sua atuação anterior (não se demonstrando factos que,
nomeadamente, permitam a convocação das figuras da supressio ou do venire contra
factum proprium), seja em atenção a direitos de personalidade do Autor (não resultando
da nossa lei um direito subjetivo à paisagem, igualmente não ficou demonstrado que a
construção edificada pela Ré viole o direito à saúde do Autor).
Consequentemente, devem ser julgados improcedentes os pedidos formulados nas als. b)
a f) da parte final da petição inicial – artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 414.º do
Código de Processo Civil.
Litigância de má-fé:
Artigos 542.º e seguintes do Código de Processo Civil.
Não parece justificar-se a condenação do Autor como litigante de má-fé, seja porque não
ficou evidenciado que tenha alterado, com dolo ou culpa grave, a verdade dos factos nem
que, por outro lado, tenha deduzido pretensão cuja falta de fundamento seja manifesta.
Improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé, incluindo a condenação
em indemnização à Ré.
Via Profissional
09 JUNHO 2022
14H15M
2.ª CHAMADA
1
VIA PROFISSIONAL – 2ª CHAMADA - 9 JUNHO 2022
2
8. A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a candidato/a será penali-
zada com um redução da nota atribuída até um máximo de 3 valores, para o total da prova
(Ponto 5.3.3 do Aviso n.º 5170/2022, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 50, de 11 de
março).
9. As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a grafia do "Acordo Or-
tográfico da Língua Portuguesa" (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º
26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto),
deverão declará-lo expressamente no quadro "Observações" da folha de rosto que lhes será en-
tregue, escrevendo "Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assem-
bleia da República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade", sendo a pro-
va corrigida nesse pressuposto.
10. A presente prova não poderá conter qualquer assinatura, ainda que fictícia, pelo que, no final da
peça, as/os candidatas/os só deverão escrever as palavras seguintes:
“DATA”
“ASSINATURA”.
11. As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento identificativo da/o
candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da folha de rosto), sob pena de anu-
lação da prova.
12. Assim que for dada indicação que a prova terminou os/as candidatos/as não poderão prosseguir
com o que estavam a escrever, ficando a aguardar que o/a vigilante recolha as folhas com a
prova. O desrespeito desta regra implica a anulação da prova.
3
Registe, distribua e autue como inquérito – IO.
Conclua.
Comarca de Portalegre
Data: 11.03.2022
Assunto: Participação criminal
No dia 9 de Março de 2022, pelas 15h00, o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU)
do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) recebeu, através do número 112, um tele-
fonema do número 245 111 111, de uma senhora que disse chamar-se ANTÓNIA ANSIOSA e
residir na Rua do Desespero, n.º 1, em Ponte de Sor, e que, ao técnico que a atendeu, relatou
que há uns dias que tinha perda de olfacto e dores de cabeça muito intensas, e que desde há
umas horas estava com crescentes dificuldades respiratórias, pensando que a qualquer mo-
mento iria perder a consciência. Todos os telefonemas são gravados, sendo disso avisados to-
dos aqueles que telefonam, antes de as chamadas serem atendidas.
Face aos sintomas descritos e a sua compatibilidade com a COVID-19, foi acionada para o local
uma ambulância preparada para essa doença, com um motorista, um médico e um paramédi-
co, que saiu de Portalegre às 15h20.
Pelas 15h30 do mesmo dia, foi recebido no 112 um outro telefonema da mesma senhora que
pedia urgência no auxílio, pois sentia-se cada vez pior.
1
cardiologista. Perguntada se tinha algum problema cardíaco naquele momento, disse apenas
que tinha uma consulta marcada há muito tempo e que não queria faltar.
Perante tal quadro, a equipa do INEM recusou transportá-la para o hospital. Nessa altura, a
senhor injuriou a médica do INEM.
Ao longo da pandemia, têm ocorrido muitos milhares de telefonemas para o número 112 com
falsas situações de COVID-19, que muito tem prejudicado o eficiente serviço do INEM e a pres-
tação célere de assistência a quem verdadeiramente necessita.
2
Junta:
Presidente
- Conclusão em 22.03.2021 -
Consigno que procedi à audição do CD junto a folhas 3, do mesmo constando dois fi-
cheiros áudio cujo teor é compatível ao descrito a folhas 1 e 2.
Por via postal registada, convoque a denunciada para comparecer perante mim, no
dia 5 de Maio de 2022, às 10h00, a fim de ser constituída arguida e interrogada nessa quali-
dade.
Elabore ofício, a assinar por mim, dirigido ao Hospital Distrital de Portalegre solicitan-
do que informe se a denunciada ANTÓNIA ANSIOSA tinha efectivamente alguma consulta
marcada em 09.03.2022 e, na afirmativa, de que especialidade, há quanto tempo e se aí é
seguida regularmente e por que motivo.
5
S. R.
____________________
Pedro Pinho
(procurador da República)
6
S. R.
7
S. R.
8
S. R.
Identificação da Testemunha:
Nome: BELA BEATRIZ
Filiação: Bernardo Bastos e Benvinda Bastos
Naturalidade (Freguesia e Concelho): S. Sebastião da Pedreira – Lisboa
Data de nascimento: 19.06.1990
Estado civil: Solteira
Profissão: Médica
Residência: INEM – Portalegre (residência profissional)
*
A identidade da depoente foi verificada através do Cartão do Cidadão n.º 222 333 222,
que exibiu.—
*
Inquirida sobre as suas relações de parentesco ou interesse com o arguido, o ofendido, o
assistente, as partes civis e outras testemunhas, bem como quaisquer outras circunstâncias
relevantes para avaliar a credibilidade do seu depoimento, nomeadamente relações de trabalho
com as pessoas referidas, disse: não conhecia a senhora ANTÓNIA ANSIOSA antes dos factos
destes autos: é funcionária do INEM desde 2016.—
Confirma o teor da participação do INEM, que já conhecia, pois foi-lhe dado conhecimen-
to internamente.—
Acrescenta que, quando percebeu que não a iríamos levar ao hospital, a senhora foi mui-
to mal-educada e rude. Disse repetidamente à depoente que ela uma “porca, corrupta, fascista
que queria deixar morrer o povo”. Ficou profundamente ofendida com essas palavras, pois
desde o início da pandemia deu tudo de si no seu trabalho, tendo em alguns períodos estado
9
S. R.
Desde o início de Março de 2020 têm ocorrido muitos falsos telefonemas de COVID-19, o
que muito tem prejudicado o correcto funcionamento da assistência médica a quem verdadei-
ramente precisa. Consigo tem acontecido pelo menos uma vez por semana.—
________________________________________________
Para constar se lavrou o presente auto que depois de lido e achado conforme vai ser en-
cerrado às 10h30 horas e devidamente assinado.
________________________________________________
10
S. R.
Identificação da Testemunha:
Nome: CARLOS CRISTÓVÃO
Filiação: Cristiano Cristóvão e Carla Cristóvão
Naturalidade (Freguesia e Concelho): S. Jorge de Arroios – Lisboa
Data de nascimento: 23.09.1985
Estado civil: Casado
Profissão: Paramédico
Residência: INEM – Portalegre (residência profissional)
*
A identidade do depoente foi verificada através do Cartão do Cidadão n.º 666777666, que
exibiu.—
Confirma o teor da participação do INEM, de que neste momento lhe foi dado conheci-
mento.—
Quando a senhora percebeu que não a iríamos levar ao hospital, foi muito rude e mal-
educada. Disse à Bela que ela “uma corrupta, uma porca fascista, uma inimiga do povo”. A
Bela ficou muito ofendida com essas palavras, tendo até chorado na ambulância quando vi-
nham embora.—
11
S. R.
________________________________________________
Para constar se lavrou o presente auto que depois de lido e achado conforme vai ser en-
cerrado às 11h30 horas e devidamente assinado.
________________________________________________
12
S. R.
Direitos processuais:
a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;
b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pesso-
almente o afecte;
c) Ser informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar declarações perante qualquer entidade;
d) Não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o
conteúdo das declarações que acerca deles prestar;
e) Constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor;
f) Ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mes-
mo em privado, com ele;
g) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem ne-
cessárias;
h) Ser informado, pela autoridade judiciária ou pelo órgão de polícia criminal perante os quais seja obrigado a
comparecer, dos direitos que lhe assistem;
i) Ser acompanhado, caso seja menor, durante as diligências processuais a que compareça, pelos titulares das
responsabilidades parentais, pelo representante legal ou por pessoa que tiver a sua guarda de facto ou, na impos-
sibilidade de contactar estas pessoas, ou quando circunstâncias especiais fundadas no seu interesse ou as neces-
sidades do processo o imponham, e apenas enquanto essas circunstâncias persistirem, por outra pessoa idónea
por si indicada e aceite pela autoridade judiciária competente;
j) Recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis.
Deveres processuais:
a) Comparecer perante o juiz, o Ministério Público ou os órgãos de polícia criminal sempre que a lei o exigir e para
tal tiver sido devidamente convocado;
b) Responder com verdade às perguntas feitas por entidade competente sobre a sua identidade;
c) Prestar termo de identidade e residência logo que assuma a qualidade de arguido;
d) Sujeitar-se a diligências de prova e a medidas de coacção e garantia patrimonial especificadas na lei e ordena-
das e efectuadas por entidade competente.
Neste acto, vai ser entregue ao(à) arguido(a), cópia deste documento conforme o que dispõe o art.º 58 n.º 4 do
C.P.P. (na redacção que lhe foi dada pela Lei 48/2007 de 29.08).
Foi ainda advertido(a) de que tem direito a escolher e constituir advogado ou a requerer a concessão de apoio
judiciário com vista ao patrocínio oficioso nos termos do art.º 16º, n.º 1, alíneas b), c), e) e f), da Lei 34/04 de 29 de
Julho, nas seguintes modalidades: b) Nomeação e pagamento da compensação de patrono; c) Pagamento da com-
pensação de defensor oficioso; e) Nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono e f) Pagamento
faseado da compensação de defensor oficioso. E que, não constituindo defensor, nem requerendo a concessão de
apoio judiciário, naquelas modalidades, ou este não lhe sendo concedido, é responsável pelo pagamento dos ho-
norários que o defensor apresentar para remuneração dos serviços prestados, bem como das despesas em que
este incorrer com a sua defesa, tudo nos termos do art.º 39º da Lei 34/2004 de 29/07, alterada e republicada pela
Lei 47/2007 de 28 de Agosto, conforme nota informativa que lhe foi entregue.
13
S. R.
ARGUIDO
Nome: ANTÓNIA ANSIOSA
Filiação: António Ansioso e Amélia Ansiosa
Naturalidade (Freguesia e Concelho): Tramaga – Ponte de Sor
Data de nascimento: 02.02.1950
Estado civil: Viúva
Profissão: Professora (reformada)
Residência: Rua do Desespero, n.º 1, Ponte de Sor
E por ele arguido foi dito que o seu endereço para efeito de notificação por via postal simples é a Rua do Desespero,
n.º 1, Ponte de Sor.—
Para constar se lavrou o presente termo que, lido e achado conforme, vai ser devidamente assinado
Arguido(a) _____________________________________________________________________________
14
S. R.
AUTO DE INTERROGATÓRIO
NUIPC 123/22.3TAPDS
*
IDENTIFICAÇÃO
Nome: ANTÓNIA ANSIOSA
Filiação: António Ansioso e Amélia Ansiosa
Naturalidade (Freguesia e Concelho): Tramaga – Ponte de Sor
Data de nascimento: 02.02.1950
Estado civil: Viúva
Profissão: Professora (reformada)
Residência: Rua do Desespero, n.º 1, Ponte de Sor
*
A identidade da arguida foi verificada através do Cartão do Cidadão n.º 199 199 199, que exi-
biu.—
*
A arguida fez-se acompanhar pelo Dr. Fernando Fernandes, advogado com escritório nesta loca-
lidade, conhecido em juízo, tendo a arguida declarado que o constituía como seu mandatário judicial no
processo, concedendo-lhe os poderes forenses gerais.--
*
Em seguida, em cumprimento da alínea c) do n.º 4 do artigo 141.º do Código de Processo Penal,
ex vi do artigo 144.º, n.º 1, do mesmo diploma, a arguida foi informada que lhe são imputados os se-
guintes factos: os descritos na participação de folhas 1 e 2 e no auto de inquirição de folhas 8 e 9, que
neste momento lhe foram lidos.--
*
15
S. R.
Não chamou nenhum nome feio às pessoas do INEM. Eles é que foram mal educados consigo, não
respeitando a sua idade e o seu estado de saúde.—
Vive sozinha, pois é viúva. Tem dois filhos adultos que vivem, com as famílias, no estrangeiro. Um
em Londres e outro em Paris. Não tem carro próprio, pois, por ver muito mal, deixou de poder conduzir.
Era professora primária, mas agora está reformada, auferindo pensão de 1500€.—
Pretende juntar declaração do Hospital de Portalegre sobre a consulta que tinha marcada.--
Requer que seja inquirida a sua vizinha Lurdes Lourosa, residente na sua rua, no n.º 2.—
Depois de lhe ter sido brevemente explicado em que consiste a suspensão provisória do processo
e o processo sumaríssimo, declara que não se opõe à aplicação de qualquer deles, mas prefere a sus-
pensão. –
________________________________________________
Para constar se lavrou o presente auto que depois de lido e achado conforme vai ser encerrado às
10h55 horas e devidamente assinado.
_______________________________________________
________________________________________________
________________________________________________
16
HOSPITAL DISTRITAL DE PORTALEGRE
DECLARAÇÃO
Data: 09.05.2022
Por nos ter sido solicitado e por ser verdade, declara-se que ANTÓNIA ANSIOSA, titular do Car-
tão do Cidadão n.º 199199199, tinha agendada consulta de cardiologia no dia 9 de Março de
2022, às 16h00, com o Dr. Manuel Marques, consulta essa marcada no dia 18 de Setembro de
2021, não tendo comparecido.
Mais se informa que ANTÓNIA ANSIOSA é seguida neste hospital, nessa consulta, desde 2005.
17
S. R.
NUIPC 123/22.3TAPDS
- Conclusão em 06.05.2022 -
____________________
Pedro Pinho
(procurador da República)
18
S. R.
Identificação da Testemunha:
Nome: LURDES LOUROSA
Filiação: Luís Lourosa e Luísa Lourosa
Naturalidade (Freguesia e Concelho): Évora
Data de nascimento: 25.08.1970
Estado civil: Casada
Profissão: Economista
Residência: Rua do Desespero, n.º 2, Ponte de Sor
*
A identidade do depoente foi verificada através do Cartão do Cidadão n.º 555 666 777,
que exibiu.—
Foi ainda advertida de que não é obrigada a responder a perguntas quando alegar que
das respostas resulta a sua responsabilização penal – artigo 132.º, n.º 2, do Código de Proces-
so Penal.
Não se procede ao registo áudio ou audiovisual por não existirem os meios técnicos
necessários.—
19
S. R.
Conhece a ANTÓNIA ANSIOSA há cerca de 45 anos. Ela foi sua professora na escola
primária—
Sabe apenas que a ANTÓNIA ANSIOSA é pessoa muito bondosa e gentil, mas tem a
mania das doenças e está sempre a pensar que tem alguma coisa má e que vai morrer rapi-
damente. Ela não gosta de pessoas que não a tratam com grande deferência e não se inibe de
lhes dar um ralhete se lhe apetecer. Ou mesmo até uma bofetada, como fazia quando era sua
professora. O seu temperamento é muito explosivo. Isso tem vindo a agravar-se com a idade.
Ela diz que não tem paciência nem tempo de vida para aturar pirralhos mal-educados.—
Não obstante, a ANTÓNIA ANSIOSA é uma das pessoas mais altruístas que conhece.
Está envolvida em vários movimentos cívicos e de solidariedade social, não se importando de
passar necessidades para ajudar quem precisa, como sucedeu durante os momentos piores da
pandemia e mais recentemente com os refugiados da Ucrânia.--
A ANTÓNIA chegou a estar presa alguns meses antes do 25 de Abril por prestar auxílio
a jovens, seus antigos alunos, que se manifestavam contra a guerra no Ultramar.—
________________________________________________
Para constar se lavrou o presente auto que depois de lido e achado conforme vai ser en-
cerrado às 10:40 horas e devidamente assinado.
________________________________________________
20
REPÚBLICA PORTUGUESA
Ministério da Justiça
Direcção-Geral da Administração da Justiça
Certificado de registo criminal
NUIPC 123/22.3TAPDS
ARGUIDO
IDENTIFICAÇÃO
Nome: ANTÓNIA ANSIOSA
Filiação: António Ansioso e Amélia Ansiosa
Naturalidade (Freguesia e Concelho): Tramaga – Ponte de Sor
Data de nascimento: 02.02.1950
Estado civil: Viúva
Profissão: Professora (reformada)
Residência: Rua do Desespero, n.º 1, Ponte de Sor
Telefone: 245 111 111
REGISTOS
21
BASE DE DADOS DE SUSPENSÕES PROVISÓRIAS DE PROCESSOS CRIME [DL 299/99, de 4/8]
NUIPC 123/22.3TAPDS
Foi efectuada pesquisa pelo nome do/a arguido/a usando os seguintes termos:
I.
Processo 999/21.7PAEVR
22
Ex.mo Senhor Procurador da República
Data: 11.02.2022
Assunto: Informação
V/ Processo: 123/22.3TAPDS
Em resposta ao vosso ofício, somos a informar que o número de telefone 245 111 111 está
atribuído a contrato celebrado com ANTÓNIA ANSIOSA, titular do Cartão do Cidadão n.º
199199199, tendo sido instalado na Rua do Desespero, n.º 1, em Ponte de Sor.
Atentamente,
23
NUIPC 123/20.3TAEVR
Eu, Bela Beatriz, venho por este declarar que perdoei a Senhora Antónia Ansiosa e não pre-
tendo mais o prosseguimento do processo, cujo arquivamento total requeiro.
Os meus cumprimentos,
24
NUIPC 123/20.3TAEVR
1. As gravações dos telefonemas feitos pelo INEM são ilegais, pois foram feitos sem autori-
zação expressa da ora arguida. Constituem até crime previsto e punido pelo artigo 199.º, n.º
1, alínea a), do Código de Processo Penal.
Assim sendo, não podem ser utilizadas como prova, devendo ser excluídas do processo –
artigos 126.º, n.º 3, e 167.º do Código de Processo Penal.
2. Cumprindo ordem do Ministério Público, veio a Meo informar este processo que que o
número de telefone 245 111 111 está atribuído a contrato celebrado consigo e está instalado
na Rua do Desespero, n.º 1, em Ponte de Sor.
Ora, tais informações respeitam a telecomunicações, que assim foram violadas, em afronta
ao disposto no artigo 34.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, o que se tor-
na mais patente quando se inclui até localização celular. Note-se ainda que o número de te-
lefone em causa não é público, não surgindo em qualquer lista telefónica.
Assim não tendo sucedido, tal prova é proibida, devendo ser excluída do processo, o que se
requer – artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
25
39.º Curso Normal de Formação
Prova de Direito Penal e Processual Penal
Via Profissional
2.ª Chamada
Grelha de Correcção
• Estando em fase de inquérito e sendo dirigido ao Procurador da República, deveria ser por
este apreciado. Podendo estar em causa proibições de prova, isso não impediria o
interessado de arguir tais vícios mais tarde perante o Juiz de instrução ou mesmo já na fase
de julgamento.
• Quanto à gravação dos telefonemas feitos para o INEM, houve consentimento da ora
arguida. Efectivamente, se, após ter sido informada de que os telefonemas são gravados
(como consta da participação), a arguida continuou as chamadas, consentiu tacitamente na
gravação, o que afasta a tipicidade objectiva do crime previsto e punido pelo artigo 199.º,
n.º 1, alínea a), do Código Penal. Assim, tais gravações são válidas como meio de prova –
artigo 167.º do Código de Processo Penal1.
o O regime de obtenção dessas informações não é o previsto na Lei n.º 32/2008, mas
sim o definido no artigo 14.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 109/2009, sendo competente
o Ministério Público para ordenar ao fornecedor de serviço a prestação dessa
informação.
1
A gravação de comunicações de e para serviços públicos destinados a prover situações de emergência de qualquer
natureza está expressamente autorizada pelo artigo 4.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2004. Não se exige tal conhecimento nesta
prova por tal lei não constar do elenco daquelas cujos conhecimento foi indicado no aviso do presente concurso. Não
obstante, mesmo sem a aplicação dessa lei, as gravações eram prova válida, pelos fundamentos expostos.
1
• Se o candidato considerasse que o requerimento deveria ser apreciado pelo Juiz de
Instrução, deveria então determinar que o mesmo lhe fosse apresentado e desde logo se
pronunciar sobre o mesmo nos termos expostos.
• A arguida já tinha declarado não se opor a eventual desistência de queixa – folhas 15.
• Deveria então ser homologada a desistência de queixa e nessa parte ser determinado o
arquivamento do inquérito nos termos do artigo 277.º, n.º 1, do Código de Processo
Penal.
O inquérito contém indícios suficientes da prática pela arguida ANTÓNIA ANSIOSA de um crime de
abuso e simulação de sinais de perigo, previsto e punido pelo artigo 306.º do Código Penal.
A suspensão provisória do processo é inaplicável (artigo 281.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo
Penal), pois a arguida beneficiou já de suspensão provisória do processo por crime da mesma
natureza (o crime de desobediência a ordem de dispersão de reunião pública, previsto e punido
pelo artigo 304.º, n.º 1, do Código Penal) e não é de prever que o cumprimento das injunções e
regras de conduta pudessem responder suficientemente às exigências de prevenção especial que
no caso se sentem, como sucedeu com a anterior suspensão (artigo 281.º, n.º 1, alínea f), do Código
de Processo Penal).
No caso, o exercício da acção penal deve ser feito em processo sumaríssimo, pois, estando
verificados todos os seus pressupostos, deve privilegiar-se tal forma de processo especial (mais
simples) face à forma comum, e até à abreviada.
2
1. Introito (0,4 v)
2. “Acusação” (4,5 v)
• Condições socioeconómicas
• Características de personalidade
• Antecedentes criminais
1. No dia 9 de março de 2022, pelas 15H00, ANTÓNIA ANSIOSA, a partir do posto telefónico
com o n.º 245 111 111, instalado na sua residência, sita na Rua do Desespero, n.º 1, em
Ponte de Sor, efectuou uma chamada, via número 112, para o Centro de Orientação de
Doentes (CODU) do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).
2. O número 112 é o Número Europeu de Emergência, podendo ser utilizado por quem, em
caso de emergência, necessite de uma ambulância, de bombeiros ou da polícia. Os CODU
são responsáveis pela medicalização do Número Europeu de Emergência, sendo para eles
transferidos os pedidos de socorro efectuados por aquela via, referentes a situações de
urgência ou emergência na área da saúde.
3
três técnicos – um motorista, uma médica e um paramédico – a qual saiu de Portalegre pelas
15H20, em direcção à residência da arguida, em Ponte de Sor, onde chegou pelas 16H00.
5. Entretanto, cerca das 15h30, ANTÓNIA ANSIOSA fez novo telefonema para o n.º 112,
atendido pelo CODU, tendo ela pedido urgência no auxílio, dizendo sentir-se cada vez pior.
6. ANTÓNIA ANSIOSA, todavia, não apresentava quaisquer dos sintomas que havia relatado,
10. Ao adoptar as condutas acima descritas, a arguida agiu livre, voluntária e conscientemente.
12. A arguida actuou sabendo proibidas por lei e criminalmente punidas as respectivas
condutas.
13. No dia 9 de março de 2022 estava-se ainda em período de alerta, no âmbito da pandemia
de COVID-19, determinado por Resolução do Conselho de Ministros.
14. O número de novos casos diários de COVID-19 era de cerca de 13 000 e havia cerca de 1000
pessoas internadas por essa doença.
15. Nessa data, ANTÓNIA ANSIOSA tinha 72 anos de idade, era viúva e vivia sozinha.
16. ANTÓNIA ANSIOSA é professora primária aposentada e aufere 1500 € mensais de pensão de
reforma.
18. ANTÓNIA ANSIOSA actuou motivada pela necessidade de providenciar transporte para uma
consulta de cardiologia em hospital público, ante a suspensão do transporte regular
providenciado pelo serviço local de bombeiros e o facto de, por ver muito mal, ter deixado
de poder conduzir automóveis.
20. A arguida foi condenada, por sentença do 1.º Juízo Criminal de Évora, de 15.06.2016,
transitada em julgado em 15.12.2016, pela prática de um crime de ofensa à integridade física
4
simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, por factos de
24.10.2015, na pena de 60 de multa, à taxa diária de 7€, tendo a pena sido declarada extinta
pelo cumprimento em 15.09.2018.
21. A arguida foi condenada, por sentença do Juízo Criminal de Portalegre, de 13.02.2019,
transitada em julgado em 25.06.2019, pela prática de um crime de resistência e coacção
sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal, por factos de
12.11.2018, na pena de 1 ano de prisão, substituída por 120 dias multa à taxa diária de 5 €.
2.2. Disposições legais aplicáveis (1,5 v): Com a conduta acima descrita cometeu ANTÓNIA
ANSIOSA, como autora material e na forma consumada (artigos 14.º, n.º 1, 26.º, do Código Penal):
3. Prova (1,0 v)
3.3.Documental
5
vii. Certificado de registo criminal de ANTÓNIA ANSIOSA – folhas 23;
ix. Ofício da MEO-ALTICE (o número de telefone 245 111 111 está atribuído
a contrato celebrado com ANTÓNIA ANSIOSA, tendo sido instalado na
Rua do Desespero, n.º 1, em Ponte de Sor) – folhas 25.
4.1. Enquadramento legal e breve descrição da forma de processo especial sumaríssima. Breve
justificação da verificação dos seus pressupostos no caso (0,8 v)
• Menção ao artigo 70.º e depois ao 40.º, ambos do Código Penal (fins das
penas);
▪ Crime de injúria:
2
A inexistência da situação de urgência NÃO DEVE ser considerada, sob pena de violação do princípio da proibição da
dupla valoração (cfr. artigo 71º, n.º 2 do Código Penal).
6
que a este crime respeita, os factos foram praticados
no decurso da SPP pela prática de um crime de
difamação, crime que visa a protecção do mesmo
bem jurídico. Também a sua personalidade
impulsiva e reactiva eleva as NPE. Atenuando as NPE,
são relevantes a idade da arguida, a adesão ao
sumaríssimo (e com isso maior susceptibilidade de
eficácia da pena), a inserção sócio-profissional e a
personalidade (altruísta, corajosa, bondosa e gentil);
• NPE – médio-elevadas:
o Elevando:
▪ a arguida regista duas condenações,
sendo uma delas pela prática de um
crime de resistência e coacção sobre
funcionário (com os factos ora prati-
cados, revelador de uma tendência
de desconsideração pelos funcioná-
rios e serviços públicos, e pelos valo-
res de convivência em sociedade),
tendo sido condenada em pena de
prisão, ainda que substituída;
acresce que, e no que a este crime
respeita, os factos foram praticados
no decurso da SPP pela prática de
um crime de desobediência a ordem
de dispersão de reunião pública,
crime que visa a protecção do
mesmo bem jurídico. Também a sua
personalidade impulsiva e reactiva
eleva as NPE.
▪ É ainda relevante a indiferença face à
possibilidade de estar a privar ou-
tros, efectivamente doentes, do
7
acesso a serviços de urgência mé-
dica. Em interrogatório, a arguida
não demonstrou ter compreendido a
gravidade da sua conduta.
o Atenuando as NPE, são relevantes:
▪ Idade da arguida;
▪ Inserção sócio-profissional;
8
▪ Não obstante, não se pode esquecer que se trata de pessoa
de idade provecta (72 anos, com o sentimento de fragilidade
que isso acarreta) , que vive sozinha, que efectivamente ti-
nha há meses consulta marcada, que sofre de "hipocondria"
(diz a LL que ela tem a mania das doenças e está sempre a
pensar que tem alguma coisa má e que vai morrer rapida-
mente), o que poderá ter toldado a sua capacidade de dis-
cernimento (de avaliação da situação) e de ação.
▪ A censura (CULPA) é assim mediana.
• Pena (aproximadamente)
o Deveres
▪ …
• Em qualquer caso:
9
o Deve ser fixado o período de suspensão (entre um e cinco anos),
afigurando-se que deverá ter duração que permita a realização do
curso (pelo menos 1 ano e 6 meses);
«Por tudo o que fica exposto, o Ministério Público requer que a arguida ANTÓNIA
ANSIOSA:
5. Indicação da medida de coacção a que a arguida deve ficar sujeita no decurso do processo (termo
de identidade e residência, não existindo agora qualquer necessidade cautelar) (0,2 v)
10
38.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via académica
Grelha de correção
As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para
cada uma das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.
Caso I- A
Ø Questão I Ø 3 valores
Ø Questão II Ø 5 valores: a) 0,5 valores; b) 0,5 valores; c)
2 valores; d) 2 valores
Caso I – B
Caso II
Ø Questão I Ø 2 valores
Ø Questão II Ø 6 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)
1. CASO I-A • Qualificar o contrato que Madalena celebrou com Manuel como contrato de
prestação de serviço, sujeito ao regime dos artigos 1154.º e segs. do Código Civil.
Questão I Neste quadro contratual, mencionar que cabia a Manuel acompanhar Madalena nos
exercícios que esta executava, sob a sua orientação e fiscalização, identificando, em
especial, os deveres de vigilância e de prevenção de perigo que sobre aquele
impendiam.
• Referir que Manuel não supervisionou um dos exercícios que cabia a Madalena
executar, e que requeria acompanhamento e auxílio especial, incumprindo, assim, os
deveres a que estava adstrito (artigo 798.º do Código Civil). Tal conduta presume-se
culposa (artigo 799.º do Código Civil), não havendo elementos de facto que permitam
afastar a presunção. Concluir, assim, que Manuel incorreu em responsabilidade
obrigacional.
Questão II • Considerar que todas as despesas efetuadas por Madalena, na sequência da queda
sofrida, se enquadram no âmbito do dano emergente - dano patrimonial correspondente
ao prejuízo, avaliado pecuniariamente, gerado na situação económica da lesada,
concluindo pela viabilidade da pretensão (artigos 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1, primeira parte
e 566.º, todos do Código Civil).
• Enquadrar esta pretensão no âmbito do dano não patrimonial, cuja reparação obedece a
juízos de equidade (artigo 496.º, n.ºs 1 e 4 do Código Civil). Concluir pela viabilidade da
pretensão, quanto às dores físicas; no que respeita aos incómodos, problematizar a
ressarcibilidade em função da respetiva gravidade, à luz de um critério objetivo.
• Reconduzir esta pretensão à figura do dano patrimonial da perda de chance.
Problematizar, à luz da Doutrina e da Jurisprudência, a possibilidade de valoração da
chance/oportunidade como um bem autónomo, bem como a ressarcibilidade da
respetiva perda. Na afirmativa, ponderar a atribuição de indemnização, com recurso à
equidade e avaliando a seriedade da chance, mas ficando necessariamente abaixo do
valor peticionado, porque o dano sofrido é uma mera perda de oportunidade. Concluir,
assim, que, em todo o caso, a atribuição da totalidade da quantia reclamada por
Madalena seria inviável.
2. CASO I-B
• Considerar que Manuel se defende por exceção perentória, uma vez que invoca factos
Questão I novos suscetíveis de impedir o efeito jurídico dos factos articulados pela Autora,
podendo determinar a improcedência total ou parcial do pedido (artigos 571.º, n.º 2,
segunda parte, 576.º, n.º 3 e 579.º do Código de Processo Civil e 572.º do Código
Civil). Com efeito, os novos factos por si aduzidos são passíveis de configurar a
aplicação do regime previsto no artigo 570.º do Código Civil, o que pode resultar
numa redução ou mesmo exclusão da indemnização peticionada.
• Quanto aos efeitos do ato constitutivo inicial (contrato escrito, com assinaturas
reconhecidas presencialmente - artigos 1º, n.º 2 e 7º do Código das Sociedades
Comerciais), referir que, após a assinatura do contrato de sociedade, e até ao registo
definitivo:
- Nas relações entre os sócios, aplicam-se as regras estabelecidas no contrato e no Código
das Sociedades Comerciais, salvo as que pressuponham o contrato definitivamente
registado (artigo 37º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais e artigo 13.º, n.º 2, do
Código de Registo Comercial);
- Nas relações com terceiros, vale o regime de responsabilidade previsto no artigo 40º do
Código das Sociedades Comerciais;
Diferentemente, antes da assinatura do contrato de sociedade (sociedade irregular ou
imperfeita), podem aplicar-se as disposições sobre sociedades civis (artigo 36.º, n.º 2, do
Código das Sociedades Comerciais e artigos 980º e seguintes do Código Civil).
Mencionar que, até ao registo definitivo do contrato de sociedade, é reconhecida
personalidade judiciária às sociedades comerciais pela alínea d) do artigo 12.º do Código
de Processo Civil.
• Defesa da Ré Antónia:
Sustentar que, perante a A. Sempre a Musicar, Lda., a R. Antónia não será responsável,
uma vez que não interveio no negócio nem o autorizou (artigo 40.º, n.º 1, do Código das
Sociedades Comerciais).
Quanto à responsabilidade exclusiva de Bento, sustentada por esta Ré, v. supra, Defesa
da Ré Toada com Ritmo, Lda.
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via académica
Grelha de correção
As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para cada uma
das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.
Caso I – A
Ø Questão 1. Ø 2 valores
Ø Questão 2. Ø 6 valores
Caso I – B Ø 4 valores
Caso II
CASO I-A • Qualificar o contrato celebrado entre as duas sociedades como contrato de prestação
de serviços, sinalagmático e oneroso (artigo 1154.º do Código Civil).
QUESTÃO
1. • Face à qualidade das partes, ambas comerciantes por serem sociedades comerciais, e
aos fins visados com o almoço comemorativo, concluir que se trata de contrato
comercial (artigos 2.º, 2.ª parte e 13.º, 2.º, do Código Comercial).
QUESTÃO • A sociedade “Festas & Banquetes, Lda.” pretende o pagamento integral da retribuição
2. acordada, nos termos previstos nos artigos 1156.º e 1167.º, alínea b), do Código Civil.
• Alegar que, nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, o incumprimento se
presume culposo, incumbindo ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o
cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.
• Concluir que, no caso concreto, os pressupostos atinentes ao caso de força maior não se
mostram reunidos, não podendo afastar-se o caráter defeituoso da prestação da
Autora.
CASO I-B • Face aos dados do enunciado, qualificar a outorga da procuração como ato de
atribuição de poderes de representação em juízo da sociedade (artigo 262.º, n.º 1, do
Código Civil e artigo 43.º, alínea a), do Código de Processo Civil).
• Assinalar que a sociedade “Festas & Banquetes, Lda.” se vincula, nos termos do seu
contrato e registo, pela assinatura de dois gerentes (artigo 252.º do Código das
Sociedades Comerciais) e que, nos termos do artigo 25.º do Código de Processo Civil, a
sociedade é representada por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem.
• Considerar que a menção aos gerentes Manuel Sousa e Miriam Teixeira, no pacto social,
depõe no sentido de uma indicação nominal, pelo que, faltando a segunda por renúncia,
ocorreu a caducidade da cláusula do contrato que exige a assinatura dos dois gerentes
(artigo 253.º, n.º 3 Código das Sociedades Comerciais). Concluir, desse modo, pela
regularidade da procuração.
CASO II • Assinalar que a prova deve ser apresentada com os articulados (artigo 552.º, n.º 6, do
Código de Processo Civil, quanto à petição inicial).
QUESTÃO
1. • Reconhecer que a lei admite, em sede de audiência prévia, a alteração do requerimento
alínea a) probatório e o aditamento ou alteração do rol de testemunhas (artigo 598.º, n.ºs 1 e 2,
do Código de Processo Civil).
alínea b) • Identificar e caracterizar o meio de prova verificação não judicial qualificada (artigo
494.º do Código de Processo Civil).
• Analisar os objetivos visados pelo requerente, concluindo que estes não se adequam ao
meio de prova requerido, mas antes se inserem no âmbito da prova pericial (artigos
388.º do Código Civil e 467.º e segs. do Código de Processo Civil), explicitando a
diferença entre estes dois meios de prova.
QUESTÃO
2. • Qualificar estes meios de prova como provas pré-constituídas, enquadráveis no conceito
amplo de prova documental (artigo 362.º do Código Civil).
GRELHA DE CORREÇÃO
GRUPO I
2. BERNARDO, que não conseguia arranjar forma Quanto a DIOGO, há igualmente que apreciar se 1
de sustento, começou, em Abril de 2019, a incorreu no crime do artigo 21.º, n.º 1, ou do
vender heroína e cocaína, a mando de DIOGO. artigo 25.º, alínea a), ambos do DL 15/93, de 22
No dia 23 de outubro de 2019, Diogo tinha de Janeiro.
consigo um saco plástico contendo 49 gramas Vale aqui o supra referido em termos de
de heroína. enquadramento jurídico quanto a esses dois
crimes.
Porém, as circunstâncias sofrem aqui alteração
relevante, na medida em que é DIOGO o dono
do negócio e que foi detido na posse da
significativa quantidade de 49 gramas de
heroína.
Afigura-se, pois, que cometeu um crime de
tráfico de estupefacientes, previsto e punido
pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, com
referência às tabelas anexas I-A e I-B.
c. 1
DIOGO cometeu ainda, como autor material e
na forma consumada, e em concurso efetivo
com esse(s) crime(s), um crime de detenção de
arma proibida – artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da
Lei n.º 5/2006, de 23.II, por referência aos
artigos 2.º, n.º 1, alíneas p), q) e ae), e 3.º, n.º
3, alínea b), da mesma lei.
Note-se que o facto de pistola não estar
municiada não é relevante para afastar
qualquer dos crimes (ainda que não
municiada, a pistola é meio adequado a
ameaçar gravemente Gustavo, que ignora a
ausência de munições, e o municiamento
não é elemento típico do crime de
detenção de arma proibida).
4. FERNANDO, ao ver que DIOGO estava a apontar A conduta de FERNANDO integra a factualidade 1,5
uma arma ao seu colega, efetuou, com a sua típica objetiva do crime de ofensa à integridade
pistola de serviço, um disparo para o ar. física simples, previsto e punido pelo artigo
Porém, DIOGO não largou a arma, 143.º, n.º 1, do Código Penal, com a agravação
continuando a empunhá-la [na direção de prevista no artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006,
GUSTAVO] e começou a pressionar o gatilho, de 23.II.
pretendendo atingir GUSTAVO com um projétil Porém, FERNANDO atua porque se apercebe que
para o matar e assim conseguir fugir. Ao se DIOGO se prepara para disparar sobre GUSTAVO,
aperceber de tudo isto, FERNANDO efetuou um desconhecendo que a arma empunhada por
disparo na direção de DIOGO, tendo o projétil FERNANDO não está municiada. Está, pois, em
atingido a perna deste, acabando DIOGO por situação de erro sobre um estado de coisas
cair ao chão e ser detido. que, a existir, excluiria a ilicitude do seu facto
(seja o disposto nos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, 3.º,
n.º 2, alínea a), do DL 457/99, seja o disposto
nos artigos 31.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), e 32.º
do Código Penal) – artigo 16.º, n.º 2, do Código
Penal. O dolo da sua conduta é assim excluído –
n.º 1 do mesmo artigo.
O n.º 3 ressalva a punibilidade da negligência
nos termos gerais. Não existe, porém, a
violação de qualquer dever de cuidado por
parte de FERNANDO, cuja conduta está conforme
ao exigido pelo Decreto-Lei n.º 457/99, nos
seus artigos 2.º a 4.º, sendo por isso afastada a
negligência (artigo 15.º do Código Penal).
5. No dia 10 de Novembro de 2019, cerca das ANA comete, como autora material e na forma 2
01h00 horas, CAROLINA chorava consumada, um crime de ofensa à integridade
incessantemente e todas as tentativas de ANA física qualificada, agravada pelo resultado
para a acalmar não surtiram efeito. ANA, (ofensas com perigo para a vida), previsto e
então, preparou e deu a beber a CAROLINA um punido pelas disposições conjugadas dos
biberão, tendo misturado no seu interior leite artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, alínea a), e 2,
em pó com água e uma pequena parte da sua por referência ao disposto no artigo 132.º, n.º
dose diária de metadona, convencida de que 2, alíneas a) e c), e 147.º, n.º 2, por referência
com isso a única coisa que aconteceria a aos artigos 144.º, alínea d), e 18.º, todos do
CAROLINA seria ficar inconsciente até de Código Penal.
manhã. A mera ingestão de metadona (narcótico do
CAROLINA veio a entrar em paragem grupo dos opióides que consta da tabela I-A
cardiorrespiratória e, já depois de ter estado anexa ao DL 15/93) por CAROLINA ofendeu-a
no hospital de Pombal, veio a falecer. na sua integridade física (ficou
inconsciente), o que ANA previu e aceitou
(ANA era toxicodependente, consumia
metadona e conhecia bem os seus efeitos
narcóticos).
O perigo para a vida em que Carolina veio a
estar (paragem cardiorrespiratória) não foi
previsto por ANA (estava convencida de que
a única coisa que aconteceria a CAROLINA
seria ficar inconsciente até de manhã), mas
devê-lo-ia ter feito.
Apesar de a conduta de Ana ser adequada à
produção (adequação exigida no artigo 10.º
do CP), a título negligente, do resultado
morte, este não lhe pode ser imputado.
Esse nexo de imputação deve considerar-se
interrompido, “uma vez que seria de
esperar uma actuação atenta e cuidadosa
dos médicos, que, a não ter acontecido,
“interrompeu” o nexo de causalidade
adequada” – Figueiredo Dias, Direito Penal,
Parte Geral, Tomo I, 2019, pp. 385-386. Se
Eduardo tivesse atuado cumprindo os seus
deveres de médico, a morte não teria
ocorrido.
6. EDUARDO, médico do Hospital Distrital do Existe divisão doutrinal e jurisprudencial sobre 1,5
Pombal que estava no serviço de urgência, o elemento típico “lhe seja acessível em razão
acedeu ao armário da farmácia hospitalar, das suas funções”. José António Barreiros
com recurso à chave que se encontrava com a (Crime de Peculato, Labirinto das Letras, p. 89 e
Enfermeira-Chefe e à qual não era suposto ss.) vai no sentido de que é apenas necessário
ele aceder, e daí retirou morfina que injetou que a coisa esteja “na sua esfera de alcance por
na sua veia para satisfazer o seu vício. causa do respectivo exercício profissional,
ainda que que não integrem o elenco daqueles
que sejam do seu uso e manuseio, mas sim
aqueles a que, sem restrição legal que lho
proíba, possa aceder como efeito de poderes
de autoridade, de exercício funcional ou de
qualquer motivo legítimo atinente ao cargo que
desempenha”. No mesmo sentido, Paulo Pinto
de Albuquerque (obra cit., p. 1282).
No caso, EDUARDO sempre poderia ordenar
à Enfermeira-Chefe que lhe entregasse a
morfina.
Seguindo esta posição, EDUARDO cometeu como
autor material e na forma consumada, um
crime de peculato, previsto e punido pelo
artigo 375.º, n.º 1 e 2, por referência ao artigo
386.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Note-se que, não se conhecendo o valor da
morfina apropriada (e consumida), deve
presumir-se o seu valor diminuto.
7. EDUARDO, não obstante o estado de EDUARDO cometeu, como autor material e na 1,5
intoxicação em que se encontrava, examinou forma consumada, um crime de homicídio por
CAROLINA e apercebeu-se que a bebé se omissão, com dolo eventual, previsto e punido
encontrava em situação crítica e que se fosse pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º,
assistida rapidamente sobreviveria. Porém, 10.º, n.º 1 e 2, e 14.º, n.º 3, do Código Penal.
pretendendo continuar a gozar EDUARDO, como médico de serviço, tinha o
tranquilamente os efeitos da morfina que dever legal de garante da saúde e vida de
tomara, encaminhou-a para a urgência Carolina. Se CAROLINA tivesse sido assistida de
pediátrica do Hospital de Santo André, em imediato por EDUARDO não teria morrido (ele
Leiria, pensando “que se lixe, seja o que Deus apercebeu-se que que a bebé se encontrava em
quiser!”. situação crítica e que se fosse assistida
Pelas 04h15, quando se encontrava a ser rapidamente sobreviveria). A omissão da sua
transportada para o Hospital de Leiria, conduta devida não evitou o evento.
CAROLINA faleceu. EDUARDO previu que Carolina pudesse não
sobreviver e conformou-se com essa
possibilidade (“que se lixe, seja o que Deus
quiser!”).
Apesar do agente agir com dolo eventual,
seguindo a doutrina maioritária (cf. Paulo Pinto
de Albuquerque, obra cit., p. 517), este
homicídio é qualificado (artigo 132.º, n.ºs 1 e 2
alínea c), do Código Penal).
Este crime também está em concurso aparente
com o crime de recusa de médico, p. e p. pelo
artigo 284.º do Código Penal (assim, Paulo
Pinto de Albuquerque, obra cit., p. 1013).
GRUPO II
2. Suponha que no decurso do Julgamento em que é arguida ANA, esta exalta-se com o
depoimento de uma testemunha, começa a vociferar e atira uma cadeira para a zona em que a
testemunha se encontrava sem, porém, a atingir. A audiência de julgamento foi interrompida e
ANA é detida, pelas 10h30, em flagrante delito pelo Magistrado do Ministério Público, que lhe
imputa a prática de um crime de Perturbação do funcionamento de órgão constitucional,
previsto e punido pelo artigo pelo artigo 334.º, alínea a), do Código Penal.
Qual o tribunal competente para proceder ao julgamento destes factos e qual a
forma de processo?
(3 valores)
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via profissional
Grelha de correção
Nota:
O conteúdo da presente grelha reflete de forma tópica as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da
forma e da substância, se reputam as mais corretas em função dos elementos disponibilizados e que devem, na prova
do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outras abordagens, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face aos
dados facultados e que se revelem suportados em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizadas, na
medida do respetivo mérito.
III. Estrutura, ordem e dimensão relativa das componentes da sentença, incluindo a inserção, no local
próprio, dos factos provados e não provados e da motivação (por mera remissão para o extrato
disponibilizado no enunciado da prova).
FUNDAMENTAÇÃO DE
I. Verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual
DIREITO
II. Concluindo-se pela responsabilização da segunda Ré, definição dos titulares do direito à indemnização
• Quanto à Autora: não fazendo parte a Autora do elenco de titulares do direito à indemnização
previsto no artigo 496.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, problematizar se a norma permite uma
interpretação extensiva/analógica; e/ou se se estará perante uma violação direta do direito geral
de personalidade da Autora, na perspetiva do livre desenvolvimento da sua personalidade na
relação com a vítima, que, à luz dos artigos 70.º, n.º 1, 483.º e 496.º, n.º 1, do Código Civil,
sustente o direito à compensação.
• Quanto ao Autor: concluir que o mesmo é contemplado diretamente pela letra do artigo 496.º,
n.º 2, do Código Civil, cabendo reconhecê-lo como titular do direito à compensação pelos danos
não patrimoniais causados pela morte de Miguel Silva.
• Salientar que, em regra, têm vindo a ser identificados três tipos de danos decorrentes da morte
de alguém, à luz do artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil: dano pela morte; dano intercalar sofrido
pessoalmente pela vítima entre o evento lesivo e a morte; dano do titular à compensação pelo
sofrimento pessoal resultante da perda do falecido.
• Ponderar o título pelo qual se reconhece o direito à compensação do dano morte e do dano
intercalar (direito próprio do titular do direito à compensação ou direito da vítima que se
transmite por via sucessória), retirando as consequências que sejam necessárias no que diz
respeito à Autora, caso se tenha reconhecido à mesma direito a compensação.
• Problematizar se deve ser considerado como dano intercalar o coma profundo ocorrido durante o
período que mediou entre a queda e a morte.
• Quantificar as compensações a atribuir, identificando e aplicando os critérios consagrados nos
artigos 496.º, n.º 4, e 494.º, ambos do Código Civil, com referência concreta aos factos provados
relevantes e com respeito pelo princípio do pedido.
• Explicitar a data com referência à qual foram fixados os montantes a atribuir (se a data mais
recente, fazendo o cálculo atualizado a que se refere o artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, se data
anterior e, neste caso, qual).
V. Juros de mora:
Atribuição de juros de mora, à taxa supletiva aplicável às obrigações civis, estabelecendo o momento da
constituição em mora, tendo em atenção, em particular, a data com referência à qual foram fixados os
montantes a atribuir, conforme acima referido – artigos 559.º e 804.º a 806.º do Código Civil, Portaria
291/03, de 8 de abril, e AUJ n.º 4/2002, de 9 de maio de 2002 (DR I.ª série de 27 de junho de 2002).
GRELHA DE CORREÇÃO
2. Identificação do Tribunal de Tribunal da Relação de Évora (artigos 427.º e 432.º, a contrario, do Código 0,20
Recurso de Processo Penal; artigo 32.º, n.º 1, e Anexo I, da LOSJ)
3. Regime do recurso: momento Subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo – 0,50
de subida, local e efeito disposições conjugadas dos artigos 399.º, 401.º, n.º 1, alínea a), 406.º, n.º 1,
407.º, n.º 2, alínea a), 408.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Processo
1
Penal.
II. RECURSO
1. FUNDAMENTOS 1
1.1. Alteração não substancial O acórdão procede a alteração não substancial dos factos da acusação 2
de factos não comunicada – sem que tal tenha sido previamente comunicado ao arguido, como impõe
nulidade do acórdão o artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando considera como
provado que era o arguido BB quem levava e utilizou a espingarda (factos
provados n.ºs 9 e 11 vs. factos 8 e 10 da acusação).
Porém, este facto deve ser impugnado (infra), pois o tribunal não
dispunha de meios de prova valoráveis que lhe permitisse chegar a tal
conclusão. Sendo procedente tal impugnação, ficaria prejudicado o
conhecimento da nulidade.
1.2. Omissão de pronúncia Com os factos descritos na acusação (cuja qualificação jurídico-penal foi 2,5
quanto ao crime de coação propositadamente deixada em branco), os arguidos AA e BB cometeram
agravada, na forma tentada, também, como autores 2 e em concurso efetivo com os demais, um crime
imputado aos arguidos de coação agravada, na forma tentada, previsto e punido pelas
disposições conjugadas dos artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, 155.º, n.º 1, alínea a),
22.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e b), 23.º, e 26.º do Código Penal, e artigo 86.º,
n.º 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (“AA, que empunhava a
descrita espingarda de caça de calibre 12, com os dois canos serrados,
apontou-a na direção de DD, que residia em apartamento em frente à loja
e assomou à janela do mesmo, dizendo-lhe que se chamasse a polícia
levaria um tiro”). Note-se que esse ato não é instrumental da subtração
que ocorria, pelo que não integra crime de roubo.
1 Recorde-se que, como constava do enunciado, a presente prova consistia na elaboração de um recurso interposto pelo Ministério Público da
decisão final proferida, devendo considerar-se que o Ministério Público colocava em crise matéria atinente a) à subsunção fático-jurídica, b) à
observância do princípio da vinculação temática, c) à prova proibida, d) às nulidades da sentença e/ou vícios constantes do artigo 410.º do
Código de Processo Penal, e que o recurso deveria incidir obrigatoriamente sobre toda a matéria constante das supra referidas alíneas, cuja
ordem era aleatória e não deveria condicionar a lógica da argumentação, não sendo valorizado o tratamento de outra qualquer questão, a não
ser que se encontrasse necessariamente ligada à matéria que dessas alíneas consta. Note-se, ainda, que ficou aí expresso que deveria ser
analisadas todas as questões acima mencionadas ainda que a procedência de qualquer uma delas prejudicasse, na prática, o conhecimento
subsequente de outras.
2 Sobre a imputação do crime a ambos os arguidos, como coautores ou como instigadores, cf. infra ponto 1.4.3.
2
conjugação de esforços e comunhão de intentos, na execução de plano
por eles previamente traçado, utilizando o auxílio mútuo para melhor
concretizarem os seus intentos, tendo a atuação de cada um sido
determinante para a obtenção do resultado que almejavam e
concretizaram”).
Tal omissão acarreta a nulidade do acórdão – artigo 379.º, n.º 1, alínea c),
do Código de Processo Penal.
Neste ponto, deveria o recorrente pugnar para que o TRE suprisse tal
vício, condenando os arguidos pela prática de tal crime – artigo 379.º, n.º
2, do Código de Processo Penal (infra ponto 1.5.3.). Note-se que a matéria
da escolha e medida da pena não é objeto desta prova.
1.3. Proibição de prova de No julgamento, o arguido AA respondeu às perguntas da Juiz Presidente, 2,5
valoração das declarações admitiu a prática dos factos descritos na acusação, com as seguintes
do arguido AA na parte em ressalvas: negou ser possuidor ou ter sido ele a empunhar e disparar a
que envolvem o coarguido caçadeira de canos serrados, de calibre 12, o que foi feito pelo arguido BB.
BB e consequente alteração Porém, recusou depois responder às perguntas do advogado do
dos factos provados coarguido BB.
1.4. Qualificação jurídico- Erros de enquadramento jurídico-penal feitos pelo tribunal recorrido.
penal 3
1.4.1. Um crime de furto O tribunal considerou provado que “17) Os arguidos ÁLVARO ALVES e 2
qualificado, na BÁRTOLO BOTAS e o terceiro indivíduo cuja identidade não se logrou
forma consumada, apurar agiram com o propósito concretizado de fazerem seu o veículo
previsto e punido BMW com a matrícula AA-11-BB, contra a vontade do seu legitimo
pelas disposições proprietário”.
conjugadas dos
3
artigos 26.º, 203.º,
n.º 1, e 204.º, n.º 1, Havendo subtração de coisa alheia com o propósito de a fazerem sua,
alínea a), e n.º 2, cometeram o crime de furto (na forma qualificada devido ao valor da
alínea f), do Código coisa e ao facto de terem consigo arma, arma essa que estava ao serviço
Penal e não um da execução dos seus planos, como veio a suceder junto ao
crime de furto de estabelecimento comercial e ali poderia ter sucedido se surgisse alguém
uso do veículo, que pudesse a eles obstar) e não o crime de furto de uso.
previsto e punido
pelo artigo 208.º, n.º O dano/incêndio posteriores à consumação do furto qualificado são
1, do Código Penal factos posteriores não puníveis.
(automóvel BMW)
4
O tribunal considerou como provado que o “o arguido BÁRTOLO BOTAS
1.4.3. Crime de coação [vimos já que deveria apenas ser “um deles”], que empunhava a descrita 2
agravada, na forma espingarda de caça de calibre 12, com os dois canos serrados, apontou-a
tentada, previsto e na direção de Dinis Dório, que residia num dos referidos apartamentos e
punido pelas assomou à janela do mesmo, dizendo-lhe que se chamasse a polícia
disposições levaria um tiro” (8) e que “Não obstante atemorizado, Dinis Dório
conjugadas dos telefonou para o Esquadra da PSP de Évora” (9), bem como que “Os
artigos 154.º, n.ºs 1 e arguidos ÁLVARO ALVES e BÁRTOLO BOTAS e o terceiro indivíduo cuja
2, 155.º, n.º 1, alínea identidade não se logrou apurar combinaram conjuntamente utilizar
a), 22.º, n.º 1 e n.º 2, todos os meios necessários à concretização da apropriação dos objetos
alíneas a) e b), 23.º, existentes na montra do referido estabelecimento e atos subsequentes,
e 26.º do Código designadamente, viaturas e arma de fogo a utilizar, se necessário a ser
Penal, e artigo 86.º, disparada contra quem se lhes opusesse” (15), e, finalmente, “Os
n.º 3 e 4, da Lei n.º arguidos ÁLVARO ALVES e BÁRTOLO BOTAS e o terceiro indivíduo cuja
5/2006, de 23 de identidade não se logrou identificar agiram em conjugação de esforços e
fevereiro. comunhão de intentos, na execução de plano por eles previamente
traçado, utilizando o auxílio mútuo para melhor concretizarem os seus
intentos, tendo a atuação de cada um sido determinante para a obtenção
do resultado que almejavam e concretizaram” (19).
2. Conclusões e pedido 4
5
proibição de utilização de meio de prova) a identificação do(s)
facto(s) a alterar e o sentido em que devem ser alterados, e as
demais provas que permitem essa conclusão
6
III. Estrutura Lógico-Formal do 2
Recurso. Organização do
discurso técnico-jurídico e
linguagem utilizada.
TOTAL 20
7
38.º CURSO
Grelha de correção da prova escrita de
I. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
DI
• Breve Relatório 2,5
• Saneamento – com o tratamento de todas (a
as questões suscitadas no RAI valor
• Análise crítica da factualidade indiciada ar
(caso se justifique ante as soluções conj
adoptadas quanto às questões jurídicas unta
suscitadas no RAI) ment
• Subsunção da fatualidade indiciada ao e
direito (idem) com
• Parte decisória : III.)
• Declaração da nulidade da acusação
particular por falta de dolo e
impossibilidade de consideração da
alteração substancial operada na
acusação do MP
• Decisão de não pronúncia quanto ao
crime de resistência e coação sobre
funcionário: exclusão da
ilicitude/legítima defesa
• Decisão de não pronúncia quanto ao
crime do artº187º (atipicidade da
conduta imputada)
• Decisão de não pronúncia quanto ao
crime de Maus Tratos a Animais de
Companhia no caso de se entender
declarar a inconstitucionalidade material
do artº 387º
• Decisão de Pronúncia quanto ao crime
de Maus Tratos a animais caso se
entenda improcedente a
inconstitucionalidade material do 387º
do CP
• Possibilidade de descrição dos factos por
remissão para a acusação do MP
• Subsunção Jurídica
• Indicação da Prova (eliminação da prova
atingida por nulidade/proibição de prova)
• Decisão das questões incidentais relativas
ao levantamento da apreensão
• Custas (assistente)
• Ordenar a remessa dos autos para o Juízo
Criminal Local
• Data e Ass.
2,00
B.2. unidade ou pluralidade 2.Unidade ou pluralidade de crimes: abordagem
de condutas das teorias clássicas acerca da matéria (artº 30º do
CP; Eduardo Correia; Figueiredo Dias)- critério do
bem jurídico (matéria que tb deverá ser abordada
na apreciação da constitucionalidade); unidade ou
pluralidade de resoluções; sentido social da
ilicitude; crime continuado.
Tomada de posição quanto à natureza
eminentemente pessoal ou não do bem jurídico
tutelado e a aplicabilidade ou não do 30º, nº 3):
ou
0,75
1,00
D.2 A conduta imputada 2.Perante o disposto no art.º 187.°, n.° 1, do C.P.,
reconduz-se a uma imputação são elementos do tipo objetivo do crime de ofensa
de factos ou a um juízo de a organismo, serviço ou pessoa coletiva:
valor? Este último é abarcado i) a afirmação ou propalação de factos inverídicos;
pelo 187º? Não o sendo ii) não ter o agente fundamento para, em boa fé,
poder-se-á recorrer ao 181º? . reputar verídicos tais factos;
iii) idoneidade dos factos para ofender a
credibilidade, o prestígio ou a confiança que se
mostrem devidos a organismo ou serviço que
exerçam autoridade pública, pessoa colectiva,
instituição ou corporação.
1.ª CHAMADA
DESIGNADA)
0
PROVA ESCRITA DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via Académica – 1.ª Chamada – 13 de fevereiro de 2021
2 – Cotações:
- Caso I (7 valores):
- I (3 valores)
- II (4 valores)
1
5 – As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a
grafia do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (aprovado pela Resolução da
Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente
no quadro “Observações” da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
“Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade”, sendo a
prova corrigida nesse pressuposto.
6 – Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até
um máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º
21117/2020, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 253, de 31 de
dezembro).
2
11 – Se terminar a prova antes da hora prevista só poderá sair da sala até 15
minutos antes do final. Terminando depois desse momento deverá aguardar pelo
final e sair quando lhe for indicado, com o resto dos/as candidatos/as dessa sala.
12 - Assim que for dada indicação que a prova terminou os/as candidatos/as
terão de pousar a caneta/esferográfica, não podendo – em caso algum –
prosseguir com o que estavam a escrever, ficando a aguardar que o/a
vigilante recolha as folhas com a prova e, só nessa altura, as poderão
numerar e entregar.
13 – A saída após realização das provas será feita por sala e sucessivamente, de
acordo com as indicações dadas no momento e pelos concretos pontos de saída
indicados.
3
Caso I
(7 valores)
Dirigindo-se ao ginásio, foi informada por uma funcionária de que, para além de equipamentos
para a prática de musculação e aulas de diversas modalidades desportivas, dispunham de uma
piscina com medidas olímpicas, ideal para a prática de natação.
Após efetuar uma visita às instalações e especialmente encantada com a magnífica piscina ali
existente, Antónia decidiu inscrever-se nesse ginásio.
Para esse efeito, a funcionária entregou a Antónia um documento já impresso, com o logotipo
do ginásio e letras de reduzida dimensão, sem quaisquer espaços em branco para serem
preenchidos, com exceção dos reservados à identificação de Antónia e às assinaturas, no final.
A sociedade tem por objeto social: propriedade e gestão de ginásios; exploração, consultoria e
gestão dentro das áreas de instalações desportivas e de lazer.
Cláusula 1.ª - Objeto do Contrato: O presente contrato tem por objeto a disponibilização de
instalações e equipamentos para a prática desportiva de lazer por parte da sociedade “Cérebro
e Músculos, Lda.”, no “Ginásio Sempre em Forma”, aos associados, dentro das condições
acordadas.
(...)
Antónia preencheu a sua identificação, rubricou todas as folhas do documento que lhe foi
apresentado e apôs a sua assinatura no final do mesmo, no espaço em branco a tal
previamente destinado.
O documento foi, de igual modo, rubricado e assinado pelo legal representante da sociedade
Cérebro e Músculos, Lda.
Cerca de três meses depois, ao entrar nas instalações do ginásio, Antónia deparou com um
cartaz com os seguintes dizeres: A piscina encontra-se encerrada, não podendo ser utilizada
pelos associados até indicação em contrário.
II. Suponha que Antónia pretende deixar de pagar a mensalidade enquanto a piscina não
estiver disponível para utilização. A Cérebro e Músculos, Lda. não aceita, invocando a
cláusula 5.ª do contrato e alegando que Antónia tem ao seu dispor todos os demais
serviços e equipamentos facultados pelo ginásio.
Aprecie a viabilidade da pretensão de Antónia.
(4 valores)
5
Caso II-A
(8 valores)
Gonçalo, de 50 anos de idade, e Adélia, de 30 anos de idade, ambos solteiros, celebraram, por
escritura pública de 5 de janeiro de 2007, convenção antenupcial pela qual, tendo em vista o
casamento que entre si pretendiam celebrar, declararam:
a) que o casamento ficava sujeito ao regime da comunhão de adquiridos, sendo porém
comuns os bens doados a qualquer dos cônjuges, na constância do casamento;
b) que Adélia constituía gratuitamente a favor de Gonçalo direito de usufruto vitalício e
exclusivo sobre uma casa de férias em Esmoriz, de que era proprietária, o que Gonçalo
aceitou;
c) que a aceitação por qualquer deles de proposta de trabalho que implicasse
deslocações ao estrangeiro ficava dependente do assentimento do outro;
d) que ambos os nubentes se comprometiam a seguir uma filosofia de vida assente nos
valores do pacifismo e da comunhão com a natureza, e que, se viessem a ter filhos em
comum, passariam os dois a observar um regime alimentar estritamente vegetariano.
Gonçalo e Adélia contraíram entre si casamento civil no dia 10 de dezembro de 2007. No dia
24 de julho de 2008, os cônjuges, enquanto compradores, e Evaristo, divorciado, enquanto
vendedor, outorgaram escritura pública pela qual os primeiros declararam comprar ao
segundo, e este vender-lhes, pelo preço de 210 mil euros, a fração autónoma G do prédio
urbano sito na Rua de Baixo, em Lisboa, descrito sob o n.º 000 da respetiva freguesia, na XXª
Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
Para pagamento do preço, os compradores entregaram nesse momento ao vendedor:
i) 160 mil euros, produto da venda a Joaquim, no mesmo dia 24 de julho, da nua
propriedade sobre a casa de férias em Esmoriz;
ii) 50 mil euros provenientes das economias mensais dos cônjuges, a partir dos
respetivos salários, acumuladas desde a data do casamento.
Na escritura nenhuma referência ficou a constar quanto à proveniência dos valores entregues
para pagamento do imóvel.
Dissolvido o casamento por divórcio por mútuo consentimento, por sentença homologatória
transitada em julgado no dia 7 de janeiro de 2020, Adélia pretende agora que seja reconhecido
que a fração autónoma G do prédio urbano sito na Rua de Baixo, em Lisboa, descrito sob o n.º
6
000 da respetiva freguesia, na XXª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, é seu bem
próprio, pelo que o valor da venda deste imóvel, agora projetada pelos ex-cônjuges, lhe deve
ser entregue na totalidade.
7
Caso II-B
(5 valores)
Abalado com o desenlace da sua vida conjugal, Gonçalo decidiu, em fevereiro de 2020, ir
passar uma longa temporada na casa de Esmoriz. Ali chegado, constatou que o código de
abertura da fechadura eletrónica da moradia tinha sido alterado, não lhe tendo sido possível
entrar.
Apurou depois que Joaquim se encontrava instalado na casa desde novembro de 2019 e
também que, nos últimos cinco anos, Joaquim passava sempre ali os meses de inverno, uma
vez que Adélia, sem conhecimento de Gonçalo, lhe tinha disponibilizado o código de abertura
da fechadura. Munido do código, Joaquim entrava na casa, procedia depois à respetiva
alteração, voltando a colocar o código original quando saía.
Gonçalo contactou então Joaquim, que se manifestou surpreso ao vê-lo em Esmoriz durante o
inverno, e que, confrontado com a intenção de Gonçalo se instalar imediatamente na moradia,
reagiu exaltadamente, dizendo que não tinha para onde ir, e que Gonçalo e a sua ex-mulher,
Adélia, desde 2008, sempre tinham utilizado a casa só um mês por ano, em agosto.
Acrescentou que se Gonçalo continuasse a insistir arranjava dois ou três amigos que se
encarregariam de lhe levar esta mensagem de forma que não ia esquecer. Gonçalo, que sofria
de problemas cardíacos, e se sentia emocionalmente fragilizado na sequência do divórcio,
sentiu-se amedrontado com este discurso.
Pretendendo Gonçalo instalar-se, com urgência, na moradia, indique a que meio processual
de tutela civil deveria recorrer.
(5 valores)
8
37.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
*
Via Académica
Grelha de correção
As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para cada uma
das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.
Caso I 7 valores
Questão I 3 valores
Questão II 4 valores
Caso II - A 8 valores
Questão I 4 valores
Questão II 4 valores
Caso II - B 5 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)
QUESTÃO • Mencionar que, com vista à prevenção de abusos resultantes de contratos pré-
II elaborados, o prestador de serviços está obrigado à não inclusão de cláusulas em
contratos singulares que originem significativo desequilíbrio em detrimento do
consumidor – art. 9.º, n.º 2, al. b), e n.º 3 da Lei n.º 24/96, de 31/07.
• Concluir que a cláusula 5.ª é absolutamente proibida por violar o disposto no art. 18.º,
al. f), do DL n.º 446/85, de 25/10, uma vez que permite o afastamento da exceção de
não cumprimento do contrato.
• Sustentar que a cláusula 5.ª é proibida num contrato deste tipo, por violar o disposto
no art. 19.º, al. h), do DL n.º 446/85, de 25/10, uma vez que permite que a sociedade
modifique unilateralmente as prestações (não fornecer a gama completa dos serviços
contratados) sem compensação correspondente às alterações do valor decorrentes da
não prestação completa de tais serviços – o que se afigura fortemente atentatório do
equilíbrio que deve pautar as prestações contratuais.
• Identificar o regime supletivo aplicável: art. 4.º da Lei n.º 24/96, de 31/07; arts. 1.º-A,
n.º 2, 1.º-B, 2.º e 4.º do DL n.º 67/2003, de 8/04; Código Civil.
• Referir que, nos termos do art. 4.º do DL n.º 67/2003, o consumidor tem direito a que
a coisa ou serviço desconforme seja reposto sem encargos, por meio de reparação ou
de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
• Reconhecer que Antónia não pretende a extinção do contrato, mas antes deixar de
pagar a prestação a seu cargo na totalidade.
• Concluir que a sociedade se exonera com a prestação do que for possível (no caso, o
fornecimento dos demais serviços e disponibilização dos equipamentos), devendo,
porém, ser proporcionalmente reduzida a mensalidade paga por Antónia no que diz
respeito aos períodos temporais em que a piscina esteja indisponível, por aplicação do
art. 793.º n.º 1 do Código Civil
• Indicar que esta redução proporcional não pode, sob pena de constituir abuso de
direito, implicar o não pagamento da totalidade da mensalidade, considerando os
serviços que a sociedade continua a prestar a Antónia, pelo que a pretensão desta
última, tal como foi formulada, não tem viabilidade.
• Considerar, quanto à defesa apresentada pela sociedade, que não é suficiente, para
que Antónia esteja vinculada ao pagamento da totalidade da mensalidade, o facto de
parte dos equipamentos e serviços estarem disponíveis para utilização, uma vez que se
verifica uma efetiva redução da prestação contratada.
CASO II – A • Indicar que a convenção antenupcial celebrada por Adélia e Gonçalo foi reduzida à
forma legalmente exigida, os contraentes têm capacidade para celebrar a convenção,
QUESTÃO existe liberdade quanto à escolha de regime de bens, não se impondo, face à idade dos
I nubentes, o regime da separação de bens (arts. 1710.º, 1708.º, n.º 1, 1698.º e 1720.º,
n.º 1, al. b), todos do Código Civil). O casamento foi celebrado dentro do prazo de um
ano contado da data da celebração da convenção (art. 1716.º).
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
*
Via Académica
Grelha de correção
As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para cada uma
das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.
Caso I 10 valores
Questão I 4 valores
Questão II a) 3 valores
Questão II b) 3 valores
Caso II 10 valores
Questão I 3 valores
Questão II 7 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)
• Qualificar o acordo celebrado entre a sociedade Vendas na Moda, Lda. e a sociedade Estilo
CASO I Chique, S.A., como contrato comercial, de distribuição, na modalidade de contrato de concessão
comercial.
• Justificar a qualificação, assinalando que a Estilo Chique, S.A. (concedente) se obrigou a vender à
QUESTÃO Vendas na Moda, Lda. (concessionária) e esta a comprar-lhe, para revenda a terceiros, por sua
I conta e risco e de modo estável, uma quota de bens, aceitando certas obrigações e sujeitando-se
a um certo controlo e fiscalização por parte da Estilo Chique, S.A.
• Referir que se trata de um contrato inominado, não tipificado na lei. Assinalar que se aplica, a
esse contrato, designadamente, sempre que a analogia das situações o justifique, a
regulamentação do contrato de agência - Decreto-Lei n.º 178/86, de 3.07.
Indemnização de clientela:
• Identificar o conceito de indemnização de clientela.
QUESTÃO • Equacionar, face aos elementos de facto disponibilizados, a verificação dos três requisitos
II b) cumulativos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86,
aplicável por analogia (referência ao AUJ do STJ, de 19.09.2019).
• Afastar a previsão do n.º 3 do artigo 33.º, do mencionado diploma.
• Concluir, fundamentadamente, pela viabilidade da pretensão.
DE DEZEMBRO DE 2020
1.ª CH AMADA
H O RA: 14H 15M (DE ACO RDO CO M O DISPO STO N O ART. 12.º,
1
PROVA ESCRITA DE
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
Via Académica – 1.ª Chamada – 20 de fevereiro de 2021
2 – Cotações:
- Grupo I (14 valores)
- Grupo II (6 valores)
1 – 3 valores
2 – 3 Valores
2
6 – Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até um máximo
de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º 21117/2020, publicado no Diário
da República, 2ª série, n.º 253, de 31 de dezembro).
8 – As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento identifica-
tivo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da folha de rosto), sob
pena de anulação da prova.
10 – Durante a realização da prova, as dúvidas que não possam ser resolvidas pelo/a vigi-
lante serão colocadas pelo/a candidato/a ao Docente/Coordenador que seja chamado, no
corredor, mantendo sempre a distância de segurança.
11 – Se terminar a prova antes da hora prevista só poderá sair da sala até 15 minutos antes
do final. Terminando depois desse momento deverá aguardar pelo final e sair quando lhe for
indicado, com o resto dos/as candidatos/as dessa sala.
12 - Assim que for dada indicação que a prova terminou os/as candidatos/as terão de
pousar a caneta/esferográfica, não podendo – em caso algum – prosseguir com o que
estavam a escrever, ficando a aguardar que o/a vigilante recolha as folhas com a prova
e, só nessa altura, as poderão numerar e entregar.
O desrespeito desta regra implica a anulação da prova.
3
13 – A saída após realização das provas será feita por sala e sucessivamente, de acordo
com as indicações dadas no momento e pelos concretos pontos de saída indicados.
14 – A máscara deverá estar sempre colocada, a não ser durante o período de tempo
estritamente necessário para ingestão de bebidas ou alimentos frugais.
4
GRUPO I
( 14 valores)
6
17. Ato contínuo, essas pessoas levantaram-se e MONTEIRO fugiu correndo, deixando ca-
ído no solo o seu smartphone e a trotinete.
18. Uma das pessoas atingidas era CAPELO, que apanhou o smartphone e, pretendendo
saber quem era o indivíduo de capacete que conduzira a trotinete e lhes embatera,
desbloqueou-o com um programa que tinha descarregado da internet, viu a caixa de
correio eletrónico e as fotografias armazenadas, concluindo que o indivíduo era o seu
novel inimigo MONTEIRO.
19. Já na Escola, momentos antes do início da peça, CAPELO deslocou-se ao camarim para
desejar boa sorte a JÚLIA e, sem ninguém ver, abriu o frasco com o rótulo “Julieta”,
sentiu o cheiro a amêndoa amarga e, pensando tratar-se de licor desse fruto, deitou
o respetivo líquido no frasco com o rótulo “Romeu”, inserindo no frasco da “Julieta” o
chá por si preparado com cebola e alho.
20. Durante a peça, perto do seu final, JÚLIA abriu o frasco e bebeu o chá (que CAPELO
preparara), logo fazendo um esgar de repugnância, dando um impressivo realismo à
sua representação.
21. ROMÁRIO, representando Romeu, ao encontrar Julieta inanimada, tomando-a como
morta, abriu o frasco com o veneno com o rótulo “Romeu”, sentiu o aroma e, pen-
sando com agrado que alguém lhe fizera uma surpresa ali colocando licor de amêndoa
amarga, bebeu o líquido de um trago. Após, beijou JULIETA nos lábios, pretendendo,
como escrito na peça, deitar-se depois a seu lado.
22. Porém, ao beijar JÚLIA, ROMÁRIO ficou nauseado pelo hálito desta e de imediato vo-
mitou sobre a mesma todo o líquido que acabara de ingerir, motivo por que não veio
a morrer.
23. Enojada pelo vomitado que tinha sobre si, JULIETA ergueu-se de imediato.
[O público, de pé, aplaude vigorosamente a versão renovada da peça, apreciando o seu final feliz. Cai
o pano.]
Aprecie a eventual responsabilidade criminal de MONTEIRO, CAPELO e SEGURO, todos eles mai-
ores de 18 anos de idade.
(14 valores)
7
GRUPO II
(a situação factual é a do grupo I, com os desenvolvimentos agora indicados)
(6 valores)
1. No dia 15 de fevereiro de 2020, estando já aberto inquérito no qual era arguido MON-
TEIRO, a requerimento do Ministério Público, o juiz de instrução autorizou a apreensão
de uma carta enviada no dia 10 anterior por MONTEIRO à Associação de Cientistas Ama-
dores de Renova – que, por motivo de greve, ainda aguardava pela entrega na estação de
correios –, por suspeitar que tinha grande interesse para a prova do que sucedera durante
a referida peça, pois, no respetivo envelope, fechado, constava manuscrito “secreto” e
“urgente”.
Depois, sozinho no seu gabinete, o juiz de instrução procedeu à abertura da carta, cons-
tatando tratar-se de carta dirigida por MONTEIRO ao Presidente da referida associação,
que era médico de profissão, perguntando-lhe pelos efeitos da ingestão de cianeto por
uma pessoa. O juiz de instrução considerou que tal carta estava protegida por segredo
médico e ordenou a sua restituição aos correios ainda nesse mesmo dia.
(3 valores)
Responda às questões:
É admissível a utilização desse ficheiro e do seu conteúdo como meio de prova num outro inqué-
rito que tenha esses factos como objeto (já pendente na sequência de queixa apresentada pela
vizinha contra incertos)? Na afirmativa, que procedimentos legais devem ser seguidos?
(3 valores)
8
37.º CURSO
GRELHA DE CORRECÇÃO
GRUPO I
[Aprecie a eventual responsabilidade criminal de MONTEIRO, CAPELO e SEGURO, todos eles maiores de 18 anos de idade.]
(14 valores)
CAPELO decidiu ficar com o bilhete de lota- CAPELO comete, como autor material e na forma consuma-
ria e enviou uma sms a MONTEIRO dizendo da, um crime de abuso de confiança simples, previsto e
que “o bilhete era seu e que já não precisa- punido pelo artigo 205.º, n.º 1, do Código Penal.
va de lhe pagar o almoço”. MONTEIRO nada
respondeu. O valor do bilhete de lotaria apropriado é de apenas 10€ (o
valor facial do bilhete), pois o crime consumou-se (com a
intenção de apropriação, que inverte o título da posse, no
momento da comunicação ao ofendido) antes de o bilhete
1 1,5
ter sido premiado. Se fosse depois, seria de 100.000€.
O bilhete de lotaria foi entregue a CAPELO como garantia do
pagamento dos 10€, logo, foi dado em penhor – artigos
666.º, n.º 1, e 679.º e ss. do Código Civil (CC). Como a dívida
ainda não estava vencida (seria apenas no dia de Natal),
CAPELO não podia ainda executar o penhor – artigo 675.º do
mesmo código.
MONTEIRO diz a CAPELO que “se não lhe MONTEIRO comete, como autor material e na forma tenta-
pagasse rapidamente os 100 mil lhe provo- da, um crime de coação, previsto e punido pelas disposições
caria sofrimento inimaginável”. conjugadas dos artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, 22.º, n.ºs 1 e 2, alí-
nea b), 23.º, 72.º e 73.º do Código Penal, pois a dívida existe
Nos dias seguintes, e com o mesmo propósi- (se não existisse, o crime seria de extorsão). Note-se o valor
to, MONTEIRO, crescentemente irritado da vantagem direta obtida com o crime de abuso de confian-
com tal situação, telefonou dezenas de ça é de 10€, mas a vantagem indireta é de 100.000€. É esse o
vezes, a diferentes horas do dia e da noite, a valor da dívida que CAPELO tem para com MONTEIRO.
CAPELO, que não atendeu as chamadas,
deixando aquele mensagens gravadas, com Todas as diferentes ameaças inserem-se no quadro da mes-
voz séria e elevada, dizendo que “se não lhe ma resolução e visam o mesmo objetivo – levar CAPELO a
2 pagasse rapidamente os 100 mil já sabia o entregar-lhe 100.000€ – havendo por isso um só crime de 2
que lhe iria acontecer”. coação.
O crime não é agravado, pois não se verifica nenhuma das
circunstâncias previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 155.º do
Código Penal, designadamente a do n.º 1, alínea a), pois
desconhece-se se MONTEIRO pretende provocar o tal sofri-
mento através da prática de crime e, mesmo se fosse com
crime, com que crime.
Deve ser analisado se “provocaria sofrimento inimaginável” é
ameaça com mal importante (afigura-se claramente que sim).
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO
2
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO
a. SEGURO diz a MONTEIRO “ter ordens SEGURO comete, como autor material e na forma consu-
para não deixar entrar na escola estranhos à mada, um crime de corrupção passiva, previsto e punido
mesma”, mas que “não costumava aplicar pelo artigo 373.º, n.º 1, por referência ao artigo 386.º, n.º 1,
essa regra a quem lhe pagava umas cerve- alínea a), do Código Penal.
jas”.
É funcionário, solicita uma vantagem, para a prática de um
ato (deixá-lo entrar na escola) contrário aos deveres do cargo
(tem ordens para não deixar entrar estranhos à escola). 1,5
Como é o funcionário que solicita a vantagem, o seu valor
(que poderia ser considerado insignificante) não fica sujeito a
qualquer cláusula de adequação social, sendo o próprio que
fixa o (baixo) “preço” da venda do seu ato (assim, ALMEIDA
COSTA, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo III,
Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 684-685).
3
b. Após, MONTEIRO deu 10€ a SEGURO. MONTEIRO comete, em autoria material e na forma consu-
mada, um crime de corrupção ativa, previsto e punido pelo
artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal.
Ao aceitar a solicitação de SEGURO e assim entregar-lhe 10€,
MONTEIRO comete este crime.
1,5
0,5
3
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GRELHA DE CORRECÇÃO
4
35.º CURSO
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p. 1212 e ss.
6
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CAPELO apanhou o smartphone deixado por CAPELO comete, como autor material e na forma consuma-
MONTEIRO e, pretendendo saber quem era da, um crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo
o indivíduo de capacete que conduzira a artigo 6.º, n.ºs 1, 3 e 4, alínea a), da Lei n.º 109/2009 (a cor-
trotinete e lhes embatera, desbloqueou-o respondência eletrónica está protegida desde logo pelo arti-
5 com um programa que tinha descarregado go 34.º, n.º 1, da Constituição). Não há qualquer causa de 1,5
da internet, viu as caixas de correio eletró- exclusão da ilicitude ou da culpa. Não há intenção de apro-
nico e as fotografias armazenadas priação, o que afasta o crime de apropriação ilícita de coisa
achada.
CAPELO deslocou-se ao camarim para dese- Poder-se-á discutir se CAPELO comete um crime de ofensa à
jar boa sorte a JÚLIA e, sem ninguém ver, integridade física simples sobre JÚLIA. Porém, não se afigura
abriu o frasco com o rótulo “Julieta”, sentiu existir qualquer ofensa à integridade física. Não há qualquer
o cheiro a amêndoa amarga e, pensando ofensa à saúde ou ao corpo. O único efeito do chá é o mau
tratar-se de licor desse fruto, deitou o res- gosto e o mau hálito (o que aliás sucede com muitos pratos
petivo líquido no frasco com o rótulo “Ro- típicos).
meu”, deitando no frasco da “Julieta” o chá
por si preparado com cebola e alho. Júlia Por outro lado, CAPELO desconhece que está a deitar cianeto
bebe o chá e fazendo um esgar de repug- no frasco que ROMÁRIO vai utilizar, pelo que esse erro exclui
6 1,5
nância. o seu dolo no eventual crime de homicídio na forma tentada
sobre ROMÁRIO, ficando ressalvada a punibilidade da negli-
gência nos termos gerais – artigo 16.º, n.ºs 1 e 3, do Código
Penal. Porém, o homicídio por negligência simples tentado
não é punível (artigos 23.º, n.º 1, e 137.º, n.º 1, do Código
Penal. Não há qualquer negligência de CAPELO: não viola
qualquer dever de cuidado, não prevê nem lhe era previsível
que o líquido fosse cianeto.
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35.º CURSO
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GRELHA DE CORRECÇÃO
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35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO
GRUPO II
Questão 1
No dia 15 de fevereiro de 2020, estando já aberto inquérito no qual era arguido MONTEIRO, a requerimento do Ministério Públi-
co, o juiz de instrução autorizou a apreensão de uma carta enviada no dia 10 anterior por MONTEIRO à Associação de Cientistas
Amadores de Renova – que, por motivo de greve, ainda aguardava pela entrega na estação de correios –, por suspeitar que tinha
grande interesse para a prova do que sucedera durante a referida peça, pois no respetivo envelope, fechado, constava manuscri-
to “secreto” e “urgente”.
Depois, sozinho no seu gabinete, o juiz de instrução procedeu à abertura da carta, constatando tratar-se de carta dirigida por
MONTEIRO ao Presidente da referida associação, que era médico de profissão, perguntando-lhe pelos efeitos da ingestão de
cianeto por uma pessoa. O juiz de instrução considerou que tal carta estava protegida por segredo médico e ordenou a sua resti-
tuição aos correios ainda nesse mesmo dia.
3 valores
a. Sendo uma carta fechada que estava em trânsito, entre o remetente e o destinatário, aplica-se o regime de apreensão previsto
no artigo 179.º do Código de Processo Penal. A carta foi validamente apreendida. O juiz de instrução era a entidade competente
para ordenar a apreensão (artigos 178.º e 269.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal), estava em causa crime punível
com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos, e havia fundamento para considerar que essa diligência se revelaria de
grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (atendendo ao destinatário e às menções do sobrescrito).
b. O artigo 179.º, n.º 1, alínea a), exige que a correspondência seja expedida pelo suspeito ou lhe seja dirigida, mesmo que sob
nome diverso ou através de pessoa diversa. Porém, deve considerar-se que este meio de obtenção de prova é ainda utilizável
quando a correspondência seja expedida pelo já arguido ou lhe seja dirigida. Todos os arguidos são suspeitos. O n.º 2 é expresso
em referir já o arguido. Neste sentido, JOÃO CONDE CORREIA, Comentário Judiciário ao Código de Processo Penal, 2019, Coimbra:
Almedina, p. 644-645.
c. Devendo o juiz de instrução, no inquérito, ser juiz de liberdade e garantias e não juiz investigador, a carta deveria ter sido aber-
ta pelo mesmo na presença do Ministério Público, que, depois do juiz, deveria tomar conhecimento do seu conteúdo e então
requerer ou não fundamentadamente a sua junção ao processo (só depois da sua análise é possível aferir se a mesma tem ou
não relevância para a descoberta da verdade ou para a prova). O juiz de instrução só poderia ordenar a junção se o requerimento
do Ministério Público fosse nesse sentido (se não fosse, assumir-se-ia como juiz investigador).
d. Ainda que indeferisse o requerimento do Ministério Público, o juiz de instrução não deveria restituir de imediato a carta. Essa
sua decisão é recorrível (a irrecorribilidade não está prevista nem no artigo 179.º nem no artigo 400.º, ficando por isso sujeita ao
princípio geral do artigo 399.º) – assim, JOÃO CONDE CORREIA, ob. cit., p. 648, e PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário ao Código
de Processo Penal, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2009, p. 494. Tal recurso deveria subir imediatamente, em separado e
com efeitos suspensivos da decisão – artigos 406.º, n.ºs 1 e 2, 407.º, n.º 1, e 408.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. Pelo que
só após o trânsito em julgado da decisão é que a mesma poderia ser executada.
e. De qualquer forma, sendo uma carta enviada por MONTEIRO, nunca estaria coberta por qualquer tipo de segredo profissional,
que só abrangeria esses profissionais. Apenas assim não sucede com a correspondência enviada pelo suspeito/arguido ao seu
defensor (salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que aquela constitui objeto ou elemento de um crime) – artigo 179.º, n.º
2, do Código de Processo Penal.
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35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO
Questão 2
Durante o mesmo inquérito, em análise ao smartphone de MONTEIRO ordenada pelo magistrado do Ministério Público titular,
foi encontrado um ficheiro de texto onde, diariamente, aquele relatava o que fizera. Em várias entradas do ano de 2020, MON-
TEIRO descrevia que, utilizando um drone, filmara a vizinha (adulta) do lado enquanto esta tomava banhos de sol, nua, no jardim
da sua casa, local não visível da via pública nem das casas próximas.
É admissível a utilização desse ficheiro e do seu conteúdo como meio de prova num outro inquérito que tenha esses factos
como objeto (já pendente na sequência de queixa apresentada pela vizinha contra incertos)? Na afirmativa, que procedimen-
tos legais devem ser seguidos?
3 valores
O smartphone de MONTEIRO é um sistema informático e o ficheiro de texto em causa é dado informático – artigo 2.º, alíneas a)
e b), da Lei n.º 109/2009, de 15.IX (Lei do Cibercrime - LCC). A produção dessa prova em processo penal está em primeiro lugar
sujeita ao regime previsto nos artigos 15.º e 16.º dessa lei (pesquisa e apreensão de dados informáticos). Tratando-se de um
diário íntimo, há que atentar em particular no disposto no n.º 3 do artigo 16.º dessa lei (“caso sejam apreendidos dados ou do-
cumentos informáticos cujo conteúdo seja suscetível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privaci-
dade do respetivo titular ou de terceiro, sob pena de nulidade esses dados ou documentos são apresentados ao juiz, que ponde-
rará a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto”). Como esses dados informáticos não interessam à
prova no processo onde foram apreendidos, mas sim à prova de crime (previsto e punido pelo artigo 192.º, n.º 1, alíneas b) e c),
do Código Penal) que não integra o objeto desse inquérito nem o pode vir a integrar por não se verificar conexão prevista nos
artigos 24.º e 25.º do Código de Processo Penal, trata-se de uma situação de “conhecimentos fortuitos”.
A Lei n.º 109/2009 não tem previsão expressa sobre esta matéria. Aliás, a nossa lei processual penal apenas expressamente pre-
vê a transmissão de prova entre processos (conhecimentos fortuitos em sentido estrito) quanto ao meio de obtenção de prova
‘escutas telefónicas’ (artigo 187.º, n.ºs 7 e 8, do CPP) e, ainda assim, apenas tal sucede desde as alterações neste diploma intro-
duzidas pela Lei n.º 48/2007.
A ausência de expressa previsão legal não significa que essa transmissão apenas seja admissível no caso das escutas telefónicas
(e, por força do disposto no n.º 4 do artigo 18.º da LCC, também para a interceção de comunicações). Sendo a prova originalmen-
te válida, a admissibilidade da transmissão verificar-se-á, sem qualquer limitação, sempre que não exista qualquer restrição de
âmbito objetivo (catálogo de crimes) ou subjetivo quanto ao concreto meio de obtenção de prova, por razões de economia pro-
cessual e em obediência a um primado de justiça e procura da verdade material.
Ainda que não se trate de uma aplicação analógica do regime previsto para as escutas telefónicas (desnecessária e inadequada,
pois, contrariamente a este, não há catálogo de crimes – por força do expressamente previsto no artigo 11.º, n.º 1, aplica-se, em
abstrato, a todos os tipos de crime), as competências de Ministério Público e juiz de instrução são diferentes, tal como são dife-
rentes os formalismos de produção deste meio de obtenção de prova, afigura-se-nos correto o princípio a que a doutrina e a
jurisprudência chegaram a propósito das escutas: as provas serão admissíveis para a prova dos novos crimes se estes, ab initio,
justificassem, por si, a sua obtenção.
1. No processo original, houve uma válida pesquisa informática (ou outro acesso legítimo, como análise forense ou perí-
cia) a um sistema informático onde foram encontrados armazenados dados informáticos cujo conteúdo é suscetível de
revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do respetivo titular (o diário). Como não há
catálogo de crimes, esses dados poderão, em abstrato, servir para a prova de qualquer crime.
2. Não se coloca qualquer problema de âmbito subjetivo, para mais por que se trata de dados do arguido.
3. Os dados (uma cópia dos mesmos – artigo 16.º, n.º 7, alínea b), dessa lei) seriam transmitidos pelo Ministério Público
do inquérito original ao outro inquérito, onde o respetivo titular, tendo em conta os interesses desse caso, e fazendo um
concreto juízo de necessidade, adequação e proporcionalidade (imposto pelo artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da Re-
10
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO
4. Após, deveria tal magistrado do Ministério Público requerer ao juiz de instrução (desse processo) a sua utilização (jun-
ção) no caso, devendo a decisão do juiz obedecer aos mesmos critérios: os interesses desse caso, necessidade, adequa-
ção e proporcionalidade. Seria particularmente relevante o juízo concreto de proporcionalidade entre o grau de violação
da privacidade do arguido e o tipo de crime em investigação e o bem jurídico por ele protegido (igualmente a privacida-
de), afigurando-se que a privacidade do arguido deveria ceder (os factos relevantes por ele descritos não respeitam à
sua vida íntima) para proteção da privacidade da vítima que com a sua conduta gravemente ofendeu. Sobre a matéria, é
relevante o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 607/2003.
5. No processo original, não haverá qualquer intervenção do juiz de instrução, pois só o juiz de instrução do processo de
destino pode fazer o juízo exigido pelo artigo 16.º, n.º 3, da Lei n.º 109/2009.
[Segue-se de perto Apreensão de mensagens de correio electrónico e de natureza semelhante, Rui Cardoso, Direito Probatório,
Substantivo e Processual Penal, p. 95 e ss. - http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/penal/eb_DrtProbatorio2019.pdf]
11
37.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via Profissional
Grelha de correção
Nota:
O conteúdo da grelha disponibilizada reflete as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da forma e da
substância, se reputam as mais corretas em função das peças facultadas e dos dados do processo e que devem, na
prova do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outras abordagens, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face aos
dados facultados e que se revelem suportadas em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizadas, na
medida do respetivo mérito.
1. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA COMPONENTES ESTRUTURAIS DA SENTENÇA – PARTE I
SENTENÇA
Identificação das partes e objeto do litígio (enunciação genérica dos pedidos, das causas
de pedir e das posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados)
Questões a decidir:
1. Recondução da situação controvertida ao instituto da colisão de direitos e
identificação dos concretos direitos em conflito.
2. Análise do consentimento da autora e discussão da sua relevância na
limitação do direito à imagem.
3. Resolução concreta do conflito, na relação entre os diferentes direitos em
confronto.
4. Licitude da utilização da imagem da tatuagem no Facebook; consequências
em caso de ilicitude, face aos pedidos formulados.
5. Verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar, fundada em
responsabilidade civil delitual e, concluindo-se afirmativamente,
determinação dos danos a compensar, da quantia ou quantias a arbitrar e do
momento da constituição do R. em mora.
2. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA COMPONENTES ESTRUTURAIS DA SENTENÇA – PARTE II
SENTENÇA
3. FUNDAMENTAÇÃO
DE DIREITO
4. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA COMPONENTES ESTRUTURAIS DA SENTENÇA - PARTE III
DISPOSITIVO
Condenação em custas.
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via Profissional
Grelha de correção
Nota:
O conteúdo da presente grelha reflete de forma tópica as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da
forma e da substância, se reputam as mais corretas em função dos elementos disponibilizados e que devem, na prova
do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outras abordagens, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face aos
dados facultados e que se revelem suportadas em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizadas, na
medida do respetivo mérito.
Questões a decidir:
1. Aferir da prestação dolosa, pela autora, de declarações inexatas e
incompletas aquando da adesão ao contrato de seguro de grupo
identificado nos autos.
2. Licitude da anulação, operada pela ré seguradora, dessa adesão.
3. Concluindo-se pela ilicitude da anulação, avaliar se o contrato de seguro
cobre o sinistro participado pela autora.
4. Caso se entenda que o contrato de seguro se mantém válido e eficaz no
que respeita à autora, cobrindo o sinistro pela mesma participado,
determinar se a primeira ré é responsável pelo pagamento, à autora e ao
segundo réu, das quantias peticionadas, bem como o momento de
constituição em mora.
2. Fundamentação de
direito
1.ª CH AMADA
1
PROVA ESCRITA DE
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
Via Profissional – 1.ª Chamada – 20 de fevereiro de 2021
3 - Cotação: 20 valores
I - A Cotação do Despacho a elaborar distribui-se da seguinte forma:
2
“Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade”, sendo a
prova corrigida nesse pressuposto.
3
15 – A máscara deverá estar sempre colocada, a não ser durante o
período de tempo estritamente necessário para ingestão de bebidas ou
alimentos frugais.
4
Constam do processo os seguintes elementos com relevância para a decisão a proferir:
Auto de Inquirição
Testemunha – ZAIDA ZENHA
Aos costumes disse: ter trabalhado para o arguido cerca de 2 anos, e ter cessado o
contrato em 31 de janeiro de 2020, por acordo entre ambos, por iniciativa sua, por ter
arranjado um emprego melhor.
Inquirida sobre os factos constantes do Auto de Denúncia de fls. 2 a 3, disse que mantém
na íntegra o respetivo teor, designadamente:
Que está aqui hoje porque acha que tem o dever de denunciar casos como este.
Que trabalhou entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020 para o Engenheiro AMÁVEL
ANTUNES, que mora na Quinta do Bom Sonho, residência 13, em Cascais, como
empregada doméstica interna, tendo-lhe sido atribuído um quarto pequenino com WC,
ao pé da cozinha, para pernoitar. Auferia 1000€ líquidos por mês. Por isso, conhece bem
a vida do antigo patrão, o referido AMÁVEL ANTUNES, e da ex-companheira, que foi viver
com ele cerca de um ano depois de ela lá começar a trabalhar, a D. BELA BENTO. São
gente que vive com muito luxo, comem e vestem do melhor. Ele é Engenheiro na Câmara
e trata dos licenciamentos de construção de lares para velhinhos. Pelo que percebeu, é
também ele que manda nas fiscalizações desses lares.
No ano passado, na sexta-feira santa, o patrão recebeu uma visita à tarde, de um tal
CLÓVIS, e a conversa era sobre um lar que o CLÓVIS queria licenciar, mas tinha sido
recusado, não sabe porquê. Então, antes de entrar na sala para servir o café, ela ouviu o
patrão a dizer que as condições estavam na lei, claro, mas sempre seria possível
contornar se se untassem as mãos das pessoas certas, que isso era coisa para 20 mil duas
5
vezes, uma para cada um, porque a decisão era de dois responsáveis, mas tinha de ser
vivo. Quando entrou, o patrão mudou a conversa, dizendo que a lei era exigente, que
muitos não conseguiam cumprir as exigências, depois falou do gosto que tinha por café
e, entretanto, ela saiu da sala e não sabe mais nada do que falaram porque o patrão lhe
disse para fechar a porta. Perguntada, disse não saber o apelido do referido CLÓVIS
porque o patrão só o tratava pelo nome.
Por volta de dezembro do ano passado, logo no início, antes do feriado santo do dia 8, os
patrões zangaram-se a sério e o patrão pôs a patroa na rua. Ela ouviu a discussão, o
motivo foi que ele tinha outra, e ouviu-o dizer que tinha 24 horas para se “pôr na alheta”,
o termo foi mesmo esse, e que até sair não a queria mais no seu quarto. Foi coisa feia.
Nessa noite, a D. BELA dormiu no sofá e depois saiu ainda antes do almoço.
No dia seguinte, o patrão deu à depoente um saco cheio de papéis e algumas agendas e
cadernitos, e disse para queimar tudo. A lareira estava acesa. Então ela começou a
colocar os papéis a pouco e pouco na lareira, para não ficar uma chama muito grande, e
agarrou num livrinho que estava no saco e que tinha escrito na capa “Diário”. Abriu para
se certificar o que era e viu a letra da D. BELA, que conhecia por causa das listas de
compras, e achou que ele não tinha o direito de queimar assim as coisas da D. BELA e,
instintivamente, colocou-o dentro da blusa, por baixo da bata, não se notando que o
escondera ali.
Num outro caderninho pequeno viu duas folhas com contas com dizeres “entregas”, “em
falta”, e várias iniciais, que relacionou com as suspeitas com que ficou depois de ter
ouvido a conversa com o tal CLÓVIS, também o guardou e neste ato o entrega.
À noite, não resistiu, e começou a ler o Diário, que também neste ato entrega.
Aí leu o episódio que a deixou sem pinga de sangue. Não tinha a menor ideia de que o
patrão gostava de meninos, que era pedófilo, pois sempre achou que era um
mulherengo.
E é por isso, por todos os meninos do mundo, que acha que tem obrigação de vir aqui à
Polícia denunciar.
6
2) Documento entregue que constitui o Anexo A:
Caderno de 15 cm x 20 cm, com os dizeres na capa “Diário”
30 fls. escritas, com descrições da vida pessoal de BELA BENTO e da relação íntima,
sexualmente pormenorizada, do casal composto por BELA BENTO e AMÁVEL ANTUNES,
relevando para os autos:
Fls. 21
Dia 5 de novembro de 2019
Esta noite encontrei o A a ver pornografia infantil! Com quem estou eu a viver? Mas ele
gosta de sexo com crianças? Vou ter de estar atenta. Devo confrontá-lo? Isso pode ser
perigoso para mim!
7
4) Promoção do MP, devidamente fundamentada, e o Despacho do JIC que sobre ela
recaiu, igualmente fundamentado nos termos legais, no qual se autoriza a interceção
telefónica ao telefone móvel com o número 95 1111000, titulado pelo suspeito AMÁVEL
ANTUNES, pelo período de 15 de março a 15 de junho de 2020, o qual foi renovado por
outros 3 meses, resultando dos autos intercalares juntos e validados nos prazos legais
que não foi recolhida qualquer interceção com relevo probatório para o objeto do
processo, motivo pelo qual cessaram as referidas interceções no final dos seis meses
judicialmente autorizados.
5) A fls. 45, o ofício resposta dos Serviços Jurídicos da Câmara Municipal de Cascais,
datado de 15 de março de 2020, declarando que Amável Antunes exerce as funções de
técnico superior da Câmara Municipal de Cascais desde 1 de março de 2013, estando a
seu cargo o Departamento de Licenciamentos de Lares de Terceira Idade desde 1 de
janeiro de 2017. Foi anexado ao ofício o último recibo de vencimento de AMÁVEL
ANTUNES, apurando-se um vencimento líquido mensal de 2 500 euros por mês, incluindo
todos os devidos subsídios.
6) A fls. 47, o ofício resposta dos Serviços Jurídicos da Câmara Municipal de Cascais,
datado de 15 de março de 2020, no qual se fez exarar que no Departamento de
Licenciamentos de Lares de Terceira Idade não se encontra qualquer pedido formulado
e ou autorizado, no período de 1 de janeiro de 2019 a 31 de janeiro de 2020, em nome
de CLÓVIS, seja nome próprio, seja o apelido, e bem assim que no referido Departamento
não consta qualquer pedido formulado por empresa cujo representante tenha o nome
ou apelido CLÓVIS.
Aos costumes disse: que viveu em união de facto com AMÁVEL ANTUNES desde 14 de
fevereiro até início de dezembro de 2019 e que não fala com ele porque a relação
terminou de forma conflituosa.
Foi advertida nos termos e para os efeitos do disposto no art. 134.º, n.º 1, al. b), do CPP,
declarando pretender depor.
8
Perguntada sobre se alguma vez, enquanto viveu com o suspeito, viu ou ouviu alguma
situação que a levasse a crer que ele pedia ou aceitava contrapartidas a troco de favores
prestados por força do exercício das suas funções, respondeu que sim, várias vezes, mas
nunca perguntou nada porque percebeu que não era assunto que devesse perguntar.
Perguntada sobre se consegue localizar no tempo as situações que lhe levantaram essas
suspeitas de recebimentos a troco de favores, e quem foram os intervenientes, disse
lembrar-se bem da situação ocorrida na Páscoa passada, quando ele a levou a uma loja
na Avenida da Liberdade e aí comprou e lhe ofereceu uma mala Prada. Custou 2 800
euros, que ele pagou em dinheiro. E de seguida foram a uma loja de relógios de luxo,
Horas de Luxo, também na Avenida da Liberdade, onde ele comprou um Patek Philippe
para ele que custou mais de 23 000 euros, já não se lembra exatamente o valor, e que
também pagou em dinheiro. Ele gostava muito de relógios de luxo.
Perguntada sobre se conhecia alguém de nome CLÓVIS, disse que se lembrava de uma
ou duas vezes o ex-companheiro mencionar esse nome e lembrar-se que um tal CLÓVIS
chegou a ir lá a casa, mas ela não estava na sala nessa altura porque era assunto
profissional do ex-companheiro e ela não assistia a encontros profissionais. Mas isso foi
há já uns meses largos, talvez 1 ou 2 meses depois de ter ido viver com o ex-companheiro.
Perguntada sobre se se lembrava de outros pagamentos em dinheiro ou presentes
recebidos, disse que no verão passado, em julho, estiveram no Hotel Conrad na Quinta
do Lago, ao pé de Faro, e ele pagou cerca de 8 000 euros em dinheiro pela estadia e
outras despesas de consumos, e lembra-se bem que comeram em todos os bons
restaurantes do Algarve, a pagar sempre em dinheiro. Mas não sabe identificar nomes
nem situações que possam explicar a origem desse dinheiro, porque ele nunca falava
disso e ela nunca assistiu a qualquer recebimento.
Disse ainda que em setembro, no dia do seu aniversário, ele também lhe ofereceu um
relógio Omega, no valor de 5 000 euros. Não sabe se o relógio foi pago em dinheiro, mas
supõe que sim, pois uns dias antes ele tinha-lhe dito que lhe ia comprar uma boa prenda
pois havia um parvo que lhe pedira um favor que ele disse que faria, mas não tencionava
mexer uma palha. Ela quis saber do que se tratava exatamente e ele respondeu-lhe que
o parvo queria que ele intercedesse junto do Vereador de Gestão Urbanística para uma
autorização especial, mas que isso daria muito nas vistas e por isso nada faria, apesar de
ter ganho bom dinheiro com a conversa.
9
Perguntada sobre se consegue identificar o nome dessa pessoa a quem o companheiro,
à data, apelidou de parvo, disse que não.
Mais disse que só ficaria bem com a sua consciência se relatasse um facto que não tem a
ver com recebimentos, mas que ela acha escabroso. Quando o conheceu não suspeitou
do gosto sexual dele por crianças e jovens adolescentes, e uma vez, talvez na primeira
semana de novembro, ao meio da noite, ela acordou e ele não estava na cama e então
levantou-se para ver onde estava, foi silenciosamente até à sala e viu a luz que vinha do
computador no escritório, e como a secretária fica contra a parte oposta à porta, quem
está sentado fica de costas para a porta, ele não a viu. Espreitou da porta e verificou ele
estava no escritório e estava a ver crianças e adolescentes nus. Foi-se embora dali para a
cama, chocada com o que viu, mas nunca lhe falou em nada. Pensou que aquilo o excitava
e como ele via muita pornografia, e assumia que a via para se entusiasmar, ela acabou
por não falar disso, pois nunca viu nada presencial com crianças.
Perguntada sobre se alguma vez narrou em algum caderno essa situação disse que sim.
Mais disse que perdeu o rasto a esse caderno, que era uma espécie de diário da sua vida
íntima com ele, deve ter ficado em casa do ex-companheiro, ou ter-se perdido, porque
não se recorda de o ter arrumado em sua casa após ter saído da casa do arguido. Não
sabe ao certo o que lhe sucedeu.
Foi nesta altura exibido o documento que constitui o Anexo A, tendo BELA BENTO
afirmado ser esse o diário de que falava, acrescentando autorizar a sua utilização no
processo.
Disse querer acrescentar que o ex-companheiro lhe retirou a chave de casa e ela nunca
mais lá voltou. Ele não a deixou ir buscar as suas coisas de valor, nem sequer os presentes
que lhe ofereceu enquanto viveram juntos. Por isso quer aqui deixar claro que ele lhe
furtou pelo menos duas coisas de valor que eram suas – a mala Prada, modelo Galleria,
no valor de 2 800 euros; e o relógio Omega, no valor de 5 000 euros, que ele lhe ofereceu
em setembro, no dia do seu aniversário.
10
Hoje, dia 4 de julho de 2020, pelas 15h, eu, Inspetor da Polícia Judiciária DAMIÃO DAVID,
acompanhado pelo Inspetor EDMUNDO ESTEVES, desloquei-me ao estabelecimento
comercial Horas de Luxo, sito na Avenida da Liberdade, nesta cidade de Lisboa, onde
exibimos uma fotografia de AMÁVEL ANTUNES e outra de BELA BENTO aos três
funcionários que ali trabalham, no sentido de apurar se reconheciam as pessoas
fotografadas. Todos responderam não estar seguros que sim, ou que não. Mais se
inquiriu o gerente sobre se na sua base de dados de clientes constam os nomes AMÁVEL
ANTUNES ou BELA BENTO, tendo a mesma sido consultada, à nossa frente, por pesquisa,
tendo o sistema respondido negativamente. O gerente esclareceu que só colocam os
nomes dos clientes na base de dados quando eles o consentem.
Hoje, dia 4 de julho de 2020, pelas 15h 30m, eu, Inspetor da Polícia Judiciária DAMIÃO
DAVID, acompanhado pelo Inspetor EDMUNDO ESTEVES, desloquei-me ao
estabelecimento comercial Prada sito na Avenida da Liberdade, nesta cidade de Lisboa,
onde exibimos uma fotografia de AMÁVEL ANTUNES e outra de BELA BENTO aos quatro
funcionários que ali trabalham, no sentido de apurar se reconheciam as pessoas
fotografadas. Todos responderam não estar seguros que sim, ou que não. Mais se
inquiriu o gerente sobre se na sua base de dados de clientes constam os nomes AMÁVEL
ANTUNES ou BELA BENTO, tendo a mesma sido consultada, à nossa frente, por pesquisa,
tendo o sistema respondido negativamente. O gerente esclareceu que só colocam os
nomes dos clientes na base de dados quando eles o consentem.
11
Auto de Diligência Externa
Hoje, dia 5 de julho de 2020, pelas 10h 30m, eu, Inspetor da Polícia Judiciária DAMIÃO
DAVID, acompanhado pelo Inspetor EDMUNDO ESTEVES, desloquei-me ao
estabelecimento hoteleiro Hotel Conrad sito na Quinta do Lago, Almancil, onde exibimos
uma fotografia de AMÁVEL ANTUNES e de BELA BENTO aos três funcionários que ali
trabalham na receção, no sentido de apurar se reconheciam a pessoa fotografada. Todos
responderam negativamente, dizendo que são tantos os clientes que ali passam, de
tantas nacionalidades, que é impossível recordar as suas fisionomias. Mais se inquiriram
os mesmos sobre se na sua base de dados de clientes constam os nomes AMÁVEL
ANTUNES ou BELA BENTO, tendo os mesmos respondido que não estavam autorizados a
ceder os dados dos clientes a terceiros sem ordem da Administração do Hotel.
11) A fls. 65, a Declaração emitida pelo Diretor Executivo do estabelecimento hoteleiro
Hotel Conrad, sito na Quinta do Lago, Almancil, datada de 15 de julho de 2020, atestando
que na base de dados dos clientes deste Hotel não constam os nomes AMÁVEL ANTUNES
e BELA BENTO. Mais aí esclarece ser política do Hotel a seguinte regra: salvo declaração
expressa do cliente em como autoriza o armazenamento dos seus dados, estes apenas
são guardados pelo período de 60 dias, a não ser que não tenha havido boa cobrança da
conta por eles contraída.
12) A fls. 70-75, o extrato bancário da conta 111222333444 titulada por AMÁVEL
ANTUNES no Banco BPI, relativa ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2018 e
31 de julho de 2020, da qual se extrai que não existem depósitos em numerário, nem
outros que não sejam regulares e coincidentes com rendimentos declarados do titular e
provenientes do salário.
13) A fls. 85-87, o Auto de Busca e Apreensão devidamente promovido e autorizado pelo
JIC à residência do suspeito AMÁVEL ANTUNES, datado de 2 de outubro de 2020, do qual
resulta, para o que ora releva, a apreensão:
12
Auto de Busca e Apreensão
14) A fls. 88, o Auto de Detenção do suspeito Amável Antunes, datado de 2 de outubro,
às 12h;
16) A fls. 90, o Termo de Identidade e Residência prestado por AMÁVEL ANTUNES, com
a observância do legal formalismo, datado de 2 de outubro de 2020, do qual se extrai que
é filho de Xavier Antunes e Valentina Antunes e nasceu em 28 de janeiro de 1980 , em
Setúbal;
17) A fls. 95-100, o Auto de 1.º interrogatório de arguido detido para aplicação de medida
de coação, ocorrido no dia 3 de outubro, do qual se extrai, para o que ora releva, que,
após cumpridos os formalismos legais relativos à comunicação dos factos indiciários e
meios de prova que os sustentam (todos os supra referidos), o arguido declarou não
pretender prestar declarações.
13
18) A fls. 105-106, o Auto de Exame e Avaliação, datado de 18 de outubro, do qual se
extrai, para o que ora releva, que:
• a mala de senhora de marca Prada, em estado praticamente novo, com 25 cm x
35 cm x 15 cm, tem o valor de 2 200 euros;
• o relógio de senhora de marca Omega, em estado praticamente novo, tem o valor
de 4 000 euros;
• o relógio de homem de marca Patek Philippe, em estado praticamente novo, tem
o valor de 22 000 euros.
- o aparelho continha 2 391 ficheiros de imagem com extensão “jpg” contendo, na sua
quase totalidade, imagens de crianças do sexo masculino, com idades entre os 2 e, no
máximo, os 14 anos, integralmente nuas, com exibição dos seus órgãos genitais, as quais
se encontravam em duas pastas, “Pen Pix” e “Pix”, existentes na pasta Desktop (área de
trabalho), e 89 ficheiros de imagem com extensão “jpg” contendo imagens de crianças
do sexo masculino e feminino, com idades entre os 2 e, no máximo, os 14 anos,
integralmente nuas, com exibição dos seus órgãos genitais, as quais se encontravam nas
pastas de ficheiros temporários da aplicação informática Chrome;
14
21) A folhas 118, Despacho do magistrado do Ministério Público validando a apreensão
dos dados encontrados no computador de AMÁVEL ANTUNES, datado de 5 de novembro
de 2020.
- quadro a óleo de António Palolo, de 1,56 cm x 1,56 cm, de 1984, s/ título, assinada pelo
autor e datado, representando duas figurações humanas, com o valor de mercado de
15 000 euros.
23) A fls. 130-140, foi incorporado nos autos, com cota lavrada a 30 de novembro de
2020, o Processo de Inquérito com o NUIPC 1112/20.1TACSC, que corria termos no DIAP
de Cascais, composto por 18 fls.:
Fls. 1 a 3:
i) queixa apresentada em 13 de junho de 2020 pelo Presidente da Câmara Municipal de
Cascais no DIAP de Cascais, relativa ao desaparecimento de duas pinturas do gabinete
123, situado no piso 3, Praça 5 de Outubro, Cascais, atribuído ao Engenheiro AMÁVEL
ANTUNES, a saber:
- um óleo de António Areal de 74 cm x 101 cm, de 1971, s/ título, representando um
cavalo com focinho de pássaro, sem patas dianteiras, e com cavaleiro, assinada pelo
autor e datado, com o valor de mercado de 30 000 euros;
- um óleo de António Palolo, de 1,56 cm x 1,56 cm, de 1984, s/ título, assinada pelo autor
e datado, representando duas figurações humanas, com o valor de mercado de 20 000
euros;
Juntou duas fotografias dos quadros quando estavam colocados no referido gabinete.
15
Fls. 6 a 7:
ii) um auto de inquirição da testemunha FERNANDO FERNANDES, presida pelo
magistrado do Ministério Público titular do Inquérito, datado de 13 de julho de 2020,
funcionário da Câmara Municipal de Cascais, responsável pelo Departamento do
Património, no qual declara, para o que ora releva, que no dia 13 de junho a empregada
de limpeza da referida Câmara, GERTRUDES GILBERTO, se dirigiu ao seu gabinete para o
informar que os dois quadros expostos na parede do Gabinete 123, atribuído ao
Engenheiro AMÁVEL ANTUNES, no piso 3, não se encontravam no seu devido lugar. Que
atento os valores em causa, ele de imediato se deslocou ao referido gabinete, tendo
verificado o facto relatado pela mencionada GERTRUDES. Que assim que conseguiu, pois
nesse momento o mesmo não se encontrava no local, interpelou o Engenheiro AMÁVEL
ANTUNES, que lhe respondeu desconhecer o que se passava, apenas sabendo que os
quadros deixaram de estar no local, mas estar confiante que deveriam voltar a aparecer;
Fls. 10 a 12:
iii) A fls. 3-5: Auto de Inquirição de GERTRUDES GILBERTO, datado de 2 de agosto de
2020: perguntada sobre as circunstâncias do desaparecimento dos quadros, disse que no
dia 13 de junho se dirigiu, como habitualmente, logo pela manhã cedo ao Gabinete 123
do piso 3, atribuído ao Engenheiro AMÁVEL ANTUNES e constatou que os dois quadros
que ali estavam na parede tinham desaparecido. Assim que verificou que o Dr.
FERNANDO FERNANDES já se encontrava no gabinete dele, foi lá comunicar-lhe o
sucedido, não fossem atribuir-lhe alguma responsabilidade nesse desaparecimento.
Depois foram os dois ao Gabinete 123, porque o Dr. FERNANDO FERNANDES quis verificar
presencialmente o sucedido e ver se falava com o Engenheiro AMÁVEL. Este ainda não
tinha chegado quando se retirou para a limpeza de outro piso e acabou por sair nesse dia
sem que tivesse havido notícia dos quadros. Ao que sabe, até ao dia de hoje, os quadros
ainda não apareceram. E mais não sabe.
Fls. 15:
iv) uma certidão de óbito de GERTRUDES GILBERTO, atestando o óbito a 13 de agosto de
2020.
16
Fls. 18-20:
v) um auto de inquirição da testemunha AMÁVEL ANTUNES, presida pelo Magistrado do
Ministério Público titular do Inquérito, datado de 3 de setembro de 2020; perguntado
sobre o desaparecimento dos quadros, disse não se recordar exatamente do dia em que
chegou ao seu Gabinete na Câmara Municipal e não viu os quadros pendurados na
parede, como habitualmente, mas que o situa no início de junho. Que não deu muita
importância ao facto porque é habitual a gestão do património fazer alterações na
exposição da mobília, tendo pensado que poderiam ter sido mudados para outro local e
que ali colocariam outras pinturas. Que não dá grande importância a pintura e daí não
ter relevado muito o desaparecimento dos quadros. Perguntado sobre se alguém os
poderia ter retirado, disse que só lhe vem à memória a empregada da limpeza,
GERTRUDES GILBERTO, que tinha a chave do seu Gabinete e ali ia fora das horas de
expediente fazer a limpeza e sabe-se lá mais o quê, porque passava a vida a mirá-los e a
dizer que eram bem bonitos e valiosos.
27) A fls. 155-160, o Auto de Declarações de Arguido , que tiveram lugar em diligência de
interrogatório de arguido, nos termos do art. 144.º, n.º 1, do CPP, presidida pelo
magistrado do Ministério Público, ocorrido em 2 de dezembro de 2020, na sequência de
notificação que lhe foi endereçada para o efeito.
Foram-lhe comunicados os factos indiciários apurados até esse momento presente
momento e os meios de prova que o sustentam (todos os supra descritos), e feitas as
devidas comunicações, tudo nos termos legais, encontrando-se o arguido devidamente
acompanhado pelo seu Defensor.
Perguntado sobre se desejava prestar declarações sobre os factos que indiciariamente
lhe são imputados, respondeu que apenas deseja esclarecer:
- que tinha os quadros da Câmara Municipal de Cascais em sua casa, no seu escritório,
porque, por força da COVID-19, passou a trabalhar frequentemente em casa e os mesmos
estavam à sua guarda, acompanhando-o no seu trabalho, tal como o estavam no
17
Gabinete da Câmara. Nunca teve qualquer intenção de os fazer seus, tencionando colocá-
los no seu Gabinete da Câmara Municipal assim que a pandemia desaparecesse e voltasse
a trabalhar no seu gabinete na Câmara;
- que a empregada ZAIDA ZENHA ficou muito amiga da sua ex-companheira BELA BENTO
e despediu-se logo no final do mês em que ele terminou a relação; e foi porque ele
terminou a sua relação com a ex-companheira que ambas, conluiadas numa vingança no
feminino, resolveram imputar-lhe factos difamatórios do seu bom nome, pois jamais
recebeu dinheiro a troca de favores que fizesse a quem quer que fosse e já deu ordem
ao seu advogado para apresentar queixa contra elas. Esclarece que tem o hábito de ver
sempre o interior dos cofres dos quartos de hotel onde se instala. A mala Prada e o
relógio Omega, que foram apreendidos nos autos, foram por si encontrados num quarto
de hotel de luxo, em Lisboa, dentro do cofre que tinha a porta apenas encostada, local
onde passou uma noite com uma senhora que se recusa a identificar, bem como o hotel,
por questões éticas. Estava lá ainda um anel com um diamante, que ficou para a senhora.
Ele ficou com estes objetos para vender mais tarde no e-bay, tendo permitido à ex-
companheira BELA BENTO que os usasse, mas nunca lhos deu, o que ela nunca aceitou
de bom grado, porque era e é uma gananciosa.
No mais, negou todos os factos imputados.
E mais não disse por se recusar a responder a outra qualquer questão.
AMÁVEL ANTUNES, arguido nos presentes autos, tendo tido conhecimento o passado dia
8 de dezembro, aquando da diligência de interrogatório de arguido, de vícios capitais de
que enferma o presente processo, vem argui-los junto de V. Exa:
I
18
2) Segundo o depoimento da testemunha ZZ, o arguido entregou-lhe, para queimar, um
saco com papéis, entre os quais se encontravam os referidos dois livros.
3) ZZ, ao que disse, apropriou-se dos referidos cadernos, contra a vontade do seu titular,
aqui arguido, que lhe ordenou que os queimasse, não que os fizesse seus, cometendo
desta feita ZZ um ilícito penal.
4) Sem conceder, porquanto os factos que lhe são imputados e que se fundamentam
nesses meios de prova não correspondem à verdade, esses cadernos consubstanciam
prova proibida nos termos do art. 126.º, n.º 3, do CPP, pois a sua apreensão constitui
uma intromissão na vida privada sem a competente autorização judicial e sem
consentimento do titular.
19
o depoimento de ZZ e este não teria tido lugar sem a apropriação ilícita e violadora da
vida privada do titular do diário.
II
3) Deve assim ser declarada prova proibida a junção do caderno aos autos;
4) Consequentemente, toda a prova obtida a partir da mencionada junção não pode ser
valorada por força da contaminação que sofre, designadamente, a busca judicial, no
decurso da qual foram apreendidos o computador, uma mala Prada, um relógio Omega,
um relógio Patek Philippe e dois quadros.
III
1) Foi incorporado nos autos o Processo de Inquérito com o NUIPC 1112/2020 CSC, no
qual consta a inquirição do arguido como testemunha. Esse Auto de Inquirição não pode
ser valorado no presente processo, porquanto o arguido detém posição processual que
lhe atribui prerrogativas que naqueloutro processo, como testemunha, não tinha. O
arguido invoca, pois, a violação do seu direito de defesa, pugnando pelo
desentranhamento do Processo de Inquérito com o NUIPC 1112/2020.
***
20
Considere que:
• o arguido tem mandatário constituído;
• não foi recolhida qualquer outra prova útil para os autos que contrarie ou coadjuve
a acima descrita;
• não existem outras diligências que pudessem ser realizadas de onde pudessem
resultar efeitos úteis ao esclarecimento dos factos.
pelo arguido, antes de enviar os autos ao juiz de instrução e ainda que entenda que
a decisão final lhe não compete, bem como sobre aquelas que julgue dever tomar
conhecimento ex officio;
2. elabore o despacho de encerramento do inquérito.
*
21
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
1.ª Chamada – Grelha de Correcção
1. O “diário” constitui •
Deve ter-se em consideração o facto de o diário ser 0,9
prova proibida? propriedade de BB que, no seu depoimento, diz conceder
autorização para a sua utilização no processo; um diário é uma
emanação intelectual e subjetiva do “sujeito-autor,” o “Eu”, e a
lei – artigo 32.º, n.º 8, da CRP, e artigo 126.º, n.º 3, do CPP –
protege o direito à reserva da vida privada desse “Eu”, não dos
terceiros por ele percecionados e mencionados, filtrados pela
subjetividade de quem escreve o diário; havendo autorização
do proprietário/titular do direito protegido, a questão da
admissibilidade deste documento não se coloca;
• Sem conceder, deve ainda notar-se que o que releva para o
processo são duas folhas, podendo todas as demais ser
retiradas e devolvidas a BB, o que se poderá promover,
atendendo ao teor da descrição que contêm – relatos da vida
sexual íntima do casal – tendo-se, assim, em consideração a
proteção do direito à reserva da intimidade do visado pelo
diário, o arguido requerente, que nada releva para a matéria
dos autos;
• Sem conceder, entendendo-se que existe um conflito de
direitos entre, a saber, o da reserva da vida íntima e privada do
arguido, terceiro para este efeito (por o documento mesmo
relatar um episódio relativo à sua sexualidade – gosto por
visualização de crianças em poses e exibições de natureza
sexual), e o do interesse da investigação para a prossecução do
Estado de Direito, na ponderação de valores a efetuar pelo JIC
(cfr. Ac. do TC cit. no enunciado), relevará obviamente este
último (atendendo ao teor criminógeno grave das duas páginas
relevantes para a prova), podendo ocultar-se da publicidade os
relatos da vida sexual do arguido (artigo 86.º, n.º 7, do CPP),
como acima se mencionou;
• Deve, portanto, concluir-se que improcede a alegação de que o
diário constitui prova proibida.
2. A prova subsequente Atendendo ao que acabou de se concluir de que inexiste prova 0,5
encontra-se proibida, a prova subsequente não se encontra contaminada,
contaminada? nomeadamente as apreensões de bens que resultaram da busca.
Sem conceder, releva o facto de o depoimento de ZZ relatar um
outro episódio criminoso, o da corrupção, pelo que,
independentemente da junção do diário, a busca, a efetuar
inevitavelmente na sequência dos outros factos em investigação,
com a apreensão do computador, conduziria à mesma prova da
prática do crime de pornografia de menores. Ou seja, haveria
sempre uma exceção ao efeito à distância da prova proibida,
constituída por um conhecimento do mesmo facto por fonte
independente.
3. O “caderno” do Inexiste um facto ilícito de natureza criminal. O facto de ZZ não ter 1
arguido constitui prova queimado o caderno, por nele ter lido “entregas” e “em falta” e o
proibida? ter relacionado com o episódio a que assistira entre AA e C, na
sexta-feira santa, não consubstancia, em especial, um crime de
abuso de confiança (artigo 205.º, n.º 1, do CP). Não existe dolo de
1
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
1.ª Chamada – Grelha de Correcção
2
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
1.ª Chamada – Grelha de Correcção
a) crime de corrupção Breve descrição dos elementos objetivos e subjetivos dos tipos de 2
passiva (artigo 373.º, crime;
n.º 1, e 386.º, nº 1, al. Descrição e apreciação da prova produzida:
a), do CP) • depoimentos de ZZ e BB, ambos relativos ao episódio com C;
e de corrupção ativa • depoimento de BB também quanto às despesas elevadas e
(artigo 374.º, n.º 1, do pagamentos luxuosos sempre em dinheiro;
CP) • caderno com anotações de “entregas” e “faltas”;
• busca e apreensão (mala Prada e os 2 relógios de luxo, Omega
e Patek Philippe, consistentes com o depoimento de BB);
• modo de vida desconforme com rendimento declarado (doc.
salário /2 500 € vs empregada doméstica interna/ 1000 € mês;
estadia Conrad / 8 000 € e refeições luxo, tudo pago sempre em
dinheiro; relógio Patek Phillippe 23 000 €; mala Prada 2 800 €;
relógio Omega 5 000 €, mencionados no depoimento de BB)
• ausência de prova recolhida junto das lojas Prada e Horas de
Luxo, e Hotel Conrad (diligências não confirmam nem infirmam
as suspeitas);
• declarações do arguido (explicações quanto à origem da mala
Prada e do relógio Omega; mera negação dos demais factos
imputados).
Apesar de as explicações do arguido não se afigurarem credíveis,
permanece uma dúvida insolúvel sobre a ocorrência do crime:
impossibilidade de apurar situações em concreto, factos relativos
à solicitação ou aceitação, ao ato a praticar, se conforme ou
desconforme aos deveres do cargo, à vantagem patrimonial, a
imputar ao arguido, que preencham os elementos dos tipos de
crime.
Além de tudo o mais, no que tange à denunciada corrupção ativa,
desconhece-se a identidade do seu autor (o que, mesmo que
existisse prova quanto a A, sempre obrigaria ao arquivamento
quanto a C).
Com a prova existente, existe uma elevada probabilidade de
absolvição de A, caso fosse acusado e julgado.
b) crime de tráfico de Breve descrição dos elementos objetivos e subjetivos dos tipos de 2
influência (artigo 335.º. crime;
n.ºs 1 e 2, do CP) Descrição e apreciação da prova produzida:
• depoimento de BB remetendo para a confidência que lhe foi
feita por AA, relativa ao “parvo”, suportado pela busca com
apreensão do relógio Omega, em conformidade com o relatado
no depoimento
Vs
• declarações do arguido: encontrou o relógio num cofre de um
quarto de Hotel de luxo em Lisboa.
Independentemente da versão de cada um dos intervenientes e
da credibilidade que se lhes conceda, na verdade inexiste
qualquer outro indício factual que em concreto permita
3
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
1.ª Chamada – Grelha de Correcção
c) crime de furto Breve descrição dos elementos objetivos e subjetivos do tipo em 1,25
qualificado (artigos questão, com referência ao valor dos objetos (relógio Omega - 5
203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 000 euros, e mala Prada – 2 800 euros, ambos pelo valor
1, alínea a), e 202.º, al. declarado de aquisição - total 7 800 euros, valor elevado)
a), do CP) Descrição da prova produzida:
• Depoimento de BB, suportado na apreensão dos dois objetos
• Declarações do arguido – encontrou a mala e o relógio no
cofre de um quarto de hotel de luxo em Lisboa
Ainda que se tenha como credível a versão de BB e não a do
arguido, há que considerar que os referidos objetos – de acordo
com BB – foram adquiridos com o dinheiro recebido pelo arguido
pelos “favores” feitos a terceiros por força do exercício das suas
funções. BB bem sabia da proveniência ilícita do dinheiro. Desta
feita, BB não pode ser considerada como uma legítima
proprietária – note-se que a ordem jurídica não consente a forma
de transição de propriedade qua tale foi descrita por BB, pois
tendo os objetos sido adquiridos com dinheiro proveniente de
crime, eles são res extra commercium.
Mala Prada e relógio Quer considerando a versão do arguido quanto à forma de 0,5
Omega aquisição da mala Prada e do relógio Omega (proveniência
confessadamente criminosa, uma vez que declarou que se
apropriou de coisa achada, num hotel de Lisboa, sendo certo que
inexiste queixa para o procedimento criminal, motivo pelo qual o
1
Não se exige nem valora comunicações obrigatórias resultantes de normativos internos do Ministério Público ou de legislação
avulsa, por os mesmos não constarem dos elementos de consulta do concurso.
4
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
1.ª Chamada – Grelha de Correcção
Duas pinturas a óleo Por se ter feito prova da respetiva titularidade do direito de 0,25
propriedade e a manutenção da apreensão não ser relevante para
a prova na acusação, despacho levantando a apreensão e
ordenando a notificação da Câmara Municipal de Cascais para
proceder ao seu levantamento no prazo máximo de 60 dias, findo
o qual, se não o fizesse, se consideram perdidos a favor do Estado
as duas pinturas, uma de António Areal e outra de António Palolo,
apreendidas nos autos – artigo 186.º, n.ºs 1 e 3, do CPP.
5
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
1.ª Chamada – Grelha de Correcção
2
Não se exige nem valora comunicações obrigatórias resultantes de normativos internos do Ministério Público ou de legislação
avulsa, por os mesmos não constarem dos elementos de consulta do concurso.
6
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
1.ª Chamada – Grelha de Correcção
7
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção
1. Questões prévias
1.1 Validação da detenção e Arts. 254.º, n.º 2; 257.º, n.º 2, als. a), b) e c); 0,30
apresentação tempestiva ao 259.º, 202.º, n.º 1, als. a) e b), ex vi do art. 1.º,
JIC para 1.º interrogatório de als. d) e f), e arts. 131.º e 132.º do CP.
arguido detido
1.2 Nulidades arguidas
1.2.1. acesso aos registos de Regra geral – artigo 167.º, n.º 1, do CPP: As 1,30
imagem do supermercado reproduções fotográficas, cinematográficas,
fonográficas ou por meio de processo eletrónico
e, de um modo geral, quaisquer reproduções
mecânicas só valem como prova dos factos ou
coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos
termos da lei penal. Só haverá proibição de
prova no caso de a ilicitude resultar de violação
da lei penal (incluindo a extravagante).
2. Despacho de aplicação de
medida de coacção
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção
seguintes crimes:
referido perigo.
Perigo de Continuação da atividade criminosa.
Ainda que mais atenuado do que o perigo
antecedente, entende-se ainda verificado, em
concreto, um perigo de continuação da atividade
criminosa atentas as notas de personalidade
evidenciadas e já referidas e, bem assim, a
natureza insólita e inesperada da atuação ilícita
das arguidas, bem como os contornos irracionais
e macabros da respetiva atuação, o que confere
uma nota de imprevisibilidade ao juízo de
prognose a efetuar quanto à futura conduta das
mesmas uma vez em liberdade.
Perigo de Fuga
As referidas notas de personalidade espelhadas
nos atos indiciados, uma vez associadas às
pesadas penas de prisão em abstrato aplicáveis
aos crimes a que se reconduzem, bem como os
sentimentos de antissocialidade e de
embotamento emocional evidenciado nos atos
praticados, são de molde a não permitir
considerar que a aparente inserção familiar e
laboral das arguidas se revele um contrapeso
suficiente para neutralizar na íntegra um perigo
de fuga em concreto verificado, ainda que de
forma não muito intensa. A tal conclusão não
obsta a atuação de aparente colaboração da
arguida FF, a qual só se verificou num momento
avançado das investigações e após o confronto
com as aquisições de prova realizadas em sede
de busca domiciliária.
Grave Perturbação da Ordem pública
Tal perigo não deve ser associado de forma
automática a formas mais graves de
criminalidade ou à ressonância que um dado
crime haja tido ante a comunicação social
(Germano Marques da Silva, 2002, p.269). Trata-
se se um perigo cuja concretização se revela
difícil de efetuar dada a natureza da cláusula
geral usada pelo legislador e a dificuldade de
delimitar o seu âmbito ante o princípio da
legalidade que rege a aplicação das medidas de
coação; por outro lado, as medidas de coação,
designadamente a prisão preventiva, não podem
ser utilizadas para antecipar a condenação ou
fins de prevenção geral e especial próprios das
penas. Só pode tal perigo ser ancorado em
factos que evidenciem um perigo concreto de
perturbação ou de intranquilidade pública, o
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção
1.ª CHAMADA
DESIGNADA)
0
PROVA ESCRITA DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via Académica – 1.ª Chamada – 15 de fevereiro de 2020
2 – Cotações:
- Caso I (8 valores):
- A (2,5 valores)
- B (5,5 valores)
- Caso II (7 valores):
- A (1,5 valores)
- B (5,5 valores)
1
5 – As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a
grafia do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (aprovado pela Resolução da
Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente
no quadro “Observações” da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
“Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade”, sendo a
prova corrigida nesse pressuposto.
6 – Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até
um máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º
20807/2019, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 251, de 31 de
dezembro).
2
Caso I
(8 valores)
Ao celebrar tal contrato promessa, Amílcar tinha intenção de ir residir com Beatriz, sua filha
maior e com quem coabitava, para a moradia referida.
Amílcar combinou então com Beatriz, que aceitou de imediato, que fosse esta a outorgar a
escritura como compradora, o que faria em proveito do pai, devido à referida ausência por
motivos profissionais.
Em seguida, Amílcar transmitiu à sociedade Trocas por Trocos, Lda. que seria a sua filha a
outorgar a escritura, no que a aludida sociedade assentiu.
Todas as despesas originadas pelo negócio foram suportadas em exclusivo por Amílcar.
3
Cerca de três meses depois, aproveitando as frequentes ausências do pai, Beatriz iniciou
diligências para vender a moradia, tendo até publicitado a venda em anúncio de jornal e em
sítios da internet.
Desde a realização da escritura, Amílcar solicitou por diversas vezes a Beatriz a transmissão da
propriedade do imóvel, mas esta sempre recusou fazê-lo.
B) Amílcar, como considera que a propriedade da moradia deve ser transmitida para o seu
nome, pediu, em ação instaurada contra Beatriz, que “o tribunal profira sentença,
declarando transmitida para a sua esfera jurídica a propriedade da referida moradia ou,
subsidiariamente, que a Ré seja condenada a transferir para o Autor a propriedade da
moradia, pagando-lhe, por cada dia de atraso, a título de sanção pecuniária compulsória,
a quantia de 300 Euros”.
Analise a viabilidade de cada um dos pedidos formulados por Amílcar, tendo em
consideração os elementos de facto disponíveis.
(5,5 valores)
4
Caso II
(7 valores)
A sociedade Pronto a Comer, Lda., com o objeto social de confeção e distribuição de refeições
ao domicílio, contraiu, no exercício da sua atividade, em 02.01.2002, com o Banco Dinheiro a
Rodos, S.A. um empréstimo destinado à aquisição de equipamento, no valor de 15.000 euros.
José e Augusto eram, nessa data, os únicos sócios e gerentes da sociedade Pronto a Comer,
Lda.
Para garantia do empréstimo foi subscrita, pela referida sociedade, uma livrança que ficou por
preencher no que respeita ao seu valor e data de vencimento.
Em 15.08.2005, o sócio José cedeu a Maria a sua participação social na sociedade Pronto a
Comer, Lda., e renunciou à gerência da sociedade, sendo o ato de renúncia registado em
17.08.2005.
No dia seguinte, José comunicou esses factos, por escrito, ao Banco Dinheiro a Rodos, S.A.,
mencionando ainda, nesta comunicação, que se considerava “exonerado das
responsabilidades contraídas em nome da sociedade para com o vosso Banco”, uma vez que,
no contrato de cessão de quotas, Maria declarara “… desonerá-lo de todas as obrigações
assumidas para com a sociedade”.
A partir da data da cessão, José deixou de ter qualquer relação com a sociedade Pronto a
Comer, Lda.
5
O Banco instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa contra a sociedade Pronto
a Comer, Lda., José e Augusto, com base na livrança supra referida.
Enquadrando
Pretendendojuridicamente os meios
José opor-se com base de
nosdefesa
factosapresentados por
descritos, e no Dora
que a sierespeita,
por Alberto,
à pretensão
aprecie fundamentadamente as posições de
do Banco Dinheiro a Rodos, S.A.:
(4 valores)
6
Caso III
(5 valores)
Numa manhã de sábado, Marco, um jovem de 25 anos, dirigia-se no seu motociclo à praia da
Costa Nova, para se encontrar com uns amigos com quem tinha combinado um jogo de
voleibol. Quase à chegada, foi abalroado violentamente por um jipe cujo condutor
desrespeitou a obrigação de parar imposta por sinalização luminosa em perfeitas condições, e
que apresentava no momento a luz vermelha acesa. O condutor do jipe encontrava-se nesse
momento a circular distraído e desatento, porquanto enviava uma mensagem de texto pelo
seu telemóvel.
Na sequência da situação descrita, Marco sofreu lesões, e ficou acamado, com fortes dores.
Madalena, companheira com quem este vivia há cerca de sete anos, providenciou pela sua
alimentação, higiene e pela administração de analgésicos, já que Marco se encontrava
impossibilitado de o fazer por si. Para tanto, Madalena, proprietária de uma boutique na qual
trabalhava como única caixeira, encerrou este estabelecimento durante oito dias úteis.
Durante todo o tempo que permaneceu à cabeceira de Marco, Madalena sentiu uma intensa
angústia (da qual tentava que ele não se apercebesse), ao observar quer os extensos
hematomas que apresentavam a face e o tronco do seu companheiro, quer as dores físicas que
este manifestava ao mais pequeno gesto, e temendo que ele - que era anteriormente saudável
e desportista - viesse a ficar com marcas físicas e psicológicas permanentes e deixasse de
poder praticar o seu passatempo preferido, o parapente.
Com base nestes factos, Madalena pretende intentar, contra o condutor do jipe e contra a
companhia de seguros com a qual havia sido celebrado contrato de seguro obrigatório de
responsabilidade civil automóvel relativo à circulação do jipe, uma ação para obter
ressarcimento dos danos que sofreu.
(5 valores)
7
36.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
*
Via Académica
Grelha de correção
As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para cada uma
das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.
Caso I 8 valores
Questão A 2,50 valores
Questão B 5,50 valores
Caso II 7 valores
Questão A 1,50 valores
Questão B 5,50 valores
QUESTÃO A - 2,50
QUESTÃO B - 5,50
QUESTÃO • Qualificar o acordo celebrado entre Amílcar e Beatriz como contrato de mandato sem
A representação, previsto nas disposições conjugadas dos artigos 1157.º e 1180.º e segs.
do Código Civil.
QUESTÃO • Considerar que, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 1181.º do Código Civil, o
B mandatário sem representação é obrigado a transferir para o mandante os direitos
adquiridos em execução do mandato, enquadrando, nesse seguimento, a obrigação de
Beatriz de transferir a propriedade sobre a moradia para o mandante Amílcar.
• Eventual pronúncia sobre a posição de apenas ser possível a Amílcar, face à natureza
da prestação em falta, exigir uma indemnização pelo incumprimento do contrato, nos
termos gerais do art.º 798º do Código Civil.
QUESTÃO A – 1,50
QUESTÃO B – 5,50
• Identificar como meio processual ao dispor do executado José a oposição à execução
QUESTÃO mediante embargos, a deduzir no prazo de 20 dias a partir do ato de citação (artigos
A 728º n.º 1/856.º, n.º1 do Cód. Proc. Civil, dependendo do valor inscrito pelo Banco na
livrança).
• Referir a necessidade de alegação de fundamentos de oposição nos termos do art.º
731º do Cód. Proc. Civil.
• Identificar o título como livrança em branco (artigos 75º e 77º da Lei Uniforme Relativa
QUESTÃO às Letras e Livranças – LULL).
B • Definir e caracterizar o aval como negócio jurídico cambiário.
• Referir os efeitos do aval (art.ºs 30º e 32º, aplicáveis por via do art.º 77º, todos da
LULL).
• Qualificar como união de facto a situação jurídica de Marco e Madalena – artigo 1º, n.º
2 da Lei 7/2001 de 11 de maio.
• Identificar como parte legítima para ser demandada por Madalena apenas a
seguradora, considerado o valor estimável, face aos dados disponíveis na hipótese, dos
danos cujo ressarcimento se pretende e o disposto nos artigos 64º n.º 1, alínea a), e
12º, nºs 3 e 4 do Decreto – Lei n.º 291/2007 de 21 de agosto, e Comunicação da
Comissão Europeia 2016/C 2010/01, publicada no JOUE de 11 de junho de 2016.
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via Académica
2.ª CHAMADA
2 – Cotações:
- Caso I (7 valores):
- A - 5 valores
- B - 2 valores
- Caso II (8 valores):
- A - 5 valores
- Ba) - 1 valor
Bb) - 2 valores
6 – Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até
um máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º
20807/2019, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 251, de 31 de
dezembro).
(7 valores):
Álvaro instaurou em 3/02/2020 uma ação judicial contra Carvende, Lda., pedindo a
devolução do dinheiro que pagou e uma indemnização pelos danos que sofreu,
propondo-se devolver o veículo.
A Ré contestou, sustentando que, atento o lapso de tempo decorrido, já não assistia
a Álvaro qualquer direito. Alegou ainda que, mesmo que se assim não se entendesse,
sempre deveria o tribunal determinar a reparação dos defeitos da viatura ou a
redução do preço de aquisição da mesma e não o peticionado por Álvaro.
(8 valores)
5 valores
Dionísio, agricultor, circulava numa estrada municipal numa zona rural, numa carroça
puxada por uma mula, Daisy, da qual era proprietário.
Subitamente, um veículo automóvel que seguia no sentido contrário, conduzido por
Zacarias, a velocidade muito superior à permitida no local, despistou-se ao descrever
uma curva, e invadiu parte da hemifaixa contrária ao seu sentido de marcha, na qual
seguia Dionísio na sua carroça. Nessa sequência, o veículo embateu violentamente na
mula, que ficou ferida na coxa traseira esquerda, assustando-se. Apesar de se
encontrar devidamente atrelado à carroça, o animal soltou-se então da mesma e
correu em alvoroço pela estrada fora, sem que Dionísio pudesse imobilizá-lo ou
alcançá-lo.
Em consequência deste episódio, a mula foi submetida a intervenção cirúrgica e
tratamentos veterinários, no que Dionísio gastou 780 euros.
Daisy, o único equídeo da pequena exploração de Dionísio, que era um animal dócil e
muito resistente, e que acompanhava todos os dias o seu dono na solitária realização
por este de trabalhos agrícolas, nos últimos dez anos, sendo cuidado de forma
extremosa, tornou-se depois do sucedido um animal assustadiço, deixou de obedecer
às indicações de Dionísio, passou a coxear de forma permanente, e a manifestar sinais
de dores ao locomover-se.
Assim, não mais pôde ser utilizada para puxar a carroça, pelo que, passados três
meses, Dionísio acabou por adquirir uma outra mula, mas não se desfez de Daisy.
Dionísio passou, pois, a gastar valor superior com a alimentação dos animais.
Dionísio experimentou intensa dor psicológica ao ver Daisy limitada na marcha e a
sofrer com dores, quer nos momentos que se seguiram ao embate, quer na sequência
dos tratamentos a que foi submetida.
Dionísio pretende intentar uma ação em Tribunal para se ressarcir dos danos que
sofreu.
Identifique e qualifique juridicamente os danos sofridos por Dionísio, e pronuncie-se
acerca da viabilidade do respetivo ressarcimento.
(5 valores)
36.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via Académica
Grelha de correção
As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para cada uma
das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.
Caso I 7 valores
Questão A 5 valores
Questão B 2 valores
Caso II 8 valores
Questão A 5 valores
Questão B a) 1 valor
Questão B b) 2 valores
QUESTÃO A – 5,00
QUESTÃO B - 2,00
• Qualificar o contrato celebrado como compra e venda de bem de consumo (art.º 1º-B
QUESTÃO b) do DL 67/2003 de 08/04 com as alterações introduzidas pelo DL nº 84/2008 de
A 21/05), celebrado entre um consumidor (art.º 1º-B a) do DL 67/2003) e um
profissional/vendedor (art.º 1º-B c) do DL 67/2003 e 2º, nº 1 da Lei de Defesa do
Consumidor – Lei nº 24/96 de 31/07).
• Indicar como aplicável o regime jurídico específico da venda de bens de consumo, nos
termos do art.º 1º-A, nº 1 do DL nº 67/2003, em conjugação com a Lei de Defesa do
Consumidor.
• Concluir que só a partir de 26/06/2018 é que começou a contar o prazo de dois anos
para o Autor intentar a ação de resolução do contrato celebrado – art.º 5º-A, nº 3 e 4
do DL 67/2003 (o prazo para o exercício dos direitos suspende-se durante o período
em que o consumidor estiver privado do uso dos bens, com o objetivo de realização
das operações de reparação). Pelo que deverá ser julgada improcedente a exceção
perentória de caducidade invocada pela Ré.
• Concluir que, ainda que se entenda que o consumidor tem o poder-dever de seguir
preferencialmente a via da reparação/substituição da coisa, sempre que possível e
proporcionada, em nome da conservação do negócio jurídico; o facto de a Ré, por
longos meses, ter tentado, sem sucesso, proceder à reparação dos defeitos, sendo
certo que os vícios apontados são vários, alguns deles graves, encontrando-se a viatura
impossibilitada de circular em segurança, assiste ao Autor o direito à resolução do
contrato celebrado (vícios que transcendem o desgaste normal de um veículo com as
caraterísticas da viatura transacionada). Não existe qualquer impossibilidade do meio
utilizado nem a pretendida resolução do contrato colide com o princípio da boa-fé
processual ou se traduz em abuso de direito. Pelo que deve ser julgada improcedente
a impugnação da Ré.
• Referir que Álvaro tem direito à indemnização dos danos patrimoniais (pagamento do
estacionamento) e não patrimoniais (graves transtornos) resultantes do fornecimento
do bem defeituoso - art.º 12º, nº 1 da LDC e 496º, nº 1 do Código Civil.
- Trata-se de responsabilidade contratual, sendo aplicáveis os artigos 798º, 799º e
563º do Código Civil.
- Presume-se a culpa da Ré, nos termos do art.º 799º, nº 1 do Código Civil resultante
do cumprimento defeituoso do contrato; presunção que não foi ilidida.
Caso II
COTAÇÃO PARCELAR (até 8,00)
QUESTÃO A – 5,00
QUESTÃO B a) – 1,00
QUESTÃO B b) – 2,00
• Referir quanto aos bens já vendidos que, considerando o valor do crédito, a credora
poderá intentar ação declarativa com processo comum contra a Transportes Sul e Mar,
Lda. pedindo, a final, a declaração de ineficácia da venda (ação de impugnação
pauliana), relativamente àquela, na medida do seu interesse, verificando-se os
requisitos para o efeito previstos no art.º 610º do Código Civil.
• Acresce ainda a necessidade da prova da má-fé do devedor Transportes Sul e Mar, Lda.
e da sociedade Rebelde nos Pneus, Lda., (má-fé bilateral) sendo o ato de compra e
venda oneroso (artigo 612.º do Código Civil). Avaliar a suficiência dos elementos de
facto disponibilizados para preenchimento do conceito de má fé.
QUESTÃO • Indicação como sujeitos passivos das sociedades Transportes Sul e Mar, Lda. e Rebelde
B b) nos Pneus, Lda.
• No que respeita à sociedade Transportes Sul e Mar, Lda. o arresto funda-se no receio
de perda da garantia patrimonial do crédito do credor Camiões de Transportes, Lda.,
consubstanciado na alegação de:
- Constituição de outra sociedade pelos únicos sócios da sociedade Transportes Sul e
Mar, Lda.;
- Na venda de parte do seu património e na promessa de venda do ativo restante da
sociedade;
- Nos factos de a sociedade Rebelde nos Pneus, Lda. se encontrar a utilizar os bens
referidos, desde a data em que foi constituída; laborar no local da sede da anterior
sociedade e os seus trabalhadores serem os mesmos da sociedade Transportes Sul e
Mar, Lda. (artºs 391º, n.º 1 e 392º, n.º 1 ambos do Cód. Proc. Civil).
• Referência ainda a que o credor teria de deduzir factos que tornem provável a
procedência da impugnação da aquisição do bens da sociedade Transportes Sul e Mar,
Lda. por parte da sociedade Rebelde nos Pneus Lda. (art.º 392º, n.º 2 Cód. Proc. Civil,
619º, n.º 2 Código Civil).
Caso III
COTAÇÃO PARCELAR (até 5,00)
• Identificação da mula como um ser vivo com estatuto próprio (art.º 201º B do Código
Civil) sobre o qual incide o direito de propriedade de Dionísio, sujeito ao regime
previsto nos artºs 1302º, n.º 2 e 1305º-A do Código Civil.
• Exclusão de uma ponderação de culpa do lesado (artigo 570.º do Código Civil), face às
características do animal e ao modo como se encontrava atrelado.
1.ª CHAMADA
DESIGNADA)
0
PROVA ESCRITA DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
Via Académica – 1.ª Chamada – 22 de fevereiro de 2020
2 – Cotações:
- Grupo I (13 valores):
- Grupo II (7 valores):
- II.A (3,5 valores)
- II.B (3,5 valores).
2
Grupo I
(13 valores)
Com o passar dos anos, BELMIRA, frustrada com a sua situação, começou a tornar-se
agressiva e a vociferar dirigindo a CARLA as seguintes frases: "Puta! Vaca! Tu em mim não tocas
mais sua nojenta!".
ANTÓNIO tinha pena de BELMIRA e não a queria abandonar à sua sorte, mas CARLA, de
dia para dia, acalentava o sonho de uma vida a sós com ANTÓNIO, longe de BELMIRA.
No início do ano de 2019, ANTÓNIO foi despedido do seu emprego e, para fazer face às
despesas, contraiu diversos créditos pessoais.
ANTÓNIO, a princípio, mostrou-se reticente, mas, após tantas insistências por parte de
CARLA, acabou por aceitar a ideia desta.
O que ANTÓNIO não sabia é que CARLA tinha decidido aproveitar a encenação do assalto
para se ver livre de BELMIRA e, assim, poder ser feliz com ANTÓNIO.
Dias antes, ANTÓNIO e CARLA tinham simulado a aquisição desses objetos nos seguintes
moldes: deslocavam-se às lojas, adquiriam os bens, pagando com cartão de crédito e
solicitavam fatura e, no próprio dia, ou dias após, deslocavam-se novamente aos
estabelecimentos entregando os bens e solicitando a devolução dos valores e anulação das
operações efetuadas, mantendo-se, porém, na posse das faturas.
Quanto à parte do plano de fingir o assalto, foi CARLA a tratar de tudo com DANY e
ERNESTO, dois conhecidos meliantes, os quais, mediante o pagamento imediato de € 2.000
(dois mil euros) aceitaram encenar o assalto e matar BELMIRA. CARLA entregou-lhes os € 2.000,
em numerário, dando ainda instruções de que deveriam executar o plano na semana seguinte,
na sexta-feira, às 22h, referindo que deixaria a porta entreaberta e dizendo-lhes ainda "Vai ser
fácil! Ela está numa cadeira de rodas."
CARLA, porém, esqueceu-se que tinha combinado um encontro nesse dia com uma
amiga, JOANA, a qual, ao chegar à residência pelas 21h00, e ao ver a porta entreaberta, como já
era hábito, entrou e sentou-se no sofá, acabando por adormecer. Ao verem a porta aberta,
DANY e ERNESTO entraram e, vendo de perfil uma mulher adormecida que pensaram tratar-se
de BELMIRA, pois a cadeira de rodas estava ao lado do sofá, aproximaram-se por trás e,
enquanto ERNESTO agarrava na mulher, DANY, colocando uma almofada sobre a face de JOANA,
asfixiou-a, provocando-lhe a morte. Em seguida, os dois homens partiram o vidro da janela da
sala e remexeram a casa toda, abriram gavetas e atiraram o seu conteúdo para o chão.
Quando se dirigiam para o 1º andar, ouviram uma mulher a gritar por socorro e, assustados,
4
fugiram de imediato.
FILIPE, ao ver que a janela através da qual supostamente os assaltantes tinham entrado
se apresentava com um vidro partido, mas que só existiam pedaços de vidro no chão no
exterior da residência, logo suspeitou que não tinha havido qualquer assalto.
ANTÓNIO, receoso que BELMIRA viesse a saber do seu envolvimento com CARLA e de ser
preso pela encenação do assalto, acedeu ao pedido de FILIPE e entregou-lhe de imediato tal
quantia.
Ainda nesse dia, FILIPE, ao elaborar o auto de exame ao local, omitiu do documento a
parte de que só tinha visto vidros no exterior da residência, lavrando ainda o auto de denúncia
que foi subscrito por ANTÓNIO e CARLA, onde, no fim, manifestaram o seu desejo de
procedimento criminal contra desconhecidos quanto ao furto, indicando como bens retirados
um computador, no valor de € 1.643,99; um par de óculos de ciclismo, no valor de € 300; uma
máquina de café, no valor de € 615,01; uma aparelhagem, no valor de € 1499; um Home
Cinema e leitor DVD, no valor de € 3.000; um televisor LCD 8K, no valor de € 3.950; duas
bicicletas, no valor de € 16.000 cada, e ouro, no valor de € 19.487.
5
Fundamentadamente, aprecie a eventual responsabilidade criminal de cada uma das pessoas
supra identificadas, todas elas maiores de 16 anos de idade.
(13 valores)
6
Grupo II
(7 valores)
A - No decurso do Julgamento em que ANTÓNIO e CARLA são arguidos, BELMIRA é indicada como
testemunha pelo Ministério Público.
Após a sua identificação e devidamente advertida nos termos do artigo 134.º, n.º 1, alínea a),
do Código de Processo Penal, BELMIRA afirma querer prestar depoimento. Seguidamente foi
informada sobre os deveres que incumbem à testemunha, designadamente, sobre aqueles a
que alude o artigo 132.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do Código de Processo Penal.
Após BELMIRA ter prestado juramento, o Ministério Público procedeu à sua inquirição, mas, no
momento em que é dada a palavra ao defensor de ANTÓNIO, BELMIRA diz que mudou de ideias
e que afinal se quer recusar a depor, tendo sido dispensada, nesse momento, pelo Tribunal.
(3,5 valores)
7
36.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO
GRUPO I
Ainda nesse dia, FILIPE ao elaborar o auto FILIPE pratica um crime de falsificação 1 valor
de exame ao local omitiu do documento praticada por funcionário, p. e p. pelo
a parte de que só tinha visto vidros no artigo 257.º, alínea a), do Código Penal.
6. exterior da residência. - artigo 99.º do Código de Processo Penal:
"o auto é o instrumento destinado a fazer
fé quanto aos termos em que se
desenrolaram os actos processuais a cuja
documentação a a lei obrigar e aos quais
tiver assistido quem o redige (...)."
Nos casos do artigo 257º, ao contrário do
que sucede no artigo 256º, estamos
perante "um caso de atestação falsa por
omissão de um facto." Há uma omissão de
narração "o que justifica a autonomização
desta conduta, uma vez que de outra
forma (e tendo em conta a noção do artigo
255º) não preencheria os requisitos
exigidos pela noção de documento,
particulamente no que concerne à
exigência de se tratar de uma declaração
de facto juridicamente relevante, não
sendo pois possível falar em crime de
falsificação de documentos." (HELENA
MONIZ, Comentário Conimbricense..., T. II,
p. 697);
- FILIPE é funcionário – v. artigo 386.º -,
estava no exercício de funções e dentro da
sua esfera de competência;
- actua ainda com intenção de obter para si
"benefício ilegítimo".
(...) lavrando ainda o auto de denúncia ANTÓNIO e CARLA cometem em co-autoria 1 valor
que foi subscrito por ANTÓNIO e CARLA um crime de simulação de crime, p. e p.
que no fim declararam manifestar o seu pelo artigo 366º do Código Penal, pois
desejo de procedimento criminal contra denunciaram, sem imputar a pessoa
desconhecidos quanto ao furto, determinada, crime sabendo que ele não
indicando como bens retirados um se verificou.
computador, no valor de € 1.643,99; um DANY e ERNESTO não são responsáveis pelo
7. par de óculos de ciclismo, no valor de € crime de simulação de crime, pois
300,00; uma máquina de café, no valor desconhecem por que motivo foi encenado
de € 615,01; uma aparelhagem, no valor o crime de furto, não se preenchendo
de € € 1499,00; um Home Cinema e leitor assim o tipo subjectivo de ilícito.
DVD, no valor de € 3.000,00; um plasma,
no valor de € 3.950,00; duas bicicletas, no
valor de € 16.000,00 cada uma e ouro, no
valor de € 19.487,00.
Após, e conforme tinha combinado com ANTÓNIO e CARLA cometem como co 1 valor
CARLA, ANTÓNIO denunciou também junto autores um crime de burla qualificada, p. e
da seguradora que durante o assalto p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2,
tinha sido levado da sua residência (...) al. a), do Código Penal, por referência ao
8. após o que accionou o seguro, tendo artigo 202.º, alínea b).
recebido da Companhia de Seguros V. Acórdão do STJ de 24 de Abril de 2019,
Sempre Consigo no seu Infortúnio, S.A. a sobre a relação de concurso entre o crime
respectiva indemnização no valor de € de burla e o de simulação de crime.
62.495,00.
A conduta não integra a prática de crime
burla relativa a seguros (p. e p. pelo artigo
219.º, n.º 1, alínea a), e n.º 4, alínea b), por
referência ao artigo 202.º, alínea b), todos
do Código Penal), pois não integra
nenhuma das modalidades de conduta das
alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 219.º.
Acresce que o que sucede na hipótese é
que a seguradora foi induzida em erro
sobre a verificação dos pressupostos da
apólice, na medida em que existe uma
desconformidade entre a situação
supostamente ocorrida, não só ao nível da
ocorrência do furto, como e,
principalmente, quanto à existência dos
bens dados como furtados. Ou seja, nos
casos de "realização «fictícia» da situação
coberta pelo seguro a conduta do agente
preenche o crime de burla do 217.º do
Código Penal e não o crime de burla
relativa a seguros do artigo 219.º do
Código Penal.
Sobre esta questão v. Comentário
Conimbricense, Tomo II, p. 316.
GRUPO II
§ 4. Este Acórdão tem voto de vencido de COSTA ANDRADE que entende que é um
acto que devia estar sujeito a reserva de juiz, porquanto colide com o direito de
propriedade. Tal posição já tinha sido sustentada também por este autor em "Da
apreensão enquanto garantia processual de perda de vantagens do crime", in Revista
de Legislação e Jurisprudência, Ano 146, n.º 4005, Julho-Agosto 2017, p. 360.
Centro de Estudos Judiciários
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via Académica
Grelha de correção
As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para cada uma
das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.
Caso I- a
1ª Questão 1,50 valores
2ª Questão 2,50 valores
3ª Questão 6 valores
Caso I - b 4 valores
Caso II
1ª Questão 1,50 valores
2ª Questão 4,50 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)
1ª QUESTÃO – 1,50
2ª QUESTÃO - 2,50
3ª QUESTÃO – 6
1ª QUESTÃO – 1,50
2ª QUESTÃO - 4,50
1ª ➢ Referir que no âmbito da execução para pagamento de quantia certa com forma de
QUESTÃO processo sumário, face ao tipo de título executivo (artigos 550.º, n.º 2, al. d), e 703.º,
n.º 1, al. c) do CPC), o meio processual adequado é o da oposição por embargos de
executado (artigos 728.º e 731.º do CPC).
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via Académica
Grelha de correção
As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para cada uma
das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.
Caso I
1ª Questão 3 valores
2ª Questão 3,50 valores
3ª Questão 1,50 valores
Caso II
1ª Questão 2 valores
2ª Questão 4 valores
Caso III
1ª Questão 2 valores
2ª Questão 4 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)
1ª QUESTÃO - 3,00
2ª QUESTÃO - 3,50
3ª QUESTÃO – 1,50
1ª QUESTÃO - 2,00
2ª QUESTÃO - 4,00
Caraterizar a conta em apreço como sendo uma conta coletiva solidária, com indicação
da distinção, na referida conta, da titularidade da conta e da propriedade dos fundos.
Mencionar ainda, no que respeita à titularidade do saldo, a presunção ilidível de
solidariedade prevista no art.º 516º do C.C. e a distinção entre as relações banco/cliente e
as relações internas estabelecidas entre os titulares da conta, existindo, no caso, a
indicação de que, não obstante os titulares da conta fossem Alexandre e Benedita, a
titularidade dos fundos da referida conta seria apenas de Alexandre, sendo, no entanto, a
movimentação da conta feita por Benedita.
Justificar estas pretensões com referência, no caso concreto, à titularidade dos fundos
da conta por Alexandre, que faleceu, sendo que, com a abertura da sucessão com a sua
morte, surgem como únicas herdeiras do falecido as suas filhas Benedita e Clara (art.ºs
2024º, 2031º, 2032º e 2133º n.º 1 al. a) C.C.).
1ª QUESTÃO - 2,00
2ª QUESTÃO - 4,00
1.ª CHAMADA
DESIGNADA)
2 – Cotações:
- Grupo A (13 valores)
- Grupo B (7 valores)
1 – 3 valores
2 – 4 valores
(13 valores)
(13 valores)
GRUPO B
(7 valores)
-1-
(3 valores)
MARIA, mãe de BERTA, após a sua filha ter sido levada, dirigiu-se logo
à Polícia Judiciária dando conta do sucedido.
Ao ouvirem esta frase, como ANTÓNIO era o único cliente que ali se
encontrava e a sua fisionomia coincidia com a descrição que MARIA tinha
feito, os Inspetores da Polícia Judiciária solicitaram a ANTÓNIO que se
identificasse. ANTÓNIO retirou da sua carteira o seu cartão de cidadão e
atirou-o na direção de um dos Inspetores, ao mesmo tempo que começou
a correr para a porta do café.
ANTÓNIO, porém, não conseguiu fugir pois foi impedido por DANIEL,
dono do café, que se encontrava à porta.
(3 valores)
2-.
(4 valores)
-2-
(4 valores)
GRUPO A
(13 VALORES)
1
artigos 212º, n.º 1 e 213º, n.º 1, alínea a) do
Código Penal, será inferior.
2
semiautomática de pequenas p. pelos artigos 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º
dimensões, de calibre 6,35 mm 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência aos
Browning e para a qual não tinha artigos 2.º, n.º 1, alíneas p), q) e ae), e 3.º, n.º
licença de uso e porte de arma. 3, do mesmo diploma, pois tem na sua posse 0,5
uma arma para a qual não tem licença de uso
e porte.
CONCURSO
DE CRIMES
3
concreto.
5. MARIA ainda tentou impedir que I. ANTÓNIO comete um crime de coacção, p.
os dois homens levassem a sua e p. pelo artigo 154.º, n.º 1 do Código Penal,
filha, mas ANTÓNIO apontando- agravado pelo 86.º, n.º 3 da Lei das Armas.
lhe a pistola disse "Sai daqui sua a) O apontar de arma configura uso de
puta ordinária, que isto não é violência;
nada contigo e ainda lhe dou um b) A frase proferida “… ainda lhe dou um
tiro nos miolos!" tiro…” constitui ameaça com mal importante
e,
c) A conduta é apta a constranger MARIA a
uma omissão – nada fazer para impedir os 1,25
dois homens de levar a sua filha.
4
obrigou-a a sair da viatura e, com Na medida em que o porte de arma é já
a pistola pressionada sobre as elemento da qualificação do crime de roubo, 1
costas de BERTA dirigiu-se para o não há lugar à agravação do artigo 86º, n.º 3
terminal multibanco, no alcance da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.
de visão de CARLOS, onde lhe
ordenou "Levanta € 400!", ordem
que BERTA com receio pela sua
vida acatou.
7. CARLOS, que desconhecia que I. Esta actuação de subtrair dinheiro a
ANTÓNIO pretendia subtrair a BERTA, não fazia parte do plano entre
BERTA dinheiro (...) ANTÓNIO e CARLOS, o que configura uma
situação de excesso de acção que não pode 0,5
ser considerada abrangida pelo plano inicial
(e isto mesmo quando CARLOS aceita os €
300 que lhe são entregues por ANTÓNIO)
facto que impede a imputação a CARLOS do
referido crime.
8. … Mas que tinha observado a I. CARLOS, ao receber os €350 que lhe eram
forma como António obtivera tal entregues e conhecedor da respectiva
quantia, limitou-se a guardá-la no proveniência comete como autor imediato um
bolso dizendo apenas “Obrigado”. crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º,
n.º 1 do Código Penal.
a) ANTÓNIO pratica um crime contra
o património – crime de roubo – e CARLOS,
ao aceitar o dinheiro, sabia que este provinha
da prática desse crime já que assistiu aos 0,85
factos que permitiram a ANTÓNIO obtê-lo;
b) Agiu CARLOS com intenção de
obter para si vantagem patrimonial pois, se se
pode afirmar que os €300 eram o valor
acordado entre si e ANTÓNIO pela paga dos
seus serviços, o mesmo não se pode dizer em
relação ao excedente dos €50 que recebeu
como bónus;
c) Ao receber o dinheiro CARLOS
assegura para si a posse do mesmo.
5
9. Acesso ao terreno Não decorrendo da hipótese factos que
permitam concluir que o terreno se
encontrava vedado, impede que se possa
imputar a prática do crime de introdução em
lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo
191º do Código Penal.
10. “… e ao mesmo tempo desferia I. ANTÒNIO comete um crime de ofensa à
pancadas pelo corpo de BERTA integridade física qualificada, p. e p. pelo
com a pistola que transportava na artigo 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, alínea a) e VALORAÇÃO
mão direita, atingindo-a na cabeça n.º 2, com referência às alíneas b), e) e l) GLOBAL NO
CONCURSO
DE CRIMES
DE CRIMES
6
privação da liberdade.
11. ANTÓNIO verificando que I. ANTÓNIO é autor imediato de um crime de
BERTA, entretanto, desfalecera, homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos
desferiu-lhe com a sua arma um 131.º e 132.º, n.º 1 e 2 alíneas b) - praticar o
tiro na cabeça, provocando-lhe facto contra pessoa de outro sexo com quem
morte imediata. o agente tenha mantido uma relação análoga
à dos cônjuges - e) - motivo torpe ou fútil) – e
l) -praticar o facto contra (…) testemunha
(…) por causa do exercício dessa função. 2
Para tanto, e após a subsunção da situação de
facto aos exemplos-padrão, o candidato
deverá aferir se se verifica a cláusula da
especial censurabilidade ou perversidade.
Há lugar ainda à agravação do artigo 86.º, n.º
3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro,
relativamente ao crime de Homicídio.
7
totalmente coincidentes, sendo que os
elementos do tipo objectivo do crime de
sequestro expressam e reflectem uma maior
intensidade e gravidade, protegendo mais
amplamente os bens jurídicos violados no
caso concreto.
8
iii) Os actos praticados
configuram "tortura ou outro tratamento
cruel, degradante ou desumano". Pode
discutir-se se este conceito deve ser
preenchido por apelo ao artigo 243º, n.º 3 do
Código Penal.
iv) O sequestro é o objectivo da
conduta ("crime-fim"), sendo as ofensas à
integridade física praticadas antes da privação
da liberdade o meio de realizar ("crime-
meio") aquele objectivo acrescendo que as
ofensas à integridade física praticadas já
durante a privação da liberdade estão
abrangidas pelo artigo 158º, n.º 2, alínea b),
devendo concluir-se que há concurso
aparente entre os crimes de ofensa à
integridade física e o de sequestro,
consumindo este aqueles.
v) Considera-se que a solução
mais adequada é a imputação a ambos os
agentes do crime de sequestro, p. e p. pelo
artigo 158º, n.º 1 e 2, alínea b).
vi) ANTÓNIO e BERTA viveram
maritalmente nos dois anos anteriores à
privação da liberdade daquele e os actos
praticados é admissível considerar que os
factos são susceptíveis de integrar, em
abstracto, a prática de um crime de violência
doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1,
alínea b) do Código Penal, embora esta
solução será alvo de cotação inferior.
vii) Considerando-se que
constitui o crime de violência doméstica a
finalidade de toda a conduta criminosa, o
crime de sequestro mostrar-se-ia,
relativamente àquele, meramente
9
instrumental, ao mesmo tempo que as ofensas
corporais praticadas já durante a privação da
liberdade se mostram abrangidas pela
previsão do artigo 158.º, n.º 2, alínea b).
viii) Por força da regra de
subsidiariedade expressa prevista na parte
final do n.º 1 do artigo 152º do Código Penal
os agentes deverão ser punidos com a pena do
sequestro, artigo 158º, n.º 1 e 2, alínea b).
Grupo B
(3 VALORES)
Após operar-se a distinção entre as situações de flagrante delito, quase flagrante delito
(artigo 256.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), presunção de flagrante delito e extensão de
flagrante delito, explicitando as diferenças que intercedem entre as várias figuras, a norma que
deve ser chamada à colação é a do artigo 256º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
1ª proposição: Reputa-se também flagrante delito o caso em que o agente for, logo após
o crime, perseguido por qualquer pessoa:
10
Embora se tenha verificado a localização em tempo real do telemóvel de BERTA, de
forma contínua e ininterrupta, e que se apure posteriormente que este telemóvel estava na posse
de ANTÓNIO, não há presunção de flagrante delito, pois não se verifica o requisito “perseguido
por qualquer pessoa”. Com efeito, para que se fale de perseguição para efeitos de se verificar
uma presunção de flagrante delito é necessário que esta perseguição seja à vista, o que não
sucede no caso concreto. É assim irrelevante que a “perseguição” se tenha iniciado ainda durante
a execução do crime de sequestro.
2ª proposição: Reputa-se também flagrante delito o caso em que o agente for, logo após
o crime, encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer
ou nele participar:
As questões a discutir aqui são o preenchimento dos incisos “logo após o crime” e
“encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou” de cometer o
crime.
A situação parece enquadrar-se no artigo 256.º, n.º 2, 2ª parte – extensão de flagrante
delito –, pois ANTÓNIO foi encontrado com objectos de BERTA e logo após o crime, verificando-
se o requisito da actualidade necessário para a extensão de flagrante delito. Decorreram apenas
30 minutos desde que o crime de homicídio se consumou.
O facto de ANTÓNIO ter proferido ainda a frase "Menos uma cabra neste mundo! Aquela
já aprendeu a lição", aliada quer às suas características físicas e ao facto de se ter posto de
imediato em fuga, reforçou a convicção da PJ que ele era o autor do crime de sequestro, o que
legitimaria por um lado, uma ordem de detenção em (extensão de) flagrante delito e/ou a
realização da revista prevista no 251º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal.
Tendo-se optado pela segunda hipótese, o facto de na posse de ANTÒNIO terem sido
encontrados objectos pertencentes a BERTA, reforçou o flagrante delito e legitimou a
subsequente ordem de detenção.
(4 VALORES)
11
Não se trata de meio de prova por reconhecimento, pelo que o artigo 147º não se aplica.
As fotos e filmagem são provas extraprocessuais e nada têm a ver com um procedimento
de reconhecimento (e a percepção de BERNARDO não constitui elemento de prova).
Os documentos podem ser examinados e valorados em julgamento (artigo 355º, n.º 1 do
Código de Processo Penal), e as conclusões do tribunal a partir das respectivas percepções
próprias sobre provas ou fontes de prova não são reconhecimentos.
MANUEL é uma testemunha e o objeto do testemunho integra-se no artigo 128º, n.º 1 do
Código de Processo Penal. Na defesa da valoração como elemento de prova testemunhal pode
ser invocado o artigo 345º, n.º 3 do Código de Processo Penal ex vi art 348º, n.º 7 do mesmo
diploma.
12
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
Via Académica
2.ª CHAMADA
DESIGNADA)
2 – Cotações:
- Grupo I (14 valores)
- Grupo II (6 valores)
1 – 3 valores
2 – 3 valores
(14 valores)
(14 valores)
Grupo II
(situação factual do Grupo I, com os desenvolvimentos agora indicados)
(6 valores)
GRELHA DE CORRECÇÃO
GRUPO I
[Aprecie a eventual responsabilidade criminal de cada uma das pessoas infra identificadas, todas elas maiores de
16 anos de idade]
(14 valores)
Enquanto desciam a Avenida, DAVID repara DAVID, AMARO e CAROLINA cometem, em co-autoria e na
que BELA – sua ex-namorada e que, antes forma consumada, um crime de rapto, previsto e punido
de Natal, contra a sua vontade, terminara a pelo artigo 161.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal.
relação que já levava dois anos – se encon-
trava a sair de uma das lojas. Querendo dela É de excluir o crime de tomada de reféns, pois o rapto não é
se vingar, e sabendo que o pai de BELA era feito com intenção de realizar finalidades políticas, ideológi-
um grande produtor de pêra rocha na região cas, filosóficas ou confessionais.
do Oeste, DAVID propõe a AMARO e CARO-
DAVID também comete um crime de violência doméstica,
4 LINA que dali a lêem contra a sua vontade e 1
previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do Códi-
a mantenham presa até o pai proferir uma
go Penal. Este crime está numa relação de concurso aparen-
declaração pública dizendo que a laranja do
te com o de rapto (subsidiariedade expressa no artigo 152.º,
Algarve é a melhor fruta portuguesa. En-
n.º 1). Esta conduta de DAVID está completamente fora do
quanto AMARO e DAVID a seguram, CARO-
âmbito da ação encoberta. Não há isenção de responsabili-
LINA coloca-lhe um dos coletes laranjas.
dade.
Após, puxam-na em direcção ao local onde
ficara estacionado o automóvel de AMARO.
CAROLINA, AMARO e DAVID entram na loja CAROLINA, AMARO e DAVID cometem, em autoria material e
de XAVIER sem autorização e aí permane- na forma consumada, um crime de introdução em lugar
5 cem depois de este lhes ordenar para saí- vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do 0,5
rem. Código Penal.
2
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO
3
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO
4
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO
5
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO
GRUPO II
Questão 1
3 valores
Uma vez que o que se pretende é determinar se FERNANDO tem estupefacientes no interior do seu corpo (no seu
sistema digestivo), o meio de prova em causa é o exame. Exigindo-se especiais conhecimentos técnicos para realizar
tal exame e percepcionar os seus resultados, considera-se o mesmo como pericial. Seria revista se o estupefaciente
estivesse meramente na sua roupa. Em casos destes, o exame médico consiste em radiografia ou ecografia.
O procedimento está definido no artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.I. Aí se termina, no n.º 1, que, quando
houver indícios de que alguém oculta ou transporta no seu corpo estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, é
ordenada revista e, se necessário, procede-se a perícia. No n.º 2, que o visado pode ser conduzido a unidade hospita-
lar ou a outro estabelecimento adequado e aí permanecer pelo tempo estritamente necessário à realização da perí-
cia. O n.º 3 prescreve que na falta de consentimento do visado, mas sem prejuízo do que se refere no n.º 1 do artigo
anterior (realização de perícia médico-legal para determinação do estado de toxicodependência), a realização da
revista ou perícia depende de prévia autorização da autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que
possível, presidir à diligência. Quem, depois de devidamente advertido das consequências penais do seu acto, se re-
cusar a ser submetido a revista ou a perícia autorizada nos termos do número anterior, é punido com pena de prisão
até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias – n.º 4.
Não consentido FERNANDO a sua realização, a questão relevante está em saber quem é a autoridade judiciária com-
petente para ordenar este exame pericial: Ministério Público ou juiz de instrução?
A resposta tem de ser encontrada no Código de Processo Penal e nas alterações que nele foram introduzidas em data
posterior à do início da vigência do DL 15/93. Aí, haverá que conjugar o disposto nos artigos 172.º, n.ºs 1 e 2, 154.º,
n.º 3, e 269.º, n.º 1, alínea b). No artigo 172.º, n.º 1, determina-se que se alguém pretender eximir-se ou obstar a
qualquer exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da autoridade
judiciária competente. Nesses casos, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 do artigo 154.º e nos
n.ºs 6 e 7 do artigo 156.º, dispondo o primeiro destes normativos que, quando se tratar de perícia sobre característi-
cas físicas ou psíquicas de pessoa que não haja prestado consentimento, o despacho é da competência do juiz, que
pondera a necessidade da sua realização, tendo em conta o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do
visado.
O exame no caso em apreço não pretende conhecer características físicas da pessoa (apenas se existe ou não estupe-
facientes no seu sistema digestivo), mas é inevitável que no seu decurso tal suceda (com a radiografia/ecografia).
Finalmente, no artigo 269.º, n.º 1, alínea b), dispõe-se que, durante o inquérito, compete exclusivamente ao juiz de
instrução ordenar ou autorizar (…) a efectivação de exames, nos termos do n.º 2 do artigo 172.º
Do exposto, resulta que apenas o juiz de instrução seria competente para autorizar, a requerimento do Ministério
Público, a realização do exame pericial que FERNANDO recusa realizar voluntariamente.
Recorde-se que a actual redacção dos n.ºs 1 e 2 do 172.º foi introduzida pela Lei n.º 48/2007, na sequência dos acór-
dãos do Tribunal Constitucional n.º 155/2007 (de 02.03.2017) e 228/2007 (28.03.2007), que julgaram inconstitucio-
nal, por violação do disposto nos artigos 25.º, 26.º e 32.º, n.º 4, da Constituição, a norma constante do artigo 172.º,
6
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO
n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de possibilitar, sem autorização do juiz, a colhei-
ta coactiva de vestígios biológicos de um arguido para determinação do seu perfil genético, quando este último tenha
manifestado a sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita.
Assim, PEDRO SOARES DE ALBERGARIA, Comentário Judiciário ao Código de Processo Penal, Tomo II, Coimbra: Almedina,
2019; SANDRA OLIVEIRA E SILVA, O arguido como meio de prova contra si mesmo - considerações em torno do princípio
“nemo tenetur se ipsum accusare”, Coimbra: Almedina, 2018, p. 734.
Questão 2
3 valores
O artigo 189.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, determina que o disposto nos artigos 187.º e 188.º é correspon-
dentemente aplicável (…) à intercepção das comunicações entre presentes. Estando em causa a investigação de cri-
me de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.I, e visan-
do arguidos, tal meio de obtenção de prova é, em abstracto, admissível – artigo 187.º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 4,
alínea a), do Código de Processo Penal.
Não se afigura existir violação do direito à não auto incriminação (v.g., um meio enganoso de contornar o eventual
silêncio dos arguidos em interrogatório), pois a actividade delituosa continua a existir e o facto de serem já arguidos
não lhes confere o direito à inutilizabilidade deste meio de prova contra si quanto a esses novos factos. A situação
não se enquadra, pois, naquele que foi objecto da atenção do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no caso Allan
v. Reino Unido (decisão de 05.11.2002).
A questão essencial está, porém, na realização dessas intercepções no interior de uma cela. Há que ponderar se a
previsão do artigo 189.º, n.º 1, abrange todos os locais onde essa intercepção pode ser feita, nomeadamente espaços
de privacidade, como o domicílio, ou se, pelo contrário, havendo aí um outro direito a proteger, se exigiria previsão
legal expressa nesse sentido.
A cela deve ser considerada domicílio (espaço de privacidade). Esse é um espaço onde o recluso reside e pratica actos
da sua vida íntima privada. Locais como celas prisionais “integram também o conceito d domicílio (do domínio penal,
a doutrina, com boas razões, tem entendido que a invasão do domicílio por parte do pessoal da prisão ou do hospital
é justificada pelo exercício de um direito (…). No entanto, tal não significa que essas autoridades aí possam recolher
indícios probatórios da prática de um crime fora das condições previstas no artigo 34.º)” – Germano Marques da Silva
e Fernando Sá, Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda e Rui Medeiros (Org.), Lisboa: Universidade Católica
Editora, Volume I, 2.ªç edição revista, 2017, p. 561.
A Constituição confere protecção à intimidade da vida privada (artigo 26.º, n.º 1: a todos são reconhecidos os direitos
à (…) à reserva da intimidade da vida privada (…)) e, como manifestação desse direito (Acs. TC 452/89 e 507/94), ao
domicílio (artigo 34.º, n.º 1: O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são
invioláveis).
Há ainda que considerar o disposto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição: “A lei só pode restringir os direitos, liberda-
des e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário
para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (reserva de Constituição e reserva de
Lei na restrição dos direitos, liberdades e garantias). O n.º 2 do artigo 34.º determina que “A entrada no domicílio dos
cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as
7
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO
Por outro lado, o artigo 32.º, n.º 8, prescreve que “São nulas todas as provas obtidas mediante (…) abusiva intromis-
são na vida privada, no domicílio (…)”.
Já no Código de Processo Penal, o artigo 126.º, n.º 3, declara que, “Ressalvados os casos previstos na lei, são igual-
mente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio (…)
sem o consentimento do respectivo titular.”.
Ora, “(o) domicílio não e violado somente quando se entra na morada de alguém sem o seu consentimento. Os mo-
dernos meios técnicos possibilitam a invasão e a devassa do domicílio mediante meios electrónicos, que, além disso,
permitem também a devassa das conversas e da vida privada dos moradores. A inviolabilidade do domicílio e segu-
ramente incompatível com tais mecanismos” – Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portu-
guesa Anotada, Volume I, Coimbra: Coimbra Editora, 4.ª edição revista, 2007, p. 540-541.
Embora a Constituição preveja a restrição aos direitos à privacidade e à inviolabilidade do domicílio, a lei não prevê a
introdução no domicílio para nele instalar um aparelho de intercepção (e gravação, ou, pelo menos, de transmissão
para gravação noutro local). Prevê essa introdução no âmbito das buscas, mas aí a finalidade é proceder ou examinar
objectos ou espaços reservados ou não livremente acessível ao público. Por outro lado, a previsão do artigo 189.º, n.º
1, do Código de Processo Penal, é apenas para a utilização do meio de obtenção de prova (intercepção entre presen-
tes), não para o local onde tal pode suceder. O domicílio é merecedor de protecção distinta e exige previsão legal
expressa para a violação da reserva da intimidade da vida privada.
Afigura-se, pois, que, não estando isso expressamente ressalvado na lei, esse meio de obtenção de prova é proibido
(método proibido de prova e proibição de valoração) – artigo 32.º, n.º 8, da Constituição, e artigo 126.º, n.º 3, do
Código de Processo Penal.
Neste sentido, cfr. acórdão do TRL 27.02.2008, Processo 10898/2007-3 (TELO LUCAS): A realização de escutas através
de microfone a colocar em cela de duas camas em estabelecimento prisional com a finalidade de registar as conver-
sações efectuadas por dois arguidos ocupantes de tal cela, com vista à investigação de crime de homicídio, não é
legalmente admissível face ao disposto nos art.ºs 187º, 188º, 190º CPP e 34º n.ºs 1 e 4 CRP, sob pena de violação
intolerável dos direitos constitucionais de inviolabilidade do domicílio e da reserva de intimidade da vida privada
(sumário). Contra, porém, Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa: Universida-
de Católica Editora, 3.ª edição, 2009, p. 527 e 529), para quem a lei (artigo 189.º, n.º 1) não distingue entre as con-
versações privadas entre presentes no domicílio ou fora dele. O mesmo Autor, no entanto, refere o núcleo do direito
constitucional à privacidade (artigos 26.º e 35.º) impõe restrições a essa interferência, não sendo constitucionalmen-
te admissíveis intercepção de comunicações entre presentes com pessoas de especial confiança, como cônjuges,
filhos e pais. Não aborda o Autor a questão da entrada no domicílio.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos proferiu há várias decisões onde enfatiza a necessidade de expressa, clara
e precisa previsão legal para que possa, sem ofensa da Convenção (artigo 8.º, n.º 2), existir gravação das conversas
dos reclusos, ou seja, violando o seu direito ao respeito pela vida privada. Assim o fez nos casos Wisse v. França, P.G
e J.H v. Reino Unido e Doerga v. Holanda. Quanto à gravação no interior de residência, e com a mesma exigência de
expressa, clara e precisa previsão legal quanto ao local da gravação, vide as decisões no processo Khan v. Reino Unido
e Vetter v. França.
8
Centro de Estudos Judiciários
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via profissional
Grelha de correção
Nota:
O conteúdo da presente grelha reflete de forma tópica as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da
forma e da substância, se reputam as mais corretas em função dos elementos disponibilizados e que devem, na prova
do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outras abordagens, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face aos
dados facultados e que se revelem apoiadas em fundamentos consistentes, serão também valorizadas na medida do
respetivo mérito.
1. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA COTAÇÃO PARCELAR (até 1,50)
SENTENÇA – PARTE I
Objeto do litígio (enunciação genérica dos pedidos, causas de pedir e posição das partes)
Questões a decidir:
1. Legitimidade passiva do segundo réu;
2. Execução específica do contrato promessa;
3. Direito dos autores a indemnização por danos não patrimoniais;
4. Direito dos autores a receber do segundo réu uma indemnização de valor equivalente
ao prejuízo sofrido com o incumprimento do contrato;
5. Direito dos autores a receber os juros de mora e a sobretaxa pedidos;
6. Litigância de má-fé.
2. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA COTAÇÃO PARCELAR (até 1,50)
SENTENÇA – PARTE
II
SANEAMENTO
Apreciar e decidir a exceção de ilegitimidade passiva cujo conhecimento foi relegado
para final:
Improcedência da exceção, uma vez que, de acordo com o modo como os autores configuraram a
relação material controvertida, o segundo réu tem interesse em contradizer (é alegada uma causa
de pedir específica para fundamentar a sua demanda) – artº 30º do Código de Processo Civil.
Direito dos autores a receber do segundo réu uma indemnização de valor equivalente ao
prejuízo sofrido com o incumprimento do contrato:
a) Problematização da teoria da eficácia externa das obrigações ou do “terceiro cúmplice” -
artºs 483º e 334º do Código Civil.
b) Verificação do preenchimento dos pressupostos da obrigação de indemnizar,
nomeadamente o dano, uma vez que não está provado que a primeira ré não tenha bens
que permitam a realização coativa da prestação (pagamento do preço).
c) Determinação do montante da indemnização a arbitrar – artºs 562º e 564º, nº 1 do Código
Civil.
d) Problematização da pluralidade de obrigados a indemnizar no âmbito da alternativa entre
obrigação solidária, obrigação conjunta ou obrigação solidária imprópria – artºs 512º e
513º do Código Civil.
e) Problematização, em alternativa, da responsabilidade do segundo réu por culpa na
formação do contrato – artº 227º do Código Civil.
Litigância de má-fé:
A ponderar em função da interpretação da contestação no trecho em que se impugnam factos
pessoais que vêm a ser considerados verdadeiros – artº 542º, nº 2, alínea b) do Código de Processo
Civil.
DISPOSITIVO
Condenação em custas.
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via profissional
Grelha de correção
Nota:
O conteúdo da presente grelha reflete de forma tópica as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da
forma e da substância, se reputam as mais corretas em função dos elementos disponibilizados e que devem, na prova
do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outras abordagens, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face aos
dados facultados e que se revelem apoiadas em fundamentos consistentes, serão também valorizadas na medida do
respetivo mérito.
1.
COMPONENTES COTAÇÃO PARCELAR (até 3,00)
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA – PARTE I
Objeto do litígio (enunciação genérica e sintética dos pedidos, causas de pedir e posição
das partes)
Questões a decidir:
1. Se o contrato de arrendamento celebrado pelos pais do autor caducou com a morte
de Victória Santos ou, ao invés, a posição de arrendatário se transmitiu para a ré;
2. Se o autor reconheceu a ré como arrendatária e/ou se age com abuso de direito;
3. Se o autor tem direito à restituição do prédio;
4. Se a conduta da ré causou ao autor danos patrimoniais e não patrimoniais, devendo a
ré indemnizar o autor e em que medida;
5. Se tem lugar a aplicação de sanção pecuniária compulsória pedida pelo autor;
6. Se a ré deve ser reconhecida como arrendatária do prédio;
7. Se a ré, devendo restituir o prédio ao autor, tem direito a ser indemnizada por
benfeitorias feitas no prédio.
a) Apreciação da aquisição, pelo autor, do direito de propriedade sobre o prédio identificado nos
autos – arts. 1305.º e 1316.º Código Civil e art. 7.º Código Registo Predial. Estando a aquisição
registada definitivamente a favor do autor, presume-se que o mesmo é titular do direito.
a) Danos patrimoniais por ocupação ilícita do prédio, por violação do direito de propriedade do
autor: arts. 483.º e 1305.º do Código Civil:
- medida da indemnização: arts. 562.º e seguintes do Código Civil. Recurso à equidade (art. 566.º,
n.º 3 Código Civil), considerando o valor locativo do prédio considerado provado;
- data a partir da qual é devida tal indemnização assim calculada: atento o disposto no art. 1053.º
do Código Civil, tendo a ré seis meses a contar do falecimento de Victória Santos para desocupar o
prédio, considerar que durante esses seis meses apenas está obrigada a pagar a quantia devida a
título de renda (62 euros/mês), passando a estar obrigada a indemnizar o autor pelo valor locativo
do prédio, equitativamente fixado nos termos atrás indicados (300 euros/mês), desde 6 de Maio de
2013 até à entrega efetiva do prédio ao autor.
d) Sendo reconhecido direito do autor a ser indemnizado, analisar se são devidos juros de mora –
mas apenas quanto às quantias fixadas ou a fixar referidas nas als. b) e c) desta secção, pois mais
não foram pedidos (art. 609.º, n.º 1, Código Civil). Considerar o disposto nos arts. 559.º e 804.º a
806.º do Código Civil, conjugados com a Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril, bem como o decidido no
Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 4/2002.
- Analisar se o pedido do autor, nesta parte, tem viabilidade à luz do art. 829.º-A do Código Civil,
considerando em particular que a obrigação de restituição do prédio ao autor, sendo uma
obrigação de entrega de coisa certa, não parece estar contemplada na previsão daquela norma.
- Seguindo o entendimento atrás exposto, este pedido deverá ser julgado improcedente.
a) Arts. 216.º, 1046.º (ainda que por analogia, para abranger a ré), e 1273.º Código Civil: aplicação
das regras do enriquecimento sem causa, previstas nos arts. 473.º e seguintes Código Civil;
DISPOSITIVO
Condenação em custas.
Via Profissional
DESI GNADA )
I - Acusação;
4. Cotação: 20 valores
“Data”
“Assinatura”.
8. Os erros ortográficos serão considerados negativamente: 0,25 por cada um, até
um máximo de 3 valores (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º 19401, publicado no Diário da
República, 2ª série, n.º 251, de 31 de dezembro).
10. As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento
identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da
folha de rosto), sob pena de anulação da prova.
ACUSAÇÃO
O Ministério Público, ao abrigo do disposto nos art.º 283º do Código de Processo Penal, deduz
acusação, para julgamento em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo,
contra:
1 – António Alberto Alves, filho de António Francisco Alves e de Ana Ludovina, nascido
em 01/01/1975, natural da freguesia e concelho de Castelo Branco, titular do Cartão de
Cidadão n.º 123456, solteiro, cesteiro, residente no lugar de Benilde, Castelo Branco;
1. O arguido António Alves é pai de Esperança Alves, nascida a 11 de Setembro de 2001 e são
ambos de etnia cigana.
2. Desde Setembro de 2017 que Esperança Alves se encontrava a residir com a sua mãe,
Daniela Carmim, na cidade de Vila Real, para onde esta fora residir após se separar do arguido
António, com quem vivia em união de facto.
3. Pelo menos desde que foi viver com a mãe que Esperança Alves manifestava vontade de se
afastar dos costumes do grupo e mantinha uma relação de namoro com Vladimiro Vermoil, o
que fazia contra a vontade do arguido António, que exigia que ela se casasse com uma pessoa
da mesma etnia, segundo a tradição e costumes ciganos.
4. Assim, desde pelo menos o início do ano de 2018, o arguido António Alves, acompanhado
de membros da comunidade cigana não identificados, vinha insistindo com Esperança Alves
para que ela aceitasse casar com um individuo de etnia cigana, no caso o arguido Carlos
Barcouço, a quem fora por si prometida.
5. Todavia, e porque Esperança Alves se recusava a aceitar os costumes da sua etnia, bem
como a casar ou a abandonar o local onde residia com a sua mãe, os arguidos António e Carlos
elaboraram, em conjunto, um plano que visava retirar Esperança da casa da progenitora,
obrigá-la a casar, segundo as tradições ciganas, com Carlos Barcouço, incluindo sujeitar-se a
teste comprovativo da sua virgindade, a residir com este e a manter contactos de natureza
sexual.
6. Na execução do plano e com o pretexto de uma visita do pai à referida Esperança Alves por
ocasião do aniversário desta, em que fora obtida a sua concordância e a da mãe, no dia 11 de
Setembro de 2018 os arguidos deslocaram-se, em veículo automóvel propriedade do arguido
António e por este conduzido, de matrícula 27-27-IR (ligeiro de passageiros), da cidade de
Castelo Branco à de Vila Real, onde chegaram cerca das 11.30h;
7. Tendo Esperança Alves, conforme fora combinado, saído de casa de sua mãe cerca das
12.00h, acompanhando o pai - o arguido António - a fim de com este almoçar num restaurante
da cidade, enquanto o arguido Carlos se manteve afastado.
8. Terminado o almoço, cerca das 15.00h e quando Esperança iniciava o percurso de regresso à
casa de sua mãe, os arguidos, em conjugação de esforços e de intentos, puseram em marcha o
plano que tinham delineado e que visava transportar a ofendida Esperança, contra a sua
vontade, até um acampamento cigano nos arredores de Castelo Branco para, nesse local, a
casarem com o arguido Carlos e para com ele manter relações de carácter sexual e, após,
passarem a viver na habitação deste, situada em Alcorchel, Idanha-a-Nova, como se de marido
e mulher se tratassem.
11. Durante todo o percurso que fez, Esperança Alves chorava e pedia continuadamente aos
arguidos que a levassem de volta para casa da mãe, o que sempre lhe foi negado.
12. Acresce que, durante esse percurso, Esperança tentou enviar mensagens de telemóvel
para a mãe e para o namorado, no que foi impedida pelos arguidos António e Carlos, que a
agarraram e ordenaram que não usasse o telemóvel e, apesar de este ter tocado por várias
vezes, Esperança Alves foi sempre impedida de o atender pelos arguidos que seguiam consigo
no veículo.
13. Cerca das 19.30h, uma vez chegados ao acampamento situado num descampado na
entrada norte de Castelo Branco, os arguidos ordenaram a Esperança Alves que entrasse para
uma tenda, afirmando o arguido António que estava na altura de confirmar que era pura e a
família honrada, o que aquela recusou, altura em que o arguido António lhe disse, em tom
elevado e com foros de seriedade, que “seria pior para si se não o fizesse”, que o “Carlos é o
teu homem e vais casar com ele, a bem ou a mal” e que “vais fazer o que te mandam senão…”.
14. Sabiam os arguidos que de acordo com os costumes e tradições da etnia a que todos
pertencem, antes de se celebrar a cerimónia do casamento, efectuar-se-ia teste para
comprovar a virgindade da noiva, designado “arrontamento”, no âmbito do qual, uma mulher
mais velha, através da penetração da vagina da menor com os dedos e um pano branco
(designado pañuelo ou “casquinha de ovo”), aferiria se Esperança era virgem através do
sangramento que daquele modo causaria com a laceração do hímen.
15. Assim e em seguida, foi Esperança - que ali se encontrava sob o controlo e domínio dos
arguidos que para ali a tinham trazido com o propósito, entre outros, de efectuar o dito teste,
cujos procedimentos conheciam - levada por diversas mulheres ciganas para o interior da
tenda referida e existente no acampamento a fim de se efectuar o mencionado teste de
virgindade.
16. No interior da tenda, após se ter deitado e despido as cuecas como lhe foi ordenado, uma
mulher não identificada de etnia cigana, vulgarmente designada por “juntaora” ou
“ajuntadeira”, introduziu-lhe na vagina um dedo da mão envolto num pano branco, que
revirou durante algum tempo, causando dores à menor.
17. Passados alguns momentos retirou o dedo e, verificando que o pano não continha vestígios
de sangue, repetiu o procedimento, voltando a penetrar a vagina de Esperança com o dedo
envolto no pano branco e assim lhe causando novamente dores.
18. Quando retirou o dedo, o pano vinha ensanguentado e aquela mulher voltou a penetrar a
vagina da menor com o dedo envolto noutro pano branco que também retirou com sangue,
dando assim por findo aquele teste e afirmando que Esperança era virgem.
19. Em consequência da conduta descrita, para além de dores, Esperança sofreu as seguintes
lesões: “solução de continuidade completa (atingindo o bordo himenial de inserção), de
extremidades rectas (a nível do bordo himenial livre), de bordos coaptáveis e friáveis,
infiltrados de sangue, localizada entre as 4 e as 5 horas (de acordo com o esquema do
“mostrador do relógio”), apresentando assim perda de continuidade do bordo himenial livre
sugestiva de laceração; edema do bordo himenial livre, mais exuberante entre as 5 e as 10
horas; infiltração sanguínea da parede himenial vulvar, eminentemente sob a forma petequial,
entre as 5 e as 9 horas; placas fibrinosas, esbranquiçadas, não detectáveis, observáveis a nível
dos bordos das soluções de continuidade atrás descritas e suas áreas adjacentes; mucosa
eritematosa, de aspecto erosionado, a nível da comissura posterior”.
20. Em seguida, depois de vestida por mulheres da comunidade não identificadas, foi
Esperança por elas levada para o exterior, onde foi tocada música cigana para celebrar o
momento e servida comida e bebida aos convidados, tendo o arguido António, em tom de voz
elevado, instado Esperança a dançar com o arguido Carlos que, como lhe fora dito por ambos
os arguidos, passaria a ser o seu marido, o que ela fez com receio da reacção daqueles.
21. Após, cerca da 01h00m já do dia 12 de Setembro de 2018, Esperança Alves foi levada do
acampamento onde a festa se celebrara, na mesma viatura que a tinha trazido de Vila Real,
conduzida agora pelo arguido António, enquanto o arguido Carlos assegurava a permanência
de Esperança no interior do veículo.
22. Nessas circunstâncias, deslocaram-se todos para a residência do arguido Carlos, situada no
lugar de Alcorchel, Idanha-a-Nova.
23. Ali chegados, os arguidos, em conjunto, concordaram que era a altura da consumação do
casamento, através da introdução do pénis erecto de Carlos na vagina de Esperança, e
dirigiram-se a esta a quem disseram, em tom elevado e com foros de seriedade, que se
tentasse deixar o arguido Carlos a matavam de pancada.
24. Encaminhando Esperança Alves para o quarto onde passaria a pernoitar, o arguido Carlos
despiu-se completamente e disse a Esperança, em tom sério, “vamos fazer o que deve ser
feito”, ao mesmo tempo que lhe tirou toda a roupa que aquela tinha vestida.
25. Vendo-se impossibilitada de pedir auxílio, atendendo às ameaças que lhe tinham sido
feitas pelos arguidos, Esperança Alves não ofereceu resistência às investidas do arguido Carlos.
26. Assim, o arguido Carlos deitou-a na cama e começou a beijar Esperança na boca,
acariciando-lhe as mamas e, colocando-se em cima dela, procurou penetrar o seu pénis erecto
na vagina de Esperança, encostando e fazendo pressão, altura em que Esperança começou a
chorar.
27. Afectado pelo choro de Esperança, o arguido Carlos perdeu a erecção e não conseguiu a
penetração, pelo que se levantou e se dirigiu à casa de banho.
28. Face à ausência momentânea do arguido Carlos, Esperança aproveitou para fugir, abrindo
uma pequena janela existente no quarto, ao nível térreo e com acesso às traseiras, passando
para o exterior, iludindo a vigilância que o arguido António fazia junto da porta da frente,
afastando-se do local e escondendo-se junto de uns arbustos.
29. Pelas 07.30h desse mesmo dia 12 de Setembro de 2018, os inspectores da Polícia Judiciária
organizaram operação de cerco à residência do arguido Carlos, tendo então ali encontrado
Esperança junto aos arbustos, desnuda.
30. Esperança Alves, desde as 15.30h do dia 11 de Setembro de 2018 até às 07.30h do dia 12
de Setembro de 2018, manteve-se sempre condicionada à vontade dos arguidos e ao que
estes lhe ordenavam e ao que obedecia com receio da reacção daqueles.
32. Ao impedirem Esperança Alves de regressar a casa de sua mãe, onde residia, e ao obrigá-la
a deslocar-se para o acampamento de Castelo Branco e posteriormente para Alcorchel,
Idanha-a-Nova, os arguidos agiram sempre em conjugação de esforços e de intentos, com o
propósito concretizado de obrigarem Esperança a manter contactos de natureza sexual com o
arguido Carlos, bem como obrigar a mesma Esperança a contrair casamento, com o mesmo
arguido, de acordo com os usos e costumes da etnia cigana a que pertencem, precedido da
realização do teste de virgindade nos moldes que conheciam e queriam ver realizado, bem
sabendo os arguidos que a mesma não tinha vontade de realizar o teste, celebrar aquela união
ou manter relações de cariz sexual com o arguido Carlos, tendo recorrido a ameaças contra a
vida para concretizar esse desígnio e que Esperança entendeu como credíveis e que foram
aptas a constrangê-la.
34. O arguido António Alves foi condenado, para além do mais, no âmbito do processo nº
1234/08.4TACTB do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, por decisão transitada em
julgado em 10/10/2010, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão, pela prática de um crime de
tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, tendo
sido libertado, no termo da pena, no dia 15 de Outubro de 2015.
35. Não obstante a condenação sofrida em pena de prisão efectiva e o período de reclusão
sofrido, o arguido António mantém o propósito de praticar ilícitos criminais dolosos, não tendo
sido a condenação anterior suficiente para o afastar da criminalidade e conseguir a sua
recuperação social, denotando insensibilidade à advertência ínsita nessa condenação.
PROVA:
a) Declarações para memória futura de Esperança Alves, constantes do CD junto aos autos.
b) Pericial
c) Documental
- Certidões de fls…
- CRC de fls…
d) Testemunhal
*
COMUNICAÇÕES E NOTIFICAÇÕES LEGAIS
Informe o arguido Carlos de que fica obrigado, caso seja condenado, a pagar os
honorários do defensor oficioso, salvo se lhes for concedido apoio judiciário, e que pode
proceder à substituição do defensor nomeado mediante a constituição de advogado - art. 64º
nº 4, do Código Processo Penal.
Gualter Goraz
- Advogado -
Castelo Branco
Proc. n.º……………….
Exmo. Senhor
António Alberto Alves, arguido no processo à margem identificado, vem juntar a sua
contestação, o que faz nos termos e com os fundamentos que seguem:
2.) Como se refere na acusação o contestante é de etnia cigana (para usar a mesma
designação), aliás com orgulho, assim como o são todos os intervenientes na estória expressa na peça
que se contesta.
5.) Foi neste contexto que o contestante agiu e se é verdade que as jovens ciganas são
preparadas para chegar ao altar cedo, entre os 16 e os 17 anos e virgens, não é menos verdade que só
casam com quem querem, sendo falso que exista qualquer subalternização ou obnubilação do papel da
mulher e da autonomia da sua vontade na escolha de um parceiro para a vida.
6.) Esperança Alves tem idade nupcial, face à lei portuguesa, e se pretendesse contrair
casamento civil apenas se poderia equacionar a existência de impedimento impediente, traduzido na
falta de autorização parental.
7.) No entanto, o contestante, não inibido das suas responsabilidades parentais, autorizou a
união, querida pela própria “nubente”, que sempre sonhou com o seu prometido.
8.) Sendo que a dita autorização, pretensamente em falta, apenas seria relevante para o
casamento civil - que nunca ocorreu - e não para o casamento cigano, sendo igualmente irrelevante
para o equivalente próximo da lei portuguesa, a união de facto, dado que à data em que viesse a ser
reconhecida já a ofendida seria maior.
9.) E nos autos nem se verifica uma situação de união de facto, pois inexiste qualquer
comunhão de vida expressa em tempo útil de vivência comum, sendo fantasioso falar-se em casamento
ou união, defluindo na atipicidade a singela festa que efectivamente ocorreu.
10.) Quanto ao dito “teste de virgindade”, refira-se que a família é o valor mais preservado na
sociedade cigana e o pudor, a pureza, a castidade da mulher, são de enorme importância para a
preservação da honra e respeitabilidade do núcleo familiar em que a noiva se insere, sendo o teste
encarado por esta como uma cerimónia natural, íntima e bonita.
11.) Como tal, aquela cerimónia de comprovação é vista pela própria ofendida com
naturalidade e é por si querida, no sentido da demonstração da sua virtude e da honorabilidade da
família em que se insere, é realizada na intimidade e com reserva do pudor (por pessoa distinta dos
arguidos), sendo estranha qualquer conotação de natureza sexual.
12.) No que concerne à referida “consumação do casamento”, através de relações de natureza
sexual, também aqui o consentimento da ofendida, autonomizada pelo casamento, ocorreu, sendo que
o co-arguido Carlos não as consumou, desistindo dos seus intentos.
13.) Em resumo:
- A viagem de Vila Real para Castelo Branco e, daí, para a zona de Idanha-a-Nova foi querida
pela ofendida Esperança, que voluntariamente acompanhou o seu pai e aqui contestante;
- A cerimónia que se iniciou visava, na tradição do casamento endogâmico, preservar as
tradições do grupo e a cultura ancestral dos ciganos, sendo modo de celebrar a preservar a sua
identidade de grupo e representou, no caso concreto, a concretização da vontade de todos, incluindo da
ofendida Esperança e com autorização do contestante, não inibido das suas responsabilidades
parentais;
- O indicado teste de virgindade é, na verdade, encarado como uma cerimónia cuja origem se
perde na névoa dos tempos, é vista, com naturalidade, pela ofendida que, assim, confirma perante o
grupo a sua pureza e a honra da família a que pertence e realizada por terceira pessoa a quem nada foi
imputado, sendo de todo estranha à cerimónia qualquer conotação sexual;
- A noite de núpcias, mais uma vez, é a consumação do amor dos prometidos e à qual o
contestante é estranho, sendo que, ao que se refere, não houve essa mesma consumação face à
desistência do arguido Carlos, conforme resulta da própria contestação;
- O casamento, ainda assim, não se concretizou, ficando-se pela festa que prosseguiria no dia
seguinte, com a exibição do pano aos convidados.
- Em tudo agiu o contestante de acordo com os usos e os costumes da sua etnia, que
inelutavelmente o vinculam, com respeito pela autonomia e vontade da ofendida Esperança, sua filha,
sem qualquer consciência das infracções criminais que lhe imputam, pelo que sempre agiria em erro.
Termos em que, sem mais considerandos, deve a Acusação ser dada como não provada,
absolvendo-se o arguido conforme é de sã e inteira Justiça.
Prova:
Testemunhal
- Joaquim Freio, casado, sociólogo, com domicílio profissional na instituição “Aquele Abraço –
Inclusão e Apoio Social, IPSS”, com sede no Largo da Concórdia, 23, Castelo Branco.
Gualter Goraz
RESUMO DA PROVA
PRODUZIDA E
EXAMINADA EM EM
AUDIÊNCIA
Elementos de prova:
Declarações
1)
- Referiu as suas condições pessoais afirmando que vive com a sua mãe, em casa
desta.
- Vivia com o pai, a mãe e os irmãos, em casa atribuída pelo Município e pela qual
pagavam €30 de renda.
3)
- Sabia que algo de mau iria suceder, irrompendo em choro, o que não
demoveu os arguidos que nunca acederam aos seus pedidos para que a levassem
de volta à mãe.
- Ficou em pânico e não teve forças para resistir. As mulheres que ali
estavam, que não consegue identificar, levaram-na para tenda e, a mais velha, fez
aquele teste do lenço.
- Teve que despir-se e sentiu que lhe enfiavam coisas na vagina que a
magoavam muito.
- Era virgem e queria que a sua primeira vez fosse diferente, com um
homem que amasse verdadeiramente. Todo este sonho ficou destruído.
- Foi ainda levada à força para a zona de Idanha onde o Carlos tentou fazer
amor consigo (“Era como se estivesse morta. Eles obrigaram-me e eu não tive
como resistir. Estava em choque. Como se aquele corpo já não fosse o meu”).
- Foi despida pelo Carlos que tinha o “coiso dele duro e eu sabia o que ele
queria fazer. Eu não queria e ia fazendo força para manter as pernas juntas. O
Carlos beijou-me mas eu não tinha sentimento. Ele apalpou-me toda. Vi-me
perdida e chorei. Chorei muito. Ele, então, ficou atrapalhado e percebi que já não
sentia a pressão do pénis para entrar. Saiu da cama e foi para a casa de banho a
correr. Eu aproveitei e fugi, toda nua. Fui por uma janela e escondi-me até ser
salva pelos senhores da polícia”).
4)
- procurou autonomizar-se e foi viver para Vila Real, onde tinha uma tia que
lhe deu apoio;
- no dia a que se reportam os autos Esperança foi almoçar com o pai, o que
mereceu a concordância da testemunha (“Afinal é pai dela e a miúda fazia anos”);
- ficou então muito preocupada e viu logo que se passava algo de errado;
6)
7)
Perícia
8)
Documentos
DE
VIA PROFISSIONAL
– GRELHA DE CORRECÇÃO –
2. Fundamentação
1
Tem-se por correta a resposta que dê por provados os factos constantes da acusação e
cuja fundamentação não se limite a uma mera enumeração generalista dos documentos e
depoimento testemunhal, mas reflita uma análise criteriosa e conjugada da prova
indicada. Referência aos factos provados/não provados da contestação do arguido
António e que não sejam a mera negação de factos dados como provados na sua
formulação positiva ou que sejam conclusivos.
Factos P/NP Doc./autos Test./Dec.
2.1.1 Acusação –
1 P 10
2 a 18, 20 a 27 e 30 a P Confissão C
33 Esperança (3)
Daniela (4)
19 P 8 Esperança (3)
28, 29 P Esperança (3)
Jacinto (5)
Terêncio (6)
34 e 35 P 9, 11 e 12
2.1.2 Contestação
7 NP Confissão C
Esperança (3)
11 NP Confissão C
Esperança (3)
12 NP Confissão C
Esperança (3)
2.1.3 Condições
pessoais e
antecedentes (a
acrescentar)
P CRC (12 e 13) Dec. Arguidos
Relatórios sociais(11)
2
Fundamentação concreta da subsunção dos factos dados como provados aos tipos de
ilícitos em causa, os quais devem ser corretamente identificados
A e C - crime de rapto, em co-autoria - art.s 14º, n.º 1, 26º e 161º, n.º 1, al. b) do
Cód. Penal
A e C – crime de violação agravado, em co-autoria - art.s 14º, n.º 1, 26º, 28º, n.º 1,
164º, n.º 1, al. b) e 177º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal [art.º 177º n.º 4]
Embora se defenda que o “teste de virgindade” é, efectivamente, violação,
poderá o candidato defender, com argumentos válidos, que se trata de ofensa à
integridade física qualificada, p. e p. pelos art.ºs 14º, n.º 1, 26º, 28º, n.º 1 e 145º, n.º 1, al.
a) e 2, com referência ao art.º 132º, n.º 2, als. a), e) e f)
considerando:
- referência aos bens jurídicos protegidos para cada tipo
- referência aos elementos objectivos para cada tipo
3
- forma de (com)participação
Determinação sucinta da pena parcelar a aplicar por cada um dos crimes cometidos e da
pena única adequada
a) Descrição dos fatos concretos que integram os critérios constantes dos artigos
40º, 70º e 71º, nº 2 do CP, considerando também os CRC e RS;
b) determinação concreta de cada uma das penas individuais;
c) correcção na aplicação do instituto reincidência no caso de ser adequável ao
co-arguido António e respetivo cálculo das penas – art. 75º e 76º do CP;
d) correção da elaboração do cúmulo jurídico – art. 77º do CP;
e) aplicação da pena acessória de inibição das responsabilidades parentais – art.
69º-C n.º 3 do Cód. Penal.
4
4. Estrutura lógico-formal do Acórdão, poder de síntese e clareza evidenciada na
argumentação, bem como a rigor patenteado na linguagem técnico-jurídica: (1 valor)
v.g. relatório – enunciação dos factos provados e não provados – fundamentação de facto
e de Direito – escolha e determinação da medida da pena – decisão
Obs. Face a alguns dos crimes cometidos e à idade da vítima, a mesma é especialmente
vulnerável. Assim sendo, haveria sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do CPP,
excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser – artigo 16/2 do Estatuto da
Vítima. No entanto estaria esse arbitramento sujeito a contraditório, elementos que o enunciado
não refere. Em qualquer caso e caso algum candidato fixe indemnização deverá ser valorado
positivamente.
5
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
Via Profissional
2.ª CHAMADA
DESIGNADA)
3 - Cotação: 20 valores
I - A Cotação do Despacho a elaborar distribui-se da seguinte forma:
Tomada de posição sobre a nulidade invocada por um dos arguidos -
2,5 valores
Outras questões prévias - 2 valores
Descrição fáctico-jurídica - 6,2 valores
Qualificação jurídica - 5 valores
Prova e comunicações - 1,8 valores
1) A fls. 1-3 encontra-se o Auto de Notícia, datado de 11 de janeiro de 2017, subscrito por ZZZ,
devidamente identificado, do qual consta, para o que releva:
“Hoje, dia 11 de janeiro de 2017, pelas 16h 30m, fui chamado ao local da ocorrência, sito na
Rua da Infelicidade, nº 1, 1º andar, Esq., nesta cidade de Lisboa, e aí fui contactado pelo
médico António Abrantes que me disse que a porteira lhe indicou a entrada na residência e
que, uma vez lá, constatou que a vítima Belinda Bártolo já se encontrava sem vida, conforme a
ficha CODU nº 1-1, que se junta.
Mais informou que a tripulação da ambulância Lisboa 1, ao deparar-se com a situação, ainda
iniciou manobras de suporte básico de vida, mas sem sucesso.
Dirigi-me para junto do cadáver e constatei que o mesmo se encontrava em decúbito dorsal no
hall da residência.
Analisado o local, constatei que havia vestígios de luta, pois verifiquei que os óculos da vítima
estavam partidos ao lado da mesma e que a vítima apresentava uma escoriação no lábio
inferior.
Na fração da porteira do prédio encontrava-se uma outra vítima, Custódia Carmo, a qual
apresentava várias escoriações na face e a receber assistência médica por parte do INEM.
Indagada, a vítima Custódia Carmo, moradora no 1º andar Drt., disse que chegou a casa por
volta das 16h e, alguns minutos depois, dirigiu-se para casa da sua amiga Belinda Bártolo, o
que fez abrindo a porta de entrada com uma chave que tem na sua posse e que a vítima
Belinda lhe tinha entregue para entrar livremente na casa dela, sem necessidade de tocar à
campainha para o efeito, e assim obrigá-la a levantar-se, já que se movia com dificuldade.
Então, logo que abriu a porta viu a amiga Belinda prostrada no chão e de imediato foi
surpreendida por um indivíduo de cara tapada e com luvas que, ato contínuo, a puxou, lhe deu
na cabeça com uma caixa preta que trazia nas mãos e a agrediu com socos e pontapés,
deixando-a inconsciente.
Quando voltou a si, reparou que a sua amiga ainda se encontrava prostrada no solo,
aparentemente inconsciente, e aterrorizada fugiu para a sua casa para pedir auxílio. Pensa que
quando voltou a ter consciência já estariam sozinhas, pois não viu mais ninguém, nem sentiu
barulho. Mal entrou em sua casa, ligou para a portaria e gritou por socorro, tendo a Deolinda
Dâmaso, a porteira, aparecido alguns momentos depois e chamado o INEM e a Polícia.
Deixo registado que tanto a porta principal como a porta de serviço não apresentavam
quaisquer sinais de arrombamento e a casa quaisquer sinais de desarrumação que levassem a
crer ter o meliante andado à procura de bens de valor.
De toda a situação descrita foi dado conhecimento à Polícia Judiciária e à senhora Procuradora
de turno.”
Foram facultadas as imagens respeitantes ao período das 15h 30m às 16h 45m do dia 11 de
janeiro de 2017.
3) A fls. 25-30 consta o Auto de Visionamento das Imagens, datado de 13 de janeiro de 2017,
subscrito por ZZZ, recolhidas na Diligência Externa efetuada em 12 de janeiro de 2017, junto
do Hotel OLHOVIVO, do qual constam:
- Vários fotogramas dos quais se extrai que, na referida Rua da Infelicidade, junto ao nº 1 (local
onde ocorreu o crime), às 15h 56m, caminhavam dois indivíduos de estatura média, trajando
de escuro, com o carapuço do casaco enfiado na cabeça, usando aparentemente calças de
ganga de cor azul e ténis brancos, caucasianos, sendo que um transportava uma mochila às
costas. Entraram ambos no referido prédio com o nº 1, sendo que às 16h 00m, um deles
voltou a sair e permaneceu junto à porta de entrada, no passeio. O indivíduo permaneceu de
costas para a porta do prédio e a certa altura agarrou no telemóvel, que colocou junto ao
ouvido. Aparentava estar vigilante, olhando quer para a direita, quer para a esquerda. Às 16h
13m, saiu pela referida porta de entrada o segundo indivíduo com uma mochila às costas e
ambos abandonaram o local, caminhando apressadamente pela Rua da Infelicidade até ao
cruzamento com a Rua do Desespero, por onde seguiram.
(NOTA: deverá considerar que a qualidade das imagens é baixa, não sendo possível, através
delas, identificar o rosto dos indivíduos que nelas ficaram registadas; identifica-se
razoavelmente a estatura, que são caucasianos, e as roupas que os intervenientes trazem
vestidas)
5) A fls. 40-42, o Auto de Inquirição de Ernesto Bártolo Esteves, filho de Belinda Bártolo e
Filomeno Esteves, e morador na Rua dos Descendentes, nº 2, 2º andar Frente, Lisboa, datado
de 20 de janeiro de 2017, do qual consta, para o que releva:
A sua mãe morava sozinha desde o falecimento do pai, há cerca de 15 anos. Naquele dia 11 de
janeiro recebeu uma chamada telefónica da porteira do prédio da mãe, Deolinda Dâmaso,
muito aflita, por volta das 19h, talvez, não sabe ao certo, dizendo-lhe que viesse depressa para
casa da mãe porque tinha acontecido uma desgraça. A Deolinda estava muito perturbada e
apenas dizia que era uma desgraça e que a mãe tinha falecido. Nesse dia estava em Paris,
numa reunião de trabalho, e só pôde regressar na madrugada do dia seguinte porque já não
conseguiu voo para essa noite. Inquirido disse que a mãe era pessoa para abrir a porta quando
tocavam à campainha, bastando dizer que era da água ou da luz, ou qualquer coisa desse
género. Perguntado, disse que, do que se apercebeu até ao momento, falta na casa de sua
mãe um cofre de cor preta que esta guardava na sua cómoda, no interior do qual tinha um fio
grosso em ouro antigo, que estima deveria pelo menos valer cinco mil euros, um anel de
noivado com um diamante cujo valor estima possa ascender a dez mil euros e ainda um relógio
de marca Cartier, modelo balon bleu, que novo custa hoje pelo menos cinco mil euros. Estava
tudo dentro do cofre que desapareceu. Não deu por falta de mais nada e a mãe não
costumava ter muito dinheiro em casa.
Disse há mais de 20 anos que é a porteira do prédio da Rua da Infelicidade, nº 1, e que naquele
dia 11 de Janeiro de 2017, por volta das 15h e 30m, foi fazer uma pequena sesta porque estava
com dor de cabeça e a essa hora não costuma ser chamada pelos moradores do prédio. O seu
horário é das 8h às 14h e das 17 h às 19h mas, se a chamarem em outra qualquer hora, está
sempre disponível para ajudar no que for preciso.
No 1º andar Esq. vivia a Srª D. Belinda Bártolo, viúva há uns 15 ou mais anos, não sabe
exatamente, e que tem um filho já casado que mora também em Lisboa, mas viaja muito pelo
estrangeiro em trabalho.
São muito amigas há muitos anos e sabe que até têm a chave da casa uma da outra. Disse
também possuir as chaves dos 1º andares dt. e esq. que lhe foram entregues pelas
proprietárias para o que fosse preciso.
Estava a dormitar quando o seu telemóvel tocou. Era a D. Custódia Carmo que, aflita, lhe pedia
ajuda, gritando “acuda-me, acuda-me”. Saiu da cama assustada e subiu de imediato ao 1º
andar pelas escadas. A porta da casa da D. Custódia estava aberta e ela estava logo no hall de
entrada, sentada no chão, com sangue na cara, toda despenteada e com a cara já inchada,
com o telemóvel na mão, e só dizia acudam-me, acudam-me, acudam a Belinda. Então ela viu
que a porta do 1º andar esq. estava aberta e, desnorteada com tudo aquilo, entrou no hall e
viu que estava a Sra. D. Belinda caída no chão, com os óculos partidos também no chão,
inconsciente. Não sabia se estaria morta, mas não tocou nela. Voltou de imediato para junto
da D. Custódia, pegou no telemóvel que ela tinha na mão e ligou para o 112 e para a Polícia.
Não saiu mais de ao pé da D. Custódia porque ela estava em estado de choque e teve medo
que lhe acontecesse alguma coisa.
Perguntada, disse que a falecida Belinda era uma senhora muito pacata, não lhe conhecia
inimigos, muito reservada, muito sua amiga, que não faz ideia de quem poderia ter feito uma
coisa daquelas.
Mais disse desconhecer se a D. Belinda tinha dinheiro em casa ou coisas de valor, pois ela
nunca lhe falou disso e pelo menos à vista não lhe conheceu nada que chamasse a atenção,
quer na sua pessoa, quer exposto em casa.
Não sabe se naquele dia ali foi alguém contar a água, luz ou gás durante o tempo em que se
retirou, na hora do seu descanso.
Enquanto esteve ao serviço, ninguém apareceu para esse efeito ou para qualquer outro. Foi
um dia normal, sem visitas aos moradores.
7) A fls. 60-62 encontra-se o Relatório de Urgência dos cuidados médicos prestados a Custódia
Carmo, do qual constam os seguintes registos relativos ao dia 11 de janeiro de 2017, para o
que ora releva:
Fluxograma – agressão
Queixa – vítima de agressão da qual resultou traumatismo craniano e torácico, facial, cervical e
TCE com PC
VMER no local
Sinais vitais –
Dor – 7 (0-10) -
(...)
Trazida ao SUC após ter sido vítima de agressão com traumatismo craneo-facial (murros e
pontapés) com perda de conhecimento. Concomitantemente refere traumatismo torácico no
hemicorpo esquerdo, queixando-se de dor localizada à grelha costal esquerda cuja intensidade
agrava com inspiração profunda. Sem disneia nem sinais de dificuldade respiratória
(...)
Admissão em 11 de janeiro de 2017, pelas 17h 28m, por agressão da qual resultou hematoma
epicraniano temporo-parietal direito, hemorragia subconjuntival à esquerda, vários
hematomas na região cervical anterior, equimoses no cotovelo, mão esquerda e dor referida à
grelha costal esquerda. Sem fraturas em imagiologia.
(...)
8) A fls. 70-72 encontra-se o exame médico-legal efetuado a Custódia Carmo, do qual consta,
para o que ora releva:
(...)
Discussão
2 – A cura das lesões é fixável em 18-01-2017 tendo em conta o tipo de lesões resultantes
CONCLUSÕES:
Tais lesões determinarão, em condições normais, 7 dias para a cura com afetação da
capacidade de trabalho geral (7 dias) e com afetação da capacidade de trabalho profissional (7
dias)
Ela e a falecida Belinda Bártolo residiam naquele prédio da Rua da Infelicidade há mais de vinte
anos e foi ali que, por ambas serem vizinhas e morarem no mesmo andar, se fizeram muito
amigas. A falecida ficou viúva há uns 15 anos, com um filho, e ela é solteira, sem filhos. Mais
disse que de há uns anos a esta parte, desde que o filho da falecida Belinda saiu de casa, já
homem, ela passou a ter a chave da casa dela, porque eram a companhia uma da outra, sendo
como irmãs. Todos os dias da semana, por volta das 16h, ia a casa dela ver a telenovela e
ficava até ao jantar. Naquele dia 11 de janeiro, descansou depois de almoço um pouco e, por
volta das 16h, talvez uns minutos depois porque ainda ouviu em sua casa bater as 16h no
relógio da sala, como de costume, dirigiu-se para casa da falecida, o que fez abrindo a porta de
entrada com a chave que tem na sua posse. Então, viu logo a Belinda prostrada no chão,
inconsciente, e ato contínuo foi surpreendida por um indivíduo de cara tapada e com luvas que
de imediato a puxou e agrediu com uma caixa preta na cabeça e lhe deferiu socos e pontapés,
na cara e no corpo, deixando-a logo inconsciente. Quando voltou a si, reparou que a sua amiga
se encontrava ainda prostrada no solo, aparentemente inconsciente, e aterrorizada fugiu para
a sua casa para pedir auxílio. Pensa que quando voltou a ter consciência já estariam sozinhas
pois a porta da rua estava aberta. De seguida, já no hall de sua casa, aflita, ligou do seu
telemóvel para a Deolinda, a porteira, e gritou por socorro, tendo ela aparecido alguns
momentos depois e chamado o INEM e a Polícia.
Não tem a menor ideia de quem pode ter feito esta desgraça.
A falecida Belinda era uma mulher de bem, sem inimigos, só saía para ir à missa, ao
supermercado, fazer uma ou outra compra, sendo sempre as mesmas perto de casa, ou saía
quando o filho a vinha buscar para almoçar com ele. Tratava da sua vida sozinha, vivia da sua
reforma, de administrativa no Ministério do Mar, e da do marido falecido, que tinha sido
bancário. Não falava com desconhecidos, nem era rica, nem sequer com o seu ouro andava na
rua. Sabe que ela tinha um fio grosso de ouro, que o guardava num cofre, na gaveta da
cómoda do seu quarto, e que ela tinha grande estima nele, pois era herdado da mãe, e um
anel de noivado e um relógio oferecido pelo falecido marido. Chegou a ver esses bens, mas
não sabe dizer ao certo o valor, mas seguramente que tudo seria para uns vinte mil euros, ao
que ela uma vez lhe confidenciara.
Perguntada, disse que não faz ideia de quem pudesse querer mal à Belinda: era uma senhora
educada, reservada, muito amiga dos seus amigos e do filho com quem se dava muito bem,
também muito amigo dela, nunca saía à rua com o ouro e não acredita que revelasse a pessoas
de fora que o tinha.
Perguntada, disse ser normal ela abrir a porta a pessoas de confiança ou que se identificassem
ao que vinham.
Perguntada disse que recentemente não houve obras lá em casa da falecida Belinda e que ela
nunca teve empregada doméstica. Sempre cuidou de si sozinha apesar de há algum tempo a
esta parte já ter alguma dificuldade em se movimentar.
10) A fls. 90-92 encontra-se o Relatório de Autópsia Médico-Legal de Belinda Bártolo, do qual
consta, para o que ora releva:
(...)
Cabeça – escoriação na metade direita da região mentoniana com 0,8 cm x 1,1 cm de maiores
dimensões
- Tórax – escoriação no terço médio da face anterior do hemitórax direito, com 0,4 cm x 0,2 cm
de maiores dimensões
Cabeça
Partes moles – petéquias. Área de infiltração sanguínea na região parietal, linea mediana
sagital, com 3,5 cm x 2,5 cm de maiores dimensões. Área de infiltração sanguínea na região
occipital esquerda, arredondada com 1,2 cm de diâmetro.
Pescoço
Conclusões
3 – As lesões traumáticas acima descritas denotam ter sido produzidas por ação de natureza
contundente, não constituindo causa adequada de morte.
4 – Além das lesões atrás referidas foram ainda encontradas outras alterações resultantes de
intervenção terapêutica.
- A escoriação descrita na região mentoniana denota ter sido produzida por ação de natureza
contundente, sendo compatível com traumatismo provocado por oclusão ou tentativa de
oclusão dos orifícios respiratórios da vítima.
- As áreas de infiltração sanguínea ao nível dos tecidos moles da cabeça denotam ter sido
produzida por ação de natureza contundente, sendo compatíveis com traumatismo provocado
por queda da vítima no chão.
- A área da infiltração sanguínea ao nível dos músculos do pescoço denota ter sido produzida
por ação de natureza contundente, sendo compatível com traumatismo provocado por
compressão extrínseca do pescoço, neste caso, de esganadura.
- constata-se que há pequenas lesões traumáticas externas que não constituem a causa de
morte, tal como não existe em termos anatomopatológicos uma lesão capaz de explicar
objetivamente o evento terminal.
Perguntado sobre o que significa, do ponto de vista patológico, padecer de um enfisema
pulmonar e de uma isquémia crónica do miocárdio, esclareceu que:
- a presença de petéquias nos tecidos moles surgem com grande frequência nos casos de
síndrome asfíxico, não sendo no entanto patognomónicas. Ou seja, o facto de encontrarmos
petéquias aponta para um quadro de asfixia, mas não podemos excluir outras causas de
morte.
Perguntado sobre se o contexto emocional pode dar azo ao desfecho observado, disse que
num contexto de um stress violento, com libertação de adrenalina típica nesses casos,
concomitante a episódios de asfixia, ainda que momentâneas, com hipoxémia, é possível a
afetação de um miocárdio doente, desencadeando uma arritmia fatal compatível com a falta
de dados objetivos da autópsia e a morte súbita (morte imediata sem causa aparente de um
indivíduo aparentemente assintomático).
12) A fls. 96 encontra-se o Assento de Nascimento de Custódia Carmo do qual resulta, para o
que ora releva, ter nascido no dia 25 de dezembro de 1936.
13) A fls. 97 encontra-se o Assento de Nascimento e Óbito de Belinda Bártolo do qual se extrai,
para o que ora releva, ter nascido no dia 1 de janeiro de 1930 e falecido no dia 11 de janeiro
de 2017.
14) A fls. 110, com data de 14 de setembro de 2017, o Inspetor titular do Processo lavrou uma
cota com o seguinte teor “Nesta data, faço constar que recebi uma chamada telefónica, pelas
13h, do número 911223344, tendo-se a pessoa identificado como sendo Florberta Frias,
advogada com a cédula profissional 11223300, informando que tinha sido contactada por
Gabriel Gomes e que o mesmo lhe disse ter sido interveniente nos factos ocorridos em 11 de
janeiro de 2017, na Rua da Infelicidade, 1º esq., em Lisboa. Manifestou disponibilidade para se
deslocar às instalações da PJ, na companhia de Gabriel Gomes, amanhã, pelas 11h”.
15) A fls. 120 consta o Termo de Constituição de Arguido e o TIR de Gabriel Gomes, datados de
15 de setembro de 2017, às 11h 10m, dos quais se extrai, para o que ora releva, que nasceu no
dia 25 de janeiro de 1993, na freguesia de Bota-no-Bolso, concelho e distrito de Lisboa, é filho
de Gracindo Gomes e Gilberta Gomes, e reside no Bairro da Congeminação, Lote 1, 1º Esq.,
Caneças.
16) A fls. 130-132 encontra-se o Auto de Interrogatório do arguido Gabriel Gomes, efetuado
pelo Inspetor da PJ titular do Processo, datado de 15 de setembro de 2017, com início às 11h
15m e termo às 12h, no qual esteve presente a advogada do arguido Florberta Frias, do qual
consta, para o que ora releva:
Nesse dia 11, após a hora de almoço, por volta das 13h 30m, recebeu uma chamada do
Humberto Henriques, a perguntar onde estava e se se podiam encontrar para tomar um café.
Combinaram então o local do encontro, às 15h, numa cafetaria na esquina da Rua da
Infelicidade com a Avenida Funesta, cujo nome não recorda.
É amigo do Humberto há um bom par de anos, vivendo ambos no Bairro da Congeminação, em
Caneças. Os pais dele ainda ali residem, mas a ele deixou de o ver por ali.
Quando estavam a tomar o café, o Humberto disse-lhe que precisava dos seus serviços para
abrir uma porta de um apartamento situado naquela zona, porque ali morava um rapaz que
lhe devia muito dinheiro há que tempos e que por isso haveria de trazer o dobro da dívida de
casa dele, estivesse ele ou não em casa, e nem que tivesse que lhe dar nas trombas porque era
um caloteiro.
Ofereceu-lhe 1 000 euros para abrir a porta da entrada da casa, tendo ele que levar as
ferramentas necessárias.
Já uma vez, há uns tempos, lá no Bairro onde moram, ele lhe tinha falado desse rapaz e lhe
tinha dito que se ele não lhe pagasse teria que ir a casa dele buscar o que era seu e não se
ficaria por isso, fosse a bem, fosse a mal, porque caloteiros não brincavam com ele.
Foram então até à Rua da Infelicidade e, quando ali chegaram, a porta do prédio estava
entreaberta.
Então o Humberto disse-lhe para ficar ali a vigiar que se fosse necessário subir para abrir a
porta do apartamento o chamaria.
Ouviu que o Humberto tocou à campainha, e ouviu também abrir e fechar uma porta.
Percebeu, então, que lhe tinham aberto a porta e ele tinha entrado.
Ficou ali para vigiar, se bem que que não poderia impedir que os moradores do prédio
entrassem, porque isso sim, daria nas vistas, e também para ver se, pelo menos, o Humberto
lhe pagaria a hora de trabalho, já que não tinha necessitado da sua intervenção.
Aguardou cerca de 10 a 15 minutos, não sabe bem. Não sabe se atendeu ou efetuou qualquer
chamada durante esse período de tempo, pois não se recorda. Também não sabe dizer qual o
número de telemóvel que usava nessa altura porque muda frequentemente, pois não gosta
que os clientes fiquem com o seu número muito tempo, porque não têm qualquer respeito
pelo seu horário de descanso.
Quando o Humberto saiu, seguiram os dois pelo passeio e ele perguntou-lhe se o rapaz lhe
tinha devolvido o dinheiro e ele disse que sim, que tinha corrido tudo bem. Pediu-lhe então
para lhe dar pelo menos 100 euros para compensar a hora de trabalho perdida e o Humberto
disse-lhe que depois acertariam contas, à noite, lá no Bairro. E pronto, cada um foi à sua vida.
Mas o Humberto não apareceu no café nem lhe deu nada, pois desde essa data não mais
conseguiu estabelecer contacto com ele. Deixou de lhe atender o telefone. Indicou esse
número de telefone do Humberto Henriques como sendo o 92 333 4440. Confrontado com a
ficha biográfica existente na Polícia Judiciária, identifica a foto do Humberto Henriques como
sendo o amigo que o interpelou a deslocar-se à Rua da Infelicidade.
Confrontado com os fotogramas de fls. 25-30, disse que efetivamente é ele e o Humberto.
Depois de ter estado na Rua da Infelicidade, voltou para o seu trabalho e não sabe para onde
foi o Humberto.
Perguntado por que motivo só agora veio falar com a Polícia Judiciária, disse que não tem
conseguido conviver com o facto de saber quem praticou os factos e nada dizer para
esclarecer a verdade e que pretende desta forma colaborar com a investigação, sublinhando
que desconhecia, quando anuiu em acompanhar o Humberto, quem morava no prédio, nunca
lhe tendo passado pela cabeça que aquela ida ali implicaria uma morte.
17) A fls. 140-142 encontra-se um Auto de Diligência Externa, com data do dia 18 de setembro
de 2017, do qual consta, para o que ora releva:
19) A fls. 160-162 encontra-se a promoção do Ministério Público, elaborada na sequência das
declarações do arguido Gabriel Gomes, sob proposta da Coordenadora de Investigação
Criminal, datada de 25 de setembro de 2017, na qual promoveu junto do Juiz de Instrução
Criminal, após ter exarado a competente fundamentação de facto e de direito, em síntese e
para o que ora releva, que, relativamente ao telemóvel utilizado pelo suspeito Humberto
Henriques com o nº 92 333 4440, fosse ordenada à operadora móvel competente o envio dos
dados referentes à faturação detalhada, trace-back com localização celular, no período
temporal entre os dias 1 e 30 de janeiro de 2017, e bem assim que mais fosse ordenada a
interceção do referido número, bem como o IMEI onde tal número esteja inserido e bem assim
a faturação detalhada e localização celular relativa a cada um dos contactos efetuados e
recebidos, pelo período de 30 dias.
20) A fls. 170-172 encontra-se o despacho do Juiz de Instrução Criminal, datado do dia 28 de
setembro de 2017, no qual autorizou as solicitadas interceções e ordenou à operadora que
fornecesse os dados referidos na promoção que antecedia.
No dia 10 de janeiro de 2017 o suspeito Humberto Henriques usa por várias vezes o seu
telemóvel para estabelecer vários contactos telefónicos ativando antenas BTS afetas à
operadora SEMPR’ ÓTELE, situadas na zona da Rua da Infelicidade, na cidade de Lisboa, ou
seja, na zona geográfica onde, no dia seguinte, no mesmo período temporal, vieram a ocorrer
os factos.
Esta constatação aponta fortemente para que o suspeito Humberto Henriques, no dia anterior
aos factos, tenha estado no local da sua ocorrência, para efetuar o reconhecimento do local
onde os iria perpetrar.
No contexto global da listagem dos contactos telefónicos conclui-se que o suspeito Humberto
Henriques habitualmente não frequenta esta zona.
No dia 11 de janeiro, entre as 15h 45m e as 16h 15m, o telemóvel habitualmente utilizado pelo
suspeito Humberto Henriques acionou a antena BTS na Buraca, Amadora, levando a concluir
que o suspeito deixou o telemóvel na sua residência, que se veio a apurar situar-se nesse local,
enquanto se deslocou à cidade de Lisboa para executar o crime, na companhia do arguido
Gabriel Gomes.
O telemóvel ficou propositadamente em casa para fazer crer que não esteve no local da
ocorrência do crime, no momento da sua execução.
Constata-se igualmente que, na manhã e tarde do dia 11 de janeiro, o referido telemóvel
apenas recebeu contactos telefónicos acionando sempre a mesma antena BTS acima referida,
sita na Buraca.
Entre as 13h e as 18h foram efetuadas várias chamadas para o telemóvel que não foram
atendidas, tendo sido direcionadas para o voicemail, o que representa o facto de não ter
atendido chamadas telefónicas por não se encontrar no local onde o aparelho estava
depositado.
Relembre-se que o arguido Gabriel Gomes possui residência em Caneças, onde o suspeito
Humberto Henriques também residiu em casa dos seus progenitores.
Foi possível ainda concluir, com base na recolha que se analisa, que entre os dias 1 e 13 de
janeiro, os contactos efetuados e recebidos são para e de cartões “descartáveis”, cuja
titularidade não se logrou apurar e que permanecem desativados desde o dia 11 de janeiro de
2017, bem como assim permanece o cartão do suspeito Humberto Henriques que ora se
analisa.
24) A fls. 230-232 encontra-se o auto de busca e apreensão relativo à residência sita na Rua da
Ganância, Buraca, Amadora, atual residência do suspeito Humberto Henriques, datado de 25
de novembro de 2017, com início às 8h 30m e termo às 10h, do qual consta, para o que ora
releva:
- um blusão com capuz que corresponde ao usado no dia 11 de janeiro e registado nos
fotogramas.
25) A fls. 240-242 encontra-se um designado Auto de Conversa Informal, datado do mesmo dia
25 de novembro de 2017, com início às 11h e termo às 12h, subscrito pelo arguido Humberto
Henriques e o Inspetor YQY, cujo teor, em síntese e para o que releva é o seguinte:
Hoje, após a sua localização e detenção, pelas 10h 30m, foi mantida conversa informal com o
arguido Humberto Henriques, que relatou a sua versão dos factos da forma que segue:
Já trabalhou como rececionista no Hotel OLHOVIVO, três meses, em 2016, ao lado da casa da
vítima Belinda Bártolo e nessa altura via-a sair de casa, ou à janela, apercebendo-se que ela
residia no 1º esquerdo do nº 1.
Uma vez passou junto a ela viu-lhe um relógio que lhe pareceu ser de luxo e um fio em ouro,
grosso.
Em janeiro de 2017 lembrou-se de a assaltar porque precisava de dinheiro para pagar uma
dívida de droga.
Sabia que havia uma porteira que depois de almoço tinha um tempo de pausa.
Então pensou num plano: tocar à campainha do 1º esq. do prédio, onde morava a vítima, por
volta da hora da sesta, hora em que a porteira não estaria ao serviço, para não ser visto, dizer
que era para verificar a ligação do gás porque cheirava a gás nas escadas e tinha sido chamado
para fazer a vistoria, entrar, abafar a voz à velha, que não ofereceria resistência, pois quase
não conseguia andar, e um empurrão seria o bastante para que caísse e não se conseguisse
levantar, ir ao quarto dela, pois o quarto é sempre onde se guarda o ouro, e apoderar-se dele.
Pensou que era melhor levar um serralheiro de confiança para o caso de ela não abrir a porta e
a terem de arrombar.
No dia 11, pelas 3h da tarde, encontrou-se com o Gabriel num café perto do prédio, e depois
deslocaram-se para o nº 1 da Rua da Infelicidade.
Tudo correu como combinado: a velhota abriu a porta quando ele lhe disse que era para fazer
a vistoria do gás, entrou e colocou-lhe um pano vermelho na boca para não gritar, empurrou-a
e ela caiu de imediato e não se moveu mais.
Foi ao quarto, abriu a primeira gaveta e viu logo um cofre preto, agarrou nele e quando já
estava quase a sair deparou-se com outra velhota e teve de lhe fazer um mata-leão, que é uma
espécie de asfixia controlada, para ela desmaiar e poder sair dali sem problemas.
O Gabriel ficou cá em baixo a controlar as entradas e avisar se fosse necessário. Saiu da casa e
dirigiram-se ambos para a Avenida do Desterro, e apanharam um táxi até Caneças.
Não teve qualquer lucro com o assalto pois entregou tudo logo nessa noite para pagar a dívida.
Perguntado disse não saber exatamente a identidade do individuo a quem entregou os bens.
26) A fls. 260 encontra-se o Termo de Constituição de Arguido e TIR de Humberto Henriques,
datados de 25 de novembro de 2017, às 12h 30m, dos quais se extrai, para o que ora releva,
que nasceu no dia 31 de janeiro de 1993, na freguesia dos À-dos-Larápios, concelho e distrito
de Lisboa, é filho de Humbertão Henriques e Hermínia Henriques, e reside Rua do Agoiro, nº 3,
na Buraca, Amadora.
Determino que o mesmo seja de imediato apresentado à Exma. Procuradora do DIAP de Lisboa
para apreciação das diligências efetuadas e respetiva validação, bem como apresentação do
arguido detido a primeiro interrogatório judicial.
28) A fls. 269 consta uma cota lavrada pelo Inspetor WYW, datada de 25 de novembro de
2017, na qual fez exarar o seguinte:
Faço consignar que o arguido Humberto Henriques se encontrava detido nesta Polícia hoje, dia
25 de novembro, pelas 13h, para ser conduzido e sujeito a 1º interrogatório judicial de arguido
detido para aplicação de medida de coação e que, na sequência do pedido para usar da casa
de banho, que lhe foi concedido, se evadiu pela janela que dá acesso à Rua da Esperança,
tendo encetado fuga. Foram de imediato colocados em alerta todos os meios policiais para
captura do fugitivo.
29) A fls. 270 encontra-se despacho do MP a determinar a extração de certidão dos autos para
investigação do crime de evasão.
As suas declarações, sem Defensor, são preponderantes para lhe imputar a responsabilidade
pelos factos dos autos. Porém, o arguido não se revê nessas declarações, que não proferiu e
não correspondem à verdade, tendo sido adulteradas por quem as exarou, sendo certo que as
assinou, sem possibilidade de as ler, a mando do Inspetor YQY, e assinou-as na convicção que
estava a subscrever o teor das suas verdadeiras declarações. O arguido vem, pois, arguir a
nulidade das declarações assim prestadas, mais solicitando que as mesmas sejam
desentranhadas do processo.
Em face do exposto, requer que seja declarada a nulidade de todo o processado que a si
respeita com as legais consequências e desentranhamento dos autos.
1 - Considere que:
GRELHA DE CORREÇÃO
I – Promoção do MP cotação1
relativa à invocada
nulidade
Conversa Informal Hipóteses de solução:
1
. O conjunto das questões que compõem o Despacho deverá ser objeto, a final, de uma apreciação global
de molde a considerar eventuais erros graves cometidos.
1
- cumprimento do plano - dia e local dos factos; encontro no café;
introdução no prédio por ambos; movimentação de GG para o
exterior do prédio; modo de entrada na residência da BB pelo
arguido HH; atuação de HH de molde a provocar as lesões em BB
descritas no relatório da autópsia; modo de apropriação do cofre;
chegada de CC à residência de BB; atuação de HH sobre CC de
molde a provocar-lhe as lesões descritas no Relatório Pericial /
documentos clínicos; saída de HH para o exterior e abandono do
local por parte de ambos os arguidos.
- bem como aos factos subjetivos dos tipos
2- Quanto a GG
– foi-lhe comunicado pelo HH que “haveria de trazer o dobro da
dívida. De casa dele, estivesse ele ou não em casa, e nem que
tivesse que lhe dar nas trombas porque era um caloteiro”:
2
7. Organização do - correção da linguagem, que deverá ser clara, rigorosa e precisa,
discurso técnico- revelando poder de sínteses, apenas com descrição factual
jurídico e linguagem relevante e sem conceitos de direito ou conter menções a meios
utilizada de obtenção de prova / meios de prova;
-os factos devem estar lógica e cronologicamente ordenados
- apreciação da correção global da peça efetuada 2,5
3
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via Académica
1.ª CHAMADA
2 – Cotações:
- Caso 1 (7 valores)
1 – 2 valores
2 – 3 valores
3 – 2 valores
- Caso 2 (7 valores)
1 – 2 valores
2 – 2 valores
3 – 3 valores
- Caso 3 (6 valores)
1 – 2 valores
2 – 4 valores
6 – Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até
um máximo de 3 valores, para o total da prova.
(7 valores)
Vítor, de 18 anos de idade, filho de Ana e Alberto, ao regressar a sua casa à noite, vindo
de uma festa na Universidade, verificando que não tinha consigo a chave de casa e não
querendo acordar os pais, decidiu entrar por uma janela do primeiro andar da habitação, que
se encontrava aberta, o que já fizera em ocasiões anteriores, com o conhecimento e
consentimento de seus pais.
Para o efeito, escalou o muro em pedra situado no logradouro da moradia e daí
deslocou-se pela estrutura metálica da pérgula existente no logradouro. Quando o fazia, foi
atingido por forte corrente elétrica e sofreu eletrocussão, tendo caído de bruços sobre a
pérgula e sofrido um traumatismo da coluna cervical. Permaneceu no local, em agonia, por
vezes inconsciente, até ter sido encontrado de manhã. Levado para o Hospital, veio a falecer
ainda na ambulância.
Dias depois, a pedido de Ana e Alberto, um funcionário da empresa de distribuição de
energia elétrica que era fornecida à casa deslocou-se a esta, a fim de verificar se a pérgula
tinha corrente elétrica. No local, o referido funcionário verificou que existia tensão elétrica
superior a 200 volts entre a estrutura metálica da pérgula e o ferro (fixado na parede da casa)
de suporte do fio metálico que sustentava o cabo da baixada da casa. Nessa altura, foram
então substituídos pelo mesmo funcionário os isoladores da caixa de ligação elétrica, que
estavam rachados, e o fio do cabo da baixada.
Ana e Alberto, profundamente desgostosos com a morte do seu filho, que era um jovem
saudável e alegre, intentaram uma ação contra a referida empresa de distribuição de energia
elétrica, pedindo a condenação desta no pagamento de uma indemnização.
A Ré defendeu-se, alegando que o acidente se deveu a culpa exclusiva do falecido Vítor
e até dos Autores, seus pais.
Além do acima descrito, apurou-se nesta ação que:
- a tensão eléctrica superior a 200 volts é suficiente para causar a morte a uma
pessoa;
- o fornecimento de energia elétrica de baixa tensão à habitação dos Autores é
efetuado através de uma rede elétrica aérea (principal) com uma derivação de ramal (em cabo
isolado com condutor de cobre);
- o ramal partia de uma caixa de ligação elétrica existente na fachada da casa
vizinha e encontrava-se apoiado numa peça fixada na parede da casa dos Autores, a uma
altura de 3 metros, bem visível por todos, só se podendo alcançar com uma escada amovível
ou meio idêntico;
- a estrutura metálica da pérgula tinha uma altura de 2,5 metros;
- a rede elétrica foi construída com materiais certificados e encontrava-se
protegida por fusíveis adequados ao nível de tensão e ao tipo de cabos;
- a Ré vistoria trimestralmente a sua rede elétrica de baixa tensão,
constatando-se, nas vistorias realizadas ao longo do tempo, que a rede se manteve em bom
estado de conservação e de acordo com as boas regras da arte;
- a Ré havia vistoriado a rede no mês anterior ao acidente.
(2 valores)
(3 valores)
3 - Supondo que Ana e Alberto, após a morte do filho, se divorciam e que apenas Ana
intenta a referida ação, pronuncie-se de forma fundamentada sobre a possibilidade de
Alberto intervir nesta ação e por que meio(s) para fazer valer o seu direito a uma
indemnização por todos os danos em causa.
(2 valores)
Caso 2
(7 valores)
Em janeiro de 2014, Alberto e Ana acordaram com o Banco ABC serem avalistas de uma
livrança em branco para garantia de um empréstimo concedido pelo Banco ABC a Branca, ex-
mulher de Alberto e irmã de Ana, em virtude da boa relação e confiança que mantinham entre
si e considerando que o empréstimo se destinava à compra de um carro para Dora, filha de
Alberto e Branca. Branca não cumpriu o acordado com o Banco ABC, tendo este,
consequentemente, acionado Alberto e Ana na qualidade de avalistas.
Em março de 2016, Alberto intentou uma ação contra Ana e Branca, pedindo a sua
condenação no pagamento da quantia de € 31.200 e juros de mora vincendos, alegando que
tal valor correspondia àquele que havia solvido na qualidade de garante ao Banco ABC. Tal
ação foi julgada procedente, por sentença da qual está pendente recurso com efeito
devolutivo.
Em janeiro de 2017, Alberto requereu a execução desta sentença, tendo em 3 de março
de 2017, no âmbito desta ação executiva, sido penhorada a metade indivisa que a executada
Branca possuía no prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o
n.º 1111 da freguesia de Alfama. O direito de propriedade do referido prédio encontrava-se
registado na referida Conservatória a favor de Alberto e de Branca, constando do registo que
cada um é titular de metade indivisa do prédio.
A executada Branca e sua filha Dora deduziram conjuntamente oposição à execução,
alegando que Branca não é dona da metade indivisa penhorada do referido prédio urbano,
pois que a doou à filha, em dezembro de 2016, conforme escritura pública que juntaram aos
autos, e que Dora nada devia ao exequente.
(2 valores)
Enquadrando juridicamente os meios de defesa apresentados por Dora e por Alberto,
aprecie fundamentadamente as posições de
(2 valores)
3 - Suponha que apenas Dora reagiu através de embargos de terceiro. Alberto contestou,
alegando que a executada doou a sua metade à filha Dora para se furtar ao cumprimento
da obrigação exequenda, e pretende assim ver declarada a ineficácia da doação.
(3 valores)
Caso 3
(6 valores)
(2 valores)
(4 valores)
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via académica
Grelha de Correção
Nota:
1
Caso 1
7 valores
3 - Supondo que Ana e Alberto, após a morte do filho, se divorciam e que apenas Ana
intenta a referida ação, pronuncie-se de forma fundamentada sobre a possibilidade de
Alberto intervir nesta ação e por que meio(s) para fazer valer o seu direito a uma
indemnização por todos os danos em causa.
2 valores
Caso 2
7 valores
Verificar que, ao dar aval na livrança subscrita por Branca a favor do Banco ABC, Alberto
garantiu o seu pagamento, nos termos do disposto nos artigos 30.º a 32.º ex vi artigo 77.º,
todos da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (doravante L.U.).
Constatar que, por força do pagamento que efetuou ao Banco ABC, Alberto ficou
investido nos direitos emergentes da livrança contra a avalizada Branca, pessoa que
igualmente se obrigou para com o Banco ABC, conforme disposto no artigo 32.º, 3.º, ex vi
artigo 77.º da L.U., e concluir, nessa sequência, que assiste a Alberto o direito de reembolso
contra Branca da quantia integral que liquidou ao Banco ABC, no montante de 31.200 €.
Já no tocante aos fundamentos da pretensão de Alberto contra Ana, co-avalista de
Branca na livrança subscrita a favor do Banco ABC, referir que, perante duas teses antagónicas
da jurisprudência, uma que admitia o direito de regresso em termos análogos ao que está
previsto no artigo 650.º do Código Civil para a pluralidade de fiadores e outra que fazia
depender a existência e conteúdo desse direito de convenção extracambiária acordada entre
os avalistas, o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência nos termos seguintes:
«Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo
avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias.» (cf.
acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2012, de 5.6.2012, publicado no DR, 1.ª
série — N.º 137 — 17 de julho de 2012). Admite-se ainda a aplicação do regime das obrigações
solidárias, na senda de alguma doutrina, por via do disposto no artigo 47.º da L.U..
Considerar que assiste a Alberto, na ausência de convenção em contrário, direito de
regresso contra Ana, relativamente a metade do valor que pagou ao Banco ABC.
Concluir que Ana é solidariamente responsável pelo pagamento da quantia de 15.600 €,
com fundamento nas disposições dos artigos 516.º e 524.º do Código Civil.
Caso 3
6 valores