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REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE

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TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

PRIMEIRA SECÇÃO

Processo n.º 228/2014-1.ª

ACÓRDÃO N.º 6/2016

Acordam, em 2.ª instância, na Primeira Secção do Tribunal


Administrativo:

PEDRO JOÃO MAHUMANE, com os demais elementos de


identificação constantes dos autos do processo à margem indicado,
inconformado com a decisão proferida nos autos do Processo n.º
49/2014-CA, através do Acórdão n.º 69/2014, de 23 de Setembro, do
Tribunal Administrativo da Província de Maputo, veio, perante esta
instância da jurisdição administrativa, interpor recurso de agravo,
louvando-se nos factos e fundamentos seguintes:

O tribunal a quo indeferiu liminarmente a petição apresentada pelo


recorrente, ora agravante, por, alegadamente, haver contradição entre
o pedido e a causa de pedir, além da incompetência daquele tribunal
em razão da matéria.

Com efeito, o ora agravante interpôs naquele tribunal um recurso


contencioso contra o acto praticado pelo Presidente do Conselho
Municipal da Cidade da Matola, por considerar que este tribunal

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pertencente à jurisdição administrativa, é competente para dirimir
conflitos entre interesses públicos e privados.

Para além do objectivo comum do contencioso administrativo, o ora


agravante requereu, na mesma acção, uma indemnização pelos danos
causados pelo acto recorrido, por considerar que nos termos da
legislação moçambicana, a jurisdição competente para declarar a
nulidade ou anulabilidade dos actos da Administração Pública,
também é competente para condenar em indemnização pelos danos
causados.

A decisão de indeferimento liminar por ineptidão da petição inicial


surge após a citação e contestação da entidade recorrida, que suscitou
a incompetência do tribunal e a contradição entre o pedido e a causa
de pedir e, o tribunal a quo socorrendo-se destes fundamentos
declarou a alegada ineptidão e indeferiu liminarmente a petição
apresentada.

Com efeito, fundamentou a sua decisão referindo que no recurso


contencioso de anulação, a apresentação de um pedido que não se
compagina com o estabelecido no artigo 26 da Lei n.º 9/2001, de 7 de
Julho, consubstancia motivo de ineptidão da petição e, igual
consequência legal verifica-se quando há contradição entre a causa de
pedir e o pedido.

O dispositivo legal acima citado define a natureza e o objecto dos


recursos contenciosos, como sendo de mera legalidade e têm por
objecto a declaração de anulabilidade, nulidade e de inexistência
jurídica dos actos recorridos, excepto qualquer disposição em
contrário; o mesmo que é perfilhado pelo artigo 32 da Lei n.º 7/2014, de
28 de Fevereiro, ora em vigor.

Por seu turno, o artigo 24, alínea a) da Lei n.º 7/2014, de 28 de


Fevereiro, admite a cumulação do pedido de anulação ou declaração de
nulidade e de inexistência de um acto administrativo com o pedido de
indemnização por perdas e danos que, pela sua natureza, devam

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subsistir mesmo em caso de reposição da situação actual hipotética
obtida através do provimento do recurso.

Significa que o facto de os recursos contenciosos serem de mera


legalidade e terem por objecto a declaração de anulabilidade, nulidade
ou de inexistência jurídica dos actos recorridos, não afasta a
responsabilidade civil pelos danos causados pelas entidades públicas
na jurisdição comum.

No acórdão recorrido, o tribunal a quo não aplicou o princípio non


liquet adoptado de forma sistemática pelo Tribunal Administrativo nos
seus acórdãos, como é no caso do Acórdão n.º 37/1.ª/2000, de 22 de
Agosto, proferido nos autos do Processo n.º 15/98-1.ª.

Na verdade, da leitura da petição inicial percebe-se que a verdadeira


intenção do recorrente ora agravante, era obter daquele tribunal, a
declaração de nulidade do acto então recorrido e, da leitura do acórdão
percebe-se que, da petição, foi claramente entendida a real pretensão
do aqui agravante.

O acórdão recorrido faz uma interpretação restritiva da lei e dos


princípios de Direito Administrativo e não se funda na lei e nos
princípios de direito, negando a justiça ao ora agravante, o que o torna
nulo, nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea c) do Código
de Processo Civil.

O acesso à justiça é um direito fundamental, consagrado no artigo 62


da Constituição da República que não deve ser limitado com
fundamentos pouco declarados.

Atendendo que a lei nova do Processo Administrativo Contencioso


aplica-se aos actos processuais dos processos que correm os seus
termos aquando da sua entrada em vigor, desde que seja favorável, o
tribunal a quo deveria ter considerado a Lei n.º 7/2014, de 28 de
Fevereiro e não a Lei n.º 9/2001, de 7 de Julho, já revogada e teria visto
que nos termos dos artigos 58 e 59 da lei nova, não existe nenhuma
causa de ineptidão preenchida.

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As leis processuais são de aplicação imediata, dada a natureza
publicista e instrumentalista do processo, além do princípio geral de
que a lei só regula para o futuro, conforme ensina Gilles Cistac in
Direito Processual Administrativo Contencioso, Teoria e Prática, V. I.
pág. 178.

No artigo 59, n.º 1 da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro, estão elencados


os casos de ineptidão da petição inicial, o que não é o caso da petição
rejeitada pelo tribunal a quo.

Por outro lado, considerando que o acto de expropriação é nulo,


invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, o tribunal a quo
deveria tê-lo declarado oficiosamente, nos termos do disposto no
artigo 286.º do Código Civil, já que o ora agravante apresentou provas
da expropriação de imóveis de habitação da qual a Assembleia
Municipal, órgão fiscalizador do Conselho Municipal pronunciou-se
considerando o acto ilegal e instou o órgão a repor a legalidade. Aliás
só o facto de invocar e provar a existência do acto recorrido é
suficiente para o tribunal administrativo conhecer do acto ilegal e
declará-lo nulo, porquanto o pedido encontra-se devidamente
formulado.

Ainda que houvesse dúvidas nos termos da Lei n.º 9/2001, de 7 de


Julho, em relação ao pedido de indemnização, o mesmo já não
acontecia no momento em que foi proferido o acórdão recorrido,
porquanto estava em vigor uma nova lei processual mais favorável ao
recorrente que permite expressamente a cumulação do pedido de
anulação, declaração de nulidade ou de inexistência de um acto
administrativo com o de indemnização por perdas e danos, nos termos
do disposto no artigo 24 da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro.

Termina, requerendo que o tribunal julgue procedente o presente


recurso de agravo, revogue o acórdão recorrido e substitua por um
outro que conheça o mérito da causa e julgue procedente a petição de
recurso.

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Juntou os documentos de fls. 8 a 15 dos autos.

O processo foi continuado com vista ao Ministério Público, tendo, o


Digníssimo Magistrado, promovido a improcedência do recurso e a
manutenção do acórdão recorrido por ser correcto e conforme a Lei,
porquanto o ora agravante interpôs recurso contencioso, requerendo
que o tribunal condene, nos termos dos artigos 12, alínea b) e 16,
ambos da Lei de Terras, conjugados com os artigos 1311.º, 1315.º, 1308.º e
1310.º, todos do Código Civil, a retirar as pessoas e as coisas no terreno
em que o recorrente ora agravante e seus co-herdeiros têm o direito ao
uso e aproveitamento de terra (DUAT) e têm edificado os seus imóveis;
requereu, ainda, que o recorrido fosse condenado a indemnizar a
família Mahumane pelos danos morais e patrimoniais causados em
montante a determinar em execução da sentença, uma matéria de
âmbito privado - acção de reivindicação -, excluída da jurisdição
administrativa, nos termos do disposto no artigo 5, alínea e) da Lei n.º
25/2009, de 28 de Setembro, ainda que uma das partes seja uma pessoa
de direito público, cujo fórum competente é o tribunal comum, ao
abrigo do disposto no artigo 1311.º CC.

Por outro lado, os pedidos formulados, não se compaginam com a


natureza e objecto do recurso contencioso, nos termos do disposto no
artigo 26 da Lei n.º 9/2001, de 7 de Julho, segundo o qual os recursos
contenciosos são de mera legalidade e tem por objecto a declaração de
anulabilidade ou nulidade ou, ainda a declaração da inexistência
jurídica dos actos recorridos.

A falta de adequação da petição ao previsto no artigo 26 da LPAC tem


como consequência legal a rejeição do recurso por ineptidão da
petição, nos termos do disposto no artigo 51, n.º 1 da LPAC.

Outrossim, o ora agravante interpôs recurso contencioso no ano de


2009, na vigência da Lei n.º 9/2001, de 7 de Julho, Lei do Processo
Administrativo Contencioso- LPAC, razão pela qual os pedidos por si
formulados devem ser analisados à luz daquela lei, por força do
disposto no artigo 228 da Lei n.º 7/2014, de 28 Fevereiro (folhas 24 a 26
dos autos).

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Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

Por Acórdão n.º 69/2014, de 23 de Setembro, o Tribunal Administrativo


da Província de Maputo indeferiu, liminarmente, a petição apresentada
pelo recorrente, ora agravante, nos termos do disposto no artigo 51,
n.ºs 1 e 2, alínea a), ambos da Lei n.º 9/2001, de 7 de Julho, LPAC.

Para o efeito, o tribunal a quo concluiu que a matéria controvertida


que deu origem aos presentes autos é de direito privado – acção de
reivindicação -, regulada nos termos do disposto nos artigos 1311.º e
seguintes do Código Civil, por isso excluída da jurisdição
administrativa, por ser da competência dos tribunais comuns.

Concluiu, ainda, que os pedidos formulados pelo recorrente, ora


agravante (de condenação da entidade recorrida, de retirar as pessoas e
coisas no terreno em que o recorrente e seus co-herdeiros têm direito
de uso e aproveitamento de terra e com imóveis edificados, e de
indemnizar a família Mahumane, pelos danos morais e patrimoniais
causados, em montante a determinar em execução da sentença), não
se compaginam com a natureza e objecto do recurso contencioso que é
de mera legalidade e tem por objecto a declaração de nulidade,
anulabilidade e de inexistência dos actos recorridos, nos termos do
artigo 26 da LPAC.

Outrossim, que existe uma contradição entre o pedido formulado pelo


recorrente, ora apelante e a causa de pedir, visto que ao longo da
petição de recurso, invoca fundamentos relacionados com a invalidade
do acto recorrido (acto ilegal de expropriação) entretanto, no fim
requerer a condenação da autoridade recorrida, facto que, de igual
modo, não se compagina com o disposto no artigo 26 da LPAC,
tornando, assim, a petição inepta.

No entanto, o ora agravante refere ter interposto recurso contencioso


de anulação, naquele tribunal, contra o acto praticado pelo Presidente
do Conselho Municipal da Cidade da Matola, por considerar que o
mesmo pertence à jurisdição administrativa, por isso com

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competências para dirimir conflitos entre interesses públicos e
privados.

Na verdade, compulsados os autos e, da leitura da petição de recurso,


infere-se que o recorrente ora agravante, interpôs recurso contencioso
contra o acto administrativo de expropriação ilegal, praticado pelo
Presidente do Conselho Municipal da Cidade da Matola, por
considerar que o mesmo enferma de vício de violação da lei e do seu e
co-herdeiros, direito de propriedade, previsto nos termos do n.º 2 do
artigo 82 da Constituição da República e, no final, requereu a
condenação do recorrido a retirar as pessoas e coisas no terreno que o
recorrente e seus co-herdeiros tem direito de uso e aproveitamento de
terra e imóveis edificados de sua propriedade, nos termos do disposto
nos artigos 12, alínea b) e 16 ambos da Lei n.º 19/97, de 1 de Outubro,
Lei de Terras, conjugados com os artigos 1311.º, ex vi artigos 1315.º, 1308.º
e 1310.º, todos do Código Civil (vide folhas 2 a 11, dos autos do recurso
contencioso apenso aos presentes autos).

Daqui resulta que este pedido não se compagina com a natureza e


objecto dos recursos contenciosos que são de mera legalidade e têm
por objecto a declaração de anulabilidade, nulidade e de inexistência
jurídica dos actos recorridos, conforme estabelece o artigo 26 da Lei n.º
9/2001, de 7 de Julho, Lei do Processo Administrativo Contencioso, em
vigor na altura dos factos, aplicável por força do disposto no artigo 228
da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro, Lei que regula os procedimentos
atinentes ao Processo Administrativo Contencioso (LPPAC).

Com efeito, o recurso contencioso é um meio de impugnação de um


acto administrativo, interposto perante o Tribunal Administrativo
competente e visa eliminar da ordem jurídica, um acto administrativo
inválido, obtendo, para o efeito, uma sentença que reconheça essa
invalidade e que, em consequência disso, o destrua juridicamente,
conforme ensina Diogo Freitas do Amaral, Manual de Direito
Administrativo, IV volume, páginas 109 e 110.

Por outro lado, o ora agravante, desenvolveu a sua petição com


fundamentos que conduzem à anulabilidade, declaração de nulidade
ou de inexistência jurídica do acto (acto ilegal de expropriação, que
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enferma de vício de violação da lei), todavia, conclui, requerendo coisa
diversa (a condenação do recorrido a retirar as pessoas e coisas no
terreno em que o recorrente e seus co-herdeiros tem direito de DUAT
e tem edificado imóveis de sua propriedade, nos termos do disposto
nos artigos 12, alínea b) e 16 ambos da Lei n.º 19/97, de 1 de Outubro,
Lei de Terras, conjugados com os artigos 1311, ex vi artigos 1315, 1308 e
1310, todos do Código Civil), o que revela existir uma contradição entre
o pedido e a causa de pedir (vide folhas 2 a 11, dos autos do recurso
contencioso apenso aos presentes autos).

Outrossim, o pedido formulado pelo recorrente, ora agravante,


enquadra-se na acção directa de defesa judicial da posse, prevista nos
artigos 1277.º e 1278.º, ambos do Código Civil e na acção de
reivindicação, prevista e regulada nos termos dos artigos 1311.º e
seguintes do Código Civil, uma matéria do direito privado, cuja
competência está reservada por lei, a outros tribunais, o que se
enquadra na exclusão estabelecida no artigo 5, alíneas e) e f) da Lei n.º
5/92, de 6 de Maio, Lei Orgânica do Tribunal Administrativo, em vigor
na altura dos factos.

Refere, ainda, o ora agravante que da leitura da petição inicial percebe-


se que a verdadeira intenção do recorrente, ora agravante, era obter
daquele tribunal, a declaração de nulidade do acto então recorrido e,
da leitura do acórdão percebe-se que foi claramente entendida a real
pretensão do aqui agravante.

Relativamente a esta questão, importa referir que a sentença, neste


caso o acórdão, não pode condenar em objecto diverso do que se pede,
conforme estabelece o artigo 661.º, n.º 1 do Código do Processo Civil.

O ora agravante, interpôs recurso contencioso junto do Tribunal


Administrativo, a 7 de Agosto de 2009, conforme o carimbo de
entrada, aposto a folhas 2 dos autos do recurso contencioso, apenso
aos presentes autos, o que significa que a lei aplicável ao caso vertente
é a Lei n.º 9/2001, de 7 de Julho, LPAC, e não a Lei n.º 7/2014, de 28 de
Fevereiro, por força do disposto no artigo 228 da Lei n.º 7/2014, de 28
de Fevereiro, pelo que não procede a alegação segundo a qual o artigo

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24, n.º 1, alínea a) desta última lei, admite a cumulação de pedidos de
anulação, declaração de nulidade ou de inexistência jurídica com o
pedido de indeminização por perdas e danos que, pela sua natureza,
devam subsistir mesmo em caso de reposição da situação actual
hipotética obtida através do provimento do recurso.

Aliás, na sua petição, em sede do recurso contencioso, em nenhum


momento o ora agravante requereu a anulação, declaração de nulidade
ou de inexistência jurídica do acto de expropriação, mas, sim, pedido
diverso, o que equivale dizer que a causa de pedir contradiz com o
pedido, consequentemente, consubstancia a ineptidão da petição,
conforme foi doutamente expendido pelo tribunal a quo e, ainda, na
promoção do Ministério Público.

Por todo o exposto, os Juízes Conselheiros desta Secção, em 2.ª


instância, decidem, acolhendo a douta promoção do Digníssimo
Magistrado do Ministério Público, negar provimento ao recurso de
agravo interposto por Pedro João Mahumane, por falta de fundamento
legal e, consequentemente mantêm o Acórdão n.º 69/TAPM/2014, de
23 de Setembro, do Tribunal Administrativo da Província de Maputo.

Custas, pelo agravante, fixadas em 5.000,00MT (cinco mil meticais).

Registe-se e notifique-se, com a menção da possibilidade de


interposição de recurso para o Plenário do Tribunal Administrativo,
em matéria de direito, no prazo de 10 (dez) dias, ao abrigo do disposto
no artigo 138 e seguintes da Lei n.º 9/2001, de 7 de Julho, aplicado ex vi
do artigo 228 de Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro, conjugado com o
disposto no n.º 2 do artigo 40 da Lei n.º 24/2013, de 1 de Novembro,
alterada e reproduzida pela Lei n.º 7/2015, de 6 de Outubro.

Maputo, 15 de Março de 2016.

José Luís Maria Pereira Cardoso – Relator

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Paulo Daniel Comoane

David Zefanias Sibambo

Pelo Ministério Público


Fui Presente

Taíbo Caetano Mucobora,


Procurador-Geral Adjunto

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