Você está na página 1de 885

40.

º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

Prova escrita de Direito Civil, Comercial e Processual Civil

VIA ACADÉMICA – 1.ª chamada

18 de fevereiro de 2023

Grelha de correção

Nota:
O conteúdo da grelha disponibilizada reflete as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da forma e da
substância, se reputam as mais corretas em função das peças facultadas e dos dados do processo e que devem, na
prova do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outros tipos de abordagem, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face
aos dados facultados e que se revelem suportados em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizados, na
medida do respetivo mérito.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

CASO I
Questão 1 - (4 valores)

Qualifique o acordo celebrado, em janeiro de 2021, entre Ana e Beatriz, apreciando a respetiva validade.

- Qualificar o acordo celebrado entre Ana e Beatriz como um contrato de trespasse de estabelecimento comercial,
recorrendo, face à ausência de uma definição legal, ao disposto no artigo 1112.º, n.º 2, do Código Civil e aos contributos
da doutrina e da jurisprudência;

- Assinalar que tal acordo teve por objeto o conjunto de bens e direitos que se destinavam ao exercício da atividade
comercial de venda e prestação de serviços de confecção e decoração de bolos de aniversário, constituindo um
estabelecimento comercial; referir que esse estabelecimento comercial foi transmitido por Ana a Beatriz juntamente
com a posição de arrendatária do espaço onde o mesmo estava instalado;

- Salientar que o negócio subjacente ao contrato de trespasse consistiu numa compra e venda do estabelecimento
comercial, uma vez que a transmissão da titularidade do estabelecimento ocorreu mediante contrato de alienação de
coisas e direitos, mediante o pagamento de um preço, o qual foi parcialmente entregue por Beatriz a Ana (artigo 874.º
do Código Civil);

- Mencionar que tal contrato, contemplando a posição de arrendatária, deveria ser celebrado por escrito e comunicado
ao senhorio, concluindo, em face dos elementos disponibilizados, que não foi observada a forma escrita, pelo que o
contrato é nulo (artigos 220.º e 1112.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do Código Civil).

Questão 2 - (6 valores)

Considerando os elementos disponibilizados e tendo presente a ação instaurada por Beatriz, enquadre do ponto de
vista jurídico-substantivo, a solução a dar ao litígio.

- Referir que o Tribunal deve conhecer oficiosamente a nulidade do contrato de trespasse, declarando o mesmo nulo,
por falta de forma, concluindo, em consequência, pela improcedência do pedido de declaração da resolução do
contrato (artigos 220.º, 286.º e 1112.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do Código Civil);

- Enunciar os efeitos da nulidade do contrato de trespasse, referindo que a Ré deve restituir à Autora a totalidade da
quantia de 3.500 Euros (correspondente à parte do preço entregue por Beatriz) ou o valor correspondente à diferença
entre a parte do preço entregue e o valor do benefício que Beatriz retirou da efetiva utilização do estabelecimento
comercial, entre fevereiro e setembro de 2021. Em qualquer das hipóteses, fazer referência ao disposto no artigo 289.º,
n.º 1, do Código Civil e ao Assento n.º 4/95 (DR 114/95 Série I-A, de 17-05), concluindo em conformidade pela
procedência total ou parcial do pedido de condenação de 3.500 Euros;

- Sustentar que o contrato de trespasse celebrado entre as partes não produziu os seus efeitos, por ter sido declarado
nulo, afastando a possibilidade de procedência dos pedidos de condenação, respeitantes aos danos patrimoniais e não
patrimoniais, com fundamento no incumprimento contratual da Ré;

- Equacionar, quanto a esses dois pedidos, se tais danos poderiam ser ressarcidos com fundamento na responsabilidade
por factos ilícitos, ao abrigo do disposto nos artigos 483.º, 487.º e 562.º a 564.º do Código Civil;

- Problematizar se a conduta da Ré, ao substituir a fechadura da loja sem entregar à Autora a nova chave, privando-a
de aceder àquele espaço e aos bens por esta adquiridos e confecionados, violou o direito de propriedade da Autora,
apreciando se tais factos se subsumem aos pressupostos da ação direta, previstos no artigo 336.º, n.ºs 1 e 2, do Código
Civil, concluindo negativamente;

- Sustentar, em conformidade, a procedência da pretensão da Autora, no que toca aos danos patrimoniais, no valor de
1500 Euros (artigos 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1, e 566.º, do Código Civil);

- Quanto aos danos não patrimoniais, enquadrar o pedido formulado à luz do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil,
considerando que os mesmos merecem a tutela do direito, concluindo pela sua procedência total ou parcial, sendo o
montante de indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, conforme estatuído no n.º 4 do referido preceito;

Questão 3 – (2 valores)

Indique se Beatriz tinha ao seu dispor algum/uns meio/s processual/ais de tutela cível, e em caso afirmativo, qual/ais.

- Identificar o procedimento cautelar de restituição provisória da posse, previsto no artigo 377.º do Código de Processo
Civil, como um meio processual de tutela da posse;

- Caracterizar a posição de Beatriz enquanto possuidora da bicicleta (artigo 1251.º do Código Civil);

- Referir que Beatriz, contra a sua vontade, foi privada de utilizar e fruir a bicicleta (artigo 1238.º do Código Civil);

- Quanto ao requisito da violência, problematizar a sua verificação no caso concreto, face às posições divergentes da
doutrina e da jurisprudência sobre a questão de saber se a violência do esbulho só pode ser exercida sobre a pessoa
do possuidor ou se pode igualmente recair sobre a própria coisa possuída (artigo 1279.º do Código Civil);

- Consoante a posição adotada quanto a este requisito, concluir pela possibilidade de recurso à restituição provisória
da posse ou, sustentando a ausência de violência, admitir a possibilidade de recurso a uma providência cautelar
comum, desde que verificados os respetivos pressupostos (artigo 362.º do Código de Processo Civil).

CASO II
Questão 1- (6 valores)
Enquadre, do ponto de vista jurídico – substantivo, as pretensões de Catarina, apreciando se as mesmas devem
merecer acolhimento.
Alínea a)
- Mencionar que António e Catarina viveram em situação de união de facto até 31 de dezembro de 2022, nos termos
do artigo 1.º n.º 2 da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio (Lei de proteção das uniões de facto);
- Referir que a união de facto se dissolveu por vontade de António e que a dissolução da união de facto por vontade de
um dos membros tem que ser judicialmente declarada, quando se pretendam fazer valer direitos que dela dependam
– artigo 8.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, da Lei n.º 7/2001;
- Concluir que a declaração judicial da dissolução da união de facto deve ser proferida na ação mediante a qual o
interessado pretende fazer valer direitos dependentes daquela dissolução; pelo que esta pretensão de Catarina deverá
proceder - artigo 8.º, nº 3, 1ª parte, da Lei n.º 7/2001.
Alínea b)
- Referir que a comparticipação dos membros da união de facto para os gastos diários configura uma contribuição livre
para a economia comum, baseada na entreajuda ou partilha de recursos;
- Constatar que, contrariamente ao casamento, na união de facto essa comparticipação não é o cumprimento de um
dever de cooperação e de assistência, que aqui não existe;
- Indicar que, no âmbito da união de facto, essa comparticipação se configura como cumprimento de uma obrigação
natural – artigo 402.º do Código Civil;
- Tratando-se de prestações efetuadas sem coação, não pode ser repetido o que foi prestado, pelo que não há direito
ao recebimento de qualquer valor; devendo esta pretensão de Catarina improceder – artigo 403.º, n.ºs 1 e 2, do Código
Civil.
Alínea c)
- Referir que, quando as lides domésticas da casa em que ambos vivem e a educação dos filhos é repartida pelos dois
membros da união de facto em proporções equilibradas, tais prestações constituem obrigações naturais que, sendo
efetuadas sem coação, não dão lugar à repetição do que foi prestado – artigos 402.º e 403.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil;
- Tendo em conta que, no caso concreto, desde março de 2014, essas tarefas foram realizadas exclusivamente por
Catarina, sem qualquer contrapartida por parte de António, ponderar a possibilidade de aplicação à situação em análise
do instituto do enriquecimento sem causa, previsto nos artigos 473.º segs. do Código Civil;
- Equacionar se se verifica um verdadeiro empobrecimento da Autora, e se a correspetiva libertação do Réu dessas
tarefas configura um verdadeiro enriquecimento; concluindo afirmativamente, ponderar se esse enriquecimento
carece de causa justificativa, considerando que cessou a união de facto que o motivou;
- Seguindo esta orientação, o Tribunal poderá contabilizar o trabalho desenvolvido pela Autora nas lides domésticas e
educação do filho como um fator contributivo que permitiu ao Réu adquirir património no decurso da relação de união
de facto, fixando o valor dessa contribuição para a aquisição do prédio rústico e do automóvel; condenando o Réu no
pagamento desse valor, podendo, nessa medida, a pretensão de Catarina proceder (ainda que parcialmente).
- Alínea d)
- Mencionar que o unido de facto não está vinculado aos deveres conjugais previstos nos artigos 1672.º e segs. do
Código Civil, referindo que o regime da união de facto não prevê qualquer compensação pela rutura da união, por parte
de um dos seus membros;
- Concluir que não existe suporte legal que fundamente o direito a indemnização por rutura da união, devendo esta
pretensão de Catarina improceder.

Questão 2 – (2 valores)
Poderá, sem mais, o Tribunal condenar o Réu no pagamento dessa quantia?
- Referir que a Autora deduziu um pedido genérico e que, para se obter desde logo a condenação num montante
concreto, tal pedido teria que ter sido previamente quantificado pela Autora, no decurso da ação declarativa, o que
não se verificou – artigos 358.º, n.º 1, 359.º, n.º 1, e 360.º, n.º 2, do Código de Processo Civil;
- Desconhecendo o Tribunal os concretos limites da pretensão da Autora, concluir que não pode substituir-se a ela e
fixar o valor do respetivo montante concreto, sob pena de violação dos limites da condenação previstos no artigo 609.º,
n.º 1, do Código de Processo Civil e de nulidade da sentença, nessa parte, por condenação ultra petitum, nos termos
do artigo 615.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Civil.
40.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais
Prova escrita de Direito Civil, Comercial e Processual Civil
VIA ACADÉMICA - 2ª chamada

23 de fevereiro de 2023

Nota:
O conteúdo da grelha disponibilizada reflete as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da forma e da
substância, se reputam as mais corretas em função das peças facultadas e dos dados do processo e que devem, na
prova do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outros tipos de abordagem, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face
aos dados facultados e que se revelem suportados em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizados, na
medida do respetivo mérito.

CASO I
Questão 1 – (8 valores)
Enquadre, do ponto de vista jurídico-substantivo, a pretensão de Bernardo, apreciando se André pode ser
responsabilizado pelos danos causados, tomando posição sobre o desfecho a dar à ação.
- Enquadrar a pretensão de Bernardo no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos e identificar os respetivos
pressupostos, no quadro do disposto nos artigos 483.º e 487.º do Código Civil;
- Afastar a responsabilidade de André, a esse título, mencionando que circulava dentro do limite de velocidade
permitido no local e que foi surpreendido pela súbita entrada de Bernardo na ciclovia, situação que o impossibilitou
de agir de outro modo para evitar a colisão;
- Equacionar se a pretensão de Bernardo poderia ter cabimento à luz do regime da responsabilidade pelo risco, nos
termos do disposto no artigo 503.º, n.º 1, do Código Civil, verificando o preenchimento dos respetivos pressupostos;
- Analisar, nesse contexto, se o acidente se deveu ao próprio lesado, concluindo afirmativamente, em face do
disposto no artigo 505.º do Código Civil. Ao invadir subitamente a ciclovia sem se certificar que não colocava em
risco a segurança do trânsito que aí fluía, Bernardo agiu de forma imprudente e descuidada, causando a colisão;
- Problematizar a questão da concorrência entre o risco do veículo e a conduta do lesado;
- Em face da posição adotada, concluir pela improcedência total ou parcial da pretensão de Bernardo e, neste último
caso, repartir a responsabilidade pela produção do sinistro em proporção adequada à contribuição do risco do
veículo e à culpa do lesado.

Questão 2- (2 valores)
Pronuncie-se sobre a admissibilidade do segundo articulado de petição inicial apresentado por Bernardo.
- Identificar o princípio da estabilidade da instância, consagrado no artigo 260.º do Código de Processo Civil,
reconhecendo que apenas com a citação do réu se tornam estáveis os elementos essenciais da causa, sendo estes
os sujeitos, a causa de pedir e o pedido (artigo 564.º, al. b), do Código de Processo Civil);
- Concluir, em consequência, pela admissibilidade da alteração realizada em 17 de janeiro de 2018 à petição
inicialmente apresentada, em que o Autor modificou o(s) pedido(s), uma vez que apenas com o ato de citação se
tornam imutáveis os elementos essenciais que conformam a ação.

Questão 3 – (2 valores)
Enquadre, do ponto de vista jurídico processual, a pretensão de Bernardo, apreciando se poderia ter acolhimento;
- Enquadrar a pretensão de Bernardo no âmbito da prova pericial, referindo que pode ser requerida pelas partes e
que podia ser admitida, tendo em vista a realização de exame, por perito, à trotineta acidentada (artigos 388.º do
Código Civil e 467.º, n.º 1, do Código de Processo Civil);
- Em alternativa, referir que o Tribunal também podia enquadrar o requerido no âmbito de uma verificação não
judicial qualificada, determinando a um técnico ou pessoa qualificada que procedesse à inspeção da trotineta (artigo
494.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

CASO II

Questão 1 – (6 valores)
Analisando as posições de ambas as partes e cada um dos fundamentos de resolução invocados por António,
pronuncie-se sobre a viabilidade da sua pretensão.
- Qualificar o contrato celebrado entre as partes como um contrato de arrendamento urbano habitacional (artigos
1022.º, 1023.º, 1067.º, n.º 1, do Código Civil);
- Enquadrar, a questão, quanto ao primeiro pedido formulado por António, como um pedido de resolução do
contrato de arrendamento, no âmbito do disposto no artigo 1083.º do Código Civil (artigos 432.º, n.º 1, e 801.º, n.º
2, 1079.º, 1080.º, 1083.º n.ºs 1 e 2, do Código Civil);
- Equacionar as distintas interpretações, sustentadas pela doutrina e jurisprudência, dos pressupostos da resolução
do contrato de arrendamento, previstos no n.º 2 do art.º 1083.º do Código Civil, nomeadamente, no que concerne
à relação entre as diversas cláusulas previstas nas alíneas dessa norma e a respetiva cláusula geral;
- Concluir, face à posição tomada, se a falta de limpeza da gaiola e a repetição, pelo papagaio, das palavras referidas
na hipótese, a qualquer hora do dia ou da noite, são ou não condutas suscetíveis de preencher o disposto na primeira
parte na alínea a) do n.º 2 do artigo 1083.º Código Civil;
- Analisar ainda a questão da violação, por parte da arrendatária, de uma cláusula do contrato que a impedia de ter
na habitação animais domésticos, problematizando se esta violação consubstancia conduta que, pela sua gravidade
ou consequências, pode tornar inexigível a manutenção do arrendamento por parte do senhorio, conduzindo à
resolução do contrato (artigos 432º, n.º 1, 801º, n.º 2, 1079º, 1080º, 1083º n.ºs 1 e 2, do Código Civil);
- Ponderar a eventual colisão entre o direito de propriedade do senhorio, os direitos à saúde, ao sossego e
tranquilidade dos restantes habitantes do prédio e, por fim, por parte da arrendatária e da sua família, o direito de
propriedade do animal e à saúde e bem-estar do filho, concluindo que, tratando-se de direitos desiguais ou de
espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior (artigos 70.º, 355.º, n.º 2 e 1302.º do Código Civil);
- Em consequência, problematizar a validade da cláusula contratual proibitiva de deter animais domésticos;
- Mencionar, na hipótese de se concluir pela cessação do contrato, por resolução, como efeitos desta, a exigibilidade,
após o decurso de um mês a contar da resolução, se outro prazo não for judicialmente fixado, da desocupação do
locado e a sua entrega ao senhorio, com as reparações que incumbam ao arrendatário (artigos 1081.º, n.º 1, e 1087º
do Código Civil).

Questão 2 – (2 valores)
Partindo do pressuposto que os factos invocados por Maria são verdadeiros, indique o que poderia António,
processualmente, fazer?
- Qualificar o invocado por Maria na contestação, como uma exceção dilatória de ilegitimidade, suscetível de
determinar, se não for objeto de suprimento, a absolvição da Ré Maria da instância (artigos 30º, 278º, n.º 1, al. d),
e n.º 3, 1ª parte, 576º, n.ºs 1 e 2, e 577º, al. e), do Código de Processo Civil);
- Identificar que se trata de uma situação de litisconsórcio necessário passivo, devendo a ação ter sido intentada
contra ambos os cônjuges, nos termos dos artigos 33.º, n.º 1, e 34.º, n.º s 1 e 3, do Código de Processo Civil;
- Referir que, para suprir a mencionada exceção dilatória de ilegitimidade de Maria, deverá António deduzir, até ao
termo da fase dos articulados, sem prejuízo do disposto no artigo 261º do Código de Processo Civil, o incidente de
intervenção principal provocada passiva de Francisco, nos termos dos artigos 316.º, n.º 1, e 318º, n.º 1, al. a), do
Código de Processo Civil.
40.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

(artigo 16.º, n.º 3, da Lei n.º 2/2008, de 14/1)

Via profissional

1.ª Chamada – 18 de fevereiro de 2023

Grelha de Correção

Nota:

O conteúdo da grelha disponibilizada reflete as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da forma e da
substância, se reputam as mais corretas em função das peças facultadas e dos dados do processo e que devem, na
prova do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outros tipos de abordagem, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face
aos dados facultados e que se revelem suportados em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizados, na
medida do respetivo mérito.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

1ª parte 4 valores
a) Incompetência territorial
b) Erro na forma do processo

2ª parte 16 valores
a) Fundamentação de direito 12 valores
b) Demais componentes estruturais da sentença:
1. Dispositivo 2 valores
2. Restantes componentes 2 valores
1ª PARTE
COTAÇÃO TOTAL - 4 VALORES

Incompetência 1. Identificação da exceção e das normas aplicáveis – artigos 71.º, n.º 2, 78.º, n.º 1, al.
territorial c), 104.º, nº 1, al. a), 278.º, n.º 2, 577.º, 578.º, do Código de Processo Civil;
2. Na determinação do local da prática dos factos, problematizar se o mesmo
corresponde ao local em que as publicações foram efetuadas (domicílio da
requerida) ou ao local do conhecimento de tais publicações pelo requerente
(domicílio do requerente). Conclusão pelo tribunal competente, em conformidade.

1. Qualificação e enquadramento da exceção – artigo 193.º, n.º 1, do Código de


Erro na forma do Processo Civil;
processo 2. Identificação da previsão da ação especial de tutela da personalidade - artigo 878.º
do Código de Processo Civil;
3. Problematização da articulação da tutela cautelar prevista no âmbito da ação
especial com o procedimento cautelar comum – artigo 879.º, n.º 5, e artigo 362.º
do Código de Processo Civil;
4. Ponderar a possibilidade de ser proposta como ação principal uma ação de
responsabilidade civil por factos ilícitos, excluindo a possibilidade de cumulação de
um pedido de indemnização no âmbito da ação especial de tutela de personalidade;
5. Concluir pelo caráter facultativo da ação especial face à ação comum, em oposição
ao artigo 546.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

2ª PARTE
COTAÇÃO TOTAL - 16 VALORES

1. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA – PARTE I

Identificação das partes e objeto do litígio (enunciação genérica dos pedidos, causa de
pedir e posição das partes);

Questões a decidir:
1. Preenchimento dos pressupostos do procedimento cautelar comum;
2. Em função da resposta positiva quanto à verificação dos pressupostos do
procedimento cautelar comum:
2.1. Determinação das condutas concretas a impor à requerida;
2.2. Verificação dos pressupostos de aplicação de uma sanção pecuniária
compulsória e respetivo montante;
3. Decisão do pedido de inversão do contencioso.
2. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA – PARTE II

Estrutura e ordem das componentes da sentença – incluindo, no local próprio, factos


provados, não provados e motivação (por mera remissão para o extrato disponibilizado no
enunciado da prova)

3. FUNDAMENTAÇÃO
DE DIREITO
A) Identificação dos pressupostos do procedimento cautelar comum: artigo 362.º do
Código de Processo Civil - existência do direito por parte do requerente, fundado
receio de lesão grave desse direito, lesão dificilmente reparável;
1. Identificação do direito do Requerente – direito à honra e ao bom nome e
direito à imagem;
2. Ponderação da eventual existência de um conflito de direitos:
2.1 Da titularidade do requerente: direito à honra e ao bom nome e direito
à imagem – direitos de personalidade (artigo 70.º Código Civil)
2.2 Da titularidade da requerida: direito à liberdade de expressão – artigo
37.º da Constituição da República Portuguesa;
3. Recondução dos pressupostos aos factos provados:
3.1 Existência do direito por parte do requerente: factos G), H), I), J), K), L),
M), N), O), P), Q), R), S);
3.2 Fundado receio de lesão grave desse direito: factos T), U), V), W), Y),
Z);
3.3 Lesão dificilmente reparável – atenta a natureza dos direitos violados
a sua lesão é irreparável – por remissão para os factos acima
mencionados.
B) Concluindo pela verificação dos pressupostos do procedimento cautelar comum:
1. Problematizar a necessidade e proporcionalidade das providências
requeridas;
2. Determinar, de acordo com os critérios da necessidade, adequação e
proporcionalidade em sentido estrito, as concretas providências a decretar;
3. Determinar a advertência da requerida nos termos do artigo 375.º do
Código de Processo Civil.

C) Ponderação do regime jurídico da sanção pecuniária compulsória – artigo 829.º-


A do Código Civil
1. Apreciação dos pressupostos de condenação em sanção pecuniária
compulsória, concluindo-se pela sua verificação – artigo 365.º, n.º 2, do Código
de Processo Civil e artigo 829.º-A do Código Civil;
2. Fixação da sanção, ponderando a situação económica da requerida e
concluindo que o valor peticionado (500 €/dia) se mostra desadequado, atenta
a situação de desemprego em que aquela se encontra.

D) Decisão do pedido de inversão do contencioso:


1. Ponderação do regime jurídico (artigo 369.º do Código de Processo Civil);
2. Análise dos pressupostos:
2.1 Requerimento do requerente;
2.2 Convicção segura do direito acautelado;
2.3 Adequação da providência à tutela definitiva do direito;
2.4 Adequação das providências decretadas à resolução definitiva do
litígio, considerando a possibilidade de pedido de indemnização por
factos ilícitos em ação principal;
3. Conclusão pela inadmissibilidade da inversão do contencioso, pela
impossibilidade de resolução definitiva do litígio, considerando a declaração
do requerente de que não prescinde do direito à indemnização que lhe
assistirá. Em alternativa, admitindo que a inversão do contencioso não
pressupõe a consunção de qualquer outro tipo de tutela, aceitar que o
requerente poderá ainda requerer uma indemnização no âmbito da
responsabilidade civil por factos ilícitos, noutra ação, e, em consequência,
concluir pela admissibilidade da inversão do contencioso quanto às
providências efetivamente decretadas.
Fundamentação da decisão quanto ao valor do procedimento e custas, estas em coerência
com a decisão a proferir (artigos 296.º, 303.º, n.º 1, 304.º, n.º 3, al. d), 306.º, n.ºs 1 e 2,
527.º e 607.º, n.º 6 do Código de Processo Civil)
4. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA – PARTE III

DISPOSITIVO

1. Declaração da procedência dos pedidos formulados pela requerente em


conformidade com as conclusões atingidas na discussão;
2. Enunciação das providências concretas a impor à requerida;
3. Condenação da requerida em sanção pecuniária compulsória por cada dia
de atraso no cumprimento do determinado e por cada infração;
4. Advertência da requerida da possibilidade de incorrer na prática do crime
de desobediência qualificada em caso de incumprimento das providências
determinadas;
5. Procedência ou improcedência do pedido de inversão do contencioso, em
conformidade com a posição anteriormente adotada.

Fixação do valor do procedimento e condenação em custas.

Notificação e registo da sentença.


PROVA ESCRITA

DE

DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via Profissional

40.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO N.º 2 2 5 / 2 0 2 3 , PUBLICADO NO


DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 4 , 2.ª SÉRIE, DE 5 D E J A N E I R O D E 2023

2 3 DE F E V E R E I R O DE 2023
09H15M

2.ª CHAMADA

A PROVA INICIA-SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA DESIGNADA


(ARTIGO 12.º, N.º 1, DO REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS
JUDICIÁRIOS)

DURAÇÃO DA PROVA: 4 HORAS


VIA PROFISSIONAL – 2.ª CHAMADA – 23 DE FEVEREIRO DE 2023

I. A presente prova disponibiliza o seguinte conjunto de peças, contidas em autos de um


processo judicial (nomes, moradas e restantes elementos de facto fictícios):

1. Petição inicial apresentada a juízo, pela Autora, no dia 1 de setembro de 2022, com
cumprimento de todas as formalidades legais;

2. Contestação apresentada tempestivamente pelos Réus, igualmente com o


cumprimento de todas as formalidades legais;

3. Extrato da decisão sobre a matéria de facto integrada na Sentença elaborada pelo


Juiz do processo.

II. Considere ainda o seguinte:

a) não se verifica qualquer falha ou omissão no que diz respeito a documentos a juntar
pelas partes, taxas de justiça ou procurações, tudo estando devidamente junto ou comprovado
no processo.

b) a audiência prévia decorreu sem incidentes, tendo o juiz fixado o valor da ação e
proferido despacho saneador que julgou válida e regular a instância, despacho de enunciação
do objeto do litígio e despacho de seleção dos temas da prova.

c) finda a audiência prévia, os autos seguiram para instrução e julgamento, tendo a


pertinente audiência sido realizada com observância do formalismo legal, nomeadamente com
cumprimento de todos os contraditórios necessários.

d) a matéria de facto e respetiva motivação a considerar são as que constam do extrato


acima referido em I.3, para o qual a sentença a redigir deverá remeter.

III. Pretende-se que, mediante o conjunto das peças e elementos disponibilizados, elabore
a sentença da ação.

IV. Apesar de a presente prova consistir na elaboração de uma decisão judicial, não poderá
conter qualquer assinatura, ainda que fictícia – pelo que, no final da peça, as/os candidatas/os só
deverão escrever as palavras seguintes:
2
“Data”

“Assinatura”.

V. Cotação: 20 valores
- Fundamentação de Direito – 15,00 valores;
- Demais componentes estruturais da sentença
- dispositivo – 2,50 valores;
- restantes componentes – 2,50 valores.
VI. A atribuição da cotação máxima nesta prova pressupõe um tratamento completo das várias
questões suscitadas, que deverá ser coerente e corretamente fundamentado, incluindo a indicação dos
preceitos legais aplicáveis.
VII. Na cotação atribuída serão tidos em consideração a pertinência do conteúdo, a qualidade da
informação transmitida em relação à questão colocada, a organização da exposição, a capacidade de
argumentação e de síntese e o domínio da língua portuguesa.
VIII. Os erros ortográficos serão valorados negativamente: -0,25 por cada um, até um máximo de
-3 valores para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º 225/2023, publicado no Diário da República,
2ª série, n.º 4, de 5 de janeiro).
IX. A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a candidato/a será
penalizada com uma redução da nota atribuída até um máximo de -3 valores, para o total da prova
(Ponto 6.3.3 do Aviso n.º 225/2003, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 4, de 5 de janeiro).
X. As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a grafia do "Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa" (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e
ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-
lo expressamente no quadro "Observações" da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
"Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91,
não está em vigor com carácter de obrigatoriedade", sendo a prova corrigida nesse pressuposto.
XI. As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento identificativo
da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da folha de rosto), sob pena de
anulação da prova.
XII. Assim que for dada indicação que a prova terminou os/as candidatos/as não poderão
prosseguir com o que estavam a escrever, ficando a aguardar que o/a vigilante recolha as folhas com a
prova. O desrespeito desta regra implica a anulação da prova.
XIII. Na resolução desta prova não deve ser utilizada a legislação especialmente aprovada
em consequência da pandemia COVID – 19.
3
Exmo/a. Senhor/a
Juiz/a de Direito dos Juízos Centrais Cíveis
de Ponta Delgada

BANCO DE INVESTIMENTO E SUCESSO, S.A, NIPC n.º 000000000, com sede na Avenida
da República, nº 20-A, em Lisboa

vem intentar a presente ação declarativa, sob a forma comum de processo, contra:

1º ALBERTO ALTO, solteiro, maior, gestor de empresas, NIF n.º 111111111, com
domicílio na Rua da Paz, nº 15, Ponta Delgada e local de trabalho na Avenida de São
Patrício, nº 12, na mesma cidade;

2º BEATRIZ ALTO, divorciada, professora, NIF n.º 222222222, com domicílio na Rua da
Rosa, nº 5, 2º-F, Ponta Delgada e local de trabalho no Externato São Pedro, na
Travessa do Fala-Só, 23, na mesma cidade;

3º CAROLINA BASTOS ALTO, viúva, reformada, NIF n.º 333333333, com domicílio na
Rua de São Pedro, nº 8, em Ponta Delgada.

Nos termos e pelos fundamentos seguintes:

1. O 1º Réu Alberto Alto e a 2ª Ré Beatriz Alto são filhos da 3ª Ré Carolina Bastos


Alto e do falecido marido desta, Ludovico Franco Alto.
2. Ludovico Franco Alto faleceu no dia 20 de agosto de 2015.
3. No exercício da atividade de concessão de crédito a que se dedica, o Autor
celebrou com o 1º R. Alberto Alto e a sociedade XPTO – Capital Ventures S.A,
em 4 de dezembro de 2018, um contrato de financiamento, pelo qual concedeu
à segunda um crédito no valor de 250.000,00 de euros, sujeito às condições que
constam do documento junto sob o nº 1, que aqui se dá por reproduzido.
4. Nos termos desse acordo, o 1º Réu Alberto Alto constituiu-se fiador das
obrigações da referida sociedade.
5. A devedora deixou de cumprir o contratado a partir de janeiro de 2020, ficando
em dívida a quantia de capital de 216.129,17 euros, acrescida de juros vencidos
às taxas convencionadas, num total, ao dia de hoje, de 220.180,00 euros.
6. Anteriormente a esses eventos, concretamente, em 10 de julho de 2005, a 3ª
Ré Carolina Bastos Alto e o seu marido Ludovico Franco Alto, haviam doado ao
1º Réu Alberto Alto, por conta das respetivas quotas disponíveis, um
apartamento sito em Loures, distrito de Lisboa, pelo respetivo valor patrimonial
de 70.000,00 euros (documento nº 2).

4
7. No dia 15 de março de 2022, em escritura pública outorgada junto do Cartório
Notarial de Alzira Pécurto, em Estremoz, os três Réus efetuaram a partilha do
acervo patrimonial deixado por morte de Ludovico Franco Alto (documento nº 3).
8. Em concreto, relacionaram como constituindo esse património, os seguintes
bens:
8.1. fração autónoma designada pelas letras “FF” correspondente ao quinto
andar do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na
Rua Pedro Cabral, nº 11, freguesia de São Sebastião, Ponta Delgada,
inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º 444 e descrito na
Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o n.º
222/001015, à qual atribuíram o valor de 250.000,00 euros.
8.2. prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e 1º andar, sito na
freguesia de Água Retorta, concelho da Povoação, inscrito na matriz
predial respetiva sob o n.º 71 e descrito na Conservatória do Registo
Predial de Povoação sob o nº 444/680515, ao qual atribuíram o valor de
120.000,00 euros.
8.3. prédio misto, composto por terra de semeadura, dependências
agrícolas e casa de habitação, sito na freguesia de Faial de Terra,
concelho de Povoação, inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º 42
e descrito na Conservatória do Registo Predial de Povoação sob o nº
555/680515, ao qual atribuíram o valor de 75.000 euros.
9. Nos termos da partilha então acordada, os Réus atribuíram à 3ª Ré a
propriedade da fração autónoma, à 2ª Ré a propriedade do prédio urbano sito
na Povoação e, em comum, a ambas, a propriedade do prédio misto sito na
Povoação.
10. O 1º Réu Alberto Alto recebeu uma quantia de tornas que declarou já lhe ter sido
paga.
11. Por outro lado, no mesmo ato de escritura pública, os três Réus declararam
alterar a doação efetuada em 10 de julho de 2005, por forma a que essa
disposição deixasse de ser efetuada por conta da quota disponível e passasse
a ser por conta da legítima do 1º Réu Alberto Alto.
12. Ora, essa partilha, atribuindo ao 1º Réu Alberto Alto um valor em dinheiro,
facilmente dissipável, provocou uma manifesta diminuição da garantia
patrimonial do Banco autor.
13. De igual forma, a alteração da doação, efetuada na mesma escritura pública,
constitui uma limitação severa dessa garantia patrimonial.
14. Ao 1º Réu Alberto Alto não são conhecidos quaisquer outros bens além do
apartamento doado pelos seus pais, atrás referido.
15. Esse bem é manifestamente insuficiente para responder pelo crédito do Autor,
uma vez que não tem atualmente valor de mercado superior a 150.000,00 euros.
16. As Rés Beatriz Alto e Carolina Bastos Alto tinham conhecimento da dívida do 1º
Réu para com o Autor, face à relação próxima que sempre mantiveram com
este, nomeadamente devido aos laços familiares entre todos eles.
17. A mera escolha da cidade de Estremoz, com a qual nenhum dos Réus tem
qualquer relação, como local para efetuar os atos impugnados, mostra, sem
margem para dúvida, que os Réus quiseram esconder do Autor a dissipação
patrimonial.

5
18. É evidente que os Réus atuaram em conluio, com o intuito de impossibilitar o
Autor de cobrar o seu crédito.
19. Os atos praticados são impugnáveis nos termos do art.º 610º e seguintes do
Código Civil.
20. Encontrando-se preenchidos todos os requisitos para que seja reposta a
garantia patrimonial a que o Autor tem direito.

Nestes termos, sempre com o suprimento do Tribunal,


deve a presente ação ser julgada procedente e, por essa
via:

a) Julgar-se nulo o negócio jurídico, realizado entre os


Réus, por escritura pública outorgada em 15 de
março de 2022;
b) Cancelados todos e quaisquer registos
eventualmente efetuados com base nesse ato.

Valor: 220.180,00 euros.

Junta: três documentos.

Prova testemunhal, cuja notificação se requer:

a) Mariana Alves dos Reis, bancária, com residência na Rua das Malvas, nº 7,
em Ponta Delgada;
b) António Contador, bancário, com residência na Travessa do Espadarte, nº 17,
3º F, na Povoação.

O Advogado

(assinatura digital)

6
Exmo/a. Senhor/a Juiz/a de Direito

Juízo Central Cível


Processo nº 15/23.0TVPDL

ALBERTO ALTO, BEATRIZ ALTO E CAROLINA BASTOS ALTO, RÉUS na ação


declarativa à margem identificada, vêm apresentar a sua,

CONTESTAÇÃO,
nos seguintes termos:


É falso e, como tal repudiado pelos Réus, que a partilha efetuada por óbito do
marido e pai dos mesmos tenha provocado uma diminuição da garantia
patrimonial do Banco Autor.


Com efeito, essa partilha resulta completamente equitativa, considerando, a um
tempo, a doação de que o Réu Alberto Alto já havia beneficiado e a quantia
recebida em tornas.


A verdade é que, por razões pessoais, o Réu Alberto Alto não tinha interesse na
propriedade de qualquer dos imóveis, mas sim no dinheiro das tornas.


Por outro lado, não existiu qualquer intuito dos Réus de impossibilitar o A. de
cobrar o seu crédito, tanto mais que a segunda e terceira Rés desconheciam que
o Réu Alberto Alto tinha dívidas para com o Autor.


O imóvel de que o Autor é proprietário e que lhe foi doado pelos seus pais tem
atualmente um valor de mercado não inferior a 200.000,00 euros.


A tudo acresce que esse Réu é proprietário de vários outros bens suscetíveis de
permitir o pagamento do crédito, nomeadamente, um veleiro no valor de cerca de
120.000 euros e um apartamento sito em Palma de Maiorca, Espanha, com um
valor de mercado de 350.000 euros (docs. 1 e 2).

7

Por sua vez, a sociedade XPTO – Capital Ventures S.A, devedora do mesmo
crédito, é titular de participações sociais no capital social das sociedades XPTO I
- Imóveis, Lda. e XPTO II, Investimentos Lda., no valor de cerca de 250.000
euros e proprietária do imóvel onde se encontra situada a sua sede social, no valor
de mercado de 500.000 euros (docs. 3 a 5).


Desses dados resulta que o Banco A. pode obter o pagamento do seu crédito por
essa via, sem importunar os assuntos familiares dos Réus.


É, pois, manifesto que a presente ação está votada à total improcedência, o que se
requer.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a ação


ser julgada improcedente e os Réus totalmente
absolvidos dos pedidos.

Prova:
a) Testemunhas, cuja inquirição requer:
1. Maria Alzira Fontes, divorciada, empresária, residente na Avenida
Paiva Couceiro, nº 18, Ponta Delgada;
2. António Silveiro, casado, agricultor, residente na Rua da Paz, nº 15,
Povoação.
b) Cinco documentos.

JUNTA: procuração forense e cinco documentos.


VALOR: o da ação.

O ADVOGADO
(assinatura digital)

8
EXTRATO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

FACTOS PROVADOS
1. A autora, designando-se por «Banco», a sociedade XPTO – Capital Ventures, S.A, intitulando-se
«parte devedora» e o réu Alberto Alto, intitulando-se «segundo contraente», celebraram no dia 4 de
dezembro de 2018 o acordo escrito intitulado «Contrato de financiamento nº 0000», do qual se fez
nomeadamente constar:
“Cláusula primeira
a) O segundo contraente confessa a sociedade sua representada devedora ao Banco da
quantia de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), que a título de financiamento dele
recebeu, destinando a quantia a liquidação da operação nº 1111.
b) A quantia acima referida será creditada na conta de depósito nº 222333444.
Cláusula segunda
Este contrato é celebrado pelo prazo de 72 (setenta e dois) meses, a contar da presente
data.
Cláusula terceira
O capital financiado vence juros à taxa anual nominal (TAN) de 4%.
Cláusula quarta
a) A parte devedora obriga-se a reembolsar o presente financiamento em 72 (setenta e
duas) prestações mensais, constantes e sucessivas, incluindo capital e juros, sendo que, o
cálculo dos juros a aplicar ao contrato será feito tendo como referência trezentos e sessenta
dias.
b) A primeira das referidas prestações vence-se um mês após a data do contrato e as
restantes em igual dia dos meses seguintes.
Cláusula quinta
Em caso de incumprimento de qualquer obrigação emergente do presente contrato, e se o
Banco recorrer a juízo para recuperação dos seus créditos, será devida, além dos juros
remuneratórios, uma indemnização com natureza de cláusula penal no montante que
resultar da aplicação da sobretaxa de 2% (dois por cento), calculada sobre o capital em
dívida desde a data da mora.
Cláusula sexta
O segundo contraente confessa-se e constitui-se fiador e principal pagador das dívidas
contraídas pela parte devedora no âmbito do presente contrato, renunciando
expressamente ao benefício da excussão prévia.
(…)”.
2. A sociedade XPTO – Capital Ventures, S.A não procedeu ao pagamento das prestações do acordo
referido no nº 1 que se venceram nos dias 4 dos meses de janeiro de 2020 e seguintes, no valor total

9
de capital de 216.129,17 euros.
3. O 1º Réu Alberto Alto e a 2ª Ré Beatriz Alto são filhos da 3ª Ré Carolina Bastos Alto e do falecido
marido desta, Ludovico Franco Alto.
4. Em escritura pública outorgada no dia 10 de julho de 2005, no Cartório Notarial de Timóteo Medeiros,
em Ponta Delgada, a 3ª Ré Carolina Bastos Alto e o seu marido Ludovico Franco Alto declararam
doar, por conta das suas quotas disponíveis, ao 1º Réu Alberto Alto, que declarou aceitar, a fração
autónoma destinada a habitação, designada pela letra “D”, parte do prédio urbano sito na Rua do
Povo, nº 53, em Loures, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº 19999817
e inscrito na matriz sob o artº 555.
5. Na mesma escritura pública, foi atribuído a essa fração o valor de 70.000,00 euros, correspondente
ao respetivo valor patrimonial.
6. Ludovico Franco Alto faleceu no dia 20 de agosto de 2015, no estado de casado com a Ré Carolina
Bastos Alto, tendo esse casamento sido celebrado em 23 de julho de 1970 sem convenção
antenupcial.
7. No dia 15 de março de 2022, em escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Alzira Pécurto,
em Estremoz, o 1º Réu Alberto Alto, a 2ª Ré Beatriz Alto e a 3ª Ré Carolina Bastos Alto declararam
que, por eles e enquanto herdeiros únicos de Ludovico Franco Alto, procediam à alteração da doação
celebrada na escritura pública outorgada no dia 10 de julho de 2005, por forma a que o bem doado
o passasse a ser por conta da legítima do Réu Alberto Alto.
8. Ainda na mesma escritura pública, os três Réus declararam que a herança de Ludovico Franco Alto
era constituída pelos seguintes bens:
“VERBA Nº 1
Fração autónoma designada pelas letras “FF” correspondente ao quinto andar do prédio urbano
em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Pedro Cabral, nº 11, freguesia de São
Sebastião, Ponta Delgada, inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º 444 e descrito na
Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o n.º 222/001015, no valor 250.000,00
euros.

VERBA Nº 2

Prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e 1º andar, sito na freguesia de Água Retorta,
concelho da Povoação, inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º 71 e descrito na
Conservatória do Registo Predial de Povoação sob o nº 444/680515, no valor de 120.000,00
euros.

VERBA Nº 3

Prédio misto, composto por terra de semeadura, dependências agrícolas e casa de habitação,
sito na freguesia de Faial de Terra, concelho de Povoação, inscrito na matriz predial respetiva
sob o n.º 42 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Povoação sob o nº 555/680515,
no valor de 75.000 euros.
10
9. Na mesma escritura pública, os três Réus declararam que procediam à partilha dessa herança do
seguinte modo:
- À Ré Carolina Bastos Alto era adjudicada e ficava a pertencer a propriedade da verba
nº 1;
- À Ré Beatriz Alto era adjudicada e ficava a pertencer a propriedade da verba nº 2;
- Às Rés Carolina e Beatriz Alto era adjudicada e ficava a pertencer, em comum, na
proporção de metade para cada uma, a propriedade do imóvel da verba nº 3.
10. Ainda na mesma escritura pública, os réus declararam que, pelas adjudicações acima referidas, o
Réu Alberto Alto recebia tornas no valor de 50.833,33 euros, tendo o segundo declarado que estava
pago dessas tornas, nada mais tendo a receber por conta da herança de Ludovico Franco Alto.
11. Quando outorgaram a escritura pública referida no nº 7, as Rés Beatriz e Carolina sabiam que o
Réu Alberto tinha dívidas na Banca em situação de incumprimento, designadamente ao Banco
autor, provenientes dos negócios das sociedades de que era acionista.
12. No mesmo momento, as Rés Beatriz e Carolina admitiram que a partilha concretizada nessa
escritura pudesse diminuir a possibilidade de pagamento das dívidas do Réu Alberto, com o que se
conformaram.
13. O Réu Alberto Alto, por desenvolver parte da sua atividade no estrangeiro, o que o obriga a várias
viagens ao ano, não tinha interesse em ficar com a propriedade de qualquer dos imóveis descritos
no nº 8 da factualidade provada, preferindo ver o seu quinhão preenchido com tornas.
14. A fração autónoma descrita no nº 4 da factualidade provada tem atualmente um valor de mercado
não inferior a 120.000,00 euros.
15. A sociedade XPTO – Capital Ventures S.A é titular de participações sociais no capital social das
sociedades XPTO I - Imóveis, Lda. e XPTO II, Investimentos Lda., no valor nominal total de 150.000
euros.
16. A mesma sociedade é proprietária do imóvel onde se encontra situada a sua sede social, o qual
tem um valor de mercado de cerca de 500.000,00 euros.
17. Pela apresentação nº 12 de 12 de maio de 2022, a Ré Carolina Bastos Alto tem inscrita a seu favor,
no registo predial, por separação de meações, sucessão hereditária e partilha, a aquisição da fração
autónoma descrita na verba nº 1 do nº 8 da factualidade provada.
18. Pela apresentação nº 15 de 12 de maio de 2022, a Ré Beatriz Alto tem inscrita a seu favor, no registo
predial, a aquisição, por sucessão hereditária e partilha, do prédio descrito na verba nº 2 do mesmo
facto provado.
19. Pela apresentação nº 17 de 12 de maio de 2022, as Rés Carolina e Beatriz Alto têm inscrita a seu
favor a aquisição, por separação de meações, sucessão hereditária e partilha, da propriedade, na
proporção de metade, do prédio descrito na verba nº 3 do facto nº 8 supra.
*

11
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se demonstraram quaisquer outros factos, nomeadamente os seguintes:
a) Que o Réu Alberto Alto não seja titular de quaisquer outros bens além da fração autónoma
identificada no nº 4 da factualidade provada;
b) Que esse bem não tenha valor superior a 150.000,00 euros;
c) Que o mesmo bem tenha um valor superior a 200.000,00 euros;
d) Que ao outorgar a escritura pública referida no nº 7 dos factos provados os Réus tivessem agido
de comum acordo, com a intenção de impedir o Autor de cobrar o seu crédito;
e) Que o Réu Alberto Alto seja proprietário de um veleiro no valor de 120.000 euros e de um
apartamento sito em Palma de Maiorca, Espanha, com um valor de mercado de 350.000 euros.

Motivação: (…)

12
40.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

(artigo 16.º, n.º 3, da Lei n.º 2/2008, de 14/1)

Via profissional

2ª Chamada – 23 de fevereiro de 2023

Grelha de Correção

Nota:

O conteúdo da grelha disponibilizada reflete as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da forma
e da substância, se reputam as mais corretas em função das peças facultadas e dos dados do processo e
que devem, na prova do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outros tipos de abordagem, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e
plausíveis face aos dados facultados e que se revelem suportados em fundamentos consistentes, serão
igualmente valorizados, na medida do respetivo mérito.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Fundamentação de direito 15 valores

Demais componentes estruturais da sentença:


1. Dispositivo 2,50 valores
2. Restantes componentes 2,50 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

1. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA –
PARTE I

Identificação das partes e objeto do litígio (enunciação genérica dos pedidos,


causa de pedir e posição das partes);

Questões a decidir:
1. Caracterização do crédito do Autor;
2. Verificação dos restantes pressupostos do instituto da impugnação
pauliana, considerando, especialmente:
2.1. A qualificação do negócio jurídico impugnado como gratuito
ou oneroso;
2.2. A verificação do requisito “impossibilidade de obtenção da
satisfação integral do crédito ou agravamento dessa
impossibilidade”;
2.3. Caso a questão não se mostre prejudicada pela solução dada
em 2.1, aferir se os Réus atuaram de má-fé;
3. Concluindo pela verificação, na sua totalidade, dos pressupostos da
impugnação pauliana, determinar os respetivos efeitos no caso concreto,
nomeadamente, face ao pedido de cancelamento de registos.
2. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA –
PARTE II

Estrutura e ordem das componentes da sentença – incluindo, no local próprio,


confirmação da validade da instância constituída, factos provados, não provados e
motivação (por mera remissão para o extrato disponibilizado no enunciado da
prova).

3.
FUNDAMENTAÇÃO
DE DIREITO

1. Caracterização do crédito do Autor.


→ Qualificação jurídica do direito do Autor como direito de crédito ao
reembolso do capital entregue e ao pagamento de juros remuneratórios,
emergente de um contrato de mútuo oneroso – artigos 1142.º e 1145.º do
Código Civil.
→ Menção à anterioridade da constituição do crédito face à data do negócio
jurídico impugnado – artigo 610.º, alínea a), do Código Civil.
→ Qualificação da vinculação do 1.º Réu enquanto fiador e obrigado, em
regime de solidariedade, ao pagamento do capital e juros – artigos 628.º,
n.º 1, 634.º e 640.º, alínea a), do Código Civil.
2. Verificação dos restantes pressupostos da impugnação pauliana:
→ Constatar a natureza não pessoal do ato impugnado.
→ Qualificar o ato impugnado como negócio misto, de acordo com o
disposto no artigo 405.º, n.º 2, do Código Civil.
→ Constatar que esse negócio inclui, numa parte, uma disposição gratuita
do 1.º Réu a favor da 2.ª e 3.ª Rés e que, na outra parte, consubstancia
uma partilha de um património hereditário.
→ Problematizar a qualificação do negócio jurídico celebrado, no seu todo,
como gratuito ou oneroso.
→ Discutir a verificação da impossibilidade de obtenção da satisfação
integral do crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.
→ Concluindo pela natureza onerosa do ato impugnado, discutir a
verificação de má-fé na conduta dos Réus, à luz do artigo 612.º, n.º 2 do
Código Civil.

3. Enunciação dos efeitos da procedência da impugnação pauliana,


considerados os pedidos formulados, em particular:
→ Referência ao AUJ 3/2001, de 9 de fevereiro (DR n.º 34/2001, Série I-A).
→ Referência à falta de fundamento para o pedido de cancelamento do
registo– artigo 13.º, n.º 1, do Código do Registo Predial.
4. Conclusão pela procedência parcial dos pedidos, com correção da
qualificação do efeito jurídico invocado pelo Autor no seu primeiro pedido.
5. Fundamentação da condenação em custas, em coerência com a decisão
a proferir (artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

4. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA –
PARTE III

DISPOSITIVO

Declaração da procedência parcial dos pedidos formulados pelo Autor.

Em coerência com as conclusões atingidas na discussão, declaração de


ineficácia, em relação ao Autor e para garantia do crédito demonstrado na
ação, do negócio jurídico objeto da escritura pública outorgada pelos Réus,
em 15 de março de 2022.
Absolvição dos Réus da restante parte do peticionado.
Condenação em custas.

Notificação e registo da sentença.


PROVA ESCRITA

DE

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

Via Profissional

40.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO N.º 2 2 5 / 2 0 2 3 , PUBLICADO NO

DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 4 , 2.ª SÉRIE, DE 5 D E J A N E I R O D E 2023

2 5 DE F E V E R E I R O DE 2023

14H15M

1.ª CHAMADA

A PROVA INICIA-SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA DESIGNADA


(ARTIGO 12.º, N.º 1, DO REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS
JUDICIÁRIOS)

DURAÇÃO DA PROVA: 4 HORAS


VIA PROFISSIONAL – 1ª CHAMADA – 25 DE FEVEREIRO DE 2023

1. A presente prova consiste na elaboração de um requerimento de interposição e


motivação de recurso por parte do Ministério Público, tendo por objeto o
despacho proferido pelo Juiz titular dos autos, datado de 4 de janeiro de 2023,
abordando todas as questões de facto e de direito tidas como pertinentes.
2. Cotações (20 valores):

A cotação da peça processual a elaborar distribui-se da seguinte forma:

I – Questões formais – 6 valores

II –Fundamentos do recurso – 12 valores

III – Estrutura lógico-formal – 2 valores

3. A atribuição da cotação máxima nesta prova pressupõe uma apreciação


completa de todas as questões que se suscitem de facto e/ou de direito – ainda
que a procedência de qualquer delas possa prejudicar o conhecimento
subsequente das demais - que deverá ser coerente e corretamente
fundamentada com indicação dos preceitos legais aplicáveis.
4. Na apreciação da prova relevarão a pertinência do conteúdo, a qualidade da
informação transmitida, a organização e qualidade da exposição, a capacidade
de argumentação e de síntese e o domínio da língua portuguesa, tudo conforme
os pontos acima identificados e cotados.
5. As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a grafia
do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (aprovado pela Resolução da
Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente
no quadro “Observações” da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
“Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade”, sendo
a prova corrigida nesse pressuposto.
6. Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até um
máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º 225/2023,
publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 4, de 5 de janeiro).
7. A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a
candidato/a será penalizada com uma redução da nota atribuída até um máximo
de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.3 do Aviso n.º 225/2023, publicado
no Diário da República, 2ª série, n.º 4, de 5 de janeiro). A presente prova não
poderá conter qualquer assinatura, ainda que fictícia, pelo que, no final da peça,
as/os candidatas/os só deverão escrever as palavras seguintes:

“DATA”
“ASSINATURA”.
8. As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento
identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável
da folha de rosto), sob pena de anulação da prova.
9. Assim que for dada indicação que a prova terminou os/as candidatos/as não
poderão prosseguir com o que estavam a escrever, ficando a aguardar que o/a
vigilante recolha as folhas com a prova. O desrespeito desta regra implica a
anulação da prova.
Considere, para o efeito supra aludido, as seguintes peças e vicissitudes
processuais.

No processo com o NUIPC 354/22.8PESTB, o Ministério Público deduziu acusação


em processo comum com intervenção de Tribunal de estrutura coletiva contra um
cidadão identificado como Kepler Evanilson Júnior, na qual considerou suficientemente
indiciada a seguinte factualidade:

«No dia 20 de setembro de 2022, cerca das 17h00m, no Largo Celestino Rosado

Pinto, nesta cidade e comarca de Setúbal, o arguido Kepler Evanilson Júnior tinha em seu

poder 40 embalagens de plástico transparente, que continham cocaína (cloridrato),

substância incluída na tabela I-B anexa ao DL 15/93 de 22 de Janeiro, com o peso total
líquido de 20,894 gramas.

Nessas circunstâncias, o arguido detinha igualmente 26 pequenas embalagens

de plástico transparente, contendo heroína, substância incluída na tabela I-A anexa ao


DL 15/93 de 22 de janeiro, com o peso total líquido de 15,283 gramas.

Encontrava-se também na posse do arguido a quantia de 350 euros, distribuída


por notas de 5, 10 e 20 euros.

Tinha, ainda consigo, o arguido, dois telemóveis, de marca e modelo Apple

Iphone SE e Samsung Galaxy A10, com o n.ºs de série 359535017703744 e


3552240396612.
Kepler Evanilson Júnior pretendia vender as substâncias que detinha a indivíduos
que o abordavam querendo-as comprar.

Como havia feito, no local supra referido, pelo menos por 8 (oito) vezes, entre as
15 e as 17 horas desse dia:

- vendendo 1 embalagem contendo cocaína, com o peso líquido de 0,67 gramas


a Paulo Evaristo Gomes, pelas 15 horas e 4 minutos;

- vendendo 1 embalagem contendo heroína, com o peso líquido de 0,73 gramas


a Suely Monteiro, pelas 15 horas e 23 minutos;
- vendendo 1 embalagem contendo cocaína, com o peso líquido de 0,83 gramas
a João Nobre, pelas 15 horas e 33 minutos;

- vendendo 1 embalagem contendo cocaína, com o peso líquido de 0,35 gramas


a Lisérgio Fagundes, pelas 15 horas e 54 minutos;

- vendendo 1 embalagem contendo heroína, com o peso líquido de 0,70 gramas


a Johny Santos, pelas 16 horas e 11 minutos;

- vendendo 1 embalagem contendo cocaína, com o peso líquido de 0,75 gramas


a Yuri Lovric, pelas 16 horas e 25 minutos;

- vendendo 1 embalagem contendo heroína, com o peso líquido de 0,59 gramas


a Joana Raimundo, pelas 16 horas e 41 minutos;

- vendendo 1 embalagem contendo cocaína, com o peso líquido de 0,67 gramas


a Yanick Varela, pelas 16 horas e 56 minutos;

Para o efeito, Kepler Evalnilson Júnior tinha as embalagens de plástico onde se


encontrava a cocaína e a heroína acondicionadas numa bolsa de marca Nike, que
ocultava debaixo de um contentor existente no local, para onde se dirigia de cada vez
que era contactado por pessoas que se deslocavam ao local para lhe adquirir esses
estupefacientes.

Os 350 euros em notas do Banco Central Europeu que detinha eram procedentes
das vendas de cocaína e heroína que havia feito, nesse dia.
Os telemóveis que o arguido tinha consigo eram utilizados pelo arguido na
realização de contactos para a aquisição e venda de cocaína e heroína.

Ainda no referido dia, pelas 17 horas e 45 minutos, Kepler Evanilson Júnior tinha,
na casa onde vivia, sita no 2.º andar esquerdo do n.º 118 da Rua da Artilharia 2, em
Setúbal, a cerca de 150 metros do local supramencionado:

• Uma balança digital de precisão de marca Fariston;

• Um copo liquidificador/misturador de marca Roulinex, com resíduos de cocaína


no seu interior;

• cerca de 200 pedaços de saco de plástico, cortados em forma circular e com


tamanho idêntico aos pedaços de plástico que envolviam a cocaína e heroína que
trazia consigo;

• 2 caixotes de cartão, em que se encontravam estampados os dizeres “Chiquita


Banana”;

• Um caderno com folhas de papel quadriculado, as quais se encontravam


preenchidas com diversos nomes, aos quais correspondiam duas colunas com
números;
Os referidos objetos pertenciam ao arguido, que os utilizava no doseamento e
acondicionamento da cocaína e heroína que vendia e, bem assim, no registo de
contactos de clientes e fornecedores e de valores apurados com a venda.

No mesmo local e nas mesmas circunstâncias, tinha também o arguido:

• Uma lancheira “Hanna Montana” contendo 3.500,00 euros em notas do Banco


Central Europeu, de 5, 10 e 20 euros;
• Um envelope A4 contendo 1.500,00 euros em notas do Banco Central Europeu de
20 e 50 euros;
• Um envelope A4, no qual se encontravam 20 talões de depósito bancário, nos
quais se encontrava inscrito o nome Kepler Evanilson Júnior, e o valor de 200
euros cada.

As quantias referidas provinham da venda a terceiros de cocaína e heroína, por


parte de Kepler Evanilson Júnior.

O arguido conhecia as características e composição química das substâncias que


detinha e vendia, sabendo que aquelas são consideradas estupefaciente.

Sabia que não podia adquirir, transportar, vender ou, por qualquer forma, ceder
ou deter as referidas substâncias, pois que para tal não estava autorizado.
O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas
não eram permitidas e constituíam crime».
***

Pela prática desta factualidade, foi imputado ao arguido Kepler Evanilson Júnior
o cometimento, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de
estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro,
com referência às tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo.

***

O arguido foi notificado da acusação e não requereu a abertura da fase de


instrução.

***

Foram os autos remetidos para julgamento, tendo sido distribuídos no Juízo


Central Criminal da Comarca de Setúbal.

Aberta conclusão nos autos, proferiu o Juiz titular dos autos o seguinte despacho:

«Oficie, com urgência, ao Laboratório de Polícia Criminal da Polícia Judiciária,


solicitando, com referência ao exame pericial de fls. 102, cuja cópia juntará, a realização
de exame complementar urgente ao estupefaciente apreendido, subordinado às
seguintes questões:

1. Qual o grau de pureza das substâncias estupefacientes (cocaína e heroína) a


que se reporta o exame de fls. 102, de que se anexa cópia;

2. Partindo da aferição desse grau de pureza, a quantas doses de consumo médio


individual correspondem, nos termos da portaria aplicável?».

***
Junto aos autos o relatório do exame solicitado ao LPC da PJ, foi aberta nova
conclusão ao Juiz titular, que lavrou o seguinte despacho, datado de 4 de janeiro de
2023:

«Questão Incidental Prévia:

O arguido vem acusado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes,


p. e p. pelo artº 21.º do DL n.º 15/93, de 22.1, com referência às tabelas a ele anexas,
I-A) e I-B) respetivamente.

Os factos em que se alicerça tal imputação penal assentam;


Na venda de produto estupefaciente a toxicodependentes, como o tinha acabado
de fazer, pelo menos, por oito vezes, e na sua posse (do arguido) de 40 embalagens
de plástico contendo cocaína e de 26 embalagens de plástico contendo heroína.

É assim genericamente descrita a factualidade com relevo penal, acrescentando-


se em tal peça processual conhecer o arguido “(…) as características e composição
química das substâncias que detinha e transacionava, (…)”, e saber “que não podia
adquirir, transportar, vender ou, por qualquer forma, ceder ou deter as referidas
substâncias, pois que para tal não estava autorizado.”.

Ali se concluindo, imputando-lhe, a prática do sobredito ilícito penal.

Vejamos do acerto desta qualificação jurídica.

A acusação foi deduzida nos termos referidos, tendo como base (da qualificação
do produto estupefaciente que lhe foi apreendido), o relatório do LPC que faz fls. 102
dos autos (no qual se mencionam apenas os pesos líquidos e a qualidade – no caso,
heroína e cocaína – das substâncias em causa).

Tendo sido solicitado relatório suplementar ao mesmo laboratório, a fim de se


aferir do grau de pureza das substâncias apreendidas e do número de doses médias
individuais que lhe correspondem, por referência à Portaria n.º 94/96, de 26 de
março, o seu resultado é o que consta de fls. que antecedem, ou seja:

- A heroína a que se reporta a acusação (com o peso líquido de 15,283 gr) tem
um grau de pureza de 14%, correspondendo, nos moldes definidos pela mencionada
portaria, a 21 doses de consumo individual;

- Por seu turno, a cocaína referida na mesma peça processual (com o peso líquido
de 20,894 gr) tem um grau de pureza de 9,9%, correspondendo nos termos da
referida portaria, a 10 doses de consumo individual.

Ou seja, conclui-se do exame pericial aditado que a heroína e cocaína em pouco


ultrapassam as tabelarmente previstas para a necessidade de consumo médio
individual superior a 10 dias a que alude o artº 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29.11, sendo
por via de tais tabelas, que determinam a média do consumo diário da substância
estupefaciente (com abstenção de qualquer produto de “corte”, por tal não ser aí
referido e tão somente o princípio ativo, que não poderá deixar de se entender senão
pelo produto “puro”, que se poderá concluir pela prática (ou não) de qualquer dos
ilícitos contidos no DL n.º 15/93.

E posto isto, temos que se encontram apenas mencionados oito atos de venda,
sendo que na sua globalidade, a droga apreendida ao arguido se inclui no conceito
de “detenção”.

Ou seja, conclui-se que os factos plasmados na acusação, em que a ação do


arguido assenta ao cabo e ao resto, na detenção do mencionado produto
estupefaciente (e da venda por oito vezes de produto estupefaciente), pelas doses
individuais definidas pericialmente, que em pouco excedem as tabelarmente
instituídas para a necessidade de consumo médio individual superior a 10 dias, são
de escasso relevo.

E não nos permitem senão integrá-la no crime de tráfico de menor gravidade, p.


e p. pelo artº 25.º - a) daquele DL, onde se prevê praticar o crime de tráfico de menor
gravidade quem, atuando nos moldes previstos no artº 21.º do mesmo decreto lei
(ou seja, quem sem para tal se encontrar autorizado (…) ilicitamente detiver (…)
substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III) desde que a ilicitude
do facto se mostre consideravelmente diminuída, designadamente tendo em conta
os meios utilizados, a modalidade ou circunstâncias da ação, a quantidade ou
qualidade das plantas, substâncias ou preparações.

Isto, tanto por via da sofisticação da conduta descrita na acusação (que é


nenhuma), quer (decisivamente), pelo pouco significativo número de doses
individuais detidas (o que já se notava pela simples leitura de fls. 102,
independentemente até do exame complementar determinado, que mais enfatiza
essa inicial perceção).

Sendo que a requalificação jurídica da acusação está na possibilidade do


julgador, nada obstando a que seja levada a cabo nesta fase processual (cf. artº
311.º/1 do CPP), por nela ter que ser efetuada a ponderação do recebimento (ou não)
da acusação, pela prática do ilícito a que corresponda a factualidade ali descrita.

É o que nos autos se impõe declarar, pelo que acima foi referido.
Termos em que;

Ao abrigo das disposições normativas supra citadas, se procede à


requalificação jurídica da factualidade descrita na peça acusatória, integrando-a:

Pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artº 25º/1-


a) do D.L. nº 15/93, de 22.1.

Segunda questão incidental prévia:

Esta emerge diretamente da decisão pela qual se procedeu à requalificação


jurídica da peça acusatória, porquanto ao crime de tráfico de menor gravidade
corresponde a moldura penal abstrata de prisão de 1 a 5 anos.

Aqui chegados, dispõe o artº 16.º/2 –b) do CPP, competir ao tribunal singular
julgar em matéria penal, crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável seja
igual ou inferior a cinco anos de prisão.

É o que nos autos sucede por tudo o que acabou de ser exposto.

Sendo que ao tribunal coletivo – artº 14.º/2 – b) do CPP – incumbe o julgamento


de crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável seja superior a cinco anos de
prisão.

Termos que tudo visto,

Ao abrigo das disposições normativas acima citadas e nos termos ainda do


preceituado pelos artigos 32.º/1 e 33.º/1, ambos do CPP, declaro o Juízo Central
Criminal de Setúbal funcionalmente incompetente para o julgamento nos
presentes autos e em consequência, determino a sua remessa à distribuição no
Juízo Local Criminal de Setúbal, por ser o Tribunal competente.

Notifique (também do teor do relatório pericial que antecede) e, após trânsito,


remeta os autos à distribuição pelo Juízo Local Criminal de Setúbal.

Estatuto coativo do arguido


O arguido encontra-se sujeito à medida de coação da prisão preventiva desde
21/09/2022, nos termos do despacho de fls. 27.

Por despacho de fls. 96, foi mantida a aplicação da referida medida de coação,
nos termos do artigo 213.º, n.º 1, al. b) do CPP.

Sem embargo da requalificação jurídica dos factos referidos na acusação e sem


prejuízo do decidido a respeito da competência para o julgamento, entende-se que
se mantêm integralmente os pressupostos de facto e de Direito que fundamentaram
a aplicação da medida da prisão preventiva, pelo que se determina que o arguido
Kepler Evanilson Júnior continue a aguardar os ulteriores trâmites processuais sujeito
a essa medida, nos termos dos artigos 191.º, n.º 1, 192.º, n.ºs 1 e 2, 193, n.ºs 1 e 2,
195.º, 202.º, n.º 1, al. c) e 204.º, als. a) e c) do CPP.»

*
Considere que ainda não decorreram mais de 30 dias sobre a data em que o
Ministério Público foi notificado do despacho proferido a 4 de Janeiro de 2023 e que
todas as demais legais formalidades foram devidamente observadas.
40.º CURSO
PROVA ESCRITA
de
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
VIA PROFISSIONAL –1ª CHAMADA

GRELHA DE CORREÇÃO
QUESTÕES SOLUÇÕES VALOR

1. Identificação do - Juízo Central Criminal da comarca de Setúbal (artigos 33.º 0,25


Tribunal a quo e 118.º, n.º 1 e Anexo II da Lei n.º 62/2013, de 16 de Agosto).

2. Legitimidade e - Menção às normas -Legitimidade e interesse em agir do


interesse em agir MP – artigo 219.º, n.º 1 da CRP e 401.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do 0,25
do MP CPP.
3. Regime de - Subida imediata, em separado e com efeito suspensivo 0,5 x3
subida da decisão recorrida – artigos 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 1 e
artigo 408.º, n.º 3 in fine do CPP.

4. Identificação do Tribunal da Relação de Évora (artigo 427.º CPP e 32.º, n.º


Tribunal ad quem 1 e Anexo I da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto). 0,25

5. Tempestividade Artigo 411.º, n.º 1, al. a) do CPP (no início ou no fim…). 0,25

6. Identificação do - Identificação e síntese da decisão recorrida.


objeto do recurso - Identificação sintética dos pontos de discordância. 1,5
7. Fundamentação A - Violação do disposto no artigo 32.º, n.º 5 da CRP –
estrutura acusatória do processo penal e princípio
acusatório, de que é corolário a impossibilidade de, no
despacho a que se refere o artigo 311.º do CPP, o Juiz
alterar a qualificação jurídica dos factos pelos quais vem
acusado o arguido.

Não se vislumbra que seja lícito ao Juiz, na fase processual


que se inicia com a prolação do despacho a que alude o
artigo 311.º do CPP, realizar diligências de prova e extrair
as consequências que entender, designadamente,
procedendo a uma qualificação dos factos vertidos na
4
acusação diversa da aí constante, como que “pré-
julgando” a acusação ou pelo menos uma parte dela.
Nem, dito de outra forma, se vislumbra que tal atividade
probatória e decisão (re)qualificadora dos factos elencados
na acusação sejam permitidas nos estritos termos do artigo
311.º do CPP.
Na verdade, estatuindo o artigo 311°, n.º 1 do CPP, que
“recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se
sobre nulidades e outras questões prévias ou incidentais
que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa
desde logo conhecer”, da qualificação jurídica feita pelo
Ministério Público não decorria qualquer nulidade nem
do acerto ou não de tal qualificação poderia decorrer
qualquer obstáculo à apreciação, em julgamento, do
mérito da causa, razão pela qual, o despacho recorrido não
tem sustentação processual no âmbito desse art.º 311º, do
CPP. Por sua vez, podendo apenas o Juiz rejeitar a
acusação nas situações taxativamente enunciadas nos n.ºs
2 e 3 do referido artigo 311°, não se diga que a alínea d) do
n.º 3 pode ser interpretada no sentido de os factos não
constituírem um determinado crime, mas constituírem
um outro, pois o legislador apenas quis nessa alínea
claramente salvaguardar a situação de determinados
factos vertidos numa acusação não constituírem qualquer
crime à luz de todo o ordenamento jurídico-penal.
Efetivamente, esta interpretação do artigo 311.º é a única
que se conjuga com vários instrumentos processuais e
mecanismos legais previstos, como sejam o recurso ao
artigo 16.º, n.º 3 do CPP para acusar em tribunal de
estrutura singular, a remessa da discussão da qualificação
jurídica dos factos para a audiência de discussão e
julgamento (arts. 339.º, n.º 4, 358.º, n.º 3 e 368.º, n.º 2 do
CPP), a irrecorribilidade do despacho que designa dia
para a audiência (art. 313.º, n.º 4 do CPP) e, principal e
decisivamente, com a estrutura acusatória do processo
penal plasmada no artigo 32.°, n.° 5 da Constituição da
República.
A não se entender assim, e permitir ao Juiz, através do
despacho proferido nos termos do artigo 311.°, qualificar
autonomamente os factos vertidos na acusação, poder-se-
ia pôr em causa a referida estrutura acusatória do processo
penal, através de uma confusão entre julgador e acusador,
caindo por terra a posição assumida pelo Ministério
Público ao longo e no fim do inquérito. Pelo caminho,
cairia, também, a autonomia do Ministério Público
enquanto órgão a quem incumbe o exercício da ação
penal.
Pelo que uma interpretação dos poderes-deveres
cometidos ao Juiz através do artigo 311.º do CPP no
sentido do despacho recorrido, afirmando-se a
possibilidade de aquele, com base nos resultados de
diligências probatórias ordenadas sem qualquer
contraditoriedade e antes e independentemente da
abertura da audiência, qualificar autonomamente os
factos elencados na acusação, seria, afinal,
inconstitucional por violação do disposto nos artigos 32.º,
n.º 5 e 219.º, n.º 1 da Constituição da República.

Alguns exemplos de doutrina e jurisprudência sobre a


matéria:
- Ac. TRL de 3/12/2020: Pc 1717/19.PFLRS:
«Subscrevendo inteiramente o que foi dito por Germano M.
Silva, Curso de Processo Penal, I, 58, diremos:
O nosso sistema penal consagra uma estrutura acusatória do
processo, ou seja, o juiz tem de ser imparcial relativamente às
posições assumidas pela acusação e pela defesa e, por isso, não
pode nunca assumir a veste de acusador, ainda que
indiretamente, provocando a acusação pelo Mº Pº ou definindo-
lhe os termos.
A quando do saneamento do processo (artigo 311.º do C.P.P.) os
poderes do Juiz titular permitem-lhe pronunciar-se sobre
nulidades, sobre outras questões prévias ou incidentais (v. g.
competência, prescrição, amnistia) que obstem à apreciação do
mérito da causa e verificar se houve, ou não, instrução.
Se o processo tiver sido remetido sem ter havido instrução o Juiz
pode (n.º 2 do artigo acima citado):
— rejeitar a acusação se a considerar manifestamente infundada
(o n.º 3 define o que se entende por acusação manifestamente
infundada);
— não aceitar a acusação do assistente ou do Ministério Público
na parte em que ela representa uma alteração substancial dos
factos, nos tenros dos artigos 284.º, n.º 1, e 285.º, n.º 4,
respetivamente.
É que, regendo-se o processo penal pelos princípios do
acusatório e do contraditório, a necessidade de uma tal
demarcação tem subjacentes duas ordens de fundamentos, - um
inerente ao objetivo imediato da instrução: a comprovação
judicial da pretensa indiciação (que, para que se possa demarcar
o âmbito do objecto específico desta fase do processo e para que o
arguido se possa defender, tem que reportar-se a imputação de
factos concretos delimitados) e - outro implícito a uma finalidade
mediata mas essencial no caso de se vir a decidir pelo
prosseguimento do processo para julgamento: a demarcação do
próprio objecto do processo, reflexo da sua estrutura acusatória
com a correspondente vinculação temática do Tribunal.
Se o Juiz faz uma interpretação divergente de quem deduziu
acusação, sobre os factos imputados e que resultam do inquérito,
estará a violar o princípio do acusatório.

- Acórdão TRE de 17/06/2010, proferido no processo n.º


62/09.5PESTB, que inspirou a hipótese prática:
«Em qualquer dos casos, sem prejuízo da referida controvérsia e
do que antes se enunciou a esse propósito, julga-se ser
entendimento pacífico que nunca pode o juiz, ao receber o
processo para julgamento, determinar a realização de diligências
de prova, delas extraindo consequências, nomeadamente no que
concerne à qualificação jurídica dos factos em sede de
saneamento do processo.
É certo que, nos termos do artigo 340.º do Código de Processo
Penal, o tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a
produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe
afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da
causa; e se considerar necessária a produção de meios de prova
não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá
disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos
processuais e fá-lo constar da ata. Estamos no entanto no âmbito
da audiência de julgamento, sendo esta a sede própria para a
realização das diligências que visem a descoberta da verdade
material.

A norma em questão, que releva em sede de julgamento,


complementa a estrutura acusatória do processo penal,
atribuindo ao juiz do julgamento o poder/dever de descobrir a
verdade material, determinando a produção de prova que se
mostre relevante, perante a insuficiência da prova apontada pela
acusação e pela defesa e que permita o esclarecimento dos factos
– seja no sentido da confirmação dos que se afirmam na acusação,
seja no sentido da comprovação da inocência do arguido ou de
factos que lhe sejam favoráveis.

Contudo, não fica por esta via legitimada a determinação de


produção de prova em sede de saneamento do processo e de modo
a justificar a alteração de qualificação jurídica dos factos.».

- Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código


de Processo Penal, Universidade Católica, 2ª Edição, em
anotação ao respetivo artigo 311º, fls. 798, nota 12: «A
solução da imodificabilidade da qualificação jurídica no
momento do saneamento judicial dos autos é a única
consentânea com a proibição da sindicância do uso pelo
Ministério Público da faculdade do artigo 16.º, n.º 3, por via da
sindicância da imputação penal feita na acusação [...] Em
síntese, o legislador quis que a qualificação jurídica dos factos
feita pela acusação (pública ou particular) ou, havendo
instrução, pela pronúncia fosse discutida na audiência de
julgamento e só nesse momento (acórdão do TC n.º 518798),
podendo então os sujeitos processuais proceder a essa discussão
jurídica sem quaisquer restrições ou vinculações à qualificação
feita em momento anterior. Razão pela qual o juiz, aquando da
prolação do despacho do artigo 311.º, não deve rejeitar a
acusação e devolvê-la ao MP para corrigir erros "claros" de
qualificação jurídica dos factos, sendo certo que a "clareza" do
direito não é indiscutível».

- Afigura-se pertinente mencionar, ainda que não se


verifique a hipótese nele contemplada, mas por maioria de
razão, o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º
11/2013, conforme se refere no Acórdão do Tribunal da
Relação de Coimbra de 6/10/2021, proferido no processo
n.º 251/19.4PBCLD: «A fixação da jurisprudência emanada
do AUJ do STJ nº 11/2013, publicado no Diário da República,
1.ª série, n.º 138, de 19 de Julho de 2013, veio de algum modo
dar alento à tese de que não tem o juiz o poder de, no despacho
proferido ao abrigo do artigo 311º, do Código de Processo Penal,
alterar a qualificação jurídica da acusação. Fixa este acórdão a
seguinte jurisprudência: «A alteração, em audiência de
discussão e julgamento, da qualificação jurídica dos factos
constantes da acusação, ou da pronúncia, não pode ocorrer sem
que haja produção de prova, de harmonia com o disposto no
artigo 358.º n.ºs 1 e 3 do CPP».

Em sentido contrário, admitindo a alteração do


enquadramento jurídico dos factos por que foi deduzida
acusação por parte do Juiz no despacho a que alude o art.
311.º do CPP, mas numa interpretação deste artigo
materialmente violadora do AUJ n.º 11/2013:
Ac. TRG de 14/09/2020, proc. n.º 715/19.0PCBRG.G1
“Deduzida acusação em que se faz errada qualificação jurídica dos factos aí
descritos, ao proceder ao saneamento do processo, nos termos do disposto no Art.º
311º do C.P.Penal, é lícito ao tribunal proceder ao enquadramento jurídico
daqueles factos que repute de correto”.
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/0efe59b135
848042802585ec002d3ea9?OpenDocument

B - Segundo fundamento para o recurso: mesmo que se


entenda que é lícito ao Mmo. Juiz (re)qualificar os factos
vertidos na acusação, nem por isso os mesmos poderiam
ser enquadrados no crime de tráfico de menor gravidade,
p. e p. pelo arigo 25.º do Dl 15/93. 4

O art. 21.º, n.º 1, do referido Decreto-Lei, que define o


crime de tráfico e outras atividades ilícitas relacionadas com
substâncias estupefacientes, descreve de maneira
assumidamente compreensiva e de largo espectro a
respetiva factualidade típica. Tal preceito contém a
descrição fundamental – o tipo essencial – relativa à
previsão e ao tratamento penal das atividades de tráfico de
estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume,
na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime
de perigo: a lei, nas condutas que descreve, basta-se com a
aptidão que estas revelam para constituir um perigo para
determinados bens e valores (a vida, a saúde, a
tranquilidade, a coesão interindividual das unidades de
organização fundamental da sociedade), considerando
integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas
descritas se revele, independentemente das consequências
que possa determinar ou determine. Ou seja, a lei faz recuar
a proteção para momentos anteriores, ou seja, para o
momento em que o perigo se manifesta.
Ora, quanto ao âmbito normativo do artigo 25.º do
citado decreto-lei, conforme lapidarmente se refere no
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/11/2008, «
(…) ter-se-á em conta que o art.º 25.º do D.L. 15/93, de 22 de
Janeiro, faz depender a sua aplicação de uma diminuição
considerável da ilicitude do facto. E aponta como índices
dessa diminuição os meios utilizados, a modalidade ou as
circunstâncias da ação, a quantidade ou qualidade do
produto em causa. (…)
Há entre os preceitos assinalados uma escalada de
danosidade social centrada no grau de ilicitude. Mas há
também uma estrutura altamente abrangente do tipo
fundamental do art.º 21.º, que compreende comportamentos
tão diversos como a mera detenção ou a exportação e venda,
o que reforça a necessidade de análise do caso concreto».
Como bem se nota no citado aresto, não é forçoso que
o tráfico “de rua” deva sempre ser enquadrado no crime p.
e p. no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93: «(…) é de notar
que, se o tráfico de pequena gravidade vive, por regra, da atividade
do “dealer” de rua, nem por isso o “dealer” de rua terá que ver a
sua responsabilidade, sempre, enquadrada, no dito artº 25º. (…) É
sabido como, em sede de ilicitude, e portanto em sede de malefício
causado à sociedade, o papel do pequeno e médio traficante é
essencial a todo o sistema de tráfico. O abastecimento normal, do
consumidor normal, faz-se através deles, e, sem eles, os chamados
barões da droga poucos lucros aufeririam. Como se decidiu nesta
5ª Secção,
“O privilegiamento do crime de tráfico de droga dá-se, não em
função da considerável diminuição da culpa, mas em homenagem
à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode
espelhar, designadamente: (i) – nos meios utilizados; (ii) – na
modalidade ou nas circunstâncias da ação; (iii) – na qualidade ou
na quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
II – Tal não acontece, em virtude da qualidade da
substância quando se trata de heroína, uma substância entendida
como “droga dura”; quando se trata de 3 embalagens com os pesos
brutos de 0,685 g, de 6,423 g e de 20,860 g de heroína, o que não
sendo uma grande quantidade, não se pode considerar como
diminuta; quando o agente que tinha residência fixada no Algarve,
estava num descampado, na área de Loulé, com vegetação esparsa
e baixa, com diversos caminhos de terra batida referenciado
policialmente como um local onde afluem, diária e continuamente,
a qualquer hora do dia, da noite ou da madrugada, fazendo-se
transportar em veículos automóveis, indivíduos que ali adquirem
substâncias estupefacientes e que as destinam ao seu consumo,
bem como os indivíduos que ali as vão vender.” (Ac. de
13/12/2007, Pº 3292/07 – 5ª Secção). Ou ainda,
“Tal não acontece, em virtude da qualidade da substância, quando
se trata de heroína e cocaína, substâncias entendidas como “drogas
duras”; quando se trata de 20 embalagens de heroína com o peso
líquido de 1,369 g, de 1 embalagem de heroína com o peso líquido
de 4,217 g, 18 embalagens de heroína, com o peso líquido de 2,457
g e de uma embalagem de cocaína, com o peso líquido de 16,588 g;
no total de 24,631 g, sendo 16,588 g de cocaína e 8,043 g de
heroína, o que não sendo uma grande quantidade, não se pode
considerar como diminuta” (Ac. de 13-12-2007, Pº 3993/07 – 5ª
Secção).»
Pode, assim, dizer-se que a jurisprudência do STJ
vem reconhecendo que a ponderação da qualificação de
determinados factos como subsumíveis ao artigo 25.º é uma
questão complexa que não se resolve com o recurso à mera
constatação formal do grau de pureza do estupefaciente
apreendido, mas postula a ponderação das circunstâncias
factuais que for possível apurar com vista a averiguar do
preenchimento dos indícios da ilicitude “consideravelmente
diminuída” que é pressuposto fundamental de tal crime.
Ora, no caso vertente, atendendo a todos os factos
vertidos na acusação – cuja análise, note-se foi totalmente
omitida na fundamentação da decisão recorrida - e não
apenas à quantidade do estupefaciente apreendido, não se
vislumbra em que medida é que se pode considerar que a
atividade aí descrita consubstancie a ilicitude
consideravelmente diminuída que caracteriza o artigo 25.º
do Decreto-Lei n.º 15/93, ou melhor, de que forma é que a
consideração do grau de pureza das substâncias impõe, à
revelia de todos os demais elementos factuais, a
“automática” (des)qualificação da conduta nos quadros do
referido artigo 25.º.
Pois, no caso em apreço:
• o arguido encontrava-se num local público e
visível da cidade de Setúbal onde vendia, à
luz do dia, heroína e cocaína – substâncias
que, atendendo aos consabidos malefícios
para a saúde, são consideradas “drogas
duras” - tendo-o feito a pelo menos a 8
pessoas diferentes entre as 15 e as 17 horas do
dia em que foi detido;
• tinha consigo a quantia de 350 euros, dividida
em notas de baixo valor;
• possuía, ao todo, 66 doses individuais de
heroína e cocaína, podendo, assim,
potencialmente, ainda vender tais substâncias
a 66 pessoas;
• Tinha o estupefaciente acondicionado e
escondido por baixo de um contentor, para
onde se dirigia para o ir buscar após a
abordagem por parte do toxicodependente,
num ritual sucessivamente repetido e
apreendido para iludir uma eventual
detenção;
• No mesmo dia, foram encontrados e
apreendidos em casa do arguido não apenas
objetos e instrumentos comummente
conotados com a atividade de tráfico de
estupefacientes, de uma forma profissional e
sistemática, como uma quantia considerável
em dinheiro, bem como documentação
comprovativa de abundantes depósitos de
numerário.

Circunstâncias estas que não permitiriam, mesmo


nos momentos processuais em que seria lícito apreciar a
factualidade vertida na acusação, inculcar uma “diminuição
considerável da ilicitude”, sendo certo que a circunstância
de o estupefaciente se encontrar “cortado” pressupõe ao
menos alguma atividade de planeamento e o domínio de
técnicas que denunciam um indubitável intuito lucrativo.

O raciocínio que subjaz à decisão recorrida é


meramente formal, dele estando ausentes as necessárias
ponderação e integração de todos os elementos factuais
relevantes para aferir da verificação – ou não – da
“considerável diminuição da ilicitude” pressuposta na
previsão do artigo 25.º do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de
Janeiro.
C – Subsidiariamente, no caso de o presente recurso
improceder, e com a consequente manutenção do
enquadramento jurídico da conduta do arguido
plasmado no despacho recorrido, sempre seria ilegal a 3
manutenção da aplicação da prisão preventiva, por
violação do disposto nos artigos 1.º, al. m), 195.º e 202.º, n.º
1, als. a) e c) do CPP e 51.º, n.º 1 do DL 15/93.
Nesse caso, deve ser a parte final do despacho revogada e
substituída por outro que determine que o arguido
aguarde os ulteriores termos processuais sujeito à medida
de coação do artigo 201.º, n.º 1 do CPP, ou a obrigação de
apresentações periódicas diárias, cumulativamente com a
proibição de se ausentar para o estrangeiro, de se ausentar
do seu concelho de residência e de não permanecer no
Largo Celestino Rosado, cumulativamente com uma
caução - arts. 197.º, 198.º, n.ºs 1 e 2, 200.º, n.º 1, als. a), b) c)
e 206.º do CPP, com entrega do respetivo passaporte;
Cumpre fazer referência à legitimidade do MP para, nesta
parte, recorrer – artigo 401.º, n.º 1, al. a) do CPP e interesse
em agir decorrente da sua veste de fiscalização da
legalidade – artigo 53.º, n.º 1 do CPP, 2.º, 3.º, n.º 2 e 4.º, n.º
1, als. a) e d) do Estatuto do Ministério Público e artigo
219.º n.º 1 CRP.

8. Conclusões Versando matéria de Direito, as conclusões indicam 2


ainda: a) as normas jurídicas violadas; b) o sentido em
que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido
interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido
em que ela deveria ter sido aplicada

9. Pedido Deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por 2


outro que, no estrito cumprimento do artigo 311.º do CPP,
receba a acusação deduzida pelo Ministério Público e
designe data para a realização de audiência de
julgamento, sob tribunal de estrutura coletiva.
Subsidiariamente, em caso de não procedência do pedido
principal, deverá a parte final do despacho ser revogada,
devendo o arguido ser libertado, por a prisão preventiva
ser então ilegal, e proferido despacho que determine a
sujeição do mesmo às seguintes medidas de coação:
• Obrigação de permanência na habitação; ou
• Cumulativamente às medidas de coação referidas
nos artigos 197.º, 198.º e 200.º, n.º 1 als. a), b) e c) do
CPP, devendo o arguido entregar o respetivo
passaporte. (admitindo-se ambas as soluções,
dependendo da fundamentação).
10. Estrutura lógico- 1
formal
40.º CURSO
PROVA ESCRITA
de
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
VIA PROFISSIONAL – 1.ª CHAMADA

GRELHA DE CORREÇÃO
QUESTÕES SOLUÇÕES VALOR

I. QUESTÃO PRÉVIA – VALIDAÇÃO DAS APREENSÕES EFETUADAS 1

Não tendo existido qualquer despacho prévio nesse sentido, incumbia ao Ministério Público pronunciar-se ora
sobre a validade das apreensões efetuadas nos autos, dada a respetiva relevância para a prova dos factos que
poderiam ser imputados ao arguido Daniel Dubay.
Tem sido entendido pela jurisprudência maioritária que o prazo de 72 horas a que alude o n.º 6 do art.º 178.º do
Código de Processo Penal é um prazo de mera ordenação processual e a sua ultrapassagem não tem qualquer
reflexo sobre a validade das apreensões realizadas, e que ainda que se entendesse que se estaria perante uma
mera irregularidade, a autoridade judiciária competente conservaria sempre o poder de a reparar ao abrigo do
disposto no n.º 2 do art.º 123.º do Código de Processo Penal (nesse sentido, p. ex., Acórdão do Tribunal da
Relação do Porto de 06.02.2013, Relatora Juiz Desembargadora Eduarda Lobo, Processo n.º 6/07.9GABCL.P1, in
www.dgsi.pt.).
Há ainda quem defenda que a validação pela autoridade judiciária das apreensões efetuadas por órgão de
polícia criminal não exige uma decisão autónoma e expressa de validação, devendo ter-se a mesma por
verificada “sempre que houver no processo elementos que demonstrem, de forma inequívoca, que a autoridade
judiciária fiscalizou a legalidade das apreensões efectuadas pelos órgãos de polícia criminal e que, embora de uma
forma tácita, as considerou válidas” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.11.2007, Relator Juiz
Desembargador Emídio Santos, Processo n.º 4233/2007-5, in www.dgsi.pt); há ainda quem entenda que o
referido prazo de 72 horas não é o prazo para a validação das apreensões, mas antes o prazo para a
apresentação, perante a autoridade judiciária competente, das apreensões realizadas, com vista à respetiva
validação (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.01.2007, Relator Juiz Desembargador Custódio Silva,
Processo n.º 0644955, in www.dgsi.pt).

Deveria, nessa medida:


- Ser validada a apreensão do saco de plástico e dos € 1.000,00, nos termos dos artigos 178.º, n.os 1, 3, 4 e 6, e
249.º, n.os 1 e 2, al. c), do Código de Processo Penal, por terem sido utilizados na prática de um crime de
lançamento de projétil contra veículo, previsto no art.º 293.º do Código Penal;
- Ser invalidada, por nula, a apreensão da cannabis (resina), nos termos do art.º 126.º, n.º 3, do CPP, e do art.º
32.º, n.º 8 da CRP.
De facto, e relativamente a este último aspeto, no que tange à validade ou invalidade da detenção de Daniel
Dubay no exterior da sua residência num segundo momento:
- Pode ser considerado que a detenção efetuada é inválida na medida em que, não sendo o crime de evasão,
previsto no art.º 352.º, n.º 1, do Código Penal, um crime de natureza permanente, a prática do delito esgotar-se-
ia com a subtração efetiva à custódia da autoridade policial (nesse sentido, vide Cristina Líbano Monteiro, in
Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, pág. 396), pelo que
não poderia ser realizada qualquer busca ao abrigo do disposto no art.º 174.º, n.º 5, al. c), do CPP;
- Pode ser considerado, diversamente, que o crime de evasão é um crime de execução permanente por visar a
proteção da realização da administração da justiça (vide, nesse sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de
Lisboa de 21.03.2018, Relator Juiz Desembargador Vasco Freitas, Processo n.º 659/99.0TAOER-A.L1-3, disponível
em www.dgsi.pt, seguindo Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica
Editora, 5.ª ed., 2022, págs. 1221 e 1222); todavia, a busca a realizar ao abrigo do disposto no art.º 174.º, n.º 5, al.
c), do CPP, tem necessariamente de possuir uma conexão lógica entre o flagrante delito e a revista ou a busca,
que justifique a imediata ingerência naqueles direitos fundamentais (nesse sentido, vide João Conde Correia,
Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, Almedina, 2021, 3.ª ed., págs. 595 e 596; igualmente
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 04.02.2014, Relator Juiz Desembargador António João Latas,
Processo n.º 41/11.2PEVR.E1,disponível em www.dgsi.pt,), o que no caso concreto não sucede.

Notificação ao defensor nomeado (art.º 113.º, n.º 10, do CPP).

II. DESPACHO DE ENCERRAMENTO DA FASE DE INQUÉRITO

A. ARQUIVAMENTOS

1. Quanto ao “assalto”. A factualidade subjacente representa uma conduta criminalmente atípica, 3


porquanto:
- Não integra a prática de um crime de furto, previsto e punido pelo art.º
203.º, n.º 1, do Código Penal, na medida em que não existe uma
“subtração”, mas uma entrega voluntária da quantia por II a DD.
- Não integra a prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo art.º
210.º, n.º 1, do Código Penal, uma vez que igualmente não existiu qualquer
constrangimento efetuado por DD a II para entrega da quantia, fosse por
meio de violência, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a
integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir;
- Não integra a prática de um crime de burla, previsto e punido pelo art.º
217.º, n.º 1, do Código Penal, dado que não existe qualquer falsa
representação da realidade ou conduta astuciosa por parte de DD – este
pretende mesmo “assaltar” o banco;
- Não integra a prática de um crime de apropriação ilegítima, previsto e
punido pelo art.º 209.º, n.º 1, do Código Penal, uma vez que a quantia
entrou na esfera patrimonial do agente devido a comportamento de
terceiro motivado pela vontade e conduta prévia do agente.
Razão pela qual deve o inquérito ser arquivado nesta parte, nos termos do
art.º 277.º, n.º 1, do CPP, por não se ter verificado a prática de crime.

Comunicações:
- Ao denunciante Banco Guita, S.A., na pessoa do seu legal representante,
por via postal simples, nos termos do art.º 277.º, n.os 3 e 4, al. c), do CPP;
- Ao arguido por via postal simples, nos termos do art.º 277.º, n.os 3 e 4, al.
a), do CPP;
- Ao defensor nomeado por via eletrónica, nos termos do art.º 113.º, n.os 10
e 11, e dos artigos 1.º, n.º 6, al. i) e 25.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de
agosto.

2. Quanto à posse de A factualidade em apreço configuraria a eventual prática de um crime de


cannabis (resina) pelo DD tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 25.º, 1
al. a), do D.L. n.º 15/93, de 22.01, por referência à Tabela I-C anexa ao mesmo
diploma legal.
Dada a invalidade da apreensão realizada e a ausência da obtenção de
qualquer outro meio de prova válido relativo a esta factualidade (os
depoimentos dos agentes policiais surgem, nesta parte, na sequência da
sequência da busca inválida realizada), deve o inquérito ser arquivado
nesta parte, por falta de indícios probatórios da prática do referido tipo de
crime, nos termos do art.º 277.º, n.º 2, do CPP.

Comunicações:
- Ao arguido DD por via postal simples, nos termos do art.º 277.º, n.os 3 e 4,
al. a), do CPP;
- Ao defensor nomeado por via eletrónica, nos termos do art.º 113.º, n.os 10
e 11, e dos artigos 1.º, n.º 6, al. i) e 25.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de
agosto.

Pese embora a canábis tenha sido invalidamente apreendida, não pode,


dada a sua natureza, ser restituída a DD, incumbindo nesta sede requerer
perante o Juiz de Instrução (art.º 268.º, n.º 1, al. e), do CPP), a perda da
substância a favor do Estado, nos termos do art.º 35.º, n.º 2, do D.L. n.º
15/93, de 22.01, e a sua subsequente destruição, nos termos do art.º 62.º do
mesmo diploma legal.

3. Quanto à queixa apresentada Esta factualidade integra a eventual prática de um crime de ofensa à
por DD contra CC integridade física, previsto e punido pelo art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal, 1
e de um crime de sequestro, previsto e punido pelo art.º 158.º, n.º 1, do
mesmo diploma legal.
CC atuou no âmbito da faculdade de detenção (pela prática de crimes de
natureza pública) que lhe é concedida pelos artigos 255.º, n.º 1, al. b), e
256.º, n.º 1, ambos do Código Penal, tendo entregue DD à autoridade
policial conforme exigido pelo n.º 2 do art.º 255.º do diploma legal
mencionado.
A conduta por si adotada – agarrar a t-shirt de DD e puxá-la na sua direção
- mostrou-se adequada ao caso concreto, não tendo sido excedida a força
física necessária para evitar que DD se ausentasse do local, tanto mais que
a subsequente queda deste no chão se deveu a mero desequilíbrio
subsequente ao puxão na sua roupa.
Nessa medida, e tendo sido praticada no âmbito do exercício de uma
faculdade legalmente concedida, mostra-se excluída a ilicitude penal da
conduta de CC, nos termos do art.º 31.º, n.os 1 e 2, al. b), do Código Penal,
pelo que deve o inquérito ser arquivado nesta parte, nos termos do art.º
277.º, n.º 1, do CPP, por não se ter verificado a prática de crime.

Comunicações:
- A DD e ao arguido CC por via postal simples, nos termos do art.º 277.º, n.os
3 e 4, al. a), do CPP;

B. ACUSAÇÃO

1. Singularização da Aspetos relevantes: 1


competência para o - Ausência de antecedentes criminais (CRC de fls. 32), com relevância ao
julgamento – art.º 16.º, n.º 3, do nível das exigências de prevenção especial;
CPP - A idade do arguido;
- Consequências de diminuta gravidade emergentes da prática dos ilícitos -
ausência de lesões do ofendido Carlos Calado no que tange ao crime de
ofensa à integridade física qualificada;
- Proximidade da moldura penal máxima abstrata aplicável em concurso de
crimes à moldura penal abstrata máxima a que alude o art.º 16.º, n.º 3, do
CPP.

2. Introito
Identificação do ato (acusação), da entidade que o pratica (Ministério 0,4
Público), da forma de processo (comum) e do tribunal (singular / coletivo,
neste caso se tiver optado por não singularizar)

Identificação do arguido: Daniel Dubay, filho de Edgar Dubay e de Florbela 0,1


Feio, natural da freguesia da Ajuda, concelho de Lisboa, nascido em
22.06.2004, solteiro, estudante, residente na Rua dos Traquinas, n.º 5, 2.º
Esq.º, em Lisboa.

1. Narração dos factos


- Deve ser observado o disposto no art.º 283.º, n.º 3, do CPP, devendo-se ter
em atenção que a narrativa dos factos:

- Deve conter a- Identificação dos intervenientes nos factos;

- Deve ser lógica e cronologicamente ordenada;

- Não deve conter menções a meios de obtenção de prova / meios de prova;

- Não deve conter conceitos de direito, expressões legais, juízos de valor


sobre os factos ou considerações jurídicas sobre os mesmos.

Exemplo: Exemplo:

Crime de lançamento de projétil a No dia 3 de junho de 2022, em hora não concretamente apurada, mas
contra veículo compreendida entre as 8.45h e as 9h, na Avenida da República, em Lisboa, e 2
enquanto se encontrava na zona do passeio para peões, o arguido DD
agarrou num saco de plástico que trazia consigo e que continha 500
(quinhentas) moedas de € 2,00 (dois euros), e atirou-o na direção do veículo
automóvel pesado de transporte de passageiros com a matrícula CEJ-2023,
pertencente à “Carris Metropolitana S.A.”, conduzido por CC, que se
deslocava, na mesma avenida, em aceleração na via destinada à circulação de
veículos automóveis, no sentido Saldanha – Campo Grande.
Em função da conduta do arguido, o referido saco de plástico e o respetivo
conteúdo viriam a cair no chão da parte traseira do mencionado veículo, após
terem passado por uma janela deste que se encontrava aberta.
O arguido sabia que estava a lançar o referido saco de plástico e o respetivo
conteúdo em via pública na direção de um veículo automóvel pesado de
transporte de passageiros que se encontrava em deslocação numa via de
trânsito rodoviário, tendo querido atuar da forma por que o fez.

Tendo CC parado a marcha do veículo que seguia, dirigindo-se de imediato a


DD e o confrontado com o sucedido, DD desferiu um pontapé na canela da
Crime de ofensa à integridade perna direita de CC, causando-lhe dores na zona corporal atingida, após o que 2
física qualificada se virou e colocou-se em fuga do local.
O arguido sabia que a sua conduta era adequada a atingir o bem-estar físico
de CC, o que conseguiu, tendo querido atuar da forma por que o fez, com o
propósito de se colocar em fuga do local e assim se eximir a ser
criminalmente responsabilizado pelos atos praticados.

Imediatamente na sequência dos atos descritos, o arguido foi detido por CC,
tendo sido por este entregue aos agentes da Polícia de Segurança Pública,
Afonso Anjos e Bento Bolacha, que reafirmaram a voz de detenção ao
arguido pelas 9.05h.
Crime de evasão Após, seguiram o arguido e os agentes da P.S.P. Afonso Anjos e Bento
Bolacha para as instalações do Banco Guita, S.A., situadas na Rua do Dinheiro,
em Lisboa, a fim de aí se proceder à realização de diligências cautelares de 2
prova.
Nesse local, em hora não concretamente apurada, mas compreendida entre
as 9.05h e as 9.55h, sem que entretanto tivesse sido libertado, e
aproveitando-se de distração momentânea dos agentes da P.S.P. Afonso
Anjos e Bento Bolacha, o arguido ausentou-se das referidas instalações,
colocando-se em fuga apeada, apenas vindo a ser intercetado pelos mesmos
agentes cerca das 10 horas, à porta da sua residência situada na Rua dos
Traquinas, n.º 5, 2.º Esq.º, em Lisboa.
O arguido sabia que se encontrava legalmente detido por autoridade policial
e que ao agir da forma descrita se eximia à manutenção de tal detenção, sem
motivo legal que o justificasse ou determinação de autoridade judiciária para
a sua concreta libertação, tendo querido atuar da forma por que o fez.

Elemento comum de censurabilidade penal (Culpa)


Sabia o arguido serem todas as suas condutas proibidas e punidas pela lei
penal.

0,5
4. Qualificação jurídico-penal
(indicação das disposições legais O arguido DANIEL DUBAY cometeu dolosamente (art.º 14.º, n.º 1, do CP), 0,5
aplicáveis) em autoria material (art.º 26.º do CP), na forma consumada e em concurso
efetivo (art.º 30.º, n.º 1, do CP):

- Um crime de lançamento de projétil contra veículo, previsto e punido pelo 0,5


art.º 293.º do Código Penal;

- Um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido 0,5


pelos art.os 143.º, n.º 1, e 145.º, n.os 1, al. a), e 2, do Código Penal, por
referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. g), do mesmo diploma legal;
- Um crime de evasão, previsto e punido pelo art.º 352.º, n.º 1, do Código
Penal.
0,5

5. Prova
A. Testemunhal: 0,3
1. Artur Bernardo, agente da PSP, com domicílio profissional na Esquadra da
PSP dos Olivais;

2. Carlos Daniel, agente da PSP, com domicílio profissional na Esquadra da PSP


dos Olivais;

3. Carlos Calado, motorista, com residência na Rua dos Motoristas, n.º 27, em
Alverca do Ribatejo.

B. Documental:

- Auto de notícia de fls. 2; 0,3


- Auto de apreensão de fls. 6;

- Termo de entrega de fls. 7.

6. Medidas de coação 0,2


Não há indícios da ocorrência de qualquer dos perigos a que alude o art.º
204.º do CPP, pelo que deverá o arguido continuar a aguardar os ulteriores
termos do processo sujeito a termo de identidade e residência, nos termos do
art.º 196.º do CPP, já prestado a fls. 5.

7. Notificações
(antes ou depois da acusação)
- Ao denunciante Carlos Calado, ao arguido e ao Defensor (artigos 113.º, n.º 1, 0,15
als. a) e c), e n.º 11, art.º 277.º, n.º 3, e art.º 283.º, n. os 5 e 6, do CPP).

8. Local e data 0,05


C. Estrutura lógico-formal do despacho de encerramento do inquérito. Organização do discurso
técnico-jurídico e linguagem utilizada.

Estruturação do despacho nos termos referidos nesta grelha, com as suas 2


diversas partes e respeito pela sequência lógica aqui utilizada.

Correção da linguagem, que deverá ser clara, rigorosa e precisa, revelando 1


capacidade de síntese.

TOTAL 20
PROVA ESCRITA

DE

DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via Académica

39.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO N.º 5 1 7 0 / 2022, PUBLICADO NO


DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 50, 2.ª SÉRIE, DE 11 DE M A R Ç O DE 2022

2 1 DE M A I O DE 2022
14H15M

1.ª CHAMADA

A PROVA INICIA-SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA DESIGNADA


(ARTIGO 12.º, N.º 1, DO REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS
JUDICIÁRIOS)

DURAÇÃO DA PROVA: 3 HORAS


VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA – 21 DE MAIO DE 2022

1. A presente prova é composta por três partes, sendo todas as questões de


abordagem obrigatória.

2. Cotações:

- Caso I – A (10 valores):

- I (2 valores)

- II (6 valores)

- III (2 valores)

- Caso I-B (4 valores)

- Caso II (6 valores):

- I (2 valores)

- II a) (3 valores)

- II b) (1 valor)

3. A atribuição da cotação máxima em cada resposta pressupõe um tratamento


completo das várias questões suscitadas, que deverá ser coerente e corretamente
fundamentado, com indicação dos preceitos legais aplicáveis.
4. Na cotação atribuída serão tidos em consideração a pertinência do conteúdo, a
qualidade da informação transmitida em relação à questão colocada, a organização
da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o domínio da língua
portuguesa.
5. Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até um

2
máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 5.3.1 do Aviso n.º 5170/2022,
publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 50, de 11 de março).
6. A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a candidato/a
será penalizada com uma redução da nota atribuída até um máximo de 3 valores,
para o total da prova (Ponto 5.3.3 do Aviso n.º 5170/2022, publicado no Diário da
República, 2ª série, n.º 50, de 11 de março).
7. As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a grafia
do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (aprovado pela Resolução da
Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente no
quadro “Observações” da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
“Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade”, sendo a
prova corrigida nesse pressuposto.
8. As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento
identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da
folha de rosto), sob pena de anulação da prova.
9. Assim que for dada indicação que a prova terminou os/as candidatos/as não
poderão prosseguir com o que estavam a escrever, ficando a aguardar que o/a
vigilante recolha as folhas com a prova. O desrespeito desta regra implica a anulação
da prova.
10. Na resolução desta prova não deve ser utilizada a legislação especialmente aprovada
em consequência da pandemia COVID – 19

3
Caso I-A

(10 valores)
Arminda, viúva, decidiu dar, em partes iguais, aos seus três únicos filhos, maiores, solteiros,
Beatriz, Carolina e Duarte, as várias obras de arte de que era proprietária, avaliadas em
630.000 Euros.

Por documento autenticado, datado de 8 de fevereiro de 2013, por todos assinado, Arminda,
na qualidade de primeira contraente, e Beatriz, Carolina e Duarte, respetivamente, segunda,
terceira e quarto contraentes, acordaram o seguinte:
“- (…) Considerando o valor da avaliação, a cada um dos filhos de Arminda - Beatriz, Carolina e
Duarte - cabem obras de arte cujo valor totaliza a quantia de 210.000 Euros.
Arminda declara doar a Beatriz e Carolina, segunda e terceira contraentes, as referidas obras
de arte.
O quarto contraente – Duarte - declara consentir na doação às irmãs e não pretender que lhe
seja atribuída qualquer uma das indicadas obras de arte.
Beatriz e Carolina declaram aceitar essa doação e proceder à partilha da totalidade das obras
de arte, entre elas, em partes iguais. Mais declaram, obrigar-se a atribuir futuramente a
Duarte, aquando da morte de Arminda, o valor adicional de 210.000 Euros, correspondente ao
quantitativo do respetivo quinhão de uma terça parte das obras de arte, o qual não pretendeu
receber nesta oportunidade.”

Duarte veio a falecer em 2015, no estado de solteiro, sucedendo-lhe o seu único filho, Jorge,
solteiro e maior, neto de Arminda, que aceitou a herança do pai.

Arminda faleceu em 2019, deixando um espólio constituído por um saldo bancário de 830
Euros e por dívidas bancárias na ordem dos 40.000 Euros.

Logo que soube do falecimento da avó, ainda em 2019, Jorge dirigiu, nesse mesmo ano, uma
4
carta às tias, por si assinada, referindo que estava confortável do ponto de vista financeiro e
nada pretendia da herança de Arminda.

Já no decurso do ano de 2020, ao arrumar e organizar algumas pastas deixadas pelo pai
Duarte, Jorge encontrou o documento assinado por Arminda e pelos filhos – Beatriz, Carolina e
Duarte - tomando conhecimento do acordado com o pai.

Nessa sequência, Jorge exigiu a Beatriz e a Carolina o pagamento da quantia de 210.000 Euros,
mas estas recusaram, alegando que Jorge repudiou a herança da avó e, por isso, nada tem a
receber.

Face aos dados fornecidos, responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:

I) Qualifique e caraterize juridicamente o acordo celebrado entre Arminda e os filhos.

(2 valores)

II) Enquadre, do ponto de vista jurídico- substantivo, a pretensão de Jorge, apreciando se


a mesma deve merecer acolhimento.

(6 valores)

III) Indique que espécie(s) de ação (ões) pode Jorge instaurar contra Beatriz e Carolina para
obter a satisfação da sua pretensão.

(2 valores)

5
Caso I-B

(4 valores)
Suponha agora que, na pendência da ação instaurada por Jorge contra Beatriz e Carolina,
foi suspensa a instância em virtude do falecimento de Beatriz ocorrido em 10.10.2020.

Jorge requereu, por apenso, a habilitação de Manuel e Miguel, sucessores da falecida


Beatriz, e estes, devidamente citados para contestarem a habilitação, não deduziram
qualquer oposição, tendo sido habilitados por sentença proferida em 30.11.2020,
transitada em julgado.

Em 29.01.2021, Manuel, solteiro e sem descendentes, requereu, na ação principal, a sua


absolvição da instância, alegando ter repudiado a herança de Beatriz. Juntou, para o
efeito, escritura de repúdio da herança de Beatriz, outorgada em 27.01.2021.

Tendo em consideração todos os dados fornecidos, aprecie, justificadamente, a pretensão de


Manuel e indique qual a decisão que deveria recair sobre a mesma.
(4 valores)

6
Caso II

(6 valores)
As sociedades Boa Construção, Lda. e Tudo para Edificar, Lda., têm o objeto social de
“construção, restauro, decoração e venda de imóveis”.

A sociedade Arte e Co. - Artistas Contemporâneos, S.A., tem o objeto social de “venda de
quadros, esculturas e instalações de artistas contemporâneos”.

No dia 12 de outubro de 2020, as sociedades Boa Construção, Lda. e Tudo para Edificar,
Lda., acordaram com a sociedade Arte & Co. - Artistas Contemporâneos S.A. a compra,
mediante o pagamento do respetivo preço, no valor de 50.000 Euros, de uma escultura do
artista contemporâneo “Volteface”, a fim de a colocar como decoração numa vivenda
recentemente restaurada e decorada por ambas, destinada a ser vendida com o seu
recheio.

Acordaram ainda que o referido preço seria pago no ato de entrega da escultura.

A escultura em apreço foi entregue no dia 12 de novembro de 2020, tendo a Arte & Co.
apresentado, às compradoras, nesse mesmo dia, uma fatura, com vencimento imediato, no
valor do preço acordado.

Da quantia de 50.000 Euros apenas foi paga, pela sociedade Boa Construção, Lda., a quantia
de 25.000 Euros, em 13 de novembro de 2020.

Pretendendo a Arte & Co. obter o pagamento do remanescente do preço, intentou, contra
as sociedades Boa Construção, Lda. e Tudo para Edificar, Lda., uma ação com processo
comum, pedindo a condenação solidária das referidas sociedades no pagamento:
a) da quantia de 25.000 Euros;
b) de juros de mora, calculados nos termos do art.º 102º§5º do Código Comercial,
desde a data do vencimento da fatura até integral pagamento.
7
A sociedade Boa Construção, Lda. apresentou contestação, dizendo que nada mais lhe
compete pagar, uma vez que já pagou a sua parte do preço.

Face aos dados fornecidos, responda, justificadamente, às seguintes questões:

I) Identifique e caraterize, juridicamente, o acordo celebrado entre as sociedades Boa


Construção, Lda., Tudo para Edificar, Lda. e Arte & Co. – Artistas Contemporâneos,
S.A.

(2 valores)

II) Analisando as posições de cada uma das partes, pronuncie-se sobre a viabilidade dos
pedidos formulados pela Arte & Co. – Artistas Contemporâneos, S.A. referidos em:

Alínea a);

(3 valores)

Alínea b);

(1 valor)

8
39.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via académica

1.ª chamada – 21 de maio de 2022

Grelha de correção

As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para
cada uma das questões formuladas.

Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Caso I- A

 Questão I  2 valores
 Questão II  6 valores
 Questão III  2 valores

Caso I – B  4,00 valores

Caso II

 Questão I
 Questão II a)  2 valores
 Questão II b)  3 valores
 1 valor
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

CASO I-A CASO I-A


Questão I 1. I. Qualifique e caracterize juridicamente o acordo celebrado entre Arminda e os filhos
 Qualificar o acordo celebrado entre Arminda e os filhos como um contrato de partilha em vida,
previsto no artigo 2029.º do Código Civil, em que Arminda doou, ainda em vida, às suas filhas
Beatriz e Carolina, herdeiras legitimárias, parte do seu património, sendo indispensável o
consentimento do seu outro filho, Duarte, ficando aquelas, donatárias, obrigadas a pagar a este o
valor da parte que lhe caberia nos bens doados.
 Caracterizar tal contrato como integrando uma doação entre vivos, por força da qual os bens de
Arminda se transmitiram imediatamente às filhas, e estas se constituíram na obrigação de pagar a
Duarte, afastando a figura do pacto sucessório. Autonomizar a partilha em vida das doações em
geral, reguladas nos artigos 940.º e seguintes do Código Civil, reconhecendo, porém, que o regime
jurídico aplicável pode ser conformado, em parte, pelo regime do contrato de doação.

Questão II2. II) Enquadre, do ponto de vista jurídico-substantivo, a pretensão de Jorge, apreciando se a mesma

deve merecer acolhimento.


 Identificar Jorge como sucessor de Duarte, na qualidade de herdeiro legítimo e legitimário (artigos
2024.º, 2025.º, n.º 1, 2030.º, n.º 2, 2031.º, 2032.º, 2133.º, al. a), 2157.º Código Civil).
 Duarte, por ter falecido antes de Arminda, não pôde aceitar ou repudiar a herança da sua mãe.
Reconhecer que Jorge, sendo o único filho de Duarte, tem direito de representação na sucessão
aberta por morte de Arminda (artigos 2039.º, 2040.º e 2042.º Código Civil).
 Qualificar como repúdio da herança o envio, por Jorge, da carta por si assinada e apreciar se tal ato
observou a forma exigida para a alienação da herança (artigos 2063.º e 2126.º Código Civil).
Considerar que sendo a herança constituída apenas por coisas móveis (artigos 204.º e 205.º, n.º 1
do Código Civil), concluir pela validade do repúdio mediante documento particular (363.º, n.º 2 e
373.º e seguintes Código Civil).
 Reconhecer que os efeitos do repúdio da herança retrotraem-se ao momento da abertura da
sucessão, pelo que Jorge considera-se como não chamado, salvo para efeitos de representação
(artigo 2062.º do Código Civil).
 Apreciar se, em consequência do repúdio da herança de Arminda, Jorge tem direito a receber o
valor das tornas acordado na partilha em vida em que foi interveniente o seu pai, concluindo que
os efeitos do repúdio não invalidam o acordo celebrado de partilha em vida (artigo 2029.º do
Código Civil).
 Considerar que o acordo de partilha em vida celebrado entre Arminda e os filhos incorpora
verdadeiras doações a Beatriz e Carolina e prevê a obrigação de pagamento de tornas a Duarte,
herdeiro não donatário, como forma de assegurar a igualdade de todos os descendentes. Tendo
falecido Duarte, um dos herdeiros legitimários que participou, como credor das tornas, no ato de
partilha em vida, concluir que é o seu herdeiro Jorge quem lhe sucede no respetivo crédito,
porquanto este não se extinguiu com a morte de Duarte (artigo 2025.º, n.º 1 do Código Civil).
 Sendo Jorge titular de um direito de crédito (a tornas) que adquiriu por via sucessória, por morte
do seu pai Duarte, concluir pelo acolhimento da sua pretensão em relação às devedoras donatárias
Beatriz e Carolina.

Questão III
III) Indique que espécie(s) de ação(ões) pode Jorge instaurar contra Beatriz e Carolina para obter a
satisfação da sua pretensão.
 Indicar que Jorge, invocando a sua qualidade de sucessor de Duarte, pode instaurar ação executiva
para pagamento de quantia certa (artigos 10.º, n.ºs 1, 4, 5 e 6, 54.º, n.º 1 do Código de Processo
Civil). Para o efeito, Jorge pode utilizar o contrato acima qualificado, por se tratar de documento
autenticado por notário, em que as donatárias se constituíram na obrigação de pagar a Duarte a
quantia de 210.000 euros, que integra uma das espécies de título executivo (artigo 703.º, n.º 1, al.
b), todos do Código de Processo Civil).
 Reconhecer que o facto de Jorge dispor de título executivo não o impediria de propor contra as
devedoras uma ação declarativa, nos termos do disposto nos artigos 2º, n.º 2 e 10.º. n.ºs 1, 2 e 3, al.
b), do Código de Processo Civil, não obstante o disposto no artigo 535.º, n.º 2, al. c) do Código de
Processo Civil.
____________________________________________________________________________

CASO I-B
CASO I-B
Tendo em consideração todos os dados fornecidos, aprecie, justificadamente, a pretensão de
Manuel e indique qual a decisão que deveria recair sobre a mesma.
 Configurar o repúdio como um ato jurídico unilateral, livre e irrevogável, sujeito à forma exigida
para a alienação da herança, cujos efeitos se retrotraem ao momento da abertura da sucessão
(artigos 2062.º, 2063.º e 2066.º do Código Civil).
 Problematizar se a falta de oposição ao incidente de habilitação de herdeiros por parte de Manuel
pode configurar aceitação tácita da herança de Beatriz (artigo 2056.º Código Civil).
 Concluindo-se no sentido da aceitação da herança, reconhecer a irrevogabilidade da mesma (artigo
2061.º do Código Civil) e, consequentemente, que a ação deve prosseguir em relação a Manuel,
improcedendo a sua pretensão.
 Concluindo-se que a mera falta de oposição ao incidente não configura aceitação tácita, reconhecer
que Manuel podia repudiar posteriormente a herança de Beatriz.
 Considerar, em face da imperatividade da retroatividade do repúdio, que Manuel deixou de ter a
condição de herdeiro e, por isso, justificação para continuar a substituir a parte falecida na ação;
 Não se reconduzindo a situação a um caso de absolvição da instância (artigo 278.º do Código de
Processo Civil), equacionar a verificação de impossibilidade superveniente da lide, relativamente a
Manuel, e declarar a extinção da instância, apenas quanto a ele, nos termos da alínea e) do artigo
277.º do Código de Processo Civil.
Face aos dados fornecidos, responda, justificadamente, às seguintes questões:
CASO II
I. Identifique e caraterize juridicamente o contrato celebrado entre as sociedades Boa Construção,
Questão I
Lda., Tudo para Edificar, Lda. e Arte & Co. – Artistas Contemporâneos S.A.
 Qualificar o acordo celebrado entre a Boa Construção, Lda., a Tudo para Edificar, Lda. e a Arte e Co.
– Artistas Contemporâneos, S.A, como um contrato de compra e venda, sinalagmático e oneroso,
pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, mediante o pagamento de um preço (art.º
874º Código Civil e 3º Código Comercial).
 Qualificar ainda o acordo como uma compra e venda comercial, assinalando que a Boa Construção,
Lda., a Tudo Para Edificar, Lda. e Arte e Co. – Artistas Contemporâneos, S.A são sociedades
comerciais e como tais comerciantes, sendo a escultura comprada, pelas primeiras, à segunda,
para revenda (artigos 1º, 2º, 13º 2º, 230º, n.º 2, e 463º 1º do Código Comercial).
____________________________________________________________________________

II. Analisando as posições de cada uma das partes, pronuncie-se sobre a viabilidade dos pedidos
Questão II formulados pela Arte & Co. – Artistas Contemporâneos S.A. referidos em:
Alínea a)
 Qualificar a obrigação de pagamento do preço, como um dos efeitos essenciais da compra e venda
(artigo 874º al. c) Código Civil).
 Referir a regra da solidariedade das obrigações comerciais prevista no art.º 100º do Código
Comercial, aplicável às Rés, assinalando que, no caso, não houve estipulação em contrário.
 Qualificar a obrigação solidária como uma obrigação em que cada um dos devedores responde pela
prestação integral e esta a todos libera (artigo 512º do Código Civil e 3º Código Comercial).
 Distinguir da regra prevista no artigo 513º do Código Civil respeitante às obrigações civis – regra da
conjunção, só existindo solidariedade de devedores quando resulte da lei ou da vontade das partes.
 Concluir pela procedência da pretensão da sociedade Arte e Co. - Artistas Contemporâneos S.A., no
que respeita à condenação solidária das RR. no pagamento da quantia de 25.000 euros.

Alínea b)
 Considerar que as Rés se constituíram em mora, pelo que, tratando-se de obrigação pecuniária, são
devidos juros de mora, a contar da data do vencimento da obrigação (artigos 805º, n.º 2 al. a), 806º,
n.º 1 Código Civil).
 Nestes termos, concluir pela procedência da pretensão da Arte & Co – Artistas Contemporâneos,
S.A. no que respeita ao pedido de condenação em juros vencidos desde a data acordada de
vencimento da obrigação – 12 de novembro de 2020 - e vincendos, até integral pagamento, à taxa
de juros comerciais prevista no artigo 102º §5º do Código Comercial.
Artigos 805º, n.º 2 al. a), 806º, n.º 1 Código Civil, 3º, 102º § 5 do Cód. Comercial.
PROVA ESCRITA

DE

DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via Académica

39.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO N.º 5 1 7 0 / 2022, PUBLICADO NO


DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 50, 2.ª SÉRIE, DE 11 DE M A R Ç O DE 2022

2 6 DE M A I O DE 2022
14H15M

2.ª CHAMADA

A PROVA INICIA-SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA DESIGNADA


(ARTIGO 12.º, N.º 1, DO REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS
JUDICIÁRIOS)

DURAÇÃO DA PROVA: 3 HORAS


VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA – 26 DE MAIO DE 2022

1. A presente prova é composta por três partes, sendo todas as questões de


abordagem obrigatória.

2. Cotações:

- Caso I –A (12 valores):

- I (2 valores)

- II a) (5 valores)

- II b) (2,50 valores)

- II c) (2,50 valores)

- Caso I-B (3 valores).

- Caso II (5 valores):

- I (1,50 valor)

- II a) (1,50 valores)

- II b) (2,00 valores)

3. A atribuição da cotação máxima em cada resposta pressupõe um tratamento


completo das várias questões suscitadas, que deverá ser coerente e corretamente
fundamentado, com indicação dos preceitos legais aplicáveis.
4. Na cotação atribuída serão tidos em consideração a pertinência do conteúdo, a
qualidade da informação transmitida em relação à questão colocada, a organização
da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o domínio da língua
portuguesa.
5. Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até um
máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 5.3.1 do Aviso n.º 5170/2022,
2
publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 50, de 11 de março).
6. A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a candidato/a
será penalizada com uma redução da nota atribuída até um máximo de 3 valores,
para o total da prova (Ponto 5.3.3 do Aviso n.º 5170/2022, publicado no Diário da
República, 2ª série, n.º 50, de 11 de março).
7. As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a grafia
do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (aprovado pela Resolução da
Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente no
quadro “Observações” da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
“Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade”, sendo a
prova corrigida nesse pressuposto.
8. As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento
identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da
folha de rosto), sob pena de anulação da prova.
9. Assim que for dada indicação que a prova terminou os/as candidatos/as não
poderão prosseguir com o que estavam a escrever, ficando a aguardar que o/a
vigilante recolha as folhas com a prova. O desrespeito desta regra implica a anulação
da prova.
10. Na resolução desta prova não deve ser utilizada a legislação especialmente aprovada
em consequência da pandemia Covid 19.

3
Caso I-A

(12 valores)
A sociedade Tudo para Hotéis, Lda. encomendou, em 10 de novembro de 2020, à sociedade
Papéis Catita, Lda., para revender, 10.000 pacotes de lenços de papel 100% celulose, com a cor
vermelha, produto que constava do catálogo de vendas desta sociedade.

Para o efeito, a Papéis Catita, Lda. entregou-lhe, previamente, amostras dos lenços de papel,
que a Tudo para Hotéis, Lda. testou e aprovou, ficando esta sociedade maravilhada com o
produto, dizendo à Papéis Catita, Lda. que eram mesmo esses os lenços de papel que
pretendia, uma vez que, sendo revendedora a hotéis de luxo, os clientes exigem a máxima
qualidade.

Os lenços de papel foram entregues, em 10 de dezembro de 2020, na sede da Tudo para


Hotéis, Lda., tendo sido emitida a correspondente fatura no valor de 3.500 Euros, valor que foi
pago no ato de entrega da mercadoria.

A Tudo para Hotéis, Lda. iniciou a revenda dos pacotes de lenços entregues, em 11 de
dezembro de 2020, constatando, após inúmeras reclamações de clientes (que começaram logo
no dia 14 de dezembro de 2020), que os lenços de papel tingiam, deixando manchas vermelhas
na pele dos utilizadores, sem, no entanto, ao que se apurou, causarem qualquer dano à sua
saúde.

Em 17 de dezembro 2020, a mencionada sociedade remeteu uma comunicação escrita à


Papéis Catita, Lda., apresentando reclamação referente aos pacotes de lenços entregues,
dizendo que os lenços de papel vendidos tingiam, deixando marcas de cor vermelha, aquando
da sua utilização, pretendendo, num prazo de 30 dias, a substituição da mercadoria que lhe
tinha sido entregue ou a devolução do valor pago. Nessa comunicação declarou ainda que,
uma vez que os lenços de papel entregues não poderiam ser revendidos aos seus clientes, se
4
não ocorrer a substituição da mercadoria ou a devolução do valor pago, considerará o contrato
resolvido, sem necessidade de qualquer nova comunicação.

A Papéis Catita, Lda. respondeu, dizendo que os produtos entregues tinham a qualidade
exigida e que nenhum outro cliente reclamou sobre a qualidade dos lenços de papel,
recusando-se a satisfazer o pretendido.

Assim, a Tudo para Hotéis, Lda. teve que, rapidamente, colmatar a falta dos pacotes de lenços
de papel, com a qualidade referida, a fim de não perder os clientes, contratando com outra
sociedade o fornecimento dos 10.000 pacotes de lenços de papel, despendendo o valor de
5.000 Euros nessa compra, devido ao prazo muito curto de entrega.

A Tudo para Hotéis, Lda. foi severamente afetada na sua imagem e prestígio perante a
clientela do mercado de hotelaria, altamente concorrencial, tendo os seus clientes
manifestado profunda insatisfação pelo ocorrido, sendo que, alguns desses clientes, de
imediato, compraram pacotes de lenços de papel a outras empresas, tendo deixado de
comprar mercadorias à Tudo para Hotéis, Lda.

****
Face à situação, a Tudo para Hotéis, Lda. intentou uma ação judicial, contra a Papéis Catita
Lda., em 06 de janeiro de 2021, pedindo que:
a) Se julgue validamente resolvido o contrato celebrado entre a Autora e a Ré, em 10 de
novembro de 2020 e, consequentemente, seja a Ré condenada a reembolsar à Autora, o valor
de 3.500 Euros, respeitante ao preço dos pacotes de lenços de papel pagos pela Autora à Ré,
em 10 de dezembro de 2020, contra a entrega dos pacotes de lenços de papel, na posse da
Autora (9.980 pacotes), ainda não utilizados;

b) Seja também condenada a Ré a pagar-lhe a quantia de 5.000 Euros, a título de danos


patrimoniais;

c) Seja ainda condenada a Ré a pagar-lhe uma compensação pelos danos sofridos na sua

5
imagem e prestígio perante a sua clientela.

A Papéis Catita, Lda. apresentou contestação, dizendo que os lenços de papel entregues eram
iguais aos das amostras previamente fornecidas à Autora, não havendo lugar à devolução de
qualquer valor. Disse ainda que, não cabe à Ré, pagar à Autora, o valor referente ao preço dos
lenços de papel comprados a outra sociedade, nem tão pouco compensá-la pelos invocados
danos sofridos na sua imagem e prestígio.

Face aos dados fornecidos, responda, fundamentadamente, às seguintes questões:

I. Qualifique e caraterize, juridicamente, o acordo celebrado entre a Tudo Para


Hotéis, Lda. e a Papéis Catita, Lda.
(2 valores)

II. Analisando as posições de cada uma das partes, pronuncie-se sobre a viabilidade
dos pedidos formulados pela Tudo para Hotéis, Lda. referidos em:
Alínea a);
(5 valores)
Alínea b);
(2.50 valores)
Alínea c).
(2,50 valores)

6
Caso I-B

(3 valores)

Suponha agora que, na pendência da ação instaurada pela Tudo para Hotéis, Lda., a Ré,
Papéis Catita, Lda., juntou aos autos, no início da audiência prévia, uma certidão do
registo comercial, de onde resulta que se fundiu, por incorporação, na sociedade Lopes e
Rebelo, Lda.

Resulta ainda, da referida certidão, que foi registada a fusão e cancelada a matrícula da
Papéis Catita, Lda., em data posterior à contestação.

Consequentemente, a Ré Papéis Catita, Lda. requereu então que a instância fosse julgada
extinta, por ser agora parte ilegítima para a ação.

No exercício do contraditório, a Autora opôs-se ao requerido, pedindo o prosseguimento


dos autos.

Analisando as posições sustentadas pela Ré e pela Autora, indique,


justificadamente, qual a decisão a proferir.

(3 valores)

7
Caso II

(5 valores)
Albertina, solteira, viveu em união de facto com José, divorciado, durante mais de dez anos.

José era proprietário de um imóvel sito em Sintra, no qual ambos residiam, tendo José
falecido em janeiro de 2022.

Guilhermina, única filha de José, que faleceu no estado de divorciado, pretendendo ocupar
o imóvel, intentou contra Albertina ação declarativa, com processo comum, na qual pediu a
condenação de Albertina a entregar-lhe o referido imóvel, que identifica como sendo de sua
propriedade, sustentando que Albertina o ocupa sem título.

Albertina apresentou contestação nos seguintes termos:

a) Pede que Guilhermina seja condenada a reconhecer o seu direito a ocupar o imóvel;
b) Acrescenta que se encontra pendente procedimento cautelar não especificado,
anteriormente intentado por Guilhermina contra si, pedindo a entrega do mesmo
imóvel com caráter urgente e que, no âmbito desse procedimento, Guilhermina
pediu inversão de contencioso, não podendo, pois, prosseguir a presente ação.

Analisando as posições de ambas as partes, responda fundamentadamente, às


seguintes questões:

I) Qualifique, processualmente, a defesa deduzida por Albertina na presente


ação (alíneas a) e b);

(1,50 valores)

II) Analise a viabilidade dos fundamentos de defesa referidos em:


Alínea a);

(1,50 valores)

Alínea b);

(2 valores)

8
39.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via académica

2.ª chamada – 26 de maio de 2022

Grelha de correção

As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para
cada uma das questões formuladas.

Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Caso I- A

 Questão I  2 valores
 Questão II a)  5 valores
 Questão II b)  2,50 valores
 Questão II c)  2,50 valores

Caso I – B  3 valores

Caso II

 Questão I
 Questão II a)  1,50 valores
 Questão II b)  1,50 valores
 2 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

CASO I-A Caso I-A


Questão I I. Qualifique e caraterize juridicamente o acordo celebrado entre a Tudo Para Hotéis, Lda. e
a Papéis Catita, Lda.
 Qualificar o acordo celebrado como um contrato de compra e venda, sinalagmático e oneroso, pelo
qual se transmite a propriedade de uma coisa, mediante o pagamento de um preço, (art.º 874º
Código Civil).
 Qualificar ainda o acordo como uma compra e venda comercial, assinalando que a Tudo para Hotéis
Lda. e a Papéis Catita Lda. são sociedades comerciais e como tal comerciantes, sendo os lenços de
papel comprados, pela primeira à segunda, para revenda (artigos 1º, 2º, 13º 2º, 230º, n.º 2 e 463º 1º
do Código Comercial).
 Considerar também que a venda foi realizada em face de uma amostra da mercadoria, aprovada pelo
comprador antes da conclusão do contrato, devendo ser, nos termos contratados, a mercadoria total
entregue, a final, igual à dessa amostra, tratando-se assim de uma venda sobre amostra (artigo 469º
Código Comercial).

II. Analisando as posições de cada uma das partes, pronuncie-se fundamentadamente sobre
Questão II
a viabilidade dos pedidos formulados pela Tudo para Hotéis, Lda. referidos em:
Alínea a)
 Tomar posição sobre a natureza do contrato de compra e venda sobre amostra, face ao disposto no
artigo 471º do Código Comercial:
- Compra e venda subordinada a uma condição suspensiva – a eficácia do negócio ficou sujeita à
verificação da conformidade da coisa vendida com a amostra, no momento da entrega ou, não sendo
esta verificação efetuada nesse momento, na ausência de reclamação nos oito dias posteriores.
- Contrato perfeito desde a sua celebração.
 Considerar a existência de desconformidade entre a amostra e a coisa entregue, tendo em atenção
que a mercadoria, objeto de amostra foi testada pelo comprador e que o papel dos lenços da amostra
não tingia, sendo que o papel dos lenços de papel, posteriormente entregues, tingia.
 Considerar que, embora não resulte dos dados da hipótese que a Autora tenha examinado a
mercadoria, nem quando a recebeu, nem nos oito dias posteriores, a mesma reclamou dentro do
prazo de oito dias contra a qualidade da mercadoria, concluindo pela tempestividade da denúncia,
nos termos do artigo 471º do Código Comercial.
 Afastar a aplicação do artigo 471º § único.
 Concluir em conformidade, de acordo com a posição adotada anteriormente sobre a natureza do
contrato.
Alínea b)
1) Entendendo que o contrato é perfeito desde o momento da sua celebração, enquadrar a
pretensão da Autora no âmbito do dano sofrido pelo incumprimento definitivo do contrato por parte
da Papéis Catita, Lda., estando em causa um negócio de substituição do negócio anteriormente
celebrado. Considerar a necessidade urgente da Autora de efetuar a compra, a fim de não perder
clientes (Artigos 562º, 563º, 564º n.º 1, 798º e 799º e 801º, n.º 2 Código Civil).
Questionar e tomar posição sobre a possibilidade de cumulação do pedido de indemnização por
danos patrimoniais no valor de 5.000 Euros, com o pedido de restituição do preço pago.
Concluir pela procedência, apenas parcial do pedido, com condenação no pagamento do valor de
1.500 Euros.
2) Entendendo que o contrato está sujeito a uma condição suspensiva, a não verificação da condição
gera a ineficácia, com efeitos retroativos, não haverá lugar a condenação pedida a título de danos
patrimoniais, não resultando dos dados da hipótese qualquer conduta por parte do vendedor,
contrária aos ditames da boa fé, da qual pudesse resultar a obrigação de indemnização.
Concluir pela improcedência do pedido.

Alínea c)
 Enquadrar esta pretensão no âmbito do dano não patrimonial, convocando o disposto no artigo 496º,
n.º 1 do Código Civil.
1) Entendendo que o contrato é perfeito:
 Problematizar, em primeiro lugar, no que respeita à viabilidade ou inviabilidade da pretensão, tendo
em consideração as posições doutrinais e jurisprudenciais divergentes, no que respeita ao
ressarcimento dos danos não patrimoniais quando estão em causa sociedades comerciais e a
natureza dos danos invocados.
 Mencionar que a eventual reparação obedece a juízos de equidade.
Concluir, em conformidade, pela viabilidade ou inviabilidade da pretensão.
(Artigos 160º, 483º, 496º, nºs 1 e 4, primeira parte, 494º, 562º e 566º do Código Civil, 6º, n.º 1 Código
das Sociedades Comerciais).
2) Entendendo que o contrato está sujeito a uma condição suspensiva, a não verificação da
condição gera a ineficácia, com efeitos retroativos, não havendo lugar à condenação pedida a título
de danos não patrimoniais.
Concluir pela improcedência do pedido.
_____________________________________________________________________________

CASO I-B Analisando as posições sustentadas pela Ré e pela Autora, indique, justificadamente, qual a decisão a
proferir.
 Considerar que, com o registo da fusão e o cancelamento da matrícula da Papéis Catita, Lda., a relação
jurídica contratual subjacente à ação judicial se transmitiu para a Lopes e Rebelo, Lda.; sucedendo
esta última na posição processual que era ocupada na lide pela primeira;
 Mencionar que, tratando-se de uma situação de fusão, não há lugar a habilitação nem suspensão da
instância, apenas se efetuando a substituição dos representantes da Ré (artigo 269º nº 2 do Código
Processo Civil);
 Configurar a situação no âmbito da regularização da instância, afastando, justificadamente, a
qualificação como ilegitimidade.
 Concluir que a ação deverá prosseguir contra a Lopes e Rebelo, Lda., devendo improceder a
pretensão da Papéis Catita, Lda. no que respeita à extinção da instância;
 Indicar que, na causa em apreço, é obrigatório o patrocínio forense, pelo que o Tribunal deverá
notificar a sociedade Lopes e Rebelo, Lda. para juntar aos autos procuração forense a favor de
mandatário judicial, outorgada pelos respetivos representantes legais (artigo 40º nº 1 a) e 41º do
Código Processo Civil).
_____________________________________________________________________________
Analisando as posições de ambas as partes, responda fundamentadamente, às seguintes questões:
CASO II I. Qualifique, processualmente, a defesa deduzida por Albertina na presente ação (alíneas a)
Questão I
e b).
 alínea a): considerar que Albertina deduz reconvenção, formulando contra Guilhermina pedido
que emerge do facto jurídico que serve de fundamento à sua defesa (artigos 266.º, n.ºs 1 e 2,
alínea a) e 583.º Código de Processo Civil).
 De facto, para se defender da pretensão da Autora contra si, a Ré sustenta que tem direito de
permanecer no imóvel, face à sua posição de membro sobrevivo da união de facto.
 Trata-se de defesa por exceção perentória, uma vez que invoca factos novos suscetíveis de
impedir o efeito jurídico dos factos articulados pela Autora, podendo determinar a improcedência
do pedido (artigos 571.º, n.º 2, segunda parte, 576.º, n.º 3 e 579.º Código Processo Civil).
 Pedindo a Ré que a Autora seja condenada a reconhecer esse direito, a demandada formula um
pedido reconvencional

 alínea b): nesta parte, considerar que Albertina se defende por exceção dilatória, uma vez que
alega factos tendentes a obstar à apreciação do mérito da ação, no caso, a litispendência (artigos
571.º, n.º 2, 576.º, n.º 2, 577.º, alínea i) Código Processo Civil).

_____________________________________________________________________________

Questão II II. Analise a viabilidade dos fundamentos de defesa referidos em:


alínea a):
 Identificar o direito previsto no artigo 5.º, números 1 e 2, da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, pelo
qual o membro sobrevivo de união de facto pode permanecer na casa de morada de família
propriedade do falecido como titular de um direito real de habitação e de um direito de uso do
recheio. Face ao lapso de tempo de duração da união de facto, a Albertina é conferido tal direito
pelo prazo de dez anos (n.º 2 do preceito), prorrogável ainda nos termos do n.º 4.
 Referir o relevo do estado civil dos unidos de facto, à luz do disposto na alínea c) do artigo 2.º da
mesma Lei.

alínea b):
 Identificar e problematizar a questão da qualificação como litispendência desta defesa, face ao
confronto entre procedimento cautelar e ação declarativa comum, sendo que analisando o
primeiro em sentido estrito, importa concluir que a pendência simultânea de ambos não gera
litispendência.
 Convocar e analisar:
- a figura da inversão do contencioso nas providências cautelares (artigos 369.º, 371.º e 372.º
Código Processo Civil), aferindo da possibilidade de recurso a esta faculdade no caso concreto, à
luz do disposto no artigo 369.º Código Processo Civil. Para o efeito, indicar que se trata de
providência cautelar não especificada, na qual se pede a entrega do imóvel com caráter urgente
(artigos 379.º e 362.º e seguintes Código Processo Civil), aferindo da adequação da natureza da
providência peticionada para realizar a composição definitiva do litígio. Reconhecer, nesta
ponderação, o relevo interpretativo do disposto no artigo 376.º, n.º 4, do Código Processo Civil,
que prevê, entre as providências especificadas nas quais pode haver inversão do contencioso, a
restituição provisória da posse.
- os requisitos da litispendência: identidade de sujeitos, de pedido (obtenção do mesmo efeito
jurídico) e de causa de pedir (pretensão procedente do mesmo facto jurídico), com o resultado
de repetição de uma causa, estando a anterior ainda pendente – artigos 580.º e 581.º Código
Processo Civil. A litispendência enquanto exceção que visa evitar que o tribunal seja colocado na
alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
Problematizar se haverá repetição de causas, que fundamente a existência de litispendência, ou
se as especiais caraterísticas da inversão do contencioso impõem solução diversa.
39.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via académica

2.ª chamada/2ª prova – 09 de junho

de 2022

Grelha de correção

As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para
cada uma das questões formuladas.

Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Caso I- A

 Questão I  1 valor
 Questão II  8 valores

Caso I – B  3 valores

Caso II  8 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20
VALORES)
CASO I-A CASO I-A
Questão I Face aos dados fornecidos, responda, fundamentadamente, às seguintes questões:

I. Qualifique, processualmente, a defesa apresentada pelo Banco BTF.

 Referir que o Banco BTF se defende por impugnação ao alegar factos que, não impedindo,
modificando ou extinguindo o direito que o Autor pretende fazer valer, podem servir para
concluir pela não verificação do efeito jurídico pretendido por aquele. Defende-se, ainda, por
exceção dilatória quando alega que o Autor é parte ilegítima para, por si, figurar na demanda.
Assinalar que essa exceção, se não for oportunamente sanada, determinará a absolvição do Réu
da instância – artigos 571.º, nºs. 1 e 2, 576.º, nº 1 e 2, 577.º, alínea e) e 278.º, nº 1, alínea e) e
n.º 3 do Código de Processo Civil.

_____________________________________________________________________________

Questão II II. Analisando a posição de cada uma das partes, pronuncie-se sobre a viabilidade da
pretensão de Henrique e da defesa apresentada pelo Banco BTF.

Quanto à defesa por exceção dilatória, problematizar o enquadramento do pressuposto da legitimidade


processual ativa no caso concreto.

 Considerar, num dos termos da alternativa de subsunção jurídica, a convocação do disposto


no art.º 903.º do Código de Processo Civil e a aplicação, por analogia, do regime do art.º
125º do Código Civil (no caso concreto, da alínea a) do n.º 1 desse artigo), para reconhecer
ao acompanhante legitimidade para, sem o acompanhado, intentar a ação.
 Numa outra alternativa, rejeitar a analogia com o regime do art.º 125.º do Código Civil,
sobretudo, numa situação como a vertente em que a medida de acompanhamento
decretada foi de assistência, e não de representação, reconhecendo que neste caso, assim
como a prática do ato impugnado dependia do concurso das vontades do acompanhado e
do acompanhante, também a impugnação judicial demanda a intervenção de ambos.

Quanto ao mérito:

 Assinalar que o ato que o Autor pretende ver anulado foi praticado entre o anúncio da
propositura da ação e a decisão final desta, pelo que lhe é aplicável o disposto na alínea b)
do nº 1, do art.º 154º do Código Civil.
 De acordo com o que resulta da norma, esse ato é anulável desde que se verifiquem
cumulativamente os seguintes pressupostos: i) decisão final de acompanhamento
transitada em julgado, ii) decretamento de uma medida de acompanhamento nessa
decisão, iii) infração, pelo ato, da natureza da medida decretada, iv) natureza prejudicial do
ato face aos interesses do acompanhado.
 Reconhecer que, na situação em presença, estão verificados os três primeiros pressupostos
da previsão da norma, problematizando se o mesmo sucede com o último deles. Nessa
problematização, assinalar que a natureza prejudicial do ato se afere por referência ao
momento da prática deste. Considerar, ainda, que o mútuo com hipoteca celebrado por
Emanuel foi determinado pela necessidade de financiamento da atividade comercial a que
o acompanhado se dedica, não parecendo existir factos que permitam convir que em algum
dos seus elementos (v.g. taxa de juro, natureza da garantia), esse negócio, é prejudicial aos
interesses de Emanuel.
 Analisando a defesa do Réu BTF, assinalar que, com o anúncio da propositura da ação, tal
como determinado pelo tribunal e efetivado no dia 10 de maio de 2019, se cumpriu a
publicidade exigida pela tutela de terceiros, não se afigurando, a essa luz, sustentável a
defesa do Banco ao refugiar-se no desconhecimento da medida decretada.
 Salientar, ainda, que o conhecimento pela contraparte ou notoriedade da limitação do
acompanhado não é requisito da anulabilidade do ato, considerando que o regime da
incapacidade acidental, previsto no art.º 257º, aplicável por remissão do art.º 154º, n.º 3,
ambos do Código Civil), apenas é aplicável à impugnação de atos anteriores ao anúncio do
início do processo de acompanhamento.
 Concluir coerentemente com as premissas expostas.

_____________________________________________________________________________

CASO I-B
CASO I-B
Pronuncie-se, fundamentadamente, sobre a validade da decisão da dispensa da audição do
beneficiário.
 Referir que a Lei nº 49/2018, de 14/02, que criou o regime jurídico do Maior
Acompanhado, introduziu uma mudança de paradigma e uma nova filosofia no estatuto
das pessoas portadoras de incapacidade, consagrando princípios da Convenção das
Nações Unidas de 30 de março de 2007, sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
entre eles, o de que a pessoa com deficiência tem o direito a participar ativamente em
todas as decisões que lhe digam respeito a nível pessoal, familiar e económico e tem o
direito a ser ouvida sobre todas as questões que sejam decididas.
 Convocar o disposto nos arts. 139º, n.º 1 do Código Civil e 897º a 899.º do Código de
Processo Civil, destacando que as expressões “em qualquer caso” e “sempre” empregues
pelo legislador (vg. no n.º 2 do citado artº. 897.º), revelam a intenção de tornar obrigatória
a audição da beneficiária pelo juiz.
 Tratando-se de uma norma de cariz imperativo, considerar que estava vedada ao juiz, em
face dos elementos do caso concreto, a possibilidade de, fazendo uso dos seus poderes de
gestão processual (art.º 6.º, n.º 1 Código Processo Civil) e de adequação formal (art.º 547.º
Código de Processo Civil), prescindir dessa diligência instrutória.
 Concluir que a omissão da referida diligência configura uma nulidade processual, nos termos
previstos no art.º. 195°, n° 1, 2ª parte, do Código de Processo Civil, por ter manifesta
influência no exame e decisão da causa.

_____________________________________________________________________________
CASO II
CASO II
Analisando a posição de ambas as partes, responda fundamentadamente, à seguinte questão:

Aprecie do ponto de vista jurídico-substantivo, a viabilidade das pretensões deduzidas pela C & D,
Lda.

 Problematizar se o conteúdo da primeira carta remetida pela Ré à Autora configura uma


proposta negocial ou um mero convite a contratar.
 Caracterizar a proposta contratual como uma declaração feita por uma das partes que, uma
vez aceite pela outra, dá lugar à formação do contrato; devendo, tal declaração, reunir três
requisitos: expressão de uma vontade séria e definitiva de contratar, conter os elementos
essenciais do contrato em causa e revestir a forma requerida para o contrato;
 Indicar que, caso falte algum desses requisitos, deve considerar-se que tal declaração
pretende, apenas, convidar os destinatários a efetuarem propostas negociais;
 Identificar que o contrato que se pretende celebrar é um contrato de compra e venda
comercial (artigos 1º, 2º, 3º, 13º 2º e 463º 1º do Código Comercial e 874º do Código Civil).
 Referir que na primeira carta remetida não está indicado o preço pelo qual se pretende
vender a tonelada de tomate, sendo que a obrigação de pagar o preço é um dos elementos
essenciais da compra e venda (artigo 879º, alínea c) do Código Civil).
 Concluir que a Ré se limitou a convidar os destinatários da carta a apresentarem as suas
propostas contratuais, sem se vincular à conclusão de um contrato.
 Referir, contudo, que a aceitação, pela Autora, do convite a contratar formulado pela Ré,
teve como consequência o início de negociações com vista à celebração do contrato de
compra e venda, vinculando as partes envolvidas ao dever de boa fé.
 Problematizar se o facto de a Ré, sem qualquer justificação e depois de a Autora ter incorrido
em custos para a apresentação da proposta, ter decidido não vender a produção de tomate,
pode configurar uma rutura injustificada das negociações, violadora da boa fé e geradora de
responsabilidade pré-contratual, nos termos do art. 227º do Código Civil.
 Concluindo pela verificação da obrigação de indemnizar, distinguir a indemnização pelo
interesse contratual negativo da indemnização pelo interesse contratual positivo,
problematizando, no caso concreto, e à luz dessa distinção, a solução a conferir aos pedidos
formulados.
39.º CURSO
PROVA DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA

GRELHA DE CORREÇÃO

AUTOCARRO

GRUPO I
Factos Notas de Correção Valor
1-8 ANTONINO, condutor da Rodoviária A conduta de A é subsumível no crime de
Internacional, irritado com um condutor (de condução perigosa de veículo rodoviário,
nome CAMÕES) de um veículo ligeiro que já previsto e punido pelo artigo do Código Penal
o tinha ultrapassado por três vezes decide, já a [viola de forma grosseira as regras estradais, pois
perder a paciência, ultrapassá-lo pela quarta faz a manobra de ultrapassagem transpondo traço
vez. contínuo) e desse modo cria perigo para a vida e
integridade física do condutor da bicicleta, do
Confiando que nenhum veículo seguia em condutor do veículo que ultrapassou e dos
sentido contrário – já que era de noite e não ocupantes do autocarro). A conduta (condução) é
havia sinais de quaisquer luzes vindas da dolosa, mas a criação do perigo é negligente,
direção oposta –, ANTONINO iniciou a artigo 291.º, n.º 3, do CP, com a agravação
prevista no art. 294.º, n.º 1. É também aplicável 1 valor
manobra de ultrapassagem, embora ciente que
a pena acessória de proibição de conduzir,
para o efeito transpunha o traço contínuo que prevista no artigo 69.º, n.º 1, al. a), do CP.
separava os dois sentidos de trânsito daquela Esta conduta é subsumível, ainda, ao crime de
via (facto que constitui a prática de uma homicídio por negligência, previsto e punido
contraordenação grave prevista e punida no pelo art. 137.º, n.º 1 e 2 do CP e ao crime de
Código da Estrada). ofensa à integridade física por negligência,
previsto e punido pelo artigo 148.º, n.º 1 ou 2, do
Durante essa manobra, e quando o autocarro Código Penal [A viola um dever objetivo de
que conduzia se encontrava já na faixa de cuidado, causa um resultado que podia e devia 1+1
rodagem contrária, embateu numa motorizada prever e que era evitável: art. 15.º, al. a) do CP]. valores
que seguia na sua mão de trânsito sem A relação de concurso entre estes crimes será
quaisquer luzes ligadas. tratada infra.
A conduta negligente de A deverá ser qualificada
Esta motorizada era conduzida por como grosseira: praticou a contraordenação
BERNARDINO que, sendo portador de uma identificada na prova, sendo que sobre si recaía
taxa de álcool no sangue de 2,5 gr/litro, se tinha um especial dever de cuidado considerando a sua
esquecido de as acender. profissão de motorista.
De notar que B (cuja responsabilidade penal se
Em resultado do embate, BERNARDINO foi extinguiu por falecimento), também viola um
projectado a cerca de 10 metros, tendo sofrido dever objetivo de cuidado, pois encontrava-se em
várias lesões físicas que lhe determinaram, estado de embriaguez e, por isso, conduzia sem
directa e necessariamente, a morte. luzes. Tal conduta é também causa do embate do
seu veículo no autocarro conduzido por A e no
Perdendo o controlo do veículo por força deste embate no veículo de C. Coloca-se, assim, o
embate, ANTONINO não conseguiu evitar que problema de causalidade (e culpa) cumulativa 1 valor
o autocarro capotasse. entre a conduta de B de A. De acordo com a
teoria da conexão do risco, que tem sido acolhida
Embora do capotamento não tivessem pela jurisprudência nacional, a causalidade
resultado lesões físicas visíveis para cinco dos cumulativa não afeta a responsabilidade penal de
passageiros, dois outros sofreram lesões graves A (neste sentido, veja-se o Ac. TRL de
que lhes provocaram direta e necessariamente 06/06/2018, proc. 341/14.0GALSD.P1, Pedro
a morte, ao passo que os restantes quatro Vaz Patto).
sofreram apenas ligeiras escoriações em Quanto a A, por seu turno, há que apreciar a
diversas partes do corpo. relação de concurso de crimes (efetivo/aparente),
em dois planos:
1) entre o crime de condução perigosa e os de
homicídio/ofensas negligentes.
Os bens jurídicos são distintos (o bem jurídico
pessoal da “segurança rodoviária” no da
condução perigosa e os bens jurídicos “vida e
integridade física” nos crimes negligentes
referidos).
A cria perigo concreto para a vida e integridade
física de terceiros (os não atingidos) (e atinge a
vida e a integridade física de outros que foram
vítimas efetivas da sua conduta).
Cremos que a resposta correta será a que defende
a prática em concurso efetivo dos crimes
referidos, desde logo porque não há dúvida
quanto à colocação em perigo concreto dos bens
jurídicos vida e ofensa à integridade física, além
dos que efetivamente foram atingidos em tais
bens jurídicos, caso em que poderiam colocar-se
mais dúvidas quanto à sua relação de consunção
(neste sentido, FIGUEIREDO DIAS e NUNO
BRANDÃO, Comentário Conimbricense ao
Código Penal, Tomo I, Coimbra: Coimbra
Editora, 2.ª edição, p. 187; PAULA RIBEIRO
DE FARIA, Comentário Conimbricense ao
Código Penal, Tomo II, Coimbra: Coimbra
Editora, p. 1091, Ac. STJ 22-11-2007, proc.
05P3638, Arménio Sottomayor). Note-se, ainda, 1,5 valor
que não se justifica, assim, a agravação do crime
de condução perigosa pelo resultado morte (art.
294.º, n.º 3 e 285.º, do CP), sendo tal resultado já
tutelado pelo crime de homicídio por negligência
(entendimento diverso viola o pr. ne bis in idem).
2) Há ainda que apreciar a existência ou não
de concurso efetivo entre os crimes
negligentes.
Em consequência do sinistro rodoviário,
morreram 3 pessoas e 4 ficaram com lesões não
graves.
No essencial, a opção por um concurso aparente
ou efetivo, é sobretudo fruto da valoração da
vertente de culpa e da violação de um único dever
objetivo de cuidado (vertente subjetiva) OU do
resultado objetivo (os diversos bens jurídicos
pessoais efetivamente atingidos).
Ambas as posições são defensáveis (conforme
revela a diversa doutrina e jurisprudência),
consoante se entenda prevalente a vertente
subjetiva ou a vertente objetiva (no sentido do 1 valor
concurso aparente, vejam-se Ac. STJ
13/07/2011, proc. 1659/07.3GTABF.S1,
Henriques Gaspar e Ac. TRL de 04/04/2019,
proc. 15/14.1GTALQ.L1-9; no sentido do
concurso efetivo veja-se, entre outros,
FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral,
T. 1, 3.ª ed., p. 1172-1174).
Nestes termos, sustentando-se o concurso
aparente, A é responsável por um único crime de
homicídio com negligência grosseira a que
acrescerá o supra aludido crime de condução
perigosa. Em caso de defender-se o concurso
efetivo, teremos 3 crimes de homicídio por
negligência grosseira, 4 crimes de ofensa à
integridade física por negligência e um crime de
condução perigosa.
9-10 ANTONINO, que sofrera também apenas A pratica um crime de homicídio simples, na
escoriações na face, logrou sair do autocarro e forma tentada (arts. 131º, nº 1 e 22º, nº1, nº2, al.
vendo o veículo de CAMÕES, que parara uns b) , 23º, nº1, todos do CP); admite-se a discussão
metros mais à frente, dirigiu-se-lhe. quanto ao privilegiamento previsto no art. 133.º–
“emoção violenta”, ainda que para o afastar,
Constatando que CAMÕES se encontrava considerando ter sido a situação provocada pelo
ainda sentado no banco do condutor e falava ao próprio, não sendo assim a mesma minimamente
telemóvel que tinha na mão, ANTONINO, “compreensível”; admite-se a alusão à
possibilidade da sua qualificação nos termos do
absolutamente fora de si, e imputando
art. 132.º, n.º 1 do CP (não se vislumbrando,
mentalmente a CAMÕES todo o todavia, qualquer dos exemplos-padrão
circunstancialismo que motivara o acidente, constantes do seu n.º 2, pelo que a qualificação
abriu a porta do lado do condutor e apertou-lhe sempre teria de se alicerçar num exemplo-padrão
o pescoço com toda a força que lhe restava. não típico, que permita afirmar sobretudo a 1 valor
“especial censurabilidade” referida no n.º 1).
11-12 Sentindo-se asfixiado, CAMÕES largou o A conduta de C integra a previsão do crime de
telemóvel, e conseguindo pegar na garrafa de ofensa à integridade física grave (art. 144.º, al. b)
vinho que tinha comprado para o jantar, que do CP), no entanto, numa atuação ao abrigo de 1 valor
tinha a seu lado, vibrou com ela um forte golpe legítima defesa (art. 32.º do CP), pelo que fica
na cabeça de ANTONINO que caiu caído assim afastada a ilicitude da sua conduta.
inanimado no chão.
Em resultado dessa pancada, ANTONINO
sofreu lesões que lhe provocaram uma
hemorragia interna, o que viria a deixá-lo
incapacitado para o exercício da sua profissão
de motorista.

13-15 Sucede que, no momento em que era atacado


por ANTONINO, CAMÕES estava ainda a
falar com os serviços do INEM através do
número 112, solicitando o socorro das pessoas
envolvidas no acidente que presenciara, facto
que o seu agressor desconhecia.

Entretanto, DUARTE, que desconhecia que os


serviços de emergência já tinham sido D pratica um crime de furto qualificado (arts.
avisados da ocorrência, e que pôde ver tudo o 203.º e 204.º, n.º 1, al. d) do CP (age ao abrigo de 1 valor
que acontecera já que seguia atrás da viatura uma única resolução criminosa, ainda que
abrangendo bens pertencentes a diversas
acidentada, parou o seu veículo e recolheu três
pessoas).
das malas que se encontravam espalhadas pela
faixa de rodagem e pela berma, pertencentes
aos passageiros do autocarro.

DUARTE, tendo colocado as malas no seu


D pratica um crime de omissão de auxílio (art. 0,5 valor
veículo, logo se apressou a sair do local sem se
200.º, n.º 1 CP)
preocupar em saber como se encontravam os
passageiros do autocarro, nomeadamente se
estas precisariam de alguma assistência
médica.

16-21 DUARTE, ao chegar a casa tratou de examinar - E e D aparentemente praticam, em coautoria,


o conteúdo das malas, tendo numa delas atos suscetíveis de integrar um crime de tráfico
encontrado uma carteira com 200 euros, noutra de estupefacientes, previsto e punido pelo art.
um fio de ouro com o valor de 1000 euros e, na 21.º do DL 15/93, de 22/1, na sua forma
terceira, um saco de plástico com um produto agravada, (art. 24.º, al. a) e h)) no que diz respeito
em pó branco, com um peso a rondar os 2 kg, e a transações a realizar junto de uma escola.
Com efeito, D passa a deter produto que crê
que presumiu tratar-se de cocaína.
tratar-se de cocaína e formula um plano para o
Ao mesmo tempo estupefacto e amedrontado – distribuir/vender a terceiros, conjuntamente com
já que alguém “importante” devia seguir em tal E, a quem entrega o produto para o acondicionar.
autocarro –, DUARTE ligou a um seu Contudo, conforme se vem a verificar, o produto
não é cocaína prevista na Tabela I-B anexa, mas
conhecido que sabia ter ligações ao mundo da
antes veneno para desbaratização.
droga, o ERVAS, a quem pediu que fosse ter Pode eventualmente defender-se aqui que ambos
consigo no dia seguinte, não a sua casa, mas os agentes (D e E), praticam uma tentativa
numa zona florestal sita nas proximidades, impossível punível ao abrigo do disposto no
onde estariam mais abrigados de olhares artigo 23.º, n.º 3, do CP. Com efeito, a substância
curiosos. aparenta ser cocaína e a respetiva inexistência
não é manifesta (num primeiro momento, nem
No decurso do referido encontro, o ERVAS sequer para o ERVAS, que é conhecedor do
sugeriu que no dia seguinte fossem até às mundo da droga). Segundo esta perspetiva,
redondezas de uma escola secundária sita em denominada de teoria da impressão, bastará que
Vendas da Hora, que sabiam ser frequentada o meio do crime não seja manifestamente (no
por consumidores, incluindo alunos dessa e de sentido de visível para a generalidade das
outras escolas. ERVAS, que era quem tinha pessoas) inidóneo ou o objeto manifestamente
“prática” e “conhecimentos” em tal atividade, inexistente (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal,
ficou com o produto de modo a acondicioná-lo Parte Geral, T. 1, 3.ª ed., p. 835-839). Esta
em pequenos sacos para permitir a sua venda. interpretação, contudo, pode ser de difícil
compatibilização constitucional, quando lida à
Como combinado, DUARTE e ERVAS luz do princípio da necessidade (artigo 18.º, n.º 2,
encontraram-se às 8.00 horas da manhã, num da CRP). Por exemplo, poderá levar à punição de
parque de estacionamento sito a cerca 50 uma tentativa de aborto (fora das condições
metros da referida Escola. Ali, ERVAS legais), de uma mulher não grávida.
devolveu o produto, que já se encontrava todo Neste contexto, crê-se que a posição contrária é
também defensável, desde logo porque estamos
dividido em pequenos sacos, a DUARTE
no âmbito de um crime de mera atividade e de
dizendo-lhe: “Tive eu um trabalhão a dividir
perigo abstrato. Com efeito, constituindo o crime
isso, e olha, depois experimentei só um de tráfico de droga já uma antecipação da tutela
bocadinho, pá, e senti-me logo mal. Isso não é penal, prevendo um conjunto de atividades
coca, não vendas isso a ninguém, essa cena não puníveis independentes de qualquer resultado
presta”. danoso ou sequer perigo concreto, uma nova
DUARTE, não querendo saber da informação extensão da tutela penal pela figura da tentativa
transmitida por ERVAS e se alguém se iria afigura-se controversa (o Ac. TC. n.º 262/2001
sentir ou não mal, nesse mesmo dia e local aflora este problema sem, contudo, se pronunciar
vendeu quatro sacos, contendo cada um deles sobre ele). Fará sentido punir a tentativa de
0,25 gramas de produto, pelo valor total de detenção de droga quando a detenção é já uma
100 euros, a um casal de namorados, antecipação da punição relativamente à venda?
Não estaremos aqui perante uma tentativa de uma
FERNANDO e GEORGINA, ambos com 17
tentativa? Este problema torna-se
anos.
particularmente visível em relação a E. Nestes
Ao consumirem, como se de cocaína se termos, partindo da própria natureza do crime de
tratasse, um produto que se viria a constatar tráfico, na modalidade aqui em causa, poderá ser
sustentada a não punibilidade da tentativa
tratar-se de veneno de desbaratização,
impossível sob pena de violação do princípio da
FERNANDO e GEORGINA, vieram a sofrer necessidade. Por seu turno, numa visão unitária
de intenso mal-estar físico, designadamente, do instituto da tentativa penal, a interpretação do
elevadas subidas de temperatura e fortes dores art. 23.º, n.º 3 deve ser conjugada com o artigo
de estômago, vindo a ser internados em 22º, n.º 2, do CP, no sentido deste último definir
Hospital onde, por receberem tratamento em geral a tentativa e o primeiro delimitar a
médico urgente, se logrou evitar a morte dos respetiva punibilidade. Caso se entendesse que
mesmos por envenenamento. os atos de execução da tentativa impossível
punível, assumiam autonomia relativamente aos
atos da tentativa possível (art. 22.º, do CP)
incorrer-se-ia numa contradição axiológica pois
a punição da tentativa impossível seria mais
extensa do que na tentativa possível, apesar de
nesta se verificar um efetivo perigo de
cometimento do ilícito e naquela uma mera
aparência de perigo (MARIA FERNANDA
PALMA, Da Tentativa Possível em Direito
Penal, p. 66). No nosso caso, porque a substância
em causa não trata de cocaína mas sim de veneno
para desbaratização, inexiste em absoluto o
objeto e meio do crime de tráfico. Quanto à
inexistência de objeto, já CAVALEIRO de
FERREIRA defendia que se deveria excluir a
própria tentativa e falar-se antes de crime
impossível em vez de tentativa impossível
(Lições de Direito Penal, Parte Geral, 4.ª ed, p.
436). Por sua vez o mesmo autor distinguia entre
inidoneidade absoluta do meio, quando este é por
sua natureza inapto a produzir o resultado e
inidoneidade relativa, quando o meio é em si
mesmo idóneo mas inapto nas circunstâncias em
que foi empregue. Ora, in casu, a substância é
meio absolutamente inidóneo para produzir
qualquer efeito estupefaciente (dir-se-ia que o
veneno só poderá transformar-se em cocaína por
um ato de magia). Também por via desta
argumentação é, pois, defensável a não punição
destas condutas de E e D, pois inexistem atos que
possam minimamente satisfazer a condição de
idoneidade ou adequação, pressuposto da
tentativa punível ao abrigo do artigo 23.º, n.º 3,
lido em conjunto com o artigo 22.º, n.º 2 e em
conformidade com a CRP.
Nesta esteira, de acordo com a argumentação, o 2 (ou 3)
candidato deve ser valorado num máximo de 2 valores
valores, no caso de defender a tentativa
impossível punível do crime de tráfico e, no caso
de defender a impunidade, 3 valores (ademais
porque conforme resultará infra, o primeiro
beneficiará de mais um valor caso complete o seu
raciocínio com o concurso efetivo com os crimes
de ofensas à integridade física, agravados pelo
resultado).
20-21 DUARTE, não querendo saber da informação - D pratica, pelo menos com dolo eventual, dois
transmitida por ERVAS e se alguém se iria crimes de ofensa à integridade física, previstos
sentir ou não mal, nesse mesmo dia e local no art. 143.º, n.º 1, do CP.
vendeu quatro sacos, contendo cada um deles Tais crimes são agravados pelo resultado (artigo
0,25 gramas de produto, pelo valor total de 147º, n.º 2, do CP – pois D, ao vender a “droga”
falsa criou, de forma negligente (negligência 1 valor
100 euros, a um casal de namorados,
inconsciente), perigo para a vida de Fernando e
FERNANDO e GEORGINA, ambos com 17
Georgina.
anos.

Ao consumirem, como se de cocaína se


tratasse, um produto que se viria a constatar - Tendo em conta a diversidade de bens jurídicos
tutelados (o crime de tráfico, para além de tutelar
tratar-se de veneno de desbaratização,
o bem jurídico vida e integridade física, tutela a
FERNANDO e GEORGINA, vieram a sofrer 1 valor
saúde pública), existe concurso efetivo dos
de intenso mal-estar físico, designadamente, crimes de ofensa com a tentativa impossível de
elevadas subidas de temperatura e fortes dores crime de tráfico (caso se considere tal tentativa
de estômago, vindo a ser internados em punível). De reparar que, caso se sustente esta
Hospital onde, por receberem tratamento solução, os agentes (D e E), são punidos mais
médico urgente, se logrou evitar a morte dos severamente do que no caso de terem praticado o
mesmos por envenenamento. crime de tráfico de estupefacientes na sua forma
perfeita, pelo que, reitera-se, a posição da não
responsabilização destes agentes pelo crime de
tráfico afigura-se ser, porventura,
axiologicamente mais consistente.

II Parte (6 valores)
Responda às questões:

1. Tendo o INEM e a entidade policial chegado ao local do acidente, um agente policial


apercebeu-se que havia uma mala que estava na faixa de rodagem e se encontrava aberta.
No interior desta via-se um saco plástico, contendo no seu interior um produto que o
agente suspeitou poder tratar-se de produto estupefaciente.
1.1. Qual deveria ser a conduta subsequente do agente policial à luz da lei processual
penal? (2 valores)

Há, desde logo, a notícia de um crime, que deverá ser levada ao conhecimento do MP
(art. 241.º do CPP), que é de denúncia obrigatória (art. 242.º, n.º 1, al. a) e 248.º do CPP), que
deverá originar a elaboração de um auto de notícia, nos termos previstos no art. 243.º (sendo
relevantes todos os seus números); considerando a aparência da substância existente no saco
plástico, o agente policial deveria proceder de acordo com o que se dispõe no art. 249.º, n.os 1, 2,
al. a) e c), com referência aos arts. 171.º, n.º 2, 173.º e 178.º, n.º 1, 5 e 6, todos do CPP.

2. Um desconhecido, que não se identificou, telefonou à PSP relatando que tinha


conhecimento que DUARTE possuía um plano para vender produto estupefaciente. Na
posse dessa informação, a entidade policial elaborou uma informação de serviço, que veio
a desencadear uma investigação que redundou na autorização de uma busca domiciliária
com vista a localizar e apreender o restante produto de que DUARTE se apoderara, e que
estava escondido num armário da cozinha da casa onde vivia.

DUARTE, com 21 anos, vivia com a mãe MIQUELINA, em casa desta. Foi
MIQUELINA que deu o consentimento para a realização da busca domiciliária referida
já que, nessa altura, DUARTE não se encontrava presente.

2.1. Apreendido o produto no condicionalismo que ficou descrito, qual a entidade


judiciária competente para se pronunciar sobre a validade da apreensão? (1 valor)

O produto apreendido deve ser apresentado pelo OPC nos termos do disposto no art. 178.º, n.º 6
do CPP, à entidade competente para se pronunciar sobre a validade da apreensão, que é o titular da
investigação, portanto, o Ministério Público (arts. 178.º, n.º 3, 263.º e 267.º do CPP), cabendo-lhe avaliar
da sua relevância para efeitos probatórios; com efeito, não está em causa qualquer ato da competência
exclusiva do Jic previstos nos arts. 268.º e 269.º do CPP, sendo que, no que diz respeito às apreensões
somente lhe cabe, em exclusivo, as referidas nos arts. 268.º, n.º 1, al. c) e d) e 269.º, n.º 1, al. d) do CPP.

2.2. Qual deveria ser o sentido do despacho a proferir por essa entidade? (1 valor)

Considerando o disposto no art. 174.º, n. os 2 e 5, al. b) do CPP, a busca é válida. A resposta


deve problematizar a validade do consentimento prestado pela Mãe do Duarte: trata-se de espaço
onde nenhuma “reserva da privacidade ou intimidade” do suspeito se mostra tutelada (é espaço
comum, de uma casa que pertence a quem deu o consentimento); portanto, nenhum problema de
constitucionalidade se coloca que permita aceitar, para o caso, o sentido da recente decisão do TC
n.º 101/2022, que reflecte precisamente os problemas que se colocam e remetem para
jurisprudência do TC anterior também relevante, designadamente os Acs. 507/94 (com voto de
vencido) e 126/2013.
Pode também ponderar-se o modo como a entidade policial teve a notícia do crime (sem
identificação do denunciante), devendo concluir-se pela sua admissibilidade no caso concreto,
pois está baseada numa concretização mínima de factos, por referência ao segmento “relatou o
que sabia das condutas deste”, que configuram a prática de um crime (de natureza pública): arts.
241.º e 246.º, n.º 6 do CPP (já se se tratasse de crime semipúblico ou particular: art. 246.º, n.os 2,
4 e 7): “A denúncia anónima pode determinar a abertura de inquérito desde que refira factos
concretos de onde se possam extrair indícios da prática de crime. Em tal circunstância, e com
base na referida denúncia anónima, é válida a revista efectuada à pessoa do suspeito, e bem
assim a revista ao automóvel em que se fazia transportar.” (Ac. TRE de 24/5/2016, processo
652/15.7GCBNV-A.E1); a contrario “Uma carta anónima, desacompanhada de qualquer outro
indício, e sem que o próprio texto daquela aponte algum facto concreto susceptível de
investigação, não é suficiente para autorizar a realização de uma busca domiciliária, sob pena de
se abrir a porta à devassa da vida privada.” (Ac. TRP de 12/2/2014, processo 89/13.2GACHV-
A.P1).
3. Durante um inquérito no qual se investiga um crime de homicídio (artigo 131.º do
Código Penal) praticado por desconhecidos, o OPC recolheu material biológico no local
do crime. Com o material recolhido pretende-se agora chegar à identidade do eventual
autor do crime.

3.1. Qual o regime legal aplicável e quais os procedimentos necessários ao mencionado


fim? (2 valores)

O regime legal aplicável é a Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro.


Esta lei estabelece os princípios de criação e manutenção de uma base de dados
de perfis de ADN, para fins de identificação civil e de investigação criminal, regulando,
para o efeito, a recolha, tratamento e conservação de amostras de células humanas, a
respetiva análise e obtenção de perfis de ADN e a metodologia de comparação de perfis
de ADN extraídos das amostras, bem como o tratamento e conservação da respetiva
informação em ficheiro informático (art. 1.º, n.º 1).
A recolha de amostras deixadas em determinado local, com finalidades de
investigação criminal, realiza-se de acordo com o disposto no artigo 171.º do Código de
Processo Penal (art. 8.º, n.º 5), devendo manter-se a cadeia de custódia respetiva (art. 18.º,
n.º 5). O material biológico recolhido em local, cuja identidade se pretende determinar,
denomina-se “amostra”, mais especificamente, “amostra problema” (art. 2.º, al. b) e c)).
Para efeitos da lei em referência e no que revela à questão colocada, a eventual
identificação de um suspeito num inquérito contra desconhecidos, é feita através da
comparação de perfis de ADN relativas a amostras de material biológico colhidas em
locais de crimes e em pessoas que, direta ou indiretamente, a eles possam estar associadas,
com os perfis de ADN existentes na base de dados de perfis de ADN (art. 4.º, n.º 3). Isto
quer dizer que antes de se operar o eventual cruzamento com ficheiros da base de dados
existe necessariamente uma etapa preliminar constituída pela comparação direta de
despistagem com pessoas que direta ou indiretamente possam estar associadas ao local
da colheita (neste sentido, PAULO DÁ MESQUITA - A prova em Processo Penal e a
identificação de perfis de ADN - da recolha para comparação direta entre amostra-
problema e amostra-referência às inserções e conexões com a base de dados, p. 572).
Salvo em casos de manifesta impossibilidade, é preservada uma parte bastante e
suficiente da amostra para a realização de contra-análise (art. 11º), sendo certo que a
análise da amostra restringe-se apenas àqueles marcadores de ADN que sejam
absolutamente necessários à identificação do seu titular (art. 12.º, n.º 1). As entidades
competentes para a análise laboratorial estão previstas no art. 5.º, sendo, em regra, o LPC
ou o INMLCF, IP.
Em princípio, os perfis de ADN resultantes de amostras problema para
investigação criminal, recolhidas nos termos do n.º 5 do artigo 8.º, bem como os
correspondentes dados pessoais, quando existam, são inseridos na base de dados de perfis
de ADN (art. 18.º, n.º 3). A identificação resulta da coincidência entre o perfil obtido a
partir da amostra problema e outro ou outros perfis de ADN já inscritos em ficheiro da
base de dados de ADN (arts. 13.º e 15.º). A obtenção de perfis de ADN e os resultados da
sua comparação constituem perícias válidas em todo o território nacional.
Neste caso, a entidade competente para determinar a realização da perícia é o MP.
A interconexão faz-se ao abrigo do art. 19.º, n.º 6. A eventual coincidência decorrente da
inserção de perfil obtido é comunicada ao processo se o juiz competente, oficiosamente
ou na sequência de requerimento escrito fundamentado do Ministério Público, decidir por
despacho fundamentado que esta comunicação é adequada, necessária e proporcional,
tendo em conta, nomeadamente, o relatório relativo à recolha da amostra problema (art.
20.º). O relatório pericial apenas é completado com o perfil de ADN do titular dos dados
quando tal for determinado no despacho do juiz. Estas cautelas visam tutelar o direito à
autodeterminação informacional.
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

Via Académica

39.º CURSO DE FORMAÇÃO INICIAL PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO N.º 5 1 7 0 / 2022, PUBLICADO NO


DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 50, 2.ª SÉRIE, DE 11 DE M A R Ç O DE 2022

09 J U N H O 2022
14H15M

2.ª CHAMADA

A PROVA INICIA-SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA DESIGNADA


(ARTIGO 12.º, N.º 1, DO REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE
ESTUDOS JUDICIÁRIOS)

DURAÇÃO DA PROVA: 3 HORAS


VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA – 09 JUNHO 2022

1. A presente prova é composta por dois grupos, sendo todas as questões de


abordagem obrigatória.
2. Cotações:
GRUPO I: 14 valores
GRUPO II: 6 valores:
A. (2 valores)
B. (2 valores)
C. (2 valores)
3. A atribuição da cotação máxima em cada resposta pressupõe um tratamento
completo das várias questões suscitadas, que deverá ser coerente e corretamente
fundamentado, com indicação dos preceitos legais aplicáveis.
4. Na cotação atribuída serão tidos em consideração a pertinência do conteúdo, a
qualidade da informação transmitida em relação à questão colocada, a
organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o domínio
da língua portuguesa.
5. Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até um
máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 5.3.1 do Aviso n.º 5170/2022,
publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 50, de 11 de março).
6. A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a
candidato/a será penalizada com uma redução da nota atribuída até um máximo
de 3 valores, para o total da prova (Ponto 5.3.3 do Aviso n.º 5170/2022, publicado
no Diário da República, 2ª série, n.º 50, de 11 de março).
7. As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a
grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (aprovado pela Resolução da
Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente
no quadro Observações da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade, sendo a
prova corrigida nesse pressuposto.
8. As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento
identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da
folha de rosto), sob pena de anulação da prova.
9. Assim que for dada indicação que a prova terminou os/as candidatos/as não
poderão prosseguir com o que estavam a escrever, ficando a aguardar que o/a
vigilante recolha as folhas com a prova. O desrespeito desta regra implica a anulação
da prova.
GRUPO I
(14 VALORES)

1. Todas as sextas-feiras, um posto de abastecimento de combustíveis, localizado à


entrada da Mealhada, regista uma afluência de clientes muito superior ao que
sucede nos outros dias da semana, em virtude de uma promoção.
2. Assim, entre as 0 horas e as 23 horas e 59 minutos de cada sexta-feira, quem se
desloca a esse posto para abastecer o seu veículo com pelo menos 50 litros de
combustível e proceda ao seu pagamento em numerário, obtém um desconto de
0,20 € por litro.
3. Conhecedor desta promoção e da afluência desmesurada de clientes que se regista
às sextas-feiras nesse posto, ANTÓNIO, residente nas imediações e frequentador
habitual daquele, resolve apresentar aos seus amigos BRUNO, CARLOS e DANIEL a
ideia de “fazerem” esse estabelecimento nas primeiras horas de um qualquer
sábado, momento em que, sustenta ANTÓNIO, as caixas registadoras por certo se
encontrariam bem aprovisionadas.
4. Encontrando-se com os referidos amigos, propõe-lhes a ideia, referindo que a
divisão do lucro seria feita em partes iguais.
5. BRUNO aceitou a proposta “apenas na condição de não ter que fazer mal a ninguém.
Se tiver que bater em alguém, saio logo e acabou-se”, disse.
6. CARLOS respondeu que apenas estaria disponível para os ajudar, “levando o carro”,
porque “não se queria meter em mais problemas para além dos que já tinha”. É que
CARLOS costumava vender resina de canábis a pessoas que o contactavam para o
efeito, produto que adquiria a um cidadão marroquino chamado ELMALEH, com
quem jogava futebol.
7. Por sua vez, DANIEL respondeu de forma mais afirmativa, prontificando-se ainda a
arranjar gorros “passa-montanhas” para todos e a levar consigo uma espingarda de
canos serrados, municiada.
8. No dia, hora e local combinados, CARLOS apareceu conduzindo o seu automóvel
Seat Ibiza, com a matrícula 56-XZ-25. Esta matrícula, contudo, não correspondia à
matrícula original do veículo, uma vez que CARLOS, umas horas antes, havia retirado
de um WV Pólo – que se encontrava estacionado num local ermo – as chapas de
matrícula deste, colocando-as no Seat Ibiza que conduzia.
9. DANIEL, como havia prometido, trazia consigo 3 gorros “passa-montanhas” e uma
espingarda caçadeira de calibre 12 com os canos serrados. Distribuindo os gorros aos
três colegas, entregou a BRUNO a espingarda, ao mesmo tempo que dizia a todos
que havia mudado de ideias e que “ficaria fora do esquema”.
10. Pelas 0.10 horas, CARLOS conduziu os amigos ao posto de abastecimento. Aí
chegados, ANTÓNIO e BRUNO, este munido da espingarda de canos serrados, saem
do carro, ficando CARLOS estacionado à entrada, com o motor do Seat a funcionar.
11. Irrompendo no interior da loja do posto, ANTÓNIO e BRUNO gritam “TUDO QUIETO”,
“ISTO É UM ASSALTO”.
12. No interior da loja, encontravam-se, para além de FILIPA, funcionária do posto, dois
clientes, GUSTAVO e HÉLIO, ambos encostados a uma mesa a beber um café.
13. ANTÓNIO dirigiu-se então à FILIPA, que se encontrava junto à caixa, e atirando-lhe
uma mochila disse-lhe “METE AÍ O DINHEIRO TODO”.
14. Enquanto FILIPA obedecia à ordem recebida, BRUNO apontava a espingarda na
direção de GUSTAVO e HÉLIO, dizendo-lhes “QUIETINHOS, NÃO É NADA
CONVOSCO”.
15. Verificando que a mochila que FILIPA lhe devolvera continha pouco mais de 2.000 €,
quantia bem distante do lucro que previa, ANTÓNIO, visivelmente enervado, agarra
FILIPA pelos ombros e, dando-lhe uns “abanões”, grita-lhe “ONDE RAIO ESTÁ O
RESTO?”
16. Ao que a FILIPA respondeu “Não há mais, estamos a meio do mês...”.
17. Desagradado com a resposta, ANTÓNIO desfere-lhe uma bofetada, de mão aberta,
atingindo-a na parte lateral esquerda da face.
18. Seguidamente, virando-se para BRUNO, o qual mantinha a espingarda apontada aos
clientes disse-lhe: “TIRA-LHES AÍ O QUE ELES TIVEREM”.
19. Ao que BRUNO diz para GUSTAVO e HÉLIO: “OUVIRAM? TELEMÓVEIS E CARTEIRAS
PARA CÁ”.
20. GUSTAVO E HÉLIO, porém, permanecem imóveis, não obedecendo à ordem de
BRUNO.
21. Vendo o que acontecia, ANTÓNIO diz para BRUNO “DÁ-LHES!!”.
22. Nesse momento, BRUNO baixa a arma, dirige-se a ANTÓNIO e diz: “EU AVISEI QUE
NÃO QUERIA PANCADA. VOU-ME EMBORA”. De seguida, entrega-lhe a espingarda,
saindo a correr do posto de abastecimento.
23. ANTÓNIO avança então na direção de GUSTAVO e HÉLIO, apontando-lhes a
espingarda, e diz-lhes “TELEMÓVEIS E CARTEIRAS PARA CÁ, SENÃO...”.
24. GUSTAVO entrega-lhe um telemóvel Apple Iphone 13 5G 6,1´´, no valor aproximado
de 1279 €, e HÉLIO uma carteira imitação de SECRID que havia comprado numa loja
chinesa por 10 €, que continha apenas cartões de identificação e uma nota de 20 €.
25. Na posse da mochila, onde estavam 2.145 € em notas e moedas, do telemóvel e da
carteira, ANTÓNIO sai a correr da loja no intuito de entrar no Seat onde CARLOS o
esperava sentado ao volante.
26. No momento em que abria a porta e atirava a arma, a mochila, o telemóvel e a
carteira para dentro do carro, foi atingido na perna esquerda por um disparo de uma
arma semiautomática de calibre 6,35 mm, devidamente registada e manifestada,
pertencente e empunhada por GUSTAVO, facto que o fez tombar no solo.
27. Com tal disparo GUSTAVO visava impedir que ANTÓNIO lograsse escapar com os
objetos e valores de que se apoderara, designadamente com o seu precioso
telemóvel, atitude que considerava estar de acordo com a lei.
28. Ouvindo o tiro e vendo ANTÓNIO cair no chão, CARLOS arrancou de imediato,
ausentando-se do local.
29. Decidindo ficar com todo o produto do assalto para si, CARLOS telefonou na manhã
seguinte a ELMALEH dizendo-lhe que “Tinha feito uma bomba” e podia pagar-lhe “o
dinheiro que ainda devia da última entrega”.
30. No decurso do encontro subsequente, que teve lugar nessa mesma noite, CARLOS
entregou a ELMALEH 600 €, recebendo em troca duas placas de resina de canabis,
pesando, cada uma, cerca de 750 gramas, tendo ambos acordado que a diferença de
valores seria paga logo que CARLOS as vendesse.
31. Os ferimentos sofridos por ANTÓNIO, na sequência do disparo efetuado por
GUSTAVO, demandaram-lhe 60 dias de doença, dos quais 30 com incapacidade para
o trabalho.
Problematize e aprecie a eventual responsabilidade criminal de ANTÓNIO, BRUNO, CARLOS,
DANIEL, GUSTAVO e ELMALEH, todos eles maiores de 16 anos de idade.
GRUPO II
(6 valores)

A. Imagine que, seguidamente, no caminho de regresso a casa, CARLOS foi mandado


parar por uma patrulha da PSP, pois a matrícula que se encontrava aposta no veículo
que conduzia constava da base de dados de veículos a apreender, em virtude de o
WV Polo de onde a mesma havia sido retirada ter sido dado como furtado.
Constatando que no interior do veículo se encontravam, para além das duas placas
de canabis, os gorros e a espingarda utilizadas no assalto, CARLOS imprimiu a
máxima velocidade que o Seat Ibiza permitia alcançar, procurando escapar da
patrulha da PSP.
Não conseguiu, porém, ir muito longe, porquanto o veículo por si conduzido entrou
em despiste, imobilizando-se na berma.
Local onde CARLOS foi detido pelos agentes da PSP.

Aprecie a validade da detenção (2 Valores)

B. Suponha agora que CARLOS não tinha sido detido, mas que um seu vizinho tinha
feito chegar à PSP uma missiva do seguinte teor:
“Um vizinho meu chamado Carlos, residente na Rua General Agostinho Costa, n.º 5,
1.º Direito, na freguesia de Unhas-de-Cima, do concelho da Mealhada, onde reside
com a sua esposa Luísa, dedica-se à venda de haxixe a terceiros que o procuram,
através dos contactos telefónicos 966257845 e 933256775. Tem um Whatsapp com
o nome UberGanza. Conduz um Seat Ibiza para disfarçar, mas tem um Maserati na
garagem. Por dia é um corrupio de gente que aparece em casa dele.
Tem um pitbull e armas em casa.
Vende a menores.
Assinado: Um vizinho preocupado.”

Poderia esta missiva dar origem a um Inquérito? Justifique a sua resposta. (2 Valores)
C. Considere agora que, independentemente de qualquer denúncia, já se encontrava
pendente um inquérito contra CARLOS, no qual se encontrava autorizada a
interceção de conversações ou comunicações telefónicas. Neste contexto, foi
intercetada e gravada a conversa havida entre CARLOS e ELMALEH descrita acima no
ponto 29 do texto do GRUPO I.

Poderia esta gravação ser utilizada como prova no inquérito instaurado para
investigar os acontecimentos ocorridos no posto de abastecimento de combustível?
Justifique a sua resposta e, caso esta seja afirmativa, explicite qual seria o
procedimento legal que deveria ser seguido? (2 Valores)
39.º Curso

PROVA DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

Via Académica – 2.ª Chamada

Grelha de Correção

Grupo I

Factos Notas de Correção Valor

1. a Encontrando-se com os referidos A, B e C praticam, a título doloso (artº14º,


13. amigos, propõe-lhes a ideia, nº1 CP), como coautores (art.º 26 CP), na
referindo que a divisão do lucro forma consumada e em concurso efetivo:
seria feita em partes iguais.

BRUNO aceitou a proposta


- 1 crime de roubo, agravado, p. e p. nos
“apenas na condição de não ter
termos dos art.º 210º, nº 1 e nº 2, al. b), com 0,5
que fazer mal a ninguém. Se tiver
referência ao artigo 204.º, n.º 2, al. f). com
que bater em alguém, saio logo e
prisão de 3 a 15 anos;
acabou-se”, disse.

CARLOS respondeu que apenas


estaria disponível para os ajudar, B pratica, também:
“levando o carro”, porque “não se
queria meter em mais problemas
para além dos que já tinha”. É que - 1 crime de detenção de arma proibida, p. e
CARLOS costumava vender resina p. nos termos do artigo 86.º, n.º 1, al. c) da 0,5
de canábis a pessoas que o Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro;
contactavam para o efeito,
produto que adquiria a um
cidadão marroquino chamado Adicionalmente, C pratica, em concurso
ELMALEH, com quem jogava efetivo:
futebol.

Por sua vez, DANIEL respondeu de


forma mais afirmativa, - 1 crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º do 0,5
prontificando-se ainda a arranjar CP;
gorros “passa-montanhas” para
- 1 crime de falsificação, p. e p. pelo artigo 0,5
todos e a levar consigo uma
256.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do CP. (a título de
espingarda de canos serrados,
exemplo, Ac TRC de 3/10/2021 no pc
municiada.
327/10.3PBVIS.C1; Ac TRC de 29/01/2014
No dia, hora e local proferido no pc 55/13.8GBFVN.C1) e Ac. de
combinados, CARLOS apareceu Fixação de Jurisprudência 3/98 publicado no
conduzindo o seu automóvel Seat DR. 1ª Série de 22.12.98.-
Ibiza, com a matrícula 56-XZ-25.
Esta matrícula, contudo, não
correspondia à matrícula original
do veículo, uma vez que CARLOS,
umas horas antes, havia retirado
de um WV Pólo – que se
encontrava estacionado num local
ermo – as chapas de matrícula
deste, colocando-as no Seat Ibiza C é coautor e não cúmplice do crime de 1
que conduzia. roubo, por ter o domínio do facto (decisão e
execução conjunta), sendo que “apenas
DANIEL, como havia prometido, conduzir o veículo” fez parte do plano
trazia consigo 3 gorros “passa- traçado.
montanhas” e uma espingarda
caçadeira de calibre 12 com os Quanto à agravação prevista no n.º 3 do
canos serrados. Distribuindo os artigo 86.º, vigora a limitação aí prevista
gorros aos três colegas, entregou a porque a agravação do crime de roubo é feita,
BRUNO a espingarda, ao mesmo justamente, em função da utilização de
tempo que dizia a todos que havia arma.
mudado de ideias e que “ficaria
fora do esquema”.
A D, por seu turno, é imputado, como 1
Pelas 0.10 horas, CARLOS cúmplice (artigo 27.º CP), o crime de roubo,
conduziu os amigos ao posto de agravado, p. e p. nos termos dos art.º 210º, nº
abastecimento. Aí chegados, 1 e nº 2, al. b), com referência ao artigo
ANTÓNIO e BRUNO, este munido 204.º, n.º 2, al. f). com prisão de 3 a 15 anos,
da espingarda de canos serrados, especialmente atenuada nos termos do artigo
saem do carro, ficando CARLOS 27.º, n.º 2 e 72.º e 73.º do CP, uma vez que
estacionado à entrada, com o apenas facilitou a realização do facto.
motor do Seat a funcionar.
Para a caracterização da cumplicidade e sua
Irrompendo no interior da loja do delimitação relativamente à coautoria, p. ex.:
posto, ANTÓNIO e BRUNO gritam Ac do TRE de 11/03/2014 e Ac STJ de
“TUDO QUIETO”, “ISTO É UM 5/6/2021 (pgr).
ASSALTO”.

No interior da loja, encontravam-


se, para além de FILIPA, A “desistência” verbalizada por D, quando se
0,5
funcionária do posto, dois clientes, encontra com A, B e C, e lhes diz que “está
GUSTAVO e HÉLIO, ambos fora do esquema” não é relevante porque não
encostados a uma mesa a beber se verifica nenhuma das condições plasmadas
um café. no artigo 25.º do CP e, designadamente,
porque o mesmo aceita auxiliar os demais,
ANTÓNIO dirigiu-se então a fornecendo-lhes instrumentos para a prática
FILIPA, que se encontrava junto à dos factos.
caixa, e atirando-lhe uma mochila
disse-lhe “METE AÍ O DINHEIRO
TODO”.
14. Enquanto FILIPA obedecia à A e B cometem, em coautoria (artigo 26.º) 0,5 val.
ordem recebida, BRUNO apontava dois crimes de coação, p. e p. pelo artigo
a espingarda na direção de 154.º, n.º 1 do CP, agravados em função do
GUSTAVO e HÉLIO, dizendo-lhes artigo 155.º, n.º 1, al. a) do CP e, aqui com a
“QUIETINHOS, NÃO É NADA agravação constante do artigo 86.º, n.ºs 3 e 4,
CONVOSCO”. uma vez que não se aplica, contrariamente ao
crime de roubo agravado, a limitação da
agravação prevista no n.º 3.

15. a Verificando que a mochila que António comete, em autoria material (art 0,5 val.
17. FILIPA lhe devolvera continha 26.º) e na forma consumada, um crime de
pouco mais de 2.000 €, quantia ofensa à integridade física simples, p. e p.
bem distante do lucro que previa, pelo artigo 143.º, n.º 1 do CP. A violência
ANTÓNIO, visivelmente enervado, utilizada por António já não é necessária para
agarra FILIPA pelos ombros e, obter a entrega do dinheiro que se
dando-lhe uns “abanões”, grita-lhe encontrava na caixa e também não é
“ONDE RAIO ESTÁ O RESTO?” instrumental para a Filipa indicar onde é que
se encontrava “o resto”. Pelo que extravasa
Ao que a FILIPA respondeu “Não
do crime de roubo e assume relevância
há mais, estamos a meio do
autónoma.
mês...”.

Desagradado com a resposta,


ANTÓNIO desfere-lhe uma
bofetada, de mão aberta,
atingindo-a na parte lateral
esquerda da face.

18. a Seguidamente, virando-se para A “desistência” de Bruno nunca seria 1,5


24. BRUNO, o qual mantinha a relevante porque, tendo já ocorrido início de
espingarda apontada aos clientes
execução – uma vez que Bruno exige que G e
disse-lhe: “TIRA-LHES AÍ O QUE H lhe entreguem os seus bens com a
ELES TIVEREM”. espingarda apontada na sua direção -
aplicando-se o disposto no artigo 25.º do CP,
Ao que BRUNO diz para GUSTAVO
o mesmo não impede a consumação do crime
e HÉLIO: “OUVIRAM? TELEMÓVEIS
nem a verificação do resultado, nem se
E CARTEIRAS PARA CÁ”.
esforça seriamente nesse sentido, uma vez
GUSTAVO E HÉLIO, porém, que se limita a sair do local, entregando a
permanecem imóveis, não arma ao António, permitindo-lhe continuar a
obedecendo à ordem de BRUNO. execução do projetado crime de roubo que
ambos haviam iniciado.
Vendo o que acontecia, ANTÓNIO
diz para BRUNO “DÁ-LHES!!”.

Nesse momento, BRUNO baixa a António e Bruno cometem, em coautoria e


arma, dirige-se a ANTÓNIO e diz: concurso efetivo:
“EU AVISEI QUE NÃO QUERIA
- 1 crime de roubo agravado, p. e p. pelo
PANCADA. VOU-ME EMBORA”. De
artigo 210º, n.º 1 e 2, al. b) e 204.º, n.º 2, al. f) 0,5
seguida, entrega-lhe a espingarda,
do CP;
saindo a correr do posto de - 1 crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, 0,5
abastecimento. n.º 1 e 2, al. b) e 204.º, n.º 2, al. f) e n.º 4, este
com a agravação imposta pelo artigo 86.º, n.º
ANTÓNIO avança então na
3 da Lei n.º 5/2006.
direção de GUSTAVO e HÉLIO,
apontando-lhes a espingarda, e
diz-lhes “TELEMÓVEIS E
CARTEIRAS PARA CÁ, SENÃO...”.
A Carlos não pode ser assacada a prática 0,5
GUSTAVO entrega-lhe um
destes crimes porque de nada resulta que
telemóvel Apple Iphone 13 5G
estivessem contemplados no plano inicial
6,1´´, no valor aproximado de
que, aliás, foi alterado em função da
1279 €, e HÉLIO uma carteira
constatação, por António, do parco produto
imitação de SECRID que havia
do roubo.
comprado numa loja chinesa por
10 €, que continha apenas cartões
de identificação e uma nota de 20
€.

26. a
27. e
No momento em que abria a porta Gustavo dispara quando o crime de roubo de
31.
e atirava a arma, a mochila, o que foi vítima se encontra já formalmente
telemóvel e a carteira para dentro consumado.
do carro, foi atingido na perna
Desta perspetiva, é defensável sustentar a
esquerda por um disparo de uma
inexistência de uma situação factual de
arma semiautomática de calibre
legítima defesa, por falta da atualidade da
6,35 mm, devidamente registada e
agressão (artigo 32.º do CP).
manifestada, pertencente e
empunhada por GUSTAVO, facto Uma vez que G atua com esse intuito e
que o fez tombar no solo. convencido da legalidade da sua atuação,
aplica-se o disposto no artigo 16.º, n.º 2 do
Com tal disparo GUSTAVO visava
CP, sendo excluído o dolo e permanecendo a
impedir que ANTÓNIO lograsse
possibilidade de o punir pelo crime p. e p.
escapar com os objetos e valores
pelo artigo 148.º, n.º 1 do CP – desde que
de que se apoderara,
reunidos os respetivos pressupostos, que têm
designadamente com o seu
de ser enunciados - com a agravação
precioso telemóvel, atitude que
decorrente do artigo 86.º, n.º 3 da Lei n.º
considerava estar de acordo com a
5/2006, de 23 de Fevereiro.
lei.

Porém, não é apodítico que a consumação


Os ferimentos sofridos por
formal do crime seja o único critério para
ANTÓNIO, na sequência do
aferir da atualidade da agressão ilícita.
disparo efetuado por GUSTAVO,
demandaram-lhe 60 dias de Como refere o Prof. Figueiredo Dias in
doença, dos quais 30 com “Direito Penal, Parte Geral Tomo I”, 3.ª Ed.,
incapacidade para o trabalho. 2019, a pag. 483-484, “Relevante para este
efeito é o momento até ao qual a defesa é
suscetível de pôr fim à agressão, pois só então
fica afastado o perigo de que ela possa vir a
revelar-se desnecessária para repelir aquela,
Até esse momento a agressão deve ser
considerada como atual, É à luz desse critério 2,5
que deve, ser resolvidos os casos que mais
dúvidas levantam neste ponto, os dos crimes
contra a propriedade, nomeadamente o do
crime de furto. Ex: G dispara e fere
gravemente H, para evitar que este fuja com
as coisas que acabou de subtrair. Poder-se-á
considerar a agressão de H ainda atual? A
solução não deve ser prejudicada pela
discussão e posição que se tome acerca da
consumação do crime de furto. O
entendimento mais razoável é o de que está
coberta por legítima defesa a resposta
necessária para recuperar a coisa subtraída se
a reação tiver lugar logo após o momento da
subtração, enquanto o ladrão não tiver
logrado a posse pacífica da coisa.”.

Nesse conspecto, seria de afirmar a


verificação dos pressupostos da legitima
defesa, mas não poderá deixar de ser
ponderado o excesso dos meios utilizados –
artigo 33.º, n.º 1 do CP – punindo G pelo
crime p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do CP,
agravado por força do artigo 86.º, n.º 3 da Lei
n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, não se
vislumbrando fundamento factual que integre
a “especial censurabilidade ou perversidade”
exigida pela qualificação prevista pelo artigo
145.º, n.º 1, al. a) do CP.

29. e Decidindo ficar com todo o Conhecendo, porque Carlos o informa nesse
30. produto do assalto para si, sentido, a proveniência ilícita do dinheiro que
CARLOS telefonou na manhã lhe entrega, a conduta de Elmaleh subsume-
seguinte a ELMALEH dizendo-lhe se ao crime de recetação, p. e p. no artigo 2
que “Tinha feito uma bomba” e 231.º, n.º 1 do Código Penal.
podia pagar-lhe “o dinheiro que
Poder-se-á, no entanto, equacionar a
ainda devia da última entrega”.
subsunção da conduta nos quadros do crime
No decurso do encontro de branqueamento, por força da conjugação
subsequente, que teve lugar nessa dos n.ºs 1 e 5 do artigo 368.º-A do CP, este
mesma noite, CARLOS entregou a último mercê da redação introduzida pela Lei
ELMALEH 600 €, recebendo em n.º 58/2020, de 31 de Agosto, uma vez que o
troca duas placas de resina de dinheiro resultante do cometimento do crime
canabis, pesando, cada uma, cerca de roubo é considerado “vantagem” para esse
de 750 gramas, tendo ambos efeito.
acordado que a diferença de
Como refere PPA (Comentário do Código
valores seria paga logo que
Penal, UCP, 2008, p. 869, anotação 16 ao art.
CARLOS as vendesse.
368.º-A) “A intenção do legislador foi a de
submeter estas condutas ao tipo da
recetação, mas este tipo é manifestamente
insuficiente para o efeito, por duas razões: (1)
a recetação incide necessariamente sobre
bens obtidos “por outrem” mediante a prática
de facto ilícito típico “contra o património”,
mas o branqueamento pode incidir sobre
bens obtidos pelo próprio e por crime que
não tem natureza patrimonial (2) a recetação
supõe a intenção de obter para si ou para
outrem uma vantagem patrimonial, o que o
branqueamento não implica.”

A cedência por Elmaleh e o recebimento por


1
Carlos da substância estupefaciente encontra
subsunção no artigo 21.º n.º 1 do DL 15/93,
por referência à tabela I-C.
Grupo II (2 valores para cada questão)

II – Parte processual

a. Validade da detenção de Carlos – Há flagrante delito dos crimes de detenção de arma


proibida (uma vez que dos dados do enunciado se pode retirar que o mesmo sabia que o
António havia deixado a arma no interior do seu carro) e de tráfico de estupefacientes, p. e
p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do DL 15/93. Pelo que a sua detenção com esse fundamento seria
válida – arts. 255.º, n.º 1, al. a) e 256.º, n.º 1.

É mais difícil sustentar a detenção por via da presunção de flagrante delito (art. 256.º, n.º 2 do CPP),
tendo em consideração o tempo decorrido desde os factos praticados no PA, sendo que nada na
factualidade permite concluir no sentido de a autoridade policial ter mandado parar o veículo
conduzido pelo Carlos por esse motivo.

b. Artigo 246.º, n.º 5, al. a) do CPP – Compete ao MP avaliar, no âmbito da titularidade da ação
penal, a viabilidade da comunicação factual para permitir «investigar a existência de um
crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as
provas, em ordem à decisão sobre a acusação» - artigo 262.º, n.º 2 do CPP. No caso, face à
concretização factual dos elementos transmitidos, afigura-se que o anonimato da denúncia
não deveria obstar à instauração de inquérito.

c. Referência aos requisitos do n.º 7 do artigo 187.º do CPP e às condições materiais previstas
no n.º 1 e no n.º 4. Requisitos e condições que se encontram preenchidos in casu.
PROVA ESCRITA

DE

DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via Profissional

39.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO N.º 5 1 7 0 / 2022, PUBLICADO NO


DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 50, 2.ª SÉRIE, DE 11 DE M A R Ç O DE 2022

2 1 DE M A I O DE 2022
14H15M

1.ª CHAMADA

A PROVA INICIA-SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA DESIGNADA


(ARTIGO 12.º, N.º 1, DO REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS
JUDICIÁRIOS)

DURAÇÃO DA PROVA: 4 HORAS


VIA PROFISSIONAL – 1.ª CHAMADA – 21 DE MAIO DE 2022

1 - A presente prova disponibiliza o seguinte conjunto de peças, contidas em autos


de um processo judicial (nomes, moradas e restantes elementos de facto fictícios),
estando juntos todos os elementos necessários à realização da prova:
1. Requerimento inicial apresentado a juízo, pelo Requerente, no dia 1 de
setembro de 2021, com cumprimento de todas as formalidades legais;
2. Resposta apresentada tempestivamente pela Requerida, igualmente com o
cumprimento de todas as formalidades legais;
3. Matéria de facto a considerar na elaboração da peça processual solicitada na
prova.
2 - Considere ainda o seguinte:
a) por despacho judicial, já transitado em julgado, foi suprida a autorização da
requerida para propositura da ação;
b) foram cumpridas todas as formalidades legalmente previstas para o tipo de
ação usado no caso concreto;
c) o juiz determinou que, antes de os autos lhe serem conclusos para sentença,
o processo fosse com vista ao Magistrado do Ministério Público junto do tribunal, para
elaboração de parecer sobre a decisão de mérito a proferir na ação.
3 - Pretende-se que, mediante o conjunto das peças disponibilizadas e considerando
a matéria de facto acima referida em 1.3, elabore, de forma fundamentada, o parecer do
Magistrado do Ministério Público sobre a decisão de mérito a proferir na ação,
considerando, sem prejuízo de outros aspetos que entenda pertinentes, os pedidos
formulados no requerimento inicial.
Deverá pronunciar-se sobre todas as questões a decidir na sentença final.
4 – Apesar de a prova consistir na elaboração de uma peça processual, não poderá
conter qualquer assinatura, ainda que fictícia - pelo que, no final daquela, as/os
candidatas/os só deverão escrever as palavras seguintes:
"Data"
"Assinatura".
5 - Cotação: 20 valores
- Fundamentação das propostas formuladas – 16 valores.
- Estrutura, organização e coerência da peça processual – 4 valores.
2
6. A atribuição da cotação máxima nesta prova pressupõe um tratamento completo
das várias questões suscitadas, que deverá ser coerente e corretamente fundamentado,
incluindo a indicação dos preceitos legais aplicáveis.
7. Na cotação atribuída serão tidos em consideração a pertinência do conteúdo, a
qualidade da informação transmitida em relação à questão colocada, a organização da
exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o domínio da língua portuguesa.
8. Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até um
máximo de 3 valores para o total da prova (Ponto 5.3.1 do Aviso n.º 5170/2022, publicado
no Diário da República, 2ª série, n.º 50, de 11 de março).
9. A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a candidato/a
será penalizada com um redução da nota atribuída até um máximo de 3 valores, para o total
da prova (Ponto 5.3.3 do Aviso n.º 5170/2022, publicado no Diário da República, 2ª série,
n.º 50, de 11 de março).
10. As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a grafia do
"Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa" (aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos
de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente no quadro "Observações" da folha de
rosto que lhes será entregue, escrevendo "Considero que o Acordo Ortográfico aprovado
pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de
obrigatoriedade", sendo a prova corrigida nesse pressuposto.
11. As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento
identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da folha de
rosto), sob pena de anulação da prova.
12. Assim que for dada indicação que a prova terminou os/as candidatos/as não
poderão prosseguir com o que estavam a escrever, ficando a aguardar que o/a vigilante
recolha as folhas com a prova. O desrespeito desta regra implica a anulação da prova.
13 – Na resolução desta prova não deve ser utilizada a legislação especialmente
aprovada em consequência da pandemia COVID – 19

3
Exmo. Senhor Juiz de Direito
do Tribunal Judicial da Comarca de Beja
Juízo de Competência Genérica de Cuba

Paulo Jorge Kraepelin Carreto, solteiro, maior, economista, contribuinte fiscal nº 333 e
titular do cartão do cidadão nº 222, residente na Avenida da República, nº 11, Beja, vem, ao
abrigo do disposto nos artigos 138.º, 139.º, n.º 1, e 141.º, n.º 1, todos do Código Civil, 891.º,
nº 1, 892.º e seguintes do Código de Processo Civil,
propor relativamente a:

Maria Rosa Kraepelin Carreto, solteira, titular do cartão de


cidadão n.º 000000, contribuinte fiscal n.º 11111, nascida a 10 de
abril de 1980, filha de Manuel Augusto Marques Carreto e de Lília
Kraepelin Carreto, natural da Vidigueira e residente no Monte da
Azinheira de Baixo, N258, Vidigueira, Beja;

AÇÃO ESPECIAL DE ACOMPANHAMENTO DE MAIOR


nos termos e pelos fundamentos seguintes:

1.º
Maria Rosa Kraepelin Carreto nasceu a 10 de abril de 1980, sendo filha de Manuel Augusto
Marques Carreto e de Lília Kraepelin Carreto, ambos já falecidos (documento n.º 1).

2.º
O ora Requerente é irmão da Requerida e seu parente sucessível (documento n.º 2).

3.º
A Requerida é licenciada em engenharia agronómica pela Universidade de Lisboa.

4.º
Durante a sua permanência em Lisboa, para a frequência da referida licenciatura, no
decurso do ano de 2000, Maria Rosa Carreto desenvolveu a sua primeira depressão
prolongada, tendo estado, durante cerca de mês e meio, fechada em casa e praticamente
incontatável, situação que apenas terminou mediante a intervenção de um primo, médico,
que a conduziu a uma consulta de psiquiatria.

4
5.º
Nessa consulta, foi-lhe diagnosticada perturbação bipolar tipo II, tendo-lhe sido prescrita
medicação, nomeadamente, um estabilizador do humor (carbonato de lítio) e
antidepressivos.

6.º
Desde então, a referida Maria Rosa vem sendo acometida, com intervalos irregulares, de
sucessivas crises, ora hipomaníacas, ora depressivas, próprias da referida doença.

7.º
Durante os episódios hipomaníacos, Maria Rosa mostra-se expansiva e, por vezes, mesmo
eufórica, fala com elevado fluxo de ideias e tem um aumento da atividade psicomotora e de
energia.

8.º
No decurso dessas fases, a mesma tem sensações de grandiosidade e diminui
substancialmente o seu período de sono, chegando a dormir, apenas, quatro horas por
noite.

9.º
Nas mesmas fases, Maria Rosa chega a permanecer, durante dias, longe de casa, muitas
vezes no Algarve, frequentando, noite após noite, bares e discotecas até de madrugada,
ingerindo bebidas alcoólicas até à inebriação e fumando “cannabis”.

10.º
Nessas circunstâncias, a mesma faz-se acompanhar por “conhecidos de ocasião”, sobretudo
homens, que são atraídos pelo seu comportamento desinibido e pela disponibilidade
financeira que ostenta.

11.º
Durante os mesmos episódios, a mesma adquire automóveis, barcos, terrenos,
apartamentos, por quantias exorbitantes.

12.º
Assim aconteceu em junho de 2018, quando, numa deslocação a Vilamoura, Maria Rosa
adquiriu, a um dinamarquês de nome Andersen, um veleiro usado, de 1988, pela
exorbitante quantia de 130.000,00 euros.

13.º
5
Refira-se que Maria Rosa não tem carta de navegadora de recreio, nem qualquer apetência
pelo mar, residindo habitualmente na Vidigueira, que é, como é notório, uma localidade do
interior.

14.º
Na mesma estadia, Maria Rosa negociou a aquisição de quatro apartamentos num
empreendimento ainda em construção, ao preço unitário de 225.000,00 euros.

15.º
Nessa ocasião, apenas a intervenção do irmão António Manuel Carreto, alertado pelo gestor
de conta de Maria Rosa, impediu que esta concluísse o contrato-promessa e entregasse à
promotora do empreendimento um sinal de 150.000,00 euros.

16.º
Numa outra ocasião, em Ibiza, Espanha, em agosto de 2019, Maria Rosa adquiriu a um
indivíduo que conheceu num bar, um veículo de marca “Maserati”, usado, pelo preço de
170.000,00 euros.

17.º
O referido veículo acabou por ser apreendido pela Guardia Civil, por constar de uma lista de
automóveis furtados e falsificados, tendo o cheque entregue para pagamento do mesmo
sido revogado por intervenção do advogado da família de Maria Rosa.

18.º
No decurso dos referidos episódios de hipomania, esta última mostra-se desinibida e
expansiva, com comportamentos de familiaridade excessiva, nomeadamente, junto dos
indivíduos do sexo masculino.

19.º
A sua libido aumenta e é habitual manter relações sexuais de “uma noite”, com homens que
conhece em bares e discotecas.

20.º
Em maio de 2020, no decurso de um desses episódios, Maria Rosa anunciou à família que ia
casar, tendo apresentado um indivíduo com cerca de 25 anos de idade (a mesma tinha,
naquela data, 40 anos), sem profissão conhecida e que ela conhecera cerca de duas
semanas antes, num hotel, na Toscânia, em Itália.

6
21.º
De novo, apenas a intervenção do irmão António Manuel Carreto permitiu pôr cobro aos
planos para esse casamento.

22.º
Mais recentemente, em junho de 2021, no decurso de mais um episódio hipomaníaco,
Maria Rosa adquiriu, sem conhecimento da família, 150 hectares de terreno sem qualquer
aptidão agrícola ou outra, em Estremoz, pelo valor de 800.000 euros, que pagou com
recurso a um financiamento bancário.

23.º
Como o Banco financiador dessa operação lhe tivesse exigido uma garantia, Maria Rosa deu
em hipoteca a Herdade da Cumeeira de Cima, na Vidigueira, propriedade que lhe adveio em
partilhas por morte dos pais e cujo valor está estimado em mais de 2 milhões de euros.

24.º
Para lograr esconder essa operação da família, Maria Rosa foi negociar a compra e o
financiamento bancário em Lisboa.

25.º
Na doença bipolar, as recaídas ou os episódios de descompensação são frequentes, sendo
importante a atenção de alguém próximo, nomeadamente, um familiar, na identificação de
alterações que podem significar a aproximação de uma crise.

26.º
Como acima se disse, as fases de hipomania vivenciadas por Maria Rosa são alternadas por
outras, de depressão.

27.º
Nestes períodos, Maria Rosa Carreto encerra-se no Monte, fechada no seu quarto, passando
dias sem ver ninguém.

28.º
A mesma dorme horas consecutivas durante o dia, culpabiliza-se de forma violenta pelos
atos que pratica durante os episódios de hipomania, chora convulsivamente e grita que
“está na miséria” e que “todos a vão abandonar”.

29.º

7
No último desses episódios, ocorrido em janeiro de 2021, Maria Rosa ingeriu uma
quantidade não apurada de calmantes, tendo sido conduzida ao hospital, onde lhe foi
diagnosticada uma intoxicação medicamentosa.

30.º
Após ter recebido alta desse hospital, foi internada, numa clínica particular da especialidade
de psiquiatria, onde permaneceu durante dois meses.

31.º
Desde então, a requerida é acompanhada na consulta do psiquiatra Dr. Ambrósio
Pesseguinho.

32º
Contudo, a mesma toma os medicamentos prescritos e comparece às consultas, de forma
inconstante, sobretudo, nas fases de hipomania.

33.º
Com efeito, durante os episódios de hipomania, Maria Rosa não tem crítica para a doença,
recusando-se a aceitar que necessita de ajuda.

34.º
A mesma exerce, em várias empresas agrícolas da família, funções de consultoria como
engenheira agrónoma, mas ultimamente vem desempenhando as tarefas que lhe são
atribuídas com crescente irregularidade.

35.º
Por essas funções, Maria Rosa aufere a quantia mensal de 5.500,00 euros líquidos, tendo
rendimentos de capital e imobiliário de cerca de 10.000 euros líquidos por mês.

36.º
A mesma é titular de um património extenso e de valor considerável, maioritariamente
proveniente da herança dos seus pais, de que se destaca o seguinte:
a) participação social correspondente a 30% no capital da sociedade “Vinhos do Estio,
S.A”, no valor nominal de 500.000 euros;
b) participação social correspondente a 20% no capital da sociedade “Herdade da
Cumeeira de Cima, S.A”, no valor nominal de 250.000 euros;
c) participação social correspondente a 25% no capital social da sociedade “Vidigueira
Living & Leisure - Hotel Rural, Lda”, no valor nominal de 100.000 euros;
d) fração autónoma designada pela letra “FF” correspondente ao quinto andar do prédio

8
urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Ivens, nº 11, freguesia de
Santa Maria Maior, em Lisboa, inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º 444 e
descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 222/001015
(documento n.º 3).
e) prédio misto, composto por terra de semeadura, olival, albufeira, couto de caça,
dependências agrícolas e casa de habitação, denominado “Herdade da Cumeeira de
Cima” sito em Selmes, freguesia de Selmes, concelho de Vidigueira, inscrito na matriz
predial respetiva sob o n.º 71 e descrito na Conservatória do Registo Predial da
Vidigueira sob o nº 444/680515 (documento n.º 4).
f) prédio misto, composto por terra de semeadura, vinha, olival, dependências agrícolas e
casa de habitação, denominado “Monte da Azinheira de Baixo” sito em Pedrogão,
freguesia de Pedrogão, concelho de Vidigueira, inscrito na matriz predial respetiva sob
o n.º 42 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Vidigueira sob o nº
555/680515 (documento n.º 5).
g) prédio rústico, composto por montado de sobro e azinheira, ruína e dependências
agrícolas, denominado “Esteva”, sito em Arcos, freguesia de Arcos, concelho de
Estremoz, inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º 45 e descrito na Conservatória
do Registo Predial da Vidigueira sob o nº 777/690725 (documento n.º 6).

37.º
É ainda titular de várias contas bancárias, nomeadamente, no Banco BB (n.º 0000), no Banco
CC (1111) e DD (2222).

38.º
No decurso do internamento acima referido, Maria Rosa Carreto outorgou a favor do seu
irmão António Manuel uma procuração concedendo-lhe plenos poderes para administrar os
seus bens móveis e imóveis, incluindo as contas bancárias e as participações sociais, assim
como para dar de arrendamento e vender imóveis (documento nº 7).

39.º
Regressada desse internamento, rapidamente Maria Rosa declarou ao irmão querer revogar
a procuração, o que concretizou.

40.º
A Requerida, em virtude da doença de que padece, encontra-se impossibilitada de exercer
plena, pessoal e conscientemente, todos os seus direitos e de cumprir os seus deveres.

41.º
É, pois, indispensável, com vista à sua proteção, nomear-lhe acompanhante que assegure o
9
seu bem-estar e o pleno exercício dos seus direitos bem como o cumprimento dos seus
deveres.

42.º
O auxílio que à requerida é prestado, no cumprimento das suas obrigações de solidariedade,
pela família, é insuficiente, uma vez que a requerida rejeita a intervenção dos irmãos nos
seus assuntos, incluindo, mesmo, por vezes, o apoio do irmão António Manuel, de quem é
mais próxima.

43.º
De acordo com o disposto no artigo 138.º do Código Civil, o maior impossibilitado, por
razões de saúde, deficiência ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e
conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres,
beneficia das medidas de acompanhamento previstas no Código Civil, o que in casu se
verifica.

44.º
Atento o estado de saúde da beneficiária, são adequadas e necessárias ao caso concreto as
seguintes medidas de acompanhamento:
• representação geral - artigo 145.º, n.º 2, alínea b), do Código Civil;
• acompanhamento para cuidados de saúde, nos termos do artigo 145.º, n.º 2, alínea
e), do Código Civil.

45.º
Considerando ainda o risco de a Requerida, nas fases de descompensação hipomaníaca,
engravidar involuntariamente, impõe-se a colocação de implante contracetivo.

46.º
Face ao supra alegado, impõe-se também a concessão de uma pré-autorização ao
acompanhante para promover o internamento da Requerida em caso de descompensação.

47.º
Existindo, ainda, em concreto, o perigo de, de modo não livre e esclarecido, contrair
casamento, deve o direito ao casamento ser condicionado, proibindo-se a Requerida de
casar ou, subsidiariamente, impondo-se judicialmente o regime de separação de bens em
caso de vir a ser celebrado casamento.

48.º
Também para salvaguardar o património da requerida, nomeadamente de um indesejável

10
direito real de habitação, é necessário impedir a produção de efeitos jurídicos da união de
facto.

49.º
Para acautelar a integridade do património da requerida impõe-se ainda que seja limitado o
direito de testar.

50.º
Para acompanhante indica-se o irmão mais velho da beneficiária, António Manuel Kraepelin
Carreto, que deverá assegurar a sua representação legal, assim como as funções de
acompanhamento nas questões pessoais, sociais e na área da saúde - cfr. documento n.º 8.

51.º
Indicam-se os seguintes membros para integrar o Conselho de Família: o aqui Requerente,
Paulo Jorge Kraepelin Carreto, e Ana Filipa Kraepelin Carreto Simões, irmã da Requerida -
cfr. documento n.º 9.

52.º
Não há notícia de que a beneficiária tenha celebrado testamento vital, outorgado
procuração para cuidados de saúde ou outorgado mandato para a gestão dos seus
interesses (artigo 900.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

53º
Conforme resulta do acima exposto, a Requerida revela ausência de crítica para a doença de
que padece, recusando-se a aceitar qualquer forma de assistência, seja na vertente pessoal,
seja na vertente patrimonial, pelo que se impõe, para proteção da mesma e ao abrigo do
disposto no art.º 141º nº 2 do Código Civil, o suprimento da sua autorização para a
propositura da presente ação, o que se requer.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve a presente ação ser


julgada procedente, por provada, e em consequência decretar-
se o acompanhamento de Maria Rosa Kraepelin Carreto, com
a aplicação das seguintes medidas:
a) representação geral - artigo 145.º, n.º 2, alínea b), do
Código Civil;
b) acompanhamento nos termos do artigo 145.º, n.º 2, alínea
e), do Código Civil;
c) colocação de implante contracetivo;

11
d) concessão de uma pré-autorização ao acompanhante para
promover o internamento da Requerida em caso de
descompensação;
e) proibição da celebração de casamento ou,
subsidiariamente, imposição do regime de separação de
bens, se celebrado o casamento;
f) impedimento à produção de efeitos jurídicos da união de
facto.
g) impedimento da faculdade de testar.

Para tanto se requer que, D. e A., V.Ex.ª se digne ordenar:


(i) que o início do processo seja publicitado mediante
comunicação ao Banco de Portugal, para difusão pelas
instituições de crédito autorizadas a operar em Portugal (artigo
893.º, n.º 1, do Código de Processo Civil);
(ii) que a decisão final seja comunicada ao Banco de Portugal,
para difusão pelas instituições de crédito autorizadas a operar
em Portugal (artigos 892.º, alínea d), e 893.º, ambos do Código
de Processo Civil);
(iii) a citação da requerida, nos termos e para os efeitos do
disposto no artigo 895.º, n.º 1, do Código de Processo Civil;
(iv) a realização de exame pericial médico-legal da beneficiária
(artigos 897.º, n.º 1, e 899.º, ambos do Código de Processo
Civil);
(v) a audição pessoal e direta da beneficiária (artigo 139.º do
Código Civil e artigos 898.º e 143.º, n.º 1, ambos do Código de
Processo Civil);
(vi) o averbamento das medidas de acompanhamento no
assento de nascimento da requerida.

Para exercerem a função de ACOMPANHANTE indica-se:


- António Manuel Kraepelin Carreto, irmão da beneficiária, residente na Rua das Flores, nº
23, Vidigueira;
Para integrarem o CONSELHO DE FAMÍLIA, indicam-se os seguintes membros:
- Paulo Jorge Kraepelin Carreto, irmão da beneficiária, residente na Avenida da República,
nº 11, Beja (PROTUTOR);
- Ana Filipa Kraepelin Carreto Simões, residente na Alameda D. Afonso Henriques, nº 1, 2º
frente, 1000-180 Lisboa (VOGAL).

12
Valor: 30.000,01€ (trinta mil euros e um cêntimo).
Junta: 9 (nove) documentos.

Requerimento probatório:
- Prova documental: nove documentos;
- Prova testemunhal (cuja notificação para comparência se requer, nos termos do artigo
507.º, n.º 2, do Código de Processo Civil):
Dr. Ambrósio Pesseguinho, médico psiquiatra, com domicílio profissional na Rua 25 de abril,
nº 54, Beja.

O Advogado
(assinatura digital)

13
Tribunal da Comarca
de Beja
Juízo de Competência
Genérica de Cuba
Proc. nº 5555/21.0T8CUB

Exmo. Senhor Juiz,


de Direito

CONTESTANDO
a ação que lhe move PAULO JORGE KRAEPELIN
CARRETO
diz

MARIA ROSA KRAEPELIN CARRETO, com restantes sinais na procuração ora


junta.

1. É difícil, muito difícil, à Requerida reagir com a exigível urbanidade à


pretensão e ao enquadramento factual que o Requerente apresenta na
presente ação.

2. Lamenta-se, com efeito, que o Requerente tenha ousado avançar para


tribunal com a narrativa de meias-verdades e suspeições, que a família da
Requerida, com propósitos que adiante se explanarão, vem tecendo desde há
uns anos a esta parte.

Vejamos,

3. À requerida foi diagnosticada, no decurso do ano 2000, doença bipolar


tipo II, com a qual vem lidando de forma crítica, tanto assim
que voluntariamente promoveu o seu internamento e tratamento em janeiro
de 2021.

4. A mesma é titular de um património de valor assinalável, que compreende


participações sociais em sociedades familiares, o que, como se verá, está no
14
centro de toda esta ignomínia.

5. Tudo o mais que se diz na peça processual a que se responde, não passa de
insinuações, meias-verdades ou mesmo rotundas falsidades.

6. Desde que lhe foi diagnosticada a perturbação acima referida, a Requerida


encontra-se sob acompanhamento médico, nunca tendo deixado de tomar a
medicação prescrita.

7. Uma vez que a Vidigueira e Beja são comunidades pequenas, demasiado


pequenas para a longa manus dos irmãos da Requerida, a mesma há muito
deixou de consultar o Dr. Ambrósio Pesseguinho, estando a ser seguida, em
consulta de psiquiatria particular, na cidade de Lisboa.

8. Ao contrário dos irmãos, a Requerida sempre foi avessa à autoridade que só se


reconhece a si mesma, à disciplina imposta “porque sim” ou aos conselhos dos
“bons anciãos”.

9. Foi estudar para Lisboa com 16 anos de idade, mesmo contra a vontade dos
pais.

10. Sem negligenciar o que é seu, o certo é que a Requerida nunca se


envolveu nos negócios da família do mesmo modo – ávido - como o fazem os
seus irmãos.

11. Ainda assim, no decurso dos anos de 2020 e 2021 a mesma manifestou-se
contra vários projetos de negócio para as sociedades da família, encabeçados
pelos seus irmãos.
E daí, esta ação.

12. Assim, em abril de 2020, a Requerida, votou contra a transformação de


parte da vinha dos terrenos explorados pela sociedade “Vinhos do Estio, S.A”
em olival super intensivo.

13. Em setembro do mesmo ano, a Requerida opôs-se a uma parceria entre a


sociedade “Vidigueira Living & Leisure - Hotel Rural, Lda” e uma cadeia
hoteleira, que passava por transformar um pequeno hotel rural num “resort”
incaraterístico.

15
14. Em dezembro do mesmo ano, a Requerida manifestou-se contra a plantação
de abacate numa das suas propriedades, que está sob a administração de uma
sociedade da família.

15. Em síntese: a Requerida vem afrontando a vontade dos seus irmãos na


condução dos negócios da família.

16. Se a isso se adicionar que o património da Requerida está estimado em


mais de 10 milhões de euros e que é muito apetecível estar na disposição de
todo esse dinheiro, compreende-se, com facilidade, que este processo judicial
mais não é do que um “take over” sobre a fortuna da Requerida.

17. No mais que vem alegado na douta petição inicial, a Requerida limitar-se-
á a aduzir que é verdadeiro que comprou o veleiro, mas não o fez para si, mas
para o então seu namorado.

18. É também verdade que manifestou o propósito de casar, o que reputa


perfeitamente legal, repudiando, isso sim, o preconceito sexista de que uma
mulher e um homem mais novo não possam casar-se por amor, mas apenas
por interesse do segundo.

19. Ainda que a Requerida não deva explicações do que faz com o seu
dinheiro, os 150 hectares de terreno em Estremoz destinam-se a um projeto
de alojamento turístico e residência sénior, que está a desenvolver com vários
amigos.

20. Finalmente, por pudor, a Requerida vai omitir qualquer comentário às


alegações sobre a sua vida sexual e liberdade de procriação, remetendo essa
afronta para o desterro próprio, que é a “terra do ridículo”.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO


E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO,
DEVE A PRESENTE AÇÃO SER JULGADA
TOTALMENTE IMPROCEDENTE, assim se
fazendo SÃ JUSTIÇA.

JUNTA: procuração forense.

16
VALOR: 30.000,01€

O ADVOGADO

(assinatura eletrónica)

17
MATÉRIA DE FACTO A CONSIDERAR

1. Maria Rosa Kraepelin Carreto nasceu a 10 de abril de 1980, é solteira e filha de Manuel
Augusto Marques Carreto e de Lília Kraepelin Carreto, ambos já falecidos.
2. A mesma licenciou-se em engenharia agronómica, pelo Instituto Superior de Agronomia
da Universidade de Lisboa, em outubro de 2003.
3. No decurso da permanência em Lisboa para frequência das aulas da referida
licenciatura, no ano 2000, Maria Rosa Carreto teve uma crise depressiva, durante cerca
de mês e meio, período durante o qual permaneceu encerrada em casa, deixou de
receber e fazer telefonemas e recusou visitas.
4. Esse estado terminou com a intervenção de um seu primo, médico, que a conduziu a
uma consulta de psiquiatria particular.
5. Nessa consulta foi-lhe diagnosticada perturbação bipolar II, tendo-lhe sido prescrita
medicação para toma regular, nomeadamente, um estabilizador de humor (cabornato
de lítio) e antidepressivos.
6. Desde então, Maria Rosa Carreto vem sendo acometida, com periodicidade irregular, de
crises, ora de hipomania, ora de depressão.
7. Durante os episódios hipomaníacos, a mesma mostra-se expansiva, comunicativa e, por
vezes, mesmo, eufórica, fala rapidamente e com grande fluxo de ideias, assim como
denota aumento da atividade psicomotora e de energia.
8. Durante os mesmos períodos, Maria Rosa Carreto diminui o seu tempo de sono,
chegando a dormir apenas quatro horas por noite, durante mais de uma semana em
contínuo.
9. Nas mesmas fases, é habitual a mesma ausentar-se, durante dias, da sua residência na
Vidigueira, para o Algarve, alojando-se em hotéis.
10. Em junho de 2018, numa fase hipomaníaca, Maria Rosa Carreto, adquiriu, em
Vilamoura, a um indivíduo estrangeiro, um veleiro “Dufour 39”, do ano de 1988, pelo
valor de 130.000,00 euros.
11. Atualmente, um veleiro dessa marca e modelo, do ano de 1988, pode ser comprado pelo
preço de 88.000 euros, no mercado europeu de barcos usados.
12. Maria Rosa Carreto não tem, nem nunca teve, carta de navegadora de recreio, tendo
adquirido o referido veleiro para o oferecer ao então seu namorado.
13. A mesma reside habitualmente na Vidigueira, localidade do interior do país.

18
14. Durante a referida fase e na mesma estadia em Vilamoura, Maria Rosa negociou a
aquisição de quatro apartamentos num empreendimento ainda em construção, cada um
pelo preço de 225.000 euros.
15. O irmão mais velho de Maria Rosa Carreto, António Manuel Carreto, foi alertado pelo
gestor de conta daquela, para a iminência de uma transferência bancária no valor de
150.000 euros e convenceu a mesma a desistir do negócio, impedindo a celebração de
um contrato-promessa sobre os referidos quatro apartamentos.
16. Em agosto de 2019, numa estadia em Ibiza, Espanha, Maria Rosa negociou com um
indivíduo que conheceu no hotel onde se alojou, a aquisição, pelo preço de 170.000,00
euros de um automóvel de marca “Maserati”, modelo “Ghibli 3.0 V6” com 275 cavalos,
do ano de 2015.
17. Para pagamento desse preço, Maria Rosa Carreto entregou ao referido indivíduo um
cheque sacado sobre a sua conta nº 0000 no Banco BB.
18. O automóvel acima identificado foi apreendido, em Ibiza, pela Guardia Civil, na posse de
Maria Rosa Carreto, por constar de uma lista de automóveis furtados e com o “chassis”
falsificado, tendo o cheque para pagamento do preço sido revogado por intervenção do
advogado da família de Maria Rosa.
19. No decurso dos períodos de hipomania, os doentes com perturbação bipolar do tipo II,
podem experienciar aumento substancial da líbido e apresentar um comportamento
sexual desinibido, relacionando-se sexualmente com parceiros que antes não conheciam
e com os quais não desejam manter qualquer relação duradoura.
20. Em maio de 2020, no decurso de uma fase hipomaníaca, Maria Rosa Carreto anunciou à
família que ia contrair casamento, tendo apresentado aos irmãos um indivíduo de 25
anos de idade, sem profissão conhecida, como o seu noivo.
21. O irmão António Manuel Carreto persuadiu Maria Rosa a desistir dos planos de
casamento.
22. No dia 17 de março de 2021, mediante escritura pública outorgada no Cartório Notarial
de Ercília Luísa, em Lisboa, Maria Rosa Carreto adquiriu um prédio composto por 150
hectares de terreno, sito em Estremoz, pelo preço de 800.000 euros.
23. O terreno deste prédio é composto por montado de sobro e azinheira, uma ruína e
algumas dependências agrícolas abandonadas.
24. O preço da aquisição foi pago através de um financiamento do Banco BB.

19
25. Para lograr esse financiamento, Maria Rosa Carreto constituiu uma hipoteca sobre o
prédio misto denominado Herdade da Cumeeira de Cima, sito em Selmes, freguesia de
Selmes, concelho de Vidigueira, inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º 71 e
descrito na Conservatória do Registo Predial da Vidigueira sob o nº 444/680515.
26. Este último prédio foi adquirido por Maria Rosa Carreto, em partilha extrajudicial por
óbito dos seus pais, e foi avaliado, aquando da constituição da hipoteca, em cerca de 2
milhões de euros.
27. A aquisição, o financiamento e a constituição da hipoteca foram realizadas sem
conhecimento da família de Maria Rosa Carreto, tendo sido negociadas e concretizadas
em Lisboa.
28. A intenção de Maria Rosa Carreto que presidiu à referida aquisição foi a implantação, no
referido terreno, de um projeto hoteleiro e de residência sénior, com a valência,
também, de centro de bem-estar (welness center), com capacidade para 100 camas.
29. Na doença bipolar, as recaídas ou os episódios de descompensação são frequentes,
sendo importante a atenção de alguém próximo, nomeadamente um familiar, para a
identificação de alterações que podem significar a aproximação de uma crise.
30. Às fases de hipomania que acometem a requerida sucedem-se normalmente períodos
de depressão, em que aquela se encerra durante dias na sua residência, recusando
qualquer contato com terceiros.
31. Nesses períodos, a mesma dorme durante o dia, culpabiliza-se pelos atos que pratica
nos episódios de hipomania e é acometida de momentos de choro convulsivo.
32. No decurso de um desses períodos, irada com o irmão António Manuel, por este
pretender conduzi-la ao médico, Maria Rosa Carreto arremessou contra o mesmo um
cântaro de barro, não logrando, porém, atingi-lo.
33. No decurso do último desses episódios, em janeiro de 2021, Maria Rosa Carreto ingeriu
uma quantidade não identificada de benzodiazepinas (vulgo, calmantes), tendo sido
conduzida ao hospital, onde lhe foi diagnosticada uma intoxicação medicamentosa por
essas substâncias.
34. Após ter tido alta do hospital, Maria Rosa Carreto, a seu pedido, foi internada numa
clínica da especialidade de psiquiatria, onde permaneceu durante dois meses.
35. Depois de sair dessa clínica, a requerida frequentou, em sessões semanais, durante um
mês, a consulta do psiquiatra Dr. Ambrósio Pesseguinho, em Beja.

20
36. A partir de data não concretizada, a requerida frequenta, com regularidade também não
apurada, a consulta de psiquiatria do Prof. Doutor Ivan Zerlig, em Lisboa.
37. Esse especialista prescreveu-lhe medicação que a requerida toma de forma irregular,
sobretudo, nas fases de hipomania.
38. Durante esses períodos, a requerida não aceita estar doente e recusa ajuda de
terceiros.
39. A requerida tem, desde a infância, uma personalidade rebelde, avessa à autoridade e
hedonista.
40. Aos 16 anos saiu da Vidigueira para estudar em Lisboa, contra a vontade dos seus pais.
41. A mesma tem uma relação de confiança e de proximidade com o irmão António Manuel.
42. A sua relação com os outros dois irmãos, é distante e permeada por desconfiança e
crítica recíprocas.
43. Por regra, a mesma rejeita a intervenção e o apoio do irmão António Manuel, nos seus
assuntos pessoais e patrimoniais, durante as fases de hipomania e no intervalo entre
estas e as fases depressivas.
44. Maria Rosa Carreto tem atribuídas, em algumas empresas da família, funções de
consultora de projetos agrícolas, mas, desde há cerca de um ano, vem desempenhando
essas funções de forma irregular, ausentando-se, sem justificação, por períodos
superiores a quinze dias ou não comparecendo às reuniões agendadas.
45. Por essas funções é-lhe paga a quantia líquida mensal de 5.500 euros líquidos.
46. A requerida tem rendimentos mensais, provenientes de aplicações financeiras e de
imobiliário, no valor de cerca de 10.000 euros líquidos mensais.
47. O seu património está avaliado em cerca de 8 milhões de euros, sendo composto,
nomeadamente, pelos seguintes bens:

a) participação social correspondente a 30% no capital da sociedade “Vinhos do Estio,


S.A”, no valor nominal de 500.000 euros;
b) participação social correspondente a 20% no capital da sociedade “Herdade da
Cumeeira de Cima, S.A”, no valor nominal de 250.000 euros;
c) participação social correspondente a 25% no capital social da sociedade “Vidigueira
Living & Leisure - Hotel Rural, Lda”, no valor nominal de 100.000 euros;
d) fração autónoma designada pela letra “FF” correspondente ao quinto andar do
prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Ivens, nº 11,

21
freguesia de Santa Maria Maior, em Lisboa, inscrito na matriz predial respetiva sob
o n.º 444 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º
222/001015.
e) prédio misto, composto por terra de semeadura, olival, albufeira, couto de caça,
dependências agrícolas e casa de habitação, denominado “Herdade da Cumeeira de
Cima” sito em Selmes, freguesia de Selmes, concelho de Vidigueira, inscrito na
matriz predial respetiva sob o n.º 71 e descrito na Conservatória do Registo Predial
da Vidigueira sob o nº 444/680515.
f) prédio misto, composto por terra de semeadura, vinha, olival, dependências
agrícolas e casa de habitação, denominado “Monte da Azinheira de Baixo” sito em
Pedrogão, freguesia de Pedrogão, concelho de Vidigueira, inscrito na matriz predial
respetiva sob o n.º 42 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Vidigueira
sob o nº 555/680515.
g) prédio rústico, composto por montado de sobro e azinheira, ruína e dependências
agrícolas, denominado “Esteva”, sito em Arcos, freguesia de Arcos, concelho de
Estremoz, inscrito na matriz predial respetiva sob o n.º 45 e descrito na
Conservatória do Registo Predial da Vidigueira sob o nº 777/690725.

48. A Requerida é titular de contas bancárias nos Bancos BB (nº 0000), CC (1111) e DD
(2222).

49. Em abril de 2020, em reunião informal de acionistas, a Requerida votou contra a


transformação de parte da vinha dos terrenos explorados pela sociedade “Vinhos do
Estio, S.A” em olival super intensivo.

50. Em setembro do mesmo ano, a Requerida opôs-se a uma parceria entre a sociedade
“Vidigueira Living & Leisure - Hotel Rural, Lda” e uma cadeia hoteleira nacional, que
passava por aumentar a capacidade de oferta do alojamento local construído num
terreno da empresa.

51. Em dezembro do mesmo ano, a Requerida opôs-se à plantação de abacate numa das suas
propriedades, que está sob a administração de uma sociedade da família.

52. No decurso do internamento acima referido, Maria Rosa Carreto outorgou a favor do
seu irmão António Manuel uma procuração, concedendo a este, plenos poderes para
administrar os seus bens móveis e imóveis, incluindo as contas bancárias e as

22
participações sociais, assim como para dar de arrendamento e vender imóveis.

53. Regressada desse internamento, Maria Rosa outorgou junto do Notário um


instrumento de revogação dessa procuração, do qual deu uma cópia ao referido irmão.
54. Maria Rosa não outorgou testamento vital, nem procuração para cuidados de saúde.

55. António Manuel Kraepelin Carreto, o Requerente Paulo Jorge Kraepelin Carreto e Ana
Filipa Kraepelin Carreto Simões, são filhos de Manuel Augusto Marques Carreto e de
Lília Kraepelin Carreto, tendo nascido, respetivamente, a 5 de outubro de 1970, 11 de
março de 1973 e a 15 de agosto de 1975.

FACTOS NÃO PROVADOS

a) Que nas fases de hipomania, a Requerida frequente, noite após noite, bares e
discotecas até de madrugada, ingerindo bebidas alcoólicas até ficar inebriada e
fumando “cannabis”.
b) Que, nessas circunstâncias, a mesma se faça acompanhar por homens que conhece
nas referidas ocasiões e que são atraídos pelo seu comportamento desinibido e pela
disponibilidade financeira que ostenta.
c) Que a Requerida não tenha qualquer apetência pelo mar.
d) Que a mesma tenha adquirido o automóvel de marca “Maserati”, referido nos factos
provados, no decurso de uma fase de hipomania.
e) Que nas fases de hipomania, a Requerida tenha aumentos da líbido e mantenha
relações sexuais de “uma noite” com homens que conhece em bares e discotecas.
f) Que o indivíduo que a Requerida apresentou à família como seu noivo tenha travado
conhecimento com a mesma, cerca de duas semanas antes, num hotel, na Toscânia,
em Itália.
g) Que a Requerida tenha negociado e concretizado a aquisição do prédio rústico em
Estremoz no decurso de um episódio hipomaníaco.
h) Que esse prédio não tenha aptidão agrícola, nem qualquer outra.
i) Que Maria Rosa Carreto tenha negociado e concretizado essa aquisição e o respetivo
financiamento em Lisboa, para esconder os mesmos da família.
j) Que durante as fases depressivas, a Requerida grite “que está na miséria” e que
todos a vão abandonar.

23
k) Que a mesma seja atualmente acompanhada na consulta do psiquiatra Dr. Ambrósio
Pesseguinho.
l) Que desde que lhe foi diagnosticada a perturbação bipolar II, a Requerida nunca
tenha deixado de tomar a medicação prescrita.

24
39.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

(artigo 16.º, n.º 3, da Lei n.º 2/2008, de 14/1)

Via profissional

1.ª Chamada – 21 de maio de 2022

Grelha de Correção

Nota:

O conteúdo da grelha disponibilizada reflete as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da forma e da
substância, se reputam as mais corretas em função das peças facultadas e dos dados do processo e que devem, na
prova do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outros tipos de abordagem, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face
aos dados facultados e que se revelem suportados em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizados, na
medida do respetivo mérito.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

1. Estrutura, organização e coerência da peça processual


4 valores
(partes I e II)
2. Fundamentação da(s) proposta(s) formulada(s) 16 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

1.ESTRUTURA,
ORGANIZAÇÃO E COTAÇÃO PARCELAR (até 2 valores)
COERÊNCIA DA PEÇA
PROCESSUAL – parte I

Enunciação sumária dos pedidos formulados na ação e dos factos que


constituem a causa de pedir.

Enquadramento jurídico dos pedidos formulados na ação no âmbito do


regime do maior acompanhado e dos pressupostos de aplicação de uma
medida de acompanhamento, considerando, nomeadamente:
a) o enquadramento constitucional do instituto jurídico (art.ºs 1º, 18º,
nº 2 e 26º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).
b) o âmbito de aplicação do instituto e o seu objetivo (art.ºs 138º e
140º, nº 1 do Código Civil).
c) os princípios que norteiam o decretamento de uma medida de
acompanhamento (art.ºs, 140º, nº 2, 141º, 143º, nº 1 e 145º, nº 1
do Código Civil e art.º 898º do Código de Processo Civil).

2.FUNDAMENTAÇÃO
DA(S) PROPOSTA(S) COTAÇÃO PARCELAR (até 16 valores)
FORMULADA(S)

Aplicação, ao caso concreto, das considerações gerais acima enunciadas:


a) Concluir pela demonstração, na matéria de facto fornecida, de que
a Requerida padece de uma doença, com manifestações atuais,
suscetíveis de, em tese, limitar o seu bem-estar e a sua aptidão para,
de forma plena, pessoal e consciente, exercer os seus direitos e
cumprir os seus deveres (nºs 5 a 8, 29 a 33, 38 da factualidade
provada e art.º 138.º do Código Civil).
b) Equacionar a necessidade do acompanhamento na situação
concreta, ponderando os dois planos sobre os quais incidem as
medidas peticionadas (art.º 145º, nº 1 do Código Civil):
b.1) o plano patrimonial – confronto desse pressuposto com os
factos fornecidos na prova, nos seguintes termos:

a) Negando a aplicação de medidas de representação geral ou


especial, bem como de administração total de bens (art.º
145º, nº 2, alíneas b) e c)).
b) Problematizando a estrita necessidade de uma medida de
acompanhamento com incidência patrimonial e
ponderando, no limite:
b.1. a necessidade de um regime de administração parcial,
por referência a um conjunto, devidamente identificado, de
bens da Requerida (art.º 145º, nº 2, alínea c), in fine e 1967º
e seguintes do Código Civil);
b.2. a necessidade de um regime de assistência, mediante
autorização prévia para a prática de atos mais gravosos,
como seriam, exemplificativamente, os de oneração e de
disposição de bens de valor superior a certo montante (artº.
145º, nº 2 alínea d) do Código Civil).
c) Equacionar a desnecessidade de aplicação de qualquer
medida de acompanhamento neste plano patrimonial.

b.2) o plano pessoal – confronto do pressuposto da necessidade


com os factos fornecidos, considerando, designadamente:
(i) as características da doença de que padece a Requerida, que
inculcam a necessidade de medicação regular e de atenção à
aproximação de crises (nºs 5, 6 e 29 da matéria de facto
provada);
(ii) a falta de crítica da Requerida para a doença, a falta de toma
regular, pela Requerida, da medicação e os riscos que a
sintomatologia da doença apresenta para a integridade física
e psíquica da mesma (nºs 30, 31, 33, 37 e 38 dos factos
provados).

Na abordagem global da factualidade fornecida na prova,


equacionar a necessidade de uma medida de acompanhamento, no
plano pessoal, para assistência da Requerida na toma regular da
medicação e na comparência às consultas de psiquiatria (art.º 145º,
nº 2, alínea e) do Código Civil).

c) Confronto do pressuposto da supletividade com os factos


fornecidos:
Considerar que os deveres gerais de cooperação e de assistência
que poderiam recair sobre os familiares da Requerida não
asseguram o objetivo que se visa alcançar com o acompanhamento,
por se demonstrar que a Requerida, nos períodos de crise, recusa a
ajuda de terceiros (nºs 30, 32, 38, 41, 42 e 43 dos factos provados)
(art.º 140º nº 2, do Código Civil).

d) Indicação do acompanhante:
Na falta de escolha da Requerida, identificar o irmão António
Manuel como a pessoa sobre a qual devem recair as funções de
acompanhante, considerando que a factualidade provada
demonstra preocupação, da sua parte, com o bem-estar da
Requerida, bem como proximidade afetiva e confiança entre ambos
(nºs 41, 42, 52 e 53 dos factos provados) (art.º 143º, nº 2, alínea i)
do Código Civil).

e) Analisar o pedido de limitação de direitos pessoais, considerando,


nomeadamente, o seguinte:
(i) O princípio legal, segundo o qual o exercício de direitos
pessoais é livre – art.º 147º, nº 1 do Código Civil.
(ii) Qualquer restrição ao exercício dos direitos pessoais só pode
decorrer de disposição da lei ou de decisão judicial com um
fundamento fáctico bastante que justifique a limitação -
art.º 147º, nº 1, in fine, do Código Civil.
a. Face à matéria de facto provada e aos princípios que
regem a restrição de direitos pessoais, concluir pela
inexistência de fundamento para a colocação de um
implante contracetivo (alínea c) do pedido).
b. A factualidade provada não suporta, de acordo com os
princípios constitucionais acima referidos, a proibição de
contrair casamento. Admite-se a problematização, em
coerência com as conclusões atingidas quanto aos riscos
da doença para o património da Requerida, da proibição
de casar sob o regime de comunhão geral de bens e do
impedimento de alguns dos efeitos patrimoniais da
união de facto. Concluir, em conformidade, com
proposta de indeferimento total ou deferimento parcial,
de acordo com o acima exposto.
c. A factualidade provada não parece suportar, igualmente,
o impedimento da faculdade de testar
(iii) O internamento de maior acompanhado deve ser precedido
de autorização expressa do tribunal, podendo, em situações
de urgência, esse internamento ser solicitado pelo
acompanhante, com sujeição a ratificação do tribunal – art.º
148º, nºs 1 e 2 do Código Civil. A pré-autorização para
internamento que vem requerida deverá ter-se como
proibida pela necessidade de intervenção judicial casuística
na verificação dos pressupostos do internamento.

3. ESTRUTURA,
ORGANIZAÇÃO E COTAÇÃO PARCELAR (até 2 valores)
COERÊNCIA DA PEÇA
PROCESSUAL – parte II
Análise das restantes questões que devem ser objeto de pronúncia na
sentença judicial, de forma coerente com as conclusões do parecer,
nomeadamente:
(i) A fixação da data a partir da qual a(s) medida(s) se tornou(aram)
conveniente(s)
(ii) O prazo de revisão da(s) medida(s);
(iii) A publicidade da sentença;
(iv) A responsabilidade pelas custas da ação.
39.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via profissional

2.ª Chamada – 26 de maio de 2022

Grelha de correção

Nota:

O conteúdo da presente grelha reflete de forma tópica as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da forma
e da substância, se reputam as mais corretas em função dos elementos disponibilizados e que devem, na prova do
candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outras abordagens, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face aos dados
facultados e que se revelem suportados em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizados, na medida do
respetivo mérito.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Fundamentação de direito 14,00 valores

Demais componentes estruturais da sentença:


1. Dispositivo 2,00 valores
2. Restantes componentes 4,00 valores
ESTRUTURA DA COTAÇÃO TOTAL DA PROVA: 20 VALORES
DECISÃO

COMPONENTES I. Identificação das partes e objeto do litígio.


ESTRUTURAIS DA Enunciação genérica dos pedidos, causa de pedir e posição das partes.
SENTENÇA
-
RESTANTES II. Questões a decidir.
COMPONENTES 1. Analisar se estão reunidos os pressupostos de que depende o reconhecimento da
aquisição, pelo Autor, do direito real de propriedade sobre o prédio descrito no artigo 1.º
da petição inicial.
2. Apurar se, por sua vez, estão reunidos os pressupostos de que depende o reconhecimento
da aquisição por usucapião, a favor do prédio do Autor, de um direito real de servidão de
vistas sobre o prédio da Ré, descrito no artigo 2.º da petição inicial, analisando
nomeadamente:
 Se o murete existente no limite poente da cobertura da dependência construída no
prédio do Autor deve ser qualificado como parapeito.
 Se, por sua vez, aquela cobertura deve ser qualificada como terraço.
 Se o Autor e seus antepossuidores exerceram atos de posse conducentes à
aquisição, por usucapião, daquele direito real de servidão de vistas, de forma
pública, pacífica e de boa-fé, durante período de tempo suficiente a tal aquisição.
3. Reconhecendo-se que o prédio da Ré está onerado com um direito real de servidão de
vistas a favor do prédio do Autor, apreciar:
 Se a obra iniciada pela Ré, no seu prédio, viola aquele direito, consubstanciando,
por outro lado, exercício abusivo do direito de construção na sua propriedade.
 Se, consequentemente, se constituiu na esfera jurídica da Ré a obrigação de
proceder à demolição integral dessa obra, sendo suficiente o prazo de 30 dias para
levar a efeito tal demolição.
 Ou, ao invés, se a atuação do Autor constitui abuso de direito impeditivo da
demolição da obra efetuada pela Ré.
 Concluindo-se pela obrigação da Ré a demolir a obra, apurar se estão verificados os
pressupostos de que depende a aplicação de sanção pecuniária compulsória pelo
atraso na demolição e, na afirmativa, determinar o seu valor.
4. Verificar os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual com referência à
conduta da Ré e, concluindo-se pela sua verificação:
 Identificar os danos indemnizáveis sofridos pelo Autor.
 Quantificar o valor da compensação a atribuir.
 Apurar se são devidos juros de mora e, na afirmativa, determinar a data de início a
mora e a taxa de juro aplicável.
5. Avaliar se o Autor agiu como litigante de má-fé e, na afirmativa, determinar o valor da
multa a aplicar e da indemnização a atribuir à Ré a esse título.

III. Estrutura, ordem e dimensão relativa das componentes da sentença, incluindo:


 Inserção, no local próprio, dos factos provados e não provados e da motivação (por mera
remissão para o extrato disponibilizado no enunciado da prova).
 Equilíbrio relativo entre as várias componentes da sentença.

FUNDAMENTAÇÃO Direito de propriedade do Autor:


DE DIREITO  Procedência do pedido formulado na al. a) da parte final da petição inicial, com base na
presunção do registo, não ilidida pela Ré – artigo 7.º do Código do Registo Predial e artigos
342.º, 344.º, n.º 1, e 350.º do Código Civil.

Aquisição, por usucapião, de direito de servidão de vistas sobre o prédio da Ré e a favor do prédio
do Autor, sua eventual violação pela Ré e demolição da obra edificada pela Ré:
 Artigos 1360.º. e 1362.º, 1258.º e seguintes, 1287.º e seguintes, 70.º e seguintes, 334.º,
e 342.º, todos do Código Civil; artigo 414.º do Código de Processo Civil.
 Com a limitação ao direito de propriedade consagrada no artigo 1360.º do Código Civil,
pretende-se evitar que o prédio vizinho seja facilmente objeto da indiscrição de estranhos
e, por outro lado, impedir que ele seja facilmente devassado com o arremesso de objetos.
Não foi, nomeadamente, intenção do legislador evitar as vistas que se podem desfrutar
sobre o prédio vizinho ou sobre a paisagem circundante.
 Não estão assim sujeitas a tal restrição as construções que não permitam o devassamento
do prédio vizinho, as quais, consequentemente, não permitem a constituição do direito
de servidão de vistas previsto no artigo 1362.º do Código Civil.
 Mesmo a admitir que a cobertura da dependência existente no prédio do Autor poderia
ser vista como terraço para efeitos dos artigos 1360.º e 1362.º do Código Civil – sendo
certo que, atendendo às suas características, em especial o tipo de revestimento e a
finalidade do murete ali colocados, tal qualificação se apresenta como questionável –,
afigura-se que, de todo o modo, tal murete, com apenas 60 centímetros de altura, não
pode ser considerado como parapeito para os efeitos previstos nos normativos acima
referidos. Tal murete, para uma pessoa de estatura média, eleva-se pouco acima do
joelho, não tendo assim a virtualidade de conferir segurança às pessoas contra o perigo
de quedas, para além de não permitir que alguém nele se debruce com a finalidade de
devassar o prédio vizinho.
 Não estão assim reunidos os pressupostos de que os normativos mencionados fazem
depender o reconhecimento do direito real de servidão de vistas invocado pelo Autor.
 Por outro lado, não parece resultar dos factos provados que a atuação da Ré, ao construir
até ao limite do seu prédio, constitua abuso de direito nos termos do artigo 334.º do
Código Civil, seja em atenção à sua atuação anterior (não se demonstrando factos que,
nomeadamente, permitam a convocação das figuras da supressio ou do venire contra
factum proprium), seja em atenção a direitos de personalidade do Autor (não resultando
da nossa lei um direito subjetivo à paisagem, igualmente não ficou demonstrado que a
construção edificada pela Ré viole o direito à saúde do Autor).
 Consequentemente, devem ser julgados improcedentes os pedidos formulados nas als. b)
a f) da parte final da petição inicial – artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 414.º do
Código de Processo Civil.

Responsabilidade civil extracontratual:


 Artigos 483.º, 334.º e 342.º, n.º 1 do Código Civil; artigo 414.º do Código de Processo
Civil.
 Considerar que não se demonstrou qualquer facto ilícito por parte da Ré, nomeadamente
violando direitos absolutos do autor, sejam direitos reais, sejam direitos de personalidade,
nem, por outro lado, atuação da Ré em abuso de direito geradora da obrigação de
indemnizar o Autor.
 Consequentemente, julgar improcedente o pedido formulado na al. g) da parte final da
petição inicial, por falta de prova de um dos pressupostos da responsabilidade civil – artigo
342.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 414.º do Código de Processo Civil.

Litigância de má-fé:
 Artigos 542.º e seguintes do Código de Processo Civil.
 Não parece justificar-se a condenação do Autor como litigante de má-fé, seja porque não
ficou evidenciado que tenha alterado, com dolo ou culpa grave, a verdade dos factos nem
que, por outro lado, tenha deduzido pretensão cuja falta de fundamento seja manifesta.
 Improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé, incluindo a condenação
em indemnização à Ré.

Fundamentação da decisão quanto a custas:


 Artigos 527.º e 607.º, n.º 6, do Código de Processo Civil; artigos 1.º e 7.º do Regulamento
das Custas Processuais.
 Quanto à causa principal: atendendo a que, seguindo-se a posição acima enunciada, o
Autor apenas vê ser julgado procedente o pedido formulado na al. a) da parte final da
petição, ao qual a Ré não deduziu qualquer oposição, parece ajustado que, em
homenagem ao princípio da causalidade consagrado no artigo 527.º do Código de
Processo Civil, seja o Autor a suportar integralmente as custas da ação.
 Quanto ao incidente de litigância de má-fé: analisar se deve ser tributado autonomamente
e, na afirmativa, atribuir a responsabilidade pelo pagamento das custas respetivas em
atenção ao artigo 527.º do Código de Processo Civil, e fixando a taxa de justiça em
conformidade com o artigo 7.º e a Tabela II do Regulamento das Custas Processuais.

COMPONENTES Em conformidade com a fundamentação expendida no segmento respetivo, declaração da


ESTRUTURAIS DA procedência/improcedência/procedência parcial dos pedidos formulados pelo Autor e, sendo
SENTENÇA caso disso, correspondente condenação da Ré nos pedidos ou parte deles e/ou absolvição da Ré
– dos pedidos ou na parte restante.
DISPOSITIVO

Condenação em custas em conformidade com a fundamentação expendida.

Notificação e registo da sentença.


Cotação
I. Relatório e 1.1. Referência ao requerimento 0,5
saneamento
do Mº Pº para julgamento
em processo comum com
intervenção do tribunal
coletivo
1.2. Crimes imputados aos
arguidos segundo os factos
constantes da acusação
(mera indicação dos tipos
legais e coautoria, porque
considerados em
substância na
fundamentação)
1.3. Menção da existência de
contestação da arguida BB,
com breve síntese dos
argumentos e referência à
inexistência de
contestação por parte do
arguido AA
1.4. Inexistência de questões
prévias, nulidades, etc.
1.5. Julgamento com
observância do formalismo
legal
II. Factos provados/não (A pontuação máxima terá em conta a 3,0
provados e respetiva
concreta fundamentação dada, em
motivação
termos de explicitação da utilidade dos
elementos referidos para a formação da
convicção, segundo as regras da
experiência comum, não bastando para
tal uma mera referência identificativa de
tais elementos)
2.1 – Acusação - Provados todos, admitindo-se respostas
restritivas/aproximação quanto às horas
concretas em que os factos ocorreram ou
quanto à capacidade da seringa

2.2 – Contestação de BB - Provado o atraso mental ligeiro e o


abuso de bebidas alcoólicas e cannabis.
- Não provado que, aquando da prática
dos factos e por força daqueles, a
arguida estivesse impossibilitada de
avaliar a sua conduta e de se determinar
de acordo com essa avaliação.

2.3 – Relatório pericial - Elementos referentes à imputabilidade


da arguida aquando da prática dos
factos e para estes.
- Elementos referentes à inimputabilidade
subsequente e perigosidade.
2.4 – Relatórios sociais e - Elementos referentes à situação
condições pessoais dos socioeconómica do arguido.
arguidos - Elementos referentes ao relatório social
do arguido.
- Elementos referentes ao relatório social
da arguida.
2.5 – Certificados de - Condenações do arguido.
registo criminal - Condenações da arguida.
2.6 – Fundamentação - Declarações do arguido,
da decisão de facto desconsiderando a parte em que refere
desconhecimento das intenções da
coarguida e a posse da navalha.
- Impossibilidade de considerar as
declarações do arguido quanto aos
factos imputados à coarguida (artigo
345.º, n.º 4, do C.P.P.).
- Depoimentos das testemunhas CC e DD
quanto aos factos ocorridos no
estabelecimento Paga Tu, retendo,
quanto à negada coautoria, a afirmação
das testemunhas quanto à postura do
arguido AA e a expressão saca a
navalha.
- Depoimento da testemunha EE quanto
aos factos ocorridos no Supermercado
Pacífico.
- Relatório pericial e valor da perícia,
quanto á questão da imputabilidade e
inimputabilidade superveniente.
- Relatórios sociais.
- Certificados de registo criminal.
III. Enquadramento Na atribuição dos pontos deverá ser 6,5
jurídico-penal
considerado na descrição de cada tipo
de crime:
- referência aos bens jurídicos
protegidos
- referência aos elementos
objetivos
- forma de (com)participação
- referência aos elementos
subjetivos
- consideração e afastamento dos
argumentos da defesa quanto à
inimputabilidade

3.1 – Estabelecimento - Crime de violência depois da subtração, 3,0


Paga Tu. em coautoria (artigos 210.º, n.ºs 1 e 2,
alínea b), parte final e 204.º, n.ºs 2 alínea
f) e 4 e 202.º, alínea c), ex vi artigo 211.º e
art.ºs 14.º, n.º 1 e 26.º, todos do C.P., artigo
4.º do D.L. n.º 48/95, de 15/03 e 256.º, n.º 1,
do C.P.P.).

3.2 – Estabelecimento - Crime de roubo, em autoria material 3,5


Supermercado Pacífico (artigos 210.º n.ºs 1 e 2, alínea b), parte
final e 204.º, n.ºs 2 alínea f) e 4, 14.º, n.º 1 e
26.º, todos do C.P. e artigo 4.º do D.L. n.º
48/95, de 15/03)
- Pese embora a arguida, num primeiro
momento, pretendesse praticar um crime
de furto, após ter sido detetada e
exibindo uma seringa, aproveita-se do
facto de a testemunha EE se ter afastado
e ficado impossibilitada de resistir para
praticar um crime de roubo. De qualquer
modo, quanto ao crime de furto na forma
tentada sempre careceria de acusação
particular (Cf. artigo 207.º, n.º 2, do CP).
- Desqualificação dos crimes em razão do
valor

I.V Consequências Determinação de cada pena parcelar a 7,5


jurídicas do(s) crime(s)
aplicar aos arguidos AA e BB e
determinação da pena única à arguida
BB.

4.1 - Menção aos 1,0


critérios do art.º 71º n.º 2
do C.P.
4.2 - Determinação - Deverão ser afastadas quaisquer penas 3,5
concreta das penas a
substitutivas da prisão considerando os
aplicar a AA e BB,
considerando também antecedentes dos arguidos, a ausência
a factualidade extraída
de ressonância/sentido crítico, o
dos CRC, relatórios
sociais e condições cumprimento de prisão efetiva pela
pessoais e cúmulo
arguida e a impossibilidade de qualquer
corretamente efetuado
das penas aplicadas a juízo de prognose favorável atendendo à
BB
prática de crimes em período de
suspensão, com preditores do risco de
insucesso como a toxicodependência e
a falta de fatores de proteção.
4.3 – Inimputabilidade 3,0
posterior da arguida BB
e consideração da
perigosidade para
efeitos do disposto no
art.º 105.º do C.P.

V. Decisão 5.1 Condenação de AA e BB nas penas 2,0


singulares e, quanto a BB, em cúmulo
jurídico com indicação das disposições
legais (0,50)
5.2 Determinação da medida de
internamento a BB (0,50)
5.3 Condenação em custas de AA e BB
(0,25)
5.4 Recolha de amostras de ADN (0,25)
5.5 Apreciação do estatuto coativo (0,25)
5.6 Comunicação aos processos onde os
arguidos beneficiam da suspensão da
execução da pena de prisão (0,25)
VI. Estrutura lógico- 0,5
formal do acórdão, rigor
da linguagem e
capacidade de síntese
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

Via Profissional

39.º CURSO DE FORMAÇÃO INICIAL PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO N.º 5 1 7 0 / 2022, PUBLICADO NO

DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 50, 2.ª SÉRIE, DE 11 DE M A R Ç O DE 2022

09 JUNHO 2022

14H15M

2.ª CHAMADA

A PROVA INICIA-SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA DESIGNADA (ART I-


GO 12.º, N.º 1, DO REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICI Á-
RIOS)

DURAÇÃO DA PROVA: 4 HORAS

1
VIA PROFISSIONAL – 2ª CHAMADA - 9 JUNHO 2022

1. A presente prova disponibiliza um conjunto de peças e informações contidas num processo de


inquérito (fictício).
2. Pretende-se que, nesse processo, considerando o conjunto das peças e elementos disponibiliza-
dos, seja redigido, com a data de hoje, um despacho de encerramento do inquérito pelo Minis-
tério Público, com todos os despachos parcelares relevantes e adequados, nomeadamente
apreciando requerimentos pendentes. Entendendo que existem indícios suficientes e que o pro-
cesso deverá seguir para a fase judicial, deverá utilizar a forma sumaríssima. Deverá ser proferi-
do o despacho de encerramento ainda que se considere que existe alguma questão prévia que,
na realidade, obstaria à prolação imediata de tal despacho.
3. Por se entender desnecessário para a presente prova, do processo não constam propositada-
mente algumas peças processuais que normalmente constam de um processo (v. g., informação
de direitos a vítimas e notificações para comparência em actos processuais), não se pretenden-
do, pois, que daí sejam extraídos quaisquer vícios.
4. Cotação: 20 valores
i. Apreciação de requerimentos – 4 valores
ii. Descrição fáctico-jurídica – 4,5 valores
iii. Qualificação jurídica – 1,5 valores
iv. Aspetos atinentes à pena – 5,5 valores
v. Outras componentes do despacho – 2,5 valores
vi. Estrutura da pela processual, organização do discurso técnico-jurídico e linguagem utilizada –
2 valores
5. A atribuição da cotação máxima nesta prova pressupõe um tratamento completo das várias
questões suscitadas ou de conhecimento oficioso, que deverá ser coerente e corretamente fun-
damentado e com indicação dos preceitos legais aplicáveis.
6. Na apreciação da prova relevarão, nomeadamente, a pertinência do conteúdo, a qualidade da
informação transmitida em relação à questão colocada, a organização da exposição, a capacida-
de de argumentação e de síntese e o domínio da língua portuguesa.
7. Os erros ortográficos serão considerados negativamente: 0,25 por cada um, até um máximo de
3 valores (Ponto 5.3.1 do Aviso n.º 5170/2022, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 50,
de 11 de março).

2
8. A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a candidato/a será penali-
zada com um redução da nota atribuída até um máximo de 3 valores, para o total da prova
(Ponto 5.3.3 do Aviso n.º 5170/2022, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 50, de 11 de
março).
9. As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a grafia do "Acordo Or-
tográfico da Língua Portuguesa" (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º
26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto),
deverão declará-lo expressamente no quadro "Observações" da folha de rosto que lhes será en-
tregue, escrevendo "Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assem-
bleia da República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade", sendo a pro-
va corrigida nesse pressuposto.
10. A presente prova não poderá conter qualquer assinatura, ainda que fictícia, pelo que, no final da
peça, as/os candidatas/os só deverão escrever as palavras seguintes:

“DATA”

“ASSINATURA”.

11. As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento identificativo da/o
candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da folha de rosto), sob pena de anu-
lação da prova.
12. Assim que for dada indicação que a prova terminou os/as candidatos/as não poderão prosseguir
com o que estavam a escrever, ficando a aguardar que o/a vigilante recolha as folhas com a
prova. O desrespeito desta regra implica a anulação da prova.

3
Registe, distribua e autue como inquérito – IO.

Conclua.

Ponte de Sor, 14.03.2022

Ex.mo Senhor Procurador da República na

Comarca de Portalegre

Data: 11.03.2022
Assunto: Participação criminal

Levo ao seu conhecimento os seguintes factos:

No dia 9 de Março de 2022, pelas 15h00, o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU)
do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) recebeu, através do número 112, um tele-
fonema do número 245 111 111, de uma senhora que disse chamar-se ANTÓNIA ANSIOSA e
residir na Rua do Desespero, n.º 1, em Ponte de Sor, e que, ao técnico que a atendeu, relatou
que há uns dias que tinha perda de olfacto e dores de cabeça muito intensas, e que desde há
umas horas estava com crescentes dificuldades respiratórias, pensando que a qualquer mo-
mento iria perder a consciência. Todos os telefonemas são gravados, sendo disso avisados to-
dos aqueles que telefonam, antes de as chamadas serem atendidas.

Face aos sintomas descritos e a sua compatibilidade com a COVID-19, foi acionada para o local
uma ambulância preparada para essa doença, com um motorista, um médico e um paramédi-
co, que saiu de Portalegre às 15h20.

Pelas 15h30 do mesmo dia, foi recebido no 112 um outro telefonema da mesma senhora que
pedia urgência no auxílio, pois sentia-se cada vez pior.

A ambulância chegou à residência da senhora às 16h00. No local, a médica BELA BEATRIZ e o


paramédico CARLOS CRISTÓVÃO constataram que ANTÓNIA ANSIOSA não apresentava qual-
quer dos sintomas que descrevera ao telefone, estando apenas muito nervosa e irritada. Dizia
que tinham de a levar ao Hospital Distrital de Portalegre pois precisava de ser vista pelo seu

1
cardiologista. Perguntada se tinha algum problema cardíaco naquele momento, disse apenas
que tinha uma consulta marcada há muito tempo e que não queria faltar.

Perante tal quadro, a equipa do INEM recusou transportá-la para o hospital. Nessa altura, a
senhor injuriou a médica do INEM.

Informa-se que o INEM é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado,


dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, sendo o organismo do
Ministério da Saúde responsável por coordenar o funcionamento, no território de Portugal
Continental, de um Sistema Integrado de Emergência Médica, de forma a garantir aos sinistra-
dos ou vítimas de doença súbita a pronta e correta prestação de cuidados de saúde. A presta-
ção de cuidados de emergência médica no local da ocorrência, o transporte assistido das víti-
mas para o hospital adequado e a articulação entre os vários intervenientes do Sistema, são as
principais tarefas do INEM. Através do número europeu de emergência – 112, o INEM dispõe
de múltiplos meios para responder com eficácia a situações de emergência médica. Os CODU
são responsáveis pela medicalização do Número Europeu de Emergência – 112. São transferi-
dos para os CODU do INEM os pedidos de socorro efetuados por aquela via, referentes a situa-
ções de urgência ou emergência na área da saúde. O funcionamento dos CODU é assegurado ao
longo das 24 horas do dia por uma equipa de profissionais qualificados – Médicos e Técnicos de
Emergência Pré-Hospitalar – com formação específica para efetuar o atendimento, triagem,
aconselhamento, seleção e envio de meios de socorro. Os CODU do INEM coordenam e gerem
um conjunto de meios de socorro – Ambulâncias, Viaturas Médicas de Emergência e Reanima-
ção, Motos e Helicópteros de Emergência – selecionados com base na situação clínica das víti-
mas, com o objetivo de prestar o socorro mais adequado no mais curto espaço de tempo.

Ao longo da pandemia, têm ocorrido muitos milhares de telefonemas para o número 112 com
falsas situações de COVID-19, que muito tem prejudicado o eficiente serviço do INEM e a pres-
tação célere de assistência a quem verdadeiramente necessita.

Como certamente é do vosso conhecimento, em 9 de março de 2022 estava-se ainda em situa-


ção de alerta, no âmbito da pandemia de COVID-19, determinado por Resolução do Conselho
de Ministros.

2
Junta:

- Um CD com gravação dos telefonemas;

- Uma ficha do CODU.

Com os meus melhores cumprimentos,

Presidente

Contém: CD com telefonemas.


4
S. R.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA – COMARCA DE PORTALEGRE


Departamento de Investigação e Acção Penal – Ponte de Sor
NUIPC 123/22.3TAPDS

- Conclusão em 22.03.2021 -

Consigno que procedi à audição do CD junto a folhas 3, do mesmo constando dois fi-
cheiros áudio cujo teor é compatível ao descrito a folhas 1 e 2.

Por via postal registada, convoque a denunciada para comparecer perante mim, no
dia 5 de Maio de 2022, às 10h00, a fim de ser constituída arguida e interrogada nessa quali-
dade.

Proceda à inquirição de BELA BEATRIZ e de CARLOS CRISTÓVÃO na próxima data


disponível em agenda, mas antes da supra mencionada.

Contacte telefonicamente o INEM-Portalegre no sentido de acordar a data para as


diligências em momento em que cause o menor transtorno ao seu serviço.

Elabore ofício, a assinar por mim, dirigido ao Hospital Distrital de Portalegre solicitan-
do que informe se a denunciada ANTÓNIA ANSIOSA tinha efectivamente alguma consulta
marcada em 09.03.2022 e, na afirmativa, de que especialidade, há quanto tempo e se aí é
seguida regularmente e por que motivo.

Oficie à MEO-PT solicitando que forneça a identidade do titular do contrato respei-


tante ao número de telefone 245 111 111.

Consulte a Base de Dados de Suspensão Provisória do Processo quanto a ANTÓNIA


ANSIOSA, juntando aos autos impressão dos respectivos resultados.

5
S. R.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA – COMARCA DE PORTALEGRE


Departamento de Investigação e Acção Penal – Ponte de Sor
*

Junte certificado de registo criminal de ANTÓNIA ANSIOSA – artigo 274.º do Código


de Processo Penal.

Junte as impressões do documento da DGS e de mapa online que lhe entrego em


mão.

Ponte de Sor, 22 de Março de 2022


– 2 página(s) <> verso(s) em branco <> por mim elaborado e revisto –

____________________
Pedro Pinho
(procurador da República)

6
S. R.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA – COMARCA DE PORTALEGRE


Departamento de Investigação e Acção Penal – Ponte de Sor

7
S. R.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA – COMARCA DE PORTALEGRE


Departamento de Investigação e Acção Penal – Ponte de Sor

8
S. R.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA – COMARCA DE PORTALEGRE


Departamento de Investigação e Acção Penal – Ponte de Sor

AUTO DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA


NUIPC 123/22.3TAPDS

Data: 03.05.2022 - Hora: 10h00


Local: DIAP de Ponte de Sor
Entidade que executa: Gonçalo Gonçalves, técnico de justiça auxiliar.—

Identificação da Testemunha:
Nome: BELA BEATRIZ
Filiação: Bernardo Bastos e Benvinda Bastos
Naturalidade (Freguesia e Concelho): S. Sebastião da Pedreira – Lisboa
Data de nascimento: 19.06.1990
Estado civil: Solteira
Profissão: Médica
Residência: INEM – Portalegre (residência profissional)
*

A identidade da depoente foi verificada através do Cartão do Cidadão n.º 222 333 222,
que exibiu.—
*
Inquirida sobre as suas relações de parentesco ou interesse com o arguido, o ofendido, o
assistente, as partes civis e outras testemunhas, bem como quaisquer outras circunstâncias
relevantes para avaliar a credibilidade do seu depoimento, nomeadamente relações de trabalho
com as pessoas referidas, disse: não conhecia a senhora ANTÓNIA ANSIOSA antes dos factos
destes autos: é funcionária do INEM desde 2016.—

A diligência foi registada em áudio no sistema informático CITIUS.—

Sobre a matéria dos autos disse:

Confirma o teor da participação do INEM, que já conhecia, pois foi-lhe dado conhecimen-
to internamente.—

O documento de folhas 4 foi elaborado por si.—

Acrescenta que, quando percebeu que não a iríamos levar ao hospital, a senhora foi mui-
to mal-educada e rude. Disse repetidamente à depoente que ela uma “porca, corrupta, fascista
que queria deixar morrer o povo”. Ficou profundamente ofendida com essas palavras, pois
desde o início da pandemia deu tudo de si no seu trabalho, tendo em alguns períodos estado

9
S. R.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA – COMARCA DE PORTALEGRE


Departamento de Investigação e Acção Penal – Ponte de Sor
isolada do seu companheiro e filhos para não correr o risco de os contaminar com a COVID-19,
sempre com o propósito de continuar a ajudar os outros.—

Desde o início de Março de 2020 têm ocorrido muitos falsos telefonemas de COVID-19, o
que muito tem prejudicado o correcto funcionamento da assistência médica a quem verdadei-
ramente precisa. Consigo tem acontecido pelo menos uma vez por semana.—

Deseja procedimento criminal contra ANTÓNIA ANSIOSA.—

Mais não disse e lidas as suas declarações, as achou conforme, e assina.—

________________________________________________

Para constar se lavrou o presente auto que depois de lido e achado conforme vai ser en-
cerrado às 10h30 horas e devidamente assinado.

________________________________________________

10
S. R.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA – COMARCA DE PORTALEGRE


Departamento de Investigação e Acção Penal – Ponte de Sor

AUTO DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA


NUIPC 123/22.3TAPDS

Data: 03.05.2022 - Hora: 11h00


Local: DIAP de Ponte de Sor
Entidade que executa: Gonçalo Gonçalves, técnico de justiça auxiliar.—

Identificação da Testemunha:
Nome: CARLOS CRISTÓVÃO
Filiação: Cristiano Cristóvão e Carla Cristóvão
Naturalidade (Freguesia e Concelho): S. Jorge de Arroios – Lisboa
Data de nascimento: 23.09.1985
Estado civil: Casado
Profissão: Paramédico
Residência: INEM – Portalegre (residência profissional)
*

A identidade do depoente foi verificada através do Cartão do Cidadão n.º 666777666, que
exibiu.—

Inquirido sobre as suas relações de parentesco ou interesse com o arguido, o ofendido, o


assistente, as partes civis e outras testemunhas, bem como quaisquer outras circunstâncias
relevantes para avaliar a credibilidade do seu depoimento, nomeadamente relações de trabalho
com as pessoas referidas, disse: não conhecia a senhora ANTÓNIA ANSIOSA antes dos factos
destes autos; é colega de trabalho da BELA BEATRIZ há três anos: trabalha no INEM há dez
anos.—

A diligência foi registada em áudio no sistema informático CITIUS.—

Sobre a matéria dos autos disse:

Confirma o teor da participação do INEM, de que neste momento lhe foi dado conheci-
mento.—

Quando a senhora percebeu que não a iríamos levar ao hospital, foi muito rude e mal-
educada. Disse à Bela que ela “uma corrupta, uma porca fascista, uma inimiga do povo”. A
Bela ficou muito ofendida com essas palavras, tendo até chorado na ambulância quando vi-
nham embora.—

11
S. R.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA – COMARCA DE PORTALEGRE


Departamento de Investigação e Acção Penal – Ponte de Sor
Desde o início de Março de 2020 têm ocorrido muitos falsos telefonemas de COVID-19, o
que muito tem prejudicado o correcto funcionamento da assistência a quem precisa. Já lhe
aconteceu mais de cinquenta vezes.—

Mais não disse e lidas as suas declarações, as achou conforme, e assina.—

________________________________________________

Para constar se lavrou o presente auto que depois de lido e achado conforme vai ser en-
cerrado às 11h30 horas e devidamente assinado.

________________________________________________

12
S. R.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA – COMARCA DE PORTALEGRE


Departamento de Investigação e Acção Penal – Ponte de Sor
NUIPC 123/22.3TAEVR
CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
(Direitos e deveres previstos no artigo 61º. do Código de Processo Penal)
Arguido: ANTÓNIA ANSIOSA (identificada no termo de identidade e residência)
Data da constituição: 05.05.2022

Direitos processuais:
a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;
b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pesso-
almente o afecte;
c) Ser informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar declarações perante qualquer entidade;
d) Não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o
conteúdo das declarações que acerca deles prestar;
e) Constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor;
f) Ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mes-
mo em privado, com ele;
g) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem ne-
cessárias;
h) Ser informado, pela autoridade judiciária ou pelo órgão de polícia criminal perante os quais seja obrigado a
comparecer, dos direitos que lhe assistem;
i) Ser acompanhado, caso seja menor, durante as diligências processuais a que compareça, pelos titulares das
responsabilidades parentais, pelo representante legal ou por pessoa que tiver a sua guarda de facto ou, na impos-
sibilidade de contactar estas pessoas, ou quando circunstâncias especiais fundadas no seu interesse ou as neces-
sidades do processo o imponham, e apenas enquanto essas circunstâncias persistirem, por outra pessoa idónea
por si indicada e aceite pela autoridade judiciária competente;
j) Recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis.

Deveres processuais:
a) Comparecer perante o juiz, o Ministério Público ou os órgãos de polícia criminal sempre que a lei o exigir e para
tal tiver sido devidamente convocado;
b) Responder com verdade às perguntas feitas por entidade competente sobre a sua identidade;
c) Prestar termo de identidade e residência logo que assuma a qualidade de arguido;
d) Sujeitar-se a diligências de prova e a medidas de coacção e garantia patrimonial especificadas na lei e ordena-
das e efectuadas por entidade competente.

Neste acto, vai ser entregue ao(à) arguido(a), cópia deste documento conforme o que dispõe o art.º 58 n.º 4 do
C.P.P. (na redacção que lhe foi dada pela Lei 48/2007 de 29.08).

Foi ainda advertido(a) de que tem direito a escolher e constituir advogado ou a requerer a concessão de apoio
judiciário com vista ao patrocínio oficioso nos termos do art.º 16º, n.º 1, alíneas b), c), e) e f), da Lei 34/04 de 29 de
Julho, nas seguintes modalidades: b) Nomeação e pagamento da compensação de patrono; c) Pagamento da com-
pensação de defensor oficioso; e) Nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono e f) Pagamento
faseado da compensação de defensor oficioso. E que, não constituindo defensor, nem requerendo a concessão de
apoio judiciário, naquelas modalidades, ou este não lhe sendo concedido, é responsável pelo pagamento dos ho-
norários que o defensor apresentar para remuneração dos serviços prestados, bem como das despesas em que
este incorrer com a sua defesa, tudo nos termos do art.º 39º da Lei 34/2004 de 29/07, alterada e republicada pela
Lei 47/2007 de 28 de Agosto, conforme nota informativa que lhe foi entregue.

E de como recebeu, vai comigo assinar


A Arguida ____________________________________________________________________

O funcionário judicial __________________________________________________________

13
S. R.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA – COMARCA DE PORTALEGRE


Departamento de Investigação e Acção Penal – Ponte de Sor
NUIPC 123/22.3TAPDS

TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA


(Artigo 196.º do Código Processo Penal)

Data da diligência: 05.05.2022 Hora: 10h00

Funcionário que executa: Gonçalo Gonçalves

ARGUIDO
Nome: ANTÓNIA ANSIOSA
Filiação: António Ansioso e Amélia Ansiosa
Naturalidade (Freguesia e Concelho): Tramaga – Ponte de Sor
Data de nascimento: 02.02.1950
Estado civil: Viúva
Profissão: Professora (reformada)
Residência: Rua do Desespero, n.º 1, Ponte de Sor

E por ele arguido foi dito que o seu endereço para efeito de notificação por via postal simples é a Rua do Desespero,
n.º 1, Ponte de Sor.—

Foi-lhe dado conhecimento:


a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei
o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova resi-
dência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações ser-lhe-ão feitas por via postal simples para o endereço acima indicado para
esse efeito, excepto se comunicar um outro, através de requerimento entregue ou remetido por via postal regis-
tada à secretaria dos serviços onde o processo correr termos nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos
os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência
na sua ausência, nos termos do artigo 333.º do Código de Processo Penal;
e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.

Declarou ficar ciente, recebeu cópia.

Para constar se lavrou o presente termo que, lido e achado conforme, vai ser devidamente assinado

Arguido(a) _____________________________________________________________________________

Funcionário judicial ____________________________________________________________

14
S. R.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA – COMARCA DE PORTALEGRE


Departamento de Investigação e Acção Penal – Ponte de Sor

AUTO DE INTERROGATÓRIO
NUIPC 123/22.3TAPDS

Data: 05.05.202214-06-2022 - Hora: 10h25


Local: DIAP de Ponte de Sor
Entidade que preside: Pedro Pinho, Procurador da República
Entidade que elabora o auto: Gonçalo Gonçalves, técnico de justiça auxiliar.—
*
Iniciado o presente acto, foi lembrado à interroganda que é arguida no âmbito do presente pro-
cesso, de natureza penal, nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 2, do Código de Processo Penal,
tendo-lhe sido novamente lidos e explicados os direitos e deveres que lhe assistem.—
*
A arguida foi advertida de que deveria responder e responder com verdade às perguntas sobre
o seu nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão,
residência, local de trabalho, sob pena de poder incorrer em responsabilidade penal.—

*
IDENTIFICAÇÃO
Nome: ANTÓNIA ANSIOSA
Filiação: António Ansioso e Amélia Ansiosa
Naturalidade (Freguesia e Concelho): Tramaga – Ponte de Sor
Data de nascimento: 02.02.1950
Estado civil: Viúva
Profissão: Professora (reformada)
Residência: Rua do Desespero, n.º 1, Ponte de Sor
*

A identidade da arguida foi verificada através do Cartão do Cidadão n.º 199 199 199, que exi-
biu.—
*
A arguida fez-se acompanhar pelo Dr. Fernando Fernandes, advogado com escritório nesta loca-
lidade, conhecido em juízo, tendo a arguida declarado que o constituía como seu mandatário judicial no
processo, concedendo-lhe os poderes forenses gerais.--
*
Em seguida, em cumprimento da alínea c) do n.º 4 do artigo 141.º do Código de Processo Penal,
ex vi do artigo 144.º, n.º 1, do mesmo diploma, a arguida foi informada que lhe são imputados os se-
guintes factos: os descritos na participação de folhas 1 e 2 e no auto de inquirição de folhas 8 e 9, que
neste momento lhe foram lidos.--
*

A diligência foi registada em áudio no sistema informático CITIUS.—

15
S. R.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA – COMARCA DE PORTALEGRE


Departamento de Investigação e Acção Penal – Ponte de Sor
Perguntada se queria responder sobre os factos que lhe são imputados, com a advertência de
que, não exercendo o direito ao silêncio, as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo,
mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando
sujeitas à livre apreciação da prova, respondeu afirmativamente, passando a fazê-lo pela seguinte for-
ma:
É verdade que não tinha nenhum dos sintomas que descreveu ao 112, mas ainda é mais verdade
que tinha uma consulta de cardiologia, marcada há um ano, e não tinha quem a levasse, pois os bombei-
ros, que costumam fazê-lo, naquele dia recusaram. Estava e está indignadíssima pois paga pontualmen-
te os seus impostos e agora parece que a única saúde que interessa é a dos covids.—

Não chamou nenhum nome feio às pessoas do INEM. Eles é que foram mal educados consigo, não
respeitando a sua idade e o seu estado de saúde.—

Vive sozinha, pois é viúva. Tem dois filhos adultos que vivem, com as famílias, no estrangeiro. Um
em Londres e outro em Paris. Não tem carro próprio, pois, por ver muito mal, deixou de poder conduzir.
Era professora primária, mas agora está reformada, auferindo pensão de 1500€.—

O número de telefone 245 111 111 não é seu.—

Pretende juntar declaração do Hospital de Portalegre sobre a consulta que tinha marcada.--

Requer que seja inquirida a sua vizinha Lurdes Lourosa, residente na sua rua, no n.º 2.—

Depois de lhe ter sido brevemente explicado em que consiste a suspensão provisória do processo
e o processo sumaríssimo, declara que não se opõe à aplicação de qualquer deles, mas prefere a sus-
pensão. –

Não se opõe a uma eventual desistência de queixa.–

Mais não disse e lidas as suas declarações, as achou conforme, e assina:

________________________________________________

Para constar se lavrou o presente auto que depois de lido e achado conforme vai ser encerrado às
10h55 horas e devidamente assinado.

_______________________________________________

________________________________________________

________________________________________________

16
HOSPITAL DISTRITAL DE PORTALEGRE

– Hospital Dr. José Maria Grande –

DECLARAÇÃO

Data: 09.05.2022

Por nos ter sido solicitado e por ser verdade, declara-se que ANTÓNIA ANSIOSA, titular do Car-
tão do Cidadão n.º 199199199, tinha agendada consulta de cardiologia no dia 9 de Março de
2022, às 16h00, com o Dr. Manuel Marques, consulta essa marcada no dia 18 de Setembro de
2021, não tendo comparecido.

Mais se informa que ANTÓNIA ANSIOSA é seguida neste hospital, nessa consulta, desde 2005.

Departamento de Relações Exteriores

17
S. R.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA – COMARCA DE PORTALEGRE


Departamento de Investigação e Acção Penal – Ponte de Sor

NUIPC 123/22.3TAPDS

- Conclusão em 06.05.2022 -

Na próxima data disponível em agenda, proceda à inquirição de Lurdes Lourosa sobre


os factos descritos a fls. 16.

Ponte de Sor, 6 de Maio de 2022


– 1 página(s) <> verso(s) em branco <> por mim elaborado e revisto –

____________________
Pedro Pinho
(procurador da República)

18
S. R.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA – COMARCA DE PORTALEGRE


Departamento de Investigação e Acção Penal – Ponte de Sor

AUTO DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA


NUIPC 123/22.3TAPDS

Data: 17.05.2022 - Hora: 10h00


Local: DIAP de Ponte de Sor
Entidade que preside e executa: Gonçalo Gonçalves, técnico de justiça auxiliar.—

Identificação da Testemunha:
Nome: LURDES LOUROSA
Filiação: Luís Lourosa e Luísa Lourosa
Naturalidade (Freguesia e Concelho): Évora
Data de nascimento: 25.08.1970
Estado civil: Casada
Profissão: Economista
Residência: Rua do Desespero, n.º 2, Ponte de Sor
*

A identidade do depoente foi verificada através do Cartão do Cidadão n.º 555 666 777,
que exibiu.—

Inquirida sobre as suas relações de parentesco ou interesse com o arguido, o ofendido, o


assistente, as partes civis e outras testemunhas, bem como quaisquer outras circunstâncias
relevantes para avaliar a credibilidade do seu depoimento, nomeadamente relações de trabalho
com as pessoas referidas, disse: é amiga da ANTÓNIA ANSIOSA há 30 anos.—

Foi ainda advertida de que não é obrigada a responder a perguntas quando alegar que
das respostas resulta a sua responsabilização penal – artigo 132.º, n.º 2, do Código de Proces-
so Penal.

Não se procede ao registo áudio ou audiovisual por não existirem os meios técnicos
necessários.—

19
S. R.

PROCURADORIA DA REPÚBLICA – COMARCA DE PORTALEGRE


Departamento de Investigação e Acção Penal – Ponte de Sor
Sobre a matéria dos autos disse:

Conhece a ANTÓNIA ANSIOSA há cerca de 45 anos. Ela foi sua professora na escola
primária—

Não presenciou os factos dos autos.—

Sabe apenas que a ANTÓNIA ANSIOSA é pessoa muito bondosa e gentil, mas tem a
mania das doenças e está sempre a pensar que tem alguma coisa má e que vai morrer rapi-
damente. Ela não gosta de pessoas que não a tratam com grande deferência e não se inibe de
lhes dar um ralhete se lhe apetecer. Ou mesmo até uma bofetada, como fazia quando era sua
professora. O seu temperamento é muito explosivo. Isso tem vindo a agravar-se com a idade.
Ela diz que não tem paciência nem tempo de vida para aturar pirralhos mal-educados.—

Não obstante, a ANTÓNIA ANSIOSA é uma das pessoas mais altruístas que conhece.
Está envolvida em vários movimentos cívicos e de solidariedade social, não se importando de
passar necessidades para ajudar quem precisa, como sucedeu durante os momentos piores da
pandemia e mais recentemente com os refugiados da Ucrânia.--
A ANTÓNIA chegou a estar presa alguns meses antes do 25 de Abril por prestar auxílio
a jovens, seus antigos alunos, que se manifestavam contra a guerra no Ultramar.—

Mais não disse e lidas as suas declarações, as achou conforme, e assina.—

________________________________________________

Para constar se lavrou o presente auto que depois de lido e achado conforme vai ser en-
cerrado às 10:40 horas e devidamente assinado.

________________________________________________

20
REPÚBLICA PORTUGUESA

Ministério da Justiça
Direcção-Geral da Administração da Justiça
Certificado de registo criminal
NUIPC 123/22.3TAPDS

ARGUIDO
IDENTIFICAÇÃO
Nome: ANTÓNIA ANSIOSA
Filiação: António Ansioso e Amélia Ansiosa
Naturalidade (Freguesia e Concelho): Tramaga – Ponte de Sor
Data de nascimento: 02.02.1950
Estado civil: Viúva
Profissão: Professora (reformada)
Residência: Rua do Desespero, n.º 1, Ponte de Sor
Telefone: 245 111 111

REGISTOS

I. Condenação, por sentença do 1.º Juízo Criminal de Évora, de 15.06.2016, transita-


da em julgado em 15.12.2016, pela prática de um crime de ofensa à integridade físi-
ca simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, por factos de
24.10.2015, na pena de 60 de multa, à taxa diária de 7 €.

II. A pena foi declarada extinta pelo cumprimento em 15.09.2018.

I. Condenação, por sentença do Juízo Criminal de Portalegre, de 13.02.2019, transi-


tada em julgado em 25.06.2019, pela prática de um crime de resistência e coacção
sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal, por
factos de 12.11.2018, na pena de 1 ano de prisão, substituída por 120 dias multa à
taxa diária de 5 €.

21
BASE DE DADOS DE SUSPENSÕES PROVISÓRIAS DE PROCESSOS CRIME [DL 299/99, de 4/8]

NUIPC 123/22.3TAPDS

Foi efectuada pesquisa pelo nome do/a arguido/a usando os seguintes termos:

NOME: ANTÓNIA ANSIOSA

Cartão do Cidadão: 199199199

O resultado da pesquisa foi:

I.

Processo 999/21.7PAEVR

Departamento DIAP de Évora

Crime Desobediência a ordem de dispersão de reunião pública

Data dos factos 15.08.2021

Data da suspensão 23.01.2022

Duração da suspensão 6 meses

Injunções/Regras de Conduta Prestação de serviço de interesse público (30 horas)

Estado do processo Pendente

Data da pesquisa: 08-05-2022-15:10:20

22
Ex.mo Senhor Procurador da República

Departamento de Investigação e Acção Penal de Ponte de Sor

Data: 11.02.2022
Assunto: Informação
V/ Processo: 123/22.3TAPDS

Em resposta ao vosso ofício, somos a informar que o número de telefone 245 111 111 está
atribuído a contrato celebrado com ANTÓNIA ANSIOSA, titular do Cartão do Cidadão n.º
199199199, tendo sido instalado na Rua do Desespero, n.º 1, em Ponte de Sor.

Atentamente,

Departamento de Clientes Particulares

23
NUIPC 123/20.3TAEVR

Ex.mo. Senhor Juiz de Direito

Tribunal de Ponte de Sor

Eu, Bela Beatriz, venho por este declarar que perdoei a Senhora Antónia Ansiosa e não pre-
tendo mais o prosseguimento do processo, cujo arquivamento total requeiro.

Os meus cumprimentos,

24
NUIPC 123/20.3TAEVR

Ex.mo. Senhor Procurador da República

Tribunal de Ponte de Sor

A arguida Antónia Ansiosa vem arguir perante V. Exa. o seguinte:

1. As gravações dos telefonemas feitos pelo INEM são ilegais, pois foram feitos sem autori-
zação expressa da ora arguida. Constituem até crime previsto e punido pelo artigo 199.º, n.º
1, alínea a), do Código de Processo Penal.

Assim sendo, não podem ser utilizadas como prova, devendo ser excluídas do processo –
artigos 126.º, n.º 3, e 167.º do Código de Processo Penal.

2. Cumprindo ordem do Ministério Público, veio a Meo informar este processo que que o
número de telefone 245 111 111 está atribuído a contrato celebrado consigo e está instalado
na Rua do Desespero, n.º 1, em Ponte de Sor.

Ora, tais informações respeitam a telecomunicações, que assim foram violadas, em afronta
ao disposto no artigo 34.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, o que se tor-
na mais patente quando se inclui até localização celular. Note-se ainda que o número de te-
lefone em causa não é público, não surgindo em qualquer lista telefónica.

Tratando-se de violação de um direito fundamental, apenas o juiz de instrução poderia ter


proferido tal ordem – artigo 32.º, n.º 2, da Lei Fundamental.

Assim não tendo sucedido, tal prova é proibida, devendo ser excluída do processo, o que se
requer – artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Com os melhores cumprimentos,

Fernando Fernandes, Advogado,

25
39.º Curso Normal de Formação
Prova de Direito Penal e Processual Penal
Via Profissional
2.ª Chamada

Grelha de Correcção

I. APRECIAÇÃO DO REQUERIMENTO DO ADVOGADO DA ARGUIDA (2,0 v)

• Estando em fase de inquérito e sendo dirigido ao Procurador da República, deveria ser por
este apreciado. Podendo estar em causa proibições de prova, isso não impediria o
interessado de arguir tais vícios mais tarde perante o Juiz de instrução ou mesmo já na fase
de julgamento.

• Quanto à gravação dos telefonemas feitos para o INEM, houve consentimento da ora
arguida. Efectivamente, se, após ter sido informada de que os telefonemas são gravados
(como consta da participação), a arguida continuou as chamadas, consentiu tacitamente na
gravação, o que afasta a tipicidade objectiva do crime previsto e punido pelo artigo 199.º,
n.º 1, alínea a), do Código Penal. Assim, tais gravações são válidas como meio de prova –
artigo 167.º do Código de Processo Penal1.

• Contrariamente ao afirmado no requerimento, não há qualquer violação das


telecomunicações no que respeita à informação da Meo.

o Não há interferência ou conhecimento de qualquer conteúdo de telefonema, mas


apenas fornecimento de informação contratual, que não tem a protecção devida às
concretas comunicações;

o Também não há qualquer localização celular, que só poderia respeitar a concretas


comunicações.

o O regime de obtenção dessas informações não é o previsto na Lei n.º 32/2008, mas
sim o definido no artigo 14.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 109/2009, sendo competente
o Ministério Público para ordenar ao fornecedor de serviço a prestação dessa
informação.

• Pelo exposto, o requerimento deveria ser totalmente indeferido.

1
A gravação de comunicações de e para serviços públicos destinados a prover situações de emergência de qualquer
natureza está expressamente autorizada pelo artigo 4.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2004. Não se exige tal conhecimento nesta
prova por tal lei não constar do elenco daquelas cujos conhecimento foi indicado no aviso do presente concurso. Não
obstante, mesmo sem a aplicação dessa lei, as gravações eram prova válida, pelos fundamentos expostos.

1
• Se o candidato considerasse que o requerimento deveria ser apreciado pelo Juiz de
Instrução, deveria então determinar que o mesmo lhe fosse apresentado e desde logo se
pronunciar sobre o mesmo nos termos expostos.

II. APRECIAÇÃO DA DESISTÊNCIA DE QUEIXA APRESENTADA POR BB (2,0 v)

• Os factos denunciados são susceptíveis de integrar a prática pela arguida, em concurso


efectivo, de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelas disposições
conjugadas dos artigos 181.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, e de
um crime de abuso e simulação de sinais de perigo, previsto e punido pelo artigo 306.º
do Código Penal. O primeiro crime tem natureza semi-pública e o segunda, pública.

• A declaração feita por BB a folhas 24 constitui uma desistência de queixa.

• A arguida já tinha declarado não se opor a eventual desistência de queixa – folhas 15.

• Estando o processo em inquérito, cabe ao Ministério Público apreciar tal requerimento,


ainda que o requerimento seja dirigido ao Juiz.

• Deveria então ser homologada a desistência de queixa e nessa parte ser determinado o
arquivamento do inquérito nos termos do artigo 277.º, n.º 1, do Código de Processo
Penal.

• Tal despacho deveria ser comunicado a AA e a BB.

• O procedimento continuaria quanto ao crime de abuso e simulação de sinais de perigo,


por não ser dependente da vontade de BB.

III. REQUERIMENTO DE APLICAÇÃO DE PENA EM PROCESSO SUMARÍSSIMO

O inquérito contém indícios suficientes da prática pela arguida ANTÓNIA ANSIOSA de um crime de
abuso e simulação de sinais de perigo, previsto e punido pelo artigo 306.º do Código Penal.

A suspensão provisória do processo é inaplicável (artigo 281.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo
Penal), pois a arguida beneficiou já de suspensão provisória do processo por crime da mesma
natureza (o crime de desobediência a ordem de dispersão de reunião pública, previsto e punido
pelo artigo 304.º, n.º 1, do Código Penal) e não é de prever que o cumprimento das injunções e
regras de conduta pudessem responder suficientemente às exigências de prevenção especial que
no caso se sentem, como sucedeu com a anterior suspensão (artigo 281.º, n.º 1, alínea f), do Código
de Processo Penal).

No caso, o exercício da acção penal deve ser feito em processo sumaríssimo, pois, estando
verificados todos os seus pressupostos, deve privilegiar-se tal forma de processo especial (mais
simples) face à forma comum, e até à abreviada.

2
1. Introito (0,4 v)

• Indicação do tipo de processo (sumaríssimo)

• Identificação do requerente (Ministério Público)

• Indicação do que se requer (a aplicação de pena não privativa da liberdade)

• Identificação completa da arguida (nome completo, filiação, data, freguesia e concelhio de


nascimento, estado civil, profissão, número de identificação civil, morada)

2. “Acusação” (4,5 v)

2.1. Descrição dos factos imputados à arguida (ver proposta infra)

2.1.1. Consubstanciadores da prática do crime (elementos objectivos e subjectivos) (3,5 v)

2.1.2. Relevantes para a determinação concreta da pena (1,0 v)

• Condições socioeconómicas

• Características de personalidade

• Antecedentes criminais

• Suspensão provisória do processo

Proposta de descrição dos factos

1. No dia 9 de março de 2022, pelas 15H00, ANTÓNIA ANSIOSA, a partir do posto telefónico
com o n.º 245 111 111, instalado na sua residência, sita na Rua do Desespero, n.º 1, em
Ponte de Sor, efectuou uma chamada, via número 112, para o Centro de Orientação de
Doentes (CODU) do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).

2. O número 112 é o Número Europeu de Emergência, podendo ser utilizado por quem, em
caso de emergência, necessite de uma ambulância, de bombeiros ou da polícia. Os CODU
são responsáveis pela medicalização do Número Europeu de Emergência, sendo para eles
transferidos os pedidos de socorro efectuados por aquela via, referentes a situações de
urgência ou emergência na área da saúde.

3. No decurso de tal chamada telefónica, ANTÓNIA ANSIOSA, após proceder à sua


identificação, nomeadamente indicando ter 72 anos de idade, relatou ao técnico que a
atendeu um conjunto de sintomas compatíveis com infecção por COVID-19,
designadamente perda de olfacto, dores de cabeça intensas, crescentes dificuldades
respiratórias com agravamento nas últimas horas, manifestando, ainda, recear uma
iminente perda de consciência.

4. Face ao quadro sintomático relatado, e na convicção da sua veracidade, foi de imediato


mobilizada pelo INEM uma equipa de socorro médico integrada por uma ambulância e por

3
três técnicos – um motorista, uma médica e um paramédico – a qual saiu de Portalegre pelas
15H20, em direcção à residência da arguida, em Ponte de Sor, onde chegou pelas 16H00.

5. Entretanto, cerca das 15h30, ANTÓNIA ANSIOSA fez novo telefonema para o n.º 112,
atendido pelo CODU, tendo ela pedido urgência no auxílio, dizendo sentir-se cada vez pior.

6. ANTÓNIA ANSIOSA, todavia, não apresentava quaisquer dos sintomas que havia relatado,

7. tendo relatado o descrito quadro sintomatológico e efectuado o pedido de ajuda médica


apenas por pretender transporte por ambulância para uma consulta de cardiologia
agendada, em 18 de setembro de 2021, para as 16h00 desse dia no Hospital Distrital de
Portalegre.

8. Ao chegar ao contacto com ANTÓNIA ANSIOSA na residência desta, a equipa de urgência


médica logo constatou que a mesma não apresentava qualquer dos sintomas que descrevera
ao telefone,

9. o que motivou uma consequente recusa de disponibilização de transporte da mesma para


Portalegre.

10. Ao adoptar as condutas acima descritas, a arguida agiu livre, voluntária e conscientemente.

11. Representando e querendo accionar um dispositivo público de urgência e assistência


médica, o que logrou efectuar, mediante o relato de um quadro sintomatológico por si
ficcionado com vista a alcançar um objectivo que sabia não compreendido nas funções de
tal serviço público.

12. A arguida actuou sabendo proibidas por lei e criminalmente punidas as respectivas
condutas.

13. No dia 9 de março de 2022 estava-se ainda em período de alerta, no âmbito da pandemia
de COVID-19, determinado por Resolução do Conselho de Ministros.

14. O número de novos casos diários de COVID-19 era de cerca de 13 000 e havia cerca de 1000
pessoas internadas por essa doença.

15. Nessa data, ANTÓNIA ANSIOSA tinha 72 anos de idade, era viúva e vivia sozinha.

16. ANTÓNIA ANSIOSA é professora primária aposentada e aufere 1500 € mensais de pensão de
reforma.

17. É pessoa respeitada na comunidade, participando activamente em movimentos cívicos e de


solidariedade social.

18. ANTÓNIA ANSIOSA actuou motivada pela necessidade de providenciar transporte para uma
consulta de cardiologia em hospital público, ante a suspensão do transporte regular
providenciado pelo serviço local de bombeiros e o facto de, por ver muito mal, ter deixado
de poder conduzir automóveis.

19. A arguida assentiu na utilização nos autos do processo especial sumaríssimo.

20. A arguida foi condenada, por sentença do 1.º Juízo Criminal de Évora, de 15.06.2016,
transitada em julgado em 15.12.2016, pela prática de um crime de ofensa à integridade física

4
simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, por factos de
24.10.2015, na pena de 60 de multa, à taxa diária de 7€, tendo a pena sido declarada extinta
pelo cumprimento em 15.09.2018.

21. A arguida foi condenada, por sentença do Juízo Criminal de Portalegre, de 13.02.2019,
transitada em julgado em 25.06.2019, pela prática de um crime de resistência e coacção
sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal, por factos de
12.11.2018, na pena de 1 ano de prisão, substituída por 120 dias multa à taxa diária de 5 €.

22. No processo n.º 999/19.7PAEVR, a arguida, por factos praticados em 15/08/2021 e


integradores de crime de desobediência a ordem de dispersão de reunião pública, foi alvo
de decisão do DIAP de Évora, datada de 23/01/2022, que decretou a suspensão provisória
do processo, pelo prazo de seis meses, e ainda pendente, subordinada à injunção de
prestação de 30 horas de serviço de interesse público a favor da comunidade.

2.2. Disposições legais aplicáveis (1,5 v): Com a conduta acima descrita cometeu ANTÓNIA
ANSIOSA, como autora material e na forma consumada (artigos 14.º, n.º 1, 26.º, do Código Penal):

i. Um crime de abuso e simulação de sinais de perigo, previsto e punido pelo


artigo 306.º do Código Penal.

3. Prova (1,0 v)

3.1. Por declaração da arguida

i. Auto de interrogatório da arguida ANTÓNIA ANSIOSA perante


magistrado do Ministério Público – folhas 14-15;

3.2. Testemunhal (rol)

ii. Bela Beatriz, identificada a folhas 10;

iii. Carlos Cristóvão, identificado a folhas 12;

iv. Lurdes Lourosa, identificada a folhas 20;

3.3.Documental

i. Participação do INEM – folhas 1-3;

ii. CD com gravação de telefonemas – folhas 4;

iii. Verbete do INEM – folhas 5;

iv. Relatório de situação epidemiológica em Portugal em 09.03.2022 –


folhas 8;

v. Impressão de mapa – folhas 9;

vi. Declaração do Hospital Distrital de Portalegre – folhas 19;

5
vii. Certificado de registo criminal de ANTÓNIA ANSIOSA – folhas 23;

viii. Impressão de consulta à base de dados de suspensão provisória do


processo – folhas 24;

ix. Ofício da MEO-ALTICE (o número de telefone 245 111 111 está atribuído
a contrato celebrado com ANTÓNIA ANSIOSA, tendo sido instalado na
Rua do Desespero, n.º 1, em Ponte de Sor) – folhas 25.

4. Sanções penais concretamente propostas

4.1. Enquadramento legal e breve descrição da forma de processo especial sumaríssima. Breve
justificação da verificação dos seus pressupostos no caso (0,8 v)

4.2. Escolha da pena – artigo 70.º (pena de prisão) (2,0 v)

• Indicação da moldura (se não feito antes):

o Crime de abuso e simulação de sinais de perigo (artigos 306.º, 41.º,


n.º 1, e 45.º, n.º 1, do Código Penal):

▪ pena de prisão de 1 mês a 1 ano ou

▪ pena de multa de 10 a 120 dias.

• Menção ao artigo 70.º e depois ao 40.º, ambos do Código Penal (fins das
penas);

o Análise das necessidades de prevenção geral (NPG) e de prevenção


especial (NPE) e do concreto juízo sobre a possibilidade de a pena
de multa realizar ou não de forma adequada e suficiente as
finalidades da punição2:

▪ Crime de injúria:

• NPG – médio-elevadas: a criminalidade contra os


profissionais de saúde tem vindo a aumentar em
geral, num crescendo, devendo estes ser
merecedores de elevada protecção no tempo actual;

• NPE – médio-elevadas: a arguida regista duas


condenações, sendo uma delas pela prática de um
crime de resistência e coacção sobre funcionário
(com os factos ora praticados, revelador de uma
tendência de desconsideração pelos funcionários e
serviços públicos), tendo sido condenada em pena
de prisão, ainda que substituída; acresce que, e no

2
A inexistência da situação de urgência NÃO DEVE ser considerada, sob pena de violação do princípio da proibição da
dupla valoração (cfr. artigo 71º, n.º 2 do Código Penal).

6
que a este crime respeita, os factos foram praticados
no decurso da SPP pela prática de um crime de
difamação, crime que visa a protecção do mesmo
bem jurídico. Também a sua personalidade
impulsiva e reactiva eleva as NPE. Atenuando as NPE,
são relevantes a idade da arguida, a adesão ao
sumaríssimo (e com isso maior susceptibilidade de
eficácia da pena), a inserção sócio-profissional e a
personalidade (altruísta, corajosa, bondosa e gentil);

▪ Crime de abuso e simulação de sinais de perigo

• NPG – elevadas: tal asserção baseia-se não só no que


é relatado pelas testemunhas e pelo INEM (sobre o
número de chamadas com falsas situações de
alarme), mas, principalmente, no período em que os
factos ocorreram (com efeito, o bem jurídico
protegido pela norma carece de maior protecção
tendo em conta o estado de alerta declarado, em
face da situação de pandemia ainda existente, num
momento em que o número de internados era
ligeiramente superior 1000 e os novos casos diários
de doentes confirmados superavam os 12 000);

• NPE – médio-elevadas:

o Elevando:
▪ a arguida regista duas condenações,
sendo uma delas pela prática de um
crime de resistência e coacção sobre
funcionário (com os factos ora prati-
cados, revelador de uma tendência
de desconsideração pelos funcioná-
rios e serviços públicos, e pelos valo-
res de convivência em sociedade),
tendo sido condenada em pena de
prisão, ainda que substituída;
acresce que, e no que a este crime
respeita, os factos foram praticados
no decurso da SPP pela prática de
um crime de desobediência a ordem
de dispersão de reunião pública,
crime que visa a protecção do
mesmo bem jurídico. Também a sua
personalidade impulsiva e reactiva
eleva as NPE.
▪ É ainda relevante a indiferença face à
possibilidade de estar a privar ou-
tros, efectivamente doentes, do

7
acesso a serviços de urgência mé-
dica. Em interrogatório, a arguida
não demonstrou ter compreendido a
gravidade da sua conduta.
o Atenuando as NPE, são relevantes:

▪ Idade da arguida;

▪ Adesão ao sumaríssimo e admissão


destes factos (e com isso maior
susceptibilidade de eficácia da pena);

▪ Inserção sócio-profissional;

▪ Personalidade: altruísta, corajosa,


bondosa e gentil;

▪ Há que concluir que a pena de multa não realizaria de forma


adequada e suficiente as finalidades da punição – nem a pena
de multa de substituição aplicada pelo crime de resistência e
coacção sobre funcionário, nem a injunção de prestação de
serviço de interesse público pelo crime de difamação foram
suficientes e adequadas a manter a arguida com conduta
conforme ao Direito.

4.3.Medida da pena (2,0 v)

• Menção ao artigo 71.º e análise concreta das circunstâncias do caso (ainda


não analisadas em sede de necessidades de prevenção geral e especial),
nomeadamente a culpa.

o Culpa – aspectos relevantes:

▪ Deve ser tido em consideração, em sentido desfavorável,


que a arguida accionou meios de emergência com o fito de
solucionar uma necessidade própria de deslocação, pro-
blema para o qual poderia não só ter objectivamente forma
de o solucionar, como pessoalmente tinha meios de o fazer,
pois a arguida foi professora e tinha meios económicos para
ir de táxi.
▪ Nisso revelou sentimento egoísta (não querendo saber das
necessidades de outros que realmente necessitassem de as-
sistência do INEM).
▪ O dolo directo eleva a culpa;
▪ A sua formação também eleva a culpa: tem formação supe-
rior e, tendo sido professora primária, tem especial dever de
usar adequadamente os serviços públicos.
▪ Merece ainda particular censura as condenações anteriores
(são processos de ressocialização que ela não aproveitou, as-
pecto da sua personalidade que deve ser censurado).

8
▪ Não obstante, não se pode esquecer que se trata de pessoa
de idade provecta (72 anos, com o sentimento de fragilidade
que isso acarreta) , que vive sozinha, que efectivamente ti-
nha há meses consulta marcada, que sofre de "hipocondria"
(diz a LL que ela tem a mania das doenças e está sempre a
pensar que tem alguma coisa má e que vai morrer rapida-
mente), o que poderá ter toldado a sua capacidade de dis-
cernimento (de avaliação da situação) e de ação.
▪ A censura (CULPA) é assim mediana.
• Pena (aproximadamente)

o Crime de abuso e simulação de sinais de perigo (artigos 306.º, 41.º,


n.º 1, e 45.º, n.º 1, do Código Penal):

▪ pena de prisão de 6 meses;

4.4.Substituição da pena de prisão (1,0 v) – concreta fundamentação de que a simples censura do


facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição
(sendo relevante o facto de a arguida estar inserida socialmente, de nunca ter cumprido pena
efectiva de prisão e a conduta que assumirá com a aceitação da pena)

• Afigura-se como inadequada a pena de multa de substituição (que foi


aplicada no processo de Portalegre) e a de prestação de trabalho a favor da
comunidade (conteúdo idêntico ao da suspensão provisória do processo,
que igualmente não teve sucesso);

• Afigura-se como mais adequada a suspensão de execução da pena de prisão


com regime de prova

o Deveres

▪ Entrega de quantia (cerca de 500€) a instituição particular de


solidariedade social;

o Conteúdo mínimo do plano de reinserção social:

▪ Frequência de programa de treino de competências pessoais


e emocionais, a elaborar pela DGRSP;

▪ Responder a convocatórias do juiz titular do processo e do


técnico de reinserção social;

▪ Receber visitas do técnico de reinserção social;

▪ …

• Em qualquer caso:

o Devem ser especificados os fundamentos da suspensão e das suas


condições;

9
o Deve ser fixado o período de suspensão (entre um e cinco anos),
afigurando-se que deverá ter duração que permita a realização do
curso (pelo menos 1 ano e 6 meses);

o Deve ficar expresso que a suspensão da execução da pena de prisão


será revogada sempre que, no seu decurso, a condenada infringir
grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta
impostos ou o plano de reinserção social; ou cometer crime pelo
qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que
estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser
alcançadas. A revogação determina o cumprimento da pena de
prisão fixada na sentença – artigo 56.º do Código Penal.

4.5.Síntese da pena proposta (0,5 v)

«Por tudo o que fica exposto, o Ministério Público requer que a arguida ANTÓNIA
ANSIOSA:

a. pela prática do crime de … , seja condenada na pena de…;

b. que essa pena se substituída pela pena de …

Menção à necessidade de se solicitar à Direção-Geral de Reinserção e Serviços


Prisionais a elaboração de proposta de plano de reinserção social.

Menção às consequências do não cumprimento da pena de substituição – artigo 56.º


do Código Penal.

5. Indicação da medida de coacção a que a arguida deve ficar sujeita no decurso do processo (termo
de identidade e residência, não existindo agora qualquer necessidade cautelar) (0,2 v)

6. Remessa dos autos à distribuição como processo sumaríssimo (0,1 v)

10
38.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via académica

1.ª chamada – 23 de outubro de 2021

Grelha de correção

As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para
cada uma das questões formuladas.

Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Caso I- A

Ø Questão I Ø 3 valores
Ø Questão II Ø 5 valores: a) 0,5 valores; b) 0,5 valores; c)
2 valores; d) 2 valores
Caso I – B

Ø Questão I Ø 1,5 valores


Ø Questão II Ø 2,5 valores

Caso II

Ø Questão I Ø 2 valores
Ø Questão II Ø 6 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

1. CASO I-A • Qualificar o contrato que Madalena celebrou com Manuel como contrato de
prestação de serviço, sujeito ao regime dos artigos 1154.º e segs. do Código Civil.
Questão I Neste quadro contratual, mencionar que cabia a Manuel acompanhar Madalena nos
exercícios que esta executava, sob a sua orientação e fiscalização, identificando, em
especial, os deveres de vigilância e de prevenção de perigo que sobre aquele
impendiam.

• Referir que Manuel não supervisionou um dos exercícios que cabia a Madalena
executar, e que requeria acompanhamento e auxílio especial, incumprindo, assim, os
deveres a que estava adstrito (artigo 798.º do Código Civil). Tal conduta presume-se
culposa (artigo 799.º do Código Civil), não havendo elementos de facto que permitam
afastar a presunção. Concluir, assim, que Manuel incorreu em responsabilidade
obrigacional.

• Tendo ocorrido uma lesão na integridade física de Madalena, identificar também a


possibilidade de imputação no âmbito da responsabilidade delitual, convocando o
disposto no artigo 483.º do Código Civil.

• Referir que a queda de Madalena é objetivamente imputável a Manuel, sobre quem


recaía, por força do contrato, o dever de atuar de forma a obstar àquele resultado,
reconduzindo a relevância desse comportamento omissivo ao disposto no artigo 486.º
do Código Civil. Concluir pela natureza culposa (negligente) da omissão, porquanto
Manuel, treinador experiente, descurou o acompanhamento e atenção que lhe eram
exigidas e que estava em condições de observar.

• Equacionar a qualificação da atividade em causa como perigosa, nos termos e para os


efeitos do disposto no artigo 493.º, n.º 2 do Código Civil.

• Identificar a problemática atinente ao concurso de títulos de fundamentação da


responsabilidade e equacionar uma solução, à luz das teses defendidas pela
Jurisprudência e pela Doutrina: prevalência da responsabilidade obrigacional, face à
sua especialidade; possibilidade de Madalena se valer, à sua escolha, de qualquer um
daqueles regimes, ou de ambos, combinando regras das duas modalidades de
responsabilidade civil.

Questão II • Considerar que todas as despesas efetuadas por Madalena, na sequência da queda
sofrida, se enquadram no âmbito do dano emergente - dano patrimonial correspondente
ao prejuízo, avaliado pecuniariamente, gerado na situação económica da lesada,
concluindo pela viabilidade da pretensão (artigos 562.º, 563.º, 564.º, n.º 1, primeira parte
e 566.º, todos do Código Civil).

• Enquadrar esta pretensão no âmbito do dano não patrimonial, cuja reparação obedece a
juízos de equidade (artigo 496.º, n.ºs 1 e 4 do Código Civil). Concluir pela viabilidade da
pretensão, quanto às dores físicas; no que respeita aos incómodos, problematizar a
ressarcibilidade em função da respetiva gravidade, à luz de um critério objetivo.
• Reconduzir esta pretensão à figura do dano patrimonial da perda de chance.
Problematizar, à luz da Doutrina e da Jurisprudência, a possibilidade de valoração da
chance/oportunidade como um bem autónomo, bem como a ressarcibilidade da
respetiva perda. Na afirmativa, ponderar a atribuição de indemnização, com recurso à
equidade e avaliando a seriedade da chance, mas ficando necessariamente abaixo do
valor peticionado, porque o dano sofrido é uma mera perda de oportunidade. Concluir,
assim, que, em todo o caso, a atribuição da totalidade da quantia reclamada por
Madalena seria inviável.

• Enquadrar esta pretensão, autonomizando-a da anterior, no âmbito do dano não


patrimonial da perda de chance, problematizando se tal dano é indemnizável, nos termos
acima referidos. Na afirmativa, equacionar se o desalento e desgosto, por não ter obtido
o reconhecimento público e prestígio que resultariam da sua vitória no concurso,
preenchem o critério de gravidade previsto no artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil,
concluindo em conformidade no que respeita à viabilidade da pretensão.

2. CASO I-B
• Considerar que Manuel se defende por exceção perentória, uma vez que invoca factos
Questão I novos suscetíveis de impedir o efeito jurídico dos factos articulados pela Autora,
podendo determinar a improcedência total ou parcial do pedido (artigos 571.º, n.º 2,
segunda parte, 576.º, n.º 3 e 579.º do Código de Processo Civil e 572.º do Código
Civil). Com efeito, os novos factos por si aduzidos são passíveis de configurar a
aplicação do regime previsto no artigo 570.º do Código Civil, o que pode resultar
numa redução ou mesmo exclusão da indemnização peticionada.

Questão II • Identificar o contrato como contrato de seguro de responsabilidade civil não


obrigatório, sujeito ao Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo D.L. n.º
72/2008, de 16 de abril (RJCS).

• Considerar que o Réu poderia provocar a intervenção principal da seguradora caso se


verificasse o disposto no n.º 2 ou no n.º 3 do artigo 140.º do RJCS, devendo neste caso
a pretensão ser deferida.

• Não se verificando o disposto no n.º 2 ou no n.º 3 do artigo 140.º do RJCS, o contrato


de seguro apenas confere à seguradora um interesse processual secundário, pelo que,
nesse caso, esta apenas poderia intervir por via do incidente de intervenção acessória,
à luz dos artigos 321.º e segs. do Código de Processo Civil, como auxiliar do
Réu/lesante. Equacionar a possibilidade de convolação do incidente para uma
intervenção da seguradora como parte acessória, ao abrigo dos artigos 6.º, n.º 1, e
193º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
3. CASO II • Referindo que se trata de uma sociedade comercial por quotas (artigo 197.º do Código
das Sociedades Comerciais), identificar como atos relevantes do referido processo os
Questão I seguintes: Ato constitutivo inicial; Registo; Publicação.

• Quanto aos efeitos do ato constitutivo inicial (contrato escrito, com assinaturas
reconhecidas presencialmente - artigos 1º, n.º 2 e 7º do Código das Sociedades
Comerciais), referir que, após a assinatura do contrato de sociedade, e até ao registo
definitivo:
- Nas relações entre os sócios, aplicam-se as regras estabelecidas no contrato e no Código
das Sociedades Comerciais, salvo as que pressuponham o contrato definitivamente
registado (artigo 37º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais e artigo 13.º, n.º 2, do
Código de Registo Comercial);
- Nas relações com terceiros, vale o regime de responsabilidade previsto no artigo 40º do
Código das Sociedades Comerciais;
Diferentemente, antes da assinatura do contrato de sociedade (sociedade irregular ou
imperfeita), podem aplicar-se as disposições sobre sociedades civis (artigo 36.º, n.º 2, do
Código das Sociedades Comerciais e artigos 980º e seguintes do Código Civil).
Mencionar que, até ao registo definitivo do contrato de sociedade, é reconhecida
personalidade judiciária às sociedades comerciais pela alínea d) do artigo 12.º do Código
de Processo Civil.

• Quanto aos efeitos do registo:


Identificar a aquisição de personalidade jurídica como efeito do registo definitivo do
contrato, referindo que a constituição da sociedade comercial é facto sujeito a registo
obrigatório (artigos 5º e 166º do Código das Sociedades Comerciais, e 3º, n.º 1 al. a) e
15º, n.º 1 do Código de Registo Comercial).
Identificar ainda, como decorrência do registo definitivo do contrato, a assunção pela
sociedade de negócios anteriores ao registo, nos termos estabelecidos no artigo 19º, n.º
1 do Código das Sociedades Comerciais.

• Quanto aos efeitos da publicação:


Identificar como efeito da publicidade conferida ao registo a eficácia em relação a
terceiros do ato de constituição da sociedade (artigos 14º, nºs 2 e 4 do Código de Registo
Comercial e 168º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais), referindo a publicação
obrigatória do ato de registo que respeite, como é o caso, a sociedades por quotas
(artigos 70º, n.º 1 al. a) do Código de Registo Comercial e 166º do Código das Sociedades
Comerciais).
Questão II • Situar a realização do negócio em causa (compra e venda comercial) no período
compreendido entre a celebração do contrato de sociedade e o seu registo definitivo

• Defesa da Ré Toada com Ritmo, Lda.:


Considerar a previsão do artigo 40.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais,
reconhecendo, no entanto, em conformidade com a posição da maioria da Doutrina,
acompanhada por Jurisprudência, a possibilidade de responsabilização do património
social nesta situação.
Em conformidade com esta posição, a defesa da Ré Toada com Ritmo, Lda. improcede, na
medida em que sustentava a responsabilidade exclusiva do sócio Bento

• Defesa da Ré Antónia:
Sustentar que, perante a A. Sempre a Musicar, Lda., a R. Antónia não será responsável,
uma vez que não interveio no negócio nem o autorizou (artigo 40.º, n.º 1, do Código das
Sociedades Comerciais).
Quanto à responsabilidade exclusiva de Bento, sustentada por esta Ré, v. supra, Defesa
da Ré Toada com Ritmo, Lda.

• Defesa do Réu Bento:


Mencionar que, ao contrário do sustentado por este Réu, ele próprio será responsável
perante a A. Sempre a Musicar, Lda., uma vez que agiu em representação da sociedade,
tratando-se de uma responsabilidade ilimitada pelas obrigações emergentes do negócio
(artigo 40º, n.º 1, 1.ª parte, do Código das Sociedades Comerciais).
Face aos elementos do enunciado, afastar a possibilidade de assunção pela Toada com
Ritmo, Lda. deste negócio anterior ao registo (artigo 19.º, n.ºs 1 e 4, do Código das
Sociedades Comerciais).
Assim, concluir que a defesa do Réu Bento improcede, na medida em que não pode
sustentar-se a responsabilidade exclusiva da sociedade Toada com Ritmo, Lda.
Problematizar, nomeadamente convocando o disposto no artigo 36º, n.º 2, do Código das
Sociedades Comerciais, se o sócio Bento poderá beneficiar da excussão prévia do
património social. Concluindo pela afirmativa, sustentar que Bento apenas responderá
caso tal património não se revele suficiente.
38.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via académica

2.ª chamada – 28 de outubro de 2021

Grelha de correção

As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para cada uma
das questões formuladas.

Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Caso I – A

Ø Questão 1. Ø 2 valores
Ø Questão 2. Ø 6 valores

Caso I – B Ø 4 valores

Caso II

Ø Questão 1. Ø 4 valores: a) 2 valores; b) 2 valores


Ø Questão 2. Ø 4 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

CASO I-A • Qualificar o contrato celebrado entre as duas sociedades como contrato de prestação
de serviços, sinalagmático e oneroso (artigo 1154.º do Código Civil).
QUESTÃO
1. • Face à qualidade das partes, ambas comerciantes por serem sociedades comerciais, e
aos fins visados com o almoço comemorativo, concluir que se trata de contrato
comercial (artigos 2.º, 2.ª parte e 13.º, 2.º, do Código Comercial).

QUESTÃO • A sociedade “Festas & Banquetes, Lda.” pretende o pagamento integral da retribuição
2. acordada, nos termos previstos nos artigos 1156.º e 1167.º, alínea b), do Código Civil.

• Enquadrar a situação no âmbito do cumprimento defeituoso do contrato por parte da


Autora, por existir uma desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada,
em medida relevante, considerado o quadro contratual intencionado pelas partes
(realização de um almoço comemorativo, em ambiente profissional e festivo, num
espaço adequado). Assim, concluir que a prestação devida pela Autora compreendia,
além do mais, a adequada climatização da sala, considerada a época estival em que o
evento teve lugar.

• Alegar que, nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, o incumprimento se
presume culposo, incumbindo ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o
cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.

• Analisar a questão da falha de energia à luz do conceito de caso de força maior,


considerando que este tem subjacente a ideia de inevitabilidade. Face aos dados do
enunciado, assinalar que a falta de energia verificada no momento da execução do
contrato não era um facto imprevisível, dada a frequência com que ocorria naquela
zona.

• A Autora, fornecedora de banquetes, não podendo evitar a sua ocorrência, podia e


devia ter evitado as suas consequências; tanto mais que dispunha de um gerador nas
suas instalações, que assegurava as situações de falha de eletricidade, mas que não
funcionou por estar há meses avariado.

• Concluir que, no caso concreto, os pressupostos atinentes ao caso de força maior não se
mostram reunidos, não podendo afastar-se o caráter defeituoso da prestação da
Autora.

• Considerada a relevância da data de realização do evento, concluir pela impossibilidade


parcial culposa da prestação a cargo da Autora, tendo a Ré aceite o cumprimento do
que foi possível (o legal representante da Ré e alguns convidados permaneceram até ao
final e levaram consigo a comida não consumida). Assim, tem a Ré a faculdade de
reduzir a sua contraprestação – artigo 802.º, n.º 1, do Código Civil.
• Quanto à redução da contraprestação, atender, por um lado, à natureza e à gravidade
do defeito da prestação da Autora, considerado o evento em concreto e o seu relevo
para a Ré (incluindo o facto de os convidados do almoço serem os seus principais
clientes e fornecedores); por outro lado, ao facto de o serviço ter sido parcialmente
prestado e a comida totalmente disponibilizada.

• Concluir pela viabilidade apenas parcial da pretensão da Autora.

CASO I-B • Face aos dados do enunciado, qualificar a outorga da procuração como ato de
atribuição de poderes de representação em juízo da sociedade (artigo 262.º, n.º 1, do
Código Civil e artigo 43.º, alínea a), do Código de Processo Civil).

• Assinalar que a sociedade “Festas & Banquetes, Lda.” se vincula, nos termos do seu
contrato e registo, pela assinatura de dois gerentes (artigo 252.º do Código das
Sociedades Comerciais) e que, nos termos do artigo 25.º do Código de Processo Civil, a
sociedade é representada por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem.

• Considerar que a menção aos gerentes Manuel Sousa e Miriam Teixeira, no pacto social,
depõe no sentido de uma indicação nominal, pelo que, faltando a segunda por renúncia,
ocorreu a caducidade da cláusula do contrato que exige a assinatura dos dois gerentes
(artigo 253.º, n.º 3 Código das Sociedades Comerciais). Concluir, desse modo, pela
regularidade da procuração.

• Numa outra possibilidade de solução, qualificar a representação da sociedade em juízo


como ato de administração, próprio da competência dos gerentes (artigo 192.º, n.º 1
Código das Sociedades Comerciais ou artigos 985.º e 996.º do Código Civil), concluindo,
bem assim, que a procuração é regular.

CASO II • Assinalar que a prova deve ser apresentada com os articulados (artigo 552.º, n.º 6, do
Código de Processo Civil, quanto à petição inicial).
QUESTÃO
1. • Reconhecer que a lei admite, em sede de audiência prévia, a alteração do requerimento
alínea a) probatório e o aditamento ou alteração do rol de testemunhas (artigo 598.º, n.ºs 1 e 2,
do Código de Processo Civil).

• Aferir da possibilidade de ser apresentado rol de testemunhas na audiência prévia


quando com os articulados foi apenas indicada prova documental, tomando posição
sobre a questão.

• Qualificar este requerimento como uma alteração admissível do requerimento


probatório apresentado com a petição inicial (artigo 598.º, n.º 1 do Código de Processo
Civil).

alínea b) • Identificar e caracterizar o meio de prova verificação não judicial qualificada (artigo
494.º do Código de Processo Civil).

• Analisar os objetivos visados pelo requerente, concluindo que estes não se adequam ao
meio de prova requerido, mas antes se inserem no âmbito da prova pericial (artigos
388.º do Código Civil e 467.º e segs. do Código de Processo Civil), explicitando a
diferença entre estes dois meios de prova.

• Problematizar a possibilidade de o tribunal determinar, ao invés do requerido, a


produção de prova pericial, situando a questão na operatividade, dimensão e limites do
princípio do inquisitório, bem como no princípio da gestão processual (artigos 411.º e
6.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

QUESTÃO
2. • Qualificar estes meios de prova como provas pré-constituídas, enquadráveis no conceito
amplo de prova documental (artigo 362.º do Código Civil).

• Considerar, no que respeita às cópias de mails que, estando em causa comunicações


entre as partes, a sua junção não representa qualquer violação do sigilo de
correspondência, uma vez que nenhum elemento depõe no sentido do respetivo caráter
sigiloso (artigos 75.º, n.º 1, a contrario, e 78.º do Código Civil).

• Relativamente às cópias de mensagens de texto, trocadas entre a Ré e um terceiro, e


apresentadas sem autorização dos intervenientes, qualificar esta prova como prova
ilicitamente obtida, por ingerência nas comunicações (artigo 194.º do Código Penal).

• Identificar a problemática atinente à admissibilidade em processo civil de meios de


prova ilicitamente obtidos, à luz das teses defendidas pela Jurisprudência e pela
Doutrina, e em face da falta de previsão legal expressa. Tomar posição quanto à decisão
a proferir, em coerência com a fundamentação expendida.

• Relativamente à falta de assinatura, qualificar os mails e as mensagens de texto, em si,


como documentos eletrónicos (Decreto-Lei n.º 12/2021, de 9 de fevereiro e artigo 362.º
do Código Civil).

• Identificar e caracterizar as cópias de um documento eletrónico (artigos 3.º, n.º 11, do


Decreto-Lei n.º 12/2021, de 9 de fevereiro e 387.º, n.º 2, do Código Civil).

• Identificar a questão autónoma da assinatura de um documento eletrónico, as suas


diversas modalidades e valor probatório (artigo 3.º, n.ºs 2 a 5, 9 e 10, do Decreto-Lei n.º
12/2021, de 9 de fevereiro).

• Concluir que a circunstância de um documento não se mostrar assinado não constitui


fundamento de desentranhamento, relevando antes em sede de atribuição de valor
probatório (v. artigo 366.º do Código Civil).
38.º CURSO
PROVA DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA

GRELHA DE CORREÇÃO

GRUPO I

Factos Notas de Correção Valor


1. BERNARDO, que não conseguia arranjar forma A conduta de BERNARDO poderia ser suscetível 2
de sustento, começa, em abril de 2019, e até de ser integrada no tipo-legal de crime de
à sua detenção em 22 de outubro 2019, a traficante-consumidor, p. e p. pelo artigo 26.º,
vender heroína e cocaína, a mando de DIOGO, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por
a troco de uma percentagem das vendas referência às tabelas anexas I-A e I-B.
suficiente para prover à sua alimentação e do Porém, BERNARDO detinha a quantidade de 20
seu agregado e das doses necessárias para o gramas de cocaína-cloridrato, o que excede a
seu consumo, nas imediações do café "Café quantidade necessária para o consumo
da Vila", em Pombal. individual durante o período de 5 dias (v.
Tabela Anexa à Portaria n.º 94/96, de 26 de
Março: 20 gramas com uma percentagem de
50% de princípio ativo são 50 doses médias
individuais). Logo por força do n.º 3 do artigo
26.º (que dispõe que "Não é aplicável o
disposto no n.º 1 quando o agente detiver
plantas, substâncias ou preparações em
quantidade que exceda a necessária para o
consumo médio individual durante o período
de cinco dias"), está afastada a aplicação desse
crime.
Tem sido objeto de controvérsia doutrinal e
jurisprudencial a definição de critério para
aferir a intenção do agente. Não obstante a lei
referir expressamente que o agente terá de ter
como finalidade exclusiva a satisfação do seu
próprio consumo, há quem entenda que tal
deverá entender-se como “finalidade
principal”, pois muitos dos consumidores-
traficantes obtêm com o tráfico proveitos para
a sua subsistência básica – alimentação, etc.) –
assim, Moraes Rocha, Vítor Paiva, Maia Costa.
Contra tem estado a generalidade da
jurisprudência (cfr. STJ 02.06.1999, p. 99P015;
STJ 23.11.2011, P. 127/09.3PEFUN.S1), Tolda
Pinto e Pedro Patto.
Note-se que se pode colocar a questão de
saber se, tendo a detenção para consumo de
doses de estupefacientes que não excedam o
consumo médio individual durante o período
de 10 dias passado a constituir
contraordenação, deve, para coerência do
sistema, fazer-se uma interpretação atualista
do n.º 3 deste artigo 26.º, ampliando-se de 5
para 10 o número de dias. Nesse sentido, Pedro
Vaz Pato, Vítor Paiva, Cristina Líbano Monteiro,
Lourenço Martins, Artur Matias Pires e os Acs.
STJ 20.03.2002, P. 01P4013 (Lourenço Martins)
e STJ 09.10.2003, P. 03P31710 (Simas Santos).
Contra, Rui Cardoso. Essa questão, porém,
acaba por não ser relevante devido ao número
de doses em causa.

Há então que enquadrar a conduta de


BERNARDO no crime de tráfico de
estupefacientes (artigo 21.º, n.º 1) ou no crime
de tráfico de estupefacientes de menor
gravidade [artigo 25.º, alínea a)], em qualquer
dos casos por referência às tabelas I-A e I-B
anexas ao DL 15/93.
O DL 15/93 prevê um tipo base de crime de
tráfico de estupefacientes: aquele que está
descrito no artigo 21.º. Prevê depois certas
circunstâncias atinentes à ilicitude, que
agravam (artigo 24.º) ou atenuam (artigo 25.º)
a pena prevista para o crime base. O artigo 21.º
cobre os casos de média e elevada gravidade; o
24.º, os casos de excecional gravidade; o 25.º,
os de pequena gravidade, normalmente de
pequeno tráfico de rua. Para a apreciação da
existência dessa ilicitude consideravelmente
diminuída há que atender aos meios utilizados,
à modalidade ou as circunstâncias da acão, à
qualidade ou à quantidade das plantas,
substâncias ou preparações (elenco
meramente exemplificativo), circunstâncias
que devem ser apreciadas de forma global e
não isoladamente (Ac. STJ 12-03-2015, P.
7/10.OPEBJA.S1, Armindo Monteiro).
No caso, as circunstâncias relevantes são,
elevando a ilicitude, o tipo de drogas (cocaína e
heroína, com alto poder ofensivo do bem
jurídico saúde pública), a quantidade
apreendida (20 gramas – 50 doses individuais)
e os cinco meses em que diariamente as vendas
ocorreram; porém, trata-se de um caso de
venda direta a consumidores, ou seja, na base
das cadeias de tráfico, com lucros escassos
(apenas os necessários para prover à sua
alimentação e do seu agregado); desconhece-
se ainda que quantidades foram transacionadas
nesse período, quantas vendas foram feitas e a
quantas pessoas.
Posto isto, nesta prova aceita-se como
defensáveis ambas as posições, tudo
dependendo da argumentação jurídica utilizada
e da capacidade evidenciada na identificação
das circunstâncias relevantes.

2. BERNARDO, que não conseguia arranjar forma Quanto a DIOGO, há igualmente que apreciar se 1
de sustento, começou, em Abril de 2019, a incorreu no crime do artigo 21.º, n.º 1, ou do
vender heroína e cocaína, a mando de DIOGO. artigo 25.º, alínea a), ambos do DL 15/93, de 22
No dia 23 de outubro de 2019, Diogo tinha de Janeiro.
consigo um saco plástico contendo 49 gramas Vale aqui o supra referido em termos de
de heroína. enquadramento jurídico quanto a esses dois
crimes.
Porém, as circunstâncias sofrem aqui alteração
relevante, na medida em que é DIOGO o dono
do negócio e que foi detido na posse da
significativa quantidade de 49 gramas de
heroína.
Afigura-se, pois, que cometeu um crime de
tráfico de estupefacientes, previsto e punido
pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, com
referência às tabelas anexas I-A e I-B.

3. DIOGO parou e enfrentou o Agente GUSTAVO, a. 1,5


ao mesmo tempo que empunhou uma Com estas condutas, DIOGO cometeu, como
pistola semi-automática Browning, de calibre autor material, um crime de resistência e
7,65 mm, que tinha consigo, não tendo coação sobre funcionário, previsto e punido
licença, e apontou na direção de GUSTAVO. pelas disposições conjugadas dos artigos 347.º,
n.º 1, do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º
Sucede, porém, que, ao contrário do que
5/2006, de 23.II, e ainda, na forma tentada, um
DIOGO supunha, a arma não estava municiada.
crime de homicídio qualificado, previsto e
punido pelas disposições conjugadas dos
Momentos depois, não obstante o disparo
artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas g) e l),
para o ar de FERNANDO, DIOGO não largou a
22.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), e 23.º todos do
arma, continuando a empunhá-la [na direção
Código Penal, e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006,
de GUSTAVO] e começou a pressionar o
de 23.II.
gatilho, pretendendo atingir GUSTAVO com um
Note-se que DIOGO pretendia atingir e
projétil para o matar e assim conseguir fugir.
matar GUSTAVO, o que apenas não
conseguiu por, contrariamente ao que
supunha, a pistola não estar municiada.
Trata-se de situação de tentativa impossível
punível, pois não era manifesta para DIOGO
a inaptidão do meio empregado (pela mera
análise visual externa não se poderia
conhecer a inexistência de munições).
b. 1,5
Deve apreciar-se se é efectivo o concurso entre
estes dois crimes.
Responde afirmativamente Cristina Líbano
Monteiro, Comentário Conimbricense ao
Código Penal, Tomo III, pp., 347-348.
Em sentido contrário, sendo aparente o
concurso, subsistindo o crime de homicídio,
pode argumentar-se que o n.º 2 do artigo
347.º tem uma cláusula de subsidiariedade
expressa que vale implicitamente para o n.º
1 (assim, Paulo Pinto de Albuquerque,
Comentário do Código Penal, 4.ª ed., p.
1178-1179, e Monteiro Ramos aí citado).
Pode ainda invocar-se a existência de
unidade de sentido do ilícito global, a
unidade de desígnio criminoso, a quase
simultaneidade temporal das duas
condutas típicas (critérios avançados por
Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral,
Tomo I, 2019, pp. 1180 e ss.).

c. 1
DIOGO cometeu ainda, como autor material e
na forma consumada, e em concurso efetivo
com esse(s) crime(s), um crime de detenção de
arma proibida – artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da
Lei n.º 5/2006, de 23.II, por referência aos
artigos 2.º, n.º 1, alíneas p), q) e ae), e 3.º, n.º
3, alínea b), da mesma lei.
Note-se que o facto de pistola não estar
municiada não é relevante para afastar
qualquer dos crimes (ainda que não
municiada, a pistola é meio adequado a
ameaçar gravemente Gustavo, que ignora a
ausência de munições, e o municiamento
não é elemento típico do crime de
detenção de arma proibida).
4. FERNANDO, ao ver que DIOGO estava a apontar A conduta de FERNANDO integra a factualidade 1,5
uma arma ao seu colega, efetuou, com a sua típica objetiva do crime de ofensa à integridade
pistola de serviço, um disparo para o ar. física simples, previsto e punido pelo artigo
Porém, DIOGO não largou a arma, 143.º, n.º 1, do Código Penal, com a agravação
continuando a empunhá-la [na direção de prevista no artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006,
GUSTAVO] e começou a pressionar o gatilho, de 23.II.
pretendendo atingir GUSTAVO com um projétil Porém, FERNANDO atua porque se apercebe que
para o matar e assim conseguir fugir. Ao se DIOGO se prepara para disparar sobre GUSTAVO,
aperceber de tudo isto, FERNANDO efetuou um desconhecendo que a arma empunhada por
disparo na direção de DIOGO, tendo o projétil FERNANDO não está municiada. Está, pois, em
atingido a perna deste, acabando DIOGO por situação de erro sobre um estado de coisas
cair ao chão e ser detido. que, a existir, excluiria a ilicitude do seu facto
(seja o disposto nos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, 3.º,
n.º 2, alínea a), do DL 457/99, seja o disposto
nos artigos 31.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), e 32.º
do Código Penal) – artigo 16.º, n.º 2, do Código
Penal. O dolo da sua conduta é assim excluído –
n.º 1 do mesmo artigo.
O n.º 3 ressalva a punibilidade da negligência
nos termos gerais. Não existe, porém, a
violação de qualquer dever de cuidado por
parte de FERNANDO, cuja conduta está conforme
ao exigido pelo Decreto-Lei n.º 457/99, nos
seus artigos 2.º a 4.º, sendo por isso afastada a
negligência (artigo 15.º do Código Penal).
5. No dia 10 de Novembro de 2019, cerca das ANA comete, como autora material e na forma 2
01h00 horas, CAROLINA chorava consumada, um crime de ofensa à integridade
incessantemente e todas as tentativas de ANA física qualificada, agravada pelo resultado
para a acalmar não surtiram efeito. ANA, (ofensas com perigo para a vida), previsto e
então, preparou e deu a beber a CAROLINA um punido pelas disposições conjugadas dos
biberão, tendo misturado no seu interior leite artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, alínea a), e 2,
em pó com água e uma pequena parte da sua por referência ao disposto no artigo 132.º, n.º
dose diária de metadona, convencida de que 2, alíneas a) e c), e 147.º, n.º 2, por referência
com isso a única coisa que aconteceria a aos artigos 144.º, alínea d), e 18.º, todos do
CAROLINA seria ficar inconsciente até de Código Penal.
manhã. A mera ingestão de metadona (narcótico do
CAROLINA veio a entrar em paragem grupo dos opióides que consta da tabela I-A
cardiorrespiratória e, já depois de ter estado anexa ao DL 15/93) por CAROLINA ofendeu-a
no hospital de Pombal, veio a falecer. na sua integridade física (ficou
inconsciente), o que ANA previu e aceitou
(ANA era toxicodependente, consumia
metadona e conhecia bem os seus efeitos
narcóticos).
O perigo para a vida em que Carolina veio a
estar (paragem cardiorrespiratória) não foi
previsto por ANA (estava convencida de que
a única coisa que aconteceria a CAROLINA
seria ficar inconsciente até de manhã), mas
devê-lo-ia ter feito.
Apesar de a conduta de Ana ser adequada à
produção (adequação exigida no artigo 10.º
do CP), a título negligente, do resultado
morte, este não lhe pode ser imputado.
Esse nexo de imputação deve considerar-se
interrompido, “uma vez que seria de
esperar uma actuação atenta e cuidadosa
dos médicos, que, a não ter acontecido,
“interrompeu” o nexo de causalidade
adequada” – Figueiredo Dias, Direito Penal,
Parte Geral, Tomo I, 2019, pp. 385-386. Se
Eduardo tivesse atuado cumprindo os seus
deveres de médico, a morte não teria
ocorrido.

6. EDUARDO, médico do Hospital Distrital do Existe divisão doutrinal e jurisprudencial sobre 1,5
Pombal que estava no serviço de urgência, o elemento típico “lhe seja acessível em razão
acedeu ao armário da farmácia hospitalar, das suas funções”. José António Barreiros
com recurso à chave que se encontrava com a (Crime de Peculato, Labirinto das Letras, p. 89 e
Enfermeira-Chefe e à qual não era suposto ss.) vai no sentido de que é apenas necessário
ele aceder, e daí retirou morfina que injetou que a coisa esteja “na sua esfera de alcance por
na sua veia para satisfazer o seu vício. causa do respectivo exercício profissional,
ainda que que não integrem o elenco daqueles
que sejam do seu uso e manuseio, mas sim
aqueles a que, sem restrição legal que lho
proíba, possa aceder como efeito de poderes
de autoridade, de exercício funcional ou de
qualquer motivo legítimo atinente ao cargo que
desempenha”. No mesmo sentido, Paulo Pinto
de Albuquerque (obra cit., p. 1282).
No caso, EDUARDO sempre poderia ordenar
à Enfermeira-Chefe que lhe entregasse a
morfina.
Seguindo esta posição, EDUARDO cometeu como
autor material e na forma consumada, um
crime de peculato, previsto e punido pelo
artigo 375.º, n.º 1 e 2, por referência ao artigo
386.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Note-se que, não se conhecendo o valor da
morfina apropriada (e consumida), deve
presumir-se o seu valor diminuto.

Em sentido contrário, Conceição Cunha


defende que é necessário que haja “uma
efectiva detenção material ou disponibilidade
jurídica do objecto, não sendo suficiente […] a
mera proximidade material do bem ou
facilidade em conseguir a sua apropriação”
(Comentário Conimbricense ao Código Penal,
Tomo III, pp. 694 e ss..). Nesse sentido também
os Acs. do TRC de 14.04.2010 e de 23.01.2013.
Caso se siga esta última posição, EDUARDO
cometeu um crime de furto simples, previsto e
punido pelas disposições conjugadas dos
artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea e), n.º 2,
alínea e), e n.º 4, e 202.º, alíneas c) e f), II, do
Código Penal.

7. EDUARDO, não obstante o estado de EDUARDO cometeu, como autor material e na 1,5
intoxicação em que se encontrava, examinou forma consumada, um crime de homicídio por
CAROLINA e apercebeu-se que a bebé se omissão, com dolo eventual, previsto e punido
encontrava em situação crítica e que se fosse pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º,
assistida rapidamente sobreviveria. Porém, 10.º, n.º 1 e 2, e 14.º, n.º 3, do Código Penal.
pretendendo continuar a gozar EDUARDO, como médico de serviço, tinha o
tranquilamente os efeitos da morfina que dever legal de garante da saúde e vida de
tomara, encaminhou-a para a urgência Carolina. Se CAROLINA tivesse sido assistida de
pediátrica do Hospital de Santo André, em imediato por EDUARDO não teria morrido (ele
Leiria, pensando “que se lixe, seja o que Deus apercebeu-se que que a bebé se encontrava em
quiser!”. situação crítica e que se fosse assistida
Pelas 04h15, quando se encontrava a ser rapidamente sobreviveria). A omissão da sua
transportada para o Hospital de Leiria, conduta devida não evitou o evento.
CAROLINA faleceu. EDUARDO previu que Carolina pudesse não
sobreviver e conformou-se com essa
possibilidade (“que se lixe, seja o que Deus
quiser!”).
Apesar do agente agir com dolo eventual,
seguindo a doutrina maioritária (cf. Paulo Pinto
de Albuquerque, obra cit., p. 517), este
homicídio é qualificado (artigo 132.º, n.ºs 1 e 2
alínea c), do Código Penal).
Este crime também está em concurso aparente
com o crime de recusa de médico, p. e p. pelo
artigo 284.º do Código Penal (assim, Paulo
Pinto de Albuquerque, obra cit., p. 1013).

8. ANA e BERNARDO iniciaram o consumo de A heroína, a cocaína e a morfina são 0,5


heroína e cocaína em 2018, o que estupefacientes, constando das tabelas anexas
mantiveram em 2019. I-A e I-B ao DL 15/93.
No dia 10 de novembro de 2019, EDUARDO O consumo de estupefacientes pode ser crime
consumiu morfina. ou contraordenação, consoante a quantidade
consumida/detida para consumo exceda ou
não a necessária ao consumo médio individual
durante o período de 10 dias – cf. o artigo 40.º
do DL 15/93, o artigo 2.º da Lei 30/2000, de
29.XI, e o Acórdão do STJ de fixação de
jurisprudência n.º 8/2008.
Independentemente das múltiplas questões
que este regime suscita (v. g., a conformidade
constitucional desse acórdão do STJ; qual a
precisa redação atual do artigo 40.º do DL
15/93; a conformidade constitucional orgânica
e a legal da Portaria 94/96; o relevo dos hábitos
de consumo do agente), certo é que na
hipótese não são fornecidos elementos
mínimos para determinar esse número de
doses, o que impede a imputação desse crime.

GRUPO II

1. DIOGO, na sequência do 1.º interrogatório judicial de arguido detido, foi submetido à


medida de coação de prisão preventiva. Dessa decisão, DIOGO interpôs recurso, no qual alega
que a apreensão de 49 gramas de heroína é nula pois os Agentes da PSP contaram para o
efeito com a colaboração de BERNARDO, fora do quadro legal, recorrendo assim a métodos
proibidos de prova com violação dos artigos 126.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código de Processo
Penal e 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa.
Identifique a problemática em causa e pronuncie-se sobre a pretensão de DIOGO.
(3 valores)

Deve ser aqui problematizado o eventual enquadramento da situação em causa no


regime de ação encoberta (Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto) e eventual existência de
uma proibição de prova nos termos alegados por DIOGO. Deve defender-se aqui que
inexiste uma situação que se subsuma à figura de agente provocador relativamente ao
DIOGO. Antes do telefonema de BERNARDO, já se tinha determinado autonomamente à
prática de crimes, designadamente, de tráfico. Com efeito, foi DIOGO quem contactou
BERNARDO e que já usava este como distribuidor. Logo não há provocação do DIOGO,
porque para haver provocação é necessário que seja o provocador a criar no provocado
a decisão de cometimento do crime, o que não sucede. Nos dizeres do Acórdão do STJ
de 30-10-2002, proc. n.º 02P2118 (disponível em www.dgsi.pt), “o arguido... ao aceitar a
encomenda de estupefacientes, determinou-se com inteira liberdade, de forma
autónoma e plenamente consciente, sem que se verificasse qualquer perturbação da
vontade ou liberdade de acção do agente”. De notar, por seu turno, que o texto da
prova (pontos 9 a 11) não é explícito quanto aos termos concretos da colaboração entre
os agentes da PSP e o BERNARDO. Depreende-se diretamente do texto que na sequência
da detenção do BERNARDO este decide colaborar com os agentes da PSP e que não são
estes que solicitam tal colaboração. Contudo, o telefonema que este faz para o DIOGO,
na presença dos agentes, no sentido de lhe ser fornecido mais produto estupefaciente,
poderá ser entendido como uma ação encoberta, encetada à margem do regime
previsto na Lei n.º 101/2001, faltando desde logo o condicionalismo do artigo 3.º, n.º 3.
Colocar-se-ia, assim, relativamente ao BERNARDO, uma proibição de prova por ofensa à
sua integridade moral (artigo 126.º, n.º 1 e 2, al. a), do CPP) e um efeito-à-distância
desta proibição, que afectaria a posição processual do DIOGO. Contudo, como se aflorou,
o texto é parco para conclusões definitivas a este respeito.

2. Suponha que no decurso do Julgamento em que é arguida ANA, esta exalta-se com o
depoimento de uma testemunha, começa a vociferar e atira uma cadeira para a zona em que a
testemunha se encontrava sem, porém, a atingir. A audiência de julgamento foi interrompida e
ANA é detida, pelas 10h30, em flagrante delito pelo Magistrado do Ministério Público, que lhe
imputa a prática de um crime de Perturbação do funcionamento de órgão constitucional,
previsto e punido pelo artigo pelo artigo 334.º, alínea a), do Código Penal.
Qual o tribunal competente para proceder ao julgamento destes factos e qual a
forma de processo?
(3 valores)

O crime de perturbação do funcionamento de órgão constitucional, previsto e punido


pelo artigo 334.º, alínea a), do Código Penal encontra-se previsto no Capítulo I do
título V do Livro II do Código Penal, pelo que, nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do
Código de Processo Penal, o tribunal competente para proceder ao julgamento é o
tribunal coletivo.
Tratando-se de uma hipótese em que a repartição da competência material decorre da
lei em função da espécie de crime, independentemente da moldura penal abstrata
aplicável (que no caso é de pena de prisão até 3 anos), não se pode chamar à colação o
artigo 16.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal (cfr. artigo 16.º, n.º 1, do
Código de Processo Penal).
Consequentemente a única forma de processo aplicável ao caso seria a forma de
processo comum, sendo inaplicáveis quaisquer outras formas de processo (que são
competência do tribunal singular), designadamente a forma de processo sumário, não
obstante ANA ter sido detida em flagrante delito por autoridade judiciária, por crime
punível com pena de prisão cujo limite máximo não é superior a 5 anos, porquanto os
julgamentos em processo sumário são efetuados pelo tribunal singular (seja ele juízo
local de competência genérica, seja local criminal, seja de pequena criminalidade –
artigos 130.º, n.º 1 e n.º 4, alínea a), 132.º, n.ºs 1 e 2, e 134.º da Lei de Organização do
Sistema Judiciário).
38.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via profissional

1.ª Chamada – 23 de outubro de 2021

Grelha de correção

Nota:

O conteúdo da presente grelha reflete de forma tópica as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da
forma e da substância, se reputam as mais corretas em função dos elementos disponibilizados e que devem, na prova
do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outras abordagens, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face aos
dados facultados e que se revelem suportados em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizadas, na
medida do respetivo mérito.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Fundamentação de direito 15,00 valores

Demais componentes estruturais da sentença:


1. Dispositivo 2,00 valores
2. Restantes componentes 3,00 valores
ESTRUTURA DA COTAÇÃO TOTAL DA PROVA: 20 VALORES
DECISÃO

COMPONENTES I. Identificação das partes e objeto do litígio:


ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA
Identificação das partes; enunciação genérica dos pedidos, da causa de pedir e da posição das partes.
-
RESTANTES
COMPONENTES
II. Questões a decidir:
• Se estão preenchidos, relativamente a cada um dos Réus, os pressupostos da responsabilidade
civil extracontratual em face dos artigos 483.º e 486.º do Código Civil, designadamente por
conduta omissiva em violação de um dever de agir.
• Se a situação deve ser considerada como integrando a previsão do artigo 493.º, n.º 1 ou n.º 2, do
Código Civil.
• Se, à luz e para os efeitos do disposto no artigo 570.º do Código Civil, Miguel Silva e/ou os
Autores, por si ou por intermédio de outrem, concorreram para a produção do dano
consubstanciado no falecimento do primeiro.
• Concluindo-se pela constituição da obrigação de indemnização na esfera jurídica do(s) Réu(s),
determinar quem são os titulares do direito à indemnização pelos danos decorrentes da morte de
Miguel Silva e, mais concretamente, saber se a Autora deve ser considerada como titular daquele
direito em face do disposto no artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil.
• Determinados o(s) titular(es) do direito à indemnização, quantificar o valor da compensação a
atribuir ao(s) mesmo(s), saber se são devidos juros de mora e, na afirmativa, determinar a data de
início da sua contagem e a taxa de juro aplicável.

III. Estrutura, ordem e dimensão relativa das componentes da sentença, incluindo a inserção, no local
próprio, dos factos provados e não provados e da motivação (por mera remissão para o extrato
disponibilizado no enunciado da prova).

FUNDAMENTAÇÃO DE
I. Verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual
DIREITO

• Enquadrar a questão no âmbito da responsabilidade civil extracontratual decorrente da omissão


de cumprimento de deveres de segurança no tráfego, tendo em atenção o disposto nos artigos
483.º e 486.º do Código Civil, verificando nomeadamente se a situação se integra no conceito de
atividade perigosa, tal como prevista no artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil e, na negativa, se a
mesma se subsume no artigo 493.º, n.º 1, do Código Civil.
• Considerar que a concreta atividade de abertura de um vão, gerando perigo de queda em altura
com consequências graves para a vida ou integridade física de terceiros, pode ser analisada como
atividade perigosa, independentemente da qualificação como tal da atividade de construção civil
em geral.
• A não ser assim entendido, ponderar a integração da situação no n.º 1 do artigo 493.º do Código
Civil, sem prejuízo da sua subsunção na previsão geral dos artigos 483.º e 486.º do Código Civil.

Quanto ao primeiro Réu:


• Analisando os factos provados à luz do disposto nos artigos 483.º e 486.º do Código Civil, concluir
que não ficou demonstrado que o primeiro Réu (proprietário do terreno e da obra – artigo
1212.º, n.º 2, do Código Civil) tenha omitido algum dever de informação, praticado algum ato ou
omitido alguma ação devida, dando dessa forma causa à queda mortal.
• Concluir, perante a matéria de facto provada, e em face da autonomia que caracteriza a relação
entre empreiteiro e dono da obra (cf. artigos 1207.º a 1209.º do Código Civil), que o primeiro Réu
não mantinha o domínio de facto da atividade, nem enquanto comitente (cf. artigo 500.º do
Código Civil) nem enquanto exercente (artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil); nem, por último,
mantinha o domínio de facto do local onde decorria a obra para efeitos do artigo 493.º, n.º 1, do
Código Civil.
• Será assim de concluir que não se verificam, em relação ao primeiro Réu, os pressupostos da
respetiva responsabilização, devendo, em consequência, ser absolvido do pedido.

Quanto à segunda Ré:


• Na verificação dos pressupostos de que depende a obrigação de indemnização a cargo da segunda
Ré, problematizar a questão da ilicitude, devendo ser identificados, em concreto, os deveres de
segurança no tráfego que no caso se deviam equacionar.
• Para o efeito, e na ausência de um preceito que tenha como finalidade a proteção de terceiros
que acedam de forma não autorizada à obra, concluir que o juízo de ilicitude poderá reportar-se à
violação de direitos subjetivos (primeira parte do n.º 1 do artigo 483.ºdo Código Civil), sendo
necessário, então, que o tribunal proceda à descrição da específica conduta omitida e que conclua
que esta se impunha em termos de dever jurídico de agir.
• Na decorrência, analisar se, à luz dos artigos 483.º, 486.º e 493.º do Código Civil (com atenção à
interpretação que se tenha defendido quanto à qualificação ou não da atividade como perigosa
nos termos acima enunciados), a segunda Ré tinha o dever jurídico de evitar que terceiros não
autorizados a aceder ao local entrassem na obra e, em particular, caíssem pelo poço do elevador,
tendo em atenção o que se provou quanto ao atraso na entrega deste último e ao conhecimento
pela Ré de prévias entradas não autorizadas por parte de jovens (passíveis de qualificação como
terceiros vulneráveis ou com menor capacidade de avaliação e/ou decisão).
• Neste juízo, considerar o disposto nos artigos 165.º e 500.º do Código Civil, face aos elementos
demonstrados relativos à concreta atuação, por um lado, de legal representante da Ré e, por
outro, de Adriano Vilar, funcionário da Ré.
• A concluir-se pela ilicitude da conduta da segunda Ré, concluir pela verificação dos demais
pressupostos da obrigação de indemnizar: a culpa (em atenção ao padrão determinado pelo que
anteriormente se tenha concluído no que diz respeito à aplicação do artigo 493.º do Código Civil),
o dano (dano evento) e o nexo de imputação objetiva deste à conduta ilícita (artigos 483.º, 487.º
e 563.º do Código Civil).

II. Concluindo-se pela responsabilização da segunda Ré, definição dos titulares do direito à indemnização

• Quanto à Autora: não fazendo parte a Autora do elenco de titulares do direito à indemnização
previsto no artigo 496.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, problematizar se a norma permite uma
interpretação extensiva/analógica; e/ou se se estará perante uma violação direta do direito geral
de personalidade da Autora, na perspetiva do livre desenvolvimento da sua personalidade na
relação com a vítima, que, à luz dos artigos 70.º, n.º 1, 483.º e 496.º, n.º 1, do Código Civil,
sustente o direito à compensação.
• Quanto ao Autor: concluir que o mesmo é contemplado diretamente pela letra do artigo 496.º,
n.º 2, do Código Civil, cabendo reconhecê-lo como titular do direito à compensação pelos danos
não patrimoniais causados pela morte de Miguel Silva.

III. Quantificação da compensação

• Salientar que, em regra, têm vindo a ser identificados três tipos de danos decorrentes da morte
de alguém, à luz do artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil: dano pela morte; dano intercalar sofrido
pessoalmente pela vítima entre o evento lesivo e a morte; dano do titular à compensação pelo
sofrimento pessoal resultante da perda do falecido.
• Ponderar o título pelo qual se reconhece o direito à compensação do dano morte e do dano
intercalar (direito próprio do titular do direito à compensação ou direito da vítima que se
transmite por via sucessória), retirando as consequências que sejam necessárias no que diz
respeito à Autora, caso se tenha reconhecido à mesma direito a compensação.
• Problematizar se deve ser considerado como dano intercalar o coma profundo ocorrido durante o
período que mediou entre a queda e a morte.
• Quantificar as compensações a atribuir, identificando e aplicando os critérios consagrados nos
artigos 496.º, n.º 4, e 494.º, ambos do Código Civil, com referência concreta aos factos provados
relevantes e com respeito pelo princípio do pedido.
• Explicitar a data com referência à qual foram fixados os montantes a atribuir (se a data mais
recente, fazendo o cálculo atualizado a que se refere o artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, se data
anterior e, neste caso, qual).

IV. Aplicabilidade do disposto no artigo 570.º do Código Civil


• Analisar quem se deve considerar, no caso concreto, como “lesado” para efeitos do artigo 570.º
do Código Civil, equacionando se Miguel Silva (lesado direito) e/ou os Autores (lesados reflexos)
se enquadram na previsão normativa.
• Quanto a Miguel Silva, face à sua idade e características pessoais, explorar o conceito de facto
culposo do lesado para efeitos do artigo 570.º do Código Civil, designadamente em relação com o
conceito de imputabilidade (artigo 488.º do Código Civil) ou com a sua recondução ao nexo de
imputação objetiva do facto ao lesado.
• A considerar-se que há facto culposo de Miguel Silva para estes efeitos, ponderar em que medida
tal pode e deve ser repercutido no direito à compensação dos Autores que se tenha reconhecido.
• Quanto à eventual contribuição dos Autores que possa ser considerada diretamente relevante
para efeitos do artigo 570.º do Código Civil, ponderar designadamente o conceito de
incapacidade natural pressuposto pelo artigo 491.º do Código Civil e a idade/maturidade da
vítima; o conteúdo do dever de vigilância, nomeadamente se inclui uma educação
adequada/suficiente; se tal dever foi violado em termos que relevam para efeitos de reduzir ou
excluir a indemnização a que eventualmente tenham direito.
• Concluindo-se pela aplicação do artigo 570.º do Código Civil em termos que não seja a exclusão
da compensação, fixar a proporção da redução desta última.

V. Juros de mora:
Atribuição de juros de mora, à taxa supletiva aplicável às obrigações civis, estabelecendo o momento da
constituição em mora, tendo em atenção, em particular, a data com referência à qual foram fixados os
montantes a atribuir, conforme acima referido – artigos 559.º e 804.º a 806.º do Código Civil, Portaria
291/03, de 8 de abril, e AUJ n.º 4/2002, de 9 de maio de 2002 (DR I.ª série de 27 de junho de 2002).

VI. Fundamentação da decisão quanto a custas:


Em coerência com a decisão a proferir, e tendo em atenção o disposto nos artigos 527.º, 528.º e 607.º, n.º
6, do Código de Processo Civil.

COMPONENTES Declaração da procedência/improcedência/procedência parcial dos pedidos formulados por cada um


ESTRUTURAIS DA dos Autores relativamente a cada um dos Réus e, sendo caso disso, correspondente condenação do(s)
SENTENÇA Réu(s) nos pedidos ou parte deles e/ou absolvição do(s) Réu(s) dos pedidos ou na parte restante.

DISPOSITIVO

Condenação em custas em conformidade com a fundamentação expendida.

Notificação e registo da sentença.


38.º CURSO
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
VIA PROFISSIONAL – 1.ª CHAMADA

GRELHA DE CORREÇÃO

QUESTÕES SOLUÇÕES VALOR

I. REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO

1. Identificação do processo, do • Número do processo: 123/2019.EVR 0,30


requerimento, do requerente, do
destinatário do requerimento e • Tribunal: Juízo Central Criminal de Évora
da decisão recorrida
• Entidade a quem se dirige o requerimento: Juiz do Juízo Central
Criminal de Évora

• Requerente – Ministério Público

•Tipo de requerimento – recurso

•Decisão recorrida – acórdão proferido nos autos

2. Identificação do Tribunal de Tribunal da Relação de Évora (artigos 427.º e 432.º, a contrario, do Código 0,20
Recurso de Processo Penal; artigo 32.º, n.º 1, e Anexo I, da LOSJ)

3. Regime do recurso: momento Subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo – 0,50
de subida, local e efeito disposições conjugadas dos artigos 399.º, 401.º, n.º 1, alínea a), 406.º, n.º 1,
407.º, n.º 2, alínea a), 408.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Processo

1
Penal.

II. RECURSO

1. FUNDAMENTOS 1

1.1. Alteração não substancial O acórdão procede a alteração não substancial dos factos da acusação 2
de factos não comunicada – sem que tal tenha sido previamente comunicado ao arguido, como impõe
nulidade do acórdão o artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando considera como
provado que era o arguido BB quem levava e utilizou a espingarda (factos
provados n.ºs 9 e 11 vs. factos 8 e 10 da acusação).

Tal conduziria a nulidade do acórdão (artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do


Código de Processo Penal), nulidade que deveria ser arguida no recurso.

Porém, este facto deve ser impugnado (infra), pois o tribunal não
dispunha de meios de prova valoráveis que lhe permitisse chegar a tal
conclusão. Sendo procedente tal impugnação, ficaria prejudicado o
conhecimento da nulidade.

1.2. Omissão de pronúncia Com os factos descritos na acusação (cuja qualificação jurídico-penal foi 2,5
quanto ao crime de coação propositadamente deixada em branco), os arguidos AA e BB cometeram
agravada, na forma tentada, também, como autores 2 e em concurso efetivo com os demais, um crime
imputado aos arguidos de coação agravada, na forma tentada, previsto e punido pelas
disposições conjugadas dos artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, 155.º, n.º 1, alínea a),
22.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e b), 23.º, e 26.º do Código Penal, e artigo 86.º,
n.º 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (“AA, que empunhava a
descrita espingarda de caça de calibre 12, com os dois canos serrados,
apontou-a na direção de DD, que residia em apartamento em frente à loja
e assomou à janela do mesmo, dizendo-lhe que se chamasse a polícia
levaria um tiro”). Note-se que esse ato não é instrumental da subtração
que ocorria, pelo que não integra crime de roubo.

O acórdão não se pronuncia sobre tal crime, apesar de considerar os


factos, no essencial, como provados (imputando-os a BB em vez de AA, o
que, para este efeito, não se afigura relevante, pois continua a dar como
provado que todos os agentes “combinaram conjuntamente utilizar
todos os meios necessários à concretização da apropriação dos objetos
existentes na montra do referido estabelecimento e atos subsequentes,
designadamente, viaturas e arma de fogo a utilizar” e que “agiram em

1 Recorde-se que, como constava do enunciado, a presente prova consistia na elaboração de um recurso interposto pelo Ministério Público da
decisão final proferida, devendo considerar-se que o Ministério Público colocava em crise matéria atinente a) à subsunção fático-jurídica, b) à
observância do princípio da vinculação temática, c) à prova proibida, d) às nulidades da sentença e/ou vícios constantes do artigo 410.º do
Código de Processo Penal, e que o recurso deveria incidir obrigatoriamente sobre toda a matéria constante das supra referidas alíneas, cuja
ordem era aleatória e não deveria condicionar a lógica da argumentação, não sendo valorizado o tratamento de outra qualquer questão, a não
ser que se encontrasse necessariamente ligada à matéria que dessas alíneas consta. Note-se, ainda, que ficou aí expresso que deveria ser
analisadas todas as questões acima mencionadas ainda que a procedência de qualquer uma delas prejudicasse, na prática, o conhecimento
subsequente de outras.
2 Sobre a imputação do crime a ambos os arguidos, como coautores ou como instigadores, cf. infra ponto 1.4.3.

2
conjugação de esforços e comunhão de intentos, na execução de plano
por eles previamente traçado, utilizando o auxílio mútuo para melhor
concretizarem os seus intentos, tendo a atuação de cada um sido
determinante para a obtenção do resultado que almejavam e
concretizaram”).

Tal omissão acarreta a nulidade do acórdão – artigo 379.º, n.º 1, alínea c),
do Código de Processo Penal.

Neste ponto, deveria o recorrente pugnar para que o TRE suprisse tal
vício, condenando os arguidos pela prática de tal crime – artigo 379.º, n.º
2, do Código de Processo Penal (infra ponto 1.5.3.). Note-se que a matéria
da escolha e medida da pena não é objeto desta prova.

1.3. Proibição de prova de No julgamento, o arguido AA respondeu às perguntas da Juiz Presidente, 2,5
valoração das declarações admitiu a prática dos factos descritos na acusação, com as seguintes
do arguido AA na parte em ressalvas: negou ser possuidor ou ter sido ele a empunhar e disparar a
que envolvem o coarguido caçadeira de canos serrados, de calibre 12, o que foi feito pelo arguido BB.
BB e consequente alteração Porém, recusou depois responder às perguntas do advogado do
dos factos provados coarguido BB.

Deste modo, as declarações de AA não podem valer como meio de prova


em prejuízo de BB – artigo 345.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.

Porém, tal foi o que aconteceu no acórdão, onde o tribunal considerou


como provado que foi BB quem levava a arma e depois a disparou –
factos 8 e 10.

Sem essas declarações, não se faz prova de quem empunhava a arma e a


disparou. Logo, logo deveria ter sido considerado provado que foi um
dos arguidos ou o indivíduo não identificado que os acompanhava que o
fez.

Como consequência do invocado quanto à proibição de valoração das


declarações do arguido AA na parte em que envolvem o coarguido BB,
devem ser alterados os factos provados / não provados no sentido de
que foi um dos arguidos, cuja identidade não se apurou, que empunhava a
arma e a disparou e não BB (factos 8 e 10). Nesta parte, o recurso do MP é
em favor do arguido BB.

1.4. Qualificação jurídico- Erros de enquadramento jurídico-penal feitos pelo tribunal recorrido.
penal 3

1.4.1. Um crime de furto O tribunal considerou provado que “17) Os arguidos ÁLVARO ALVES e 2
qualificado, na BÁRTOLO BOTAS e o terceiro indivíduo cuja identidade não se logrou
forma consumada, apurar agiram com o propósito concretizado de fazerem seu o veículo
previsto e punido BMW com a matrícula AA-11-BB, contra a vontade do seu legitimo
pelas disposições proprietário”.
conjugadas dos

3 Quanto à detenção de arma proibida, o acórdão está correto.

3
artigos 26.º, 203.º,
n.º 1, e 204.º, n.º 1, Havendo subtração de coisa alheia com o propósito de a fazerem sua,
alínea a), e n.º 2, cometeram o crime de furto (na forma qualificada devido ao valor da
alínea f), do Código coisa e ao facto de terem consigo arma, arma essa que estava ao serviço
Penal e não um da execução dos seus planos, como veio a suceder junto ao
crime de furto de estabelecimento comercial e ali poderia ter sucedido se surgisse alguém
uso do veículo, que pudesse a eles obstar) e não o crime de furto de uso.
previsto e punido
pelo artigo 208.º, n.º O dano/incêndio posteriores à consumação do furto qualificado são
1, do Código Penal factos posteriores não puníveis.
(automóvel BMW)

1.4.2. Um crime de No que respeita à subtração e apropriação dos objetos do 2


violência depois da estabelecimento comercial Tecnilar e subsequente condução do
subtração, na forma automóvel Renault em direção ao Agente Carlos Cartaxo, o tribunal
consumada, considerou que “não existiu flagrante delito, pois a execução do ilícito já
previsto e punido tinha terminado”, e assim que existia concurso entre um crime de furto
pelas disposições qualificado, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. e), do Código
conjugadas dos Penal (estabelecimento), em concurso com um crime de ofensa à
artigos 26.º, 211.º, integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.ºs 1 e 2, do
210.º, n.ºs 1 e 2, Código Penal.
alínea b), 203.º, n.º 1,
e 204.º, n.º 1, alínea Porém, afigura-se-nos que os arguidos foram efetivamente encontrados
a), e n.º 2, alíneas e) em flagrante delito de furto. A definição de flagrante delito está no artigo
e f), do Código 256.º do Código de Processo Penal, que dispõe, no n.º 1, que se “[é]
Penal, e não um flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de
crime de furto cometer”. Ora, o Agente CC encontrou AA e BB ainda no local do crime
qualificado, p. e p. de furto, quando tinham acabado de colocar nas viaturas as coisas
pelo artigo 204.º, n.º subtraídas e se preparavam para nelas entrar e fugir (factos 8 a 10).
1, al. a), e n.º 2, al. e), Tendo os arguidos, de comum acordo, usado de violência (disparando a
do Código Penal arma de fogo e conduzindo na sua direção) contra o Agente CC para
(estabelecimento), conservar as coisas subtraídas, está preenchido o crime de violência
mais um crime de depois da subtração, na forma consumada, previsto e punido pelas
ofensa à disposições conjugadas dos artigos 26.º, 211.º, 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b),
integridade física 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alíneas e) e f), do Código Penal. É
simples, previsto e certo que pretendiam fugir, mas pretendiam fazê-lo levando consigo as
punido pelo artigo coisas subtraídas, sendo assim este um resultado pretendido.
143.º, n.ºs 1 e 2, do
Código Penal. Estas condutas integram também o crime de resistência e coacção sobre
funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.ºs 1 e 2, do Código
Penal. Este crime, porém, está numa relação de concurso aparente com o
de violência depois da subtracção. O n.º 2 do artigo 347.º contém uma
cláusula de subsidiariedade expressa, que vale implicitamente para o n.º 1
(assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 4.ª ed.,
p. 1178-1179, e Monteiro Ramos aí citado).

4
O tribunal considerou como provado que o “o arguido BÁRTOLO BOTAS
1.4.3. Crime de coação [vimos já que deveria apenas ser “um deles”], que empunhava a descrita 2
agravada, na forma espingarda de caça de calibre 12, com os dois canos serrados, apontou-a
tentada, previsto e na direção de Dinis Dório, que residia num dos referidos apartamentos e
punido pelas assomou à janela do mesmo, dizendo-lhe que se chamasse a polícia
disposições levaria um tiro” (8) e que “Não obstante atemorizado, Dinis Dório
conjugadas dos telefonou para o Esquadra da PSP de Évora” (9), bem como que “Os
artigos 154.º, n.ºs 1 e arguidos ÁLVARO ALVES e BÁRTOLO BOTAS e o terceiro indivíduo cuja
2, 155.º, n.º 1, alínea identidade não se logrou apurar combinaram conjuntamente utilizar
a), 22.º, n.º 1 e n.º 2, todos os meios necessários à concretização da apropriação dos objetos
alíneas a) e b), 23.º, existentes na montra do referido estabelecimento e atos subsequentes,
e 26.º do Código designadamente, viaturas e arma de fogo a utilizar, se necessário a ser
Penal, e artigo 86.º, disparada contra quem se lhes opusesse” (15), e, finalmente, “Os
n.º 3 e 4, da Lei n.º arguidos ÁLVARO ALVES e BÁRTOLO BOTAS e o terceiro indivíduo cuja
5/2006, de 23 de identidade não se logrou identificar agiram em conjugação de esforços e
fevereiro. comunhão de intentos, na execução de plano por eles previamente
traçado, utilizando o auxílio mútuo para melhor concretizarem os seus
intentos, tendo a atuação de cada um sido determinante para a obtenção
do resultado que almejavam e concretizaram” (19).

Estes factos foram praticados na execução de plano definido por todos


previamente, de acordo com a repartição de tarefas acordada, na
presença e com domínio do facto por todos. A participação de cada um
era essencial à concretização do plano. É um crime instrumento
necessário à consumação daquele que era o principal objetivo dos
arguidos (o furto). Nestes termos, e ainda que não se saiba qual dos
arguidos empunhava a arma, o crime deve ser imputado a ambos como
autores. Pode discutir-se se se trata de coautoria ou de instigação
(recíproca), mas será sempre ao abrigo do artigo 26.º do Código Penal.

Pelo exposto, cometerem AA e BB, como autores e em concurso efetivo


com os demais, um crime de coação agravada, na forma tentada, previsto
e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, 155.º,
n.º 1, alínea a), 22.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e b), 23.º, e 26.º do Código Penal,
e artigo 86.º, n.º 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.

2. Conclusões e pedido 4

As conclusões devem, obedecendo ao disposto no artigo 412.º do Código


de Processo Penal:

• Serem sintéticas e formuladas em artigos

• Na parte em que o recurso versa sobre matéria de direito, indicar


as normas jurídicas violadas e para sentido em que, no
entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou
cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia
ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada.

• Na impugnação da matéria de facto (como decorrência da

5
proibição de utilização de meio de prova) a identificação do(s)
facto(s) a alterar e o sentido em que devem ser alterados, e as
demais provas que permitem essa conclusão

Devem ainda conter a síntese do que se pede ao Tribunal de recurso:

• Declarar a nulidade do acórdão por:

• Ter procedido a alteração não substancial de factos sem


que a comunicasse aos arguidos;

• Não se ter pronunciado quanto ao crime de coação


agravada, na forma tentada, imputado aos arguidos;

• Declare a proibição de valoração das declarações do arguido AA


na parte em que envolvem o coarguido BB e,
consequentemente, altere nessa parte os factos provados
(perdendo relevância a referida nulidade do acórdão por ter
procedido a alteração não substancial de factos não
comunicada)

• Em consequência, e suprindo a segunda referida nulidade, face


aos factos provados, condenar AA e BB pela prática, em autoria
e em concurso efetivo, de:

o um crime de furto qualificado, na forma consumada,


previsto e punido pelas disposições conjugadas dos
artigos 26.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2,
alínea f), do Código Penal;

o um crime de violência depois da subtração, na forma


consumada, previsto e punido pelas disposições
conjugadas dos artigos 26.º, 211.º, 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea
b), 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alíneas e) e
f), do Código Penal;

o um crime de coação agravada, na forma tentada,


previsto e punido pelas disposições conjugadas dos
artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, 155.º, n.º 1, alínea a), 22.º, n.º 1 e n.º
2, alíneas a) e b), 23.º, e 26.º do Código Penal, e artigo
86.º, n.º 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro;

o um crime de detenção de arma proibida, na forma


consumada, previsto e punido pelas disposições
conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas p), i, s), v), ar),
3.º, n.º 2, alínea l), e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006,
de 23 de fevereiro.

6
III. Estrutura Lógico-Formal do 2
Recurso. Organização do
discurso técnico-jurídico e
linguagem utilizada.

Estruturação do recurso nos termos referidos nesta grelha, com as suas


diversas partes, terminando com as conclusões. Na fundamentação do
recurso, respeito pela sequência lógica aqui utilizada
(nulidades/proibições de prova, consequente alteração da matéria de
facto provada, correto enquadramento jurídico-penal desses factos).

Correção da linguagem, que deverá ser clara, rigorosa e precisa,


revelando capacidade de síntese.

TOTAL 20

7
38.º CURSO
Grelha de correção da prova escrita de

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL - VIA PROFISSIONAL – 2.ª CHAMADA

MATÉRIA OBJECTO DE TÓPICOS DA RESPOSTA COTAÇÕES


AVALIAÇÃO

I. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
DI
• Breve Relatório 2,5
• Saneamento – com o tratamento de todas (a
as questões suscitadas no RAI valor
• Análise crítica da factualidade indiciada ar
(caso se justifique ante as soluções conj
adoptadas quanto às questões jurídicas unta
suscitadas no RAI) ment
• Subsunção da fatualidade indiciada ao e
direito (idem) com
• Parte decisória : III.)
• Declaração da nulidade da acusação
particular por falta de dolo e
impossibilidade de consideração da
alteração substancial operada na
acusação do MP
• Decisão de não pronúncia quanto ao
crime de resistência e coação sobre
funcionário: exclusão da
ilicitude/legítima defesa
• Decisão de não pronúncia quanto ao
crime do artº187º (atipicidade da
conduta imputada)
• Decisão de não pronúncia quanto ao
crime de Maus Tratos a Animais de
Companhia no caso de se entender
declarar a inconstitucionalidade material
do artº 387º
• Decisão de Pronúncia quanto ao crime
de Maus Tratos a animais caso se
entenda improcedente a
inconstitucionalidade material do 387º
do CP
• Possibilidade de descrição dos factos por
remissão para a acusação do MP
• Subsunção Jurídica
• Indicação da Prova (eliminação da prova
atingida por nulidade/proibição de prova)
• Decisão das questões incidentais relativas
ao levantamento da apreensão
• Custas (assistente)
• Ordenar a remessa dos autos para o Juízo
Criminal Local
• Data e Ass.

II. RESOLUÇÃO DAS


QUESTÕES
SUSCITADAS NO
RAI
II.A Nulidade da Busca e
suas consequências
A.1.Proibição de 1.Caracterização da busca realizada como busca 1,50
valoração da prova domiciliária (artº 177º do CPP): referência aos
adquirida com a factos indiciados que permitem integrar a estrutura
apreensão realizada no
como um domicílio; referências jurisprudenciais
interior da “tenda”.
quanto à caracterização de domicílio.

Não verificação de quaisquer das circunstâncias


que admitem a realização de busca sem mandado
de busca judicial por parte do OPC( artº 174º, nº 5
do CPP a contrario sensu interpretado). Note-se
que não se verifica a circunstância da al. c) do nº 5
porquanto a detenção realizada é a posteriori.

Declaração da nulidade da busca realizada: artº


177º, nº 1 do CPP.

Nota: tratando-se de um caso de fronteira, caso o


candidato, na sequência de uma resposta que
considere a busca como não domiciliária, venha a
dar respostas coerentes com tal opção à matéria
da apreensão e da Resistência e Coação sobre
funcionário, tal não implicará uma multiplicação
da pontuação negativa, devendo as subsequentes
respostas serem consideradas em conformidade
com a opção assumida.

A.2. Apreciação da 2.Contaminação da prova adquirida no âmbito de 1,25


legalidade da Apreensão tal busca pela nulidade da mesma: efeito à
de Animais (não distância da prova proibida a qual vale igualmente
contaminada pela
para as nulidades de prova (cf. artº 122º, nº 1 do
nulidade da busca)
CPP)

Não abrangência da apreensão dos animais pela


nulidade declarada, considerando a inexistência de
um nexo de causalidade entre ambas (cf. artº 122º,
nº 1 do CPP, in fine e a contrario). Não se revela
adequada no caso qualquer referência aos limites
do efeito à distância das provas proibidas –
nomeadamente à fonte independente – uma vez
que inexiste qualquer relação de “dependência”
entre a busca e a apreensão dos animais.
Apreciação da Apreensão de Animais: menção à
destrinça civilística entre “coisa” e “animal” (seres
sencientes) face ao artº 201º-B do CC. Validade da
apreensão de animais face à redacção do artº 178º
do CPP introduzida pela Lei nº 39/2020, de 18/08,
em vigor desde 01/10/2020.
Não obstante a incongruência sistemática ainda
vigente entre os artº 109º e 110º do CP - os quais
se referem apenas a instrumentos, vantagens ou
produtos para efeitos de confisco, não integrando
os animais que não se subsumam a tais categorias
- como é o caso em que os animais são mero
“objeto” imediato da ação ilícita com relevo
probatório - e a redacção atual dos artº 178º e
186º do CPP, o artº 178º, nºs 1, nº 4 , 5 admite
como válida a apreensão de animais efetuada por
OPC sem precedência de ordem do MP, como no
caso dos autos, estando sujeita a validação pelo MP
nos termos do nº 6.

A.3.Decisão (a final) 3. Apreciação da questão incidental do 0,50


quanto ao levantamento levantamento da apreensão dos animais:
da apreensão e a - Uma vez que não se descortina, à luz do
devolução de objetos
quadro penal e processual fundamento
para o confisco do animal apreendido em
processo penal como meio de prova, e
encontrando-se os animais apreendidos já
examinados (cf. Relatório Pericial), os
mesmos deveriam, em princípio, ser
devolvidos ao dono;
- Todavia a tal levantamento obsta o nº 7 do
artº 186º, o qual impede o levantamento
da apreensão de animal no caso de se
encontrar em causa o “bem estar animal”.
Deverá, assim, ser indeferido o pedido de
levantamento da apreensão, não obstante
nada na lei penal e processual penal
permitir fundar o confisco/perda do
referido animal (a que se reconduz a
entrega para adopção por aplicação
analógica do artº 185º (coisas perecíveis):
a) o artº 178º, nº 2 do CPP - que rege
quanto à confiança a fiel depositário e aos
cuidados a prestar aos animais
apreendidos nada refere quanto a tal
confisco ; b) A Lei 39/2020 que atualizou o
CPP quanto à matéria da apreensão de
animais manteve inalterada a redacção do
artº 185º (destino a dar a coisas perecíveis
objeto de apreensão);
- C) uma solução que defenda uma
integração analógica por força do artº
201º- B do CC, tratando-se de matéria de
restrição de DLG, poderá integrar violação
do pr. da legalidade do artº 18º da CRP.
3.a. Questão incidental do levantamento da
apreensão dos restantes objetos (cartaz, vergasta
e lata): deferimento do levantamento da
apreensão dos restantes objetos apreendidos
(vergasta, lata e placard): não verificação de
quaisquer outras circunstâncias que justifiquem a
sua apreensão.

A.4 Afastamento da 4.Resistência e coação sobre funcionário: 1,75


indiciação do Crime de considerando a ilegalidade da busca domiciliária, a
Resistência e coação qual se consubstancia numa violação de DLG (artº
sobre funcionário
34º da CRP), a atualidade da violação do direito à
inviolabilidade do domicilio, a impossibilidade de
recurso a outros meios de tutela efetiva do direito;
e a proporcionalidade e adequação da agressão
para repelir o ato de violação de DLG, a ação de
“resistência” do arguido integra o exercício de um
direito constitucionalmente tutelado (artº 21º da
CRP). Verifica-se, assim, no caso uma causa de
justificação da ilicitude (artº 31º, nº2, al. B) do CP).-
PPA, Comentário, nota 11.

. No sentido de ser de afastar a tipicidade (não se


entrando sequer na questão da ilicitude) no caso de
condutas da autoridade manifestamente
ilegítimas”, vide Cristina Líbano Monteiro, in
Comentário Conimbricense, Ed. 2001, notas 8º e
16º: no caso concreto, todavia, não estando em
causa uma conduta “manifestamente ilegítima”,
não dse verifica uma situação de atipicidade,
apesar de tal resposta dever ser valorada
positivamente se corretamente fundamentada.

Será, ainda, de questionar, ao nível da tipicidade, e


face aos factos indiciados, se a violência exercida
seria, atenta a sua (fraca) magnitude susceptível de
integrar o tipo do artº 347º, o que afastaria a
recondução da conduta ao tipo logo ao nível da
tipicidade. (Cf. Cristina Líbano Monteiro,
Comentário Conimbricense, p. 341, Ed. 2001:
“Membros da Forças Armadas, militarizadas ou de
segurança não são, para efeitos de atemorização,
homens médios. O grau de violência ou de ameaça
necessários para que se possa considerar
preenchido o tipo não há-de medir-se, por
conseguinte, pela capacidade de afetar a liberdade
física ou moral da ação de um homem comum. A
utilização do critério objetivo-individual(...) há-de
assentar na idoneidade dessa violência ou ameaça
para perturbar a liberdade de ação do funcionário”.

II.B. CRIME DE MAUS


TRATOS:

B. 1. análise e indiciação 1.A resposta completa implicará uma análise do 2,00


do tipo de crime: tipo legal de crime e seus elementos constitutivos
- análise do tipo; controvertidos, bem como uma caraterização
densificação do dogmática do tipo:
elemento “Maus - Crime Comum; Crime de Execução livre e
Tratos” e “animais instantânea; Crime Material ou de
de companhia”; Resultado; Crime de dano; Ativo ou
conclusão pela Omissivo (impróprio) quando sobre o
indiciação.
agente recair dever especial de garante
(caso do arguido na qualidade de
proprietário/detentor dos animais e a
quem incumbe o dever de guardar, assistir
e vigiar; crime doloso (as ações negligentes
não estão previstas pelo nº 3, ainda que o
resultado morte negligentemente
produzido pela conduta dolosa de maus
tratos possa operar como circunstância
modificativa agravante nos termos do nº
4); a punição pressupõe o estágio da
consumação, não sendo punível a tentativa
(cf. artº . 23º, nº1 do CP a contrario);
- Densificação e aplicação ao caso concreto
dos elementos típicos “maus tratos” e
“animal de companhia”:
a) Integram maus tratos todas as condutas dolosas
(nas três modalidades de dolo) que determinem
dor, sofrimento (maus tratos “psicológicos”) ou
lesões físicas ao animal (maus tratos físicos) - cf.
artº 387º, nº1; no caso não se descortina a
verificação de qualquer causa de justificação da
ilicitude, designadamente o exercício de um “dever
de correção animal”; a ação típica não tem de ser
acompanhada de uma atitude interna de especial
perversidade ou determinante de especial
censurabilidade (ódio; egoísmo; crueldade;
motivação torpe ou fútil; prazer ou excitação; etc),
sendo tal atitude interna não exigível pelo tipo
matricial contido no nº 3, mas antes fundamento
de um agravamento da pena aplicável
(circunstância modificativa agravante) nos termos
do nº 4 in fine do preceito.
c) No caso concreto, atento o uso da vergasta (a
qualificar como arma ao abrigo do artº 4º do DL
48/95, de 15/03 que aprovou a revisão e
republicação do CP de 82) a conduta indiciada era
subsumível aos artº 387º, nº 3 e 4 e 5.
D) Subsumem-se ao conceito as condutas descritas
na acusação e relativas às vergastadas desferidas
(maus tratos físicos); o ato de sujeitar um dos cães
a suportar os placards com o peso de 4kg, forçando-
o a permanecer de pé contra a sua disposição; a
não dispensa de água e a alimentação com vinho.
Já a falta de vacinação e a falta de dispensa de
alimentação adequada, bem como a infestação
com pulgas decorrente da falta de cuidados
veterinários, no quadro de indigência humanam
indiciada, integram condutas de natureza
negligente não subsumíveis ao tipo, inexistindo
indícios de dolo quanto a tais ações/omissões.
Encontram-se, assim, descritos os elementos
típicos objetivos e subjetivos do artº 387º, nºs 3, 4
e 5;
B) os cães - mesmo os vadios- integram o conceito
de animais de companhia face ao disposto no artº
389º, nº 1 e 3; o advérbio “designadamente”
(destinados a ser detidos no lar) não permite
firmar, mormente quando concatenado com o nº3,
uma interpretação no sentido de que apenas os
animais detidos nos “lares” (neologismo jurídico-
penal a densificar no sentido de sinónimo de
domicílio) poderem ser considerados animais de
companhia, por outro, face ao já exposto, o local
da detenção sempre se haveria de reconduzir ao
conceito jurídico-penal de domicilio.

2,00
B.2. unidade ou pluralidade 2.Unidade ou pluralidade de crimes: abordagem
de condutas das teorias clássicas acerca da matéria (artº 30º do
CP; Eduardo Correia; Figueiredo Dias)- critério do
bem jurídico (matéria que tb deverá ser abordada
na apreciação da constitucionalidade); unidade ou
pluralidade de resoluções; sentido social da
ilicitude; crime continuado.
Tomada de posição quanto à natureza
eminentemente pessoal ou não do bem jurídico
tutelado e a aplicabilidade ou não do 30º, nº 3):

A) afastando a natureza de bem jurídico


eminentemente pessoal do bem jurídico e assim a
inaplicabilidade da restrição à unidade criminosa a
que se reconduz o nº 3 do artº 30º vide Raul Farias,
O Direito dos Animais, CEJ,2019
B) Tb as teses que defendem um bem coletivo
parecem afastar a natureza de bem jurídico pessoal
C) As teses que defendem uma tutela direta do bem
estar animal por extensão da dignidade da pessoa
humana suportarão, em consonância tal natureza
“pessoal” ou individual.
Abordagem da matéria da Teoria do bem jurídico 3,00
II.C. e do princípio da congruência ou analogia
INCONSTITUCIONALIDA substancial entre a ordem axiológica
DE DO ARTIGO 387.º DO constitucional e a ordem jurídico-penal legal de
CP bens jurídicos (FD); referência aos artºs 40º, nº 1
do CP e artºs 18º, nº 2 da CRP, referência aos artºs
27º e 62º da CRP

Tomada de posição num de dois sentidos


possíveis:

I. Tomada de posição no sentido da inexistência de


um bem/valor jurídico-constitucional expresso ou
imanente relativo a uma defesa genérica do bem-
estar animal e consequente declaração de
inconstitucionalidade do artº 387º do CP.

Pedro Soares Albergaria e Pedro Mendes Lima, in


"Sete Vidas: a Difícil Determinação do bem
jurídico protegido nos Crimes de Maus Tratos e
Abandono de animais”: no sentido da inexistência
de um bem jurídico, apesar de não tomarem
posição expressa quanto à constitucionalidade

Diana Manuel Silva Vilas Santos Simões,


Dissertação Mestrado FDUL, Repositório da UL

ou

II. Tomada de posição no sentido de identificação


na ordem constitucional, de expresso ou
imanente, de um bem jurídico que alicerce a
incriminação, com identificação do mesmo.

Será valorizada (mas não determinante para a


notação positiva a atribuir a este ponto) a menção
a teses doutrinai/orientações jurisprudenciais,
pretendendo-se avaliar em primeira linha a
capacidade de raciocínio e juízo crítico, bem como
o discurso lógico do candidato ante uma análise
casuística das implicações do princípio penal
convocado.

Teorias e correntes jurisprudenciais:


A) A favor da identificabilidade de bem jurídico:

A.1. Tutela direta (animais de companhia não


como mero objeto da ação ilícita mas como
“sujeitos” da tutela)
- Artº 66º, nº 9 da CRP (Direito à Proteção do
Ambiente integraria o bem-estar animal
genérico e não apenas o dos animais em
vias de extinção). Assim: Raul Farias, in “O
Direito dos Animais”, CEJ, 2019

- Bem Estar Animal- Art. 13.º do Tratado de


Funcionamento da União Europeia,
introduzido pelo Tratado de Lisboa, por
força do n.º 4 do art. 8.º da CRP.

- Extensão da tutela da Dignidade da Pessoa


Humana (interpretação atualista, não
especista e não antropocêntrica) - artº1º
da CRP – de modo a abarcar a integridade
física e psíquica dos animais ou um
“direito à existencialidade”, concebe os
animais como sujeitos morais e de direito:
Assim: Filipe Cabral; Ac. TRL de
23/05/2019, Rel. Fernando Estrela, Pº 3
46/16.6PESNT.L1-9)

- Integridade física e a vida dos animais de


companhia- MARIA DA CONCEIÇÃO
VALDÁGUA: (In Algumas Questões
Controversas em Torno da Interpretação
do Tipo Legal de Crime de Maus Tratos a
Animal de Companhia, texto de uma
palestra realizada na Faculdade de Direito
de Lisboa, 29 de junho de 2017, p. 194,
disponível em
https://blook.pt/publications/publication/
cddb197a4b61/); Paulo Pinto Albuquerque
(in Comentário ao Código Penal, 3.ª
edição): “o bem jurídico protegido é a vida
integridade física do animal de
companhia”.

A.2. Tutela indireta: Bem jurídico instrumental da


tutela (indireta) de outros bens/valores
constitucionalmente tutelados, onto-
antropologicamente fundados, nomeadamente a
dignidade da pessoa humana (artº 1º da CRP); os
sentimentos de compaixão e solidariedade dos
homens pelos animais de companhia; a própria
vida e integridade física e moral da pessoa
humana ( artºs 24º e 25º da CRP )
- “Bem coletivo e complexo que tem na sua
base o reconhecimento pelo homem de
interesses morais diretos aos animais
individualmente considerados e,
consequentemente, a afirmação do
interesse de todos e cada uma das pessoas
na preservação da integridade física, do
bem estar e da vida dos animais, tendo em
conta uma inequívoca responsabilidade do
agente do crime pela preservação desses
interesses dos animais por força de uma
certa relação atual (passada e/ou
potencial) que com eles mantém. Em causa
está uma responsabilidade do humano,
como indivíduo em relação com um
concreto animal, e também como Homem,
i.e., enquanto membro de uma espécie,
cujas superiores capacidades cognitivas e
de adaptação estratégica o investem numa
especial responsabilidade para com os
seres vivos que podem ser (e são) afetados
pelas suas decisões e ações” (TQB, “Crimes
Contra Animais: os novos Projetos-Lei de
Alteração do Código Penal, Anatomia do
Crime, nº 4, Jul.Dez 2016, p. 104).

- “Bem jurídico coletivo que pode ser


definido como o interesse de toda e cada
uma das pessoas na preservação da
integridade física, da saúde e da vida dos
animais em função de uma certa relação
atual ou potencial com o agente do crime.
(Ac. TRE de 18.06.2019 no Processo n.º
90/16.4GFSTB.E1, e o Ac. TRE de
11.04.2019 no Processo n.º
1938/15.6T9STB.E1-Rel. Ana Barata de
Brito)

- Apesar de questionar a questão da


constitucionalidade, identifica um
potencial bem jurídico “plúrimo, composto
ou complexo, baseado na proteção da
integridade física, saúde e vida de um
determinado animal, pela específica
relação que o mesmo natural ou
culturalmente tem ou está destinado a ter
com o ser humano” (Parecer do CSM, aos
Projetos de Lei 474/XII/3º e 475/XII/3º que
antecederam a Lei 69/2004
- Integridade Física e Vida humanas:
Maltratar animais potencia os maltratos
contra as pessoas e degradaria a própria
humanidade (artºs 1º, artºs 24º e 25º da
CRP)

- Sentimento coletivo de solidariedade de


compaixão e solidariedade para com os
animais de companhia
*
Consequente e coerente decisão no sentido da
constitucionalidade ou inconstitucionalidade.

Pronúncia ou não pronúncia em conformidade.


II.D. CRIME CONTRA A
HONRA:

0,75

D.1.Pessoa coletiva pode ser 1.Diversamente do que sucede com as pessoas


ofendida? Identificação do singulares, os sujeitos passivos deste tipo de crime
bem jurídico tutelado pelo não têm honra, na acepção tradicional, pois esta
artº 187º. /artº 12º, nº 2 e constitui ativo integrante do património das
artº26º, nº 1 da CRP pessoas singulares. No caso, o bem jurídico
protegido pela incriminação é a credibilidade, o
prestígio, a confiança e o bom nome no sector de
atividade da pessoa coletiva ou organismo.

1,00
D.2 A conduta imputada 2.Perante o disposto no art.º 187.°, n.° 1, do C.P.,
reconduz-se a uma imputação são elementos do tipo objetivo do crime de ofensa
de factos ou a um juízo de a organismo, serviço ou pessoa coletiva:
valor? Este último é abarcado i) a afirmação ou propalação de factos inverídicos;
pelo 187º? Não o sendo ii) não ter o agente fundamento para, em boa fé,
poder-se-á recorrer ao 181º? . reputar verídicos tais factos;
iii) idoneidade dos factos para ofender a
credibilidade, o prestígio ou a confiança que se
mostrem devidos a organismo ou serviço que
exerçam autoridade pública, pessoa colectiva,
instituição ou corporação.

No caso, a referência constante da acusação -que a


associação assistente é completamente nazi – pese
embora se trate de um caso de fronteira, contém a
formulação de um juízo de valor, uma opinião
indiciariamente desprovida de fundamento, por
contraposição à pressuposta imputação de factos
inverídicos, colocando-a fora do campo previsivo
da norma.

Não se tratando da imputação de factos inverídicos,


mas, ao invés, da formulação, pelo arguido, de um
juízo de valor depreciativo, não se mostra
preenchido o tipo legal de crime, não sendo
possível recorrer à analogia com a situação vertida
no art.º 181.º do C.P., sendo a analogia proibida e
violadora, no caso, dos princípios da legalidade e da
tipicidade penal (art.º 1º, n.º 1, do C.P.).

D.3. Afastamento do crime de O crime de Calúnia reporta-se à atividade de 0,75


calúnia imputado por falta de propalação de factos inverídicos e não a juízos de
elementos típicos (só para valor, logo nunca o tipo poderia estar preenchido.
factos e não para juízos).
Irrelevância da alteração da O MP não se encontra vinculado à qualificação
qualificação jurídica operada jurídica realizada pelo assistente na acusação
pelo MP ao afastar a calúnia particular, estando apenas impedido de proceder a
uma alteração substancial dos factos a que não se
reconduz uma alteração da qualificação.

D.4. Falta de dolo na acusação 4. AUJ de 20/11/2014, processo n.º 1,25


particular e alteração 17/17.4GBORQ.E2-A. S1 «A falta de descrição, na
substancial dos factos acusação, dos elementos subjetivos do crime,
operada na acusação do MP : nomeadamente dos que se traduzem no
a. Nulidade da acusação conhecimento, representação ou previsão de todas
particular por falta de as circunstâncias da fatualidade típica, na livre
dolo (artº 283º, nº 3 determinação do agente e na vontade de praticar o
ex vi do artº 285º, nº 2 facto com o sentido do correspondente desvalor,
do CPP): falta de não pode ser integrada, em julgamento, por
elemento volitivo e recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do
intelectual (a CPP». A acusação deve sempre conter, porque
expressão utilizada no delimitadora do objeto do processo, os aspectos
artº 10º da acusação que configuram os elementos subjetivos do crime,
particular apenas incluindo a vontade ou intenção de realizar a
abarca a inveracidade conduta típica, apesar de conhecer todas as
da afirmação e não a circunstâncias relevantes, ou, na falta de intenção,
vontade e a a representação do evento como consequência
consciência de utilizar necessária (dolo necessário) ou a representação
expressões aptas a desse evento como possível, conformando-se o
diminuir a pretensão agente com a sua produção (dolo eventual),
de credibilidade e a atuando, assim, conscientemente contra o direito
reputação da Na fase processual em causa, e seguindo a
assistente) jurisprudência fixada no AUJ n.º 7/2005, não seria
b. Impossibilidade legal viável permitir que a assistente, ainda que a
de o MP (ou o JIC) impulso ou iniciativa do JIC, aditasse os elementos
proceder ao em falta, nem esta é suprível por via do acrescento
aditamento do dolo constante do acompanhamento do Ministério
porquanto tal integra Público. Este, ao transmutar uma conduta atípica -
uma alteração por falta dos elementos essenciais – na imputação
substancial dos factos de um crime traduziria, sempre, uma alteração
descritos na acusação substancial de factos, não permitida pelo art.º
particular pelo MP no 285.º, n.º 4 do C.P.P.
caso de o arguido em Sendo aplicável à fase de instrução o mecanismo
sede de instrução se previsto no art.º 359.º do C.P.P., embora não
opor a tal alteração expressamente previsto no art.º 303.º do mesmo
(questão da aplicação diploma, não produziria os efeitos pretendidos,
analógica do artº porquanto, como se refere no enunciado, haveria
359º do CPP na fase oposição do arguido àquela alteração.
de instrução face à
lacuna legal)

D.5. Da indiciação dos factos: o A liberdade de pensamento, do uso da palavra, da 0,75


exercício de um direito de emissão de opinião, integra o núcleo de direitos
crítica/ liberdade de expressão fundamentais com consagração constitucional
como causa de exclusão da (art.º 37.º da C.R.P.).
ilicitude (artº 31º, nº2, al. b) do Poder-se-ia aventar a existência de um conflito
CP); a possível indiciação fica entre o direito à livre expressão do pensamento e a
prejudicada com a apreciação tutela reputacional da assistente, sendo que o
dada à nulidade da acusação primeiro, não absoluto nem contemplando um
todavia deve ser apreciada direito à difamação, considerando o
face às indicações dadas no circunstancialismo dos autos, as palavras
enunciado. proferidas extravasariam o legítimo exercício
opinativo
1,00
III. Organização do Avaliação da correção da linguagem, clareza e (a valorar
discurso técnico - concisão do discurso, rigor da terminologia técnico- conjuntame
jurídico e linguagem jurídica empregada, estruturação lógica do nte com I.)
utilizada raciocínio realizado.
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via Académica

37.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 21117/2020 , PUBLICADO NO


DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 253/2020, 2.ª SÉRIE, DE 31 DE
DEZEMBRO DE 2020

DATA: 13 DE FEV EREIRO DE 2021

1.ª CHAMADA

HORA: 9H 15M (DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ARTIGO 12.º DO


REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, O TEMPO DE
DURAÇÃO DA PROVA INICIA -SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA

DESIGNADA)

DURAÇÃO DA PROV A: 3 HORAS

0
PROVA ESCRITA DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via Académica – 1.ª Chamada – 13 de fevereiro de 2021

1 – A presente prova é composta por três partes, sendo todas as questões de


abordagem obrigatória.

2 – Cotações:
- Caso I (7 valores):
- I (3 valores)
- II (4 valores)

- Caso II-A (8 valores):


- I (4 valores)
- II (4 valores)

- Caso II-B (5 valores):

3 – A atribuição da cotação máxima em cada resposta pressupõe um tratamento


completo das várias questões suscitadas, que deverá ser coerente e corretamente
fundamentado, com indicação dos preceitos legais aplicáveis.

4 – Na cotação atribuída serão tidos em consideração a pertinência do conteúdo, a


qualidade da informação transmitida em relação à questão colocada, a
organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o
domínio da língua portuguesa.

1
5 – As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a
grafia do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (aprovado pela Resolução da
Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente
no quadro “Observações” da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
“Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade”, sendo a
prova corrigida nesse pressuposto.

6 – Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até
um máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º
21117/2020, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 253, de 31 de
dezembro).

7 – A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a


candidato/a será penalizada com uma redução da nota atribuída até um máximo
de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.3 do Aviso n.º 21117/2020, publicado
no Diário da República, 2ª série, n.º 253, de 31 de dezembro).

8 – As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento


identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da
folha de rosto), sob pena de anulação da prova.

9 – Não é permitida durante a prova a partilha de livros, fotocópias, apontamentos,


elementos de estudo, nem de utensílios de escrita, entre os/as candidatos/as.

10 – Durante a realização da prova as dúvidas que não possam ser resolvidas


pelo/a vigilante serão colocadas pelo/a candidato/a ao Docente/Coordenador que
seja chamado, no corredor, mantendo sempre a distância de segurança.

2
11 – Se terminar a prova antes da hora prevista só poderá sair da sala até 15
minutos antes do final. Terminando depois desse momento deverá aguardar pelo
final e sair quando lhe for indicado, com o resto dos/as candidatos/as dessa sala.

12 - Assim que for dada indicação que a prova terminou os/as candidatos/as
terão de pousar a caneta/esferográfica, não podendo – em caso algum –
prosseguir com o que estavam a escrever, ficando a aguardar que o/a
vigilante recolha as folhas com a prova e, só nessa altura, as poderão
numerar e entregar.

O desrespeito desta regra implica a anulação da prova.

13 – A saída após realização das provas será feita por sala e sucessivamente, de
acordo com as indicações dadas no momento e pelos concretos pontos de saída
indicados.

14 – A máscara deverá estar sempre colocada, a não ser durante o período


de tempo estritamente necessário para ingestão de bebidas ou alimentos
frugais.

15 - Na resolução desta prova não deve ser utilizada a legislação


especialmente aprovada em consequência da pandemia COVID 19.

3
Caso I

(7 valores)

Antónia, pretendendo recuperar a forma física perdida durante o período de confinamento,


resolveu inscrever-se no Ginásio Sempre em Forma, localizado perto de sua casa, na Rua
Direita, em Viseu, a fim de ali praticar natação.

Dirigindo-se ao ginásio, foi informada por uma funcionária de que, para além de equipamentos
para a prática de musculação e aulas de diversas modalidades desportivas, dispunham de uma
piscina com medidas olímpicas, ideal para a prática de natação.

Após efetuar uma visita às instalações e especialmente encantada com a magnífica piscina ali
existente, Antónia decidiu inscrever-se nesse ginásio.

Para esse efeito, a funcionária entregou a Antónia um documento já impresso, com o logotipo
do ginásio e letras de reduzida dimensão, sem quaisquer espaços em branco para serem
preenchidos, com exceção dos reservados à identificação de Antónia e às assinaturas, no final.

Um documento igual a este é entregue a todos os que pretendem frequentar o ginásio e o


mesmo dispõe, nomeadamente, o seguinte:

A “Cérebro e Músculos, Lda.” é uma sociedade por quotas matriculada na Conservatória do


Registo Comercial de Viseu sob o NIPC 000000000.

A sociedade tem por objeto social: propriedade e gestão de ginásios; exploração, consultoria e
gestão dentro das áreas de instalações desportivas e de lazer.

A sociedade “Cérebro e Músculos, Lda.” é proprietária e explora o “Ginásio Sempre em Forma”,


sito na Rua Direita nº 000, em Viseu.

Cláusula 1.ª - Objeto do Contrato: O presente contrato tem por objeto a disponibilização de
instalações e equipamentos para a prática desportiva de lazer por parte da sociedade “Cérebro
e Músculos, Lda.”, no “Ginásio Sempre em Forma”, aos associados, dentro das condições
acordadas.

(...)

Cláusula 5.ª - Mensalidade: Todos os associados pagarão uma mensalidade,


independentemente do uso efetivo que façam do Ginásio. O Associado continuará responsável
4
pelo pagamento integral das mensalidades ainda que, por motivos não imputáveis à
sociedade, a mesma não possa fornecer a gama completa de serviços anunciados.

Antónia preencheu a sua identificação, rubricou todas as folhas do documento que lhe foi
apresentado e apôs a sua assinatura no final do mesmo, no espaço em branco a tal
previamente destinado.

O documento foi, de igual modo, rubricado e assinado pelo legal representante da sociedade
Cérebro e Músculos, Lda.

Cerca de três meses depois, ao entrar nas instalações do ginásio, Antónia deparou com um
cartaz com os seguintes dizeres: A piscina encontra-se encerrada, não podendo ser utilizada
pelos associados até indicação em contrário.

Antónia dirigiu-se, então, ao sócio-gerente da sociedade Cérebro e Músculos, Lda., o qual a


informou da existência de uma rotura grave na canalização municipal de abastecimento de
água à piscina, não sendo previsível a data em que tal equipamento voltaria a estar disponível
para utilização.

Face aos dados fornecidos, responda, justificadamente, às seguintes questões:

I. Identifique e caracterize juridicamente o contrato celebrado entre Antónia e a


sociedade Cérebro e Músculos, Lda.
(3 valores)

II. Suponha que Antónia pretende deixar de pagar a mensalidade enquanto a piscina não
estiver disponível para utilização. A Cérebro e Músculos, Lda. não aceita, invocando a
cláusula 5.ª do contrato e alegando que Antónia tem ao seu dispor todos os demais
serviços e equipamentos facultados pelo ginásio.
Aprecie a viabilidade da pretensão de Antónia.
(4 valores)

5
Caso II-A

(8 valores)

Gonçalo, de 50 anos de idade, e Adélia, de 30 anos de idade, ambos solteiros, celebraram, por
escritura pública de 5 de janeiro de 2007, convenção antenupcial pela qual, tendo em vista o
casamento que entre si pretendiam celebrar, declararam:
a) que o casamento ficava sujeito ao regime da comunhão de adquiridos, sendo porém
comuns os bens doados a qualquer dos cônjuges, na constância do casamento;
b) que Adélia constituía gratuitamente a favor de Gonçalo direito de usufruto vitalício e
exclusivo sobre uma casa de férias em Esmoriz, de que era proprietária, o que Gonçalo
aceitou;
c) que a aceitação por qualquer deles de proposta de trabalho que implicasse
deslocações ao estrangeiro ficava dependente do assentimento do outro;
d) que ambos os nubentes se comprometiam a seguir uma filosofia de vida assente nos
valores do pacifismo e da comunhão com a natureza, e que, se viessem a ter filhos em
comum, passariam os dois a observar um regime alimentar estritamente vegetariano.

Gonçalo e Adélia contraíram entre si casamento civil no dia 10 de dezembro de 2007. No dia
24 de julho de 2008, os cônjuges, enquanto compradores, e Evaristo, divorciado, enquanto
vendedor, outorgaram escritura pública pela qual os primeiros declararam comprar ao
segundo, e este vender-lhes, pelo preço de 210 mil euros, a fração autónoma G do prédio
urbano sito na Rua de Baixo, em Lisboa, descrito sob o n.º 000 da respetiva freguesia, na XXª
Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
Para pagamento do preço, os compradores entregaram nesse momento ao vendedor:
i) 160 mil euros, produto da venda a Joaquim, no mesmo dia 24 de julho, da nua
propriedade sobre a casa de férias em Esmoriz;
ii) 50 mil euros provenientes das economias mensais dos cônjuges, a partir dos
respetivos salários, acumuladas desde a data do casamento.
Na escritura nenhuma referência ficou a constar quanto à proveniência dos valores entregues
para pagamento do imóvel.

Dissolvido o casamento por divórcio por mútuo consentimento, por sentença homologatória
transitada em julgado no dia 7 de janeiro de 2020, Adélia pretende agora que seja reconhecido
que a fração autónoma G do prédio urbano sito na Rua de Baixo, em Lisboa, descrito sob o n.º
6
000 da respetiva freguesia, na XXª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, é seu bem
próprio, pelo que o valor da venda deste imóvel, agora projetada pelos ex-cônjuges, lhe deve
ser entregue na totalidade.

Face aos dados fornecidos, responda, justificadamente, às seguintes questões:

I. Aprecie a validade da convenção antenupcial.


Enquadrando juposições de
(4 valores)

II. Pronuncie-se acerca da viabilidade da pretensão de Adélia.


(4 valores)

7
Caso II-B

(5 valores)

Abalado com o desenlace da sua vida conjugal, Gonçalo decidiu, em fevereiro de 2020, ir
passar uma longa temporada na casa de Esmoriz. Ali chegado, constatou que o código de
abertura da fechadura eletrónica da moradia tinha sido alterado, não lhe tendo sido possível
entrar.
Apurou depois que Joaquim se encontrava instalado na casa desde novembro de 2019 e
também que, nos últimos cinco anos, Joaquim passava sempre ali os meses de inverno, uma
vez que Adélia, sem conhecimento de Gonçalo, lhe tinha disponibilizado o código de abertura
da fechadura. Munido do código, Joaquim entrava na casa, procedia depois à respetiva
alteração, voltando a colocar o código original quando saía.
Gonçalo contactou então Joaquim, que se manifestou surpreso ao vê-lo em Esmoriz durante o
inverno, e que, confrontado com a intenção de Gonçalo se instalar imediatamente na moradia,
reagiu exaltadamente, dizendo que não tinha para onde ir, e que Gonçalo e a sua ex-mulher,
Adélia, desde 2008, sempre tinham utilizado a casa só um mês por ano, em agosto.
Acrescentou que se Gonçalo continuasse a insistir arranjava dois ou três amigos que se
encarregariam de lhe levar esta mensagem de forma que não ia esquecer. Gonçalo, que sofria
de problemas cardíacos, e se sentia emocionalmente fragilizado na sequência do divórcio,
sentiu-se amedrontado com este discurso.

Face aos dados fornecidos, responda, justificadamente, à seguinte questão:

Pretendendo Gonçalo instalar-se, com urgência, na moradia, indique a que meio processual
de tutela civil deveria recorrer.

(5 valores)

8
37.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

*
Via Académica

1.ª Chamada - 13 de fevereiro de 2021

Grelha de correção

As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para cada uma
das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Caso I 7 valores
Questão I 3 valores
Questão II 4 valores

Caso II - A 8 valores
Questão I 4 valores
Questão II 4 valores

Caso II - B 5 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

• Qualificar o contrato celebrado entre Antónia e a sociedade “Cérebro e Músculos,


CASO I Lda.” como contrato de prestação de serviços, sinalagmático e oneroso, de prestação
duradoura (continuada relativamente à prestação a cargo da sociedade e periódica
QUESTÃO relativamente à prestação a cargo de Antónia) – arts. 1154.º e seguintes do Código
I Civil.

• Caracterizar Antónia como consumidora, indicando que se trata de contrato


celebrado entre um consumidor e um profissional, nos termos e para os efeitos do
art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, de 31/07.

• Referir que o contrato foi reduzido a escrito, apresentando-se como um contrato de


adesão sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, em face do disposto no art.
9.º, n.º 2, al. b), e n.º 3 da Lei n.º 24/96, de 31/07, e no art. 1.º, n.º 1, do DL n.º
446/85, de 25/10.

• Definir cláusulas contratuais gerais e elencar as suas características: elaboração


prévia, generalidade e tendencial rigidez.

QUESTÃO • Mencionar que, com vista à prevenção de abusos resultantes de contratos pré-
II elaborados, o prestador de serviços está obrigado à não inclusão de cláusulas em
contratos singulares que originem significativo desequilíbrio em detrimento do
consumidor – art. 9.º, n.º 2, al. b), e n.º 3 da Lei n.º 24/96, de 31/07.

• Concluir que a cláusula 5.ª é absolutamente proibida por violar o disposto no art. 18.º,
al. f), do DL n.º 446/85, de 25/10, uma vez que permite o afastamento da exceção de
não cumprimento do contrato.

• Sustentar que a cláusula 5.ª é proibida num contrato deste tipo, por violar o disposto
no art. 19.º, al. h), do DL n.º 446/85, de 25/10, uma vez que permite que a sociedade
modifique unilateralmente as prestações (não fornecer a gama completa dos serviços
contratados) sem compensação correspondente às alterações do valor decorrentes da
não prestação completa de tais serviços – o que se afigura fortemente atentatório do
equilíbrio que deve pautar as prestações contratuais.

• Identificar a consequência de tal proibição: nulidade da cláusula – art. 12.º do DL n.º


446/85, de 25/10.

• Considerar que, uma vez que Antónia pretende a manutenção do contrato, em


consequência da invalidade da cláusula 5.ª, vigorarão, na parte afetada, as normas
supletivas aplicáveis – art. 13.º, n.º 1, e n.º 2, do DL n.º 446/85, de 25/10.

• Identificar o regime supletivo aplicável: art. 4.º da Lei n.º 24/96, de 31/07; arts. 1.º-A,
n.º 2, 1.º-B, 2.º e 4.º do DL n.º 67/2003, de 8/04; Código Civil.

• Referir que, nos termos do art. 4.º do DL n.º 67/2003, o consumidor tem direito a que
a coisa ou serviço desconforme seja reposto sem encargos, por meio de reparação ou
de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.

• Indicar que o serviço acordado entre as partes, em face da impossibilidade do uso da


piscina, apresenta-se como parcialmente desconforme, para efeitos do art. 2.º do DL
n.º 67/2003, de 8/04.

• Reconhecer que Antónia não pretende a extinção do contrato, mas antes deixar de
pagar a prestação a seu cargo na totalidade.

• Sustentar que a prestação se tornou parcialmente impossível por motivo não


imputável à sociedade (rotura grave na canalização municipal de abastecimento de
água à piscina que não permite que o equipamento seja disponibilizado aos
associados).

• Concluir que a sociedade se exonera com a prestação do que for possível (no caso, o
fornecimento dos demais serviços e disponibilização dos equipamentos), devendo,
porém, ser proporcionalmente reduzida a mensalidade paga por Antónia no que diz
respeito aos períodos temporais em que a piscina esteja indisponível, por aplicação do
art. 793.º n.º 1 do Código Civil

• Indicar que esta redução proporcional não pode, sob pena de constituir abuso de
direito, implicar o não pagamento da totalidade da mensalidade, considerando os
serviços que a sociedade continua a prestar a Antónia, pelo que a pretensão desta
última, tal como foi formulada, não tem viabilidade.

• Equacionar a questão na perspetiva da alteração superveniente das circunstâncias, a


que se refere o art. 437.º do Código Civil, afastando tal solução, uma vez os dados do
enunciado não permitem concluir que ficou acordado entre as partes que a adesão de
Antónia era motivada pelo uso da piscina, ou sequer que era essa a vontade de
Antónia, conhecida da sociedade.

• Considerar, quanto à defesa apresentada pela sociedade, que não é suficiente, para
que Antónia esteja vinculada ao pagamento da totalidade da mensalidade, o facto de
parte dos equipamentos e serviços estarem disponíveis para utilização, uma vez que se
verifica uma efetiva redução da prestação contratada.

CASO II – A • Indicar que a convenção antenupcial celebrada por Adélia e Gonçalo foi reduzida à
forma legalmente exigida, os contraentes têm capacidade para celebrar a convenção,
QUESTÃO existe liberdade quanto à escolha de regime de bens, não se impondo, face à idade dos
I nubentes, o regime da separação de bens (arts. 1710.º, 1708.º, n.º 1, 1698.º e 1720.º,
n.º 1, al. b), todos do Código Civil). O casamento foi celebrado dentro do prazo de um
ano contado da data da celebração da convenção (art. 1716.º).

Avaliar o conteúdo concreto da convenção, à luz das regras aplicáveis decorrentes do


regime jurídico do casamento, bem como dos limites gerais inderrogáveis, para
salvaguarda dos deveres e direitos dos cônjuges, da igualdade e independência entre
os cônjuges e da tutela da personalidade destes:

• alínea a) : comunicabilidade dos bens doados na constância do casamento: válida


apenas quanto às doações que não se reconduzam à previsão das als. a) e b) do n.º 1
do art. 1733.º do Código Civil (v. art. 1699.º, n.º 1, d) do mesmo Código), e desde que
os nubentes não tenham filhos anteriores ao casamento, devendo entender-se, ainda
assim, que esta regra só vale caso os filhos não sejam comuns (neste sentido, Parecer
do Conselho Consultivo da PGR de 10.11.1994, homologado por despacho do SE
Justiça de 28.12.1994);
• alínea b): constituição de usufruto vitalício gratuito exclusivo a favor de Gonçalo –
pode constituir-se por contrato (art. 1440.º), sendo, no caso, considerada uma doação
entre esposados; após o casamento, o direito de usufruto será bem próprio de
Gonçalo (arts. 940.º, n.º 1, 1754.º, 1756.º, n.º 1 e 1757.º do Código Civil. Foi observada
a forma legalmente exigida para a constituição de usufruto sobre imóvel, por doação
(art. 947.º, n.º 1, do Código Civil);
• alínea c): reconhecer que a cláusula viola o disposto no art. 1677.º-D do Código Civil,
não podendo, para salvaguarda da autonomia profissional dos cônjuges, ser objeto de
convenção antenupcial, nos termos do art. 1699.º, n.º 1, al. b) do Código Civil;
• alínea d): assinalar que as convenções antenupciais podem ficar sujeitas a condição
(art. 1713.º, n.º 1), designadamente à condição de nascimento de filhos comuns.
Sustentar que o conteúdo desta alínea envolve uma vinculação ideológica, de estilo de
vida, violador dos direitos de personalidade, do direito ao livre desenvolvimento da
personalidade e da liberdade de consciência, problematizando a subsunção da
situação ao disposto no art. 81.º, n.º 1, e /ou ao art. 280.º do Código Civil.
• As cláusulas constantes da convenção antenupcial que contrariem disposições legais
imperativas estão feridas de nulidade na parte afetada, sem prejuízo de redução da
convenção e manutenção da parte não afetada pelo vício (arts. 292.º e 294.º do
Código Civil).

• Identificar o regime de bens segundo o qual se considera celebrado o casamento de


QUESTÃO Adélia e Gonçalo – regime da comunhão de adquiridos, com a cláusula de
II comunicabilidade dos bens doados, nos termos aferidos na Questão I (artigos 1721.º e
segs. e 1698.º do Código Civil).
• Considerar, face aos elementos de facto indicados, que o imóvel foi adquirido em
parte com bens próprios de Adélia e em parte com bens comuns (artigo 1723.º, alínea
b), do Código Civil – o valor da venda da nua propriedade da casa de Esmoriz conserva
a qualidade de bem próprio de Adélia e art. 1724.º, al. a), do mesmo Código) pelo que,
à luz do disposto no art. 1726.º, revestiria a natureza da mais valiosa das duas
prestações.
• Convocar, no sentido de o imóvel integrar a comunhão, o regime decorrente do
disposto nos arts. 1723.º, al. c), e 1724.º, al. b), do Código Civil, uma vez que na
escritura intervieram ambos os cônjuges e que nesta nada ficou a constar quanto à
proveniência do dinheiro.
• Referir, no contexto do caso prático, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ)
n.º 12/2015; avaliar a aplicabilidade do AUJ ao caso e posicionar-se quanto a esta
aplicabilidade, oferecendo solução em conformidade com a posição assumida.
• Face à pretensão de Adélia, referir a especificidade do estatuto dos bens que integram
a comunhão conjugal no período após a dissolução do casamento e até à partilha e,
substantivamente, que, ainda que o bem fosse considerado próprio de Adélia, o n.º 2
do artigo 1726.º do Código Civil determina que, aquando da dissolução e partilha da
comunhão, haja lugar à compensação devida pelo património de Adélia ao património
comum.
• Face àquela pretensão, referir também a sua inviabilidade em caso de pronúncia pela
integração do bem na comunhão, pois que cada um dos ex-cônjuges teria então direito
a metade do valor da venda do imóvel (arts. 1730.º, n.º 1 e 1689.º do Código Civil).

• Enquadrar jurídico-processualmente a hipótese, face aos elementos disponibilizados,


CASO II - B no âmbito dos procedimentos cautelares. Explorar, enquanto alternativas convocadas
por tais elementos, a aplicabilidade dos regimes do procedimento cautelar comum ou
do procedimento cautelar especificado de restituição provisória de posse, à luz da
pertinente doutrina e jurisprudência.
• Identificar Gonçalo enquanto usufrutuário e possuidor, possuindo nos termos do
direito real de usufruto (art. 1251.º do Código Civil), e caracterizar a sua posse, a que
não obsta a instalação de Joaquim no imóvel alguns meses por ano, sem o seu
conhecimento (art. 1267.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, do Código Civil).
• Identificar Joaquim enquanto proprietário de raiz, sem a possibilidade de usar e fruir o
imóvel, enquanto durar o usufruto (arts. 1439.º, 1446.º e 1483.º do Código Civil),
caracterizando como mera detenção a sua ocupação do imóvel (art. 1253.º, al. a), do
Código Civil).
• Problematizar a aplicação do procedimento cautelar comum vs. restituição provisória
da posse, considerados os elementos de facto disponíveis, e avaliando, em especial, o
conceito de esbulho violento (arts. 362.º e segs. vs art. 377.º do Código de Processo
Civil e art. 1279.º da Código Civil).
37.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

*
Via Académica

2.ª Chamada - 18 de fevereiro de 2021

Grelha de correção

As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para cada uma
das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Caso I 10 valores
Questão I 4 valores
Questão II a) 3 valores
Questão II b) 3 valores

Caso II 10 valores
Questão I 3 valores
Questão II 7 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

• Qualificar o acordo celebrado entre a sociedade Vendas na Moda, Lda. e a sociedade Estilo
CASO I Chique, S.A., como contrato comercial, de distribuição, na modalidade de contrato de concessão
comercial.
• Justificar a qualificação, assinalando que a Estilo Chique, S.A. (concedente) se obrigou a vender à
QUESTÃO Vendas na Moda, Lda. (concessionária) e esta a comprar-lhe, para revenda a terceiros, por sua
I conta e risco e de modo estável, uma quota de bens, aceitando certas obrigações e sujeitando-se
a um certo controlo e fiscalização por parte da Estilo Chique, S.A.
• Referir que se trata de um contrato inominado, não tipificado na lei. Assinalar que se aplica, a
esse contrato, designadamente, sempre que a analogia das situações o justifique, a
regulamentação do contrato de agência - Decreto-Lei n.º 178/86, de 3.07.

Indemnização por falta de cumprimento do pré-aviso:


• Reconduzir a questão a uma das possibilidades seguintes, à luz da pertinente doutrina e
jurisprudência:
QUESTÃO A) Aplicação, por analogia, do art.º 28.º, n.º 1 al. c) do Decreto-Lei n.º 178/86, de 03.07,
II a) avaliando, em conformidade, a viabilidade da pretensão, considerado o prazo observado pela
Estilo Chique, S. A..
OU
B) Exclusão fundamentada da aplicação analógica do artigo 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
178/86, de 03.07, aos contratos de concessão, assinalando que estes contratos, por regra,
importam investimentos de maior vulto por parte do concessionário, do que os que estarão
normalmente a cargo do agente. Avaliar, em conformidade, a adequação do prazo de pré-aviso
observado.
• Extrair, em coerência com a posição assumida, as consequências no que respeita à concessão ou
não de uma quantia monetária por falta de cumprimento de pré-aviso e, na afirmativa, ao valor a
atribuir (art.º 29º nºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 178/86).

Indemnização de clientela:
• Identificar o conceito de indemnização de clientela.
QUESTÃO • Equacionar, face aos elementos de facto disponibilizados, a verificação dos três requisitos
II b) cumulativos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86,
aplicável por analogia (referência ao AUJ do STJ, de 19.09.2019).
• Afastar a previsão do n.º 3 do artigo 33.º, do mencionado diploma.
• Concluir, fundamentadamente, pela viabilidade da pretensão.

• A) Reconhecer que o pedido indemnizatório de 100.000 Euros se reporta à alegação de um dano


não patrimonial. Sustentar que a admissibilidade da sua compensação está dependente da
CASO II verificação cumulativa dos requisitos previstos no artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil. Quanto ao
montante da compensação, referir que é fixado equitativamente pelo tribunal – artigo 496.º, n.º
4 do Código Civil.
QUESTÃO
I • B) Afirmar que o pedido indemnizatório de 500 Euros se reporta à alegação de um dano
patrimonial. Caracterizá-lo como dano emergente, suscetível de reparação, nos termos do
disposto no artigo 564.º, n.º 1, parte inicial, do Código Civil.
• C) e D) Considerar que estes pedidos indemnizatórios se reportam à alegação de dano futuro,
sendo o da alínea D) reconduzível a eventuais lucros cessantes futuros. Referir que o dano futuro
apenas é indemnizável antecipadamente no caso de ser previsível – artigo 564.º, n.º 2, parte
inicial, do Código Civil.
• Analisar, para os efeitos previstos no artigo 493.º, n.º 1 do Código Civil, se João, enquanto
QUESTÃO proprietário de Esmeralda, e face ao momento em que ocorrem os factos, era quem tinha o
II animal à sua guarda e estava obrigado à sua vigilância, aferindo se se socorreu de Inês, sua
empregada, para concretizar tal dever. Referir que Inês não adquire, face aos elementos de facto
da hipótese, a qualidade de vigilante a que se refere o preceito, pelo que não deveria ser
responsabilizada por força do disposto no artigo 493.º, n.º 1 do Código Civil. Reconhecer, em face
dos dados de facto, que tão pouco existe fundamento para a responsabilizar nos termos do
disposto no artigo 483.º do Código Civil.
• Considerar que João não deu causa ao acidente, porquanto não teve qualquer comportamento
que concorresse para a produção da lesão. Não lhe era exigível, face ao local e ao momento em
que ocorrem os factos, que tomasse providências que evitassem que o animal reagisse
instintivamente à passagem de outro animal no corredor, quando é certo que a cadela estava
dentro de um gabinete de consulta, devidamente presa pela trela. Também não lhe era exigível
que previsse que a funcionária da clínica ia ter um comportamento não expectável, contrário à
diligência exigida a quem trabalha numa clínica veterinária. Assim, em face dos factos descritos,
não poderia ser assacada responsabilidade a João à luz do disposto no artigo 493.º, n.º 1 do
Código Civil nem à luz do disposto no artigo 483.º do Código Civil.
• Avaliar se João poderia ser responsabilizado com fundamento no disposto no artigo 502.º do
Código Civil e concluir negativamente, uma vez que o acidente é imputável a terceiro (artigo 505.º
do Código Civil). Considerar que foi apenas o facto anómalo da funcionária da clínica ter deixado a
porta aberta quando saiu que permitiu a reação impulsiva da cadela e a produção dos danos.
• Sustentar, quanto à funcionária da clínica, que esta violou um dever de cuidado que lhe era
manifestamente exigível, ao deixar a porta aberta ao sair do consultório, bem sabendo que
naquela clínica eram cuidados diversos animais em simultâneo. Considerando que a funcionária
não tem qualquer relação contratual com Ana, problematizar a possibilidade da sua
responsabilização à luz do disposto no artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil.
• Apurar a responsabilidade da clínica Cães e Gatos, Lda. pela produção do acidente, face à
violação dos deveres secundários decorrentes do contrato de prestação de serviços veterinários
celebrado com Ana (nomeadamente, os deveres de segurança e de organização do espaço e dos
procedimentos, garantindo que os utentes podem utilizar a clínica de forma segura e sem risco de
danos na sua saúde, integridade física e propriedade – artigos 762.º, 798.º e segs., 800.º, n.º 1, do
Código Civil).
• Equacionar, em face dos elementos da hipótese, se recaía sobre a clínica Cães e Gatos, Lda., um
dever de vigilância, ponderando a aplicação do regime previsto no artigo 493.º, n.º 1, do Código
Civil.
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
Via Académica

37.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO DE ABERTU RA: AVISO N .º 21117/2020, PU BLICADO

N O DIÁRIO DA REPÚ BLICA, 2.ª SÉRIE, N .º 253/2020, DE 31

DE DEZEMBRO DE 2020

DATA: 20 DE FEVEREIRO DE 2021

1.ª CH AMADA

H O RA: 14H 15M (DE ACO RDO CO M O DISPO STO N O ART. 12.º,

DO REG U LAMEN TO IN TERN O DO CEN TRO DE ESTU DO S JU -

DICIÁRIO S, O TEMPO DE DU RAÇÃO DA PRO VA IN ICIA-SE DE-

CO RRIDO S 15 MIN U TO S APÓ S A H O RA DESIG N ADA)

DU RAÇÃO DA PRO VA: 3 H O RAS

1
PROVA ESCRITA DE
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
Via Académica – 1.ª Chamada – 20 de fevereiro de 2021

1 – A presente prova é composta por dois Grupos, ambos de resolução obrigatória.

2 – Cotações:
- Grupo I (14 valores)

- Grupo II (6 valores)
1 – 3 valores
2 – 3 Valores

3 – A atribuição da cotação máxima em cada resposta pressupõe um tratamento completo


das várias questões suscitadas (afastando, inclusive, a responsabilidade jurídico-penal de
determinado/a agente, quando tal se justifique), que deverá ser coerente e corretamente
fundamentado, com indicação dos preceitos legais aplicáveis.

4 – Na cotação atribuída serão tidos em consideração a pertinência do conteúdo, a qualidade


da informação transmitida em relação à questão colocada, a organização da exposição, a
capacidade de argumentação e de síntese e o domínio da língua portuguesa.

5 – As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a grafia do


“Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos
de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente no quadro “Observações” da folha de
rosto que lhes será entregue, escrevendo “Considero que o Acordo Ortográfico aprovado
pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de
obrigatoriedade”, sendo a prova corrigida nesse pressuposto.

2
6 – Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até um máximo
de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º 21117/2020, publicado no Diário
da República, 2ª série, n.º 253, de 31 de dezembro).

7 – A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a candidato/a será


penalizada com uma redução da nota atribuída até um máximo de 3 valores, para o total da
prova (Ponto 6.3.3 do Aviso n.º 21117/2020, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º
253, de 31 de dezembro).

8 – As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento identifica-
tivo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da folha de rosto), sob
pena de anulação da prova.

9 – Não é permitida durante a prova a partilha de livros, fotocópias, apontamentos, elementos


de estudo, nem de utensílios de escrita, entre os/as candidatos/as.

10 – Durante a realização da prova, as dúvidas que não possam ser resolvidas pelo/a vigi-
lante serão colocadas pelo/a candidato/a ao Docente/Coordenador que seja chamado, no
corredor, mantendo sempre a distância de segurança.

11 – Se terminar a prova antes da hora prevista só poderá sair da sala até 15 minutos antes
do final. Terminando depois desse momento deverá aguardar pelo final e sair quando lhe for
indicado, com o resto dos/as candidatos/as dessa sala.

12 - Assim que for dada indicação que a prova terminou os/as candidatos/as terão de
pousar a caneta/esferográfica, não podendo – em caso algum – prosseguir com o que
estavam a escrever, ficando a aguardar que o/a vigilante recolha as folhas com a prova
e, só nessa altura, as poderão numerar e entregar.
O desrespeito desta regra implica a anulação da prova.

3
13 – A saída após realização das provas será feita por sala e sucessivamente, de acordo
com as indicações dadas no momento e pelos concretos pontos de saída indicados.

14 – A máscara deverá estar sempre colocada, a não ser durante o período de tempo
estritamente necessário para ingestão de bebidas ou alimentos frugais.

4
GRUPO I

( 14 valores)

1. Em dia do início de dezembro de 2019, na pequena vila de Renova, MONTEIRO e CA-


PELO, antigos colegas de escola primária, encontraram-se e, como faziam frequente-
mente, almoçaram juntos no restaurante local.
2. No final, como MONTEIRO, horas antes, tinha gastado todo o numerário que tinha
consigo na aquisição de bilhetes da Lotaria de Natal, CAPELO pagou a despesa de am-
bos, no valor de 20€, mas exigiu a MONTEIRO que lhe desse algo como garantia de
que depois lhe pagaria a sua parte da refeição, no valor de 10€, pois no passado por
várias vezes disso se esquecera. MONTEIRO acedeu e entregou então a CAPELO, de
sua livre vontade, um dos bilhetes de lotaria, que comprara por 10€, embora tivesse
em seu poder outros bens de igual ou superior valor, dizendo que lhe pagaria os 10€
no dia de Natal, com o que CAPELO concordou.
3. Uma semana depois, reparando que o número desse bilhete de lotaria começava e
terminava no seu algarismo da sorte, CAPELO decidiu ficar com o bilhete e enviou uma
sms a MONTEIRO dizendo que “o bilhete era seu e que já não precisava de lhe pagar
o almoço”. MONTEIRO nada respondeu.
4. Passado o Natal, CAPELO consultou a listagem dos números premiados na Lotaria de
Natal, constatando que o bilhete que MONTEIRO lhe entregara tinha um prémio de
100.000€; apresentou o bilhete à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, recebendo os
100.000€ por transferência para a sua conta bancária.
5. Tal facto chegou ao conhecimento de MONTEIRO, que procurou CAPELO e lhe quis
entregar uma nota de 10€, enquanto lhe exigia que entregasse os 100.000€. CAPELO
recusou dizendo que, como lhe tinha dito, ficara com o bilhete de lotaria e que o pré-
mio era seu.
6. Tal causou profunda indignação em MONTEIRO, que logo lhe disse que “se não lhe
pagasse rapidamente os 100 mil lhe provocaria sofrimento inimaginável”. Nos dias
seguintes, e com o mesmo propósito, MONTEIRO, crescentemente irritado com tal
situação, telefonou dezenas de vezes, a diferentes horas do dia e da noite, a CAPELO,
que não atendeu as chamadas, deixando aquele mensagens gravadas, com voz séria
e elevada, dizendo que “se não lhe pagasse rapidamente os 100 mil já sabia o que lhe
iria acontecer”.
7. No dia 14 de fevereiro de 2020, à tarde, iria ser apresentada uma versão moderna da
peça “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, na Escola Secundária pública de Re-
nova, onde ROMÁRIO (filho de MONTEIRO) e JÚLIA (filha de CAPELO), que frequenta-
vam o 11.º ano, iriam desempenhar as personagens Romeu e Julieta, respetivamente.
5
8. Tomando conhecimento desse facto alguns dias antes, MONTEIRO, crescentemente
revoltado, decidiu causar a CAPELO o maior sofrimento que conseguia imaginar: ma-
tar-lhe a filha, JÚLIA. Conhecendo em traços largos a história da peça, decidiu colocar
verdadeiro veneno no líquido que ela iria ingerir na sua representação.
9. Por esses dias, CAPELO igualmente tomou conhecimento da realização da peça e ficou
desagradado por a sua filha ter de beijar ROMÁRIO em público, receando que aí pu-
desse ter início uma relação de namoro, que desaprovaria. Conhecendo em traços
largos a história da peça, decidiu trocar o líquido que JÚLIA iria beber por um chá de
cebola e alho, que a deixaria com um tal mau hálito que ROMÁRIO nunca mais olharia
para JÚLIA com intenções românticas.
10. Cerca das 22h do dia 13 de fevereiro, MONTEIRO dirigiu-se à Escola, vendo, à entrada,
SEGURO, funcionário da mesma com as funções de porteiro.
11. MONTEIRO disse a SEGURO que “necessitava ir ao interior da Escola buscar um livro
que o seu filho ROMÁRIO deixara esquecido”, tendo SEGURO respondido “ter ordens
para não deixar entrar na escola estranhos à mesma”, mas que “não costumava apli-
car essa regra a quem lhe pagava umas cervejas”.
12. MONTEIRO entregou então 10€ a SEGURO. SEGURO recebeu o dinheiro e dirigiu-se ao
bar mais próximo.
13. MONTEIRO entrou então na Escola e, no camarim, colocou cianeto no frasco com chá
com o pequeno rótulo “Julieta”, que já estava preparado para a peça, em quantidade
que causaria necessariamente a morte de quem o ingerisse.
14. No dia 14 de fevereiro, MONTEIRO ingeriu diversas bebidas alcoólicas ao almoço e,
quando se levantou da mesa com intenção de se dirigir à Escola Secundária para as-
sistir à peça, constatou que cambaleava ligeiramente e, por isso, não estaria em con-
dições de conduzir o seu automóvel. Tinha, na verdade, uma taxa de álcool no sangue
de 1,5 gramas por litro. Decidiu então deslocar-se na trotineta com motor elétrico que
oferecera a ROMÁRIO no Natal, mas com capacete colocado, pois prezava muito a
segurança.
15. Assim o fez, deslocando-se sempre pelos passeios para não incomodar os automóveis
que circulavam na estrada. Pelas 15h, na Rua da Poesia, MONTEIRO deparou-se com
três pessoas que, de costas para si, caminhavam pelo passeio na direção da Escola.
16. Devido às bebidas alcoólicas que ingerira, MONTEIRO atrapalhou-se, não conseguiu
travar nem desviar a direção da trotinete e embateu em duas dessas três pessoas,
derrubando-as e assim lhes causando dores e diversos ligeiros hematomas, apenas
não tendo atingido a terceira por esta, no último momento, ter conseguido desviar-
se.

6
17. Ato contínuo, essas pessoas levantaram-se e MONTEIRO fugiu correndo, deixando ca-
ído no solo o seu smartphone e a trotinete.
18. Uma das pessoas atingidas era CAPELO, que apanhou o smartphone e, pretendendo
saber quem era o indivíduo de capacete que conduzira a trotinete e lhes embatera,
desbloqueou-o com um programa que tinha descarregado da internet, viu a caixa de
correio eletrónico e as fotografias armazenadas, concluindo que o indivíduo era o seu
novel inimigo MONTEIRO.
19. Já na Escola, momentos antes do início da peça, CAPELO deslocou-se ao camarim para
desejar boa sorte a JÚLIA e, sem ninguém ver, abriu o frasco com o rótulo “Julieta”,
sentiu o cheiro a amêndoa amarga e, pensando tratar-se de licor desse fruto, deitou
o respetivo líquido no frasco com o rótulo “Romeu”, inserindo no frasco da “Julieta” o
chá por si preparado com cebola e alho.
20. Durante a peça, perto do seu final, JÚLIA abriu o frasco e bebeu o chá (que CAPELO
preparara), logo fazendo um esgar de repugnância, dando um impressivo realismo à
sua representação.
21. ROMÁRIO, representando Romeu, ao encontrar Julieta inanimada, tomando-a como
morta, abriu o frasco com o veneno com o rótulo “Romeu”, sentiu o aroma e, pen-
sando com agrado que alguém lhe fizera uma surpresa ali colocando licor de amêndoa
amarga, bebeu o líquido de um trago. Após, beijou JULIETA nos lábios, pretendendo,
como escrito na peça, deitar-se depois a seu lado.
22. Porém, ao beijar JÚLIA, ROMÁRIO ficou nauseado pelo hálito desta e de imediato vo-
mitou sobre a mesma todo o líquido que acabara de ingerir, motivo por que não veio
a morrer.
23. Enojada pelo vomitado que tinha sobre si, JULIETA ergueu-se de imediato.
[O público, de pé, aplaude vigorosamente a versão renovada da peça, apreciando o seu final feliz. Cai
o pano.]

Aprecie a eventual responsabilidade criminal de MONTEIRO, CAPELO e SEGURO, todos eles mai-
ores de 18 anos de idade.

(14 valores)

7
GRUPO II
(a situação factual é a do grupo I, com os desenvolvimentos agora indicados)

(6 valores)

1. No dia 15 de fevereiro de 2020, estando já aberto inquérito no qual era arguido MON-
TEIRO, a requerimento do Ministério Público, o juiz de instrução autorizou a apreensão
de uma carta enviada no dia 10 anterior por MONTEIRO à Associação de Cientistas Ama-
dores de Renova – que, por motivo de greve, ainda aguardava pela entrega na estação de
correios –, por suspeitar que tinha grande interesse para a prova do que sucedera durante
a referida peça, pois, no respetivo envelope, fechado, constava manuscrito “secreto” e
“urgente”.
Depois, sozinho no seu gabinete, o juiz de instrução procedeu à abertura da carta, cons-
tatando tratar-se de carta dirigida por MONTEIRO ao Presidente da referida associação,
que era médico de profissão, perguntando-lhe pelos efeitos da ingestão de cianeto por
uma pessoa. O juiz de instrução considerou que tal carta estava protegida por segredo
médico e ordenou a sua restituição aos correios ainda nesse mesmo dia.

Aprecie o procedimento descrito e a decisão do juiz de instrução .

(3 valores)

2. Durante o mesmo inquérito, em análise ao smartphone de MONTEIRO ordenada pelo


magistrado do Ministério Público titular, foi encontrado um ficheiro de texto onde, diari-
amente, aquele relatava o que fizera. Em várias entradas do ano de 2020, MONTEIRO
descrevia que, utilizando um drone, filmara a vizinha (adulta) do lado enquanto esta to-
mava banhos de sol, nua, no jardim da sua casa, local não visível da via pública nem das
casas próximas.

Responda às questões:
É admissível a utilização desse ficheiro e do seu conteúdo como meio de prova num outro inqué-
rito que tenha esses factos como objeto (já pendente na sequência de queixa apresentada pela
vizinha contra incertos)? Na afirmativa, que procedimentos legais devem ser seguidos?

(3 valores)

8
37.º CURSO

VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA

GRELHA DE CORRECÇÃO

GRUPO I

[Aprecie a eventual responsabilidade criminal de MONTEIRO, CAPELO e SEGURO, todos eles maiores de 18 anos de idade.]

(14 valores)

FACTOS NOTAS DE APRECIAÇÃO VALOR

CAPELO decidiu ficar com o bilhete de lota- CAPELO comete, como autor material e na forma consuma-
ria e enviou uma sms a MONTEIRO dizendo da, um crime de abuso de confiança simples, previsto e
que “o bilhete era seu e que já não precisa- punido pelo artigo 205.º, n.º 1, do Código Penal.
va de lhe pagar o almoço”. MONTEIRO nada
respondeu. O valor do bilhete de lotaria apropriado é de apenas 10€ (o
valor facial do bilhete), pois o crime consumou-se (com a
intenção de apropriação, que inverte o título da posse, no
momento da comunicação ao ofendido) antes de o bilhete
1 1,5
ter sido premiado. Se fosse depois, seria de 100.000€.
O bilhete de lotaria foi entregue a CAPELO como garantia do
pagamento dos 10€, logo, foi dado em penhor – artigos
666.º, n.º 1, e 679.º e ss. do Código Civil (CC). Como a dívida
ainda não estava vencida (seria apenas no dia de Natal),
CAPELO não podia ainda executar o penhor – artigo 675.º do
mesmo código.

MONTEIRO diz a CAPELO que “se não lhe MONTEIRO comete, como autor material e na forma tenta-
pagasse rapidamente os 100 mil lhe provo- da, um crime de coação, previsto e punido pelas disposições
caria sofrimento inimaginável”. conjugadas dos artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, 22.º, n.ºs 1 e 2, alí-
nea b), 23.º, 72.º e 73.º do Código Penal, pois a dívida existe
Nos dias seguintes, e com o mesmo propósi- (se não existisse, o crime seria de extorsão). Note-se o valor
to, MONTEIRO, crescentemente irritado da vantagem direta obtida com o crime de abuso de confian-
com tal situação, telefonou dezenas de ça é de 10€, mas a vantagem indireta é de 100.000€. É esse o
vezes, a diferentes horas do dia e da noite, a valor da dívida que CAPELO tem para com MONTEIRO.
CAPELO, que não atendeu as chamadas,
deixando aquele mensagens gravadas, com Todas as diferentes ameaças inserem-se no quadro da mes-
voz séria e elevada, dizendo que “se não lhe ma resolução e visam o mesmo objetivo – levar CAPELO a
2 pagasse rapidamente os 100 mil já sabia o entregar-lhe 100.000€ – havendo por isso um só crime de 2
que lhe iria acontecer”. coação.
O crime não é agravado, pois não se verifica nenhuma das
circunstâncias previstas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 155.º do
Código Penal, designadamente a do n.º 1, alínea a), pois
desconhece-se se MONTEIRO pretende provocar o tal sofri-
mento através da prática de crime e, mesmo se fosse com
crime, com que crime.
Deve ser analisado se “provocaria sofrimento inimaginável” é
ameaça com mal importante (afigura-se claramente que sim).
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

A conduta descrita integra também o crime de perseguição,


previsto e punido pelo artigo 154.º-A, n.º 1, do Código Penal
(na medida em que, de modo reiterado, perseguiu CAPELO
de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a
prejudicar a sua liberdade de determinação). A fonte deste
artigo é o artigo 34.º da Convenção de Istambul (de que Po-
tugal é Estado-parte), que dispõe que “[a]s Partes deverão
adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem ne-
cessárias para assegurar a criminalização da conduta de
quem intencionalmente ameaçar repetidamente outra pes-
soa, levando-a a temer pela sua segurança”. A ameaça repe-
tida é, pois, uma das formas de perseguição.
Há que determinar se o concurso é aparente ou efetivo. Afi-
gura-se que é apenas aparente, na medida em que o bem
jurídico é o mesmo (a liberdade de ação e decisão), sendo a
relação entre um e outro de consumpção (a perseguição
pode ser forma de coagir a vítima à ação/omissão, sendo que
por isso o conteúdo do ilícito de perseguição já está contido
no de coação). Há unidade de sentido do acontecimento
ilícito global-final (critério principal apontado por Figueiredo
Dias para distinguir o concurso efetivo do aparente – Direito
Penal – Parte Geral, Tomo I, Coimbra: Coimbra Editora, 2.ª
ed., 2007, p. 1018 e ss.) (a intenção do agente era só uma:
intimidar o ofendido de modo a levá-lo a entregar-lhe a
quantia que entendia lhe ser devida). O crime dominante
parece ser o de coação, por ser crime de dano e de resultado
e o crime de perseguição, um crime de perigo abstracto-
concreto e de mera actividade. Porém, sendo o primeiro
apenas tentado e o segundo já consumado, a moldura deste
(limite máximo, 3 anos de prisão) é mais elevada do que a
daquele (limite máximo, 2 anos de prisão, por força do artigo
73.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal). Deverá esta moldura
ser aplicável ao crime de coação simples na forma tentada –
assim, Figueiredo Dias, ob. cit., 1023 e ss.

A conduta de MONTEIRO integra ainda o crime de perturba-


ção da vida privada, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.º
2, do Código Penal.
Também aqui se coloca a mesma questão relativamente ao
concurso, afigurando-se ser o mesmo aparente, pelos mes-
mos motivos. No sentido da relação de consumpção entre o
crime de perseguição e o crime previsto no artigo 190.º, n.º
2, cfr. o ac. TRL de 09.07.2019, P. 742/16.9PGLRS.L1-5, RI-
CARDO CARDOSO, o ac. TRG de 05.06.2017, P.
332/16.6PBVCT.G1, ALDA CASIMIRO. Também, PAULO PINTO DE
ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, 3.ª ed., p. 610.

2
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

a. SEGURO diz a MONTEIRO “ter ordens SEGURO comete, como autor material e na forma consu-
para não deixar entrar na escola estranhos à mada, um crime de corrupção passiva, previsto e punido
mesma”, mas que “não costumava aplicar pelo artigo 373.º, n.º 1, por referência ao artigo 386.º, n.º 1,
essa regra a quem lhe pagava umas cerve- alínea a), do Código Penal.
jas”.
É funcionário, solicita uma vantagem, para a prática de um
ato (deixá-lo entrar na escola) contrário aos deveres do cargo
(tem ordens para não deixar entrar estranhos à escola). 1,5
Como é o funcionário que solicita a vantagem, o seu valor
(que poderia ser considerado insignificante) não fica sujeito a
qualquer cláusula de adequação social, sendo o próprio que
fixa o (baixo) “preço” da venda do seu ato (assim, ALMEIDA
COSTA, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo III,
Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 684-685).
3

b. Após, MONTEIRO deu 10€ a SEGURO. MONTEIRO comete, em autoria material e na forma consu-
mada, um crime de corrupção ativa, previsto e punido pelo
artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal.
Ao aceitar a solicitação de SEGURO e assim entregar-lhe 10€,
MONTEIRO comete este crime.
1,5

c. MONTEIRO entra na escola MONTEIRO não incorre no crime de introdução em lugar


vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do
Código Penal, pois, sendo porteiro, SEGURO é pessoa “de
direito” para poder consentir/autorizar a entrada.

0,5

3
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

MONTEIRO conduz a trotinete elétrica na A conduta de MONTEIRO é subsumível no crime de condu-


via pública com uma taxa de álcool no san- ção perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo
gue de 1,5 gramas por litro, e, devido a tal artigo 291.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, e 69.º, n.º, 1, alínea a),
facto, atrapalhou-se, não conseguiu travar do Código Penal [conduz veículo com motor (elétrico) na via
nem se desviar e embateu em duas das três pública, não está em condições de o fazer por estar em esta-
pessoas, derrubando-as e assim lhes cau- do de embriaguez (taxa de álcool no sangue superior a 1,2
sando dores e diversos ligeiros hematomas, gramas por litro de sangue) e desse modo cria perigo para a
apenas não tendo atingido a terceira por integridade física de três pessoas). A conduta (condução) é
esta, no último momento, ter conseguido dolosa, mas a criação do perigo é negligente]. O crime pre-
desviar-se visto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal deve
ser afastado por estar em relação de subsidiariedade com
este.

É também subsumível no crime de ofensa à integridade


física negligente, previsto e punido pelo artigo 148.º, n.º 1,
do Código Penal [MONTEIRO, violando um dever objetivo de
cuidado, causa um resultado que podia e devia prever e que
era evitável].

Há que apreciar a relação de concurso entre esses dois tipos


de crime, sendo essa questão controvertida, com divisão
jurisprudencial e doutrinal. Note-se sempre que os bens
jurídicos são distintos (o bem jurídico pessoal “integridade
física” no crime de ofensa à integridade física por negligência,
a “segurança rodoviária” no da condução perigosa). Note-se
ainda que MONTEIRO cria perigo concreto para a integridade
física do terceiro indivíduo (que apenas não é atingido por-
4 que consegue desviar-se) e ofende a integridade física de 3
outros dois. No sentido da efetividade do concurso, cfr. EDU-
ARDO CORREIA, A teoria do concurso em direito criminal, Coim-
bra, Almedina, 2.ª reimpressão, 1996, p. 139; FIGUEIREDO DIAS
e NUNO BRANDÃO, Comentário Conimbricense ao Código Penal,
Tomo I, Coimbra: Coimbra Editora, 2.ª edição, p. 187; PAULA
RIBEIRO DE FARIA, Comentário Conimbricense ao Código Penal,
Tomo II, Coimbra: Coimbra Editora, p. 1091; FERNANDO SILVA,
Direito Penal Especial – Crimes contra as pessoas, Lisboa:
Quid Iuris, 2005, p. 139; FRANCISCO MARQUES VIEIRA, Direito
Penal Rodoviário, Porto: Publicações Universidade Católica,
2007, p. 200-201; Ac. TRL de 23.05.2006, P. 2146/2006-5,
VIEIRA LAMIM; Ac. TRG de 27.04.2009, P. 457/06.6GTVCT. G1,
MARIA AUGUSTA; Ac. do STJ de 12.06.1997, NUNES DA CRUZ, BMJ
468, p. 124, Ac. STJ de 18.10.2000, CJSTJ, ano VIII, t. 3, p. 207,
Ac. TRL de 01.04.2004, JOÃO CARROLA, na CJ, ano XXIX, t. 2, p.
139; Ac. TRE 11.04.2019, P. 33/16.5GTBJA.E1, CARLOS BERGUE-
TE COELHO (existe concurso real entre o crime de homicídio
por negligência e o crime de condução perigosa de veículo
rodoviário sempre que esteja em causa a colocação em peri-
go de pessoa diversa da vítima mortal);
Contra, nos casos em que há apenas um ofendido, GERMANO
MARQUES DA SILVA, Crimes Rodoviários, Lisboa: Universidade
Católica Editora, 1996, p. 24-25; INÊS FERREIRA LEITE, Ne (idem)
bis in idem. Proibição de dupla punição e de duplo julgamen-
to: contributos para a racionalidade do poder punitivo públi-
co, Volume II, Lisboa: AAFDL Editora, 2016, p. 186 e ss.; JOSÉ
LOBO MOUTINHO, Da unidade à pluralidade de crimes no direito
penal português, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2005,

4
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

p. 1212 e ss.

Há ainda que apreciar a existência de concurso ideal homo-


géneo de crimes negligentes (se há um ou dois crimes de
ofensa à integridade física por negligência).

A doutrina e a jurisprudência continuam divididas.

A favor do concurso efectivo, argumentando que, ainda que


a ação seja única, a morte de várias pessoas corresponderá a
um concurso ideal homogéneo e, necessariamente, a uma
pluralidade criminal, tal como decorre do disposto no artigo
30.°, n.º 1, do Código Penal (que, ao contrário do Código
Penal alemão, não faz distinção na punição entre concurso
real e concurso ideal homogéneo e heterogéneo); que não é
o facto de estar em causa a violação plúrima de bens jurídi-
cos da mesma natureza que afasta o concurso efectivo de
vários crimes de homicídio negligente; a existência de nexo
causal, objectivo e subjectivo, entre todos os resultados e a
acção do agente; a pluralidade de juízos de culpa para todos
os crimes em concurso (sendo possível concluir que o agente
estava em condições e tinha capacidade para prever e evitar
uma pluralidade de resultados, terá de se censurar a sua
conduta por negligência tantas vezes quantas as lesões jurí-
dicas causadas).

Neste sentido, entre outros, os acórdãos: STJ 22.11.2007, P.


05P3638, ARMÉNIO SOTTOMAYOR; STJ 02.06.1999, P. 99P257,
LEONARDO DIAS; STJ 11.11.1998, P. 891/98, LEONARDO DIAS; TRE
22.10.2019, P. 59/15.6GTBJA.E1, JOÃO AMARO; Ac. TRC de 24-
06-2015 P. 80/12.6GTCBR.C1, JORGE FRANÇA; TRC 19.10.2010,
P. 195/07.2GTCTB.C1, MOURAZ LOPES; TRC 04.06.2008, P.
591/05.0TACBR.C1, INÁCIO MONTEIRO; TRG 21.01.2013, P.
515/09.5GCVRM.G1, PAULO FERNANDES SILVA; TRC de
16.07.2008, P. 46/04. 0GTLRA.C1, ELISA SALES; TRC
23/11/2005, P. 2398/05, ORLANDO GONÇALVES; TRL 14.09.2007,
P. 2274/2007-5, AGOSTINHO TORRES; TRP 24.11.2004, P.
0443637, COELHO VIEIRA; TRC 04.06.2008, P.
5
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

591/05.0TACBR.C1, INÁCIO MONTEIRO; TRP 15.04.2009. P.


0847403, AIRISA CALDINHO; TRP 16.05.2007, P. 0645774, LUÍS
GOMINHO.

Na doutrina: FIGUEIREDO DIAS e NUNO BRANDÃO, Comentário


Conimbricense do Código Penal, Coimbra: Coimbra Editora,
tomo I, 2.ª ed., p. 186-187; GERMANO MARQUES DA SILVA, “Pro-
blemas Fundamentais de Direito Penal”, in Homenagem a
Roxin, Lisboa: Univ. Lusíada Editora, 2002, p. 141; PAULO PINTO
DE ALBUQUERQUE, Comentário ao Código Penal, 3.ª ed., p. 220 ;
JORGE REIS BRAVO, “Negligência, unidade de conduta e plurali-
dade de eventos”, RMP 71, p. 111 e ss.; PEDRO CAEIRO E CLÁU-
DIA SANTOS, “Negligência inconsciente e pluralidade de even-
tos: tipo-de-ilícito negligente — unidade criminosa e concur-
so de crimes — princípio da culpa (anotação ao Acórdão da
Relação de Coimbra de 6 de Abril de 1995)”, Revista Portu-
guesa de Ciência Criminal, Ano 6, f. 1, 1996, p. 127-144; PAU-
LO DÁ MESQUITA, Anotação ao Ac. STJ de 7-10-1998, RMP 76,
1998, p. 151-178; M. MIGUEZ GARCIA, O risco de comer uma
sopa e outros casos de Direito Penal, Coimbra: Almedina,
2011, p. 532-534; EDUARDO CORREIA, Unidade e Pluralidade de
Infracções, Reimpressão, Coimbra: Almedina, 1983, p. 139;
FERNANDO SILVA, Direito Penal Especial – Crimes contra as
pessoas, Lisboa: Quid Iuris, 2005, p. 139 e ss.;

Contra, argumentando que o juízo de censura é unitário e


apenas pode ser formulado em relação à concreta violação
do dever objectivo de cuidado ou à omissão do cuidado devi-
do em concreto pelo agente; não sendo possível, nos crimes
negligentes de resultado plural, dirigidos vários juízos de
censura relativamente à mesma e única acção negligente,
que consista numa única violação do dever de cuidado. Não
existindo possibilidade de formular uma pluralidade de juízos
de censura, não está configurada uma pluralidade de crimes
(argumentos do Ac. STJ 13.07.2011, P. 1659/07.3GTABF.S1,
HENRIQUES GASPAR).

Neste sentido, entre outros, ainda os acórdãos:

STJ 28.10.2015, P. 3/13.5GCAGD.P1, CASTELA RIO


(ECLI:PT:TRP:2015:3.13.5GCAGD.P1.41); TRL 04.04.2019, P.
15/14.1GTALQ.L1-9, CRISTINA BRANCO (com voto de vencido);
TRG 09.10.2017, P. 103/15.7GTVCT.G2, AUSENDA GONÇALVES;
STJ 21-09-2005, P. 2119/05, PIRES SALPICO; TRP 28.10.2015, P.
3/13.5GCAGD.P1, CASTELA RIO;

Na doutrina: INÊS FERREIRA LEITE, Ne (idem) bis in idem. Proibi-


ção de dupla punição e de duplo julgamento: contributos
para a racionalidade do poder punitivo público, Volume II,
Lisboa, AAFDL Editora, 2016, p. 186 e ss.; JOSÉ LOBO MOUTINHO,
Da unidade à pluralidade de crimes no direito penal portu-
guês, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2005, pp. 1210 e
ss.; MAIA GONÇALVES, Código Penal Português Anotado e Co-

6
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

mentado (anotação ao artigo 137.º), 17.ª ed., 2008, p. 507-


508; FARIA COSTA, O uno, o múltiplo e os crimes negligentes,
RLJ 141, p. 59-68.

CAPELO apanhou o smartphone deixado por CAPELO comete, como autor material e na forma consuma-
MONTEIRO e, pretendendo saber quem era da, um crime de acesso ilegítimo, previsto e punido pelo
o indivíduo de capacete que conduzira a artigo 6.º, n.ºs 1, 3 e 4, alínea a), da Lei n.º 109/2009 (a cor-
trotinete e lhes embatera, desbloqueou-o respondência eletrónica está protegida desde logo pelo arti-
5 com um programa que tinha descarregado go 34.º, n.º 1, da Constituição). Não há qualquer causa de 1,5
da internet, viu as caixas de correio eletró- exclusão da ilicitude ou da culpa. Não há intenção de apro-
nico e as fotografias armazenadas priação, o que afasta o crime de apropriação ilícita de coisa
achada.

CAPELO deslocou-se ao camarim para dese- Poder-se-á discutir se CAPELO comete um crime de ofensa à
jar boa sorte a JÚLIA e, sem ninguém ver, integridade física simples sobre JÚLIA. Porém, não se afigura
abriu o frasco com o rótulo “Julieta”, sentiu existir qualquer ofensa à integridade física. Não há qualquer
o cheiro a amêndoa amarga e, pensando ofensa à saúde ou ao corpo. O único efeito do chá é o mau
tratar-se de licor desse fruto, deitou o res- gosto e o mau hálito (o que aliás sucede com muitos pratos
petivo líquido no frasco com o rótulo “Ro- típicos).
meu”, deitando no frasco da “Julieta” o chá
por si preparado com cebola e alho. Júlia Por outro lado, CAPELO desconhece que está a deitar cianeto
bebe o chá e fazendo um esgar de repug- no frasco que ROMÁRIO vai utilizar, pelo que esse erro exclui
6 1,5
nância. o seu dolo no eventual crime de homicídio na forma tentada
sobre ROMÁRIO, ficando ressalvada a punibilidade da negli-
gência nos termos gerais – artigo 16.º, n.ºs 1 e 3, do Código
Penal. Porém, o homicídio por negligência simples tentado
não é punível (artigos 23.º, n.º 1, e 137.º, n.º 1, do Código
Penal. Não há qualquer negligência de CAPELO: não viola
qualquer dever de cuidado, não prevê nem lhe era previsível
que o líquido fosse cianeto.

ROMÁRIO bebe o cianeto que era adequado


MONTEIRO comete, como autor material e na forma tenta-
a matá-lo. Porém, logo após, nauseado pelo da, um crime de homicídio qualificado, previsto e punido
hálito de JÚLIA, vomita-o, o que impede que pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1
morra. e 2, alíneas e), i) e j), 22.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código
7 1
Penal.
É irrelevante a identidade da vítima. MONTEIRO quer matar
JÚLIA e pratica os atos a isso idóneos. A morte apenas não
acontece por motivos estranhos à sua vontade.

7
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

8
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

GRUPO II

Questão 1

No dia 15 de fevereiro de 2020, estando já aberto inquérito no qual era arguido MONTEIRO, a requerimento do Ministério Públi-
co, o juiz de instrução autorizou a apreensão de uma carta enviada no dia 10 anterior por MONTEIRO à Associação de Cientistas
Amadores de Renova – que, por motivo de greve, ainda aguardava pela entrega na estação de correios –, por suspeitar que tinha
grande interesse para a prova do que sucedera durante a referida peça, pois no respetivo envelope, fechado, constava manuscri-
to “secreto” e “urgente”.

Depois, sozinho no seu gabinete, o juiz de instrução procedeu à abertura da carta, constatando tratar-se de carta dirigida por
MONTEIRO ao Presidente da referida associação, que era médico de profissão, perguntando-lhe pelos efeitos da ingestão de
cianeto por uma pessoa. O juiz de instrução considerou que tal carta estava protegida por segredo médico e ordenou a sua resti-
tuição aos correios ainda nesse mesmo dia.

Aprecie o procedimento descrito e a decisão do juiz de instrução.

3 valores

a. Sendo uma carta fechada que estava em trânsito, entre o remetente e o destinatário, aplica-se o regime de apreensão previsto
no artigo 179.º do Código de Processo Penal. A carta foi validamente apreendida. O juiz de instrução era a entidade competente
para ordenar a apreensão (artigos 178.º e 269.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal), estava em causa crime punível
com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos, e havia fundamento para considerar que essa diligência se revelaria de
grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (atendendo ao destinatário e às menções do sobrescrito).

b. O artigo 179.º, n.º 1, alínea a), exige que a correspondência seja expedida pelo suspeito ou lhe seja dirigida, mesmo que sob
nome diverso ou através de pessoa diversa. Porém, deve considerar-se que este meio de obtenção de prova é ainda utilizável
quando a correspondência seja expedida pelo já arguido ou lhe seja dirigida. Todos os arguidos são suspeitos. O n.º 2 é expresso
em referir já o arguido. Neste sentido, JOÃO CONDE CORREIA, Comentário Judiciário ao Código de Processo Penal, 2019, Coimbra:
Almedina, p. 644-645.

c. Devendo o juiz de instrução, no inquérito, ser juiz de liberdade e garantias e não juiz investigador, a carta deveria ter sido aber-
ta pelo mesmo na presença do Ministério Público, que, depois do juiz, deveria tomar conhecimento do seu conteúdo e então
requerer ou não fundamentadamente a sua junção ao processo (só depois da sua análise é possível aferir se a mesma tem ou
não relevância para a descoberta da verdade ou para a prova). O juiz de instrução só poderia ordenar a junção se o requerimento
do Ministério Público fosse nesse sentido (se não fosse, assumir-se-ia como juiz investigador).

d. Ainda que indeferisse o requerimento do Ministério Público, o juiz de instrução não deveria restituir de imediato a carta. Essa
sua decisão é recorrível (a irrecorribilidade não está prevista nem no artigo 179.º nem no artigo 400.º, ficando por isso sujeita ao
princípio geral do artigo 399.º) – assim, JOÃO CONDE CORREIA, ob. cit., p. 648, e PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário ao Código
de Processo Penal, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2009, p. 494. Tal recurso deveria subir imediatamente, em separado e
com efeitos suspensivos da decisão – artigos 406.º, n.ºs 1 e 2, 407.º, n.º 1, e 408.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. Pelo que
só após o trânsito em julgado da decisão é que a mesma poderia ser executada.

e. De qualquer forma, sendo uma carta enviada por MONTEIRO, nunca estaria coberta por qualquer tipo de segredo profissional,
que só abrangeria esses profissionais. Apenas assim não sucede com a correspondência enviada pelo suspeito/arguido ao seu
defensor (salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que aquela constitui objeto ou elemento de um crime) – artigo 179.º, n.º
2, do Código de Processo Penal.

9
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

Questão 2

Durante o mesmo inquérito, em análise ao smartphone de MONTEIRO ordenada pelo magistrado do Ministério Público titular,
foi encontrado um ficheiro de texto onde, diariamente, aquele relatava o que fizera. Em várias entradas do ano de 2020, MON-
TEIRO descrevia que, utilizando um drone, filmara a vizinha (adulta) do lado enquanto esta tomava banhos de sol, nua, no jardim
da sua casa, local não visível da via pública nem das casas próximas.

É admissível a utilização desse ficheiro e do seu conteúdo como meio de prova num outro inquérito que tenha esses factos
como objeto (já pendente na sequência de queixa apresentada pela vizinha contra incertos)? Na afirmativa, que procedimen-
tos legais devem ser seguidos?

3 valores

O smartphone de MONTEIRO é um sistema informático e o ficheiro de texto em causa é dado informático – artigo 2.º, alíneas a)
e b), da Lei n.º 109/2009, de 15.IX (Lei do Cibercrime - LCC). A produção dessa prova em processo penal está em primeiro lugar
sujeita ao regime previsto nos artigos 15.º e 16.º dessa lei (pesquisa e apreensão de dados informáticos). Tratando-se de um
diário íntimo, há que atentar em particular no disposto no n.º 3 do artigo 16.º dessa lei (“caso sejam apreendidos dados ou do-
cumentos informáticos cujo conteúdo seja suscetível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privaci-
dade do respetivo titular ou de terceiro, sob pena de nulidade esses dados ou documentos são apresentados ao juiz, que ponde-
rará a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto”). Como esses dados informáticos não interessam à
prova no processo onde foram apreendidos, mas sim à prova de crime (previsto e punido pelo artigo 192.º, n.º 1, alíneas b) e c),
do Código Penal) que não integra o objeto desse inquérito nem o pode vir a integrar por não se verificar conexão prevista nos
artigos 24.º e 25.º do Código de Processo Penal, trata-se de uma situação de “conhecimentos fortuitos”.

A Lei n.º 109/2009 não tem previsão expressa sobre esta matéria. Aliás, a nossa lei processual penal apenas expressamente pre-
vê a transmissão de prova entre processos (conhecimentos fortuitos em sentido estrito) quanto ao meio de obtenção de prova
‘escutas telefónicas’ (artigo 187.º, n.ºs 7 e 8, do CPP) e, ainda assim, apenas tal sucede desde as alterações neste diploma intro-
duzidas pela Lei n.º 48/2007.

A ausência de expressa previsão legal não significa que essa transmissão apenas seja admissível no caso das escutas telefónicas
(e, por força do disposto no n.º 4 do artigo 18.º da LCC, também para a interceção de comunicações). Sendo a prova originalmen-
te válida, a admissibilidade da transmissão verificar-se-á, sem qualquer limitação, sempre que não exista qualquer restrição de
âmbito objetivo (catálogo de crimes) ou subjetivo quanto ao concreto meio de obtenção de prova, por razões de economia pro-
cessual e em obediência a um primado de justiça e procura da verdade material.

Ainda que não se trate de uma aplicação analógica do regime previsto para as escutas telefónicas (desnecessária e inadequada,
pois, contrariamente a este, não há catálogo de crimes – por força do expressamente previsto no artigo 11.º, n.º 1, aplica-se, em
abstrato, a todos os tipos de crime), as competências de Ministério Público e juiz de instrução são diferentes, tal como são dife-
rentes os formalismos de produção deste meio de obtenção de prova, afigura-se-nos correto o princípio a que a doutrina e a
jurisprudência chegaram a propósito das escutas: as provas serão admissíveis para a prova dos novos crimes se estes, ab initio,
justificassem, por si, a sua obtenção.

Os procedimentos legais são os seguintes:

1. No processo original, houve uma válida pesquisa informática (ou outro acesso legítimo, como análise forense ou perí-
cia) a um sistema informático onde foram encontrados armazenados dados informáticos cujo conteúdo é suscetível de
revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do respetivo titular (o diário). Como não há
catálogo de crimes, esses dados poderão, em abstrato, servir para a prova de qualquer crime.

2. Não se coloca qualquer problema de âmbito subjetivo, para mais por que se trata de dados do arguido.

3. Os dados (uma cópia dos mesmos – artigo 16.º, n.º 7, alínea b), dessa lei) seriam transmitidos pelo Ministério Público
do inquérito original ao outro inquérito, onde o respetivo titular, tendo em conta os interesses desse caso, e fazendo um
concreto juízo de necessidade, adequação e proporcionalidade (imposto pelo artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da Re-

10
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

pública Portuguesa), determinaria a sua apreensão.

4. Após, deveria tal magistrado do Ministério Público requerer ao juiz de instrução (desse processo) a sua utilização (jun-
ção) no caso, devendo a decisão do juiz obedecer aos mesmos critérios: os interesses desse caso, necessidade, adequa-
ção e proporcionalidade. Seria particularmente relevante o juízo concreto de proporcionalidade entre o grau de violação
da privacidade do arguido e o tipo de crime em investigação e o bem jurídico por ele protegido (igualmente a privacida-
de), afigurando-se que a privacidade do arguido deveria ceder (os factos relevantes por ele descritos não respeitam à
sua vida íntima) para proteção da privacidade da vítima que com a sua conduta gravemente ofendeu. Sobre a matéria, é
relevante o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 607/2003.

5. No processo original, não haverá qualquer intervenção do juiz de instrução, pois só o juiz de instrução do processo de
destino pode fazer o juízo exigido pelo artigo 16.º, n.º 3, da Lei n.º 109/2009.

[Segue-se de perto Apreensão de mensagens de correio electrónico e de natureza semelhante, Rui Cardoso, Direito Probatório,
Substantivo e Processual Penal, p. 95 e ss. - http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/penal/eb_DrtProbatorio2019.pdf]

11
37.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

(artigo 16.º, n.º 3, da Lei n.º 2/2008, de 14/1)

Via Profissional

1.ª Chamada – 13 de fevereiro de 2021

Grelha de correção

Nota:

O conteúdo da grelha disponibilizada reflete as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da forma e da
substância, se reputam as mais corretas em função das peças facultadas e dos dados do processo e que devem, na
prova do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outras abordagens, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face aos
dados facultados e que se revelem suportadas em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizadas, na
medida do respetivo mérito.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Fundamentação de direito 15 valores

Demais componentes estruturais da sentença:


1. Dispositivo 3 valores
2. Restantes componentes 2 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

1. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA COMPONENTES ESTRUTURAIS DA SENTENÇA – PARTE I
SENTENÇA

Identificação das partes e objeto do litígio (enunciação genérica dos pedidos, das causas
de pedir e das posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados)

Questões a decidir:
1. Recondução da situação controvertida ao instituto da colisão de direitos e
identificação dos concretos direitos em conflito.
2. Análise do consentimento da autora e discussão da sua relevância na
limitação do direito à imagem.
3. Resolução concreta do conflito, na relação entre os diferentes direitos em
confronto.
4. Licitude da utilização da imagem da tatuagem no Facebook; consequências
em caso de ilicitude, face aos pedidos formulados.
5. Verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar, fundada em
responsabilidade civil delitual e, concluindo-se afirmativamente,
determinação dos danos a compensar, da quantia ou quantias a arbitrar e do
momento da constituição do R. em mora.

2. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA COMPONENTES ESTRUTURAIS DA SENTENÇA – PARTE II
SENTENÇA

Estrutura e ordem das componentes da sentença – incluindo, no local próprio,


confirmação da validade da instância constituída, factos provados, não provados e
motivação (por mera remissão para o extrato disponibilizado no enunciado da prova)

3. FUNDAMENTAÇÃO
DE DIREITO

Subsunção da matéria provada aos pressupostos do conflito de direitos, em concreto,


direitos fundamentais e direitos da personalidade, à luz do disposto nos artigos 18º, n.º
2, da Constituição da República Portuguesa e 335º do Código Civil.

Determinação dos direitos em conflito:


a) Da titularidade da autora: direito à imagem, ao nome e à reserva da intimidade
da vida privada – artºs 1º e 26º da Constituição da República Portuguesa e 72.º,
79º e 80.º do Código Civil.
b) Da titularidade do réu: direito à integridade física – artº 1º e 25º da Constituição
da República Portuguesa e artº 70º do Código Civil; direito à imagem – artºs 1º e
26º da Constituição da República Portuguesa e 79º do Código Civil; direito ao
desenvolvimento da personalidade – artº 26º, nº 1 da Constituição da República
Portuguesa; liberdade ambulatória – artº 27º, nº 1 da Constituição da República
Portuguesa.
Conteúdo do direito à imagem no contexto do caso concreto:
a) Direito à imagem enquanto direito com dupla dimensão, compreendendo o
direito à autodeterminação da imagem exterior e o direito a definir os termos e
condições em que o retrato pode ser captado e utilizado por terceiros, sendo esta
segunda a dimensão em causa na ação (artº 79.º, n.º 1, do Código Civil).
Caracterização, como autorizante, do consentimento da autora para exibição do
seu retrato, identificando os respetivos termos e limites.
b) Conceito de retrato utilizado no nº 1 do artº 79º do Código Civil e sua análise no
caso concreto

Discussão da relevância, para a resolução do conflito, do consentimento da autora na


limitação do seu direito à imagem:
a) A revogabilidade do consentimento (artº 81º, nº 2 do Código Civil) e a
manifestação da vontade de revogação no caso concreto.
b) Problematização da relevância desse consentimento no caso concreto,
considerando, nomeadamente, que a demandante não podia ignorar que a
natureza do retrato (a imagem da face da autora ficou inscrita no corpo do
demandado) era suscetível de obstar à eficácia da revogação daquele
consentimento, em face da inviolabilidade da integridade física do demandado
(assim se afastando, desde logo, o argumento a retirar do disposto do nº 2 do
artº 1592º do Código Civil).

Resolução concreta do conflito


a) Direito da autora à sua imagem versus direito do réu à integridade física – A
dignidade da pessoa humana enquanto princípio estruturante da República
Portuguesa e limite para a ação do Estado; a proibição das intervenções não
consentidas na integridade física de terceiro e a proibição da execução forçada de
decisões que importem intervenções dessa natureza.
b) Direito da autora à sua imagem versus direitos do réu à sua imagem, ao
desenvolvimento da sua personalidade e liberdade ambulatória –
problematização do conceito de “direitos iguais ou da mesma espécie” na
interpretação do artº 335º, nº 1 do Código Civil; convocação do princípio da
proporcionalidade, de acordo com o disposto no nº 2 do artº 18º da Constituição
da República Portuguesa; problematização da forma de operar a concordância
prática de direitos no caso concreto.

Licitude da utilização da imagem da tatuagem no Facebook:


a) A relevância dos termos do consentimento da Autora, enquanto limite à utilização
do retrato.
b) Constatação de que a utilização da imagem da autora, através da tatuagem, no
Facebook, exorbita o consentimento prestado por aquela, sendo, nessa medida,
ilícita, já anteriormente à revogação do consentimento pela Autora, de acordo
com o disposto no nº 1, 1ª parte, do artº 79º do Código Civil. Apreciar, em
conformidade, o pedido formulado quanto à retirada e não exibição futura da
imagem da Autora.

Verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar, fundada em responsabilidade


civil delitual, em coerência com as conclusões antes atingidas:
a) Quanto ao modo de resolver o conflito de direitos – problematização do caráter
ilícito da conduta do réu de exibição pública da tatuagem, a partir do momento
em que a autora comunicou ao mesmo a revogação do consentimento para
utilização da sua imagem.
b) Quanto à ilicitude da utilização da imagem da tatuagem no Facebook.

Determinação dos danos a considerar, ponderação da quantia ou quantias a arbitrar


como compensação pelos mesmos e definição do momento da constituição do devedor
em mora:
a) apuramento dos danos ressarcíveis, a partir da matéria de facto provada e sua
qualificação como danos não patrimoniais
b) imputação subjetiva e objetiva – artºs 487º, nº 2 e 563º do Código Civil.
c) avaliação da gravidade dos danos e, concluindo pela gravidade para efeitos do
disposto no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, arbitramento de compensação de
acordo com os critérios legais, face ao decidido quanto à imputação subjetiva e
objetiva e ao relevo do momento da retirada do consentimento da Autora – artºs
70.º, n.º 2 e 496º, nºs 1 e 4, do Código Civil.
d) atribuição de juros de mora, à taxa supletiva aplicável às obrigações civis,
estabelecendo o momento da constituição em mora (atendendo ao disposto nos
artºs 804º, nº 1, 805º, nº 3, 806º, nºs 1 e 2 do Código Civil, e ao entendimento
firmado pelo AUJ nº 4/2002, de 29 de Maio).

Fundamentação da decisão quanto a custas, em coerência com a decisão a proferir.

4. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA COMPONENTES ESTRUTURAIS DA SENTENÇA - PARTE III

DISPOSITIVO

Declaração de procedência parcial dos pedidos formulados pela autora.

Em coerência com as conclusões atingidas na discussão, admissibilidade da condenação


do réu a não praticar determinados atos de exibição pública da tatuagem.
Condenação do réu a retirar da sua página do Facebook a imagem da tatuagem com o
retrato da autora, bem como a não exibir futuramente a mesma, ou equivalente, nas
redes sociais.
Em coerência com as conclusões atingidas na discussão, condenação do réu no
pagamento de uma compensação por danos não patrimoniais.

Absolvição do réu da restante parte do peticionado.

Condenação em custas.

Notificação e registo da sentença.


37.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via Profissional

2.ª Chamada – 18 de fevereiro de 2021

Grelha de correção

Nota:

O conteúdo da presente grelha reflete de forma tópica as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da
forma e da substância, se reputam as mais corretas em função dos elementos disponibilizados e que devem, na prova
do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outras abordagens, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face aos
dados facultados e que se revelem suportadas em fundamentos consistentes, serão igualmente valorizadas, na
medida do respetivo mérito.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA: 20 valores

Fundamentação de direito: 15,00 valores

Demais componentes estruturantes da sentença:

• Dispositivo: 2,50 valores


• Restantes componentes: 2,50 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

1. Identificação das partes


e do objeto do litígio;
questões a decidir; COMPONENTES ESTRUTURAIS DA SENTENÇA – PARTE I
estrutura e ordem das
componentes da decisão

Identificação das partes e do objeto do litígio: enunciação genérica dos pedidos,


causa de pedir e posição das partes.

Questões a decidir:
1. Aferir da prestação dolosa, pela autora, de declarações inexatas e
incompletas aquando da adesão ao contrato de seguro de grupo
identificado nos autos.
2. Licitude da anulação, operada pela ré seguradora, dessa adesão.
3. Concluindo-se pela ilicitude da anulação, avaliar se o contrato de seguro
cobre o sinistro participado pela autora.
4. Caso se entenda que o contrato de seguro se mantém válido e eficaz no
que respeita à autora, cobrindo o sinistro pela mesma participado,
determinar se a primeira ré é responsável pelo pagamento, à autora e ao
segundo réu, das quantias peticionadas, bem como o momento de
constituição em mora.

Estrutura e ordem das componentes da decisão: incluindo, no local próprio,


confirmação da validade da instância constituída, factos provados, não provados e
motivação (por mera remissão para o extrato disponibilizado no enunciado da prova).

2. Fundamentação de
direito

Identificação e caracterização geral da relação contratual constituída entre as


partes, com destaque dos elementos fundamentais à decisão da situação concreta –
arts. 1.º a 4.º, 11.º a 13.º, 18.º a 26.º, 32.º, 37.º, 76.º e segs., 99.º e segs., e 175.º e
segs. do DL n.º 72/2008, de 16 de abril (LCS); Lei n.º 24/96, de 31 de julho; DL n.º
446/85, de 25 de outubro.
• Contrato de seguro de grupo, do ramo vida, celebrado entre os réus e ao qual
aderiu a autora como pessoa segura.
• Contrato de adesão celebrado com um consumidor (autora).
• Conteúdo do contrato – coordenação do regime legal e do contratualmente
estabelecido, com atenção às normas imperativas e às normas supletivas; a
declaração de adesão e o questionário clínico.
• Deveres de informação das partes.

Licitude da anulação pela ré seguradora da adesão da autora ao contrato de seguro


de grupo em virtude da prestação dolosa, pela autora, de declarações inexatas e
incompletas aquando do preenchimento do questionário clínico.
• Problematização dos pressupostos da anulação prevista no art. 25.º da LCS.
• Tendo em atenção as várias posições defendidas na Doutrina e na
Jurisprudência, analisar o conceito de dolo para estes efeitos (dolo negocial vs
dolo enquanto modalidade de culpa) e, em particular, refletir sobre se o dolo
que permite a anulação do contrato, nos termos do art. 25.º da LCS, tem de
ser essencial; na afirmativa, ponderar sobre se essa essencialidade deve ser
conhecida ou cognoscível para a autora, tudo por aplicação conjugada do art.
25.º da LCS com o regime do dolo e erro-vício previsto no Código Civil (arts.
247.º, 251.º e 254.º).
• Ainda nessa perspetiva, definição dos contornos do que seja dolo essencial,
por oposição ao dolo incidental ou ao dolo irrelevante.
• Em face dos factos provados, qualificação do comportamento provado da
autora como incumprimento doloso do dever previsto no art. 24.º, n.º 1, da
LCS.
• Perante a matéria de facto provada, concluir que os factos objeto das
declarações inexatas e incompletas foram essenciais para a determinação da
vontade da primeira ré, atendendo a que se demonstrou que a mesma não
teria aceitado cobrir o risco de incapacidade total e definitiva relacionada com
patologias como as que foram descritas de forma inexata ou incompleta, e
ainda que essa essencialidade era conhecida da autora.
• Aplicação das conclusões obtidas ao caso concreto: mesmo a defender-se que
o dolo deve ser essencial e que a essencialidade do elemento sobre que
incidiu devia ser conhecida ou cognoscível pela autora, demonstraram-se os
factos necessários ao preenchimento dessas duas condições, pelo que a
atuação da autora criou na primeira ré uma situação de erro sobre elementos
essenciais do negócio, geradora na esfera jurídica da primeira ré do direito
potestativo de anular a adesão da autora ao contrato de seguro.
• Assim se concluindo, em conformidade, pela licitude da anulação dessa
adesão, a par do que, nos termos do n.º 3 do art. 25.º, a ré seguradora não
está obrigada a cobrir o sinistro aqui em causa.
• Tal anulação, consubstanciando um facto impeditivo do direito reclamado
pela autora (exceção perentória), determina a improcedência da sua
pretensão na totalidade, não tendo assim direito ao pagamento, pela primeira
ré, das quantias já despendidas em cumprimento do contrato de mútuo nem,
por outro lado, a que a primeira ré pague ao segundo réu o remanescente da
dívida por si assumida perante este último.

Fundamentação da decisão quanto a custas: a cargo da autora, vencida na causa –


arts. 527.º e 607.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.

3. Dispositivo COMPONENTES ESTRUTURAIS DA SENTENÇA – PARTE II

Julgamento da ação como improcedente.

Condenação da autora em custas.

Ordem de notificação e registo da sentença.


PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
Via Profissional

37.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO DE ABERTU RA: AVISO N .º 21117/2020, PU BLICADO


N O DIÁRIO DA REPÚ BLICA, 2.ª SÉRIE, N .º 253/2020, DE 31
DE DEZEMBRO DE 2020

DATA: 20 DE FEVEREIRO DE 2021

1.ª CH AMADA

H O RA: 14H 15M (DE ACO RDO CO M O DISPO STO N O ART.


12.º, DO REG U LAMEN TO IN TERN O DO CEN TRO DE ESTU DO S
JU DICIÁRIO S, O TEMPO DE DU RAÇÃO DA PRO VA IN ICIA -SE
DECO RRIDO S 15 MIN U TO S APÓ S A H O RA DESIG N ADA)

DU RAÇÃO DA PRO VA: 4 H O RAS

1
PROVA ESCRITA DE
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
Via Profissional – 1.ª Chamada – 20 de fevereiro de 2021

1 - A presente prova consiste na elaboração de um Despacho de


Encerramento do Inquérito a ser proferido no processo abaixo fornecido, devendo
ser apreciadas todas as questões suscitadas até ao final dessa fase processual ou
que sejam de conhecimento oficioso.

2 - Apesar de a prova consistir na elaboração de um Despacho de


Encerramento de Inquérito, não poderá conter qualquer assinatura, ainda que
fictícia, pelo que, no final da peça, as/os candidatas/os só deverão escrever as
palavras seguintes:
“Data”
“Assinatura”.

3 - Cotação: 20 valores
I - A Cotação do Despacho a elaborar distribui-se da seguinte forma:

• Tomada de posição sobre as questões suscitadas pelas arguidas no


requerimento que apresentou – 4 valores
• Despacho de encerramento do inquérito - 15 valores

II – Organização do discurso técnico-jurídico e linguagem utilizada – 1 valor.

4 - A atribuição da cotação máxima nesta prova pressupõe uma apreciação


completa das várias questões que se suscitam até ao final do Inquérito, ou de
conhecimento oficioso, de facto e ou de Direito, que deverá ser coerente e
corretamente fundamentado com indicação dos preceitos legais aplicáveis.

5 - Na apreciação da prova relevarão, nomeadamente, a pertinência do


conteúdo, a qualidade da informação transmitida, a organização e qualidade da
exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o domínio da língua
portuguesa.

6 – As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar


a grafia do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (aprovado pela Resolução
da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente
no quadro “Observações” da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo

2
“Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade”, sendo a
prova corrigida nesse pressuposto.

7 – Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um,


até um máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º
21117/2020, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 253, de 31 de
dezembro).

8 – A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a


candidato/a será penalizada com uma redução da nota atribuída até um máximo de
3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.3 do Aviso n.º 21117/2020, publicado no
Diário da República, 2ª série, n.º 253, de 31 de dezembro).

9 – As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer


elemento identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do
destacável da folha de rosto), sob pena de anulação da prova.

10 – Não é permitida durante a prova a partilha de livros, fotocópias,


apontamentos, elementos de estudo, nem de utensílios de escrita, entre os/as
candidatos/as.

11 – Durante a realização da prova, as dúvidas que não possam ser


resolvidas pelo/a vigilante serão colocadas pelo/a candidato/a ao
Docente/Coordenador que seja chamado, no corredor, mantendo sempre a distância
de segurança.

12 – Se terminar a prova antes da hora prevista só poderá sair da sala até 15


minutos antes do final. Terminando depois desse momento deverá aguardar pelo
final e sair quando lhe for indicado, com o resto dos/as candidatos/as dessa sala.

13 – Assim que for dada indicação que a prova terminou os/as


candidatos/as terão de pousar a caneta/esferográfica, não podendo – em caso
algum – prosseguir com o que estavam a escrever, ficando a aguardar que o/a
vigilante recolha as folhas com a prova e, só nessa altura, as poderão numerar
e entregar.
O desrespeito desta regra implica a anulação da prova.

14 – A saída após realização das provas será feita por sala e


sucessivamente, de acordo com as indicações dadas no momento e pelos concretos
pontos de saída indicados.

3
15 – A máscara deverá estar sempre colocada, a não ser durante o
período de tempo estritamente necessário para ingestão de bebidas ou
alimentos frugais.

4
Constam do processo os seguintes elementos com relevância para a decisão a proferir:

1) No dia 10 de fevereiro de 2020, ZAIDA ZENHA deslocou-se às Instalações da PJ na


cidade de Lisboa e disse querer apresentar uma denúncia contra AMÁVEL ANTUNES, que
ficou registada no competente Auto de Denúncia de fls. 2 a 3, cujo conteúdo é
coincidente com o seu Auto de Inquirição, a fls. 4 a 6, que segue, datado do mesmo dia:

Auto de Inquirição
Testemunha – ZAIDA ZENHA
Aos costumes disse: ter trabalhado para o arguido cerca de 2 anos, e ter cessado o
contrato em 31 de janeiro de 2020, por acordo entre ambos, por iniciativa sua, por ter
arranjado um emprego melhor.

Inquirida sobre os factos constantes do Auto de Denúncia de fls. 2 a 3, disse que mantém
na íntegra o respetivo teor, designadamente:
Que está aqui hoje porque acha que tem o dever de denunciar casos como este.
Que trabalhou entre janeiro de 2018 e janeiro de 2020 para o Engenheiro AMÁVEL
ANTUNES, que mora na Quinta do Bom Sonho, residência 13, em Cascais, como
empregada doméstica interna, tendo-lhe sido atribuído um quarto pequenino com WC,
ao pé da cozinha, para pernoitar. Auferia 1000€ líquidos por mês. Por isso, conhece bem
a vida do antigo patrão, o referido AMÁVEL ANTUNES, e da ex-companheira, que foi viver
com ele cerca de um ano depois de ela lá começar a trabalhar, a D. BELA BENTO. São
gente que vive com muito luxo, comem e vestem do melhor. Ele é Engenheiro na Câmara
e trata dos licenciamentos de construção de lares para velhinhos. Pelo que percebeu, é
também ele que manda nas fiscalizações desses lares.
No ano passado, na sexta-feira santa, o patrão recebeu uma visita à tarde, de um tal
CLÓVIS, e a conversa era sobre um lar que o CLÓVIS queria licenciar, mas tinha sido
recusado, não sabe porquê. Então, antes de entrar na sala para servir o café, ela ouviu o
patrão a dizer que as condições estavam na lei, claro, mas sempre seria possível
contornar se se untassem as mãos das pessoas certas, que isso era coisa para 20 mil duas

5
vezes, uma para cada um, porque a decisão era de dois responsáveis, mas tinha de ser
vivo. Quando entrou, o patrão mudou a conversa, dizendo que a lei era exigente, que
muitos não conseguiam cumprir as exigências, depois falou do gosto que tinha por café
e, entretanto, ela saiu da sala e não sabe mais nada do que falaram porque o patrão lhe
disse para fechar a porta. Perguntada, disse não saber o apelido do referido CLÓVIS
porque o patrão só o tratava pelo nome.
Por volta de dezembro do ano passado, logo no início, antes do feriado santo do dia 8, os
patrões zangaram-se a sério e o patrão pôs a patroa na rua. Ela ouviu a discussão, o
motivo foi que ele tinha outra, e ouviu-o dizer que tinha 24 horas para se “pôr na alheta”,
o termo foi mesmo esse, e que até sair não a queria mais no seu quarto. Foi coisa feia.
Nessa noite, a D. BELA dormiu no sofá e depois saiu ainda antes do almoço.
No dia seguinte, o patrão deu à depoente um saco cheio de papéis e algumas agendas e
cadernitos, e disse para queimar tudo. A lareira estava acesa. Então ela começou a
colocar os papéis a pouco e pouco na lareira, para não ficar uma chama muito grande, e
agarrou num livrinho que estava no saco e que tinha escrito na capa “Diário”. Abriu para
se certificar o que era e viu a letra da D. BELA, que conhecia por causa das listas de
compras, e achou que ele não tinha o direito de queimar assim as coisas da D. BELA e,
instintivamente, colocou-o dentro da blusa, por baixo da bata, não se notando que o
escondera ali.
Num outro caderninho pequeno viu duas folhas com contas com dizeres “entregas”, “em
falta”, e várias iniciais, que relacionou com as suspeitas com que ficou depois de ter
ouvido a conversa com o tal CLÓVIS, também o guardou e neste ato o entrega.
À noite, não resistiu, e começou a ler o Diário, que também neste ato entrega.
Aí leu o episódio que a deixou sem pinga de sangue. Não tinha a menor ideia de que o
patrão gostava de meninos, que era pedófilo, pois sempre achou que era um
mulherengo.
E é por isso, por todos os meninos do mundo, que acha que tem obrigação de vir aqui à
Polícia denunciar.

6
2) Documento entregue que constitui o Anexo A:
Caderno de 15 cm x 20 cm, com os dizeres na capa “Diário”

30 fls. escritas, com descrições da vida pessoal de BELA BENTO e da relação íntima,
sexualmente pormenorizada, do casal composto por BELA BENTO e AMÁVEL ANTUNES,
relevando para os autos:

Fls. 21
Dia 5 de novembro de 2019
Esta noite encontrei o A a ver pornografia infantil! Com quem estou eu a viver? Mas ele
gosta de sexo com crianças? Vou ter de estar atenta. Devo confrontá-lo? Isso pode ser
perigoso para mim!

Dia 6 de novembro de 2019


Não lhe disse nada. As coisas às vezes não estão bem connosco e eu quero manter esta
relação. Afinal, nunca assisti presencialmente a nada que me fizesse suspeitar de uma
coisa destas...

3) Documento entregue que constitui o Anexo B:


Caderno de dimensões 10 cm x 15 cm e capa em papel martelado e reciclado, de cor
beje, sem título

Apenas uma folha escrita, a fls. 2, com os seguintes dizeres:


CF – Entregas - 25 000 – Ent. 15 000
MA - 35 000 – 12 000 = 23 000
LF – em falta 12 500
3 500 + 2 000 + 4 500 - proposta

7
4) Promoção do MP, devidamente fundamentada, e o Despacho do JIC que sobre ela
recaiu, igualmente fundamentado nos termos legais, no qual se autoriza a interceção
telefónica ao telefone móvel com o número 95 1111000, titulado pelo suspeito AMÁVEL
ANTUNES, pelo período de 15 de março a 15 de junho de 2020, o qual foi renovado por
outros 3 meses, resultando dos autos intercalares juntos e validados nos prazos legais
que não foi recolhida qualquer interceção com relevo probatório para o objeto do
processo, motivo pelo qual cessaram as referidas interceções no final dos seis meses
judicialmente autorizados.

5) A fls. 45, o ofício resposta dos Serviços Jurídicos da Câmara Municipal de Cascais,
datado de 15 de março de 2020, declarando que Amável Antunes exerce as funções de
técnico superior da Câmara Municipal de Cascais desde 1 de março de 2013, estando a
seu cargo o Departamento de Licenciamentos de Lares de Terceira Idade desde 1 de
janeiro de 2017. Foi anexado ao ofício o último recibo de vencimento de AMÁVEL
ANTUNES, apurando-se um vencimento líquido mensal de 2 500 euros por mês, incluindo
todos os devidos subsídios.

6) A fls. 47, o ofício resposta dos Serviços Jurídicos da Câmara Municipal de Cascais,
datado de 15 de março de 2020, no qual se fez exarar que no Departamento de
Licenciamentos de Lares de Terceira Idade não se encontra qualquer pedido formulado
e ou autorizado, no período de 1 de janeiro de 2019 a 31 de janeiro de 2020, em nome
de CLÓVIS, seja nome próprio, seja o apelido, e bem assim que no referido Departamento
não consta qualquer pedido formulado por empresa cujo representante tenha o nome
ou apelido CLÓVIS.

7) A fls. 55, o Auto de Inquirição de BELA BENTO, datado de 25 de junho do 2020:

Aos costumes disse: que viveu em união de facto com AMÁVEL ANTUNES desde 14 de
fevereiro até início de dezembro de 2019 e que não fala com ele porque a relação
terminou de forma conflituosa.
Foi advertida nos termos e para os efeitos do disposto no art. 134.º, n.º 1, al. b), do CPP,
declarando pretender depor.

8
Perguntada sobre se alguma vez, enquanto viveu com o suspeito, viu ou ouviu alguma
situação que a levasse a crer que ele pedia ou aceitava contrapartidas a troco de favores
prestados por força do exercício das suas funções, respondeu que sim, várias vezes, mas
nunca perguntou nada porque percebeu que não era assunto que devesse perguntar.
Perguntada sobre se consegue localizar no tempo as situações que lhe levantaram essas
suspeitas de recebimentos a troco de favores, e quem foram os intervenientes, disse
lembrar-se bem da situação ocorrida na Páscoa passada, quando ele a levou a uma loja
na Avenida da Liberdade e aí comprou e lhe ofereceu uma mala Prada. Custou 2 800
euros, que ele pagou em dinheiro. E de seguida foram a uma loja de relógios de luxo,
Horas de Luxo, também na Avenida da Liberdade, onde ele comprou um Patek Philippe
para ele que custou mais de 23 000 euros, já não se lembra exatamente o valor, e que
também pagou em dinheiro. Ele gostava muito de relógios de luxo.
Perguntada sobre se conhecia alguém de nome CLÓVIS, disse que se lembrava de uma
ou duas vezes o ex-companheiro mencionar esse nome e lembrar-se que um tal CLÓVIS
chegou a ir lá a casa, mas ela não estava na sala nessa altura porque era assunto
profissional do ex-companheiro e ela não assistia a encontros profissionais. Mas isso foi
há já uns meses largos, talvez 1 ou 2 meses depois de ter ido viver com o ex-companheiro.
Perguntada sobre se se lembrava de outros pagamentos em dinheiro ou presentes
recebidos, disse que no verão passado, em julho, estiveram no Hotel Conrad na Quinta
do Lago, ao pé de Faro, e ele pagou cerca de 8 000 euros em dinheiro pela estadia e
outras despesas de consumos, e lembra-se bem que comeram em todos os bons
restaurantes do Algarve, a pagar sempre em dinheiro. Mas não sabe identificar nomes
nem situações que possam explicar a origem desse dinheiro, porque ele nunca falava
disso e ela nunca assistiu a qualquer recebimento.
Disse ainda que em setembro, no dia do seu aniversário, ele também lhe ofereceu um
relógio Omega, no valor de 5 000 euros. Não sabe se o relógio foi pago em dinheiro, mas
supõe que sim, pois uns dias antes ele tinha-lhe dito que lhe ia comprar uma boa prenda
pois havia um parvo que lhe pedira um favor que ele disse que faria, mas não tencionava
mexer uma palha. Ela quis saber do que se tratava exatamente e ele respondeu-lhe que
o parvo queria que ele intercedesse junto do Vereador de Gestão Urbanística para uma
autorização especial, mas que isso daria muito nas vistas e por isso nada faria, apesar de
ter ganho bom dinheiro com a conversa.

9
Perguntada sobre se consegue identificar o nome dessa pessoa a quem o companheiro,
à data, apelidou de parvo, disse que não.
Mais disse que só ficaria bem com a sua consciência se relatasse um facto que não tem a
ver com recebimentos, mas que ela acha escabroso. Quando o conheceu não suspeitou
do gosto sexual dele por crianças e jovens adolescentes, e uma vez, talvez na primeira
semana de novembro, ao meio da noite, ela acordou e ele não estava na cama e então
levantou-se para ver onde estava, foi silenciosamente até à sala e viu a luz que vinha do
computador no escritório, e como a secretária fica contra a parte oposta à porta, quem
está sentado fica de costas para a porta, ele não a viu. Espreitou da porta e verificou ele
estava no escritório e estava a ver crianças e adolescentes nus. Foi-se embora dali para a
cama, chocada com o que viu, mas nunca lhe falou em nada. Pensou que aquilo o excitava
e como ele via muita pornografia, e assumia que a via para se entusiasmar, ela acabou
por não falar disso, pois nunca viu nada presencial com crianças.
Perguntada sobre se alguma vez narrou em algum caderno essa situação disse que sim.
Mais disse que perdeu o rasto a esse caderno, que era uma espécie de diário da sua vida
íntima com ele, deve ter ficado em casa do ex-companheiro, ou ter-se perdido, porque
não se recorda de o ter arrumado em sua casa após ter saído da casa do arguido. Não
sabe ao certo o que lhe sucedeu.
Foi nesta altura exibido o documento que constitui o Anexo A, tendo BELA BENTO
afirmado ser esse o diário de que falava, acrescentando autorizar a sua utilização no
processo.
Disse querer acrescentar que o ex-companheiro lhe retirou a chave de casa e ela nunca
mais lá voltou. Ele não a deixou ir buscar as suas coisas de valor, nem sequer os presentes
que lhe ofereceu enquanto viveram juntos. Por isso quer aqui deixar claro que ele lhe
furtou pelo menos duas coisas de valor que eram suas – a mala Prada, modelo Galleria,
no valor de 2 800 euros; e o relógio Omega, no valor de 5 000 euros, que ele lhe ofereceu
em setembro, no dia do seu aniversário.

8) A fls. 59, o Auto de Diligência Externa datado de 4 de julho de 2020:

Auto de Diligência Externa

10
Hoje, dia 4 de julho de 2020, pelas 15h, eu, Inspetor da Polícia Judiciária DAMIÃO DAVID,
acompanhado pelo Inspetor EDMUNDO ESTEVES, desloquei-me ao estabelecimento
comercial Horas de Luxo, sito na Avenida da Liberdade, nesta cidade de Lisboa, onde
exibimos uma fotografia de AMÁVEL ANTUNES e outra de BELA BENTO aos três
funcionários que ali trabalham, no sentido de apurar se reconheciam as pessoas
fotografadas. Todos responderam não estar seguros que sim, ou que não. Mais se
inquiriu o gerente sobre se na sua base de dados de clientes constam os nomes AMÁVEL
ANTUNES ou BELA BENTO, tendo a mesma sido consultada, à nossa frente, por pesquisa,
tendo o sistema respondido negativamente. O gerente esclareceu que só colocam os
nomes dos clientes na base de dados quando eles o consentem.

9) A fls. 60, o Auto de Diligência Externa datado de 4 de julho de 2020:

Auto de Diligência Externa

Hoje, dia 4 de julho de 2020, pelas 15h 30m, eu, Inspetor da Polícia Judiciária DAMIÃO
DAVID, acompanhado pelo Inspetor EDMUNDO ESTEVES, desloquei-me ao
estabelecimento comercial Prada sito na Avenida da Liberdade, nesta cidade de Lisboa,
onde exibimos uma fotografia de AMÁVEL ANTUNES e outra de BELA BENTO aos quatro
funcionários que ali trabalham, no sentido de apurar se reconheciam as pessoas
fotografadas. Todos responderam não estar seguros que sim, ou que não. Mais se
inquiriu o gerente sobre se na sua base de dados de clientes constam os nomes AMÁVEL
ANTUNES ou BELA BENTO, tendo a mesma sido consultada, à nossa frente, por pesquisa,
tendo o sistema respondido negativamente. O gerente esclareceu que só colocam os
nomes dos clientes na base de dados quando eles o consentem.

10) A fls. 61, o Auto de Diligência Externa datado de 5 de julho de 2020

11
Auto de Diligência Externa

Hoje, dia 5 de julho de 2020, pelas 10h 30m, eu, Inspetor da Polícia Judiciária DAMIÃO
DAVID, acompanhado pelo Inspetor EDMUNDO ESTEVES, desloquei-me ao
estabelecimento hoteleiro Hotel Conrad sito na Quinta do Lago, Almancil, onde exibimos
uma fotografia de AMÁVEL ANTUNES e de BELA BENTO aos três funcionários que ali
trabalham na receção, no sentido de apurar se reconheciam a pessoa fotografada. Todos
responderam negativamente, dizendo que são tantos os clientes que ali passam, de
tantas nacionalidades, que é impossível recordar as suas fisionomias. Mais se inquiriram
os mesmos sobre se na sua base de dados de clientes constam os nomes AMÁVEL
ANTUNES ou BELA BENTO, tendo os mesmos respondido que não estavam autorizados a
ceder os dados dos clientes a terceiros sem ordem da Administração do Hotel.

11) A fls. 65, a Declaração emitida pelo Diretor Executivo do estabelecimento hoteleiro
Hotel Conrad, sito na Quinta do Lago, Almancil, datada de 15 de julho de 2020, atestando
que na base de dados dos clientes deste Hotel não constam os nomes AMÁVEL ANTUNES
e BELA BENTO. Mais aí esclarece ser política do Hotel a seguinte regra: salvo declaração
expressa do cliente em como autoriza o armazenamento dos seus dados, estes apenas
são guardados pelo período de 60 dias, a não ser que não tenha havido boa cobrança da
conta por eles contraída.

12) A fls. 70-75, o extrato bancário da conta 111222333444 titulada por AMÁVEL
ANTUNES no Banco BPI, relativa ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2018 e
31 de julho de 2020, da qual se extrai que não existem depósitos em numerário, nem
outros que não sejam regulares e coincidentes com rendimentos declarados do titular e
provenientes do salário.

13) A fls. 85-87, o Auto de Busca e Apreensão devidamente promovido e autorizado pelo
JIC à residência do suspeito AMÁVEL ANTUNES, datado de 2 de outubro de 2020, do qual
resulta, para o que ora releva, a apreensão:

12
Auto de Busca e Apreensão

Foram apreendidos os seguintes objetos:


i) o computador portátil do arguido, de marca Apple, modelo iMac (em cima da
secretária, no escritório);
ii) uma mala de marca Prada, preta (no closet da suite);
iii um relógio de senhora de marca Omega (na gaveta da cómoda da suite);
iv) um relógio de homem Patek Philippe (na mesinha de cabeceira da suite);
v) um quadro a óleo de ANTÓNIO AREAL de 74 cm x 101 cm, de 1971, s/ título,
representando um cavalo com focinho de pássaro, sem patas dianteiras, e com cavaleiro
(pendurado na parede do escritório);
vi) um quadro a óleo de ANTÓNIO PALOLO, de 1,56 cm x 1,56 cm, de 1984, s/ título,
representando duas figurações humanas (pendurado na parede do escritório).

14) A fls. 88, o Auto de Detenção do suspeito Amável Antunes, datado de 2 de outubro,
às 12h;

15) A fls. 89, o Termo de Constituição de Arguido de AMÁVEL ANTUNES, com a


observância do legal formalismo, datado de 2 de outubro de 2020;

16) A fls. 90, o Termo de Identidade e Residência prestado por AMÁVEL ANTUNES, com
a observância do legal formalismo, datado de 2 de outubro de 2020, do qual se extrai que
é filho de Xavier Antunes e Valentina Antunes e nasceu em 28 de janeiro de 1980 , em
Setúbal;

17) A fls. 95-100, o Auto de 1.º interrogatório de arguido detido para aplicação de medida
de coação, ocorrido no dia 3 de outubro, do qual se extrai, para o que ora releva, que,
após cumpridos os formalismos legais relativos à comunicação dos factos indiciários e
meios de prova que os sustentam (todos os supra referidos), o arguido declarou não
pretender prestar declarações.

13
18) A fls. 105-106, o Auto de Exame e Avaliação, datado de 18 de outubro, do qual se
extrai, para o que ora releva, que:
• a mala de senhora de marca Prada, em estado praticamente novo, com 25 cm x
35 cm x 15 cm, tem o valor de 2 200 euros;
• o relógio de senhora de marca Omega, em estado praticamente novo, tem o valor
de 4 000 euros;
• o relógio de homem de marca Patek Philippe, em estado praticamente novo, tem
o valor de 22 000 euros.

19) A folhas 108, Despacho do magistrado do Ministério Público a ordenar a pesquisa e


apreensão de dados informáticos no computador de AMÁVEL ANTUNES, devidamente
fundamentado, datado de 2 de novembro de 2020;

20) A fls. 113-115, o Auto de Pesquisa e Apreensão de Dados Informáticos ao computador


de Amável Antunes, datado de 3 de novembro de 2020:

Resultou dessa pesquisa ao computador do arguido de marca Apple, modelo iMac, de 27


polegadas, com processador Intel core i9 de 10.ª geração, com 128 GB de memória, que:

- o aparelho continha 2 391 ficheiros de imagem com extensão “jpg” contendo, na sua
quase totalidade, imagens de crianças do sexo masculino, com idades entre os 2 e, no
máximo, os 14 anos, integralmente nuas, com exibição dos seus órgãos genitais, as quais
se encontravam em duas pastas, “Pen Pix” e “Pix”, existentes na pasta Desktop (área de
trabalho), e 89 ficheiros de imagem com extensão “jpg” contendo imagens de crianças
do sexo masculino e feminino, com idades entre os 2 e, no máximo, os 14 anos,
integralmente nuas, com exibição dos seus órgãos genitais, as quais se encontravam nas
pastas de ficheiros temporários da aplicação informática Chrome;

- extraído o histórico de acessos existentes nos ficheiros do sistema do computador,


constatou-se a existência de acessos à Internet, existindo no histórico a referência aos
ficheiros de imagem com extensão “jpg”, “a771229305_704049_7918.jpg” e
“n771229305_2178.jpg”, sendo esses os nomes de 2 dos 89 ficheiros de imagem supra
referidos.

Desses dados informáticos foi feita cópia, em duplicado.

14
21) A folhas 118, Despacho do magistrado do Ministério Público validando a apreensão
dos dados encontrados no computador de AMÁVEL ANTUNES, datado de 5 de novembro
de 2020.

22) A fls. 120-121, o Exame P ericial às pinturas a óleo apreendidas, datado de 11 de


novembro de 2020, de onde se extrai, para o que releva:

- quadro a óleo de António Areal de 74 cm x 101 cm, de 1971, s/ título, representando


um cavalo com focinho de pássaro, sem patas dianteiras, e com cavaleiro, assinada pelo
autor e datado, com o valor de mercado de 25 000 euros;

- quadro a óleo de António Palolo, de 1,56 cm x 1,56 cm, de 1984, s/ título, assinada pelo
autor e datado, representando duas figurações humanas, com o valor de mercado de
15 000 euros.

23) A fls. 130-140, foi incorporado nos autos, com cota lavrada a 30 de novembro de
2020, o Processo de Inquérito com o NUIPC 1112/20.1TACSC, que corria termos no DIAP
de Cascais, composto por 18 fls.:
Fls. 1 a 3:
i) queixa apresentada em 13 de junho de 2020 pelo Presidente da Câmara Municipal de
Cascais no DIAP de Cascais, relativa ao desaparecimento de duas pinturas do gabinete
123, situado no piso 3, Praça 5 de Outubro, Cascais, atribuído ao Engenheiro AMÁVEL
ANTUNES, a saber:
- um óleo de António Areal de 74 cm x 101 cm, de 1971, s/ título, representando um
cavalo com focinho de pássaro, sem patas dianteiras, e com cavaleiro, assinada pelo
autor e datado, com o valor de mercado de 30 000 euros;
- um óleo de António Palolo, de 1,56 cm x 1,56 cm, de 1984, s/ título, assinada pelo autor
e datado, representando duas figurações humanas, com o valor de mercado de 20 000
euros;
Juntou duas fotografias dos quadros quando estavam colocados no referido gabinete.

15
Fls. 6 a 7:
ii) um auto de inquirição da testemunha FERNANDO FERNANDES, presida pelo
magistrado do Ministério Público titular do Inquérito, datado de 13 de julho de 2020,
funcionário da Câmara Municipal de Cascais, responsável pelo Departamento do
Património, no qual declara, para o que ora releva, que no dia 13 de junho a empregada
de limpeza da referida Câmara, GERTRUDES GILBERTO, se dirigiu ao seu gabinete para o
informar que os dois quadros expostos na parede do Gabinete 123, atribuído ao
Engenheiro AMÁVEL ANTUNES, no piso 3, não se encontravam no seu devido lugar. Que
atento os valores em causa, ele de imediato se deslocou ao referido gabinete, tendo
verificado o facto relatado pela mencionada GERTRUDES. Que assim que conseguiu, pois
nesse momento o mesmo não se encontrava no local, interpelou o Engenheiro AMÁVEL
ANTUNES, que lhe respondeu desconhecer o que se passava, apenas sabendo que os
quadros deixaram de estar no local, mas estar confiante que deveriam voltar a aparecer;

Fls. 10 a 12:
iii) A fls. 3-5: Auto de Inquirição de GERTRUDES GILBERTO, datado de 2 de agosto de
2020: perguntada sobre as circunstâncias do desaparecimento dos quadros, disse que no
dia 13 de junho se dirigiu, como habitualmente, logo pela manhã cedo ao Gabinete 123
do piso 3, atribuído ao Engenheiro AMÁVEL ANTUNES e constatou que os dois quadros
que ali estavam na parede tinham desaparecido. Assim que verificou que o Dr.
FERNANDO FERNANDES já se encontrava no gabinete dele, foi lá comunicar-lhe o
sucedido, não fossem atribuir-lhe alguma responsabilidade nesse desaparecimento.
Depois foram os dois ao Gabinete 123, porque o Dr. FERNANDO FERNANDES quis verificar
presencialmente o sucedido e ver se falava com o Engenheiro AMÁVEL. Este ainda não
tinha chegado quando se retirou para a limpeza de outro piso e acabou por sair nesse dia
sem que tivesse havido notícia dos quadros. Ao que sabe, até ao dia de hoje, os quadros
ainda não apareceram. E mais não sabe.

Fls. 15:
iv) uma certidão de óbito de GERTRUDES GILBERTO, atestando o óbito a 13 de agosto de
2020.

16
Fls. 18-20:
v) um auto de inquirição da testemunha AMÁVEL ANTUNES, presida pelo Magistrado do
Ministério Público titular do Inquérito, datado de 3 de setembro de 2020; perguntado
sobre o desaparecimento dos quadros, disse não se recordar exatamente do dia em que
chegou ao seu Gabinete na Câmara Municipal e não viu os quadros pendurados na
parede, como habitualmente, mas que o situa no início de junho. Que não deu muita
importância ao facto porque é habitual a gestão do património fazer alterações na
exposição da mobília, tendo pensado que poderiam ter sido mudados para outro local e
que ali colocariam outras pinturas. Que não dá grande importância a pintura e daí não
ter relevado muito o desaparecimento dos quadros. Perguntado sobre se alguém os
poderia ter retirado, disse que só lhe vem à memória a empregada da limpeza,
GERTRUDES GILBERTO, que tinha a chave do seu Gabinete e ali ia fora das horas de
expediente fazer a limpeza e sabe-se lá mais o quê, porque passava a vida a mirá-los e a
dizer que eram bem bonitos e valiosos.

vi) A fls. 25: Certidão de óbito de FERNANDO FERNANDES, atestando o óbito a 28 de


agosto de 2020.

27) A fls. 155-160, o Auto de Declarações de Arguido , que tiveram lugar em diligência de
interrogatório de arguido, nos termos do art. 144.º, n.º 1, do CPP, presidida pelo
magistrado do Ministério Público, ocorrido em 2 de dezembro de 2020, na sequência de
notificação que lhe foi endereçada para o efeito.
Foram-lhe comunicados os factos indiciários apurados até esse momento presente
momento e os meios de prova que o sustentam (todos os supra descritos), e feitas as
devidas comunicações, tudo nos termos legais, encontrando-se o arguido devidamente
acompanhado pelo seu Defensor.
Perguntado sobre se desejava prestar declarações sobre os factos que indiciariamente
lhe são imputados, respondeu que apenas deseja esclarecer:
- que tinha os quadros da Câmara Municipal de Cascais em sua casa, no seu escritório,
porque, por força da COVID-19, passou a trabalhar frequentemente em casa e os mesmos
estavam à sua guarda, acompanhando-o no seu trabalho, tal como o estavam no

17
Gabinete da Câmara. Nunca teve qualquer intenção de os fazer seus, tencionando colocá-
los no seu Gabinete da Câmara Municipal assim que a pandemia desaparecesse e voltasse
a trabalhar no seu gabinete na Câmara;
- que a empregada ZAIDA ZENHA ficou muito amiga da sua ex-companheira BELA BENTO
e despediu-se logo no final do mês em que ele terminou a relação; e foi porque ele
terminou a sua relação com a ex-companheira que ambas, conluiadas numa vingança no
feminino, resolveram imputar-lhe factos difamatórios do seu bom nome, pois jamais
recebeu dinheiro a troca de favores que fizesse a quem quer que fosse e já deu ordem
ao seu advogado para apresentar queixa contra elas. Esclarece que tem o hábito de ver
sempre o interior dos cofres dos quartos de hotel onde se instala. A mala Prada e o
relógio Omega, que foram apreendidos nos autos, foram por si encontrados num quarto
de hotel de luxo, em Lisboa, dentro do cofre que tinha a porta apenas encostada, local
onde passou uma noite com uma senhora que se recusa a identificar, bem como o hotel,
por questões éticas. Estava lá ainda um anel com um diamante, que ficou para a senhora.
Ele ficou com estes objetos para vender mais tarde no e-bay, tendo permitido à ex-
companheira BELA BENTO que os usasse, mas nunca lhos deu, o que ela nunca aceitou
de bom grado, porque era e é uma gananciosa.
No mais, negou todos os factos imputados.
E mais não disse por se recusar a responder a outra qualquer questão.

28) A fls. 165-168, um requerimento apresentado pelo arguido AMÁVEL ANTUNES em 8


de dezembro de 2020, com o seguinte teor:

Exmo Sr. Juiz de Instrução Criminal


Junto do DIAP de Cascais

AMÁVEL ANTUNES, arguido nos presentes autos, tendo tido conhecimento o passado dia
8 de dezembro, aquando da diligência de interrogatório de arguido, de vícios capitais de
que enferma o presente processo, vem argui-los junto de V. Exa:
I

1) O presente processo teve origem no testemunho de ZZ que entregou dois cadernos


que compõem os Anexos A e B.

18
2) Segundo o depoimento da testemunha ZZ, o arguido entregou-lhe, para queimar, um
saco com papéis, entre os quais se encontravam os referidos dois livros.

3) ZZ, ao que disse, apropriou-se dos referidos cadernos, contra a vontade do seu titular,
aqui arguido, que lhe ordenou que os queimasse, não que os fizesse seus, cometendo
desta feita ZZ um ilícito penal.

4) Sem conceder, porquanto os factos que lhe são imputados e que se fundamentam
nesses meios de prova não correspondem à verdade, esses cadernos consubstanciam
prova proibida nos termos do art. 126.º, n.º 3, do CPP, pois a sua apreensão constitui
uma intromissão na vida privada sem a competente autorização judicial e sem
consentimento do titular.

5) Com efeito, ZZ apropriou-se de um diário, que leu, sem consentimento do titular,


constituindo essa leitura uma intromissão na intimidade e na reserva da vida privada do
aqui arguido, pelo que não pode ser valorado no processo, sob pena de
inconstitucionalidade – neste sentido o Ac. do TC 607/2003, no qual se decidiu “Julgar
inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 1º, 26º, n.º 1, e 32º,
n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída do art. 126º, n. os 1, e 3
do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é ilícita a valoração
como meio de prova da existência de indícios dos factos integrantes dos crimes de abuso
sexual de crianças imputados ao arguido (...), dos “diários” apreendidos, em busca
domiciliária judicialmente decretada, na ausência de uma ponderação, efectuada à luz
dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, sobre o conteúdo, em concreto,
desses “diários”.

6) Da declaração de que a prova obtida através do diário é proibida, tem de


obrigatoriamente concluir-se pela contaminação de toda a prova que lhe é dependente,
ou seja, toda a demais prova obtida nos autos, porque toda entronca no seu teor; com
efeito, o depoimento de ZZ funda a sua razão de ciência na apropriação ilícita do diário,
na leitura do mesmo, seguindo-se a junção do dito diário aos autos. Assim, não deve nem
pode ser valorada, pelo efeito da contaminação, a consequente busca domiciliária, no
decurso da qual foram apreendidos o computador, uma mala Prada, um relógio Omega,
um relógio Patek Philippe e dois quadros, pois toda esta prova não teria sido obtida sem

19
o depoimento de ZZ e este não teria tido lugar sem a apropriação ilícita e violadora da
vida privada do titular do diário.

II

1) A junção aos autos de um caderno propriedade do arguido, de que a testemunha ZZ


se apropriou, contra a vontade deste, é igualmente um ato nulo, pois a sua apropriação
por parte desta consubstancia um ato ilícito penalmente relevante;

2) Os meios legalmente admitidos para instrução de um processo penal não integram o


furto para entrega judicial, nem a entrega judicial torna incólume o crime que lhe subjaz.
O Código Processo Penal não admite esta junção;

3) Deve assim ser declarada prova proibida a junção do caderno aos autos;

4) Consequentemente, toda a prova obtida a partir da mencionada junção não pode ser
valorada por força da contaminação que sofre, designadamente, a busca judicial, no
decurso da qual foram apreendidos o computador, uma mala Prada, um relógio Omega,
um relógio Patek Philippe e dois quadros.

III
1) Foi incorporado nos autos o Processo de Inquérito com o NUIPC 1112/2020 CSC, no
qual consta a inquirição do arguido como testemunha. Esse Auto de Inquirição não pode
ser valorado no presente processo, porquanto o arguido detém posição processual que
lhe atribui prerrogativas que naqueloutro processo, como testemunha, não tinha. O
arguido invoca, pois, a violação do seu direito de defesa, pugnando pelo
desentranhamento do Processo de Inquérito com o NUIPC 1112/2020.

***

20
Considere que:
• o arguido tem mandatário constituído;
• não foi recolhida qualquer outra prova útil para os autos que contrarie ou coadjuve
a acima descrita;
• não existem outras diligências que pudessem ser realizadas de onde pudessem
resultar efeitos úteis ao esclarecimento dos factos.

Tendo em conta todos os elementos constantes do processo e acima mencionados :

1. pronuncie-se sobre todas as questões suscitadas no requerimento apresentado

pelo arguido, antes de enviar os autos ao juiz de instrução e ainda que entenda que
a decisão final lhe não compete, bem como sobre aquelas que julgue dever tomar
conhecimento ex officio;
2. elabore o despacho de encerramento do inquérito.
*

Não é suposto pronunciar-se sobre medidas de coação, não sendo


valorada qualquer referência a essa matéria.

21
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
1.ª Chamada – Grelha de Correcção

I – Apreciação do requerimento do Arguido cotação

1. O “diário” constitui •
Deve ter-se em consideração o facto de o diário ser 0,9
prova proibida? propriedade de BB que, no seu depoimento, diz conceder
autorização para a sua utilização no processo; um diário é uma
emanação intelectual e subjetiva do “sujeito-autor,” o “Eu”, e a
lei – artigo 32.º, n.º 8, da CRP, e artigo 126.º, n.º 3, do CPP –
protege o direito à reserva da vida privada desse “Eu”, não dos
terceiros por ele percecionados e mencionados, filtrados pela
subjetividade de quem escreve o diário; havendo autorização
do proprietário/titular do direito protegido, a questão da
admissibilidade deste documento não se coloca;
• Sem conceder, deve ainda notar-se que o que releva para o
processo são duas folhas, podendo todas as demais ser
retiradas e devolvidas a BB, o que se poderá promover,
atendendo ao teor da descrição que contêm – relatos da vida
sexual íntima do casal – tendo-se, assim, em consideração a
proteção do direito à reserva da intimidade do visado pelo
diário, o arguido requerente, que nada releva para a matéria
dos autos;
• Sem conceder, entendendo-se que existe um conflito de
direitos entre, a saber, o da reserva da vida íntima e privada do
arguido, terceiro para este efeito (por o documento mesmo
relatar um episódio relativo à sua sexualidade – gosto por
visualização de crianças em poses e exibições de natureza
sexual), e o do interesse da investigação para a prossecução do
Estado de Direito, na ponderação de valores a efetuar pelo JIC
(cfr. Ac. do TC cit. no enunciado), relevará obviamente este
último (atendendo ao teor criminógeno grave das duas páginas
relevantes para a prova), podendo ocultar-se da publicidade os
relatos da vida sexual do arguido (artigo 86.º, n.º 7, do CPP),
como acima se mencionou;
• Deve, portanto, concluir-se que improcede a alegação de que o
diário constitui prova proibida.
2. A prova subsequente Atendendo ao que acabou de se concluir de que inexiste prova 0,5
encontra-se proibida, a prova subsequente não se encontra contaminada,
contaminada? nomeadamente as apreensões de bens que resultaram da busca.
Sem conceder, releva o facto de o depoimento de ZZ relatar um
outro episódio criminoso, o da corrupção, pelo que,
independentemente da junção do diário, a busca, a efetuar
inevitavelmente na sequência dos outros factos em investigação,
com a apreensão do computador, conduziria à mesma prova da
prática do crime de pornografia de menores. Ou seja, haveria
sempre uma exceção ao efeito à distância da prova proibida,
constituída por um conhecimento do mesmo facto por fonte
independente.
3. O “caderno” do Inexiste um facto ilícito de natureza criminal. O facto de ZZ não ter 1
arguido constitui prova queimado o caderno, por nele ter lido “entregas” e “em falta” e o
proibida? ter relacionado com o episódio a que assistira entre AA e C, na
sexta-feira santa, não consubstancia, em especial, um crime de
abuso de confiança (artigo 205.º, n.º 1, do CP). Não existe dolo de

1
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
1.ª Chamada – Grelha de Correcção

apropriação, o que existe é a intenção de denunciar um crime e


fornecer prova para tanto – o que ZZ fez.
Logo, improcede a arguida nulidade do ato de junção do caderno,
inexistindo aqui qualquer proibição de prova.

4. A busca encontra-se Prejudicado o conhecimento, atendendo ao teor da resposta 0,5


contaminada? anterior.
Sem conceder, atendendo a que ZZ relata factos a que assistiu
(episódio entre AA e C, na sexta-feira santa), é o seu depoimento
e não a junção do caderno (que apenas servia para dar
consistência documental ao depoimento) que dão origem ao
processo, sendo que mesmo sem o caderno a investigação teria
prosseguido. Ou seja, também aqui haveria uma exceção ao efeito
à distância da prova proibida, constituída por um conhecimento
do mesmo facto por fonte independente.
5. A junção aos autos A junção aos autos do Proc. de Inquérito, por si só, não viola o 0,9
do Proc. de Inquérito direito de defesa do arguido. Note-se que neste Processo
onde o arguido foi encontra-se o depoimento de FF, entretanto falecido, sendo o seu
ouvido como depoimento importante e admissível em sede de Julgamento, nos
testemunha viola o seu termos do artigo 356.º, n.º 4, do CPP, verificados que se
direito de defesa? encontram os respetivos pressupostos.
O que viola o seu direito de defesa, sendo inadmissível, é que o
seu depoimento, enquanto testemunha nesse Proc. de Inquérito,
seja valorado no Proc. em que é arguido, pois nesta qualidade
processual tem direitos (designadamente ao silêncio, a não ter de
falar com verdade) que naquele Proc. não deteve.
Desta feita, tem razão o arguido na parte em que invoca a violação
ao seu direito de defesa se o seu depoimento testemunhal no
Proc. de Inquérito for valorado no Proc. em que foi constituído
arguido. A boa prática processual deveria ter conduzido a que o
inquérito apensado não contivesse o seu depoimento, sem
embargo de, estando este junto, não poder relevar nem servir de
elemento para a formação da convicção. Ou seja, estamos
perante uma proibição de prova com a consequente proibição de
valoração do referido depoimento, o que deve ser declarado.

Despacho para No início ou no final da apreciação do requerimento do arguido, 0,2


remessa do processo deve o magistrado do Ministério Público ordenar a remessa do
ao juiz de instrução processo ao juiz de instrução para apreciação
para apreciação do
requerimento

total do requerimento do arguido 4

II – Despacho de Encerramento de Inquérito

1. Arquivamento – artigo 277.º, n.º 2, CPP

“Relatório” Referência sucinta à origem do inquérito: factos denunciados que 0,25


constituem o objeto do inquérito e serão objeto de apreciação no
despacho de arquivamento; sua provisória qualificação jurídico-
penal (crime de corrupção passiva cometido por A – artigo 373.º,
n.º 1, do CP –, crime de corrupção ativa cometido por C – artigo

2
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
1.ª Chamada – Grelha de Correcção

374.º, n.º 1 e 386º, nº 1, al a), do Código Penal; crime de tráfico


de influência cometido por A – artigo 335.º, n.º 1, do Código Penal
–, crime de tráfico de influência cometido por indivíduo não
identificado – artigo 335.º, n.º 2, do Código Penal; crime de furto
qualificado quanto à mala Prada e relógio Omega – artigos 203.º,
n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea a), e 202.º, al. a) do CP).

a) crime de corrupção Breve descrição dos elementos objetivos e subjetivos dos tipos de 2
passiva (artigo 373.º, crime;
n.º 1, e 386.º, nº 1, al. Descrição e apreciação da prova produzida:
a), do CP) • depoimentos de ZZ e BB, ambos relativos ao episódio com C;
e de corrupção ativa • depoimento de BB também quanto às despesas elevadas e
(artigo 374.º, n.º 1, do pagamentos luxuosos sempre em dinheiro;
CP) • caderno com anotações de “entregas” e “faltas”;
• busca e apreensão (mala Prada e os 2 relógios de luxo, Omega
e Patek Philippe, consistentes com o depoimento de BB);
• modo de vida desconforme com rendimento declarado (doc.
salário /2 500 € vs empregada doméstica interna/ 1000 € mês;
estadia Conrad / 8 000 € e refeições luxo, tudo pago sempre em
dinheiro; relógio Patek Phillippe 23 000 €; mala Prada 2 800 €;
relógio Omega 5 000 €, mencionados no depoimento de BB)
• ausência de prova recolhida junto das lojas Prada e Horas de
Luxo, e Hotel Conrad (diligências não confirmam nem infirmam
as suspeitas);
• declarações do arguido (explicações quanto à origem da mala
Prada e do relógio Omega; mera negação dos demais factos
imputados).
Apesar de as explicações do arguido não se afigurarem credíveis,
permanece uma dúvida insolúvel sobre a ocorrência do crime:
impossibilidade de apurar situações em concreto, factos relativos
à solicitação ou aceitação, ao ato a praticar, se conforme ou
desconforme aos deveres do cargo, à vantagem patrimonial, a
imputar ao arguido, que preencham os elementos dos tipos de
crime.
Além de tudo o mais, no que tange à denunciada corrupção ativa,
desconhece-se a identidade do seu autor (o que, mesmo que
existisse prova quanto a A, sempre obrigaria ao arquivamento
quanto a C).
Com a prova existente, existe uma elevada probabilidade de
absolvição de A, caso fosse acusado e julgado.

b) crime de tráfico de Breve descrição dos elementos objetivos e subjetivos dos tipos de 2
influência (artigo 335.º. crime;
n.ºs 1 e 2, do CP) Descrição e apreciação da prova produzida:
• depoimento de BB remetendo para a confidência que lhe foi
feita por AA, relativa ao “parvo”, suportado pela busca com
apreensão do relógio Omega, em conformidade com o relatado
no depoimento
Vs
• declarações do arguido: encontrou o relógio num cofre de um
quarto de Hotel de luxo em Lisboa.
Independentemente da versão de cada um dos intervenientes e
da credibilidade que se lhes conceda, na verdade inexiste
qualquer outro indício factual que em concreto permita

3
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
1.ª Chamada – Grelha de Correcção

preencher os elementos objetivos do tipo – não se apurou


qualquer facto sobre se solicitou ou aceitou, qual a vantagem
patrimonial, qual a finalidade da solicitação ou da aceitação, não
possibilitando sequer uma imputação completa (artigo e alínea).
Ainda que existisse prova suficiente quanto à responsabilidade de
A, sempre seria necessário arquivar quanto ao indivíduo que lhe
teria solicitado o uso da influência (n.º 2), por ser desconhecida a
sua identidade.

c) crime de furto Breve descrição dos elementos objetivos e subjetivos do tipo em 1,25
qualificado (artigos questão, com referência ao valor dos objetos (relógio Omega - 5
203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 000 euros, e mala Prada – 2 800 euros, ambos pelo valor
1, alínea a), e 202.º, al. declarado de aquisição - total 7 800 euros, valor elevado)
a), do CP) Descrição da prova produzida:
• Depoimento de BB, suportado na apreensão dos dois objetos
• Declarações do arguido – encontrou a mala e o relógio no
cofre de um quarto de hotel de luxo em Lisboa
Ainda que se tenha como credível a versão de BB e não a do
arguido, há que considerar que os referidos objetos – de acordo
com BB – foram adquiridos com o dinheiro recebido pelo arguido
pelos “favores” feitos a terceiros por força do exercício das suas
funções. BB bem sabia da proveniência ilícita do dinheiro. Desta
feita, BB não pode ser considerada como uma legítima
proprietária – note-se que a ordem jurídica não consente a forma
de transição de propriedade qua tale foi descrita por BB, pois
tendo os objetos sido adquiridos com dinheiro proveniente de
crime, eles são res extra commercium.

Menção ao conceito de Em algum momento do despacho de arquivamento (p. ex., na 0,5


indícios suficientes apreciação da primeira situação), há que referir e concretizar o
conceito de indícios suficientes – artigo 283.º, n.º 2, do CPP

Decisão de Despacho de arquivamento do inquérito, indicando as situações 0,25


arquivamento e o respetivo fundamento.

Comunicações (artigos • ao arguido 0,25


277.º, n.ºs 3 e 4, e • ao defensor do arguido
113.º, n.º 11, do CPP1) • a ZZ
• a BB

total do arquivamento 6,5


Destino dos objetos
apreendidos não
relevantes para a prova
na acusação:

Mala Prada e relógio Quer considerando a versão do arguido quanto à forma de 0,5
Omega aquisição da mala Prada e do relógio Omega (proveniência
confessadamente criminosa, uma vez que declarou que se
apropriou de coisa achada, num hotel de Lisboa, sendo certo que
inexiste queixa para o procedimento criminal, motivo pelo qual o

1
Não se exige nem valora comunicações obrigatórias resultantes de normativos internos do Ministério Público ou de legislação
avulsa, por os mesmos não constarem dos elementos de consulta do concurso.

4
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
1.ª Chamada – Grelha de Correcção

mesmo nem sequer se iniciou), quer considerando a versão de BB,


que também confessadamente depôs no sentido que tais bens
foram adquiridos com dinheiro proveniente da prática de crimes
de corrupção por parte de AA, que lhe ofereceu esses objetos,
bem sabendo ela a factualidade delituosa que proporcionou a
respetiva aquisição [o que exclui a tutela do 3.º de boa fé do art.
111.º, n.ºs 1 e 2, al. b)], estes objetos não possuem proveniência
lícita, pelo que os mesmos são suscetíveis de perdimento a favor
do Estado, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, al. b), e n.º 5, do CP,
e 268.º, n.º 1, alínea e), do CPP. Antes, porém, há que notificar
incertos por editais nos termos previstos no artigo 186.º, n.º 4, do
CPP.

Duas pinturas a óleo Por se ter feito prova da respetiva titularidade do direito de 0,25
propriedade e a manutenção da apreensão não ser relevante para
a prova na acusação, despacho levantando a apreensão e
ordenando a notificação da Câmara Municipal de Cascais para
proceder ao seu levantamento no prazo máximo de 60 dias, findo
o qual, se não o fizesse, se consideram perdidos a favor do Estado
as duas pinturas, uma de António Areal e outra de António Palolo,
apreendidas nos autos – artigo 186.º, n.ºs 1 e 3, do CPP.

Atendendo ao decidido quanto ao arquivamento na parte da


Relógio Patek Philippe corrupção (falta de indícios suficientes de que o relógio foi 0,25
adquirido com dinheiro proveniente do facto ilícito denunciado,
localizado na sexta-feira santa), despacho levantando a apreensão
e ordenando a notificação do arguido para proceder ao seu
levantamento no prazo máximo de 60 dias, findo o qual, se não o
fizesse, se considerar perdido a favor do Estado – artigo 186.º, n.ºs
1 e 3, do CPP.

total dos objetos 1

2. Acusação – artigo 283.º, n.ºs 1 e 3, CPP

Introito Identificação da entidade (Ministério Público) e do ato (acusação); 0,25


indicação da forma de processo (comum) e identificação do
tribunal competente (coletivo)
Identificação do Nome, filiação, data e local de nascimento, profissão, residência 0,15
arguido
Factos da pornografia Descrição dos factos objetivos do tipo: os relativos à mera 2,5
de menores – artigos detenção no computador de 2480 ficheiros contendo imagens de
176.º, n.º 5, do Código crianças do sexo masculino, com idades entre os 2 e, no máximo,
Penal os 14 anos, integralmente nuas, com exibição dos seus órgãos
genitais, tudo conforme descrito no Auto de Pesquisa e Apreensão
de Dados Informáticos ao computador, pertencente a AA,
descrição que deverá ser efetuada com localização temporal e
espacial.
Descrição dos factos relativos ao tipo subjetivo.
Descrição dos factos relativos à consciência da ilicitude e
punibilidade da conduta.

5
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
1.ª Chamada – Grelha de Correcção

Factos do peculato – Descrição dos factos: 2,5


artigo 375.º, n.º 1, e objetivos – qualidade de funcionário do arguido, conduta
386.º, n.º 1, al. a), do CP consubstanciadora da apropriação (levou as pinturas para sua
casa, contra a vontade de quem podia decidir onde as exibir ou
guardar), ilegítima (sem autorização ou motivo justificado), em
proveito próprio (colocou-as na sua residência), de coisas móveis
(duas pinturas), caráter público da coisa (propriedade de um ente
público), de coisa que lhe estava acessível em razão das suas
funções (estava no seu gabinete da CMC, o local de trabalho)
e subjetivos – com dolo de apropriação, já que só a busca e
apreensão pôs cobro à detenção da coisa na residência do arguido
e deu notícia onde a mesma se localizava, sendo certo que o
arguido não podia desconhecer que corria termos um processo de
inquérito relativo ao desaparecimento dos dois quadros
pertencentes à CMC, com a respetiva localização espacial e
temporal.

Enquadramento Imputação ao arguido AA da prática, em autoria material, na


jurídico-penal forma consumada e em concurso efetivo, de:
• Um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176.º,
0,5
n.º 5, do CP;
• Um crime de peculato, p. e p. pelo art. 375.º, n.º 1, e 386.º, n.º
0,6
1, al. a), do CP.

Prova • Testemunhal 0,75


1. BB
2. ZZ
3. DD
4. EE
5. Auto de Inquirição de FF a fls. 6-7 do Proc. de Inq.
1112/20.1TACSC, cuja leitura desde já se requer ao
abrigo do disposto no artigo 356.º, n.º 4, do CPP;
• Pericial
o Auto de Exame Pericial a pinturas a óleo - fls. 120-
121
• Documental
o Anexo A (diário de BB)
o Ofício da Câmara Municipal de Cascais sobre a
qualidade funcional de AA – folhas 45;
o Auto de Busca e Apreensão de fls. 85-87
o Auto de Pesquisa e Apreensão de dados
informáticos ao computador – fls. 113-115

Comunicações legais • ao arguido 0,25


(arts. 283.º, n.ºs 5 e 6, • ao defensor do arguido
277.º, n.º 3, e 113.º, n.º
11, do CPP2)

2
Não se exige nem valora comunicações obrigatórias resultantes de normativos internos do Ministério Público ou de legislação
avulsa, por os mesmos não constarem dos elementos de consulta do concurso.

6
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
1.ª Chamada – Grelha de Correcção

total quanto à acusação 7,5

7. Estrutura do • Correção da linguagem, que deverá ser clara, rigorosa e precisa, 1


despacho, organização revelando poder de síntese;
do discurso técnico- • Na acusação, os factos devem estar lógica e cronologicamente
jurídico e linguagem ordenados, apenas com descrição factual relevante e sem
utilizada conceitos de direito ou menções a meios de obtenção de
prova/meios de prova;
• Apreciação da correção global da peça efetuada,
nomeadamente a sua estruturação (nos termos desta grelha).

7
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção

Pontos a avaliar Respostas Cotação

1. Questões prévias

1.1 Validação da detenção e Arts. 254.º, n.º 2; 257.º, n.º 2, als. a), b) e c); 0,30
apresentação tempestiva ao 259.º, 202.º, n.º 1, als. a) e b), ex vi do art. 1.º,
JIC para 1.º interrogatório de als. d) e f), e arts. 131.º e 132.º do CP.
arguido detido
1.2 Nulidades arguidas

1.2.1. acesso aos registos de Regra geral – artigo 167.º, n.º 1, do CPP: As 1,30
imagem do supermercado reproduções fotográficas, cinematográficas,
fonográficas ou por meio de processo eletrónico
e, de um modo geral, quaisquer reproduções
mecânicas só valem como prova dos factos ou
coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos
termos da lei penal. Só haverá proibição de
prova no caso de a ilicitude resultar de violação
da lei penal (incluindo a extravagante).

Gravação de imagem por sistema de


videovigilância é tratamento de dados pessoais e
no caso não é efetuada por pessoa singular no
exercício de atividades exclusivamente pessoais
ou domésticas, estando sujeita aos requisitos
legais do RGPD e, como em tal regime referido,
aos requisitos da Lei nº 4/2013 (Lei 58/2019, de
08/08 - RGPD).

Quantos aos requisitos legais da videovigilância


cuja finalidade seja a segurança de pessoas e
bens, dispõe o art. 19.º da Lei 58/2019 o qual
remete para o art. 31.º da Lei 34/2013, de
16/05.

A violação dos requisitos legais de tal atividade


de videovigilância (art. 19.º da Lei 58/2019, de
08/08) poderá implicar a prática de
contraordenações. Integrando contraordenação
grave a inexistência de informação ao público da
existência de um sistema de videovigilância (art.
37.º, nº 1, al. b), da Lei 58/2019). No caso,
todavia, não são disponibilizados quaisquer
dados relativos à possível prática de qualquer
contraordenação.
A jurisprudência dominante tem entendido que
a violação de quaisquer regras próprias das
instalações de sistemas de videovigilância que
sigam um escopo securitário de pessoas e bens e
não abarcando espaços de reserva de
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção

intimidade, ainda quando possam integrar


qualquer contraordenação ao regime legal
respetivo, não consiste numa atividade de
recolha de imagem ilícita à luz do CP, quer
porque, mercê do regime legal respetivo, se
trata de atividade criminalmente atípica, quer
porque, atentos os escopos securitários de
pessoas e bens que lhe presidem sempre seria
realizada ao abrigo de uma cláusula de exclusão
da ilicitude conquanto exista uma justa causa no
procedimento de recolha de imagem,
designadamente quando enquadradas em locais
públicos ou de acesso ao público (art. 31.º, n.º 1,
do CP).

Cfr., a propósito: Paulo Pinto de Albuquerque,


Comentário do CPP, anotação ao art. 167.º, e a
jurisprudência citada, nomeadamente a do TRP,
de 26.03.2008, CJ XXXIII, 2, 223, o qual admite
como prova imagens obtidas por sistemas de
videovigilância mesmo quando não
autorizados; Comentário Judiciário do Código
de Processo Penal, anotação ao art. 167º, p.
538; quanto à possibilidade de utilização de
registos de videovigilância mesmo no caso de
incumprimento de requisitos legais: Ac. RP.
25.02.2015; RC 24.02.2016; RP 23.11.2011; RP
28.09.2011; RC 18.05.2016; RL 10.05.2016).

No caso concreto, atentos os respetivos escopos


securitários e o local de instalação, era
legalmente possível a realização de
videovigilância que tenha por finalidade a
proteção e segurança de pessoas. A eventual
falta de afixação de “aviso” de captação de
imagens seria relevante apenas em termos
contraordenacionais.

Por esta via, não sendo fornecidos ao candidato


elementos relativos à existência ou comunicação
ao público da existência ou não de um sistema
de videovigilância será defensável a licitude da
captação como meio de prova bem como a sua
utilização em processo penal. A mera falta de
cumprimento de tal requisito não se pode haver
como integrante de qualquer ilícito penal.

A questão teria de ser problematizada pelo


candidato, admitindo-se ambas as vias, mas,
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção

defendida a invalidade, mantêm-se, ainda assim,


os indícios quanto à autoria dos crimes, uma vez
que a localização celular do telemóvel da vítima
era apta, no contexto, a gerar por si só uma
suspeita do envolvimento da visada justificado
da necessidade e adequação da emissão de
mandados de busca para a sua residência.

1.2.2. diligências de busca e O OPC, na sequência das buscas à residência da 1,30


apreensão do automóvel da suspeita (apreensão da chave da viatura da
vítima vítima) e declarações informais da suspeita,
localizou, em local diverso do local (domicílio)
coberto pelo mandado de busca, a viatura da
vítima, abriu-a com a chave apreendida e
introduziu-se no seu interior onde procedeu à
localização e apreensão de objetos
indiciariamente relacionados com o crime ou
que pudessem servir de prova (cutelo, alicate,
sacos do lixo), efetuou inspeção lofoscópica e
colheu vestígios biológicos.

A viatura automóvel é um lugar reservado ou


não livremente acessível ao público, embora não
domicílio.

O regime de tal diligência é, pois, o das medidas


cautelares e de polícia e o das buscas – artigos
249.º, n.º 1, alínea c), e 174.º, n.ºs 2 a 6, do CPP.

Como regra, tais buscas apenas podem ser


autorizadas ou ordenadas por autoridade
judiciária. Excecionalmente, poderão os OPC's
realizá-las sem autorização ou despacho prévio
de autoridade judiciária – n.º 5 do artigo 174.º e
artigo 251.º, nº 1, al. a), e n.º 2.

No caso, o único fundamento que poderia existir


seria o do art. 251.º, al. a), porquanto tal busca à
viatura é realizada em ato temporalmente
contínuo à detenção (fora de flagrante delito) da
arguida. Todavia, da letra da lei parece exigir-se
que a busca seja realizada em ato temporal e
espacialmente coevo com o ato de detenção de
arguido, o que, no caso, não sucede,
considerando que a detenção ocorreu em local
diverso daquele onde a busca veio a ser
realizada após as declarações informais que
conduziram à detenção de arguido e à busca
subsequente.
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção

Apesar de a viatura ser propriedade da vítima,


podendo questionar-se se não estaríamos ante
uma situação de consentimento presumido da
mesma, a verdade é que o consentimento
enquanto requisito de validade de busca pelo
OPC, nos termos do art. 174.º, nº 5, al. b), exige
a respetiva documentação, o que exclui o
consentimento presumido como aquele que
basta, por exemplo, para a interceção das
comunicações da vítima (vide art. 187.º, n.º 4, al.
c), in fine).

Não estando, todavia, em causa, uma busca a


um domicílio, não se estará ante uma proibição
de prova (art. 126.º, n.º 3, do CPP), e, à falta de
previsão de nulidade de prova, haverá que se
concluir que existe apenas uma irregularidade
(artigo 118.º, n.ºs 1 e 2, do CPP). Os atos
irregulares produzem os seus efeitos enquanto a
irregularidade não for declarada. Qualquer
irregularidade do processo só determina a
invalidade do ato a que se refere e dos termos
subsequentes que possa afetar quando tiver
sido arguida pelos interessados no próprio ato
ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias
seguintes a contar daquele em que tiverem sido
notificados para qualquer termo do processo ou
intervindo em algum ato nele praticado – artigo
123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Apesar de afetada com o ato, a arguida, não
sendo titular do direito acautelado com a
formalidade preterida, não se poderá considerar
“interessada” para efeitos de arguição da
referida invalidade, a qual deverá, assim, ser
objeto de indeferimento.

1.2.3. Impossibilidade de Os OPC´s, nos termos do art. 249.º, n.º 1, do 1,30


valoração das declarações da CPP, têm competência própria para praticar os
coarguida FERNANDA, dada atos cautelares necessários e urgentes para
a sua informalidade e na assegurar os meios de prova. Competindo-lhes,
parte atinente à arguida nomeadamente (n.º 2): b) colher informações
HELOÍSA por violação do das pessoas que facilitem a descoberta dos
contraditório agentes do crime e sua reconstituição; c)
proceder a (…) buscas em caso de urgência ou
perigo na demora, bem como a acautelar a
conservação ou manutenção dos objetos
apreendidos. Nos termos do n.º 3 do 249.º do
CPP, tais competências próprias cautelares dos
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção

OPC´s mantêm-se mesmo após a intervenção da


autoridade judiciária.

O art. 58.º não contempla a obrigatoriedade de


constituição de arguido do visado com o início
da execução da busca, sendo certo que a busca
pode ter alvo não suspeitos e, no caso em que o
tem, como sucede na situação concreta, muitas
vezes, só após a execução da busca são colhidos
indícios que alicercem a suspeita fundada que
justifica, no caso de verificação de um dos atos
processuais do art. 58.º, a obrigatória
constituição como arguido.

No caso, a prestação espontânea de declarações


com um conteúdo materialmente confessório
não se pode formalmente haver como
recondutível a um “ato de tomada de
declarações perante o órgão de polícia criminal”,
o qual pressupõe uma iniciativa do OPC e não
um ato espontâneo do suspeito não controlável
em termos de tempo, local e forma pelo OPC.

Caso a arguida, em sede de interrogatório,


decidisse não prestar declarações (o que não
sucedeu), poder-se-ia, então, sim levantar a
questão de saber se essas declarações informais
da arguida teriam qualquer valor probatório,
nomeadamente se os OPC´s as reproduzissem
em auto de inquirição como testemunhas
(depoimento indireto) ou vertessem em auto o
mesmo (como sucedeu no auto de busca à
residência da suspeita como uma intercorrência
do ato da busca) para efeitos de valoração
autónoma.

A tal respeito, e considerando esta última


hipótese (silêncio da arguida), divisa-se doutrina
e jurisprudência que, distinguido as declarações
processuais e extraprocessuais, admitem o
depoimento indireto (art. 356.º) que vise as
últimas, mas já não as primeiras.

Assim: Paulo Dá Mesquita, fazendo menção às


declarações dos OPC quanto às declarações
prestadas por futuros sujeitos processuais (art.
249.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do CPP), providências
essas em cujo âmbito a ação em apreço se
inseriu; Acórdão do TRC de 02.02.2005, CJ, XXX,
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção

Tomo I, 42; Acórdão do TRL de 10.11.2005


(www.dgsi.pt): “Nada impede que os agentes de
investigação, em audiência, deponham sobre o
conteúdo dessas diligências, incluindo sobre o
conteúdo das conversas havidas com suspeitos
que, entretanto, foram constituídos arguidos e
mesmo que estes, na audiência, se remetam ao
silêncio. Essencial é, no entanto, que as
conversas não visem contornar ou iludir a
proibição contida no n.º 7 do art.º 356.º do Cód.
Proc. Penal e que seja respeitado o comando do
art.º 59.º do mesmo diploma legal.”

Ora, no caso concreto, não se vislumbra


qualquer ação policial que visasse compelir a
visada com o ato da busca a depor sem a
cobertura do estatuto de arguida que a lei
processual penal, no caso concreto das buscas,
não impõe seja formalizado.

- Contra tal solução, porém: Paulo Pinto de


Albuquerque, op. cit., nota 7 no comentário ao
art. 129.º, p. 346; e Damião da Cunha. A única
exceção que admitem é o depoimento (direto)
sobre o que ouviram a testemunha/arguido
dizer durante a execução do crime, mas já não
após a sua consumação. A valoração indevida
das referidas declarações pelo tribunal
integraria, segundo PPA uma verdadeira
proibição de prova (artigo 126.º),
consubstanciando uma violação da imediação
que decorre do Estado de Direito - art. 2.º da
CRP a qual acarretaria uma nulidade da sentença
nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP;
considera, ainda, a norma do 129.º (depoimento
indireto) excecional e insuscetível de aplicação
analógica para os casos do arguido, assistente e
partes civis.

B) Poderia, assim, para quem defenda a primeira


das soluções, mesmo no caso de silêncio da
arguida em sede de primeiro interrogatório,
haver-se os depoimentos dos OPC´s/ ou relatos
vertidos em auto, como prova indiciária lícita
que, em fase posterior, poderia ser consolidada
através do instituto do depoimento indireto (art.
129.º). Quanto a tal possibilidade de
interpretação cf. CPP Anotado, Santos Cabral,
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção

2014, p. 487; Acórdão TC n.º 440/99, mesmo


num caso em que essa fonte era o próprio
arguido; Carlos Adérito Teixeira (in “Depoimento
indireto e arguido: admissibilidade e valoração
versus proibição de prova”, Revista do CEJ, n.º 2,
págs. 140-142, 149, 150, 157).

Não havendo indícios de qualquer atuação


policial que, de modo enganoso, procurasse
contornar, através da não formalização imediata
do estatuto de arguido, a liberdade de vontade
da visada, a fim de neutralizar o direito ao
silêncio (art. 61.º, n.º 1, al. d), do CPP) e a
garantia de não autoincriminação
constitucionalmente ancorada na presunção de
inocência (art. 32.º, n.º 2, da CRP), não se
poderá haver como verificada qualquer
proibição de prova ao abrigo do art. 126.º, n.º 1,
n.º2, al. a), que inquinasse, por contaminação, a
prova subsequente que com as declarações da
suspeita apresentasse um nexo causal
(inexistência de efeito à distância da prova
proibida).
*
Quanto às declarações prestadas em primeiro
interrogatório judicial de arguido detido por FF
incriminatórias da coarguida H.: não existe
qualquer impedimento legal que obste ao
arguido depor, na referida qualidade, em moldes
que incriminem o coarguido, nem óbice à legal
valoração de tal depoimento, ao contrário do
que sucede quanto ao impedimento do art.
133.º do CPP (Germano Marques da Silva, 2002,
191.192; Medina de Seiça, 1999, p. 157. Contra,
apenas Rodrigo Santiago, 1994, p.54, que funda
numa limitação inexistente dos direitos de
contraditar do defensor do coarguido).

Não se revela, pois, aplicável, analogicamente, a


proibição do art. 133.º, n.º 1, al. a), do CPP,
porquanto o arguido não assume, quanto a tal
depoimento, as vestes de “testemunha”.

Em sede de julgamento, todavia, a


jurisprudência tem indicado como limites a tal
valoração (art. 127.º do CPP) o facto de o
arguido que incrimina coarguido, a instâncias do
defensor do coarguido, se remeter ao silêncio
(Ac. TC nº 524/97; Ac. do STJ de 25.02.1999, CJ,
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção

Acs. STJ, VII, 1, 229. Ac. TEDH Craxi vs. Itália de


05/02/2002) jurisprudência atualmente
consagrada no n.º 4 do art. 345.º.

Por outro lado, a apreciação do valor probatório


das declarações de arguido que incriminem
coarguido deve suscitar particulares cautelas, ao
abrigo da limitação que a presunção de
inocência estabelece ao princípio da livre
apreciação da prova (art. 127.º) - quer no
mesmo processo, quer em processo conexo - no
caso de fundamentação exclusiva da
condenação na valoração do depoimento do
coarguido, impondo-se sempre uma
corroboração probatória de tal depoimento por
outros meios de prova.

No caso concreto, todavia, a jurisprudência


citada não se aplica, porquanto:
- estamos em sede de inquérito, fase na qual o
contraditório não assume a sua plena expressão,
nomeadamente pela própria estrutura formal do
ato de interrogatório, o qual não impõe um
sistema de “cross-examination”;
- e, por outro lado, verifica-se a existência de
múltiplos indícios concordantes que corroboram
as declarações da arguida.

Acresce, no que a uma possível objeção assente


no n.º 7 do art. 194.º (fundamentação da
decisão de aplicação da medida de coação com
base nas declarações da coarguida em sede de
primeiro interrogatório com cujo teor a
coarguida não foi confrontada no decurso do
respetivo interrogatório), que, no caso concreto,
as declarações da arguida não assumem
qualquer natureza inovatória face à versão da
mesma já feita constar do auto de busca com
cujo teor a coarguida foi confrontada em sede
de primeiro interrogatório, não estando, no
caso, vedado o exercício de contraditório

V., a propósito, Comentário do CPP, Paulo Pinto


de Albuquerque, anotações aos arts. 133.º e
345.º do CPP.

2. Despacho de aplicação de
medida de coacção
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção

2.1. Identificação da Circunscrição espácio-temporal da atuação. 3,80


factualidade indiciária (art. - Plano e acordo prévio entre as arguidas:
194.º n.º 6, als. a) e d), do abarca inicialmente sequestro como ato
CPP) instrumental à apropriação do montante
Devem ser acrescentados indemnizatório
factos relativos à - Execução conjunta:
personalidade/condições de - Atos relativos à privação de liberdade da
vida das arguidas, em vítima, sua duração para lá de dois dias.
especial, valor dos
- Atos relativos à apropriação do cartão de
rendimentos, ausência de
débito e telemóvel durante a privação de
antecedentes criminais
liberdade.
- Atos relativos à tentativa de obter código de
cartão MB e de banco online.
- Atos relativos aos pagamentos “contactless”
em estabelecimentos comerciais,
nomeadamente no estabelecimento “Cesta
Cheia”; referência ao montante global
apropriado.
- Atuação conjunta e acordo tácito relativa à
asfixia da vítima e à determinação causal da sua
morte.
- Atuação conjunta e acordo tácito relativa à
amputação da cabeça, mãos e pés do cadáver e
extraccão dos dentes com o fito de impedir a
identificação da vítima.
- Atuação conjunta e acordo relativa à subtração
e uso da viatura da vítima para transporte dos
seus restos mortais.
- Atuação conjunta de ocultação dos restos
mortais.
- Elementos subjetivos dos ilícitos-típicos
descritos e culpa: capacidade de
autodeterminação; elementos volitivos e
intelectuais do dolo; consciência da ilicitude.
- Condições pessoais e ausência de
antecedentes.

2.2. Identificação/análise dos Declarações da arguida FERNANDA 4,00 (em


meios de prova (art. 194.º n.º Testemunhal: conjunto
6, al. b), do CPP). 1. Carlos Costa (fls.10) com o
2. Eleutério Esteves (fls. 16) ponto
Pericial: 2.2.1)
Relatório Preliminar de exame médico-legal
(fls.250)
Documental:
- auto de notícia (fls. 3);
- Informação da Vodafone (fls. 69)
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção

- Registos de Localização Celular (fls. 55)


- Documentação bancária (fls.72)
- Registos de Videovigilância (fls. 87)
- Auto de visionamento e fotogramas (fls. 100 e
102/104)
- Autos de Busca domiciliária e de apreensão:
fls. 150 (DD); fls.160 (FF)
- Auto de Diligência externa (fls.170)
- Auto de busca e apreensão viatura (fls. 180)
- Registo de Propriedade Automóvel (fls.192)
- Auto de leitura de SMS´s telemóvel da arguida
(fls. 200)
- CRC (fls. 270)
Material (objetos apreendidos):
- Telemóveis vítima e arguido
- Cadeira de veludo
- Corda de nylon
- Saco contendo abraçadeiras
- Conjunto de chaves de veículo automóvel
Citroen
- 20 garrafas de lixívia e dez litros de álcool
- Alicate
- Jericã
- Luvas descartáveis
- Cutelo
- Sacos de lixo

2.2.1 Deve ser efetuada uma análise crítica da prova


que sustente a forte indiciação. Os factos
indiciados têm por base as declarações da
coarguida Fernanda Façanha que,
espontaneamente perante a PJ e,
posteriormente, com reiteração perante o JIC,
faz uma descrição pormenorizada das
circunstâncias de tempo e modo em que os
factos ocorreram. Revela as motivações para
terem atraído a vítima para o local, a interação
mantida com esta, o desapossamento do cartão
multibanco e do telemóvel e os pagamentos
contactless. Referiu igualmente a forma como a
vítima terá falecido e o que as arguidas fizeram
no sentido de se desfazerem do corpo.
- A descrição factual é complementada e
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção

corroborada por outros elementos indiciários,


designadamente:
- Quanto ao desaparecimento da vítima, a sua
identidade e momento temporal em que se
verificou, no depoimento de CARLOS COSTA e
ELEUTÉRIO ESTEVES.
A verificação da morte decorre naturalmente da
decapitação, tendo o agente autuante atestado
o achado e sendo a cabeça examinada no
INMLCF que confirma em análise perfunctória
que terá ocorrido por asfixia, sendo o grupo
sanguíneo compatível com o da vítima.
- A forma como a vítima terá sido atraída para o
local onde perdeu a vida é corroborada pelo teor
das mensagens extraídas do telemóvel e
exaradas em auto, sendo que uma das
motivações avançadas pela arguida FERNANDA –
o dinheiro da indemnização – encontra apoio no
extrato bancário da vítima. Quanto ao
relacionamento/atração da vítima por
FERNANDA FAÇANHA, este é referido pelas
testemunhas CARLOS COSTA e ELEUTÉRIO
ESTEVES e com sustento na fotografia
emoldurada encontrada na busca domiciliária.
- O local onde a vítima terá perdido a vida é
também corroborado pelos registos de ligação à
antena existente nas proximidades da residência
das arguidas e em data compatível com o
desaparecimento.
- Quanto à utilização do cartão da vítima, nos
extratos bancários da conta da vítima e registos
de videovigilância.
- O modus operandi e a intenção e forma de se
desfazerem do corpo encontra acolhimento nos
objetos encontrados em casa e no veículo da
vítima.
Ausência de antecedentes criminais – CRC
Condições pessoais – declarações das arguidas.
A forma dolosa quanto ao crime de homicídio
decorrerá da análise, por critérios de
normalidade e experiência comum, da dinâmica
dos factos, da forma de execução confessada,
por si idónea ao desfecho verificado, bem como,
quanto à qualificativa, à motivação de proveito
pecuniário subjacente à atuação das arguidas.

2.3. Identificação do(s) As arguidas praticaram, a título doloso (art. 14.º


tipo(s) de ilícito(s) (art.º 194º do CP) em coautoria (art. 26.º do CP), e em
n.º 6 al. c) do CPP) concurso efetivo (art. 30.º, n.º 1, do CP), os
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção

seguintes crimes:

2.3.1 Sequestro agravado • 1 crime de sequestro agravado 0,45


pela duração da privação de liberdade –
artigo 158.º, nºs 1 e 2, al. a), do CP, p. e
p. com pena de prisão de 2 a 10 anos.

2.3.2 Roubo • 1 crime de roubo de cartão 0,45


multibanco e do telemóvel (roubo e não
furto uma vez que pré-determinados
com o sequestro, sendo a privação da
liberdade instrumental da apropriação
almejada do montante indemnizatório)
p. e p. nos termos do art. 210.º, n.º 1, do
CP, com pena de prisão de 1 a 8 anos,
sendo este cometido na modalidade de
colocar a vítima na impossibilidade de
resistir.

Nota: a autonomização do sequestro ante o


roubo opera face à sua manutenção para além
da subtração operada, tendo as arguidas
persistido na privação da liberdade da vítima já
após haverem dado por malogrados os seus
intentos apropriativos,

2.3.3 Homicídio • Homicídio qualificado – artigos 0,45


131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e), p. e p.
com pena de prisão de 12 a 25 anos.
Qualificativa:
• Al. e): Avidez. A morte
determinada pela intenção de ganho
pecuniário (apropriação do montante
indemnizatório)

2.3.4 Profanação de cadáver • Profanação de cadáver, p. e p. 0,45


pelo art. 254.º, n.º 1, al. a), do CP, com
pena até 2 anos ou multa até 240 dias.

Nota: Deverá ser alvo de desconto a imputação


de crimes diversos, designadamente:
- acesso ilegítimo tentado ao telemóvel da
vítima, com vista a aceder a dados sujeitos a
sigilo bancário, crime p. e p. nos termos do art.
6.º, n.ºs 1, 3, 4, al. a), e 5 da Lei n.º 109/2009, de
15/09, porquanto a atuação das arguidas por
reporte ao acesso aos códigos (exortar à entrega
e agarrar as mãos) não passam do estágio dos
atos preparatórios (art. 21.º do CP) não
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção

integrando atos de execução do acesso ilegítimo


tal como definidos pelo art. 22.º do CP;
- burla informática, p. e p. nos termos do art.
221.º, n.º 1, do CP – pagamentos com MB
através do sistema “contacless” – porquanto,
considerando o valor do prejuízo patrimonial, se
trata de crime semi-público (v. n.º 3 e n.º 4, este
a contrario sensu interpretado) não tendo sido
apresentada queixa;
- furto de uso de veículo automóvel, p. e p. nos
termos do art. 208.º, n.º 1, do CP, uma vez que
assume natureza semi-pública (n.º 3) não tendo
sido apresentada queixa.
2.4. Avaliação da Identificação dos perigos indiciados/rebater os 3,00
factualidade indiciária em perigos indicados pelo MP e cuja verificação
sede de necessidades não se considere indiciada.
cautelares (arts 194.º, n.º 6, Forte Perigo de Perturbação do inquérito,
al. d), 191.º, n.º 1, e 204º, do nomeadamente para a aquisição e conservação
CPP) de prova: a atuação das arguidas espelha a
Concreta determinação da adoção de especiais e requintadas cautelas na
medida de coação – ocultação de meio de prova por forma a
legalidade, necessidade, eximirem-se à justiça, designadamente os atos
adequação e destinados a dificultar a identificação da vítima
proporcionalidade (arts. (arrancar dentes; cortar mãos e pés ao cadáver;
191.º, 193.º e 204.º do CPP) desmembramento do cadáver a fim de facilitar a
ocultação dos restos mortais).
Apesar de grande parte das diligências de
investigação já se encontrar realizada, existem
ainda outras por realizar, nomeadamente
diligências destinadas a resgatar os restos
mortais da vítima os quais se revelam relevantes
para a cabal identificação do cadáver.
Considerando tais factos, será expectável, atenta
a personalidade das arguidas revelada na sua
indiciada atuação, que, uma vez em liberdade,
pratiquem atos que visem dificultar a
recuperação dos restos mortais da vítima, assim
perturbando o livre desenvolvimento das
investigações; acresce que, fazendo fé nas
declarações da arguida FF, atento o indiciário
ascendente da arguida HH sobre a mesma, caso
se se optasse por uma medida de OPH,
considerando que ambas vivem em co-
habitação, seria expectável que HH tentasse
influenciar os futuros depoimentos da FF,
condicionando o seu conteúdo, o que poderia
fazer perigar a conservação da prova já
adquirida nos autos, o que volve tal medida de
OPH em medida inadequada para acautelar o
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção

referido perigo.
Perigo de Continuação da atividade criminosa.
Ainda que mais atenuado do que o perigo
antecedente, entende-se ainda verificado, em
concreto, um perigo de continuação da atividade
criminosa atentas as notas de personalidade
evidenciadas e já referidas e, bem assim, a
natureza insólita e inesperada da atuação ilícita
das arguidas, bem como os contornos irracionais
e macabros da respetiva atuação, o que confere
uma nota de imprevisibilidade ao juízo de
prognose a efetuar quanto à futura conduta das
mesmas uma vez em liberdade.
Perigo de Fuga
As referidas notas de personalidade espelhadas
nos atos indiciados, uma vez associadas às
pesadas penas de prisão em abstrato aplicáveis
aos crimes a que se reconduzem, bem como os
sentimentos de antissocialidade e de
embotamento emocional evidenciado nos atos
praticados, são de molde a não permitir
considerar que a aparente inserção familiar e
laboral das arguidas se revele um contrapeso
suficiente para neutralizar na íntegra um perigo
de fuga em concreto verificado, ainda que de
forma não muito intensa. A tal conclusão não
obsta a atuação de aparente colaboração da
arguida FF, a qual só se verificou num momento
avançado das investigações e após o confronto
com as aquisições de prova realizadas em sede
de busca domiciliária.
Grave Perturbação da Ordem pública
Tal perigo não deve ser associado de forma
automática a formas mais graves de
criminalidade ou à ressonância que um dado
crime haja tido ante a comunicação social
(Germano Marques da Silva, 2002, p.269). Trata-
se se um perigo cuja concretização se revela
difícil de efetuar dada a natureza da cláusula
geral usada pelo legislador e a dificuldade de
delimitar o seu âmbito ante o princípio da
legalidade que rege a aplicação das medidas de
coação; por outro lado, as medidas de coação,
designadamente a prisão preventiva, não podem
ser utilizadas para antecipar a condenação ou
fins de prevenção geral e especial próprios das
penas. Só pode tal perigo ser ancorado em
factos que evidenciem um perigo concreto de
perturbação ou de intranquilidade pública, o
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção

que, que no caso, não se verifica por falta de


factos que o alicercem.
O/a candidato/a deve estabelecer uma
correlação entre a factualidade que referiu na
anterior análise e a concreta medida de coação
eleita, o que deve constituir uma unidade lógica
e, por isso, ser efetuada concomitantemente
com a descrição factual do ponto anterior.
Deverão ser aflorados os princípios da
legalidade, necessidade, adequação e
proporcionalidade, subsidariedade e
precariedade, concluindo-se pela opção pela
medida de coação de prisão preventiva.
2.5. Dispositivo Referência expressa à medida de coação 1,20
aplicada às arguidas, e a totalidade das
respetivas normas (arts. 26.º, 30.º, n.º 1, 158.º,
nºs 1 e 2, al. a) , 210.º, n.º 1, 131º e 132º, n.ºs 1
e 2, al. e), 254.º, n.º 1, al. a), do CP, e 191.º,
192.º, 193.º, 194.º, 195.º, 202.º, n.º 1, al. a),
204º, als. a) a c), do CPP). Devem acrescer as
necessárias comunicações (artigo 194.º, n.ºs 9 e
10, do CPP), incluindo ao TEP (artigo 35.º, n.º 3,
da Portaria n.º 280/2013, de 26.08) no caso de
opção pela prisão preventiva.
3.1. Organização do Para ter a cotação total, o/a candidato/a deve 1,00
despacho e do discurso ter efetuado uma exposição sequencial lógica
que abarque os seguintes pontos:
- Breve Relatório
- Validação da Detenção
- Apreciação das nulidades
- Identificação da factualidade indiciária
subsumível aos tipos e perigos
- Identificação dos meios de prova e análise
crítica destes (ainda que sucinta)
- Identificação do(s) tipo(s) de ilícito
- Avaliação do(s) perigo(s) constante(s) do art.º
204º do CPP, de acordo com a factualidade
apurada
- Fundamentação da decisão de escolha da
medida de coação, por referência direta aos
factos indiciários verificados, os perigos do art.º
204º do CPP e aos princípios da necessidade,
proporcionalidade, adequação, precariedade e
ao pr. da subsidiariedade das medidas de
natureza privativa da liberdade, maxime da
prisão preventiva
- Dispositivo final com aplicação da medida de
coação e, de acordo com o decidido,
notificações e mandados
37.º Curso
Penal e Processo Penal
Via Profissional
2.ª Chamada – Grelha de Correcção

3.2. Adequação da Correção da linguagem, que deverá ser clara, 1,00


linguagem técnico-jurídica rigorosa e precisa, revelando poder de síntese,
apenas com descrição factual relevante e sem
conceitos de direito ou conter menções a meios
de obtenção de prova / meios de prova;
• os factos devem estar lógica e
cronologicamente ordenados
Apreciação da correção global da peça efetuada.
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via Académica

36.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 20807/2019 , PUBLICADO NO


DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 251/2019, 2.ª SÉRIE, DE 31 DE
DEZEMBRO DE 2019

DATA: 15 DE FEV EREIRO DE 2020

1.ª CHAMADA

HORA: 9H 15M (DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ARTIGO 12.º DO


REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, O TEMPO DE
DURAÇÃO DA PROVA INICIA -SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA

DESIGNADA)

DURAÇÃO DA PROVA: 3 HORAS

0
PROVA ESCRITA DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via Académica – 1.ª Chamada – 15 de fevereiro de 2020

1 – A presente prova é composta por três partes, sendo todas as questões de


abordagem obrigatória.

2 – Cotações:
- Caso I (8 valores):
- A (2,5 valores)
- B (5,5 valores)

- Caso II (7 valores):
- A (1,5 valores)
- B (5,5 valores)

- Caso III (5 valores):

3 – A atribuição da cotação máxima em cada resposta pressupõe um tratamento


completo das várias questões suscitadas, que deverá ser coerente e corretamente
fundamentado, com indicação dos preceitos legais aplicáveis.

4 – Na cotação atribuída serão tidos em consideração a pertinência do conteúdo, a


qualidade da informação transmitida em relação à questão colocada, a
organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o
domínio da língua portuguesa.

1
5 – As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a
grafia do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (aprovado pela Resolução da
Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente
no quadro “Observações” da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
“Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade”, sendo a
prova corrigida nesse pressuposto.

6 – Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até
um máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º
20807/2019, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 251, de 31 de
dezembro).

7 – A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a


candidato/a será penalizada com uma redução da nota atribuída até um máximo
de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.3 do Aviso n.º 20807/2019, publicado
no Diário da República, 2ª série, n.º 251, de 31 de dezembro).

8 – As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento


identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da
folha de rosto), sob pena de anulação da prova.

2
Caso I

(8 valores)

Em 5 de julho de 2016, Amílcar, piloto de aviação comercial, na qualidade de promitente


comprador, celebrou com a sociedade Trocas por Trocos, Lda., promitente vendedora, um
contrato promessa de compra e venda de uma moradia situada em Tavira, propriedade desta
sociedade, pelo preço de 950.000 euros.

Foram observadas todas as formalidades legais e, no ato da assinatura, Amílcar entregou,


como sinal e princípio de pagamento, a quantia de 100.000 euros, acordando as partes que o
restante do preço em dívida, no montante de 850.000 euros, seria entregue com a assinatura
da escritura, a realizar até 30 de dezembro de 2016.

Ao celebrar tal contrato promessa, Amílcar tinha intenção de ir residir com Beatriz, sua filha
maior e com quem coabitava, para a moradia referida.

Em data aproximada da celebração da escritura, Amílcar telefonou a Beatriz e disse-lhe que


precisaria da sua ajuda, uma vez que estava fora do país, em trabalho, e não teria possibilidade
de outorgar a escritura.

Amílcar combinou então com Beatriz, que aceitou de imediato, que fosse esta a outorgar a
escritura como compradora, o que faria em proveito do pai, devido à referida ausência por
motivos profissionais.

Em seguida, Amílcar transmitiu à sociedade Trocas por Trocos, Lda. que seria a sua filha a
outorgar a escritura, no que a aludida sociedade assentiu.

Na data aprazada, Beatriz efetivamente outorgou a escritura na qualidade de compradora, e


entregou o remanescente do preço, por cheque assinado por Amílcar, sacado sobre uma conta
bancária da exclusiva titularidade deste.

Todas as despesas originadas pelo negócio foram suportadas em exclusivo por Amílcar.

Amílcar e Beatriz mudaram-se para a moradia em março de 2017.

3
Cerca de três meses depois, aproveitando as frequentes ausências do pai, Beatriz iniciou
diligências para vender a moradia, tendo até publicitado a venda em anúncio de jornal e em
sítios da internet.

Desde a realização da escritura, Amílcar solicitou por diversas vezes a Beatriz a transmissão da
propriedade do imóvel, mas esta sempre recusou fazê-lo.

Responda de forma fundamentada:

A) Qualifique juridicamente o acordo celebrado entre Amílcar e Beatriz, apreciando a sua


validade.
(2,5 valores)

B) Amílcar, como considera que a propriedade da moradia deve ser transmitida para o seu
nome, pediu, em ação instaurada contra Beatriz, que “o tribunal profira sentença,
declarando transmitida para a sua esfera jurídica a propriedade da referida moradia ou,
subsidiariamente, que a Ré seja condenada a transferir para o Autor a propriedade da
moradia, pagando-lhe, por cada dia de atraso, a título de sanção pecuniária compulsória,
a quantia de 300 Euros”.
Analise a viabilidade de cada um dos pedidos formulados por Amílcar, tendo em
consideração os elementos de facto disponíveis.

(5,5 valores)

4
Caso II

(7 valores)

A sociedade Pronto a Comer, Lda., com o objeto social de confeção e distribuição de refeições
ao domicílio, contraiu, no exercício da sua atividade, em 02.01.2002, com o Banco Dinheiro a
Rodos, S.A. um empréstimo destinado à aquisição de equipamento, no valor de 15.000 euros.

José e Augusto eram, nessa data, os únicos sócios e gerentes da sociedade Pronto a Comer,
Lda.

Para garantia do empréstimo foi subscrita, pela referida sociedade, uma livrança que ficou por
preencher no que respeita ao seu valor e data de vencimento.

José e Augusto avalizaram a referida livrança.

O montante do empréstimo foi colocado, de imediato, à disposição da sociedade, numa conta


bancária aberta para o efeito.

Em 15.08.2005, o sócio José cedeu a Maria a sua participação social na sociedade Pronto a
Comer, Lda., e renunciou à gerência da sociedade, sendo o ato de renúncia registado em
17.08.2005.

No dia seguinte, José comunicou esses factos, por escrito, ao Banco Dinheiro a Rodos, S.A.,
mencionando ainda, nesta comunicação, que se considerava “exonerado das
responsabilidades contraídas em nome da sociedade para com o vosso Banco”, uma vez que,
no contrato de cessão de quotas, Maria declarara “… desonerá-lo de todas as obrigações
assumidas para com a sociedade”.

A partir da data da cessão, José deixou de ter qualquer relação com a sociedade Pronto a
Comer, Lda.

Em 20.09.2018, face à necessidade de a sociedade substituir uma câmara frigorífica, o Banco


Dinheiro a Rodos, S.A., a pedido da sociedade Pronto a Comer, Lda., concedeu-lhe um
“reforço” do empréstimo inicial, no valor de 5.000 euros, tendo o dinheiro sido, de imediato,
colocado à disposição da sociedade na conta supra referida.

Na sequência do incumprimento dos pagamentos devidos por esse “reforço”, a mencionada


livrança foi preenchida em 02.01.2019 pelo Banco.

5
O Banco instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa contra a sociedade Pronto
a Comer, Lda., José e Augusto, com base na livrança supra referida.

Responda de forma fundamentada:

Enquadrando
Pretendendojuridicamente os meios
José opor-se com base de
nosdefesa
factosapresentados por
descritos, e no Dora
que a sierespeita,
por Alberto,
à pretensão
aprecie fundamentadamente as posições de
do Banco Dinheiro a Rodos, S.A.:

A) Indique a que meio processual deveria recorrer.


(1,5 valores)

B) Pronuncie-se acerca da viabilidade jurídica da pretensão de José.


(5,5 valores)

(4 valores)

6
Caso III

(5 valores)

Numa manhã de sábado, Marco, um jovem de 25 anos, dirigia-se no seu motociclo à praia da
Costa Nova, para se encontrar com uns amigos com quem tinha combinado um jogo de
voleibol. Quase à chegada, foi abalroado violentamente por um jipe cujo condutor
desrespeitou a obrigação de parar imposta por sinalização luminosa em perfeitas condições, e
que apresentava no momento a luz vermelha acesa. O condutor do jipe encontrava-se nesse
momento a circular distraído e desatento, porquanto enviava uma mensagem de texto pelo
seu telemóvel.

Na sequência da situação descrita, Marco sofreu lesões, e ficou acamado, com fortes dores.
Madalena, companheira com quem este vivia há cerca de sete anos, providenciou pela sua
alimentação, higiene e pela administração de analgésicos, já que Marco se encontrava
impossibilitado de o fazer por si. Para tanto, Madalena, proprietária de uma boutique na qual
trabalhava como única caixeira, encerrou este estabelecimento durante oito dias úteis.
Durante todo o tempo que permaneceu à cabeceira de Marco, Madalena sentiu uma intensa
angústia (da qual tentava que ele não se apercebesse), ao observar quer os extensos
hematomas que apresentavam a face e o tronco do seu companheiro, quer as dores físicas que
este manifestava ao mais pequeno gesto, e temendo que ele - que era anteriormente saudável
e desportista - viesse a ficar com marcas físicas e psicológicas permanentes e deixasse de
poder praticar o seu passatempo preferido, o parapente.

Com base nestes factos, Madalena pretende intentar, contra o condutor do jipe e contra a
companhia de seguros com a qual havia sido celebrado contrato de seguro obrigatório de
responsabilidade civil automóvel relativo à circulação do jipe, uma ação para obter
ressarcimento dos danos que sofreu.

Analise, fundadamente, a viabilidade da pretensão de Madalena.

(5 valores)

7
36.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

*
Via Académica

1.ª Chamada - 15 de fevereiro de 2020

Grelha de correção

As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para cada uma
das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Caso I 8 valores
Questão A 2,50 valores
Questão B 5,50 valores

Caso II 7 valores
Questão A 1,50 valores
Questão B 5,50 valores

Caso III 5 valores


COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

Caso I COTAÇÃO PARCELAR TOTAL (até 8,00)

QUESTÃO A - 2,50

QUESTÃO B - 5,50

QUESTÃO • Qualificar o acordo celebrado entre Amílcar e Beatriz como contrato de mandato sem
A representação, previsto nas disposições conjugadas dos artigos 1157.º e 1180.º e segs.
do Código Civil.

• Justificar a qualificação, assinalando que Amílcar e Beatriz acordaram que esta


adquiriria o imóvel, agindo no interesse e por conta daquele, o que obteve o
consentimento expresso da vendedora.

• Referir que o acordo é válido. Em matéria de forma, assinalar que o contrato de


mandato não representativo é consensual já que, não se tendo estabelecido naquele
domínio quanto a este quaisquer exigências no capítulo do mandato, vigora o princípio
da liberdade de forma consagrado no artigo 219.º do Código Civil.

QUESTÃO • Considerar que, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 1181.º do Código Civil, o
B mandatário sem representação é obrigado a transferir para o mandante os direitos
adquiridos em execução do mandato, enquadrando, nesse seguimento, a obrigação de
Beatriz de transferir a propriedade sobre a moradia para o mandante Amílcar.

• Qualificar a pretensão de Amílcar deduzida em sede de pedido principal no âmbito do


instituto da execução específica, previsto no artigo 830.º, n.º 1 do Código Civil.
Problematizar a aplicabilidade da execução específica aos casos de incumprimento do
mandato sem representação, assinalando as divergências doutrinárias e as posições
jurisprudenciais.

• Qualificar a pretensão de Amílcar deduzida em sede de pedido subsidiário como de


condenação na prestação de facto infungível, concluindo que o credor poderá
peticionar a condenação do devedor no cumprimento do dever de contratar ou de
emitir uma declaração de vontade, e, dada a natureza da prestação, em sanção
pecuniária compulsória adequada (artigo 829.º A Código Civil).

• Pronunciar-se sobre a razoabilidade e adequação do valor peticionado para compelir


ao pagamento.

• Eventual pronúncia sobre a posição de apenas ser possível a Amílcar, face à natureza
da prestação em falta, exigir uma indemnização pelo incumprimento do contrato, nos
termos gerais do art.º 798º do Código Civil.

Caso II COTAÇÃO PARCELAR (até 7,00)

QUESTÃO A – 1,50

QUESTÃO B – 5,50
• Identificar como meio processual ao dispor do executado José a oposição à execução
QUESTÃO mediante embargos, a deduzir no prazo de 20 dias a partir do ato de citação (artigos
A 728º n.º 1/856.º, n.º1 do Cód. Proc. Civil, dependendo do valor inscrito pelo Banco na
livrança).
• Referir a necessidade de alegação de fundamentos de oposição nos termos do art.º
731º do Cód. Proc. Civil.

• Identificar o título como livrança em branco (artigos 75º e 77º da Lei Uniforme Relativa
QUESTÃO às Letras e Livranças – LULL).
B • Definir e caracterizar o aval como negócio jurídico cambiário.
• Referir os efeitos do aval (art.ºs 30º e 32º, aplicáveis por via do art.º 77º, todos da
LULL).

• Posicionar-se acerca do âmbito da garantia consubstanciada na livrança, face aos


dados disponíveis. Em coerência com a fundamentação apresentada, concluir por uma
das seguintes hipóteses:
a) A livrança foi subscrita para garantir apenas o primeiro empréstimo (pacto de
preenchimento, ainda que tácito). Neste caso, considerar que o preenchimento seria
extemporâneo, por falta de causa subjacente (artºs 10º e 77º da LULL);
b) A livrança foi subscrita para garantia de todas as obrigações a contrair pela
sociedade junto do Banco (pacto de preenchimento, ainda que tácito), por isso garante
os dois empréstimos);
c) Houve apenas um empréstimo, garantido pela livrança.

• Referir, no contexto do caso prático, o disposto no art.º 32º da LULL e o Acórdão


Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2013 de 11.12.2012.
• Avaliar a aplicabilidade do AUJ ao caso e posicionar-se quanto a esta aplicabilidade.

Caso III COTAÇÃO PARCELAR (até 5,00)

• Enquadrar a pretensão de Madalena no âmbito da responsabilidade civil


extracontratual, analisando os pressupostos à luz do art.º 483º do Código Civil e do
Código da Estrada.

• Qualificar como união de facto a situação jurídica de Marco e Madalena – artigo 1º, n.º
2 da Lei 7/2001 de 11 de maio.

• Abordar, face à pretensão de Madalena, a problemática da ressarcibilidade de danos


sofridos por outrem que não o lesado direto.

• Identificar os danos patrimoniais – referência à figura dos lucros cessantes,


decorrentes do encerramento da boutique durante oito dias úteis (artigo 564º n.º 1 do
Código Civil). Problematizar a possibilidade de enquadramento da situação no âmbito
do artigo 495º, n.º 2 do Código Civil.

• Identificar os danos não patrimoniais – explorar a controvérsia relativa à possibilidade


de indemnização de terceiros por danos não patrimoniais nos casos em que não
sobreveio a morte do lesado direto, face ao teor do art.º 496º do Código Civil. Neste
âmbito, considerar, enquanto especificidades relevantes no caso, por um lado, a
situação de união de facto e, por outro, o grau de gravidade dos danos não
patrimoniais de Madalena (n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil). Considerar, na
argumentação, o AUJ n.º 6/2014 e a jurisprudência do Tribunal Constitucional,
designadamente ao Ac. n.º 624/2019.

• Identificar como parte legítima para ser demandada por Madalena apenas a
seguradora, considerado o valor estimável, face aos dados disponíveis na hipótese, dos
danos cujo ressarcimento se pretende e o disposto nos artigos 64º n.º 1, alínea a), e
12º, nºs 3 e 4 do Decreto – Lei n.º 291/2007 de 21 de agosto, e Comunicação da
Comissão Europeia 2016/C 2010/01, publicada no JOUE de 11 de junho de 2016.
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via Académica

36.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 20807/2019, PUBLICADO


NO DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 251/2019, 2.ª SÉRIE, DE 31
DE DEZEMBRO DE 2019

DATA: 20 DE FEVEREIRO DE 2020

2.ª CHAMADA

HORA: 9H 15M (DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ARTIGO 12.º DO


REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, O TEMPO DE
DURAÇÃO DA PROVA INICIA -SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA
DESIGNADA)

DURAÇÃO DA PROVA: 3 HORAS


PROVA ESCRITA DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via Académica – 2.ª Chamada – 20 de fevereiro de 2020

1 – A presente prova é composta por três partes, sendo todas as questões de


abordagem obrigatória.

2 – Cotações:
- Caso I (7 valores):
- A - 5 valores
- B - 2 valores

- Caso II (8 valores):
- A - 5 valores
- Ba) - 1 valor
Bb) - 2 valores

- Caso III (5 valores):

3 – A atribuição da cotação máxima em cada resposta pressupõe um tratamento


completo das várias questões suscitadas, que deverá ser coerente e corretamente
fundamentado, com indicação dos preceitos legais aplicáveis.

4 – Na cotação atribuída serão tidos em consideração a pertinência do conteúdo, a


qualidade da informação transmitida em relação à questão colocada, a
organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o
domínio da língua portuguesa.

5 – As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a


grafia do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (aprovado pela Resolução da
Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente
no quadro “Observações” da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
“Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade”, sendo a
prova corrigida nesse pressuposto.

6 – Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até
um máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º
20807/2019, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 251, de 31 de
dezembro).

7 – A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a


candidato/a será penalizada com uma redução da nota atribuída até um máximo
de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.3 do Aviso n.º 20807/2019, publicado
no Diário da República, 2ª série, n.º 251, de 31 de dezembro).

8 – As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento


identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da
folha de rosto), sob pena de anulação da prova.
CASO I

(7 valores):

A sociedade Carvende, Lda. tem por objeto o comércio e reparação de automóveis,


sendo proprietária de um stand para venda ao público e de uma oficina contígua, sitos
na Marinha Grande.
Em inícios de janeiro de 2018, a sociedade publicitou, em anúncio num jornal, a venda
de um veículo usado, descapotável, com 7 anos e cerca de 90.000 kms, indicado como
um veículo de luxo em estado praticamente novo.
Álvaro leu o anúncio e pensou comprar a viatura para fazer uma surpresa aos seus
filhos e utilizá-la nos passeios familiares pelo país.
Então, no dia 07/01/2018, Álvaro deslocou-se ao referido stand e comprou à
sociedade o veículo automóvel em causa, pelo montante de 15.500 euros, tendo pago
o preço e recebido o veículo, que nessa data lhe foi entregue por Bartolomeu,
funcionário da Carvende, Lda.
Após circular alguns quilómetros com a viatura, Álvaro logo se apercebeu de que a
mesma padecia de anomalias. Na verdade, o ar condicionado não funcionava, o
regulador do volume do rádio encontrava-se partido, a viatura perdia óleo do motor e
combustível ao circular, a tampa da mala não fechava, a suspensão apresentava uma
anomalia que impedia a mudança de direção, a luz de aviso de problemas com os
airbags estava permanentemente ligada e uma das grelhas de ventilação encontrava-
se partida.
Assim, no dia 09/01/2018, Álvaro deslocou-se com a viatura à oficina da sociedade
vendedora e expôs verbalmente as referidas avarias a Bartolomeu.
Bartolomeu desde logo se prontificou a proceder à reparação daquelas anomalias,
pelo que Álvaro deixou a viatura na oficina pertencente à sociedade.
Não obstante as diversas insistências efetuadas por Álvaro, nos meses seguintes, junto
de Bartolomeu, para que o veículo lhe fosse entregue, este último foi sempre adiando
a entrega, alegando que a reparação da viatura ainda estava em curso.
Finalmente, em 26/06/2018, o veículo foi entregue a Álvaro, por Bartolomeu.
Na ocasião, Álvaro constatou que as anomalias que o veículo inicialmente apresentava
se mantinham integralmente.
Em resultado das anomalias de que padece, o veículo encontra-se impossibilitado de
circular em segurança, pelo que está guardado numa garagem desde 26/06/2018 até
ao presente. Para manter a viatura ali aparcada, Álvaro paga uma prestação mensal no
montante de 150 euros.
Álvaro sente-se insatisfeito e desgostoso com toda esta situação e revoltado com o
facto de o veículo lhe ter sido entregue com as ditas anomalias. Vê-se obrigado a
solicitar a um familiar que lhe empreste um automóvel sempre que necessita efetuar
viagens com a família.

Álvaro instaurou em 3/02/2020 uma ação judicial contra Carvende, Lda., pedindo a
devolução do dinheiro que pagou e uma indemnização pelos danos que sofreu,
propondo-se devolver o veículo.
A Ré contestou, sustentando que, atento o lapso de tempo decorrido, já não assistia
a Álvaro qualquer direito. Alegou ainda que, mesmo que se assim não se entendesse,
sempre deveria o tribunal determinar a reparação dos defeitos da viatura ou a
redução do preço de aquisição da mesma e não o peticionado por Álvaro.

Face aos dados conhecidos, responda justificadamente, às seguintes questões:

A) - Enquadre, do ponto de vista jurídico-substantivo, as pretensões de Álvaro e a


defesa apresentada pela Carvende, Lda., pronunciando-se sobre a viabilidade
de ambas.
(5 valores)

B) - Caracterize jurídico-processualmente o tipo de defesa apresentada pela


sociedade Ré.
(2 valores)
CASO II

(8 valores)

Em 10.02.2019, a sociedade Transportes Sul e Mar, Lda. celebrou com a sociedade


Camiões de Transportes, Lda. um contrato por via do qual a segunda cedia à primeira
o uso de veículos pesados mediante uma contrapartida mensal acordada que a
primeira nunca pagou, apesar de lhe terem sido disponibilizados os mencionados
veículos.
Em 11.10.2019, as duas sociedades acordaram em pôr termo ao contrato,
comprometendo-se a Transportes Sul e Mar, Lda. a pagar à Camiões de Transportes,
Lda. as quantias então devidas, no valor total de 150.000 €.
Porém, a Transportes Sul e Mar, Lda não satisfez tais pagamentos e os seus únicos
sócios constituíram, em 30.11.2019, uma outra sociedade, a Rebelde nos Pneus, Lda.,
com o mesmo objeto social da primeira.
Nessa mesma data, a Transportes Sul e Mar, Lda vendeu à Rebelde nos Pneus, Lda
todo o seu equipamento informático e de escritório.
Em 10.12.2019, a Transportes Sul e Mar, Lda. e a Rebelde nos Pneus, Lda. celebraram
contrato promessa de compra e venda pelo qual a primeira prometeu vender à
segunda o seu ativo restante:
- Dois veículos automóveis ligeiros de passageiros usados;
- As marcas registadas “CAMIÕES A SEU CONTENTO” e “TRANSPORTES PARA TODO O
LADO”.
Mais acordaram que o contrato definitivo seria outorgado no prazo de três meses.
Desde a data em que foi constituída, a sociedade Rebelde nos Pneus, Lda. encontra-se
a utilizar todos os referidos bens, tendo a sua sede no mesmo local onde
anteriormente laborava a Transportes Sul e Mar, Lda.
Os trabalhadores da sociedade Rebelde nos Pneus, Lda. são os mesmos que
laboravam na sociedade Transportes Sul e Mar, Lda.
Face aos dados conhecidos, responda justificadamente, às seguintes questões.

A) Quais os bens suscetíveis de responder pelo crédito da Camiões de


Transportes, Lda.?
(5 valores)

B) Pretendendo a sociedade Camiões de Transportes, Lda. acautelar de imediato


o seu crédito, indique:
a)- qual o meio processual a que devia recorrer.
(1 valor)
b)- contra quem devia o mesmo ser deduzido e porquê.
(2 valores)
CASO III

5 valores

Dionísio, agricultor, circulava numa estrada municipal numa zona rural, numa carroça
puxada por uma mula, Daisy, da qual era proprietário.
Subitamente, um veículo automóvel que seguia no sentido contrário, conduzido por
Zacarias, a velocidade muito superior à permitida no local, despistou-se ao descrever
uma curva, e invadiu parte da hemifaixa contrária ao seu sentido de marcha, na qual
seguia Dionísio na sua carroça. Nessa sequência, o veículo embateu violentamente na
mula, que ficou ferida na coxa traseira esquerda, assustando-se. Apesar de se
encontrar devidamente atrelado à carroça, o animal soltou-se então da mesma e
correu em alvoroço pela estrada fora, sem que Dionísio pudesse imobilizá-lo ou
alcançá-lo.
Em consequência deste episódio, a mula foi submetida a intervenção cirúrgica e
tratamentos veterinários, no que Dionísio gastou 780 euros.
Daisy, o único equídeo da pequena exploração de Dionísio, que era um animal dócil e
muito resistente, e que acompanhava todos os dias o seu dono na solitária realização
por este de trabalhos agrícolas, nos últimos dez anos, sendo cuidado de forma
extremosa, tornou-se depois do sucedido um animal assustadiço, deixou de obedecer
às indicações de Dionísio, passou a coxear de forma permanente, e a manifestar sinais
de dores ao locomover-se.
Assim, não mais pôde ser utilizada para puxar a carroça, pelo que, passados três
meses, Dionísio acabou por adquirir uma outra mula, mas não se desfez de Daisy.
Dionísio passou, pois, a gastar valor superior com a alimentação dos animais.
Dionísio experimentou intensa dor psicológica ao ver Daisy limitada na marcha e a
sofrer com dores, quer nos momentos que se seguiram ao embate, quer na sequência
dos tratamentos a que foi submetida.
Dionísio pretende intentar uma ação em Tribunal para se ressarcir dos danos que
sofreu.
Identifique e qualifique juridicamente os danos sofridos por Dionísio, e pronuncie-se
acerca da viabilidade do respetivo ressarcimento.
(5 valores)
36.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via Académica

2.ª Chamada - 20 de fevereiro de 2020

Grelha de correção

As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para cada uma
das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Caso I 7 valores
Questão A 5 valores
Questão B 2 valores

Caso II 8 valores
Questão A 5 valores
Questão B a) 1 valor
Questão B b) 2 valores

Caso III 5 valores


COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

Caso I COTAÇÃO PARCELAR TOTAL (até 7,00)

QUESTÃO A – 5,00

QUESTÃO B - 2,00

• Qualificar o contrato celebrado como compra e venda de bem de consumo (art.º 1º-B
QUESTÃO b) do DL 67/2003 de 08/04 com as alterações introduzidas pelo DL nº 84/2008 de
A 21/05), celebrado entre um consumidor (art.º 1º-B a) do DL 67/2003) e um
profissional/vendedor (art.º 1º-B c) do DL 67/2003 e 2º, nº 1 da Lei de Defesa do
Consumidor – Lei nº 24/96 de 31/07).

• Indicar como aplicável o regime jurídico específico da venda de bens de consumo, nos
termos do art.º 1º-A, nº 1 do DL nº 67/2003, em conjugação com a Lei de Defesa do
Consumidor.

• Referir que o veículo vendido ao Autor não apresenta as qualidades e o desempenho


habituais nos bens de consumo do mesmo tipo e que o Autor podia razoavelmente
esperar – presunção de desconformidade do contrato – art.º 2º, nº 1 e 2 d) do DL
67/2003.
• Concluir que Álvaro denunciou atempadamente a falta de conformidade – art.º 5º-A,
nº 2 do DL 67/2003.

• Concluir que só a partir de 26/06/2018 é que começou a contar o prazo de dois anos
para o Autor intentar a ação de resolução do contrato celebrado – art.º 5º-A, nº 3 e 4
do DL 67/2003 (o prazo para o exercício dos direitos suspende-se durante o período
em que o consumidor estiver privado do uso dos bens, com o objetivo de realização
das operações de reparação). Pelo que deverá ser julgada improcedente a exceção
perentória de caducidade invocada pela Ré.

• Problematizar, em face da redação do art.º 4º, nº 1 e 5 do DL 67/2003, se existe uma


hierarquia relativamente ao exercício dos direitos conferidos ao consumidor ou se este
pode optar pelo exercício de qualquer um dos direitos elencados, subordinando a sua
escolha apenas aos ditames da boa-fé.

• Concluir que, ainda que se entenda que o consumidor tem o poder-dever de seguir
preferencialmente a via da reparação/substituição da coisa, sempre que possível e
proporcionada, em nome da conservação do negócio jurídico; o facto de a Ré, por
longos meses, ter tentado, sem sucesso, proceder à reparação dos defeitos, sendo
certo que os vícios apontados são vários, alguns deles graves, encontrando-se a viatura
impossibilitada de circular em segurança, assiste ao Autor o direito à resolução do
contrato celebrado (vícios que transcendem o desgaste normal de um veículo com as
caraterísticas da viatura transacionada). Não existe qualquer impossibilidade do meio
utilizado nem a pretendida resolução do contrato colide com o princípio da boa-fé
processual ou se traduz em abuso de direito. Pelo que deve ser julgada improcedente
a impugnação da Ré.

• Referir que Álvaro tem direito à indemnização dos danos patrimoniais (pagamento do
estacionamento) e não patrimoniais (graves transtornos) resultantes do fornecimento
do bem defeituoso - art.º 12º, nº 1 da LDC e 496º, nº 1 do Código Civil.
- Trata-se de responsabilidade contratual, sendo aplicáveis os artigos 798º, 799º e
563º do Código Civil.
- Presume-se a culpa da Ré, nos termos do art.º 799º, nº 1 do Código Civil resultante
do cumprimento defeituoso do contrato; presunção que não foi ilidida.

• Caracterizar a defesa apresentada pela sociedade R. como defesa por exceção


QUESTÃO perentória de caducidade – artºs 571º, nº 2 2ª parte e 576º, nº 1 e 3 do Cód. Proc.
B Civil. e defesa por impugnação – os factos não podem produzir os efeitos jurídicos
pretendidos pelo autor (resolução do contrato/indemnização por danos não
patrimoniais) - art.º 571º, nº 2, 1ª parte do Cód. Proc. Civil

Caso II
COTAÇÃO PARCELAR (até 8,00)

QUESTÃO A – 5,00

QUESTÃO B a) – 1,00
QUESTÃO B b) – 2,00

• Equacionar como sendo bens suscetíveis de responder pelo crédito da Camiões de


QUESTÃO Transportes, Lda. sobre a Transportes Sul e Mar, Lda. não só os bens de que a mesma é
A ainda proprietária (veículos automóveis e marcas registadas), como ainda os bens já
vendidos pela Transportes Sul e Mar, Lda. à Rebelde nos Pneus, Lda. desde que tais
atos possam ser ou tenham sido judicialmente impugnados (art.ºs 610º e 619º, n.º 2
do Código Civil e 392º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil).

• Mencionar, quanto aos primeiros, que constituem a garantia patrimonial do crédito do


credor Camiões de Transporte, Lda., encontrando-se ainda na propriedade da
sociedade devedora Transportes Sul e Mar, Lda., não obstante o contrato promessa
celebrado.

• Referir quanto aos bens já vendidos que, considerando o valor do crédito, a credora
poderá intentar ação declarativa com processo comum contra a Transportes Sul e Mar,
Lda. pedindo, a final, a declaração de ineficácia da venda (ação de impugnação
pauliana), relativamente àquela, na medida do seu interesse, verificando-se os
requisitos para o efeito previstos no art.º 610º do Código Civil.

• Acresce ainda a necessidade da prova da má-fé do devedor Transportes Sul e Mar, Lda.
e da sociedade Rebelde nos Pneus, Lda., (má-fé bilateral) sendo o ato de compra e
venda oneroso (artigo 612.º do Código Civil). Avaliar a suficiência dos elementos de
facto disponibilizados para preenchimento do conceito de má fé.

• Procedimento cautelar nominado de arresto – artºs 391º, n.º 1 do Código de Processo


QUESTÃO Civil e 619º, n.º 1 do Código Civil.
B a) • Indicação dos pressupostos de decretamento da providência:
- Existência de um crédito;
- Justificado receio de perda da garantia patrimonial.

QUESTÃO • Indicação como sujeitos passivos das sociedades Transportes Sul e Mar, Lda. e Rebelde
B b) nos Pneus, Lda.

• No que respeita à sociedade Transportes Sul e Mar, Lda. o arresto funda-se no receio
de perda da garantia patrimonial do crédito do credor Camiões de Transportes, Lda.,
consubstanciado na alegação de:
- Constituição de outra sociedade pelos únicos sócios da sociedade Transportes Sul e
Mar, Lda.;
- Na venda de parte do seu património e na promessa de venda do ativo restante da
sociedade;
- Nos factos de a sociedade Rebelde nos Pneus, Lda. se encontrar a utilizar os bens
referidos, desde a data em que foi constituída; laborar no local da sede da anterior
sociedade e os seus trabalhadores serem os mesmos da sociedade Transportes Sul e
Mar, Lda. (artºs 391º, n.º 1 e 392º, n.º 1 ambos do Cód. Proc. Civil).

• No que concerne à sociedade Rebelde nos Pneus, Lda. na invocação de factos


respeitantes à situação de adquirente de bens da sociedade devedora, por parte desta
sociedade e no facto de ser promitente adquirente do restante ativo daquela.

• Referência ainda a que o credor teria de deduzir factos que tornem provável a
procedência da impugnação da aquisição do bens da sociedade Transportes Sul e Mar,
Lda. por parte da sociedade Rebelde nos Pneus Lda. (art.º 392º, n.º 2 Cód. Proc. Civil,
619º, n.º 2 Código Civil).

Caso III
COTAÇÃO PARCELAR (até 5,00)

Quanto à identificação e qualificação jurídica dos danos sofridos:

• Identificação da mula como um ser vivo com estatuto próprio (art.º 201º B do Código
Civil) sobre o qual incide o direito de propriedade de Dionísio, sujeito ao regime
previsto nos artºs 1302º, n.º 2 e 1305º-A do Código Civil.

• Reconhecer a existência de danos patrimoniais:

– danos emergentes - a) valor despendido nos tratamentos do animal; b) valor de


aquisição de um outro animal, que era necessário para a atividade agrícola de Dionísio;
c) o acréscimo gasto em alimentação com dois animais em vez de apenas um;

- benefícios perdidos em consequência da lesão – d) impossibilidade de Dionísio,


durante três meses, de utilizar um animal na sua atividade agrícola, como sucedia
anteriormente (art.º 564º, n.º 1 do Código Civil).

• Danos não patrimoniais – Dionísio sofreu desgosto em consequência do sucedido com


a mula – reconhecimento de que a existência de danos não patrimoniais não implica a
sua ressarcibilidade (art.º 496º n.º 1 do Código Civil).

Quanto à viabilidade do ressarcimento dos danos sofridos:

• Recondução da factualidade descrita aos pressupostos da responsabilidade civil


extracontratual com base na culpa de Zacarias, face ao disposto nos artigos 483º, n.º 1,
1302º, n.º 2, 487º, n.º 2, 563º do Código Civil, 27º, nºs 1 e 2 do Código da Estrada.

• Exclusão de uma ponderação de culpa do lesado (artigo 570.º do Código Civil), face às
características do animal e ao modo como se encontrava atrelado.

• Danos patrimoniais – reconhecer a ressarcibilidade dos danos patrimoniais


identificados em a), b) e d), distinguindo e problematizando, à luz do pressuposto do
nexo de causalidade, a questão da ressarcibilidade do dano decorrente do acréscimo
gasto em alimentação com dois animais em vez de um (c)).

• Danos não patrimoniais – problematizar a possibilidade de qualificação da mula como


animal de companhia, para os efeitos previstos no art.º 493º-A, n.º 3 do Código Civil,
face aos elementos de facto disponíveis, e também numa perspetiva de coerência
sistemática.

• Concluindo pela qualificação da mula como animal de companhia, avaliar a


possibilidade de ressarcimento, articulando com a problematização da gravidade da
dor psicológica sentida por Dionísio (elemento necessário para concluir pela
ressarcibilidade deste dano moral, à luz do disposto no n.º 1 do art.º 496º do Código
Civil).
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
Via Académica

36.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 20807/2019 , PUBLICADO NO


DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 251/2019, 2.ª SÉRIE, DE 31 DE
DEZEMBRO DE 2019

DATA: 22 DE FEV EREIRO DE 2020

1.ª CHAMADA

HORA: 14H 15M (DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ARTIGO 12.º DO


REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, O TEMPO DE
DURAÇÃO DA PROVA INICIA -SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA

DESIGNADA)

DURAÇÃO DA PROVA: 3 HORAS

0
PROVA ESCRITA DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
Via Académica – 1.ª Chamada – 22 de fevereiro de 2020

1 – A presente prova é composta por duas partes, sendo todas as questões de


abordagem obrigatória.

2 – Cotações:
- Grupo I (13 valores):
- Grupo II (7 valores):
- II.A (3,5 valores)
- II.B (3,5 valores).

3 – A atribuição da cotação máxima em cada resposta pressupõe um tratamento


completo das várias questões suscitadas, que deverá ser coerente e corretamente
fundamentado, com indicação dos preceitos legais aplicáveis.

4 – Na cotação atribuída serão tidos em consideração a pertinência do conteúdo, a


qualidade da informação transmitida em relação à questão colocada, a
organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o
domínio da língua portuguesa.

5 – As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a


grafia do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (aprovado pela Resolução da
Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente
no quadro “Observações” da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
“Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade”, sendo a
prova corrigida nesse pressuposto.
1
6 – Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até
um máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º
20807/2019, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 251, de 31 de
dezembro).

7 – A incorreção linguística (sintaxe e pontuação) do texto redigido pelo/a


candidato/a será penalizada com uma redução da nota atribuída até um máximo
de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.3 do Aviso n.º 20807/2019, publicado
no Diário da República, 2ª série, n.º 251, de 31 de dezembro).

8 – As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento


identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da
folha de rosto), sob pena de anulação da prova.

2
Grupo I

(13 valores)

ANTÓNIO é casado com BELMIRA há mais de 20 anos.

BELMIRA foi, em 2004, vítima de um acidente de viação, ficando paraplégica e


dependente totalmente do cuidado de terceiros, motivo pelo qual CARLA, irmã gémea de
BELMIRA, foi viver com o casal no ano de 2005.

Com o passar dos anos, BELMIRA, frustrada com a sua situação, começou a tornar-se
agressiva e a vociferar dirigindo a CARLA as seguintes frases: "Puta! Vaca! Tu em mim não tocas
mais sua nojenta!".

Na verdade, ANTÓNIO e CARLA, solidários com a situação que ambos vivenciavam


diariamente, tornaram-se confidentes um do outro e acabaram por se apaixonar.

ANTÓNIO tinha pena de BELMIRA e não a queria abandonar à sua sorte, mas CARLA, de
dia para dia, acalentava o sonho de uma vida a sós com ANTÓNIO, longe de BELMIRA.

No início do ano de 2019, ANTÓNIO foi despedido do seu emprego e, para fazer face às
despesas, contraiu diversos créditos pessoais.

Numa noite, conhecedora das dificuldades económicas que ANTÓNIO atravessava,


CARLA sugeriu a ANTÓNIO fingir um assalto à sua residência para aquele conseguir receber o
dinheiro da seguradora e assim aliviar um pouco a sua situação e ainda conseguir ganhar
algum dinheiro.

ANTÓNIO, a princípio, mostrou-se reticente, mas, após tantas insistências por parte de
CARLA, acabou por aceitar a ideia desta.

O que ANTÓNIO não sabia é que CARLA tinha decidido aproveitar a encenação do assalto
para se ver livre de BELMIRA e, assim, poder ser feliz com ANTÓNIO.

Na sequência do plano que engendraram, ANTÓNIO, por sugestão de CARLA, alterou as


condições de cobertura do seguro aumentando o valor do recheio da habitação coberto pelo
seguro de € 27.500 para € 70.000.

Aquando da celebração do contrato de seguro, por exigência da seguradora Sempre


3
Consigo no seu Infortúnio, S.A., ANTÓNIO entregou uma listagem, faturas e fotografias com
informação sobre os objetos que tinha no interior da habitação, designadamente: um
computador, no valor de € 1.643,99; um par de óculos de ciclismo, no valor de € 300; uma
máquina de café, no valor de € 615,01; uma aparelhagem, no valor de € 1.499; um Home
Cinema e leitor DVD, no valor de € 3.000; um televisor LCD 8K, no valor de € 3.950; duas
bicicletas, no valor de € 16.000 cada, e ouro, no valor de € 19.487.

Dias antes, ANTÓNIO e CARLA tinham simulado a aquisição desses objetos nos seguintes
moldes: deslocavam-se às lojas, adquiriam os bens, pagando com cartão de crédito e
solicitavam fatura e, no próprio dia, ou dias após, deslocavam-se novamente aos
estabelecimentos entregando os bens e solicitando a devolução dos valores e anulação das
operações efetuadas, mantendo-se, porém, na posse das faturas.

Quanto à parte do plano de fingir o assalto, foi CARLA a tratar de tudo com DANY e
ERNESTO, dois conhecidos meliantes, os quais, mediante o pagamento imediato de € 2.000
(dois mil euros) aceitaram encenar o assalto e matar BELMIRA. CARLA entregou-lhes os € 2.000,
em numerário, dando ainda instruções de que deveriam executar o plano na semana seguinte,
na sexta-feira, às 22h, referindo que deixaria a porta entreaberta e dizendo-lhes ainda "Vai ser
fácil! Ela está numa cadeira de rodas."

No dia combinado, ANTÓNIO e CARLA saíram de casa pelas 20h30, encontrando-se


BELMIRA a dormir no andar superior da casa, e foram ao cinema com um amigo seu, por forma
a terem um álibi.

CARLA, conforme combinado com DANY e ERNESTO, deixou a porta da residência


entreaberta.

CARLA, porém, esqueceu-se que tinha combinado um encontro nesse dia com uma
amiga, JOANA, a qual, ao chegar à residência pelas 21h00, e ao ver a porta entreaberta, como já
era hábito, entrou e sentou-se no sofá, acabando por adormecer. Ao verem a porta aberta,
DANY e ERNESTO entraram e, vendo de perfil uma mulher adormecida que pensaram tratar-se
de BELMIRA, pois a cadeira de rodas estava ao lado do sofá, aproximaram-se por trás e,
enquanto ERNESTO agarrava na mulher, DANY, colocando uma almofada sobre a face de JOANA,
asfixiou-a, provocando-lhe a morte. Em seguida, os dois homens partiram o vidro da janela da
sala e remexeram a casa toda, abriram gavetas e atiraram o seu conteúdo para o chão.
Quando se dirigiam para o 1º andar, ouviram uma mulher a gritar por socorro e, assustados,

4
fugiram de imediato.

Após terem assistido ao filme, ANTÓNIO e CARLA regressaram a casa e ao deparar-se


com JOANA morta e BELMIRA aos gritos chamaram a polícia. De imediato, deslocaram-se à
residência de ANTÓNIO os Inspetores da PJ FILIPE e GUSTAVO, que realizaram inspeção detalhada
ao local e recolha de vestígios.

FILIPE, ao ver que a janela através da qual supostamente os assaltantes tinham entrado
se apresentava com um vidro partido, mas que só existiam pedaços de vidro no chão no
exterior da residência, logo suspeitou que não tinha havido qualquer assalto.

FILIPE, que detestava ANTÓNIO por questões do passado, e conhecedor do


envolvimento romântico que ANTÓNIO e CARLA mantinham, chamou então ANTÓNIO à parte e
disse-lhe “Dás-me € 1.000 e isto fica por aqui e eu fecho os olhos. Senão vais preso e é já!”.

ANTÓNIO, receoso que BELMIRA viesse a saber do seu envolvimento com CARLA e de ser
preso pela encenação do assalto, acedeu ao pedido de FILIPE e entregou-lhe de imediato tal
quantia.

Ainda nesse dia, FILIPE, ao elaborar o auto de exame ao local, omitiu do documento a
parte de que só tinha visto vidros no exterior da residência, lavrando ainda o auto de denúncia
que foi subscrito por ANTÓNIO e CARLA, onde, no fim, manifestaram o seu desejo de
procedimento criminal contra desconhecidos quanto ao furto, indicando como bens retirados
um computador, no valor de € 1.643,99; um par de óculos de ciclismo, no valor de € 300; uma
máquina de café, no valor de € 615,01; uma aparelhagem, no valor de € 1499; um Home
Cinema e leitor DVD, no valor de € 3.000; um televisor LCD 8K, no valor de € 3.950; duas
bicicletas, no valor de € 16.000 cada, e ouro, no valor de € 19.487.

Após, e conforme tinha combinado com CARLA, ANTÓNIO denunciou junto da


seguradora também que durante o assalto tinha sido levado da sua residência: um
computador, no valor de € 1.643,99; um par de óculos de ciclismo, no valor de € 300; uma
máquina de café, no valor de € 615,01; uma aparelhagem, no valor de € 1499; um Home
Cinema e leitor DVD, no valor de € 3.000; um televisor LCD 8K, no valor de € 3.950; duas
bicicletas, no valor de € 16.000 cada, e ouro, no valor de € 19.487, após o que acionou o
seguro, tendo recebido da Companhia de Seguros Sempre Consigo no seu Infortúnio, S.A. a
respetiva indemnização, no valor de € 62.495.

5
Fundamentadamente, aprecie a eventual responsabilidade criminal de cada uma das pessoas
supra identificadas, todas elas maiores de 16 anos de idade.

(13 valores)

6
Grupo II

(7 valores)

A - No decurso do Julgamento em que ANTÓNIO e CARLA são arguidos, BELMIRA é indicada como
testemunha pelo Ministério Público.

Após a sua identificação e devidamente advertida nos termos do artigo 134.º, n.º 1, alínea a),
do Código de Processo Penal, BELMIRA afirma querer prestar depoimento. Seguidamente foi
informada sobre os deveres que incumbem à testemunha, designadamente, sobre aqueles a
que alude o artigo 132.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do Código de Processo Penal.

Após BELMIRA ter prestado juramento, o Ministério Público procedeu à sua inquirição, mas, no
momento em que é dada a palavra ao defensor de ANTÓNIO, BELMIRA diz que mudou de ideias
e que afinal se quer recusar a depor, tendo sido dispensada, nesse momento, pelo Tribunal.

II.A - Aprecie o procedimento do Tribunal e tome posição sobre se podia o depoimento de


BELMIRA ser utilizado pelo Tribunal em sede de decisão final ?

(3,5 valores)

B - No decurso do Inquérito, o Ministério Público procedeu à apreensão, nos termos do artigo


178.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, dos € 2.000 a DANY e ERNESTO. O defensor veio
requerer ao Juiz de Instrução o levantamento da apreensão com fundamento em que o
Ministério Público não tinha competência para proceder à apreensão de tal valor, alegando
que tal era um ato da competência do Juiz de Instrução por contender com direitos, liberdades
e garantias, designadamente, com o direito de propriedade.

II.B - Como Juiz de Instrução, aprecie e decida, fundadamente, sobre o requerimento do


defensor dos arguidos.
(3,5 valores)

7
36.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 1.ª CHAMADA

GRELHA DE CORRECÇÃO

GRUPO I

Factos Notas de Correcção Valor


BELMIRA, frustrada com a sua situação e BELMIRA incorre, em autoria material, na 0.5 val.
desconfiada que Carla e António tinham prática de um crime de injúria, p. e p. pelo
iniciado uma relação amorosa, começou artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal.
1. a tornar-se agressiva e a vociferar
dirigindo a CARLA as seguintes frases
"Puta! Vaca! Tu em mim não tocas mais
sua nojenta!".

CARLA sugeriu a ANTÓNIO fingir um assalto Pode questionar-se se CARLA é instigadora,


à sua residência para aquele conseguir considerado este como aquele que "produz 1 valor
receber o dinheiro da seguradora e assim ou cria de forma cabal (...) no executor a
aliviar um pouco a sua situação e ainda decisão de atentar contra um certo bem
conseguir ganhar algum dinheiro. jurídico-penal através da comissão de um
ANTÓNIO a princípio mostrou-se reticente, concreto ilícito típico; se necessário
mas, após tantas insistências por parte de inculcando-lhe a ideia, revelando-lhe a sua
CARLA, acabou por aceitar a ideia desta. possibilidade, as suas vantagens ou o seu
interesse, ou aproveitando a sua plena
2. disponibilidade e acompanhando de perto
e ao pormenor a tomada de decisão
definitiva pelo executor." (FIGUEIREDO DIAS,
Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2ª
edição, p. 799).
Porém, na medida em que esta toma parte
directa na execução do facto (é quem
contacta com DANY e ERNESTO) CARLA é co-
autora, com ANTÓNIO, de um crime de
simulação de crime, p. e p. pelo artigo
366º do Código Penal, um crime de
falsificação, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1,
alínea d), do Código Penal, e um crime de
burla qualificada, p. e p. pelos artigos
217.º, n.º 1, e 218.º do Código Penal (V.
Pontos 3., 7. e 8.)

ANTÓNIO, a sugestão de CARLA, alterou as ANTÓNIO e CARLA cometem, em co-autoria, 1 valor


condições de cobertura do seguro um crime de falsificação, p. e p. pelo artigo
aumentando o valor do recheio da 256.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código
habitação coberto pelo seguro de € Penal.
27.500,00 para € 70.000,00. Aquando da As listagens, facturas e fotografias têm a
celebração do contrato de seguro, por virtualidade de provar os bens abrangidos
exigência da seguradora Sempre Consigo pela cobertura do seguro e em
no seu Infortúnio, S.A., ANTÓNIO entregou conformidade configuram prova de facto
3. uma listagem, facturas e fotografias ccom juridicamente relevante, constituindo a
informação sobre os objetos que tinha no seguradora na obrigação de indemnizar
interior da habitação. caso se verifique o risco.
Ao fazer constar, aquando da celebração
do contrato de seguro, que ANTÓNIO é
proprietário de determinados bens,
quando não o é, fazem "constar
falsamente de documento (...) facto
juridicamente relevante".
Acresce que aquando da comunicação à
seguradora se usam as facturas, integrando
assim a alínea e) do n.º 1 do artigo 256º.
DANY e ERNESTO entraram e vendo de 1) CARLA é instigadora da prática de um 4.1) 2
perfil uma mulher adormecida que crime de homicídio qualificado, p. e p. valores
pensaram tratar-se de BELMIRA, pois a pelos artigos 131º, 132º, n.º 1 e n.º 2,
cadeira de rodas estava ao lado do sofá, alíneas c) (pessoa particularmente
aproximaram-se por trás e, enquanto indefesa); e) (motivo torpe ou fútil); j) (agir
ERNESTO agarrava na mulher, DANY, com frieza de ânimo e ter persistido na
colocando uma almofada sobre a face de intenção de matar por mais de 24 horas).
JOANA, asfixiou-a, provocando-lhe a O facto de CARLA deixar a porta
morte. entreaberta pode ser considerado um acto
de auxílio à prática do crime que poderia
ser enquadrável nos quadros da
cumplicidade; porém, e na medida em que
é ela que determina DANY e ERNESTO à
4. prática do crime, a instigação sobrepõe-se
a esta forma de participação. Por outro
lado, o deixar a porta entreaberta não é
suficiente para afirmar a co-autoria, pois
Carla embora tendo o domínio da decisão
(circunstância relevante para a instigação),
não tem o domínio do facto. Além do mais,
a sua actuação não é decisiva para a
execução do crime.

2) DANY e ERNESTO, são co-autores de um 4.2) 1


crime de homicídio qualificado, p. e p. valor
pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1 e n.º 2,
alíneas c) (pessoa particularmente
indefesa); e) (motivo torpe ou fútil); j) (agir
com frieza de ânimo e ter persistido na
intenção de matar por mais de 24 horas).

3) ANTÓNIO não é responsável pelo crime


de homicídio, pois era desconhecedor do 4.3) 0,5
plano.

4) DANY e ERNESTO pretendiam matar 4.4.)


Belmira, acabando por matar JOANA. Trata- 0,75
se de uma situação de erro sobre a pessoa valor
que é irrelevante, uma vez que é elemento
do tipo de crime de homicídio a morte de
uma pessoa.
O tratamento da questão nos quadros da
aberratio ictus não deve ser considerada
como resposta correcta, uma vez que não
se está face a um erro na execução.
FILIPE, que detestava ANTÓNIO por 1) FILIPE pratica, como autor material, um 5.1)
questões do passado e conhecedor do crime de favorecimento pessoal praticado 1,25
envolvimento romântico que ANTÓNIO e por funcionário, p. e p. pelos artigos 367.º, valores
CARLA mantinham, chamou então n.º 1, e 368.º do Código Penal.
ANTÓNIO à parte e disse-lhe “Dás-me € Estão verificados os elementos do tipo
1.000 e isto fica por aqui e eu fecho os objectivo de crime de favorecimento
olhos. Senão vais preso e é já!”. ANTÓNIO, pessoal:
receoso que BELMIRA viesse a saber do a. existe um crime pressuposto
seu envolvimento com CARLA e de ser (simulação de crime, pelo menos)
preso pela encenação do assalto, acedeu praticado por ANTÓNIO;
5. ao pedido de FILIPE e entregou-lhe de b. ao omitir informações no auto
imediato tal quantia. de exame Filipe obstaculiza a
actividade da justiça penal;
c. acresce que sobre FILIPE impende
um dever de denúncia de todos os
crimes conhecidos (artigo 242.º,
n.º 1, alínea a) do Código de
Processo Penal), estando obrigado
"a realizar a acção de investigação
omitida" (dever de garante – artigo
10º) – v. Comentário
Conimbricense..., T. III, p. 602 –
pelo que a omissão de denúncia de
factos que tomou conhecimento
no exercício de funções preenche
também este tipo.
d. a conduta do auxiliador ocorreu
depois de o crime do auxiliado ter
cessado, pois no momento em que
FILIPE empreende a sua conduta o
crime simulado já tinha sido
comunicado à polícia. Ou seja, o
crime de furto que foi comunicado
não tinha sido praticado.
O crime de favorecimento Pessoal
consome o crime de denegação de Justiça
e Prevaricação, p. e p. pelo artigo 369.º do
Código Penal.

2) FILIPE pratica um crime de concussão, p.


e p. pelo artigo 379.º, n.ºs 1 e 2, do Código
Penal.
A considerar-se a concussão a modalidade
de conduta em causa seria a prevista no n.º
2 do artigo 379.º: "por meio de ameaça
com mal importante".
- FILIPE é funcionário e estava no exercício
de funções; 5.2) 2
- a vantagem patrimonial pretendida não valores
lhe era devida;
- o crime exige para a sua consumação que
o funcionário a receba, ao contrário da
corrupção passiva que se basta com
promessa de vantagem patrimonial;
- a doutrina identifica a ameaça e violência
do artigo 379º como "violência e ameaça
resultante do abuso da qualidade de
funcionário, ou das suas funções" e
executando-se ela "por meio de funções
públicas, só há verdadeiramente coacção
moral." Esta violência ou ameaça do crime
de concussão tem como correspectivo, do
lado da vítima o temor do poder público,
em que o constrangimento verifica-se face
ao temor do dano ameaçado (Comentário
Conimbricense..., T. III, p. 759), e é por
força deste elemento específico que a
doutrina entende que intercede uma
relação de especialidade entre a concussão
e a corrupção, prevalecendo aquela.

No crime de concussão o que se proíbe é a


obtenção ilegítima de vantagens indevidas
através de indução de erro ou mediante
coação do particular. No que toca à
concussão explícita, esta verifica-se
quando a vantagem é obtida mediante
coação por parte do funcionário ao
particular. Contudo, para efeitos de
preenchimento do tipo deste crime, a
coação referida não pode admitir qualquer
espécie de violência. A coação referida no
artigo 379.º do Código Penal, deve
“consistir na “ameaça” de um acto ou
omissão relacionados com o desempenho
do cargo” (Ob. Cit. p. 109), ou seja, “tem
que revestir o carácter de um “mal”
resultante de uma conduta que cabe no
exercício das atribuições do funcionário
ou, pelo menos, na órbita dos seus
“poderes-de-facto” (Ob. Cit. p. 109). No
crime de concussão o recebimento das
vantagens indevidas, não resulta “do livre
«acordo» com o particular, mas da coação
imposta pelo funcionário”. (Ob. Cit. p. 110).
A concussão é um crime de abuso de
autoridade, dado que o funcionário abusa
do seu poder (através da coação ou
criando/aproveitando o erro do particular)
para obter uma vantagem indevida.

ADMITE-SE TAMBÉM COMO SOLUÇÃO:


FILIPE pratica um crime de corrupção
passiva, p. e p. pelo artigo 373.º, n.º 1, do
Código Penal. ANTÓNIO pratica um crime de
corrupção activa, p. e p. pelo artigo 374.º,
n.º 1, do Código Penal.
- FILIPE é funcionário e estava no exercício
de funções;
- a vantagem patrimonial pretendida não
lhe era devida;
- não obstante o tipo se bastar com a
promessa de vantagem patrimonial para a
consumação do crime de corrupção, no
caso o funcionário recebeu-a.

Ainda nesse dia, FILIPE ao elaborar o auto FILIPE pratica um crime de falsificação 1 valor
de exame ao local omitiu do documento praticada por funcionário, p. e p. pelo
a parte de que só tinha visto vidros no artigo 257.º, alínea a), do Código Penal.
6. exterior da residência. - artigo 99.º do Código de Processo Penal:
"o auto é o instrumento destinado a fazer
fé quanto aos termos em que se
desenrolaram os actos processuais a cuja
documentação a a lei obrigar e aos quais
tiver assistido quem o redige (...)."
Nos casos do artigo 257º, ao contrário do
que sucede no artigo 256º, estamos
perante "um caso de atestação falsa por
omissão de um facto." Há uma omissão de
narração "o que justifica a autonomização
desta conduta, uma vez que de outra
forma (e tendo em conta a noção do artigo
255º) não preencheria os requisitos
exigidos pela noção de documento,
particulamente no que concerne à
exigência de se tratar de uma declaração
de facto juridicamente relevante, não
sendo pois possível falar em crime de
falsificação de documentos." (HELENA
MONIZ, Comentário Conimbricense..., T. II,
p. 697);
- FILIPE é funcionário – v. artigo 386.º -,
estava no exercício de funções e dentro da
sua esfera de competência;
- actua ainda com intenção de obter para si
"benefício ilegítimo".
(...) lavrando ainda o auto de denúncia ANTÓNIO e CARLA cometem em co-autoria 1 valor
que foi subscrito por ANTÓNIO e CARLA um crime de simulação de crime, p. e p.
que no fim declararam manifestar o seu pelo artigo 366º do Código Penal, pois
desejo de procedimento criminal contra denunciaram, sem imputar a pessoa
desconhecidos quanto ao furto, determinada, crime sabendo que ele não
indicando como bens retirados um se verificou.
computador, no valor de € 1.643,99; um DANY e ERNESTO não são responsáveis pelo
7. par de óculos de ciclismo, no valor de € crime de simulação de crime, pois
300,00; uma máquina de café, no valor desconhecem por que motivo foi encenado
de € 615,01; uma aparelhagem, no valor o crime de furto, não se preenchendo
de € € 1499,00; um Home Cinema e leitor assim o tipo subjectivo de ilícito.
DVD, no valor de € 3.000,00; um plasma,
no valor de € 3.950,00; duas bicicletas, no
valor de € 16.000,00 cada uma e ouro, no
valor de € 19.487,00.
Após, e conforme tinha combinado com ANTÓNIO e CARLA cometem como co 1 valor
CARLA, ANTÓNIO denunciou também junto autores um crime de burla qualificada, p. e
da seguradora que durante o assalto p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2,
tinha sido levado da sua residência (...) al. a), do Código Penal, por referência ao
8. após o que accionou o seguro, tendo artigo 202.º, alínea b).
recebido da Companhia de Seguros V. Acórdão do STJ de 24 de Abril de 2019,
Sempre Consigo no seu Infortúnio, S.A. a sobre a relação de concurso entre o crime
respectiva indemnização no valor de € de burla e o de simulação de crime.
62.495,00.
A conduta não integra a prática de crime
burla relativa a seguros (p. e p. pelo artigo
219.º, n.º 1, alínea a), e n.º 4, alínea b), por
referência ao artigo 202.º, alínea b), todos
do Código Penal), pois não integra
nenhuma das modalidades de conduta das
alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 219.º.
Acresce que o que sucede na hipótese é
que a seguradora foi induzida em erro
sobre a verificação dos pressupostos da
apólice, na medida em que existe uma
desconformidade entre a situação
supostamente ocorrida, não só ao nível da
ocorrência do furto, como e,
principalmente, quanto à existência dos
bens dados como furtados. Ou seja, nos
casos de "realização «fictícia» da situação
coberta pelo seguro a conduta do agente
preenche o crime de burla do 217.º do
Código Penal e não o crime de burla
relativa a seguros do artigo 219.º do
Código Penal.
Sobre esta questão v. Comentário
Conimbricense, Tomo II, p. 316.
GRUPO II

1. No decurso do Julgamento em que ANTÓNIO e CARLA são arguidos, BELMIRA é


indicada como testemunha pelo Ministério Público. Após a sua identificação e
devidamente advertida nos termos do artigo 134º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo
Penal, BELMIRA afirma querer prestar depoimento. Seguidamente foi informada sobre os
deveres que incumbem à testemunha, designadamente, sobre aqueles a que alude o
artigo 132º, n.º 2, alíneas b), c) e d) do Código de Processo Penal. Após BELMIRA ter
prestado juramento, o Ministério Público procedeu à sua inquirição, mas no momento
em que é dada a palavra ao defensor de ANTÓNIO, BELMIRA diz que mudou de ideias e que
afinal se quer recusar a depor, tendo sido dispensada, nesse momento, pelo Tribunal.
Aprecie o procedimento do Tribunal e tome posição sobre se podia, em sede de
decisão final, o depoimento de BELMIRA ser utilizado pelo Tribunal?
(3,5 VALORES)

§ 1. BELMIRA beneficiava da prerrogativa de se recusar a depor nos termos do


artigo 134º, n.º 1, alínea a) por ser cônjuge de ANTÓNIO (e irmã de CARLA) e foi
advertida nos termos do n.º 2 do artigo 134.º do Código de Processo Penal que dispõe
que "a entidade competente para receber o depoimento adverte, sob pena de
nulidade, as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de
recusarem o depoimento."
Foi assim no exercício de um direito que a testemunha optou por depor e o
tribunal cumpriu igualmente o dever que sobre si impendia de advertir a testemunha
da faculdade que tinha de se recusar a depor, não tendo o depoimento, nessa parte,
qualquer mácula.
§ 2. No decurso do seu depoimento BELMIRA recusa-se a continuar a prestar
declarações, pelo que se deve questionar, num primeiro momento, se pode a
testemunha retractar-se e, na afirmativa, quais as consequências a extrair quanto às
declarações já efectuadas.

§ 3. Quanto à possibilidade de retractação:


A doutrina tem divergido quanto ao fundamento desta norma. COSTA ANDRADE
(Sobre as proibições de prova..., pp. 76 – 78) aponta um duplo fundamento que
identifica como sendo o conflito de deveres do próprio depoente e a salvaguarda de
não o colocar em tal posição e a salvaguarda das relações de confiança e solidariedade
no seio da família, no que é secundado por MEDINA DE SEIÇA, (Comentário Conimbricense
do Código Penal, T. III, p. 471 - 473); em sentido divergente PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE
aponta como única ratio da norma a esfera de interesses da testemunha (Comentário
do Código de Processo Penal, p. 362).
Assim, na linha da salvaguarda do conflito de deveres deve admitir-se a
possibilidade de recusa a prestar depoimento já no decurso do depoimento, isto é,
ainda que num momento inicial a testemunha não tenha usado da prerrogativa de
recusa. E isto mesmo que se considere que a norma visa a tutela também a
salvaguarda das relações de confiança e solidariedade no seio da família.
Neste sentido v. ANTÓNIO GAMA/ LUÍS LEMOS TRIUNFANTE (Comentário Judiciário do
Código de Processo Penal, Tomo II, p. 123) que afirmam singelamente "A renúncia é
retratável mesmo durante o depoimento." DÁ MESQUITA também afirma "Na lei
portuguesa, (...), consagrou-se a plena retractabilidade relativamente a iniciativas
processuais pretéritas (como a queixa) e às declarações livremente prestadas depois
da advertência." Porém, em nosso entender o autor aqui não se refere às situações a
que esta hipótese se refere, mas sim às situações a que alude o artigo 356º, n.º 6 do
Código de Processo Penal, não servindo assim, na nossa opinião, de argumento de
autoridade para sustentar esta posição.
V. igualmente ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA DE 5 DE ABRIL DE 2016, que
admite esta possibilidade de retractação, sendo que porém esta não era a questão
decidenda no caso concreto, mas sim a da possibilidade de valoração do depoimento
até então prestado.

§ 4. A sustentação de que a retractação é inadmissível terá se basear no facto


de as declarações prestadas por BELMIRA o terem sido ao abrigo de um consentimento
livre e esclarecido e após ter sido devidamente advertida da sua faculdade de recusa,
bem como de quais os deveres da testemunha, designadamente, aqueles a que alude
o artigo 132º, n.º 2, alíneas b), c) e d) do Código de Processo Penal.

§ 5. Admitindo-se a possibilidade de retractação coloca-se a questão da


possibilidade de valoração do depoimento de Belmira até então prestado, sendo certo
que não foi dada a possibilidade ao defensor de a contra-inquirir, nos termos do artigo
348º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA já citado respondeu a esta questão
da seguinte forma:
"(...)
X-A recusa em depor tem de respeitar a toda a matéria relacionada com
o arguido relativamente ao qual existem laços familiares, não podendo limitar-
se a parte dessa matéria, ou apenas a pontos de facto concretamente
escolhidos pela testemunha.
XI-Ao exercer o direito de recusa a continuar a prestar declarações
sobre a matéria em julgamento, direito que lhe foi prontamente reconhecido
pelo tribunal, essa recusa tem necessariamente de produzir os seus efeitos
desde o início do depoimento, devendo este ser considerado sem efeito, tudo
se passando como se o depoimento não tivesse sido prestado, como se fosse
inexistente, caso contrário não se estaria a respeitar a vontade da titular do
direito ao silêncio, nem as garantias de defesa do arguido, que
ficaria definitivamente impossibilitado de contraditar o que por aquela foi
afirmado.
XII-Estamos, pois, perante uma verdadeira proibição de valoração das
declarações prestadas pela menor até à revogação do consentimento em
depor, implicando esta revogação a anulação ou eliminação das ditas
declarações de entre os meios de prova produzidos em julgamento.
XIII-Uma diferente interpretação que acolhesse o entendimento seguido
pelo tribunal recorrido, de que o depoimento daquela descendente do arguido
poderia ser valorado, em prejuízo deste, seria necessariamente
inconstitucional, por violação das aludidas garantias de defesa, consagradas no
art. 32.º, n.º 1, da CRP."

§ 4. Tem de se ter em consideração que até ao momento em que BELMIRA se


recusou a prestar depoimento, as declarações por si prestadas foram ao abrigo de um
consentimento livre e esclarecido, pelo que é admissível a tese de que as mesmas
possam ser utilizadas, ainda que com sacrifício do contraditório.
O TEDH, no que toca à utilização de depoimentos em que o contraditório foi
limitado ou inexistente, designadamente no caso de depoimentos anónimos, não
exclui por princípio a sua possibilidade sujeitando, ao invés, a sua admissibilidade à luz
da Convenção ao seguinte percurso metodológico:
a) ponderação de valores em conflito (repressão – v.g. gravidade do crime,
dificuldades na prova – e protecção da testemunha versus interesse da defesa),
admitindo a restrição ao contraditório consoante o valor prevalecente;
b) medidas que tenham sido adoptadas para contrabalançar a falta de
contraditório, quer na perspectiva procedimental, quer no que tange à fiabilidade da
prova, e, finalmente,
c) o relevo das declarações na decisão final. Quanto a este último passo o
princípio de orientação é o carácter decisivo da prova para a condenação – V.
Acórdãos Doorson c. Holanda, 26 de Março de 1996; Van Mechelen e outros c.
Holanda, de 23 de Abril de 1997; B. c. Finlândia, de 24 de Abril de 2007; Lucà c. Itália,
de 27 de Fevereiro de 2001; E.H. c. Finlândia, de 4 de Abril de 2006.
2. No decurso do Inquérito o Ministério Público procedeu à apreensão, nos
termos do artigo 178º, n.º 1 do Código de Processo Penal, dos € 2.000 a DANY e ERNESTO.
O defensor veio requerer o levantamento da apreensão com fundamento que o
Ministério Público não tinha competência para proceder à apreensão de tal valor,
alegando que tal era um acto da competência do Juiz de Instrução por contender com
direitos, liberdades e garantias, designadamente, com o direito de propriedade.
Aprecie e decida, fundadamente, sobre o requerimento do defensor dos
arguidos.
(3,5 VALORES)

§ 1. Os € 2.000 tratam-se de vantagens de facto ilícito típico nos termos do


artigo 110º, n.º1, alínea b) e n.º 2 do Código Penal, na medida em que este n.º 2 afirma
que “o disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou
prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles
ou para outrem.”

§ 2. Assim, determina o n.º 1 do artigo 178º do Código de Processo Penal que


“1 - São apreendidos os instrumentos, produtos ou vantagens relacionados com a
prática de um facto ilícito típico, e bem assim todos os objetos que tiverem sido
deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a
prova." E dispõe o n.º 3 do artigo 178º do Código de Processo Penal que "As
apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade
judiciária." Ora, não constando do elenco dos artigos 268º e 269º como se tratando de
um acto da exclusiva competência do Juiz de Instrução ou que deva por ele ser
autorizado, a autoridade judiciária competente é o Ministério Público (cfr. artigo 1º,
alínea b) do Código de Processo Penal).
§ 3. Esta questão foi apreciada pelo ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.º
387/2019 no qual se decidiu não julgar inconstitucional a norma que defere ao
Ministério Público a competência para autorizar, ordenar ou validar a apreensão de
objetos que constituam o lucro, o preço ou a recompensa do crime, constante do
artigo 178.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Penal.

§ 4. Este Acórdão tem voto de vencido de COSTA ANDRADE que entende que é um
acto que devia estar sujeito a reserva de juiz, porquanto colide com o direito de
propriedade. Tal posição já tinha sido sustentada também por este autor em "Da
apreensão enquanto garantia processual de perda de vantagens do crime", in Revista
de Legislação e Jurisprudência, Ano 146, n.º 4005, Julho-Agosto 2017, p. 360.
Centro de Estudos Judiciários

35.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via Académica

1.ª Chamada – 16 de fevereiro de 2019

Grelha de correção

As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para cada uma
das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Caso I- a
1ª Questão 1,50 valores
2ª Questão 2,50 valores
3ª Questão 6 valores

Caso I - b 4 valores

Caso II
1ª Questão 1,50 valores
2ª Questão 4,50 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

Caso I -a COTAÇÃO PARCELAR TOTAL (até 10,00)

1ª QUESTÃO – 1,50

2ª QUESTÃO - 2,50

3ª QUESTÃO – 6

1ª ➢ Identificar o tipo de ação proposta por Antonieta como ação declarativa de


QUESTÃO condenação, com referência ao artigo 10.º, n.ºs 2 e 3, al. b) do CPC.
o Analisar o primeiro pedido formulado como reivindicação, com base no artigo
1311.º, por força do artigo 1315.º, ambos do CC, e como implícito o pedido de
reconhecimento do direito de usufruto.
o Analisar o segundo pedido como indemnização por responsabilidade civil
extracontratual.

➢ Identificar o Tribunal da situação do bem como sendo o competente em razão do


território, com referência ao artigo 70.º, n.º 1 CPC.

2ª ➢ Enquadrar processualmente a pretensão de Antonieta na temática da ampliação do


QUESTÃO pedido, à luz dos artigos 264.º e 265.º CPC.
o Referir a admissibilidade da ampliação, havendo acordo das partes, no quadro do
disposto no artigo 264.º CPC.
o Analisar, na falta de acordo das partes, se a ampliação configura desenvolvimento
ou consequência do pedido primitivo.

3ª ➢ Enquadrar previamente o caso:


QUESTÃO o Identificar a escritura de doação como título constitutivo do usufruto a favor de
Antonieta e Bento e caracterizar o direito de usufruto como simultâneo e
sucessivo, nos termos dos artigos 958.º, n.ºs 1 e 2 e artigos 1439.º, 1441.º e
1442.º, todos do CC;
o Referir que Antonieta e Bento são co-usufrutuários e Eduardo é nu proprietário;
o Referir que, com a morte de Bento, Antonieta se tornou exclusiva usufrutuária e
que, com a morte de Eduardo, Filipa é co-herdeira da nua propriedade, não tendo
poderes de gozo sobre a coisa.
➢ Apreciar os fundamentos da defesa dos Réus:
o Referir que Filipa não é titular de direito de uso e habitação (1484.º CC), porque
não dispõe de título constitutivo (875.º e 1485.º CC e 22.º, al. a) do DL 116/2008,
de 4/07), e, desde logo, o usufruto não foi constituído com qualquer restrição;
o Afastar a aplicação do regime do artigo 2103.º-A do CC, porquanto, à data do
falecimento de Eduardo, não estava integrada no património do autor da sucessão
a propriedade plena sobre o bem, visto que estava constituído usufruto a favor de
terceiros;
o Abordar a possibilidade de exercício simultâneo dos direitos de usufruto e de uso e
habitação quando se refiram ao mesmo objeto, afastando o disposto no artigo
1707.º-A, n.º 3 do CC, por ser necessário que o direito de propriedade do falecido
seja pleno e não, como no caso, restrito à nua propriedade aquando do
falecimento;
➢ Enquadrar juridicamente a que título ocorre a residência de Eduardo, Filipa e filhos
desta em parte do prédio:
o Referir que é a título de mera tolerância dos usufrutuários, pelo que Filipa não tem
qualquer direito a permanecer no imóvel, nem dispõe de qualquer título para
permanecer no imóvel. Concluir que Filipa teria de restituir, salvo eventual abuso
de direito.
➢ Reconhecendo-se o direito de Antonieta a reivindicar o usufruto, ponderar a
paralisação desse direito com fundamento em abuso de direito, tendo em
consideração os seguintes elementos:
o O casal foi residir para a moradia, com a aprovação de Antonieta e Bento, a 19-12-
2009.
o Bento contratou e pagou obras da moradia para acomodar Filipa e os filhos desta.
o Ambos residiram na moradia até à morte de Eduardo, em 11-12-2012, mantendo
vidas autónomas.
o Em 10-04-2013, quatro meses após a morte de Eduardo, Antonieta pediu a Filipa
que desocupasse o imóvel e ela recusou.
o Bento morre em 13-08-2016;
o A Filipa continuou a residir na moradia até à data da propositura da ação, e é
herdeira do nu proprietário.
➢ Enquadrar e analisar o pedido de indemnização formulado por Antonieta no âmbito da
responsabilidade civil extracontratual (artigo 483.º CC).

Caso I b) COTAÇÃO PARCELAR (até 4,00)

➢ Enquadrar dentro dos poderes do usufrutuário o de dar de arrendamento – artigo


1446.º do CC, conjugado com o artigo 1024.º, n.º 1 do CC. Qualificar este
arrendamento como ato de administração ordinária.
➢ Referir que se está perante um caso de usufruto simultâneo e enquadrar a celebração
do contrato no previsto no artigo 1024.º, n.º 2, conjugado com o artigo 1404.º, ambos
do CC, e não à luz do regime de bens do casamento de Antonieta e Bento (v. artigo
1733.º, n.º 1, alínea c), do CC).
➢ Analisar a validade do contrato de arrendamento, considerando que não houve
consentimento escrito por parte da Antonieta – (v. artigo 1024.º)
o Concluir que o vício é de ineficácia relativa perante a Antonieta e que o mesmo
estaria sanado pelo reconhecimento posterior do contrato, através de declaração
tácita. Referir que o vício de ineficácia relativa não pode ser conhecido
oficiosamente pelo tribunal, pelo que, assim se qualificando o vício, e não tendo a
Antonieta invocado o mesmo, o tribunal deve considerar o contrato como válido e
eficaz.
o Em alternativa, a entender-se esta invalidade como nulidade atípica, apenas
Antonieta a poderia invocar. Não o tendo feito, Antonieta pressupôs a validade do
arrendamento, face aos argumentos usados para fundar a sua pretensão, pelo que
o tribunal deve considerar o contrato como válido e eficaz.
➢ Concluindo-se pela validade e eficácia do contrato de arrendamento, apreciar
seguidamente a pretensão de Antonieta nesse pressuposto, referindo que a mesma
quer prevalecer-se da al. c) do artigo 1051.º do CC, sustentando que, com a morte do
usufrutuário-senhorio, caducou o contrato de arrendamento.
➢ Sendo o arrendamento válido e eficaz nos termos acima referidos, referir que o
mesmo onera todos os consortes (no caso, ambos os usufrutuários), pelo que,
mantendo-se o usufruto mesmo após o falecimento de um deles – por ser simultâneo
e sucessivo - seria de afastar a extinção do direito pela morte do Bento. Pode invocar-
se ainda o artigo 1052.º, al. b) do CC como reforço argumentativo, por evidenciar que
o arrendamento persegue o direito de usufruto e não a pessoa do senhorio primitivo.

Caso II COTAÇÃO PARCELAR (até 6,00)

1ª QUESTÃO – 1,50

2ª QUESTÃO - 4,50

1ª ➢ Referir que no âmbito da execução para pagamento de quantia certa com forma de
QUESTÃO processo sumário, face ao tipo de título executivo (artigos 550.º, n.º 2, al. d), e 703.º,
n.º 1, al. c) do CPC), o meio processual adequado é o da oposição por embargos de
executado (artigos 728.º e 731.º do CPC).

2ª ➢ Analisar a figura da reforma da letra de câmbio.


QUESTÃO ➢ Referir que a letra de €9.000,00 dada à execução, apesar de reformada, não perde a
sua natureza de título executivo, considerando que é título de crédito e a simples
reforma da letra não implica, por si só, a novação da obrigação cartular nela
incorporada, por falta de prova do acordo novatório expresso.
➢ Identificar o domínio das relações imediatas e concluir que pode ser discutida, em
sede de embargos de executado, a relação subjacente.
➢ Estando provado o pagamento de €5.250,00, concluir que os embargos procedem
parcialmente nessa mesma medida.
➢ Quanto ao mais, concluir que a execução poderia prosseguir pela quantia
remanescente, pois a obrigação não se extinguiu pela reforma da letra, sendo certo
que nada se provou quanto a pagamento desse remanescente no domínio da relação
subjacente.
Centro de Estudos Judiciários

35.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via Académica

2.ª Chamada - 21 de fevereiro de 2019

Grelha de correção

As indicações tópicas constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais corretas para cada uma
das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos
consistentes.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Caso I
1ª Questão 3 valores
2ª Questão 3,50 valores
3ª Questão 1,50 valores

Caso II
1ª Questão 2 valores
2ª Questão 4 valores

Caso III
1ª Questão 2 valores
2ª Questão 4 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

Caso I COTAÇÃO PARCELAR TOTAL (até 8,00)

1ª QUESTÃO - 3,00

2ª QUESTÃO - 3,50

3ª QUESTÃO – 1,50

1ª Identificar como meio processual ao dispor do requerente Albino o procedimento


QUESTÃO cautelar especificado de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, com
referência ao artº 383º CPC, afastando os meios previstos nos nºs 2 e 3 do art.º 1433º do
Cód. Civil.

Fazer referência ao prazo de 10 dias, a partir da data da assembleia em que a


deliberação foi tomada ou do conhecimento pelo requerente Albino da deliberação,
referindo a irregularidade da convocação (art.º 380º n.ºs 1 e 3 aplicável por via do art.º
383º ambos do CPC). Referir ainda o prazo de comunicação das deliberações aos
condóminos ausentes – por carta registada com aviso de receção, no prazo de 30 dias –
art.º 1432º n.º 6 do C.P.C.

Identificar, como pedido a formular pelo requerente Albino, o de suspensão da


deliberação tomada pela assembleia anual de condóminos realizada em 25.01.2018,
respeitante à alteração do sistema de recolha de lixos no prédio.

Abordar as várias posições jurisprudenciais sobre a questão da legitimidade passiva para


a ação, tendo como enquadramento o disposto nos artºs 383º n.º 2 CPC e 1433º n.º 6 C.C.:
- Condomínio representado pelo administrador;
- Demanda individual dos condóminos que aprovaram a deliberação (presentes ou
representados);
- Administrador como representante de todos os condóminos ou terceira pessoa
indicada pela assembleia.
Referir ainda a questão da personalidade judiciária do condomínio – art.º 12º al e) CPC.

2ª Indicar como fundamentos suscetíveis de serem utilizados pelo requerente Albino:


QUESTÃO - A questão da irregularidade da convocatória com menção de que a convocação da
assembleia deveria ter sido feita por meio de carta registada, com aviso de receção ou
mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo de
receção assinado pelos condóminos nos termos do art.º 1432º n.º 1 Cód. Civil.
- A menção à omissão na convocatória, na ordem de trabalhos, da referência expressa,
à apreciação e discussão sobre a alteração do sistema de recolha dos lixos do prédio.
Problematizar sobre se a menção no ponto 3 a “Outros assuntos do interesse geral”
permitia a discussão e aprovação da deliberação tomada de alteração do sistema de
recolha dos lixos do prédio, face ao disposto no art.º 1432º nº 2 do C.C.
Referir ainda:
- Contrariedade da deliberação ao estabelecido anteriormente no artº 6º do
regulamento do condomínio;
- A qualidade de condómino;
- A probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da
deliberação inválida, consubstanciada desde logo na idade do A. e nos problemas de saúde
do mesmo, que limitam a sua mobilidade e a sua capacidade de efetuar esforços físicos.
Referir também a aplicação das disposições do procedimento cautelar comum aos
procedimentos nominados nos termos do art.º 376º n. 1 do C.P.C. (com exceção do
disposto no art.º 368º n.º 2 C.P.C.) determinando a invocação da verificação dos requisitos
do procedimento cautelar comum.

Indicar como fundamentos suscetíveis de serem utilizados pelo Requerido/Requeridos:


- A defesa da regularidade da convocatória, face ao facto de as convocatórias
habitualmente serem feitas, desde há cinco anos, por carta colocada pela porteira na caixa
de correio, abordando a questão sobre esta ser uma eventual forma consensual e aceite
por todos os condóminos de convocar as assembleias.
- A defesa da inclusão da matéria objeto de deliberação no ponto 3 da Ordem de
Trabalhos: “Assuntos de interesse geral”, face à natureza do assunto em questão.
- A defesa da inexistência da verificação de requisitos para o decretamento do
procedimento cautelar, designadamente a inexistência de lesão grave e dificilmente
reparável ou de difícil reparação, uma vez que a alteração acarreta a modificação do
sistema de recolha de lixos, mas que “apenas” terão de ser colocados no patamar do
prédio. Eventual invocação de que a idade e problemas de mobilidade do A. não implicam
que o mesmo, nas suas saídas diárias de casa, não possa deixar o lixo no patamar da
entrada do prédio.

3ª Identificar como meio processual ao dispor do requerente, utilizando o mesmo meio


QUESTÃO processual, o do pedido de inversão do contencioso, previsto nos artºs 369º, 376º n.º 4 e
382º C.P.C., referindo que o regime de inversão do contencioso é aplicável no
procedimento cautelar nominado de suspensão das deliberações da assembleia de
condóminos ao abrigo do disposto no art.º 376º n.º 4 do C.P.C. – referir dificuldades
concetuais levantadas por esta solução legislativa.

Identificar como pedido a formular pelo requerente, o de que seja dispensado o


requerente do ónus de propositura da ação principal, invocando os requisitos da inversão
do contencioso:
- A matéria adquirida no procedimento permite ao juiz formar convicção segura acerca
da existência do direito acautelado.
- A natureza da providência decretada é adequada a realizar a composição definitiva
do litigio nos termos do art.º 369º n.º 1.

Caso II COTAÇÃO PARCELAR (até 6,00)

1ª QUESTÃO - 2,00

2ª QUESTÃO - 4,00

1ª Caraterizar o contrato celebrado entre Alexandre, Benedita e o Banco Boaventura e


QUESTÃO Investimentos como sendo um contrato de depósito bancário, mencionando tratar-se de
um contrato de depósito irregular, ao qual são aplicáveis, na medida do possível, as
normas relativas ao contrato de mútuo, nos termos dos artºs 1205º e 1206º do Cód. Civil.
Eventual referência ao contrato de abertura de conta subjacente e ao “contrato bancário
geral”.

Caraterizar a conta em apreço como sendo uma conta coletiva solidária, com indicação
da distinção, na referida conta, da titularidade da conta e da propriedade dos fundos.
Mencionar ainda, no que respeita à titularidade do saldo, a presunção ilidível de
solidariedade prevista no art.º 516º do C.C. e a distinção entre as relações banco/cliente e
as relações internas estabelecidas entre os titulares da conta, existindo, no caso, a
indicação de que, não obstante os titulares da conta fossem Alexandre e Benedita, a
titularidade dos fundos da referida conta seria apenas de Alexandre, sendo, no entanto, a
movimentação da conta feita por Benedita.

2ª Face aos factos enunciados caraterizar as pretensões de Clara como sendo:


QUESTÃO - A declaração de que pertencem à herança as quantias depositadas na conta, à data
da morte do pai Alexandre (saldo de € 60.000,00);
- A declaração, em seu benefício, da perda do direito que a irmã Benedita tenha às
quantias existentes na conta à data da morte de Alexandre;
- A condenação da R. a entregar à A. a quantia de € 35.000,00.

Justificar estas pretensões com referência, no caso concreto, à titularidade dos fundos
da conta por Alexandre, que faleceu, sendo que, com a abertura da sucessão com a sua
morte, surgem como únicas herdeiras do falecido as suas filhas Benedita e Clara (art.ºs
2024º, 2031º, 2032º e 2133º n.º 1 al. a) C.C.).

Referir a factualidade respeitante à administração da herança que pertence ao cabeça


de casal, que, no caso, era Clara, a filha mais velha, nos termos dos artºs 2079º e 2080º n.º
4 C.C.

Enquadrar a questão como de sonegação de bens, com referência aos requisitos da


ocultação dolosa de bens e a caraterizar a mesma, designadamente o dolo. A
consequência é a perda do direito aos bens sonegados; invocar a qualidade de mero
detentor dos bens daquele que sonegar bens da herança, nos termos do art.º 2096º nºs 1
e 2 do C.C.

Caso III COTAÇÃO PARCELAR (até 3,00)

1ª QUESTÃO - 2,00

2ª QUESTÃO - 4,00

1ª Identificar a ação declarativa de condenação (processo comum) como meio processual


QUESTÃO ao dispor dos autores. Problematizar a questão do âmbito de aplicação do processo
especial de tutela de personalidade (artigos 878.º e segs. CPC; artigo 546.º, n.º 2, do CPC)
vs. processo comum, por referência ao caso concreto, no qual, além de um pedido
indemnizatório, são formulados pedidos de facere e de condenação na abstenção da
prática de atos, típicos da tutela de personalidade em sentido estrito (artigo 878.º do CPC).
Avaliação da possibilidade de cumulação destes pedidos, numa mesma ação. Referência à
possibilidade da tutela cautelar, em sede de tutela da personalidade; o confronto com o
disposto no n.º 5 do artigo 879.º CPC.
Análise da adequação da pluralidade subjectiva activa e passiva, no caso concreto.

2ª Referências ao regime substantivo – artºs 70º a 81º C.C; referências à Constituição –


QUESTÃO artºs 25º e 26º.
- Direito ao nome e ao pseudónimo e a questão do ”nome artístico”. A protecção
concedida não só ao nome como ao pseudónimo (artigos 72.º e 74.º do CC), e a
possibilidade de extensão desta proteção a um “nome artístico”. Avaliar a possibilidade de
à identificação Chef Soja, relativa a um cozinheiro, caber a proteção concedida a “nome
artístico”. Analisar a sátira relacionada com a identificação pessoal (uso das designações
“Sojinha” e “Rebento de Soja”), relativamente a Adriana e Magda, no âmbito da proteção
deste direito.
- Reconhecimento da potencialidade de violação do direito à reserva da vida privada
através da revelação de produtos consumidos por um sujeito – ostensivamente, os
relacionados com a esfera íntima, mas também os reveladores de gostos e preferências,
para além da revelação dos estabelecimentos frequentados (artigo 80.º, n.º 1 do Código
Civil).
- Direito à imagem – a violação consistente no uso não autorizado de fotografias.
Explorar a questão da notoriedade, no âmbito do direito à imagem (artigo 79.º, n.º 2, do
CC), e distinguir, neste tocante, a posição de Chef Soja, por um lado, e das suas filhas, por
outro, analisando a esta luz a situação isolada em que se fizeram fotografar num evento
público, na qualidade de filhas do Chef Soja. Pronunciar-se acerca da relevância, na análise
da atuação dos comerciantes, do fim visado por esta, ou seja, a obtenção de proventos.
Diferenciar os pressupostos de que depende o direito à indemnização face àqueles que
determinam a procedência dos pedidos de entrega dos cartazes aos autores, de proibição
de emissão de novos cartazes e da sua afixação (artigo 70.º, n.º 2, do CC e pressupostos da
responsabilidade civil).
Caracterização dos danos alegados por cada um dos autores e avaliação da possibilidade
de tutela destes, à luz designadamente do disposto no artigo 496.º CC. Avaliar enquanto
dano suscetível de ressarcimento o estado anímico de Adriana e Magda resultante da
atuação dos comerciantes.
Equacionar se podem considerar-se satisfeitos, à luz do direito português, os critérios de
imputação objetiva/causalidade em relação à atuação dos Réus, no que concerne ao
apurado fim do relacionamento de Adriana e Simão, motivado pela vergonha deste com a
situação, e consequente agravamento do estado anímico de Adriana.

Apreciar o pedido de condenação dos Réus no pagamento aos Autores de quantia


equivalente aos lucros obtidos através da ação comercial empreendida no contexto da
indagação acerca da finalidade puramente ressarcitória da responsabilidade civil vs a
admissibilidade de configuração de uma componente sancionatória da mesma (através,
designadamente, da referência e análise das figuras dos danos punitivos, do resgate do
lucro ilícito, e suscetibilidade da respetiva recondução ainda aos danos morais ou ao
instituto do enriquecimento sem causa)
Concluir com a referência à obrigação de indemnização/Critérios de fixação da
indemnização (art.ºs 562º, 563º, 566º C.C.; eventual referência sistemática ao artigo 484.º
do CC).
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
Via Académica

35.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 19401/2018 , PUBLICADO NO


DIÁRIO DA REPÚBLICA, 2.ª SÉRIE, N.º 251/ 2018, DE 31 DE
DEZEMBRO DE 2018

DATA: 23 DE FEV EREIRO DE 2019

1.ª CHAMADA

HORA: 14H 15M (DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ARTIGO 12.º DO


REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, O TEMPO DE
DURAÇÃO DA PROVA INICIA -SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA

DESIGNADA)

DURAÇÃO DA PROVA: 3 HORAS


PROVA ESCRITA DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
Via Académica – 1.ª Chamada – 23 de fevereiro de 2019

1 – A presente prova é composta por dois grupos, ambos de resolução obrigatória

2 – Cotações:
- Grupo A (13 valores)
- Grupo B (7 valores)
1 – 3 valores
2 – 4 valores

3 – A atribuição da cotação máxima em cada resposta pressupõe um tratamento


completo das várias questões suscitadas, que deverá ser coerente e corretamente
fundamentado, com indicação dos preceitos legais aplicáveis.

4 – Na cotação atribuída serão tidos em consideração a pertinência do conteúdo, a


qualidade da informação transmitida em relação à questão colocada, a
organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o
domínio da língua portuguesa.

5 – As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a


grafia do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (aprovado pela Resolução da
Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente
no quadro “Observações” da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
“Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade”, sendo a
prova corrigida nesse pressuposto.
6 – Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até
um máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º 19401,
publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 251, de 31 de dezembro).

7 – As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento


identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da
folha de rosto), sob pena de anulação da prova.
GRUPO A

(13 valores)

Decorrido mais ou menos um ano, dos três em que fora condenado


pela prática de um crime de violência doméstica, ANTÓNIO começou
seriamente a pensar em vingar-se de BERTA, a vítima das suas agressões e
com a qual vivera maritalmente nos dois anos anteriores à sua detenção,
já que considerava ter sido o seu depoimento fundamental para a sua
condenação.
Confiando os seus pensamentos a CARLOS, seu companheiro de cela,
propôs-lhe a certa altura que, quando saíssem, este o ajudasse a vingar-se
de BERTA “pregando-lhe um valente susto”.
Tendo sido colocado em liberdade definitiva em 29 de outubro de
2017, ANTÓNIO entrou em contacto com CARLOS, que se encontrava em
regime de liberdade condicional, relembrando-lhe a sua intenção de
assustar BERTA e propondo-se pagar-lhe a quantia de € 300 pela sua ajuda,
ao que CARLOS anuiu.
ANTÓNIO acrescentou que se encontrariam no dia 15 de novembro
de 2017, pelas 11h45m, junto à residência de CARLOS, na Amadora, e que
seguiriam depois para a zona de Meleças onde BERTA residia.
No dia e hora combinados, CARLOS entrou numa viatura ligeira da
marca OPEL, modelo Corsa, no valor de € 6.000, conduzida pelo ANTÓNIO,
dirigindo-se os dois para a zona de Meleças.
Sucede que ANTÓNIO se tinha apoderado dessa viatura nesse mesmo
dia de manhã, quando a mesma se encontrava estacionada junto à sua
residência, facto que quer o proprietário do carro, quer CARLOS,
desconheciam em absoluto.
Conhecedor das rotinas de BERTA, ANTÓNIO esperou no interior do
referido veículo, acompanhado pelo CARLOS, junto ao n.º 16 da Avenida
General Humberto Delgado, em Meleças, que BERTA saísse da residência.
Pelas 14h30m, BERTA saiu acompanhada de sua mãe MARIA
deslocando-se ambas a pé, na direção da estação de comboios.
De acordo com o plano gizado CARLOS saiu do automóvel e ordenou
a BERTA que entrasse para o seu interior.
BERTA não acatou a ordem e começou a correr, visando fugir.
ANTÓNIO saiu então do interior do referido veículo empunhando
uma pistola semiautomática de pequenas dimensões, de calibre 6,35 mm,
da marca BROWNING, para a qual não tinha licença de uso e porte e,
correndo no seu encalço, disparou dois tiros na direção de BERTA, com o
intuito de a assustar, mas atingindo-a de raspão, num braço.

ANTÓNIO e CARLOS agarraram então em BERTA, forçando-a a entrar


para o interior da viatura.

MARIA ainda tentou impedir ANTÓNIO e CARLOS, mas, ANTÓNIO,


apontando-lhe a pistola, disse: "Saia daqui, sua puta ordinária, que isto
não é nada consigo… ainda lhe dou um tiro nos cornos!".

Com o ANTÓNIO ao volante e CARLOS sentado no banco de trás


juntamente com BERTA dirigiram-se então para o Montijo. Ali chegados,
ANTÓNIO parou junto de um terminal multibanco, disse a CARLOS que
esperasse na viatura, agarrou BERTA pelo braço obrigando-a a sair do
carro, pressionou-a com a pistola nas costas e dirigiu-a para o terminal
multibanco, onde lhe disse: "Levanta € 400!".

Receando pela vida, BERTA acatou a ordem, levantou o dinheiro e


entregou-o a ANTÓNIO.
ANTÓNIO, ao chegar à viatura, sempre com BERTA agarrada pelo
braço, forçou-a novamente a entrar para o banco de trás junto a CARLOS.

ANTÓNIO entregou então € 350 a CARLOS dizendo: “Toma o


combinado e mais um bónus”.

CARLOS, que desconhecia que ANTÓNIO pretendia subtrair a BERTA


dinheiro, mas que tinha observado a forma como ANTÓNIO obtivera tal
quantia, limitou-se a guardá-la no bolso dizendo apenas “Obrigado”.

ANTÓNIO conduziu depois o carro a um local denominado Quinta


Nova das Acácias e que sabia encontrar-se – normalmente - deserto. Cerca
de 20 metros depois de ter passado o portão de entrada, que continha
uma placa que dizia "Propriedade Privada", parou-o numa zona muito
arborizada.
Virando-se então para CARLOS disse-lhe: “É aqui. Trá-la para fora do
carro.”
Os dois homens agarraram BERTA pelo braço e, conduzidos por
ANTÓNIO, dirigiram-se a um poço com cerca de 12 metros de profundidade
e cinco metros de diâmetro.
Enquanto andavam, ANTÓNIO ia dizendo "Agora vais ter o que
mereces, sua cabra" e, ao mesmo tempo, desferia pancadas pelo corpo de
BERTA, com a pistola que transportava na mão direita, atingindo-a na
cabeça e zona lombar.

Chegados junto ao poço ANTÓNIO ordenou então a CARLOS que atasse


os pulsos de BERTA atrás das costas com uns atacadores de calçado.
De seguida, pegaram em BERTA e, com recurso a um cabo elétrico de
que ANTÓNIO se munira dias antes, amarraram-no na região do joelho
direito de BERTA e penduraram-na de cabeça para baixo, no poço, para
assim a mergulharem na água, o que fizeram por um número
indeterminado de vezes.
CARLOS, a dado momento, incomodado com a situação, disse "Vou-
me mas é embora! Não quero ter nada a ver com isto!", e afastou-se a
correr do local.

ANTÓNIO verificando que BERTA, entretanto, desfalecera, desferiu-


lhe, com a sua arma, um tiro na cabeça, provocando-lhe morte imediata.

Após se certificar que BERTA estava morta, ANTÓNIO lançou o corpo


da mulher para o interior do poço.

A fim de apagar quaisquer vestígios de ADN que pudessem


encontrar-se no interior do veículo, ANTÓNIO lançou-lhe fogo, destruindo-o
por completo.

De seguida, abandonou, a pé, o local, pelas 18h.

Analise as eventuais responsabilidades criminais de ANTÓNIO e de CARLOS.

(13 valores)
GRUPO B

(7 valores)

-1-

(3 valores)

MARIA, mãe de BERTA, após a sua filha ter sido levada, dirigiu-se logo
à Polícia Judiciária dando conta do sucedido.

Enquanto aí se encontrava, MARIA, pelas 17h, recebeu no seu


telemóvel um alerta de localização enviado do telemóvel de BERTA, pois
esta tinha instalada no seu telemóvel uma aplicação que permitia a geo-
localização em tempo real, tendo de tal facto informado de imediato a
Polícia Judiciária.

MARIA procedeu ainda à descrição dos suspeitos, designadamente,


dando conta do nome completo de ANTÓNIO e informando que este tinha
uma cicatriz na face e uma tatuagem no braço direito que representava
um escorpião.

Os Inspetores da Polícia Judiciária, com o auxílio desta aplicação e


com recurso ao telemóvel de MARIA, de imediato acionaram tal sistema e,
de forma contínua e ininterrupta, foram instruindo os seus colegas que se
encontravam no exterior sobre as movimentações do telemóvel de BERTA,
tendo detetado que este se encontrava num café no Montijo.

Pelas 18h30m do dia 15 de novembro de 2017, a Polícia Judiciária


localizou ANTÓNIO, nesse café no Montijo, onde se encontrava a dizer, para
quem o quisesse ouvir, que: “Menos uma cabra neste mundo! Aquela já
aprendeu a lição.”.

Ao ouvirem esta frase, como ANTÓNIO era o único cliente que ali se
encontrava e a sua fisionomia coincidia com a descrição que MARIA tinha
feito, os Inspetores da Polícia Judiciária solicitaram a ANTÓNIO que se
identificasse. ANTÓNIO retirou da sua carteira o seu cartão de cidadão e
atirou-o na direção de um dos Inspetores, ao mesmo tempo que começou
a correr para a porta do café.

ANTÓNIO, porém, não conseguiu fugir pois foi impedido por DANIEL,
dono do café, que se encontrava à porta.

Após ter sido sujeito a revista foi encontrado na posse de ANTÓNIO o


telemóvel e carteira de BERTA, tendo de imediato os Inspetores da Polícia
Judiciária procedido à sua detenção.

Abstraindo da eventual responsabilidade jurídico-penal de ANTÓNIO quanto à posse


dos objetos propriedade de BERTA, suponha que, no início do 1.º interrogatório
judicial de arguido detido, o defensor faz um requerimento solicitando a sua
imediata libertação, invocando não se tratar de uma situação de flagrante delito.

Aprecie o requerimento do defensor e a validade da detenção, bem como as


eventuais consequências quanto à realização do 1.º interrogatório judicial de
arguido detido.

(3 valores)

2-.

(4 valores)
-2-

(4 valores)

Tendo ANTÓNIO sido detido, BERNARDO, inspetor da PJ, ao vê-lo


aguardando interrogatório, reconheceu ANTÓNIO como - muito
provavelmente - sendo um dos autores de um crime de roubo ocorrido no
dia 30 de outubro de 2017, pois tinha justamente acabado de visionar a
filmagem das câmaras de vigilância da bomba de gasolina em que tinha
ocorrido o assalto. Nesse filme viam-se dois indivíduos aproximarem-se da
zona de pagamento e um deles, eventualmente ANTÓNIO, apontar uma
faca a MANUEL, funcionário de caixa, ordenando-lhe que entregasse o
dinheiro em caixa, e ainda a levarem consigo alguns telemóveis expostos
para venda.

BERNARDO, que por força de despacho de delegação do Ministério


Público na PJ, ao abrigo do artigo 270.º, n.º 1, do Código de Processo
Penal, era o agente responsável pela investigação do Inquérito NUIPC
35/17.2 PYLSB a que se reportava o referido roubo, elaborou nesse
processo uma informação escrita para o Procurador titular do processo,
em que fez constar que lhe parecia que ANTÓNIO era uma das duas pessoas
captadas pelas câmaras de vigilância, juntando foto em suporte papel de
grandes planos dos autores do assalto (com indicação de dia e hora) e a
filmagem em suporte CD.

Deduzida acusação contra ANTÓNIO por um crime de roubo em co-


autoria com pessoa cuja identidade não se logrou apurar, MANUEL foi
arrolado como testemunha pelo Ministério Público tendo, em audiência,
descrito as características físicas dos assaltantes.
Durante a inquirição realizada pelo defensor de ANTÓNIO foi
perguntado a MANUEL se podia afirmar com segurança que ANTÓNIO (para
quem o advogado apontou) era um dos autores do crime, ao que MANUEL
respondeu "Não posso afirmar com 100% de certeza, mas embora o
cabelo do arguido seja muito mais comprido parece-me a mesma pessoa,
até porque já decorreu algum tempo".

Foi ainda indicada como prova da acusação o filme e as fotos, os


quais foram visionados em sessão de julgamento.

Antes das alegações, o defensor de ANTÓNIO formulou um


requerimento para a ata, no sentido de o depoimento de MANUEL, bem
como as fotos e o filme, serem declarados provas proibidas, por força do
disposto no artigo 147.º, n.ºs 5 e 7, do Código de Processo Penal, por não
ter havido lugar à diligência prevista no artigo 147.º, n.º 2, do mesmo
diploma.

Explicite qual seria a sua decisão sobre o requerimento do defensor, de forma


fundamentada e invocando as normas e princípios que se lhe afigurem relevantes.

Enquadrando juridicamente os meios de defesa apresentados por Dora e por Alberto,


(4 valores)
aprecie fundamentadamente as posições de
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
VIA ACADÉMICA
– GRELHA DE CORRECÇÃO –

35.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

GRUPO A
(13 VALORES)

Analise a eventual responsabilidade criminal de António e Carlos.

FACTOS NOTAS DE APRECIAÇÃO VALOR


1. ANTÓNIO apoderou-se de uma I. ANTÓNIO comete como autor imediato, um
viatura com o valor de €.6000. crime de furto qualificado, p. e p. pelos
A final, ANTÓNIO, visando apagar artigos 203.º, n.º 1, 204º, n.º 1, alínea a) e
quaisquer vestígios de ADN que 202.º, alínea a) do Código Penal.
pudessem existir no interior do
veículo, lança-lhe fogo, Já que não decorre do texto que ANTÓNIO
destruindo-o por completo. apenas pretendia utilizar a referida viatura, a 1
cotação a atribuir à solução de que ANTÓNIO
comete um crime de furto de uso de veículo,
p. e p. pelo artigo 208.º, nº 1 do Código
Penal, em concurso efectivo com a prática de
um crime de dano qualificado, p. e p. pelos

1
artigos 212º, n.º 1 e 213º, n.º 1, alínea a) do
Código Penal, será inferior.

Não se admite como correcta a solução de


que ANTÓNIO comete como autor imediato
um crime de incêndio, p. e p. pelo artigo
274º, n.º 1 do Código Penal, ao lançar fogo ao
veículo, apesar de se tratar de uma zona
"muito arborizada".
a) Ao lançar fogo ao veículo
ANTÓNIO provocou incêndio e não ateou um
mero fogo. Com efeito, tratando-se um
veículo composto por material altamente
inflamável e com matéria combustível,
causou um fogo que lavra com intensidade,
existindo assim a tónica de excesso exigida
pelo conceito de incêndio.
Mas,
b) Os factos são insuficientes para
caracterizar o “incêndio”, sua área de
propagação e materiais ardidos, para além do
veículo que ANTÓNIO pretendia destruir, o
que não é suficiente para o preenchimento do
crime no caso concreto.

II. Não sendo CARLOS conhecedor de que a


viatura não pertencia a ANTÓNIO, ou de que
este a utilizava contra a vontade do seu
legítimo dono, nem integrando a utilização da 0,5
viatura parte do plano que lhe foi comunicado
e ao qual aderiu, não lhe pode ser assacada a
co-autoria de qualquer dos crimes referidos
em I.
2. ANTÓNIO saiu do interior do
veículo, do lado do condutor, I. ANTÓNIO comete, como autor imediato,
empunhando uma pistola um crime de detenção de arma proibida, p. e

2
semiautomática de pequenas p. pelos artigos 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º
dimensões, de calibre 6,35 mm 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência aos
Browning e para a qual não tinha artigos 2.º, n.º 1, alíneas p), q) e ae), e 3.º, n.º
licença de uso e porte de arma. 3, do mesmo diploma, pois tem na sua posse 0,5
uma arma para a qual não tem licença de uso
e porte.

II. O facto de não se indicar no texto de que


CARLOS era conhecedor de que ANTÓNIO
não era titular de licença de uso e porte de
arma e nunca a ter tido na sua posse, impede
que se lhe possa imputar a prática do crime
referido em I.
3. … Disparou dois tiros na direcção I. ANTÒNIO comete um crime de ofensas à
de BERTA, com o intuito de a integridade física por negligência, p. e p. VALORAÇÃO
assustar, mas atingindo-a, de pelo artigo 148.º, n.º 1 do Código Penal. GLOBAL NO

raspão, num braço… ÂMBITO DO

CONCURSO

DE CRIMES

4. ANTÓNIO conseguiu alcançar I. ANTÓNIO comete, em co-autoria com


BERTA, após o que ANTÓNIO e CARLOS, um crime de sequestro, p. e p. pelo
CARLOS forçaram BERTA a entrar artigo 158º, n.º 1 e 2, alínea b) do Código
para o interior da viatura em que Penal, o qual objecto da agravação resultante
se faziam transportar. do artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 2
de Fevereiro, pois conforme resulta do n.º 4
do mesmo dispositivo esta agravação funda-
se no perigo do mero transporte de uma arma.

II. Não será merecedora de cotação a


qualificação da referida conduta como crime
de rapto, p. e p. pelo artigo 161.º do Código
Penal dado (essencialmente) que este tem de
ser levado a cabo com uma das específicas
intenções previstas nas alíneas do n.º 1 deste
preceito, e nenhuma delas se verifica no caso

3
concreto.
5. MARIA ainda tentou impedir que I. ANTÓNIO comete um crime de coacção, p.
os dois homens levassem a sua e p. pelo artigo 154.º, n.º 1 do Código Penal,
filha, mas ANTÓNIO apontando- agravado pelo 86.º, n.º 3 da Lei das Armas.
lhe a pistola disse "Sai daqui sua a) O apontar de arma configura uso de
puta ordinária, que isto não é violência;
nada contigo e ainda lhe dou um b) A frase proferida “… ainda lhe dou um
tiro nos miolos!" tiro…” constitui ameaça com mal importante
e,
c) A conduta é apta a constranger MARIA a
uma omissão – nada fazer para impedir os 1,25
dois homens de levar a sua filha.

II. Ponderação e discussão sobre a


responsabilidade de CARLOS pela prática
deste crime em co-autoria (e.g. configuração
do plano inicial face à expectativa dos meios
que seria necessário utilizar para a sua
concretização).

III. Ao proferir a expressão “… sua puta


ordinária…” ANTÓNIO comete como autor
imediato um crime de injúria, p. e p. pelo
artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal. pois
dirige-lhe palavras ofensivas da sua honra e
consideração.

IV. Nesta situação deve negar-se a co-autoria


de CARLOS, pois o proferir daquela frase
ultrapassa aquilo que seria necessário para
afastar MARIA e constrangê-la a nada fazer
em auxílio de BERTA.
6. ANTÓNIO parou junto de um I. ANTÓNIO comete, como autor imediato,
terminal multibanco, e dizendo a um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º,
CARLOS que esperasse na viatura, n.º 1 e n.º 2, alínea b), por referência à alínea
agarrou BERTA pelo braço, f) do n.º 2 do artigo 204º.

4
obrigou-a a sair da viatura e, com Na medida em que o porte de arma é já
a pistola pressionada sobre as elemento da qualificação do crime de roubo, 1
costas de BERTA dirigiu-se para o não há lugar à agravação do artigo 86º, n.º 3
terminal multibanco, no alcance da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.
de visão de CARLOS, onde lhe
ordenou "Levanta € 400!", ordem
que BERTA com receio pela sua
vida acatou.
7. CARLOS, que desconhecia que I. Esta actuação de subtrair dinheiro a
ANTÓNIO pretendia subtrair a BERTA, não fazia parte do plano entre
BERTA dinheiro (...) ANTÓNIO e CARLOS, o que configura uma
situação de excesso de acção que não pode 0,5
ser considerada abrangida pelo plano inicial
(e isto mesmo quando CARLOS aceita os €
300 que lhe são entregues por ANTÓNIO)
facto que impede a imputação a CARLOS do
referido crime.
8. … Mas que tinha observado a I. CARLOS, ao receber os €350 que lhe eram
forma como António obtivera tal entregues e conhecedor da respectiva
quantia, limitou-se a guardá-la no proveniência comete como autor imediato um
bolso dizendo apenas “Obrigado”. crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º,
n.º 1 do Código Penal.
a) ANTÓNIO pratica um crime contra
o património – crime de roubo – e CARLOS,
ao aceitar o dinheiro, sabia que este provinha
da prática desse crime já que assistiu aos 0,85
factos que permitiram a ANTÓNIO obtê-lo;
b) Agiu CARLOS com intenção de
obter para si vantagem patrimonial pois, se se
pode afirmar que os €300 eram o valor
acordado entre si e ANTÓNIO pela paga dos
seus serviços, o mesmo não se pode dizer em
relação ao excedente dos €50 que recebeu
como bónus;
c) Ao receber o dinheiro CARLOS
assegura para si a posse do mesmo.

5
9. Acesso ao terreno Não decorrendo da hipótese factos que
permitam concluir que o terreno se
encontrava vedado, impede que se possa
imputar a prática do crime de introdução em
lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo
191º do Código Penal.
10. “… e ao mesmo tempo desferia I. ANTÒNIO comete um crime de ofensa à
pancadas pelo corpo de BERTA integridade física qualificada, p. e p. pelo
com a pistola que transportava na artigo 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, alínea a) e VALORAÇÃO
mão direita, atingindo-a na cabeça n.º 2, com referência às alíneas b), e) e l) GLOBAL NO

e na zona lombar… do artigo 132.º, n.º 2 do Código Penal. ÂMBITO DO

CONCURSO

DE CRIMES

11. “… Ataram os pulsos de BERTA I. ANTÒNIO e CARLOS cometem, em


(…) e amarrando-a penduraram- co-autoria (artigos 26.º e 28.º do Código
na de cabeça para baixo no poço, Penal) um crime de ofensas à integridade
para a assim a mergulharem na física qualificada, p. e p. pelo artigo VALORAÇÃO
água o que fizeram por um 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, GLOBAL NO

número indeterminado de com referência às alíneas b), e) e l) do ÂMBITO DO

vezes…” artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal. CONCURSO

DE CRIMES

12. CARLOS a dado momento I. Não se trata de desistência da tentativa –


incomodado com a situação, disse artigos 24º e 25º do Código Penal.
"Vou-me mas é embora! Não a) O crime de sequestro consumou-se
quero ter nada a ver com isto!", e (consumação material) a partir do momento
afastou-se a correr do local. em que houve privação da liberdade e só 1
terminaria com a libertação de BERTA.
b) Logo, não se pode falar de desistência da
tentativa.

II. Também não estamos face a uma situação


de arrependimento activo que suscite a
aplicação do artigo 72º, n.º 2, alínea c) do
Código Penal, pois CARLOS não fez cessar a

6
privação da liberdade.
11. ANTÓNIO verificando que I. ANTÓNIO é autor imediato de um crime de
BERTA, entretanto, desfalecera, homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos
desferiu-lhe com a sua arma um 131.º e 132.º, n.º 1 e 2 alíneas b) - praticar o
tiro na cabeça, provocando-lhe facto contra pessoa de outro sexo com quem
morte imediata. o agente tenha mantido uma relação análoga
à dos cônjuges - e) - motivo torpe ou fútil) – e
l) -praticar o facto contra (…) testemunha
(…) por causa do exercício dessa função. 2
Para tanto, e após a subsunção da situação de
facto aos exemplos-padrão, o candidato
deverá aferir se se verifica a cláusula da
especial censurabilidade ou perversidade.
Há lugar ainda à agravação do artigo 86.º, n.º
3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro,
relativamente ao crime de Homicídio.

II. CARLOS: não é responsável por este


crime, largamente para além do plano
combinado (pregar "um valente susto" a 0,5
BERTA) e que ocorre em momento em que já
não se encontrava no local.
12. Após se certificar que BERTA I. ANTÓNIO é autor imediato de um crime de
estava morta, ANTÓNIO lançou o profanação de cadáver, p. e p. pelo artigo 0,4
corpo de BERTA para o interior do 254.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.
poço.
13. Tendo direccionado toda a sua I. Tendo em consideração este facto, é
conduta anteriormente descrita à possível considerar que ANTÓNIO e
pessoa de BERTA com quem CARLOS são co-autores (artigos 26.º e 28.º
vivera maritalmente nos dois anos do Código Penal) de um crime de violência VALORAÇÃO
anteriores à sua detenção doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, GLOBAL NO

alínea b), do Código Penal, solução que será ÂMBITO DO

alvo de cotação inferior. CONCURSO

Pese embora as modalidades de acção DE CRIMES

do artigo 152º, n.º 1 e do artigo 158º, n.º 2,


alínea b) se interceptem parcialmente não são

7
totalmente coincidentes, sendo que os
elementos do tipo objectivo do crime de
sequestro expressam e reflectem uma maior
intensidade e gravidade, protegendo mais
amplamente os bens jurídicos violados no
caso concreto.

II. Não sendo indicada a data da prática


dos factos pelos quais ANTÓNIO cumpriu
pena pela prática de idêntico crime não
existem elementos que permitam imputar-lhe
a agravante da reincidência (artigo 75.º do
mesmo Código).
14. Concurso de Crimes
I. Os crimes de furto, detenção de arma
proibida, ofensas à integridade física por
negligência e dolosos, coacção e injúria,
roubo, receptação e profanação de cadáver
estão em concurso efectivo de infracções
(relativamente às condutas dos respectivos
autores).

II. No que respeita aos crimes de sequestro,


(eventualmente) violência doméstica e
ofensas à integridade física qualificadas:
i) No decurso do crime de
sequestro os agentes do crime praticam actos
integradores de crimes de ofensa à 1,5
integridade física, pelo que se tem de resolver
a questão do concurso de crimes, por força do
que dispõe a alínea b) do n.º 2 do artigo 158º
do Código Penal;
ii) Os factos não são suficientes
para subsumir à 1ª parte da alínea b) do n.º 2
do artigo 158º – ofensa à integridade física
grave – porém,

8
iii) Os actos praticados
configuram "tortura ou outro tratamento
cruel, degradante ou desumano". Pode
discutir-se se este conceito deve ser
preenchido por apelo ao artigo 243º, n.º 3 do
Código Penal.
iv) O sequestro é o objectivo da
conduta ("crime-fim"), sendo as ofensas à
integridade física praticadas antes da privação
da liberdade o meio de realizar ("crime-
meio") aquele objectivo acrescendo que as
ofensas à integridade física praticadas já
durante a privação da liberdade estão
abrangidas pelo artigo 158º, n.º 2, alínea b),
devendo concluir-se que há concurso
aparente entre os crimes de ofensa à
integridade física e o de sequestro,
consumindo este aqueles.
v) Considera-se que a solução
mais adequada é a imputação a ambos os
agentes do crime de sequestro, p. e p. pelo
artigo 158º, n.º 1 e 2, alínea b).
vi) ANTÓNIO e BERTA viveram
maritalmente nos dois anos anteriores à
privação da liberdade daquele e os actos
praticados é admissível considerar que os
factos são susceptíveis de integrar, em
abstracto, a prática de um crime de violência
doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1,
alínea b) do Código Penal, embora esta
solução será alvo de cotação inferior.
vii) Considerando-se que
constitui o crime de violência doméstica a
finalidade de toda a conduta criminosa, o
crime de sequestro mostrar-se-ia,
relativamente àquele, meramente

9
instrumental, ao mesmo tempo que as ofensas
corporais praticadas já durante a privação da
liberdade se mostram abrangidas pela
previsão do artigo 158.º, n.º 2, alínea b).
viii) Por força da regra de
subsidiariedade expressa prevista na parte
final do n.º 1 do artigo 152º do Código Penal
os agentes deverão ser punidos com a pena do
sequestro, artigo 158º, n.º 1 e 2, alínea b).

III. ANTÓNIO é responsável pela prática de


um crime de homicídio qualificado, p. e p.
pelas disposições conjugadas dos artigos 131º
e 132º, n.º 1 e 2, alíneas b), e) e l), agravado
pelo artigo 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23
de Fevereiro.
Este crime encontra-se em concurso efectivo
com os referidos em I e II.

Grupo B

1. Requerimento do defensor solicitando a imediata libertação de António, por não se


tratar de uma situação de flagrante delito. Apreciação da validade da detenção e consequências
quanto à realização do 1º interrogatório judicial de arguido detido.

(3 VALORES)

Após operar-se a distinção entre as situações de flagrante delito, quase flagrante delito
(artigo 256.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), presunção de flagrante delito e extensão de
flagrante delito, explicitando as diferenças que intercedem entre as várias figuras, a norma que
deve ser chamada à colação é a do artigo 256º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
1ª proposição: Reputa-se também flagrante delito o caso em que o agente for, logo após
o crime, perseguido por qualquer pessoa:

10
Embora se tenha verificado a localização em tempo real do telemóvel de BERTA, de
forma contínua e ininterrupta, e que se apure posteriormente que este telemóvel estava na posse
de ANTÓNIO, não há presunção de flagrante delito, pois não se verifica o requisito “perseguido
por qualquer pessoa”. Com efeito, para que se fale de perseguição para efeitos de se verificar
uma presunção de flagrante delito é necessário que esta perseguição seja à vista, o que não
sucede no caso concreto. É assim irrelevante que a “perseguição” se tenha iniciado ainda durante
a execução do crime de sequestro.
2ª proposição: Reputa-se também flagrante delito o caso em que o agente for, logo após
o crime, encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer
ou nele participar:
As questões a discutir aqui são o preenchimento dos incisos “logo após o crime” e
“encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou” de cometer o
crime.
A situação parece enquadrar-se no artigo 256.º, n.º 2, 2ª parte – extensão de flagrante
delito –, pois ANTÓNIO foi encontrado com objectos de BERTA e logo após o crime, verificando-
se o requisito da actualidade necessário para a extensão de flagrante delito. Decorreram apenas
30 minutos desde que o crime de homicídio se consumou.
O facto de ANTÓNIO ter proferido ainda a frase "Menos uma cabra neste mundo! Aquela
já aprendeu a lição", aliada quer às suas características físicas e ao facto de se ter posto de
imediato em fuga, reforçou a convicção da PJ que ele era o autor do crime de sequestro, o que
legitimaria por um lado, uma ordem de detenção em (extensão de) flagrante delito e/ou a
realização da revista prevista no 251º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal.
Tendo-se optado pela segunda hipótese, o facto de na posse de ANTÒNIO terem sido
encontrados objectos pertencentes a BERTA, reforçou o flagrante delito e legitimou a
subsequente ordem de detenção.

2. Requerimento do defensor no sentido de o depoimento de MANUEL, as fotos e o filme


serem provas proibidas por força do disposto no artigo 147º, n.º 5 e 7 do Código de Processo
Penal por não ter havido lugar à diligência prevista no art. 147º, n.º 2.

(4 VALORES)

11
Não se trata de meio de prova por reconhecimento, pelo que o artigo 147º não se aplica.
As fotos e filmagem são provas extraprocessuais e nada têm a ver com um procedimento
de reconhecimento (e a percepção de BERNARDO não constitui elemento de prova).
Os documentos podem ser examinados e valorados em julgamento (artigo 355º, n.º 1 do
Código de Processo Penal), e as conclusões do tribunal a partir das respectivas percepções
próprias sobre provas ou fontes de prova não são reconhecimentos.
MANUEL é uma testemunha e o objeto do testemunho integra-se no artigo 128º, n.º 1 do
Código de Processo Penal. Na defesa da valoração como elemento de prova testemunhal pode
ser invocado o artigo 345º, n.º 3 do Código de Processo Penal ex vi art 348º, n.º 7 do mesmo
diploma.

12
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
Via Académica

35.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 19401/2018 , PUBLICADO NO


DIÁRIO DA REPÚBLICA, 2.ª SÉRIE, N.º 251/ 2018, DE 31 DE
DEZEMBRO DE 2018

DATA: 28 DE FEV EREIRO DE 2019

2.ª CHAMADA

HORA: 14H 15M (DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ARTIGO 12.º DO


REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, O TEMPO DE
DURAÇÃO DA PROVA INICIA -SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA

DESIGNADA)

DURAÇÃO DA PROVA: 3 HORAS


PROVA ESCRITA DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
Via Académica – 2.ª Chamada – 28 de fevereiro de 2019

1 – A presente prova é composta por dois grupos, ambos de resolução obrigatória:

2 – Cotações:
- Grupo I (14 valores)
- Grupo II (6 valores)
1 – 3 valores
2 – 3 valores

3 – A atribuição da cotação máxima em cada resposta pressupõe um tratamento


completo das várias questões suscitadas, que deverá ser coerente e corretamente
fundamentado, com indicação dos preceitos legais aplicáveis.

4 – Na cotação atribuída serão tidos em consideração a pertinência do conteúdo, a


qualidade da informação transmitida em relação à questão colocada, a
organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o
domínio da língua portuguesa.

5 – As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a


grafia do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (aprovado pela Resolução da
Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente
no quadro “Observações” da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
“Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91 não está em vigor com carácter de obrigatoriedade”, sendo a
prova corrigida nesse pressuposto.
6 – Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até
um máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º 19401,
publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 251, de 31 de dezembro).

7 – As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento


identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da
folha de rosto), sob pena de anulação da prova.
Grupo I

(14 valores)

1. Em janeiro de 2019, AMARO e CAROLINA dedicavam-se à venda de


laranja do Algarve em feiras e mercados de Portugal, o que faziam
envergando coletes de cor laranja fluorescente com o dizer “LARANJA
POWER” e colocando essa fruta em sacos plásticos com a mesma
inscrição. AMARO e CAROLINA aproveitavam essas ações para
divulgarem as suas ideias políticas em defesa da independência do
Algarve e ainda para, sem autorização legal, venderem por diversos
clientes em diferentes pontos do país, resina de canábis que
compravam em Marrocos.
2. Em finais de 2018, DAVID, dizendo ser um amante do sumo de laranja
doce, conseguira captar a amizade de AMARO e CAROLINA e, por
vezes, acompanhava-os nessas viagens.
3. Na verdade, DAVID era inspetor da Polícia Judiciária e, desde há meses,
no âmbito de inquérito que corria termos no Departamento Central de
Investigação e Ação Penal, que tinha como objeto a atividade de
AMARO e CAROLINA de compra e venda de canábis, havia sido
autorizada pelo Ministério Público – e validada pelo juiz de instrução –
a sua atuação encoberta junto de AMARO e CAROLINA, facto que não
era do conhecimento destes.
4. No dia 4 de janeiro de 2019, AMARO, CAROLINA e DAVID dirigiram-se a
Lisboa em automóvel propriedade de AMARO conduzido pelo DAVID,
trazendo 10 kgs de resina de canábis para entregar a ELISEU, que, pelo
telefone, havia falado com AMARO na semana anterior e que, nessa
altura, lhe comprara esse produto e quantidade pelo preço de € 10.000
(dez mil euros), a entregar em Lisboa. Todos conheciam a natureza
dessa substância e nenhum tinha autorização legal para a vender,
transportar ou comprar.
5. Em Lisboa, na zona do Marquês de Pombal, AMARO, CAROLINA e
DAVID depararam-se com uma manifestação do Movimento dos
Coletes Amarelos - onde estavam algumas dezenas de pessoas - que
condicionava a circulação automóvel na Avenida da Liberdade.
Resolveram então os três aproveitar a ocasião para divulgarem as suas
ideias de independência para o Algarve.
6. Na execução dessa decisão, depois de estacionado o referido
automóvel em rua próxima, AMARO, CAROLINA e DAVID vestiram os
seus coletes de cor laranja, onde, de forma bem visível, escreveram
ainda “INDEPENDÊNCIA PARA O ALGARVE!”, e juntaram-se aos
manifestantes.
7. Quando esses manifestantes iniciaram a descida da Avenida da
Liberdade, AMARO e CAROLINA começaram a gritar, repetidamente,
“vamos partir isto tudo” e “queremos ver Lisboa a arder”, sendo logo
seguidos por outros indivíduos que, ao ouvi-los, começaram a gritar as
mesmas palavras e outras similares.
8. Todos começaram então a correr na direção da Praça dos
Restauradores, incluindo DAVID, que não queria separar-se de AMARO
E CAROLINA. Nesse percurso, vários desses manifestantes, de cabeça
tapada, não identificados, empurraram alguns transeuntes, atiraram
pedras a montras de várias lojas, partindo os respetivos vidros, e
colocaram vários caixotes do lixo a arder.
9. Enquanto desciam a Avenida, DAVID reparou que BELA – sua ex-
namorada, e que, antes de Natal, contra a sua vontade, terminara a
relação que já levava dois anos – se encontrava a sair de uma das lojas.
Querendo dela se vingar, e sabendo que o pai de BELA era um grande
produtor de pêra rocha na região do Oeste, DAVID propôs a AMARO e
CAROLINA que dali a levassem contra a sua vontade e a mantivessem
presa até o pai proferir uma declaração pública dizendo que a laranja
do Algarve era a melhor fruta portuguesa. Enquanto AMARO e DAVID a
seguravam, CAROLINA colocou-lhe um dos coletes laranjas. Após,
puxaram-na em direção ao local onde ficara estacionado o automóvel
de AMARO.
10.Aí chegados, viram que, em frente, estava uma loja fechada ao público,
com os vidros tapados com jornais, mas que tinha a porta não
completamente fechada. CAROLINA empurrou a porta e todos
entraram nesse local. Aí encontraram XAVIER, proprietário do espaço,
que de imediato lhes ordenou que saíssem, tendo AMARO respondido
que se não ficasse quieto e calado levaria uma tareia. Temendo pela
vida, XAVIER calou-se e manteve-se imóvel.
11.Aí, CAROLINA telefonou para GOMES, pai de BELA, a quem disse que
tinham a sua filha e que se a queria voltar a ver teria de, no período de
uma hora, proferir uma declaração à comunicação social no sentido de
a laranja do Algarve ser a melhor fruta nacional. Temendo pela vida da
filha, GOMES enviou imediatamente um e-mail à agência LUSA com a
declaração pretendida por CAROLINA.
12.Após, XAVIER, pretendendo criar condições para conseguir fugir,
convidou AMARO, DAVID e CAROLINA para consumirem 4 gramas de
anfetaminas que ele havia adquirido recentemente, dizendo que isso
lhes daria muita energia para o resto do dia. AMARO, DAVID e
CAROLINA aceitaram e tomaram os comprimidos que XAVIER lhes
entregou e que, na verdade, como este sabia, eram um poderoso
soporífero. BELA pediu a XAVIER para também tomar, tendo-lhe este
entregue um dos comprimidos.
13.Minutos depois, como XAVIER previra, AMARO, DAVID, CAROLINA e
BELA ficaram nauseados, adormecendo de seguida.
14.XAVIER, observando BELA adormecida, achou-a muito bonita e beijou-
a, encostando os seus lábios aos dela.
15.Horas depois, BELA acordou. XAVIER libertou-a e propôs-lhe que
fugissem, o que ela aceitou.
16.Após, XAVIER retirou as chaves do automóvel a AMARO, saiu da loja e,
conduzindo o automóvel de AMARO sem consentimento deste, rumou
ao Sul com BELA.
17.Entretanto, no interior do veículo, BELA encontrou o pacote com os 10
kgs de canábis.
18.Vendo do que se tratava, e querendo dele se desfazer, BELA inseriu o
pacote num dos sacos plásticos “LARANJA POWER” e lançou-o pela
janela do automóvel para o rio Tejo quando passavam na Ponte 25 de
Abril.
19.O pacote caiu sobre a cabeça de HEIDI, de nacionalidade holandesa,
que viajava num navio de cruzeiro com pavilhão do Panamá, e se
encontrava deitada a apanhar sol junto da piscina. Com a pancada,
HEIDI morreu imediatamente.

Aprecie a eventual responsabilidade criminal de cada uma das pessoas supra


identificadas, todas elas maiores de 16 anos de idade.

(14 valores)
Grupo II
(situação factual do Grupo I, com os desenvolvimentos agora indicados)

(6 valores)

1 - Durante o inquérito, a Polícia Judiciária abordou FERNANDO, primo de


AMARO, quando aquele regressava a Portugal vindo de Marrocos,
suspeitando que o mesmo havia ingerido um número indeterminado de
bolotas de canábis para, dessa forma, as introduzir em território nacional
e aí as vender.
A Polícia Judiciária pretende realizar exames para determinar se tal é ou
não verdade, apreender essas substâncias e recolher prova para o
processo. FERNANDO não consente qualquer exame.

1 – Qual o procedimento legal a seguir ?


(3 valores)

2 - A FERNANDO é aplicada pelo juiz de instrução a medida de coação de


prisão preventiva, à qual se encontrava já sujeito AMARO.
São ambos colocados pelos serviços prisionais na mesma cela.
Suspeitando que os dois continuam, do interior do Estabelecimento
Prisional, a gerir um esquema para introdução de canábis em Portugal, a
Polícia Judiciária vem sugerir ao Ministério Público a colocação de um
aparelho no interior da cela para captar e gravar as conversas entre
AMARO e FERNANDO.

2 - É tal meio de obtenção de prova legalmente admissível ?


(3 valores)
35.º CURSO

VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA

GRELHA DE CORRECÇÃO

GRUPO I

[Aprecie a eventual responsabilidade criminal de cada uma das pessoas infra identificadas, todas elas maiores de
16 anos de idade]

(14 valores)

FACTOS NOTAS DE APRECIAÇÃO VALOR

a. AMARO e CAROLINA cometem, em co-autoria material e


na forma consumada, um crime de tráfico de estupefacien-
tes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei
AMARO e CAROLINA vendem resina de n.º 15/93, de 22.I, com referência à tabela I-C, anexa a esse
canábis a diversos indivíduos em diferentes diploma.
pontos de Portugal.
Há um só crime (o crime de tráfico de estupefacientes é um
No dia No dia 4 de Janeiro de 2019, AMARO 0,8
crime de trato sucessivo e exaurido).
e CAROLINA transportam 10 kgs de resina
de canábis para entregar a ELISEU em Lis- Face ao tipo de estupefaciente, desconhecendo-se há quanto
boa. tempo desenvolvem essa actividade e outros aspectos rele-
vantes (dimensão dos lucros, etc.), afigura-se mais defensável
1 considerar que não se verifica qualquer das circunstâncias
agravativas previstas no artigo 24.º da mesma lei.

b. A conduta de DAVID também é susceptível de integrar o


crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo
artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.I, com refe-
rência à tabela I-C, anexa a esse diploma, pois DAVID tem a
b. É DAVID quem conduz o automóvel. posse e transporta esse estupefaciente. 1
Porém, tal conduta insere-se no âmbito da acção encoberta
autorizada pelo Ministério Público e validada pelo Juiz de
Instrução. Assim, a conduta não é punível – artigo 6.º, n.º 1,
da Lei n.º 101/2001.

ELISEU comete, como autor material, um crime de tráfico de


estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do
Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.I, com referência à tabela I-C,
ELISEU compra 10 kgs de reside de canábis a anexa a esse diploma.
2 AMARO pelo preço de 10 000€ (dez mil 1
euros), a entregar em Lisboa. O mero acto de adquirir já preenche o tipo, ainda que não
esteja na efectiva posse do estupefaciente. Para a celebração
do contrato de compra e venda não é necessário a tradição
da coisa.
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

AMARO e CAROLINA cometem, em co-autoria material e na


forma consumada, um crime de participação em motim,
previsto e punido pelo artigo 302.º, n.º 1 e 2, do Código
Penal.
a. Depois de se juntarem à manifestação Não há autoria mediata (não há quaisquer factos que permi-
dos coletes amarelos, AMARO e CAROLINA tam afirmar que os indivíduos que actuam são dominados
gritam, repetidamente, “vamos partir isto por AMARO e CAROLINA) ou instigação aos crimes de ofensa
tudo” e “queremos ver Lisboa a arder”, à integridade física e de dano praticados pelos indivíduos não
sendo depois seguidos por outros indiví- identificados. Não se pode considerar que foram as palavras
1
duos. Começam a correr e vários manifes- de AMARO e CAROLINA que determinaram esses indivíduos a
tantes não identificados empurram alguns agir dessa forma.
transeuntes, atiram pedras a montras de
Não se verificam os elementos típicos objectivos dos crimes
várias lojas, partindo os respetivos vidros, e
de instigação pública a um crime (artigo 297.º do Código
colocam vários caixotes do lixo a arder.
Penal – não há provocação ou incitamento em reunião públi-
ca, nem através de meio de comunicação social, por divulga-
3 ção de escrito ou outro meio de reprodução técnica) e de
apologia pública de um crime (artigo 298.º do Código Penal –
não há qualquer apologia de crime).

Esta conduta de DAVID integra o crime de participação em


motim, previsto e punido pelo artigo 302.º, n.º 1 e 2, do
Código Penal.
Porém, ainda se enquadra no âmbito da acção encoberta,
sendo necessária para não quebrar a confiança de AMARO e
b. DAVID junta-se a AMARO E CAROLINA a CAROLINA. Não há desproporcionalidade com a finalidade da
0,5
correr, porque deles não se quer separar. acção encoberta. DAVID tem, pois, isenção de responsabili-
dade – artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 101/2001.

Enquanto desciam a Avenida, DAVID repara DAVID, AMARO e CAROLINA cometem, em co-autoria e na
que BELA – sua ex-namorada e que, antes forma consumada, um crime de rapto, previsto e punido
de Natal, contra a sua vontade, terminara a pelo artigo 161.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal.
relação que já levava dois anos – se encon-
trava a sair de uma das lojas. Querendo dela É de excluir o crime de tomada de reféns, pois o rapto não é
se vingar, e sabendo que o pai de BELA era feito com intenção de realizar finalidades políticas, ideológi-
um grande produtor de pêra rocha na região cas, filosóficas ou confessionais.
do Oeste, DAVID propõe a AMARO e CARO-
DAVID também comete um crime de violência doméstica,
4 LINA que dali a lêem contra a sua vontade e 1
previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do Códi-
a mantenham presa até o pai proferir uma
go Penal. Este crime está numa relação de concurso aparen-
declaração pública dizendo que a laranja do
te com o de rapto (subsidiariedade expressa no artigo 152.º,
Algarve é a melhor fruta portuguesa. En-
n.º 1). Esta conduta de DAVID está completamente fora do
quanto AMARO e DAVID a seguram, CARO-
âmbito da ação encoberta. Não há isenção de responsabili-
LINA coloca-lhe um dos coletes laranjas.
dade.
Após, puxam-na em direcção ao local onde
ficara estacionado o automóvel de AMARO.

CAROLINA, AMARO e DAVID entram na loja CAROLINA, AMARO e DAVID cometem, em autoria material e
de XAVIER sem autorização e aí permane- na forma consumada, um crime de introdução em lugar
5 cem depois de este lhes ordenar para saí- vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do 0,5
rem. Código Penal.

2
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

Apesar de ser apenas AMARO a falar, estando DAVID e CA-


ROLINA no local, com domínio do facto, e estando a executar
AMARO diz a XAVIER que se não ficar quieto
o plano que era de todos, há que considerar que AMARO,
e calado leva uma tareia. Temendo pela
6 DAVID e CAROLINA cometem, em co-autoria material, um 0,8
vida, XAVIER cala-se e mantém-se imóvel.
crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158.º, n.º
1, do Código Penal.

a. Apesar de ser apenas CAROLINA a falar, estando DAVID e


AMARO no local, com domínio do facto, e estando a executar
o plano que era de todos, há que considerar que CAROLINA,
CAROLINA telefona para GOMES, pai de AMARO e DAVID cometem, em co-autoria material, um cri-
BELA, a quem disse que tinham a sua filha e me de coação, previsto e punido pelo artigo 154.º, n.º 1, do
0,8
que se a queria voltar a ver teria de, no Código Penal.
período de uma hora, proferir uma declara-
ção à comunicação social no sentido de a Deve ser excluída a extorsão, pois não há constrangimento à
7 prática de uma acção que acarrete prejuízo patrimonial.
laranja do Algarve ser a melhor fruta nacio-
nal. Temendo pela vida da filha, GOMES
envia imediatamente um e-mail à agência b. Há concurso efectivo com o crime de rapto. A vítima do
LUSA com a declaração pretendida por CA- crime de rapto é BELA e a do crime de coação é GOMES, ou
ROLINA. seja, ofensa a bens jurídicos pessoais de diferentes pessoas.
0,5

a. XAVIER comete, em autoria material e na forma consuma-


da, três crimes de ofensa à integridade física simples, previs-
to e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal (AMA-
RO, DAVID e CAROLINA). 0,8

XAVIER, pretendendo criar condições para


conseguir fugir, convida AMARO, DAVID e
b. Também o comete relativamente a BELA, apesar de ter
CAROLINA para consumirem 2 gramas de
sido ela a solicitar o consumo (o consentimento de BELA não
anfetaminas que ele havia adquirido recen-
é esclarecido, pois desconhece a verdadeira natureza do que
temente, dizendo que isso lhes daria muita 0,5
vai tomar – artigo 38.º, n.º 2, do Código Penal).
energia para o resto do dia. AMARO, DAVID
e CAROLINA aceitam e tomam os comprimi-
dos que XAVIER lhes entrega e que, na ver-
8 dade, como este sabia, eram um poderoso c. XAVIER age em legítima defesa face a AMARO, CAROLINA
soporífero. e DAVID – artigos 31.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), e 32.º do Códi-
go Penal.
BELA pede a XAVIER para também tomar;
XAVIER entrega-lhe um dos comprimidos. Quanto a BELA, há direito de necessidade – artigo 34.º do 0,5
Código Penal.
Minutos depois, como XAVIER previra,
AMARO, DAVID, CAROLINA e BELA ficam Está excluída a ilicitude da sua conduta.
nauseados e após adormecem.
d. O consumo, por 3 pessoas, de 4 gramas de anfetaminas
integra o crime de consumo de estupefacientes, previsto e
punido pelo artigo 40.º, n.º 2, do DL 15/93, e tabela II-B, por
1
referência ao AFJ STJ n.º 8/2008, e à Portaria 94/96 (mapa
anexo ao artigo 9.º), pois tal quantidade excede a necessária
para o consumo médio individual em período de 10 dias (4

3
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

gramas são 40 doses, o que, divididos por 3, dá 13,3 a cada).

Porém, a tentativa de crime de consumo de estupefacientes


não é punível, pois o crime não é punível com pena superior
a 3 anos e não está especialmente prevista a punição da
tentativa para este crime (artigo 40.º, n.º 2, do DL 15/93, e
artigo 23.º, n.º 1, do Código Penal).

Há que discutir se o beijar os lábios (apenas lábios com lá-


bios, sem introdução de língua) entre pessoas adultas é ou
não acto sexual de relevo.
Afigura-se mais defensável o entendimento de que tal com-
portamento, embora possa ser considerado como acto sexu-
al, não é acto sexual de relevo, pois, pela sua pequena signifi-
cância, “não entrava[m] de forma importante a livre deter-
minação sexual da vítima” (Figueiredo Dias, Comentário Co-
nimbricense ao Código Penal, Tomo I, 1.ª ed., p. 449). Como
refere o acórdão do STJ de 12.07.2005, processo 05P2442
(www.dgsi.pt), citando Simas Santos e Leal-Henriques, Códi-
go Penal, vol. II, p. 368-369, que não é qualquer acto de natu-
reza, conteúdo ou significado sexual que se integra naquele
conceito e serve ao espírito da previsão normativa, “mas
apenas aqueles actos que constituam uma ofensa séria e
grave à intimidade e liberdade sexual do sujeito passivo e
invadam, de uma maneira objectivamente significativa, aqui-
lo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo, que
XAVIER, observando BELA adormecida, no domínio da sexualidade, é apanágio de todo o ser huma-
9 acha-a muito bonita e beija-a nos lábios. no”. E, no mesmo acórdão, “Para justificar a expressão "de 1,2
relevo" terá a conduta de assumir gravidade, intensidade
objectiva e concretizar intuitos e desígnios sexuais visivel-
mente atentatórios da auto-determinação sexual; de todo o
modo, será perante o caso concreto de que se trate que o
"relevo" tem de recortar-se.”.
Assim, afigura-se mais defensável que não há crime de abu-
so sexual de pessoa incapaz de resistência (artigo 165.º, n.º
1, do Código Penal).
Os crimes de coacção sexual e violação serão sempre de
excluir, pois não há violência, nem ameaça grave, nem foi
para esse fim que XAVIER colocou BELA inconsciente.
O crime de importunação sexual não exige que o acto sexual
seja de relevo (tem de ser apenas “contacto de natureza
sexual”, onde o beijar os lábios se pode incluir), mas não há
importunação, pois BELA está a dormir (e assim continua
após o beijo).

XAVIER e BELA cometem um crime de furto de uso, previsto


e punido pelo artigo 208.º, n.º 1, do Código Penal (note-se
XAVIER retira as chaves do automóvel a
que não se refere a intenção de apropriação, o que afasta o
AMARO, sai da loja e, conduzindo o auto-
10 crime de furto; há apenas a utilização não autorizada do 0,5
móvel de AMARO sem consentimento des-
automóvel).
te, ruma com BELA para o Sul.
Não há exclusão da ilicitude ou da culpa.

4
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

a. BELA comete, como autora material e na forma consuma-


da, um crime de homicídio por negligência, previsto e puni-
do pelas disposições conjugadas dos artigos 137.º, n.º 1, e
15.º, alínea b), do Código Penal. Embora não se diga que ela
previu esse resultado, o mesmo era previsível (a negligência 0,6
é inconsciente), evitável e há nexo causal.

Não constando facto sobre ter previsto o resultado, está


excluída a possibilidade de dolo eventual.

b. Apesar de o navio não ser português, considera-se que o


BELA encontra o pacote com os 10 kgs de
facto foi praticado em território nacional, pois foi cá que
canábis e lança-o pela janela do automóvel
BELA actuou, embora o resultado tenha ocorrido no navio
para o rio Tejo quando passavam na Ponte
estrangeiro – artigo 7.º, n.º 1, do Código Penal. 0,5
25 de Abril. O pacote cai sobre a cabeça de
11 HEIDI, que viaja num navio de cruzeiro, com
pavilhão do Panamá, e se encontrava deita-
da a apanhar sol junto da piscina. Com a
pancada, HEIDI morre imediatamente. c. BELA não tem responsabilidade pelo crime de tráfico de
estupefacientes, pois, embora esteja na posse do mesmo
durante um breve momento, age de imediato com vista à sua
destruição.

O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo


0,5
abstracto e, se, como no caso, não houver qualquer perigo,
em abstracto, para o bem jurídico (a saúde pública), a ilicitu-
de da conduta deve ser excluída por imperativo constitucio-
nal (princípio da estrita necessidade das penas – artigo 18.º,
n.º 2, da CRP).

5
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

GRUPO II

Questão 1

[Procedimento para exame para detecção de estupefacientes no interior do corpo]

3 valores

Uma vez que o que se pretende é determinar se FERNANDO tem estupefacientes no interior do seu corpo (no seu
sistema digestivo), o meio de prova em causa é o exame. Exigindo-se especiais conhecimentos técnicos para realizar
tal exame e percepcionar os seus resultados, considera-se o mesmo como pericial. Seria revista se o estupefaciente
estivesse meramente na sua roupa. Em casos destes, o exame médico consiste em radiografia ou ecografia.

O procedimento está definido no artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.I. Aí se termina, no n.º 1, que, quando
houver indícios de que alguém oculta ou transporta no seu corpo estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, é
ordenada revista e, se necessário, procede-se a perícia. No n.º 2, que o visado pode ser conduzido a unidade hospita-
lar ou a outro estabelecimento adequado e aí permanecer pelo tempo estritamente necessário à realização da perí-
cia. O n.º 3 prescreve que na falta de consentimento do visado, mas sem prejuízo do que se refere no n.º 1 do artigo
anterior (realização de perícia médico-legal para determinação do estado de toxicodependência), a realização da
revista ou perícia depende de prévia autorização da autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que
possível, presidir à diligência. Quem, depois de devidamente advertido das consequências penais do seu acto, se re-
cusar a ser submetido a revista ou a perícia autorizada nos termos do número anterior, é punido com pena de prisão
até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias – n.º 4.

Não consentido FERNANDO a sua realização, a questão relevante está em saber quem é a autoridade judiciária com-
petente para ordenar este exame pericial: Ministério Público ou juiz de instrução?

A resposta tem de ser encontrada no Código de Processo Penal e nas alterações que nele foram introduzidas em data
posterior à do início da vigência do DL 15/93. Aí, haverá que conjugar o disposto nos artigos 172.º, n.ºs 1 e 2, 154.º,
n.º 3, e 269.º, n.º 1, alínea b). No artigo 172.º, n.º 1, determina-se que se alguém pretender eximir-se ou obstar a
qualquer exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da autoridade
judiciária competente. Nesses casos, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 do artigo 154.º e nos
n.ºs 6 e 7 do artigo 156.º, dispondo o primeiro destes normativos que, quando se tratar de perícia sobre característi-
cas físicas ou psíquicas de pessoa que não haja prestado consentimento, o despacho é da competência do juiz, que
pondera a necessidade da sua realização, tendo em conta o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do
visado.

O exame no caso em apreço não pretende conhecer características físicas da pessoa (apenas se existe ou não estupe-
facientes no seu sistema digestivo), mas é inevitável que no seu decurso tal suceda (com a radiografia/ecografia).

Finalmente, no artigo 269.º, n.º 1, alínea b), dispõe-se que, durante o inquérito, compete exclusivamente ao juiz de
instrução ordenar ou autorizar (…) a efectivação de exames, nos termos do n.º 2 do artigo 172.º

Do exposto, resulta que apenas o juiz de instrução seria competente para autorizar, a requerimento do Ministério
Público, a realização do exame pericial que FERNANDO recusa realizar voluntariamente.

Recorde-se que a actual redacção dos n.ºs 1 e 2 do 172.º foi introduzida pela Lei n.º 48/2007, na sequência dos acór-
dãos do Tribunal Constitucional n.º 155/2007 (de 02.03.2017) e 228/2007 (28.03.2007), que julgaram inconstitucio-
nal, por violação do disposto nos artigos 25.º, 26.º e 32.º, n.º 4, da Constituição, a norma constante do artigo 172.º,
6
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de possibilitar, sem autorização do juiz, a colhei-
ta coactiva de vestígios biológicos de um arguido para determinação do seu perfil genético, quando este último tenha
manifestado a sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita.

Assim, PEDRO SOARES DE ALBERGARIA, Comentário Judiciário ao Código de Processo Penal, Tomo II, Coimbra: Almedina,
2019; SANDRA OLIVEIRA E SILVA, O arguido como meio de prova contra si mesmo - considerações em torno do princípio
“nemo tenetur se ipsum accusare”, Coimbra: Almedina, 2018, p. 734.

Questão 2

[Escuta ambiente no interior de cela]

3 valores

O artigo 189.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, determina que o disposto nos artigos 187.º e 188.º é correspon-
dentemente aplicável (…) à intercepção das comunicações entre presentes. Estando em causa a investigação de cri-
me de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.I, e visan-
do arguidos, tal meio de obtenção de prova é, em abstracto, admissível – artigo 187.º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 4,
alínea a), do Código de Processo Penal.

Não se afigura existir violação do direito à não auto incriminação (v.g., um meio enganoso de contornar o eventual
silêncio dos arguidos em interrogatório), pois a actividade delituosa continua a existir e o facto de serem já arguidos
não lhes confere o direito à inutilizabilidade deste meio de prova contra si quanto a esses novos factos. A situação
não se enquadra, pois, naquele que foi objecto da atenção do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no caso Allan
v. Reino Unido (decisão de 05.11.2002).

A questão essencial está, porém, na realização dessas intercepções no interior de uma cela. Há que ponderar se a
previsão do artigo 189.º, n.º 1, abrange todos os locais onde essa intercepção pode ser feita, nomeadamente espaços
de privacidade, como o domicílio, ou se, pelo contrário, havendo aí um outro direito a proteger, se exigiria previsão
legal expressa nesse sentido.

A cela deve ser considerada domicílio (espaço de privacidade). Esse é um espaço onde o recluso reside e pratica actos
da sua vida íntima privada. Locais como celas prisionais “integram também o conceito d domicílio (do domínio penal,
a doutrina, com boas razões, tem entendido que a invasão do domicílio por parte do pessoal da prisão ou do hospital
é justificada pelo exercício de um direito (…). No entanto, tal não significa que essas autoridades aí possam recolher
indícios probatórios da prática de um crime fora das condições previstas no artigo 34.º)” – Germano Marques da Silva
e Fernando Sá, Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda e Rui Medeiros (Org.), Lisboa: Universidade Católica
Editora, Volume I, 2.ªç edição revista, 2017, p. 561.

A Constituição confere protecção à intimidade da vida privada (artigo 26.º, n.º 1: a todos são reconhecidos os direitos
à (…) à reserva da intimidade da vida privada (…)) e, como manifestação desse direito (Acs. TC 452/89 e 507/94), ao
domicílio (artigo 34.º, n.º 1: O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são
invioláveis).

Há ainda que considerar o disposto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição: “A lei só pode restringir os direitos, liberda-
des e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário
para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (reserva de Constituição e reserva de
Lei na restrição dos direitos, liberdades e garantias). O n.º 2 do artigo 34.º determina que “A entrada no domicílio dos
cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as
7
35.º CURSO
VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA
GRELHA DE CORRECÇÃO

formas previstos na lei.”.

Por outro lado, o artigo 32.º, n.º 8, prescreve que “São nulas todas as provas obtidas mediante (…) abusiva intromis-
são na vida privada, no domicílio (…)”.

Já no Código de Processo Penal, o artigo 126.º, n.º 3, declara que, “Ressalvados os casos previstos na lei, são igual-
mente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio (…)
sem o consentimento do respectivo titular.”.

Ora, “(o) domicílio não e violado somente quando se entra na morada de alguém sem o seu consentimento. Os mo-
dernos meios técnicos possibilitam a invasão e a devassa do domicílio mediante meios electrónicos, que, além disso,
permitem também a devassa das conversas e da vida privada dos moradores. A inviolabilidade do domicílio e segu-
ramente incompatível com tais mecanismos” – Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portu-
guesa Anotada, Volume I, Coimbra: Coimbra Editora, 4.ª edição revista, 2007, p. 540-541.

Embora a Constituição preveja a restrição aos direitos à privacidade e à inviolabilidade do domicílio, a lei não prevê a
introdução no domicílio para nele instalar um aparelho de intercepção (e gravação, ou, pelo menos, de transmissão
para gravação noutro local). Prevê essa introdução no âmbito das buscas, mas aí a finalidade é proceder ou examinar
objectos ou espaços reservados ou não livremente acessível ao público. Por outro lado, a previsão do artigo 189.º, n.º
1, do Código de Processo Penal, é apenas para a utilização do meio de obtenção de prova (intercepção entre presen-
tes), não para o local onde tal pode suceder. O domicílio é merecedor de protecção distinta e exige previsão legal
expressa para a violação da reserva da intimidade da vida privada.

Afigura-se, pois, que, não estando isso expressamente ressalvado na lei, esse meio de obtenção de prova é proibido
(método proibido de prova e proibição de valoração) – artigo 32.º, n.º 8, da Constituição, e artigo 126.º, n.º 3, do
Código de Processo Penal.

Neste sentido, cfr. acórdão do TRL 27.02.2008, Processo 10898/2007-3 (TELO LUCAS): A realização de escutas através
de microfone a colocar em cela de duas camas em estabelecimento prisional com a finalidade de registar as conver-
sações efectuadas por dois arguidos ocupantes de tal cela, com vista à investigação de crime de homicídio, não é
legalmente admissível face ao disposto nos art.ºs 187º, 188º, 190º CPP e 34º n.ºs 1 e 4 CRP, sob pena de violação
intolerável dos direitos constitucionais de inviolabilidade do domicílio e da reserva de intimidade da vida privada
(sumário). Contra, porém, Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa: Universida-
de Católica Editora, 3.ª edição, 2009, p. 527 e 529), para quem a lei (artigo 189.º, n.º 1) não distingue entre as con-
versações privadas entre presentes no domicílio ou fora dele. O mesmo Autor, no entanto, refere o núcleo do direito
constitucional à privacidade (artigos 26.º e 35.º) impõe restrições a essa interferência, não sendo constitucionalmen-
te admissíveis intercepção de comunicações entre presentes com pessoas de especial confiança, como cônjuges,
filhos e pais. Não aborda o Autor a questão da entrada no domicílio.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos proferiu há várias decisões onde enfatiza a necessidade de expressa, clara
e precisa previsão legal para que possa, sem ofensa da Convenção (artigo 8.º, n.º 2), existir gravação das conversas
dos reclusos, ou seja, violando o seu direito ao respeito pela vida privada. Assim o fez nos casos Wisse v. França, P.G
e J.H v. Reino Unido e Doerga v. Holanda. Quanto à gravação no interior de residência, e com a mesma exigência de
expressa, clara e precisa previsão legal quanto ao local da gravação, vide as decisões no processo Khan v. Reino Unido
e Vetter v. França.

8
Centro de Estudos Judiciários

35.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via profissional

1.ª Chamada - 16 de fevereiro de 2019

Grelha de correção

Nota:

O conteúdo da presente grelha reflete de forma tópica as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da
forma e da substância, se reputam as mais corretas em função dos elementos disponibilizados e que devem, na prova
do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outras abordagens, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face aos
dados facultados e que se revelem apoiadas em fundamentos consistentes, serão também valorizadas na medida do
respetivo mérito.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Fundamentação de direito 14 valores

Demais componentes estruturais da sentença:


1. Dispositivo 3 valores
2. Restantes componentes 3 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

1. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA COTAÇÃO PARCELAR (até 1,50)
SENTENÇA – PARTE I

Identificação das partes

Objeto do litígio (enunciação genérica dos pedidos, causas de pedir e posição das partes)

Questões a decidir:
1. Legitimidade passiva do segundo réu;
2. Execução específica do contrato promessa;
3. Direito dos autores a indemnização por danos não patrimoniais;
4. Direito dos autores a receber do segundo réu uma indemnização de valor equivalente
ao prejuízo sofrido com o incumprimento do contrato;
5. Direito dos autores a receber os juros de mora e a sobretaxa pedidos;
6. Litigância de má-fé.

Estrutura e ordem das componentes da sentença


- incluindo, no local próprio, factos provados, não provados e motivação (por mera remissão para
o extrato disponibilizado no enunciado da prova)

2. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA COTAÇÃO PARCELAR (até 1,50)
SENTENÇA – PARTE
II
SANEAMENTO
Apreciar e decidir a exceção de ilegitimidade passiva cujo conhecimento foi relegado
para final:
Improcedência da exceção, uma vez que, de acordo com o modo como os autores configuraram a
relação material controvertida, o segundo réu tem interesse em contradizer (é alegada uma causa
de pedir específica para fundamentar a sua demanda) – artº 30º do Código de Processo Civil.

3.FUNDAMENTAÇÃO COTAÇÃO PARCELAR (até 14,00)


DE DIREITO

Execução específica do contrato promessa:

a) Interpretação do contrato promessa (cláusulas 4 e 7) - as partes pretenderam que o


contrato prometido fosse celebrado depois do vencimento da obrigação de pagamento
integral do preço acordado – artº 236º, nº 1 do Código Civil.
b) Face à cláusula 4, nº 2 do contrato e uma vez demonstrada, como está, a alienação do
imóvel, estão verificados os pressupostos da obrigação de celebrar o contrato prometido;
c) Nesse cenário, a primeira ré, ao omitir o pagamento do preço, entrou em mora quanto à
obrigação de celebrar o contrato prometido – artº 830º, nº 1 do Código Civil.
d) Efeitos da procedência do pedido de execução específica – sentença constitutiva, de
substituição da declaração de vontade do contraente faltoso.
e) Uma vez que não há pedido expresso de condenação da primeira ré no pagamento do
preço, impõe-se indagar se o tribunal pode/deve proferir essa condenação, avaliando
nomeadamente se a referência, no teor do pedido, a “respeitando-se o preceituado no
contrato promessa” é suficiente para sustentar esse pedido – artºs 3º, nº 1 e 609º, nº 1 do
Código de Processo Civil.

Direito dos autores a indemnização por danos não patrimoniais:

a) As causas de pedir e fontes da eventual obrigação de indemnizar são distintas para a


primeira ré e para o segundo réu: responsabilidade contratual no primeiro caso,
responsabilidade extracontratual ou pré-contratual, no segundo – artºs 798º, 483º e 227º
do Código Civil.
b) Direito violado – direito à integridade física e psíquica – artº 25º, nº 1 da Constituição da
República Portuguesa e artº 70º, nº 1 do Código Civil.
c) Problematização da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no âmbito da
responsabilidade contratual.
d) Ponderação da relevância e gravidade dos danos não patrimoniais – artº 496º, nº 1 do
Código Civil.
e) Análise dos restantes pressupostos da responsabilidade civil, em especial, o nexo causal –
artºs 487º, 563º e 570º do Código Civil.
f) Avaliação do dano (equidade) - artº 496º, nº 4 do Código Civil.
g) Problematização da pluralidade de obrigados a indemnizar, no âmbito da alternativa entre
obrigação solidária, obrigação conjunta ou obrigação solidária imprópria – artºs 512º e
513º do Código Civil.

Direito dos autores a receber os juros de mora e a sobretaxa pedidos, quanto à


indemnização por danos não patrimoniais – artºs 804º, 806º, nºs 1 e 2 e 829º-A, nº 4 do
Código Civil. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio.

Direito dos autores a receber do segundo réu uma indemnização de valor equivalente ao
prejuízo sofrido com o incumprimento do contrato:
a) Problematização da teoria da eficácia externa das obrigações ou do “terceiro cúmplice” -
artºs 483º e 334º do Código Civil.
b) Verificação do preenchimento dos pressupostos da obrigação de indemnizar,
nomeadamente o dano, uma vez que não está provado que a primeira ré não tenha bens
que permitam a realização coativa da prestação (pagamento do preço).
c) Determinação do montante da indemnização a arbitrar – artºs 562º e 564º, nº 1 do Código
Civil.
d) Problematização da pluralidade de obrigados a indemnizar no âmbito da alternativa entre
obrigação solidária, obrigação conjunta ou obrigação solidária imprópria – artºs 512º e
513º do Código Civil.
e) Problematização, em alternativa, da responsabilidade do segundo réu por culpa na
formação do contrato – artº 227º do Código Civil.

Direito dos autores a receber os juros de mora e a sobretaxa pedidos, relativamente à


indemnização a pagar pelo segundo réu – artºs 805º, nº 3, 2ª parte e 829º-A, nº 4 do Código
Civil.

Litigância de má-fé:
A ponderar em função da interpretação da contestação no trecho em que se impugnam factos
pessoais que vêm a ser considerados verdadeiros – artº 542º, nº 2, alínea b) do Código de Processo
Civil.

Fundamentação da decisão quanto a custas – artº 527.º do Código de Processo Civil.


4. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA – PARTE COTAÇÃO PARCELAR (até 3,00)
III

DISPOSITIVO

Decisão da procedência ou improcedência, em coerência com a fundamentação


expendida, quanto aos seguintes aspetos:
- Exceção de ilegitimidade passiva do segundo réu;
- Execução específica do contrato promessa, relativamente à primeira ré, incluindo,
consoante a opção acima referida, a condenação da mesma ré no pagamento do preço;
- Indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora e sobretaxa;
- Indemnização por danos patrimoniais, juros de mora e sobretaxa, a cargo do segundo
réu;
- Indemnização por danos patrimoniais, juros de mora e sobretaxa, a cargo do segundo
réu;
- Decisão da litigância de má-fé.

Condenação em custas.

Notificação e registo da sentença.


Centro de Estudos Judiciários

35.º Curso de Formação para os Tribunais Judiciais

PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Via profissional

2.ª Chamada - 21 de fevereiro de 2019

Grelha de correção

Nota:

O conteúdo da presente grelha reflete de forma tópica as abordagens jurídicas que, do ponto de vista da
forma e da substância, se reputam as mais corretas em função dos elementos disponibilizados e que devem, na prova
do candidato, mostrar-se devidamente enquadradas e fundamentadas.
Sem embargo, outras abordagens, de forma ou de substância, que sejam razoáveis e plausíveis face aos
dados facultados e que se revelem apoiadas em fundamentos consistentes, serão também valorizadas na medida do
respetivo mérito.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA 20 valores

Fundamentação de direito 14 valores

Demais componentes estruturais da sentença:


1. Dispositivo 3 valores
2. Restantes componentes 3 valores
COTAÇÃO TOTAL DA PROVA (20 VALORES)

1.
COMPONENTES COTAÇÃO PARCELAR (até 3,00)
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA – PARTE I

Identificação das partes

Objeto do litígio (enunciação genérica e sintética dos pedidos, causas de pedir e posição
das partes)

Questões a decidir:
1. Se o contrato de arrendamento celebrado pelos pais do autor caducou com a morte
de Victória Santos ou, ao invés, a posição de arrendatário se transmitiu para a ré;
2. Se o autor reconheceu a ré como arrendatária e/ou se age com abuso de direito;
3. Se o autor tem direito à restituição do prédio;
4. Se a conduta da ré causou ao autor danos patrimoniais e não patrimoniais, devendo a
ré indemnizar o autor e em que medida;
5. Se tem lugar a aplicação de sanção pecuniária compulsória pedida pelo autor;
6. Se a ré deve ser reconhecida como arrendatária do prédio;
7. Se a ré, devendo restituir o prédio ao autor, tem direito a ser indemnizada por
benfeitorias feitas no prédio.

Estrutura e ordem das componentes da sentença


- incluindo, no local próprio, factos provados, não provados e motivação (por mera remissão para
extrato disponibilizado no enunciado da prova)

2. COTAÇÃO PARCELAR (até 14,00)


FUNDAMENTAÇÃO
DE DIREITO

Ação – pedido de reconhecimento do direito de propriedade do autor e de condenação da ré a


restituir o prédio ao autor:

a) Apreciação da aquisição, pelo autor, do direito de propriedade sobre o prédio identificado nos
autos – arts. 1305.º e 1316.º Código Civil e art. 7.º Código Registo Predial. Estando a aquisição
registada definitivamente a favor do autor, presume-se que o mesmo é titular do direito.

b) Determinação da lei aplicável ao contrato de arrendamento celebrado pelos pais do autor


(sucessão de leis no tempo):
- factos relevantes: data da celebração do contrato e data do falecimento de Victória Santos;
- sendo o contrato de arrendamento em causa um de arrendamento habitacional celebrado antes
da entrada em vigor do RAU, a lei aplicável, para efeitos de saber se o contrato de arrendamento
caducou ou se a posição de arrendatário se transmitiu para a ré é o art. 57.º do NRAU (cfr. arts. 27.º
e 57.º do NRAU) – e não o art. 1106.º do Código Civil;
c) Apreciar se este contrato de arrendamento caducou com o falecimento de Victória ou se se
transmitiu para a ré:
- salientar que o n.º 1 do art. 57.º do NRAU refere que o contrato não caduca por morte do
primitivo arrendatário;
- esta referência ao “primitivo arrendatário” determina que se deva concluir que a posição de
arrendatário só se pode transmitir uma vez, por morte do primitivo arrendatário, não podendo
ocorrer segunda transmissão em consequência da morte da pessoa que passou a ocupar a posição
de arrendatário por morte do primeiro;
- nesta conformidade, tendo o contrato de arrendamento sido celebrado com Diamantino Santos,
é este o primitivo arrendatário; por morte deste, a posição de arrendatário transmitiu-se para
Victória Santos, não podendo haver segunda transmissão; pelo exposto, o contrato de
arrendamento caducou com a morte de Victória Santos, não podendo ser transmitida a posição de
arrendatário para a ré.

d) Apreciar se o autor reconheceu a ré como arrendatária e/ou se age em abuso de direito,


impedindo o direito do autor a haver o prédio da ré, tendo em atenção as especiais particularidades
do caso em face da matéria de facto provada – art. 334.º do Código Civil:
- ter em atenção, em particular, que os atos praticados pela ré relativos a pagamento de rendas e
conservação do local arrendado foram realizados praticamente todos em vida de Victória Santos,
pelo que será duvidoso que se possa concluir que estava a agir como arrendatária (e não em nome
e no interesse de Victória Santos);
- por outro lado, não se demonstraram factos pessoalmente praticados pelo autor de onde se
conclua que reconheceu ativamente a ré como arrendatária, por forma a concluir-se que, ao
pretender a restituição do prédio, age em venire contra factum proprium;
- finalmente, o período de tempo decorrido entre o falecimento de Victória Santos e a informação
dada à ré de que deveria deixar o local arrendado é curto (alguns meses), tornando muito difícil que
se possa falar numa situação consolidada pelo decurso do tempo e de abuso de direito, agora na
modalidade de supressio;
- quanto à comunicação referida nos parágrafos 22 a 24 dos Factos Provados, atentos os termos
da mesma, o que parece resultar é que tal comunicação não visava apenas o local arrendado, mas
todo o prédio, destinando-se a comunicar a todos os inquilinos (e não especialmente à ré) a
transferência do direito de propriedade para o autor. Igualmente as indicações relativas ao
pagamento da renda incluídas nessa comunicação não se destinam à ré em particular, mas a todos
os inquilinos do prédio, sendo certo que, quanto ao prédio ocupado pela ré, a sua desocupação na
sequência da caducidade do contrato de arrendamento, por morte de Victória Santos, só teria de
ocorrer passados seis meses do falecimento desta (art. 1053.º do Código Civil), ou seja, em 6 de
Maio de 2013. Daí que tais instruções quanto ao pagamento de renda não pareçam configurar um
reconhecimento relevante da posição da ré como arrendatária, nomeadamente para efeitos de se
concluir que o autor age em abuso de direito, devendo-lhe ser negado o direito à restituição do
prédio.

e) Reconhecido o direito de propriedade do autor, e na falta de título legítimo da ré em ocupar o


prédio, deve ser reconhecida ainda a obrigação da ré a restituir ao autor o prédio – art. 1311.º
Código Civil.

Ação – pedidos de indemnização e juros de mora.


A apreciar caso se reconheça que o contrato de arrendamento em apreço caducou com o
falecimento de Victória Santos:

a) Danos patrimoniais por ocupação ilícita do prédio, por violação do direito de propriedade do
autor: arts. 483.º e 1305.º do Código Civil:
- medida da indemnização: arts. 562.º e seguintes do Código Civil. Recurso à equidade (art. 566.º,
n.º 3 Código Civil), considerando o valor locativo do prédio considerado provado;
- data a partir da qual é devida tal indemnização assim calculada: atento o disposto no art. 1053.º
do Código Civil, tendo a ré seis meses a contar do falecimento de Victória Santos para desocupar o
prédio, considerar que durante esses seis meses apenas está obrigada a pagar a quantia devida a
título de renda (62 euros/mês), passando a estar obrigada a indemnizar o autor pelo valor locativo
do prédio, equitativamente fixado nos termos atrás indicados (300 euros/mês), desde 6 de Maio de
2013 até à entrega efetiva do prédio ao autor.

b) Danos patrimoniais - não celebração de contrato promessa:


- a provar-se que o autor sofreu danos deste tipo, seriam lucros cessantes (art. 564.º, n.º 1,
segunda parte, Código Civil);
- provou-se que o autor celebrou um contrato promessa de venda do prédio ocupado pela ré e
que, por causa da atuação desta, o autor se encontra impedido de celebrar o contrato definitivo;
- ponderar se tal é suficiente para se ter por estabelecido que o autor sofreu um dano, por já estar
demonstrado que perdeu um benefício que poderia obter em consequência da lesão (caso em que
seria de reconhecer o direito à indemnização, relegando a sua quantificação para incidente de
liquidação – art. 609.º, n.º 2, Código de Processo Civil); ou se nem sequer se pode considerar como
demonstrado qualquer dano, pois não ficou provado que o autor não possa vir a celebrar o contrato
prometido sem qualquer perda patrimonial para si, caso em que deve ser julgada improcedente a
ação nesta parte (art. 342.º, n.º 1, Código Civil).

c) Danos não patrimoniais:


- considerando a matéria de facto provada, analisar em especial se as circunstâncias descritas nos
parágrafos 36.º e seguintes dos Factos Provados são danos não patrimoniais indemnizáveis à luz do
art. 496.º Código Civil, devendo afirmar-se nomeadamente que revestem a gravidade ali exigida,
merecendo a tutela do direito, bem como, por outro lado, que devem ser imputados objetivamente
à conduta da ré (art. 563.º Código Civil);
- na afirmativa, fixar o montante da indemnização de acordo com os critérios previstos no art.
494.º Código Civil, aplicável por remissão do art. 496.º Código Civil.

d) Sendo reconhecido direito do autor a ser indemnizado, analisar se são devidos juros de mora –
mas apenas quanto às quantias fixadas ou a fixar referidas nas als. b) e c) desta secção, pois mais
não foram pedidos (art. 609.º, n.º 1, Código Civil). Considerar o disposto nos arts. 559.º e 804.º a
806.º do Código Civil, conjugados com a Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril, bem como o decidido no
Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 4/2002.

Ação – pedido de condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória.


A apreciar caso se reconheça que o contrato de arrendamento em apreço caducou com o
falecimento de Victória Santos:

- Analisar se o pedido do autor, nesta parte, tem viabilidade à luz do art. 829.º-A do Código Civil,
considerando em particular que a obrigação de restituição do prédio ao autor, sendo uma
obrigação de entrega de coisa certa, não parece estar contemplada na previsão daquela norma.

Reconvenção: pedido de reconhecimento da ré como arrendatária:

- Seguindo o entendimento atrás exposto, este pedido deverá ser julgado improcedente.

Reconvenção: para o caso do pedido do autor de condenação da ré a restituir o prédio proceder,


condenação do autor a indemnizar a ré pelas benfeitorias feitas no prédio:

a) Arts. 216.º, 1046.º (ainda que por analogia, para abranger a ré), e 1273.º Código Civil: aplicação
das regras do enriquecimento sem causa, previstas nos arts. 473.º e seguintes Código Civil;

b) Art. 479.º Código Civil:


- tendo ficado provado que a ré despendeu a quantia de 5000 euros na pintura da habitação, em
2008 (medida do empobrecimento da ré), ponderar se se deve considerar ainda demonstrado que o
autor se enriqueceu com essa pintura, e em que medida, ou se tal prova não se considera feita (por
não corresponder a aumento do valor do prédio no momento em que o mesmo é restituído ao
autor);
- a considerar-se demonstrado o enriquecimento do autor, ficou de todo o modo por apurar a
medida do mesmo, pelo que tal deveria ser relegado para liquidação posterior nos termos do art.
609.º, n.º 2, Código do Processo Civil.

Fundamentação da decisão quanto a custas:


- Art. 527.º Código de Processo Civil.
3. COMPONENTES
ESTRUTURAIS DA
SENTENÇA – PARTE COTAÇÃO PARCELAR (até 3,00)
II

DISPOSITIVO

Decisão da procedência ou improcedência, em coerência com a fundamentação


expendida, quanto aos seguintes aspetos:
a) Ação: reconhecimento de propriedade e entrega do prédio ao autor;
b) Ação: indemnização por ocupação ilícita do prédio;
c) Ação: indemnização no valor peticionado de € 5.000,00;
d) Ação: juros de mora sobre c);
e) Ação: sanção pecuniária compulsória;
f) Reconvenção: reconhecimento da ré como arrendatária;
g) Reconvenção subsidiária: indemnização por benfeitorias.

Condenação em custas.

Registo e notificação da sentença.


PROVA ESCRITA
DE

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

Via Profissional

35.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO DE ABERT URA: AVIS O N. º 1 9401/2018 , PUBLICADO NO


DIÁRIO DA REPÚBLICA, 2 .ª SÉRIE , N.º 251/2018, DE 31 DE
DEZEMBRO DE 2018

DATA: 23 DE FEVER EIRO DE 2019

1.ª CHA MADA

HORA: 14H 15M (DE ACORD O C OM O DISP OST O NO ARTI GO 12.º DO


REGULAM E NT O I NT ER NO DO CE NTR O DE ESTUDOS J UDI CIÁRI OS , O TE MP O DE
DURAÇÃ O DA PR OV A INICIA -SE DEC ORRI DOS 15 MI NUT OS AP ÓS A HOR A

DESI GNADA )

DURAÇÃO DA PROVA: 4 H ORAS


PROVA ESCRITA DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
Via Profissional – 1.ª Chamada – 23 de fevereiro de 2019

1. A presente prova disponibiliza o seguinte conjunto de peças, contidas em autos


de um processo judicial (nomes, moradas e restantes elementos de facto fictícios):

I - Acusação;

II - Contestação apresentada pelo arguido António;

III - Resumo da prova produzida e examinada em audiência,


devendo considerar-se que:
- os depoimentos prestados pelas testemunhas foram
assertivos e sem contradições
- os arguidos estiveram representados por mandatário
(António) e defensor (Carlos).

2. Pretende-se que, mediante o conjunto das peças e elementos disponibilizados,


seja redigido um Acórdão, com a data de hoje.

3. Tenha em atenção que:

a) É intencional a omissão da qualificação jurídica dos factos constantes da


Acusação. No Acórdão a elaborar deverá fazer a qualificação dos factos que julgar
mais correta.
b) Na elaboração do Acórdão, os factos provados e os não provados poderão ser
enumerados por simples remissão para a enumeração constante da Acusação e
da Contestação, sempre que tal se lhe afigure possível.

c) Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto deverá especificar os


meios de prova que considerou relevantes, expondo sucintamente a formação da
sua convicção e apenas relativamente à factualidade em que tal se justifique.

4. Cotação: 20 valores

I – Fundamentação da matéria de facto - 2 valores;

II – Fundamentação de Direito e consequências jurídicas - 15 valores;

III – Demais componentes estruturais do Acórdão e outras matérias a abordar - 3


valores.

5. Apesar de a prova consistir na elaboração de um Acórdão, não poderá conter


qualquer assinatura, ainda que fictícia – pelo que, no final da peça, as/os
candidatas/os só deverão escrever as palavras seguintes:

“Data”

“Assinatura”.

6. A atribuição da cotação máxima nesta prova pressupõe um tratamento completo


das várias questões suscitadas, que deverá ser coerente e corretamente
fundamentado, com indicação dos preceitos legais aplicáveis.
7. Na apreciação da prova relevarão, nomeadamente, a pertinência do conteúdo, a
qualidade da informação transmitida em relação às questões abordadas, a
organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o
domínio da língua portuguesa.

8. Os erros ortográficos serão considerados negativamente: 0,25 por cada um, até
um máximo de 3 valores (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º 19401, publicado no Diário da
República, 2ª série, n.º 251, de 31 de dezembro).

9. As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a grafia


do "Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa" (aprovado pela Resolução da
Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente
no quadro "Observações" da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
"Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91 não está em vigor com carácter de obrigatoriedade", sendo a
prova corrigida nesse pressuposto.

10. As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento
identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da
folha de rosto), sob pena de anulação da prova.
ACUSAÇÃO

O Ministério Público, ao abrigo do disposto nos art.º 283º do Código de Processo Penal, deduz
acusação, para julgamento em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo,
contra:

1 – António Alberto Alves, filho de António Francisco Alves e de Ana Ludovina, nascido
em 01/01/1975, natural da freguesia e concelho de Castelo Branco, titular do Cartão de
Cidadão n.º 123456, solteiro, cesteiro, residente no lugar de Benilde, Castelo Branco;

2 – Carlos Castro Barcouço, filho de Bernardo Brites Barcouço e de Catarina Castro,


nascido em 01/02/1996, natural de Idanha-a-Nova, titular do Cartão de Cidadão n.º 135790,
solteiro, desempregado, residente no lugar de Alcorchel, Idanha-a-Nova,

Porquanto, indiciam suficientemente os autos que:

1. O arguido António Alves é pai de Esperança Alves, nascida a 11 de Setembro de 2001 e são
ambos de etnia cigana.

2. Desde Setembro de 2017 que Esperança Alves se encontrava a residir com a sua mãe,
Daniela Carmim, na cidade de Vila Real, para onde esta fora residir após se separar do arguido
António, com quem vivia em união de facto.

3. Pelo menos desde que foi viver com a mãe que Esperança Alves manifestava vontade de se
afastar dos costumes do grupo e mantinha uma relação de namoro com Vladimiro Vermoil, o
que fazia contra a vontade do arguido António, que exigia que ela se casasse com uma pessoa
da mesma etnia, segundo a tradição e costumes ciganos.

4. Assim, desde pelo menos o início do ano de 2018, o arguido António Alves, acompanhado
de membros da comunidade cigana não identificados, vinha insistindo com Esperança Alves
para que ela aceitasse casar com um individuo de etnia cigana, no caso o arguido Carlos
Barcouço, a quem fora por si prometida.

5. Todavia, e porque Esperança Alves se recusava a aceitar os costumes da sua etnia, bem
como a casar ou a abandonar o local onde residia com a sua mãe, os arguidos António e Carlos
elaboraram, em conjunto, um plano que visava retirar Esperança da casa da progenitora,
obrigá-la a casar, segundo as tradições ciganas, com Carlos Barcouço, incluindo sujeitar-se a
teste comprovativo da sua virgindade, a residir com este e a manter contactos de natureza
sexual.

6. Na execução do plano e com o pretexto de uma visita do pai à referida Esperança Alves por
ocasião do aniversário desta, em que fora obtida a sua concordância e a da mãe, no dia 11 de
Setembro de 2018 os arguidos deslocaram-se, em veículo automóvel propriedade do arguido
António e por este conduzido, de matrícula 27-27-IR (ligeiro de passageiros), da cidade de
Castelo Branco à de Vila Real, onde chegaram cerca das 11.30h;

7. Tendo Esperança Alves, conforme fora combinado, saído de casa de sua mãe cerca das
12.00h, acompanhando o pai - o arguido António - a fim de com este almoçar num restaurante
da cidade, enquanto o arguido Carlos se manteve afastado.

8. Terminado o almoço, cerca das 15.00h e quando Esperança iniciava o percurso de regresso à
casa de sua mãe, os arguidos, em conjugação de esforços e de intentos, puseram em marcha o
plano que tinham delineado e que visava transportar a ofendida Esperança, contra a sua
vontade, até um acampamento cigano nos arredores de Castelo Branco para, nesse local, a
casarem com o arguido Carlos e para com ele manter relações de carácter sexual e, após,
passarem a viver na habitação deste, situada em Alcorchel, Idanha-a-Nova, como se de marido
e mulher se tratassem.

9. Deste modo, e na prossecução do desígnio que os arguidos haviam formulado, no mesmo


dia 11 de Setembro de 2018, cerca das 15.30h, na Rua do Socorro, Vila Real, a cerca de 800m
da casa onde residia Esperança, surgiu o arguido Carlos, ao volante do ligeiro de passageiros de
matrícula 27-27-IR, chamado àquele local por contacto telefónico do arguido António, ocasião
em que os arguidos agarraram em Esperança, empurrando-a para o interior do veículo, ao
mesmo tempo que lhe diziam, em tom elevado e com foros de seriedade, que se não entrasse
no veículo a matavam.
10. Com tal comportamento, os arguidos conseguiram impedir que Esperança Alves
regressasse a casa da progenitora onde vivia, mantendo-a no interior do veículo e
transportando-a, de seguida, até ao acampamento nos arredores de Castelo Branco.

11. Durante todo o percurso que fez, Esperança Alves chorava e pedia continuadamente aos
arguidos que a levassem de volta para casa da mãe, o que sempre lhe foi negado.

12. Acresce que, durante esse percurso, Esperança tentou enviar mensagens de telemóvel
para a mãe e para o namorado, no que foi impedida pelos arguidos António e Carlos, que a
agarraram e ordenaram que não usasse o telemóvel e, apesar de este ter tocado por várias
vezes, Esperança Alves foi sempre impedida de o atender pelos arguidos que seguiam consigo
no veículo.

13. Cerca das 19.30h, uma vez chegados ao acampamento situado num descampado na
entrada norte de Castelo Branco, os arguidos ordenaram a Esperança Alves que entrasse para
uma tenda, afirmando o arguido António que estava na altura de confirmar que era pura e a
família honrada, o que aquela recusou, altura em que o arguido António lhe disse, em tom
elevado e com foros de seriedade, que “seria pior para si se não o fizesse”, que o “Carlos é o
teu homem e vais casar com ele, a bem ou a mal” e que “vais fazer o que te mandam senão…”.

14. Sabiam os arguidos que de acordo com os costumes e tradições da etnia a que todos
pertencem, antes de se celebrar a cerimónia do casamento, efectuar-se-ia teste para
comprovar a virgindade da noiva, designado “arrontamento”, no âmbito do qual, uma mulher
mais velha, através da penetração da vagina da menor com os dedos e um pano branco
(designado pañuelo ou “casquinha de ovo”), aferiria se Esperança era virgem através do
sangramento que daquele modo causaria com a laceração do hímen.

15. Assim e em seguida, foi Esperança - que ali se encontrava sob o controlo e domínio dos
arguidos que para ali a tinham trazido com o propósito, entre outros, de efectuar o dito teste,
cujos procedimentos conheciam - levada por diversas mulheres ciganas para o interior da
tenda referida e existente no acampamento a fim de se efectuar o mencionado teste de
virgindade.
16. No interior da tenda, após se ter deitado e despido as cuecas como lhe foi ordenado, uma
mulher não identificada de etnia cigana, vulgarmente designada por “juntaora” ou
“ajuntadeira”, introduziu-lhe na vagina um dedo da mão envolto num pano branco, que
revirou durante algum tempo, causando dores à menor.
17. Passados alguns momentos retirou o dedo e, verificando que o pano não continha vestígios
de sangue, repetiu o procedimento, voltando a penetrar a vagina de Esperança com o dedo
envolto no pano branco e assim lhe causando novamente dores.

18. Quando retirou o dedo, o pano vinha ensanguentado e aquela mulher voltou a penetrar a
vagina da menor com o dedo envolto noutro pano branco que também retirou com sangue,
dando assim por findo aquele teste e afirmando que Esperança era virgem.

19. Em consequência da conduta descrita, para além de dores, Esperança sofreu as seguintes
lesões: “solução de continuidade completa (atingindo o bordo himenial de inserção), de
extremidades rectas (a nível do bordo himenial livre), de bordos coaptáveis e friáveis,
infiltrados de sangue, localizada entre as 4 e as 5 horas (de acordo com o esquema do
“mostrador do relógio”), apresentando assim perda de continuidade do bordo himenial livre
sugestiva de laceração; edema do bordo himenial livre, mais exuberante entre as 5 e as 10
horas; infiltração sanguínea da parede himenial vulvar, eminentemente sob a forma petequial,
entre as 5 e as 9 horas; placas fibrinosas, esbranquiçadas, não detectáveis, observáveis a nível
dos bordos das soluções de continuidade atrás descritas e suas áreas adjacentes; mucosa
eritematosa, de aspecto erosionado, a nível da comissura posterior”.

20. Em seguida, depois de vestida por mulheres da comunidade não identificadas, foi
Esperança por elas levada para o exterior, onde foi tocada música cigana para celebrar o
momento e servida comida e bebida aos convidados, tendo o arguido António, em tom de voz
elevado, instado Esperança a dançar com o arguido Carlos que, como lhe fora dito por ambos
os arguidos, passaria a ser o seu marido, o que ela fez com receio da reacção daqueles.

21. Após, cerca da 01h00m já do dia 12 de Setembro de 2018, Esperança Alves foi levada do
acampamento onde a festa se celebrara, na mesma viatura que a tinha trazido de Vila Real,
conduzida agora pelo arguido António, enquanto o arguido Carlos assegurava a permanência
de Esperança no interior do veículo.

22. Nessas circunstâncias, deslocaram-se todos para a residência do arguido Carlos, situada no
lugar de Alcorchel, Idanha-a-Nova.

23. Ali chegados, os arguidos, em conjunto, concordaram que era a altura da consumação do
casamento, através da introdução do pénis erecto de Carlos na vagina de Esperança, e
dirigiram-se a esta a quem disseram, em tom elevado e com foros de seriedade, que se
tentasse deixar o arguido Carlos a matavam de pancada.
24. Encaminhando Esperança Alves para o quarto onde passaria a pernoitar, o arguido Carlos
despiu-se completamente e disse a Esperança, em tom sério, “vamos fazer o que deve ser
feito”, ao mesmo tempo que lhe tirou toda a roupa que aquela tinha vestida.

25. Vendo-se impossibilitada de pedir auxílio, atendendo às ameaças que lhe tinham sido
feitas pelos arguidos, Esperança Alves não ofereceu resistência às investidas do arguido Carlos.

26. Assim, o arguido Carlos deitou-a na cama e começou a beijar Esperança na boca,
acariciando-lhe as mamas e, colocando-se em cima dela, procurou penetrar o seu pénis erecto
na vagina de Esperança, encostando e fazendo pressão, altura em que Esperança começou a
chorar.

27. Afectado pelo choro de Esperança, o arguido Carlos perdeu a erecção e não conseguiu a
penetração, pelo que se levantou e se dirigiu à casa de banho.

28. Face à ausência momentânea do arguido Carlos, Esperança aproveitou para fugir, abrindo
uma pequena janela existente no quarto, ao nível térreo e com acesso às traseiras, passando
para o exterior, iludindo a vigilância que o arguido António fazia junto da porta da frente,
afastando-se do local e escondendo-se junto de uns arbustos.

29. Pelas 07.30h desse mesmo dia 12 de Setembro de 2018, os inspectores da Polícia Judiciária
organizaram operação de cerco à residência do arguido Carlos, tendo então ali encontrado
Esperança junto aos arbustos, desnuda.

30. Esperança Alves, desde as 15.30h do dia 11 de Setembro de 2018 até às 07.30h do dia 12
de Setembro de 2018, manteve-se sempre condicionada à vontade dos arguidos e ao que
estes lhe ordenavam e ao que obedecia com receio da reacção daqueles.

31. Os arguidos António e Carlos agiram em todas as descritas circunstâncias de forma


concertada, com o propósito concretizado de transportar Esperança Alves de Vila Real para
Castelo Branco e Idanha-a-Nova, contra a sua vontade, empurrando-a para dentro de veículo e
referindo que a matavam se não fizesse o que lhe ordenavam, o que Esperança entendeu
como crível, considerando todo o comportamento dos arguidos.

32. Ao impedirem Esperança Alves de regressar a casa de sua mãe, onde residia, e ao obrigá-la
a deslocar-se para o acampamento de Castelo Branco e posteriormente para Alcorchel,
Idanha-a-Nova, os arguidos agiram sempre em conjugação de esforços e de intentos, com o
propósito concretizado de obrigarem Esperança a manter contactos de natureza sexual com o
arguido Carlos, bem como obrigar a mesma Esperança a contrair casamento, com o mesmo
arguido, de acordo com os usos e costumes da etnia cigana a que pertencem, precedido da
realização do teste de virgindade nos moldes que conheciam e queriam ver realizado, bem
sabendo os arguidos que a mesma não tinha vontade de realizar o teste, celebrar aquela união
ou manter relações de cariz sexual com o arguido Carlos, tendo recorrido a ameaças contra a
vida para concretizar esse desígnio e que Esperança entendeu como credíveis e que foram
aptas a constrangê-la.

33. Os arguidos, em todas as actuações descritas e referentes a Esperança Alves, agiram


sempre em conjugação de esforços e de intentos, de forma livre voluntária e consciente, bem
sabendo que as suas relatadas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

34. O arguido António Alves foi condenado, para além do mais, no âmbito do processo nº
1234/08.4TACTB do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, por decisão transitada em
julgado em 10/10/2010, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão, pela prática de um crime de
tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, tendo
sido libertado, no termo da pena, no dia 15 de Outubro de 2015.

35. Não obstante a condenação sofrida em pena de prisão efectiva e o período de reclusão
sofrido, o arguido António mantém o propósito de praticar ilícitos criminais dolosos, não tendo
sido a condenação anterior suficiente para o afastar da criminalidade e conseguir a sua
recuperação social, denotando insensibilidade à advertência ínsita nessa condenação.

Face ao exposto praticaram os arguidos (…)

PROVA:

a) Declarações para memória futura de Esperança Alves, constantes do CD junto aos autos.

b) Pericial

- Relatório de exame de fls…

c) Documental

- Certidões de fls…

- CRC de fls…
d) Testemunhal

- Daniela Carmim, id. fls..

- Jacinto Jaime Jordão, id. fls..

- Terêncio Taira, id. fls..

ESTATUTO COACTIVO DOS ARGUIDOS

Os arguidos encontram-se sujeitos, para além do TIR, à medida de coacção de


obrigação de permanência na habitação sujeita a vigilância electrónica e em substituição da
prisão preventiva anteriormente determinada. Na acusação supra deduzida é imputado aos
arguidos a prática dos seguintes crimes: - (…). A aplicação, aos arguidos, da supra dita medida
de coacção fundamentou-se no perigo de continuação da actividade criminosa, no perigo de
fuga, e no perigo de perturbação do inquérito. De acordo com o disposto no art.212º, nº3 do
Código de Processo Penal, verificando-se a atenuação das exigências cautelares que
determinaram a aplicação de uma medida de coacção, o juiz substitui-a por outra menos
gravosa. No entanto, nada do que consta dos autos nos permite concluir que tenha ocorrido
atenuação das exigências cautelares que o caso requer, agora ainda mais evidentes pela
acusação deduzida contra os arguidos. Efectivamente, os pressupostos indicados aquando da
aplicação e revisão da medida de coacção mantêm-se inalterados, subsistindo todos os perigos
que determinaram a aplicação da medida de coacção a que os arguidos foram sujeitos,
verificando-se, ainda, o perigo de perturbação da instrução caso esta venha a ser requerida,
nomeadamente para a conservação e veracidade da prova. Pelo exposto, consideramos que os
arguidos deverão manter-se sujeitos à medida de coacção a que estão obrigados – obrigação
de permanência na habitação, com vigilância electrónica – sendo esta adequada às exigências
cautelares que o caso concreto requer e proporcionais à gravidade dos crimes e à sanção que
previsivelmente lhes virá a ser aplicada, sendo inadequadas e insuficientes as demais medidas
de coacção – art.s191º, 193º, 196º, 201º e 204 al.s a), b), e c) todos do Código de Processo
Penal.

Remeta, de imediato, os autos à Mmª Juiz de Instrução, atento o disposto no art.213º,


nº1, al.b) do Código de Processo Penal.

*
COMUNICAÇÕES E NOTIFICAÇÕES LEGAIS

Tenha-se em consideração (…)

Informe o arguido Carlos de que fica obrigado, caso seja condenado, a pagar os
honorários do defensor oficioso, salvo se lhes for concedido apoio judiciário, e que pode
proceder à substituição do defensor nomeado mediante a constituição de advogado - art. 64º
nº 4, do Código Processo Penal.

O arguido António constituiu mandatário.

Cumpra o disposto no nº 3 do art. 277º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi


art. 283º, nºs 5 e 6, do mesmo diploma legal.

Comunique superiormente, através de SIMP, o presente despacho.

Castelo Branco, 18 de Novembro de 2018

(Processado a computador e revisto pela signatária – art. 94º, nº 2, do Código de Processo


Penal)

A Procuradora-Adjunta, Ana Anes


CONTESTAÇÃO

Gualter Goraz

- Advogado -

Rua do Santo Patrocínio, 2

Castelo Branco

Proc. n.º……………….

Exmo. Senhor

Juiz de Direito do Tribunal Judicial de


Castelo Branco

António Alberto Alves, arguido no processo à margem identificado, vem juntar a sua
contestação, o que faz nos termos e com os fundamentos que seguem:

1.) A acusação formulada é completamente destituída de fundamento, revelando um profundo


desconhecimento do que efectivamente sucedeu e do contexto a atender no entorno da cultura rom
(que com preconceito designa de cigana) na interpretação da realidade dos factos.

2.) Como se refere na acusação o contestante é de etnia cigana (para usar a mesma
designação), aliás com orgulho, assim como o são todos os intervenientes na estória expressa na peça
que se contesta.

3.) A denominada “lei cigana”, no enfoque da vida real e da sociologia do Direito, é a


materialização do pluralismo normativo que enforma a multiculturalidade existente na sociedade,
consistindo num conjunto de postulados com foro próprio que coexiste com a positiva do Estado mas
que vincula os elementos da etnia, garantindo a sua identidade e riqueza cultural, não permitindo aos
seus membros distinguir, claramente, as normas jurídicas das tradições e costumes, sendo as suas
determinações - ainda que consuetudinárias e não escritas - encaradas pelos seus membros como
imperativas.
4.) Assim e quando se fala em “casamento cigano”, os ritos e idiossincrasias da cerimónia são
vistos pelo grupo como forma preservação da identidade cultural, constitucionalmente protegida e
incentivada (v.g. art.º 41º CRP), exercendo as normas legais que civilmente regulam o instituto do
casamento escassa ou nenhuma influência na comunidade.

5.) Foi neste contexto que o contestante agiu e se é verdade que as jovens ciganas são
preparadas para chegar ao altar cedo, entre os 16 e os 17 anos e virgens, não é menos verdade que só
casam com quem querem, sendo falso que exista qualquer subalternização ou obnubilação do papel da
mulher e da autonomia da sua vontade na escolha de um parceiro para a vida.

6.) Esperança Alves tem idade nupcial, face à lei portuguesa, e se pretendesse contrair
casamento civil apenas se poderia equacionar a existência de impedimento impediente, traduzido na
falta de autorização parental.

7.) No entanto, o contestante, não inibido das suas responsabilidades parentais, autorizou a
união, querida pela própria “nubente”, que sempre sonhou com o seu prometido.

8.) Sendo que a dita autorização, pretensamente em falta, apenas seria relevante para o
casamento civil - que nunca ocorreu - e não para o casamento cigano, sendo igualmente irrelevante
para o equivalente próximo da lei portuguesa, a união de facto, dado que à data em que viesse a ser
reconhecida já a ofendida seria maior.

9.) E nos autos nem se verifica uma situação de união de facto, pois inexiste qualquer
comunhão de vida expressa em tempo útil de vivência comum, sendo fantasioso falar-se em casamento
ou união, defluindo na atipicidade a singela festa que efectivamente ocorreu.

10.) Quanto ao dito “teste de virgindade”, refira-se que a família é o valor mais preservado na
sociedade cigana e o pudor, a pureza, a castidade da mulher, são de enorme importância para a
preservação da honra e respeitabilidade do núcleo familiar em que a noiva se insere, sendo o teste
encarado por esta como uma cerimónia natural, íntima e bonita.

11.) Como tal, aquela cerimónia de comprovação é vista pela própria ofendida com
naturalidade e é por si querida, no sentido da demonstração da sua virtude e da honorabilidade da
família em que se insere, é realizada na intimidade e com reserva do pudor (por pessoa distinta dos
arguidos), sendo estranha qualquer conotação de natureza sexual.
12.) No que concerne à referida “consumação do casamento”, através de relações de natureza
sexual, também aqui o consentimento da ofendida, autonomizada pelo casamento, ocorreu, sendo que
o co-arguido Carlos não as consumou, desistindo dos seus intentos.

13.) Em resumo:

- A viagem de Vila Real para Castelo Branco e, daí, para a zona de Idanha-a-Nova foi querida
pela ofendida Esperança, que voluntariamente acompanhou o seu pai e aqui contestante;
- A cerimónia que se iniciou visava, na tradição do casamento endogâmico, preservar as
tradições do grupo e a cultura ancestral dos ciganos, sendo modo de celebrar a preservar a sua
identidade de grupo e representou, no caso concreto, a concretização da vontade de todos, incluindo da
ofendida Esperança e com autorização do contestante, não inibido das suas responsabilidades
parentais;
- O indicado teste de virgindade é, na verdade, encarado como uma cerimónia cuja origem se
perde na névoa dos tempos, é vista, com naturalidade, pela ofendida que, assim, confirma perante o
grupo a sua pureza e a honra da família a que pertence e realizada por terceira pessoa a quem nada foi
imputado, sendo de todo estranha à cerimónia qualquer conotação sexual;
- A noite de núpcias, mais uma vez, é a consumação do amor dos prometidos e à qual o
contestante é estranho, sendo que, ao que se refere, não houve essa mesma consumação face à
desistência do arguido Carlos, conforme resulta da própria contestação;
- O casamento, ainda assim, não se concretizou, ficando-se pela festa que prosseguiria no dia
seguinte, com a exibição do pano aos convidados.
- Em tudo agiu o contestante de acordo com os usos e os costumes da sua etnia, que
inelutavelmente o vinculam, com respeito pela autonomia e vontade da ofendida Esperança, sua filha,
sem qualquer consciência das infracções criminais que lhe imputam, pelo que sempre agiria em erro.

Termos em que, sem mais considerandos, deve a Acusação ser dada como não provada,
absolvendo-se o arguido conforme é de sã e inteira Justiça.

Prova:
Testemunhal
- Joaquim Freio, casado, sociólogo, com domicílio profissional na instituição “Aquele Abraço –
Inclusão e Apoio Social, IPSS”, com sede no Largo da Concórdia, 23, Castelo Branco.

O Advogado com procuração nos autos,

Gualter Goraz
RESUMO DA PROVA
PRODUZIDA E
EXAMINADA EM EM
AUDIÊNCIA
Elementos de prova:

Declarações

1)

- O arguido António, em sede de audiência de julgamento, recusou prestar


declarações sobre os factos.

- Referiu as suas condições pessoais afirmando que vive com a sua mãe, em casa
desta.

- Quando em liberdade trabalhava como cesteiro, fazendo trabalhos em vime e


vendendo o produto do seu trabalho em feiras e mercados.

- Presentemente e por causa da medida de coação aplicada está impedido de se


ausentar do domicílio, sendo auxiliado pela mãe, que ainda vende vestuário em
feiras.

- Em casa vive igualmente uma sobrinha sua que é beneficiária do rendimento


social de inserção.

- Tem, como habilitações literárias, a 3ª Classe.


2)

- O arguido Carlos, em sede de audiência de julgamento, declarou que confessava


integralmente e sem reservas todos os factos constantes da acusação e que o
fazia de livre vontade e fora de qualquer coação.

- Vivia com o pai, a mãe e os irmãos, em casa atribuída pelo Município e pela qual
pagavam €30 de renda.

- Dedicava-se à venda ambulante em feiras e mercados, sendo que eram titulares


de um espaço reservado no mercado de Idanha-a-Nova.

- Tem, como habilitações literárias, o 8.º ano de escolaridade.

3)

- A ofendida Esperança prestou declarações para memória futura e a respetiva


gravação foi reproduzida em audiência, relatando os factos de acordo com o que
consta no articulado na acusação, referindo - em síntese – que:

- abandonou a casa onde vivia com o pai (o arguido António), mas, em


Setembro de 2017, decidiu passar a viver com a mãe, na cidade de Vila Real
(cidade para onde esta fora viver cerca de 6 meses antes, dados os constantes
desentendimentos que tinha com o companheiro).

- A mudança ficou a dever-se ao facto do pai ser bastante “controlador” e


cioso dos costumes da etnia, proibindo a depoente de sair com amigos,
especialmente se fossem do sexo masculino, assim como insistia em que casasse
com o arguido Carlos, a quem fora “prometida”, o que a angustiava sobremaneira
já que não gostava dele.

- Queria ser mais independente e retomar os estudos, o que o seu pai


desaprovava, razão pela qual decidiu passar a viver com a mãe.
- Esta decisão desagradou ao pai que, por três ou quatro vezes já tinha ido
a Vila Real, na companhia de outros elementos do clã, procurar convencer a
depoente a regressar a Castelo Branco.

- Nessas ocasiões também ficavam a observar os seus passos e os do


namorado, por vezes colocando-se em frente ao Centro de Formação Profissional
que a depoente passara a frequentar.

- Combinou com o pai um almoço, sugerido por este com o pretexto de se


tratar do aniversário da depoente e que no dia a que se reportam os autos, por
volta da hora do almoço, encontrou-se com ele e foram almoçar.

- No regresso a casa da mãe e quando já estava prestes a chegar, foi


surpreendida pela chegada de um carro, conduzido pelo Carlos e que travou
bruscamente junto de si. Nisto o progenitor mudou radicalmente de semblante,
tornando-se brusco e agressivo, agarrando-a, ajudado pelo Carlos, ato contínuo
empurrando-a para o interior do veículo e dizendo ambos que a matavam, o que a
assustou de sobremaneira.

- Durante o trajeto tentou, em vão, contactar a mãe e o namorado, para


relatar o sucedido e pedir socorro, mas não conseguiu completar as ligações ou
atender o telemóvel porque os arguidos não deixaram, acabando por retirar-lhe o
aparelho.

- Sabia que algo de mau iria suceder, irrompendo em choro, o que não
demoveu os arguidos que nunca acederam aos seus pedidos para que a levassem
de volta à mãe.

- Quando chegaram ao acampamento à entrada de Castelo Branco


apercebeu-se logo – até porque já tinha estado noutras festas do género – que
tudo “estava montado” para os festejos de uma boda, que logo se apercebeu que
seria a sua.
- Foi-lhe ordenado que entrasse para uma tenda e o pai gritou-lhe que era
altura de comprovar que era honrada ou se já era da “laia” da sua mãe, com “as
liberdades e os namoros”.

- A depoente fincou os pés no chão e recusou-se, até porque sabia o que


iria suceder, mas o pai e o “futuro marido” disseram-lhe logo, com má cara, que
nem pensasse em recusar e que iria casar com o Carlos, a bem ou a mal.

- Ficou em pânico e não teve forças para resistir. As mulheres que ali
estavam, que não consegue identificar, levaram-na para tenda e, a mais velha, fez
aquele teste do lenço.

- Sentiu muita vergonha, muitas dores.

- Teve que despir-se e sentiu que lhe enfiavam coisas na vagina que a
magoavam muito.

- Só lhe apeteceu morrer, tanta era a vergonha e o medo.

- Era virgem e queria que a sua primeira vez fosse diferente, com um
homem que amasse verdadeiramente. Todo este sonho ficou destruído.

- Depois disto foi a festa do casamento e o desespero de a considerarem - e


esperarem que ela assim o considerasse também - ser a mulher do Carlos.

- Foi ainda levada à força para a zona de Idanha onde o Carlos tentou fazer
amor consigo (“Era como se estivesse morta. Eles obrigaram-me e eu não tive
como resistir. Estava em choque. Como se aquele corpo já não fosse o meu”).

- Foi despida pelo Carlos que tinha o “coiso dele duro e eu sabia o que ele
queria fazer. Eu não queria e ia fazendo força para manter as pernas juntas. O
Carlos beijou-me mas eu não tinha sentimento. Ele apalpou-me toda. Vi-me
perdida e chorei. Chorei muito. Ele, então, ficou atrapalhado e percebi que já não
sentia a pressão do pénis para entrar. Saiu da cama e foi para a casa de banho a
correr. Eu aproveitei e fugi, toda nua. Fui por uma janela e escondi-me até ser
salva pelos senhores da polícia”).

4)

- A testemunha Daniela Carmim, mãe de Esperança e que pretendeu prestar


declarações referiu que:

- procurou autonomizar-se e foi viver para Vila Real, onde tinha uma tia que
lhe deu apoio;

- a sua filha, uns meses depois, foi ter consigo;

- no dia a que se reportam os autos Esperança foi almoçar com o pai, o que
mereceu a concordância da testemunha (“Afinal é pai dela e a miúda fazia anos”);

- mais tarde estranhou a demora e começou a receber chamadas de


telemóvel provindas do número da filha mas ela não falava;

- ligou de volta e a filha não atendia;

- ficou então muito preocupada e viu logo que se passava algo de errado;

- o arguido António falava muitas vezes com a testemunha por telefone,


culpando a depoente pela educação da filha, que apelidava de libertina e que se
dava com “gadjós”;

- afirmava que havia de “endireitá-la” e que um dia a levava de volta, nem


que fosse à força, pois estava “prometida” em casamento ao Carlos e já estava a
“passar da idade”;

- pensando que algo do género pudesse ter sucedido e com a certeza de


que a filha estaria retida contra a sua vontade procurou a ajuda da polícia.
5)

- A testemunha Jacinto é Inspetor da Polícia Judiciária e, no dia a que se reportam


os factos, foi-lhe pedido que fosse ao acampamento face a uma denúncia de
desaparecimento de uma menor que ali estaria retida contra a vontade.

- Averiguaram que já estaria na zona de Idanha pelo que se deslocaram à


residência do Carlos, mas foram alertados por choro num arbustos junto dessa
residência, vindo a encontrar a Esperança a chorar e a tremer, completamente
nua.

6)

- A testemunha Terêncio é Inspetor da Polícia Judiciária e acompanhou a


testemunha Jacinto, depondo nos mesmos termos deste.

7)

- A testemunha Joaquim, arrolada pela defesa, afirmou que é sociólogo e trabalha


numa instituição que apoia populações desfavorecidas, no caso e nos últimos 5
anos, junto das comunidades ciganas que vivem a norte de Castelo Branco e na
zona de Idanha-a-Nova.

- Nessa sua atividade conheceu os arguidos.

- Em seu entender são indivíduos educados segundo os costumes da sua etnia,


apreendidas desde cedo através do processo de socialização, com uma perspetiva
heterodoxa e não permeável à mudança, encarando a tradição como a única forma
de preservar a sua identidade cultural.
- Desconhecem a generalidade das leis da República, pelo menos na parte em
que as mesmas possam estatuir e postular ações ou entendimentos contrários à lei
que seguem - a da sua etnia - à qual se sentem vinculados.

- O desrespeito das tradições, designadamente no que tange à cerimónia do


casamento, seria por eles encarada como uma desonra e um fator de risco de
exclusão e ostracização pelos restantes elementos do grupo.

Perícia

8)

Relatório de exame pericial médico-legal elaborado pelo INMLCF, referente à


ofendida Esperança Alves, do mesmo constando descritas as lesões mencionadas
na acusação.

Documentos

9) Certidão do Acórdão proferido no Proc. n.º 1234/08.4TACTB, do


respetivo mandado de detenção e mandado de libertação, contendo os elementos
referidos em 34. da acusação.

10) Certidão do assento de nascimento de Esperança Alves, contendo os


elementos referidos em 1. da acusação.

11) Relatórios Sociais elaborados pela DGRSP e referentes aos arguidos


António e Carlos, deles constando:
- no atinente ao arguido António, que o mesmo não quis colaborar na
sua realização, tendo o técnico subscritor apurado que, após a saída da prisão, o
arguido se inscreveu no Centro de Emprego da sua área de residência mas não
compareceu às duas entrevistas agendadas;

- no atinente ao arguido Carlos, o mesmo referido aquando da sua


audição em julgamento a propósito das condições pessoais.

12) Certificado de Registo Criminal de António Alberto Alves do qual


constam as seguintes inscrições:

a) Por acórdão de 2010.09.04, proferido nos autos de PCC n.º


1234/08.4TACTB, do 2º Juízo do T. J. de Castelo Branco, transitado em julgado
em 2010.10.10, foi o arguido condenado na pena de 4 anos e 9 meses de prisão
pela prática, em 2010, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º
21º do DL n.º 15/93, de 22.01;

b) Por decisão de 2015.11.02, foi a pena referida em a) julgada


extinta pelo cumprimento.

13) Certificado de Registo Criminal de Carlos Castro Barcouço onde se


refere “nada consta”.
PROVA ESCRITA

DE

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

VIA PROFISSIONAL

– GRELHA DE CORRECÇÃO –

35.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

Elaboração do Acórdão (20 valores)

1. Relatório e saneamento - (0,5 valores)


- referência à acusação do MP e forma do processo comum colectivo
- identificação dos arguidos
- menção aos crimes imputados aos arguidos, reincidência e pena acessória de acordo com
os factos constantes da acusação (mera indicação dos tipos legais e disposições aplicáveis
porque considerados em substância na fundamentação)
- referência à contestação do arguido António e síntese da argumentação
- inexistência de contestação do arguido Carlos
- inexistência de questões prévias e nulidades
- referência à realização de julgamento com observância do formalismo legal

2. Fundamentação

2.1. Factos provados/não provados e respectiva motivação (2 valores)

1
Tem-se por correta a resposta que dê por provados os factos constantes da acusação e
cuja fundamentação não se limite a uma mera enumeração generalista dos documentos e
depoimento testemunhal, mas reflita uma análise criteriosa e conjugada da prova
indicada. Referência aos factos provados/não provados da contestação do arguido
António e que não sejam a mera negação de factos dados como provados na sua
formulação positiva ou que sejam conclusivos.
Factos P/NP Doc./autos Test./Dec.
2.1.1 Acusação –
1 P 10
2 a 18, 20 a 27 e 30 a P Confissão C
33 Esperança (3)
Daniela (4)
19 P 8 Esperança (3)
28, 29 P Esperança (3)
Jacinto (5)
Terêncio (6)
34 e 35 P 9, 11 e 12

2.1.2 Contestação
7 NP Confissão C
Esperança (3)
11 NP Confissão C
Esperança (3)
12 NP Confissão C
Esperança (3)
2.1.3 Condições
pessoais e
antecedentes (a
acrescentar)
P CRC (12 e 13) Dec. Arguidos
Relatórios sociais(11)

2.2. Enquadramento jurídico-penal (8 valores)

2
Fundamentação concreta da subsunção dos factos dados como provados aos tipos de
ilícitos em causa, os quais devem ser corretamente identificados

2.2.1. – factos relativos ao transporte de Esperança (1 valor)

A e C - crime de rapto, em co-autoria - art.s 14º, n.º 1, 26º e 161º, n.º 1, al. b) do
Cód. Penal

2.2.2. - factos relativos ao “teste de virgindade” (2,5 valores)

A e C – crime de violação agravado, em co-autoria - art.s 14º, n.º 1, 26º, 28º, n.º 1,
164º, n.º 1, al. b) e 177º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal [art.º 177º n.º 4]
Embora se defenda que o “teste de virgindade” é, efectivamente, violação,
poderá o candidato defender, com argumentos válidos, que se trata de ofensa à
integridade física qualificada, p. e p. pelos art.ºs 14º, n.º 1, 26º, 28º, n.º 1 e 145º, n.º 1, al.
a) e 2, com referência ao art.º 132º, n.º 2, als. a), e) e f)

2.2.3. - factos relativos à união e festa (2,5 valores)

A e C – crime de casamento forçado em co-autoria - 14º, n.º 1, 26º e 154º-B do


Cód. Penal

2.2.4. - factos relativos “à noite de núpcias” (2 valores)

A e C - crime de violação agravada na forma tentada, em co-autoria, punível como


coacção sexual consumada em consumpção impura – art.sº 14º, n.º 1, 22º, n.ºs 1 e 2, 28º, n.º 1,
164º, n.º 1, al. a), 163º, n.º 1 e 177º, n.º 1, al. a), todos do Cód. Penal [art.º 177º n.º 4]

considerando:
- referência aos bens jurídicos protegidos para cada tipo
- referência aos elementos objectivos para cada tipo

3
- forma de (com)participação

- referência aos elementos subjectivos para cada tipo

- subsunção fáctico-jurídica concretizada

- discussão da existência de reincidência do co-arguido António

- possibilidade/adequação da condenação do co-arguido António em pena acessória

- consideração e afastamento dos argumentos da defesa (não existência de “casamento”,


desistência na violação/coacção sexual e erro sobre a ilicitude)

2.3. Escolha e determinação da medida concreta da pena (7 valores)

Determinação sucinta da pena parcelar a aplicar por cada um dos crimes cometidos e da
pena única adequada

a) Descrição dos fatos concretos que integram os critérios constantes dos artigos
40º, 70º e 71º, nº 2 do CP, considerando também os CRC e RS;
b) determinação concreta de cada uma das penas individuais;
c) correcção na aplicação do instituto reincidência no caso de ser adequável ao
co-arguido António e respetivo cálculo das penas – art. 75º e 76º do CP;
d) correção da elaboração do cúmulo jurídico – art. 77º do CP;
e) aplicação da pena acessória de inibição das responsabilidades parentais – art.
69º-C n.º 3 do Cód. Penal.

3. Decisão – art. 374, nº 3, do Cód. Proc. Penal (1,5 valores)

- condenação de A e C nas penas singulares, acessória e em cúmulo jurídico com indicação


das disposições legais;
- condenação em custas de A e C;
- recolha de amostras de ADN (art.º 8º n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12.02);
- apreciação do estatuto coactivo (art.º 213º n.º 1 al. b) do Cód. Proc. Civil)

4
4. Estrutura lógico-formal do Acórdão, poder de síntese e clareza evidenciada na
argumentação, bem como a rigor patenteado na linguagem técnico-jurídica: (1 valor)

v.g. relatório – enunciação dos factos provados e não provados – fundamentação de facto
e de Direito – escolha e determinação da medida da pena – decisão

Obs. Face a alguns dos crimes cometidos e à idade da vítima, a mesma é especialmente
vulnerável. Assim sendo, haveria sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do CPP,
excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser – artigo 16/2 do Estatuto da
Vítima. No entanto estaria esse arbitramento sujeito a contraditório, elementos que o enunciado
não refere. Em qualquer caso e caso algum candidato fixe indemnização deverá ser valorado
positivamente.

5
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
Via Profissional

35.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 19401/2018 , PUBLICADO NO


DIÁRIO DA REPÚBLICA, 2.ª SÉRIE, N.º 251/ 2018, DE 31 DE
DEZEMBRO DE 2018

DATA: 28 DE FEV EREI RO DE 2019

2.ª CHAMADA

HORA: 14H 15M (DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ARTIGO 12.º DO


REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, O TEMPO DE
DURAÇÃO DA PROVA INICIA -SE DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA

DESIGNADA)

DURAÇÃO DA PROVA: 4 HORAS


PROVA ESCRITA DE
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
Via Profissional – 2.ª Chamada – 28 de fevereiro de 2019

1 - A presente prova consiste na elaboração de um Despacho de


Encerramento do Inquérito a ser proferido nos Autos de Inquérito com o NUIPC
111/17.0PSLSB, devendo ser apreciadas todas as questões suscitadas até ao final
dessa fase processual ou que sejam de conhecimento oficioso.

2 - Apesar de a prova consistir na elaboração de um Despacho de


Encerramento de Inquérito, não poderá conter qualquer assinatura, ainda que
fictícia, pelo que, no final da peça, as/os candidatas/os só deverão escrever as
palavras seguintes:
“Data”
“Assinatura”.

3 - Cotação: 20 valores
I - A Cotação do Despacho a elaborar distribui-se da seguinte forma:
 Tomada de posição sobre a nulidade invocada por um dos arguidos -
2,5 valores
 Outras questões prévias - 2 valores
 Descrição fáctico-jurídica - 6,2 valores
 Qualificação jurídica - 5 valores
 Prova e comunicações - 1,8 valores

II – Organização do discurso técnico-jurídico e linguagem utilizada – 2,5


valores.

4 - A atribuição da cotação máxima nesta prova pressupõe uma apreciação


completa das várias questões que se suscitam até ao final do Inquérito, ou de
conhecimento oficioso, de facto e/ou de Direito, que deverá ser coerente e
corretamente fundamentado com indicação dos preceitos legais aplicáveis.
5 - Na apreciação da prova relevarão, nomeadamente, a pertinência do
conteúdo, a qualidade da informação transmitida, a organização e qualidade da
exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o domínio da língua
portuguesa.

6 - Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um,


até um máximo de 3 valores, para o total da prova (Ponto 6.3.1 do Aviso n.º 19401,
publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 251, de 31 de dezembro).

7 - As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a


grafia do "Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa" (aprovado pela Resolução da
Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-
lo expressamente no quadro "Observações" da folha de rosto que lhes será
entregue, escrevendo "Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela
Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 não está em vigor com carácter
de obrigatoriedade", sendo a prova corrigida nesse pressuposto.

9 - As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer


elemento identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do
destacável da folha de rosto), sob pena de anulação da prova.
ELEMENTOS RELEVANTES PARA O(S) DESPACHO(S) A ELABORAR

Considere os seguintes elementos com relevo no decurso do Inquérito do Processo com o


NUIPC nº 111/17.0PSLSB:

1) A fls. 1-3 encontra-se o Auto de Notícia, datado de 11 de janeiro de 2017, subscrito por ZZZ,
devidamente identificado, do qual consta, para o que releva:

“Hoje, dia 11 de janeiro de 2017, pelas 16h 30m, fui chamado ao local da ocorrência, sito na
Rua da Infelicidade, nº 1, 1º andar, Esq., nesta cidade de Lisboa, e aí fui contactado pelo
médico António Abrantes que me disse que a porteira lhe indicou a entrada na residência e
que, uma vez lá, constatou que a vítima Belinda Bártolo já se encontrava sem vida, conforme a
ficha CODU nº 1-1, que se junta.

Mais informou que a tripulação da ambulância Lisboa 1, ao deparar-se com a situação, ainda
iniciou manobras de suporte básico de vida, mas sem sucesso.

Dirigi-me para junto do cadáver e constatei que o mesmo se encontrava em decúbito dorsal no
hall da residência.

Analisado o local, constatei que havia vestígios de luta, pois verifiquei que os óculos da vítima
estavam partidos ao lado da mesma e que a vítima apresentava uma escoriação no lábio
inferior.

Na fração da porteira do prédio encontrava-se uma outra vítima, Custódia Carmo, a qual
apresentava várias escoriações na face e a receber assistência médica por parte do INEM.

Indagada, a vítima Custódia Carmo, moradora no 1º andar Drt., disse que chegou a casa por
volta das 16h e, alguns minutos depois, dirigiu-se para casa da sua amiga Belinda Bártolo, o
que fez abrindo a porta de entrada com uma chave que tem na sua posse e que a vítima
Belinda lhe tinha entregue para entrar livremente na casa dela, sem necessidade de tocar à
campainha para o efeito, e assim obrigá-la a levantar-se, já que se movia com dificuldade.
Então, logo que abriu a porta viu a amiga Belinda prostrada no chão e de imediato foi
surpreendida por um indivíduo de cara tapada e com luvas que, ato contínuo, a puxou, lhe deu
na cabeça com uma caixa preta que trazia nas mãos e a agrediu com socos e pontapés,
deixando-a inconsciente.

Quando voltou a si, reparou que a sua amiga ainda se encontrava prostrada no solo,
aparentemente inconsciente, e aterrorizada fugiu para a sua casa para pedir auxílio. Pensa que
quando voltou a ter consciência já estariam sozinhas, pois não viu mais ninguém, nem sentiu
barulho. Mal entrou em sua casa, ligou para a portaria e gritou por socorro, tendo a Deolinda
Dâmaso, a porteira, aparecido alguns momentos depois e chamado o INEM e a Polícia.

Deixo registado que tanto a porta principal como a porta de serviço não apresentavam
quaisquer sinais de arrombamento e a casa quaisquer sinais de desarrumação que levassem a
crer ter o meliante andado à procura de bens de valor.

De toda a situação descrita foi dado conhecimento à Polícia Judiciária e à senhora Procuradora
de turno.”

2) A fls. 10 consta o Relato de diligência externa efetuada em 12 de janeiro de 2017, subscrito


por ZZZ, do qual consta para o que ora releva:

Dando continuidade às diligências tendentes ao apuramento dos factos em investigação,


desloquei-me à Rua da Infelicidade com vista a aí recolher imagens de videovigilância no Hotel
OLHOVIVO, existente no nº 2 dessa mesma rua.

Foram facultadas as imagens respeitantes ao período das 15h 30m às 16h 45m do dia 11 de
janeiro de 2017.

3) A fls. 25-30 consta o Auto de Visionamento das Imagens, datado de 13 de janeiro de 2017,
subscrito por ZZZ, recolhidas na Diligência Externa efetuada em 12 de janeiro de 2017, junto
do Hotel OLHOVIVO, do qual constam:

- Vários fotogramas dos quais se extrai que, na referida Rua da Infelicidade, junto ao nº 1 (local
onde ocorreu o crime), às 15h 56m, caminhavam dois indivíduos de estatura média, trajando
de escuro, com o carapuço do casaco enfiado na cabeça, usando aparentemente calças de
ganga de cor azul e ténis brancos, caucasianos, sendo que um transportava uma mochila às
costas. Entraram ambos no referido prédio com o nº 1, sendo que às 16h 00m, um deles
voltou a sair e permaneceu junto à porta de entrada, no passeio. O indivíduo permaneceu de
costas para a porta do prédio e a certa altura agarrou no telemóvel, que colocou junto ao
ouvido. Aparentava estar vigilante, olhando quer para a direita, quer para a esquerda. Às 16h
13m, saiu pela referida porta de entrada o segundo indivíduo com uma mochila às costas e
ambos abandonaram o local, caminhando apressadamente pela Rua da Infelicidade até ao
cruzamento com a Rua do Desespero, por onde seguiram.

(NOTA: deverá considerar que a qualidade das imagens é baixa, não sendo possível, através
delas, identificar o rosto dos indivíduos que nelas ficaram registadas; identifica-se
razoavelmente a estatura, que são caucasianos, e as roupas que os intervenientes trazem
vestidas)

4) A fls. 35 encontra-se o Auto de Apreensão do DVD, datado de 13 de janeiro de 2017,


contendo as imagens constantes do Auto de Visionamento de fls. 25-30.

5) A fls. 40-42, o Auto de Inquirição de Ernesto Bártolo Esteves, filho de Belinda Bártolo e
Filomeno Esteves, e morador na Rua dos Descendentes, nº 2, 2º andar Frente, Lisboa, datado
de 20 de janeiro de 2017, do qual consta, para o que releva:

A sua mãe morava sozinha desde o falecimento do pai, há cerca de 15 anos. Naquele dia 11 de
janeiro recebeu uma chamada telefónica da porteira do prédio da mãe, Deolinda Dâmaso,
muito aflita, por volta das 19h, talvez, não sabe ao certo, dizendo-lhe que viesse depressa para
casa da mãe porque tinha acontecido uma desgraça. A Deolinda estava muito perturbada e
apenas dizia que era uma desgraça e que a mãe tinha falecido. Nesse dia estava em Paris,
numa reunião de trabalho, e só pôde regressar na madrugada do dia seguinte porque já não
conseguiu voo para essa noite. Inquirido disse que a mãe era pessoa para abrir a porta quando
tocavam à campainha, bastando dizer que era da água ou da luz, ou qualquer coisa desse
género. Perguntado, disse que, do que se apercebeu até ao momento, falta na casa de sua
mãe um cofre de cor preta que esta guardava na sua cómoda, no interior do qual tinha um fio
grosso em ouro antigo, que estima deveria pelo menos valer cinco mil euros, um anel de
noivado com um diamante cujo valor estima possa ascender a dez mil euros e ainda um relógio
de marca Cartier, modelo balon bleu, que novo custa hoje pelo menos cinco mil euros. Estava
tudo dentro do cofre que desapareceu. Não deu por falta de mais nada e a mãe não
costumava ter muito dinheiro em casa.

6) A fls. 50-52 encontra-se o Auto de Inquirição da testemunha Deolinda Dâmaso, datado de


25 de janeiro de 2017, residente na Rua da Infelicidade, Rés-do-chão Dt., Lisboa, constando
dele, para o que ora releva:

Disse há mais de 20 anos que é a porteira do prédio da Rua da Infelicidade, nº 1, e que naquele
dia 11 de Janeiro de 2017, por volta das 15h e 30m, foi fazer uma pequena sesta porque estava
com dor de cabeça e a essa hora não costuma ser chamada pelos moradores do prédio. O seu
horário é das 8h às 14h e das 17 h às 19h mas, se a chamarem em outra qualquer hora, está
sempre disponível para ajudar no que for preciso.

No 1º andar Esq. vivia a Srª D. Belinda Bártolo, viúva há uns 15 ou mais anos, não sabe
exatamente, e que tem um filho já casado que mora também em Lisboa, mas viaja muito pelo
estrangeiro em trabalho.

E no 1º andar Dt. vive a Sra. D. Custódia Carmo.

São muito amigas há muitos anos e sabe que até têm a chave da casa uma da outra. Disse
também possuir as chaves dos 1º andares dt. e esq. que lhe foram entregues pelas
proprietárias para o que fosse preciso.

Estava a dormitar quando o seu telemóvel tocou. Era a D. Custódia Carmo que, aflita, lhe pedia
ajuda, gritando “acuda-me, acuda-me”. Saiu da cama assustada e subiu de imediato ao 1º
andar pelas escadas. A porta da casa da D. Custódia estava aberta e ela estava logo no hall de
entrada, sentada no chão, com sangue na cara, toda despenteada e com a cara já inchada,
com o telemóvel na mão, e só dizia acudam-me, acudam-me, acudam a Belinda. Então ela viu
que a porta do 1º andar esq. estava aberta e, desnorteada com tudo aquilo, entrou no hall e
viu que estava a Sra. D. Belinda caída no chão, com os óculos partidos também no chão,
inconsciente. Não sabia se estaria morta, mas não tocou nela. Voltou de imediato para junto
da D. Custódia, pegou no telemóvel que ela tinha na mão e ligou para o 112 e para a Polícia.
Não saiu mais de ao pé da D. Custódia porque ela estava em estado de choque e teve medo
que lhe acontecesse alguma coisa.
Perguntada, disse que a falecida Belinda era uma senhora muito pacata, não lhe conhecia
inimigos, muito reservada, muito sua amiga, que não faz ideia de quem poderia ter feito uma
coisa daquelas.

Mais disse desconhecer se a D. Belinda tinha dinheiro em casa ou coisas de valor, pois ela
nunca lhe falou disso e pelo menos à vista não lhe conheceu nada que chamasse a atenção,
quer na sua pessoa, quer exposto em casa.

Não sabe se naquele dia ali foi alguém contar a água, luz ou gás durante o tempo em que se
retirou, na hora do seu descanso.

Enquanto esteve ao serviço, ninguém apareceu para esse efeito ou para qualquer outro. Foi
um dia normal, sem visitas aos moradores.

E mais não disse.

7) A fls. 60-62 encontra-se o Relatório de Urgência dos cuidados médicos prestados a Custódia
Carmo, do qual constam os seguintes registos relativos ao dia 11 de janeiro de 2017, para o
que ora releva:

Fluxograma – agressão

Queixa – vítima de agressão da qual resultou traumatismo craniano e torácico, facial, cervical e
TCE com PC

VMER no local

Discriminador – história de perda de consciência

Sinais vitais –

Dor – 7 (0-10) -

(...)

História da doença atual: TC CE e maxilofacial (Urg)

Informação clínica: Trauma AAS

Trazida ao SUC após ter sido vítima de agressão com traumatismo craneo-facial (murros e
pontapés) com perda de conhecimento. Concomitantemente refere traumatismo torácico no
hemicorpo esquerdo, queixando-se de dor localizada à grelha costal esquerda cuja intensidade
agrava com inspiração profunda. Sem disneia nem sinais de dificuldade respiratória
(...)

Admissão em 11 de janeiro de 2017, pelas 17h 28m, por agressão da qual resultou hematoma
epicraniano temporo-parietal direito, hemorragia subconjuntival à esquerda, vários
hematomas na região cervical anterior, equimoses no cotovelo, mão esquerda e dor referida à
grelha costal esquerda. Sem fraturas em imagiologia.

(...)

Alta para saída com parecer médico favorável.

8) A fls. 70-72 encontra-se o exame médico-legal efetuado a Custódia Carmo, do qual consta,
para o que ora releva:

(...)

Discussão

1- Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o


dano.

2 – A cura das lesões é fixável em 18-01-2017 tendo em conta o tipo de lesões resultantes

CONCLUSÕES:

A data da cura das lesões é fixável em 18-01-2017

As lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza contundente o que é


compatível com a informação

Tais lesões determinarão, em condições normais, 7 dias para a cura com afetação da
capacidade de trabalho geral (7 dias) e com afetação da capacidade de trabalho profissional (7
dias)

Do evento não resultarão, em condições normais, quaisquer consequências permanentes.

9) A fls. 80-82 encontra-se o Auto de Inquirição da testemunha Custódia Carmo, residente na


Rua da Infelicidade, nº 1, 1º Dt., datado de 1 de fevereiro de 2017, do qual consta, para o que
ora releva:

Ela e a falecida Belinda Bártolo residiam naquele prédio da Rua da Infelicidade há mais de vinte
anos e foi ali que, por ambas serem vizinhas e morarem no mesmo andar, se fizeram muito
amigas. A falecida ficou viúva há uns 15 anos, com um filho, e ela é solteira, sem filhos. Mais
disse que de há uns anos a esta parte, desde que o filho da falecida Belinda saiu de casa, já
homem, ela passou a ter a chave da casa dela, porque eram a companhia uma da outra, sendo
como irmãs. Todos os dias da semana, por volta das 16h, ia a casa dela ver a telenovela e
ficava até ao jantar. Naquele dia 11 de janeiro, descansou depois de almoço um pouco e, por
volta das 16h, talvez uns minutos depois porque ainda ouviu em sua casa bater as 16h no
relógio da sala, como de costume, dirigiu-se para casa da falecida, o que fez abrindo a porta de
entrada com a chave que tem na sua posse. Então, viu logo a Belinda prostrada no chão,
inconsciente, e ato contínuo foi surpreendida por um indivíduo de cara tapada e com luvas que
de imediato a puxou e agrediu com uma caixa preta na cabeça e lhe deferiu socos e pontapés,
na cara e no corpo, deixando-a logo inconsciente. Quando voltou a si, reparou que a sua amiga
se encontrava ainda prostrada no solo, aparentemente inconsciente, e aterrorizada fugiu para
a sua casa para pedir auxílio. Pensa que quando voltou a ter consciência já estariam sozinhas
pois a porta da rua estava aberta. De seguida, já no hall de sua casa, aflita, ligou do seu
telemóvel para a Deolinda, a porteira, e gritou por socorro, tendo ela aparecido alguns
momentos depois e chamado o INEM e a Polícia.

Não tem a menor ideia de quem pode ter feito esta desgraça.

A falecida Belinda era uma mulher de bem, sem inimigos, só saía para ir à missa, ao
supermercado, fazer uma ou outra compra, sendo sempre as mesmas perto de casa, ou saía
quando o filho a vinha buscar para almoçar com ele. Tratava da sua vida sozinha, vivia da sua
reforma, de administrativa no Ministério do Mar, e da do marido falecido, que tinha sido
bancário. Não falava com desconhecidos, nem era rica, nem sequer com o seu ouro andava na
rua. Sabe que ela tinha um fio grosso de ouro, que o guardava num cofre, na gaveta da
cómoda do seu quarto, e que ela tinha grande estima nele, pois era herdado da mãe, e um
anel de noivado e um relógio oferecido pelo falecido marido. Chegou a ver esses bens, mas
não sabe dizer ao certo o valor, mas seguramente que tudo seria para uns vinte mil euros, ao
que ela uma vez lhe confidenciara.

Perguntada, disse que não faz ideia de quem pudesse querer mal à Belinda: era uma senhora
educada, reservada, muito amiga dos seus amigos e do filho com quem se dava muito bem,
também muito amigo dela, nunca saía à rua com o ouro e não acredita que revelasse a pessoas
de fora que o tinha.

Perguntada, disse ser normal ela abrir a porta a pessoas de confiança ou que se identificassem
ao que vinham.
Perguntada disse que recentemente não houve obras lá em casa da falecida Belinda e que ela
nunca teve empregada doméstica. Sempre cuidou de si sozinha apesar de há algum tempo a
esta parte já ter alguma dificuldade em se movimentar.

E mais não disse.

10) A fls. 90-92 encontra-se o Relatório de Autópsia Médico-Legal de Belinda Bártolo, do qual
consta, para o que ora releva:

(...)

Exame do hábito externo

Cabeça – escoriação na metade direita da região mentoniana com 0,8 cm x 1,1 cm de maiores
dimensões

Pescoço – equimoses bilaterais

- Tórax – escoriação no terço médio da face anterior do hemitórax direito, com 0,4 cm x 0,2 cm
de maiores dimensões

Abdómen – sem lesões traumáticas

Exame do hábito interno

Cabeça

Partes moles – petéquias. Área de infiltração sanguínea na região parietal, linea mediana
sagital, com 3,5 cm x 2,5 cm de maiores dimensões. Área de infiltração sanguínea na região
occipital esquerda, arredondada com 1,2 cm de diâmetro.

Pescoço

Músculos – área de infiltração sanguínea no terço médio do músculo esternocleidomastóideo


direito, com 2,0 cm x 0,6 cm de maiores dimensões. Restantes planos musculares sem lesões
traumáticas.

Conclusões

1 - Em face dos dados necrópsicos, da informação circunstancial atrás descrita e do resultado


dos exames complementares de diagnóstico, tudo indica que a morte de Belinda Bártolo tenha
sido devido a cardiopatia isquémia crónica.
2 – Esta é causa de morte natural.

3 – As lesões traumáticas acima descritas denotam ter sido produzidas por ação de natureza
contundente, não constituindo causa adequada de morte.

4 – Além das lesões atrás referidas foram ainda encontradas outras alterações resultantes de
intervenção terapêutica.

5- O exame toxicológico feito ao sangue para pesquisa de etanol foi negativo.

6 – O exame histológico de fragmentos de órgãos revelou os seguintes diagnósticos anátomo-


patológicos: “enfisema panacinar com formação de “bolhas”. Doença isquémica crónica do
miocárdio com cicatriz de enfarte do V.E. Fígado de estase crónica. Edema da glia”.

11) A fls. 95 encontra-se um Auto de Declarações de Perito, datado de 15 de maio de 2017,


para esclarecimento de exame pericial relativo ao Relatório de Autópsia de fls. 90-92:

Perguntado sobre a produção das lesões, esclareceu:

- A escoriação descrita na região mentoniana denota ter sido produzida por ação de natureza
contundente, sendo compatível com traumatismo provocado por oclusão ou tentativa de
oclusão dos orifícios respiratórios da vítima.

- As áreas de infiltração sanguínea ao nível dos tecidos moles da cabeça denotam ter sido
produzida por ação de natureza contundente, sendo compatíveis com traumatismo provocado
por queda da vítima no chão.

- A área da infiltração sanguínea ao nível dos músculos do pescoço denota ter sido produzida
por ação de natureza contundente, sendo compatível com traumatismo provocado por
compressão extrínseca do pescoço, neste caso, de esganadura.

Perguntado se as lesões traumáticas observadas constituem causa da morte, o senhor perito


esclareceu que:

- constata-se que há pequenas lesões traumáticas externas que não constituem a causa de
morte, tal como não existe em termos anatomopatológicos uma lesão capaz de explicar
objetivamente o evento terminal.
Perguntado sobre o que significa, do ponto de vista patológico, padecer de um enfisema
pulmonar e de uma isquémia crónica do miocárdio, esclareceu que:

- um pulmão enfisematoso, e portanto com menor reserva, conduz a um estado de hipoxémia,


que é uma baixa de oxigénio no sangue, permanente, suscetível de ser agravado com qualquer
esforço ou obstrução mínima da via aérea

- um coração com coronariopatia crónica, isto é, um entupimento das artérias, é suscetível a


fenómenos de hipoxémia e/ou stress. Não se detetaram evidências de isquémia aguda
(enfarto).

Perguntado sobre o que indica a existência de petéquias, esclareceu que

- a presença de petéquias nos tecidos moles surgem com grande frequência nos casos de
síndrome asfíxico, não sendo no entanto patognomónicas. Ou seja, o facto de encontrarmos
petéquias aponta para um quadro de asfixia, mas não podemos excluir outras causas de
morte.

- as petéquias indicam congestão vascular habitualmente de natureza obstrutiva compatível


com uma origem extrínseca e provocada (esganadura).

Perguntado sobre se o contexto emocional pode dar azo ao desfecho observado, disse que
num contexto de um stress violento, com libertação de adrenalina típica nesses casos,
concomitante a episódios de asfixia, ainda que momentâneas, com hipoxémia, é possível a
afetação de um miocárdio doente, desencadeando uma arritmia fatal compatível com a falta
de dados objetivos da autópsia e a morte súbita (morte imediata sem causa aparente de um
indivíduo aparentemente assintomático).

12) A fls. 96 encontra-se o Assento de Nascimento de Custódia Carmo do qual resulta, para o
que ora releva, ter nascido no dia 25 de dezembro de 1936.
13) A fls. 97 encontra-se o Assento de Nascimento e Óbito de Belinda Bártolo do qual se extrai,
para o que ora releva, ter nascido no dia 1 de janeiro de 1930 e falecido no dia 11 de janeiro
de 2017.

14) A fls. 110, com data de 14 de setembro de 2017, o Inspetor titular do Processo lavrou uma
cota com o seguinte teor “Nesta data, faço constar que recebi uma chamada telefónica, pelas
13h, do número 911223344, tendo-se a pessoa identificado como sendo Florberta Frias,
advogada com a cédula profissional 11223300, informando que tinha sido contactada por
Gabriel Gomes e que o mesmo lhe disse ter sido interveniente nos factos ocorridos em 11 de
janeiro de 2017, na Rua da Infelicidade, 1º esq., em Lisboa. Manifestou disponibilidade para se
deslocar às instalações da PJ, na companhia de Gabriel Gomes, amanhã, pelas 11h”.

15) A fls. 120 consta o Termo de Constituição de Arguido e o TIR de Gabriel Gomes, datados de
15 de setembro de 2017, às 11h 10m, dos quais se extrai, para o que ora releva, que nasceu no
dia 25 de janeiro de 1993, na freguesia de Bota-no-Bolso, concelho e distrito de Lisboa, é filho
de Gracindo Gomes e Gilberta Gomes, e reside no Bairro da Congeminação, Lote 1, 1º Esq.,
Caneças.

16) A fls. 130-132 encontra-se o Auto de Interrogatório do arguido Gabriel Gomes, efetuado
pelo Inspetor da PJ titular do Processo, datado de 15 de setembro de 2017, com início às 11h
15m e termo às 12h, no qual esteve presente a advogada do arguido Florberta Frias, do qual
consta, para o que ora releva:

Esclarece que é serralheiro de profissão, trabalhando agora numa empresa de abertura e


montagens de portas, e na data dos factos encontrava-se a trabalhar, por conta própria, na
zona da Rua da Infelicidade, um ou dois quarteirões à frente da residência dos autos, no
sentido da Avenida Funesta, mas já não sabe precisar exatamente em que prédio, pois só lá foi
uma vez e conhece mal aquela zona.

Nesse dia 11, após a hora de almoço, por volta das 13h 30m, recebeu uma chamada do
Humberto Henriques, a perguntar onde estava e se se podiam encontrar para tomar um café.
Combinaram então o local do encontro, às 15h, numa cafetaria na esquina da Rua da
Infelicidade com a Avenida Funesta, cujo nome não recorda.
É amigo do Humberto há um bom par de anos, vivendo ambos no Bairro da Congeminação, em
Caneças. Os pais dele ainda ali residem, mas a ele deixou de o ver por ali.

Quando estavam a tomar o café, o Humberto disse-lhe que precisava dos seus serviços para
abrir uma porta de um apartamento situado naquela zona, porque ali morava um rapaz que
lhe devia muito dinheiro há que tempos e que por isso haveria de trazer o dobro da dívida de
casa dele, estivesse ele ou não em casa, e nem que tivesse que lhe dar nas trombas porque era
um caloteiro.

Ofereceu-lhe 1 000 euros para abrir a porta da entrada da casa, tendo ele que levar as
ferramentas necessárias.

Já uma vez, há uns tempos, lá no Bairro onde moram, ele lhe tinha falado desse rapaz e lhe
tinha dito que se ele não lhe pagasse teria que ir a casa dele buscar o que era seu e não se
ficaria por isso, fosse a bem, fosse a mal, porque caloteiros não brincavam com ele.

Foram então até à Rua da Infelicidade e, quando ali chegaram, a porta do prédio estava
entreaberta.

Então o Humberto disse-lhe para ficar ali a vigiar que se fosse necessário subir para abrir a
porta do apartamento o chamaria.

Ouviu que o Humberto tocou à campainha, e ouviu também abrir e fechar uma porta.
Percebeu, então, que lhe tinham aberto a porta e ele tinha entrado.

Ficou ali para vigiar, se bem que que não poderia impedir que os moradores do prédio
entrassem, porque isso sim, daria nas vistas, e também para ver se, pelo menos, o Humberto
lhe pagaria a hora de trabalho, já que não tinha necessitado da sua intervenção.

Aguardou cerca de 10 a 15 minutos, não sabe bem. Não sabe se atendeu ou efetuou qualquer
chamada durante esse período de tempo, pois não se recorda. Também não sabe dizer qual o
número de telemóvel que usava nessa altura porque muda frequentemente, pois não gosta
que os clientes fiquem com o seu número muito tempo, porque não têm qualquer respeito
pelo seu horário de descanso.

Quando o Humberto saiu, seguiram os dois pelo passeio e ele perguntou-lhe se o rapaz lhe
tinha devolvido o dinheiro e ele disse que sim, que tinha corrido tudo bem. Pediu-lhe então
para lhe dar pelo menos 100 euros para compensar a hora de trabalho perdida e o Humberto
disse-lhe que depois acertariam contas, à noite, lá no Bairro. E pronto, cada um foi à sua vida.
Mas o Humberto não apareceu no café nem lhe deu nada, pois desde essa data não mais
conseguiu estabelecer contacto com ele. Deixou de lhe atender o telefone. Indicou esse
número de telefone do Humberto Henriques como sendo o 92 333 4440. Confrontado com a
ficha biográfica existente na Polícia Judiciária, identifica a foto do Humberto Henriques como
sendo o amigo que o interpelou a deslocar-se à Rua da Infelicidade.

Confrontado com os fotogramas de fls. 25-30, disse que efetivamente é ele e o Humberto.

Depois de ter estado na Rua da Infelicidade, voltou para o seu trabalho e não sabe para onde
foi o Humberto.

Perguntado por que motivo só agora veio falar com a Polícia Judiciária, disse que não tem
conseguido conviver com o facto de saber quem praticou os factos e nada dizer para
esclarecer a verdade e que pretende desta forma colaborar com a investigação, sublinhando
que desconhecia, quando anuiu em acompanhar o Humberto, quem morava no prédio, nunca
lhe tendo passado pela cabeça que aquela ida ali implicaria uma morte.

E mais não disse.

17) A fls. 140-142 encontra-se um Auto de Diligência Externa, com data do dia 18 de setembro
de 2017, do qual consta, para o que ora releva:

Na sequência das declarações do arguido Gabriel Gomes deslocámo-nos na presente data à


residência do arguido para efetuar uma busca domiciliária, conforme auto de busca e
apreensão que se junta a seguir.

18) A fls. 150-152 encontra-se o Auto de Busca e Apreensão, datado de 18 de setembro de


2017, do qual consta, para o que ora releva:

Identidade do buscado: Gabriel Gomes

Consentimento: consinto na busca ao meu domicílio, incluindo equipamentos informáticos e


de telecomunicações, os anexos e as viaturas que se encontram na minha posse, nos termos
do art. 174º, nº 5, al. b), do CPP

Segue-se uma assinatura da qual se reconhece o nome Gabriel Gomes.


A diligência deu o seguinte resultado: foram apreendidas umas calças de ganga de cor azul,
que o arguido confirmou neste ato terem sido utilizadas aquando da sua deslocação à Rua da
Infelicidade na companhia de Humberto Henriques; uma camisola com capuz, que de igual
modo o arguido disse ser a que utilizou no dia dos factos; ambas as peças coincidem com as
que usava no aludido dia e que podem ser perfeitamente identificadas nos fotogramas.

19) A fls. 160-162 encontra-se a promoção do Ministério Público, elaborada na sequência das
declarações do arguido Gabriel Gomes, sob proposta da Coordenadora de Investigação
Criminal, datada de 25 de setembro de 2017, na qual promoveu junto do Juiz de Instrução
Criminal, após ter exarado a competente fundamentação de facto e de direito, em síntese e
para o que ora releva, que, relativamente ao telemóvel utilizado pelo suspeito Humberto
Henriques com o nº 92 333 4440, fosse ordenada à operadora móvel competente o envio dos
dados referentes à faturação detalhada, trace-back com localização celular, no período
temporal entre os dias 1 e 30 de janeiro de 2017, e bem assim que mais fosse ordenada a
interceção do referido número, bem como o IMEI onde tal número esteja inserido e bem assim
a faturação detalhada e localização celular relativa a cada um dos contactos efetuados e
recebidos, pelo período de 30 dias.

20) A fls. 170-172 encontra-se o despacho do Juiz de Instrução Criminal, datado do dia 28 de
setembro de 2017, no qual autorizou as solicitadas interceções e ordenou à operadora que
fornecesse os dados referidos na promoção que antecedia.

21) A fls. 200-202 por despacho datado de 16 de novembro, na sequência de promoção do MP


para o efeito, o JIC autorizou a busca à residência do suspeito Humberto Henriques, sita na Rua
do Agoiro, nº 3, na Buraca, Amadora, entretanto apurada pela investigação, com vista à
apreensão de quaisquer objetos e / ou outros elementos que sirvam de prova dos factos em
investigação e que ali fossem encontrados, nos termos conjugados dos art. 174º, nº 2 e nº 3 e
177º, nº 2, do CPP, com os condicionalismos ali previstos.
22) A fls. 210-212 em 18 de novembro, o MP, descrevendo os factos que considerou apurados,
e fundamentando com o perigo de continuação de atividade criminosa, determinou a emissão
de mandados de detenção fora de flagrante delito contra Humberto Henriques, ao abrigo do
disposto no art. 202º, nº 1, al. a) e b) e 204º, al. c) e 257º, nº 1, do CPP, a fim de que o mesmo
fosse presente ao JIC para primeiro interrogatório judicial com vista a aplicação de medida de
coação.

23) A fls. 220-222 encontra-se a análise ao conteúdo da listagem de contactos telefónicos


mantidos pelo suspeito Humberto Henriques, através do número de telefone 92 333 4440, no
período temporal compreendido entre os dias 1 e 30 de janeiro de 2017, efetuada pelo
Inspetor da Polícia Judiciária e conforme aos documentos oportunamente juntos aos autos
pela Operadora Telefónica, do qual consta, para o que ora releva:

No dia 10 de janeiro de 2017 o suspeito Humberto Henriques usa por várias vezes o seu
telemóvel para estabelecer vários contactos telefónicos ativando antenas BTS afetas à
operadora SEMPR’ ÓTELE, situadas na zona da Rua da Infelicidade, na cidade de Lisboa, ou
seja, na zona geográfica onde, no dia seguinte, no mesmo período temporal, vieram a ocorrer
os factos.

Estas antenas cobrem geograficamente a zona onde está situado o imóvel.

Esta constatação aponta fortemente para que o suspeito Humberto Henriques, no dia anterior
aos factos, tenha estado no local da sua ocorrência, para efetuar o reconhecimento do local
onde os iria perpetrar.

No contexto global da listagem dos contactos telefónicos conclui-se que o suspeito Humberto
Henriques habitualmente não frequenta esta zona.

No dia 11 de janeiro, entre as 15h 45m e as 16h 15m, o telemóvel habitualmente utilizado pelo
suspeito Humberto Henriques acionou a antena BTS na Buraca, Amadora, levando a concluir
que o suspeito deixou o telemóvel na sua residência, que se veio a apurar situar-se nesse local,
enquanto se deslocou à cidade de Lisboa para executar o crime, na companhia do arguido
Gabriel Gomes.

O telemóvel ficou propositadamente em casa para fazer crer que não esteve no local da
ocorrência do crime, no momento da sua execução.
Constata-se igualmente que, na manhã e tarde do dia 11 de janeiro, o referido telemóvel
apenas recebeu contactos telefónicos acionando sempre a mesma antena BTS acima referida,
sita na Buraca.

Entre as 13h e as 18h foram efetuadas várias chamadas para o telemóvel que não foram
atendidas, tendo sido direcionadas para o voicemail, o que representa o facto de não ter
atendido chamadas telefónicas por não se encontrar no local onde o aparelho estava
depositado.

Nos contactos telefónicos posteriores às 18h, o suspeito Humberto Henriques já se encontra


na zona de Caneças, pois as Antenas acionadas encontram-se nesse núcleo urbano.

Relembre-se que o arguido Gabriel Gomes possui residência em Caneças, onde o suspeito
Humberto Henriques também residiu em casa dos seus progenitores.

Foi possível ainda concluir, com base na recolha que se analisa, que entre os dias 1 e 13 de
janeiro, os contactos efetuados e recebidos são para e de cartões “descartáveis”, cuja
titularidade não se logrou apurar e que permanecem desativados desde o dia 11 de janeiro de
2017, bem como assim permanece o cartão do suspeito Humberto Henriques que ora se
analisa.

24) A fls. 230-232 encontra-se o auto de busca e apreensão relativo à residência sita na Rua da
Ganância, Buraca, Amadora, atual residência do suspeito Humberto Henriques, datado de 25
de novembro de 2017, com início às 8h 30m e termo às 10h, do qual consta, para o que ora
releva:

A diligência deu o seguinte resultado:

- dois passamontanhas pretos, nas respetivas caixas, CRIVIT

- 1 telemóvel SAMSUNG GT-S7500, com o IMEI 123456789012345, e um cartão da SEMPR’


ÓTELE

- 1 telemóvel marca SAMSUNG, GT 19300, com o IMEI 098765432109876, e um cartão de


TELE-À-MÃO;

- 1 telemóvel marca SAMSUNG S7 com o IMEI 123098456709812, sem cartão;


- 1600 euros em 8 notas de 200 euros

- um blusão com capuz que corresponde ao usado no dia 11 de janeiro e registado nos
fotogramas.

25) A fls. 240-242 encontra-se um designado Auto de Conversa Informal, datado do mesmo dia
25 de novembro de 2017, com início às 11h e termo às 12h, subscrito pelo arguido Humberto
Henriques e o Inspetor YQY, cujo teor, em síntese e para o que releva é o seguinte:

Hoje, após a sua localização e detenção, pelas 10h 30m, foi mantida conversa informal com o
arguido Humberto Henriques, que relatou a sua versão dos factos da forma que segue:

Já trabalhou como rececionista no Hotel OLHOVIVO, três meses, em 2016, ao lado da casa da
vítima Belinda Bártolo e nessa altura via-a sair de casa, ou à janela, apercebendo-se que ela
residia no 1º esquerdo do nº 1.

Uma vez passou junto a ela viu-lhe um relógio que lhe pareceu ser de luxo e um fio em ouro,
grosso.

Em janeiro de 2017 lembrou-se de a assaltar porque precisava de dinheiro para pagar uma
dívida de droga.

Sabia que havia uma porteira que depois de almoço tinha um tempo de pausa.

Então pensou num plano: tocar à campainha do 1º esq. do prédio, onde morava a vítima, por
volta da hora da sesta, hora em que a porteira não estaria ao serviço, para não ser visto, dizer
que era para verificar a ligação do gás porque cheirava a gás nas escadas e tinha sido chamado
para fazer a vistoria, entrar, abafar a voz à velha, que não ofereceria resistência, pois quase
não conseguia andar, e um empurrão seria o bastante para que caísse e não se conseguisse
levantar, ir ao quarto dela, pois o quarto é sempre onde se guarda o ouro, e apoderar-se dele.

Pensou que era melhor levar um serralheiro de confiança para o caso de ela não abrir a porta e
a terem de arrombar.

Lembrou-se do Gabriel Gomes que era serralheiro e de confiança.


Conhece o Gabriel há muito anos porque moravam ambos em Caneças e frequentavam os
mesmos lugares. Falou com ele. Combinaram que o trabalho seria realizado no dia 11 e na
véspera foram lá os dois ver o sítio.

No dia 11, pelas 3h da tarde, encontrou-se com o Gabriel num café perto do prédio, e depois
deslocaram-se para o nº 1 da Rua da Infelicidade.

Tudo correu como combinado: a velhota abriu a porta quando ele lhe disse que era para fazer
a vistoria do gás, entrou e colocou-lhe um pano vermelho na boca para não gritar, empurrou-a
e ela caiu de imediato e não se moveu mais.

Foi ao quarto, abriu a primeira gaveta e viu logo um cofre preto, agarrou nele e quando já
estava quase a sair deparou-se com outra velhota e teve de lhe fazer um mata-leão, que é uma
espécie de asfixia controlada, para ela desmaiar e poder sair dali sem problemas.

O Gabriel ficou cá em baixo a controlar as entradas e avisar se fosse necessário. Saiu da casa e
dirigiram-se ambos para a Avenida do Desterro, e apanharam um táxi até Caneças.

Depois ele foi para casa no seu carro.

Não teve qualquer lucro com o assalto pois entregou tudo logo nessa noite para pagar a dívida.

Só fez aquilo porque é um viciado e não consegue viver sem cocaína.

Perguntado disse não saber exatamente a identidade do individuo a quem entregou os bens.

26) A fls. 260 encontra-se o Termo de Constituição de Arguido e TIR de Humberto Henriques,
datados de 25 de novembro de 2017, às 12h 30m, dos quais se extrai, para o que ora releva,
que nasceu no dia 31 de janeiro de 1993, na freguesia dos À-dos-Larápios, concelho e distrito
de Lisboa, é filho de Humbertão Henriques e Hermínia Henriques, e reside Rua do Agoiro, nº 3,
na Buraca, Amadora.

27) A fls. 262 encontra-se um Despacho da Coordenadora de Investigação Criminal, datado de


25 de novembro, com o seguinte teor, para o que ora releva:
Conforme resulta dos autos, no dia de hoje, 25 de novembro de 2017, foi dado cumprimento
aos mandados de detenção de Humberto Henriques, indiciado que está pelos factos em
investigação.

Determino que o mesmo seja de imediato apresentado à Exma. Procuradora do DIAP de Lisboa
para apreciação das diligências efetuadas e respetiva validação, bem como apresentação do
arguido detido a primeiro interrogatório judicial.

28) A fls. 269 consta uma cota lavrada pelo Inspetor WYW, datada de 25 de novembro de
2017, na qual fez exarar o seguinte:

Faço consignar que o arguido Humberto Henriques se encontrava detido nesta Polícia hoje, dia
25 de novembro, pelas 13h, para ser conduzido e sujeito a 1º interrogatório judicial de arguido
detido para aplicação de medida de coação e que, na sequência do pedido para usar da casa
de banho, que lhe foi concedido, se evadiu pela janela que dá acesso à Rua da Esperança,
tendo encetado fuga. Foram de imediato colocados em alerta todos os meios policiais para
captura do fugitivo.

29) A fls. 270 encontra-se despacho do MP a determinar a extração de certidão dos autos para
investigação do crime de evasão.

30) A fls. 275-277 consta o seguinte requerimento apresentado em 27 de novembro de 2017


pelo arguido Humberto Henriques, subscrito pelo mandatário Jacinto Jácome, que juntou a
competente Procuração outorgada em seu nome pelo arguido, dirigido ao Juiz de Instrução
Criminal:

“Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal

A defesa do arguido Humberto Henriques vem requerer a apreciação da seguinte nulidade:

Ao arguido foram tomadas declarações sem assistência de defensor.

As suas declarações, sem Defensor, são preponderantes para lhe imputar a responsabilidade
pelos factos dos autos. Porém, o arguido não se revê nessas declarações, que não proferiu e
não correspondem à verdade, tendo sido adulteradas por quem as exarou, sendo certo que as
assinou, sem possibilidade de as ler, a mando do Inspetor YQY, e assinou-as na convicção que
estava a subscrever o teor das suas verdadeiras declarações. O arguido vem, pois, arguir a
nulidade das declarações assim prestadas, mais solicitando que as mesmas sejam
desentranhadas do processo.

Em face do exposto, requer que seja declarada a nulidade de todo o processado que a si
respeita com as legais consequências e desentranhamento dos autos.

1 - Considere que:

- o arguido Humberto Henriques ainda se encontra em paradeiro


incerto;
- não existiram quaisquer outras diligências ou outros elementos de
prova com relevo para o Inquérito;
- com a eventual exceção da questão expressamente colocada em
crise pelo arguido Humberto Henriques (o que se diz sem que se possa ou
deva extrair qualquer indício positivo ou negativo de tomada de posição
quanto à mesma), todas as demais formalidades, porventura omissas do
enunciado, se encontram cumpridas.

2 - Elabore o Despacho de Encerramento de Inquérito, tomando desde logo


posição sobre o requerimento apresentado pelo arguido Humberto
Henriques no Processo, a fls. 275-277.
PROVA PROFISSIONAL – 2ª CHAMADA – 28/2/2019

GRELHA DE CORREÇÃO

I – Promoção do MP cotação1
relativa à invocada
nulidade
Conversa Informal Hipóteses de solução:

a) prova proibida – art. 32º/8 CRP e art. 126º, al. a) e 118º, n3 do


CPP
- efeito, prova nula, não podendo ser utilizada – art. 126º/1 CPP
ou
b) nulidade insanável- 119º, al. c) - violação do disposto nos art.
58º, nº1, al. a), 61º/1/c), h), 64º/1/a), 141º/1 e 2, e 143º/1, todos
do CPP
e
– efeito – não pode ser considerado o conteúdo das declarações,
não possuindo efeito sobre a demais prova por dela não depender
art. 122º/1 CPP 2,5
II Tópicos de resposta

1. Questões prévias à Consignação de que


descrição factual - sendo desconhecido o suspeito, cessa a obrigatoriedade de o
interrogar como arguido – art. 272º/1, parte final, CPP 0,5
2. Medida de coação Considerar:
- a existência de indícios fortes da prática dos factos - prova
recolhida em Inquérito, designadamente fotogramas, declarações
do coarguido GG, bens apreendidos - cfr. auto de apreensão
- a existência de fuga
encontrando-se verificados os pressupostos dos art. 202º/1/a) e
204/a), promoção, junto do JIC, da aplicação da MC de prisão
preventiva, devidamente fundamentada
ou
em alternativa, ordenar a emissão de mandados de detenção para
apresentação a 1º interrogatório, tendo em vista a aplicação de
medida de coação 1,5
3. Peça acusatória: (cumprimento do art. 283º/3 CPP)

a) Introito - identificação da entidade (MP) e do ato de acusação


- identificação da forma de processo – comum
- identificação dos arguidos GG e HH
b) factos que integram
todos e cada um dos - descrição factual – deve considerar-se a narração relativa aos
elementos típicos de factos essenciais dos tipos, formas dos crimes (consumação),
cada crime cometido participação (autoria de HH e cumplicidade de GG), culpa, sendo
possível, entre outras, a seguinte ordenação factual:
- inserção dos factos relativos ao contexto convivencial/
conhecimento dos arguidos GG e HH
- elaboração do plano

1
. O conjunto das questões que compõem o Despacho deverá ser objeto, a final, de uma apreciação global
de molde a considerar eventuais erros graves cometidos.

1
- cumprimento do plano - dia e local dos factos; encontro no café;
introdução no prédio por ambos; movimentação de GG para o
exterior do prédio; modo de entrada na residência da BB pelo
arguido HH; atuação de HH de molde a provocar as lesões em BB
descritas no relatório da autópsia; modo de apropriação do cofre;
chegada de CC à residência de BB; atuação de HH sobre CC de
molde a provocar-lhe as lesões descritas no Relatório Pericial /
documentos clínicos; saída de HH para o exterior e abandono do
local por parte de ambos os arguidos.
- bem como aos factos subjetivos dos tipos

Deverá atender-se, em particular, que a descrição dos elementos


do dolo deverá estar conforme a solução jurídica adotada, sob
pena de desconsideração da cotação da qualificação jurídica, pelo 6,2
menos, em metade do total.
4. Disposições legais 1- Quanto a HH
aplicáveis – a) por roubo agravado pelo resultado morte, na pessoa de BB –
qualificação Jurídica art. 210º, nº3
dos factos a imputar a ou
final da acusação: b) homicídio a título de dolo eventual, na pessoa de BB – art. 131º
- em concurso real com o crime de furto qualificado – art. 203º,
204º/1/a), e) e f)
ou
c) homicídio qualificado a título de dolo eventual na pessoa de BB
– art. 131º, 132º/1 e 2, al. c) e g) – em concurso real com o crime
de furto -art. 203º/1, 204º, nº1, al a), e), e f)
e, em concurso real,
d) violência após subtração na pessoa de CC – art.211º, 210º,
/1/2/b) e 204º/1/a), e), e f)

2- Quanto a GG
– foi-lhe comunicado pelo HH que “haveria de trazer o dobro da
dívida. De casa dele, estivesse ele ou não em casa, e nem que
tivesse que lhe dar nas trombas porque era um caloteiro”:

- cúmplice do roubo – art. 210º/1/2/f)


ou
- coautor do crime de roubo
Será considerada correta uma ou outra possibilidade desde que a
mesma esteja em consonância com a descrição factual que for
realizada relativa a GG, designadamente quanto à sua
(im)prescindibilidade e domínio do facto para a respetiva
concretização 5
5. Prova Testemunhal (id. ZZZ (fls. 1-3), AA, CC (fls. 80-82), DD (fls.50-52),
EBE (fls. 40-42)
Pericial – fls. 70-72, 90-92, 95
Documental - fls .1-3, 10, 25-30, 35, 60-62, 96, 97, 150-152, 220-
222, 230-232, 269 e 270 1,2
6. Notificações e Arguidos - GG e HH – por via postal simples, pois ambos prestaram
remessa à distribuição TIR
Quem tem a faculdade de se constituir assistente (CC e EBE)
Advogados mandatados FF e JJ
Instituições de Saúde (art. 6º DL 218/99)
Segurança Social (DL 59/89)

Oportunamente, remessa dos autos à distribuição – Juízo Central


Criminal de Lisboa 0,6

2
7. Organização do - correção da linguagem, que deverá ser clara, rigorosa e precisa,
discurso técnico- revelando poder de sínteses, apenas com descrição factual
jurídico e linguagem relevante e sem conceitos de direito ou conter menções a meios
utilizada de obtenção de prova / meios de prova;
-os factos devem estar lógica e cronologicamente ordenados
- apreciação da correção global da peça efetuada 2,5

3
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Via Académica

34.º CURSO DE FORMAÇÃO PARA OS TRIBUNAIS JUDICIAIS

AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 15620 /2017, PUBLICADO NO


DIÁRIO DA REPÚBLIC A, 2.ª SÉRIE, N.º 249/ 2017, DE 29 DE
DEZEMBRO DE 2017

DATA: 17 DE FEV EREIRO DE 2018

1.ª CHAMADA

HORA: 9H 15M (DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ART. 12.º, DO


REGULAMENTO INTERNO DO CENTRO DE ESTUDOS
JUDICIÁRIOS, O TEMPO DE DURAÇÃO DA PROVA INICIA -SE
DECORRIDOS 15 MINUTOS APÓS A HORA DESIGNADA)

DURAÇÃO DA PROVA: 3 HORAS


PROVA ESCRITA DE
DIREITO CIVIL, COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL
Via Académica – 1.ª Chamada – 17 de fevereiro de 2018

1 – A presente prova é composta por três casos, todos de resolução obrigatória:

2 – Cotações:
- Caso 1 (7 valores)
1 – 2 valores
2 – 3 valores
3 – 2 valores
- Caso 2 (7 valores)
1 – 2 valores
2 – 2 valores
3 – 3 valores
- Caso 3 (6 valores)
1 – 2 valores
2 – 4 valores

3 – A atribuição da cotação máxima em cada resposta pressupõe um tratamento


completo das várias questões suscitadas, que deverá ser coerente e corretamente
fundamentado, com indicação dos preceitos legais aplicáveis.

4 – Na cotação atribuída serão tidos em consideração a pertinência do conteúdo, a


qualidade da informação transmitida em relação à questão colocada, a
organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o
domínio da língua portuguesa.

5 – As/os candidatas/os que na realização da prova não pretendam utilizar a


grafia do “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa” (aprovado pela Resolução da
Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da
República n.º 43/91, ambos de 23 de agosto), deverão declará-lo expressamente
no quadro “Observações” da folha de rosto que lhes será entregue, escrevendo
“Considero que o Acordo Ortográfico aprovado pela Resolução da Assembleia da
República n.º 26/91, não está em vigor com carácter de obrigatoriedade”, sendo a
prova corrigida nesse pressuposto.

6 – Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até
um máximo de 3 valores, para o total da prova.

7 – As folhas em que a prova é redigida não podem conter qualquer elemento


identificativo da/o candidata/o (a identificação constará apenas do destacável da
folha de rosto), sob pena de anulação da prova.
Caso 1

(7 valores)

Vítor, de 18 anos de idade, filho de Ana e Alberto, ao regressar a sua casa à noite, vindo
de uma festa na Universidade, verificando que não tinha consigo a chave de casa e não
querendo acordar os pais, decidiu entrar por uma janela do primeiro andar da habitação, que
se encontrava aberta, o que já fizera em ocasiões anteriores, com o conhecimento e
consentimento de seus pais.
Para o efeito, escalou o muro em pedra situado no logradouro da moradia e daí
deslocou-se pela estrutura metálica da pérgula existente no logradouro. Quando o fazia, foi
atingido por forte corrente elétrica e sofreu eletrocussão, tendo caído de bruços sobre a
pérgula e sofrido um traumatismo da coluna cervical. Permaneceu no local, em agonia, por
vezes inconsciente, até ter sido encontrado de manhã. Levado para o Hospital, veio a falecer
ainda na ambulância.
Dias depois, a pedido de Ana e Alberto, um funcionário da empresa de distribuição de
energia elétrica que era fornecida à casa deslocou-se a esta, a fim de verificar se a pérgula
tinha corrente elétrica. No local, o referido funcionário verificou que existia tensão elétrica
superior a 200 volts entre a estrutura metálica da pérgula e o ferro (fixado na parede da casa)
de suporte do fio metálico que sustentava o cabo da baixada da casa. Nessa altura, foram
então substituídos pelo mesmo funcionário os isoladores da caixa de ligação elétrica, que
estavam rachados, e o fio do cabo da baixada.
Ana e Alberto, profundamente desgostosos com a morte do seu filho, que era um jovem
saudável e alegre, intentaram uma ação contra a referida empresa de distribuição de energia
elétrica, pedindo a condenação desta no pagamento de uma indemnização.
A Ré defendeu-se, alegando que o acidente se deveu a culpa exclusiva do falecido Vítor
e até dos Autores, seus pais.
Além do acima descrito, apurou-se nesta ação que:
- a tensão eléctrica superior a 200 volts é suficiente para causar a morte a uma
pessoa;
- o fornecimento de energia elétrica de baixa tensão à habitação dos Autores é
efetuado através de uma rede elétrica aérea (principal) com uma derivação de ramal (em cabo
isolado com condutor de cobre);
- o ramal partia de uma caixa de ligação elétrica existente na fachada da casa
vizinha e encontrava-se apoiado numa peça fixada na parede da casa dos Autores, a uma
altura de 3 metros, bem visível por todos, só se podendo alcançar com uma escada amovível
ou meio idêntico;
- a estrutura metálica da pérgula tinha uma altura de 2,5 metros;
- a rede elétrica foi construída com materiais certificados e encontrava-se
protegida por fusíveis adequados ao nível de tensão e ao tipo de cabos;
- a Ré vistoria trimestralmente a sua rede elétrica de baixa tensão,
constatando-se, nas vistorias realizadas ao longo do tempo, que a rede se manteve em bom
estado de conservação e de acordo com as boas regras da arte;
- a Ré havia vistoriado a rede no mês anterior ao acidente.

1 - Em face da factualidade descrita, identifique os danos suscetíveis de indemnização.

(2 valores)

2 - Aprecie justificadamente se a Ré é responsável, e a que título, pelo pagamento de


indemnização a Ana e Alberto.

(3 valores)

3 - Supondo que Ana e Alberto, após a morte do filho, se divorciam e que apenas Ana
intenta a referida ação, pronuncie-se de forma fundamentada sobre a possibilidade de
Alberto intervir nesta ação e por que meio(s) para fazer valer o seu direito a uma
indemnização por todos os danos em causa.

(2 valores)
Caso 2

(7 valores)
Em janeiro de 2014, Alberto e Ana acordaram com o Banco ABC serem avalistas de uma
livrança em branco para garantia de um empréstimo concedido pelo Banco ABC a Branca, ex-
mulher de Alberto e irmã de Ana, em virtude da boa relação e confiança que mantinham entre
si e considerando que o empréstimo se destinava à compra de um carro para Dora, filha de
Alberto e Branca. Branca não cumpriu o acordado com o Banco ABC, tendo este,
consequentemente, acionado Alberto e Ana na qualidade de avalistas.
Em março de 2016, Alberto intentou uma ação contra Ana e Branca, pedindo a sua
condenação no pagamento da quantia de € 31.200 e juros de mora vincendos, alegando que
tal valor correspondia àquele que havia solvido na qualidade de garante ao Banco ABC. Tal
ação foi julgada procedente, por sentença da qual está pendente recurso com efeito
devolutivo.
Em janeiro de 2017, Alberto requereu a execução desta sentença, tendo em 3 de março
de 2017, no âmbito desta ação executiva, sido penhorada a metade indivisa que a executada
Branca possuía no prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o
n.º 1111 da freguesia de Alfama. O direito de propriedade do referido prédio encontrava-se
registado na referida Conservatória a favor de Alberto e de Branca, constando do registo que
cada um é titular de metade indivisa do prédio.
A executada Branca e sua filha Dora deduziram conjuntamente oposição à execução,
alegando que Branca não é dona da metade indivisa penhorada do referido prédio urbano,
pois que a doou à filha, em dezembro de 2016, conforme escritura pública que juntaram aos
autos, e que Dora nada devia ao exequente.

1 - Explicite os fundamentos da pretensão de Alberto na ação declarativa que intentou


contra Ana e Branca e aprecie se lhe assiste o direito que se arroga contra estas.

(2 valores)
Enquadrando juridicamente os meios de defesa apresentados por Dora e por Alberto,
aprecie fundamentadamente as posições de

2 - Pronuncie-se fundamentadamente sobre a reação de Branca e de Dora através da


oposição à execução

(2 valores)

3 - Suponha que apenas Dora reagiu através de embargos de terceiro. Alberto contestou,
alegando que a executada doou a sua metade à filha Dora para se furtar ao cumprimento
da obrigação exequenda, e pretende assim ver declarada a ineficácia da doação.

Enquadrando juridicamente os meios de defesa apresentados por Dora e por Alberto,


aprecie fundamentadamente as posições de ambos.

(3 valores)
Caso 3

(6 valores)

Em 3 de janeiro de 2012, por escritura pública, Paula, então proprietária do prédio


urbano sito na rua das Flores, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º
222, declarou vender a Joana, que declarou comprar, pelo preço de € 100.000, o referido
prédio, tendo ainda aquela declarado já ter recebido esta importância.
Foi registada na Conservatória do Registo Predial, a favor de Joana, a aquisição do
direito de propriedade daquele prédio, por compra, mediante apresentação de 4 de janeiro de
2012.
Em 10 de janeiro de 2013, por escritura pública, Joana declarou vender a Bernardo o
prédio urbano sito na rua das Flores, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa
sob o n.º 222, pelo preço de € 500.000, quantia esta que declarou já ter recebido de Bernardo.
Na referida escritura, pelo comprador, por um lado, e por Joaquim, como representante
do Banco Crédito Seguro, por outro, foi dito que acordavam na concessão por este àquele de
um empréstimo, constituindo, como garantia, uma hipoteca sobre o aludido prédio.
Todavia, Joana não quis vender o prédio em causa, nem Bernardo o quis comprar, não
tendo este pago àquela os referidos € 500.000, tendo sido objetivo dos mesmos que Alda não
pudesse preferir na compra do aludido prédio.
Encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial, a favor de Bernardo, a
aquisição do direito de propriedade, tendo a inscrição sido provisoriamente efetuada
mediante apresentação de 11 de janeiro de 2013 e convertida em definitiva em 13 de
fevereiro de 2013.
O registo provisório da referida hipoteca ocorreu em 11 de janeiro de 2013 e a respetiva
conversão em definitiva em 13 de fevereiro de 2013.
Alda, arrendatária do aludido prédio desde 2007, arrogando-se titular do direito de
preferência, intentou ação declarativa contra Paula e Joana, no dia 1 de junho de 2012, a qual
veio a ser julgada procedente por sentença transitada em julgado em 3 de março de 2014.
Aquando da celebração da escritura de janeiro de 2013, o Banco Crédito Seguro, na
pessoa do seu legal representante, estava convencido de que não lesava os interesses de
outros.
O prédio situa-se numa zona histórica da cidade de Lisboa, com enorme potencial para
instalação de alojamento local.
Os registos da aludida ação de preferência e da respetiva sentença não foram efetuados.
Alda, em ação intentada no dia 1 de fevereiro de 2017 contra Bernardo, pretende que
seja declarada nula ou de nenhum efeito a escritura pública de compra e venda com hipoteca
celebrada em janeiro de 2013 e, consequentemente, se declare ser a única proprietária do
aludido prédio; mais pede que, se assim não se entender, se declare nula e de nenhum efeito,
por simulação, a aludida escritura, com todas as consequências legais; e, na procedência de
qualquer um destes pedidos, que se proceda ao cancelamento de todas as inscrições em vigor
relativamente ao aludido prédio.
Esta ação foi registada em 13 de fevereiro de 2017.

1 - Aprecie, do ponto de vista jurídico-processual, se o juiz deve proferir despacho pré-


saneador e em que sentido na ação intentada por Alda em 1 de fevereiro de 2017.

(2 valores)

2 - Aprecie, do ponto de vista jurídico-substantivo, as pretensões conflituantes na ação


intentada por Alda em 1 de fevereiro de 2017.

(4 valores)
PROVA ESCRITA
DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL

(artigo 16.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 2/2008, de 14/1)

Via académica

1.ª Chamada – 17 de fevereiro de 2018

Grelha de Correção

Nota:

As indicações constantes da grelha refletem as soluções que se afiguram ser as mais


corretas para cada uma das questões formuladas.
Porém, não deixarão de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e
alicerçadas em fundamentos consistentes.

1
Caso 1
7 valores

1 - Em face da factualidade descrita, identifique os danos suscetíveis de indemnização.


2 valores

Identificar o dano da morte/perda do direito à vida de Vítor (artigo 496.º, n.ºs 2 e 4, do


Código Civil), considerando que, não obstante subsista alguma discussão no plano doutrinário
a este respeito, a jurisprudência tem sido pacífica no reconhecimento da reparação do dano
morte.
Identificar também, como dano indemnizável, o sofrimento físico, psíquico e emocional
de Vítor nas horas que mediaram entre a eletrocussão de que foi vítima (à noite) e a sua
morte (já de manhã, na ambulância), como é evidenciado pelo facto de ter permanecido em
agonia, caído de bruços sobre a pérgula, por vezes inconsciente, até ter sido encontrado de
manhã.
Aludir à discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito da indemnização dos
referidos danos: se constitui um direito próprio dos indicados familiares da vítima ou um
direito da própria vítima, que se constituiu na sua esfera jurídica e se transmitiu, por via
hereditária, aos seus sucessores ( que, no caso em apreço, não constando que Vítor
fosse casado ou tivesse filhos, seriam os seus pais), tudo nos termos dos artigos 483.º,
2131.º, 2132.º, 2133.º e 2142.º do Código Civil.
Identificar ainda como dano indemnizável o sofrimento psíquico e emocional dos pais
de Vítor, ao abrigo do artigo 496.º, n.ºs 2 e 4, do Código Civil.
Referir que os danos acima identificados são de natureza não patrimonial.
Finalmente, identificar as despesas de funeral como os únicos danos patrimoniais
indemnizáveis na ação intentada pelos pais de Vítor (artigo 495.º, n.º 1, do Código Civil).

2 - Aprecie justificadamente se a Ré é responsável, e a que título, pelo pagamento de


indemnização a Ana e Alberto.
3 valores

Apreciar a responsabilidade civil extracontratual da Ré, analisando a verificação dos


pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito (artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil),
equacionando ser aplicável, ao caso, a presunção de culpa, consagrada no artigo 493.º, n.º
2, do Código Civil.
Concluindo que a Ré não logrou ilidir tal presunção, considerar que está obrigada a
2
indemnizar Ana e Alberto, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, por
facto ilícito ou delitual.
Na negativa, ponderar o enquadramento na responsabilidade civil objetiva ou pelo risco
(artigo 509.º do Código Civil).

3 - Supondo que Ana e Alberto, após a morte do filho, se divorciam e que apenas Ana
intenta a referida ação, pronuncie-se de forma fundamentada sobre a possibilidade de
Alberto intervir nesta ação e por que meio(s) para fazer valer o seu direito a uma
indemnização por todos os danos em causa.
2 valores

Constatar que a admissibilidade da intervenção principal de Alberto na ação intentada


por Ana dependeria da posição que assumisse na lide. Assim, se pretendesse deduzir contra a
Ré, discriminadamente, um pedido autónomo e distinto do formulado por Ana (ex: peticionar
uma indemnização pelo seu próprio desgosto), a sua intervenção seria coligatória ativa, logo
inadmissível, nos termos conjugados dos artigos 32.º a 36.º, 311.º e 316.º, todos do Código de
Processo Civil.
Referir que, ao invés, se pretendesse associar-se à Autora, como litisconsorte, seria
admissível a sua intervenção principal espontânea, nos termos dos artigos 311.º a 315.º do
referido Código.
Considerar que a sua intervenção principal provocada, se requerida pela Ré, como
litisconsorte da Autora, seria igualmente admissível, ao abrigo do artigo 316.º, n.º 3, do mesmo
Código.
Referir que, para que a intervenção pudesse ser requerida pela Autora, por sua iniciativa
ou a convite do Tribunal (cf. artigos 6.º, n,º 2, e 590.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo
Civil), seria indispensável que o caso configurasse uma situação de litisconsórcio necessário,
nos termos conjugados dos artigos 316.º, n.º 1, e 33.º do aludido Código, registando-se, a este
respeito, uma clivagem na jurisprudência.
Assim, entendendo-se que estão em causa direitos dos próprios familiares (mencionados
no artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil) à indemnização, ao invés de direitos adquiridos por via
sucessória, é de concluir que não existe uma situação de litisconsórcio necessário ativo, sendo
inadmissível a intervenção principal requerida pela Autora.
A defender-se estarem em causa, no caso do dano da morte e da presciência da morte,
direitos adquiridos por via sucessória e que seria uma situação de litisconsórcio necessário
legal (mormente atento o disposto no artigo 2091.º do Código Civil, conjugado com o artigo
33.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), já seria admissível, mas apenas quanto a tais danos, a
3
intervenção principal provocada, a requerimento da Autora.

Caso 2
7 valores

1 - Explicite os fundamentos da pretensão de Alberto na ação declarativa que intentou


contra Ana e Branca e aprecie se lhe assiste o direito que se arroga contra estas.
2 valores

Verificar que, ao dar aval na livrança subscrita por Branca a favor do Banco ABC, Alberto
garantiu o seu pagamento, nos termos do disposto nos artigos 30.º a 32.º ex vi artigo 77.º,
todos da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (doravante L.U.).
Constatar que, por força do pagamento que efetuou ao Banco ABC, Alberto ficou
investido nos direitos emergentes da livrança contra a avalizada Branca, pessoa que
igualmente se obrigou para com o Banco ABC, conforme disposto no artigo 32.º, 3.º, ex vi
artigo 77.º da L.U., e concluir, nessa sequência, que assiste a Alberto o direito de reembolso
contra Branca da quantia integral que liquidou ao Banco ABC, no montante de 31.200 €.
Já no tocante aos fundamentos da pretensão de Alberto contra Ana, co-avalista de
Branca na livrança subscrita a favor do Banco ABC, referir que, perante duas teses antagónicas
da jurisprudência, uma que admitia o direito de regresso em termos análogos ao que está
previsto no artigo 650.º do Código Civil para a pluralidade de fiadores e outra que fazia
depender a existência e conteúdo desse direito de convenção extracambiária acordada entre
os avalistas, o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência nos termos seguintes:
«Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo
avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias.» (cf.
acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2012, de 5.6.2012, publicado no DR, 1.ª
série — N.º 137 — 17 de julho de 2012). Admite-se ainda a aplicação do regime das obrigações
solidárias, na senda de alguma doutrina, por via do disposto no artigo 47.º da L.U..
Considerar que assiste a Alberto, na ausência de convenção em contrário, direito de
regresso contra Ana, relativamente a metade do valor que pagou ao Banco ABC.
Concluir que Ana é solidariamente responsável pelo pagamento da quantia de 15.600 €,
com fundamento nas disposições dos artigos 516.º e 524.º do Código Civil.

2 - Pronuncie-se fundamentadamente sobre a reação de Branca e de Dora através da


oposição à execução.
2 valores
4
Verificar que, tendo Alberto instaurado contra Branca ação executiva sumária para
pagamento de quantia certa, baseada em sentença, apenas poderiam servir de oposição a tal
execução os fundamentos elencados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, face ao
disposto nos artigos 550.º, n.º 1, al. a), e 551.º, n.º 3, todos do referido Código.
Considerando que Branca não alegou qualquer facto suscetível de conduzir à extinção
da execução, bastando-se com a alegação de não ser a proprietária da metade indivisa
penhorada que possuía no prédio urbano identificado, concluir que os embargos por si
deduzidos deveriam ser liminarmente indeferidos, nos termos do disposto no artigo 732.º,
alínea b), do Código de Processo Civil.
De igual modo, no que concerne à pretensão de Dora, não assumindo a qualidade de
executada, concluir que é parte ilegítima nos embargos deduzidos, existindo fundamento para
idêntica rejeição liminar, por estar verificada uma exceção dilatória insuprível, de
conhecimento oficioso, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 728.º, n.º 1, a
contrario sensu, 577.º, alínea e), 578.º e 590.º, n.º 1, ex vi 551.º, n.º 1, todos do Código de
Processo Civil.
Apontar no sentido de Dora ter de deduzir embargos terceiros, nos termos previstos nos
artigos 342.º e ss. do Código de Processo Civil.

3 - Suponha que apenas Dora reagiu através de embargos de terceiro. Alberto


contestou, alegando que a executada doou a sua metade à filha Dora para se furtar ao
cumprimento da obrigação exequenda, e pretende assim ver declarada a ineficácia da
doação.
Enquadrando juridicamente os meios de defesa apresentados por Dora e por Alberto,
aprecie fundamentadamente as posições de ambos.
3 valores

Constatando que Dora assumia a qualidade de terceiro em relação à execução


instaurada por Alberto contra Branca e que pretendia defender o direito de propriedade de
que se arrogava titular em relação à metade indivisa penhorada, concluir que lhe cabia reagir à
execução por meio de embargos de terceiro, pedindo o reconhecimento do direito de
propriedade sobre a metade indivisa penhorada, nos termos dos artigos 342.º e seguintes do
Código de Processo Civil.
Quanto a Alberto, confrontado com a referida alegação de Dora, de que a parte indivisa
penhorada lhe foi doada após a constituição do seu crédito sobre Branca, verificar que tinha
fundamento para contestar os embargos, formulando contra Branca e Dora um pedido de
5
impugnação pauliana, com base nos requisitos do artigo 610.º do Código Civil, seguindo os
embargos os termos do processo comum (cf. artigo 348.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Atentar em que a impugnação pauliana só é exercitável pela via judiciária, sendo que,
em tese, tanto pode ser exercida por meio de ação/reconvenção, como por via de exceção,
podendo o devedor (ou terceiro) obstar ao seu prosseguimento, mediante a satisfação do
direito do credor lesado.
Identificar como requisitos gerais da impugnação pauliana a anterioridade do crédito e
resultar do ato a impossibilidade ou o agravamento da impossibilidade para o credor de obter
a satisfação integral do seu crédito - artigo 610.º, alíneas a) e b), do Código Civil, acrescendo,
quando de ato oneroso se trate, a exigência de que o devedor e o terceiro adquirente tenham
agido de má-fé, nos termos do artigo 612.º do referido diploma.
Concluir que, estando em causa um ato gratuito praticado por Branca em desfavor de
Alberto, titular de crédito anterior, deve proceder a impugnação, pelo que Alberto tem direito
“à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do
obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados
por lei“ (cf. artigo 616.º, n.º 1, do Código Civil).
Consequentemente, considerar os embargos improcedentes, subsistindo a penhora sob
a parte indivisa adquirida por Dora mediante doação de Branca.

Caso 3
6 valores

1 - Aprecie, do ponto de vista jurídico-processual, se o juiz deve proferir despacho pré-


saneador e em que sentido na ação intentada por Alda em 1 de fevereiro de 2017.
2 valores

Identificar os contratos celebrados entre as partes, sendo que Joana e Bernardo


celebraram entre si um contrato de compra e venda - artigos 874.º e 879º do Código Civil - e
Bernardo e o Banco Crédito Seguro celebraram entre si um contrato de mútuo com hipoteca -
artigos 1142.º, 698.º e 712.º do Código Civil.
Analisar os conceitos de litisconsórcio necessário natural e de efeito útil normal, a que
alude o artigo 33.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, verificando que, se a ação que Alda
intentou contra Bernardo em 1 de fevereiro de 2017 produzisse caso julgado apenas perante
Bernardo, deixaria o ato ineficaz ou nulo em face de Bernardo e eficaz ou válido relativamente
a Joana e o Banco Crédito Seguro, devendo haver, pois, uma decisão simultânea para todos os
interessados.
6
Concluir que o juiz deve proferir despacho pré-saneador, ao abrigo do disposto nos
artigos 6.º e 590.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, convidando Alda a suprir a
exceção dilatória da ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, mediante
o incidente de intervenção principal provocada de Joana e do Banco Crédito Seguro, ao abrigo
dos artigos 261.º, n.º 1, 311.º e 316.º do referido diploma.

2 - Aprecie, do ponto de vista jurídico-substantivo, as pretensões conflituantes na ação


intentada por Alda em 1 de fevereiro de 2017.
4 valores

Enquadrar jurídico-substantivamente a primeira ação intentada por Alda como uma


ação real de preferência, na qual lhe foi reconhecido o direito legal de preferência sobre a
venda do imóvel, efetuada por escritura de compra e venda de 3 de janeiro de 2012, em que
intervieram como vendedora Paula e como compradora Joana - cf. artigos 1091.º, n.º 1, alínea
a), e n.º 4, 416.º a 418.º e 1410.º do Código Civil.
Constatar que o direito de preferência é um direito real que confere ao seu titular o
direito de prevalência e sequela sobre o objeto preferido, tudo se passando, quando feito valer
judicialmente, como se o contrato de alienação houvesse sido celebrado com o preferente, o
qual se substitui ao comprador na escritura de compra e venda.
Verificar que não se procedeu ao registo da ação de preferência intentada no dia 3 de
janeiro de 2012 nem ao registo da respetiva sentença, contrariamente ao que dispõe o artigo
3.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código do Registo Predial.
Examinando as consequências da omissão do registo previstas no artigo 263.º, n.º 3, do
Código de Processo Civil, referir que a sentença proferida na ação de preferência tem a sua
eficácia normal apenas inter partes, mas que Alda não está impedida de fazer valer o seu
direito real contra terceiros para quem o imóvel foi, entretanto, transmitido, tendo apenas de
os convencer em nova ação.
Concluir que, apesar de a ação de preferência e a respetiva sentença não terem sido
registadas, Alda pode fazer valer o seu direito de preferência contra todos os subadquirentes
na ação que intentou em 1 de fevereiro de 2017, pois os direitos de Bernardo e do Banco
Crédito Seguro são ineficazes em relação a Alda, titular do direito de preferência.
Afastar o regime do artigo 291.º do Código de Processo Civil, pois não se está perante
um caso de nulidade ou de anulação do negócio, pressuposto da aplicação deste preceito.
Afastar a aplicação das regras do registo, designadamente o disposto no artigo 17.º, n.º
2, do Código do Registo Predial, as quais também não operam no caso concreto, na medida
em que o registo é meramente declarativo e não constitutivo.
7
Concluir que o registo da aquisição por compra a favor de Bernardo e o registo da
hipoteca a favor do Banco Crédito Seguro não têm sustentáculo, pois a originária compradora,
Joana, foi substituída nessa compra, ex tunc, por Alda, por efeito da procedência da ação de
preferência.
Verificar também que Bernardo e o Banco de Crédito Seguro não podem ser havidos
como terceiros para efeito do registo, visto terem adquirido os seus direitos de quem nunca foi
titular de um direito registado e depois transmitido.
Concluir que, sendo os direitos dos subadquirentes ineficazes em relação à titular do
direito de preferência, deve ser declarada a ineficácia da compra e venda celebrada por
escritura pública de 10 de janeiro de 2013 e da hipoteca constituídas e, consequentemente, o
cancelamento dos registos da aquisição por compra a favor de Bernardo e da hipoteca a favor
do Banco Crédito Seguro (cf. artigo 13.º do Código do Registo Predial).

Você também pode gostar