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22/04/24, 16:08 TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 319/2024 .
ACÓRDÃO Nº 319/2024
I. RELATÓRIO
1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, foi interposto
recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC — Lei n.º 28/82, de 15
de novembro, na sua redação atual), por A., S.A., sendo recorridos B., C., D. e E..
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nomeadamente do direito de defesa, de acesso à Justiça e à tutela efetiva, consagrados como direitos
fundamentais nos artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa;
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Ao não terem sido interpretadas tais normas neste sentido, por ter, ao invés, sido
interpretado que o que resulta do n.º 2 do art. 306.º do Cód. de Processo Civil é que não cabe
à Relação ou ao Supremo fixar ou corrigir o valor processual das causas, mas antes à 1.ª
Instância o uso das faculdades previstas no art. 306.º do CPC, são as mesmas
inconstitucionais, por tal interpretação configurar uma manifesta ofensa aos próprios
princípios fundamentais de um Estado de direito democrático (art. 2.º da Constituição da
República Portuguesa), das garantias constitucionais de defesa dos direitos, liberdades e
garantias fundamentais (art. 9.º, alínea b) da Constituição da República Portuguesa) e, em
consequência, dos princípios do direito a um processo justo e equitativo, do direito de acesso
ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, assim como do princípio da igualdade, tutelados
pelos artigos 13.º, 20.º e 202.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa, sendo
que, na sequência, da violação dos preceitos e princípios constitucionais que foram sendo
apontados, de forma mediata, o douto acórdão proferido em conferência pelo Supremo
Tribunal de Justiça em 19.12.2023, violou, igualmente,
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competentes os tribunais comuns. No âmbito do recurso de constitucionalidade cabe apenas
o escrutínio da constitucionalidade de normas e não de quaisquer outras operações,
designadamente o modo como o tribunal recorrido interpretou ou aplicou o direito
infraconstitucional ou ponderou os elementos probatórios trazidos aos autos.
Deste modo, terá de concluir-se pela ausência de objeto normativo idóneo das
questões de inconstitucionalidade enunciadas no presente recurso, em termos que obstam ao
seu conhecimento.
6. Sempre se dirá, em qualquer caso, que ainda que pudesse reconhecer-se ao objeto
do recurso caráter normativo, idóneo à fiscalização da constitucionalidade, sempre teria de
concluir-se pela impossibilidade do seu conhecimento, por não ter qualquer questão de
inconstitucionalidade sido previamente suscitada perante o tribunal a quo.
6.1. Por força do disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, constitui pressuposto de
admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do respetivo artigo
70.º que a questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do
recurso haja sido suscitada «durante o processo» e «de modo processualmente adequado perante o tribunal
que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (cfr. alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º e n.º 2 do artigo 72.º da LTC).
Este pressuposto — que, aliás, decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da
Constituição —, para além de vincular o recorrente à antecipação da questão de
constitucionalidade ulteriormente enunciada no requerimento de interposição do recurso
(exigindo-lhe que a defina antes de esgotado o poder jurisdicional da instância recorrida), tem
uma evidente dimensão formal, impondo ao recorrente um ónus de delimitação e especificação,
perante o tribunal a quo, da norma objeto do recurso. Tal implica, como sublinha LOPES DO
REGO, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional,
Coimbra, Almedina, 2010, p. 97, com abundantes referências jurisprudenciais, que o
recorrente proceda a uma «clara, precisa e expressa delimitação e especificação do objeto do recurso».
A razão de ser de tal exigência é facilmente compreensível: dirigindo-se o recurso de
constitucionalidade à reavaliação do pronunciamento contido numa anterior decisão – e não à
apreciação ex novo do vício pretendido controverter no âmbito da fiscalização concreta –, a
exigência de que a questão seja suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional da instância
recorrida visa garantir a obtenção de uma decisão suscetível de ser impugnada perante o
Tribunal Constitucional, assegurando que este somente seja chamado a reapreciar as questões
de constitucionalidade ponderadas – ou suscetíveis de o terem sido – pelo tribunal a quo (v. o
Acórdão n.º 864/2021).
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Tal não permite dar por observado o ónus de suscitação prévia de qualquer questão
de inconstitucionalidade normativa, única idónea a controlo concreto da constitucionalidade.
Como o Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamente, é possível questionar apenas
certa interpretação ou dimensão normativa de determinada disposição legal, cabendo nesse caso ao
recorrente enunciar ao tribunal recorrido, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo
do preceito que considera inconstitucional ou ilegal, abstratamente formulado e suscetível de aplicação
genérica, significando isso — como se afirmou já no Acórdão n.º 269/94 —, que o
recorrente tem de indicar claramente «esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal
o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir».
Diferentemente, ao sufragar certa interpretação para o direito infraconstitucional e ao
sustentar que «Qualquer outro entendimento configuraria uma manifesta ofensa ao direito de acesso ao
direito e à tutela jurisdicional efetiva, assim como do princípio da igualdade», a recorrente dirige uma
censura à própria decisão judicial, por não ter sufragado a interpretação que considera correta,
sem formular, com generalidade e abstração, um critério normativo que repute
inconstitucional e cuja aplicação devesse ser recusada.
Não tendo a recorrente suscitado perante o tribunal a quo uma qualquer questão de
constitucionalidade normativa, sempre careceria de legitimidade processual para a interposição
do recurso, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC».
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sucederá quando a norma delimitada como objeto do recurso constitua o fundamento
jurídico determinante da solução dada ao pleito pela instância recorrida.
18 . No caso dos autos, e como facilmente se infere das questões suscitadas, a pronúncia
deste Tribunal Constitucional relativamente ao objeto delimitado pela recorrente, no caso de
serem perfilhados os argumentos por aquela expendidos, revelar-se-á suscetível de inverter a
decisão recorrida, daí concluir-se pelo preenchimento dos requisitos de admissibilidade e
conhecimento do recurso interposto.
19 . Finalmente, sempre se diga que, ainda que se tivesse entendido que a reclamante não
havia enunciado qualquer norma, abstratamente formulada e suscetível de aplicação
genérica, que considerasse inconstitucional e cuja aplicação devesse ter sido recusada,
sempre se imporia a formulação do convite a que alude o n.º 5 do art. 75.º-A da LTC.
20 . Convite esse do qual, no entanto, o Digníssimo Juiz Conselheiro Relator não fez uso,
optando, ao invés, por proferir, de imediato, uma decisão sumária no sentido de não se
poder conhecer do objeto do recurso interposto, posição com a qual, com o devido respeito,
estamos em total desacordo.
21 . Deverá, pois, esta conferência reverter o entendimento perfilhado pelo Digníssimo Juiz
Conselheiro Relator, Dr. Afonso Nunes Figueiredo Patrão, reconhecendo-se às questões de
inconstitucionalidade enunciadas no presente recurso, objeto normativo idóneo, em termos
tais que imponham o seu conhecimento».
5.2. Já no que respeita à sua ilegitimidade para o recurso interposto, a reclamante sustenta:
«com exceção da questão invocada sob a al. f) (mas a que infra nos reportaremos), foi
expressamente indicado pela reclamante, em que momentos e por via de que peças
processuais, a mesma suscitara, oportunamente, as citadas questões de inconstitucionalidade, a
saber:
a) na reclamação que apresentou junto do Tribunal da Relação de Guimarães, em 16 de
março de 2023 (Ref.a Citius 226149), na sequência da prolação da douta decisão singular proferido
por aquele Venerando Tribunal em 28 de fevereiro de 2023 que não admitiu o recurso de revista por
si interposto;
b) na reclamação para a conferência que apresentou junto do Supremo Tribunal de
Justiça, em 20 de setembro de 2023 (Ref.a Citius 193440) da douta decisão singular proferida em 06 de
setembro de 2023 e, ainda,
c) no requerimento apresentado em juízo em 16 de novembro de 2023 (Ref.a Citius
196144), através do qual arguiu as nulidades de que enferma o douto Acórdão da Conferência do STJ,
datado de 02 de novembro de 2023.
26.- Bastará a esta conferência percorrer as peças supra enunciadas para asseverar que as
inconstitucionalidades apontadas foram efetivamente ali sendo suscitadas».
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6. Notificados, os reclamados responderam, pronunciando-se pelo indeferimento da
reclamação, com os fundamentos da decisão ora reclamada.
II. FUNDAMENTAÇÃO
7. Através da Decisão Sumária n.º 76/2024, ora reclamada, concluiu-se pela impossibilidade
de conhecimento do objeto do recurso interposto nos presentes autos. Para assim se decidir, fez-se
notar que nenhuma das questões de constitucionalidade enunciadas pela ora reclamante revestia
natureza normativa, única idónea ao controlo concreto de constitucionalidade, mas antes se referiam
às próprias decisões proferidas nos autos, imputando-lhes um vício de inconstitucionalidade.
Acrescentou-se, ainda, que a reclamante sempre careceria de legitimidade processual para o
recurso, por não ter suscitado previamente, perante o tribunal a quo, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa.
8. Na sua reclamação, a reclamante começa por afirmar que o objeto do recurso são normas
gerais e abstratas, e que «não será pelo facto de a reclamante ter indicado, também, a forma como entende que as
normas ajuizadas deveriam ter sido interpretadas, ou invés da interpretação que foi perfilhada pelo julgador da causa -
e que precisamente conduzirá às apontadas inconstitucionalidades -, que se poderá concluir, sem mais, que a pretensão
que a reclamante almeja ver nesta sede reconhecida é, afinal, a discussão do concreto julgamento do mérito das decisões
judiciais proferidas!». Ademais, invoca que deveria o relator ter formulado o convite a que se refere o n.º
5 do artigo 75.º-A da LTC para que pudessem ser indicadas as normas a fiscalizar.
É manifesta a falta de razão da reclamante.
8.2. De igual modo, improcede a alegação de que deveria ter sido convidada a aperfeiçoar o
requerimento de interposição de recurso. Com efeito, existe uma distinção entre os planos dos
pressupostos do recurso de constitucionalidade (in casu, da idoneidade do objeto do recurso e
legitimidade processual da recorrente, por incumprimento do ónus de suscitação prévia da questão
de inconstitucionalidade) e o dos meros requisitos formais do requerimento para a sua interposição,
estando o convite ao aperfeiçoamento reservado para a insuficiência dos segundos —insuficiências
de caráter iminentemente formal.
Tal distinção determina que, em caso de não verificação dos primeiros, como sucede na
situação vertente, tal convite não deva ser efetuado, por total ausência de utilidade.
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cumpriram o disposto no artigo 655.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, violando, assim, o n.º 3, do artigo 3.º, do
mesmo diploma legal», invocando ainda várias normas da Constituição para aludir ao dever de
fundamentação das decisões judiciais.
Tal não permite dar por observado o ónus de suscitação prévia de qualquer questão
de inconstitucionalidade normativa, única idónea a controlo concreto da constitucionalidade.
Como o Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamente, é possível questionar apenas
certa interpretação ou dimensão normativa de determinada disposição legal, cabendo nesse caso ao
recorrente enunciar ao tribunal recorrido, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo
do preceito que considera inconstitucional ou ilegal, abstratamente formulado e suscetível de aplicação
genérica, significando isso — como se afirmou já no Acórdão n.º 269/94 —, que o
recorrente tem de indicar claramente «esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal
o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir».
Diferentemente, ao sufragar certa interpretação para o direito infraconstitucional e ao
sustentar que «Qualquer outro entendimento configuraria uma manifesta ofensa ao direito de acesso ao
direito e à tutela jurisdicional efetiva, assim como do princípio da igualdade», a recorrente dirige uma
censura à própria decisão judicial, por não ter sufragado a interpretação que considera correta,
sem formular, com generalidade e abstração, um critério normativo que repute
inconstitucional e cuja aplicação devesse ser recusada».
10. Por fim, resta dizer que falece também razão à recorrente quando diz estar dispensada de
suscitar a inconstitucionalidade das normas aplicadas pela primeira vez pelo tribunal que decidiu em
última instância. Pelo contrário, impõe-se ao recorrente fazer um juízo de prognose, analisando e
ponderando as várias possibilidades de interpretação normativa, questionando antecipadamente
aquelas que repute inconstitucionais previamente à prolação da decisão recorrida.
Não o tendo feito, nem invocando qualquer das situações excecionais ou anómalas que
permitiriam desonerar a reclamante do ónus de suscitação prévia e adequada, resta confirmar
integralmente a decisão agora reclamada.
III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do
artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, ponderados os critérios estabelecidos no
respetivo artigo 9.º, sem prejuízo do apoio judiciário de que eventualmente beneficie.
Atesto o voto de conformidade do Senhor Juiz Conselheiro Carlos Carvalho, que participa por
videoconferência.
Afonso Patrão
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