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22/04/24, 16:08 TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 319/2024 .

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22/04/24, 16:08 TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 319/2024 .
ACÓRDÃO Nº 319/2024

Processo n.º 155/2024


3ª Secção
Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional:

I. RELATÓRIO
1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, foi interposto
recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC — Lei n.º 28/82, de 15
de novembro, na sua redação atual), por A., S.A., sendo recorridos B., C., D. e E..

2. Os ora reclamados requereram a declaração de insolvência da ora reclamante, bem como o


reconhecimento de créditos no valor global de € 144 161, 62 Euros, e a abertura do incidente de
qualificação culposa da insolvência. Por sentença datada de 22 de outubro de 2022, a ação foi julgada
improcedente.
Inconformados, os ora reclamados apelaram para o Tribunal da Relação de Guimarães que,
por acórdão datado de 19 de janeiro de 2023, decidiu revogar a sentença recorrida e determinar que
o tribunal de 1.ª instância decretasse a insolvência da ora reclamante.
Inconformada, a ora reclamante interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de
Justiça. Por despacho datado de 28 de fevereiro de 2023, o Tribunal da Relação de Guimarães
rejeitou o recurso, «por a causa não ter valor processual superior à alçada desta Relação».
Outra vez inconformada, a recorrente reclamou para a conferência no Tribunal da Relação de
Guimarães. Por despacho datado de 28 de junho de 2023, o Tribunal da Relação de Guimarães
decidiu corrigir oficiosamente o erro na qualificação do meio processual e admitiu a reclamação,
dirigindo-a ao Supremo Tribunal de Justiça. Por decisão singular datada de 6 de setembro de 2023, o
Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação e manteve o despacho reclamado.
Ainda inconformada, a recorrente reclamou para a conferência. Por acórdão datado de 2 de
novembro de 2023, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação e manteve o despacho que
não admitiu a revista.
Sempre inconformada, a recorrente arguiu a nulidade deste acórdão. Por acórdão datado de
19 de dezembro de 2023, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a pretensão da reclamante.

3. A recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, identificando, no


requerimento de interposição de recurso, seis questões de constitucionalidade:
«(…)
a) o n.º 1 do artigo 655.º e o n.º 3 do art. 3.º, ambos do Código de Processo
Civil, porque não interpretados como impondo a necessidade de notificação aos sujeitos processuais
de toda e qualquer intenção de prolação pelo tribunal de uma decisão que os afete, por forma a ser-
lhes assegurado o direito de exercer o contraditório quanto a essa pretensão.
Ao invés, in casu, foi seguida a interpretação no sentido de considerar-se que, em
matéria de recurso, requerimento de arguição de nulidade e reclamação, não deva ter lugar a
audição da recorrente para exercício do contraditório, sempre que sobre ela, o Tribunal tenha
de tomar uma decisão que a afete (designadamente no sentido de não conhecer do objeto do
recurso), pelo que, assim sendo, são tais normas inconstitucionais por violação dos próprios
princípios fundamentais de um Estado de direito democrático (art. 2.º da Constituição da
República Portuguesa), das garantias constitucionais de defesa dos direitos, liberdades e
garantias fundamentais (art. 9.º, alínea b) da Constituição da República Portuguesa), e, em
consequência, dos princípios do direito a um processo justo e equitativo, do contraditório e
do direito de acesso aos Tribunais (consagrados nos artigos 32.º - por analogia - e 20.º, n.º 1 e
4 da Constituição da República Portuguesa);

b) os números 2, 3 e 4 do artigo 607.º do Cód. Proc. Civil ao terem sido


interpretados num sentido que não imponha a obrigatoriedade de fundamentação de todos os atos
decisórios, dever esse que visa proporcionar aos destinatários da decisão a tomada de conhecimento
acerca do processo lógico e racional que presidiu à decisão, dos elementos que, em razão das regras da
experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do
tribunal se formasse em determinado sentido, não se afigurando como suficiente a mera adesão
genérica ou remissão simples para a fundamentação de decisões que lhe antecederam, razão pela qual,
assim não interpretados, tais normativos são inconstitucionais, porque violadores do dever de
fundamentação das decisões judiciais, que é um princípio geral extensivo a todos os ramos do direito,
já que tem assento constitucional no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa,
sendo corolário dos princípios informadores e garantia integrante do Estado de Direito democrático,

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nomeadamente do direito de defesa, de acesso à Justiça e à tutela efetiva, consagrados como direitos
fundamentais nos artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa;

c) o n.º 2 do art. 608.º do Cód. Proc. Civil, ao ter sido interpretado no


sentido de que o dever de decisão imposto ao juiz apenas o obriga à abordagem de uma qualquer
questão temática central e não à emissão de um juízo apreciativo sobre toda e qualquer questão
processual ou de direito material-substantivo que os sujeitos tenham, expressamente, suscitado ou
posto em equação perante o tribunal e que este, em prol do princípio do dever de cognoscibilidade,
deva tomar conhecimento, sendo, assim, inconstitucional por violação do princípio dos deveres de
pronúncia e de decisão sobre todas as matérias que a lei imponha que o juiz tome posição expressa e
que decorrem dos termos das concretas questões suscitadas, do concreto quadro factual dos presentes
autos, da formulação do objeto da decisão e das respostas que a decisão fornece, decorrente da
imposição, vertida nos n.ºs 1 e 2 do art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, aos tribunais
de administrarem a justiça e assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos.

d) o artigo 14.º, n.º 1, segunda parte, do Cód. da Insolvência e da


Recuperação de Empresas e a al. d) do n.º 2 do art. 629.º do Cód. de Processo Civil, ao não terem
sido interpretados, em conjugação, como aplicáveis ao presente caso, no sentido de consubstanciarem
uma exceção que derroga a regra de inadmissibilidade de interposição do recurso de revista, por não
verificação dos requisitos do valor da ação e sucumbência.
In casu, tal interpretação conduziu à não admissibilidade do recurso de revista interposto pela
recorrente, apesar de invocada e demonstrada por esta a existência de uma contradição
decisória entre o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 19.01.2023
(com a Ref.a 8624858) e, de entre outros, os doutos Acórdãos da Veneranda Relação de
Coimbra de 26.10.2010 (proc. n.º 237/10.4TBFVN-B.C1), da Veneranda Relação do Porto de
11.09.2018 (proc. n.º 6983/17.4T8VNG-A.P1) e de 09.03.2020 (proc. n.º
3800/19.4T8VNG.P1), da Veneranda Relação de Lisboa de 10.01.2019 (proc. n.º
9521/18.8T8LSB) e de 12.11.2019 (proc. n.º 14089/18.2T8LSB-A.L1-1) e da Veneranda
Relação de Évora de 25.03.2021 (proc. n.º 291/20.0T8ORQ- A.E1), de 02.12.2022 (proc. n.º
1522/22.7T8BJA.E1) e de 12.01.2023 (proc. n.º 431/22.5T8ELV.E1), proferidos no domínio
da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo, assim,
inconstitucionais por violação dos princípios da segurança jurídica, da confiança e do
processo equitativo, do direito de acesso aos Tribunais e à tutela jurisdicional efetiva,
consagrados nos artigos 2.º, 20.º e 202.º, n.º 2, todos da Constituição da República
Portuguesa;

e) o art. 15.º, segunda parte e art. 301.º, ambos do Cód. da Insolvência e da


Recuperação de Empresas e o n.º 3 do art. 306.º do Cód. de Processo Civil, ao não terem sido
interpretados como impondo aos Tribunais do segundo e terceiro graus de jurisdição, no âmbito de
processos de insolvência, mormente aquando da prolação do despacho de admissão ou não admissão
do recurso, alterar o valor da causa ou ordenar a respetiva baixa dos autos ao tribunal de primeira
instância para que este assim proceda, logo que se verifique que o mesmo não corresponde ao valor
do ativo do devedor indicado no respetivo processo.
É certo que, por douto despacho proferido pelo Juízo do Comércio de Viana do
Castelo (a que foi atribuída a referência Citius 47469298) em 24.09.2021, foi fixado em
€5.000,01 o valor da presente ação de insolvência, mas tal fixação revestiu caráter provisório
(como se infere da literalidade de tal decisão: ííFixa-se, por ora, o valor da acção em €5.001,00 sem
prejuízo do disposto nos art. ºs 15.º e 301.º do CIRE”).
Pese embora tenha sido alegado pela recorrente, no seu articulado de oposição,
concretamente no respetivo artigo 256º, que o valor do seu ativo, segundo o último balanço
aprovado, era de €19.073.556,02 (dezanove milhões setenta e três mil quinhentos e cinquenta
e seis euros e dois cêntimos) - instruindo a alegação de tal factualidade com o documento
junto sob o n.º 32 -, o que conduziu a que o douto Tribunal de primeira instância, ante a
prova produzida em audiência de discussão e julgamento, julgasse provado que o valor do
património da recorrente/devedora, considerando o plasmado no balanço reportado a
31.12.2021, era superior ao seu passivo em €3.227.322,66 (três milhões duzentos e vinte e sete
mil trezentos e vinte e dois euros e sessenta e seis cêntimos) - cfr. item 3.22 do elenco dos
factos provados - e, a contrario, tivesse dado como não provado que o passivo da Recorrente é
manifestamente superior ao seu ativo - cfr. al. f) do elenco dos factos não provados - certo é
que o douto Tribunal de primeira instância não corrigiu ou alterou, conforme se lhe impunha,
o valor da presente causa para €19.073.556,02 (dezanove milhões setenta e três mil
quinhentos e cinquenta e seis euros e dois cêntimos). O Venerando Tribunal da Relação de
Guimarães, assim como o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, em obediência ao
preceituado nos artigos 15.º e 301.º, ambos do C.I.R.E., deveriam ter fixado à presente causa
o valor de € 19.073.556,02, ou, em alternativa, equacionando-se que essa competência se
encontra reservada aos tribunais de primeira instância, deveriam ter ordenado a baixa dos
autos a fim de ser proferido douto despacho que fixasse, em definitivo, o valor da causa, ou
que o corrigisse ou alterasse.

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Ao não terem sido interpretadas tais normas neste sentido, por ter, ao invés, sido
interpretado que o que resulta do n.º 2 do art. 306.º do Cód. de Processo Civil é que não cabe
à Relação ou ao Supremo fixar ou corrigir o valor processual das causas, mas antes à 1.ª
Instância o uso das faculdades previstas no art. 306.º do CPC, são as mesmas
inconstitucionais, por tal interpretação configurar uma manifesta ofensa aos próprios
princípios fundamentais de um Estado de direito democrático (art. 2.º da Constituição da
República Portuguesa), das garantias constitucionais de defesa dos direitos, liberdades e
garantias fundamentais (art. 9.º, alínea b) da Constituição da República Portuguesa) e, em
consequência, dos princípios do direito a um processo justo e equitativo, do direito de acesso
ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, assim como do princípio da igualdade, tutelados
pelos artigos 13.º, 20.º e 202.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa, sendo
que, na sequência, da violação dos preceitos e princípios constitucionais que foram sendo
apontados, de forma mediata, o douto acórdão proferido em conferência pelo Supremo
Tribunal de Justiça em 19.12.2023, violou, igualmente,

f) o princípio da Proporcionalidade (também chamado «princípio da


proibição do excesso» que se desdobra nos princípios da adequação, da exigibilidade ou necessidade e
da proporcionalidade em sentido estrito), o qual encontra acolhimento constitucional do art. 18.º, n.º
2, 2a parte da Constituição da República Portuguesa e constitui um limite constitucional à liberdade de
conformação do legislador, pelo facto de as normas legais citadas nas alíneas precedentes não terem
sido interpretadas da forma preconizada pela recorrente e, assim, afrontarem diretamente os seus
direitos, liberdades e garantias».

4. Através da Decisão Sumária n.º 76/2024, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do


artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.
Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«5. Tendo interposto o recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça (n.º 1 do artigo
76.º da LTC), a recorrente não identifica com rigor a decisão de que recorre — se do acórdão
de 19 de dezembro de 2023 ou do acórdão de 2 de novembro de 2023.
Em qualquer caso, considerando o modo como a recorrente delineou o objeto do
recurso, mostra-se claro que este não reveste natureza normativa, única idónea ao controlo da
constitucionalidade. Pelo contrário, a recorrente visa discutir o concreto julgamento das
instâncias, dirigindo uma censura às próprias decisões judiciais recorridas, por terem decidido de
forma contrária àquela que reputa correta, sem questionar a constitucionalidade de qualquer
norma.
Tal afigura-se evidente quanto às seis questões de inconstitucionalidade indicadas
pela recorrente, em que a censura é dirigida ao modo como as disposições legislativas não
foram interpretadas, sustentando a recorrente uma outra interpretação que, em seu juízo, deveria
ter sido seguida pelo tribunal a quo. Assim, a questão identificada na alínea a) do requerimento
é dirigida ao n.º 1 do artigo 655.º e ao n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil «porque
não interpretados como impondo a necessidade de notificação aos sujeitos processuais de toda e qualquer
intenção de prolação pelo tribunal de uma decisão que os afete, por forma a ser-lhes assegurado o direito de
exercer o contraditório quanto a essa pretensão»; na alínea b), a recorrente dirige o recurso aos
números 2, 3 e 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil «ao terem sido interpretados num
sentido que não imponha a obrigatoriedade de fundamentação de todos os atos decisórios»; na alínea c), o
problema de inconstitucionalidade imputado ao n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo
Civil é o de «ter sido interpretado no sentido de que o dever de decisão imposto ao juiz apenas o obriga à
abordagem de uma qualquer questão temática central e não à emissão de um juízo apreciativo sobre toda e
qualquer questão processual ou de direito material-substantivo»; na alínea d), o vício invocado ao n.º 1
do artigo 14.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e à alínea d) do n.º 2
do artigo 629.º do Código de Processo Civil reside em «não terem sido interpretados, em conjugação,
como aplicáveis ao presente caso»; na alínea e), a recorrente invoca, a propósito dos artigos 15.º e
301.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e do n.º 3 do artigo 306.º do
Código de Processo Civil, que a inconstitucionalidade radica em «não terem sido interpretados
como impondo aos Tribunais do segundo e terceiro graus de jurisdição, no âmbito de processos de insolvência
mormente aquando da prolação do despacho de admissão ou não admissão do recurso, alterar o valor da causa
ou ordenar a respetiva baixa dos autos ao tribunal de primeira instância para que este assim proceda, logo que
se verifique que o mesmo não corresponde ao valor do ativo do devedor indicado no respetivo processo»; na
alínea f), a recorrente não indica qualquer norma, limitando-se a considerar que «o douto acórdão
proferido em conferência pelo Supremo Tribunal de Justiça em 19.12.2023, violou, igualmente, o princípio da
Proporcionalidade».
Isto é, em qualquer das 6 questões de inconstitucionalidade, a recorrente dirige o
recurso ao modo como o tribunal a quo interpretou o direito infraconstitucional, sem enunciar
qualquer norma, abstratamente formulada e suscetível de aplicação genérica, que considere
inconstitucional e cuja aplicação devesse ter sido recusada. Censurou um ato do poder
judicativo, e não do poder legislativo.
Ora, não compete ao Tribunal Constitucional sindicar o juízo de ponderação seguido
nas instâncias, em face dos concretos elementos trazidos aos autos sub judice, para apreciar da
justeza ou correção da decisão recorrida. Essa é matéria de direito comum, para a qual são

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competentes os tribunais comuns. No âmbito do recurso de constitucionalidade cabe apenas
o escrutínio da constitucionalidade de normas e não de quaisquer outras operações,
designadamente o modo como o tribunal recorrido interpretou ou aplicou o direito
infraconstitucional ou ponderou os elementos probatórios trazidos aos autos.
Deste modo, terá de concluir-se pela ausência de objeto normativo idóneo das
questões de inconstitucionalidade enunciadas no presente recurso, em termos que obstam ao
seu conhecimento.

6. Sempre se dirá, em qualquer caso, que ainda que pudesse reconhecer-se ao objeto
do recurso caráter normativo, idóneo à fiscalização da constitucionalidade, sempre teria de
concluir-se pela impossibilidade do seu conhecimento, por não ter qualquer questão de
inconstitucionalidade sido previamente suscitada perante o tribunal a quo.

6.1. Por força do disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, constitui pressuposto de
admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do respetivo artigo
70.º que a questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do
recurso haja sido susci­tada «durante o pro­cesso» e «de modo processualmente adequado pe­rante o tribunal
que pro­feriu a deci­são recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (cfr. alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º e n.º 2 do artigo 72.º da LTC).
Este pressuposto — que, aliás, decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da
Constituição —, para além de vincular o recorrente à antecipação da questão de
constitucionalidade ulteriormente enunciada no requerimento de interposição do recurso
(exigindo-lhe que a defina antes de esgotado o poder jurisdicional da instância recorrida), tem
uma evidente dimensão formal, impondo ao recorrente um ónus de delimitação e especificação,
perante o tribunal a quo, da norma objeto do recurso. Tal implica, como sublinha LOPES DO
REGO, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional,
Coimbra, Almedina, 2010, p. 97, com abundantes referências jurisprudenciais, que o
recorrente proceda a uma «clara, precisa e expressa delimitação e especificação do objeto do recurso».
A razão de ser de tal exigência é facilmente compreensível: dirigindo-se o recurso de
constitucionalidade à reavaliação do pronunciamento contido numa anterior decisão – e não à
apreciação ex novo do vício pretendido controverter no âmbito da fiscalização concreta –, a
exigência de que a questão seja suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional da instância
recorrida visa garantir a obtenção de uma decisão suscetível de ser impugnada perante o
Tribunal Constitucional, assegurando que este somente seja chamado a reapreciar as questões
de constitucionalidade ponderadas – ou suscetíveis de o terem sido – pelo tribunal a quo (v. o
Acórdão n.º 864/2021).

6.2. Compulsados os autos, não se pode considerar previamente suscitada, perante o


tribunal que proferiu os acórdãos aqui recorridos, qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa. Percorrendo a argumentação apresentada nas peças processuais indicadas pela
recorrente («reclamação que apresentou junto do Tribunal da Relação de Guimarães, em 16 de março de
2023 (Ref.a Citius 226149), na sequência da prolação da douta decisão singular proferido por aquele
Venerando Tribunal em 28 de fevereiro de 2023 que não admitiu o recurso de revista por si interposto; na
reclamação para a conferência que apresentou junto do Supremo Tribunal de Justiça, em 20 de setembro de
2023 (Ref.ª Citius 193440) da douta decisão singular proferida em 06 de setembro de 2023 e, ainda, no
requerimento apresentado em juízo em 16 de novembro de 2023 (Ref.ª Citius 196144), através do qual
arguiu as nulidades de que enferma o douto Acórdão da Conferência do STJ, datado de 02 de novembro de
2023», verifica-se que a recorrente não enunciou qualquer norma que reputasse
inconstitucional e cuja aplicação devesse ser recusada pelo tribunal a quo.
Na reclamação que apresentou do despacho do Tribunal da Relação de Guimarães, a
ora recorrente sustentou que a Juíza Desembargadora relatora «Negou, desta forma, à recorrente o
direito, assegurado pelo artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a um processo equitativo
e leal» e «não cumpriu o disposto no artigo 655.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, violando, assim, o n.º 3, do
artigo 3.º, do mesmo diploma legal»; na reclamação da decisão singular que confirmou o despacho
de rejeição do recurso de revista, afirmou que «A douta decisão reclamada, ao decidir como decidiu,
violou, por errada interpretação ou aplicação, o disposto nos artigos 14.º, 15.º e 301.º, todos do C.I.R.E,
296.º, n.º1, 306.º, n.ºs 1 e 3, 629.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), 641.º e 671.º, n.ºs 1 e 3, todos do Cód. Proc.
Civil e aplicáveis ex vi do artigo 17.º do C.I.R.E, e 13.º, 20.º e 202.º, n.º 2, todos da Constituição da
República Portuguesa», já que ali sustentou uma certa interpretação do direito infraconstitucional
e aduziu que «Qualquer outro entendimento configuraria uma manifesta ofensa ao direito de acesso ao
direito e à tutela jurisdicional efetiva, assim como do princípio da igualdade, tutelados pelos artigos 13.º, 20.º e
202.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP)»; na arguição de nulidade do
acórdão proferido em 2 de novembro de 2023, sustentou que «os Senhores Juízes Conselheiros do
Venerando Supremo Tribunal de Justiça (...) Negaram, desta forma, à Reclamante o direito, assegurado pelo
artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a um processo equitativo e leal» e «não
cumpriram o disposto no artigo 655.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, violando, assim, o n.º 3, do artigo 3.º, do
mesmo diploma legal», invocando ainda várias normas da Constituição para aludir ao dever de
fundamentação das decisões judiciais.

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Tal não permite dar por observado o ónus de suscitação prévia de qualquer questão
de inconstitucionalidade normativa, única idónea a controlo concreto da constitucionalidade.
Como o Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamente, é possível questionar apenas
certa interpretação ou dimensão normativa de determinada disposição legal, cabendo nesse caso ao
recorrente enunciar ao tribunal recorrido, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo
do preceito que considera inconstitucional ou ilegal, abstratamente formulado e suscetível de aplicação
genérica, significando isso — como se afirmou já no Acórdão n.º 269/94 —, que o
recorrente tem de indicar claramente «esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal
o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir».
Diferentemente, ao sufragar certa interpretação para o direito infraconstitucional e ao
sustentar que «Qualquer outro entendimento configuraria uma manifesta ofensa ao direito de acesso ao
direito e à tutela jurisdicional efetiva, assim como do princípio da igualdade», a recorrente dirige uma
censura à própria decisão judicial, por não ter sufragado a interpretação que considera correta,
sem formular, com generalidade e abstração, um critério normativo que repute
inconstitucional e cuja aplicação devesse ser recusada.
Não tendo a recorrente suscitado perante o tribunal a quo uma qualquer questão de
constitucionalidade normativa, sempre careceria de legitimidade processual para a interposição
do recurso, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC».

5. Inconformada com tal decisão, a recorrente reclamou para a Conferência.


5.1. No que respeita à inidoneidade do objeto recurso, argumenta do seguinte modo:
«(…)
3. Contrariamente ao que parece ter sido a convicção formada por este Tribunal, não é
pretensão da ora reclamante, com a interposição do recurso, que sejam apreciados, nesta
sede, os concretos factos materiais da causa ou que seja apreciada a bondade substantiva das
decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça -
com as quais, não o negamos, estamos, efetivamente, em total desacordo!
4. Ao invés, conscientes que as diversas vias de recurso ordinário se encontram esgotadas, o
que se visa é que esta instituição fiscalize as questões jurídico-constitucionais que, no
entendimento da reclamante, se impõe que sejam escrutinadas,
5. questões essas que resultam das decisões que foram tomadas ao abrigo de normas que,
precisamente pela forma como foram interpretadas e aplicadas pelo julgador,
contrariamente a normas e princípios constitucionais, se encontram feridas,
consequentemente, de inconstitucionalidade!
(…)
10. Ora, como resulta supra evidenciado, e contrariamente ao que consta defendido na
decisão objeto desta reclamação, a reclamante cumpriu com o ónus que se lhe impunha,
concretizando, por um lado, as normas que considera inconstitucionais por força da forma
como foram interpretados e aplicados no caso e, por outro lado, as normas e os princípios
constitucionais que julga terem sido, por via dessa interpretação, violados!
(…)
13 . Certo é que, como resulta à saciedade, manifesta-se indissociável à demonstração da
inconstitucionalidade das citadas normas, a alusão à interpretação que, no caso em
particular, foi feita das mesmas pelo julgador, interpretação essa que resultou,
invariavelmente, concretizada no sentido das decisões proferidas e que acabaram sendo
objeto de contestação pela reclamante!
14 . Até porque “os julgamentos de inconstitucionalidade normativa, proferidos pelo Tribunal
Constitucional no âmbito de processos de fiscalização concreta, são limitados ao caso de que emergem não
tendo efeitos vinculantes para além da causa que deu origem ao recurso de constitucionalidade, conforme art.º
80.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional. Fora dele, terão efeito persuasivo quanto às questões neles
apreciadas, mas nada inovam no ordenamento jurídico. Certamente podem ilustrar sobre a validade ou
invalidade constitucional de determinada norma ou entendimento normativo, mas não comportam efeitos
extraprocessuais, no plano factual ou jurídico." - como entendimento perfilhado, a título
meramente exemplificativo, no douto Ac. do STJ de 19-05-2022.
15 . Daí que não será pelo facto de a reclamante ter indicado, também, a forma como
entende que as normas ajuizadas deveriam ter sido interpretadas, ou invés da interpretação
que foi perfilhada pelo julgador da causa - e que precisamente conduzirá às apontadas
inconstitucionalidades -, que se poderá concluir, sem mais, que a pretensão que a reclamante
almeja ver nesta sede reconhecida é, afinal, a discussão do concreto julgamento do mérito
das decisões judiciais proferidas!
16 . Ora, o pressuposto de admissibilidade em apreço traduz-se na possibilidade de o
julgamento da questão de constitucionalidade que se pretende submeter à apreciação do
Tribunal Constitucional se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica adotada no
tribunal a quo.
17 . E tal possibilidade efetiva-se quando a decisão sobre a questão de constitucionalidade é
suscetível de alterar o sentido ou os efeitos da decisão recorrida, despoletando
necessariamente uma reponderação da resolução do caso pela instância a quo, o que apenas

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sucederá quando a norma delimitada como objeto do recurso constitua o fundamento
jurídico determinante da solução dada ao pleito pela instância recorrida.
18 . No caso dos autos, e como facilmente se infere das questões suscitadas, a pronúncia
deste Tribunal Constitucional relativamente ao objeto delimitado pela recorrente, no caso de
serem perfilhados os argumentos por aquela expendidos, revelar-se-á suscetível de inverter a
decisão recorrida, daí concluir-se pelo preenchimento dos requisitos de admissibilidade e
conhecimento do recurso interposto.
19 . Finalmente, sempre se diga que, ainda que se tivesse entendido que a reclamante não
havia enunciado qualquer norma, abstratamente formulada e suscetível de aplicação
genérica, que considerasse inconstitucional e cuja aplicação devesse ter sido recusada,
sempre se imporia a formulação do convite a que alude o n.º 5 do art. 75.º-A da LTC.
20 . Convite esse do qual, no entanto, o Digníssimo Juiz Conselheiro Relator não fez uso,
optando, ao invés, por proferir, de imediato, uma decisão sumária no sentido de não se
poder conhecer do objeto do recurso interposto, posição com a qual, com o devido respeito,
estamos em total desacordo.
21 . Deverá, pois, esta conferência reverter o entendimento perfilhado pelo Digníssimo Juiz
Conselheiro Relator, Dr. Afonso Nunes Figueiredo Patrão, reconhecendo-se às questões de
inconstitucionalidade enunciadas no presente recurso, objeto normativo idóneo, em termos
tais que imponham o seu conhecimento».

5.2. Já no que respeita à sua ilegitimidade para o recurso interposto, a reclamante sustenta:
«com exceção da questão invocada sob a al. f) (mas a que infra nos reportaremos), foi
expressamente indicado pela reclamante, em que momentos e por via de que peças
processuais, a mesma suscitara, oportunamente, as citadas questões de inconstitucionalidade, a
saber:
a) na reclamação que apresentou junto do Tribunal da Relação de Guimarães, em 16 de
março de 2023 (Ref.a Citius 226149), na sequência da prolação da douta decisão singular proferido
por aquele Venerando Tribunal em 28 de fevereiro de 2023 que não admitiu o recurso de revista por
si interposto;
b) na reclamação para a conferência que apresentou junto do Supremo Tribunal de
Justiça, em 20 de setembro de 2023 (Ref.a Citius 193440) da douta decisão singular proferida em 06 de
setembro de 2023 e, ainda,
c) no requerimento apresentado em juízo em 16 de novembro de 2023 (Ref.a Citius
196144), através do qual arguiu as nulidades de que enferma o douto Acórdão da Conferência do STJ,
datado de 02 de novembro de 2023.
26.- Bastará a esta conferência percorrer as peças supra enunciadas para asseverar que as
inconstitucionalidades apontadas foram efetivamente ali sendo suscitadas».

Já quanto à questão de inconstitucionalidade enunciada na alínea f) do requerimento de


interposição, a reclamante reconhece não ter cumprido o ónus de suscitação prévia, mas argumenta
que tal não lhe seria exigível:
«38. É que, caso fosse exigível, sem mais, que qualquer questão de (in)constitucionalmente
tivesse de ser previamente suscitada no decurso da tramitação dos autos, estaríamos a vedar a
possibilidade de apreciação, por este Venerando Tribunal, de qualquer questão cuja
inconstitucionalidade só se levantasse aquando da prolação da última das decisões pelos
tribunais judiciais de 1a e 2a instâncias, e que, por isso, se mostrasse insindicável por via do
esgotamento dos recursos ordinários e extraordinários legalmente admissíveis.
39. Não obstante, o ónus de suscitação prévia junto do tribunal recorrido, em momento
processual adequado, da questão de inconstitucionalidade elencada sob a al. f), que se
pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, até terá de se considerar cumprido, pois
ao ter a reclamante interposto o recurso para este tribunal, fê-lo apresentando o requerimento
de interposição junto do Supremo Tribunal de Justiça.
40. O que possibilitou que este órgão decisório, que proferiu a última decisão, também ela
ferida da inconstitucionalidade identificada sob a al. f) supra, tomasse conhecimento desta
questão e sobre ela pudesse tomar posição (desde logo, aquando da prolação do despacho
que admitiu o recurso interposto, proferido em 25 de janeiro de 2024).
41. Do exposto conclui-se que, qualquer aplicação da al. b) do n.º 1 do art. 70.º da LTC que
resulte exclusivamente da interpretação ipsis verbis da letra da lei, inviabilizaria, pois, a
interposição de recursos para o Tribunal Constitucional de qualquer questão de
inconstitucionalidade que resultasse de uma decisão, que já não fosse suscetível de recurso.
42. O que colide frontalmente não apenas com o espírito do preceito, como ainda com a
função no quadro da lógica interna do sistema legal geral de interposição de recursos, e
também com as próprias normas e princípios constitucionais, pois, se assim não for
interpretada aquela disposição, estamos perante uma outra inconstitucionalidade, por assim
resultar vedado à recorrente o acesso ao Direito e aos Tribunais, por violação do artigo 20.º
da Constituição da República Portuguesa!»

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6. Notificados, os reclamados responderam, pronunciando-se pelo indeferimento da
reclamação, com os fundamentos da decisão ora reclamada.

Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
7. Através da Decisão Sumária n.º 76/2024, ora reclamada, concluiu-se pela impossibilidade
de conhecimento do objeto do recurso interposto nos presentes autos. Para assim se decidir, fez-se
notar que nenhuma das questões de constitucionalidade enunciadas pela ora reclamante revestia
natureza normativa, única idónea ao controlo concreto de constitucionalidade, mas antes se referiam
às próprias decisões proferidas nos autos, imputando-lhes um vício de inconstitucionalidade.
Acrescentou-se, ainda, que a reclamante sempre careceria de legitimidade processual para o
recurso, por não ter suscitado previamente, perante o tribunal a quo, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa.

8. Na sua reclamação, a reclamante começa por afirmar que o objeto do recurso são normas
gerais e abstratas, e que «não será pelo facto de a reclamante ter indicado, também, a forma como entende que as
normas ajuizadas deveriam ter sido interpretadas, ou invés da interpretação que foi perfilhada pelo julgador da causa -
e que precisamente conduzirá às apontadas inconstitucionalidades -, que se poderá concluir, sem mais, que a pretensão
que a reclamante almeja ver nesta sede reconhecida é, afinal, a discussão do concreto julgamento do mérito das decisões
judiciais proferidas!». Ademais, invoca que deveria o relator ter formulado o convite a que se refere o n.º
5 do artigo 75.º-A da LTC para que pudessem ser indicadas as normas a fiscalizar.
É manifesta a falta de razão da reclamante.

8.1. Como se disse na decisão reclamada, as questões de constitucionalidade enunciadas


constituem uma censura ao modo como as disposições legislativas não foram interpretadas, sustentando
a recorrente uma outra interpretação que, em seu juízo, deveria ter sido seguida pelo tribunal a quo.
Isto é, o recurso é dirigido a um ato do poder judicativo — o modo como o tribunal a quo
interpretou o direito infraconstitucional — e não do poder legislativo, não tendo a reclamante
enunciado qualquer norma, abstratamente formulada e suscetível de aplicação genérica, que
considerasse inconstitucional e cuja aplicação devesse ter sido recusada.
De resto, o teor da reclamação apresentada confirma que o propósito da reclamante é
sindicar o juízo de ponderação seguido nas instâncias e o modo como o tribunal recorrido
interpretou o direito infraconstitucional, razão pela qual agora se refere à inconstitucionalidade da
decisão recorrida («proferiu a última decisão, também ela ferida da inconstitucionalidade identificada sob a al. f) supra)
e não de qualquer norma que haja constituído ratio decidendi do acórdão impugnado.

8.2. De igual modo, improcede a alegação de que deveria ter sido convidada a aperfeiçoar o
requerimento de interposição de recurso. Com efeito, existe uma distinção entre os planos dos
pressupostos do recurso de constitucionalidade (in casu, da idoneidade do objeto do recurso e
legitimidade processual da recorrente, por incumprimento do ónus de suscitação prévia da questão
de inconstitucionalidade) e o dos meros requisitos formais do requerimento para a sua interposição,
estando o convite ao aperfeiçoamento reservado para a insuficiência dos segundos —insuficiências
de caráter iminentemente formal.
Tal distinção determina que, em caso de não verificação dos primeiros, como sucede na
situação vertente, tal convite não deva ser efetuado, por total ausência de utilidade.

9. No que respeita à sua ilegitimidade processual, a reclamante limita-se a voltar a indicar as


peças processuais que mencionou no requerimento de interposição de recurso, afirmando — mas
sem demonstrar — ter suscitado prévia e adequadamente as questões de constitucionalidade que
quer ver apreciadas.
Ora, compulsados os autos, e como se concluiu na decisão agora reclamada, aí não se
encontra suscitada qualquer questão de constitucionalidade:
«Na reclamação que apresentou do despacho do Tribunal da Relação de Guimarães, a
ora recorrente sustentou que a Juíza Desembargadora relatora «Negou, desta forma, à recorrente o
direito, assegurado pelo artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a um processo equitativo
e leal» e « não cumpriu o disposto no artigo 655.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, violando, assim, o n.º 3, do
artigo 3.º, do mesmo diploma legal»; na reclamação da decisão singular que confirmou o despacho
de rejeição do recurso de revista, afirmou que «A douta decisão reclamada, ao decidir como decidiu,
violou, por errada interpretação ou aplicação, o disposto nos artigos 14.º, 15.º e 301.º, todos do C.I.R.E,
296.º, n.º1, 306.º, n.ºs 1 e 3, 629.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), 641.º e 671.º, n.ºs 1 e 3, todos do Cód. Proc.
Civil e aplicáveis ex vi do artigo 17.º do C.I.R.E, e 13.º, 20.º e 202.º, n.º 2, todos da Constituição da
República Portuguesa», já que ali sustentou uma certa interpretação do direito infraconstitucional
e aduziu que «Qualquer outro entendimento configuraria uma manifesta ofensa ao direito de acesso ao
direito e à tutela jurisdicional efetiva, assim como do princípio da igualdade, tutelados pelos artigos 13.º, 20.º e
202.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP)»; na arguição de nulidade do
acórdão proferido em 2 de novembro de 2023, sustentou que «os Senhores Juízes Conselheiros do
Venerando Supremo Tribunal de Justiça (...) Negaram, desta forma, à Reclamante o direito, assegurado pelo
artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a um processo equitativo e leal» e «não

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cumpriram o disposto no artigo 655.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, violando, assim, o n.º 3, do artigo 3.º, do
mesmo diploma legal», invocando ainda várias normas da Constituição para aludir ao dever de
fundamentação das decisões judiciais.
Tal não permite dar por observado o ónus de suscitação prévia de qualquer questão
de inconstitucionalidade normativa, única idónea a controlo concreto da constitucionalidade.
Como o Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamente, é possível questionar apenas
certa interpretação ou dimensão normativa de determinada disposição legal, cabendo nesse caso ao
recorrente enunciar ao tribunal recorrido, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo
do preceito que considera inconstitucional ou ilegal, abstratamente formulado e suscetível de aplicação
genérica, significando isso — como se afirmou já no Acórdão n.º 269/94 —, que o
recorrente tem de indicar claramente «esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal
o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir».
Diferentemente, ao sufragar certa interpretação para o direito infraconstitucional e ao
sustentar que «Qualquer outro entendimento configuraria uma manifesta ofensa ao direito de acesso ao
direito e à tutela jurisdicional efetiva, assim como do princípio da igualdade», a recorrente dirige uma
censura à própria decisão judicial, por não ter sufragado a interpretação que considera correta,
sem formular, com generalidade e abstração, um critério normativo que repute
inconstitucional e cuja aplicação devesse ser recusada».

Improcede, pois, também nesta parte, a reclamação apresentada.

10. Por fim, resta dizer que falece também razão à recorrente quando diz estar dispensada de
suscitar a inconstitucionalidade das normas aplicadas pela primeira vez pelo tribunal que decidiu em
última instância. Pelo contrário, impõe-se ao recorrente fazer um juízo de prognose, analisando e
ponderando as várias possibilidades de interpretação normativa, questionando antecipadamente
aquelas que repute inconstitucionais previamente à prolação da decisão recorrida.
Não o tendo feito, nem invocando qualquer das situações excecionais ou anómalas que
permitiriam desonerar a reclamante do ónus de suscitação prévia e adequada, resta confirmar
integralmente a decisão agora reclamada.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do
artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, ponderados os critérios estabelecidos no
respetivo artigo 9.º, sem prejuízo do apoio judiciário de que eventualmente beneficie.

Lisboa, 11 de abril de 2024 - Afonso Patrão - José João Abrantes

Atesto o voto de conformidade do Senhor Juiz Conselheiro Carlos Carvalho, que participa por
videoconferência.
Afonso Patrão

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