Você está na página 1de 4

RELATÓRIO

Ricardo Alberto, com os demais elementos de identificação constantes dos autos, veio,
perante esta instância jurisdicional, recorrer do despacho exarado pela Ministra da
Justiça, datado de 9 de Fevereiro de 2011, que, no culminar de um processo disciplinar,
determinou a aplicação da pena administrativa de expulsão do aparelho do Estado,
estribando-se, sumariamente, nos seguintes termos e fundamentos:

O recorrente é 2.º Cabo dos Serviços Correccionais, afecto à Cadeia Provincial de


Inhambane. O nome do recorrente não é Ricardo Roberto, como está escrito no
despacho recorrido, mas sim, Ricardo Alberto. É-lhe imputado o envolvimento sexual
com uma reclusa, no local de trabalho, porém na nota de acusação não se faz referência
à data e às circunstâncias dos acontecimentos. O despacho não tem razão de ser, pois
funda-se num processo prescrito, nos termos do artigo 80 do Estatuto Geral dos
Funcionários e Agentes do Estado (EGFAE), aprovado pela Lei n.º 14/2009, de 17 de
Março, que estabelece em 3 anos o prazo de prescrição do procedimento disciplinar.
Entre a acusação e a decisão decorreram 5 anos. Há uma lacuna quanto à
fundamentação legal do despacho, porquanto, apenas, fazse referência às alíneas do
diploma, sem referir o dispositivo legal do mesmo. 2 Ademais, no EGFAE, no que toca
aos deveres especiais dos funcionários plasmados no artigo 39, não prevê alíneas, mas
sim números. Na nota de acusação são feitas citações do mesmo artigo com base em
alíneas. Assim, a fundamentação é inexistente. Não foi cumprido o prazo de instrução
do processo disciplinar, pois a decisão não foi tomada no prazo de 15 dias (vide artigo
102, n.º 1 do EGFAE). Ademais, há um dever de fundamentação das decisões
proferidas, mormente, que impliquem a redução ou extinção de um direito dos
particulares, sendo que a fundamentação deve ser clara, facto que não sucedeu com o
acto ora recorrido. Resulta do n.º 2 do artigo 90 do EGFAE que, sempre que num
processo disciplinar seja fixada qualquer das atenuantes, aplica-se ao infractor a pena
mais baixa. O recorrente não tem antecedentes disciplinares ao longo da sua carreira, de
tal sorte que podia ser aplicada a pena de despromoção ou mesmo de multa. Termina,
requerendo a procedência do recurso com fundamento na prescrição do procedimento
disciplinar, extemporaneidade da decisão e na falta de fundamentação da mesma, tendo
como corolário a anulação da pena de expulsão. Citada, a entidade recorrida referiu,
resumidamente, que, relativamente à extemporaneidade do processo disciplinar, por ter
sido instaurado 90 dias após o cometimento da infracção, violando o artigo 80 do
EGFAE é percepção errónea, pois a infracção foi cometida em 27 de Junho de 2005. Na
verdade, a vítima de violação denunciou o facto ao Director da Cadeia Provincial de
Inhambane no dia 10 de Janeiro de 2006, sendo esta a data em que a infracção foi
conhecida. Em 7 de Março de 2006 foi deduzida a nota de culpa e notificada ao
recorrente no dia 10 do mesmo mês. Significa que na data em que foi deduzida a nota de
culpa tinham decorrido cerca de 10 meses. A infracção verificou-se na vigência do
antigo EGFE, aprovado pelo Decreto n.º 14/87, de 20 de Maio, e, aplicando o seu artigo
176, o prazo de instauração do processo disciplinar, que era de 5 anos, ainda estava
longe do seu termo. Aliás, mesmo ao abrigo do Estatuto vigente, por aplicação do artigo
80, o processo não seria extemporâneo, por não terem transcorrido 3 anos. Quanto à
alegação de falta de fundamentação do despacho punitivo, a nota de culpa é objectiva e
incisiva no enquadramento dos factos e legal. O despacho recorrido é assaz eloquente
relativamente aos conteúdos do processo disciplinar, no qual o recorrente devia ter tido
a diligência de compulsar no seu todo, pois teria colhido elementos que, certamente, lhe
desencorajariam a invocar a alegada falta 3 de fundamentação. A omissão da norma
específica infringida não implica a anulabilidade ou nulidade do processo disciplinar. O
recorrente foi anteriormente punido com a pena de despromoção, por despacho de 18 de
Outubro de 2004. E, na nota de acusação vem arrolado um conjunto de circunstâncias
agravantes que afastam qualquer complacência em sede de decisão. Assim, a entidade
recorrida termina solicitando que o pedido seja indeferido. Em sede de alegações
facultativas não foram apresentados factos adicionais com interesse para a lide. No seu
visto, o Digníssimo Magistrado do Ministério Público referiu, essencialmente, que,
tendo o recorrente sido notificado do despacho punitivo a 21 de Março de 2011, o
mesmo dispunha de 90 dias para recorrer contenciosamente, pois a reclamação não
suspende e nem interrompe o prazo de interposição de recurso (n.º 2 do artigo 30 da Lei
n.º 9/2001, de 7 de Julho). O recorrente, apenas, recorreu em 15 de Outubro de 2012,
fora do prazo legal. Assim, o Digníssimo representante do Ministério Público promoveu
o indeferimento liminar do recurso, com fundamento na alínea i) do n.º 2 do artigo 51
da Lei anteriormente citada. Tudo visto Questão prévia Compulsados os autos, verifica-
se que o Digníssimo Magistrado do Ministério Público arguiu a caducidade do direito
ao recurso, fundada na interposição do recurso fora do prazo.
O recorrente impugna o despacho de expulsão do aparelho do Estado exarado pela
Ministra da Justiça, alicerçada na prescrição do procedimento disciplinar,
extemporaneidade da decisão e falta de fundamentação clara da mesma, culminando
com o pedido de anulação da pena de expulsão. O recorrente alicerça a sua impugnação,
dentre outros, na falta de fundamentação da decisão. Este vício é passível de nulidade e
é invocável a todo tempo, nos temos do plasmado no n.º 1 do artigo 30 da Lei n.º
9/2001, de 7 de Julho, aplicável ex vi do artigo 228 da Lei n.º 7/2014, de 28 de
Fevereiro. Ora, analisado o despacho ora impugnado, verifica-se que o facto que
determinou a expulsão, o local e a circunstância da prática da infracção foram
claramente indicadas. No que concerne às disposições legais pertinentes, são indicadas
as do Regulamento de Disciplina do Corpo de Guarda Prisional, aprovado pela Portaria
4 n.º 18 190, de 19 de Dezembro de 1964 e as do EGFAE, sendo que neste último
instrumento legal, apenas, faz-se alusão às alíneas, excluindo-se, efectivamente, o
correspondente artigo. Ora, à luz do disposto no artigo 12 das Normas de
Funcionamento dos Serviços da Administração Pública (NFSAP), aprovadas pelo
Decreto n.º 30/2001, de 15 de Outubro, aplicável aquando do proferição do despacho
sub judice, “a Administração Pública deve fundamentar os seus actos administrativos
que impliquem (…) a revogação (…) de outros actos administrativos anteriores”.
Entretanto, compulsando a nota de acusação, o Relatório de Encerramento e o despacho
recorrido, todas estas peças processuais são claras na indicação da medida disciplinar a
aplicar (expulsão), ficando claro que a omissão do artigo em causa resulta de um lapso
na redacção. Ademais, o recorrente, nas suas alegações, pôde perceber qual foi a pena
aplicada e apresentou o recurso considerando a infracção imputada. Outrossim, na
apreciação do processo disciplinar, o Inspector-Geral do Ministério da Justiça
subscreveu que “(…) a penalização de expulsão, nos termos do EGFE, então aplicável,
pelo alcance das alíneas b) e c) do artigo 184”, tendo a Ministra de tutela concordado
com o posicionamento (vide fls. 4 e 5 do processo disciplinar apenso aos presentes
autos. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 202 do EGFE então vigente, a única
nulidade insuprível em processo disciplinar é a impossibilidade de defesa. Assim, não
há fundamentos para a declaração de nulidade do acto ora impugnado e do
correspondente processo disciplinar. Do despacho de expulsão (fls. 8), afere-se que o
recorrente tomou conhecimento da decisão no dia 21 de Março de 2011. Inconformado
com aquela, interpôs recurso do acto em 15 de Outubro de 2012. Ora, de acordo com o
plasmado no n.º 2 do 30 da Lei n.º 9/2001, de 7 de Julho, aplicável ex vi do artigo 228
da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro, o recurso dos actos anuláveis é interposto no
prazo de 90 dias, ou de 1 ano, nos casos de indeferimento tácito. Portanto, o recurso do
despacho de expulsão foi interposto volvidos mais de 18 meses após a prática do acto
administrativo em apreço, sendo por isso extemporâneo. O recorrente suscita, ainda, o
facto de o nome que consta do despacho recorrido ser Ricardo Roberto, que não é o seu.
Efectivamente, há desconformidade entre o apelido do ora recorrente e do vertido no
despacho de expulsão, podendo induzir em erro na identidade do sancionado.
Entretanto, analisada a matéria de facto e de direito que constam do processo
disciplinar, constata-se que o sujeito processual nesta instância é o mesmo que interveio
e foi sancionado no processo disciplinar. Portanto, é cristalino que se tratou apenas de
um mero lapso. Ademais, o ora 5 recorrente, reconhecendo o erro, não se absteve de
interpor o recurso e as correspondentes alegações, sanando, inequivocamente, o vício
verificado.

Entretanto, analisando de forma cautelosa o acórdão, importa realçar que compete aos
tribunais judiciais dirimir conflitos. Deste modo;

1. A cominação legal da procedência de uma excepção dilatória de incompetência


absoluta do tribunal é a absolvição do réu da instância e não do pedido, nos termos
das disposições conjugadas do nº 1, do artigo 105º, alínea a), nº 1, do artigo 288º, nº
2, do artigo 493º e da alínea f), do nº 1, do artigo 494º, todos do Código de Processo
Civil;
2. É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, de
acordo com o artigo 668º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil.

Portanto, depois da analise conclui-se que as partes são legitimas e o tribunal exerceu
correctamente o poder cognitivo ou jurisdicional, na medida em que se aplicou o direito
justo através do processo, acordando em rejeitar o recurso interposto por Ricardo
Alberto, por caducidade do direito ao mesmo, à luz do preceituado na alínea i) do n.º 2
do artigo 51 da Lei n.º 9/2001, de 7 de Julho, aplicáveis ex vi do artigo 228 da Lei n.º
7/2014, de 28 de Fevereiro, bem como por falta de fundamento legal.

Você também pode gostar